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Terça-feira, 12 de novembro de 2019 II Série-A — Número 12

XIV LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2019-2020)

S U M Á R I O

Projetos de Lei (n.os 55 e 67 a 71/XIV/1.ª):

N.º 55/XIV/1.ª (Cria a dispensa para assistência a filho até aos 2 anos, em substituição da dispensa para amamentação ou aleitação, procedendo à décima quinta alteração à Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, que aprova o Código do Trabalho): — Alteração do texto do projeto de lei.

N.º 67/XIV/1.ª (PAN) — Regula o acesso à morte medicamente assistida.

N.º 68/XIV/1.ª (PCP) — Repõe montantes e regras de cálculo nas compensações por cessação do contrato de trabalho e despedimento.

N.º 69/XIV/1.ª (PCP) — Prolonga os contratos de arrendamento para 10 anos, garantindo maior estabilidade aos arrendatários.

N.º 70/XIV/1.ª (PCP) — Estabelece o regime de recuperação do controlo público dos CTT.

N.º 71/XIV/1.ª (BE) — Alteração ao regime jurídico da gestação de substituição (sétima alteração à Lei n.º 32/2006, de 26 de julho). Projeto de Resolução n.º 52/XIV/1.ª (BE):

Recomenda a criação de um plano nacional de controlo da espécie invasora jacinto-de-água.

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PROJETO DE LEI N.º 55/XIV/1.ª (1)

CRIA A DISPENSA PARA ASSISTÊNCIA A FILHO ATÉ AOS 2 ANOS, EM SUBSTITUIÇÃO DA

DISPENSA PARA AMAMENTAÇÃO OU ALEITAÇÃO, PROCEDENDO À DÉCIMA QUINTA ALTERAÇÃO À

LEI N.º 7/2009, DE 12 DE FEVEREIRO, QUE APROVA O CÓDIGO DO TRABALHO

Exposição de motivos

O fenómeno de queda da natalidade não é só nosso, é conhecido e partilhado na Europa e, em geral, nos

Países mais desenvolvidos. É um tema incontornável na agenda política europeia e inúmeros países adotaram

políticas integradas de promoção da natalidade e da família. As experiências de outros países demonstram

não só que é urgente mas, também, que é possível inverter a queda da natalidade.

A estrutura da sociedade portuguesa tem vindo a alterar-se de forma significativa nos últimos anos devido a

dois fatores: o envelhecimento da população é consequência do aumento da esperança média de vida e do

decréscimo da natalidade. Perante este cenário é fundamental atualizar e inovar as políticas de família.

No caso português, o Instituto Nacional de Estatística (INE) refere sobre a evolução do número de

nascimentos em Portugal que, desde final dos anos 70, se verifica uma tendência decrescente de

nascimentos, rondando atualmente cerca de 80 mil nascimentos por ano, sendo que no ano de 2010 o número

de nascimentos fica abaixo dos 100 000, não voltando a ser ultrapassada essa «barreira».

O Inquérito à Fecundidade de 2013 (IFEC 2013), realizado em conjunto pelo INE e pela Fundação

Francisco Manuel dos Santos, indica que o índice sintético de fecundidade é de 1,28. De acordo com o IFEC

2013, a fecundidade realizada é de 1,03; contrastando com a fecundidade final esperada de 1,78 e a

fecundidade desejada de 2,31; e refere ainda que cerca de 1/5 dos portugueses em idade fértil pretende ter

filhos nos próximos 3 anos. Este diferencial revela que o intervalo que separa a vontade dos filhos desejados e

os filhos efetivamente tidos é um ponto-chave na discussão e análise deste tema, bem como na proposta de

medidas concretas que permitam alterar esta realidade.

A tendência para o «filho único» acentua-se progressivamente, sendo que há um adiamento da

maternidade, o que significa a vinda do primeiro filho em idades mais tardias, comprometendo a possibilidade

do segundo filho. A sociedade de «filho único» representa, atualmente, a descendência de cerca de metade

dos casais com filhos, verificando-se igualmente que, noutros casos, tem vindo a aumentar o período de

tempo entre o primeiro e o segundo filho.

Ainda neste sentido, refira-se que a idade média das mulheres para o primeiro filho é de 26 anos e dos

homens de 28,4 anos; para os casais ainda sem filhos a idade máxima admitida pelas mulheres para terem o

primeiro filho é de 31,1 anos e pelos homens de 33 anos. O adiamento da maternidade é mais evidente em

pessoas com mais escolaridade.

O INE, nas suas projeções de população residente 2012-2060, aponta para uma tendência de diminuição

da população residente em Portugal até 2060, atingindo os 8,6 milhões de pessoas nesse ano, sendo que no

caso de um cenário de baixos níveis de fecundidade e saldos migratórios negativos, o INE prevê 6,3 milhões

de pessoas no ano de 2060. É esperado um continuado e forte envelhecimento da população, sendo que,

entre 2012 e 2060, o índice de envelhecimento aumenta de 131 para 307 idosos por cada 100 jovens. Mesmo

o cenário mais otimista do INE prevê uma regressão demográfica no País.

O CDS-PP tem dedicado toda a atenção à política da família e, em concreto, dos problemas que afetam a

natalidade.

Em novembro de 2007 o CDS-PP apresentou publicamente o relatório Natalidade – O Desafio Português,

onde analisou o problema e apontou caminhos seguros para a sua resolução. Na nossa perspetiva, a função

do Estado, nesta matéria, é a de criar condições para que, o próprio Estado, as empresas e a sociedade em

geral reconheçam a importância da questão. O Estado deve, pois, focar as suas políticas na promoção de um

ambiente que permita às pessoas escolherem com liberdade ter mais filhos, se for esse o seu desejo, o que

efetivamente corresponde aos dados conhecidos.

Concluímos que é possível inverter a tendência de queda da natalidade e, num horizonte temporal de 10

anos, alcançar níveis mais próximos do indicador de substituição das gerações (2,1 filhos por mulher). Para tal

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é necessário criar um ambiente político e social amigo da família, através da concertação de políticas em

diversos domínios (nomeadamente políticas fiscal, educativa, de segurança social e de habitação) e,

sobretudo, garantindo uma atuação não contraditória por parte do Estado.

Assim, e como partido que colocou sempre, e sempre colocará, a temática da família, nomeadamente da

natalidade, no centro da agenda política, o CDS-PP retoma este debate trazendo novas medidas e, em alguns

casos, retomando propostas já apresentadas anteriormente.

Atualmente, a legislação laboral prevê a possibilidade de a mãe poder usufruir de uma dispensa para

amamentação e de ambos os progenitores poderem gozar uma dispensa para aleitação.

Estas dispensas consubstanciam-se na dispensa do trabalho por dois períodos distintos, com a duração

máxima de uma hora cada.

No caso da dispensa para amamentação durar mais de 1 ano, a mãe é obrigada a apresentar atestado

médico comprovativo de que se encontra efetivamente a amamentar.

No entendimento do CDS-PP, não se justifica tal distinção ou obrigatoriedade, devendo a lei estabelecer,

para qualquer um dos progenitores, a dispensa de trabalho para assistência a filho, salvaguardado o período

relativo à amamentação.

A dispensa para assistência a filho deve ficar assegurada até o menor completar os dois anos de idade.

Entendemos que o alargamento de 1 para 2 anos desta dispensa é essencial para garantir uma vinculação

saudável da criança aos seus progenitores, sendo uma garantia do seu desenvolvimento integral.

Por último, entendemos também que esta licença, no período que não diga respeito à amamentação,

poderá ser gozada por um ou por vários avós.

A presente iniciativa já foi discutida na Legislatura passada, por duas vezes, sempre por proposta do CDS-

PP, tendo então sido rejeitada pela esquerda. É, por isso, pertinente a respetiva reapresentação.

Pelo exposto, e ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados do CDS-

PP abaixo assinados apresentam o seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei cria uma dispensa para assistência a filho até aos 2 anos, substituindo a atual dispensa para

amamentação ou aleitação.

Artigo 2.º

Alteração ao Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro

Os artigos 35.º, 47.º, 48.º e 64.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro,

com as alterações introduzidas pelas Leis n.os 105/2009, de 14 de setembro, 53/2011, de 14 de outubro,

23/2012, de 25 de junho, 47/2012, de 29 de agosto, 69/2013, de 30 de agosto, 27/2014, de 8 de maio,

55/2014, de 25 de agosto, 28/2015, de 14 de abril, 120/2015, de 1 de setembro, e 8/2016, de 1 de abril,

passam a ter a seguinte redação:

«Artigo 35.º

(…)

1 – ................................................................................................................................................................... :

a) ..................................................................................................................................................................... ;

b) ..................................................................................................................................................................... ;

c) ..................................................................................................................................................................... ;

d) ..................................................................................................................................................................... ;

e) ..................................................................................................................................................................... ;

f) ...................................................................................................................................................................... ;

g) ..................................................................................................................................................................... ;

h) ..................................................................................................................................................................... ;

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i) ...................................................................................................................................................................... ;

j) ...................................................................................................................................................................... ;

k) Dispensa para assistência a filho;

l) ...................................................................................................................................................................... ;

m) .................................................................................................................................................................... ;

n) ..................................................................................................................................................................... ;

o) ..................................................................................................................................................................... ;

p) ..................................................................................................................................................................... ;

q) ..................................................................................................................................................................... ;

r) ..................................................................................................................................................................... ;

s) ..................................................................................................................................................................... ;

t) ...................................................................................................................................................................... .

2 – ................................................................................................................................................................... .

Artigo 47.º

Dispensa para assistência a filho

1 – Os progenitores que exerçam atividade profissional, qualquer deles ou ambos, consoante decisão

conjunta, têm direito a dispensa para assistência a filho, até este perfazer dois anos, sem prejuízo do período

relativo à amamentação em que tal dispensa é exclusiva da mãe.

2 – A dispensa diária para assistência a filho é gozada em dois períodos distintos, com a duração máxima

de uma hora cada, salvo se outro regime for acordado com o empregador.

3 – No caso de nascimentos múltiplos, a dispensa referida no número anterior é acrescida de mais 30

minutos por cada gémeo além do primeiro.

4 – Se qualquer dos progenitores trabalhar a tempo parcial, a dispensa diária para assistência a filho é

reduzida na proporção do respetivo período normal de trabalho, não podendo ser inferior a 30 minutos.

5 – Na situação referida no número anterior, a dispensa diária é gozada em período não superior a uma

hora e, sendo caso disso, num segundo período com a duração remanescente, salvo se outro regime for

acordado com o empregador.

6 – A dispensa prevista no presente artigo pode ser gozada por um dos progenitores dos trabalhadores que

a ela tenham direito.

7 – Constitui contraordenação grave a violação do disposto neste artigo.

Artigo 48.º

Procedimento de dispensa para assistência a filho

1 – Para efeito de dispensa para assistência a filho, o trabalhador:

a) Comunica ao empregador, com a antecedência de 10 dias relativamente ao início da dispensa;

b) Apresenta documento de que conste a decisão conjunta;

c) Declara qual o período de dispensa gozado por outro trabalhador, sendo caso disso;

d) Prova que os outros trabalhadores exercem atividade profissional e, caso sejam trabalhadores por conta

de outrem, que informaram o respetivo empregador da decisão conjunta.

Artigo 64.º

(…)

1 – ...................................................................................................................................................................

a) Dispensa para assistência a filho;

b) .................................................................................................................................................................... ;

c) ..................................................................................................................................................................... ;

d) .................................................................................................................................................................... ;

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e) .................................................................................................................................................................... ;

f) ..................................................................................................................................................................... .

2 – ................................................................................................................................................................... .»

Artigo 3.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor com o Orçamento do Estado subsequente à sua aprovação.

Palácio de São Bento, 5 de novembro de 2019.

Os Deputados do CDS-PP: Cecília Meireles — João Pinho de Almeida — Ana Rita Bessa — Assunção

Cristas — Telmo Correia.

(1) Texto inicial substituído a pedido do autor da iniciativa a 12 de novembro de 2019 [Vide DAR II Série-A n.º 10

(2019.11.08)].

———

PROJETO DE LEI N.º 67/XIV/1.ª

REGULA O ACESSO À MORTE MEDICAMENTE ASSISTIDA

Exposição de motivos

A evolução da ciência e da medicina permite, nos dias de hoje, prolongar a vida para além daquilo que

seria imaginável, contribuindo para um aumento contínuo da esperança média de vida, vivendo-se mais tempo

e com melhor saúde. De acordo com um relatório recente da Organização Mundial de Saúde, Portugal surge

com uma esperança média de vida de 81,1 anos, valor que se considera elevado e com tendência para

crescer.

Sendo certo que se morre cada mais tarde, também é verdade que a morte é uma inevitabilidade. Com

efeito, apesar dos inúmeros avanços da medicina, existem ainda muitas doenças que permanecem sem cura,

fazendo parte da condição humana a existência de um processo de envelhecimento, de declínio e de morte.

Todavia, ainda que seja inevitável, parece existir na nossa sociedade um certo receio em discutir o tema.

Tal dificuldade estende-se inclusive à classe médica, ainda com pouca formação em questões relacionadas

com o fim de vida. Não cremos que esta seja a melhor solução. As questões relacionadas com o fim de vida e

a morte necessitam ser discutidas sem tabus. É necessário pensar a morte como parte integrante da vida,

porque apenas deste modo podemos pensar e abordar o processo de morte por forma a preparamo-nos para

ele, o que é certamente melhor do que sermos por ele apanhados desprevenidos.

A existência de alta tecnologia na medicina moderna, por possibilitar o aumento do número de anos de

vida, coloca novos desafios, como a necessidade de estabelecimento de critérios para uma boa prática clínica

numa fase final da vida e a necessária discussão em torno da questão da morte medicamente assistida, pela

criação de contraposições entre a quantidade e a qualidade de vida.

O tema da morte medicamente assistida foi alvo de discussão na Assembleia da República durante a

Legislatura passada. A entrada da Petição n.º 103/XIII/1.ª, que solicitava a despenalização da morte assistida,

deu início a um debate intenso no Parlamento, tendo sido criado um grupo de trabalho para o efeito. A

discussão deste tema nos moldes em que se realizou foi de extrema importância porque, apesar da

complexidade e profundidade do mesmo, foi possível, especialmente em sede de grupo de trabalho, debater o

tema com seriedade, discutir argumentos e retirar conclusões. A este debate seguiram-se muitos outros,

impulsionados por organizações da sociedade civil, o que tem contribuído para um maior esclarecimento dos

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cidadãos sobre o tema da morte medicamente assistida, permitindo às pessoas mais indecisas formar a sua

opinião de forma consciente.

