Página 1
Quarta-feira, 11 de dezembro de 2019 II Série-A — Número 28
XIV LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2019-2020)
S U M Á R I O
Projetos de Lei (n.os 1 a 3, 29, 52, 87, 92, 93, 107, 110, 114, 117, 118, 121, 123, 126 e 149 a 163/XIV/1.ª):
N.º 1/XIV/1.ª [Reconhece as crianças que testemunhem ou vivam em contexto de violência doméstica enquanto vítimas desse crime (sexta alteração ao regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à proteção e à assistência das suas vítimas e quadragésima sétima alteração ao Código Penal)]: — Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e nota técnica elaborada pelos serviços de apoio.
N.º 2/XIV/1.ª [Torna obrigatória, nos casos de violência doméstica, a recolha de declarações para memória futura das vítimas (sexta alteração ao regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica e à proteção e à assistência das suas vítimas)]: — Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e nota técnica elaborada pelos serviços de apoio.
N.º 3/XIV/1.ª [Altera a Lei da Nacionalidade e o Regulamento Emolumentar dos Registos e Notariado (nona alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, e trigésima quarta alteração ao Decreto-Lei n.º 322-A/2001, de 14 de dezembro)]: — Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e nota técnica elaborada pelos serviços de apoio.
N.º 29/XIV/1.ª [Redução da taxa de IRC (procede à alteração do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas
Coletivas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de novembro)]: — Parecer da Comissão de Orçamento e Finanças e nota técnica elaborada pelos serviços de apoio.
N.º 52/XIV/1.ª (Privilegia o modelo de residência alternada sempre que tal corresponda ao superior interesse da criança, excecionando-se o decretamento deste regime aos casos de abuso infantil, negligência e violência doméstica): — Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e nota técnica elaborada pelos serviços de apoio.
N.º 87/XIV/1.ª (Altera o Código Civil, estabelecendo o princípio da residência alternada do filho em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento dos progenitores): — Vide parecer do Projeto de Lei n.º 52/XIV/1.ª e nota técnica elaborada pelos serviços de apoio.
N.º 92/XIV/1.ª (Reconhecimento do estatuto de vítima às crianças que testemunhem ou vivam em contexto de violência doméstica): — Vide parecer do projeto de Lei n.º 1/XIV/1.ª e nota técnica elaborada pelos serviços de apoio.
N.º 93/XIV/1.ª (Torna obrigatória a tomada de declarações para memória futura a pedido da vítima ou do Ministério Público): — Vide parecer do projeto de Lei n.º 2/XIV/1.ª e nota técnica elaborada pelos serviços de apoio.
N.º 107/XIV/1.ª (Septuagésima sexta alteração ao Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47 344, de 25 de
Página 2
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
2
novembro de 1966, alterando o regime do exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento, de forma a clarificar que o tribunal pode determinar a residência alternada do filho com cada um dos progenitores sempre que tal corresponda ao superior interesse do menor): — Vide parecer do Projeto de Lei n.º 52/XIV/1.ª e nota técnica elaborada pelos serviços de apoio.
N.º 110/XIV/1.ª (Sobre o estabelecimento da residência alternada dos menores, em caso de divórcio separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento): — Vide parecer do Projeto de Lei n.º 52/XIV/1.ª e nota técnica elaborada pelos serviços de apoio.
N.º 114/XIV/1.ª (Altera o Código Civil, prevendo o regime de residência alternada da criança na regulação do exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento): — Vide parecer do Projeto de Lei n.º 52/XIV/1.ª e nota técnica elaborada pelos serviços de apoio.
N.º 117/XIV/1.ª [Alarga o acesso à naturalização às pessoas nascidas em território português após o dia 25 de Abril de 1974 e antes da entrada em vigor da Lei da Nacionalidade (procede à nona alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro)]: — Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e nota técnica elaborada pelos serviços de apoio.
N.º 118/XIV/1.ª [Alarga a aplicação do princípio do jus soli na Lei da Nacionalidade Portuguesa (nona alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, que aprova a Lei da Nacionalidade)]: — Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e nota técnica elaborada pelos serviços de apoio.
N.º 121/XIV/1.ª (Aprova o Estatuto do Antigo Combatente): — Parecer da Comissão de Defesa Nacional e nota técnica elaborada pelos serviços de apoio.
N.º 123/XIV/1.ª (Criação de subsídio para vítimas de violência que são obrigadas a abandonar o seu lar): — Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e nota técnica elaborada pelos serviços de apoio.
N.º 126/XIV/1.ª [Nona alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro (Lei da Nacionalidade)]: — Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e nota técnica elaborada pelos serviços de apoio.
N.º 149/XIV/1.ª (PCP) — Plano de intervenção para a construção, requalificação e modernização do edificado escolar.
N.º 150/XIV/1.ª (PCP) — Lei de programação plurianual de investimento para os estabelecimentos do SNS.
N.º 151/XIV/1.ª (PCP) — Estabelece o regime para a reposição de freguesias extintas.
N.º 152/XIV/1.ª (PCP) — Revoga o regime fundacional e estabelece um modelo de gestão democrática das instituições públicas de ensino superior (primeira alteração à Lei n.º 62/2007, de 10 de setembro, que estabelece o regime jurídico das instituições do ensino superior).
N.º 153/XIV/1.ª (PCP) — Financiamento do ensino superior público.
N.º 154/XIV/1.ª (PCP) — Aprova a Lei-Quadro da Ação Social Escolar no Ensino Superior.
N.º 155/XIV/1.ª (PCP) — Cria o Plano Nacional para a Prevenção Estrutural dos Efeitos da Seca e seu acompanhamento.
N.º 156/XIV/1.ª (PCP) — Faixas de salvaguarda e regime de avaliação de incidências ambientais (AIncA) de explorações agrícolas em regime intensivo e superintensivo.
N.º 157/XIV/1.ª (PCP) — Alteração ao Regime do Arrendamento Apoiado para Habitação.
N.º 158/XIV/1.ª (PEV) — Proíbe a caça à raposa, exclui esta espécie da Lista de Espécies Cinegéticas e procede à alteração ao Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18 de agosto.
N.º 159/XIV/1.ª (PEV) — Proíbe a caça ao saca-rabos, exclui esta espécie da Lista de Espécies Cinegéticas e procede à alteração ao Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18 de agosto.
N.º 160/XIV/1.ª (PEV) — Proíbe a caça ao melro, exclui esta espécie da Lista de Espécies Cinegéticas e procede à alteração ao Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18 de agosto.
N.º 161/XIV/1.ª (PEV) — Proíbe a caça à gralha-preta, exclui esta espécie da Lista de Espécies Cinegéticas e procede à alteração ao Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18 de agosto.
N.º 162/XIV/1.ª (PEV) — Proíbe a caça ao gaio, exclui esta espécie da Lista de Espécies Cinegéticas e procede à alteração ao Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18 de agosto.
N.º 163/XIV/1.ª (PEV) — Proíbe a caça à pega-rabuda e exclui esta espécie da Lista de Espécies Cinegéticas e procede à alteração ao Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18 de agosto. Proposta de Lei n.º 3/XIV/1.ª (GOV):
Aprova o Estatuto de Antigo Combatente. Projetos de Resolução (n.os 52, 58, 130 e 159 a 166/XIV/1.ª):
N.º 52/XIV/1.ª (Recomenda a criação de um plano nacional de controlo da espécie invasora jacinto-de-água): — Informação da Comissão de Ambiente, Energia e Ordenamento do Território relativa à discussão do diploma ao abrigo do artigo 128.º do Regimento da Assembleia da República.
N.º 58/XIV/1.ª (PEV) — (Plano de ação para controlo do jacinto-de-água): — Vide Projeto de Resolução n.º 52/XIV/1.ª.
N.º 130/XIV/1.ª (PSD) — (Recomenda ao Governo a criação de um plano nacional de ação para o controlo da espécie invasora jacinto-de-água que garanta a sua remoção e a recuperação dos ecossistemas por ela afetados): — Vide Projeto de Resolução n.º 52/XIV/1.ª.
N.º 159/XIV/1.ª (PCP) — Estudo de Avaliação sobre as extensas áreas de produção agrícola em regime intensivo e superintensivo.
N.º 160/XIV/1.ª (PCP) — Recomenda ao Governo a realização de um programa de emergência para o reforço da resposta pública ao nível do Património Cultural e a valorização dos museus, palácios, monumentos e sítios arqueológicos.
N.º 161/XIV/1.ª (PCP) — Potenciar a redução tarifária para uma aposta estratégica na promoção dos transportes públicos.
N.º 162/XIV/1.ª (PCP) — Pela articulação tarifária e promoção da redução de preços dos transportes nas ligações entre áreas metropolitanas e comunidades intermunicipais limítrofes.
N.º 163/XIV/1.ª (PCP) — Pelo investimento e gestão pública na rede viária fundamental – reinício urgente das obras do IP2 e IP8 e fim da PPP rodoviária Baixo Alentejo.
N.º 164/XIV/1.ª (PCP) — Recomenda ao Governo a adoção de medidas de proteção do Estuário do Sado.
N.º 165/XIV/1.ª (PSD) — Recomenda ao Governo suspenda as obras no Porto de Setúbal até conclusão de questões ambientais e económicas.
N.º 166/XIV/1.ª (PAN) — Recomenda ao Governo que possibilite a execução da totalidade da dotação orçamental de 2019 destinada a despesas com pessoal da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos.
Página 3
11 DE DEZEMBRO DE 2019
3
PROJETO DE LEI N.º 1/XIV/1.ª
[RECONHECE AS CRIANÇAS QUE TESTEMUNHEM OU VIVAM EM CONTEXTO DE VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA ENQUANTO VÍTIMAS DESSE CRIME (SEXTA ALTERAÇÃO AO REGIME JURÍDICO
APLICÁVEL À PREVENÇÃO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA, À PROTEÇÃO E À ASSISTÊNCIA DAS SUAS
VÍTIMAS E QUADRAGÉSIMA SÉTIMA ALTERAÇÃO AO CÓDIGO PENAL)]
PROJETO DE LEI N.º 92/XIV/1.ª
(RECONHECIMENTO DO ESTATUTO DE VÍTIMA ÀS CRIANÇAS QUE TESTEMUNHEM OU VIVAM EM
CONTEXTO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA)
Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e notas
técnicas elaborada pelos serviços de apoio
Parecer conjunto
PARTE I – CONSIDERANDOS
I. a) Nota introdutória
Os Deputados do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda tomaram a iniciativa de apresentar à Assembleia
da República o Projeto de Lei n.º 1/XIV/1.ª – «Reconhece as crianças que testemunhem ou vivam em contexto
de violência doméstica enquanto vítimas desse crime (sexta alteração ao regime jurídico aplicável à prevenção
da violência doméstica, à proteção e à assistência das suas vítimas e quadragésima sétima alteração ao código
penal)», tendo esta iniciativa dado entrada a 25 de outubro de 2019, foi admitida no dia 6 de novembro por
despacho de S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República. Após baixar, na generalidade, à Comissão de
Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (1.ª), foi anunciada na reunião plenária do dia 13 de
novembro de 2019.
Igualmente, na reunião plenária do dia 13 de novembro foi anunciada e distribuída a iniciativa apresentada
pelo Grupo Parlamentar do Partido Pessoas-Animais-Natureza, o Projeto de Lei n.º 92/XIV/1.ª –
«Reconhecimento do estatuto de vítima às crianças que testemunhem ou vivam em contexto de violência
doméstica». Este projeto de lei deu entrada a 19 de novembro de 2019, foi admitido e anunciado no dia 22 de
novembro, data em que, por despacho de S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República, baixou, na
generalidade, à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (1.ª).
A Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, designou a Deputada signatária
do presente relatório como relatora do parecer relativo às duas iniciativas que, tendo em conta a coincidência
de âmbito, se elabora conjuntamente. A discussão na generalidade encontra-se agendada, igualmente de forma
conjunta, para a reunião plenária de dia 12 de dezembro.
Ambas as iniciativas deram entrada ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 156, do n.º 1 do
artigo 167.º e da alínea g) do n.º 2 do artigo 180.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e da alínea
b) do n.º 1 do artigo 4.º, da alínea f) do artigo 8.º e do artigo 118.º do Regimento da Assembleia da República
(RAR). As iniciativas reúnem os requisitos formais previstos no n.º 1 do artigo 119.º, do n.º 1 do artigo 120.º, do
n.º 1 do artigo 123.º e do artigo 124.º, todos do RAR.
I. b) Do objeto, conteúdo e motivação das iniciativas
Projeto de Lei n.º 1/XIV/1.ª (BE)
O projeto de lei apresentado pelo Grupo Parlamentar do BE vem propor a alteração do regime jurídico
aplicável à prevenção da violência doméstica e à proteção e assistência das suas vítimas, aprovado pela Lei n.º
Página 4
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
4
112/2009, de 16 de setembro, incidindo sobre o seu artigo 2.º (Definições) e prevendo a atribuição do estatuto
de vítima às crianças que testemunhem situações de violência doméstica ou que vivam nesse contexto, bem
como alterar o artigo 152.º do Código Penal, incluindo no tipo objetivo do crime de violência doméstica as
condutas que impliquem as crianças que vivenciam o contexto de violência ou o testemunham.
A nota técnica da responsabilidade dos serviços da Assembleia da República resume, em termos
substantivos, os fundamentos invocadas pelo proponente, designadamente por, no seu entendimento a Lei n.º
112/2009, de 16 de setembro, não contemplar expressamente a questão das crianças enquanto vítimas quando
testemunham violência doméstica, situação «que não protege as crianças, que menospreza a violência que
sobre elas é exercida quando testemunham casos de violência doméstica e que influencia toda a forma como
elas são tratadas no decorrer do processo penal.»
Mais propõem os subscritores, a alteração do tipo legal contido no artigo 152.º do Código Penal, prevendo
no tipo objetivo do crime de violência doméstica as condutas que impliquem as crianças que vivenciam esse
contexto no seio da família que integram ou quando sejam testemunhas presenciais dessa mesma realidade,
pretendendo-se, por esta via elevar a proteção do menor exposto a essas situações mediante a autonomização
do valor jurídico que deve ser atribuído ao seu desenvolvimento saudável.
Em suma, e nas palavras do proponente, «o caráter inovador deste projeto de lei é a garantia de que as
crianças são sempre consideradas vítimas, mesmo quando não são o alvo direto da violência doméstica».
Do ponto de vista sistemático, o projeto de lei em apreço compõe-se de quatro artigos preambulares: o
primeiro definidor do respetivo objeto; os segundo e terceiro prevendo respetivamente a alteração do artigo 2.º
da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, e do artigo 152.º do Código Penal; e o quarto determinando que o início
de vigência das normas a aprovar ocorrerá no dia seguinte ao da sua publicação.
Projeto de Lei n.º 92/XIV/1.ª (PAN)
A iniciativa legislativa apresentada pelo Grupo Parlamentar do PAN, sob a forma de projeto de lei, vem propor
a alteração do regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica e à proteção e assistência das suas
vítimas, aprovado pela Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, incidindo sobre o artigo 2.º (Definições) e prevendo
a atribuição do estatuto de vítima às crianças que vivam em contexto de violência doméstica ou o testemunhem,
bem como promover alterações ao artigo 152.º (Violência doméstica) do Código Penal, que permitam a
integração no tipo objetivo do crime de violência doméstica as condutas que impliquem as crianças que
vivenciam o contexto de violência ou o testemunhem.
Considera o proponente, e no resumo que se extrai da nota técnica elaborada pelos serviços da Assembleia,
que por esta via se combate o flagelo da violência doméstica, «um dos fenómenos criminológicos com maior
grau de incidência na sociedade portuguesa» e «com profundas repercussões nos planos pessoal, familiar,
profissional e social das vítimas em causa, onde se incluem as crianças», através de previsão do
reconhecimento legal expresso das crianças enquanto vítimas do crime de violência doméstica quando
vivenciam esse contexto no seio da família e quando sejam testemunhas presenciais dessa mesma realidade,
uma vez que a Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, é omissa no que tange à atribuição do estatuto de vítima a
essas crianças.
Com este desígnio, propõe-se incluir na categoria de «vítima especialmente vulnerável» as crianças que
vivam nesse contexto de violência doméstica ou o testemunhem, nas palavras do proponente, contribuindo
dessa forma para a proteção das crianças e para que todas as vítimas tenham uma resposta adequada.
A par do reconhecimento legal expresso dessas crianças enquanto vítimas, propõe-se a alteração do tipo
legal contido no artigo 152.º do Código Penal, prevendo no tipo objetivo do crime de violência doméstica as
condutas que impliquem as crianças que vivenciam esse contexto no seio da família que integram ou quando
sejam testemunhas presenciais dessa mesma realidade, elevando a proteção do menor exposto a essas
situações mediante a autonomização do valor jurídico que deve ser atribuído ao seu desenvolvimento saudável.
A proposta legislativa é constituída por quatro artigos preambulares: o primeiro definidor do respetivo objeto;
os segundo e terceiro prevendo respetivamente a alteração do artigo 2.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro,
e do artigo 152.º do Código Penal; e o quarto determinando que o início de vigência das normas a aprovar
ocorrerá no primeiro dia do mês seguinte ao da sua publicação.
Página 5
11 DE DEZEMBRO DE 2019
5
I. c) Enquadramento constitucional e legal
As propostas do BE e do PAN visam alterar o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica
e à proteção e assistência das suas vítimas. A análise seguinte tomará em conta o enquadramento comum
proporcionado pela legislação em vigor, reconhecendo, todavia, as especificidades de ambos.
Do ponto de vista constitucional, convoca-se em especial, o artigo 69.º da Constituição da República
Portuguesa, relativo à proteção da infância. São ainda conexas com a matéria instrumentos internacionais como
a Convenção sobre os Direitos da Criança (artigo 19.º) e a Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção
e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica – Convenção de Istambul (artigo 26.º).
Este último documento legislativo foca, em diversos pontos, a questão da proteção de menores, reconhecendo
neste particular que «as crianças são vítimas de violência doméstica, designadamente como testemunhas de
violência na família».
É, pois, com este entendimento de que as crianças são vítimas quando testemunhem atos de violência
doméstica, que a Convenção de Istambul prevê, designadamente, que os Estados Parte adotem medidas
legislativas ou outras necessárias para assegurar que, ao oferecer serviços de proteção e apoio às vítimas, os
direitos e as necessidades das crianças testemunhas de todas as formas de violência cobertas pelo âmbito de
aplicação da Convenção sejam tomados em conta, incluindo aconselhamento psicossocial adaptado à idade
das crianças testemunhas e tendo em devida conta o interesse superior da criança (artigo 26.º).
Com as iniciativas do BE e do PAN pretendem introduzir-se alterações à Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro,
que estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à proteção e à assistência das
suas vítimas, e ao artigo 152.º do Código Penal, o qual tipifica o crime de violência doméstica, designadamente
no sentido de considerar como vítimas especialmente vulneráveis as crianças que vivem em contexto de
violência doméstica ou o testemunhem.
Efetivamente, a Lei n.º 112/2009 não classifica expressamente como vítimas de violência doméstica todas
as crianças que testemunham ou vivam em contexto de violência doméstica. Contudo, considera-se que estas
situações possam integrar o conceito de crianças em risco, nos termos da Lei de Proteção de Crianças e Jovens
em Perigo, aprovada pela Lei n.º 147/99, de 1 de setembro – visto que, de acordo com esta lei considera-se que
a criança ou o jovem está em perigo, designadamente, quando «sofre maus tratos físicos ou psíquicos» ou «é
vítima de abusos sexuais» ou «está sujeita, de forma direta ou indireta, a comportamentos que afetem
gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional».
O crime de violência doméstica encontra-se tipificado no artigo 152.º do Código Penal, cuja alteração também
se propõe através de ambas as iniciativas em análise, no sentido de que se permita a integração no tipo objetivo
do crime de violência doméstica das condutas que impliquem as crianças que vivenciam o contexto de violência
ou o testemunhem.
Relativamente à XIII Legislatura, foram identificadas as seguintes iniciativas legislativas:
– Projeto de Lei n.º 1183/XIII/4.ª (BE) – Protege as crianças que testemunhem crimes de violência doméstica
e torna obrigatória a recolha de declarações para memória futura no decorrer do inquérito (sexta alteração ao
regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica e à proteção e à assistência das suas vítimas);
– Projeto de Lei n.º 1152/XIII/4.ª (PCP) – Reforça os mecanismos legais de proteção das vítimas de violência;
– Projeto de Lei n.º 1151/XIII/4.ª (PSD) – Sexta Alteração à Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, que
estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à proteção e à assistência das suas
vítimas;
– Projeto de Lei n.º 1113/XIII/4.ª (PAN) – Determina uma maior proteção para as crianças no âmbito de
crimes de violência doméstica;
– Proposta de Lei n.º 112/XIII/3.ª (GOV) – Define a missão e as atribuições da Comissão Nacional de Apoio
às Vítimas de Crimes;
– Projeto de Lei n.º 432/XIII/2.ª (PAN) – Altera a Lei n.º 112/2009 de 16 de setembro relativa ao regime
jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica e proteção e assistência das suas vítimas.
E, ainda, os seguintes projetos de resolução:
Página 6
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
6
– Projeto de Resolução n.º 2040/XIII/4.ª (CDS-PP) – Recomenda ao Governo a criação de gabinetes de apoio
e informação à vítima de violência doméstica;
– Projeto de Resolução n.º 710/XIII/2.ª (BE) – Recomenda a capacitação das forças de segurança para a
proteção às vítimas de violência doméstica;
– Projeto de Resolução n.º 705/XIII/2.ª (PAN) – Recomenda ao Governo que diligencie pelo
redimensionamento de pressupostos na aplicação do regime jurídico aplicável à prevenção da violência
doméstica e proteção e assistência das suas vítimas;
– Projeto de Resolução n.º 658/XIII/2.ª (CDS-PP) – Recomenda ao Governo a reorganização da rede de
gabinetes de atendimento às vítimas de violência doméstica da GNR e da PSP.
Estas iniciativas, discutidas e votadas indiciariamente na Comissão de Assuntos Constitucionais da XIII
Legislatura, deram origem a um texto de substituição desta Comissão, que culminou na aprovação da Lei
Orgânica n.º 2/2018, de 5 de julho.
Efetuada a pesquisa à base de dados da atividade parlamentar (AP), verifica-se que se encontram
pendentes, sobre matéria idêntica, iniciativas legislativas, cuja discussão na generalidade se encontra também
agendada para a sessão plenária de 12 de dezembro de 2019:
– Projeto de Lei n.º 93/XIV/1.ª (PAN) – Torna obrigatória a tomada de declarações para memória futura a
pedido da vítima ou do Ministério Público;
– Projeto de Lei n.º 2/XIV/1.ª (BE) – Torna obrigatória, nos casos de violência doméstica, a recolha de
declarações para memória futura das vítimas (sexta alteração ao regime jurídico aplicável à prevenção da
violência doméstica e à proteção e à assistência das suas vítimas);
– Projeto de Lei n.º 123/XIV/1.ª – «Criação de subsídio para vítimas de violência que são obrigadas a
abandonar o seu lar».
I. d) Consultas
Atendendo à matéria objeto das iniciativas foi promovida a consulta escrita, do Conselho Superior da
Magistratura, do Conselho Superior do Ministério Público e da Ordem dos Advogados, que, na presente data,
ainda não foram recebidos, mas cujos pareceres poderão ser posteriormente consultados no processo legislativo
da iniciativa, disponível eletronicamente1.
PARTE II – OPINIÃO DA DEPUTADA RELATORA
A relatora signatária do presente parecer apesar de fazer prevalecer o disposto no n.º 3 do artigo 137.º do
PAR para reservar a sua opinião, e a do seu GP, sobre a iniciativa em apreço para momento ulterior,
nomeadamente o da sua discussão em plenário, não pode, neste contexto, deixar de fazer umas breves
referências no que diz respeito a prevalências e Convenções Internacionais:
– O crime de violência doméstica é um crime violento e uma grave violação dos direitos humanos, que afeta
desproporcionalmente mulheres e homens e também as crianças. Representa, de acordo com o Relatório Anual
de Segurança Interna, o segundo maior tipo de crime contra as pessoas, tendo-se registado, em 2018, 26.483
participações às forças de segurança (ligeiro decréscimo face a 2017 – 26.713).
– Segundo dados do OMA da UMAR, este ano já se registaram 28 mulheres assassinadas em contexto de
relações de intimidade ou familiares e, ainda, a existência de 45 filhos/as das mulheres mortas, sendo que 16
eram menores de idade.
– Segundo informação disponível no Relatório Anual de Monitorização de violência doméstica, de 2018, da
Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna, em cerca de 31% dos casos registados pela PSP as
ocorrências foram presenciadas por menores (regista-se um ligeiro decréscimo face a anos anteriores – 2012:
42%; 2013: 39%; 2014: 38%; 2015: 36%; 2016: 35%).
1 https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=44180.
Página 7
11 DE DEZEMBRO DE 2019
7
– Segundo o Relatório Anual de Avaliação da Atividade das Comissões de Proteção de Crianças e Jovens
(CPCJ) 2018, da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens, a segunda
situação de perigo mais comunicada às CPCJ é a violência doméstica, com 22,7% dos casos comunicados.
De referir ainda que:
– A Lei n.º 112/2009 não considera vítimas de violência doméstica as crianças que testemunham ou vivem
em contexto de violência doméstica, embora as crianças possam ser consideradas «crianças em risco», nos
termos da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela Lei n.º 147/99, de 1 de setembro.
– O Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 8 de setembro, prevê, no
artigo 44.º-A, a regulação urgente do exercício das responsabilidades parentais em determinadas situações,
designadamente quando estiverem «em grave risco os direitos e a segurança das vítimas de violência doméstica
e de outras formas de violência em contexto familiar, como maus tratos ou abuso sexual de crianças».
Destaca-se ainda que:
– A Convenção sobre os Direitos da Criança prevê que «os Estados Partes tomam todas as medidas
legislativas, administrativas, sociais e educativas adequadas à proteção da criança contra todas as formas de
violência física ou mental, dano ou sevícia, abandono ou tratamento negligente, maus tratos ou exploração,
incluindo a violência sexual, enquanto se encontrar sob a guarda de seus pais ou de um deles, dos
representantes legais ou de qualquer outra pessoa a cuja guarda haja sido confiada.»
– A Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a
Violência Doméstica (Convenção de Istambul) foca em vários pontos a questão da proteção destas crianças.
Reconhece logo no preâmbulo «que as crianças são vítimas da violência doméstica, inclusivamente como
testemunhas de violência no seio da família».
– Grupo de Peritos para o Combate à Violência contra as Mulheres e à Violência Doméstica (GREVIO) do
Conselho da Europa, no seu relatório de avaliação da implementação por Portugal das medidas preconizadas
na Convenção de Istambul, publicado em janeiro de 2019, identificou alguns domínios prioritários nos quais as
autoridades portuguesas deveriam tomar medidas complementares para cumprirem plenamente as disposições
da Convenção de Istambul, nomeadamente rever a «definição de vítima» na legislação portuguesa para que
esta se aplique a todas as pessoas consideradas vítimas no sentido do parágrafo e) do artigo 3.º da Convenção
de Istambul. Faz, ainda, várias recomendações relativamente às crianças expostas a violência doméstica, no
sentido de incluir as crianças na mesma ordem de proteção das suas mães, sejam as crianças vítimas diretas
ou indiretas (recomendação n.º 219).
PARTE III – CONCLUSÕES
1 – Os 19 Deputados do BE apresentaram à Assembleia da República o Projeto de Lei n.º 1/XIV/1.ª –
«Reconhece as crianças que testemunhem ou vivam em contexto de violência doméstica enquanto vítimas
desse crime (sexta alteração ao regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à proteção e à
assistência das suas vítimas e quadragésima sétima alteração ao código penal)».
2 – Por sua vez, quatro Deputados do PAN apresentaram à Assembleia da República o Projeto de Lei n.º
92/XIV/1.ª (PAN) – «Reconhecimento do estatuto de vítima às crianças que testemunhem ou vivam em contexto
de violência doméstica».
3 – Ambas as iniciativas pretendem alterar a Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, que estabelece o regime
jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à proteção e à assistência das suas vítimas, e o Código
Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro.
4 – Face ao exposto, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias é de
parecer que os Projetos de Lei n.os 2/XIV/1.ª (BE) e 93/XIV/1.ª (PAN), reúnem os requisitos constitucionais e
regimentais para serem discutidos e votados em plenário.
Palácio de S. Bento, 11 de dezembro de 2019.
Página 8
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
8
A Deputada relatora, Elza Pais — O Presidente da Comissão, Luís Marques Guedes.
Nota: As partes I e III do parecer foram aprovadas, por unanimidade, verificando-se a ausência do CDS-PP
e do DURP do Chega, na reunião da Comissão de 11 de dezembro de 2019.
PARTE IV – ANEXOS
Anexam-se duas notas técnicas elaboradas pelos serviços ao abrigo do disposto no artigo 131.º do RAR.
Nota Técnica
Projeto de Lei n.º 1/XIV/1.ª (BE)
Reconhece as crianças que testemunhem ou vivam em contexto de violência doméstica enquanto
vítimas desse crime (sexta alteração ao regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à
proteção e à assistência das suas vítimas e quadragésima alteração ao Código Penal)
Data de admissão: 6 de novembro de 2019.
Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (1.ª)
Índice
I. Análise da iniciativa
II. Enquadramento parlamentar
III. Apreciação dos requisitos formais
IV. Análise de direito comparado
V. Consultas e contributos
VI. Avaliação prévia de impacto
VII. Enquadramento bibliográfico
Elaborada por: Maria João Godinho (DILP), Rosalina Espinheira (BIB), Sónia Milhano (DAPLEN), Inês Cadete e Margarida Ascensão (DAC).
Data: 18 de novembro de 2019.
I. Análise da iniciativa
A iniciativa
O presente projeto de lei visa alterar o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica e à
proteção e assistência das suas vítimas, aprovado pela Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, incidindo sobre o
seu artigo 2.º (Definições) e prevendo a atribuição do estatuto de vítima às crianças que testemunhem situações
de violência doméstica ou que vivam nesse contexto, bem como alterar o artigo 152.º do Código Penal, incluindo
no tipo objetivo do crime de violência doméstica as condutas que impliquem as crianças que vivenciam o
contexto de violência ou o testemunham.
Segundo o proponente, a apresentação desta iniciativa legislativa justifica-se na medida em que a Lei n.º
112/2009, de 16 de setembro, não contempla expressamente a questão das crianças enquanto vítimas quando
testemunham violência doméstica, situação «que não protege as crianças, que menospreza a violência que
sobre elas é exercida quando testemunham casos de violência doméstica e que influencia toda a forma como
elas são tratadas no decorrer do processo penal.».
Página 9
11 DE DEZEMBRO DE 2019
9
Nesse sentido, e em cumprimento do disposto na Constituição da República Portuguesa, na Convenção
sobre os Direitos da Criança e na Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência
contra as Mulheres e a Violência Doméstica (Convenção de Istambul), o projeto propõe incluir na categoria de
«vítima especialmente vulnerável» as crianças que vivam nesse contexto de violência doméstica ou o
testemunhem1, contribuindo dessa forma para a proteção das crianças e para que todas as vítimas tenham uma
resposta adequada2.
A par do reconhecimento legal expresso das crianças enquanto vítimas nessas situações de violência,
propõe-se a alteração do tipo legal contido no artigo 152.º do Código Penal3, prevendo no tipo objetivo do crime
de violência doméstica as condutas que impliquem as crianças que vivenciam esse contexto no seio da família
que integram ou quando sejam testemunhas presenciais dessa mesma realidade, elevando a proteção do menor
exposto a essas situações mediante a autonomização do valor jurídico que deve ser atribuído ao seu
desenvolvimento saudável.
Em suma, e nas palavras do proponente, «o caráter inovador deste projeto de lei é a garantia de que as
crianças são sempre consideradas vítimas, mesmo quando não são o alvo direto da violência doméstica».
A iniciativa legislativa compõe-se de quatro artigos preambulares: o primeiro definidor do respetivo objeto; o
segundo e terceiro prevendo respetivamente a alteração do artigo 2.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro,
e do artigo 152.º do Código Penal; e o quarto determinando que o início de vigência das normas a aprovar
ocorrerá no dia seguinte ao da sua publicação.
Enquadramento jurídico nacional
O artigo 69.º da Constituição prevê o direito das crianças «à proteção da sociedade e do Estado, com vista
ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de
opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições.».
Consagra-se nesteartigo «um direito das crianças à proteção, impondo-se os correlativos deveres de
prestação ou de atividade ao Estado e à sociedade (i. é, aos cidadãos e às instituições sociais). Trata-se de um
típico «direito social», que envolve deveres de legislação e de ação administrativa para a sua realização e
concretização, mas que supõe, naturalmente, um direito negativo das crianças a não serem abandonadas,
discriminadas ou oprimidas (…).»4.
A Convenção sobre os Direitos da Criança5 prevê que «os Estados parte tomam todas as medidas
legislativas, administrativas, sociais e educativas adequadas à proteção da criança contra todas as formas de
violência física ou mental, dano ou sevícia, abandono ou tratamento negligente, maus tratos ou exploração,
incluindo a violência sexual, enquanto se encontrar sob a guarda de seus pais ou de um deles, dos
representantes legais ou de qualquer outra pessoa a cuja guarda haja sido confiada.».
Partindo do reconhecimento de que «as crianças são vítimas de violência doméstica, designadamente como
testemunhas de violência na família», a Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à
Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica (Convenção de Istambul)6 foca em vários pontos a questão
da proteção destas crianças. Prevê, designadamente, que os Estados Parte adotem medidas legislativas ou
outras necessárias para assegurar que, ao oferecer serviços de proteção e apoio às vítimas, os direitos e as
necessidades das crianças testemunhas de todas as formas de violência cobertas pelo âmbito de aplicação da
1 Já no Projeto de Lei n.º 1183/XIII/4.ª, apresentado na anterior legislatura (e que foi rejeitado), o BE propunha a alteração, nos mesmos termos, do artigo 2.º da Lei n.º 112/2009, entre outros. 2 Cumpre-se assim, igualmente, a Recomendação n.º 219 do GREVIO, quando insta as autoridades portuguesas a «tomarem medidas, incluindo alterações legislativas, por forma a garantir a disponibilidade e a eficaz aplicação das ordens de restrição e/ou de proteção relativas a todas as formas de violência» e ainda que «deve ser possível a inclusão das crianças na mesma ordem de proteção das suas mães, sejam as crianças vítimas diretas ou indiretas, já que elas mesmas experienciam a violência na própria pele ou a testemunham». 3 Aceitando o contributo da Procuradoria-Geral da República, que, no seu parecer ao Projeto de Lei n.º 1183/XIII/4.ª (BE), sugeriu a alteração ao artigo 152.º, explicitando que «nos termos em que o crime de violência doméstica está atualmente construído, o conteúdo da alínea a) do n.º 2 é, claramente, um sinal contrário ao reconhecimento e consagração da criança como vítima autónoma, diferenciada (...).». 4 J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, Coimbra Editora, 2007, p. 869. 5 Assinada em Nova Iorque a 26 de janeiro de 1990, foi aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 20/90 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 49/90, ambos de 12 de setembro; retificada pela Retificação n.º 1/91, de 14 de janeiro, e pela Retificação n.º 8/91, de 20 de março, e alterada pela Resolução n.º 50/155 da Assembleia Geral das Nações Unidas (altera o n.º 2 do artigo 43.º da convenção), de 21 de dezembro de 1995, aprovada através da Resolução da Assembleia da República n.º 12/98, de 22 de janeiro. 6 Adotada em Istambul, a 11 de maio de 2011, foi aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 4/2013, de 21 de janeiro, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 13/2013, de 21 de janeiro.
Página 10
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
10
convenção sejam tomados em conta, incluindo aconselhamento psicossocial adaptado à idade das crianças
testemunhas e tendo em devida conta o interesse superior da criança (artigo 26.º).
Em causa na presente iniciativa legislativa estão alterações à Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro7, que
estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à proteção e à assistência das suas
vítimas, e ao artigo 152.º do Código Penal, o qual tipifica o crime de violência doméstica, designadamente no
sentido de considerar como vítimas especialmente vulneráveis as crianças que vivem em contexto de violência
doméstica ou o testemunhem.
Efetivamente, a Lei n.º 112/2009 não considera vítimas de violência doméstica as crianças que testemunham
ou vivem em contexto de violência doméstica, embora possam ser consideradas crianças em risco, nos termos
da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela Lei n.º 147/99, de 1 de setembro8 – de
acordo com esta lei considera-se que a criança ou o jovem está em perigo, designadamente, quando «sofre
maus tratos físicos ou psíquicos» ou «é vítima de abusos sexuais» ou «está sujeita, de forma direta ou indireta,
a comportamentos que afetem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional». Por outro lado, o
Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 8 de setembro9, prevê, no artigo
44.º-A, a regulação urgente do exercício das responsabilidades parentais em determinadas situações,
designadamente quando estiverem «em grave risco os direitos e a segurança das vítimas de violência doméstica
e de outras formas de violência em contexto familiar, como maus tratos ou abuso sexual de crianças». Nos
termos do artigo 1906.º-A do Código Civil, tais circunstâncias justificam que o exercício em comum das
responsabilidades parentais em caso de divórcio/separação dos pais seja julgado contrário aos interesses do
filho.
A Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro10, teve origem na Proposta de Lei n.º 248/X e nos Projetos de Lei n.os
588/X (BE) e 590/X (PS) e visou promover a criação de respostas integradas, não apenas do ponto de vista
judicial, mas também no âmbito laboral e no acesso aos cuidados de saúde, bem como dar resposta às
necessidades de prevenção e de sensibilização sobre a violência doméstica, e configura o estatuto de vítima no
âmbito deste crime, prevendo um conjunto de direitos e deveres da mesma. Desde a sua aprovação, esta lei foi
alterada cinco vezes, pelas Leis n.os 19/2013, de 22 de fevereiro11, 82-B/2014, de 31 de dezembro, 129/2015,
de 3 de setembro, 48/2016, de 28 de dezembro e 24/2017, de 24 de maio.
O artigo 2.º da Lei n.º 112/2009contém as definições de «vítima», «vítima especialmente vulnerável» (que
ora se propõe alterar), «técnico de apoio à vítima», «rede nacional de apoio às vítimas de violência doméstica»,
«organizações de apoio à vítima» e «programa para autores de crimes no contexto da violência doméstica». A
definição de «vítima especialmente vulnerável» não sofreu qualquer alteração até à data12, considerando-se
como tal «a vítima cuja especial fragilidade resulte, nomeadamente, da sua diminuta ou avançada idade, do seu
estado de saúde ou do facto de o tipo, o grau e a duração da vitimização haver resultado em lesões com
consequências graves no seu equilíbrio psicológico ou nas condições da sua integração social».
O crime de violência doméstica encontra-se tipificado no artigo 152.º do Código Penal13, cuja alteração
também se propõe com a iniciativa em análise. Este crime consiste em infligir, de modo reiterado ou não, maus
tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais, ao cônjuge,
ex-cônjuge ou pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação
de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação; a progenitor de descendente
comum em 1.º grau; ou a pessoa particularmente indefesa, nomeadamente em razão da idade, deficiência,
doença, gravidez ou dependência económica (cfr. n.º 1 do artigo 152.º).
O crime de violência doméstica é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos, «se pena mais grave lhe não
couber por força de outra disposição legal», pena que sobe para 2 a 5 anos, entre outras circunstâncias, se o
agente praticar o facto contra menor ou na presença de menor (n.º 2). Se dos factos resultar ofensa à integridade
física grave, a pena sobe para 2 a 8 anos de prisão e se o resultado for a morte para 3 a 10 anos (n.º 3).
7 Texto consolidado disponível no portal do Diário da República Eletrónico (DRE). 8 Texto consolidado disponível no portal do Diário da República Eletrónico (DRE). 9 Texto consolidado disponível no portal do Diário da República Eletrónico (DRE). 10 Texto consolidado disponível no portal do Diário da República Eletrónico (DRE). 11 Retificada pela Declaração de retificação n.º 15/2013, de 19 de março 12 O artigo 2.º foi alterado pela Lei n.º 129/2015, de 3 de setembro, mas sem implicações nesta definição. 13 Texto consolidado disponível no portal do Diário da República Eletrónico (DRE).
Página 11
11 DE DEZEMBRO DE 2019
11
Este crime implica ainda a possibilidade de serem aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de
contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de 6 meses a 5 anos, e de obrigação
de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica (n.º 4) e ainda a inibição do
exercício das responsabilidades parentais, da tutela ou da curatela, por um período de 1 a 10 anos (n.º 6).
Recorde-se que o crime de violência doméstica surge pela primeira vez com esta designação no Código
Penal em 2007, mas tem antecedentes na versão inicial do Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82,
de 23 de setembro14, no artigo 153.º, com a epígrafe «maus tratos ou sobrecarga de menores e de subordinados
ou entre cônjuges».
Com a reforma do Código Penal de 1995, passa a estar previsto no artigo 152.º, como crime de «maus tratos
ou sobrecarga de menores, de incapazes ou do cônjuge» e, em 2007, é autonomizado no artigo 152.º, como
crime de «violência doméstica», passando os crimes de «maus tratos» e «violação de regras de segurança»
para os artigos 152.º-A e 152.º-B, respetivamente.
Desde a sua aprovação, o Código Penal sofreu diversas alterações, das quais seis incidiram sobre o artigo
152.º: trata-se das alterações pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de março15, e pelas Leis n.os 65/98, de 2 de
setembro16, 7/2000, de 25 de maio17, 59/2007, de 4 de setembro18, 19/2013, de 21 de fevereiro19, e 44/2018, de
9 de agosto20.
Para além da evolução legislativa no tocante aos elementos do tipo (como a inicial exigência de «malvadez
ou egoísmo» do autor ou a prática reiterada dos factos, entre outros aspetos), recorde-se que se tratava
inicialmente de um crime público, passando em 1995 a depender de queixa, para voltar a ser crime público com
as alterações de 2000. É com a autonomização do crime de violência doméstica operada em 2007 que se passa
a prever como circunstância agravante, entre outras, a prática dos factos na presença de menor (cfr. n.º 2 do
artigo 152.º do Código Penal na redação da Lei n.º 59/2007).
Segundo informação disponível no Relatório Anual de Monitorização de Violência Doméstica referente a
2018, da Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna, em cerca de 31% dos casos registados pela
PSP as ocorrências foram presenciadas por menores, registando-se um ligeiro decréscimo face a anos
anteriores (2012: 42%; 2013: 39%; 2014: 38%; 2015: 36%; 2016: 35%).
Além disso, de acordo com o Relatório Anual de Avaliação da Atividade das Comissões de Proteção de
Crianças e Jovens (CPCJ) 2018, da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e
Jovens, a segunda situação de perigo mais comunicada às CPCJ é a violência doméstica, com 22,7% dos casos
comunicados21, ocorrendo mais nos escalões dos 6-10 e dos 11-14 anos e com grande «peso nas crianças mais
novas, havendo registo de 1586 comunicações relativas a crianças dos 0-2 anos e 1598 para as crianças dos
3-5 anos.». Apesar de ser a segunda situação mais comunicada às CPCJ, a violência doméstica é a quarta
situação mais diagnosticada, representando cerca de 12% do total. Em 2018 foram feitos 3789 diagnósticos de
violência doméstica, sendo que a quase totalidade dos mesmos (99%) se refere a situações de exposição à
violência doméstica (sendo as crianças também vítimas de ofensa física em 1% das situações), com maior
incidência no sexo masculino (52,7% dos casos).
Refira-se finalmente que o Grupo de Peritos para o Combate à Violência contra as Mulheres e à Violência
Doméstica (GREVIO) do Conselho da Europa, no seu relatório de avaliação da implementação por Portugal das
medidas preconizadas na Convenção de Istambul, publicado em janeiro de 2019, identificou alguns domínios
prioritários nos quais as autoridades portuguesas deveriam tomar medidas complementares para cumprirem
plenamente as disposições da Convenção de Istambul, nomeadamente rever a definição de vítima na legislação
portuguesa para que esta se aplique a todas as pessoas consideradas vítimas no sentido do parágrafo e) do
artigo 3.º da Convenção de Istambul, e faz várias recomendações relativamente às crianças expostas a violência
doméstica, designadamente, como mencionado na exposição de motivos da iniciativa objeto da presente nota
técnica, no sentido de incluir as crianças na mesma ordem de proteção das suas mães, sejam as crianças
vítimas diretas ou indiretas (recomendação n.º 219).
14 No uso da autorização legislativa conferida pela Lei n.º 24/82, de 23 de agosto. 15 Que reviu e republicou o Código de 1982, no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 35/94, de 15 de setembro. 16 Trabalhos preparatórios disponíveis aqui. 17 Trabalhos preparatórios disponíveis aqui. 18 Trabalhos preparatórios disponíveis aqui 19 Trabalhos preparatórios disponíveis aqui. 20 Trabalhos preparatórios disponíveis aqui. 21 Em 2018 foram comunicadas às CPCJ 39 053 situações de perigo.
Página 12
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
12
II. Enquadramento parlamentar
Iniciativas pendentes (iniciativas legislativas e petições)
Consultada a base de dados da Atividade Parlamentar (AP), verificou-se que se encontram em apreciação,
na Comissão de Assunto Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, as seguintes iniciativas legislativas
sobre matéria conexa com a presente:
– Projeto de Lei n.º 2/XIV/1.ª (BE) – Torna obrigatória, nos casos de violência doméstica, a recolha de
declarações para memória futura das vítimas (sexta alteração ao regime jurídico aplicável à prevenção da
violência doméstica e à proteção e à assistência das suas vítimas).
– Projeto de Lei n.º 52/XIV/1.ª (PAN) – Privilegia o modelo de residência alternada sempre que tal
corresponda ao superior interesse da criança, excecionando-se o decretamento deste regime aos casos de
abuso infantil, negligência e violência doméstica.
Consultada a mencionada base de dados (AP) não se identificou qualquer petição pendente sobre a mesma
matéria.
Antecedentes parlamentares (iniciativas legislativas e petições)
Na XIII Legislatura, foram apresentadas as seguintes iniciativas legislativas sobre matéria idêntica ou conexa
com a presente:
– Projeto de Lei n.º 1183/XIII/4.ª (BE) – Protege as crianças que testemunhem crimes de violência doméstica
e torna obrigatória a recolha de declarações para memória futura no decorrer do inquérito (sexta alteração ao
regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica e à proteção e à assistência das suas vítimas);
– Projeto de Lei n.º 1152/XIII/4.ª (PCP) – Reforça os mecanismos legais de proteção das vítimas de violência;
– Projeto de Lei n.º 1151/XIII/4.ª (PSD) – Sexta alteração à Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, que
estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à proteção e à assistência das suas
vítimas;
– Projeto de Lei n.º 1113/XIII/4.ª (PAN) – Determina uma maior proteção para as crianças no âmbito de
crimes de violência doméstica;
– Proposta de Lei n.º 112/XIII/3.ª (GOV) – Define a missão e as atribuições da Comissão Nacional de Apoio
às Vítimas de Crimes;
– Projeto de Lei n.º 432/XIII/2.ª (PAN) – Altera a Lei n.º 112/2009 de 16 de setembro relativa ao regime
jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica e proteção e assistência das suas vítimas.
E, ainda, os seguintes projetos de resolução:
– Projeto de Resolução n.º 2040/XIII/4.ª (CDS-PP) – Recomenda ao Governo a criação de gabinetes de apoio
e informação à vítima de violência doméstica;
– Projeto de Resolução n.º 710/XIII/2.ª (BE) – Recomenda a capacitação das forças de segurança para a
proteção às vítimas de violência doméstica;
– Projeto de Resolução n.º 705/XIII/2.ª (PAN) – Recomenda ao Governo que diligencie pelo
redimensionamento de pressupostos na aplicação do regime jurídico aplicável à prevenção da violência
doméstica e proteção e assistência das suas vítimas;
– Projeto de Resolução n.º 658/XIII/2.ª (CDS-PP) – Recomenda ao Governo a reorganização da rede de
gabinetes de atendimento às vítimas de violência doméstica da GNR e da PSP.
Consultada a base de dados da Atividade Parlamentar, na XIII Legislatura foi registada a seguinte petição
sobre matéria conexa:
Página 13
11 DE DEZEMBRO DE 2019
13
N.º Data Assunto Situação na AR N.º Assinaturas
XIII/3
472 2018-02-12 Adoção de medidas eficazes em casos de violência
doméstica. Concluída
2018-07-04 1
III. Apreciação dos requisitos formais
Conformidade com os requisitos constitucionais, regimentais e formais
A presente iniciativa é apresentada pelos 19 Deputados do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda (BE),
no âmbito do seu poder de iniciativa da lei consagrado no n.º 1 do artigo 167.º da Constituição e no artigo 118.º
do Regimento da Assembleia da República (RAR). De facto, a iniciativa legislativa é um poder dos Deputados,
nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, como
também dos grupos parlamentares, nos termos da alínea g) do n.º 2 do artigo 180.º da Constituição e da alínea
f) do artigo 8.º do Regimento.
Tomando a forma de projeto de lei, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 119.º do RAR,
encontra-se redigida sob a forma de artigos, é precedida de uma breve exposição de motivos e tem uma
designação que traduz sinteticamente o seu objeto principal, desta forma dando cumprimento aos requisitos
formais estabelecidos no n.º 1 do artigo 124.º do RAR.
O projeto de lei respeita os limites à admissão das iniciativas previstos no n.º 1 do artigo 120.º do RAR, uma
vez que parece não infringir a Constituição ou os princípios nela consignados e define concretamente o sentido
das modificações a introduzir na ordem legislativa.
Refira-se ainda que, atendendo à alteração proposta para o Código Penal, a matéria objeto da presente
iniciativa se enquadra na alínea c) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, constituindo, assim, reserva relativa
de competência legislativa da Assembleia da República.
O projeto de lei em apreciação deu entrada a 25 de outubro de 2019, foi admitido e anunciado no dia 6 de
novembro, data em que, por despacho de S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República, baixou, na
generalidade, à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (1.ª).
Verificação do cumprimento da lei formulário
O projeto de lei sub judice, que «Reconhece as crianças que testemunhem ou vivam em contexto de violência
doméstica enquanto vítimas desse crime (sexta alteração ao regime jurídico aplicável à prevenção da violência
doméstica, à proteção e à assistência das suas vítimas e quadragésima sétima alteração ao Código Penal)»,
apresenta um título que traduz sinteticamente o seu objeto, em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo
7.º da lei formulário22, embora, em caso de aprovação, possa ser objeto de aperfeiçoamento.
O título da iniciativa indica que procede à sexta alteração ao regime jurídico aplicável à prevenção da violência
doméstica, à proteção e à assistência das suas vítimas e à quadragésima sétima alteração ao Código Penal,
elencando no artigo 1.º os diplomas que lhes introduziram alterações, no sentido de dar cumprimento ao disposto
no n.º 1 do artigo 6.º da Lei Formulário, que estabelece o dever de indicar, nos diplomas legais que alterem
outros, o número de ordem da alteração introduzida e a identificação dos diplomas que procederam a alterações
anteriores.
Consultando a base de dados Digesto (Diário da República Eletrónico), constata-se que a Lei n.º 112/2009,
de 16 de setembro, que estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à proteção
e à assistência das suas vítimas, foi alterada pelas Leis n.os 19/2013, de 21 de fevereiro, 82-B/2014, de 31 de
22 A Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, alterada e republicada pela Lei n.º 43/2014, de 11 de julho, que estabelece um conjunto de normas sobre a publicação, a identificação e o formulário dos diplomas.
Página 14
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
14
dezembro, 129/2015, de 3 de setembro, 42/2016, de 28 de dezembro, e 24/2017, de 24 de maio, constituindo a
presente, em caso de aprovação, e tal como refere o título, a sua sexta alteração.
Relativamente ao Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro, constata-se que
o mesmo sofreu já a quadragésima nona alteração, introduzida pela Lei n.º 102/2019, de 6 de setembro,
constituindo a presente, em caso de aprovação, a sua quinquagésima alteração (e não quadragésima sétima,
como indicado no título do projeto de lei). Refira-se ainda que o elenco dos diplomas que lhe introduziram
alterações, constante do n.º 2 do artigo 1.º, está incompleto, omitindo as Leis n.os 83/2017, de 18 de agosto,
101/2019 e 102/2019, de 6 de setembro.
Em face do exposto, por motivos de segurança jurídica, e tentando manter uma redação simples e concisa,
parece-nos mais seguro e eficaz não colocar o número de ordem de alteração nem o elenco de diplomas que
procederam a alterações quando a mesma incida sobre Códigos, como é o caso, «Leis Gerais», «Regimes
Gerais», «Regimes Jurídicos» ou atos legislativos de estrutura semelhante. Embora a exigência de tal indicação
decorra do disposto no n.º 1 do artigo 6.º da Lei Formulário, há que ter em consideração que a mesma foi
aprovada e publicada num contexto de ausência de um Diário da República Eletrónico, sendo que, neste
momento, o mesmo é acessível universal e gratuitamente.
Assim, em caso de aprovação da presente iniciativa, sugere-se o seguinte título:
«Reconhece as crianças que testemunhem ou vivam em contexto de violência doméstica enquanto
vítimas desse crime, alterando a Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, que estabelece o regime jurídico
aplicável à prevenção da violência doméstica, à proteção e à assistência das suas vítimas, e o Código
Penal».
Cabe ainda mencionar que, nos termos da alínea a) do n.º 3 do artigo 6.º da lei formulário, deve proceder-se
à republicação integral dos diplomas que revistam a forma de lei, em anexo, sempre que «Existam mais de três
alterações ao ato legislativo em vigor, salvo se se tratar de alterações a Códigos». No que se refere aos diplomas
que esta iniciativa visa alterar, constatamos que o Código Penal se enquadra na exceção prevista e que a Lei
n.º 112/2009, de 16 de setembro, foi republicada aquando da sua terceira alteração, pela Lei n.º 129/2015, de 3
de setembro, não se impondo, por isso, a republicação de nenhum dos diplomas alterados.
Em caso de aprovação, a iniciativa em apreço revestirá a forma de lei, sendo objeto de publicação na 1.ª
série do Diário da República, nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 3.º da lei formulário.
No que respeita à entrada em vigor, estabelece o artigo 4.º deste projeto de lei que a mesma aconteça no
dia seguinte ao da sua publicação, mostrando-se assim em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 2.º
da lei mencionada, que determina que «Os atos legislativos e os outros atos de conteúdo genérico entram em
vigor no dia neles fixado, não podendo, em caso algum, o início da vigência verificar-se no próprio dia da
publicação.».
Na presente fase do processo legislativo a iniciativa em apreço não nos parece suscitar outras questões em
face da lei formulário.
Regulamentação ou outras obrigações legais
A iniciativa não contém qualquer norma de regulamentação.
IV. Análise de direito comparado
Enquadramento do tema no plano da União Europeia
Nos termos da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança (CNUDC)23, considera-se criança
qualquer ser humano com menos de 18 anos. O Tratado de Lisboa introduziu como objetivo da União Europeia
23 No site da Organização das Nações Unidas está disponível a versão da CNUDC em inglês: https://www.ohchr.org/en/professionalinterest/pages/crc.aspx.
Página 15
11 DE DEZEMBRO DE 2019
15
a promoção dos direitos da criança, e a Carta dos Direitos Fundamentais garante a proteção dos direitos das
crianças pelas instituições da União Europeia e pelos Estados-Membros.
Em 15 de fevereiro de 2011, a Comissão Europeia publicou uma comunicação intitulada «Programa da UE
para os direitos da criança» (COM (2011) 60). O objetivo é reafirmar o forte empenho de todas as instituições
da União Europeia e de todos os Estados-Membros em promover, proteger e respeitar plenamente os direitos
da criança em todas as políticas pertinentes da União Europeia, procurando obter resultados concretos. Os
direitos da criança e a prevenção da violência contra as crianças, os jovens e as mulheres, bem como outros
grupos de risco, também são protegidos e promovidos ao abrigo do Programa Direitos, Igualdade e Cidadania
(2014-2020).
A União Europeia assinou em 2017 a Convenção do Conselho da Europa para a prevenção e o combate à
violência contra as mulheres e a violência doméstica, também denominada Convenção de Istambul, na qual se
reconhece que as crianças são vítimas da violência doméstica, inclusivamente como testemunhas de violência
no seio da família. Refere ainda, relativamente às campanhas de sensibilização que estas devem fomentar a
consciencialização e compreensão por parte do grande público das diferentes manifestações de todas as formas
de violência cobertas pelo âmbito de aplicação da presente Convenção, das suas consequências para as
crianças e da necessidade de prevenir tal violência.
No entanto, ainda antes da assinatura da Convenção, a União dispunha de um regulamento relativo ao
reconhecimento mútuo de medidas de proteção em matéria civil, aplicável a «medidas de proteção decretadas
com vista a proteger uma pessoa caso existam motivos sérios para considerar que a sua vida, integridade física
ou psicológica, liberdade pessoal, segurança ou integridade sexual estão ameaçadas, designadamente de modo
a impedir qualquer forma de violência baseada no género ou violência na intimidade como (…) É importante
salientar que o presente regulamento é aplicável a todas as vítimas, quer sejam ou não vítimas de violência
baseada no género».
Pretende-se com o regulamento em causa que as vítimas às quais é garantida proteção num Estado-Membro
possam usufruir de proteção equivalente noutro Estado-Membro, instituindo um mecanismo simples e célere
para o reconhecimento das medidas de proteção em matéria civil decretadas.
O regulamento complementa assim a Diretiva 2012/29/UE, que estabelece as normas mínimas relativas aos
direitos ao apoio e à proteção das vítimas da criminalidade, garantindo que estas beneficiam de informação e
apoio adequados.
No mesmo âmbito, também a diretiva relativa à decisão europeia de proteção estabelece regras que
«permitem a uma autoridade judicial ou equivalente de um Estado-Membro, no qual foi adotada uma medida de
proteção destinada a proteger uma pessoa contra um ato criminoso de outra pessoa que possa pôr em perigo
a sua vida, integridade física ou psicológica, dignidade, liberdade pessoal ou integridade sexual, emitir uma
decisão europeia de proteção que permita à autoridade competente de outro Estado-Membro dar continuidade
à proteção da pessoa no território deste último, na sequência de uma conduta criminosa ou alegada conduta
criminosa, de acordo com a legislação do Estado-Membro de emissão.».
Em 2006, o parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Crianças – vítimas indiretas de violência
doméstica, aditando ao parecer já produzido sobre a violência doméstica contra as mulheres, referia que
«embora a vivência num ambiente de violência física e psíquica possa ter efeitos graves sobre as crianças,
continua a não haver uma perceção muito nítida de que as crianças são vítimas indiretas da violência doméstica.
Também sob o ponto de vista do direito das crianças a uma vida sem violência, e principalmente a uma educação
sem violência, à proteção e a cuidados adequados, esta situação é insustentável.».
Neste sentido, o comité instou veementemente as Presidências do Conselho da União Europeia a abordarem
também o tema das crianças no que se refere à violência doméstica e considerou que, embora a principal
responsabilidade no combate à violência doméstica caiba aos Estados-Membros, deveria ser adotada uma
estratégia pan-europeia, tendo em conta a importância dada aos direitos das crianças.
Sugeria ainda que «esta estratégia pan-europeia deve começar pela realização na UE de um primeiro estudo
sobre a prevalência e as consequências para as crianças que crescem num ambiente de violência doméstica,
bem como sobre as possibilidades e as medidas de proteção e assistência às crianças vítimas indiretas de
violência.».
Página 16
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
16
Destaca-se ainda o Manual de legislação europeia sobre os Direitos da Criança, no qual esta questão é
abordada, e que foi produzido pela Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
Enquadramento internacional
Países europeus
A legislação comparada é apresentada para os seguintes Estados-Membros da União Europeia: Espanha e
França.
ESPANHA
A legislação espanhola distingue violência doméstica de violência de género: a violência doméstica ocorre
em casa e pode ser exercida e sofrida por qualquer membro do núcleo familiar; a violência de género é a
violência contra as mulheres «por serem mulheres», seja dentro ou fora de casa, no trabalho ou em qualquer
outra área da vida pública.
A Ley Orgánica 1/2004, de 28 de diciembre, de Medidas de Protección Integral contra la Violencia de Género
define a violência de género como: «qualquer violência que, como manifestação de discriminação, desigualdade
e relações de poder entre homens e mulheres, seja praticada contra mulheres por quem é ou foi seu cônjuge
ou por quem é ou foi vinculado a elas por relações semelhantes de afetividade, mesmo sem coabitação. Esta
violência inclui todos os atos de violência física e psicológica, incluindo ataques à liberdade sexual, ameaças,
coação ou privação de liberdade».
Entre outros aspetos, a mencionada lei prevê medidas de prevenção e combate à violência de género,
procedeu à criação de tribunais especializados na matéria (Juzgados de Violencia sobre la Mujer) e prevê os
direitos das mulheres vítimas de violência, como o direito ao acesso à informação e à assistência social
integrada, por meio de serviços permanentes, urgentes, especializados e multidisciplinares, o direito à
assistência jurídica gratuita, bem como medidas de proteção na esfera laboral e de apoio económico.
Para além disso, aquela lei introduziu várias alterações ao Código Penal, prevendo, relativamente a diversos
tipos de crimes, penas mais graves para as situações em que os factos são praticados contra quem é ou foi
cônjuge do agente (a lei espanhola fala especificamente em «esposa del autor»), ou mulher que está ou foi
ligada a ele por uma relação análoga de afetividade, mesmo sem coabitação.
Assim, diferentemente do que acontece na legislação portuguesa, não existe um tipo de crime de violência
doméstica, abrangendo este termo vários tipos de crimes que têm pena mais grave quando praticados em
contexto doméstico (cônjuge ou ex-cônjuge ou pessoa que tem com o autor uma relação análoga de afetividade,
mesmo sem coabitação; descendentes, ascendentes ou irmãos, próprios ou do cônjuge ou coabitante; menores
ou incapazes que coabitem com o agente ou estejam sujeitos à tutela, curatutela, acolhimento ou guarda do
cônjuge ou coabitante; pessoa abrangida por qualquer outro relacionamento através do qual a mesma esteja
integrada no núcleo familiar do agente, bem como pessoas que, devido à sua vulnerabilidade especial, estejam
sujeitas a custódia ou guarda em centros públicos ou privados). Alguns desses crimes são: ferimentos leves ou
maus tratos, previsto no artigo 153.1 do Código Penal24; ofensas, previsto no artigo 147 (nos termos do artigo
148.4); ameaças menores, previsto no artigo 171.4; coação, previsto no artigo 172.2; tortura e outros crimes
contra a integridade psíquica, previstos no artigo 173.2.
Há ainda novo agravamento da pena em diversas circunstâncias, como em caso de prática dos factos na
presença de menor de idade (prevê-se a aplicação de pena situada na metade superior da moldura penal).
Não se localizou em Espanha definição legal de «vítima de violência doméstica» semelhante à da lei
portuguesa, mas a referida Ley Orgánica 1/2004, de 28 de diciembre, de Medidas de Protección Integral contra
la Violencia de Género reconhece (desde as alterações operadas pela Ley Orgánica 8/2015, de 22 de julio) que
os menores a cargo de mulheres vítimas violência de género também são consideradas vítimas e, portanto,
estão incluídos no âmbito da proteção integrada oferecida por lei (artigo 1 da Ley 1/2004).
24 Ley Orgánica 10/1995, de 23 de noviembre, del Código Penal – versão consolidada disponibilizada no portal do Boletín Oficial del Estado (BOE).
Página 17
11 DE DEZEMBRO DE 2019
17
O Estatuto da Vítima, aprovado pela Ley 4/2015, de 27 de abril, considera, em caso de morte ou
desaparecimento, como vítimas indiretas do crime, entre outros, os filhos da vítima.
FRANÇA
Tal como em Espanha, não existe um tipo específico de crime de violência doméstica, mas a prática de atos
de violência física ou psicológica no seio do casal (cônjuges ou análogos, atuais ou passados, com ou sem
coabitação25, e seja qual for o sexo da vítima e do agressor) – designados violences au sein du couple – ou
outros membros do agregado familiar constitui circunstância agravante em diversos tipos de crimes. É o caso
das ofensas físicas (que causem morte, incapacidades ou outras lesões – veja-se o artigo 222-7 e seguintes do
Código Penal) ou do crime de assédio moral (artigos 222-33-2 a 222-33-2-2).
Não se localizaram referências legais específicas a menores que testemunhem atos de violência doméstica.
O artigo 515-9 do Código Civil prevê a possibilidade de o tribunal determinar medidas de proteção
(ordonnance de protection) em caso de violência conjugal que ponha em perigo a vítima ou os seus filhos.
Refere-se no portal do Ministério da Solidariedade e da Saúde francês que «A violência contra as mulheres
também é frequentemente violência contra crianças. A violência dentro do casal tem consequências sérias, às
vezes fatais, para as crianças expostas à mesma, que, portanto, se tornam também vítimas. 143 000 crianças
moram numa casa onde uma mulher relatou ter sofrido violência por parte do cônjuge ou ex-cônjuge. 42%
dessas crianças têm menos de 6 anos de idade. Em 2015, 35 crianças foram mortas no contexto de violência
dentro do casal. 96 crianças ficaram órfãs como resultado de homicídios no casal e 68 estavam presentes na
cena do crime».
V. Consultas e contributos
Consultas obrigatórias e facultativas
Em 15 de novembro de 2019, a Comissão solicitou parecer escrito aos Conselhos Superiores da Magistratura
e do Ministério Público e à Ordem dos Advogados.
Todos os pareceres e contributos remetidos à Assembleia da República serão publicados na página da
iniciativa na Internet.
VI. Avaliação prévia de impacto
Avaliação sobre impacto de género
O preenchimento, pelo proponente, da ficha de avaliação prévia de impacto de género da presente iniciativa,
em cumprimento do disposto na Lei n.º 4/2018, de 9 de fevereiro, devolve como resultado uma valoração positiva
do impacto de género, com fundamento no seguinte: «a violência doméstica é um crime que atinge, em larga
maioria, as mulheres, pelo que reforçar o combate a este crime é reforçar, sobretudo, a proteção das mulheres».
Linguagem não discriminatória
Na elaboração dos atos normativos a especificação de género deve ser minimizada recorrendo-se, sempre
que possível, a uma linguagem neutra ou inclusiva, mas sem colocar em causa a clareza do discurso. A presente
iniciativa não nos suscita questões relacionadas com a utilização de linguagem discriminatória.
25 Com as alterações operadas pela loi 2018-703, du 3 août 2018, renforçant la lutte contre les violences sexuelles et sexistes, a violência conjugal passou a abranger a violência no seio de casais que não coabitem.
Página 18
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
18
VII. Enquadramento Bibliográfico
CARMO, Rui do –As crianças como testemunhas: aplicar e clarificar a lei: (as declarações únicas da criança;
o estatuto de vítima; recusa a depor). Revista do Centro de Estudos Judiciários. Lisboa. ISSN 1645-829X.
N.º 2, 2.º sem. (2016), p. 97-107. Cota: RP-244.
Resumo: Este artigo aborda três temas respeitantes à audição da criança: a sua tendencial concentração
quando decorram processos nas áreas penal, de família e crianças nas declarações para memória futura; a
implementação e agilização de procedimentos para a sua concretização e a necessária clarificação sobre a não
inclusão da faculdade de recusa a depor da criança nos poderes do seu representante legal.
RIBEIRO, Alcina da Costa –O direito de participação e audição da criança nos processos de promoção e
protecção e nos processos tutelares cíveis. Revista do Centro de Estudos Judiciários. Lisboa. ISSN 1645-
829X. N.º 2, (2.º semest. 2015), p. 123-151. Cota: RP-244.
Resumo: «O ordenamento jurídico português reconhece às crianças com capacidade para compreender os
assuntos em discussão, o direito de participação e audição nos processos de natureza cível que lhe digam
respeito. Como se dimensiona e delimita o âmbito deste direito? Quais as novidades que, a este propósito, foram
introduzidas na Reforma Legislativa de 2015? Como se realiza a audição da criança, no âmbito dos processos
de natureza cível? Esta contribuição aborda estas questões, tendendo a encontrar algumas respostas no regime
legal do direito de participação e audição da criança vigente.»
VIOLÊNCIA domésticae de género: uma abordagem multidisciplinar. Lisboa: Pactor – Edições de
Ciências Sociais, Forenses e da Educação, 2018. ISBN 978-989-693-085-1. 228 p. Cota: 28.26 – 338/2018.
Resumo: «A violência doméstica e de género é historicamente persistente. Está instalada de forma profunda
na estrutura da sociedade e surpreende-nos constantemente. Implica um conjunto de ações e atividades
multifacetadas. Assume inúmeras formas e atinge pessoas cujos direitos fundamentais são violados pelos
agressores e pela falta de respostas ajustadas às suas necessidades. Suscita, por isso, questões complexas de
análise teórica, bem como o desenvolvimento de políticas e de respostas sociais. Este livro surge assim com o
objetivo de evidenciar a relação fundamental que tem de existir entre investigação, análise teórica, políticas
sociais e intervenção junto das vítimas e dos agressores conjugais. Trata-se de uma obra que ilustra a força e
a diversidade dos debates teóricos atuais, que coloca no centro da análise as vítimas de violência – com
destaque para as mulheres e as crianças expostas à violência interparental – e que relaciona os resultados da
investigação científica com as práticas de intervenção. Através do contributo de um conjunto de especialistas
amplamente reconhecidos nesta área, o livro pretende ser um guia de conhecimento científico e técnico útil a
todos os académicos, investigadores e profissionais que lidam com a violência doméstica e de género nos mais
diversos contextos de intervenção (sociólogos, psicólogos, juristas, assistentes sociais, mediadores,
profissionais de saúde e dos serviços médico-legais e forenses, professores, decisores políticos, entre outros).»
Nota Técnica
Projeto de Lei n.º 92/XIV/1.ª (PAN)
Reconhecimento do estatuto de vítima às crianças que testemunhem ou vivam em contexto de
violência doméstica.
Data de admissão: 22 de novembro de 2019
Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (1.ª)
Índice
I. Análise da iniciativa
II. Enquadramento parlamentar
Página 19
11 DE DEZEMBRO DE 2019
19
III. Apreciação dos requisitos formais
IV. Análise de direito comparado
V. Consultas e contributos
VI. Avaliação prévia de impacto
VII. Enquadramento bibliográfico
Elaborada por: Maria João Godinho (DILP), Paula Faria (BIB), Sónia Milhano (DAPLEN), Inês Cadete e Margarida Ascensão (DAC).
Data: 2 de dezembro de 2019.
I. Análise da iniciativa
A iniciativa
O presente projeto de lei visa alterar o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica e à
proteção e assistência das suas vítimas, aprovado pela Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, incidindo sobre o
artigo 2.º (Definições) e prevendo a atribuição do estatuto de vítima às crianças que vivam em contexto de
violência doméstica ou o testemunhem, bem como promover alterações ao artigo 152.º (Violência doméstica)
do Código Penal, que permitam a integração no tipo objetivo do crime de violência doméstica as condutas que
impliquem as crianças que vivenciam o contexto de violência ou o testemunhem.
A intervenção legislativa em apreço visa combater o flagelo da violência doméstica, «um dos fenómenos
criminológicos com maior grau de incidência na sociedade portuguesa» e «com profundas repercussões nos
planos pessoal, familiar, profissional e social das vítimas em causa, onde se incluem as crianças», e tem como
objetivo prever o reconhecimento legal expresso das crianças enquanto vítimas do crime de violência doméstica
quando vivenciam esse contexto no seio da família e quando sejam testemunhas presenciais dessa mesma
realidade, uma vez que a Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro é omissa no que tange à atribuição do estatuto
de vítima a essas crianças.
Conforme é referido na exposição de motivos, a necessidade de tal reconhecimento deriva da Constituição
da República Portuguesa (artigo 61.º, n.º 1), da Convenção sobre os Direitos da Criança (artigo 19.º) e da
Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência
Doméstica – Convenção de Istambul (artigo 26.º). Além de que, ao fazê-lo, cumpre-se a recomendação n.º 219
do GREVIO, quando insta as autoridades portuguesas a «tomarem medidas, incluindo alterações legislativas,
por forma a garantir a disponibilidade e a eficaz aplicação das ordens de restrição e/ou de proteção relativas a
todas as formas de violência» e ainda que «deve ser possível a inclusão das crianças na mesma ordem de
proteção das suas mães, sejam as crianças vítimas diretas ou indiretas, já que elas mesmas experienciam a
violência na própria pele ou a testemunham».
Concretamente, propõe-se incluir na categoria de «vítima especialmente vulnerável» as crianças que vivam
nesse contexto de violência doméstica ou o testemunhem, contribuindo dessa forma para a proteção das
crianças e para que todas as vítimas tenham uma resposta adequada.
A par do reconhecimento legal expresso dessas crianças enquanto vítimas, propõe-se a alteração do tipo
legal contido no artigo 152.º do Código Penal1, prevendo no tipo objetivo do crime de violência doméstica as
condutas que impliquem as crianças que vivenciam esse contexto no seio da família que integram ou quando
sejam testemunhas presenciais dessa mesma realidade, elevando a proteção do menor exposto a essas
situações mediante a autonomização do valor jurídico que deve ser atribuído ao seu desenvolvimento saudável.
1 Aceitando o contributo da Procuradoria-Geral da República, que, no parecer que elaborou a propósito do Projeto de Lei n.º 1183/XIII/4.ª (BE), sugeriu a alteração ao artigo 152.º, explicitando que «nos termos em que o crime de violência doméstica está atualmente construído, o conteúdo da alínea a) do n.º 2 é, claramente, um sinal contrário ao reconhecimento e consagração da criança como vítima autónoma, diferenciada (...)».
Página 20
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
20
A iniciativa legislativa compõe-se de quatro artigos preambulares: o primeiro definidor do respetivo objeto; os
segundo e terceiro prevendo respetivamente a alteração do artigo 2.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro,
e do artigo 152.º do Código Penal; e o quarto determinando que o início de vigência das normas a aprovar
ocorrerá no primeiro dia do mês seguinte ao da sua publicação.
Enquadramento jurídico nacional
O artigo 69.º da Constituição prevê o direito das crianças «à proteção da sociedade e do Estado, com vista
ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de
opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições.»
Consagra-se nesteartigo «um direito das crianças à proteção, impondo-se os correlativos deveres de
prestação ou de atividade ao Estado e à sociedade (i. é, aos cidadãos e às instituições sociais). Trata-se de um
típico ‘direito social’, que envolve deveres de legislação e de ação administrativa para a sua realização e
concretização, mas que supõe, naturalmente, um direito ‘negativo’ das crianças a não serem abandonadas,
discriminadas ou oprimidas (…)»2.
A Convenção sobre os Direitos da Criança3 prevê que «os Estados Partes tomam todas as medidas
legislativas, administrativas, sociais e educativas adequadas à proteção da criança contra todas as formas de
violência física ou mental, dano ou sevícia, abandono ou tratamento negligente, maus tratos ou exploração,
incluindo a violência sexual, enquanto se encontrar sob a guarda de seus pais ou de um deles, dos
representantes legais ou de qualquer outra pessoa a cuja guarda haja sido confiada.»
Partindo do reconhecimento de que «as crianças são vítimas de violência doméstica, designadamente como
testemunhas de violência na família», a Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à
Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica (Convenção de Istambul),4 foca em vários pontos a
questão da proteção destas crianças. Prevê, designadamente, que os Estados Parte adotem medidas
legislativas ou outras necessárias para assegurar que, ao oferecer serviços de proteção e apoio às vítimas, os
direitos e as necessidades das crianças testemunhas de todas as formas de violência cobertas pelo âmbito de
aplicação da Convenção sejam tomados em conta, incluindo aconselhamento psicossocial adaptado à idade
das crianças testemunhas e tendo em devida conta o interesse superior da criança (artigo 26.º).
Em causa na presente iniciativa legislativa estão alterações à Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro5, que
estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à proteção e à assistência das suas
vítimas, e ao artigo 152.º do Código Penal, o qual tipifica o crime de violência doméstica, designadamente no
sentido de considerar como vítimas especialmente vulneráveis as crianças que vivem em contexto de violência
doméstica ou o testemunhem.
Efetivamente, a Lei n.º 112/2009 não considera vítimas de violência doméstica as crianças que testemunham
ou vivem em contexto de violência doméstica, embora possam ser consideradas crianças em risco, nos termos
da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela Lei n.º 147/99, de 1 de setembro6 – de
acordo com esta lei considera-se que a criança ou o jovem está em perigo, designadamente, quando «sofre
maus tratos físicos ou psíquicos» ou «é vítima de abusos sexuais» ou «está sujeita, de forma direta ou indireta,
a comportamentos que afetem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional». Por outro lado, o
Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 8 de setembro7, prevê, no artigo
44.º-A, a regulação urgente do exercício das responsabilidades parentais em determinadas situações,
designadamente quando estiverem «em grave risco os direitos e a segurança das vítimas de violência doméstica
e de outras formas de violência em contexto familiar, como maus tratos ou abuso sexual de crianças». Nos
2 J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, Coimbra Editora, 2007, p. 869. 3 Assinada em Nova Iorque a 26 de janeiro de 1990, foi aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 20/90 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 49/90, ambos de 12 de setembro; Retificada pela Retificação n.º 1/91, de 14 de janeiro, e pela Retificação n.º 8/91, de 20 de março, e alterada pela Resolução n.º 50/155 da Assembleia Geral das Nações Unidas (altera o n.º 2 do artigo 43.º da convenção), de 21 de dezembro de 1995, aprovada através da Resolução da Assembleia da República n.º 12/98, de 22 de janeiro. 4 Adotada em Istambul, a 11 de maio de 2011, foi aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 4/2013, de 21 de janeiro, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 13/2013, de 21 de janeiro. 5 Texto consolidado disponível no portal do Diário da República Eletrónico (DRE). 6 Texto consolidado disponível no portal do DRE. 7 Texto consolidado disponível no portal do DRE.
Página 21
11 DE DEZEMBRO DE 2019
21
termos do artigo 1906.º-A do Código Civil, tais circunstâncias justificam que o exercício em comum das
responsabilidades parentais em caso de divórcio/separação dos pais seja julgado contrário aos interesses do
filho.
A Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro8, teve origem na Proposta de Lei n.º 248/X e nos Projetos de Lei n.os
588/ (BE) e 590/X (PS) e visou promover a criação de respostas integradas, não apenas do ponto de vista
judicial, mas também no âmbito laboral e no acesso aos cuidados de saúde, bem como dar resposta às
necessidades de prevenção e de sensibilização sobre a violência doméstica, e configura o estatuto de vítima no
âmbito deste crime, prevendo um conjunto de direitos e deveres da mesma. Desde a sua aprovação, esta lei foi
alterada cinco vezes, pelas Leis n.os 19/2013, de 22 de fevereiro9, 82-B/2014, de 31 de dezembro, 129/2015, de
3 de setembro, 48/2016, de 28 de dezembro e 24/2017, de 24 de maio.
O artigo 2.º da Lei n.º 112/2009contém as definições de «vítima», «vítima especialmente vulnerável» (que
ora se propõe alterar), «técnico de apoio à vítima», «rede nacional de apoio às vítimas de violência doméstica»,
«organizações de apoio à vítima» e «programa para autores de crimes no contexto da violência doméstica». A
definição de «vítima especialmente vulnerável» não sofreu qualquer alteração até à data10, considerando-se
como tal «a vítima cuja especial fragilidade resulte, nomeadamente, da sua diminuta ou avançada idade, do seu
estado de saúde ou do facto de o tipo, o grau e a duração da vitimização haver resultado em lesões com
consequências graves no seu equilíbrio psicológico ou nas condições da sua integração social».
O Capítulo IV (artigos 14.º a 52.º) regula o estatuto de vítima do crime de violência doméstica, prevendo as
formas de atribuição e cessação do mesmo e os direitos e deveres inerentes. Alguns desses direitos e deveres
referem-se especificamente aos filhos menores da vítima, como o direito de transferência escolar dos filhos de
vítimas acolhidas em casas de abrigo (artigo 74.º) ou a avaliação do regime de visitas do agressor (artigo 14.º,
n.º 2); nos casos previstos no n.º 2 do artigo 152.º do Código Penal (que inclui os casos em que o crime é
praticado na presença de menor), determina-se que a suspensão da execução da pena é sempre acompanhada
da imposição de regras de conduta que protejam o menor, tal como à vítima (como o afastamento do condenado
da vítima, da sua residência ou local de trabalho e a proibição de contactos, por qualquer meio).
O crime de violência doméstica encontra-se tipificado no artigo 152.º do Código Penal11, cuja alteração
também se propõe com a iniciativa em análise. Este crime consiste em infligir, de modo reiterado ou não, maus
tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais, ao cônjuge,
ex-cônjuge ou pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação
de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação; a progenitor de descendente
comum em 1.º grau; ou a pessoa particularmente indefesa, nomeadamente em razão da idade, deficiência,
doença, gravidez ou dependência económica (cfr. n.º 1 do artigo 152.º).
O crime de violência doméstica é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos, «se pena mais grave lhe não
couber por força de outra disposição legal», pena que sobe para 2 a 5 anos, entre outras circunstâncias, se o
agente praticar o facto contra menor ou na presença de menor (n.º 2). Se dos factos resultar ofensa à integridade
física grave, a pena sobe para 2 a 8 anos de prisão e se o resultado for a morte para 3 a 10 anos (n.º 3). Este
crime implica ainda a possibilidade de serem aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto
com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de 6 meses a 5 anos, e de obrigação de
frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica (n.º 4) e ainda a inibição do exercício
das responsabilidades parentais, da tutela ou da curatela, por um período de 1 a 10 anos (n.º 6).
O artigo 103.º do Código Penal (para o qual a presente iniciativa remete) dispõe sobre a extinção das medidas
de segurança não privativas de liberdade, determinando que, decorridos os prazos mínimos das medidas, se se
verificar, a requerimento do interdito, que já não se verificam os pressupostos da aplicação dessas medidas, o
tribunal declara-as extintas; em caso de indeferimento, não pode ser apresentado novo requerimento antes de
decorrido 1 ano.
Recorde-se que o crime de violência doméstica surge pela primeira vez com esta designação no Código
Penal em 2007, mas tem antecedentes na versão inicial do Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82,
8 Texto consolidado disponível no portal do DRE. 9 Retificada pela Declaração de retificação n.º 15/2013, de 19 de março. 10 O artigo 2.º foi alterado pela Lei n.º 129/2015, de 3 de setembro, mas sem implicações nesta definição. 11 Texto consolidado disponível no portal do Diário da República Eletrónico.
Página 22
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
22
de 23 de setembro12, no artigo 153.º, com a epígrafe «maus tratos ou sobrecarga de menores e de subordinados
ou entre cônjuges».
Com a reforma do Código Penal de 1995, passa a estar previsto no artigo 152.º, como crime de «maus tratos
ou sobrecarga de menores, de incapazes ou do cônjuge» e, em 2007, é autonomizado no artigo 152.º, como
crime de «violência doméstica», passando os crimes de «maus tratos» e «violação de regras de segurança»
para os artigos 152.º-A e 152.º-B, respetivamente.
Desde a sua aprovação, o Código Penal sofreu diversas alterações, das quais seis incidiram sobre o artigo
152.º: trata-se das alterações pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de março13, e pelas Leis n.os 65/98, de 2 de
setembro14, 7/2000, de 25 de maio15, 59/2007, de 4 de setembro16, 19/2013, de 21 de fevereiro17, e 44/2018, de
9 de agosto18.
Para além da evolução legislativa no tocante aos elementos do tipo (como a inicial exigência de «malvadez
ou egoísmo» do autor ou a prática reiterada dos factos, entre outros aspetos), recorde-se que se tratava
inicialmente de um crime público, passando em 1995 a depender de queixa, para voltar a ser crime público com
as alterações de 2000. É com a autonomização do crime de violência doméstica operada em 2007 que se passa
a prever como circunstância agravante, entre outras, a prática dos factos na presença de menor (cfr. n.º 2 do
artigo 152.º do Código Penal na redação da Lei n.º 59/2007).
Segundo informação disponível no Relatório Anual de Monitorização de Violência Doméstica referente a
2018, da Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna, em cerca de 31% dos casos registados pela
PSP as ocorrências foram presenciadas por menores, registando-se um ligeiro decréscimo face a anos
anteriores (2012: 42%; 2013: 39%; 2014: 38%; 2015: 36%; 2016: 35%).
Além disso, de acordo com o Relatório Anual de Avaliação da Atividade das Comissões de Proteção de
Crianças e Jovens (CPCJ) 2018, da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e
Jovens, a segunda situação de perigo mais comunicada às CPCJ é a violência doméstica, com 22,7% dos casos
comunicados19, ocorrendo mais nos escalões dos 6-10 e dos 11-14 anos e com grande «peso nas crianças mais
novas, havendo registo de 1586 comunicações relativas a crianças dos 0-2 anos e 1598 para as crianças dos
3-5 anos.» Apesar de ser a segunda situação mais comunicada às CPCJ, a violência doméstica é a quarta
situação mais diagnosticada, representando cerca de 12% do total. Em 2018 foram feitos 3789 diagnósticos de
violência doméstica, sendo que a quase totalidade dos mesmos (99%) se refere a situações de exposição à
violência doméstica (sendo as crianças também vítimas de ofensa física em 1% das situações), com maior
incidência no sexo masculino (52,7% dos casos).
Refira-se finalmente que o Grupo de Peritos para o Combate à Violência contra as Mulheres e à Violência
Doméstica (GREVIO) do Conselho da Europa, no seu relatório de avaliação da implementação por Portugal das
medidas preconizadas na Convenção de Istambul, publicado em janeiro de 2019, identificou alguns domínios
prioritários nos quais as autoridades portuguesas deveriam tomar medidas complementares para cumprirem
plenamente as disposições da Convenção de Istambul, nomeadamente rever a definição de vítima na legislação
portuguesa para que esta se aplique a todas as pessoas consideradas vítimas no sentido do parágrafo e) do
artigo 3.º da Convenção de Istambul, e faz várias recomendações relativamente às crianças expostas a violência
doméstica, designadamente, como mencionado na exposição de motivos da iniciativa objeto da presente nota
técnica, no sentido de incluir as crianças na mesma ordem de proteção das suas mães, sejam as crianças
vítimas diretas ou indiretas (recomendação n.º 219). Refere-se no Relatório sombra preparado por um grupo de
organizações não-governamentais com intervenção na área que «O quadro jurídico português não reconhece
as crianças que testemunham ou estão expostas à violência doméstica como vítimas diretas e, por
consequência, não há mecanismos legais de proteção e segurança das crianças.»
12 No uso da autorização legislativa conferida pela Lei n.º 24/82, de 23 de agosto. 13 Que reviu e republicou o Código de 1982, no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 35/94, de 15 de setembro. 14 Trabalhos preparatórios disponíveis aqui. 15 Trabalhos preparatórios disponíveis aqui. 16 Trabalhos preparatórios disponíveis aqui 17 Trabalhos preparatórios disponíveis aqui. 18 Trabalhos preparatórios disponíveis aqui. 19 Em 2018 foram comunicadas às CPCJ 39 053 situações de perigo.
Página 23
11 DE DEZEMBRO DE 2019
23
II. Enquadramento parlamentar
Iniciativas pendentes (iniciativas legislativas e petições)
Consultada a base de dados da Atividade Parlamentar (AP), verificou-se que se encontram em apreciação,
na Comissão de Assunto Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, as seguintes iniciativas legislativas
sobre matéria idêntica ou conexa:
– Projeto de Lei n.º 1/XIV/1.ª (BE) – Reconhece as crianças que testemunhem ou vivam em contexto de
violência doméstica enquanto vítimas desse crime (sexta alteração ao regime jurídico aplicável à prevenção da
violência doméstica, à proteção e à assistência das suas vítimas e quadragésima sétima alteração ao Código
Penal);
– Projeto de Lei n.º 2/XIV/1.ª (BE) – Torna obrigatória, nos casos de violência doméstica, a recolha de
declarações para memória futura das vítimas (sexta alteração ao regime jurídico aplicável à prevenção da
violência doméstica e à proteção e à assistência das suas vítimas);
– Projeto de Lei n.º 52/XIV/1.ª (PAN) – Privilegia o modelo de residência alternada sempre que tal
corresponda ao superior interesse da criança, excecionando-se o decretamento deste regime aos casos de
abuso infantil, negligência e violência doméstica;
– Projeto de Lei n.º 93/XIV/1.ª (PAN) – Torna obrigatória a tomada de declarações para memória futura a
pedido da vítima ou do Ministério Público.
Consultada a mencionada base de dados (AP) não se identificou qualquer petição pendente sobre a mesma
matéria.
Antecedentes parlamentares (iniciativas legislativas e petições)
Na XIII Legislatura, foram apresentadas as seguintes iniciativas legislativas sobre matéria idêntica ou conexa
com a presente:
– Projeto de Lei n.º 1183/XIII/4.ª (BE) – Protege as crianças que testemunhem crimes de violência doméstica
e torna obrigatória a recolha de declarações para memória futura no decorrer do inquérito (sexta alteração ao
regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica e à proteção e à assistência das suas vítimas);
– Projeto de Lei n.º 1152/XIII/4.ª (PCP) – Reforça os mecanismos legais de proteção das vítimas de violência;
– Projeto de Lei n.º 1151/XIII/4.ª (PSD) – Sexta Alteração à Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, que
estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à proteção e à assistência das suas
vítimas;
– Projeto de Lei n.º 1113/XIII/4.ª (PAN) – Determina uma maior proteção para as crianças no âmbito de
crimes de violência doméstica;
– Proposta de Lei n.º 112/XIII/3.ª (GOV) – Define a missão e as atribuições da Comissão Nacional de Apoio
às Vítimas de Crimes;
– Projeto de Lei n.º 432/XIII/2.ª (PAN) – Altera a Lei n.º 112/2009 de 16 de setembro relativa ao regime
jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica e proteção e assistência das suas vítimas;
E, ainda, os seguintes projetos de resolução:
– Projeto de Resolução n.º 2040/XIII/4.ª (CDS-PP) – Recomenda ao Governo a criação de gabinetes de apoio
e informação à vítima de violência doméstica;
– Projeto de Resolução n.º 710/XIII/2.ª (BE) – Recomenda a capacitação das forças de segurança para a
proteção às vítimas de violência doméstica;
– Projeto de Resolução n.º 705/XIII/2.ª (PAN) – Recomenda ao Governo que diligencie pelo
redimensionamento de pressupostos na aplicação do regime jurídico aplicável à prevenção da violência
doméstica e proteção e assistência das suas vítimas;
Página 24
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
24
– Projeto de Resolução n.º 658/XIII/2.ª (CDS-PP) – Recomenda ao Governo a reorganização da rede de
gabinetes de atendimento às vítimas de violência doméstica da GNR e da PSP.
Consultada a base de dados da Atividade Parlamentar, na XIII Legislatura foi registada a seguinte petição
sobre matéria conexa:
N.º Data Assunto Situação na AR N.º Assinaturas
XIII/3.ª
472 2018-02-12 Adoção de medidas eficazes em casos de violência
doméstica.
Concluída
2018-07-04 1
III. Apreciação dos requisitos formais
Conformidade com os requisitos constitucionais, regimentais e formais
A presente iniciativa é apresentada pelo Grupo Parlamentar do Partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN),
ao abrigo e nos termos da alínea b) do artigo 156.º e do n.º 1 do artigo 167.º da Constituição e da alínea b) do
n.º 1 do artigo 4.º e do artigo 118.º do Regimento da Assembleia da República (RAR), que consagram o poder
de iniciativa da lei.
Assumindo a forma de projeto de lei, é subscrita por quatro Deputados, observando o disposto no n.º 1 do
artigo 119.º e no n.º 1 do artigo 123.º do RAR.
A iniciativa encontra-se redigida sob a forma de artigos, é precedida de uma breve exposição de motivos e
tem uma designação que traduz sinteticamente o seu objeto principal, embora sugiramos o seu
aperfeiçoamento, desta forma dando cumprimento aos requisitos formais estabelecidos no n.º 1 do artigo 124.º
do RAR.
O projeto de lei respeita os limites à admissão das iniciativas previstos no n.º 1 do artigo 120.º do RAR, uma
vez que parece não infringir a Constituição ou os princípios nela consignados e define concretamente o sentido
das modificações a introduzir na ordem legislativa.
Refira-se ainda que, atendendo à alteração proposta para o Código Penal, a matéria objeto da presente
iniciativa se enquadra na alínea c) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, constituindo, assim, reserva relativa
de competência legislativa da Assembleia da República.
O projeto de lei em apreciação deu entrada a 19 de novembro de 2019, foi admitido e anunciado no dia 22
de novembro, data em que, por despacho de S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República, baixou, na
generalidade, à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (1.ª). A respetiva
discussão na generalidade encontra-se agendada para a reunião plenária de dia 12 de dezembro, em conjunto
com outras iniciativas sobre matéria idêntica.
Verificação do cumprimento da lei formulário
O projeto de lei sub judice, sobre «Reconhecimento do estatuto de vítima às crianças que testemunhem ou
vivam em contexto de violência doméstica», apresenta um título que traduz sinteticamente o seu objeto, em
conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 7.º da lei formulário20, embora, em caso de aprovação, possa
ser objeto de aperfeiçoamento.
De facto, a iniciativa visa alterar dois diplomas: a Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, que estabelece o
regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à proteção e à assistência das suas vítimas, e o
Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro.
20 A Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, alterada e republicada pela Lei n.º 43/2014, de 11 de julho, que estabelece um conjunto de normas sobre a publicação, a identificação e o formulário dos diplomas.
Página 25
11 DE DEZEMBRO DE 2019
25
Ora, há que atentar, antes de mais, ao disposto no n.º 1 do artigo 6.º da lei formulário, que estabelece o dever
de indicar, nos diplomas legais que alterem outros, o número de ordem da alteração introduzida e a identificação
dos diplomas que procederam a alterações anteriores.
Relativamente ao Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro, constata-se que
o mesmo sofreu já a quadragésima nona alteração, introduzida pela Lei n.º 102/2019, de 6 de setembro.
Atendendo ao elevado número de alterações já sofridas, por motivos de segurança jurídica, e tentando manter
uma redação simples e concisa, parece-nos mais seguro e eficaz não colocar o número de ordem de alteração
nem o elenco de diplomas que procederam a alterações quando a mesma incida sobre códigos, como é o caso,
«leis gerais», «regimes gerais», «regimes jurídicos» ou atos legislativos de estrutura semelhante. Embora a
exigência de tal indicação decorra da lei formulário, como referido, há que ter em consideração que a mesma
foi aprovada e publicada num contexto de ausência de um Diário da República Eletrónico, sendo que, neste
momento, o mesmo é acessível universal e gratuitamente.
No que se refere à Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, consultando a base de dados Digesto (Diário da
República Eletrónico), constata-se que mesma foi alterada pelas Leis n.os 19/2013, de 21 de fevereiro, 82-
B/2014, de 31 de dezembro, 129/2015, de 3 de setembro, 42/2016, de 28 de dezembro, e 24/2017, de 24 de
maio, constituindo a presente, em caso de aprovação, a sua sexta alteração.
Na formação do título devemos ter em consideração as regras de legística formal, que recomendam que os
títulos de atos de alteração identifiquem os diplomas alterados e os respetivos números de ordem de alteração.
No caso em apreço, uma vez que defendemos ser preferível não indicar o número de ordem de alteração ao
Código Penal pelas razões já referidas, por uma questão de coerência, sugerimos que a menção ao número de
ordem de alteração à Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, seja feita não no título mas, sim, no articulado,
nomeadamente, no artigo relativo ao objeto.
Em face do exposto, em caso de aprovação da presente iniciativa, sugere-se o seguinte título:
«Reconhecimento do estatuto de vítima às crianças que testemunhem ou vivam em contexto de
violência doméstica, alterando a Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, que estabelece o regime jurídico
aplicável à prevenção da violência doméstica, à proteção e à assistência das suas vítimas, e o Código
Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro».
Cabe ainda mencionar que, nos termos da alínea a) do n.º 3 do artigo 6.º da lei formulário, deve proceder-se
à republicação integral dos diplomas que revistam a forma de lei, em anexo, sempre que «Existam mais de três
alterações ao ato legislativo em vigor, salvo se se tratar de alterações a códigos». No que se refere aos diplomas
que esta iniciativa visa alterar, constatamos que o Código Penal se enquadra na exceção prevista e que a Lei
n.º 112/2009, de 16 de setembro, foi republicada aquando da sua terceira alteração, pela Lei n.º 129/2015, de 3
de setembro, não se impondo, por isso, a republicação de nenhum dos diplomas alterados.
Em caso de aprovação, a iniciativa em apreço revestirá a forma de lei, sendo objeto de publicação na 1.ª
série do Diário da República, nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 3.º da lei formulário.
No que respeita à entrada em vigor, estabelece o artigo 4.º deste Projeto de Lei que a mesma aconteça no
primeiro dia do mês seguinte ao da sua publicação, mostrando-se assim em conformidade com o disposto no
n.º 1 do artigo 2.º da lei mencionada, que determina que «Os atos legislativos e os outros atos de conteúdo
genérico entram em vigor no dia neles fixado, não podendo, em caso algum, o início da vigência verificar-se no
próprio dia da publicação.»
Na presente fase do processo legislativo a iniciativa em apreço não nos parece suscitar outras questões em
face da lei formulário.
Regulamentação ou outras obrigações legais
A iniciativa não contém qualquer norma de regulamentação.
Página 26
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
26
IV. Análise de direito comparado
Enquadramento do tema no plano da União Europeia
Nos termos da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança (CNUDC)21, considera-se criança
qualquer ser humano com menos de 18 anos. O Tratado de Lisboa introduziu como objetivo da União Europeia
a promoção dos direitos da criança, e a Carta dos Direitos Fundamentais garante a proteção dos direitos das
crianças pelas instituições da União Europeia e pelos Estados-Membros.
Em 15 de fevereiro de 2011, a Comissão Europeia publicou uma comunicação intitulada «Programa da UE
para os direitos da criança» (COM (2011) 60). O objetivo é reafirmar o forte empenho de todas as instituições
da União Europeia e de todos os Estados-Membros em promover, proteger e respeitar plenamente os direitos
da criança em todas as políticas pertinentes da União Europeia, procurando obter resultados concretos. Os
direitos da criança e a prevenção da violência contra as crianças, os jovens e as mulheres, bem como outros
grupos de risco, também são protegidos e promovidos ao abrigo do Programa Direitos, Igualdade e Cidadania
(2014-2020).
A União Europeia assinou em 2017 a Convenção do Conselho da Europa para a prevenção e o combate à
violência contra as mulheres e a violência doméstica, também denominada Convenção de Istambul, na qual se
reconhece que «as crianças são vítimas da violência doméstica, inclusivamente como testemunhas de violência
no seio da família. Refere ainda, relativamente às campanhas de sensibilização que estas devem fomentar a
consciencialização e compreensão por parte do grande público das diferentes manifestações de todas as formas
de violência cobertas pelo âmbito de aplicação da presente Convenção, das suas consequências para as
crianças e da necessidade de prevenir tal violência.»
No entanto, ainda antes da assinatura da Convenção, a União dispunha de um Regulamento relativo ao
reconhecimento mútuo de medidas de proteção em matéria civil, aplicável a «medidas de proteção decretadas
com vista a proteger uma pessoa caso existam motivos sérios para considerar que a sua vida, integridade física
ou psicológica, liberdade pessoal, segurança ou integridade sexual estão ameaçadas, designadamente de modo
a impedir qualquer forma de violência baseada no género ou violência na intimidade como (…) É importante
salientar que o presente regulamento é aplicável a todas as vítimas, quer sejam ou não vítimas de violência
baseada no género.».
Pretende-se com o regulamento em causa que as vítimas às quais é garantida proteção num Estado-Membro
possam usufruir de proteção equivalente noutro Estado-Membro, instituindo um mecanismo simples e célere
para o reconhecimento das medidas de proteção em matéria civil decretadas.
O regulamento complementa assim a Diretiva 2012/29/UE que estabelece as normas mínimas relativas aos
direitos ao apoio e à proteção das vítimas da criminalidade, garantindo que estas beneficiam de informação e
apoio adequados.
No mesmo âmbito, também a diretiva relativa à decisão europeia de proteção estabelece regras que
«permitem a uma autoridade judicial ou equivalente de um Estado-Membro, no qual foi adotada uma medida de
proteção destinada a proteger uma pessoa contra um ato criminoso de outra pessoa que possa pôr em perigo
a sua vida, integridade física ou psicológica, dignidade, liberdade pessoal ou integridade sexual, emitir uma
decisão europeia de proteção que permita à autoridade competente de outro Estado-Membro dar continuidade
à proteção da pessoa no território deste último, na sequência de uma conduta criminosa ou alegada conduta
criminosa, de acordo com a legislação do Estado-Membro de emissão.»
Em 2006, o parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «Crianças – vítimas indiretas de violência
doméstica, aditando ao parecer já produzido sobre a violência doméstica contra as mulheres, referia que embora
a vivência num ambiente de violência física e psíquica possa ter efeitos graves sobre as crianças, continua a
não haver uma perceção muito nítida de que as crianças são vítimas indiretas da violência doméstica. Também
21No site da Organização das Nações Unidas está disponível a versão da CNUDC em inglês: https://www.ohchr.org/en/professionalinterest/pages/crc.aspx.
Página 27
11 DE DEZEMBRO DE 2019
27
sob o ponto de vista do direito das crianças a uma vida sem violência, e principalmente a uma educação sem
violência, à proteção e a cuidados adequados, esta situação é insustentável.»
Neste sentido, o Comité instou veementemente as Presidências do Conselho da União Europeia a abordarem
também o tema das crianças no que se refere à violência doméstica e, considerou que, embora a principal
responsabilidade no combate à violência doméstica caiba aos Estados-Membros, deveria ser adotada uma
estratégia pan-europeia, tendo em conta a importância dada aos direitos das crianças.
Sugeria ainda que «esta estratégia pan-europeia deve começar pela realização na UE de um primeiro estudo
sobre a prevalência e as consequências para as crianças que crescem num ambiente de violência doméstica,
bem como sobre as possibilidades e as medidas de proteção e assistência às crianças vítimas indiretas de
violência.»
Destaca-se ainda o Manual de legislação europeia sobre os Direitos da Criança, no qual esta questão é
abordada, e que foi produzido pela Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
Enquadramento internacional
Países europeus
A legislação comparada é apresentada para os seguintes Estados da União Europeia: Espanha e França.
ESPANHA
A legislação espanhola distingue violência doméstica de violência de género: a violência doméstica ocorre
em casa e pode ser exercida e sofrida por qualquer membro do núcleo familiar; a violência de género é a
violência contra as mulheres «por serem mulheres», seja dentro ou fora de casa, no trabalho ou em qualquer
outra área da vida pública.
A Ley Orgánica 1/2004, de 28 de diciembre, de Medidas de Protección Integral contra la Violencia de Género
define a violência de género como: «qualquer violência que, como manifestação de discriminação, desigualdade
e relações de poder entre homens e mulheres, seja praticada contra mulheres por quem é ou foi seu cônjuge
ou por quem é ou foi vinculado a elas por relações semelhantes de afetividade, mesmo sem coabitação. Esta
violência inclui todos os atos de violência física e psicológica, incluindo ataques à liberdade sexual, ameaças,
coação ou privação de liberdade».
Entre outros aspetos, aquela lei estabelece medidas de prevenção e combate à violência de género,
procedeu à criação de tribunais especializados na matéria (Juzgados de Violencia sobre la Mujer) e prevê os
direitos das mulheres vítimas de violência, como o direito ao acesso à informação e à assistência social
integrada, por meio de serviços permanentes, urgentes, especializados e multidisciplinares, e o direito à
assistência jurídica gratuita, bem como medidas de proteção na esfera laboral e de apoio económico.
Para além disso, aquela lei introduziu várias alterações ao Código Penal, prevendo, relativamente a diversos
tipos de crimes, penas mais graves para as situações em que os factos são praticados contra quem é ou foi
cônjuge do agente (a lei espanhola fala especificamente em «esposa del autor»), ou mulher que está ou foi
ligada a ele por uma relação análoga de afetividade, mesmo sem coabitação.
Assim, diferentemente do que acontece na legislação portuguesa, não existe um tipo de crime de violência
doméstica, abrangendo este termo vários tipos de crimes que têm pena mais grave quando praticados em
contexto doméstico (cônjuge ou ex-cônjuge ou pessoa que tem com o autor uma relação análoga de afetividade,
mesmo sem coabitação; descendentes, ascendentes ou irmãos, próprios ou do cônjuge ou coabitante; menores
ou incapazes que coabitem com o agente ou estejam sujeitos à tutela, curatutela, acolhimento ou guarda do
cônjuge ou coabitante; pessoa abrangida por qualquer outro relacionamento através do qual a mesma esteja
integrada no núcleo familiar do agente, bem como pessoas que, devido à sua vulnerabilidade especial, estejam
sujeitas a custódia ou guarda em centros públicos ou privados). Alguns desses crimes são: ferimentos leves ou
Página 28
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
28
maus tratos, previsto no artigo 153.1 do Código Penal22; ofensas, previsto no artigo 147 (nos termos do artigo
148.4); ameaças menores, previsto no artigo 171.4; coação, previsto no artigo 172.2; tortura e outros crimes
contra a integridade psíquica, previstos no artigo 173.2. Há ainda novo agravamento da pena em diversas
circunstâncias, como em caso de prática dos factos na presença de menor de idade (prevê-se a aplicação de
pena situada na metade superior da moldura penal).
Não se localizou em Espanha definição legal de «vítima de violência doméstica» semelhante à da lei
portuguesa, mas a referida Ley Orgánica 1/2004, de 28 de diciembre, de Medidas de Protección Integral contra
la Violencia de Género reconhece (desde as alterações operadas pela Ley Orgánica 8/2015, de 22 de julio), que
os menores a cargo de mulheres vítimas violência de género também são considerados vítimas e, portanto,
estão incluídos no âmbito da proteção integrada oferecida por lei – v.d. artigo 1 da Ley 1/2004. Refere-se no
preâmbulo da Ley Orgánica 8/2015 que «Qualquer forma de violência contra um menor é injustificável. Entre
elas, a violência sofrida por quem vive e cresce num ambiente familiar onde a violência de género está presente
é especialmente atroz. Esta forma de violência afeta as crianças de várias maneiras. Em primeiro lugar,
condicionando o seu bem-estar e o seu desenvolvimento. Em segundo lugar, causando sérios problemas de
saúde. Em terceiro lugar, tornando-as num instrumento para exercer domínio e violência sobre as mulheres. E,
finalmente, favorecendo a transmissão intergeracional de comportamentos violentos contra as mulheres por
parte dos seus companheiros ou ex-companheiros. A exposição de menores à violência no lar, lugar onde
deveriam estar mais protegidos, também os torna vítimas. Portanto, é necessário reconhecer os menores como
vítimas da violência de género através da sua inclusão no artigo 1, tornando visível essa forma de violência que
pode ser exercida sobre eles.»