O PAN sempre mostrou interesse em discutir o tema, facto que constava já do seu programa eleitoral às

eleições legislativas de 2015 e motivo pelo qual pugnou pela criação de um grupo de trabalho que permitisse o

debate na Assembleia da República, no qual tivemos uma participação ativa. Na Legislatura passada,

apresentámos uma iniciativa que visava a despenalização da morte medicamente assistida, a qual foi

rejeitada. Por sermos favoráveis à autodeterminação e no respeito pela autonomia e liberdade, decidimos

trazer novamente este tema a debate. Acreditamos que esta representa a vontade maioritária da sociedade,

vontade esta expressamente demonstrada num estudo da Eurosondagem que revelou que 67,4% da

população defende a legalização da morte medicamente assistida. Por outro lado, é importante recordar um

recente estudo elaborado em colaboração com a Secção Regional do Norte da Ordem dos Médicos, realizado

com base na resposta de 1200 médicos, que conclui que a maioria dos médicos considera que a eutanásia

deveria ser legalizada em Portugal, tendo inclusive alguns médicos admitido que já praticaram eutanásia ou

suicídio assistido.

Passaremos, então, a apresentar os argumentos e motivos justificativos do presente projeto de lei.

Numa breve definição de morte medicamente assistida, configuramos a mesma como o ato de

antecipar a morte, em resposta a pedido consciente e reiterado, de uma pessoa doente em situação de grande

sofrimento e numa situação clínica grave e irreversível, sem quaisquer perspetivas de cura. A morte

medicamente assistida pode concretizar-se de duas formas: eutanásia, quando o fármaco letal é administrado

por um médico, e suicídio medicamente assistido, quando é o próprio doente a autoadministrar o fármaco letal,

sob a orientação e supervisão de um médico.

Consideramos que desta definição resulta claramente qual o objetivo do recurso à morte medicamente

assistida. A motivação não será certamente matar alguém, mas sim usar a morte como meio para um fim,

nomeadamente para acabar com a situação de sofrimento em que alguém se encontra. Acreditamos que a

intenção de qualquer doente que pretenda recorrer à morte medicamente assistida, tal como a de qualquer

médico que a pratique, seja unicamente a vontade em acabar com o sofrimento, dado que o paciente se

encontra numa situação clínica da qual não se vislumbra qualquer esperança de melhora. Assim, sabendo

aqueles doentes qual o seu destino, aquilo que no fundo estão a escolher, quando formulam um pedido de

morte medicamente assistida, é entre duas formas de morrer, isto é, entre uma morte digna e uma morte

decorrente da doença, a qual acabará por ocorrer em situação de sofrimento. Conforme defende Pedro Galvão

«A morte é um mal comparativo. Não é que estar morto seja intrinsecamente mau (ou bom): a morte, quando é

um mal para quem morre, é má por comparação com aquilo que exclui (um futuro com valor). Acontece que,

por vezes, a alternativa à morte não é um futuro valioso. Aquilo que a morte exclui nem sempre é globalmente

bom.»

Assim, fica claro que não está em causa qualquer opção entre a morte e a vida, até porque nos casos em

apreço esta última já não tem a configuração que as pessoas consideram que deveria ter. O que nos levanta

uma outra questão: o que se deve entender por vida? O que é verdadeiramente viver? Mais, será que

devemos configurar a vida apenas numa perspetiva biológica? Entendemos que não. A vida é muito mais do

que isso. A vida está em constante construção. É a resultado da nossa experiência, das nossas escolhas e

das nossas convicções. Nós somos o resultado das opções que tomamos e que nos transformam enquanto

pessoas. Não olharemos a vida apenas como algo inato, mas como algo mutável que se transforma ao logo

dos anos em virtude do nosso percurso e das nossas crenças.

Viver é um direito e não uma obrigação. O valor da vida é grande, mas não é infinito. Não devemos

prolongar a vida a todo o custo, particularmente se esses custos acarretam uma dor e um sofrimento

intolerável para o doente. A este propósito citamos o artigo «suicídio medicamente ajudado e eutanásia em

unidades de cuidados intensivos: um diálogo sobre questões éticas centrais», publicado pelo Critical Care

Medicine, onde consta que os médicos podem optar por não iniciar ou suspender terapêuticas de suporte vital,

mesmo que daí resulte que os doentes morram mais cedo do que, de outro modo, morreriam. Tendo por base

a perspetiva médica, refere ainda que estes estão «obrigados a tratar o sofrimento físico, mesmo que haja um

hipótese de que essa intervenção, para aliviar a dor, possa encurtar a vida. Se aceitarmos que a vida não

precisa de ser prolongada a todo o custo e que a vida pode mesmo ser encurtada (seja involuntariamente seja

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passivamente), no interesse do seu conforto, então, aceitamos implicitamente que o valor da vida não é

infinito.»

Como escreve Gilberto Couto, citando Rachels e Dworkin, a nossa vida biológica (enquanto organismos)

não tem, para nós, o mesmo valor da nossa vida biográfica (enquanto pessoas). Pelo mesmo motivo, Miguel

Real apela a que vejamos a vida numa perspetiva de qualidade e não de quantidade.

Estas posições invocam o princípio da dignidade da pessoa humana. Conforme ensina Gomes Canotilho, a

dignidade da pessoa é da pessoa concreta, na sua vida real e quotidiana; não é de um ser ideal e abstrato. É

o homem ou a mulher, tal como existe, que a ordem jurídica considera irredutível e insubstituível e cujos

direitos fundamentais a Constituição da República Portuguesa (CRP) enuncia e protege.

Como bem refere Luísa Neto, quando alguém formula um pedido de morte medicamente assistida está no

fundo a dizer: quero viver e morrer de outra maneira, sempre por referência ao valor da vida, e por respeito à

vida. A opção de morrer neste termos implica não tanto o escolher morrer, mas mais o como morrer. O direito

a morrer dignamente implica então apenas falar do direito a que não nos impeçam de aceitar com dignidade e

responsabilidade a chegada iminente da morte e a que nos respeitem o direito a viver de tal maneira que

possamos preparar-nos para assumir tal morte.

Aqui este princípio aparece ligado ao conceito de autonomia e liberdade individual. Um indivíduo

competente e autónomo é livre e responsável pelas suas escolhas. Conforme defendido por Stuart Mill, ser-se

responsável pelas próprias escolhas em vida significa, também, ser-se livre de poder escolher quando e como

morrer.

Neste sentido, subscrevemos inteiramente o que foi dito por Jorge Reis Novais na sua audição na

Assembleia da República no Grupo de Trabalho criado para discutir esta matéria. Aquando da sua reflexão

sobre o que é o princípio da dignidade da pessoa humana, concluiu que «se nós consideramos que as

decisões que a pessoa toma nos domínios vitais da existência humana, o Estado deve proteger a pessoa de

interferências de outros e de imposições de outros, ou seja, deve ser reconhecida a cada pessoa que seja

competente para formar uma vontade o poder de conformar a sua vida de acordo com as suas próprias

conceções; naquelas áreas mais intimas, naquelas áreas mais vitais da sua existência, não deve ser o Estado

a impor uma conceção do mundo, de como deve levar a sua vida. Deve ser a pessoa a definir isso.»

A verdade é que a prática médica, cada vez mais, tem sido caracterizada pela autonomia e liberdade

do paciente. Atualmente, a defesa de um modelo paternalista para a atuação médica já não existe. Um texto

atribuído a Hipócrates recomenda que se diga ao doente o menos possível, que se distraia a sua atenção do

que se está a fazer, que se oculte o máximo do seu estado e do seu futuro, palavras que exprimem a velha

tradição do paternalismo clínico. Ora, a ideia da autodeterminação veio alterar substancialmente o sentido do

ato médico. O paciente deixou de ser um sujeito meramente passivo na relação médico/doente, para passar a

ser um sujeito detentor de direitos que, em conjunto com o médico, decide o percurso da sua vida. Neste

sentido, porque estamos numa relação paritária, o médico deve informar o paciente do seu estado de saúde,

discutir com ele as opções de tratamento disponíveis e ter em conta a sua vontade sobre o destino a dar à sua

vida. Em suma, nas palavras de Luísa Neto «tratar bem não é apenas atuar segundo as regras técnicas da

profissão, mas também considerar o doente como um centro de decisão respeitável.»

Não se defende aqui que a vontade do paciente seja absoluta, isto é, que o médico execute sempre o

pedido pelo doente, nos exatos termos em que tal é pedido. Aquilo que se defende é que a vontade do

paciente seja tida em conta, em todos os momentos, nomeadamente em relação à questão do fim de

vida. Ora, as decisões sobre a morte e, em especial, sobre o modo em que esta ocorre, são de extrema

importância. Assim, quando uma pessoa, de forma consciente e esclarecida, define as condições que quer

para a sua morte, tal vontade deve ser valorada e não liminarmente ignorada, como ocorre atualmente.

A este propósito sufragamos inteiramente a posição de Jorge Reis Novais, transmitida no grupo de trabalho já

mencionado, que inclusive defendeu que a situação atual, de não atender à vontade da pessoa, é

inconstitucional. Tendo defendido, a propósito da apreciação da margem do legislador para intervir nesta

matéria, a existência de um mínimo e de um máximo, dando a Constituição grande margem de manobra ao

legislador desde que respeitados estes limites, argumentou no seguinte sentido: «uma situação de proibição

total de atender à vontade da pessoa, que é aquela que existe hoje, que essa situação é proibida pela

Constituição, ou seja, tenderia a dizer que a situação atual é inconstitucional. Isto é, quando penaliza em todas

e quaisquer circunstâncias, não poderia fazê-lo. Não poderia fazê-lo porque a Constituição de Estado de

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direito, uma Constituição apoiada na dignidade da pessoa humana, tem que reconhecer a vontade da pessoa

decidir para as questões mais decisivas e mais íntimas da sua vida, onde eu incluo também as decisões, em

alguma medida, sobre as condições da sua própria morte. Na medida em que a lei atual não dá a mínima

possibilidade, portanto é uma proibição total e absoluta, a meu ver tenderia a considerar que este limite está

ultrapassado, ou seja, este limite constitucional de atender, em alguma medida, à autonomia da pessoa não

está a ser respeitado.»

Para além da posição assumida por Jorge Reis Novais, vários são os constitucionalistas que defendem que

uma lei que permita a eutanásia ou o suicídio medicamente assistido não é inconstitucional, nomeadamente

Luísa Neto, Teresa Beleza e Faria Costa.

A discussão sobre inconstitucionalidade resulta de uma eventual violação do artigo 24.º da CRP. Ora, tal

interpretação apenas é possível se se entender que aquele artigo, ao estabelecer que a «vida humana é

inviolável», interdita qualquer violação do direito à vida, independentemente do tipo de agressão em causa.

Todavia, ainda que se diga que a vida humana é inviolável ou que o direito à vida é um direito absoluto, tal

consideração, do ponto de vista estritamente jurídico, não é verdadeira. A admissibilidade de situações como a

possibilidade de matar em legítima defesa demonstram tal facto. O direito à vida, ainda que tendencialmente

absoluto, não tem, atualmente, a configuração de um direito absoluto.

Outra questão que se prende com esta está relacionada com a conceção que temos da função do

ordenamento jurídico. Numa situação de despenalização da morte medicamente assistida, o que poderia estar

em causa, eventualmente, seria o facto de o Estado, com uma lei deste tipo, deixar desprotegida a vida

naquelas circunstâncias por não a estar a proteger suficientemente. Mas, será isto verdade? Isto é, o Estado

não está nunca a desrespeitar o direito à vida: se recai sobre o Estado o dever de proteger a vida humana

contra agressões de terceiros, deverá este protegê-la também contra agressões do próprio? A este respeito,

subscrevemos a posição de Jorge Reis Novais, que defende que um Estado de direito não é um Estado

paternalista e que, portanto, não é um Estado que se destine a proteger a pessoa contra si própria, que duvide

da capacidade e da autonomia da pessoa e que, por isso, a proteja, que se superiorize julgando saber qual é o

interesse que aquela pessoa tem e portanto se propõe protegê-lo mesmo quando a pessoa não quer ser

protegida. Uma vez que o Estado de Direito não funciona nesta base, o dever de proteção de uma pessoa

contra si própria é um dever exigente, no sentido em que o Estado apenas deve protegê-la em último caso.

Em princípio, o Estado reconhece autonomia às pessoas, partindo do pressuposto que as pessoas estão em

condições de ter autonomia.

Chegados aqui, facilmente se compreende que aquilo que deve ser garantido pelo Estado é que a

pessoa que toma a decisão é competente para o fazer. O Estado deve, assim, criar mecanismos que

permitam aferir se a vontade manifestada por determinada pessoa corresponde à sua vontade real, ou seja, se

a pessoa está lúcida e consciente.

Todavia, tem sido defendido que a despenalização da morte medicamente assistida introduzirá a ideia de

que há vidas que são dignas de serem vividas e vidas indignas de serem vividas. Não compreendemos este

argumento. Todas as vidas são dignas, independentemente do seu grau de autonomia ou de dependência,

independentemente de se tratar de alguém interdito por anomalia psíquica ou com plena consciência. A única

coisa que difere são as obrigações do Estado, porquanto o mesmo tem o dever de aferir se a pessoa está em

condições de formular a sua vontade, de forma consciente e lúcida, uma vez que, caso não esteja, o acesso à

morte medicamente assistida não é possível.

Outros argumentos têm sido apresentados contra a despenalização da morte medicamente

assistida, em especial a existência de cuidados paliativos e o argumento da «encosta escorregadia ou rampa

deslizante».

No entanto, o PAN entende que a despenalização da morte medicamente assistida não exclui nem

conflitua com os cuidados paliativos. Estes são de enorme importância, devendo por isso ser valorizados e

continuamente reforçados. Mas a verdade é que os cuidados paliativos não eliminam por completo o

sofrimento em todos os doentes nem impedem por inteiro a degradação física e psicológica, porque nem todo

o sofrimento é tratável. Para além disto, os efeitos associados a estes tratamentos, nomeadamente náuseas e

alterações de consciência, podem comprometer a autonomia e a qualidade de vida dos pacientes. Por este

motivo, mas também por outros, existem também doentes que não pretendem submeter-se aos cuidados

paliativos.

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É verdade que ainda muito há a fazer para a melhoria da qualidade e da acessibilidade dos cuidados

paliativos em Portugal. No entanto, isso não significa que apenas se possa permitir a morte medicamente

assistida quando tivermos melhores cuidados paliativos, até porque existem doentes que a eles não querem

recorrer. A vontade destes doentes deve ser respeitada e o Estado deve ter uma resposta alternativa para

aqueles que sofrem.

Concluímos este ponto com uma expressão de Peter Singer: «É extremamente paternalista dizer aos

pacientes que estão prestes a morrer que eles recebem cuidados tao bons que não precisam de dispor da

opção da eutanásia. Estaria mais de acordo com o respeito pela liberdade e autonomia individuais legalizar a

eutanásia e permitir que os pacientes decidissem se a sua situação é suportável.»

Mais, não entramos em discussões alarmistas relacionadas com o argumento da «rampa

deslizante», nos termos do qual a aprovação da morte medicamente assistida abriria caminho para aprovação

de formas de eutanásia involuntária. A morte assistida destina-se a doentes conscientes, lúcidos e cuja

vontade foi manifestamente expressada, motivo pelo qual esta é sempre a pedido do paciente.