Segundo informação disponível no portal estatístico do Ministério de la Presidencia, relaciones com las cortes
y Igualdad, em 2018 morreram em Espanha 50 mulheres vítimas de violência doméstica (número já superado
em 2019 – contabilizadas até ao momento 52 mulheres vítimas mortais).
FRANÇA
Tal como em Espanha, não existe um tipo específico de crime de violência doméstica, mas a prática de atos
de violência física ou psicológica no seio do casal (cônjuges ou análogos, atuais ou passados, com ou sem
coabitação23, e seja qual for o sexo da vítima e do agressor) – designados violences au sein du couple – ou
outros membros do agregado familiar constitui circunstância agravante em diversos tipos de crimes. É o caso
das ofensas físicas (que causem morte, incapacidades ou outras lesões – veja-se o artigo 222-7 e seguintes do
Código Penal) ou do crime de assédio moral ( artigos 222-33-2 a 222-33-2-2). Este quadro sintetiza as principais
infrações e penas na matéria.
O artigo 515-9 do Código Civil prevê a possibilidade de o tribunal determinar medidas de proteção
(ordonnance de protection) em caso de violência conjugal que ponha em perigo a vítima ou os seus filhos.
Refere-se no portal do ministério da solidariedade e da saúde francês que «A violência contra as mulheres
também é frequentemente violência contra crianças. A violência dentro do casal tem consequências sérias, às
vezes fatais, para as crianças expostas à mesma, que, portanto, se tornam também vítimas. 143 000 crianças
moram numa casa onde uma mulher relatou ter sofrido violência por parte do cônjuge ou ex-cônjuge. 42%
dessas crianças têm menos de 6 anos de idade. Em 2015, 35 crianças foram mortas no contexto de violência
dentro do casal. 96 crianças ficaram órfãs como resultado de homicídios no casal e 68 estavam presentes na
cena do crime.»
Segundo o estudo nacional sobre mortes violentas no seio do casal (do ministério da administração interna),
em 2018 houve em França 149 homicídios (vítimas mulheres em 121 dos casos e homens em 28), 18 dos quais
praticados na presença de crianças, em 11 casos as crianças não assistiram mas foram elas que encontraram
a vítima e em 3 casos foram mesmo as crianças a dar o alerta; acresce que em 28 outros casos as crianças não
testemunharam mas encontravam-se nas proximidades.
22 Ley Orgánica 10/1995, de 23 de noviembre, del Código Penal – versão consolidada disponibilizada no portal do Boletín Oficial del Estado (BOE). 23 Com as alterações operadas pela loi 2018-703, du 3 août 2018, renforçant la lutte contre les violences sexuelles et sexistes, a violência conjugal passou a abranger a violência no seio de casais que não coabitem.
Página 29
11 DE DEZEMBRO DE 2019
29
V. Consultas e contributos
Consultas obrigatórias e facultativas
Em 27 de novembro de 2019, a Comissão solicitou parecer escrito aos Conselhos Superiores da Magistratura
e do Ministério Público e à Ordem dos Advogados.
Todos os pareceres e contributos remetidos à Assembleia da República serão publicados na página da
iniciativa na Internet.
VI. Avaliação prévia de impacto
Avaliação sobre impacto de género
O preenchimento, pelo proponente, da ficha de avaliação prévia de impacto de género da presente iniciativa,
em cumprimento do disposto na Lei n.º 4/2018, de 9 de fevereiro, devolve como resultado uma valoração neutra
do impacto de género.
Linguagem não discriminatória
Na elaboração dos atos normativos a especificação de género deve ser minimizada recorrendo-se, sempre
que possível, a uma linguagem neutra ou inclusiva, mas sem colocar em causa a clareza do discurso. A presente
iniciativa não nos suscita questões relacionadas com a utilização de linguagem discriminatória.
VII. Enquadramento Bibliográfico
Associaçâo Portuguesa de Apoio À Vítima – Crianças e jovens vítimas de crime de violência 2013-2018
[Em linha]. Lisboa: APAV, 2019. [Consult. 26 nov. 2019]. Disponível na intranet da AR: http://catalogobib.parlamento.pt:81/images/winlibimg.aspx?skey=&doc=128172&img=13459&save=true> Resumo: A Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) apresenta neste documento os dados estatísticos recolhidos entre 2013 e 2018, relativos a crianças e jovens vítimas de crime e de violência. A APAV apoiou mais de 5600 crianças e jovens, vítimas de mais de 9500 crimes. No que diz respeito ao tipo de crime, verifica-se que 71,37% das situações reportadas diz respeito a atos de violência em contexto doméstico, tendo maior expressão as situações de violência psicológica e de violência física. «Destas vítimas, mais de 57% são filhos/as dos/as alegados/as autores/as. Com efeito, o espaço de segurança que deveria ser a casa onde residem é, não raras vezes, transformado num cenário de violência a que crianças e jovens são sujeitos, direta ou indiretamente». Regista-se ainda uma tendência crescente nos pedidos de apoio relativos a crimes de natureza sexual perpetrados contra crianças e jovens, especialmente entre os anos de 2016 e 2018. SILVA, Fernando – Direito penal especial: os crimes contra as pessoas. 3.ª ed. (actualizada e aumentada). Lisboa: Quid juris, 2011. ISBN 978-972-724-563-5. Cota: 12.06.8 – 127/2012. Resumo: Na seção III da referenciada obra, dedicada aos casos especiais, o autor aborda a questão do crime de violência doméstica (ponto 2.5), tipificado no artigo 152.º do Código Penal. Neste tipo de crime as condutas tipificadas abrangem as situações de maus tratos físicos e psíquicos, «consagrando atos que envolvam a lesão grave da integridade física da vítima, sob a forma de tratamento grave, ou reiterado, que assente numa expressão de dano corporal, de natureza física, ou numa atuação sobre o intelecto da vítima». O autor refere a possibilidade de aplicação de penas acessórias ao arguido, quando os interesses da vítima assim o exijam, tais como: o afastamento do agressor, que implica a proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas. O n.º 6 do referido artigo 152.º prevê ainda que «caso o agressor exerça qualquer forma de representação legal ou ascendente sobre a vítima, que o perca por força do seu comportamento. Assim se prevê a perda do exercício do poder paternal, da tutela ou da curatela. Esta medida não pode deixar de ser enquadrada
Página 30
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
30
em conjunto com as medidas civis respetivas, as quais preveem a perda do exercício do poder paternal». Estas
medidas podem revelar-se muito eficazes, quer na função de proteção da vítima, quer no que respeita à
penalização do agente, que perderá, assim, a autoridade que tenha sobre a vítima, bem como a ideia de que
poderá exercer sobre esta qualquer atuação.
VIOLÊNCIA doméstica e de género: uma abordagem multidisciplinar. Lisboa: Pactor – Edições de
Ciências Sociais, Forenses e da Educação, 2018. ISBN 978-989-693-085-1. Cota: 28.26 – 338/2018.
Resumo: «A violência doméstica e de género é historicamente persistente. Está instalada de forma profunda
na estrutura da sociedade e surpreende-nos constantemente. Implica um conjunto de ações e atividades
multifacetadas. Assume inúmeras formas e atinge pessoas cujos direitos fundamentais são violados pelos
agressores e pela falta de respostas ajustadas às suas necessidades. Suscita, por isso, questões complexas de
análise teórica, bem como o desenvolvimento de políticas e de respostas sociais. Este livro surge, assim, com
o objetivo de evidenciar a relação fundamental que tem de existir entre investigação, análise teórica, políticas
sociais e intervenção junto das vítimas e dos agressores conjugais. Trata-se de uma obra que ilustra a força e
a diversidade dos debates teóricos atuais, que coloca no centro da análise as vítimas de violência – com
destaque para as mulheres e as crianças expostas à violência interparental – e que relaciona os resultados da
investigação científica com as práticas de intervenção. Através do contributo de um conjunto de especialistas
amplamente reconhecidos nesta área, o livro pretende ser um guia de conhecimento científico e técnico útil a
todos os académicos, investigadores e profissionais que lidam com a violência doméstica e de género nos mais
diversos contextos de intervenção (sociólogos, psicólogos, juristas, assistentes sociais, mediadores,
profissionais de saúde e dos serviços médico-legais e forenses, professores, decisores políticos, entre outros)».
VIOLÊNCIA doméstica [Em linha]: implicações sociológicas, psicológicas e jurídicas do fenómeno:
manual pluridisciplinar. Lisboa: Centro de Estudos Judiciários, 2016. ISBN 978-989-8815-28-6. [Consult. 15
fevereiro 2019]. Disponível na intranet da AR: http://catalogobib.parlamento.pt:81/images/winlibimg.aspx?skey=&doc=125297&img=10410&save=true> Resumo: O Centro de Estudos Judiciários tem dedicado atenção particular à temática da violência doméstica, dirigindo grande parte da sua atividade à formação de magistrados e de outros profissionais do Direito. É neste contexto que surge a presente obra que reúne contributos de diversos magistrados e que abrange as várias vertentes deste fenómeno (sociológicas, psicológicas e jurídicas). O presente estudo procede à caracterização do fenómeno da violência doméstica; enquadramento legal; processo penal (acusação, instrução e julgamento); sentença condenatória e sua execução; direito da família e das crianças e, por último o direito do trabalho e a violência doméstica. No âmbito desta iniciativa legislativa, destacamos o Capítulo IV – A violência doméstica: o direito da família e das crianças (p. 277 a 323), que compreende os seguintes artigos: «divórcio e responsabilidades parentais»; «promoção e proteção de crianças e jovens em perigo»; «intervenção tutelar educativa»; «a articulação entre as várias intervenções: o processo penal, o processo tutelar educativo, o processo de promoção e proteção e as providências tutelares cíveis.» ——— PROJETO DE LEI N.º 2/XIV/1.ª [TORNA OBRIGATÓRIA, NOS CASOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA, A RECOLHA DE DECLARAÇÕES PARA MEMÓRIA FUTURA DAS VÍTIMAS (SEXTA ALTERAÇÃO AO REGIME JURÍDICO APLICÁVEL À PREVENÇÃO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E À PROTEÇÃO E À ASSISTÊNCIA DAS SUAS VÍTIMAS)] PROJETO DE LEI N.º 93/XIV/1.ª (TORNA OBRIGATÓRIA A TOMADA DE DECLARAÇÕES PARA MEMÓRIA FUTURA A PEDIDO DA VÍTIMA OU DO MINISTÉRIO PÚBLICO) Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e notas técnicas elaborada pelos serviços de apoio
Página 31
11 DE DEZEMBRO DE 2019
31
Parecer conjunto
PARTE I – CONSIDERANDOS
I. a) Nota introdutória
Os Deputados do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda tomaram a iniciativa de apresentar à Assembleia
da República o Projeto de Lei n.º 2/XIV/1.ª – Torna obrigatória, nos casos de violência doméstica, a recolha de
declarações para memória futura das vítimas (sexta alteração ao regime jurídico aplicável à prevenção da
violência doméstica e à proteção e à assistência das suas vítimas).
Por seu turno, os Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Pessoas-Animais-Natureza tomaram a
iniciativa de apresentar à Assembleia da República o Projeto de Lei n.º 93/XIV/1.ª – Torna obrigatória a tomada
de declarações para memória futura a pedido da vítima ou do Ministério Público.
Ambos os projetos de lei foram apresentados nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 156, do
n.º 1 do artigo 167.º e da alínea g) do n.º 2 do artigo 180.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e da
alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º, da alínea f) do artigo 8.º e do artigo 118.º do Regimento da Assembleia da
República (RAR).
O primeiro projeto de lei deu entrada em 25 de outubro de 2019, foi admitido e, por despacho de S. Ex.ª o
Presidente da Assembleia da República, baixou, na generalidade, à Comissão de Assuntos Constitucionais,
Direitos, Liberdades e Garantias (1.ª) em 6 de novembro, data do seu anúncio em reunião plenária. O segundo
projeto de lei deu entrada a 19 de novembro de 2019, foi admitido e anunciado no dia 22 de novembro, data em
que, por despacho de S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República, baixou, na generalidade, à Comissão
de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (1.ª).
Nas reuniões de 13 de novembro de 2019 (no que respeita ao primeiro projeto de lei) e de 27 de novembro
de 2019 (no que respeita ao segundo projeto de lei), a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos,
Liberdades e Garantias designou a Sr.ª Deputada Isabel Moreira como relatora, tendo a mesma vindo a ser
depois substituída como relatora pela signatária do presente relatório.
As iniciativas reúnem os requisitos formais previstos no n.º 1 do artigo 119.º, no n.º 1 do artigo 120.º, no n.º
1 do artigo 123.º e no artigo 124.º, todos do RAR.
Foram solicitados pareceres, em 15 de novembro de 2019 quanto ao primeiro projeto de lei, e em 27 de
novembro relativamente ao segundo, aos Conselhos Superiores da Magistratura e do Ministério Público e à
Ordem dos Advogados.
A discussão na generalidade destas iniciativas encontra-se agendada para a sessão plenária do próximo dia
12 de dezembro de 2019.
I b) Do objeto, conteúdo e motivação das iniciativas
Projeto de Lei n.º 2/XIV/1.ª (BE)
A iniciativa legislativa sub judice, retomando o propósito que na anterior Legislatura presidiu ao Projeto de
Lei n.º 1183/XIII/4.ª, visa alterar o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica e à proteção e
assistência das suas vítimas, aprovado pela Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, incidindo sobre o seu artigo
33.º (Declarações para memória futura), tornando obrigatória, nos casos de violência doméstica, a recolha de
declarações para memória futura por parte das vítimas.
Como se enfatiza na nota técnica da responsabilidade dos serviços da Assembleia da República, os
proponentes fundam a apresentação deste projeto de lei na necessidade de «encontrar soluções que atuem
tanto na prevenção como na repressão do crime de violência doméstica» – crime contra as pessoas que mais
mata em Portugal e que atinge, sobretudo e de forma esmagadora, as mulheres – de forma a que todas as
vítimas tenham uma resposta adequada e a prova dos crimes de violência doméstica seja protegida e valorizada.
Invoca-se a necessidade, como forma de contrariar a dificuldade de recolha de prova que este crime encerra
– e uma vez que, nos casos de violência doméstica, a tomada de declarações não decorre obrigatoriamente da
Página 32
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
32
lei – de recolha imediata, no prazo máximo de 72 horas, de testemunho das vítimas para «memória futura»,
garantindo que poderá ser utilizado numa futura audiência de julgamento. Acrescenta-se que tal mecanismo
permite evitar a repetição da audição da vítima, que se encontra fragilizada, protegendo-a do perigo de
revitimização, e ainda acautelar a genuinidade do depoimento, em tempo útil, em crimes cuja investigação é,
por vezes, complexa e demorada, sendo na maior parte dos casos as vítimas os testemunhos essenciais para
a descoberta da verdade dos factos.
Os proponentes sublinham o facto de a Procuradoria-Geral da República, através de parecer, ter reputado
«como altamente meritória a ideia que subjaz ao projeto de lei», o que fez com que o Grupo Parlamentar do BE
o apresentasse agora de novo com as modificações sugeridas1.
A iniciativa legislativa compõe-se de três artigos preambulares: o primeiro definidor do respetivo objeto; o
segundo prevendo a alteração do artigo 33.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro; e o terceiro determinando
que o início de vigência das normas a aprovar ocorrerá no dia seguinte ao da sua publicação.
Projeto de Lei n.º 93/XIV/1.ª (PAN)
Pretende-se alterar o artigo 33.º (Declarações para memória futura) do regime jurídico aplicável à prevenção
da violência doméstica e à proteção e assistência das suas vítimas, aprovado pela Lei n.º 112/2009, de 16 de
setembro, tornando obrigatória, nos casos de violência doméstica, a recolha de declarações das vítimas, a seu
pedido ou por promoção do Ministério Público, para memória futura.
Os proponentes recordam que o crime de violência doméstica é «um dos fenómenos criminológicos com
maior grau de incidência na sociedade portuguesa» e sublinha, que a gravidade deste crime, com «profundas
repercussões nos planos pessoal, familiar, profissional e social das vítimas em causa», «encerra um problema
de recolha e produção de prova», pelo que consideram fundamental a maior celeridade possível na recolha das
declarações das vítimas.
Lembram que, de acordo com os normativos em vigor, a inquirição das vítimas deste crime no decurso do
inquérito não é obrigatória, ao contrário do que sucede por força do n.º 2 do artigo 271.º do Código de Processo
Penal, que determina que «No caso de processo por crime contra a liberdade e autodeterminação sexual de
menor, procede-se sempre à inquirição do ofendido no decurso do inquérito, desde que a vítima não seja ainda
maior.».
Invocam como impulso legiferante direto o seu programa eleitoral, designadamente a medida n.º 495, que
veio acolher o sentido do Parecer do Gabinete da Senhora Procuradora Geral da República em articulação com
o Conselho Superior do Ministério Público, emitido a pedido da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos,
Liberdades e Garantias da XIII Legislatura, a propósito do Projeto de Lei n.º 1183/XIII (BE) – Protege as crianças
que testemunhem crimes de violência doméstica e torna obrigatória a recolha de declarações para memória
futura no decorrer do inquérito (sexta alteração ao regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica
e à proteção e à assistência das suas vítimas), favorável a uma providência legislativa que alargue a estatuição
do referido n.º 2 do artigo 271.º do Código de Processo Penal.
A iniciativa legislativa compõe-se de três artigos preambulares: o primeiro definidor do respetivo objeto; o
segundo prevendo a alteração do artigo 33.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, no sentido de, a
requerimento da vítima ou do Ministério Público, se proceder sempre, no decurso do inquérito, à inquirição
daquela, depoimento esse a ser tomado em conta no julgamento; e o terceiro determinando que o início de
vigência das normas a aprovar ocorrerá no primeiro dia do mês seguinte ao da sua publicação.
I c) Enquadramento legal
A Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, que estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção da violência
doméstica, à proteção e à assistência das suas vítimas, teve origem na Proposta de Lei n.º 248/X e nos Projetos
de Lei n.os 588/ (BE) e 590/X (PS) e visou promover a criação de respostas integradas, não apenas do ponto de
1 Cfr. redação proposta no Projeto de Lei n.º 1183/XIII/1.ª para o n.º 1 do artigo 33.º: «O juiz, no prazo de 72 horas, procede à inquirição das vítimas, aqui se incluindo as crianças que vivam nesse contexto ou o testemunhem, no decurso do inquérito, a fim de que o depoimento possa, se necessário, ser tomado em conta no julgamento.»; redação proposta no presente projeto para a mesma norma: «O juiz, a requerimento da vítima ou do Ministério Público, procede sempre, no prazo de 72h, à inquirição daquela no decurso do inquérito, a fim de que o depoimento possa, se necessário, ser tomado em conta no julgamento».
Página 33
11 DE DEZEMBRO DE 2019
33
vista judicial, mas também no âmbito laboral e no acesso aos cuidados de saúde, bem como dar resposta às
necessidades de prevenção e de sensibilização sobre a violência doméstica, e configura o estatuto de vítima de
violência doméstica, prevendo um conjunto de direitos e deveres. Desde a sua aprovação, esta lei foi alterada
cinco vezes, pelas Leis n.os 19/2013, de 22 de fevereiro, 82-B/2014, de 31 de dezembro, 129/2015, de 3 de
setembro, 48/2016, de 28 de dezembro e 24/2017, de 24 de maio.
Em causa em ambas as iniciativas está a alteração do artigo 33.º, que dispõe sobre as declarações para
memória futura da vítima de violência doméstica, artigo que sofreu até à data apenas uma alteração, pela Lei
n.º 129/2015, de 3 de setembro. Prevê-se neste artigo a possibilidade de o juiz proceder, a requerimento da
vítima ou do Ministério Público, à inquirição da vítima no decurso do inquérito para, se necessário, esse
depoimento ser tomado em conta no julgamento, e regula-se a forma como a tomada de declarações decorre.
O mesmo regime segue a tomada de declarações do assistente e das partes civis, de peritos e de consultores
técnicos e acareações e é correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 352.º (afastamento do arguido
durante a prestação de declarações), 356.º (reprodução ou leitura permitidas de autos e declarações), 363.º
(documentação de declarações orais) e 364.º (forma da documentação) do Código de Processo Penal. Sempre
que for possível e tal não ponha em causa a saúde física ou psíquica de pessoa que deva prestar o depoimento,
esta tomada de declarações não prejudica a prestação de depoimento no julgamento.
As declarações para memória futura no processo penal encontram-se previstas no artigo 271.º do Código de
Processo Penal, correspondendo à possibilidade de que tais declarações sejam prestadas no decurso do
inquérito a fim de que possam, se necessário, ser tomadas em conta no julgamento. Esta possibilidade existe
quando doença grave ou deslocação para o estrangeiro previsivelmente impeça a testemunha de ser ouvida em
julgamento ou se se tratar de vítima de crime de tráfico de pessoas ou contra a liberdade e autodeterminação
sexual. No caso de vítima de crime contra a liberdade e autodeterminação sexual de menor são obrigatórias.
Este regime jurídico constitui restrição ao princípio de que a audiência de julgamento é o «palco» para a
produção da prova que pode ser valorada pelo legislador: «a produção da prova que deve servir para fundar a
convicção do julgador tem de ser a realizada na audiência e segundo os princípios naturais de um processo de
estrutura acusatória: os princípios da imediação, da oralidade e da contraditoriedade na produção dessa prova»2.
«A recolha de declarações para memória futura constitui uma exceção ao princípio da imediação, pois as
provas recolhidas sob a égide do juiz de instrução podem ser tomadas em conta no julgamento. (…) Inicialmente
pensado pelo legislador como meio preventivo de recolha de prova suscetível de perder-se ou inviabilizar-se
antes do julgamento, o âmbito de recolha das declarações para memória futura foi posteriormente ampliado, já
não para prevenir o perigo de perda da prova, mas para proteção das vítimas, especialmente das menores»3.
O princípio da imediação pressupõe uma «relação de proximidade comunicante que deve ser estabelecida
entre o tribunal e os sujeitos e participantes processuais, por não ser apenas relevante o que se diz, mas também
a forma como se diz, nomeadamente para efeitos de formação da convicção do julgador», sendo que tanto o
princípio da imediação como o princípio da oralidade «são indissociáveis do princípio da acusação, do
contraditório, da livre apreciação da prova e da investigação, bem como de uma estruturação do processo
segundo um modelo acusatório, sem menosprezo da finalidade de descoberta da verdade e de realização da
justiça»4.
Através do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/2017, de 11.10.2017, fixou-se a jurisprudência de
que «as declarações para memória futura, prestadas nos termos do artigo 271.º do Código de Processo Penal,
não têm de ser obrigatoriamente lidas em audiência de julgamento para que possam ser tomadas em conta e
constituir prova validamente utilizável para a formação da convicção do tribunal, nos termos das disposições
conjugadas dos artigos 355.º e 356.º, n.º 2, alínea a), do mesmo Código».
Finalmente, deve ter-se em conta que, nos termos do artigo 152.º do Código Penal, comete o crime de
violência doméstica quem infligir, de modo reiterado ou não, maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos
corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais, ao cônjuge, ex-cônjuge ou pessoa de outro ou do mesmo
sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos
cônjuges, ainda que sem coabitação; a progenitor de descendente comum em 1.º grau; ou a pessoa
2 José Damião da Cunha, O regime processual de leitura de declarações na audiência de julgamento (artigos 356.º e 357.º do CPP), RPCC, 1997, p. 405. 3 Henriques Gaspar, António, e outros, Código de Processo Penal Comentado. Coimbra: Almedina, 2014. 4 Maria João Antunes, Direito Processual Penal, 2.ª ed., Almedina, 2018, ps. 186-7.
Página 34
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
34
particularmente indefesa, nomeadamente em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência
económica.
Este crime é punível com pena de prisão de 1 a 5 anos, «se pena mais grave lhe não couber por força de
outra disposição legal», moldura penal que sobe para 2 a 5 anos, entre outras circunstâncias, se o agente
praticar o facto contra menor ou na presença de menor (podendo ainda chegar aos 2 a 8 anos ou 3 a 10 anos,
se resultar em ofensa à integridade física grave ou morte, respetivamente).
O crime de violência doméstica implica ainda a possibilidade de serem aplicadas ao arguido as penas
acessórias de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de 6
meses a 5 anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica
(n.º 4). O agente condenado por este crime pode ainda ser inibido do exercício das responsabilidades parentais,
da tutela ou da curatela, por um período de 1 a 10 anos (n.º 6).
PARTE II – OPINIÃO DA RELATORA
A relatora signatária do presente parecer entende que existe uma contradição insanável entre o propósito
que preside a estas iniciativas legislativas de proteger as vítimas de violência doméstica e a imposição que lhes
é feita de prestarem declarações para memória futura. Se tal antecipação da prova visa proteger as vítimas, não
deve ser admitida quando não corresponder à vontade das vítimas.
Por outro lado, caso se adotasse tal solução, estar-se-ia, veladamente, a prejudicar o regime jurídico da
recusa de depoimento contemplado no artigo 134.º do Código de Processo Penal, segundo o qual «Podem
recusar-se a depor como testemunhas: a) Os descendentes, os ascendentes, os irmãos, os afins até ao 2.º grau,
os adotantes, os adotados e o cônjuge do arguido; b) Quem tiver sido cônjuge do arguido ou quem, sendo de
outro ou do mesmo sexo, com ele conviver ou tiver convivido em condições análogas às dos cônjuges,
relativamente a factos ocorridos durante o casamento ou a coabitação».
Finalmente, não deve perder-se de vista o cuidado que é necessário quando se pondera o alargamento do
regime jurídico das declarações para memória futura, não esquecendo que o princípio da imediação é imposto
pela própria estrutura do processo penal português e que lhe subjazem outros princípios tão relevantes como o
do respeito pelo contraditório.
PARTE III – CONCLUSÕES
1 – O BE apresentou à Assembleia da República o Projeto de Lei n.º 2/XIV/1.ª – «Torna obrigatória, nos
casos de violência doméstica, a recolha de declarações para memória futura das vítimas».
2 – Por sua vez, o PAN apresentou à Assembleia da República o Projeto de Lei n.º 93/XIV/1.ª (PAN) – Torna
obrigatória a tomada de declarações para memória futura a pedido da vítima ou do Ministério Público.
3 – Ambas as iniciativas pretendem alterar o artigo 33.º (Declarações para memória futura) do regime
jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica e à proteção e assistência das suas vítimas, aprovado
pela Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, tornando obrigatória, nos casos de violência doméstica, a recolha de
declarações das vítimas, a seu pedido ou por promoção do Ministério Público, para memória futura.
4 – Face ao exposto, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias é de
parecer que os Projetos de Lei n.os 2/XIV/1.ª (BE) e 93/XIV/1.ª (PAN), reúnem os requisitos constitucionais e
regimentais para serem discutidos e votados em plenário.
Palácio de S. Bento, 11 de novembro de 2019.
A Deputada relatora, Cláudia Santos — O Presidente da Comissão, Luís Marques Guedes.
Nota: As partes I e III do parecer foram aprovadas, por unanimidade, verificando-se a ausência do CDS-PP
e do DURP do Chega, na reunião da Comissão de 11 de dezembro de 2019.
Página 35
11 DE DEZEMBRO DE 2019
35
PARTE IV – ANEXOS
Anexam-se as notas técnicas elaboradas pelos serviços ao abrigo do disposto no artigo 131.º do Regimento
da Assembleia da República.
Nota Técnica
Projeto de Lei n.º 2/XIV/1.ª (BE)
Torna obrigatória, nos casos de violência doméstica, a recolha de declarações para memória futura
das vítimas (sexta alteração ao regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica e à proteção
e à assistência das suas vítimas).
Data de admissão: 6 de novembro de 2019.
Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (1.ª)
Índice
I. Análise da iniciativa
II. Enquadramento parlamentar
III. Apreciação dos requisitos formais
IV. Análise de direito comparado
V. Consultas e contributos
VI. Avaliação prévia de impacto
VII. Enquadramento bibliográfico
Elaborada por: Maria João Godinho (DILP), Rosalina Espinheira (BIB), Sónia Milhano (DAPLEN), Inês Cadete e Margarida Ascensão (DAC) Data: 18 de novembro de 2019
I. Análise da iniciativa
A iniciativa
A iniciativa legislativa sub judice visa alterar o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica
e à proteção e assistência das suas vítimas, aprovado pela Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro1, incidindo
sobre o seu artigo 33.º (Declarações para memória futura), tornando obrigatória, nos casos de violência
doméstica, a recolha de declarações para memória futura por parte das vítimas.
O proponente justifica a apresentação deste projeto de lei na necessidade de «encontrar soluções que atuem
tanto na prevenção como na repressão do crime de violência doméstica» – crime contra as pessoas que mais
mata em Portugal e que atinge, sobretudo e de forma esmagadora, as mulheres –, de forma a que todas as
vítimas tenham uma resposta adequada e a prova dos crimes de violência doméstica seja protegida e valorizada.
Nesse sentido, como forma de contrariar a dificuldade de recolha de prova que este crime encerra – e uma
vez que, nos casos de violência doméstica, a tomada de declarações não decorre obrigatoriamente da lei –,
prevê-se a obrigação de recolha imediata, no prazo máximo de 72 horas, de testemunho das vítimas para
«memória futura», garantindo que poderá ser utilizado numa futura audiência de julgamento. Tal mecanismo
1 Texto consolidado disponível no portal do Diário da República Eletrónico.
Página 36
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
36
permite evitar a repetição da audição da vítima, que se encontra fragilizada, protegendo-a do perigo de
revitimização, e ainda acautelar a genuinidade do depoimento, em tempo útil, em crimes cuja investigação é,
por vezes, complexa e demorada, sendo na maior parte dos casos as vítimas os testemunhos essenciais para
a descoberta da verdade dos factos.
Conforme é mencionado na exposição, já na anterior Legislatura o proponente apresentou uma iniciativa
legislativa – o Projeto de Lei n.º 1183/XIII/4.ª – prevendo a alteração deste mesmo artigo 33.º (entre outros),
proposta que «granjeou grande apoio na sociedade e nas instituições que lidam com este tipo de crimes
diariamente», tendo a Procuradoria-Geral da República, no seu parecer, reputado «como altamente meritória a
ideia que subjaz ao projeto de lei», o que fez com que o Grupo Parlamentar do BE o apresentasse agora de
novo com as modificações sugeridas pela Procuradoria-Geral da República2.
A iniciativa legislativa compõe-se de três artigos preambulares: o primeiro definidor do respetivo objeto; o
segundo prevendo a alteração do artigo 33.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro; e o terceiro determinando
que o início de vigência das normas a aprovar ocorrerá no dia seguinte ao da sua publicação.
Enquadramento jurídico nacional
A Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro3, que estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção da violência
doméstica, à proteção e à assistência das suas vítimas, teve origem na Proposta de Lei n.º 248/X e nos Projetos
de Lei n.os 588/ (BE) e 590/X (PS) e visou promover a criação de respostas integradas, não apenas do ponto de
vista judicial, mas também no âmbito laboral e no acesso aos cuidados de saúde, bem como dar resposta às
necessidades de prevenção e de sensibilização sobre a violência doméstica, e configura o estatuto de vítima no
âmbito deste crime, prevendo um conjunto de direitos e deveres da mesma. Desde a sua aprovação, esta lei foi
alterada cinco vezes, pelas Leis n.os 19/2013, de 22 de fevereiro4, 82-B/2014, de 31 de dezembro, 129/2015, de
3 de setembro, 48/2016, de 28 de dezembro e 24/2017, de 24 de maio.
Em causa na presente iniciativa está a alteração do artigo 33.º, que dispõe sobre as declarações para
memória futura da vítima de violência doméstica, o qual sofreu até à data apenas uma alteração, pela Lei n.º
129/2015, de 3 de setembro. Prevê-se neste artigo a possibilidade de o juiz proceder, a requerimento da vítima
ou do Ministério Público, à inquirição da vítima no decurso do inquérito para, se necessário, esse depoimento
ser tomado em conta no julgamento, e regula-se a forma como a tomada de declarações decorre. O mesmo
regime segue a tomada de declarações do assistente e das partes civis, de peritos e de consultores técnicos e
acareações e é correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 352.º (afastamento do arguido durante a
prestação de declarações), 356.º (reprodução ou leitura permitidas de autos e declarações), 363.º
(documentação de declarações orais) e 364.º (forma da documentação) do Código de Processo Penal. Sempre
que for possível e tal não ponha em causa a saúde física ou psíquica de pessoa que deva prestar o depoimento,
esta tomada de declarações não prejudica a prestação de depoimento no julgamento.
As declarações para memória futura no processo penal em geral encontram-se reguladas no artigo 271.º do
Código de Processo Penal, correspondendo à possibilidade de proceder a inquirições no decurso do inquérito a
fim de que o depoimento possa, se necessário, ser tomado em conta no julgamento. Esta possibilidade existe
quando doença grave ou deslocação para o estrangeiro previsivelmente impeça a testemunha (assistente, parte
civil, perito ou consultor técnico) de ser inquirida em julgamento ou se se tratar de vítima de crime de tráfico de
órgãos humanos, tráfico de pessoas ou contra a liberdade e autodeterminação sexual. No caso de vítima de
crime contra a liberdade e autodeterminação sexual de menor são obrigatórias.
«A recolha de declarações para memória futura constitui uma exceção ao princípio da imediação, pois as
provas recolhidas sob a égide do juiz de instrução podem ser tomadas em conta no julgamento. (…) Inicialmente
pensado pelo legislador como meio preventivo de recolha de prova suscetível de perder-se ou inviabilizar-se
2 Cfr. redação proposta no PJL 1183/XIII/1.ª para o n.º 1 do artigo 33.º: «O juíz, no prazo de 72 horas, procede à inquirição das vítimas, aqui se incluindo as crianças que vivam nesse contexto ou o testemunhem, no decurso do inquérito, a fim de que o depoimento possa, se necessário, ser tomado em conta no julgamento.»; redação proposta no presente projeto para a mesma norma: «O juíz, a requerimento da vítima ou do Ministério Público, procede sempre, no prazo de 72h, à inquirição daquela no decurso do inquérito, a fim de que o depoimento possa, se necessário, ser tomado em conta no julgamento». 3 Texto consolidado disponível no portal do Diário da República Eletrónico.4 Retificada pela Declaração de retificação n.º 15/2013, de 19 de março.
Página 37
11 DE DEZEMBRO DE 2019
37
antes do julgamento, o âmbito de recolha das declarações para memória futura foi posteriormente ampliado, já
não para prevenir o perigo de perda da prova, mas para proteção das vítimas, especialmente das menores.»5
Recorde-se ainda que, nos termos do artigo 152.º do Código Penal, comete o crime de violência doméstica
quem infligir, de modo reiterado ou não, maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações
da liberdade e ofensas sexuais, ao cônjuge, ex-cônjuge ou pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o
agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que
sem coabitação; a progenitor de descendente comum em 1.º grau; ou a pessoa particularmente indefesa,
nomeadamente em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica.
Este crime é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos, «se pena mais grave lhe não couber por força de
outra disposição legal», pena que sobe para 2 a 5 anos, entre outras circunstâncias, se o agente praticar o facto
contra menor ou na presença de menor (podendo ainda chegar aos 2 a 8 anos ou 3 a 10 anos, se resultar em
ofensa à integridade física grave ou morte, respetivamente).
O crime de violência doméstica implica ainda a possibilidade de serem aplicadas ao arguido as penas
acessórias de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de 6
meses a 5 anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica
(n.º 4) e ainda a inibição do exercício das responsabilidades parentais, da tutela ou da curatela, por um período
de 1 a 10 anos (n.º 6).
II. Enquadramento parlamentar
Iniciativas pendentes (iniciativas legislativas e petições)
Efetuada consulta à base de dados da Atividade Parlamentar (AP), verificou-se que se encontram em
apreciação, na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (1.ª), as seguintes
iniciativas sobre matéria conexa com a presente:
– Projeto de Lei n.º 1/XIV/1.ª (BE) – Reconhece as crianças que testemunhem ou vivam em contexto de
violência doméstica enquanto vítimas desse crime (sextaalteração aoregime jurídico aplicável à prevenção da
violência doméstica, à proteção e à assistência das suas vítimas e 47.ª alteração ao Código Penal);
– Projeto de Lei n.º 52/XIV/1.ª (PAN) – Privilegia o modelo de residência alternada sempre que tal
corresponda ao superior interesse da criança, excecionando-se o decretamento deste regime aos casos de
abuso infantil, negligência e violência doméstica.
Consultada a mencionada base de dados (AP) não se identificou qualquer petição pendente sobre matéria
idêntica.
Antecedentes parlamentares (iniciativas legislativas e petições)
Na XIII Legislatura foram apresentadas as seguintes iniciativas legislativas sobre matéria idêntica ou conexa
com a presente:
– Projeto de Lei n.º 1183/XIII/4.ª (BE) – Protege as crianças que testemunhem crimes de violência doméstica
e torna obrigatória a recolha de declarações para memória futura no decorrer do inquérito (sexta alteração ao
regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica e à proteção e à assistência das suas vítimas);
– Projeto de Lei n.º 1151/XIII/4.ª (PSD) – Sexta alteração à Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, que
estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à proteção e à assistência das suas
vítimas;
– Projeto de Lei n.º 1148/XIII/4.ª (PSD) – Trigésima segunda alteração ao Código de Processo Penal,
impedindo a recusa de depoimento por parte da vítima de violência doméstica e proibindo a suspensão provisória
dos processos por crime de violência doméstica;
5 Henriques Gaspar, António, e outros, Código de Processo Penal Comentado. Coimbra: Almedina, 2014.
Página 38
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
38
– Projeto de Lei n.º 1113/XIII/4.ª (PAN) – Determina uma maior proteção para as crianças no âmbito de
crimes de violência doméstica;
– Projeto de Lei n.º 432/XIII/2.ª (PAN) – Altera a Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, relativa ao regime
jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica e proteção e assistência das suas vítimas.
E, ainda, os seguintes projetos de resolução:
– Projeto de Resolução n.º 2040/XIII/4.ª (CDS-PP) – Recomenda ao Governo a criação de gabinetes de apoio
e informação à vítima de violência doméstica;
– Projeto de Resolução n.º 710/XIII/2.ª (BE) – Recomenda a capacitação das forças de segurança para a
proteção às vítimas de violência doméstica;
– Projeto de Resolução n.º 705/XIII/2.ª (PAN) – Recomenda ao Governo que diligencie pelo
redimensionamento de pressupostos na aplicação do regime jurídico aplicável à prevenção da violência
doméstica e proteção e assistência das suas vítimas;
– Projeto de Resolução n.º 658/XIII/2.ª (CDS-PP) – Recomenda ao Governo a reorganização da rede de
gabinetes de atendimento às vítimas de violência doméstica da GNR e da PSP.
Consultada a base de dados da Atividade Parlamentar, na XIII Legislatura foi registada a seguinte petição
sobre matéria conexa:
N.º Data Assunto Situação na AR N.º
Assinaturas
XIII/3.ª
472 2018-02-12 Adoção de medidas eficazes em casos
de violência doméstica. Concluída
2018-07-04 1
III. Apreciação dos requisitos formais
Conformidade com os requisitos constitucionais, regimentais e formais
A iniciativa em apreço é apresentada pelos 19 Deputados do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda (BE),
ao abrigo e nos termos da alínea b) do artigo 156.º e do n.º 1 do artigo 167.º da Constituição e da alínea b) do
n.º 1 do artigo 4.º e do artigo 118.º do Regimento da Assembleia da República (RAR), que consagram o poder
de iniciativa da lei.
Assumindo a forma de projeto de lei, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 119.º do RAR, a
iniciativa encontra-se redigida sob a forma de artigos, tem uma designação que traduz sinteticamente o seu
objeto principal e é precedida de uma breve exposição de motivos, pelo que cumpre os requisitos formais
previstos no n.º 1 do artigo 124.º do RAR. Observa igualmente os limites à admissão da iniciativa estabelecidos
no n.º 1 do artigo 120.º do RAR, uma vez que parece não infringir a Constituição ou os princípios nela
consignados e define concretamente o sentido das modificações a introduzir na ordem legislativa.
O projeto de lei sub judice deu entrada em 25 de outubro de 2019, foi admitido e, por despacho de S. Ex.ª o
Presidente da Assembleia da República, baixou, na generalidade, à Comissão de Assuntos Constitucionais,
Direitos, Liberdades e Garantias (1.ª) em 6 de novembro, data do seu anúncio em reunião plenária.
Verificação do cumprimento da Lei Formulário
A lei formulário6 estabelece um conjunto de normas sobre a publicação, identificação e formulário dos
diplomas que são relevantes em caso de aprovação da presente iniciativa, pelo que deverá ser tida em conta
no decurso do processo da especialidade na Comissão e quando da redação final.
6 A Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, alterada e republicada pela Lei n.º 43/2014, de 11 de julho, que estabelece um conjunto de normas sobre a publicação, a identificação e o formulário dos diplomas.
Página 39
11 DE DEZEMBRO DE 2019
39
Antes de mais, refira-se que o projeto de lei em apreciação, que «Torna obrigatória, nos casos de violência
doméstica, a recolha de declarações para memória futura das vítimas (sexta alteração ao regime jurídico
aplicável à prevenção da violência doméstica e à proteção e à assistência das suas vítimas)», apresenta um
título que traduz sinteticamente o seu objeto, mostrando-se em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo
7.º da lei formulário, pese embora possa ser aperfeiçoado, em caso de aprovação.
Dando cumprimento ao estabelecido no n.º 1 do artigo 6.º da lei formulário, nos termos do qual «Os diplomas
que alterem outros devem indicar o número de ordem da alteração introduzida e, caso tenha havido alterações
anteriores, identificar aqueles diplomas que procederam a essas alterações, ainda que incidam sobre outras
normas», o título desta iniciativa menciona proceder à sexta alteração ao regime jurídico aplicável à prevenção
da violência doméstica e à proteção e à assistência das suas vítimas, elencando no artigo 1.º os diplomas que
lhe introduziram alterações.
Consultando a base de dados Digesto (Diário da República Eletrónico), constata-se que a Lei n.º 112/2009,
de 16 de setembro, que estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à proteção
e à assistência das suas vítimas, foi alterada pelas Leis n.os 19/2013, de 21 de fevereiro, 82-B/2014, de 31 de
dezembro, 129/2015, de 3 de setembro, 42/2016, de 28 de dezembro, e 24/2017, de 24 de maio, constituindo a
presente, em caso de aprovação, e tal como refere o título, a sua sexta alteração.
Por uma questão informativa e de rigor jurídico, desejavelmente o título deve identificar de forma completa o
diploma alterado, pelo que, em caso de aprovação da presente iniciativa, sugere-se o seguinte título:
«Torna obrigatória, nos casos de violência doméstica, a recolha de declarações para memória futura
das vítimas, procedendo à sexta alteração à Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, que estabelece o regime
jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica e à proteção e à assistência das suas vítimas».
Cabe ainda mencionar que, nos termos da alínea a) do n.º 3 do artigo 6.º da lei formulário, deve proceder-se
à republicação integral dos diplomas que revistam a forma de lei, em anexo, sempre que «Existam mais de três
alterações ao ato legislativo em vigor, salvo se se tratar de alterações a códigos». Considerando que a Lei n.º
112/2009, de 16 de setembro, foi republicada aquando da sua terceira alteração, pela Lei n.º 129/2015, de 3 de
setembro, não se impõe a sua republicação.
Em caso de aprovação, a iniciativa em apreço revestirá a forma de lei, sendo objeto de publicação na 1.ª
série do Diário da República, nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 3.º da lei formulário.
No que respeita à entrada em vigor, estabelece o artigo 3.º deste projeto de lei que a mesma aconteça no
dia seguinte ao da sua publicação, mostrando-se assim em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 2.º
da lei mencionada, que determina que «Os atos legislativos e os outros atos de conteúdo genérico entram em
vigor no dia neles fixado, não podendo, em caso algum, o início da vigência verificar-se no próprio dia da
publicação.»
Na presente fase do processo legislativo a iniciativa em apreço não nos parece suscitar outras questões em
face da lei formulário.
Regulamentação ou outras obrigações legais
A iniciativa não contém qualquer norma de regulamentação.
IV. Análise de direito comparado
Enquadramento do tema no plano da União Europeia
Em 2017, a União Europeia assinou a Convenção do Conselho da Europa para a prevenção e o combate à
violência contra as mulheres e a violência doméstica, também denominada Convenção de Istambul, na qual se
reconhece que a violência doméstica designa todos os atos de violência física, sexual, psicológica ou económica
que ocorrem no seio da família ou do lar ou entre os atuais ou ex-cônjuges ou parceiros, quer o infrator partilhe
Página 40
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
40
ou tenha partilhado, ou não, o mesmo domicílio que a vítima. Refere ainda, relativamente às campanhas de
sensibilização que estas devem fomentar a consciencialização e compreensão por parte do grande público das
diferentes manifestações de todas as formas de violência cobertas pelo âmbito de aplicação da presente
Convenção.
No entanto, ainda antes da assinatura da convenção, a União dispunha de um Regulamento relativo ao
reconhecimento mútuo de medidas de proteção em matéria civil, aplicável a «medidas de proteção decretadas
com vista a proteger uma pessoa caso existam motivos sérios para considerar que a sua vida, integridade física
ou psicológica, liberdade pessoal, segurança ou integridade sexual estão ameaçadas, designadamente de modo
a impedir qualquer forma de violência baseada no género ou violência na intimidade como (…) É importante
salientar que o presente regulamento é aplicável a todas as vítimas, quer sejam ou não vítimas de violência
baseada no género».
Pretende-se com o Regulamento em causa que as vítimas às quais é garantida proteção num Estado-
Membro possam usufruir de proteção equivalente noutro Estado-Membro, instituindo um mecanismo simples e
célere para o reconhecimento das medidas de proteção em matéria civil decretadas.
O regulamento complementa assim a Diretiva 2012/29/UE que estabelece as normas mínimas relativas aos
direitos ao apoio e à proteção das vítimas da criminalidade, garantindo que estas beneficiam de informação e
apoio adequados.
Em 2018, o Parlamento Europeu adotou uma resolução sobre esta Diretiva, que referia as diversas lacunas
no que aos direitos das vítimas diz respeito, nomeadamente a prestação de serviços adequados às vítimas,
implementação dos requisitos que garantam a sua avaliação individual, garantia de procedimentos rápidos,
eficientes e específicos para as vítimas em processos penais, e instava os Estados-Membros a promover um
acesso fácil à justiça e um apoio judiciário adequado e grátis, aumentando a confiança das vítimas no sistema
penal e diminuindo a possibilidade de impunidade.
No mesmo âmbito, também a diretiva relativa à decisão europeia de proteção estabelece regras que
«permitem a uma autoridade judicial ou equivalente de um Estado-Membro, no qual foi adotada uma medida de
proteção destinada a proteger uma pessoa contra um ato criminoso de outra pessoa que possa pôr em perigo
a sua vida, integridade física ou psicológica, dignidade, liberdade pessoal ou integridade sexual, emitir uma
decisão europeia de proteção que permita à autoridade competente de outro Estado-Membro dar continuidade
à proteção da pessoa no território deste último, na sequência de uma conduta criminosa ou alegada conduta
criminosa, de acordo com a legislação do Estado-Membro de emissão».
Em 2006, o parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Violência doméstica contra as mulheres,
mencionava que «a violência doméstica, física ou moral, perpetrada por homens contra as mulheres é um dos
mais graves atentados aos direitos humanos, ou seja, ao direito à vida e à integridade física e psíquica. Uma
vez que esta forma de violência assenta numa relação de poder desigual entre os sexos, que continua a ser
característica da nossa sociedade, o problema diz respeito a mulheres de todas as camadas sociais. O
desenvolvimento da sociedade democrática no seu conjunto está bloqueado. É por isso que uma das principais
missões de uma política europeia assente no respeito pelos direitos humanos fundamentais consiste em prevenir
estes atos de violência e encontrar meios eficazes de educação, prevenção, penalização criminal do agressor e
apoio às vítimas.»
Em 2006, o parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Crianças – vítimas indiretas de violência
doméstica, aditando ao parecer já produzido sobre a violência doméstica contra as mulheres, referia que
«embora a vivência num ambiente de violência física e psíquica possa ter efeitos graves sobre as crianças,
continua a não haver uma perceção muito nítida de que as crianças são vítimas indiretas da violência doméstica.
Também sob o ponto de vista do direito das crianças a uma vida sem violência, e principalmente a uma educação
sem violência, à proteção e a cuidados adequados, esta situação é insustentável.»
Página 41
11 DE DEZEMBRO DE 2019
41
Enquadramento internacional
Países europeus
A legislação comparada é apresentada para os seguintes Estados-Membros da União Europeia: Espanha e
França.
ESPANHA
Diferentemente do que acontece na legislação portuguesa, em Espanha não existe um único tipo de crime
de violência doméstica, abrangendo este termo vários tipos crimes que têm pena mais grave quando praticados
em contexto doméstico (cônjuge ou ex-cônjuge ou pessoa que tem com o autor uma relação análoga de
afetividade, mesmo sem coabitação; descendentes, ascendentes ou irmãos, próprios ou do cônjuge ou
coabitante; menores ou incapazes que coabitem com o agente ou estejam sujeitos à tutela, curatutela,
acolhimento ou guarda do cônjuge ou coabitante; pessoa abrangida por qualquer outro relacionamento através
do qual a mesma esteja integrada no núcleo familiar do agente, bem como pessoas que, devido à sua
vulnerabilidade especial, estejam sujeitas a custódia ou guarda em centros públicos ou privados), como os
crimes de ferimentos leves ou maus tratos (artigo 153.1 do Código Penal 7 ), ofensas (previsto no artigo 147, nos
termos do artigo 148.4); de ameaças menores (artigo 171.4), de coação (artigo 172.2) ou de tortura e outros
crimes contra a integridade psíquica (artigo 173.2).
Não se localizou qualquer lei que sistematize a temática da violência doméstica, mas a Ley Orgánica 1/2004,
de 28 de diciembre, de Medidas de Protección Integral contra la Violencia de Género fá-lo relativamente à
violência de género (definida como «qualquer violência que, como manifestação de discriminação, desigualdade
e relações de poder entre homens e mulheres, seja praticada contra mulheres por quem é ou foi seu cônjuge
ou por quem é ou foi vinculado a elas por relações semelhantes de afetividade, mesmo sem coabitação. Esta
violência inclui todos os atos de violência física e psicológica, incluindo ataques à liberdade sexual, ameaças,
coação ou privação de liberdade»).
Entre outros aspetos, esta lei prevê medidas de prevenção e combate à violência de género, procedeu à
criação de tribunais especializados na matéria (Juzgados de Violencia sobre la Mujer) e prevê os direitos das
mulheres vítimas de violência, como o direito ao acesso à informação e à assistência social integrada, por meio
de serviços permanentes, urgentes, especializados e multidisciplinares, o direito à assistência jurídica gratuita,
bem como medidas de proteção na esfera laboral e de apoio económico (para além de ter procedido à alteração
das normas do Código Penal acima mencionadas para passarem a punir de forma mais grave os referidos
crimes quando cometidos em contexto familiar).
Não existe na referida Ley Orgánica 1/2004, de 28 de diciembre, de Medidas de Protección Integral contra la
Violencia de Género qualquer referência à tomada de declarações para utilização posterior, mas o Estatuto da
Vítima, aprovado pela Ley 4/2015, de 27 de abril, prevê, no seu artigo 26, a possibilidade de gravação por meios
audiovisuais das declarações feitas na fase de investigação por menor ou incapaz para uso posterior em
julgamento, nos casos e condições da lei processual penal. Esta (Ley de Enjuiciamiento Criminal, aprovada pelo
Real Decreto de 14 de septiembre de 18828), prevê que, em caso impossibilidade de a testemunha comparecer
ao julgamento por ausência do território nacional, bem como quando haja razões fundadas para temer a sua
morte ou incapacidade física ou intelectual antes do julgamento, o juiz de instrução recebe o testemunho, o qual
que poderá ser utilizado na fase de julgamento, desde que respeitado o princípio do contraditório (artigo 448).
7 Ley Orgánica 10/1995, de 23 de noviembre, del Código Penal – versão consolidada disponibilizada no portal do Boletín Oficial del Estado (BOE). 8 Versão consolidada disponibilizada no portal do BOE.
Página 42
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
42
FRANÇA
Tal como em Espanha, não existe um tipo específico de crime de violência doméstica, mas a prática de atos
de violência física ou psicológica no seio do casal (cônjuges ou análogos, atuais ou passados, com ou sem
coabitação9, e seja qual for o sexo da vítima e do agressor) – designados violences au sein du couple – ou
outros membros do agregado familiar constitui circunstância agravante em diversos tipos de crimes. É o caso
das ofensas físicas (que causem morte, incapacidades ou outras lesões – veja-se o artigo 222-7 e seguintes do
Código Penal) ou do crime de assédio moral ( artigos 222-33-2 a 222-33-2-2).
Embora não se tenham localizado normas idênticas às constantes da legislação portuguesa cuja alteração
se propõe, refira-se que o Código de Processo Penal francês prevê a gravação audiovisual (ou só áudio, se o
interesse do menor o justificar) de depoimento de menor vítima de crimes sexuais (elencados no artigo L706-
47) durante a fase de investigação e sua utilização no decurso do processo (artigo 706-52), visando evitar
repetidas audições do menor.
V. Consultas e contributos
Consultas obrigatórias e facultativas
Em 15 de novembro de 2019, a Comissão solicitou parecer escrito aos Conselhos Superiores da Magistratura
e do Ministério Público e à Ordem dos Advogados.
Todos os pareceres e contributos remetidos à Assembleia da República serão publicados na página da
iniciativa na Internet.
VI. Avaliação prévia de impacto
Avaliação sobre impacto de género
O preenchimento, pelo proponente, da ficha de avaliação prévia de impacto de género da presente iniciativa,
em cumprimento do disposto na Lei n.º 4/2018, de 9 de fevereiro, devolve como resultado uma valoração positiva
do impacto de género, explicitando que «a violência doméstica é um crime que atinge, em larga maioria, as
mulheres, pelo que reforçar o combate a este crime é reforçar, sobretudo, a proteção das mulheres».
Linguagem não discriminatória
Na elaboração dos atos normativos a especificação de género deve ser minimizada recorrendo-se, sempre
que possível, a uma linguagem neutra ou inclusiva, mas sem colocar em causa a clareza do discurso. A presente
iniciativa não nos suscita questões relacionadas com a utilização de linguagem discriminatória.
VII. Enquadramento Bibliográfico
CARMO, Rui do –As crianças como testemunhas: aplicar e clarificar a lei: (as declarações únicas da criança;
o estatuto de vítima; recusa a depor). Revista do Centro de Estudos Judiciários. Lisboa. ISSN 1645-829X.
N.º 2, 2.º sem. (2016), p. 97-107. Cota: RP-244.
Resumo: Este artigo aborda três temas respeitantes à audição da criança: a sua tendencial concentração,
quando decorram processos nas áreas penal e de família e crianças, nas declarações para memória futura; a
9 Com as alterações operadas pela loi 2018-703, du 3 août 2018, renforçant la lutte contre les violences sexuelles et sexistes, a violência conjugal passou a abranger a violência no seio de casais que não coabitem.
Página 43
11 DE DEZEMBRO DE 2019
43
implementação e agilização de procedimentos para a sua concretização e a necessária clarificação sobre a não
inclusão da faculdade de recusa a depor da criança nos poderes do seu representante legal.
MORAIS, Teresa – Violência doméstica: (o reconhecimento jurídico da vítima). Coimbra: Almedina,
2019. 152 p. ISBN 978-972-40-7927-1. Cota: 12.06.8 – 212/2019.
Resumo: «A violência doméstica traduz uma assimetria de poder dentro de um espaço de intimidade ou inter-
relacional, que fundamenta o direito de confiança da vítima e que torna este crime especial em relação aos
demais. E é neste bem jurídico protegido que se alicerça o problema do concurso homogéneo e heterogéneo
de crimes, da denúncia e do dever de denúncia, dos first responders em relação ao suicídio e do tratamento
jurídico deste e da violência perante menores e perante os idosos (idade maior). Mas é também na relação com
o sistema judiciário, nomeadamente, nas buscas, flagrante delito, nas declarações para memória futura e na
compreensão dos silêncios, que devem ser encontrados caminhos para um efetivo reconhecimento jurídico da
vítima.». A obra apresenta novas formas de combate ao crime de violência doméstica, que colocam sempre,
segundo a autora, «o foco na vítima». «Tem de se fazer um novo caminho, no sentido de haver um
acompanhamento integrado da vítima». Entre as propostas apresentadas pela autora está, por exemplo, a
possibilidade de serem feitos interrogatórios às vítimas de violência doméstica para memória futura.
NEVES, J. F. Moreira das – Violência doméstica (Em linha): sobre a lei de prevenção, proteção e
assistência às vítimas. (Lisboa): Verbo Jurídico, 2010. (Consult. 19 de nov. 2019). Disponível na Intranet da
AR em: http://catalogobib.parlamento.pt:81/images/winlibimg.aspx?skey=&doc=126794&img=12565&save=true
Resumo: O objeto de análise deste artigo centra-se na Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, que estabelece
o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à proteção e à assistência das suas vítimas,
assinalando as novidades mais significativas no âmbito judiciário: o novo regime de detenção; o de aplicação de
medidas de coação urgentes e o das declarações para memória futura. Na sua análise crítica, o autor refere
especificamente a mediação penal; a articulação de jurisdições e a ordem de afastamento do agressor.
Nota Técnica
Projeto de Lei n.º 93/XIV/1.ª (PAN)
Torna obrigatória a tomada de declarações para memória futura a pedido da vítima ou do Ministério
Público.
Data de admissão: 19 de novembro de 2019
Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (1.ª)
Índice
I. Análise da iniciativa
II. Enquadramento parlamentar
III. Apreciação dos requisitos formais
IV. Análise de direito comparado
V. Consultas e contributos
VI. Avaliação prévia de impacto
VII. Enquadramento bibliográfico
Elaborada por: Sónia Milhano (DAPLEN), Maria João Godinho (DILP), Rosalina Espinheira (BIB), Inês Cadete e Nélia Monte Cid (DAC). Data: 2 de dezembro de 2019.
Página 44
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
44
I. Análise da iniciativa
A iniciativa
A iniciativa legislativa sub judice visa alterar o artigo 33.º (Declarações para memória futura) do regime
jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica e à proteção e assistência das suas vítimas, aprovado
pela Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro1, tornando obrigatória, nos casos de violência doméstica, a recolha de
declarações das vítimas, a seu pedido ou por promoção do Ministério Público, para memória futura.
Os proponentes, os quatro Deputados do Grupo Parlamentar do PAN, recordam que o crime de violência
doméstica é «um dos fenómenos criminológicos com maior grau de incidência na sociedade portuguesa», tal
como evidenciado no Relatório Anual de Segurança Interna de 2018 e de acordo com os números veiculados
pelo Observatório de Mulheres Assassinadas.
Assinalam que a gravidade deste crime, com «profundas repercussões nos planos pessoal, familiar,
profissional e social das vítimas em causa», «encerra um problema de recolha e produção de prova», pelo que
consideram fundamental a maior celeridade possível na recolha das declarações das vítimas.
Lembram que, de acordo com os normativos em vigor, a inquirição das vítimas deste crime no decurso do
inquérito não é obrigatória, ao contrário do que sucede por força do n.º 2 do artigo 271.º do Código de Processo
Penal, que determina que «No caso de processo por crime contra a liberdade e autodeterminação sexual de
menor, procede-se sempre à inquirição do ofendido no decurso do inquérito, desde que a vítima não seja ainda
maior.».
Invocam como impulso legiferante direto o seu programa eleitoral, designadamente a medida n.º 495, que
veio acolher o sentido do Parecer do Gabinete da Sr.ª Procuradora-Geral da República em articulação com o
Conselho Superior do Ministério Público, emitido a pedido da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos,
Liberdades e Garantias da XIII Legislatura, a propósito do Projeto de Lei n.º 1183/XIII (BE) – Protege as crianças
que testemunhem crimes de violência doméstica e torna obrigatória a recolha de declarações para memória
futura no decorrer do inquérito (sexta alteração ao regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica
e à proteção e à assistência das suas vítimas)2, favorável a uma providência legislativa que alargue a estatuição
do referido n.º 2 do artigo 271.º do Código de Processo Penal.
A iniciativa legislativa compõe-se de três artigos preambulares: o primeiro definidor do respetivo objeto; o
segundo prevendo a alteração do artigo 33.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, no sentido de, a
requerimento da vítima ou do Ministério Público, se proceder sempre, no decurso do inquérito, à inquirição
daquela, depoimento esse a ser tomado em conta no julgamento; e o terceiro determinando que o início de
vigência das normas a aprovar ocorrerá no primeiro dia do mês seguinte ao da sua publicação.
Enquadramento jurídico nacional
A Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro3, que estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção da violência
doméstica, à proteção e à assistência das suas vítimas, teve origem na Proposta de Lei n.º 248/X e nos Projetos
de Lei n.os 588/X (BE) e 590/X (PS) e visou promover a criação de respostas integradas, não apenas do ponto
de vista judicial, mas também no âmbito laboral e no acesso aos cuidados de saúde, bem como dar resposta às
necessidades de prevenção e de sensibilização sobre a violência doméstica, e configura o estatuto de vítima no
âmbito deste crime, prevendo um conjunto de direitos e deveres da mesma. Desde a sua aprovação, esta lei foi
1 Texto consolidado disponível no portal do Diário da República Eletrónico. 2 Cfr. redação proposta no Projeto Lei n.º 1183/XIII/1.ª para o n.º 1 do artigo 33.º: «O juiz, no prazo de 72 horas, procede à inquirição das vítimas, aqui se incluindo as crianças que vivam nesse contexto ou o testemunhem, no decurso do inquérito, a fim de que o depoimento possa, se necessário, ser tomado em conta no julgamento.»; redação proposta no presente projeto para a mesma norma: «O juiz, a requerimento da vítima ou do Ministério Público, procede sempre, no prazo de 72h, à inquirição daquela no decurso do inquérito, a fim de que o depoimento possa, se necessário, ser tomado em conta no julgamento». 3 Texto consolidado disponível no portal do Diário da República Eletrónico.
Página 45
11 DE DEZEMBRO DE 2019
45
alterada cinco vezes, pelas Leis n.os 19/2013, de 22 de fevereiro4, 82-B/2014, de 31 de dezembro, 129/2015, de
3 de setembro, 48/2016, de 28 de dezembro e 24/2017, de 24 de maio.
Na iniciativa objeto da presente nota técnica propõe-se a alteração do artigo 33.º, que dispõe sobre as
declarações para memória futura da vítima de violência doméstica, o qual sofreu até à data apenas uma
alteração, pela Lei n.º 129/2015, de 3 de setembro. Neste artigo prevê-se a possibilidade de o juiz proceder, a
requerimento da vítima ou do Ministério Público, à inquirição da vítima no decurso do inquérito para, se
necessário, esse depoimento ser tomado em conta no julgamento, e regula-se a forma como a tomada de
declarações decorre. O mesmo regime segue a tomada de declarações do assistente e das partes civis, de
peritos e de consultores técnicos e acareações e é correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 352.º
(afastamento do arguido durante a prestação de declarações), 356.º (reprodução ou leitura permitidas de autos
e declarações), 363.º (documentação de declarações orais) e 364.º (forma da documentação) do Código de
Processo Penal. Sempre que for possível e tal não ponha em causa a saúde física ou psíquica de pessoa que
deva prestar o depoimento, esta tomada de declarações não prejudica a prestação de depoimento no
julgamento.
As declarações para memória futura no processo penal em geral encontram-se reguladas no artigo 271.º do
Código de Processo Penal, correspondendo à possibilidade de proceder a inquirições no decurso do inquérito a
fim de que o depoimento possa, se necessário, ser tomado em conta no julgamento. Esta possibilidade existe
quando doença grave ou deslocação para o estrangeiro previsivelmente impeça a testemunha (assistente, parte
civil, perito ou consultor técnico) de ser inquirida em julgamento ou se se tratar de vítima de crime de tráfico de
órgãos humanos, tráfico de pessoas ou contra a liberdade e autodeterminação sexual. No caso de vítima de
crime contra a liberdade e autodeterminação sexual de menor são obrigatórias.
«A recolha de declarações para memória futura constitui uma exceção ao princípio da imediação, pois as
provas recolhidas sob a égide do juiz de instrução podem ser tomadas em conta no julgamento. (…) Inicialmente
pensado pelo legislador como meio preventivo de recolha de prova suscetível de perder-se ou inviabilizar-se
antes do julgamento, o âmbito de recolha das declarações para memória futura foi posteriormente ampliado, já
não para prevenir o perigo de perda da prova, mas para proteção das vítimas, especialmente das menores.»5
Recorde-se ainda que, nos termos do artigo 152.º do Código Penal, comete o crime de violência doméstica
quem infligir, de modo reiterado ou não, maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações
da liberdade e ofensas sexuais, ao cônjuge, ex-cônjuge ou pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o
agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que
sem coabitação; a progenitor de descendente comum em 1.º grau; ou a pessoa particularmente indefesa,
nomeadamente em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica. Este crime é
punido com pena de prisão de 1 a 5 anos, «se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição
legal», pena que sobe para 2 a 5 anos, entre outras circunstâncias, se o agente praticar o facto contra menor
ou na presença de menor (podendo ainda chegar aos 2 a 8 anos ou 3 a 10 anos, se resultar em ofensa à
integridade física grave ou morte, respetivamente). O crime de violência doméstica implica ainda a possibilidade
de serem aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de proibição de
uso e porte de armas, pelo período de 6 meses a 5 anos, e de obrigação de frequência de programas específicos
de prevenção da violência doméstica (n.º 4) e ainda a inibição do exercício das responsabilidades parentais, da
tutela ou da curatela, por um período de 1 a 10 anos (n.º 6).
De acordo com o mais recente Relatório Anual de Segurança Interna, em 2018, registaram-se em Portugal
26 4836 participações de violência doméstica, o que representa um ligeiro decréscimo face a 2017 (26 713). Dos
32 042 inquéritos findos em 2018, 20 990 terminaram em arquivamento, houve suspensão provisória do
processo em 2302 casos e apenas 4613 terminaram em acusação7.
Segundo o Relatório Anual de Monitorização da Violência Doméstica, «Em 2018, 64,1% do total de inquéritos
foram arquivados por falta de prova (artigo 277.º, n.º 2 do Código do Processo Penal – CPP), 10% foi arquivado
4 Retificada pela Declaração de retificação n.º 15/2013, de 19 de março. 5 Henriques Gaspar, António, e outros, Código de Processo Penal Comentado, 2014, Almedina, Coimbra. 6 22 423 entre cônjuges ou análogos; 487 contra menores; outros: 3573. 7 Acrescem ainda 4137 que terminaram por «outros motivos».
Página 46
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
46
uma vez que foi recolhida prova bastante de se não ter verificado crime, de o arguido não o ter praticado a
qualquer título ou de ser legalmente inadmissível o procedimento (artigo 277.º, n.º 1 do CPP) e 5,3% de todos
os inquéritos considerados foram arquivados na sequência do arguido ter cumprido as injunções e regras de
conduta determinadas, chegando ao fim o prazo da suspensão provisória do processo (artigo 282.º, n.º 3 do
CPP)».
O Observatório de Mulheres Assassinadas, da União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR), estima
que, em 2018, 28 mulheres perderam a vida em situações de violência doméstica, mais 8 do que acontecera
em 2017. No relatório preliminar do ano em curso, dá conta de que os dados preliminares relativos a 2019,
«entre 1 de janeiro e 12 de novembro, evidenciam a continuidade no crime de femicídio, com uma média de 5
mulheres por mês, sendo que 3 são vítimas mortais.», totalizando 28 vítimas mortais em contexto de
intimidade/familiar, 2 vítimas noutros contextos e 27 tentativas de femicídio em contexto de intimidade/familiar.
II. Enquadramento parlamentar
Iniciativas pendentes (iniciativas legislativas e petições)
Efetuada consulta à base de dados da Atividade Parlamentar (AP), verificou-se que se encontram em
apreciação, na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (1.ª), as seguintes
iniciativas sobre matéria conexa com a presente:
– Projeto de Lei n.º 1/XIV/1.ª (BE) – Reconhece as crianças que testemunhem ou vivam em contexto de
violência doméstica enquanto vítimas desse crime (sextaalteração aoregime jurídico aplicável à prevenção da
violência doméstica, à proteção e à assistência das suas vítimas e quadragésima sétima alteração ao Código
Penal);
– Projeto de Lei n.º 2/XIV (BE) – Torna obrigatória, nos casos de violência doméstica, a recolha de
declarações para memória futura das vítimas (sexta alteração ao regime jurídico aplicável à prevenção da
violência doméstica e à proteção e à assistência das suas vítimas);
– Projeto de Lei n.º 92/XIV (PAN) – Reconhecimento do estatuto de vítima às crianças que testemunhem ou
vivam em contexto de violência doméstica.
Consultada a mencionada base de dados (AP) não se identificou qualquer petição pendente sobre matéria
idêntica.
Antecedentes parlamentares (iniciativas legislativas e petições)
Na XIII Legislatura foram apresentadas as seguintes iniciativas legislativas sobre matéria idêntica ou conexa
com a presente:
– Projeto de Lei n.º 1183/XIII/4.ª (BE) – Protege as crianças que testemunhem crimes de violência doméstica
e torna obrigatória a recolha de declarações para memória futura no decorrer do inquérito (sexta alteração ao
regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica e à proteção e à assistência das suas vítimas);
– Projeto de Lei n.º 1151/XIII/4.ª (PSD) – Sexta Alteração à Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, que
estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à proteção e à assistência das suas
vítimas;
– Projeto de Lei n.º 1148/XIII/4.ª (PSD) – Trigésima segunda alteração ao Código de Processo Penal,
impedindo a recusa de depoimento por parte da vítima de violência doméstica e proibindo a suspensão provisória
dos processos por crime de violência doméstica;
– Projeto de Lei n.º 1113/XIII/4.ª (PAN) – Determina uma maior proteção para as crianças no âmbito de
crimes de violência doméstica;
– Projeto de Lei n.º 432/XIII/2.ª (PAN) – Altera a Lei n.º 112/2009 de 16 de setembro relativa ao regime
jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica e proteção e assistência das suas vítimas.
Página 47
11 DE DEZEMBRO DE 2019
47
E, ainda, os seguintes projetos de resolução:
– Projeto de Resolução n.º 2040/XIII/4.ª (CDS-PP) – Recomenda ao Governo a criação de gabinetes de apoio
e informação à vítima de violência doméstica;
– Projeto de Resolução n.º 710/XIII/2.ª (BE) – Recomenda a capacitação das forças de segurança para a
proteção às vítimas de violência doméstica;
– Projeto de Resolução n.º 705/XIII/2.ª (PAN) – Recomenda ao Governo que diligencie pelo
redimensionamento de pressupostos na aplicação do regime jurídico aplicável à prevenção da violência
doméstica e proteção e assistência das suas vítimas;
– Projeto de Resolução n.º 658/XIII/2.ª (CDS-PP) – Recomenda ao Governo a reorganização da rede de
gabinetes de atendimento às vítimas de violência doméstica da GNR e da PSP.
Consultada a base de dados da Atividade Parlamentar, na XIII Legislatura foi registada a seguinte petição
sobre matéria conexa:
– Petição n.º 472/XIV – Adoção de medidas eficazes em casos de violência doméstica.
III. Apreciação dos requisitos formais
Conformidade com os requisitos constitucionais, regimentais e formais
A presente iniciativa é apresentada pelo Grupo Parlamentar do Partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN),
ao abrigo e nos termos da alínea b) do artigo 156.º e do n.º 1 do artigo 167.º da Constituição e da alínea b) do
n.º 1 do artigo 4.º e do artigo 118.º do Regimento da Assembleia da República (RAR), que consagram o poder
de iniciativa da lei.
Assumindo a forma de projeto de lei, é subscrita por quatro Deputados, observando o disposto no n.º 1 do
artigo 119.º e no n.º 1 do artigo 123.º do RAR.
A iniciativa encontra-se redigida sob a forma de artigos, é precedida de uma breve exposição de motivos e
tem uma designação que traduz sinteticamente o seu objeto principal, embora o seu título possa ser
aperfeiçoado, desta forma dando cumprimento aos requisitos formais estabelecidos no n.º 1 do artigo 124.º do
RAR.
O projeto de lei respeita os limites à admissão das iniciativas previstos no n.º 1 do artigo 120.º do RAR, uma
vez que parece não infringir a Constituição ou os princípios nela consignados e define concretamente o sentido
das modificações a introduzir na ordem legislativa.
O projeto de lei em apreciação deu entrada a 19 de novembro de 2019, foi admitido e anunciado no dia 22
de novembro, data em que, por despacho de S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República, baixou, na
generalidade, à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (1.ª). A respetiva
discussão na generalidade encontra-se agendada para a reunião plenária de dia 12 de dezembro, em conjunto
com outras iniciativas sobre matéria idêntica.
Verificação do cumprimento da lei formulário
O projeto de lei em apreciação, que «Torna obrigatória a tomada de declarações para memória futura a
pedido da vítima ou do Ministério Público», apresenta um título que traduz sinteticamente o seu objeto, em
conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 7.º da lei formulário8, embora, em caso de aprovação, possa ser
objeto de aperfeiçoamento.
Efetivamente, há que atender ao disposto no n.º 1 do artigo 6.º da lei formulário, que estabelece o dever de
indicar, nos diplomas legais que alterem outros, o número de ordem da alteração introduzida e a identificação
dos diplomas que procederam a alterações anteriores.
A presente iniciativa visa alterar a Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, que estabelece o regime jurídico
aplicável à prevenção da violência doméstica, à proteção e à assistência das suas vítimas. Consultando a base
8 A Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, alterada e republicada pela Lei n.º 43/2014, de 11 de julho, que estabelece um conjunto de normas sobre a publicação, a identificação e o formulário dos diplomas.
Página 48
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
48
de dados Digesto (Diário da República Eletrónico), constata-se que mesma foi alterada pelas Leis n.os 19/2013,
de 21 de fevereiro, 82-B/2014, de 31 de dezembro, 129/2015, de 3 de setembro, 42/2016, de 28 de dezembro,
e 24/2017, de 24 de maio, constituindo a presente, em caso de aprovação, a sua sexta alteração.
Acresce que devemos ter em consideração também as regras de legística formal, segundo as quais «o título
de um ato de alteração deve referir o título do ato alterado, bem como o número de ordem de alteração (…)»9,
no sentido de uma clara identificação da matéria objeto do ato normativo.
Em face do exposto, em caso de aprovação da presente iniciativa, sugere-se o seguinte título:
«Torna obrigatória a tomada de declarações para memória futura a pedido da vítima ou do Ministério
Público, procedendo à sexta alteração à Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, que estabelece o regime
jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à proteção e à assistência das suas vítimas».
Cabe ainda mencionar que, nos termos da alínea a) do n.º 3 do artigo 6.º da lei formulário, deve proceder-se
à republicação integral dos diplomas que revistam a forma de lei, em anexo, sempre que «Existam mais de três
alterações ao ato legislativo em vigor, salvo se se tratar de alterações a códigos». Considerando que a Lei n.º
112/2009, de 16 de setembro, foi republicada aquando da sua terceira alteração, pela Lei n.º 129/2015, de 3 de
setembro, não se impõe a sua republicação.
Em caso de aprovação, a iniciativa em apreço revestirá a forma de lei, sendo objeto de publicação na 1.ª
série do Diário da República, nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 3.º da lei formulário.
No que respeita à entrada em vigor, estabelece o artigo 3.º deste projeto de lei que a mesma aconteça no
primeiro dia do mês seguinte ao da sua publicação, mostrando-se assim em conformidade com o disposto no
n.º 1 do artigo 2.º da lei mencionada, que determina que «Os atos legislativos e os outros atos de conteúdo
genérico entram em vigor no dia neles fixado, não podendo, em caso algum, o início da vigência verificar-se no
próprio dia da publicação.».
Na presente fase do processo legislativo a iniciativa em apreço não nos parece suscitar outras questões em
face da lei formulário.
Regulamentação ou outras obrigações legais
A iniciativa não contém qualquer norma de regulamentação.
IV. Análise de direito comparado
Em 2017, a União Europeia assinou a Convenção do Conselho da Europa para a prevenção e o combate à
violência contra as mulheres e a violência doméstica, também denominada Convenção de Istambul, na qual se
reconhece que a violência doméstica designa todos os atos de violência física, sexual, psicológica ou económica
que ocorrem no seio da família ou do lar ou entre os atuais ou ex-cônjuges ou parceiros, quer o infrator partilhe
ou tenha partilhado, ou não, o mesmo domicílio que a vítima. Refere ainda, relativamente às campanhas de
sensibilização que estas devem fomentar a consciencialização e compreensão por parte do grande público das
diferentes manifestações de todas as formas de violência cobertas pelo âmbito de aplicação da presente
Convenção.
No entanto, ainda antes da assinatura da Convenção, a União dispunha de um regulamento relativo ao
reconhecimento mútuo de medidas de proteção em matéria civil, aplicável a medidas de proteção decretadas
com vista a proteger uma pessoa caso existam motivos sérios para considerar que a sua vida, integridade física
ou psicológica, liberdade pessoal, segurança ou integridade sexual estão ameaçadas, designadamente de modo
a impedir qualquer forma de violência baseada no género ou violência na intimidade como (…) É importante
salientar que o presente regulamento é aplicável a todas as vítimas, quer sejam ou não vítimas de violência
baseada no género.
9 Duarte, David et al (2002), Legística. Coimbra, Almedina, pág. 201.
Página 49
11 DE DEZEMBRO DE 2019
49
Pretende-se com o regulamento em causa que as vítimas às quais é garantida proteção num Estado-Membro
possam usufruir de proteção equivalente noutro Estado-Membro, instituindo um mecanismo simples e célere
para o reconhecimento das medidas de proteção em matéria civil decretadas.
O regulamento complementa assim a Diretiva 2012/29/UE que estabelece as normas mínimas relativas aos
direitos ao apoio e à proteção das vítimas da criminalidade, garantindo que estas beneficiam de informação e
apoio adequados.
Em 2018, o Parlamento Europeu adotou uma resolução sobre esta diretiva, que referia as diversas lacunas
no que aos direitos das vítimas diz respeito, nomeadamente a prestação de serviços adequados às vítimas,
implementação dos requisitos que garantam a sua avaliação individual, garantia de procedimentos rápidos,
eficientes e específicos para as vítimas em processos penais, e instava os Estados-Membros a promover um
acesso fácil à justiça e um apoio judiciário adequado e grátis, aumentando a confiança das vítimas no sistema
penal e diminuindo a possibilidade de impunidade.
No mesmo âmbito, também a diretiva relativa à decisão europeia de proteção estabelece regras que
permitem a uma autoridade judicial ou equivalente de um Estado-Membro, no qual foi adotada uma medida de
proteção destinada a proteger uma pessoa contra um ato criminoso de outra pessoa que possa pôr em perigo
a sua vida, integridade física ou psicológica, dignidade, liberdade pessoal ou integridade sexual, emitir uma
decisão europeia de proteção que permita à autoridade competente de outro Estado-Membro dar continuidade
à proteção da pessoa no território deste último, na sequência de uma conduta criminosa ou alegada conduta
criminosa, de acordo com a legislação do Estado-Membro de emissão.
Em 2006, o parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Violência doméstica contra as mulheres,
mencionava que «a violência doméstica, física ou moral, perpetrada por homens contra as mulheres é um dos
mais graves atentados aos direitos humanos, ou seja, ao direito à vida e à integridade física e psíquica. Uma
vez que esta forma de violência assenta numa relação de poder desigual entre os sexos, que continua a ser
característica da nossa sociedade, o problema diz respeito a mulheres de todas as camadas sociais. O
desenvolvimento da sociedade democrática no seu conjunto está bloqueado. É por isso que uma das principais
missões de uma política europeia assente no respeito pelos direitos humanos fundamentais consiste em prevenir
estes atos de violência e encontrar meios eficazes de educação, prevenção, penalização criminal do agressor e
apoio às vítimas.».
Em 2006, o parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre Crianças – vítimas indiretas de violência
doméstica, aditando ao parecer já produzido sobre a violência doméstica contra as mulheres, referia que
«embora a vivência num ambiente de violência física e psíquica possa ter efeitos graves sobre as crianças,
continua a não haver uma perceção muito nítida de que as crianças são vítimas indiretas da violência doméstica.
Também sob o ponto de vista do direito das crianças a uma vida sem violência, e principalmente a uma educação
sem violência, à proteção e a cuidados adequados, esta situação é insustentável.»
Enquadramento internacional
Países europeus
A legislação comparada é apresentada para os seguintes Estados da União Europeia: Espanha e França.
ESPANHA
Diferentemente do que acontece na legislação portuguesa, em Espanha não existe um único tipo de crime
de violência doméstica, abrangendo este termo vários tipos crimes que têm pena mais grave quando praticados
em contexto doméstico (cônjuge ou ex-cônjuge ou pessoa que tem com o autor uma relação análoga de
afetividade, mesmo sem coabitação; descendentes, ascendentes ou irmãos, próprios ou do cônjuge ou
coabitante; menores ou incapazes que coabitem com o agente ou estejam sujeitos à tutela, curatutela,
acolhimento ou guarda do cônjuge ou coabitante; pessoa abrangida por qualquer outro relacionamento através
do qual a mesma esteja integrada no núcleo familiar do agente, bem como pessoas que, devido à sua
vulnerabilidade especial, estejam sujeitas a custódia ou guarda em centros públicos ou privados), como os
Página 50
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
50
crimes de ferimentos leves ou maus tratos (artigo 153.1 do Código Penal 10 ), ofensas (previsto no artigo 147,
nos termos do artigo 148.4); de ameaças menores (artigo 171.4), de coação (artigo 172.2) ou de tortura e outros
crimes contra a integridade psíquica (artigo 173.2).
Não se localizou qualquer lei que sistematize a temática da violência doméstica, mas a Ley Orgánica 1/2004,
de 28 de diciembre, de Medidas de Protección Integral contra la Violencia de Género fá-lo relativamente à
violência de género (definida como «qualquer violência que, como manifestação de discriminação, desigualdade
e relações de poder entre homens e mulheres, seja praticada contra mulheres por quem é ou foi seu cônjuge
ou por quem é ou foi vinculado a elas por relações semelhantes de afetividade, mesmo sem coabitação. Esta
violência inclui todos os atos de violência física e psicológica, incluindo ataques à liberdade sexual, ameaças,
coação ou privação de liberdade»).
Entre outros aspetos, esta lei prevê medidas de prevenção e combate à violência de género, procedeu à
criação de tribunais especializados na matéria (Juzgados de Violencia sobre la Mujer) e prevê os direitos das
mulheres vítimas de violência, como o direito ao acesso à informação e à assistência social integrada, por meio
de serviços permanentes, urgentes, especializados e multidisciplinares, o direito à assistência jurídica gratuita,
bem como medidas de proteção na esfera laboral e de apoio económico (para além de ter procedido à alteração
das normas do Código Penal acima mencionadas para passarem a punir de forma mais grave os referidos
crimes quando cometidos em contexto familiar).
Não existe na referida Ley Orgánica 1/2004, de 28 de diciembre, de Medidas de Protección Integral contra la
Violencia de Género qualquer referência à tomada de declarações para utilização posterior, mas o Estatuto da
Vítima, aprovado pela Ley 4/2015, de 27 de abril, prevê, no seu artigo 26, a possibilidade de gravação por meios
audiovisuais das declarações feitas na fase de investigação por menor ou incapaz para uso posterior em
julgamento, nos casos e condições da lei processual penal. Esta (Ley de Enjuiciamiento Criminal, aprovada pelo
Real Decreto de 14 de septiembre de 188211), prevê que, em caso impossibilidade de a testemunha comparecer
ao julgamento por ausência do território nacional, bem como quando haja razões fundadas para temer a sua
morte ou incapacidade física ou intelectual antes do julgamento, o juiz de instrução recebe o testemunho, o qual
que poderá ser utilizado na fase de julgamento, desde que respeitado o princípio do contraditório (artigo 448).
Segundo informação disponível no portal estatístico do Ministério de la Presidencia, relaciones com las cortes
y Igualdad instituto de estatística, em 2018 morreram 50 mulheres vítimas de violência doméstica (número já
superado em 2019 – contabilizadas até ao momento 52 mulheres vítimas mortais)
FRANÇA
Tal como em Espanha, não existe um tipo específico de crime de violência doméstica, mas a prática de atos
de violência física ou psicológica no seio do casal (cônjuges ou análogos, atuais ou passados, com ou sem
coabitação12, e seja qual for o sexo da vítima e do agressor) – designados violences au sein du couple – ou
outros membros do agregado familiar constitui circunstância agravante em diversos tipos de crimes. É o caso
das ofensas físicas (que causem morte, incapacidades ou outras lesões – veja-se o artigo 222-7 e seguintes do
Código Penal) ou do crime de assédio moral ( artigos 222-33-2 a 222-33-2-2).
Embora não se tenham localizado normas idênticas às constantes da legislação portuguesa cuja alteração
se propõe, refira-se que o Código de Processo Penal francês prevê a gravação audiovisual (ou só áudio, se o
interesse do menor o justificar) de depoimento de menor vítima de crimes sexuais (elencados no artigo L706-
47) durante a fase de investigação e sua utilização no decurso do processo (artigo 706-52), visando evitar
repetidas audições do menor.
Segundo o estudo nacional sobre mortes violentas no seio do casal (do ministério da administração interna),
em 2018 houve em França 149 homicídios (vítimas mulheres em 121 dos casos e homens em 28).
10 Ley Orgánica 10/1995, de 23 de noviembre, del Código Penal – versão consolidada disponibilizada no portal do Boletín Oficial del Estado (BOE). 11 Versão consolidada disponibilizada no portal do BOE.12 Com as alterações operadas pela loi 2018-703, du 3 août 2018, renforçant la lutte contre les violences sexuelles et sexistes, a violência conjugal passou a abranger a violência no seio de casais que não coabitem.
Página 51
11 DE DEZEMBRO DE 2019
51
V. Consultas e contributos
Consultas obrigatórias e facultativas
Em 27 de novembro de 2019, a Comissão solicitou parecer escrito aos Conselhos Superiores da Magistratura
e do Ministério Público e à Ordem dos Advogados.
Todos os pareceres e contributos remetidos à Assembleia da República serão publicados na página da
iniciativa na Internet.
VI. Avaliação prévia de impacto
Avaliação sobre impacto de género
O preenchimento, pelo proponente, da ficha de avaliação prévia de impacto de género da presente iniciativa,
em cumprimento do disposto na Lei n.º 4/2018, de 9 de fevereiro, devolve como resultado uma valoração neutra
do impacto de género.
Linguagem não discriminatória
Na elaboração dos atos normativos a especificação de género deve ser minimizada recorrendo-se, sempre
que possível, a uma linguagem neutra ou inclusiva, mas sem colocar em causa a clareza do discurso. A presente
iniciativa não nos suscita questões relacionadas com a utilização de linguagem discriminatória.
VII. Enquadramento Bibliográfico
MORAIS, Teresa – Violência doméstica: (o reconhecimento jurídico da vítima). Coimbra: Almedina,
2019. 152 p. ISBN 978-972-40-7927-1. Cota: 12.06.8 – 212/2019.
Resumo: «A violência doméstica traduz uma assimetria de poder dentro de um espaço de intimidade ou inter-
relacional, que fundamenta o direito de confiança da vítima e que torna este crime especial em relação aos
demais. E é neste bem jurídico protegido que se alicerça o problema do concurso homogéneo e heterogéneo
de crimes, da denúncia e do dever de denúncia, dos first responders em relação ao suicídio e do tratamento
jurídico deste e da violência perante menores e perante os idosos (idade maior). Mas é também na relação com
o sistema judiciário, nomeadamente, nas buscas, flagrante delito, nas declarações para memória futura e na
compreensão dos silêncios, que devem ser encontrados caminhos para um efetivo reconhecimento jurídico da
vítima.». A obra apresenta novas formas de combate ao crime de violência doméstica, que colocam sempre,
segundo a autora, «o foco na vítima». «Tem de se fazer um novo caminho, no sentido de haver um
acompanhamento integrado da vítima». Entre as propostas apresentadas pela autora está, por exemplo, a
possibilidade de serem feitos interrogatórios às vítimas de violência doméstica para memória futura.
NEVES, J. F. Moreira das – Violência doméstica [Em linha]: sobre a lei de prevenção, proteção e
assistência às vítimas. [Lisboa]: Verbo Jurídico, 2010. [Consult. 19 de nov. 2019]. Disponível na intranet da AR
em: http://catalogobib.parlamento.pt:81/images/winlibimg.aspx?skey=&doc=126794&img=12565&save=true Resumo: O objeto de análise deste artigo centra-se na Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, que estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à proteção e à assistência das suas vítimas, assinalando as novidades mais significativas no âmbito judiciário: o novo regime de detenção; o de aplicação de
Página 52
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
52
medidas de coação urgentes e o das declarações para memória futura. Na sua análise crítica, o autor refere
especificamente a mediação penal; a articulação de jurisdições e a ordem de afastamento do agressor.
———
PROJETO DE LEI N.º 3/XIV/1.ª
[ALTERA A LEI DA NACIONALIDADE E O REGULAMENTO EMOLUMENTAR DOS REGISTOS E
NOTARIADO (NONA ALTERAÇÃO À LEI N.º 37/81, DE 3 DE OUTUBRO, E TRIGÉSIMA QUARTA
ALTERAÇÃO AO DECRETO-LEI N.º 322-A/2001, DE 14 DE DEZEMBRO)]
Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e nota técnica
elaborada pelos serviços de apoio
Parecer
PARTE I – CONSIDERANDOS
I. a) Nota introdutória
O Projeto de Lei n.º 3/XIV/1.ª, subscrito pelas Deputadas e Deputados do BE, deu entrada na Assembleia da
República, em 25 de outubro de 2019, e foi admitido e distribuído, em 6 de novembro de 2019, à Comissão de
Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, para emissão de parecer, nos termos do n.º 1 do
artigo 129.º do Regimento da Assembleia da República (RAR).
Encontram-se cumpridos os requisitos formais previstos no n.º 1 do artigo 119.º, no n.º 1 do artigo 123.º, bem
como no n.º 1 do artigo 124.º do RAR.
I. b) Objeto, motivação e conteúdo
A iniciativa legislativa em apreço pretende introduzir alterações aos artigos 1.º, 3.º, 6.º, 9.º e 21.º da Lei da
Nacionalidade, aprovada pela Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, e alterada pela Lei n.º 25/2004, de 19 de agosto,
pelo Decreto-Lei n.º 322-A/2001, de 14 de dezembro, e pelas Leis Orgânicas n.os 1/2004, de 15 de janeiro,
2/2006, de 17 de abril, 1/2013, de 29 de julho, 8/2015, de 22 de junho, 9/2015, de 29 julho e 2/2018, de 5 de
julho, bem como ao artigo 18.º do Regulamento Emolumentar dos Registos e Notariado, aprovado pelo Decreto-
Lei n.º 322-A/2001, de 14 de dezembro, alterado por último pela Lei n.º 85/2019, de 3 de setembro.
A respetiva exposição de motivos, refere que, apesar das alterações introduzidas pela Lei Orgânica n.º
2/2018, de 5 de julho na Lei da Nacionalidade, «que alargou o acesso à nacionalidade originária e à
naturalização às pessoas nascidas em território português, a lei continua «aquém do que é exigível», pelo que
consideram que se impõe, designadamente, que passe a ser reconhecida, sem mais requisitos, a nacionalidade
portuguesa originária a todos os indivíduos nascidos em Portugal, independentemente da nacionalidade dos
seus progenitores». Defende, pois o proponente, «o primado do critério do jus soli, justamente por se entender
que é da mais elementar justiça o reconhecimento do direito à obtenção da nacionalidade do país onde se nasce,
independentemente da nacionalidade dos seus progenitores e demais ascendentes».
Por isso, o projeto de lei do BE pretende consagrar a «atribuição da nacionalidade portuguesa aos indivíduos
nascidos no território português, filhos de estrangeiros que não se encontrem ao serviço do respetivo Estado,
eliminando-se, em consequência, todos os demais critérios que excluem a atribuição da nacionalidade a
cidadãos nascidos em Portugal, ainda que filhos de estrangeiros, designadamente o hiato temporal de 5 anos
Página 53
11 DE DEZEMBRO DE 2019
53
de residência legal dos seus progenitores [alteração à redação do artigo 1.º, n.º 1, alínea f) e revogação
correspondente dos artigos 1.º, n.º 1, alínea e), 6.º, n.os 2 e 5 e 21.º, n.os 4 e 5 da Lei n.º 37/81, de 3 de outubro]».
O projeto de lei em apreço visa, ainda, uma alteração ao artigos 1.º, n.º 3, e a revogação da alínea d) do n.º
1 e n.º 10 do 6.º e da alínea b) do n.º 1 e n.º 3 do artigo 9.º da Lei da Nacionalidade, para eliminar, em sede de
atribuição da nacionalidade portuguesa aos netos dos emigrantes portugueses nascidos no estrangeiro ou para
efeitos de aquisição derivada da nacionalidade pelo casamento/união de facto ou por naturalização, o requisito
obstativo da condenação, com trânsito em julgado, com pena de prisão igual ou superior a 3 anos. Como
justificação, invoca o proponente que se trata de «uma norma perversa, uma pena escondida não aplicada por
qualquer poder jurisdicional e que tem o seu fundamento legal no preconceito».
Em sede de aquisição da nacionalidade por naturalização por parte de estrangeiros a residir em território
nacional, para além da eliminação do requisito impeditivo suprarreferido, a presente iniciativa pretende alterar a
redação da alínea b) do n.º 1 do artigo 6.º da Lei da Nacionalidade, de forma a que para efeitos da contagem do
tempo para a aquisição da nacionalidade por naturalização, deva relevar o tempo de residência efetivo no país
e não apenas o período correspondente à «residência legal», eliminando, assim, a exigência de uma residência
conforme às disposições legais em vigor.
A quinta alteração pretendida com o presente projeto de lei contempla o artigo 3.º da Lei da Nacionalidade,
passando a fazer depender a aquisição da nacionalidade portuguesa por estrangeiro casado ou unido de facto
com cidadão nacional apenas de declaração feita na constância do casamento ou da emissão, por junta de
freguesia, de declaração de reconhecimento de união de facto.
Do ponto de vista sistemático, o projeto de lei é composto por 6 artigos que tratam do respetivo objeto (artigo
1.º), da alteração à Lei da Nacionalidade (artigo 2.º), da alteração ao artigo 18.º do Regulamento Emolumentar
dos Registos e Notariado (artigo 3.º), da previsão das alterações ao Regulamento da Nacionalidade pelo
Governo, no prazo de 30 dias (artigo 4.º), da norma revogatória (artigo 5.º) e da entrada em vigor no dia seguinte
ao da publicação (artigo 6.º).
Assim, o artigo 1.º da Lei n.º 37/81, de 3 de outubro é alterado da seguinte forma:
Artigo 1.º
(…)
1 – ................................................................................................................................................................... :
a) ..................................................................................................................................................................... ;
b) ..................................................................................................................................................................... ;
c) ..................................................................................................................................................................... ;
d) ..................................................................................................................................................................... ;
e) (Revogada);
f) Os indivíduos nascidos no território português, filhos de estrangeiros que não se encontrem ao serviço do
respetivo Estado;
g) ..................................................................................................................................................................... .
2 – ................................................................................................................................................................... .
3 – A verificação da existência de laços de efetiva ligação à comunidade nacional, para os efeitos
estabelecidos na alínea d) do n.º 1, implica o reconhecimento, pelo Governo, da relevância de tais laços,
nomeadamente pelo conhecimento suficiente da língua portuguesa e pela existência de contactos regulares
com o território português.
Trata-se assim, de uma opção pela consagração de um regime de jus soli pleno e incondicional de atribuição
da nacionalidade originária pelo facto do nascimento de um indivíduo em território nacional, independentemente
de os progenitores estrangeiros residirem em território nacional, legal ou ilegalmente, ou do período de
residência. Apenas se estabelece como facto obstativo da atribuição por mero efeito da lei da nacionalidade
portuguesa a um indivíduo nascido em território nacional, o facto de o progenitor se encontrar em Portugal ao
Página 54
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
54
serviço do respetivo Estado. Em coerência com a alteração proposta para a alínea f) do n.º 1 do artigo 1.º, a
alínea e) é revogada, pois fica absorvida pela previsão mais ampla da alínea f).
A alteração proposta para o n.º 3 do artigo 1.º visa eliminar o pressuposto obstativo da atribuição da
nacionalidade originária aos netos dos portugueses que consiste na condenação definitiva pela prática de crime
punível com pena de prisão igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa.
Em sede de aquisição da nacionalidade por efeito da vontade, em caso de casamento ou união de facto com
português ou portuguesa, os proponentes pretendem alterar os artigos 3.º e 9.º da seguinte forma:
Artigo 3.º
(…)
1 – O cônjuge estrangeiro de nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa através de
declaração formal registada na constância do matrimónio.
2 – ................................................................................................................................................................... .
3 – O estrangeiro em união de facto com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa
mediante a apresentação de declaração de reconhecimento da união de facto emitida pela respetiva junta de
freguesia.
Artigo 9.º
(…)
1 – ................................................................................................................................................................... :
a) ..................................................................................................................................................................... ;
b) (Revogada);
c) ..................................................................................................................................................................... ;
d) ..................................................................................................................................................................... .
2 – ................................................................................................................................................................... .
3 – (Revogado).
Estas alterações visam, no essencial, eliminar a exigência de um período mínimo de subsistência do vínculo
familiar entre um estrangeiro e um nacional (fundado no casamento ou na união de facto), bem como substituir
o reconhecimento judicial da existência de uma união de facto, no termo de um processo judicial que avalia as
provas dessa existência, por uma declaração de reconhecimento por uma junta de freguesia. Por outro lado,
elimina-se como pressuposto obstativo da aquisição da nacionalidade por parte do estrangeiro casado ou unido
de facto com nacional português, a existência de condenação definitiva em pena de prisão igual ou superior de
3 anos, em sede de oposição à aquisição da nacionalidade (artigo 9.º).
Quanto à aquisição da nacionalidade portuguesa por naturalização, é pretendida uma alteração do artigo 6.º
da Lei da Nacionalidade:
Artigo 6.º
(…)
1 – ................................................................................................................................................................... :
a) ..................................................................................................................................................................... ;
b) Residirem no território português há pelo menos cinco anos;
c) ..................................................................................................................................................................... ;
d) (Revogada);
e) ..................................................................................................................................................................... .
2 – O governo concede a nacionalidade, por naturalização, aos nascidos no território português, filhos de
estrangeiros, aos quais não tenha sido atribuída nacionalidade originária. ........................................................ .
3 – ................................................................................................................................................................... .
Página 55
11 DE DEZEMBRO DE 2019
55
4 – (Revogado pela Lei Orgânica n.º 9/2015, de 29 de julho).
5 – (Revogado).
6 – ................................................................................................................................................................... .
7 – ................................................................................................................................................................... .
8 – ................................................................................................................................................................... .
9 – ................................................................................................................................................................... .
10 – (Revogado).
Estas alterações visam, no essencial, reduzir os requisitos da naturalização para os estrangeiros abrangidos
por este preceito. Assim, em relação aos estrangeiros maiores, que não tenham nascido em Portugal, deixa-se
de exigir uma residência legal em território nacional, substituindo-se o conceito de residência legal, por um não
densificado de residência. Por outro lado, elimina-se como condição geral do direito ou da faculdade de
naturalização a inexistência de condenação definitiva com pena de prisão igual ou superior a 3 anos, permitindo
que estrangeiros com tal condenação possam aceder à nacionalidade portuguesa por naturalização. Em
coerência com a revogação da alínea d) do n.º 1 do artigo 6.º, o seu n.º 10 (prova da inexistência de condenação
penal) é revogado.
Por fim, o n.º 2 do artigo 6.º visa consagrar um regime de jus soli pleno em sede de naturalização, garantindo
ao estrangeiro, maior ou menor, que tenha nascido em Portugal, sem que lhe tivesse sido atribuída
nacionalidade portuguesa originária, um direito subjetivo incondicional a adquirir a nacionalidade portuguesa por
naturalização. Ou seja, concede ao direito do estrangeiro que nasceu em Portugal o direito à nacionalidade
Portuguesa, independentemente de residir ou não em território nacional, conhecer ou não a língua portuguesa
ou ter sido condenado definitivamente por crime em pena de prisão igual ou superior a 3 anos. Em coerência
com o proposto para o n.º 2, é revogado o n.º 5 do artigo 6.º, uma vez que é absorvido por aquela previsão mais
ampla de aquisição da nacionalidade por naturalização.
Os proponentes pretendem ainda introduzir alterações no artigo 21.º, adaptando as disposições em matéria
de prova da nacionalidade originária às alterações mencionadas:
Artigo 21.º
(…)
1 – A nacionalidade portuguesa originária dos indivíduos abrangidos pelas alíneas a), b), f) e g) do n.º 1 do
artigo 1.º prova-se pelo assento de nascimento.
2 – ................................................................................................................................................................... .
3 – ................................................................................................................................................................... .
4 – ................................................................................................................................................................... .
5 – (Revogado).»
Por fim, é proposta uma «alteração do artigo 18.º, do Decreto-Lei n.º 322-A/2001, de 14 de dezembro
(Regulamento Emolumentar dos Registos e Notariado), equiparando o valor dos emolumentos exigíveis para
atribuição, aquisição e perda da nacionalidade ao valor definido para a emissão ou substituição do cartão de
cidadão (artigo 3.º da Portaria n.º 203/2007, de 13 de fevereiro, alterada pela Portaria n.º 992/2010, de 29 de
setembro)». Assim, propõe-se que pelo procedimento administrativo relativo à atribuição da nacionalidade ou
aquisição da nacionalidade seja cobrada uma taxa de 15€ (em vez das taxas atuais que variam entre 175€ e
250€, dependendo do procedimento).
De um ponto de vista técnico-legislativo, salienta-se a necessidade de aperfeiçoamento do título em
conformidade com os requisitos da Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, conforme sugerido na nota técnica dos
serviços da Assembleia da República (p. 15).
A Lei da Nacionalidade que a iniciativa visa alterar reveste a forma de lei orgânica (artigo 166.º, n.º 2, da
CRP), pelo que deve ser objeto de republicação integral, nos termos do n.º 2 do artigo 6.º da Lei n.º 74/98, de
11 de novembro, como é salientado na nota técnica dos serviços da Assembleia da República (p.17).
A matéria objeto da iniciativa enquadra-se no âmbito da reserva absoluta de competência legislativa da
Assembleia da República (alínea f) do artigo 164.º CPR) e reveste a forma de lei orgânica (n.º 2 do artigo 166.º
da CRP), pelo que deve ser votada na especialidade pelo plenário da Assembleia da República e aprovada, na
Página 56
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
56
votação final global, por maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções (n.º 4 e 5 do artigo 168.º da
CRP), que será realizada com recurso ao voto eletrónico (artigo 94.º do RAR).
Finalmente, conforme salientado na nota técnica da responsabilidade dos serviços da Assembleia da
República, em caso de aprovação, deve ser observado o disposto no n.º 5 do artigo 278.º da CRP: «O Presidente
da Assembleia da República, na data em que enviar ao Presidente da República decreto que deva ser
promulgado como lei orgânica, dará disso conhecimento ao Primeiro-Ministro e aos grupos parlamentares da
Assembleia da República».
I. c) Enquadramento constitucional e legal
O projeto de lei em apreço visa, essencialmente, proceder à nona alteração à Lei da Nacionalidade, aprovada
pela Lei n.º 37/81, de 3 de outubro.
A matéria atinente à atribuição, aquisição e perda da nacionalidade encontra o seu enquadramento na
Constituição da República Portuguesa, no direito internacional público, no Direito da União Europeia e na lei.
A este propósito, importa referir o preceituado no artigo 4.º da CRP:
«Artigo 4.º
Cidadania portuguesa
São cidadãos portugueses todos aqueles que como tal sejam considerados pela lei ou por convenção
internacional.»
Compete, assim, ao legislador definir os critérios de atribuição ou aquisição da nacionalidade portuguesa (o
vínculo jurídico que liga uma pessoa ao Estado), definindo assim quem deve ou pode ser considerado português
ou portuguesa.
Em relação à densificação destes critérios, salienta-se a pertinência de outros preceitos constitucionais (como
por exemplo, o artigo 13.º CRP, princípio da igualdade), dos princípios do direito internacional público (como por
exemplo, o princípio da nacionalidade efetiva) ou daqueles que derivam da integração de Portugal na União
Europeia (como por exemplo, o princípio da lealdade comunitária).
Quanto ao direito internacional público, refira-se o artigo 3.º da Convenção Europeia da Nacionalidade,
aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 19/2000, de 6 de março, e ratif icada
pelo Decreto do Presidente da República n.º 7/2000, de 6 de março:
Artigo 3.º
Competência do Estado
1 – Cada Estado determinará quem são os seus nacionais nos termos do seu direito interno.
2 – Tal direito será aceite por outros Estados na medida em que seja consistente com as convenções
internacionais aplicáveis, com o direito internacional consuetudinário e com os princípios legais geralmente
reconhecidos no tocante à nacionalidade.
De entre os princípios do direito internacional que o Estado deve observar na sua tarefa de determinar quem
são as pessoas que com ele têm o vínculo jurídico da nacionalidade, para que o vínculo jurídico da nacionalidade
possa ser aceite por outros Estados, avulta o princípio da nacionalidade efetiva, considerado, no plano interno,
pelo Tribunal Constitucional, como a «base e fundamento do estabelecimento da cidadania» (cfr. Acórdão n.º
106/2016). De acordo com este princípio, e na formulação do Tribunal Internacional de Justiça no seu Acórdão
Nottebohm (6 de abril de 1955), a nacionalidade é um vínculo jurídico que deve ter por base a existência de uma
conexão ou relação de pertença social genuína entre o individuo e o Estado que com ele estabelece o vínculo
jurídico da nacionalidade.