Desde que se assegure o cumprimento desta regra, não cremos que existirão abusos. Ainda assim, a

possibilidade de existência de eventuais abusos não pode impedir o legislador de legislar sobre determinadas

matérias. Tais riscos obrigarão o legislador a ser mais cauteloso, devendo estabelecer mecanismos claros e

exigentes de fiscalização e fazer um acompanhamento constante da aplicação da lei, por forma a fazer os

ajustes que sejam necessários. Como bem escreve Gilberto Couto, «o respeito pela autonomia e liberdade de

um doente, assumido na permissão da morte assistida, não deve ser posto em causa pela incapacidade do

Estado em fazer o seu papel, que é impedir os abusos.»

Este argumento da «rampa deslizante» tem sido utlizado para descrever a experiência da morte

medicamente assistida nos países que a despenalizaram. No entanto, olhando para a prática, tal argumento é

desprovido de sentido. Em termos de direito comparado, o número de mortes por eutanásia ou suicídio

assistido não são alarmantes como se tem defendido. Na Suíça, um estudo de 2013 demonstrou que as

mortes por eutanásia e suicídio medicamente assistido representam 1,4% do total de mortes. Na Holanda, os

estudos mais recentes demonstram que o número de mortes por morte medicamente assistida representam

2,9% do total de mortes, não constituindo esta situação um excesso de mortalidade dado que antes da entrada

em vigor da lei morria o mesmo número de holandeses que agora morrem (cerca de 140 000/ano).

De acordo com a avaliação de 2016 dos sistemas de saúde, a Holanda é o país com melhor classificação

no ranking internacional, numa avaliação de 35 países europeus. Olhando para a avaliação de outros países

que despenalizaram a morte medicamente assistida, veremos que a Suíça se encontra no 2.º lugar, a Bélgica

no 4.º lugar e o Luxemburgo no 6.º lugar. Tal comprova que os países que a despenalizaram são países

evoluídos, que prestam bons cuidados de saúde, nomeadamente a nível dos cuidados paliativos, e oferecem

aos seus pacientes todas as alternativas possíveis. Neste sentido, Portugal, que se encontra no 14.º lugar do

ranking, deve olhar para estes países como exemplos a seguir.

Em Portugal existe uma certa liberdade médica de atuação nas questões do fim de vida. A

ortotanásia, isto é, a limitação ou suspensão de tratamentos médicos agressivos tidos como

desproporcionados para o prolongamento da vida, é um espaço livre de direito. Sem legislação a regular esta

matéria, a única coisa de que dispomos é de um conjunto de práticas médicas que, em nome da não

obstinação terapêutica, determinam a ideia de que há um determinado momento em que o doente deve ser

deixado morrer, não sendo tais práticas uniformes em todo o País.

Tais práticas são aceites, invocando-se que existe uma diferença entre matar e deixar morrer, isto é, entre

eutanásia ativa e eutanásia passiva. Mas será esta diferença assim tão nítida? Entendemos que não. A este

respeito, subscrevemos James Rachels, para quem a diferença não é nítida, por entender que o não início ou

suspensão de tratamento comporta uma certa forma de eutanásia permitida pelo status quo. Para este autor,

deixar morrer ou matar são equivalentes eticamente, porque quem decide, de forma passiva ou ativa, pela

morte de um doente, está a admitir que a morte é um mal menor de acordo com os interesses do doente. Ser-

se o «causador direto» ou não é irrelevante. Para ele, a correção ou incorreção do ato depende das razões a

favor ou contra o mesmo, mais do que da motivação do agente. A este propósito a justiça canadiana defendeu

que desde que o doente tenha dado indicação de que pretenda a morte medicamente assistida e que «possa

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dar o seu consentimento informado, não interessa se a assistência do médico é passiva ou ativa, porque a

dignidade e a autonomia do doente são quem manda, em qualquer dos casos.»

Assim, para além dos casos de suspensão de tratamento, é permitido aos médicos, por exemplo,

administrar morfina a um doente para aliviar a sua dor, ainda que de tal ato possa resultar a morte. Esta

possibilidade, a que se chama de teoria do duplo efeito, demonstra que a diferença entre a «morte permitida»

e a «morte não permitida» não é assim tão vincada. De acordo com esta teoria, basta que o médico diga que

agiu com a intenção de aliviar o sofrimento, para que esta morte seja considerada permitida. Contudo, será

possível discernir efetivamente qual a intenção do médico? Conseguiremos afirmar seguramente que a

intenção do médico é aliviar a dor e não antecipar a morte? Entendemos que não. A intenção do médico nem

sempre é fácil definir. Por este motivo, ainda que reconheçamos a diferença entre as duas atitudes,

certamente que esta não é suficientemente grande que justifique a proibição de uma e a permissão de outra,

isto é, que proíba a eutanásia ativa e admita a eutanásia passiva.

Vários foram os avanços que se fizeram em Portugal, no sentido de reconhecer aos pacientes uma

maior autonomia.

É hoje aceite que o doente recuse a administração de determinado tratamento, ainda que de tal recusa

resulte a morte. Importantes contributos nesta matéria foram dados pela Lei n.º 25/2012, de 16 de julho, que

estabelece o regime das diretivas antecipadas de vontade, em matéria de cuidados de saúde,

designadamente sobre a forma de testamento vital, e que permite a nomeação de procurador de cuidados de

saúde. Enquanto importante instrumento de reconhecimento da autonomia do doente, veio prever a

possibilidade de qualquer cidadão maior de idade, que não se encontre interdito ou inabilitado por anomalia

psíquica e que se encontre capaz de dar o seu consentimento consciente, livre e esclarecido, subscrever um

«documento unilateral e livremente revogável a qualquer momento pelo próprio», no qual «manifesta

antecipadamente a sua vontade consciente, livre e esclarecida, no que concerne aos cuidados de saúde que

deseja receber, ou não deseja receber, no caso de, por qualquer razão, se encontrar incapaz de expressar a

sua vontade pessoal e autonomamente.»

Neste sentido, apesar dos passos importantes que têm sido dados, em Portugal não é, ainda, permitida a

morte medicamente assistida. É nosso parecer que tal, por não ser permitido em qualquer circunstância, limita

excessivamente a autonomia e a liberdade individual. Pretendemos então, com o presente projeto,

proceder à regulamentação da morte medicamente assistida em Portugal, tanto na vertente de eutanásia

como de suicídio medicamente assistido, por forma a admiti-la verificadas determinadas circunstâncias.

Assim, o paciente tem que ser portador de uma doença ou lesão incurável, causadora de sofrimento físico

ou psicológico intenso, persistente e não debelado ou atenuado para níveis suportáveis e aceites pelo doente

ou estar em situação clínica de incapacidade ou dependência absoluta ou definitiva. Este precisa de ser

competente e estar consciente e lúcido quando formula o seu pedido e quando o reitera, devendo tal pedido

ser reiterado ao longo de todo o processo. Para além disso, o pedido deve ser apresentado pelo próprio, por

escrito, de forma livre e voluntária, após um processo de adequada informação prestada pelo médico e de livre

reflexão, não motivado ou influenciado por qualquer pressão ou coação exterior. Desta forma, entendemos

que devem estar excluídos do seu âmbito de aplicação os menores, as pessoas interditas ou inabilitadas por

anomalia psíquica, bem como aquelas que padeçam de uma doença do foro mental. Para além disso, aquele

que formula o pedido deverá ter nacionalidade portuguesa ou residir legalmente em Portugal.

Na sequência da formulação do pedido, este deverá ser analisado por uma equipa multidisciplinar,

composta por três médicos: aquele a quem o paciente faz o pedido, um médico especialista na patologia do

paciente e um médico psiquiatra. O procedimento é exigente e para que o pedido seja aceite é necessário o

parecer favorável dos três médicos envolvidos no processo.

Para além disso, cria-se a Comissão de Controlo e Avaliação da Aplicação da Lei. Esta exerce

essencialmente uma função de fiscalização e controlo, competindo-lhe emitir parecer prévio sobre o

cumprimento dos requisitos legais e, posteriormente, receber e analisar os processos de morte medicamente

assistida praticados, para aferir do cumprimento da legislação. Para além disso, exerce importantes

competências ao nível do acompanhamento da aplicação da lei, emissão de pareceres sobre a matéria e

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elaboração de relatórios sobre a sua atividade, podendo, ainda, formular recomendações à Assembleia da

República ou ao Governo.

Cremos que o presente projeto, por prever elevados mecanismos de controlo, quer seja pela

obrigatoriedade de parecer favorável de três médicos, quer seja pela criação de uma Comissão que analisará,

em momento prévio e após a morte, o cumprimento dos requisitos legais, evitará situações de abuso, por

possuir um elevado grau de escrutínio e de monitorização.

O presente projeto de lei – pela exclusão de doentes com problemas mentais, pela exigência de consulta

de três médicos de diferentes áreas, pela obrigatoriedade de um pedido reiterado e por apenas admitir o

acesso à morte medicamente assistida aos doentes com doença ou lesão incurável, causadora de sofrimento

físico ou psicológico intenso, persistente e não debelado ou atenuado para níveis suportáveis e aceites pelo

doente ou a doentes em situação clínica de incapacidade ou dependência absoluta ou definitiva, e, ainda

assim, nestes casos, obrigar o médico a discutir com o paciente outras possibilidades terapêuticas ainda

disponíveis, assim como as possibilidades oferecidas pelos cuidados paliativos e as suas consequências e

impactos na vida do paciente – tem em vista garantir que o pedido de morte medicamente assistida não é uma

precipitação e que resulta efetivamente da vontade do paciente.

Importa ainda acrescentar que a morte medicamente assistida é pedida pelo doente e não sugerida

pelo médico. Neste sentido, a publicidade a uma lei que possibilite a morte medicamente assistida deverá ser

mínima, bastando que o doente tenha conhecimento da lei e que o médico só fale desta possibilidade quando

diretamente interpelado pelo doente para tal. Mais, o presente projeto não obriga ninguém a formular um

pedido de morte medicamente assistida, nem ninguém deverá ser submetido a ela contra a sua vontade,

destinando-se apenas àqueles que o pedirem.

Face ao exposto, vemos a despenalização e regulamentação em Portugal da morte medicamente assistida

como uma expressão concreta dos direitos individuais à autonomia e à liberdade de convicção e de

consciência. Assim, e ainda que os direitos individuais no domínio da autodeterminação da pessoa doente

tenham vindo a ser progressivamente reconhecidos – nomeadamente o reforço do consentimento informado,

do direito de aceitação ou recusa de tratamento, da condenação da obstinação terapêutica e das diretivas

antecipadas de vontade –, vemos a possibilidade de acesso à morte medicamente assistida como mais um

passo importante e necessário no reconhecimento daqueles direitos.

Terminamos com uma frase de Caillaout, Deputado francês que, falando sobre a reforma do Código Penal

Francês, utilizou a seguinte expressão: «O indivíduo não deve acabar como carne de laboratório, irrigado,

desintoxicado, bombeado para uma máquina, deve admitir-se um direito de viver com dignidade a sua própria

morte.» Em suma, é apenas isto que pretendemos: conceder às pessoas o direito a viver com

dignidade, mesmo na hora da morte.

Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, as Deputadas e o Deputado do PAN

apresentam o seguinte projeto de lei:

CAPÍTULO I

Disposições Gerais

Artigo 1.º

Objeto

O presente diploma regula o acesso à morte medicamente assistida, na vertente de eutanásia e suicídio

medicamente assistido.

Artigo 2.º

Morte medicamente assistida

Para efeitos da presente lei, entende-se por morte medicamente assistida o ato de, em resposta a um

pedido do próprio, informado, consciente e reiterado, antecipar ou abreviar a morte de doentes em grande

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sofrimento sem esperança de cura, podendo concretizar-se como eutanásia ou suicídio medicamente

assistido, nos termos previstos no artigo 12.º da presente lei.

CAPÍTULO II

Requisitos e capacidade para pedido de morte medicamente assistida

Artigo 3.º

Requisitos de admissibilidade da morte medicamente assistida

1 – O pedido de morte medicamente assistida apenas é admissível nos casos de doença ou lesão

incurável, causadora de sofrimento físico ou psicológico intenso, persistente e não debelado ou atenuado para

níveis suportáveis e aceites pelo doente ou nos casos de situação clínica de incapacidade ou dependência

absoluta ou definitiva.

2 – O pedido deve ser apresentado a um médico pelo próprio doente, de forma livre e voluntária, após um

processo de adequada informação prestada pelo médico e de livre reflexão, não podendo ser motivado ou

influenciado por qualquer pressão ou coação exterior.

3 – A pessoa deve estar dotada de todas as capacidades mentais, bem como consciente e lúcida quando

formula o pedido e quando o reitera ao longo do processo.

Artigo 4.º

Legitimidade e capacidade

1 – Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, qualquer pessoa pode formular pedido de morte

medicamente assistida, desde que cumpra os seguintes requisitos:

a) Tenha pelo menos 18 anos de idade;

b) Tenha nacionalidade portuguesa ou resida legalmente em Portugal;

c) Não se mostre interdito ou inabilitado por anomalia psíquica;

d) Não padeça de qualquer doença do foro mental.

2 – Os pedidos de doentes sujeitos a processo judicial visando a respetiva incapacidade, enquanto o

mesmo se encontrar pendente, não são admitidos, sendo o procedimento de morte medicamente assistida

imediatamente suspenso quando o processo judicial for instaurado posteriormente à apresentação do pedido e

enquanto o mesmo decorra.

CAPÍTULO III

Procedimento prévio ao cumprimento da morte medicamente assistida

Artigo 5.º

Pedido do doente

1 – O doente que pretenda requerer a morte medicamente assistida deverá formular o seu pedido junto de

médico à sua escolha, doravante designado por médico assistente, nomeadamente o médico de família ou o

médico que faça o seu acompanhamento em sede hospitalar ou em cuidados paliativos.

2 – Sem prejuízo da manifestação oral de vontade, o doente terá obrigatoriamente de redigir o seu pedido

por escrito e entregá-lo ao médico assistente, devendo a assinatura deste ocorrer na presença do médico

assistente.

3 – Nas situações em que o doente esteja impossibilitado de escrever ou assinar, este pode fazer-se

representar por pessoa por si indicada, caso em que a redação e assinatura do documento deve ocorrer na

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presença do médico assistente, constando daquele a indicação de que se assina em nome de outrem,

devendo o médico assinar igualmente o documento.

4 – O requerimento com o pedido de morte medicamente assistida terá de conter, pelo menos, as

seguintes menções:

a) Identificação completa do doente;

b) Indicação da doença da qual é portador;

c) Enumeração fundamentada dos motivos que o levam a formular um pedido de morte assistida;

d) Descrição fundamentada sobre o preenchimento dos requisitos previstos nos artigos 3.º e 4.º da

presente lei;

e) Opção pela morte medicamente assistida na modalidade de eutanásia ou de suicídio medicamente

assistido.

5 – As informações referidas no número anterior são prestadas através de formulário único para o efeito, a

aprovar pelo membro do governo responsável pela área da saúde.

Artigo 6.º

Apreciação do pedido pelo médico assistente

1 – Recebido o pedido, o médico deve apreciar o mesmo, de modo a verificar se estão preenchidos os

requisitos previstos nos artigos 3.º, 4.º e 5.º da presente lei.

2 – Caso se encontrem preenchidos, o médico deve:

a) Informar o doente do seu estado de saúde e a sua expectativa de vida;

b) Discutir com o doente outras possibilidades terapêuticas ainda disponíveis, se for o caso, assim como

as possibilidades oferecidas pelos cuidados paliativos e as suas consequências e impactos na vida do doente;

c) Consultar outro médico, cuja área de especialização corresponde a da patologia que esteja em causa,

doravante designado por médico consultado, para que este se pronuncie sobre o estado de saúde do doente e

sobre a admissibilidade do pedido de morte medicamente assistida;

d) Salvo oposição do doente, discutir o pedido com o médico ou equipa de médicos que assegure os

cuidados regulares do doente;

e) Salvo oposição do doente, discutir o pedido com o seu agregado familiar ou, caso este viva sozinho, os

Discutir com ele o seu pedido de eutanásia ou suicídio medicamente assistido;

f) Seus familiares mais próximos;

g) Efetuar todas as diligências que tenham por adequadas no caso concreto para se assegurar de que o

pedido é voluntário e que foi proferido de forma séria, refletida e livre de quaisquer pressões externas.

3 – O médico deve conversar com o doente o número razoável de vezes, face à evolução da sua condição,

de modo a, em consciência, se aperceber se a vontade deste, manifestada no pedido, se mantém.

4 – O médico deve elaborar um relatório com os resultados da consulta com o doente, devendo neste

expor todos os pontos discutidos, nomeadamente os referidos nos números anteriores, com a indicação das

respostas dadas e apreciação da postura do doente, em especial a verificação da seriedade, ponderação e

liberdade do pedido e aferição da sua vontade.

5 – O médico deverá elaborar um relatório por cada consulta que realizar com o doente, devendo deste

constar os elementos previstos no número anterior.

6 – Para efeitos do cumprimento da alínea d) do n.º 2 do presente artigo, o médico assistente deverá

remeter ao médico consultado o dossiê clinico do doente, onde constem todas as informações essenciais

sobre o seu estado de saúde, nomeadamente o seu historial clínico, bem como os relatórios por si elaborados

identificados nos números anteriores, com as conclusões das consultas que o médico realizou com o doente,

juntando documento que explicite as razões da consulta.

7 – Do dossiê clínico referido no número anterior deverá constar ainda parecer do médico assistente,

devidamente fundamentado, datado e assinado, do qual conste a sua análise sobre o pedido de morte

medicamente assistida, comunicando ao doente a sua decisão.

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Artigo 7.º

Apreciação do pedido pelo médico consultado

1 – O médico consultado, tendo tomado conhecimento do dossiê clínico do doente, procede à apreciação

do mesmo, devendo verificar, em primeiro lugar, se estão preenchidos os requisitos previstos nos artigos 3.º,

4.º e 5.º da presente lei.

2 – Caso verifique que os requisitos se encontram preenchidos, o médico consultado examina o doente,

nos mesmos moldes que o exame feito pelo médico assistente, aplicando-se com as necessárias adaptações

o disposto nos n.os 2 a 6 do artigo anterior.

3 – Concluídas as diligências do presente artigo, o médico consultado elabora um relatório do qual conste o

seu parecer sobre o pedido de morte medicamente assistida, devidamente fundamentado, datado e assinado.

4 – O relatório, acompanhado do parecer e demais documentação relevante, deve ser remetido pelo

médico consultado ao médico assistente, que informa o doente do conteúdo do parecer daquele.

5 – A documentação remetida pelo médico consultado deve ser incluída no dossiê clínico do doente.

Artigo 8.º

Apreciação do pedido pelo médico psiquiatra

1 – Após o exame do médico consultado, o paciente deverá ser observado por um médico psiquiatra,

devendo o médico assistente remeter a este o dossiê clínico completo do doente.

2 – O médico psiquiatra deve verificar se o doente se encontra mentalmente são ou se sofre de alguma

doença do foro mental, que impeça ou condicione a decisão consciente do pedido de morte medicamente

assistida.

3 – O médico psiquiatra realiza as consultas que entenda convenientes para os efeitos previstos no número

anterior antes de formular o seu parecer.

4 – O médico psiquiatra deve elaborar um relatório do qual conste o seu parecer, devidamente

fundamentado, datado e assinado, sobre o pedido de morte medicamente assistida.

5 – O parecer desfavorável do médico psiquiatra ao pedido de morte medicamente assistida impede a

continuidade do procedimento e implica o encerramento do mesmo, sem prejuízo do disposto no artigo 10.º.

6 – O relatório, acompanhado do parecer e demais documentação relevante, deve ser remetido pelo

médico psiquiatra ao médico assistente, que informa o doente do conteúdo do parecer daquele.

7 – A documentação remetida pelo médico psiquiatra deve ser incluída no dossiê clínico do doente.

Artigo 9.º

Parecer da Comissão de Controlo e Avaliação da Aplicação da Lei

Nos casos em que se verifique a existência dos pareceres favoráveis previstos nos artigos anteriores,

reconfirmada a vontade do doente, o médico assistente solicita parecer, que deve ser elaborado no prazo

máximo de cinco dias úteis, sobre o cumprimento dos requisitos e das fases anteriores do procedimento à

Comissão de Controlo e Avaliação da Aplicação da Lei

Artigo 10.º

Decisão sobre o pedido de morte medicamente assistida

1 – A decisão final sobre o pedido de morte medicamente assistida cabe ao médico assistente.

2 – O médico assistente elabora um relatório final com a decisão e comunica-a ao doente.

3 – O médico assistente apenas poderá deferir o pedido de morte medicamente assistida caso os

pareceres dos três médicos envolvidos e da Comissão de Controlo e Avaliação da Aplicação da Lei seja

favorável.

4 – Caso algum dos pareceres seja desfavorável, o médico assistente deverá obrigatoriamente indeferir o

pedido, sem prejuízo da possibilidade do doente de pedir a reavaliação, nos termos do artigo seguinte.

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Artigo 11.º

Reavaliação do pedido de morte medicamente assistida

1 – Nas situações em que algum dos médicos envolvidos emita um parecer desfavorável ao pedido de

morte medicamente assistida, o doente tem direito a pedir uma reavaliação do mesmo, devendo esta ser

realizada por outro médico.

2 – Para os efeitos previstos no número anterior, deve ser nomeado um novo médico, com a mesma

especialização daquele que emitiu parecer desfavorável, que procederá à análise da situação clínica do

doente e formulará um parecer sobre o pedido de morte medicamente assistida.

3 – Sem prejuízo da possibilidade do doente de formular um novo pedido de morte medicamente assistida,

a nova avaliação referida no presente artigo só pode ser pedida por uma única vez.

4 – A nova avaliação devera ser requerida no prazo de 30 dias.

CAPÍTULO IV

Cumprimento do pedido de morte medicamente assistida

Artigo 12.º

Eutanásia e suicídio medicamente assistido

1 – A morte assistida pode revestir a forma de eutanásia, quando o fármaco letal é administrado por

profissional qualificado, previsto no artigo 31.º da presente lei, ou de suicídio medicamente assistido, quando é

o próprio doente a autoadministrar o fármaco letal.

2 – A escolha entre eutanásia ou suicídio medicamente assistido cabe ao doente.

3 – O suicídio medicamente assistido deve ser praticado sob orientação e supervisão médica.

Artigo 13.º

Decisão final do doente

1 – Sem prejuízo do dever do doente ser questionado ao longo do processo sobre a sua decisão, antes de

disponibilizar ao doente o fármaco letal ou de proceder à sua administração, o médico deverá questionar pela

última vez se este mantém a sua vontade de se submeter à morte medicamente assistida.

2 – Caso a resposta seja afirmativa, o médico assistente deve registar esta decisão por escrito,

devidamente datada e assinada pelo doente, no seguimento do qual o médico combina com o doente o dia,

local e método a utilizar, prestando todos os esclarecimentos necessários para o efeito.

3 – Aos casos em que doente esteja impossibilitado de escrever ou assinar é aplicável o disposto no n.º 3

do artigo 5.º da presente lei.

Artigo 14.º

Revogação do pedido de morte medicamente assistida pelo doente

1 – O doente pode, a todo o momento, revogar o seu pedido de morte medicamente assistida, por escrito

ou oralmente.

2 – Nestes casos, deverá ser incluído no dossiê clínico do doente documento comprovativo da revogação

da decisão, devidamente datado e assinado pelo doente, devendo ser entregue àquele cópia do dossiê clínico

com toda a documentação.

3 – Aos casos em que doente esteja impossibilitado de escrever ou assinar é aplicável o disposto no n.º 3

do artigo 5.º da presente lei.

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Artigo 15.º

Local para a prática da morte medicamente assistida

A escolha do local para a prática da morte medicamente assistida cabe ao doente, podendo esta ocorrer

em instalações públicas ou privadas onde sejam prestados serviços de saúde, que disponham de local de

internamente adequado à prática do ato, bem como no domicílio do doente, desde que o médico assistente

considere que o mesmo dispõe de condições para o efeito.

Artigo 16.º

Pessoas autorizadas a estar presentes

Para além do médico assistente e demais profissionais de saúde, podem estar presentes no ato de morte

medicamente assistida as pessoas escolhidas pelo doente.

Artigo 17.º

Perda de consciência do doente

1 – Nos casos em que o doente ficar inconsciente antes do momento do cumprimento da morte

medicamente assistida, o procedimento é interrompido, só prosseguindo nos casos em que o doente recupere

a sua consciência e manifeste vontade de prosseguir com o pedido.

2 – Independentemente do pedido reiterado de morte medicamente assistida, por parte do doente, ao longo

do processo, este não poderá ser administrado a pessoa que se encontre inconsciente.

Artigo 18.º

Verificação do óbito

1 – O procedimento de verificação do óbito obedece à legislação em vigor.

2 – A causa da morte aposta na certidão de óbito deverá ser a patologia da qual o doente padecia e que

suscitou o processo previsto na presente lei.

Artigo 19.º

Preenchimento pelo médico assistente de declaração oficial após o óbito

1 – O médico assistente deverá proceder ao preenchimento, após o óbito do doente, de uma declaração

que contenha as informações constantes dos números seguintes, remetendo a mesma à Comissão de

Controlo e Avaliação da Aplicação da Lei, criada pela presente lei e doravante designada por Comissão.

2 – Da referida declaração devem constar os seguintes elementos:

a) Nome completo, idade, sexo e morada do doente;

b) Nome completo, área de especialização e domicílio profissional do médico assistente, do médico

consultado e do médico psiquiatra;

c) Nome completo, área de especialização e domicílio profissional de todos os médicos consultados pelo

médico assistente, para além dos referidos na alínea b);

d) Identificação de disposições sobre o fim de vida, caso existam;

e) Menção da patologia grave da qual o doente sofria;

f) Explicação quanto ao carácter irreversível da doença;

g) Indicação da natureza constante e insuportável do sofrimento;

h) Elementos que evidenciem que o pedido foi formulado de forma voluntária, reiterada, ponderada e sem

qualquer pressão externa;

i) Indicação de todo o procedimento seguido pelos médicos envolvidos;

j) Circunstâncias específicas da realização da eutanásia ou do suicídio medicamente assistido.

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3 – O presente documento tem natureza confidencial e destina-se ao uso exclusivo da Comissão, no

exercício das suas competências e nos termos previstos na presente lei.

4 – A presente declaração deverá ser incluída no dossiê clínico do doente.

5 – Compete ao governo a criação do modelo da declaração oficial previsto no presente artigo, devendo o

mesmo ser disponibilizado em plataforma online que permita ao médico assistente proceder ao seu

descarregamento e preenchimento.

Artigo 20.º

Envio do dossiê clínico para a Comissão

1 – Sem prejuízo do disposto no artigo 9.º da presente lei, o médico assistente deverá remeter, no prazo

máximo de 15 dias após a verificação do óbito, dossiê clínico que contenha toda a documentação relevante do

processo de morte medicamente assistida à Comissão.

2 – O envio do processo para Comissão é igualmente obrigatório nos casos de recusa ou revogação do

pedido de morte medicamente assistida.

CAPÍTULO V

Comissão de Controlo e Avaliação da Aplicação da Lei

Artigo 21.º

Criação da Comissão de Controlo e Avaliação da Aplicação da Lei

Pela presente lei procede-se a criação da Comissão de Controlo e Avaliação da Aplicação da Lei.

Artigo 22.º

Natureza e missão da Comissão

A Comissão exerce uma função de fiscalização e controlo da presente lei.

Artigo 23.º

Competências da Comissão

Compete à Comissão:

a) Acompanhar sistematicamente a aplicação da lei no domínio ético, médico e jurídico;

b) Emitir pareceres, por iniciativa própria ou quando tal lhes for solicitado, sobre o modo como a lei está a

ser aplicada, bem como sobre os problemas que poderão surgir em torno desta temática;

c) Emitir parecer sobre o cumprimento dos requisitos e das fases anteriores do procedimento de morte

medicamente assistida, nos termos do artigo 9.º da presente lei;

d) Receber e analisar todos os processos de morte medicamente assistida praticados, verificando o

cumprimento dos requisitos legais existentes;

e) Receber e analisar os processos de recusa ou revogação do pedido de morte medicamente assistida;

f) Elaborar um relatório sobre a sua atividade no fim de cada ano civil, a enviar ao Presidente da

República, ao Presidente da Assembleia da República e ao Primeiro-Ministro;

g) Formular recomendações ao governo e à Assembleia da República sobre possíveis alterações

legislativas relacionadas com esta matéria.

Artigo 24.º

Composição e nomeação dos membros da Comissão

A Comissão é composta por cinco membros, com conhecimento e experiência relevante na matéria, sendo

estes nomeados do seguinte modo:

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a) Jurista indicado pelo Conselho Superior da Magistratura;

b) Jurista indicado pelo Conselho Superior do Ministério Público;

c) Médico indicado pela Ordem dos Médicos;

d) Enfermeiro indicado pela Ordem dos Enfermeiros;

e) Especialista em bioética indicado pelo Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida.

Artigo 25.º

Mandato

1 – O mandato dos membros da Comissão é independente do das entidades que os designam e tem a

duração de cinco anos, não podendo ser renovado mais de uma vez.

2 – A Comissão elege, de entre os seus membros, um presidente e um vice-presidente, competindo a este

substituir o presidente nas suas ausências e impedimentos.

Artigo 26.º

Funcionamento

1 – A Comissão estabelece em regulamento interno a disciplina do seu funcionamento.

2 – A Comissão só pode deliberar quando estejam presentes pelo menos cinco dos seus membros.

3 – As decisões são tomadas por maioria simples.

Artigo 27.º

Análise do processo pela Comissão

1 – A Comissão recebe e analisa a documentação remetida pelo médico assistente, que inclui a declaração

oficial e o dossiê clínico do doente com toda a documentação relevante, por forma a verificar se os requisitos

previstos na presente lei foram cumpridos.