Em relação ao direito da União Europeia, convoca-se o estabelecido no n.º 1 do artigo 20.º do Tratado sobre
o Funcionamento da União Europeia (TFUE): «É instituída a cidadania da União. É cidadão da União qualquer
pessoa que tenha a nacionalidade de um Estado-Membro. A cidadania da União acresce à cidadania nacional
e não a substitui».
Página 57
11 DE DEZEMBRO DE 2019
57
Por força do direito da União Europeia, ao estatuto de cidadão da União Europeia, que deriva
automaticamente da cidadania nacional, são associados importantes direitos, que hoje revestem a natureza de
direitos fundamentais garantidos pelo direito da União Europeia, como por exemplo, o direito de circular e
permanecer livremente no território dos outros Estados-Membros da União Europeia (artigo 21.º do TFUE e
artigo 45.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia). Como afirma o Tribunal Constitucional no
seu Acórdão n.º 106/2016, «esta específica configuração da cidadania da União Europeia, derivando da
cidadania nacional dos Estados-Membros, não deixa de se refletir na relevância que assume — ao menos
indiretamente — para os que pretendam adquirir a nacionalidade portuguesa, enquanto condição (ou qualidade)
sine qua non de acesso ao específicoo estatuto de cidadania europeia.».
Num outro ângulo, embora seja competência do Estado-Membro definir as condições de aquisição e de perda
de nacionalidade, esta matéria é, pela sua natureza e pelas suas consequências, abrangida pelo direito da União
Europeia, pelo que deve, de acordo com a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça da União Europeia,
respeitar o direito da União Europeia (ver, entre outros, o Acórdão Tjebes, proc. C-221/17, de 12 de março de
2019).
Em sede de consequências imediatas da atribuição ou aquisição da nacionalidade portuguesa, cumpre, ainda
referir, o direito absoluto a não ser expulso do território nacional (n.º 1 do artigo 33.º da CRP) e o direito a não
ser extraditado para efeitos de perseguição criminal ou cumprimento de pena, salvo nos casos de terrorismo e
de criminalidade internacional organizada, desde que existam condições de reciprocidade estabelecidas em
convenção internacional e «desde que a ordem jurídica do Estado requisitante consagre garantias de um
processo justo e equitativo» (n.º 3 do artigo 33.º CRP).
Em relação ao enquadramento legal da nacionalidade portuguesa, a iniciativa em apreço pretende alterar as
condições legais de atribuição da nacionalidade originária a cidadãos nascidos em Portugal, sem dependência
de qualquer período de residência dos mesmos, bem como a cidadãos estrangeiros netos de português ou
portuguesa, sem dependência da inexistência de condenação por prática de crimes. Também propõe uma
alteração ao regime de aquisição da nacionalidade portuguesa por vínculo familiar (casamento ou união de
facto), para a tornar independente da duração do mesmo ou da existência de condenação criminal. Por fim,
pretende alterar a aquisição da nacionalidade por naturalização, tornando-a automática, sempre que o
estrangeiro tenha nascido em Portugal, permitindo-a a estrangeiros residentes há 5 anos com dispensa de
legalidade da sua residência, e permitindo a naturalização de qualquer estrangeiro abrangido pelas demais
situações em que esta é possível, com dispensa do requisito atinente à inexistência de condenação criminal,
que é eliminado como pressuposto da naturalização de estrangeiros. Portanto, estas alterações incidem nos
artigos 1.º, 3.º, 6.º, 9.º e 21.º da Lei da Nacionalidade, cuja redação atual é a seguinte:
«Artigo 1.º
Nacionalidade originária
1 – São portugueses de origem:
a) Os filhos de mãe portuguesa ou de pai português nascidos no território português;
b) Os filhos de mãe portuguesa ou de pai português nascidos no estrangeiro se o progenitor português aí se
encontrar ao serviço do Estado Português;
c) Os filhos de mãe portuguesa ou de pai português nascidos no estrangeiro se tiverem o seu nascimento
inscrito no registo civil português ou se declararem que querem ser portugueses;
d) Os indivíduos nascidos no estrangeiro com, pelo menos, um ascendente de nacionalidade portuguesa do
2.º grau na linha reta que não tenha perdido essa nacionalidade, se declararem que querem ser portugueses,
possuírem laços de efetiva ligação à comunidade nacional e, verificados tais requisitos, inscreverem o
nascimento no registo civil português;
e) Os indivíduos nascidos no território português, filhos de estrangeiros, se pelo menos um dos progenitores
também aqui tiver nascido e aqui tiver residência, independentemente de título, ao tempo do nascimento;
f) Os indivíduos nascidos no território português, filhos de estrangeiros que não se encontrem ao serviço do
respetivo Estado, que não declarem não querer ser portugueses, desde que, no momento do nascimento, um
dos progenitores aqui resida legalmente há pelo menos dois anos;
g) Os indivíduos nascidos no território português e que não possuam outra nacionalidade.
Página 58
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
58
2 – Presumem-se nascidos no território português, salvo prova em contrário, os recém-nascidos que aqui
tenham sido expostos.
3 – A verificação da existência de laços de efetiva ligação à comunidade nacional, para os efeitos
estabelecidos na alínea d) do n.º 1, implica o reconhecimento, pelo Governo, da relevância de tais laços,
nomeadamente pelo conhecimento suficiente da língua portuguesa e pela existência de contactos regulares
com o território português, e depende de não condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de
crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa.
4 – A prova da residência legal referida na alínea f) do n.º 1 faz-se mediante a exibição do competente
documento de identificação do pai ou da mãe no momento do registo.
Artigo 3.º
Aquisição em caso de casamento ou união de facto
1 – O estrangeiro casado há mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade
portuguesa mediante declaração feita na constância do matrimónio.
2 – A declaração de nulidade ou anulação do casamento não prejudica a nacionalidade adquirida pelo
cônjuge que o contraiu de boa-fé.
3 – O estrangeiro que, à data da declaração, viva em união de facto há mais de três anos com nacional
português pode adquirir a nacionalidade portuguesa, após ação de reconhecimento dessa situação a interpor
no tribunal cível.
Artigo 6.º
Requisitos
1 – O Governo concede a nacionalidade portuguesa, por naturalização, aos estrangeiros que satisfaçam
cumulativamente os seguintes requisitos:
a) Serem maiores ou emancipados à face da lei portuguesa;
b) Residirem legalmente no território português há pelo menos cinco anos;
c) Conhecerem suficientemente a língua portuguesa;
d) Não tenham sido condenados, com trânsito em julgado da sentença, com pena de prisão igual ou superior
a 3 anos;
e) Não constituam perigo ou ameaça para a segurança ou a defesa nacional, pelo seu envolvimento em
atividades relacionadas com a prática do terrorismo, nos termos da respetiva lei.
2 – O Governo concede a nacionalidade, por naturalização, aos menores, nascidos no território português,
filhos de estrangeiros, desde que preencham os requisitos das alíneas c), d) e e) do número anterior e desde
que, no momento do pedido, se verifique uma das seguintes condições:
a) Um dos progenitores aqui tenha residência, independentemente de título, pelo menos durante os cinco
anos imediatamente anteriores ao pedido;
b) O menor aqui tenha concluído pelo menos um ciclo do ensino básico ou o ensino secundário.
3 – Tratando-se de criança ou jovem com menos de 18 anos, acolhidos em instituição pública, cooperativa,
social ou privada com acordo de cooperação com o Estado, na sequência de medida de promoção e proteção
definitiva aplicada em processo de promoção e proteção, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 72.º da Lei de
Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada em anexo à Lei n.º 147/99, de 1 de setembro, cabe ao
Ministério Público promover o respetivo processo de naturalização com dispensa das condições referidas no
número anterior.
4 – O Governo concede a naturalização, com dispensa dos requisitos previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1,
aos indivíduos que tenham tido a nacionalidade portuguesa e que, tendo-a perdido, nunca tenham adquirido
outra nacionalidade.
5 – O Governo concede a nacionalidade, por naturalização, com dispensa do requisito estabelecido na alínea
b) do n.º 1, aos indivíduos que satisfaçam cumulativamente os seguintes requisitos:
Página 59
11 DE DEZEMBRO DE 2019
59
a) Tenham nascido em território português;
b) Sejam filhos de estrangeiro que aqui tivesse residência, independentemente de título, ao tempo do seu
nascimento;
c) Aqui residam, independentemente de título, há pelo menos cinco anos.
6 – O Governo pode conceder a naturalização, com dispensa dos requisitos previstos nas alíneas b) e c) do
n.º 1, aos indivíduos que, não sendo apátridas, tenham tido a nacionalidade portuguesa, aos que forem havidos
como descendentes de portugueses, aos membros de comunidades de ascendência portuguesa e aos
estrangeiros que tenham prestado ou sejam chamados a prestar serviços relevantes ao Estado Português ou à
comunidade nacional.
7 – O Governo pode conceder a nacionalidade por naturalização, com dispensa dos requisitos previstos nas
alíneas b) e c) do n.º 1, aos descendentes de judeus sefarditas portugueses, através da demonstração da
tradição de pertença a uma comunidade sefardita de origem portuguesa, com base em requisitos objetivos
comprovados de ligação a Portugal, designadamente apelidos, idioma familiar, descendência direta ou colateral.
8 – O Governo pode conceder a nacionalidade, por naturalização, com dispensa do requisito estabelecido
na alínea b) do n.º 1, aos indivíduos que sejam ascendentes de cidadãos portugueses originários, aqui tenham
residência, independentemente de título, há pelo menos cinco anos imediatamente anteriores ao pedido e desde
que a ascendência tenha sido estabelecida no momento do nascimento do cidadão português.
9 – O conhecimento da língua portuguesa referido na alínea c) do n.º 1 presume-se existir para os
requerentes que sejam naturais e nacionais de países de língua oficial portuguesa.
10 – A prova da inexistência de condenação, com trânsito em julgado da sentença, com pena de prisão igual
ou superior a 3 anos referida na alínea d) do n.º 1 faz-se mediante a exibição de certificados de registo criminal
emitidos:
a) Pelos serviços competentes portugueses;
b) Pelos serviços competentes do país do nascimento, do país da nacionalidade e dos países onde tenha
tido residência, desde que neles tenha tido residência após completar a idade de imputabilidade penal.
Artigo 9.º
Fundamentos
1 – Constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa por efeito da vontade:
a) A inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional;
b) A condenação, com trânsito em julgado da sentença, com pena de prisão igual ou superior a 3 anos;
c) O exercício de funções públicas sem carácter predominantemente técnico ou a prestação de serviço militar
não obrigatório a Estado estrangeiro;
d) A existência de perigo ou ameaça para a segurança ou a defesa nacional, pelo seu envolvimento em
atividades relacionadas com a prática do terrorismo, nos termos da respetiva lei.
2 – A oposição à aquisição de nacionalidade com fundamento na alínea a) do número anterior não se aplica
às situações de aquisição de nacionalidade em caso de casamento ou união de facto quando existam filhos
comuns do casal com nacionalidade portuguesa.
3 – À prova da inexistência de condenação referida na alínea b) do n.º 1 é aplicável o disposto no n.º 10 do
artigo 6.
Artigo 21.º
Prova da nacionalidade originária
1 – A nacionalidade portuguesa originária dos indivíduos abrangidos pelas alíneas a), b) e f) do n.º 1 do artigo
1.º prova-se pelo assento de nascimento.
2 – É havido como nacional português o indivíduo de cujo assento de nascimento não conste menção da
nacionalidade estrangeira dos progenitores ou do seu desconhecimento.
Página 60
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
60
3 – A nacionalidade originária dos indivíduos abrangidos pela alínea c) do n.º 1 do artigo 1.º prova-se,
consoante os casos, pelas menções constantes do assento de nascimento lavrado por inscrição no registo civil
português ou pelo registo da declaração de que depende a atribuição.
4 – A nacionalidade originária dos indivíduos abrangidos pela alínea d) do n.º 1 do artigo 1.º prova-se pelo
assento de nascimento onde conste a menção da naturalidade portuguesa de um dos progenitores e a da sua
residência no território nacional.
5 – A nacionalidade portuguesa originária de indivíduos abrangidos pela alínea e) do n.º 1 do artigo 1.º prova-
se pelo registo da declaração de que depende a atribuição.».
Por último, neste capítulo, de notar ainda que deve ser acautelado o limite imposto pelo n.º 2 do artigo 167.º
da Constituição e n.º 2 do artigo 120.º do Regimento, conhecido como lei-travão, que deve ser salvaguardado
no decurso do processo legislativo, como refere a nota técnica, em anexo. Com efeito, a proposta de redução
significativa de emolumentos, prevista no artigo 3.º, impõe a necessidade de ponderação do regime de entrada
em vigor de modo a que não seja posto em causa o cumprimento da chamada lei-travão, prevista no n.º 3 do
artigo 167.º da Constituição e no n.º 2 do artigo 120.º do RAR.
Relativamente à XIII Legislatura, cumpre salientar as seguintes iniciativas legislativas sobre a mesma
matéria:
– Projeto de Lei n.º 364/XIII (PSD) – Altera a Lei n.º 37/81, de 3 de outubro (Lei da Nacionalidade);
– Projeto de Lei n.º 390/XIII (BE) – Altera a Lei da Nacionalidade, aprovada pela Lei n.º 37/81, de 3 de outubro,
e o Regulamento Emolumentar dos Registos e Notariado, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 322-A/2001, de 14 de
dezembro;
– Projeto de Lei n.º 428/XIII (PCP) – Nona alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro (Lei da Nacionalidade);
– Projeto de Lei n.º 548/XIII (PAN) – Altera a Lei da Nacionalidade;
– Projeto de Lei n.º 544/XIII (PS) – Oitava alteração à Lei da Nacionalidade, aprovada pela Lei n.º 37/81, de
3 de outubro, alterada pela Lei n.º 25/94, de 19 de agosto, pelo Decreto-Lei n.º 322-A/2001, de 14 de dezembro,
e pelas Leis Orgânicas n.º 1/2004, de 15 de janeiro, n.º 2/2006, de 17 de abril, n.º 1/2013, de 29 de julho, n.º
8/2015, de 22 de junho e n.º 9/2015, de 29 de julho.
Estas iniciativas, deram origem à Lei Orgânica n.º 2/2018, de 5 de julho.
– Projeto de Lei n.º 479/XIII (CDS-PP) – Determina a perda da nacionalidade portuguesa, por parte de quem
seja também nacional de outro Estado, em caso de condenação pela prática do crime de terrorismo (oitava
alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro – Lei da Nacionalidade) – rejeitado na generalidade em 19 de maio
de 2017, com votos contra de PS, BE, PCP, PEV, PAN, a favor do CDS-PP e a abstenção do PSD.
Na anterior legislatura, registam-se as seguintes petições, de apreciação já concluída:
– Petição n.º 618/XIII/4 Solicitam a alteração de alguns critérios de concessão de nacionalidade portuguesa;
– Petição n.º 617/XIII/4 Solicitam a concessão de nacionalidade portuguesa a cidadãos originários de países
colonizados por Portugal com 2 anos de residência no País;
– Petição n.º 590/XIII/4 Solicitam a revisão da interpretação que Portugal faz do artigo 5.º da Convenção
Europeia sobre a Nacionalidade;
– Petição n.º 576/XIII/4 Solicitam a atribuição de nacionalidade portuguesa a cidadãos oriundos de países
colonizados com 2 anos de residência;
Petição n.º 390/XIII/3.ª Solicita a alteração da Lei da Nacionalidade em matéria de reconhecimento da
nacionalidade originária aos filhos de imigrantes.
I. d) Iniciativas pendentes
Encontram-se pendentes, para apreciação em fase de generalidade, os seguintes Projetos de Lei, com
incidência no mesmo regime jurídico:
– Projeto de Lei n.º 126/XIV//1.ª (L) – Nona alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro (Lei da Nacionalidade),
que entrou no dia 26 de novembro de 2019 e, no dia 28 de novembro, foi admitido e distribuído à Comissão de
Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias;
Página 61
11 DE DEZEMBRO DE 2019
61
– Projeto de Lei n.º 118/XIV//1.ª (PCP) – Alarga a aplicação do princípio do jus soli na Lei da Nacionalidade
Portuguesa (Nona alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, que aprova a Lei da Nacionalidade), que entrou
no dia 22 de novembro de 2019 e, no dia 26 de novembro, foi admitido e distribuído à Comissão de Assuntos
Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias;
– Projeto de Lei n.º 117/XIV//1.ª (PAN) – Alarga o acesso à naturalização às pessoas nascidas em território
português após o dia 25 de abril de 1974 e antes da entrada em vigor da Lei da Nacionalidade (procede à nona
alteração à Lei n.º 37/1981, de 3 de outubro), que entrou no dia 22 de novembro de 2019 e, no dia 26 de
novembro, foi admitido e distribuído à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
I. e) Consultas
No dia 15 de novembro de 2019, foram solicitados, pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos,
Liberdades e Garantias, pareceres ao Conselho Superior de Magistratura, ao Conselho Superior do Ministério
Público e à Ordem dos Advogados, que, na presente data, ainda não foram recebidos.
PARTE II – OPINIÃO DA AUTORA
A Lei Orgânica n.º 2/2018, de 5 de julho, introduziu, há pouco mais de um ano, alterações profundas na Lei
da Nacionalidade, pelo que se pode, legitimamente, questionar que alterações tão significativas houve na
sociedade portuguesa que justificam uma nova e profunda alteração da lei definidora da comunidade nacional,
do povo português. A Lei da Nacionalidade, pelo seu carácter profundamente estruturante da comunidade
nacional, é uma lei materialmente constitucional, pelo que deveria, em minha opinião, ser objeto de estabilidade
legislativa e de acrescida ponderação.
Justifica o BE esta iniciativa legislativa alegando que «o ordenamento jurídico português, para efeitos de
atribuição de nacionalidade, continua a dar mais importância aos laços de sangue existentes entre uma pessoa
e os seus ascendentes (jus sanguinis) do que propriamente ao País onde o seu nascimento efetivamente tem
lugar (jus soli)», pelo que «o jus soli deve ser assumido como o princípio norteador da atribuição de
nacionalidade em Portugal».
Tal é, em minha opinião, uma avaliação incorreta da Lei da Nacionalidade, que mantém o seu critério eclético
de atribuição da nacionalidade, conjugando um critério de jus sanguinis (sob pena, de privar da nacionalidade
portuguesa todos os filhos de cidadãos portugueses nascidos no estrangeiro), com um critério de jus soli, com
uma objetiva e clara predominância deste último, tanto em sede de atribuição da nacionalidade originária, como
em sede de aquisição derivada por naturalização.
É, hoje, inegável que o critério do jus soli é um princípio norteador da nacionalidade portuguesa, a que a Lei
da Nacionalidade atribui maior relevância, dentro do limite imposto pelo princípio da nacionalidade efetiva, seja
em sede de atribuição da nacionalidade originária (artigo 1.º), seja em sede de aquisição da nacionalidade por
naturalização (artigo 6.º).
Senão vejamos:
Ao neto de um estrangeiro nascido em território nacional é atribuída de forma automática e por força da lei a
nacionalidade portuguesa originária [artigo 1.º, n.º 1, alínea e)]. Basta que o seu progenitor tenha nascido em
território nacional, pouco importando se aqui permaneceu, regular ou irregularmente, ou não. Já ao neto de um
português, que nasceu no estrangeiro, sem que lhe tenha sido atribuída a nacionalidade portuguesa (porque o
seu progenitor não era nacional português), esta só lhe é atribuída se provar que tem uma ligação efetiva à
comunidade nacional (porque aqui reside, porque visita com regularidade o nosso País, etc.), se não tiver
cometido crime punível com pena de prisão igual ou superior a 3 anos e não constituir ameaça à segurança
nacional [artigo 1.º, n.º 1, alínea d) e n.º 3].
Também o filho de um estrangeiro a residir legalmente no país há dois anos tem a nacionalidade originária,
de forma praticamente automática, pelo simples facto do seu nascimento em território português [artigo 1.º, n.º
1, alínea e)]. Basta que o seu progenitor não se oponha, que nada faça. Já o filho de um nacional português
nascido no estrangeiro só tem nacionalidade portuguesa de origem se houver uma declaração de vontade nesse
sentido e inscrever o seu assento de nascimento no registo civil [artigo 1.º, n.º 1, alínea c)].
Página 62
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
62
Também em sede de aquisição derivada da nacionalidade por naturalização é absolutamente clara a
predominância do jus soli. Nos termos do artigo 6.º, n.º 2 da LN, qualquer menor estrangeiro que tenha nascido
em território nacional, e mesmo que aqui resida irregularmente [embora por força do artigo 122.º, n.º 1, alínea
c) e n.º 4 da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, com as alterações introduzidas, por último, pela Lei n.º 28/2019, de
29 de março, tanto ele como os seus progenitores possam obter autorização de residência por esse mesmo
motivo, bastando para tal que o menor esteja a frequentar o pré-escolar], tem um direito à nacionalidade
portuguesa se tiver concluído o primeiro ciclo do ensino básico ou, independentemente desta conclusão, o
progenitor estrangeiro residir em Portugal (mesmo que irregularmente) há 5 anos no momento do pedido. É-lhe
exigido o conhecimento a língua portuguesa (conhecimento este que é presumido se for nacional de um país de
língua portuguesa ou, não sendo o caso, atestado pelo estabelecimento de ensino que frequente em Portugal,
nos termos do artigo 25.º do Regulamento da Nacionalidade) e não ter sido condenado com pena de prisão igual
ou superior a 3 anos nem estiver envolvido com a prática do terrorismo (condição negativa esta que sempre se
verificará se for menor inimputável). Também qualquer estrangeiro que nasceu em Portugal e aqui resida
(mesmo que irregularmente) há 5 anos, filho de um estrangeiro que aqui estivesse a residir (mesmo que
irregularmente) no momento do nascimento, tem um direito subjetivo a aceder à nacionalidade portuguesa por
naturalização, se conhecer suficientemente a língua portuguesa (conhecimento este que é presumido se for
originário de país de língua oficial portuguesa ou pode ser atestado pelo estabelecimento de ensino que
frequentou em Portugal) e não tiver sido condenado definitivamente em pena de prisão igual ou superior a 3
anos (condição que estará preenchida em caso de reabilitação legal, como aliás resulta do Acórdão do TC n.º
106/2016 e do n.º 10 do artigo 6.º da LN, que determina que a prova de inexistência de tal condenação se faça
apenas pela exibição do registo criminal), nem estiver envolvido com a prática do terrorismo. Já o descendente
estrangeiro de nacional português, que não resida legalmente em Portugal, apenas tem uma faculdade de pedir
a nacionalidade por naturalização, que lhe pode ser concedida ao abrigo de um poder discricionário, se conhecer
a língua portuguesa, não tiver sido condenado em pena de prisão igual ou superior a 3 anos, nem estiver
envolvido em atividade terrorista.
Mas independentemente da relevância relativa de cada um dos critérios clássicos de atribuição da
nacionalidade, é preciso realçar que a nacionalidade é o vínculo jurídico-político que liga um indivíduo a um
Estado, que define quem é ou pode ser seu nacional, porque com ele tem uma ligação social, efetiva, genuína.
Poder-se-ia invocar nesta sede o direito à cidadania portuguesa na sua dimensão positiva de direito a aceder
à nacionalidade portuguesa (artigo 26.º CRP), pese embora o Tribunal Constitucional ter decidido que nesta
dimensão não existe nenhum direito fundamental, mas apenas uma «expectativa jurídica» que necessita de
concretização legislativa, para ser exequível (Acórdão n.º 106/2016; Acórdão n.º 331/2016). Umas mesmo
admitindo, contrariando esta jurisprudência, que o artigo 26.º CRP consagra um direito fundamental de acesso
à nacionalidade portuguesa, o seu conteúdo só é determinável com recurso ao princípio da nacionalidade efetiva
de forma a que este vínculo jurídico com o Estado corresponda a um vínculo social efetivo, real e genuíno entre
um indivíduo e a comunidade portuguesa, sob pena de se entrar no absurdo de reconhecer que todas as
pessoas do mundo, mesmo que nunca tenham tido qualquer contacto relevante com a comunidade nacional,
teriam tal direito.
Competindo a densificação normativa dos critérios e das condições de acesso à nacionalidade portuguesa
ao legislador (artigo 4.º da CRP), este goza de liberdade de conformação. Contudo, não tem uma liberdade
absoluta, pois ela encontra-se condicionada pelas normas constitucionais relativas a direitos, liberdades e
garantias (por exemplo, o princípio da igualdade), pela ponderação dos demais valores constitucionais e
também, nas palavras do Tribunal Constitucional, pelo «respeito pelos princípios de direito internacional, de que
avulta (...) o princípio da ligação efetiva entre o individuo e a comunidade politicamente organizada em que se
integra» (Acórdão n.º 106/2016). Ou seja, embora o Estado português, através do seu legislador, possa
determinar quem são os seus nacionais, a sua discricionariedade está não apenas limitada pela Constituição,
mas também pelos princípios do direito internacional nesta matéria, como o princípio da prevenção da apatridia,
a proibição de discriminação ou, o que é relevante para a apreciação do projeto de lei em análise, o princípio da
nacionalidade efetiva. Esta obrigação de respeito por estes princípios resulta igualmente da Convenção
Europeia sobre a Nacionalidade, ratificada por Portugal, que concretiza o princípio da nacionalidade efetiva,
Página 63
11 DE DEZEMBRO DE 2019
63
como, por exemplo, quando obriga os Estados Parte a prever a possibilidade de naturalização dos estrangeiros
legal e habitualmente residentes no seu território há, no máximo, 10 anos (artigo. 6.º CEN) ou quando apenas
permite que um Estado possa retirar a sua nacionalidade a um indivíduo que resida habitualmente no
estrangeiro, por ausência de vínculo genuíno entre eles (artigo 7.º CEN).
Por outro lado, o respeito pelo princípio da nacionalidade efetiva é condição de oponibilidade das normas
relativas à atribuição e aquisição da nacionalidade, como determinou o TIJ no seu célebre Acórdão Nottebhom.
Ou seja, só a nacionalidade atribuída ou concedida por um Estado a um indivíduo que com ele tenha uma ligação
genuína, um vínculo efetivo, uma qualquer relação de pertença relevante entre ambos, deve ser reconhecida
pelos demais.
Também se pode defender que, de acordo com este princípio, um Estado não apenas pode, mas deve dar a
sua nacionalidade a um indivíduo que com ele tenha uma ligação efetiva e genuína, a única conexão ou uma
conexão relevante (porque reside no seu território, porque está efetivamente integrado na comunidade nacional,
porque respeita os seus valores e as leis aprovadas pelo parlamento em representação da comunidade nacional,
etc.).
Tendo em consideração a integração de Portugal na União Europeia, também não podemos ignorar que a
atribuição ou a aquisição da nacionalidade portuguesa implica, igualmente, a aquisição do estatuto de cidadania
da UE e com ele, o acesso a uma série de direitos garantidos pelo direito da União Europeia, como o direito de
entrar e residir no território dos outros Estados-Membros da União Europeia. Por isso, a jurisprudência do
Tribunal de Justiça da União Europeia exige que os Estados-Membros da União Europeia exerçam a sua
competência em sede definição das condições de atribuição, aquisição e perda da respetiva nacionalidade no
respeito pelo direito da União Europeia (ver, entre outros, Acórdão Tjebes, proc. C-221/17, de 12 de março de
2019, no qual o Tribunal de Justiça da UE também deu relevância ao princípio de que a nacionalidade traduz
um vínculo genuíno entre o Estado e os seus nacionais). Assim, também o princípio da lealdade comunitária
limita a margem de conformação dos critérios de atribuição ou aquisição da nacionalidade portuguesa pelo
legislador português, já que tais normas têm, por via da cidadania da União Europeia, um impacto direto no
território dos outros Estados-Membros (pois qualquer estrangeiro que adquira a nacionalidade portuguesa
adquire um direito de residência e não está submetido ao regime de imigração destes estados) e nas políticas
comuns de vistos e de imigração da UE.
Tendo em consideração o exposto, a minha opinião sobre as alterações pretendidas pelo BE à Lei da
Nacionalidade, não pode deixar de ser balizada pelos princípios da nacionalidade efetiva e da lealdade
comunitária, que limitam a margem de discricionariedade do legislador português.
1 – Consagração de um critério de jus soli puro em sede de atribuição da nacionalidade originária e
de aquisição da nacionalidade derivada por naturalização [Alteração aos artigos 1.º, n.º 1, alíneas e) e f)
e 6.º, n.os 2 e 5 da LN].
A alteração legislativa pretendida visa o reconhecimento de um direito absoluto de jus soli, pois o mero facto
do nascimento em território nacional seria atributivo da nacionalidade portuguesa, não importando se é
meramente acidental ou fortuito, ou se o progenitor estrangeiro reside efetivamente em Portugal, ou seja, sem
acautelar a existência de uma qualquer ligação efetiva ao país (apenas se ressalva desta atribuição automática
os filhos dos diplomatas estrangeiros nascidos no território nacional) ou mesmo a sua vontade, real ou
presumida, de ser português, por ter (ou vir a ter) com a comunidade nacional uma qualquer ligação.
Também o reconhecimento do direito subjetivo à naturalização por parte de qualquer estrangeiro nascido em
Portugal, sem que lhe tivesse sido atribuída a nacionalidade originária (por os seus progenitores não residirem
em Portugal, por residirem como diplomatas, por aqui estarem de passagem, etc.) e sem qualquer outra
condição, também permite a qualquer estrangeiro nascido no País aceder à nacionalidade portuguesa sem que
tenha qualquer vínculo (real ou presumido) a Portugal, a não ser o mero facto do nascimento fortuito, acidental
ou intencional, em território nacional.
Tal, em minha opinião, não é compatível com o princípio da nacionalidade efetiva, que exigiria que o local de
nascimento como facto atributivo da nacionalidade seja acompanhado de condições legais que possam
razoavelmente fazer presumir que existe uma qualquer ligação à comunidade nacional, porque os progenitores
Página 64
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
64
aqui residem e aqui estabeleceram o centro da sua vida privada e é, por isso, de presumir que o filho, cidadão
português de origem, aqui continue a residir e com a comunidade nacional tenha a sua única ligação ou a sua
ligação mais efetiva. A exigência de um período de residência legal do progenitor há um período mínimo de 2
anos é o único indício (mesmo que ténue) que permite estabelecer uma ligação da pessoa que nasce à
comunidade nacional. Ou seja, é expectável que um estrangeiro que cumpre as condições legais para fixar
residência em território nacional (ou seja, que respeita a Lei de Imigração aprovada pela comunidade nacional
através dos seus legítimos representantes) e por isso solicita e obtém um título que o habilita a tal, deseje fixar
no seio da comunidade portuguesa o centro da sua vida privada, mesmo que ainda não tenha decorrido o
período de residência legal de 5 anos para aceder a um direito de residência permanente ou mesmo à
nacionalidade portuguesa. Daí que, pese embora o curto período de residência, ainda seja razoavelmente de
presumir, que o seu filho nascido em Portugal aqui permaneça e estabeleça com a comunidade nacional a sua
única conexão ou, pelo menos, uma conexão relevante.
Por outro lado, a consagração de um princípio absoluto de jus soli em sede de atribuição da nacionalidade,
tal como pretende o BE, permitiria não só a imposição da nacionalidade portuguesa a quem nasce de forma
acidental ou fortuita no nosso País (algo que no contexto atual de acrescida mobilidade e de fluxos migratórios
mais flexíveis, temporários e circulares será cada vez mais frequente), mas também garantir ao progenitor
estrangeiro a regularização da sua residência em território nacional ou mesmo o acesso à nacionalidade
portuguesa nos termos do n.º 8 do artigo 6.º da Lei da Nacionalidade. Associado à nacionalidade portuguesa,
estaria a obtenção automática de um direito de livre circulação e residência no território de qualquer outro
Estado-Membro da União Europeia. O mesmo se diga em relação a qualquer estrangeiro que tenha nascido em
Portugal, mas que aqui nunca permaneceu e com a comunidade nacional não tem qualquer ligação, e que veria
consagrado o seu direito à nacionalidade por naturalização, nos termos propostos pelo BE.
Tendo em consideração a integração de Portugal na União Europeia, se o mero nascimento em Portugal
constituísse o único facto atributivo ou aquisitivo da nacionalidade portuguesa, abrir-se-ia aqui uma via de
regularização da residência do progenitor estrangeiro ou do estrangeiro que nasceu fortuitamente em Portugal,
não apenas em território nacional, mas também no território dos outros Estados-Membros da União Europeia.
Por isso, para além destas propostas não considerarem minimamente o princípio da nacionalidade efetiva (e
com ele da ligação ao espaço europeu), também aumentam de forma significativa o risco de instrumentalização
da Lei da Nacionalidade para fins que relevam da política de imigração, potenciando o «turismo natal» (que não
deixaria de ser aproveitado pelas redes de imigração clandestina para «vender» esta possibilidade junto de
potenciais interessados) com o único intuito de garantir um direito de livre circulação e de residência à margem
das normas nacionais e europeias que determinam as condições de entrada e residência de estrangeiros
(nacionais de países terceiros) no território português e no dos outros Estados-Membros da União Europeia. A
consagração da cidadania europeia como derivando automaticamente da cidadania nacional pressupõe que os
Estados respeitam o princípio da nacionalidade efetiva quando estabelecem as regras de atribuição ou aquisição
da nacionalidade.
Finalmente, as soluções propostas desvirtuam o fim próprio de uma qualquer Lei da Nacionalidade, que é o
de determinar quem é que com a comunidade nacional tem a sua única conexão social ou uma qualquer conexão
relevante, pelo que, por isso, deve com o Estado estabelecer o vínculo jurídico da nacionalidade. No fundo,
quem é o povo português. Não é o seu objetivo responder à questão de saber que estrangeiro pode fixar
residência em Portugal. A resposta a esta questão deve ser dada pela Lei de Imigração. Também não é ou pode
ser objetivo de nenhuma Lei da Nacionalidade ultrapassar dificuldades de aplicação de uma lei da imigração.
Portanto, não deve ser objetivo de nenhuma lei da nacionalidade proporcionar a um estrangeiro, através da
aquisição de uma nacionalidade de conveniência, a regularização da sua entrada e residência no território
nacional ou no espaço europeu, à margem ou apesar da Lei de Imigração aprovada pelo Parlamento (que
representa o povo) ou das normas legitimamente aprovadas pela União Europeia, no âmbito de uma
competência que o Estado português ao assinar e ratificar os tratados europeus lhe atribuiu. Também por isso,
o princípio da lealdade comunitária desaconselha a consagração de um critério absoluto de jus soli ou de jus
sanguinis (qualquer estrangeiro com ascendente português seria, por esse facto, nacional português, mesmo
Página 65
11 DE DEZEMBRO DE 2019
65
que não tenha qualquer ligação com o povo português), pelo seu impacto direto e unilateral nas políticas
imigratórias dos outros Estados-Membros da UE e da própria UE.
2 – Eliminação de um período temporal mínimo da existência de um vínculo familiar com um nacional
português (casamento ou união de facto) como pressuposto da aquisição derivada da nacionalidade
(alterações ao artigo 3.º, n.os 1 e 3 da LN).
Com as alterações visadas pelo BE ao artigo 3.º da Lei da Nacionalidade, a simples assinatura de um contrato
de casamento ou o mero reconhecimento por uma junta de freguesia sem valor probatório de uma união de
facto com um português ou portuguesa seria pressuposto positivo suficiente para o direito à aquisição derivada
da nacionalidade portuguesa, independentemente da duração do vínculo familiar e sem qualquer possibilidade
de presumir ou verificar a estabilidade do mesmo.
Esta forma de aquisição derivada da nacionalidade encontra o seu fundamento na unidade de nacionalidade
da família, que deve ser protegido, mas que não dispensa o princípio da nacionalidade efetiva, pois a
nacionalidade é por definição um vínculo entre um indivíduo e o Estado, pelo que é a efetividade desse vínculo
que deve ser determinante e não tanto a formalização de um vínculo familiar entre um indivíduo a um nacional
português. Isso mesmo é reconhecido pelo legislador português quando estabelece como facto impeditivo da
aquisição da nacionalidade portuguesa pelo casamento ou união de facto a inexistência de ligação efetiva à
comunidade nacional [artigo 9.º, n.º 1, alínea a) da LN], a provar em sede de ação de oposição a esta aquisição
intentada pelo MP, salvo quando existam filhos comuns do casal, por se presumir que tal ligação existe (artigo
9.º, n.º 2 da LN).
Note-se que a lei não exige que o nacional português que transmite a sua nacionalidade ao cônjuge ou ao
unido de facto a tenha adquirido de determinada forma, nem coloca nenhuma condição relativa à residência em
território nacional. Apenas estabelece como requisito uma duração temporal mínima da relação familiar, que é
essencial para garantir o princípio da unidade familiar em sede de nacionalidade, pois evitando fraude à lei
através de casamento ou união de mera conveniência, o legislador visa proteger as verdadeiras famílias. Isto
porque a mera celebração de um contrato de casamento ou uma declaração de uma junta de freguesia a
reconhecer tal união (obtida sem qualquer averiguação e mediante uma simples declaração sob compromisso
de honra) não prova a existência de um verdadeiro vínculo familiar, de uma verdadeira família. Só esta merece
a tutela do princípio da unidade da nacionalidade da família, pelo que a imposição de um período temporal
mínimo de durabilidade da ligação familiar (conjugal ou de facto) é uma cautela adequada e proporcional para
evitar fraude à lei. Nem se diga, que o regime vigente impede ou a dificulta a residência legal do cônjuge
estrangeiro em território nacional (ou no território de qualquer estado da UE), na medida em que este não está
submetido à lei da imigração, antes beneficia de um amplo direito de entrada e residência garantido pela Lei n.º
37/2006, de 9 de agosto, que transpôs a Diretiva 2004/38/CE (direito de livre circulação e residência dos
cidadãos da UE e membros da respetiva família, independentemente da nacionalidade). Em qualquer caso, a
sede própria para a resolução de questões ligadas à entrada e residência de estrangeiros no território português
ou no espaço da UE não é a Lei da Nacionalidade, que deve ter como único propósito definir quem é português
e quem pode adquirir a nacionalidade portuguesa, porque com o Estado português tem a sua única ligação ou
uma relevante ligação, efetiva e genuína.
3 – Eliminação da exigência da legalidade da residência como pressuposto do direito à naturalização
dos imigrantes residentes em território nacional [Alteração ao artigo 6.º, n.º 1, alínea b) da LN].
Considerando a residência legal por 5 anos (nos termos do artigo 15.º da Lei da Nacionalidade, a qualquer
título previsto na lei, em convenção internacional ou no direito da União Europeia, ininterrupta ou interpolada
num período de 15 anos) em território nacional e o conhecimento da língua portuguesa, como indicadores
objetivos de uma ligação à comunidade nacional ou fatores de conexão relevantes, o artigo 6.º, n.º 1 da LN
reconhece ao estrangeiro um direito subjetivo à nacionalidade portuguesa por naturalização.
A alteração pretendida pelo BE visa substituir o conceito juridicamente definido de residência legal de
estrangeiro, enquadrado pela Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, por um conceito indeterminado de «residência».
Sendo um conceito indeterminado e não definido juridicamente, pode gerar uma insustentável insegurança
Página 66
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
66
jurídica numa matéria tão essencial como a da nacionalidade. Mesmo que não tenha proposto a revogação do
artigo 15.º da LN, que define o que se entende por residência legal (flexibilizando o conceito, ao não exigir que
esta seja necessariamente titulada por uma autorização de residência concedida nos termos da lei), sempre se
poderá, legitimamente questionar, como é que se prova uma residência efetiva (quando o estrangeiro entrou e
permaneceu irregularmente) e se é aceitável reconhecer um direito do estrangeiro à naturalização, a estabelecer
um vínculo jurídico com o Estado português, quando este entrou e permaneceu em território nacional com
desrespeito pelas condições estabelecidas por lei da Assembleia da República, pelo órgão legislativo do Estado
com o qual quer estabelecer um vínculo jurídico.
Se assim é, então, e conjugando com a eliminação do requisito obstativo da condenações penal (que à luz
do regime legal da imigração também é impeditivo da fixação de uma residência legal) é evidente o risco de
utilização da Lei da Nacionalidade para resolver questões de regularização migratória (matéria que deve ser
tratada em sede de direito da imigração ou da sua implementação e não em sede de direito da nacionalidade,
que se situa a montante e a jusante daquele), uma função que ela não deve ter, pois o seu objetivo é definir
quem é ou deve ser português, porque com o Estado português tem uma qualquer ligação efetiva e genuína (de
facto ou presumida). Por outro lado, tal permitiria a um imigrante que não preenche as condições estabelecidas
por lei da Assembleia da República para fixar residência em território nacional, muitas delas impostas pelo direito
da União Europeia, não só fixar, pela via da naturalização, residência legal em território nacional, mas adquirir,
por via do estatuto de cidadão da União que deriva automaticamente da aquisição da nacionalidade portuguesa,
um direito de residência no território de qualquer Estado-Membro da União Europeia. Não podemos esquecer
que o acesso e permanência de estrangeiros no território nacional não é um assunto que, num espaço sem
fronteiras internas, só a Portugal diga respeito. No âmbito da política europeia de imigração, os Estados
atribuíram à União Europeia competência legislativa para determinar as condições de entrada e residência de
estrangeiros no território europeu (artigo 79.º TFUE). Por outro lado, o direito da União Europeia garante aos
nacionais de Estados terceiros (estrangeiros) que residam legalmente em Portugal uma ampla liberdade de
circular e permanecer temporariamente no território dos outros Estados-Membros da UE (sem controlos nas
fronteiras internas, sem sujeição a vistos ou outras formalidades, que não seja a posse de um título de residência
de modelo europeu emitido pela autoridade nacional competente), pelo que as normas legais nacionais devem
de alguma forma acautelar que não são usadas para fins diferentes daqueles para que foram concebidas.
E não se diga que a Lei da Nacionalidade já prescinde da legalidade da residência para que o interessado
possa adquirir a nacionalidade portuguesa. Assim o é em relação à atribuição da nacionalidade a um estrangeiro,
cujo progenitor já nasceu em Portugal [artigo 1.º, n.º 1, alínea e), da LN], à naturalização de menores nascidos
em Portugal (artigo 6.º, n.º 2, da LN) e à naturalização de adultos que nasceram em Portugal e aqui
permaneceram nos 5 anos que antecedem o pedido de naturalização (artigo 6.º, n.º 5, da LN). Em todos estes
casos, a presunção de que existe uma ligação efetiva do imigrante à comunidade nacional (o princípio da
nacionalidade efetiva) deve prevalecer sobre a exigência de respeito das normas que o legislador português
adotou em matéria de imigração.
Tendo em consideração que a residência de um estrangeiro em território nacional é, nos termos da Lei da
Nacionalidade, fator de conexão ou indiciário da existência de uma ligação socialmente efetiva à comunidade
nacional, que encontra a sua tradução jurídica no vínculo jurídico da nacionalidade, cumpre aqui destacar as
condições que os estrangeiros devem cumprir para entrar e fixar residência em território nacional, definidas pela
comunidade nacional através dos seus legítimos representantes (em especial, a Lei n.º 23/2007, de 4 de julho,
tal como alterada, por último, pela Lei n.º 28/2019, de 29 de março), bem como pelos órgãos legislativos da
União Europeia (onde a comunidade nacional está duplamente representada, seja de forma indireta no
Conselho, seja de forma direta, no PE). Assim, nos termos 77.º da Lei 23/2007, de 4 de julho, o estrangeiro que
queira fixar legalmente residência em Portugal tem de preencher uma série de condições, como, por exemplo,
ter meios de subsistência, alojamento e não ter sido condenado por crime punível com pena de prisão superior
a 1 ano. A mesma condição é exigida para a renovação da autorização da residência (artigo 78.º). Sendo titular
de uma autorização de residência há 5 anos, tem direito a obter uma autorização de residência permanente se,
entre outras condições, não tiver sido condenado em pena que ultrapasse 1 ano de prisão e comprove ter
conhecimento do português básico.
Assim, não faz sentido que as condições legais de fixação de residência em Portugal, impostas pelo
legislador, possam ser facilmente ignoradas por via da Lei da Nacionalidade, que possibilitaria a qualquer
Página 67
11 DE DEZEMBRO DE 2019
67
estrangeiro que não preencha as condições legais para residir em Portugal, ao fim de 5 anos de permanência
em desrespeito pela lei, adquirir, pela via da naturalização, um direito absoluto de residir em Portugal e o direito
de entrar e residir em qualquer Estado-Membro da UE. Tal significaria transformar a Lei da Nacionalidade (que
define quem é ou deve ser português) num mero instrumento de regularização da imigração em Portugal e na
Europa, uma função que não é a sua, nem é a que deve ter.
4 – Eliminação da condição de inexistência de condenação por crime em pena de prisão de 3 anos,
como pressuposto negativo ou obstativo da atribuição ou aquisição derivada da nacionalidade
portuguesa [Alterações ao artigo 1.º, n.º 3 e revogação da alínea d) do n.º 1 e do n.º 10 do artigo 6.º e da
alínea b) do n.º 1 e n.º 3 do artigo 9.º].
Em relação a este pressuposto obstativo de aquisição da nacionalidade portuguesa por via do casamento ou
união de facto com nacional português ou por via da naturalização, gostaria de recordar que a Lei Orgânica n.º
2/2018, de 5 de julho, introduziu uma alteração substantiva, pois passou exigir a condenação em pena concreta
igual ou superior a 3 anos de prisão para efeitos de aquisição derivada da nacionalidade e desde que a mesma
conste de certificado de registo criminal. Com esta alteração, deixou de ser facto impeditivo da aquisição da
nacionalidade a condenação em pena de prisão inferior a 3 anos de prisão, independentemente da moldura
penal. Por outro lado, deu-se relevância ao instituto da reabilitação, pois o n.º 10 do artigo 6.º e o n.º 3 do artigo
9.º determinam que a prova da inexistência de condenação se faz apenas por exibição do certificado de registo
criminal. Assim, mesmo que um cidadão estrangeiro tenha sido condenado em pena de prisão igual ou superior
a 3 anos, tal não será impeditivo da aquisição de nacionalidade em caso de cancelamento do registo criminal
por reabilitação legal ou judicial.
No entanto, as alterações introduzidas nesta sede pela Lei Orgânica n.º 2/2018, de 5 de julho, deveriam, em
minha opinião ser revisitadas, pois embora tenham alargado o âmbito pessoal do direito à nacionalidade
portuguesa, não acautelaram a exigência de dupla incriminação, já que impede o acesso à nacionalidade
portuguesa por parte de um estrangeiro condenado no seu país de origem a 3 anos de prisão, mesmo por facto
não punível criminalmente em Portugal. Por outro lado, introduziu uma incongruência na Lei da Nacionalidade,
pois a atribuição da nacionalidade portuguesa a um neto estrangeiro de um nacional português, que tenha efetiva
ligação à comunidade nacional, continua a depender da inexistência de condenação apreciada em função da
moldura penal (abstrata) do crime e sujeita a controlo de dupla incriminação. Com efeito, o n.º 3 do artigo 1.º da
LN manteve inalterada a sua redação, ao estabelecer que nestes casos a atribuição da nacionalidade depende
da «não condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão
de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa».
Mas uma coisa é revisitar esta previsão legal, outra é a eliminação deste pressuposto negativo de atribuição
da nacionalidade portuguesa aos netos estrangeiros de nacionais ou de aquisição da nacionalidade portuguesa
por parte de estrangeiros que tenham um vínculo familiar com nacional português ou por naturalização. Sobre
estas normas já se pronunciou o Tribunal Constitucional, que as considerou uma densificação do princípio da
nacionalidade efetiva, a que está vinculado o legislador português.
Em primeiro lugar, e de acordo com a jurisprudência do TC (Acórdão n.º 106/2016), este pressuposto
negativo visa «obstar a que aqueles que, por via da prática daqueles crimes, judicialmente aferida, ofenderam
os bens jurídicos a que a comunidade nacional entendeu conferir uma tutela jurídico-penal (...), integrem a
comunidade cujos bens (assim) tutelados não respeitaram», pelo que a inexistência de condenação em pena
de prisão igual ou superior a 3 anos, «corresponde, ainda, à densificação do vínculoo de ligação efetiva entre a
pessoa e o Estado (português) que baseia a cidadania». Também considerou o TC, no mesmo acórdão, que
tais normas legais não ofendem a CRP, em especial, o artigo 30.º, n.os 1 e 4. No entanto, decidiu que, em sede
de apreciação desta condição impeditiva do acesso à nacionalidade portuguesa, se deve ter em consideração
a reabilitação legal, o que é garantido pela Lei da Nacionalidade, na sua mais recente versão, já que este
pressuposto só pode ser comprovado pelo certificado de registo criminal.
Em segundo lugar, a eliminação deste pressuposto não acautela outros valores constitucionais, como o
direito à segurança, constitucionalmente protegido. Isto porque se conjugada com outras disposições propostas
para facilitar a aquisição da nacionalidade portuguesa, sem cuidar de garantir que tal corresponda a um vínculo
efetivo à comunidade nacional (por ex.: o mero casamento formal com nacional português independentemente
Página 68
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
68
da duração do vínculo familiar ou a permanência irregular no território com o mero intuito de adquirir a
nacionalidade portuguesa por naturalização), também pode ter o efeito indesejado de transformar a Lei da
Nacionalidade em instrumento de elisão penal daqueles estrangeiros que cometeram crimes no seu país de
nacionalidade e que, por via da aquisição por mera conveniência da nacionalidade portuguesa, se podem,
facilmente, furtar a qualquer perseguição criminal. Seja no País de origem, já que a sua expulsão é
constitucionalmente proibida (artigo 33.º, n.º 1 da CRP) e está protegido contra extradição (que em relação a
nacionais está sujeita a fortes condicionamentos constitucionais, nos termos do artigo 33.º, n.º 3 da CRP). Seja
em Portugal, sempre que inexista um acordo de cooperação judiciária em matéria penal com o país onde
cometeu o crime.
Em terceiro lugar, tal revogação, a concretizar-se, introduziria uma insustentável incongruência no regime
jurídico de entrada e residência de estrangeiros (nacionais de países terceiros) no território nacional, pois nos
termos da Lei n.º 23/2007, como alterada por último pela Lei n.º 28/2019 (Lei de Imigração), a concessão e
renovação de autorização de residência depende, em regra, da inexistência de condenações criminais (ver artigo
77.º e 78.º). Ou seja, o mesmo legislador que nega o estatuto de residente legal a um estrangeiro por razões de
ordem pública, seria o mesmo que permitiria a esse estrangeiro, nas mesmas condições, aceder à nacionalidade
portuguesa e com isso ao direito de residência em Portugal e no espaço europeu. É preciso ter em consideração
que o pressuposto da inexistência de condenação criminal para o acesso de um estrangeiro ao território, à
residência e à nacionalidade portuguesa é, igualmente, necessário para preservar a ordem pública e a paz
social, seja em Portugal, seja nos restantes países da União Europeia, caracterizada como um espaço sem
fronteiras internas.
Conclusões
Tendo em consideração o exposto, as alterações que o BE pretende introduzir em sede do regime jurídico
de atribuição e aquisição da nacionalidade portuguesa são, em minha opinião, inaceitáveis, por várias razões.
Antes de mais porque não respeitam o princípio da nacionalidade efetiva, que deve nortear qualquer lei da
nacionalidade. Por outro lado, não acautelam a utilização abusiva do direito da nacionalidade para defraudar
normas legais sobre entrada e residência de estrangeiros em território nacional e, por via do estatuto de cidadão
da União, no território dos demais Estados-Membros da União Europeia, ou mesmo as relativas à isenção de
visto de que beneficiam os cidadãos europeus em muitos países do mundo. Esta possibilidade de utilização do
direito à nacionalidade por parte de indivíduos sem qualquer conexão relevante com a comunidade nacional ou
que aqui não possam fixar residência por imposição legal, nacional ou europeia, pode conduzir a uma violação
do princípio da lealdade comunitária, a que o legislador de um Estado-Membro da União Europeia está obrigado.
Por fim, as alterações propostas pelo BE não acautelam a possibilidade de utilização abusiva do direito de
aceder à nacionalidade portuguesa como instrumento de elisão penal, favorecida pelos obstáculos
constitucionais à extradição de portugueses e pelas limitações existentes à cooperação judiciária internacional
em matéria penal. Estas são, em minha opinião, utilizações do direito à nacionalidade que uma lei da
nacionalidade não deve permitir.
Quanto à alteração do artigo 18.º do Regulamento Emolumentar dos Registos e Notariado, no sentido de
diminuir substancialmente as taxas relativas aos procedimentos administrativos de atribuição e aquisição de
nacionalidade, reservo a minha opinião nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 137.º do RAR.
PARTE III – CONCLUSÕES
1. As Deputadas e Deputados do Grupo Parlamentar do BE apresentaram à Assembleia da República o
Projeto de Lei n.º 3/XIV/1.ª – Altera a Lei da Nacionalidade e o Regulamento Emolumentar dos Registos e
Notariados (nona alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro e trigésima quarta alteração ao Decreto-Lei n.º 322-
A/2001, de 14 de dezembro).