2 – Quando a Comissão, na sequência da análise do processo, tiver dúvidas sobre se estavam ou não

reunidas as condições previstas na presente lei para a prática da morte medicamente assistida, deverá

chamar os médicos envolvidos no processo para prestarem declarações, podendo ainda solicitar a remessa de

documentos adicionais que considere necessários.

3 – Quando a Comissão concluir, nos casos em que a morte medicamente assistida tenha já sido praticada

e após audição dos médicos envolvidos, que não estavam reunidas as condições previstas na presente lei

para a sua prática, esta deve comunicar a sua decisão, de forma fundamentada, aos médicos, remetendo

igualmente cópia do arquivo completo e da decisão à Ordem dos Médicos, para instrução de processo

disciplinar e ao envio às entidades competentes para efeitos de apuramento de responsabilidade civil e

criminal.

4 – A Comissão elabora um relatório final com as suas conclusões.

Artigo 28.º

Relatórios enviados pela Comissão

1 – Anualmente, a Comissão deverá remeter ao Presidente da República, ao Presidente da Assembleia da

República, que o fará distribuir pelos partidos, e ao Primeiro-Ministro, um relatório com os seguintes dados:

a) Dados estatísticos com base na informação recolhida;

b) Relatório com a descrição e avaliação da execução da presente lei;

c) Se necessário, formular recomendações suscetíveis de conduzir a uma iniciativa legislativa e/ou outras

medidas relativas à aplicação da presente lei.

2 – Do presente relatório não poderão constar quaisquer dados pessoais relativos ao doente e aos médicos

envolvidos no cumprimento da morte medicamente assistida, podendo apenas constar, em relação ao doente,

a sua idade e sexo.

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Artigo 29.º

Articulação da Comissão com outras entidades

1 – A Comissão pode obter todas as informações necessárias de quaisquer entidades e instituições que se

mostrem essenciais para o desenvolvimento das suas funções.

2 – A Comissão, para o exercício das suas funções, pode consultar peritos e especialistas nas matérias

conexas com as suas atribuições.

3 – Quando solicitado, a Comissão pode fornecer informações estatísticas, a pedido fundamentado, não

podendo em caso algum constar de tais informações quaisquer dados respeitantes aos doentes e à equipa

médica envolvida.

Artigo 30.º

Dever de Sigilo

Os membros da Comissão devem guardar segredo sobre todos os factos cujo conhecimento lhes advenha

do exercício das suas funções na Comissão.

CAPÍTULO VI

Direitos e deveres dos profissionais de saúde

Artigo 31.º

Profissionais qualificados

Os profissionais de saúde inscritos na Ordem dos Médicos e também os inscritos na Ordem dos

Enfermeiros, desde que a sua intervenção decorra sob supervisão médica, podem praticar ou ajudar ao ato da

antecipação da morte, excluindo-se aqueles que possam vir a obter qualquer benefício direto ou indireto da

morte do doente, nomeadamente vantagem patrimonial.

Artigo 32.º

Sigilo profissional

Todos os profissionais de saúde que tenham, direta ou indiretamente, participado no processo de morte

medicamente assistida estão obrigados a guardar sigilo profissional sobre todos os factos cujo conhecimento

lhes advenha do exercício das suas funções.

Artigo 33.º

Objeção de consciência

1 – Em cumprimento do previsto nos respetivos códigos deontológicos, é assegurado aos médicos e

demais profissionais de saúde o direito à objeção de consciência relativamente a quaisquer atos respeitantes à

morte medicamente assistida.

2 – Uma vez invocada a objeção de consciência, a mesma produz necessariamente efeitos

independentemente da natureza dos estabelecimentos de saúde em que o objetor preste serviço.

3 – A objeção de consciência é declarada em documento assinado pelo objetor, o qual deve ser

apresentado, conforme os casos, ao diretor clínico ou ao diretor de enfermagem de todos os estabelecimentos

de saúde onde o objetor preste serviço e em que se pratique morte medicamente assistida, devendo ser

remetido cópia do mesmo à ordem profissional.

4 – A recusa do médico e demais profissionais de saúde de praticar os atos previstos na presente lei por

motivos de objeção de consciência deve ser comunicada ao paciente no prazo máximo de 24h após a

formulação do pedido ou pedido de parecer.

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CAPÍTULO VII

Alterações legislativas

Artigo 34.º

Alteração ao Código Penal

Os artigos 134.º e 135.º do Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de março, passam a

ter a seguinte redação:

Artigo 134.º

Homicídio a pedido da vítima

1 – ................................................................................................................................................................... .

2 – ................................................................................................................................................................... .

3 – O ato não é punível se tiver sido praticado por profissional de saúde que atue em cumprimento de

decisão sobre o pedido de morte medicamente assistida, nos termos legalmente previstos.

Artigo 135.º

Incitamento ou ajuda ao suicídio

1 – ................................................................................................................................................................... .

2 – ................................................................................................................................................................... .

3 – O ato não é punível se tiver sido praticado por profissional de saúde que atue em cumprimento de

decisão sobre o pedido de morte medicamente assistida, nos termos legalmente previstos.

CAPÍTULO VIII

Disposições finais

Artigo 35.º

Regulamentação

A presente lei deverá ser regulamentada no prazo máximo de 180 dias após a sua publicação.

Artigo 36.º

Entrada em vigor

O presente diploma entra em vigor no prazo de 30 dias, a contar da data da sua publicação.

Palácio de São Bento, 12 de novembro de 2019.

As Deputadas e o Deputado do PAN: André Silva — Bebiana Cunha — Cristina Rodrigues — Inês de

Sousa Real.

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PROJETO DE LEI N.º 68/XIV/1.ª

REPÕE MONTANTES E REGRAS DE CÁLCULO NAS COMPENSAÇÕES POR CESSAÇÃO DO

CONTRATO DE TRABALHO E DESPEDIMENTO

Exposição de motivos

As alterações às leis laborais promovidas por sucessivos governos, e de forma particularmente grave pelo

Governo PSD/CDS-PP, representaram um retrocesso civilizacional profundo e a aposta num caminho de

desvalorização do trabalho e de ataque a direitos fundamentais dos trabalhadores e que o Governo minoritário

do PS manteve.

A revisão do Código do Trabalho em 2012 representou a imposição do trabalho forçado e gratuito com a

eliminação de feriados, redução de dias de férias e corte de dias de descanso obrigatório, extorquindo milhões

de euros aos trabalhadores, promovendo a eliminação de mais de 90 mil postos de trabalho e extinguindo

feriados nacionais.

Visou a diminuição de salários, designadamente com o corte para metade no pagamento do trabalho em

dias de descanso, feriados e horas extraordinárias; apontou para o agravamento e generalização do banco de

horas, prolongando o horário de trabalho e pondo em causa a articulação entre a vida profissional e a vida

pessoal e familiar.

Promoveu o aumento da precariedade designadamente com a facilitação do contrato de trabalho de muito

curta duração e a eliminação de obrigações de informação à ACT facilitando a arbitrariedade.

Constituiu um forte ataque à contratação coletiva invocando uma falsa descentralização e procurando

impor a eliminação de cláusulas de instrumentos de regulação coletiva de trabalho acordados entre

associações sindicais e associações patronais.

Promoveu os despedimentos, em confronto com a proibição constitucional de despedimento sem justa

causa, admitindo o despedimento por inadaptação sem causa objetiva de mudança no posto de trabalho, a par

da redução do valor das indemnizações.

A alteração das regras do despedimento por inadaptação e por extinção do posto de trabalho visou alargar

a subjetividade e a arbitrariedade, deixando nas mãos do patronato o poder para despedir quando quiser e

quem quiser. No despedimento por extinção do posto de trabalho, passou a ser a entidade patronal a escolher,

por critérios selecionados por si, quem quer despedir e deixa de ser obrigatória a colocação em posto de

trabalho compatível, mesmo que ele exista na empresa. No despedimento por inadaptação, passou a ser

fundamento para despedir a redução da «produtividade» ou da «qualidade» do trabalho prestado. Tendo em

conta que é a entidade patronal que avalia a dita quebra da «produtividade ou da qualidade», facilmente se

percebe que se trata de um despedimento por razões subjetivas e sem justa causa.

Para além de facilitar os despedimentos, a alteração ao Código do Trabalho ofereceu de mão beijada ao

patronato indemnizações por despedimento a preço de «saldo». Na verdade, o valor que os trabalhadores

recebem de indemnização, em caso de despedimento, passou de 30 dias para 20 dias por cada ano de

trabalho com o limite de 12 anos de casa. Isto é, um trabalhador com 30 anos de casa passou a receber

apenas por 12 anos de trabalho, e o Governo discutiu a possibilidade de a indemnização passar a ser, em vez

de 20, 8 a 12 dias de indemnização por cada ano de trabalho.

Ao facilitar os despedimentos, PSD e CDS-PP não aumentaram o emprego como ardilosamente

defendiam, mas antes agravaram o desemprego. A dimensão das alterações gravosas do Código do Trabalho

tornou bem evidente que o objetivo de PSD e CDS-PP foi a imposição de uma estratégia de substituição de

trabalhadores com direitos por trabalhadores sem direitos.

Estas alterações, em confronto com a Constituição, serviram apenas o objetivo de agravamento da

exploração, o empobrecimento e o afundamento do País.

Com o presente projeto de lei, o PCP, independentemente de considerar que devem ser revogadas e

alteradas outras normas do Código do Trabalho, propõe a reposição dos montantes e regras de cálculo nas

compensações por cessação e despedimento, tais como a garantia do critério de um mês de retribuição base

e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, sem qualquer limite máximo de anos, para cálculo da

compensação por despedimento coletivo, extinção do posto de trabalho e por inadaptação.

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O PCP, no cumprimento do seu compromisso com os trabalhadores e o povo, apresenta propostas

concretas e alternativas, apresenta soluções, no desenvolvimento de uma política patriótica e de esquerda, ao

serviço do povo e do País, assente na valorização do trabalho e na consagração e reconhecimento dos

direitos dos trabalhadores enquanto eixo central de uma política de progresso e justiça social.

Assim, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do

Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei visa a reposição das regras de cálculo e dos montantes devidos aos trabalhadores por

cessação dos contratos de trabalho ou por despedimento, procedendo à décima sexta alteração à Lei n.º

7/2009, de 12 de fevereiro, que aprova a revisão do Código do Trabalho.

Artigo 2.º

Alteração ao Anexo da Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, que aprova a revisão do Código do

Trabalho

Os artigos 344.º, 345.º e 366.º do Anexo da Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, que aprova a revisão do

Código do Trabalho, alterada pelas Leis n.º 105/2009, de 14 de setembro, n.º 53/2011, de 14 de outubro, n.º

23/2012, de 25 de junho, n.º 47/2012, de 29 de agosto, n.º 69/2013, de 30 de agosto, n.º 27/2014, de 8 de

maio, n.º 55/2014, de 25 de agosto, n.º 28/2015, de 14 de abril, n.º 120/2015, de 1 de setembro, n.º 8/2016, de

1 de abril, n.º 28/2016, de 23 de agosto, n.º 73/2017, de 16 de agosto, n.º 14/2018, de 19 de março, n.º

90/2019, de 4 de setembro e n.º 93/2019, de 4 de setembro, passam a ter a seguinte redação:

.........................................................................................................................................................................

Artigo 344.º

(…)

1 – ................................................................................................................................................................... .

2 – Em caso de caducidade de contrato a termo certo decorrente de declaração do empregador, o

trabalhador tem direito a compensação correspondente a três ou dois dias de retribuição base e

diuturnidades por cada mês de duração do contrato, consoante esta não exceda ou seja superior a

seis meses, respetivamente.

3 – (Novo) A parte da compensação relativa a fração de mês de duração do contrato é calculada

proporcionalmente.

4 – Constitui contraordenação grave a violação do disposto no n.º 2.

Artigo 345.º

(…)

1 – ................................................................................................................................................................... .

2 – ................................................................................................................................................................... .

3 – ................................................................................................................................................................... .

4 – Em caso de caducidade de contrato a termo incerto, o trabalhador tem direito a compensação

calculada nos termos dos n.os 2 e 3 do artigo anterior.

5 – (Revogado.)

6 – ................................................................................................................................................................... .

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Artigo 366.º

(…)

1 – Em caso de despedimento coletivo, o trabalhador tem direito a compensação correspondente a um

mês de retribuição e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade.

2 – (Revogado.)

3 – ...................................................................................................................................................................

4 – (Revogado.)

5 – (Revogado.)

6 – (Revogado.)

7 – (Novo) Em caso de fração de ano, a compensação é calculada proporcionalmente.

8 – (Novo) A compensação não pode ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades.

9 – Constitui contraordenação muito grave a violação do disposto no presente artigo

........................................................................................................................................................................................

Artigo 3.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

Assembleia da República, 11 de novembro de 2019.

Os Deputados do PCP: Diana Ferreira — António Filipe — Bruno Dias — Jerónimo de Sousa — João

Oliveira — Paula Santos — João Dias — Alma Rivera — Ana Mesquita — Duarte Alves.

———

PROJETO DE LEI N.º 69/XIV/1.ª

PROLONGA OS CONTRATOS DE ARRENDAMENTO PARA 10 ANOS, GARANTINDO MAIOR

ESTABILIDADE AOS ARRENDATÁRIOS

Exposição de motivos

Na XIII Legislatura foram introduzidas alterações ao Regime de Arrendamento Urbano que permitiram dar

maior proteção aos inquilinos e arrendatários. Medidas positivas que mereceram o apoio do PCP, porque

possibilitam a resolução de problemas concretos, mas que não escondem, nem iludem as injustiças do Novo

Regime de Arrendamento Urbano imposto por PSD e CDS-PP, que persistem, como a facilitação dos

procedimentos de despejo, através do Balcão Nacional do Arrendamento, a reduzida duração dos contratos de

arrendamento, a liberalização dos valores de renda incomportáveis para muitas famílias face aos seus

rendimentos, aspetos que condicionam e que precarizam o direito à habitação. Não obstante os avanços

registados e as alterações aprovadas na Assembleia da República, impõe-se a necessidade de continuar a

intervir em matéria de arrendamento.

Um dos aspetos que ainda não está resolvido prende-se com a instabilidade no arrendamento. Muitas

famílias, na prática, estão constantemente em mudanças e com a preocupação de encontrar novamente

habitação devido à reduzida duração dos contratos de arrendamento. Quando termina o contrato de

arrendamento e não é renovado ou quando o senhorio pretende aumentar bastante a renda para valores

incomportáveis, não resta outra solução que não seja procurar encontrar nova habitação, muitas vezes mais

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afastada do centro. Recorrentemente tem que procurar nova habitação para além de criar uma enorme

ansiedade, introduz uma instabilidade constante na vida das pessoas que é profundamente negativa.

É verdade que foram dados passos em 2017 com a aprovação de uma proposta do PCP que aumenta a

duração dos contratos de arrendamento para cinco anos, quando haja silêncio entre as partes. Contudo

entendemos que um contrato de arrendamento de cinco anos não dá a estabilidade que as famílias

necessitam de ter nas suas vidas. Propusemos posteriormente o alargamento da duração do contrato de

arrendamento para 10 anos, tendo sido rejeitado devido à convergência de PS, PSD e CDS-PP, que

impediram que hoje houvesse maior estabilidade no arrendamento.