2. Esta iniciativa visa consagrar o jus solis como «princípio norteador da atribuição da nacionalidade em
Portugal» mediante a atribuição automática, por força da lei, da nacionalidade portuguesa a todos os filhos de
estrangeiros que nasçam em Portugal, bem como através da concessão de um direito incondicional à aquisição
Página 69
11 DE DEZEMBRO DE 2019
69
da nacionalidade por naturalização de todo o estrangeiro nascido em Portugal, ao qual não tenha sido atribuída
a nacionalidade portuguesa originária.
3. Esta iniciativa também tem por objetivo facilitar a aquisição da nacionalidade portuguesa por parte de
cidadão estrangeiro casado ou unido de facto com português, conferindo-lhe, por este facto e
independentemente da duração do vínculo familiar, o direito à aquisição derivada da nacionalidade.
4. A iniciativa visa, em terceiro lugar, conceder o direito à naturalização a todos os estrangeiros que
residam em Portugal, independentemente da regularidade da sua permanência.
5. A iniciativa em apreço pretende, igualmente, eliminar, em relação à atribuição de nacionalidade
originária (nomeadamente aos netos de portugueses, nascidos no estrangeiro) e de aquisição derivada da
nacionalidade por efeito da vontade ou por naturalização, a condição da inexistência de condenação por crime
com pena de prisão igual ou superior a três anos de prisão, pelo que tal condenação deixa de impedir o acesso
à nacionalidade portuguesa.
6. Por fim, esta iniciativa propõe a redução das taxas cobradas por procedimentos administrativos relativos
à aquisição da nacionalidade, fixando uma taxa de 15€.
7. O Projeto de Lei n.º 3/XIV/1.ª cumpre os requisitos formais previstos no n.º 1 do artigo 119.º, no n.º 1 do
artigo 123.º, bem como no n.º 1 do artigo 124.º do RAR.
8. Face ao exposto, e nada havendo a obstar, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos,
Liberdades e Garantias é de parecer que o Projeto de Lei n.º 3/XIV/1.ª reúne os requisitos constitucionais e
regimentais para ser discutido e votado em plenário.
Palácio de São Bento, 9 de dezembro de 2019.
A Deputada relatora, Constança Urbano de Sousa — O Presidente da Comissão, Luís Marques Guedes.
Nota: As partes I e III do parecer foram aprovadas com votos a favor do PS, do PSD, do BE e do PCP, com
a abstenção do DURP do L, tendo-se verificado a ausência do CDS-PP, do PAN e do DURP do CH, na reunião
da Comissão de 11 de dezembro de 2019.
PARTE IV – ANEXOS
Nota técnica.
Nota Técnica
Projeto de Lei n.º 3/XIV (BE)
Altera a Lei da Nacionalidade e o Regulamento Emolumentar dos Registos e Notariado (nona
alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro e trigésima quarta alteração ao Decreto-Lei n.º 322-A/2001, de
14 de dezembro).
Data de admissão: 6 de novembro de 2019.
Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (1.ª)
Índice
I. Análise da iniciativa
II. Enquadramento parlamentar
III. Apreciação dos requisitos formais
IV. Análise de direito comparado
V. Consultas e contributos
Página 70
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
70
VI. Avaliação prévia de impacto
VIII. Enquadramento bibliográfico
Elaborada por: Paula Faria e João Oliveira (BIB), Luísa Colaço e Nuno Amorim (DILP), Rafael Silva (DAPLEN) e Nélia Monte Cid (DAC). Data: 18 de novembro de 2019.
I. Análise da iniciativa
A iniciativa
Através do presente projeto de lei, as Deputadas e os Deputados do BE propõem a alteração dos artigos 1.º,
3.º, 6.º, 9.º e 21.º da Lei da Nacionalidade (aprovada pela Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, e alterada pela Lei n.º
25/2004, de 19 de agosto, pelo Decreto-Lei n.º 322-A/2001, de 14 de dezembro, e pelas Leis Orgânicas n.os
1/2004, de 15 de janeiro, 2/2006, de 17 de abril, 1/2013, de 29 de julho, 8/2015, de 22 de junho, 9/2015, de 29
julho e 2/2018, de 5 de julho), no sentido de o jus soli dever ser «assumido como o princípio norteador da
atribuição da nacionalidade em Portugal.»
Consideram os proponentes que, mau grado as recentes alterações da Lei da Nacionalidade, operadas pela
Lei Orgânica n.º 2/2018, de 5 de julho, que alargou o acesso à nacionalidade originária e à naturalização às
pessoas nascidas em território português, a lei continua «aquém do que é exigível», pelo que consideram que
se impõe, designadamente, que passe a ser reconhecida, sem mais requisitos, a nacionalidade portuguesa
originária a todos os indivíduos nascidos em Portugal, independentemente da nacionalidade dos seus
progenitores.
Advogam, por outro lado, a eliminação da exigência de legalidade da residência em Portugal para efeitos de
concessão da nacionalidade por naturalização, passando a poder ser concedida a nacionalidade, por
naturalização, aos estrangeiros que residam (mesmo que não legalmente) no território português há, pelo
menos, 5 anos.
Propõem, por isso a alteração dos referidos artigos da Lei da Nacionalidade, mediante:
1) A revogação da norma que reconhece a nacionalidade originária aos filhos de estrangeiros, nascidos em
Portugal, apenas se «um dos progenitores também aqui tiver nascido e aqui tiver residência, independentemente
de título, ao tempo do nascimento» [alínea d) do n.º 1 do artigo 1.º];
2) A eliminação, para o mesmo efeito, da necessidade de os indivíduos nascidos em Portugal, filhos de
estrangeiros que não se encontrem ao serviço do respetivo Estado, «declararem que querem ser portugueses
e desde que, no momento do nascimento, um dos progenitores aqui resida legalmente há pelo menos cinco
anos» [alínea e) do n.º 1 do artigo 1.º], com possibilidade da prova da nacionalidade pelo assento de nascimento
[aditando a alínea f) do n.º 1 do artigo 1.º alterada ao elenco do n.º 1 do artigo 21.º];
3) A eliminação, para efeitos de atribuição da nacionalidade por naturalização, da necessidade de a
residência em território português há pelo menos 5 anos ser legal, assim tornando menos exigente o requisito
cumulativo constante da alínea b) do n.º 1 do artigo 6.º];
4) A eliminação, para efeitos de atribuição da nacionalidade por naturalização, do requisito da não
condenação, com trânsito em julgado, com pena de prisão igual ou superior a 3 anos (por alteração dos artigos
6.º e 9.º);
5) A consagração da aquisição da nacionalidade portuguesa por pessoas casadas ou unidas de facto com
cidadãos portugueses, sem exigência de outros requisitos que não uma declaração formal (por alteração do
artigo 3.º).
Página 71
11 DE DEZEMBRO DE 2019
71
O projeto de lei sub judice preconiza ainda acessoriamente a alteração do Regulamento Emolumentar dos
Registos e Notariado, no sentido da diminuição do valor dos emolumentos devidos em processos de atribuição,
aquisição e perda da nacionalidade, que faz equiparar aos definidos para a substituição do cartão de cidadão.
A iniciativa dispõe ainda, em artigos finais, sobre a necessidade de regulamentação, pelo Governo, das
alterações a introduzir pela lei, determinando a entrada em vigor desta no dia seguinte ao da sua publicação.
Para melhor compreensão das alterações propostas, apresenta-se o seguinte quadro comparativo das
alterações propostas às normas em vigor:
Lei da Nacionalidade Projeto de Lei n.º 3/XIV/1.ª
Artigo 1.º Nacionalidade originária
1 – São portugueses de origem:
a) Os filhos de mãe portuguesa ou de pai português nascidos no território português; b) Os filhos de mãe portuguesa ou de pai português nascidos no estrangeiro se o progenitor português aí se encontrar ao serviço do Estado português; c) Os filhos de mãe portuguesa ou de pai português nascidos no estrangeiro se tiverem o seu nascimento inscrito no registo civil português ou se declararem que querem ser portugueses; d) Os indivíduos nascidos no estrangeiro com, pelo menos, um ascendente de nacionalidade portuguesa do 2.º grau na linha reta que não tenha perdido essa nacionalidade, se declararem que querem ser portugueses, possuírem laços de efetiva ligação à comunidade nacional e, verificados tais requisitos, inscreverem o nascimento no registo civil português; e) Os indivíduos nascidos no território português, filhos de estrangeiros, se pelo menos um dos progenitores também aqui tiver nascido e aqui tiver residência, independentemente de título, ao tempo do nascimento; f) Os indivíduos nascidos no território português, filhos de estrangeiros que não se encontrem ao serviço do respetivo Estado, que não declarem não querer ser portugueses, desde que, no momento do nascimento, um dos progenitores aqui resida legalmente há pelo menos dois anos; g) Os indivíduos nascidos no território português e que não possuam outra nacionalidade. 2 – Presumem-se nascidos no território português, salvo prova em contrário, os recém-nascidos que aqui tenham sido expostos. 3 – A verificação da existência de laços de efetiva ligação à comunidade nacional, para os efeitos estabelecidos na alínea d) do n.º 1, implica o reconhecimento, pelo Governo, da relevância de tais laços, nomeadamente pelo conhecimento suficiente da língua portuguesa e pela existência de contactos regulares com o território português, e depende de não condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa. 4 – A prova da residência legal referida na alínea f) do n.º 1 faz-se mediante a exibição do competente documento de identificação do pai ou da mãe no momento do registo.
Artigo 1.º (…)
1 – […]:
a) (…); b) (…); c) (…); d) (…); e) (Revogado); f) Os indivíduos nascidos no território português, filhos de estrangeiros que não se encontrem ao serviço do respetivo Estado; g) (…). 2 – (…). 3 – A verificação da existência de laços de efetiva ligação à comunidade nacional, para os efeitos estabelecidos na alínea d) do n.º 1, implica o reconhecimento, pelo Governo, da relevância de tais laços, nomeadamente pelo conhecimento suficiente da língua portuguesa e pela existência de contactos regulares com o território português.
Página 72
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
72
Lei da Nacionalidade Projeto de Lei n.º 3/XIV/1.ª
Artigo 3.º
Aquisição em caso de casamento ou união de facto
1 – O estrangeiro casado há mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa mediante declaração feita na constância do matrimónio. 2 – A declaração de nulidade ou anulação do casamento não prejudica a nacionalidade adquirida pelo cônjuge que o contraiu de boa-fé. 3 – O estrangeiro que, à data da declaração, viva em união de facto há mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa, após ação de reconhecimento dessa situação a interpor no tribunal cível.
Artigo 3.º
(…)
1 – O cônjuge estrangeiro de nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa através de declaração formal registada na constância do matrimónio. 2 – (…). 3 – O estrangeiro em união de facto com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa mediante a apresentação de declaração de reconhecimento da união de facto emitida pela respetiva junta de freguesia.
Artigo 6.º
Requisitos
1 – O Governo concede a nacionalidade portuguesa, por naturalização, aos estrangeiros que satisfaçam cumulativamente os seguintes requisitos:
a) Serem maiores ou emancipados à face da lei portuguesa; b) Residirem legalmente no território português há pelo menos cinco anos; c) Conhecerem suficientemente a língua portuguesa; d) Não tenham sido condenados, com trânsito em julgado da sentença, com pena de prisão igual ou superior a 3 anos; e) Não constituam perigo ou ameaça para a segurança ou a defesa nacional, pelo seu envolvimento em atividades relacionadas com a prática do terrorismo, nos termos da respetiva lei. 2 – O Governo concede a nacionalidade, por naturalização, aos menores, nascidos no território português, filhos de estrangeiros, desde que preencham os requisitos das alíneas c), d) e e) do número anterior e desde que, no momento do pedido, se verifique uma das seguintes condições: a) Um dos progenitores aqui tenha residência, independentemente de título, pelo menos durante os cinco anos imediatamente anteriores ao pedido; b) O menor aqui tenha concluído pelo menos um ciclo do ensino básico ou o ensino secundário. 3 – Tratando-se de criança ou jovem com menos de 18 anos, acolhidos em instituição pública, cooperativa, social ou privada com acordo de cooperação com o Estado, na sequência de medida de promoção e proteção definitiva aplicada em processo de promoção e proteção, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 72.º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada em anexo à Lei n.º 147/99, de 1 de setembro, cabe ao Ministério Público promover o respetivo processo de naturalização com dispensa das condições referidas no número anterior. 4 – O Governo concede a naturalização, com dispensa dos requisitos previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1, aos indivíduos que tenham tido a nacionalidade portuguesa e que, tendo-a perdido, nunca tenham adquirido outra nacionalidade. 5 – O Governo concede a nacionalidade, por naturalização, com dispensa do requisito estabelecido na alínea b) do n.º 1, aos indivíduos que satisfaçam cumulativamente os seguintes requisitos: a) Tenham nascido em território português; b) Sejam filhos de estrangeiro que aqui tivesse residência, independentemente de título, ao tempo do seu nascimento;
Artigo 6.º
(…)
1 – (…):
a) (…); b) Residirem no território português há pelo menos cinco anos; c) (…); d) (Revogada);
e) (…). 2 – O Governo concede a nacionalidade, por naturalização, aos nascidos no território português, filhos de estrangeiros, aos quais não tenha sido atribuída nacionalidade originária. 3 – (…). 4 – (Revogado pela Lei Orgânica n.º 9/2015, de 29 de julho). 5 – (Revogado).
Página 73
11 DE DEZEMBRO DE 2019
73
Lei da Nacionalidade Projeto de Lei n.º 3/XIV/1.ª
c) Aqui residam, independentemente de título, há pelo menos cinco anos. 6 – O Governo pode conceder a naturalização, com dispensa dos requisitos previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1, aos indivíduos que, não sendo apátridas, tenham tido a nacionalidade portuguesa, aos que forem havidos como descendentes de portugueses, aos membros de comunidades de ascendência portuguesa e aos estrangeiros que tenham prestado ou sejam chamados a prestar serviços relevantes ao Estado Português ou à comunidade nacional. 7 – O Governo pode conceder a nacionalidade por naturalização, com dispensa dos requisitos previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1, aos descendentes de judeus sefarditas portugueses, através da demonstração da tradição de pertença a uma comunidade sefardita de origem portuguesa, com base em requisitos objetivos comprovados de ligação a Portugal, designadamente apelidos, idioma familiar, descendência direta ou colateral. 8 – O Governo pode conceder a nacionalidade, por naturalização, com dispensa do requisito estabelecido na alínea b) do n.º 1, aos indivíduos que sejam ascendentes de cidadãos portugueses originários, aqui tenham residência, independentemente de título, há pelo menos cinco anos imediatamente anteriores ao pedido e desde que a ascendência tenha sido estabelecida no momento do nascimento do cidadão português. 9 – O conhecimento da língua portuguesa referido na alínea c) do n.º 1 presume-se existir para os requerentes que sejam naturais e nacionais de países de língua oficial portuguesa. 10 – A prova da inexistência de condenação, com trânsito em julgado da sentença, com pena de prisão igual ou superior a 3 anos referida na alínea d) do n.º 1 faz-se mediante a exibição de certificados de registo criminal emitidos: a) Pelos serviços competentes portugueses; b) Pelos serviços competentes do país do nascimento, do país da nacionalidade e dos países onde tenha tido residência, desde que neles tenha tido residência após completar a idade de imputabilidade penal.
6 – (…). 7 – (…). 8 – (…). 9 – (…). 10 – (Revogado)
Artigo 9.º
Fundamentos
1 – Constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa por efeito da vontade:
a) A inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional; b) A condenação, com trânsito em julgado da sentença, com pena de prisão igual ou superior a 3 anos; c) O exercício de funções públicas sem carácter predominantemente técnico ou a prestação de serviço militar não obrigatório a Estado estrangeiro; d) A existência de perigo ou ameaça para a segurança ou a defesa nacional, pelo seu envolvimento em atividades relacionadas com a prática do terrorismo, nos termos da respetiva lei.
2 – A oposição à aquisição de nacionalidade com fundamento na alínea a) do número anterior não se aplica às situações de aquisição de nacionalidade em caso de casamento ou união de facto quando existam filhos comuns do casal com nacionalidade portuguesa. 3 – À prova da inexistência de condenação referida na alínea b) do n.º 1 é aplicável o disposto no n.º 10 do artigo 6.º.
Artigo 9.º
(…)
1 – (…):
a) (…); b) (Revogado); c) (…); d) (…).
2 – (…). 3 – (Revogado).
Página 74
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
74
Lei da Nacionalidade Projeto de Lei n.º 3/XIV/1.ª
Artigo 21.º
Prova da nacionalidade originária
1 – A nacionalidade portuguesa originária dos indivíduos abrangidos pelas alíneas a), b) e f) do n.º 1 do artigo 1.º prova-se pelo assento de nascimento. 2 – É havido como nacional português o indivíduo de cujo assento de nascimento não conste menção da nacionalidade estrangeira dos progenitores ou do seu desconhecimento. 3 – A nacionalidade originária dos indivíduos abrangidos pela alínea c) do n.º 1 do artigo 1.º prova-se, consoante os casos, pelas menções constantes do assento de nascimento lavrado por inscrição no registo civil português ou pelo registo da declaração de que depende a atribuição. 4 – A nacionalidade originária dos indivíduos abrangidos pela alínea d) do n.º 1 do artigo 1.º prova-se pelo assento de nascimento onde conste a menção da naturalidade portuguesa de um dos progenitores e a da sua residência no território nacional. 5 – A nacionalidade portuguesa originária de indivíduos abrangidos pela alínea e) do n.º 1 do artigo 1.º prova-se pelo registo da declaração de que depende a atribuição.
Artigo 21.º
(…)
1 – A nacionalidade portuguesa originária dos indivíduos abrangidos pelas alíneas a), b), f) e g) do n.º 1 do artigo 1.º prova-se pelo assento de nascimento. 2 – (…). 3 – (…). 4 – (…). 5 – (Revogado).
A iniciativa legislativa compõe-se de seis artigos preambulares: o artigo 1.º que define o objeto da
iniciativa; o 2.º, que identifica os artigos a alterar da Lei da Nacionalidade, o artigo 3.º que, promove a alteração
do Regulamento Emolumentar dos Registos e Notariado, o 4.º que dispõe sobre a necessidade de alteração do
Regulamento da Nacionalidade Portuguesa e os dois últimos que identificam expressamente as revogações
preconizadas e que determinam o dia seguinte ao da publicação para o início de vigência da Lei a aprovar.
Enquadramento jurídico nacional
Para a matéria em apreço neste projeto de lei releva, em especial, o artigo 4.º da Constituição da República
Portuguesa, segundo o qual «são cidadãos portugueses todos aqueles que como tal sejam considerados pela
lei ou por convenção internacional».
No plano da legislação ordinária, a Lei n.º 37/81, de 3 de outubro1 (Lei da Nacionalidade), na qual o projeto
de lei em apreço pretende introduzir alterações, foi modificada oito vezes, através da Lei n.º 25/94, de 19 de
agosto, do Decreto-Lei n.º 322-A/2001, de 14 de dezembro (na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 194/2003, de
23 de agosto)2 3 e das Leis Orgânicas n.os 1/2004, de 15 de janeiro, 2/2006, de 17 de abril , 1/2013, de 29 de
julho, 8/2015, de 22 de junho, 9/2015, de 29 de julho, e 2/2018, de 5 de julho, a qual procedeu à sua republicação.
A última alteração operada à Lei da Nacionalidade alargou o acesso à nacionalidade com base no critério do
jus soli, tanto na aquisição da nacionalidade originária como por adoção e naturalização. Mantinha, no entanto,
algumas condicionantes a essa aquisição que a presente iniciativa legislativa vem mitigar.
1 Versão consolidada retirada do portal oficial dre.pt 2 Retificado pela Declaração de Retificação n.º 11-I/2003, de 30 de setembro. 3 A alteração introduzida por este diploma, traduzida na revogação do artigo 20.º da Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, dizia respeito à gratuitidade dos registos das declarações para a atribuição da nacionalidade portuguesa e os registos oficiosos, bem como os documentos necessários para uns e outros, não afetando a área de reserva absoluta de competência legislativa a que se refere a alínea f) do artigo 164.º da Constituição.
Página 75
11 DE DEZEMBRO DE 2019
75
O projeto de lei ora apresentado altera também o Regulamento Emolumentar dos Registos e Notariado4, o
qual foi objeto já de 35 alterações, sendo de realçar aqui as relativas ao artigo 18.º, nomeadamente pelos
Decretos-Lei n.os 194/2003, de 28 de agosto5, 76-A/2006, de 29 de março6, 237-A/2006, de 14 de dezembro,
324-A/2007, de 28 de setembro7, 247-B/2008, de 30 de dezembro, 99/2010, de 2 de setembro, 209/2012, de 19
de setembro8, e 201/2015, de 17 de setembro, bem como pela Lei n.º 85/2019, de 03 de setembro. Este artigo
fixa o valor dos emolumentos devidos pelos diversos atos de registo, que, nos processos de atribuição, aquisição
e perda da nacionalidade, variam entre 150€ e 250€.
O artigo 4.º da presente iniciativa legislativa comete ao Governo a regulamentação da lei a que ela der origem,
através da alteração do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa9. Podem ser considerados pertinentes a
este propósito, entre outros, o artigo 14.º, sobre a aquisição da nacionalidade portuguesa em caso de casamento
ou união de facto, e 18.º a 28.º, relativos à concessão da nacionalidade por naturalização.
II. Enquadramento parlamentar
Iniciativas pendentes (iniciativas legislativas e petições)
Consultada a base de dados da Atividade Parlamentar (AP), verificou-se não estar pendente nenhuma outra
iniciativa legislativa ou petição sobre a matéria em apreço.
Antecedentes parlamentares (iniciativas legislativas e petições)
De anteriores Legislaturas, como antecedentes parlamentares do presente Projeto de Lei, encontram-se
registadas as seguintes iniciativas legislativas e petições:
Da XIII Legislatura:
– Projeto de Lei n.º 364/XIII (PSD) – Altera a Lei n.º 37/81 (Lei da Nacionalidade);
– Projeto de Lei n.º 390/XIII (BE) – Altera a Lei da Nacionalidade, aprovada pela Lei n.º 37/81, de 3 de outubro,
e o Regulamento Emolumentar dos Registos e Notariado, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 322-A/2001, de 14 de
dezembro;
– Projeto de Lei n.º 428/XIII (PCP) – Nona alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro (Lei da Nacionalidade)10;
– Projeto de Lei n.º 548/XIII (PAN) – Altera a Lei da Nacionalidade;
– Projeto de Lei n.º 544/XIII (PS) – Oitava alteração à Lei da Nacionalidade, aprovada pela Lei n.º 37/81, de
3 de outubro, alterada pela Lei n.º 25/94, de 19 de agosto, pelo Decreto-Lei n.º 322-A/2001, de 14 de dezembro,
e pelas Leis Orgânicas n.º 1/2004, de 15 de janeiro, n.º 2/2006, de 17 de abril, n.º 1/2013, de 29 de julho, n.º
8/2015, de 22 de junho e n.º 9/2015, de 29 de julho;
Estas iniciativas, discutidas e votadas indiciariamente na Comissão de Assuntos Constitucionais da XIII
Legislatura, deram origem a um texto de substituição desta Comissão, que culminou na aprovação da Lei
Orgânica n.º 2/2018, de 5 de julho.
– Projeto de Lei n.º 479/XIII (CDS-PP) – Determina a perda da nacionalidade portuguesa, por parte de quem
seja também nacional de outro Estado, em caso de condenação pela prática do crime de terrorismo (8.ª alteração
à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro – Lei da Nacionalidade) – rejeitado na generalidade em 19 de maio de 2017,
com votos contra de PS, BE, PCP, PEV, PAN, a favor do CDS-PP e a abstenção do PSD.
Da XII Legislatura:
4 Versão consolidada retirada do portal oficial dre.pt 5 Retificado pela Declaração de Retificação n.º 11-I/2003, de 30 de setembro. 6 Retificado pela Declaração de Retificação n.º 28-A/2006, de 24 de maio. 7 Retificado pela Declaração de Retificação n.º 107/2007, de 23 de novembro. 8 Retificado pela Declaração de Retificação n.º 65/2012, de 13 de novembro. 9 Versão consolidada retirada do portal oficial dre.pt. 10 Daria origem à Lei Orgânica n.º 2/2018, de 5 de julho.
Página 76
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
76
– O Projeto de Lei n.º 373/XII (PS) – «Quinta alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro (Lei da
Nacionalidade)»11;
– O Projeto de Lei n.º 382/XII (PSD) – «Quinta alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro (Lei da
Nacionalidade) Estende a nacionalidade portuguesa originária aos netos de portugueses nascidos no
estrangeiro»;12
– O Projeto de Lei n.º 387/XII (PCP) – «Quinta alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro (Lei da
Nacionalidade)»;13
– O Projeto de Lei n.º 394/XII (CDS-PP) – «Quinta alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro (Lei da
Nacionalidade) Nacionalidade portuguesa de membros de comunidades de judeus sefarditas expulsos de
Portugal»14;
– O Projeto de Lei n.º 400/XII (BE) – «Altera a Lei da Nacionalidade (quinta alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de
outubro)»15;
– A Proposta de Lei n.º 280/XII (GOV) – «Procede à sexta alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro (Lei da
Nacionalidade), fixando novos fundamentos para a concessão da nacionalidade por naturalização e para
oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa»16.
– Da XI Legislatura, encontramos ainda o Projeto de Lei n.º 30/XI (PSD) – «Altera a Lei da Nacionalidade
estendendo a nacionalidade portuguesa originária aos netos de portugueses nascidos no estrangeiro».17
Da anterior Legislatura, registam-se as seguintes petições, de apreciação já concluída:
– Petição n.º 618/XIII/4 Solicitam a alteração de alguns critérios de concessão de nacionalidade portuguesa;
– Petição n.º 617/XIII/4 Solicitam a concessão de nacionalidade portuguesa a cidadãos originários de países
colonizados por Portugal com 2 anos de residência no país.;
– Petição n.º 590/XIII/4 Solicitam a revisão da interpretação que Portugal faz do artigo 5.º da Convenção
Europeia sobre a Nacionalidade.;
– Petição n.º 576/XIII/4 Solicitam a atribuição de nacionalidade portuguesa a cidadãos oriundos de países
colonizados com 2 anos de residência.;
– Petição n.º 390/XIII/3 – Solicita a alteração da Lei da Nacionalidade em matéria de reconhecimento da
nacionalidade originária aos filhos de imigrantes.
III. Apreciação dos requisitos formais
Conformidade com os requisitos formais, constitucionais e regimentais
A iniciativa legislativa em análise é subscrita pelos dezanove Deputados do Grupo Parlamentar do Bloco de
Esquerda, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 167.º da Constituição e no artigo 118.º do Regimento da
Assembleia da República (Regimento), que consagram o poder de iniciativa da lei. Trata-se de um poder dos
Deputados, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do
Regimento, e dos grupos parlamentares, nos termos da alínea g) do n.º 2 do artigo 180.º da Constituição e da
alínea f) do artigo 8.º do Regimento. Reveste a forma de projeto de lei, nos termos do n.º 1 do artigo 119.º do
Regimento.
Encontra-se redigido sob a forma de artigos, é precedido de uma breve exposição de motivos e tem uma
designação que traduz sinteticamente o seu objeto principal, dando assim cumprimento aos requisitos formais
estabelecidos no n.º 1 do artigo 124.º do Regimento.
11 Discutido em conjunto com o Projeto de Lei n.º 394/XII, daria origem à Lei Orgânica n.º 1/2013. 12 Discutido em conjunto com o Projeto de Lei n.º 400/XII, daria origem à Lei Orgânica n.º 9/2015. O texto final da lei, relativo à alínea d) do n.º 1 do artigo 1.º, incluiria o requisito da «efetiva ligação à comunidade nacional» para a aquisição da nacionalidade portuguesa por parte de netos de portugueses. 13 Rejeitado. 14 Discutido e aprovado em conjunto com o Projeto de Lei n.º 373/XII. 15 Rejeitado. Foi discutido em conjunto com os Projetos de Lei n.os 382/XII e 387/XII. 16 Daria origem à Lei Orgânica n.º 8/2015. 17 Rejeitado.
Página 77
11 DE DEZEMBRO DE 2019
77
De igual modo encontram-se respeitados os limites à admissão das iniciativas, previstos no n.º 1 do artigo
120.º do Regimento, uma vez que este projeto de lei define concretamente o sentido das modificações a
introduzir na ordem legislativa e parece não infringir princípios constitucionais, exceto quanto ao limite imposto
pelo n.º 2 do artigo 167.º da Constituição e n.º 2 do artigo 120.º do Regimento, conhecido como lei-travão, que
deve ser salvaguardado no decurso do processo legislativo. Com efeito, é proposto no artigo 3.º uma redução
no valor de determinados emolumentos e, no artigo 6.º, que a iniciativa entre em vigor no dia seguinte ao da sua
publicação, pelo que a norma de entrada em vigor poderá, por exemplo, ser alterada de modo a que a norma
com efeitos orçamentais apenas produza efeitos ou entre em vigor com a publicação da Lei do Orçamento do
Estado subsequente.
A matéria sobre a qual versa o presente projeto de lei – «aquisição, perda e reaquisição da cidadania
portuguesa» – enquadra-se, por força do disposto na alínea f) do artigo 164.º da Constituição, no âmbito da
reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República. Assim, segundo o n.º 4 do artigo 168.º
da Constituição, a presente iniciativa legislativa carece de votação na especialidade pelo Plenário e, nos termos
do disposto no n.º 2 do artigo 166.º da Constituição, em caso de aprovação e promulgação revestirá a forma de
lei orgânica.
As leis orgânicas carecem «de aprovação, na votação final global, por maioria absoluta dos Deputados em
efetividade de funções», nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 168.º da Constituição. Refira-se, igualmente,
que o artigo 94.º do Regimento estatui que essa votação, por maioria qualificada, deve ser realizada com recurso
ao voto eletrónico.
Deve também ser tido em conta o disposto no n.º 5 do artigo 278.º da Constituição: «O Presidente da
Assembleia da República, na data em que enviar ao Presidente da República decreto que deva ser promulgado
como lei orgânica, dará disso conhecimento ao Primeiro-Ministro e aos grupos parlamentares da Assembleia da
República».
O projeto de lei em apreciação deu entrada a 25 de outubro de 2019. Foi admitido e baixou na generalidade
à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (1.ª), por despacho de S. Ex.ª o
Presidente da Assembleia da República, a 6 de novembro, data em que foi anunciado em sessão plenária.
Verificação do cumprimento da lei formulário
O título da presente iniciativa legislativa – «Altera a Lei da Nacionalidade e o Regulamento Emolumentar dos
Registos e Notariado (nona alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro e trigésima quarta alteração ao Decreto-
Lei n.º 322-A/2001, de 14 de dezembro)» –traduz sinteticamente o seu objeto, mostrando-se conforme ao
disposto no n.º 2 do artigo 7.º da Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, conhecida como lei formulário18, embora
possa ser objeto de aperfeiçoamento formal, em sede de apreciação na especialidade ou em redação final.
Este título encontra-se de acordo com a regra de legística formal segundo a qual «o título de um ato de
alteração deve referir o título do ato alterado, bem como o número de ordem de alteração»19; no entanto os
numerais ordinais devem ser sempre redigidos por extenso, incluindo na indicação do número de ordem de
alterações.
Consultando o Diário da República Eletrónico (DRE) confirma-se que a Lei da Nacionalidade, aprovada pela
Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, foi modificada até ao momento por oito atos legislativos.
No entanto, o Regulamento Emolumentar dos Registos e Notariado, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º
322-A/2001, de 14 de dezembro, já foi alterado até à data por trinta e quatro diplomas: pelo Decreto-Lei n.º
315/2002, de 27 de dezembro, pelos Decretos-Leis n.os 194/2003, de 23 de agosto, 53/2004, de 18 de março,
199/2004, de 18 de agosto, 111/2005, de 8 de julho, 178-A/2005, de 28 de outubro, 76-A/2006, de 29 de março,
85/2006, de 23 de maio, 125/2006, de 29 de junho, 237-A/2006, de 14 de dezembro, 8/2007, de 17 de janeiro,
e 263-A/2007, de 23 de julho, pela Lei n.º 40/2007, de 24 de agosto, pelos Decretos-Leis n.os 324/2007, de 28
de setembro, 20/2008, de 31 de janeiro, 73/2008, de 16 de abril, 116/2008, de 4 de julho, 247-B/2008, de 30 de
dezembro, 122/2009, de 21 de maio, 185/2009, de 12 de agosto, 99/2010, de 2 de setembro, e 209/2012, de 19
18 Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, que estabelece um conjunto de normas sobre a publicação, a identificação e o formulário dos diplomas, alterada e republicada pelas Leis n.os 2/2005, de 24 de janeiro, 26/2006, de 30 de junho, 42/2007, de 24 de agosto, e 43/2014, de 11 de julho. 19 Duarte, D., Sousa Pinheiro, A. et al (2002), Legística. Coimbra, Editora Almedina, pág. 201.
Página 78
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
78
de setembro, pela Lei n.º 63/2012, de 10 de dezembro, pelos Decretos-Leis n.os 19/2015, de 3 de fevereiro,
201/2015, de 17 de setembro, 51/2017, de 25 de maio, e 54/2017, de 2 de junho, pelas Leis n.os 89/2017, de 21
de agosto, e 110/2017, de 15 de dezembro, pelos Decretos-Leis n.os 24/2019, de 1 de fevereiro, 66/2019, de 21
de maio, e 111/2019, de 16 de agosto, pela Lei n.º 85/2019, de 3 de setembro, e pelo Decreto-Lei n.º 157/2019,
de 22 de outubro. Este último diploma refere proceder à trigésima quinta alteração por contabilizar, à semelhança
de outros anteriores, a Lei n.º 32-B/2002, de 31 de dezembro, como alteração ao Regulamento Emolumentar
dos Registos e Notariado. Todavia, essa lei apenas alterou a parte preambular do Decreto-Lei n.º 322-A/2001,
de 14 de dezembro, mas não o regulamento em anexo, sendo prática autonomizar o número de ordem de
alteração da parte preambular do número de ordem de alteração de cada anexo.
Este exemplo demonstra que, por motivos de segurança jurídica e para tentar manter uma redação simples
e concisa, será mais seguro e eficaz não colocar o número de ordem de alteração, nem o elenco de diplomas
que procederam a alterações (disponíveis no DRE), quando a mesma incida sobre códigos, «leis ou regimes
gerais», «regimes jurídicos» ou atos legislativos de estrutura semelhante, por serem objeto de um maior número
de alterações por parte de atos legislativos da Assembleia da República e do Governo, como o Regulamento
Emolumentar dos Registos e Notariado.
Consequentemente sugere-se a seguinte opção de redação do título: «Altera a Lei da Nacionalidade,
aprovada pela Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, e o Regulamento Emolumentar dos Registos e Notariado, aprovado
em anexo ao Decreto-Lei n.º 322-A/2001, de 14 de dezembro».
Segundo o n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, «Os diplomas que alterem outros devem
indicar o número de ordem da alteração introduzida e, caso tenha havido alterações anteriores, identificar
aqueles diplomas que procederam a essas alterações, ainda que incidam sobre outras normas». No entanto, a
lei formulário foi aprovada e publicada num contexto anterior à existência do DRE, atualmente acessível de
forma gratuita e universal, pelo que se coloca à consideração da comissão, em sede de especialidade, a
possibilidade de tal não ser aplicado no articulado desta iniciativa, em relação ao Regulamento Emolumentar
dos Registos e Notariado e, por uma questão de uniformidade, à Lei da Nacionalidade (ou, em alternativa, de
ser mantido apenas em relação à Lei da Nacionalidade, no articulado).
Tratando materialmente de uma lei orgânica, a Lei Nacionalidade deve ser republicada em anexo às leis que
a modificarem, segundo o disposto no n.º 2 do artigo 6.º da Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, não obstante o
autor não ter promovido essa republicação.
Revestindo a forma de decreto-lei, o Regulamento Emolumentar dos Registos e Notariado não estará
abrangido pelo dever de republicação previsto na alínea a) do n.º 3 do artigo 6.º da mesma lei.
Em caso de aprovação esta iniciativa revestirá a forma de lei orgânica, nos termos do n.º 2 do artigo 166.º
da Constituição, pelo que deve ser objeto de publicação na 1.ª série do Diário da República, em conformidade
com o disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 74/98, de 11 de novembro.
No que respeita ao início de vigência, o artigo 6.º deste projeto de lei estabelece que a sua entrada em vigor
ocorrerá no dia seguinte ao da sua publicação, mostrando-se assim conforme com o previsto no n.º 1 do artigo
2.º da Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, segundo o qual os atos legislativos «entram em vigor no dia neles
fixado, não podendo, em caso algum, o início de vigência verificar-se no próprio dia da publicação», ressalvando-
se o referido anteriormente em relação ao princípio da lei-travão.
Nesta fase do processo legislativo, a iniciativa em análise não nos suscita outras questões no âmbito da Lei
Formulário.
Regulamentação ou outras obrigações legais
Nos termos do artigo 4.º deste Projeto de Lei, o Governo procede às necessárias alterações ao Regulamento
da Nacionalidade Portuguesa, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 237-A/2006, de 14 de dezembro, no prazo de 30
dias a contar da publicação da lei agora proposta.
Página 79
11 DE DEZEMBRO DE 2019
79
IV. Análise de direito comparado
Enquadramento internacional
Países europeus
A legislação comparada é apresentada para os seguintes Estados da União Europeia: Espanha e França.
ESPANHA
A questão da aquisição e atribuição da nacionalidade espanhola é regulada pelo Código Civil20 espanhol,
cujo artigo 17.º, relativo à nacionalidade originária, considera como espanhóis de origem, os filhos de pai ou
mãe espanhola, os nascidos em Espanha de pais estrangeiros se pelo menos um deles tiver nascido em
Espanha, excetuando-se os filhos de funcionário diplomático ou consular acreditado em Espanha [artigo 17.º,
n.º 1, alínea b)]. De igual modo, são considerados espanhóis os nascidos em Espanha de pais estrangeiros, se
ambos carecerem de nacionalidade ou se a legislação aplicável aos pais não atribuir uma nacionalidade ao filho
[artigo 17.º. n.º 1, alínea c)]. Além destes casos, também os nascidos em Espanha cuja filiação não resulte
determinada são espanhóis de origem [artigo 17.º, n.º 1, alínea d)].
No entanto, a filiação ou o nascimento em Espanha cuja determinação que ocorra depois dos 18 anos de
idade não constitui por si só causa de aquisição da nacionalidade espanhola, podendo o interessado optar pela
nacionalidade espanhola de origem no prazo de dois anos a contar daquele facto (artigo 17.º, n.º 2).
Por outro lado, e de acordo com o previsto no n.º 1 do artigo 19.º, o estrangeiro menor de 18 anos de idade
adotado por cidadão espanhol adquire, desde a adoção, a nacionalidade espanhola de origem. Se o adotado
for maior de 18 anos, pode optar pela nacionalidade espanhola originária no prazo de dois anos a partir da
constituição da adoção (n.º 2). Se, de acordo com o ordenamento jurídico do país de origem, o adotado puder
manter a sua nacionalidade, esta é também reconhecida em Espanha.
Para a concessão da nacionalidade por residência, um dos casos em que esta pode ser atribuída é o de
pessoa a residir em Espanha há pelo menos 10 anos, sendo suficientes cinco anos para os que hajam obtido o
estatuto de refugiados e dois anos para os cidadãos nacionais de origem de países ibero-americanos, Andorra,
Filipinas, Guiné Equatorial, Portugal ou sefarditas (artigos 21.º, n.os 2 e 4, e 22.º, n.º 1). Basta o tempo de
residência de um ano, de entre outros casos, para quem haja nascido em território espanhol [artigo 22.º, n.º 2,
alínea a)]. Em todos os casos de naturalização por residência, esta tem de ser legal e continuada (artigo 22.º,
n.º 3).
Relativamente às taxas emolumentares a suportar pelo requerente de nacionalidade espanhola, e de acordo
com informação disponível no portal da Internet do Ministério da Justiça, esta roda os 100€21, excluindo o custo
de obtenção dos documentos necessários e eventuais serviços de profissionais da área.
Cumpre mencionar a existência, da autoria do Governo espanhol, de uma coletânea legislativa com todas as
normas relativas à nacionalidade e estado civil, disponível no seu portal na Internet.
FRANÇA
A matéria da nacionalidade é tratada no Código Civil22, especificamente nos artigos 17 a 33-2.
Deste modo, tem nacionalidade francesa a criança que tenha pelo menos um dos progenitores de
nacionalidade francesa (artigo 18), a criança nascida em França de pais desconhecidos (artigo 19) e a criança
nascida em França filha de pelo menos um progenitor também nascido em França, embora, neste caso, haja a
faculdade de renunciar à nacionalidade francesa, desde que o faça durante os seis meses anteriores à data em
que atingir os 18 anos de idade e os 12 meses seguintes (artigos 19-3 e 19-4).
20 Versão consolidada retirada do portal oficial boe.es. 21 Este valor diz respeito aos emolumentos a pagar pelos sefarditas. No entanto, é referido que este valor, de 100€, é similar ao valor a pagar por qualquer pessoa que requeira a nacionalidade espanhola. 22 Diploma consolidado retirado do portal oficial legifrance.gouv.fr.
Página 80
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
80
Em razão da residência, uma criança nascida em França de pais estrangeiros adquire a nacionalidade
francesa uma vez atingida a maioridade se, à data em que a atingir, estiver a residir em território francês e nele
tiver tido residência habitual durante um período, seguido ou interpolado, de pelo menos cinco anos desde os
onze de idade (artigo 21-7). No entanto, o menor de idade pode pedir a atribuição da nacionalidade francesa a
partir dos 16 anos se, à data do pedido, estiver a residir em território francês e nele tiver tido residência habitual
durante um período, seguido ou interpolado, de pelo menos cinco anos desde os onze anos de idade; nas
mesmas condições, a nacionalidade francesa pode ser reclamada, em nome do menor nascido em França de
pais estrangeiros, a partir dos 13 anos de idade, devendo neste caso a condição da residência habitual em
França por pelo menos cinco anos ter de ser preenchida a partir dos oito anos de idade (artigo 21-11).
Os pedidos de nacionalidade requeridos ao abrigo das disposições referidas do código civil, importam o
pagamento de um imposto, no valor de 55€, de acordo com o previsto no artigo 958 do Code Général des
impôts23.
O portal governamental service-public.frdispõe de uma página dedicada à temática da nacionalidade
francesa na qual pode ser consultada informação prática sobre o procedimento e obtida informação adicional
sobre a temática.
V. Consultas e contributos
Consultas obrigatórias e facultativas
Em 15 de novembro de 2019, a Comissão promoveu a consulta escrita do Conselho Superior da Magistratura,
do Conselho Superior do Ministério Público e da Ordem dos Advogados.
Todos os pareceres e contributos remetidos à Assembleia da República serão publicados na página desta
iniciativa na Internet.
VI. Avaliação prévia de impacto
Avaliação sobre impacto de género
O preenchimento, pelo proponente, da ficha de avaliação prévia de impacto de género da presente iniciativa,
em cumprimento do disposto na Lei n.º 4/2018, de 9 de fevereiro, devolve como resultado uma valoração do
impacto de género positiva para as mulheres, com a seguinte fundamentação: «Sendo as mulheres quem
assume maioritariamente os cuidados familiares, designadamente das crianças, o reforço dos direitos e
facilitação ao seu acesso tem impacto positivo direto na melhoria das condições de vida das mulheres e
especialmente das mulheres migrantes, que estão em situação de particular vulnerabilidade.»
Linguagem não discriminatória
Na elaboração dos atos normativos a especificação de género deve ser minimizada recorrendo-se, sempre
que possível, a uma linguagem neutra ou inclusiva, mas sem colocar em causa a clareza do discurso.
Sem prejuízo de uma análise mais detalhada, na apreciação na especialidade ou na redação final, nesta fase
do processo legislativo a redação do projeto de lei – consonante com a terminologia dos diplomas legais que
altera – não nos suscita qualquer questão relacionada com a linguagem discriminatória em relação ao género.
23 Diploma consolidado retirado do portal oficial Legifrance.gouv.fr.
Página 81
11 DE DEZEMBRO DE 2019
81
VII. Enquadramento bibliográfico
CANAS, Vitalino – Nacionalidade portuguesa depois de 2006. Revista da Faculdade de Direito da
Universidade de Lisboa. Coimbra. ISSN 0870-3116. Vol. 48, n.º 1 e 2 (2007), p. 509-538. Cota: RP-226.
Resumo: O presente artigo incide, no essencial, sobre as alterações à lei da nacionalidade introduzidas pela
Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de abril. Segundo o autor, a característica mais proeminente da reforma foi o
sentido geral de alargamento dos mecanismos de atribuição e aquisição da nacionalidade, quer originária, quer
derivada, bem como de facilitação e de aligeiramento dos processos e requisitos vigentes. A análise incide
especialmente sobre essas alterações, nomeadamente no que se refere à cidadania originária e não originária,
reforço do critério do jus soli, e do jus sanguinis, requisito da residência, situações de apátrida, residência legal
de progenitor, regime da oposição à aquisição de nacionalidade por efeito da vontade ou da adoção e articulação
com a lei dos estrangeiros.
COSTA, Paulo Manuel – Oposição à aquisição da nacionalidade: a inexistência de ligação efectiva à
comunidade nacional. Revista da Ordem dos Advogados. Ano 72, n.º 4 (out. – dez. 2012). p. 1453-1481. Cota:
RP-172.
Resumo: O autor debruça-se sobre a Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, com as alterações introduzidas pela Lei
Orgânica n.º 2/2006, de 17 de abril. Refere os critérios para a determinação dos indivíduos titulares da
nacionalidade: o jus sanguinis e o jus soli. Para além destas situações de atribuição, a titularidade da
nacionalidade portuguesa pode resultar da sua aquisição por efeito da vontade, pela adoção ou pela
naturalização.
A análise realizada incide essencialmente sobre o instituto jurídico da oposição à aquisição da nacionalidade
no quadro normativo português, que consiste no poder conferido pelo nosso ordenamento jurídico, ao Ministério
Público, de se opor à aquisição da nacionalidade portuguesa por inexistência de ligação efetiva à comunidade
nacional; pela condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de
prisão de máximo igual ou superior a 3 anos; ou pela existência de perigo ou ameaça para a segurança ou
defesa nacional, pelo envolvimento em atividades relacionadas com a prática de terrorismo.
DUARTE, Feliciano Barreiras – Regime jurídico comparado do direito de cidadania: análise e estudo
das leis da nacionalidade de 40 países. Pref. Luís Marques Guedes. Lisboa: Âncora, 2009. ISBN 978-972-
7802449. Cota: 12.06.7 – 423/2009.
Resumo: O citado estudo reúne a legislação comparada sobre o direito de cidadania de 40 países (entre os
quais: Alemanha, Angola, Áustria, Bélgica, Brasil, Canadá, Dinamarca, Eslovénia, Espanha, Estados Unidos,
Finlândia, França, Grécia, Holanda, Hungria, Itália, Japão, Noruega, Polónia, Portugal, Reino Unido, Rússia,
Suécia, Suíça, etc.), com o objetivo de evidenciar as principais linhas de força consagradas nos ordenamentos
jurídicos dos diversos Estados a respeito da aquisição e da perda da nacionalidade. O autor não teve como
objetivo apresentar exaustivamente todas as regras dos regimes jurídicos nacionais sobre o direito da
nacionalidade, mas sim as normas substantivas que regem a sua aquisição e perda e, de entre estas, as que
se afiguram mais relevantes.
GIL, Ana Rita – Princípios de direito da nacionalidade: sua consagração no ordenamento jurídico português.
O direito. Lisboa. ISSN 0873-4372. Ano 142, Vol. IV (2010), p. 723-760. Cota: RP-270.
Resumo: A autora refere os princípios do direito internacional e da União Europeia que devem guiar o
legislador nacional na hora de determinar quem são os cidadãos portugueses. Do direito da UE derivam
condicionantes que podem consubstanciar limites à definição dos próprios critérios de aquisição da
nacionalidade, impondo certas cautelas que não se compadecem, por exemplo, com o reconhecimento de um
direito absoluto de jus soli, ou com naturalizações em massa injustificada de nacionais de países terceiros.
Analisa o regime português de acesso à nacionalidade (Lei da Nacionalidade Portuguesa de 1981), bem
como a reforma do direito da nacionalidade português ocorrida com a aprovação da Lei Orgânica n.º 2/2006, de
17 de abril, que modificou substancialmente os regimes da atribuição e da aquisição da nacionalidade
portuguesa, traduzindo-se num claro aumento do número de aquisições da nacionalidade.
A autora analisa o regime de acesso à nacionalidade, em vigor a partir de 2006, à luz de alguns dos principais
princípios que são um limite à liberdade de conformação legislativa: o princípio da nacionalidade efetiva, da
Página 82
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
82
unidade de nacionalidade familiar, da proibição da discriminação, da prevenção de apátrida, do direito
fundamental à cidadania e dos princípios que devem enformar os procedimentos administrativos de
nacionalidade.
HUDDLESTON, Thomas, [et al.] – Migrant Integration Policy Index (2015) (Em linha). Barcelona: Center
for International Affairs, 2015. (Consult. 11 nov. 2019). Disponível na Intranet da AR: http://catalogobib.parlamento.pt:81/images/winlibimg.aspx?skey=&doc=128992&img=14499&save=true> ISBN 978-84-92511-45-7. Resumo: O Índice de Políticas de Integração de Migrantes (MIPEX) constitui um guia de referência, bem como uma ferramenta totalmente interativa para avaliar, comparar e melhorar as políticas de integração. A edição de 2015 avalia as referidas políticas de integração em 38 países: os Estados-Membros da União Europeia; Austrália; Canadá; Islândia; Japão; Coreia do Sul; Nova Zelândia; Noruega; Suíça; Turquia e Estados Unidos, através de 167 indicadores, fornecendo uma imagem rica e multidimensional das oportunidades colocadas à disposição dos imigrantes para participar na sociedade, avaliando o compromisso dos diversos governos relativamente à sua integração. Um dos aspetos focados neste índice prende-se diretamente com a matéria do presente projeto de lei, ao abordar a questão do acesso à nacionalidade nas páginas 57 a 62. Apresenta ainda os perfis para cada um dos 38 países estudados, de acordo com os diversos indicadores selecionados para medir as políticas de integração nesses países. O perfil relativo ao nosso País pode ser consultado nas páginas 176 a 179, verificando-se que Portugal surge como o país que tem a lei da nacionalidade mais favorável. OCDE – Naturalisation: a passport for the better integration of immigrants? (Em linha). Paris: OCDE, 2011. (Consult. 11 nov. 2019). Disponível na Intranet da AR: http://catalogobib.parlamento.pt:81/images/winlibimg.aspx?skey=&doc=128995&img=14497&save=true> ISBN 978-92-64-09898-5. Resumo: Este documento reúne as atas do seminário conjunto OCDE/Comissão Europeia sobre naturalização e integração socioeconómica dos imigrantes e dos seus filhos, realizado em outubro de 2010, em Bruxelas. Faz um balanço dos conhecimentos atuais sobre as ligações entre a atribuição da nacionalidade pelo país de acolhimento e a integração socioeconómica dos imigrantes. Aborda também o papel da naturalização como instrumento no quadro geral da política de imigração e integração, com o objetivo de identificar boas práticas a partir de diferentes experiências registadas em países da União Europeia e da OCDE. O capítulo 2: «The current status of nationality law» apresenta o ponto da situação relativamente à legislação em vigor, nos diferentes países analisados, relativamente à nacionalidade, com referência particular para a aquisição de nacionalidade por nascimento; aquisição da nacionalidade através da naturalização ou outros procedimentos e, por fim, a perda da nacionalidade. RAMOS, Rui Manuel Moura – Estudos de Direito Português da Nacionalidade. Coimbra: Coimbra Editora, 2013. ISBN 978-972-32-2135-0. Cota 12.23 – 88/2017. Resumo: Nesta compilação de artigos, o autor faz a análise jurídica das alterações legais ao direito da nacionalidade em Portugal (1975, 1981, 1994, 2004 e 2006). O capítulo 14 (p. 523), analisa detalhadamente as alterações introduzidas pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de abril. Na conclusão, ao fazer o balanço geral e a apreciação crítica da referida lei, conclui que a principal linha de força que emerge da nova alteração legislativa é o reforço do jus soli, decorrente «da progressiva caracterização de Portugal como país de imigração», e expresso quer na introdução da regra do duplo jus soli (do interessado e de um dos seus progenitores), quer no encurtamento do prazo de residência legal do progenitor em Portugal. Salienta que o jus soli continua a não relevar de forma incondicionada na atribuição da nacionalidade portuguesa, embora contribua para favorecer a integração das comunidades imigradas, nomeadamente de segunda e terceira geração. Enfatiza ainda as consequências da nova configuração dada à figura da naturalização, que passa a decorrer forçosamente da verificação do preenchimento de determinado número de pressupostos legais previamente fixados, pressupostos significativamente aligeirados e tornados menos onerosos para o interessado, reduzindo o poder de apreciação do Governo. ———
Página 83
11 DE DEZEMBRO DE 2019
83
PROJETO DE LEI N.º 29/XIV/1.ª
[REDUÇÃO DA TAXA DE IRC (PROCEDE À ALTERAÇÃO DO CÓDIGO DO IMPOSTO SOBRE O
RENDIMENTO DAS PESSOAS COLETIVAS, APROVADO PELO DECRETO-LEI N.º 442-B/88, DE 30 DE
NOVEMBRO)]
Parecer da Comissão de Orçamento e Finanças e nota técnica elaborada pelos serviços de apoio
Parecer
PARTE I – CONSIDERANDOS
I. a) Nota introdutória
O Grupo Parlamentar do Centro Democrático Social-Partido Popular (CDS-PP) apresentou à Assembleia da
República, a 30 de outubro de 2019, o Projeto de Lei n.º 29/XIV/1.ª, «Redução da taxa de IRC (Procede à
alteração do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-
B/88, de 30 de novembro)». No dia 6 de novembro de 2019 o Projeto de Lei n.º 29/XIV/1.ª foi admitido e baixou
na generalidade à Comissão de Orçamento e Finanças.
A presente iniciativa é apresentada por cinco Deputados do Grupo Parlamentar do CDS-PP, no âmbito e
termos do poder de iniciativa, consagrados no n.º 1 do artigo 167.º e na alínea b) do artigo 156.º da Constituição
da República Portuguesa (CRP), bem como no artigo 118.º e na alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento
da Assembleia da República (RAR).
Nos termos do n.º 1 artigo 119.º do RAR, a iniciativa assume a forma de projeto de lei, encontra-se redigida
sob a forma de artigos, tem uma designação que traduz sinteticamente o seu objetivo e é precedida de uma
exposição de motivos, cumprindo com os requisitos formais previstos no n.º 1 do artigo 124.º do RAR.
A apresentação da iniciativa cumpre os requisitos formais de admissibilidade previstos na CRP e no n.º 1 do
artigo 120.º do RAR.
Para dar cumprimento à lei formulário (Lei n.º 74/98, de 11 de novembro) a nota técnica sugere um
aperfeiçoamento do título para: «Redução da taxa de IRC (alterando o Código do Imposto sobre o Rendimento
das Pessoas Coletivas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de novembro».
Nesta fase do processo legislativo o projeto de lei em análise não levanta outras questões quanto ao
cumprimento da lei formulário.
O projeto de lei não suscita qualquer questão relacionada com a linguagem discriminatória em relação ao
género e a nota técnica aceita a valoração neutra dos impactos de género submetida pelo proponente na
avaliação de impacte de género.
Releva-se, ainda, o impacto orçamental e os possíveis impactos económicos desta iniciativa legislativa.
Em sede de apreciação na especialidade, sugere a nota técnica que poderá ser pertinente promover audição
ou pelo menos recolher contributo escrito do Ministro de Estado e das Finanças e ponderar o contributo do
Conselho de Finanças Públicas (CFP), da Associação Fiscal Portuguesa (AFP), de associações empresariais
de referência, bem como a peritos na área como, por exemplo, os membros que integraram a Comissão para a
Reforma do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas.
I. b) Análise do diploma
Objeto e motivação
Com o projeto de lei em apreço, o CDS-PP propõe uma redução da carga fiscal sobre as empresas, reduzindo
a taxa geral de IRC para 17% em 2020 e assim anualmente com o objetivo de a fixar em 12,5% em 2026, «em
função de uma avaliação e da evolução da situação económica e financeira do País». O projeto de lei elimina
Página 84
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
84
ainda o benefício fiscal para as pequenas e médias empresas de uma taxa reduzida sobre os primeiros 15 000
Euros de matéria coletável.
De acordo com o proponente, a iniciativa visa «potenciar o aumento da poupança e do investimento» e
«promover a eliminação do desequilíbrio das contas externas» sem «colocar em causa o equilíbrio saudável das
contas públicas». Nesse sentido, a iniciativa afirma fazer «uma significativa opção a favor da competitividade
empresarial, nomeadamente ao nível do investimento, da inovação e internacionalização das empresas
portuguesas».
O CDS-PP propõe assim, «uma redução ambiciosa, mas que consideramos possível» da taxa de IRC,
procurando equiparar Portugal à Irlanda.
Enquadramento legal e antecedentes
A iniciativa em apreço contempla uma proposta de alteração aos n.os 1, 2 e 3 do artigo 87.º do CIRC. A nota
técnica, que integra o anexo deste parecer, apresenta uma análise ao enquadramento legal e antecedentes do
projeto de lei em análise:
– A Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro, reduziu a taxa de IRC de 23%, onde havia sido fixada pelo artigo
2.º da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, para 21%;
– Esta alteração «confirmou o espírito do disposto no n.º 1 do artigo 8.º da referida Lei n.º 2/2014, que «…a
taxa prevista no n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC deve ser reduzida nos próximos anos, ponderando,
simultaneamente, a reformulação dos regimes do IVA e do IRS, especialmente no que diz respeito à redução
das taxas destes impostos», assim como no n.º 2, também do artigo 8.º, respetivamente, «a redução da taxa de
IRC prevista no número anterior para 21% em 2015, bem como a sua fixação num intervalo entre 17% e 19%
em 2016, será objeto de análise e ponderação por uma comissão de monitorização da reforma a constituir para
o efeito».
– A Lei n.º 2/2014 recuperou a figura de um escalão com taxa reduzida, revogada pelo n.º 1 do artigo 114.º
da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, consagrando que «no caso de sujeitos passivos que exerçam,
diretamente e a título principal, uma atividade económica de natureza agrícola, comercial ou industrial, que
sejam qualificados como pequena ou média empresa, nos termos previstos no anexo ao Decreto-Lei n.º
372/2007, de 6 de novembro, a taxa de IRC aplicável aos primeiros (Euro) 15 000 de matéria coletável é de
17%, aplicando-se a taxa prevista no número anterior ao excedente», passando esta norma a figurar, na redação
dada pelo artigo 2.º da Lei n.º 2/2014, do n.º 2 do artigo 87.º do CIRC;
– O n.º 3 do artigo 87.º, na redação dada pelo artigo 2.º da Lei n.º 2/2014, consagra que «a aplicação da taxa
prevista no número anterior está sujeita às regras europeias aplicáveis em matéria de auxílios de minimis».
Efetuada uma pesquisa à base de dados do processo legislativo e da atividade parlamentar, a nota técnica
verifica que, neste momento, não existem pendentes, sobre matéria idêntica ou conexa, quaisquer iniciativas
legislativas ou petições.
PARTE II – OPINIÃO DO DEPUTADO AUTOR DO PARECER
Portugal tem concretizado uma política orçamental estável e credível, conseguindo que cada vez menos as
necessidades financeiras do Estado sejam supridas através do recurso a dívida. Esta política consubstancia-se
na conciliação entre uma gestão disciplinada da despesa pública e um sistema fiscal que progressivamente
onere menos as famílias e as empresas que investem.
Sobre a carga fiscal
Os proponentes limitam-se a recordar que o indicador da «carga fiscal» nunca foi tão alto em Portugal como
em 2018, tendo as receitas fiscais chegado a 35,4% do produto interno bruto (PIB). Todavia, não pode ser
ignorado que a receita fiscal não depende do PIB mas da eficácia do Estado em combater a evasão e fraude
fiscal e, especialmente, das bases fiscais de cada imposto. É, pois, provável que num cenário de estabilidade
Página 85
11 DE DEZEMBRO DE 2019
85
da incidência, taxa e benefícios fiscais de um imposto, a receita arrecada com ele tenha um crescimento
diferente do PIB, contribuindo para variar a carga fiscal.
Tanto o INE como o Banco de Portugal têm tornado isto claro nas suas publicações a este respeito. O Banco
de Portugal, no seu Boletim Económico de maio 2019, procede a uma análise da variação da «carga fiscal»
entre 2016 e 2018, verificando que esta cresce apesar de medidas legislativas que, tudo o resto mantendo-se
igual, teriam reduzido a carga fiscal em 0,5 pontos percentuais. Já o INE, no seu destaque de 13 maio 2019
sobre a carga fiscal, conclui que «o crescimento da receita de IRC reflete a evolução positiva da atividade
económica e dos lucros das empresas.» Essa é aliás a única explicação para que, não obstante a estabilidade
da taxa de IRC, a receita com este imposto (excluindo derrama) tenha crescido 20% desde 2015.
Essa conclusão é suportada pelas estatísticas da Autoridade Tributária. Segundo o Dossier Estatístico de
IRC 2015-2017, não só se regista um crescimento das declarações do Modelo 22 como o número de declarações
com matéria coletável não isenta positiva cresceu de 51,4% em 2015 para 54,1% em 2017. Consequentemente,
o número de declarações com pagamento sobe de 67,9% em 2015 para 69,9% em 2017. Este crescimento na
margem extensiva resultou com que, apesar da taxa média efetiva do IRC ter caído de 21,4% em 2016 para
20,1% em 2017, a receita com IRC tenha crescido 10,3% em 2017 face a 2016.
A dimensão do engano do indicador da «carga fiscal» fica bem patente quando contrastamos a carga fiscal
dos impostos que, entre 2015 e 2018, sofreram ou não alterações. Os tributos que sofreram aumentos somam
a um acréscimo da carga fiscal de apenas 0,29% do PIB. Só o IVA, cuja taxa baixou para alguns produtos,
contribuiu com mais para o acréscimo da carga fiscal (0,31% do PIB). Tudo somado, os impostos sem aumentos
entre 2015 e 2018 aumentaram a carga fiscal em 1,35 pp, quase 5 vezes mais do que os impostos que
aumentaram, e a descida do IRS teve um impacto negativo na carga fiscal (-0,71 pp) 2,4 vezes maior do que o
impacto desses impostos.
Sobre o enquadramento fiscal internacional
Portanto, e apesar de Portugal ter uma «carga fiscal» abaixo da média europeia, o indicador adequado não
é a «carga fiscal» mas o esforço fiscal, medido pelas taxas efetivas pagas pelo contribuinte. Segundo um estudo
do centro de investigação alemão, ZEW, citado pela Comissão Europeia na elaboração do seu Tax Survey,
Portugal tinha em 2018 a 18.ª taxa média efetiva mais baixa da UE (21,4%).
Todavia, esta comparação não é a mais adequada considerando que, entre os 17 países com taxas médias
efetivas mais baixas que a portuguesa, contam-se 3 que foram considerados «paraísos fiscais» pelo Parlamento
Europeu (Hungria, Chipre e Irlanda) e 11 que aderiram à UE desde 2004. Numa comparação mais razoável,
entre a UE 15, Portugal tem a sexta taxa média efetiva mais baixa, superado pela Irlanda, Suécia, Finlândia,
Dinamarca e o Reino Unido.
Além disso, o estudo conclui que entre 2015 e 2018, Portugal teve a terceira maior redução da taxa média
efetiva (-5,2 pp) entre os membros da UE, superado apenas pela Hungria e Malta, dois países que o Parlamento
Europeu considerou tratarem-se de paraísos fiscais. O estudo concluiu ainda que, para projetos que tenham
atingido o equilíbrio financeiro, Portugal tem a taxa marginal efetiva mais baixa da EU tendo, desde 2015, a
segunda maior redução da taxa marginal efetiva.
É, assim, falso que, no contexto europeu, Portugal tenha uma política fiscal adversa ao investimento,
inovação ou internacionalização das empresas. Importa recordar que, na anterior legislatura, procedeu-se à
redução do IVA para a restauração e atividades culturais, à reforma do IVA alfandegário, ao reembolso do ISP
no gasóleo profissional, ao alargamento da remuneração convencional de capital social, à expansão da Dedução
por Lucros Retidos e Reinvestidos (DLRR), à duplicação do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI), à
redução e fim da obrigatoriedade do Pagamento Especial por Conta e ao fim da coleta mínima no IRC
simplificado.
Importa ainda recordar a criação do Programa Semente para apoiar a nível fiscal o investimento em startups
e a criação de um conjunto de benefícios fiscais para o interior na taxa de IRC, na DLRR e no RFAI.
Portugal tem mesmo a segunda taxa de subsídio fiscal implícito à investigação e desenvolvimento mais
elevada, superado apenas por Malta, segundo dados da OCDE citados pelo Tax Survey da Comissão Europeia.
Página 86
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
86
Sobre os impactos desta «reforma»
O Grupo Parlamentar do CDS-PP refere, na exposição de motivos deste projeto de lei, quatro critérios que
consubstanciam a «reforma fiscal» que propõem, designadamente o tríptico: (i) da promoção do investimento,
(ii) da eliminação do desequilíbrio das contas externas e (iii) da não colocação em causa do equilíbrio saudável
das contas públicas; que são precedidos pelo critério da mobilidade e, consequentemente, da justiça social.
Estes critérios são congruentes com as disposições constitucionais. A Constituição da República Portuguesa,
no seu artigo 103.º, estabelece que «o sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado
e outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza.» Em respeito por essa norma,
ao considerar matérias fiscais, o legislador deve ter em atenção o critério do impacto orçamental e da justiça
distributiva, podendo para isso considerar critérios de eficiência fiscal, pois não é possível distribuir o que não é
produzido.
Todavia, não é evidente que uma descida generalizada da taxa de IRC seja uma medida eficaz à luz destes
critérios.
Em primeiro lugar, porque em momento algum foi explicado pelo proponente com que cortes de despesa ou
aumento de receita é que iria compensar o custo financeiro desta medida para o Orçamento do Estado. Apesar
de o Grupo Parlamentar proponente argumentar que «chegámos ao limite a partir do qual o aumento da
tributação leva à redução da receita», sendo o custo financeiro da medida atenuado por um maior crescimento
económico, este argumento amplamente usado pela administração Trump para justificar esta mesma medida
tem sido desmentido pelos analistas e até apoiantes da medida.
O segundo e terceiro critérios também suscitam dúvidas, nomeadamente, o impacto desta medida no
investimento e no equilíbrio das contas externas. A realidade e a ciência económica não permitem concluir que
a descida generalizada do IRC aumente o investimento proporcionalmente, apontando, pelo contrário, para uma
otimização fiscal entre o IRC e o IRS a pagar pelos rendimentos dos dirigentes.
Como recorda Manuel Faustino1, na sua génese, a taxa de IRC (36%), acrescida da derrama (3,6%), situava-
se ao nível da taxa marginal superior fixada no IRS (40%), com o intuito de assegurar uma neutralidade fiscal
quanto à forma jurídica do exercício das atividades comerciais, industriais ou agrícolas. Desde então, as taxas
têm divergido amplamente.
Mais eficaz para o cumprimento deste segundo critério seria o reforço dos benefícios fiscais a empresas que
aumentem o seu investimento, inovação e internacionalização, como é o caso com a Dedução por Lucros
Retidos e Reinvestidos ou o SIFIDE.
O aumento do investimento e as suas consequências na balança comercial seria, também o mecanismo mais
evidente através do qual esta medida poderia resultar numa maior capacidade de financiamento da economia
portuguesa. A insuficiência de evidências sobre o impacto desta medida no investimento, e existindo evidências
até em sentido contrário, não fica claro que esta medida cumpra também este critério.
Resta, por fim, o critério da repartição justa dos rendimentos e da riqueza. Apesar da desigualdade estar hoje
em mínimos históricos, Portugal é ainda um dos países mais desiguais da Europa. O crescimento exíguo da
economia portuguesa durante este século tem implicado, para muitas famílias, um agravamento do esforço fiscal
enquanto as infraestruturas e os serviços públicos se degradam.
Apesar do País ter regressado à convergência, de o esforço fiscal das famílias estar em trajetória
descendente e dos serviços públicos e das infraestruturas estarem a ser reapetrechados dos recursos
financeiros, humanos e materiais, ainda há muitas carências na sociedade com maior prioridade, do ponto de
vista de justiça social, do que uma redução na taxa de IRC.
Inicialmente fixada em 36%, o que como o preâmbulo do CIRC bem narra, configurava então uma redução
da carga fiscal sobre as empresas, a taxa geral de IRC caiu entre 1996 e 2004 de 36 para 25%, tendo sofrido
reduções para 23 e 21% através das Leis n.º 2/2014 e 82-B/2014 já mencionadas.
1 Faustino, Manuel. «A Reforma do IRC e do IRS: Neutralidade ou Distorção» in A Reforma do IRC: Do de Decisão Política à Revisão do Código, p. 176.
Página 87
11 DE DEZEMBRO DE 2019
87
Além disso, ao terminar com o benefício fiscal de uma taxa reduzida para as PME, esta proposta redistribui
rendimentos e riqueza em benefício de grandes empresas, o que contraria o sentido de várias políticas públicas
de apoio às PME.
Conclusão da opinião do relator
Não se verificando o cenário de aumento do esforço fiscal, não estando comprovado que Portugal tenha no
contexto europeu um regime fiscal adverso ao investimento, à inovação e à internacionalização, também nada
garante que uma descida geral e indiferenciada da taxa geral de IRC venha a promover o investimento, uma
melhoria das contas externas ou uma mais justa repartição de rendimentos e riqueza. Além disso, os
proponentes não identificam como é que conciliariam o elevado custo financeiro desta medida com a
manutenção do equilíbrio saudável das contas públicas, que tanto custou ao país e aos portugueses alcançar.
Em suma, não se encontra fundamentos políticos ou económicos para aprovar a medida proposta.
PARTE III – CONCLUSÕES
A Comissão de Orçamento e Finanças é de parecer que o Projeto de Lei n.º 29/XIV/1.ª (CDS-PP) – «Redução
da taxa de IRC (Procede à alteração do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas,
aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de novembro)», reúne os requisitos constitucionais e regimentais
para ser discutido em plenário, reservando os grupos parlamentares o seu sentido de voto para o debate.
Palácio de S. Bento, 11 de dezembro de 2019.
O Deputado relator, Miguel Costa Matos — O Presidente da Comissão, Filipe Neto Brandão.
Nota: O parecer foi aprovado, por unanimidade, tendo-se verificando a ausência do PAN e do DURP do CH,
na reunião da Comissão de 11 de dezembro de 2019.
PARTE IV – ANEXOS
Nota técnica do Projeto de Lei n.º 29/XIV/1.ª (CDS-PP) – Redução da taxa de IRC (Procede à alteração do
Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30
de novembro.
Nota Técnica
Projeto de Lei n.º 29/XIV/1.ª (CDS-PP)
Redução da taxa de IRC (Procede à alteração do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas
Coletivas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de novembro).
Data de admissão: 6 de novembro de 2019
Comissão de Orçamento e Finanças (5.ª)
Índice
I. Análise da iniciativa
II. Enquadramento parlamentar
III. Apreciação dos requisitos formais
Página 88
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
88
IV. Análise de direito comparado
V. Consultas e contributos
VI. Avaliação prévia de impacto
Elaborada por: Belchior Lourenço (DILP), José Filipe Sousa (DAPLEN) e Ângela Dioniso (DAC).
Data: 26 de novembro de 2019.
I. Análise da iniciativa
A iniciativa
A iniciativa ora apresentada visa promover umareforma fiscal que se traduza numa redução significativa da
carga fiscal. Propõe-se, em concreto, a redução gradual da taxa de imposto sobre o rendimento das pessoas
coletivas (IRC), a realizar anualmente, com o objetivo final de a fixar em 12,5% em 2026, fixando-a já em 17%
no próximo ano. A medida, segundo defendem os proponentes, pretende potenciar o aumento da poupança e
do investimento, tornando Portugal num dos países europeus mais atrativos para o investimento. Sustentam
que o IRC em Portugal deve ser equiparado com o da Irlanda, por considerarem que este País é o que «melhor
tem conseguido utilizar a competitividade fiscal enquanto instrumento de crescimento».
Extraem-se, da exposição de motivos, os seguintes fundamentos para esta iniciativa legislativa:
– Que a carga fiscal1 em Portugal é muito elevada, sendo mesmo a maior de sempre, tanto em valores
nominais como em percentagem do PIB (35,4%);
– Que o sistema fiscal deve ser «mais favorável ao trabalho, à família e à iniciativa»;
– Que é necessária uma reforma da tributação, incidindo em particular na redução dos impostos sobre o
rendimento das famílias e das empresas, suscetível de contribuir para a redução das desigualdades, aumentar
a justiça e promover a mobilidade social.
Que é necessário aumentar a competitividade, estimulando a atividade empresarial. Defendem que as
economias europeias que reduziram a sua taxa de imposto sobre as empresas evidenciaram crescimento
superior ao da economia portuguesa.
Argumentam ainda os autores que, em 2013, «o anterior governo procedeu a uma reforma do IRC,
devidamente consensualizada com o PS, iniciando uma redução da taxa de IRC» que gerou um aumento da
receita.
Enunciam cinco princípios a que esta reforma deve responder, relacionados com o conceito de justiça
tributária, a comparabilidade do esforço fiscal com os nossos parceiros europeus, a redução do peso do Estado
na economia e a necessidade de garantir o funcionamento do «elevador social».
Para melhor ponderação desta matéria, importa ainda analisar os últimos dados do INE, publicados em maio
do corrente ano, demonstrando que, em 2018, a carga fiscal aumentou 6,5% em termos nominais, atingindo
71,4 mil milhões de euros. Acresce que, em 2018, a variação da carga fiscal superou, de forma significativa, a
variação da riqueza gerada pela economia (PIB), pese embora já se tivessem observado no passado grandes
diferenciais de crescimento. De acordo com os dados do INE, esse diferencial, em 2018, é explicado
fundamentalmente pela variação das receitas de IRS e IVA.
1 De acordo com o INE, o conceito de carga fiscal define-se pelos impostos e contribuições sociais efetivas (excluindo-se, as contribuições sociais imputadas) cobrados pelas administrações públicas nacionais e pelas instituições da União Europeia, num determinado ano e no âmbito das normas e definições estabelecidas pelo SEC2010.
Página 89
11 DE DEZEMBRO DE 2019
89
Figura 1 – Variação da carga fiscal e do PIB (nominal) em Portugal, entre 2006 e 2018 (%)
Fonte: INE. Estatísticas de receitas fiscais. Destaque (maio 2018)
O referido documento do INE também faz análise comparativa entre os vários países da União Europeia
(UE). Conforme se observa na Figura 2, a carga fiscal em Portugal é ainda inferior à média da União Europeia,
excluindo os impostos recebidos pelas Instituições da União Europeia.
Figura 2 – Carga fiscal nos países de União Europeia em 2018 (em % do PIB)
Fonte: INE. Estatísticas de receitas fiscais. Destaque (maio 2018)
Também o peso dos impostos diretos na carga fiscal global é inferior à média da União Europeia, conforme
se ilustra mais adiante, na Figura 3.
Sobre a estrutura dos impostos diretos em 2018, refira-se que o IRC representa 30,9% do total destes
impostos enquanto o IRS representa 63,4%. Todavia, a receita do IRS cresceu, nesse ano, 5,6%, enquanto a
receita do IRC aumentou 9,0%.
Página 90
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
90
Figura 3 – Peso dos impostos diretos no total da carga fiscal nos países da UE (2018)
Fonte: INE. Estatísticas de receitas fiscais. Destaque (maio 2018)
Enquadramento jurídico nacional
Decorre da iniciativa legislativa em apreço, a proposta de alteração em diversos pontos do artigo 87.º do
Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88,
de 30 de novembro:
– O n.º 1 do artigo 87.º, na redação dada pelo artigo 192.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro2,
respetivamente «A taxa de IRC é de 21%, exceto nos casos previstos nos números seguintes», o que implicou
uma redução face à taxa de 23% constante do diploma do artigo 2.º da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro3.
A evolução da taxa de IRC confirmou o espírito do disposto no n.º 1 do artigo 8.º da referida Lei n.º 2/2014,
que «…a taxa prevista no n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC deve ser reduzida nos próximos anos,
ponderando, simultaneamente, a reformulação dos regimes do IVA e do IRS, especialmente no que diz respeito
à redução das taxas destes impostos», assim como no n.º 2, também do artigo 8.º, respetivamente, «a redução
da taxa de IRC prevista no número anterior para 21% em 2015, bem como a sua fixação num intervalo entre
17% e 19% em 2016, será objeto de análise e ponderação por uma comissão de monitorização da reforma4 a
constituir para o efeito».
– O n.º 2 do artigo 87.º, na redação dada pelo artigo 2.º da Lei n.º 2/2014, respetivamente «no caso de
sujeitos passivos que exerçam, diretamente e a título principal, uma atividade económica de natureza agrícola,
comercial ou industrial, que sejam qualificados como pequena ou média empresa, nos termos previstos no anexo
ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro5, a taxa de IRC aplicável aos primeiros (Euro) 15 000 de matéria
coletável é de 17%, aplicando-se a taxa prevista no número anterior ao excedente», norma esta que se
encontrava revogada nos termos do n.º 1 do artigo 114.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro6;
2 Orçamento do Estado para 2015. 3 Procede à reforma da tributação das sociedades, alterando o Código do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de novembro, o Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, e o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro. 4 Comissão para a Reforma do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, constituída pelo Despacho n.º 66-A/2013, de 2 de janeiro, tendo esta elaborado o documento «Relatório Final – Uma Reforma do IRC orientada para a competitividade, o crescimento e o Emprego». 5 Cria a certificação eletrónica do estatuto de micro, pequena e média empresa (PME). 6 Orçamento do Estado para 2012.
Página 91
11 DE DEZEMBRO DE 2019
91
– O n.º 37 do artigo 87.º, na redação dada pelo artigo 2.º da Lei n.º 2/2014, respetivamente «a aplicação da
taxa prevista no número anterior está sujeita às regras europeias aplicáveis em matéria de auxílios de minimis»,
norma esta que se encontrava revogada nos termos do n.º 1 do artigo 92.º a Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril8,
com as ressalvas constantes do n.º 2 do mesmo artigo9.
II. Enquadramento parlamentar
Iniciativas pendentes (iniciativas legislativas e petições)
Efetuada consulta à base de dados da Atividade Parlamentar (AP), não se encontrou, neste momento,
qualquer iniciativa legislativa ou petição pendente sobre matéria idêntica.
Antecedentes parlamentares (iniciativas legislativas e petições)
Sobre matéria conexa à da presente iniciativa legislativa, identificamos os seguintes antecedentes:
– O Projeto de Lei n.º 387/XIII/2.ª (CDS-PP) – Redução da Taxa de IRC (Alteração ao Código do Imposto
sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de novembro),
rejeitado com os votos contra do PS, BE, PCP, PEV, e os votos favoráveis do PSD e CDS-PP.
– OProjeto de Lei n.º 393/XIII/2.ª (PSD) – Altera o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas
coletivas (Código do IRC), retomando medidas constantes da reforma aprovada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de
janeiro, rejeitado com os votos contra do PS, BE, PCP, PEV, e os votos favoráveis do PSD e CDS-PP.
– As propostas apresentadas em sede de Orçamento do Estado para 2019, incidentes sobre a Proposta de
Lei n.º 156/XIII/4.ª (GOV), e que resultou na Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro10, identificando-se as seguintes
propostas de alteração com incidência direta ou indireta nas alíneas 1, 2 e 3 do Artigo 87.º do CIRC:
– A Proposta de Alteração 454C11, apresentada pelo PSD, rejeitada em comissão;
– A Proposta de Alteração 450C-212, apresentada pelo PSD, rejeitada em Plenário;
– A Proposta de Alteração 398C13, apresentada pelo CDS-PP, rejeitada em Comissão.
III. Apreciação dos requisitos formais
Conformidade com os requisitos constitucionais, regimentais e formais
O Projeto de Lei n.º 29/XIV/1.ª é subscrito por cinco Deputados do Grupo Parlamentar do CDS-PP, ao abrigo
do disposto no n.º 1 do artigo 167.º da Constituição e no artigo 118.º do Regimento da Assembleia da República
(RAR), que consagram o poder de iniciativa da lei. Trata-se de um poder dos Deputados, nos termos da alínea
b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do RAR, e dos grupos parlamentares, nos
termos da alínea g) do n.º 2 do artigo 180.º da Constituição e da alínea f) do artigo 8.º do RAR.
A iniciativa toma a forma de projeto de lei, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 119.º do RAR,
encontra-se redigida sob a forma de artigos, é precedida de uma breve exposição de motivos e tem uma
designação que traduz sinteticamente o seu objeto principal, embora possa ser objeto de aperfeiçoamento em
7 O n.º 3 do artigo 87.º foi posteriormente alterado pela Declaração de Retificação n.º 18/2014, de 13 de março (Declaração de retificação à Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, que «Procede à reforma da tributação das sociedades, alterando o Código do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de novembro, o Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, e o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro», publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 11, de 16 de janeiro de 2014). 8 Orçamento do Estado para 2010. 9 «A revogação do n.º 3 do artigo 52.º, do artigo 58.º e dos n.os 3 do artigo 87.º, 10 do artigo 88.º e 3 do artigo 90.º do Código do IRC, bem como as alterações introduzidas pela presente lei ao artigo 59.º, à alínea a) do n.º 7 do artigo 73.º, à alínea b) do n.º 1 do artigo 90.º e ao artigo 92.º que se reportem ao regime simplificado, produzem efeitos a partir de 1 de janeiro de 2011». 10 Orçamento do Estado para 2019 (texto consolidado). 11 Objeto: n.º 8, Artigo 87.º do Código do IRC. 12 Objeto: n.º 1, N.º 2, Artigo 87.º do Código do IRC. 13 Objeto: n.º 1, Artigo 87.º do Código do IRC.
Página 92
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
92
caso de aprovação, dando assim cumprimento aos requisitos formais estabelecidos no n.º 1 do artigo 124.º do
RAR.
De igual modo, encontram-se respeitados os limites à admissão das iniciativas, previstos no n.º 1 do artigo
120.º do RAR, uma vez que este projeto de lei parece não infringir princípios constitucionais e define
concretamente o sentido das modificações a introduzir na ordem legislativa.
A este respeito, cumpre indicar, quanto ao limite imposto pelo n.º 2 do artigo 167.º da Constituição e o n.º 2
do artigo 120.º do Regimento, conhecido como lei-travão, que a alteração ao artigo 87.º do Código do IRC, ao
diminuir a taxa de Imposto sobre o IRC para 17%, nos termos do artigo 2.º, e ao prever a diminuição gradual da
mesma taxa até 12,5% em 2026, nos termos do artigo 3.º, não envolve a diminuição de receitas do Estado
previstas no Orçamento, uma vez que esta questão é acautelada pela própria iniciativa, ao prever, na norma de
entrada em vigor – artigo 4.º – que esta tem lugar com o Orçamento do Estado subsequente à sua publicação.
O projeto de lei em apreciação deu entrada a 30 de outubro de 2019. Foi admitido a 6 de novembro, data em
que foi anunciado e baixou na generalidade à Comissão de Orçamento e Finanças (5.ª) por despacho de S. Ex.ª
o Presidente da Assembleia da República.
Verificação do cumprimento da lei formulário
O título da presente iniciativa legislativa – Redução da taxa de IRC (procede à alteração do Código do Imposto
sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de novembro) –
traduz sinteticamente o seu objeto, mostrando-se conforme ao disposto no n.º 2 do artigo 7.º da Lei n.º 74/98,
de 11 de novembro, conhecida como lei formulário14, embora, em caso de aprovação, possa ser objeto de
aperfeiçoamento formal, em sede de apreciação na especialidade ou em redação final.
Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º da mesma lei formulário: «Os diplomas que alterem outros devem indicar o
número de ordem da alteração introduzida e, caso tenha havido alterações anteriores, identificar aqueles
diplomas que procederam a essas alterações, ainda que incidam sobre outras normas».
Por motivos de segurança jurídica, e tentando manter uma redação simples e concisa, parece-nos mais
seguro e eficaz não colocar o número de ordem de alteração nem o elenco de diplomas que procederam a
alterações quando a mesma incida sobre Códigos, «Leis Gerais», «Regimes Gerais», «Regimes Jurídicos» ou
atos legislativos de estrutura semelhante.
Embora a exigência de tal indicação decorra do disposto no supracitado n.º 1 do artigo 6.º da lei formulário,
há que ter em consideração que a mesma foi aprovada e publicada num contexto de ausência de um Diário da
República Eletrónico, sendo que, neste momento, o mesmo é acessível universal e gratuitamente.
Assim, e no respeito pelas regras de legística que têm sido seguidas nesta matéria, no sentido de tornar a
sua formulação mais sucinta e clara, sugere-se a seguinte alteração ao título:
«Redução da taxa de IRC (alterando o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas,
aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de novembro.»
Em caso de aprovação esta iniciativa revestirá a forma de lei, nos termos do n.º 3 do artigo 166.º da
Constituição, pelo que deve ser objeto de publicação na 1.ª Série do Diário da República, em conformidade com
o disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 3.º da lei formulário.
No que respeita ao inicio de vigência, o artigo 4.º da iniciativa estabelece que a mesma entrará em vigor no
com o Orçamento do Estado subsequente à sua aprovação, estando assim em conformidade com o previsto no
n.º 1 do artigo 2.º da lei formulário, que estabelece que os atos legislativos «entram em vigor no dia neles fixado,
não podendo, em caso algum, o início da vigência verificar-se no próprio dia da publicação».
Nesta fase do processo legislativo, a iniciativa em apreço não suscita outras questões em face da lei
formulário.
14 Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, que estabelece um conjunto de normas sobre a publicação, a identificação e o formulário dos diplomas, alterada e republicada pelas Leis n.os 2/2005, de 24 de janeiro, 26/2006, de 30 de junho, 42/2007, de 24 de agosto, e 43/2014, de 11 de julho.
Página 93
11 DE DEZEMBRO DE 2019
93
IV. Análise de direito comparado
Enquadramento internacional
Países europeus
A legislação comparada é apresentada para os seguintes Estados-Membros da União Europeia: Espanha e
França.
ESPANHA
Relativamente a Espanha, o sistema fiscal aplicado no país funciona em três níveis de tributação, a saber,
nacional, regional e local ou municipal.
A nível nacional, o sistema fiscal é da responsabilidade da Agencia Estatal de Administración Tributaria,
criada nos termos do Artículo 103 da Ley 31/1990, de 27 de diciembre, de Presupuestos Generales del Estado
para 199115, ecujo portal na Internet compila e sistematiza vasta informação sobre o sistema fiscal espanhol, a
nível nacional.
A nível regional, o sistema fiscal é da responsabilidade dos governos das diversas comunidades.
A nível nacional, o diploma aplicável para efeitos da matéria em apreço é a Ley 27/2014, de 27 de
noviembre16, del Impuesto sobre Sociedades, sendo que o n.º 1 do artigo 29.º deste diploma refere que a taxa
geral aplicável para os contribuintes abrangidos por este imposto é de 25%, com as ressalvas previstas nos
números seguintes. Para informações adicionais, é também possível consultar as alterações mais recentes,
referentes a 2019, relativamente ao Impuesto sobre Sociedades.
FRANÇA
Relativamente a França, o contexto legal atinente à matéria em apreço encontra-se previsto no Code général
des impôts17, nomeadamente no Chapitre II – Impôt sur les bénéfices des sociétés et autre personnes morales.
Relativamente à taxa do Impôt sur les sociétés (IS) praticada, assim como o seu respetivo âmbito de
aplicação, é possível referir o seguinte:
O IS é deduzido dos lucros obtidos durante um exercício anual por empresas que operam na França, sendo
que o sujeito passivo deve fazer uma declaração e pagar o tributo em datas pré-determinadas. Referência para
o facto de que o valor do tributo pode ser aumentado por via da contribuição social;
A taxa de IS é gradualmente reduzida de acordo com o seguinte metodologia:
– Para exercícios fiscais iniciados em 2018, a taxa normal é de 28% para a fração dos lucros que não exceda
500 000,00€ e 33,1/3% a partir de então;
– Para os exercícios fiscais iniciados em 2019, a taxa normal foi de 28% para a fração dos lucros que não
exceda 500 000,00€ e 31% a partir de então. Excecionalmente, a taxa de IS de 33,1/3% é mantida para
exercícios iniciados em 1 de janeiro de 2019 e terminando em 31 de dezembro de 2019, para empresas com
vendas iguais ou superiores a 250 milhões de euros;
– Para exercícios iniciados em/ou após 1 de janeiro de 2020, a taxa normal será de 28% para todos os lucros;
– Para exercícios iniciados em/ou após 1 de janeiro de 2021, a taxa normal será de 26,5% para todos os
lucros;
– Para exercícios fiscais iniciados em ou após 1 de janeiro de 2022, a taxa normal será de 25% para todos
os lucros.
As Pequenas e Médias Empresas (PME) beneficiam de uma taxa reduzida de IS de 15% na primeira parcela
de 38 120,00€ em lucros, desde que o seu volume de negócios seja inferior a 7 630 000,00€ e que o capital
15 Texto consolidado no boe.es. 16 Texto consolidado no boe.es. 17 Texto consolidado no legifrance.gouv.fr.
Página 94
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
94
social sejam detido em pelo menos 75%, por sujeitos passivos singulares (ou por empresas que não têm o
estatuto de empresa-mãe) nos termos da lei. Para valores superiores aos acima referenciados, aplica-se a taxa
normal do IS.
Segundo informação recolhida no portal oficial da Função Publica francesa, importa também referir a Loi n.º
2019-759, du 24 de juillet 201918 portant création d’une taxe sur les services numériques et modification de la
trajectorie de baisse de l’impôt sur les sociétés, que cria um imposto sobre serviços digitais e altera a trajetória
de queda no imposto sobre as sociedades, promovendo uma alteração da lógica implícita ao programa de
redução do imposto sobre as sociedades.
Informações adicionais sobre a tributação de resultados podem ser consultadas através do Ministère de
L’Action et Des Comptes Publics.
V. Consultas e contributos
Consultas facultativas
Em sede de apreciação na especialidade, seria porventura pertinente promover audição ou pelo menos
recolher contributo escrito do Ministro de Estado e das Finanças.
Será ainda de ponderar pedido de contributo ao Conselho de Finanças Públicas (CFP), à Associação Fiscal
Portuguesa (AFP), a associações empresariais de referência, bem como a peritos nesta área como, por
exemplo, os membros que integraram a Comissão para a Reforma do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas
Coletivas.
VI. Avaliação prévia de impacto
Avaliação sobre impacto de género
O proponente juntou à proposta de lei a respetiva avaliação de impacto de género (AIG), de acordo com a
informação constante desse documento, considera-se que a iniciativa legislativa tem uma valoração neutra em
termos de impacto de género, dado que a totalidade das categorias e indicadores analisados, assumem a
valoração de «Neutro».
Linguagem não discriminatória
Na elaboração dos atos normativos a especificação de género deve ser minimizada recorrendo-se, sempre
que possível, a uma linguagem neutra ou inclusiva, mas sem colocar em causa a clareza do discurso.
Sem prejuízo de uma análise mais detalhada, na apreciação na especialidade ou na redação final, nesta fase
do processo legislativo a redação do projeto de lei não nos suscita qualquer questão relacionada com a
linguagem discriminatória em relação ao género.
Impacto orçamental
A redução da taxa de IRC tem impacto direto na redução da arrecadação da receita fiscal (pelo menos a
curto prazo) que, com os dados disponíveis, não é possível quantificar.
18 Texto consolidado no legifrance.gouv.fr.
Página 95
11 DE DEZEMBRO DE 2019
95
Outros impactos
A fundamentação económica desta iniciativa legislativa assenta no pressuposto de que a redução da
tributação do lucro das empresas estimulará a competitividade empresarial e atrairá mais investimento externo,
com impacto positivo, em diversas variáveis macroeconómicas19. De notar que a tributação é apenas um dos
fatores que afeta o nível de investimento.
———
PROJETO DE LEI N.º 52/XVI/1.ª
(PRIVILEGIA O MODELO DE RESIDÊNCIA ALTERNADA SEMPRE QUE TAL CORRESPONDA AO
SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA, EXCEPTUANDO-SE O DECRETAMENTO DESTE REGIME AOS
CASOS DE ABUSO INFANTIL, NEGLIGÊNCIA E VIOLÊNCIA DOMÉSTICA)
PROJETO DE LEI N.º 87/XIV/1.ª
(ALTERA O CÓDIGO CIVIL, ESTABELECENDO O PRINCÍPIO DA RESIDÊNCIA ALTERNADA DO
FILHO EM CASO DE DIVÓRCIO, SEPARAÇÃO JUDICIAL DE PESSOAS E BENS, DECLARAÇÃO DE
NULIDADE OU ANULAÇÃO DO CASAMENTO DOS PROGENITORES)
PROJETO DE LEI N.º 107/XIV/1.ª
(SEPTUAGÉSIMA SEXTA ALTERAÇÃO AO CÓDIGO CIVIL, APROVADO PELO DECRETO-LEI N.º 47
344, DE 25 DE NOVEMBRO DE 1966, ALTERANDO O REGIME DO EXERCÍCIO DAS
RESPONSABILIDADES PARENTAIS EM CASO DE DIVÓRCIO, SEPARAÇÃO JUDICIAL DE PESSOAS E
BENS, DECLARAÇÃO DE NULIDADE OU ANULAÇÃO DO CASAMENTO, DE FORMA A CLARIFICAR
QUE O TRIBUNAL PODE DETERMINAR A RESIDÊNCIA ALTERNADA DO FILHO COM CADA UM DOS
PROGENITORES SEMPRE QUE TAL CORRESPONDA AO SUPERIOR INTERESSE DO MENOR)
PROJETO DE LEI N.º 110/XIV/1.ª
(SOBRE O ESTABELECIMENTO DA RESIDÊNCIA ALTERNADA DOS MENORES, EM CASO DE
DIVÓRCIO SEPARAÇÃO JUDICIAL DE PESSOAS E BENS, DECLARAÇÃO DE NULIDADE OU
ANULAÇÃO DO CASAMENTO)
PROJETO DE LEI N.º 114/XIV/1.ª
(ALTERA O CÓDIGO CIVIL, PREVENDO O REGIME DE RESIDÊNCIA ALTERNADA DA CRIANÇA NA
REGULAÇÃO DO EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS EM CASO DE DIVÓRCIO,
SEPARAÇÃO JUDICIAL DE PESSOAS E BENS, DECLARAÇÃO DE NULIDADE OU ANULAÇÃO DO
CASAMENTO)
Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e nota técnica
elaborada pelos serviços de apoio
19 Sobre este tema, consultar estudo elaborado pelo Comité Económico e Social Europeu: The Role of Taxes on Investment to Increase Jobs in the EU –An Assessment of Recent Policy Developments in the Field of Corporate Taxes, 2019, doi: 10.2864/71139.
Página 96
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
96
Parecer conjunto
PARTE I – CONSIDERANDOS
I. a) Nota introdutória
Projeto de Lei n.º 52/XIV/1.ª (PAN) – Privilegia o modelo de residência alternada sempre que tal
corresponda ao superior interesse da criança, excecionando-se o decretamento deste regime aos casos de
abuso infantil, negligência e violência doméstica.
A presente iniciativa é subscrita pelos quatro Deputados do Grupo Parlamentar do PAN, ao abrigo do disposto
no n.º 1 do artigo 167.º da Constituição e no artigo 118.º do Regimento da Assembleia da República (RAR), que
consagram o poder de iniciativa da lei. Trata-se de um poder dos Deputados, nos termos da alínea b) do artigo
156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do RAR.
Assume a forma de projeto de lei, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 119.º do RAR, encontra-
se redigido sob a forma de artigos, é precedido de uma breve exposição de motivos e tem uma designação que
traduz sinteticamente o seu objeto principal, dando assim cumprimento aos requisitos formais estabelecidos no
n.º 1 do artigo 124.º do RAR.
Deu entrada a 7 de novembro de 2019, tendo sido admitido em 12 de novembro, baixou, na generalidade, à
Comissão de Assuntos Constitucionais Direitos Liberdades e Garantias. Foi anunciada no dia 13 de novembro
e encontra-se agendado para a Reunião Plenária do dia 11 de dezembro, conjuntamente com o Projeto de Lei
n.º 87/XIV/1.ª (PS).
Projeto de Lei n.º 114/XIV/1.ª (BE) – Altera o Código Civil, prevendo o regime de residência alternada da
criança na regulação do exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio, separação judicial de
pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento.
A presente iniciativa é subscrita pelos 19 Deputados do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda (BE), ao
abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 167.º da Constituição e no artigo 118.º do Regimento da Assembleia da
República (RAR), que consagram o poder de iniciativa da lei. Trata-se de um poder dos Deputados, nos termos
da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do RAR.
Assume a forma de projeto de lei, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 119.º do RAR, encontra-
se redigido sob a forma de artigos, é precedido de uma breve exposição de motivos e tem uma designação que
traduz sinteticamente o seu objeto principal, dando assim cumprimento aos requisitos formais estabelecidos no
n.º 1 do artigo 124.º do RAR.
De igual modo encontram-se respeitados os limites à admissão das iniciativas, previstos no n.º 1 do artigo
120.º do RAR, e, não introduzindo qualquer alteração em matéria de aumento de despesas ou diminuição de
receitas no ano económico em curso, não contende com o princípio da lei-travão, previsto no n.º 2 do artigo
120.º do Regimento e n.º 3 do artigo 167.º da Constituição. Assim, este projeto de lei parece não infringir
princípios constitucionais e define concretamente o sentido das modificações a introduzir na ordem legislativa.
Deu entrada a 22 de novembro de 2019, tendo sido admitida em 28 de novembro, e baixou, na generalidade,
à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. Foi anunciada nesse mesmo dia,
encontrando-se agendada para a Reunião Plenária do dia 11 de dezembro, conjuntamente com outras iniciativas
de natureza análoga.
Projeto de Lei n.º 87/XIV/1.ª (PS) – Altera o Código Civil, estabelecendo o princípio da residência alternada
do filho em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do
casamento dos progenitores.
Página 97
11 DE DEZEMBRO DE 2019
97
A presente iniciativa é subscrita por oito Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Socialista (PS), ao
abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 167.º da Constituição e no artigo 118.º do Regimento da Assembleia da
República (RAR), que consagram o poder de iniciativa da lei. Trata-se de um poder dos Deputados, nos termos
da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do RAR.
Assume a forma de projeto de lei, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 119.º do RAR, encontra-
se redigido sob a forma de artigos, é precedido de uma breve exposição de motivos e tem uma designação que
traduz sinteticamente o seu objeto principal, dando assim cumprimento aos requisitos formais estabelecidos no
n.º 1 do artigo 124.º do RAR.
De igual modo encontram-se respeitados os limites à admissão das iniciativas, previstos no n.º 1 do artigo
120.º do RAR, e, não introduzindo qualquer alteração em matéria de aumento de despesas ou diminuição de
receitas no ano económico em curso, não contende com o princípio da lei-travão, previsto no n.º 2 do artigo
120.º do Regimento e n.º 3 do artigo 167.º da Constituição. Assim, este projeto de lei parece não infringir
princípios constitucionais e define concretamente o sentido das modificações a introduzir na ordem legislativa.
Deu entrada a 19 de novembro de 2019, tendo sido admitida em 22 de novembro, baixou, na generalidade,
à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. Foi anunciada nesse mesmo dia,
encontrando-se agendada para a Reunião Plenária do dia 11 de dezembro, conjuntamente com outras iniciativas
de natureza análoga.
Projeto de Lei n.º 107/XIV/1.ª (PSD) – A presente iniciativa é subscrita por quatro Deputados do Grupo
Parlamentar do Partido Social Democrata (PSD), ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 167.º da Constituição
e no artigo 118.º do Regimento da Assembleia da República (RAR), que consagram o poder de iniciativa da lei.
Trata-se de um poder dos Deputados, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do
n.º 1 do artigo 4.º do RAR.
Assume a forma de projeto de lei, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 119.º do RAR, encontra-
se redigido sob a forma de artigos, é precedido de uma breve exposição de motivos e tem uma designação que
traduz sinteticamente o seu objeto principal, dando assim cumprimento aos requisitos formais estabelecidos no
n.º 1 do artigo 124.º do RAR.
De igual modo, encontram-se respeitados os limites à admissão das iniciativas, previstos no n.º 1 do artigo
120.º do RAR, e, não introduzindo qualquer alteração em matéria de aumento de despesas ou diminuição de
receitas no ano económico em curso, não contende com o princípio da lei-travão, previsto no n.º 2 do artigo
120.º do Regimento e n.º 3 do artigo 167.º da Constituição. Assim, este projeto de lei parece não infringir
princípios constitucionais e define concretamente o sentido das modificações a introduzir na ordem legislativa.
Deu entrada a 22 de novembro de 2019, tendo sido admitida em 28 de novembro, e baixou, na generalidade,
à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. Foi anunciada nesse mesmo dia,
encontrando-se agendada para a Reunião Plenária do dia 11 de dezembro, conjuntamente com outras iniciativas
de natureza análoga.
Projeto de Lei n.º 110/XIII/1.ª (CDS-PP) – A presente iniciativa é subscrita pelos cinco Deputados do Grupo
Parlamentar do CDS-Partido Popular (CDS-PP), ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 167.º da Constituição
e no artigo 118.º do Regimento da Assembleia da República (RAR), que consagram o poder de iniciativa da lei.
Trata-se de um poder dos Deputados, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do
n.º 1 do artigo 4.º do RAR.
Assume a forma de projeto de lei, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 119.º do RAR, encontra-
se redigido sob a forma de artigos, é precedido de uma breve exposição de motivos e tem uma designação que
traduz sinteticamente o seu objeto principal, dando assim cumprimento aos requisitos formais estabelecidos no
n.º 1 do artigo 124.º do RAR.
De igual modo encontram-se respeitados os limites à admissão das iniciativas, previstos no n.º 1 do artigo
120.º do RAR, e, não introduzindo qualquer alteração em matéria de aumento de despesas ou diminuição de
receitas no ano económico em curso, não contende com o princípio da lei-travão, previsto no n.º 2 do artigo
120.º do Regimento e n.º 3 do artigo 167.º da Constituição. Assim, este projeto de lei parece não infringir
princípios constitucionais e define concretamente o sentido das modificações a introduzir na ordem legislativa.
Página 98
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
98
Deu entrada a 22 de novembro de 2019, tendo sido admitida a 28 de novembro, e baixou, na generalidade,
à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. Foi anunciada nesse mesmo dia,
encontrando-se agendada para a Reunião Plenária do dia 11 de dezembro, conjuntamente com outras iniciativas
de natureza análoga.
Em 20 de novembro de 2019, a Comissão solicitou parecer escrito sobre a iniciativa ao Conselho Superior
da Magistratura, ao Conselho Superior do Ministério Público e à Ordem dos Advogados.
I b) Do objeto, conteúdo e motivação das iniciativas
Projeto de Lei n.º 52/XIV/1.ª (PAN) – Pretende alterar o Código Civil, incidindo sobre o artigo 1906.º
(Exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens,
declaração de nulidade ou anulação do casamento), estabelecendo o princípio de que o tribunal deverá
privilegiar o modelo de residência alternada da criança com cada um dos progenitores, sempre que tal
corresponda ao superior interesse do filho, quando ponderadas todas as circunstâncias relevantes atendíveis.
São vários os estudos apresentados pelo proponente, desde trabalhos académicos, sondagens e relatórios
para se concluir que «a residência alternada não constituiu nenhum perigo adicional, bem como, pelo facto de
a criança ter os dois progenitores interessados no seu quotidiano, fará com que exista maior vigilância sobre o
seu bem-estar, facilitando a sinalização de qualquer situação de violência ou abuso.»
Apresenta também análise de jurisprudência e doutrina para concluir que «a implementação da residência
alternada não deverá suceder por via automática, havendo que se efetivar uma avaliação casuística da vida da
criança que permita concluir pela exequibilidade da aplicação deste regime, sempre tendo em consideração o
superior interesse da criança.»
Apresenta ainda algumas indicações sobre o panorama legal no direito comparado, não sem antes referir o
facto de ser notória a presença vincada de estereótipos de género.
Pelo que o projeto de lei propõe alterar o Código Civil, estabelecendo um princípio o qual dita que o tribunal
deverá privilegiar o modelo de residência, sempre que tal corresponda ao superior interesse do filho, quando
ponderadas todas as circunstâncias relevantes atendíveis, excecionando-se o decretamento deste regime aos
casos de abuso infantil, negligência e violência doméstica e ajustando o tempo em que a criança vive na
residência de cada progenitor em função das suas necessidades e interesses.
Projeto de Lei n.º 114/XIV/1.ª (BE) – Pretende alterar também o Código Civil, nomeadamente o artigo
1906.º (Exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens,
declaração de nulidade ou anulação do casamento), prevendo expressamente os termos em que deve ser
definido o modelo de residência alternada da criança com cada um dos progenitores no atual regime de exercício
das responsabilidades parentais.
Na sua motivação é referida a importância de assegurar a igualdade de género no que diz respeito aos
direitos e às responsabilidades parentais, tendo como «eixo central» de qualquer tomada de decisão: o superior
interesse da criança, as suas necessidades particulares e o desenvolvimento das suas potencialidades.
Assim, esta proposta privilegia o regime de residência alternada, mas adianta o grupo parlamentar do BE
«que o regime em causa não é um bem em si mesmo» e para ser aplicado ao caso concreto deve, por isso, a
sua aplicação obedecer a um conjunto de salvaguardas, designadamente: assegurando o direito de audição das
crianças sobre todas as decisões que lhes digam respeito; a salvaguarda da prestação de alimentos; e a
exclusão da aplicação do regime de residência alternada quando e se estiver em causa uma situação de
violência doméstica.
Nesse sentido, propõe este projeto de lei alterar o artigo 1905.º do Código Civil, prevendo o regime de
residência alternada da criança na regulação do exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio,
separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento.