Entretanto o PS optou por juntar-se ao PSD e CDS-PP para aprovar legislação que na prática tem como

único objetivo atribuir descontos fiscais aos grandes proprietários, reduzindo impostos para quem fizer um

contrato de arrendamento com uma duração a partir de dois anos, argumentando que a intenção é dar maior

estabilidade aos inquilinos. Mas qual é a estabilidade que as famílias têm na sua vida com contratos de

arrendamento de dois anos? Rapidamente cai por terra que a preocupação não são as famílias, mas sim

introduzir uma injustiça fiscal ao atribuir reduções significativas nos impostos aos grandes proprietários.

Entendemos que a solução definitiva para pôr fim às injustiças e desigualdades que persistem e que

resultam de uma errada conceção do regime de arrendamento urbano passa, naturalmente pela criação de um

novo modelo assente numa perspetiva de salvaguardar o direito à habitação e simultaneamente promover a

reabilitação urbana e a dinamização das vilas e cidades, permitindo a fixação de novas pessoas nos centros

das localidades. No entanto face à necessidade de impedir que as famílias andem literalmente com a «casa às

costas» quase em permanência, para dar maior estabilidade nas suas vidas e para proteger os inquilinos e

arrendatários, o Grupo Parlamentar do PCP propõe que o alargamento do contrato de arrendamento para 10

anos e que essa seja a regra, desde que a vontade dos inquilinos e arrendatários não corresponda a nenhuma

exceção prevista na lei. Pretendemos resolver um problema concreto muito sentido pelos arrendatários, sem

perder de vista a necessidade de uma intervenção mais profunda.

Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República e da alínea c) do n.º 1

do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo-assinados, do Grupo

Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei determina que os contratos de arrendamento são celebrados por um período mínimo de 10

anos.

Artigo 2.º

Alteração ao Código Civil

São alterados os artigos 1094.º, 1095.º, 1096.º, 1097.º, 1098.º e 1101.º do Código Civil aprovado pelo

Decreto-Lei n.º 47 344, de 25 de novembro de 1966, na sua redação atual, que passam a ter a seguinte

redação:

«Subsecção VII

Disposições especiais de arrendamento para habitação

Divisão II

Duração

Artigo 1094.º

Tipos de contrato

1 – ................................................................................................................................................................... .

2 – (Revogado.)

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3 – (Revogado.)

Subdivisão I

Contratos com prazo certo

Artigo 1095.º

Prazo efetivo do contrato

1 – As partes podem estipular um prazo para a duração efetiva dos arrendamentos urbanos para

habitação, desde que a respetiva cláusula seja inserida no texto escrito do contrato, assinado pelas partes.

2 – O prazo inicial referido no número anterior não pode ser inferior a 10 anos nem superior a 30 anos,

considerando-se ampliado ou reduzido aos limites mínimo e máximo quando fique aquém do primeiro ou

ultrapasse o segundo.

3 – (Revogado.)

Artigo 1096.º

Renovação automática

1 – Os contratos celebrados nos termos do artigo 1095.º renovam-se automaticamente no seu termo e por

períodos sucessivos mínimos de 10 anos, se outro superior não estiver especialmente previsto, e quando não

sejam denunciados por qualquer das partes.

2 – (Revogado.)

3 – ................................................................................................................................................................... .

Artigo 1097.º

Oposição à renovação pelo senhorio

1 – A oposição à renovação do contrato pelo senhorio só pode ser feita mediante notificação judicial avulsa

requerida com um ano de antecedência sobre o fim do prazo ou da sua renovação, donde conste de forma

expressa o fundamento da oposição sob pena de ineficácia.

2 – A oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos

pelo menos 10 anos da celebração do mesmo.

3 – A oposição à renovação do contrato, não pode ser exercida se o arrendatário tiver idade igual ou

superior a 65 anos ou deficiência com grau comprovado de incapacidade igual ou superior a 60%, ou se

encontre na situação de reforma por invalidez ou sofra de incapacidade para o trabalho, ou permaneça nessa

qualidade no imóvel há pelo menos 30 anos.

4 – (Revogado.)

Artigo 1098.º

Oposição à renovação ou denúncia pelo arrendatário

1 – O arrendatário pode impedir a renovação automática ou denunciar o contrato nos termos do artigo

1096.º, bem como revogar o contrato, a todo o tempo, mediante comunicação escrita a enviar ao senhorio,

com a antecedência mínima de 90 dias sobre a data em que se operam os efeitos.

2 – ................................................................................................................................................................... .

3 – (Revogado.)

4 – ................................................................................................................................................................... .

5 – A denúncia do contrato, nos termos dos números anteriores, produz efeitos no final de um mês do

calendário gregoriano, a contar da comunicação.

6 – ................................................................................................................................................................... .

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Artigo 1101.º

Denúncia pelo senhorio

1 – (Atual corpo do artigo.)

2 – O direito de denúncia do contrato previsto nas alíneas a) e b) do número anterior, não pode ser

exercido, salvo acordo das partes, se o arrendatário tiver idade igual ou superior a 65 anos ou deficiência com

grau comprovado de incapacidade igual ou superior a 60%, ou se encontre na situação de reforma por

invalidez ou sofra de incapacidade para o trabalho, ou permaneça nessa qualidade no imóvel há pelo menos

30 anos, salvo acordo escrito das partes.

3 – O direito de denúncia com base na alínea c) tem de ser exercido mediante notificação judicial avulsa ao

arrendatário na qual conste expressamente o fundamento da denúncia, sob pena de ineficácia.»

Artigo 3.º

Regime transitório

1 – Aos contratos de arrendamento ainda existentes e celebrados até à entrada em vigor da Lei n.º 6/2006,

de 27 de fevereiro, e que ainda se mantenham em regime vinculativo ou de perpetuidade, não lhes são

aplicáveis as normas do NRAU.

2 – As alterações introduzidas aos artigos 1097.º e 1101.º do Código Civil aplicam-se aos arrendamentos

existentes à data da entrada em vigor da presente lei.

Artigo 4.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

Assembleia da República, 11 de novembro de 2019.

Os Deputados do PCP: Bruno Dias — Paula Santos — António Filipe — Jerónimo de Sousa — João

Oliveira — João Dias — Alma Rivera — Ana Mesquita — Duarte Alves — Diana Ferreira.

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PROJETO DE LEI N.º 70/XIV/1.ª

ESTABELECE O REGIME DE RECUPERAÇÃO DO CONTROLO PÚBLICO DOS CTT

Exposição de motivos

Como o PCP tem reiteradamente afirmado, os correios são um instrumento insubstituível para a coesão

social, económica e territorial do nosso País. Mais do que uma empresa que garanta lucros e dividendos, os

correios devem ser o garante de um serviço público efetivamente ao serviço do País e das populações, ao

serviço da economia nacional e do desenvolvimento, com uma gestão que vise o equilíbrio económico-

financeiro e o investimento na melhoria da qualidade.

Com o passar do tempo, a degradação do serviço postal e a depredação da empresa pelos grupos

económicos que se tornaram seus acionistas tem-se tornado evidente e revela com cristalina transparência a

sua estratégia: desmantelar progressivamente os recursos da empresa afetos à prestação do serviço postal

onde ele é menos rentável, concentrar recursos nos sectores financeiros, com destaque para a aposta no

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Banco CTT, e nas operações mais lucrativas, assegurar o máximo lucro imediato, mesmo que isso implique a

venda de património ao desbarato e o prejuízo das populações.

A realidade aí está a confirmá-lo com o abandono pelos CTT de cada vez mais parcelas do território

nacional, quer com o encerramento de dezenas de estações de correios, quer com a distribuição postal cada

vez mais irregular e em muitos casos entregue a empresas subcontratadas, quer com a entrega do serviço a

comerciantes ou a juntas de freguesia; com o desaparecimento de centros de distribuição postal e a sua maior

centralização; com a redução drástica do número de carteiros, a carência de trabalhadores na estrutura e a

sobrecarga insuportável dos que restam, com o recurso sistemático a «giros em dobra».

Enquanto as populações são confrontadas com a situação insustentável do serviço postal, as constantes

falhas na distribuição, o atraso sistemático do correio, a lentidão e falta de pessoal no atendimento, as

medidas tomadas pela administração dos CTT preocupam-se em garantir a distribuição de chorudos

dividendos aos seus acionistas.

A dimensão da ofensiva que a gestão privada está a levar a cabo é enorme: desde a privatização foram

encerradas centenas de estações dos CTT; menos 169 trabalhadores, quando comparados com a mesma

data do ano anterior; deu-se uma diminuição salarial em termos reais; prosseguimento da destruição de postos

de trabalho, constante desde 2012.

O PCP já apresentou no passado propostas para a nacionalização da empresa, que foram chumbadas pelo

PS, PSD e CDS-PP. O próprio PS assumia uma «enorme preocupação» com a «degradação dos serviços»

dos CTT, ao mesmo tempo que afirmava que a proposta de reversão da privatização dos CTT surgia

«claramente no tempo errado». Ou seja, se por um lado lamenta profundamente a degradação progressiva

dos serviços prestados pela empresa CTT, no quadro da concessão de serviço postal, por outro, remete para

mais tarde, para o fim da concessão do serviço postal aos CTT, para 2020.

Apesar da quebra de tráfego verificada nos últimos anos, a realidade é que a alteração da tipologia de

objetos e o crescimento dos preços acordado com a ANACOM permitiram aos CTT manter as receitas do

serviço postal quase inalteradas. A quebra verificada nos resultados da empresa deve-se a um descontrolo

dos custos e a opções de gestão que se têm revelado desastrosas.

Neste período, os CTT distribuíram 57 milhões de euros pelos seus acionistas – como a família

Champalimaud, grandes bancos europeus ou o fundo abutre norte-americano Blackrock –, um valor que

ultrapassa o dobro dos lucros do ano anterior. A Administração dos CTT tem tratado de transferir custos com a

rede postal para as autarquias, montando uma operação nacional de chantagem e pressão sobre as

autarquias visando obter a sua participação nos custos da rede postal.

Entretanto, assiste-se à delapidação do património da empresa, em particular do património imobiliário,

quer com a alienação do edificado que foi e deve ser a base material da rede de estações de correios por todo

o território nacional, quer com a venda ao desbarato de património imobiliário histórico e de extraordinário

valor (económico, mas também histórico e cultural), para a realização de mais-valias no curto prazo, drenadas

em dividendos aos acionistas.

Se não forem tomadas medidas urgentes para a recuperação do controlo público dos CTT e do serviço

público postal, o País arrisca-se a chegar a 2020 – ano em que termina o contrato de concessão do serviço

público postal à empresa CTT – numa situação em que a empresa foi desmantelada e o Estado não tem

qualquer possibilidade de assegurar a prestação do serviço público, ficando completamente nas mãos dos

grupos monopolistas que poderão exigir o pagamento e as condições contratuais que bem entenderem para o

fazer.

É imperioso e urgente que o Estado readquira a capacidade e a responsabilidade pela gestão da empresa,

para garantir a sua viabilidade futura e para que volte a ter condições para prestar um serviço que o País, as

populações e os seus trabalhadores exigem.

Os custos que o País está a suportar com esta privatização reclamam uma avaliação profunda sobre todas

as consequências da continuação deste processo, bem como, a identificação das opções e passos a dar

visando a recuperação do controlo público da empresa. Assim, o Estado não pode prescindir da empresa CTT

para garantir o serviço público postal, sendo de resto inconcebível qualquer opção de entregar essa

incumbência a outro grupo económico privado.

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A recuperação do controlo público dos CTT é um objetivo cuja concretização deve envolver a ponderação

de diversas opções que vão desde a nacionalização, passando pela aquisição, até à negociação com os

acionistas dos CTT e outras formas que o possam assegurar. Uma opção possível de ser concretizada em

tempo útil para a defesa dos interesses nacionais.

Retomar o controlo público dos CTT é cada vez mais urgente de forma a impedir uma maior destruição da

base material do serviço público postal que, caso contrário, obrigará a um investimento por parte do Estado de

centenas de milhões de euros.

O PCP reafirma: é um imperativo nacional, de soberania, coesão territorial e justiça social, que se inicie o

processo de recuperação do controlo e gestão do serviço postal universal por parte do Estado, através da

reversão da privatização dos CTT – Correios de Portugal. É esse o propósito desta iniciativa legislativa.

Assim, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República Portuguesa e da alínea b) do n.º

1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo-assinados, do Grupo

Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte projeto de lei.

Artigo 1.º

Objeto e âmbito

1 – A presente lei estabelece o regime de recuperação do controlo público da empresa CTT – Correios de

Portugal, SA, doravante designada CTT, por motivo de salvaguarda do interesse público.

2 – A recuperação do controlo público referida no número anterior compreende todas as áreas de atividade

desenvolvida pela empresa e deve ser realizada de forma a assegurar a continuidade dos serviços prestados,

a manutenção dos postos de trabalho e a aplicação a todos os trabalhadores da contratação coletiva vigente,

até substituição por outra livremente negociada entre as partes.

Artigo 2.º

Recuperação do controlo público

Para os efeitos previstos na presente lei, considera-se recuperação do controlo público a recuperação

integral pelo Estado da propriedade dos CTT, independentemente da forma jurídica que venha a assumir.

Artigo 3.º

Procedimentos, âmbito e critérios

1 – O governo fica obrigado a adotar os procedimentos necessários à recuperação do controlo público dos

CTT, independentemente da forma jurídica de que a mesma se revista.

2 – Na solução jurídica a definir para a recuperação do controlo público dos CTT, o governo deve

considerar, entre outros, critérios que:

a) Permitam que a recuperação do controlo público seja realizada assegurando os interesses patrimoniais

do Estado e os direitos dos trabalhadores;

b) Permitam a defesa do interesse público perante terceiros;

c) Assegurem a conformidade dos Estatutos da empresa com critérios de propriedade e gestão pública;

d) Assegurem a manutenção do serviço público postal e a sua prestação em condições de qualidade em

todo o território nacional;

e) Assegurem a transferência integral da posição jurídica dos CTT resultante de atos praticados ou

contratos celebrados que mantenham a sua validade à data da recuperação do controlo público, sem prejuízo

do exercício do direito de regresso nos termos previstos na presente lei;

3 – São definidos por diploma legal:

a) O montante e as condições de pagamento de eventual contrapartida a que haja lugar pela recuperação

do controlo público, independentemente de assumir carácter indemnizatório;

b) O modelo transitório de gestão da empresa, quando necessário.

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Artigo 4.º

Regime especial de anulabilidade de atos por interesse público

O governo fica autorizado a definir, por decreto-lei, um regime especial de anulabilidade de atos por

interesse público que permita a anulabilidade de todos atos de que tenha resultado a descapitalização da

empresa, designadamente a alienação de ativos de qualquer espécie, desde a privatização dos CTT.

Artigo 5.º

Direito de regresso

O governo fica obrigado a criar as condições necessárias para que a recuperação do controlo público dos

CTT seja realizada livre de ónus e encargos, sem prejuízo do direito de regresso quando a ele haja lugar.

Artigo 6.º

Indemnização por prejuízo do interesse público

1 – O governo fica obrigado a identificar todos os atos de que tenha resultado prejuízo para o interesse

público em virtude de opções de gestão dos CTT, designadamente aqueles de que tenha resultado a redução

da capacidade da empresa prestar o serviço público postal a que está obrigada.

2 – A identificação dos atos referidos no número anterior constitui o Estado na obrigação de exercer o

direito a ser indemnizado, nos termos correspondentes.

Artigo 7.º

Dever de cooperação

Todas as entidades públicas e privadas ficam sujeitas ao dever de colaboração em tudo quanto lhes seja

solicitado a fim de dar cumprimento ao disposto na presente lei.

Artigo 8.º

Defesa do interesse público

1 – O regime estabelecido pela presente lei não prejudica as medidas que o governo considere necessário

adotar para salvaguarda do interesse público, designadamente as que correspondam ao exercício pelo Estado

de direitos estabelecidos no âmbito do contrato de concessão do serviço público postal aos CTT.

2 – O governo fica obrigado a adotar as medidas transitórias que se revelem necessárias à defesa do

interesse público, nomeadamente promovendo a suspensão da negociação de ações dos CTT.

Artigo 9.º

Unidade de missão

1 – É criada uma unidade de missão, a funcionar junto do governo, com a responsabilidade de identificar os

procedimentos legislativos, administrativos ou outros que se revelem necessários à ao cumprimento das

disposições da presente lei, dotada dos necessários recursos humanos e técnicos.

2 – Compete ao governo definir os termos de composição e nomeação da unidade de missão prevista no

número anterior.

Artigo 10.º

Prazo

O governo fica obrigado a concretizar a recuperação do controlo público dos CTT no prazo máximo de 180

dias após a entrada em vigor da presente lei.

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Artigo 11.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

Assembleia da República, 11 de novembro de 2019.

Os Deputados do PCP: Bruno Dias — Paula Santos — António Filipe — Jerónimo de Sousa — João

Oliveira — João Dias — Alma Rivera — Ana Mesquita — Duarte Alves — Diana Ferreira.

———

PROJETO DE LEI N.º 71/XIV/1.ª

ALTERAÇÃO AO REGIME JURÍDICO DA GESTAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO (SÉTIMA ALTERAÇÃO À

LEI N.º 32/2006, DE 26 DE JULHO)

Exposição de motivos

No dia 22 de agosto de 2016 foi publicada a Lei n.º 25/2016, que regulou o acesso à gestação de

substituição. Esta lei resultou de um prolongado debate de especialidade na Assembleia da República, assim

como de um intenso debate público realizado na sociedade portuguesa. Entrou em vigor no dia 1 de setembro

de 2016 e foi regulamentada pelo Decreto Regulamentar n.º 6/2017, de 31 de julho de 2017.

Com esta lei a gestação de substituição passou a ser possível em Portugal, desde que a título excecional e

com natureza gratuita, nos casos de ausência de útero, de lesão ou de doença deste órgão que impeça de

forma absoluta e definitiva a gravidez.

A lei estabeleceu ainda outros requisitos para o acesso à gestação de substituição: o recurso a gâmetas de

pelo menos um dos beneficiários; a impossibilidade de a gestante ser dadora de ovócito utilizado no

procedimento em que é participante; a celebração de contrato autorizado previamente pelo CNPMA; a

proibição de qualquer pagamento ou doação à gestante, exceto as despesas decorrentes do

acompanhamento de saúde; a proibição de celebração de contrato quando existir uma relação de

subordinação económica; a obrigatoriedade de consentimento informado das partes; a existência de direitos e

deveres para ambas as partes; a obrigatoriedade de o contrato dispor sobre situações de malformação ou

doença fetal e sobre casos de eventual interrupção voluntária da gravidez; a impossibilidade de imposição de

restrições comportamentais à gestante por via do contrato escrito.

A aprovação, publicação e regulamentação desta lei permitiu dar uma resposta a todas as mulheres que

não tendo útero ou que tendo uma lesão grave deste órgão continuavam a sonhar com a possibilidade de

serem mães biológicas. Tal já era possível técnica e cientificamente, mas a legislação nacional proibia-o. Com

esta lei muitas mulheres ganharam a possibilidade de ultrapassar a doença e de concretizar um projeto de

vida.

No entanto, um conjunto de cerca de 30 Deputados decidiu suscitar a fiscalização sucessiva de

constitucionalidade de várias normas da Lei n.º 32/2006, de 26 de julho, incluindo algumas referentes ao

regime de regulação da gestação de substituição aprovado pela Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto.

Argumentavam que o modelo de gestação de substituição proposto por esta lei violaria o primado da

dignidade da pessoa humana e do dever de proteção da infância, por considerarem que se estava perante

«uma verdadeira mercantilização do ser humano» e um «processo de coisificação que, independentemente da

natureza onerosa ou gratuita do mesmo, traz indubitavelmente à colação o princípio da dignidade da pessoa

humana, seja no que se refere à gestante de substituição, seja no que se refere à criança». Argumentavam

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ainda, sobre a gestante de substituição, que a sua «instrumentalização ao serviço de um desejo a ter filhos, é

por demais evidente, praticamente desaparecendo enquanto sujeito de direitos» e que, com a gestação de

substituição, «não só assistimos à coisificação da mãe de substituição mas, também, constatamos que a

criança que vier a nascer é tratada como um produto, ou seja, um produto final».

É de referir que o Acórdão do Tribunal Constitucional, datado de 24 de abril de 2018, nega provimento a

estes argumentos e, pelo contrário, considera que o modelo português da gestação de substituição não é

incompatível com os princípios constitucionais da República.

Vejamos o que diz o referido Acórdão:

«Em primeiro lugar importa não desconsiderar a natureza gratuita dos contratos de gestação de

substituição. (…) É igualmente essencial a solidariedade ativa da gestante, traduzida na vontade de que

aqueles concretos beneficiários sejam os pais da criança que ela venha a dar à luz. Para haver gestação de

substituição de acordo com as disposições da LPMA, os beneficiários têm de querer ser pais e a gestante tem

de querer que os beneficiários sejam pais».

«Em suma, a gratuitidade da gestação de substituição consagrada no ordenamento português é um dos

traços essenciais e o legislador adotou medidas efetivas tendentes a garanti-la minimamente, pelo que tal

característica tem de ser relevada na admissibilidade constitucional da figura».

«Pelo exposto, o argumento invocado quanto à exploração económica da gestante não procede em face do

modelo português de gestação de substituição».

«Em segundo lugar, há que analisar o argumento da instrumentalização da gestante de substituição,

segundo o qual esta é reduzida à condição de um simples meio (…). Estas posições, todavia, deixam na

sombra o papel ativo da gestante, ignorando as suas motivações, e sobrevalorizam os condicionamentos à

sua vida decorrentes de uma gravidez».

«É, por isso, manifestamente exagerado considerar-se que a gestação de substituição implica uma

subordinação da gestante em todas as dimensões da sua vida ao interesse dos beneficiários, como se se

tratasse de uma situação de apropriação, equivalente a «escravatura temporária» consentida. A «existência»

da gestante, globalmente considerada, não tem de ser colocada ao serviço dos beneficiários e, por

conseguinte, não é toda a sua vida que é instrumentalizada. Tão pouco existe um direito dos beneficiários à

utilização da gestante. O compromisso que esta assume perante os beneficiários limita-se à observância dos

cuidados normais numa qualquer gravidez, em ordem a poder cumprir, após o nascimento, a obrigação de

entrega da criança. Daí a proibição de imposição contratual de «restrições de comportamentos à gestante de

substituição» ou de «normas que atentem contra os seus direitos, liberdades e garantias» estatuída no artigo

8.º, n.º 11, da LPMA».

«A gestação de substituição tem, por isso, uma relevância constitucional positiva, enquanto modo de

realização de interesses jurídicos fundamentais dos beneficiários, que, por razões de saúde, ficaram

prejudicados. Estão em causa, nomeadamente, o direito de constituir família e o direito de procriar».

«(…) a gestante e os beneficiários comprometem-se reciprocamente num projeto que em muitos aspetos

essenciais é partilhado por todos (cfr. supra o n.º 24). E a motivação principal da intervenção da gestante não

pode deixar de ser a resposta a um impulso de altruísmo, de solidariedade para quem, apesar de o querer e

de eventualmente até dispor de parte do material genético indispensável para o efeito, não pode ter filhos por

falta de útero ou devido a lesões ou doença deste órgão que impeça de forma absoluta e definitiva a gravidez.

Ou seja — e este é já um segundo aspeto — a gestante aceita participar no projeto, porque quer entregar-se à

tarefa de ajudar outros a superar dificuldades que estes só por si não são capazes de ultrapassar».

«Nesta medida, a gestante de substituição atua um projeto de vida próprio e exprime no mesmo a sua

personalidade. Consequentemente, a intervenção no projeto parental dos beneficiários não se esgota no

proveito para estes últimos, já que a própria gestante também retira benefícios para a sua personalidade,

confirmando ou desenvolvendo o modo como entende dever determinar-se perante si e os outros. A sua

gravidez e o parto subsequente são tanto instrumento ou meio, como condição necessária e suficiente de um

ato de doação ou entrega, que, a seus olhos e segundo os seus próprios padrões éticos e morais, a eleva. E

eleva-a igualmente perante aqueles que são por ela ajudados. Ora, a elevação da gestante de substituição,

perante si mesma e os beneficiários e, porventura, perante o círculo dos seus mais próximos, é o oposto da

sua degradação».

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«Deste modo, a dignidade humana daquela que se assume como gestante de substituição não é violada;

pelo contrário, a sua participação na gestação de substituição afirma uma liberdade de ação que, em última

análise, se funda nessa mesma dignidade (…).»

«O regime consagrado no artigo 8.º da LPMA evidencia uma preocupação em proteger a referida liberdade

de ação da gestante de substituição, essencial à salvaguarda da sua dignidade. Na verdade, se e na medida

em que a gestante intervém em todo o processo de gestação de substituição no exercício da sua autonomia,

tal dignidade não é afetada. Daí o dever de proteção assumido pelo legislador em relação à gestante no

âmbito do regime jurídico que permite».

«Em suma, o legislador, ao modelar o regime da gestação de substituição, não ignorou a necessidade de

salvaguarda da dignidade da pessoa humana referida no artigo 67.º, n.º 2, alínea e), da Constituição, tendo

criado para o efeito um procedimento específico e previsto um quadro organizatório próprio. Um e outro não se

mostram desadequados nem insuficientes para proteger eficazmente a liberdade e o esclarecimento da

gestante, pelo menos, no momento em que esta contrata com os beneficiários e inicia os processos

terapêuticos de PMA.»

«(…) o recurso à gestação de substituição para concretizar um projeto parental, só por si, também não

viola a dignidade da criança nascida na sequência de tal forma de reprodução».

A verdade é que a gestação de substituição, no modelo que foi proposto e publicado pela Lei n.º 25/2016,

de 22 de agosto, não viola princípios fundamentais como o da dignidade da pessoa humana, seja da gestante,

seja da criança a nascer da gestação de substituição, muito menos coloca em causa o superior interesse da

criança ou o dever do Estado de proteção da infância.

O modelo português da gestação de substituição é constitucional, não obstante algumas das soluções

adotadas na sua concretização legislativa tenham sido declaradas inconstitucionais, pelo que se deveria

proceder à alteração do regime jurídico, conformando-o com o Acórdão do Tribunal Constitucional,

nomeadamente nas matérias da revogabilidade do consentimento da gestante, da nulidade do negócio jurídico

e da determinabilidade quanto ao contrato de gestação de substituição.

Foi nesse sentido que o Bloco de Esquerda apresentou um novo projeto de lei na anterior Legislatura que

revia o regime jurídico da gestação de substituição para que ele voltasse a ficar acessível.

Assim, passaria a prever-se que a gestante de substituição pudesse revogar o seu consentimento até ao

momento de registo da criança nascida do processo de gestação de substituição, eliminava-se, por questões

de segurança jurídica, o regime de nulidade, sem prejuízo de se manter as punições previstas para quem

concretizasse contratos de gestação de substituição onerosos ou fora dos casos previstos, bem como para

quem promovesse contratos de gestação de substituição com o objetivo de retirar benefício económico. Por

último, determinava-se com maior precisão o que deveria ser estipulado e o que não poderia ser estipulado no

contrato a celebrar entre as partes.

Muitas destas propostas foram aprovadas, no entanto a alteração ao período de revogação de

consentimento da gestante foi rejeitada. Sendo essa uma matéria explicitamente referida no Acórdão do TC de

abril de 2018, corria-se o risco de uma nova lei ser inconstitucional. Por isso mesmo o Bloco de Esquerda

insistiu por três vezes nessa proposta, mas ela continuou a ser rejeitada por PSD, CDS-PP e PCP. O resultado

foi o da inconstitucionalidade e, como consequência, a gestação de substituição continuou inacessível, apesar

de existir como possibilidade na lei. Quem perdeu com isso foram as mulheres que poderiam estar já a aceder

à gestação de substituição para concretizar um projeto de maternidade que de outra forma não conseguirão

atingir.

Porque consideramos que estas mulheres não podem esperar mais, que a angústia das suas vidas não

deve ser prolongada e que a gestação de substituição – que é constitucional e está prevista na lei – deve ficar

acessível, voltamos a apresentar, no presente projeto de lei, as alterações legislativas necessárias para

conformar o regime jurídico da gestação de substituição com o acórdão do Tribunal Constitucional, e

disponibilizá-lo a quem dele necessita.

Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, as Deputadas e os Deputados do Bloco de

Esquerda, apresentam o seguinte projeto de lei:

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Artigo 1.º

Objeto

A presente lei procede à sétima alteração à Lei n.º 32/2006, de 26 de julho, Lei da Procriação Medicamente

Assistida, alterada pelas Leis n.os 59/2007, de 4 de setembro, 17/2016, de 20 de junho, 25/2016, de 22 de

agosto, 58/2017, de 25 de julho, 49/2018, de 14 de agosto, e 48/2019, de 8 de julho.

Artigo 2.º

Alteração à Lei n.º 32/2006, de 26 de julho

Os artigos 8.º e 14.º da Lei n.º 32/2006, de 26 de julho, passam a ter a seguinte redação:

«Artigo 8.º

(…)

1 – ................................................................................................................................................................... .

2 – A celebração de negócios jurídicos de gestação de substituição só é possível a título excecional e com

natureza gratuita, nos casos de ausência de útero, de lesão ou de doença deste órgão que impeça de forma

absoluta e definitiva a gravidez da mulher.

3 – ................................................................................................................................................................... .

4 – (Novo) Sem prejuízo das concretas circunstâncias do caso o poderem impedir, a gestante de

substituição deve ser, preferencialmente, uma mulher que já tenha sido mãe.

5 – A celebração de negócios jurídicos de gestação de substituição carece de autorização prévia do

Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida (CNPMA), entidade que supervisiona todo o

processo, a qual é sempre antecedida de audição da Ordem dos Médicos e apenas pode ser concedida nas

situações previstas no n.º 2 e desde que observadas as disposições contratuais previstas no n.º 12 do

presente artigo.

6 – (Novo)O pedido de autorização prévia para a celebração de contratos de gestação de substituição é

apresentado ao CNPMA através de formulário disponível no respetivo sítio eletrónico, cujo modelo é criado por

este Conselho, subscrito conjuntamente pelos beneficiários e pela gestante de substituição, devendo ser

acompanhado da seguinte documentação:

a) Identificação dos beneficiários e da gestante de substituição;

b) Aceitação pelos beneficiários e pela gestante de substituição das condições previstas no contrato de

gestação de substituição por parte dos beneficiários e da gestante de substituição;

c) Documentação médica, com origem no centro de PMA no qual a técnica ou técnicas de PMA

necessárias à concretização da gestação de substituição serão efetuadas, destinada a comprovar que estão

preenchidas as condições previstas nos n.os 2 e 3;

d) Parecer prévio favorável à celebração do contrato de gestação de substituição da parte da Ordem dos

Psicólogos quanto à aptidão psicológica da gestante e dos beneficiários para esse efeito;

e) Declaração do diretor do centro de PMA no qual a técnica ou técnicas de PMA necessárias à

concretização da gestação de substituição serão efetuadas, aceitando a concretização nesse centro do ou dos

tratamentos a realizar.

7 – (Anterior n.º 5.)

8 – (Anterior n.º 6.)

9 – Sem prejuízo do disposto no artigo seguinte, a criança que nascer através do recurso à gestação de

substituição é tida como filha dos respetivos beneficiários.

10 – No tocante à validade e eficácia do consentimento das partes, ao regime dos negócios jurídicos de

gestação de substituição e dos direitos e deveres das partes, bem como à intervenção do Conselho Nacional

de Procriação Medicamente Assistida e da Ordem dos Médicos, é aplicável à gestação de substituição, com

as devidas adaptações, o disposto no artigo 14.º da presente lei, com exceção do previsto no seu n.º 4

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sobre o consentimento livremente revogável que nos casos de gestação de substituição pode

acontecer, por vontade da gestante, até ao registo da criança nascida.

11 – Os direitos e os deveres previstos nos artigos 12.º e 13.º são aplicáveis, com as devidas alterações,

aos beneficiários dos contratos de gestação de substituição, sendo os direitos e os deveres da gestante

de substituição os que se encontram previstos nos artigos 13.º-A e 13.º-B.

12 – A celebração de negócios jurídicos de gestação de substituição é feita através de contrato escrito,

estabelecido entre as partes, supervisionado pelo Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida,

onde consta, obrigatoriamente, entre outras, cláusulas tendo por objeto:

a) As obrigações da gestante de substituição no que respeita ao cumprimento das orientações médicas do

obstetra que segue a gravidez e da realização dos exames e atos terapêuticos por este considerados

indispensáveis ao correto acompanhamento clínico da gravidez, tendo em vista assegurar a evolução normal

da gravidez e o bem-estar da criança;

b) Os direitos da gestante de substituição na participação nas decisões referentes à escolha do obstetra

que segue a gravidez, do tipo de parto e do local onde o mesmo terá lugar;

c) O direito da gestante de substituição a um acompanhamento psicológico antes e após o parto;

d) As obrigações e os direitos da gestante de substituição, tais como a possibilidade de recusa de se

submeter a exames de diagnóstico, como a amniocentese, ou a possibilidade de realizar viagens em

determinados meios de transporte ou fora do País no terceiro trimestre de gestação;

e) A prestação de informação completa e adequada sobre as técnicas clínicas e os seus potenciais riscos

para a saúde;

f) A prestação de informação ao casal beneficiário e à gestante de substituição sobre o significado e as

consequências da influência do estilo de vida da gestante no desenvolvimento embrionário e fetal;

g) As disposições a observar sobre quaisquer intercorrências de saúde ocorridas na gestação, quer a nível

fetal, quer a nível da gestante de substituição;

h) As disposições a observar em caso de eventual interrupção voluntária da gravidez em conformidade com

a legislação em vigor;

i) A possibilidade de denúncia do contrato por qualquer das partes, no caso de se vir a verificar um

determinado número de tentativas de gravidez falhadas e em que termos tal denúncia pode ter lugar;

j) Os termos de revogação do consentimento ou do contrato em conformidade com a presente lei;

k) A gratuitidade do negócio jurídico e a ausência de qualquer tipo de imposição, pagamento ou doação por

parte do casal beneficiário a favor da gestante de substituição por causa da gestação da criança, para além do

valor correspondente às despesas decorrentes do acompanhamento de saúde efetivamente prestado,

incluindo em transportes;

l) Os subsistemas ou seguros de saúde que podem estar associados ao objeto de contrato;

m) A forma de resolução de conflitos a adotar pelas partes em caso de divergência que se suscite sobre a

interpretação ou execução do negócio jurídico.

Artigo 14.º

(…)

1 – ................................................................................................................................................................... .

2 – ................................................................................................................................................................... .

3 – ................................................................................................................................................................... .

4 – ................................................................................................................................................................... .

5 – O disposto nos n.os 1, 2 e 3 é aplicável à gestante de substituição nas situações previstas no artigo 8.º,

sendo, nestes casos, o seu consentimento livremente revogável até ao momento estabelecido no n.º 10 do

artigo 8.º.

6. ..................................................................................................................................................................... .»

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Artigo 3.º

Aditamento à Lei n.º 32/2006, de 26 de julho

São aditados à Lei n.º 32/2006, de 26 de julho, os artigos 13.º-A e 13.º-B, com a seguinte redação:

«Artigo 13.º-A

Direitos da gestante de substituição

1 – Constituem direitos da gestante de substituição, designadamente:

a) Ser corretamente informada sobre as implicações médicas, sociais e jurídicas prováveis resultantes da

celebração do presente contrato, nomeadamente dos riscos de potenciais complicações da gravidez;

b) Ver concretizada a transferência de embrião em centro de PMA devidamente autorizado;

c) Ser assistida em ambiente médico idóneo que disponha de todas as condições materiais e humanas

necessárias e adequadas ao acompanhamento da gestação resultante do cumprimento do presente contrato;

d) Ter acompanhamento psicológico antes e após o parto;

e) Seguir as prescrições determinadas pelo médico responsável pelo acompanhamento de doença de que

venha a padecer durante a gravidez, ainda que tal possa comprometer a viabilidade da gestação.

2. A celebração, por parte da gestante de substituição, de negócios jurídicos de gestação de substituição

através de contrato escrito não diminui o exercício dos direitos fundamentais legalmente conferidos à mulher

grávida ou puérpera, nomeadamente os de natureza social, laboral ou de qualquer outra.

Artigo 13.º-B

Deveres da gestante de substituição

Constituem deveres da gestante de substituição:

a) Prestar todas as informações que lhe sejam solicitadas pela equipa médica responsável pela

transferência do embrião e todas as outras informações que entenda serem relevantes para o êxito da técnica

a que vai submeter-se;

b) Seguir todas as prescrições médicas determinadas pela equipa médica referida na alínea a);

c) Prestar todas as informações que lhe sejam solicitadas pelo médico responsável pelo acompanhamento

da gravidez e seguir todas as prescrições médicas por este determinadas;

d) Observar os cuidados considerados normais, de acordo com as boas práticas médicas, da sua condição

de grávida, incluindo o que respeita à realização de viagens em determinados meios de transporte no terceiro

trimestre da gestação e ao estilo de vida a manter durante a gestação;

e) Informar os beneficiários da verificação de qualquer facto impeditivo ou modificativo do modo de

cumprimento do presente contrato, nomeadamente qualquer alteração no seu estado de saúde que possa

comprometer a viabilidade da gravidez.»

Artigo 4.º

Regulamentação

O governo aprova, no prazo máximo de 30 dias após a publicação da presente lei, a respetiva

regulamentação.

Artigo 5.º

Republicação

É republicada em anexo a Lei n.º 32/2006, de 26 de julho, na sua atual redação, com as alterações

introduzidas pela presente lei.

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Artigo 6.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no primeiro dia do mês subsequente à data da sua publicação.

Assembleia da República, 12 de novembro de 2019.

As Deputadas e os Deputados do BE: Moisés Ferreira — Pedro Filipe Soares — Jorge Costa — Mariana

Mortágua — Isabel Pires — José Moura Soeiro — Sandra Cunha — Beatriz Gomes Dias — João Vasconcelos

— Maria Manuel Rola — Joana Mortágua — José Manuel Pureza — Luís Monteiro — Alexandra Vieira —

Fabíola Cardoso — Nelson Peralta — Ricardo Vicente — José Maria Cardoso — Catarina Martins.

———

PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 52/XIV/1.ª

RECOMENDA A CRIAÇÃO DE UM PLANO NACIONAL DE CONTROLO DA ESPÉCIE INVASORA

JACINTO-DE-ÁGUA

O jacinto-de-água (Eichornia crassipes) é originário da América do Sul, nomeadamente da bacia

amazónica. Pertence à família Pontederiaceae e na zona e onde é originário tem predadores naturais.

O jacinto-de-água é uma planta aquática flutuante. É uma planta perene e apresenta um crescimento

bastante rápido. Pode reproduzir-se muito rapidamente através de multiplicação vegetativa, podendo ainda

reproduzir-se através de sementes.

Trata-se de uma espécie invasora em diversas zonas do planeta. Na Europa não tem predadores pelo que

se constituiu como uma espécie invasora com enormes impactos. Em Portugal encontra-se atualmente de

norte a sul. Proveniente do Brasil, foi introduzida no País nos anos 30 como ornamento para decorar lagos.

Daí espalhou-se por todo o País através da rede de esgotos, de perímetros de rega, de afluentes e também

por ser colhida e plantada devido ao seu aspeto de planta ornamental. Esse continua aliás a ser um problema

no País. A espécie é esteticamente apreciada como decorativa, o que leva algumas pessoas –

desconhecendo os riscos – a reproduzir a espécie e a usá-la como planta ornamental.

O jacinto-de-água é reconhecido como um problema nacional há várias décadas. Surgiu pela primeira vez

na legislação a 22 de abril de 1974 no Decreto-Lei/74 que «Adota providências destinadas a evitar a

propagação e a continuação da existência da espécie denominada Eichhornia crassipes (Mart.), Solms.,

conhecida vulgarmente por jacinto aquático, jacinto de água ou desmazelos».

Atualmente é considerada uma espécie invasora no País, constando da respetiva listagem do Decreto-Lei

n.º 565/99, de 21 de dezembro, que regula a introdução na natureza de espécies não indígenas da flora e da

fauna.

Com as alterações causadas pela emergência climática, os riscos causados por esta planta aumentam. Os

episódios de seca, de menor precipitação ou de menor afluxo de água aumentam o problema, dado que não

existe renovação da massa de água e dado que os jacintos-de-água não são deslocados e mantém-se no

mesmo local.

Algum tipo de poluição pode agravar igualmente o problema já que o excesso de nutrientes na massa de

água e a má qualidade da água podem contribuir para um crescimento da população de jacintos de água. Por

outro lado, contaminação que reduz a população de espécies autóctones não afeta os jacintos-de-água. Esta

invasora tolera bastante bem ambientes com metais pesados, nomeadamente cádmio, cromo, cobalto, níquel,

chumbo e mercúrio. Aliás, por esse motivo, nalgumas partes do planeta é utilizada como remediado de águas

contaminadas.

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Quando não é controlada, esta espécie pode cobrir totalmente lagos e rios de águas lentas mudando

drasticamente o fluxo de água e bloqueando a luz do sol. Isto leva ao desaparecimento de flora e fauna

autóctone que se vê privada de oxigénio e de alimento. A espécie limita ainda as trocas gasosas entre a água

e o ar.

A Pateira de Fermentelos, Requeixo e Carregal é um caso paradigmático no que respeita a esta invasora.

Trata-se da maior lagoa natural da Península Ibérica, com uma área de superfície que pode chegar aos 5km2

e que se estende pelos concelhos de Águeda, Aveiro e Oliveira do Bairro e que está ameaçada pelo jacinto-

de-água.

A Pateira dispõe de uma ceifeira aquática que remove mecanicamente a espécie. A máquina tem

apresentado bons resultados no que respeita ao controlo do jacinto-de-água. Recentemente, a ceifeira

aquática foi emprestada para atuar no rio Soraia, o maior afluente do Tejo, e que em Benavente se encontrava

com áreas completamente cobertas pelo jacinto-de-água. A ceifeira só pode ser utilizada onde o caudal do rio

o permitiu, sendo que a restante atividade foi desenvolvida por máquinas com braços de 15 metros.

O caso da Pateira mostra que a espécie pode ser relativamente controlada e confinada se existir um

trabalho contínuo de remoção da mesma. Aliás, a ausência desse trabalho por empréstimo da ceifeira

provocou novo crescimento da espécie que agora ocupa uma parte considerável da superfície da Pateira.

É assim essencial que o jacinto-de-água seja considerado um problema nacional, não apenas através da

legislação de invasoras já existente, mas também através da criação de um plano nacional para controlar a

espécie. Deve ser adquirida maquinaria para o controlo da espécie que possa estar disponível para

intervenções de remoção da espécie em várias massas de água. É importante a atuação em todo o País, mas

é igualmente fulcral definir áreas prioritárias de intervenção, nomeadamente por motivos de conservação da

natureza ou por a espécie estar com um desenvolvimento tal que possa provocar o colapso do ecossistema da

massa de água em causa. Urge ainda realizar uma campanha de sensibilização para que a população esteja

completamente informada dos riscos colocados pela planta à biodiversidade e aos ecossistemas e que a

mesma não pode ser utilizada como planta ornamental.

Ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do Bloco de

Esquerda propõe que a Assembleia da República recomende ao Governo que:

1. A criação de um plano nacional de controlo da espécie invasora jacinto-de-água;

2. A definição de áreas de intervenção prioritária, nomeadamente por motivos de conservação da natureza

e por áreas onde a espécie coloca em risco a integridade do ecossistema;

3. Uma campanha de sensibilização para difundir o carácter invasor da espécie, os riscos que apresenta

para os ecossistemas e para a necessidade de não a reproduzir ou utilizar como planta ornamental;

4. A aquisição de maquinaria adaptada para o controlo e remoção da espécie de massas de água.

Assembleia da República, 12 de novembro de 2019.

As Deputadas e os Deputados do BE: Nelson Peralta — Pedro Filipe Soares — Jorge Costa — Mariana

Mortágua — Isabel Pires — José Moura Soeiro — Sandra Cunha — Beatriz Gomes Dias — João Vasconcelos

— Maria Manuel Rola — Joana Mortágua — José Manuel Pureza — Luís Monteiro — Moisés Ferreira —

Alexandra Vieira — Fabíola Cardoso — Ricardo Vicente — José Maria Cardoso — Catarina Martins.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO.

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