Projeto de Lei n.º 87/XIV/1.ª (PS) – Neste projeto propõe-se «estabelecer uma presunção jurídica da
residência alternada para crianças cujos pais e mães se encontrem em processo de divórcio, separação judicial
de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento». Fundamenta-se que a residência
Página 99
11 DE DEZEMBRO DE 2019
99
alternada «melhor realiza» quer o direito dos progenitores quer o direito da criança a tê-los ambos presentes no
seu desenvolvimento pessoal e social.
Os proponentes invocam a Resolução n.º 2079 (2015) do Conselho da Europa que recomenda a introdução
do princípio de residência alternada depois da separação, nomeadamente porque pode «ajudar a ultrapassar
estereótipos de género sobre os papéis que supostamente estão atribuídos ao homem e à mulher no seio
familiar.»
O projeto de lei refere igualmente a consulta feita tanto ao Conselho Superior de Magistratura como à
Procuradoria-Geral da República, que consideraram útil uma alteração legislativa, que fosse ao encontro da
tendência recente da jurisprudência.
Por essas razões, referem os proponentes a necessidade de alteração legislativa tendo em vista introduzir a
menção expressa à possibilidade preferencial de residência alternada e para a qual não é necessário o acordo
mútuo entre os progenitores, ainda que naturalmente, seja preservada a livre convicção do juiz, bem como a
liberdade de fixação de regime diferente, na sua aplicação ao concreto. Salvaguardando, obviamente, o princípio
do superior interesse da criança.
O grupo parlamentar do PS, com esta iniciativa de projeto de lei para alteração do artigo 1906.º, estabelece
o princípio da residência alternada do filho em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens,
declaração de nulidade ou anulação do casamento dos progenitores, alterando o Código Civil.
Projeto de Lei n.º 107/XIV/1.ª (PSD) – Pretende também alterar o mesmo preceito, o já referido artigo
1906.º do Código Civil que tem como referência a distinção entre relação conjugal e relação parental como forma
de realização do princípio do superior interesse da criança.
Tendo como base a Petição n.º 530 da anterior Legislatura1 – que solicita à Assembleia da República a
alteração do Código Civil no sentido de se «estabelecer a presunção jurídica da residência alternada para
criança cujos pais e mães se encontrem em processo de divórcio, separação judicial de pessoas e bens,
declaração de nulidade ou anulação do casamento» – e de toda a discussão sobre a regulação do exercício das
responsabilidades parentais que tal iniciativa levantou, acolhendo nomeadamente o parecer da Procuradoria-
Geral da República na apreciação da referida petição, o Grupo Parlamentar do PSD considera que o tribunal
deva poder determinar a residência alternada, sempre que, na aplicação da lei ao caso concreto, esse seja o
interesse da criança. Embora seja rejeitada a residência alternada como a regra, esta deve ser uma
possibilidade, na apreciação de cada caso e sempre tendo em conta o superior interesse da criança.
Para tal, o projeto de lei procede à septuagésima sexta alteração ao Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei
n.º 47 344, de 25 de novembro de 1966, alterando o regime do exercício das responsabilidades parentais em
caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento, de
forma a clarificar que o tribunal pode determinar a residência alternada do filho com cada um dos progenitores
independentemente de acordo e sempre que, ponderadas todas as circunstâncias relevantes atendíveis, tal
corresponda ao superior interesse do menor.
Projeto de Lei n.º 110/XIII/1.ª (CDS-PP) – Por último visa esta iniciativa legislativa alterar o Código Civil,
incidindo, também, sobre o mesmo artigo 1906.º (Exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio,
separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento), com o objetivo de
consagrar expressamente os termos em que pode ser definido o regime da residência alternada dos menores
no quadro do atual regime de exercício das responsabilidades parentais.
Para este grupo parlamentar, apesar de a residência alternada estar presente na jurisprudência, na
apresentação e discussão da Petição n.º 530 da anterior legislatura, no parecer do Conselho Superior da
Magistratura que, aliás, defendeu que a legislação deve prever expressamente a residência alternada. A posição
do Grupo Parlamentar do CDS-PP tende a acompanhar aquele que foi o entendimento vertido no parecer da
Ordem dos Advogados no sentido de passar a consagrar uma presunção de guarda partilhada, sendo que os
progenitores que não se encontrem de acordo com ela, passem a ter de impugnar essa mesma presunção,
principalmente nos casos em que haja registo de violência doméstica entre eles.
1 A Petição n.º 530/XIII deu entrada na Assembleia da República a 24 de julho de 2018, sendo subscrita por 4169 cidadãos, tendo como primeiro peticionário a Associação Portuguesa para a Igualdade Parental e Direitos dos Filhos.
Página 100
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
100
Por essa razão o CDS-PP rejeita, quer o estabelecimento de tal presunção legal, quer qualquer regime-regra
ou preferencial. Propõe, sim, a consagração expressamente na lei da possibilidade de determinação de
residência alternada, havendo acordo entre os progenitores, ou ponderadas as circunstâncias do caso concreto
e avaliado o superior interesse da criança. Sempre com a ressalva da obrigação da prestação de alimentos.
Então, o projeto de lei propõe a referida alteração ao Código Civil, na sua redação atual, consagrando
expressamente os termos em que pode ser definido o regime da residência alternada dos menores em caso de
divórcio separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento.
I c) Enquadramento e antecedentes
As responsabilidades parentais encontram-se reguladas na Secção II (Responsabilidades parentais) do
Capítulo II (Efeitos da filiação) do Título III (Da filiação) do Livro IV (Direito da Família) do Código Civil.
O artigo 1906.º encontra-se integrado na Subsecção IV (Exercício das responsabilidades parentais) da
secção do Código Civil acima identificada e dispõe sobre o exercício das responsabilidades parentais em caso
de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento. Desde a
versão originária do Código, este artigo foi alterado quatro vezes: pelo Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de
novembro, e pelas Leis n.os 84/95, de 31 de agosto, 59/99, de 30 de julho, e 61/2008, de 30 de novembro.
– Projeto de Lei n.º 1209/XIII/4.ª (CDS-PP) – Sobre o estabelecimento da residência alternada dos menores,
em caso de divórcio separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento.
– Projeto de Lei n.º 1190/XIII/4.ª (PS) – Altera o Código Civil, estabelecendo o princípio da residência
alternada do filho em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou
anulação do casamento dos progenitores.
– Projeto de Lei n.º 1182/XIII/4.ª (PAN) – P.rivilegia o modelo de residência alternada sempre que tal
corresponda ao superior interesse da criança.
E, ainda, sobre matéria conexa (responsabilidades parentais):
– Projeto de Lei n.º 353/XIII/2.ª (PAN) – Afirma a necessidade de regulação urgente das responsabilidades
parentais em situações de violência doméstica;
– Projeto de Lei n.º 345/XIII/2.ª (PS) – Promove a regulação urgente das responsabilidades parentais e a
atribuição de alimentos em situações de violência doméstica e de aplicação de medidas de coação ou de pena
acessória que impliquem afastamento entre progenitores;
– Projeto de Resolução n.º 784/XIII/2.ª (PS) – Recomenda ao Governo que elimina as discriminações
existentes em sede de IRS referentes ao exercício das responsabilidades parentais;
– Projeto de Resolução n.º 558/XIII/2.ª (PAN) – Recomenda ao Governo a avaliação do desempenho do
apoio judiciário no âmbito dos crimes de violência doméstica e regulação das responsabilidades parentais e que
proceda a verificação da necessidade de criação de uma equipa multidisciplinar que dê apoio ao sistema
judiciário;
– Projeto de Lei n.º 149/XIII/1.ª (PS) – Regulação das responsabilidades parentais por mútuo acordo junto
das Conservatórias do Registo Civil em caso de dissolução de uniões de facto e casos similares;
– Petição n.º 530/XIII/3 – «Solicitam alteração legislativa com vista a estabelecer a presunção jurídica da
residência alternada para crianças com pais separados». O relatório final da mesma foi enviado ao PAR em 20
de março de 2019;
– Resolução n.º 2079 (2015) – Sobre «Igualdade e responsabilidade parental partilhada: o papel dos pais»,
a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa insta os Estados-Membros a «introduzir na sua legislação o
princípio de residência alternada depois da separação, limitando as exceções aos casos de abuso infantil ou
negligência, ou violência doméstica, ajustando o tempo em que a criança vive na residência de cada progenitor
em função das suas necessidades e interesses»; e a «ter em conta acordos de residência alternada quando são
atribuídos benefícios sociais», entre outros aspetos.
Convenção sobre os Direitos da Criança, assinada em Nova Iorque a 26 de janeiro de 1990 (aprovada
pela Resolução da Assembleia da República n.º 20/90 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República
n.º 49/90, ambos de 12 de setembro) prevê que «Os Estados Partes diligenciam de forma a assegurar o
Página 101
11 DE DEZEMBRO DE 2019
101
reconhecimento do princípio segundo o qual ambos os pais têm uma responsabilidade comum na educação e
no desenvolvimento da criança. A responsabilidade de educar a criança e de assegurar o seu desenvolvimento
cabe primacialmente aos pais e, sendo caso disso, aos representantes legais. O interesse superior da criança
deve constituir a sua preocupação fundamental», (n.º 1 do artigo 18.º da Convenção).
Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela Lei n.º 147/99, de 1 de setembro. Artigo
4.º estabelece os princípios orientadores da intervenção para a promoção dos direitos e proteção da criança e
jovem em perigo, em particular as alíneas d) e f) – os princípios da intervenção mínima (a intervenção deve ser
exercida exclusivamente pelas entidades e instituições cuja ação seja indispensável à efetiva promoção dos
direitos e à proteção da criança e do jovem em perigo) e da responsabilidade parental (a intervenção deve ser
efetuada de modo que os pais assumam os seus deveres para com a criança e o jovem), respetivamente.
Veja-se também os seguintes acórdãos:
– Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21 de janeiro de 2019 (Proc. 22967/17.0T8PRT.P1);
– Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11 de dezembro de 2018 (Proc. 1032/17.5T8CBR.C1);
– Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7 de agosto de 2018 (Proc. 835/17.5T8SXL-A-2);
– Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 6 de dezembro de 2018 (Proc.2641/15.2T8PTM.E1).
PARTE II – OPINIÃO DO RELATOR
A signatária do presente relatório exime-se, nesta sede, de manifestar a sua opinião política sobre os
seguintes projetos:
Projeto de Lei n.º 52/XIV/1.ª (PAN); Projeto de Lei n.º 114/XIV/1 (BE); Projeto de Lei n.º 87/XIV/1.ª (PS);
Projeto de Lei n.º 107/XIV/1.ª (PSD) e Projeto de Lei n.º 110/XIII/1.ª (CDS-PP), a qual é, de resto, de
«elaboração facultativa» nos termos do n.º 3 do artigo 137.º do Regimento da Assembleia da República.
PARTE III – CONCLUSÕES
1. As seguintes iniciativas legislativas: Projeto de Lei n.º 52/XIV/1.ª (PAN); Projeto de Lei n.º 114/XIV/1.ª
(BE);Projeto de Lei n.º 87/XIV/1.ª (PS); Projeto de Lei n.º 107/XIV/1.ª (PSD) e Projeto de Lei n.º 110/XIII/1.ª
(CDS-PP) pretendem alterar o Código Civil, nomeadamente o artigo 1906.º (Exercício das responsabilidades
parentais em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do
casamento) com o objetivo de consagrar expressamente os termos em que pode ser definido o regime da
residência alternada dos menores no quadro do atual regime de exercício das responsabilidades parentais.
2. Todos os projetos, o Projeto de Lei n.º 52/XIV/1.ª (PAN); Projeto de Lei n.º 114/XIV/1.ª (BE);Projeto
de Lei n.º 87/XIV/1.ª (PS); Projeto de Lei n.º 107/XIV/1.ª (PSD) e Projeto de Lei n.º 110/XIII/1.ª (CDS-PP)
cumprem os requisitos formais previstos no n.º 1 do artigo 119.º, no n.º 1 do artigo 123.º, bem como no n.º 1 do
artigo 124.º do RAR.
3. Face ao exposto, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias é de
parecer que os projetos: Projeto de Lei n.º 52/XIV/1.ª (PAN); Projeto de Lei n.º 114/XIV/1.ª (BE);Projeto de
Lei n.º 87/XIV/1.ª (PS); Projeto de Lei n.º 107/XIV/1.ª (PSD); e Projeto de Lei n.º 110/XIII/1.ª (CDS) reúnem
os requisitos constitucionais e regimentais para serem discutidos e votados em plenário.
Palácio de S. Bento, 9 de dezembro 2019.
A Deputada relatora,Joacine Katar Moreira — O Presidente da Comissão,Luís Marques Guedes.
Nota: As partes I e III do parecer foram aprovadas, por unanimidade, tendo-se verificado a ausência do DURP
do CH, na reunião da Comissão de 11 de dezembro de 2019.
Página 102
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
102
PARTE IV – ANEXOS
Anexam-se as notas técnicas elaboradas pelos serviços ao abrigo do disposto no artigo 131.º do Regimento
da Assembleia da República.
Projeto de Lei n.º 52/XIV/1.ª (PAN)
Privilegia o modelo de residência alternada sempre que tal corresponda ao superior interesse da
criança, excecionando-se o decretamento deste regime aos casos de abuso infantil, negligência e
violência doméstica.
Data de admissão: 12 de novembro de 2019.
Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (1.ª)
Índice
I. Análise da iniciativa
II. Enquadramento parlamentar
III. Apreciação dos requisitos formais
IV. Análise de direito comparado
V. Consultas e contributos
VI. Avaliação prévia de impacto
VII. Enquadramento bibliográfico
Elaborada por: Maria João Godinho e Nuno Amorim (DILP), Rosalina Espinheira (BIB), Isabel Pereira (DAPLEN), Inês Cadete e Margarida Ascensão (DAC). Data: 25 de novembro de 2019.
I. Análise da iniciativa
A iniciativa
O presente projeto de lei, da iniciativa dos Deputados do Grupo Parlamentar do PAN, pretende alterar o
Código Civil, incidindo sobre o artigo 1906.º (Exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio,
separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento), estabelecendo o
princípio de que o tribunal deverá privilegiar o modelo de residência alternada da criança com cada um dos
progenitores, sempre que tal corresponda ao superior interesse do filho, quando ponderadas todas as
circunstâncias relevantes atendíveis.
A intervenção legislativa preconizada retoma iniciativa anteriormente apresentada pelo Deputado único
representante do Partido PAN – o Projeto de Lei n.º 1182/XIII/4.ª, mas não nos exatos termos propostos, uma
vez que elimina a expressão «independentemente do acordo dos pais» (que constava da redação então
proposta para o n.º 6 do artigo 1906.º do Código Penal) e adita um novo n.º 7, excecionando a aplicação do
regime de residência alternada aos casos de abuso infantil, negligência e violência doméstica.
O proponente socorre-se de uma extensa exposição de motivos para fundamentar as suas propostas.
Começa por invocar «estudos científicos efetuados nos últimos anos que atestam que o modelo de residência
Nota Técnica
Página 103
11 DE DEZEMBRO DE 2019
103
alternada consubstancia a estrutura familiar que melhor preenche as necessidades (físicas, psicológicas,
emocionais, sociais e materiais) das crianças, garantindo uma maior igualdade entre ambos os progenitores no
envolvimento parental, promovendo uma melhor articulação entre o trabalho e família que será determinante no
acréscimo de bem-estar emocional, familiar e social das crianças».
É também afirmado que «o atual quadro legal dita uma notória desigualdade no exercício das
responsabilidades parentais, sendo que, em regra é atribuída a maior parcela temporal do poder de decisão em
atos da vida corrente do filho a um dos progenitores (o chamado «progenitor residente») conjugado com o facto
de o outro (progenitor não residente), nos parcos momentos passados com o filho, encontra-se impedido de ter
influência relevante sobre as orientações educativas mais importantes definidas pelo progenitor com quem a
criança reside habitualmente».
Neste quadro, reconhece ainda ser importante ter em consideração a conciliação da vida familiar e da vida
profissional, uma vez que esta conciliação será mais fácil se ambos estiverem presentes no quotidiano das
crianças. A fixação do modelo de residência alternada pressupõe que haja uma tendencial escolha por
residências próximas uma da outra, para que seja evitado o desgaste das partes (progenitores e crianças).
Por fim, o proponente entende que as alterações promovidas pela Lei n.º 61/2008, de 31 de outubro,
derivaram na implementação de um regime-regra assente no exercício conjunto das responsabilidades parentais
quanto às questões de particular importância da vida do filho, presente nos artigos 1901.º; 1906.º, n.º 1; 1911.º
e 1912.º do Código Civil.
Propõe então, para esse efeito, a alteração do artigo 1906.º do Código Civil, nos seguintes termos:
Código Civil Projeto de Lei n.º 1182/XIII/4.ª
Artigo 1906.º
Exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens,
declaração de nulidade ou anulação do casamento
1 – As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimónio, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível. 2 – Quando o exercício em comum das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho for julgado contrário aos interesses deste, deve o tribunal, através de decisão fundamentada, determinar que essas responsabilidades sejam exercidas por um dos progenitores. 3 – O exercício das responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente do filho cabe ao progenitor com quem ele reside habitualmente, ou ao progenitor com quem ele se encontra temporariamente; porém, este último, ao exercer as suas responsabilidades, não deve contrariar as orientações educativas mais relevantes, tal como elas são definidas pelo progenitor com quem o filho reside habitualmente. 4 – O progenitor a quem cabe o exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente pode exercê-las por si ou delegar o seu exercício. 5 – O tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro. 6 – Ao progenitor que não exerça, no todo ou em parte, as responsabilidades parentais assiste o direito de ser informado sobre o modo do seu exercício, designadamente sobre a educação e as condições de vida do filho.
Artigo 1906.º
(…) 1 – (…). 2 – (…). 3 – (…). 4 – (…). 5 – (…). 6 – O tribunal deverá privilegiar o modelo de residência alternada da criança com cada um dos progenitores, sempre que, ponderadas todas as circunstâncias relevantes atendíveis, estas correspondam ao superior interesse da
Página 104
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
104
Código Civil Projeto de Lei n.º 1182/XIII/4.ª
7 – O tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles.
criança, nomeadamente tomando em consideração a sua idade, necessidades e interesses. 7 – Excetuam-se do disposto no número anterior os casos em que se verifique a existência da pendência de processos relativos ao crime de violência doméstica, bem como aos casos em que se verifique negligência ou abuso infantil sobre a criança, assim como a aplicação judicial de medidas de afastamento ou decisão de condenação 8 – (Anterior n.º 6) 9 – (Anterior n.º 7).
Enquadramento jurídico nacional
«Responsabilidades parentais» é o termo que atualmente designa o poder-dever dos pais em relação aos
filhos, genericamente correspondente ao anteriormente1 previsto «poder paternal» e que tem fundamento no
artigo 36.º, n.º 5, da Constituição: «os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos».
As responsabilidades parentais encontram-se reguladas na Secção II (Responsabilidades parentais) do
Capítulo II (Efeitos da filiação) do Título III (Da filiação) do Livro IV (Direito da Família) do Código Civil. O artigo
1878.º define o conteúdo das responsabilidades parentais, determinando que «compete aos pais, no interesse
dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los,
ainda que nascituros, e administrar os seus bens». Estabelece ainda aquele artigo que os filhos devem
obediência aos pais, devendo estes, de acordo com a maturidade dos filhos, «ter em conta a sua opinião nos
assuntos familiares importantes e reconhecer-lhes autonomia na organização da própria vida.»
A titularidade das responsabilidades parentais é automaticamente imputada aos progenitores, por mero efeito
da filiação, não podendo ser renunciada, sem prejuízo do disposto no tocante à adoção (artigo 1882.º), e dura
até à maioridade ou emancipação (artigo 1877.º).
O artigo 1906.º, que a iniciativa objeto da presente nota técnica propõe alterar, encontra-se integrado na
Subsecção IV (Exercício das responsabilidades parentais) da Secção do Código Civil acima identificada e dispõe
sobre o exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens,
declaração de nulidade ou anulação do casamento. Desde a versão originária do Código, este artigo foi alterado
quatro vezes: pelo Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de novembro, e pelas Leis n.os 84/95, de 31 de agosto, 59/99,
de 30 de julho, e 61/2008, de 30 de novembro.
Este artigo distingue as questões de particular importância dos atos da vida corrente, atribuindo o exercício
das responsabilidades parentais quanto a estes últimos ao progenitor com quem o filho resida habitualmente ou
ao progenitor com quem o mesmo se encontra temporariamente, desde que, neste último caso, não sejam
contrariadas as orientações educativas mais relevantes definidas pelo progenitor com quem o filho reside
habitualmente. Ainda quanto aos atos da vida corrente, prevê-se a possibilidade de delegação em terceiro.
Quanto às questões de particular importância, a Lei n.º 61/2008 introduziu aquela que é atualmente a regra
nas diversas situações de rutura do relacionamento entre os progenitores elencadas na epígrafe do artigo: o
exercício conjunto das responsabilidades parentais nos termos que vigoravam na constância do matrimónio.
Como exceções a esta regra estão apenas previstas duas situações: urgência manifesta, em que qualquer dos
progenitores pode agir sozinho mas tendo o dever de informar o outro logo que possível; ou quando esse
exercício conjunto seja considerado contrário aos interesses do menor.
Nesta última situação, tal depende de decisão fundamentada do tribunal, que determina por quem são
exercidas as responsabilidades parentais em causa, e pode decorrer de variados fatores, designadamente os
previstos no artigo 1906.º-A do Código Civil – situações de violência em contexto familiar ou quando tiver sido
decretada medida de coação ou aplicada pena acessória de proibição de contacto entre os pais. Nesta última
situação há mesmo uma presunção legal de que o exercício conjunto das responsabilidades parentais é contrário
1 Até à entrada em vigor da Lei n.º 61/2008, de 31 de outubro, que altera o regime jurídico do divórcio.
Página 105
11 DE DEZEMBRO DE 2019
105
aos interesses do menor (v.d. n.º 9 do artigo 40.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei
n.º 141/2015, de 8 de setembro2).
O progenitor que não exerça, no todo ou em parte, as responsabilidades parentais, tem o direito de ser
informado sobre o modo do seu exercício, designadamente sobre a educação e as condições de vida do filho
(n.º 6 do artigo 1906.º do Código Civil).
A lei não define o que são as questões de particular importância, tratando-se de conceito indeterminado
utilizado noutras disposições do Código Civil que regulam o exercício das responsabilidades parentais (a par,
aliás, de outros conceitos indeterminados), cabendo à doutrina e jurisprudência preenchê-lo. Como pode ler-se
na exposição de motivos do Projeto de Lei n.º 509/X, uma das iniciativas que esteve na origem da referida Lei
n.º 61/2008, «Dá-se por assente que o exercício conjunto das responsabilidades parentais mantém os dois
progenitores comprometidos com o crescimento do filho; afirma-se que está em causa um interesse público que
cabe ao Estado promover, em vez de o deixar ao livre acordo dos pais; reduz-se o âmbito do exercício conjunto
ao mínimo – aos assuntos de «particular importância». Caberá à jurisprudência e à doutrina definir este âmbito;
espera-se que, ao menos no princípio da aplicação do regime, os assuntos relevantes se resumam a questões
existenciais graves e raras, que pertençam ao núcleo essencial dos direitos que são reconhecidos às crianças.»
Conforme refere Estela Chaby3, «A doutrina e a jurisprudência têm vindo a evoluir no sentido de alguma
restrição do universo das questões de particular importância, tendo presentes, por um lado, razões de segurança
jurídica e, por outro, o objetivo de redução dos conflitos parentais judicializados (…). Exemplos claros de
questões de particular importância (…) serão o casamento do filho maior de dezasseis anos, o desenvolvimento
de atividade laboral pelo filho, a interrupção da gravidez da filha menor de dezasseis anos, a realização de uma
intervenção cirúrgica e a alteração de residência relevante».
Não havendo acordo dos progenitores quanto a essas questões de particular importância, são as mesmas
reguladas pelo tribunal, a requerimento de qualquer um deles, nos termos previstos no já indicado Regime Geral
do Processo Tutelar Cível, em especial nos artigos 44.º e 34.º a 40.º.
O artigo 1906.º do Código Civil prevê também que, nas referidas situações de rutura do relacionamento entre
os progenitores, cabe ao tribunal determinar a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse
do mesmo, tendo em conta todas as «circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo entre os
pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro»
(n.º 5).
A residência constitui um elemento determinante do regime de exercício das responsabilidades parentais,
visto que cabe ao progenitor com quem o filho reside habitualmente exercê-las no tocante aos atos da vida
corrente, conforme referido acima, competindo, pois, «a cada um dos progenitores pelo período em que o filho
consigo resida, nos casos de residência alternada»4. A residência alternada (períodos alternados de residência
com um e outro dos progenitores) é uma das possibilidades que tem sido admitida na jurisprudência, a par da
residência habitual com um dos progenitores e da residência com um terceiro (nos termos regulados no artigo
1907.º do Código Civil). A residência alternada pode consistir numa de duas modalidades: cada progenitor tem
a sua residência e o filho reside alternadamente numa e noutra, com a periodicidade que for estabelecida, ou o
designado bird’s nest arrangement – o filho reside sempre na mesma casa e os progenitores revezam-se, na
periodicidade definida.
Assim, pode dizer-se que «a residência alternada consiste numa divisão rotativa e tendencialmente simétrica
dos tempos da criança com os progenitores por forma a possibilitar a produção de um quotidiano familiar e social
com o filho durante os períodos em que se encontra com cada um deles»5, sendo que «Aos tribunais chegam
cada vez com maior frequência pais e mães que pretendem exercer de forma mais efetiva as suas
responsabilidades parentais, procurando que (…)» ao «(…) processo de partilha nas decisões mais importantes
da vida da criança, corresponda igualmente uma maior presença nas decisões quotidianas e nas relações
afetivas com os seus filhos.»6
2 Texto consolidado disponível no portal do Diário da República Eletrónico. 3 In PRATA, Ana (Coord.), Código Civil Anotado, volume II,Almedina, 2017, p. 810. 4 Idem, p. 818. 5 Comunicação de António José Fialho incluída no E-book do Centro de Estudos Judiciários A tutela cível do superior interesse da criança, Tomo I, Coleção de Formação Contínua, julho de 2014. 6 Idem.
Página 106
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
106
Várias têm sido as decisões judiciais recentes no sentido da determinação da residência alternada por ser
considerado o regime mais adequado ao interesse da criança, mesmo sem acordo dos pais. Vejam-se, a título
de exemplo:
– Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21 de janeiro de 2019 (Proc. 22967/17.0T8PRT.P1);
– Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11 de dezembro de 2018 (Proc. 1032/17.5T8CBR.C1);
– Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7 de agosto de 2018 (Proc. 835/17.5T8SXL-A-2);
– Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 6 de dezembro de 2018 (Proc.2641/15.2T8PTM.E1).
Através da Resolução n.º 2079 (2015), sobre «Igualdade e responsabilidade parental partilhada: o papel dos
pais», a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa insta os Estados-Membros a «introduzir na sua
legislação o princípio de residência alternada depois da separação, limitando as exceções aos casos de abuso
infantil ou negligência, ou violência doméstica, ajustando o tempo em que a criança vive na residência de cada
progenitor em função das suas necessidades e interesses;» e a «ter em conta acordos de residência alternada
quando são atribuídos benefícios sociais;», entre outros aspetos.
Recorde-se ainda que a Convenção sobre os Direitos da Criança, assinada em Nova Iorque a 26 de janeiro
de 1990 (aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 20/907 e ratificada pelo Decreto do
Presidente da República n.º 49/90, ambos de 12 de setembro) prevê que «Os Estados Partes diligenciam de
forma a assegurar o reconhecimento do princípio segundo o qual ambos os pais têm uma responsabilidade
comum na educação e no desenvolvimento da criança. A responsabilidade de educar a criança e de assegurar
o seu desenvolvimento cabe primacialmente aos pais e, sendo caso disso, aos representantes legais. O
interesse superior da criança deve constituir a sua preocupação fundamental.» (n.º 1 do artigo 18.º da
Convenção). O interesse superior da criança é, aliás, o princípio base ao qual devem obedecer todas as decisões
relativas às crianças (artigo 3.º da Convenção).
Isso mesmo se encontra consagrado no n.º 7 do artigo 1906.º do Código Civil: o tribunal decide «sempre de
harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois
progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de
contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles».
Por fim, cumpre referir, porque mencionada na exposição de motivos do projeto de lei em análise, a Lei de
Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela Lei n.º 147/99, de 1 de setembro8. O seu artigo 4.º
estabelece os princípios orientadores da intervenção para a promoção dos direitos e proteção da criança e jovem
em perigo, em particular as suas alíneas d) e f) – os princípios da intervenção mínima (a intervenção deve ser
exercida exclusivamente pelas entidades e instituições cuja ação seja indispensável à efetiva promoção dos
direitos e à proteção da criança e do jovem em perigo) e da responsabilidade parental (a intervenção deve ser
efetuada de modo que os pais assumam os seus deveres para com a criança e o jovem), respetivamente.
II. Enquadramento parlamentar
Iniciativas pendentes (iniciativas legislativas e petições)
Consultada a base de dados da Atividade Parlamentar (AP), verificou-se que se encontram em apreciação,
na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, as seguintes iniciativas legislativas
sobre matéria idêntica:
– Projeto de Lei n.º 114/XIV/1.ª (BE) – Altera o Código Civil, prevendo o regime de residência alternada da
criança na regulação do exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio, separação judicial de
pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento;
– Projeto de Lei n.º 110/XIV/1.ª (CDS-PP) – Sobre o estabelecimento da residência alternada dos menores,
em caso de divórcio separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento;
7 Retificada pela Retificação n.º 1/91, de 14 de janeiro, e pela Retificação n.º 8/91, de 20 de março, e alterada pela Resolução n.º 50/155 da Assembleia Geral das Nações Unidas (altera o n.º 2 do artigo 43.º da convenção), de 21 de dezembro de 1995, aprovada através da Resolução da Assembleia da República n.º 12/98, de 22 de janeiro. 8 Texto consolidado disponível no portal do Diário da República Eletrónico.
Página 107
11 DE DEZEMBRO DE 2019
107
– Projeto de Lei n.º 107/XIV/1.ª (PSD) – Septagésima sexta alteração ao Código Civil, aprovado pelo Decreto-
Lei n.º 47 344, de 25 de novembro de 1966, alterando o regime do exercício das responsabilidades parentais
em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento,
de forma a clarificar que o tribunal pode determinar a residência alternada do filho com cada um dos progenitores
sempre que tal corresponda ao superior interesse do menor;
– Projeto de Lei n.º 87/XIV/1.ª (PS) – Altera o Código Civil, estabelecendo o princípio da residência alternada
do filho em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do
casamento dos progenitores.
Consultada a mencionada base de dados (AP) não se identificou qualquer petição pendente sobre a mesma
matéria.
Antecedentes parlamentares (iniciativas legislativas e petições)
Efetuada consulta à base de dados da Atividade Parlamentar (AP), verificou-se que, na XIII Legislatura, foram
apresentadas as seguintes iniciativas legislativas sobre matéria idêntica ou conexa (responsabilidades
parentais):
– Projeto de Lei n.º 1209/XIII/4.ª (CDS-PP) – Sobre o estabelecimento da residência alternada dos menores,
em caso de divórcio separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento;
– Projeto de Lei n.º 1190/XIII/4.ª (PS) – Altera o Código Civil, estabelecendo o princípio da residência
alternada do filho em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou
anulação do casamento dos progenitores;
– Projeto de Lei n.º 1182/XIII/4.ª (PAN) – Privilegia o modelo de residência alternada sempre que tal
corresponda ao superior interesse da criança;
– Projeto de Lei n.º 353/XIII/2.ª (PAN) – Afirma a necessidade de regulação urgente das responsabilidades
parentais em situações de violência doméstica;
– Projeto de Lei n.º 345/XIII/2.ª (PS) – Promove a regulação urgente das responsabilidades parentais e a
atribuição de alimentos em situações de violência doméstica e de aplicação de medidas de coação ou de pena
acessória que impliquem afastamento entre progenitores;
– Projeto de Resolução n.º 784/XIII/2.ª (PS) – Recomenda ao Governo que elimina as discriminações
existentes em sede de IRS referentes ao exercício das responsabilidades parentais;
– Projeto de Resolução n.º 558/XIII/2.ª (PAN) – Recomenda ao Governo a avaliação do desempenho do
apoio judiciário no âmbito dos crimes de violência doméstica e regulação das responsabilidades parentais e que
proceda a verificação da necessidade de criação de uma equipa multidisciplinar que dê apoio ao sistema
judiciário;
– Projeto de Lei n.º 149/XIII/1.ª (PS) – Regulação das responsabilidades parentais por mútuo acordo junto
das Conservatórias do Registo Civil em caso de dissolução de uniões de facto e casos similares.
Consultada a base de dados da Atividade Parlamentar, na XIII Legislatura foi registada a seguinte petição,
incidindo sobre a mesma matéria:
Petição n.º 530/XIII/3.ª – «Solicitam alteração legislativa com vista a estabelecer a presunção jurídica da
residência alternada para crianças com pais separados». O relatório final da mesma foi enviado ao PAR em 20
de março de 2019.
III. Apreciação dos requisitos formais
Conformidade com os requisitos constitucionais, regimentais e formais
A presente iniciativa é subscrita pelos quatro Deputados do Grupo Parlamentar do PAN, ao abrigo do disposto
no n.º 1 do artigo 167.º da Constituição e no artigo 118.º do Regimento da Assembleia da República (RAR), que
consagram o poder de iniciativa da lei. Trata-se de um poder dos Deputados, nos termos da alínea b) do artigo
156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do RAR.
Página 108
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
108
Assume a forma de projeto de lei, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 119.º do RAR, encontra-
se redigido sob a forma de artigos, é precedido de uma breve exposição de motivos e tem uma designação que
traduz sinteticamente o seu objeto principal, dando assim cumprimento aos requisitos formais estabelecidos no
n.º 1 do artigo 124.º do RAR.
De igual modo encontram-se respeitados os limites à admissão das iniciativas, previstos no n.º 1 do artigo
120.º do RAR, e, não introduzindo qualquer alteração em matéria de aumento de despesas ou diminuição de
receitas no ano económico em curso, não contende com o princípio da lei-travão, previsto no n.º 2 do artigo
120.º do Regimento e n.º 3 do artigo 167.º da Constituição.
O projeto de lei parece não infringir princípios constitucionais e define concretamente o sentido das
modificações a introduzir na ordem legislativa.
Deu entrada a 7 de novembro 2019, tendo sido admitido em 12 de novembro, baixou, na generalidade, à
Comissão de Assuntos Constitucionais Direitos Liberdades e Garantias. Foi anunciada no dia 13 de novembro
e encontra-se agendado para a reunião plenária do dia 11 de dezembro, conjuntamente com o Projeto de Lei
n.º 87/XIV/1.ª (PS).
Verificação do cumprimento da lei formulário
A Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, alterada e republicada pela Lei n.º 43/2014, de 11 de julho, de ora em
diante designada como lei formulário, contém um conjunto de normas sobre a publicação, identificação e
formulário dos diplomas que são relevantes em caso de aprovação da presente iniciativa.
A presente iniciativa procede à alteração do artigo 1906.º do Código aditando-lhe dois novos n.os 6 e 7, de
modo a privilegiar o modelo de residência sempre que tal corresponda ao superior interesse da criança, exceto
em casos de abuso infantil, negligência e violência doméstica.
O Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47 344, de 25 de novembro de 1966, aprovado pelo Decreto-
Lei n.º 47 344, de 25 de novembro de 1966, sofreu já inúmeras alterações introduzidas pelos Decretos-Leis n.os
67/75, de 19 de fevereiro, 261/75, de 27 de maio, 561/76, de 17 de julho, 605/76, de 24 de julho, 293/77, de 20
de julho, 496/77, de 25 de novembro, 200-C/80, de 24 de junho, 236/80, de 18 de julho, 328/81, de 4 de
dezembro, 262/83, de 16 de junho, 225/84, de 6 de julho, e 190/85, de 24 de junho, pela Lei n.º 46/85, de 20 de
setembro, pelos Decretos-Leis n.os 381-B/85, de 28 de setembro, e 379/86, de 11 de novembro, pela Lei n.º
24/89, de 1 de agosto, pelos Decretos-Leis n.os 321-B/90, de 15 de outubro, 257/91, de 18 de julho, 423/91, de
30 de outubro, 185/93, de 22 de maio, 227/94, de 8 de setembro, 267/94, de 25 de outubro, e 163/95, de 13 de
julho, pela Lei n.º 84/95, de 31 de agosto, pelos Decretos-Leis n.os 329-A/95, de 12 de dezembro, 14/96, de 6
de março, 68/96, de 31 de maio, 35/97, de 31 de janeiro, e 120/98, de 8 de maio, pelas Leis n.os 21/98, de 12 de
maio, e 47/98, de 10 de agosto, pelo Decreto-Lei n.º 343/98, de 6 de novembro, pela Lei n.º 16/2001, de 22 de
junho, pelos Decretos-Leis n.os 272/2001, de 13 de outubro, 273/2001, de 13 de outubro, 323/2001, de 17 de
dezembro, e 38/2003, de 8 de março, pela Lei n.º 31/2003, de 22 de agosto, pelo Decreto-Lei n.º 199/2003, de
10 de setembro, pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, pelos Decretos-Leis n.os 263-A/2007, de 23 de julho,
324/2007, de 28 de setembro, e 116/2008, de 4 de julho, pela Lei n.o 61/2008, de 31 de outubro, e pelo Decreto-
Lei n.º 100/2009, de 11 de maio, pelas Leis n.os 29/2009, de 29 de junho, 103/2009, de 11 de setembro, 9/2010,
de 31 de maio, 23/2010, de 30 de agosto, 24/2012, de 9 de julho, 31/2012 e 32/2012, ambas de 14 de agosto,
23/2013, de 5 de março, 79/2014, de 19 de dezembro, 82/2014, de 30 de dezembro, 111/2015, de 27 de agosto,
122/2015, de 1 de setembro, 137/2015, de 7 de setembro, 143/2015, de 8 de setembro, 150/2015, de 10 de
setembro, 5/2017, de 2 de março, 8/2017, de 3 de março, 24/2017, de 24 de maio, 43/2017, de 14 de junho,
48/2018, de 14 de agosto, 49/2018, de 14 de agosto, 64/2018, de 29 de outubro, 13/2019, de 12 de fevereiro e
pela Lei n.º 85/2019, de 03 de setembro.
No n.º 1 do artigo 6.º da citada lei formulário, é estabelecido o dever de indicar, nos diplomas legais que
alterem outros, o número de ordem da alteração introduzida e a identificação dos diplomas que procederam a
alterações anteriores.
A lei formulário foi aprovada e publicada num contexto de ausência de um Diário da República Eletrónico,
sendo que, neste momento, o mesmo é acessível universal e gratuitamente. Assim, por motivos de segurança
jurídica, e tentando manter uma redação simples e concisa, parece-nos mais seguro e eficaz não colocar o
Página 109
11 DE DEZEMBRO DE 2019
109
número de ordem de alteração nem o elenco de diplomas que procederam a alterações quando a mesma incida
sobre Códigos, «Leis Gerais», «Regimes Gerais», ou leis com estrutura semelhantes.
Relativamente ao título, sugere-se o seguinte: Privilegia o modelo de residência alternada sempre que tal
corresponda ao superior interesse da criança, excecionando-se o decretamento deste regime aos casos de
abuso infantil, negligência e violência doméstica, alterando o Código Civil
Em caso de aprovação em votação final global, deve ser publicada sob a forma de lei na 1.ª Série do Diário
da República, conforme o disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 3.º da lei formulário, e entra em vigor no
primeiro dia do mês seguinte ao da sua publicação, conforme previsto no artigo 3.º do articulado e do n.º 1 do
artigo 2.º da citada lei formulário, segundo o qual os atos legislativos «entram em vigor no dia neles fixado, não
podendo, em caso algum, o início de vigência verificar-se no próprio dia da publicação».
Na presente fase do processo legislativo a iniciativa em apreço não nos parece suscitar outras questões em
face da lei formulário.
Regulamentação ou outras obrigações legais
A presente iniciativa não prevê a necessidade de regulamentação posterior das suas normas, nem condiciona
a sua aplicação ao cumprimento de qualquer obrigação legal.
IV. Análise de direito comparado
Enquadramento no plano da União Europeia
Nos termos da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança (CNUDC)9, considera-se criança
qualquer ser humano com menos de 18 anos.
O Regulamento (CE) n.º 2201/2003 – Competência, reconhecimento e execução de decisões em matéria
matrimonial e de responsabilidade parental10 é um instrumento jurídico para ajudar os casais internacionais na
resolução de litígios, envolvendo mais do que um país, relativamente ao seu divórcio e à guarda dos seus filhos.
O Regulamento não abrange matérias relacionadas com o direito substantivo de família. Estas são da
responsabilidade de cada país da União Europeia.
O regulamento é aplicável aos casos de direito civil que envolvem mais do que um país e que dizem respeito
ao divórcio, à separação, à anulação de um casamento e a qualquer aspeto da responsabilidade parental,
nomeadamente os direitos de guarda e de visita. Um dos seus principais objetivos consiste em defender o direito
das crianças de manterem contacto com ambos os progenitores, mesmo que se encontrem separados ou
residam em diferentes países da União Europeia.
Por outro lado, o Tratado de Lisboa introduziu como objetivo da União Europeia a promoção dos direitos da
criança, e a Carta dos Direitos Fundamentais garante a proteção dos direitos das crianças pelas instituições da
União Europeia e pelos Estados-Membros.
Em 15 de fevereiro de 2011, a Comissão Europeia publicou uma comunicação intitulada Programa da UE
para os direitos da criança [COM (2011) 60]. O objetivo é reafirmar o forte empenho de todas as instituições da
União Europeia e de todos os Estados-Membros em promover, proteger e respeitar plenamente os direitos da
criança em todas as políticas pertinentes da União Europeia, procurando obter resultados concretos. Os direitos
da criança e a prevenção da violência contra as crianças, os jovens e as mulheres, bem como outros grupos de
risco, também são protegidos e promovidos ao abrigo do Programa Direitos, Igualdade e Cidadania (2014-2020).
A Diretiva 2011/93/UE — Luta contra o abuso sexual e a exploração sexual de crianças e a pornografia
infantil visa melhorar a proteção das crianças contra o abuso sexual e a exploração sexual.
A União Europeia assinou em 2017 a Convenção do Conselho da Europa para a prevenção e o combate à
violência contra as mulheres e a violência doméstica, também denominada Convenção de Istambul, na qual se
9No site da Organização das Nações Unidas está disponível a versão da CNUDC em inglês: https://www.ohchr.org/en/professionalinterest/pages/crc.aspx. 10 Alterado pelo Regulamento (CE) n.o 2116/2004.
Página 110
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
110
reconhece que as crianças são vítimas da violência doméstica, inclusivamente como testemunhas de violência
no seio da família.
Destaca-se ainda o Manual de legislação europeia sobre os Direitos da Criança, no qual esta questão é
abordada, e que foi produzido pela Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
Enquadramento internacional
Países europeus
A legislação comparada é apresentada para os seguintes Estados-Membros da União Europeia: Espanha e
Reino Unido.
ESPANHA
As responsabilidades parentais (patria potestad) dos menores não emancipados são exercidas pelos
progenitores (artigo 154 do Código Civil), e são exercidas conjuntamente por ambos os progenitores ou só por
um deles com o consentimento expresso ou tácito do outro, sendo válidos quaisquer atos urgentes que as
circunstâncias o requeiram, a qualquer um deles (artigo 156).
A parte final do artigo 156 refere que no caso de pais separados, as responsabilidades parentais serão
exercidas por aquele que coabite com o menor, podendo, no entanto, ser partilhada quando o interesse do
menor assim o exige.
Quando não existe acordo entre os progenitores a decisão cabe ao juiz, sempre no superior interesse do
menor, ouvindo este sempre que seja maior de 12 anos. (artigo 159).
O artigo 160 proporciona ao progenitor que não tenha o exercício das responsabilidades parentais, a
possibilidade de se relacionar com o menor, numa situação que terá semelhanças com o regime de visitas
previstos na lei portuguesa.
REINO UNIDO11
Conhecidas como shared residence order, estas são child arrangements orders nas quais a criança alterna
a residência com duas ou mais pessoas, residentes em habitações distintas e com as quais a criança reside
durante determinados períodos de tempo, devidamente especificados. Em abril de 2014, com a alteração
operada pelo Children and Families Act 2014, passaram a chamar-se apenas child arrangements orders,
desaparecendo o termo shared residence order.
Os child arrangements orders previstos na secção 8 do Children Act 1989, são ordens judiciais nas quais são
definidas diversas situações relativas à vida dos menores, como a sua residência habitual ou com quem aquele
deve manter contactos.
Das pesquisas efetuadas na jurisprudência inglesa, é possível encontrar12 diversos casos de residência
partilhada entre progenitores, não sendo possível, porém, concluir se tal modelo é privilegiado em relação aos
outros.
V. Consultas e contributos
Consultas obrigatórias
Em 20 de novembro de 2019, a Comissão solicitou parecer escrito sobre a iniciativa ao Conselho Superior
da Magistratura, ao Conselho Superior do Ministério Público e à Ordem dos Advogados.
Estes serão publicados na página da iniciativa na Internet e disponíveis para consulta pública.
11 Analise comparativa confinada a Inglaterra. 12 Como por exemplo no caso B4/2005/1235 ou no caso [2012] EWCA Civ 1434.
Página 111
11 DE DEZEMBRO DE 2019
111
VI. Avaliação prévia de impacto
Avaliação sobre impacto de género
De acordo com a ficha de avaliação prévia de impacto de género, em cumprimento do disposto na Lei n.º
4/2018, de 9 de fevereiro, devolve como resultado uma valoração neutra do impacto de género.
Avaliação linguagem não discriminatória
Na elaboração dos atos normativos a especificação de género deve ser minimizada recorrendo-se, sempre
que possível, a uma linguagem neutra ou inclusiva, mas sem colocar em causa a clareza do discurso. A presente
iniciativa não nos suscita questões relacionadas com a utilização de linguagem discriminatória.
VII. Enquadramento bibliográfico
FIGUEIREDO, Pedro Raposo de – A residência alternada no quadro do atual regime de exercício das
responsabilidades parentais: a questão (pendente) do acordo dos progenitores. Julgar. Lisboa. ISSN 1646-
6853. N.º 33 (set./dez. 2017), p. 89-108. Cota: RP-257.
Resumo: «O artigo toma partido na discussão em torno da possibilidade de adoção de um modelo de
residência alternada em casos de divórcio/separação, à margem do acordo dos progenitores. Apresenta-se uma
solução que pretende evidenciar as vantagens da aplicação de tal modelo e a sua conformação legal, sempre
na mira do superior interesse da criança, dando enfoque à evolução sociológica verificada na sociedade
portuguesa nas últimas décadas, em especial ao nível da relação familiar, e desmistificando, com recurso a
dados científicos recolhidos na psicologia, pediatria e pedopsiquiatria, as ideias e conceitos que tradicionalmente
têm inviabilizado a sua utilização na prática judiciária.»
LEITE, André Lamas – O art. 1906.º do Código Civil e a (in)admissibilidade do regime de guarda (e residência)
alternadas dos menores. Revista do Ministério Público. Lisboa. ISSN 0870-6107. N.º 151 (jul./set. 2017), p.
65-81. Cota: RP-179.
Resumo: «O artigo analisa a possibilidade legal de o art. 1906.º do CC admitir o regime de guarda e
residência alternadas dos menores, em caso de qualquer das formas de ruptura da vida em conjunto dos seus
progenitores, dialogando com as normas constitucionais pertinentes. Por outro lado, estuda-se igualmente a
existência ou não de uma preferência legal do ordenamento jurídico quanto à dita guarda alternada.»
MATOS, Ricardo Jorge Bragança de – A «presunção jurídica de residência alternada» e a tutela do superior
interesse da criança. Revista do Ministério Público. Lisboa. ISSN 0870-6107. N.º 156 (out./dez. 2018), p. 123-
155. Cota: RP-179.
Resumo: «O texto analisa criticamente a proposta apresentada no Parlamento, através de petição, de
alteração do regime jurídico do exercício das responsabilidades parentais em caso de rutura da conjugalidade,
visando a consagração legal de uma presunção de fixação à criança de residência alternada junto de ambos os
progenitores, confrontando-a com o regime vigente, com a jurisprudência e com a produção doutrinária,
avaliando se a mesma comporta, ou não, uma evolução no sentido de maior tutela do interesse da criança.»
UMA FAMÍLIAparental, duas casas [Em linha]: residência alternada: dinâmicas e práticas sociais.
Lisboa: Edições Sílabo, 2017. 266 p. [Consult. 19 nov. de 2019]. Disponível na intranet da AR em: http://catalogobib.parlamento.pt/ipac20/ipac.jsp?&profile=bar&uri=full=3100024~!129158~!0>. ISBN 978-972- 618-872-8. Resumo: Este livro debruça-se «sobre as famílias formadas pelo divórcio e pela separação e as suas crianças. Tem como foco específico as famílias de residência alternada, definidas como aquelas em que a criança reside alternadamente com a mãe e com o pai (33 a 50% do tempo) e em que esta beneficia, no quadro
Página 112
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
112
da partilha de responsabilidades parentais legais, da constância do envolvimento parental pleno de ambos os
progenitores no seu dia-a-dia.
É uma obra alicerçada em dois propósitos: […] atender à necessidade de produção e divulgação de
conhecimento atualizado e devidamente fundamentado, tanto no plano teórico como no empírico, sobre as
famílias pós-divórcio e separação e, em particular, sobre a residência alternada na sociedade portuguesa; e
contribuir para a transformação do modo como a atribuição legal da residência alternada é encarada nos planos
político-legislativo e profissional. A relevância de tais propósitos inscreve-se na necessidade de legitimar
socialmente as práticas de residência alternada na sociedade portuguesa, principalmente no plano institucional.
Na realidade, as famílias e as crianças sobre as quais nos debruçamos são praticamente invisíveis em Portugal,
pois não figuram nas estatísticas oficiais e têm sido pouco estudadas. Por isso, muito do que se pressupõe,
escreve e decide sobre estas famílias assenta em fundamentos meramente subjetivos e ideológicos, tendo como
consequência a persistente aplicação do regime de residência única com um progenitor e visitas de curta
duração ao outro, apesar de este regime estar cada vez mais desajustado da realidade da maioria das famílias
contemporâneas. De facto, priva a criança do igual envolvimento próximo e significativo de mãe e pai no seu
dia-a-dia, por um lado, e veda o acesso de um dos progenitores (em regra, o pai) ao exercício pleno e
responsável da parentalidade, alimentando desigualdades entre os sexos no envolvimento parental, por outro
lado. Esta é uma situação sobre a qual é necessário lançar um amplo debate na sociedade portuguesa.»
[…] A obra está dividida «em duas partes, que correspondem a duas grandes linhas temáticas. A primeira
debruça-se sobre o bem-estar da criança, a parentalidade partilhada e a diversidade familiar moldadas pelo
divórcio e pela separação. A segunda aborda a legislação que instituiu normas de parentalidade partilhada e a
sua aplicação.»
Nota Técnica
Projeto de Lei n.º 87/XIV/1.ª (PS)
Altera o Código Civil, estabelecendo o princípio da residência alternada do filho em caso de divórcio,
separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento dos
progenitores.
Data de admissão: 22 de novembro de 2019
Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (1.ª)
Índice
I. Análise da iniciativa
II. Enquadramento parlamentar
III. Apreciação dos requisitos formais
IV. Análise de direito comparado
V. Consultas e contributos
VI. Avaliação prévia de impacto
VII. Enquadramento bibliográfico
Elaborada por: Maria João Godinho e Nuno Amorim (DILP), Rosalina Espinheira (BIB), Isabel Pereira (DAPLEN), Inês Cadete e Margarida Ascensão (DAC). Data: 2 de dezembro de 2019.
Página 113
11 DE DEZEMBRO DE 2019
113
I. Análise da iniciativa
A iniciativa
A iniciativa legislativa sub judice visa alterar o Código Civil, incidindo sobre o artigo 1906.º (Exercício das
responsabilidades parentais em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade
ou anulação do casamento), com o objetivo de inscrever a residência alternada – isto é, a possibilidade de os
filhos de pais separados viverem com ambos os progenitores, em regime alternado – no quadro do atual regime
de exercício das responsabilidades parentais, de forma expressa e como regime preferencial.
A intervenção legislativa neste âmbito enquadra-se, conforme é mencionado na exposição de motivos, na
discussão e reflexão que tem vido a ser feita na sociedade civil sobre o futuro do Direito da Família e a
necessidade de proceder à alteração do artigo 1906.º do Código Civil e retoma iniciativa anteriormente
apresentada pelo PS – o Projeto de Lei n.º 1190/XIII/4.ª –, que surgiu na sequência da Petição n.º 530/XIII/3.ª,
em que era solicitada uma «alteração legislativa com vista a estabelecer a presunção jurídica da residência
alternada para crianças com pais separados», mas não nos termos propostos pela Petição, na medida em que
nesta se propunha, segundo o proponente, uma excessiva restrição aos poderes do juiz, quando é este, e não
o legislador, que tem perante si a totalidade das circunstâncias do caso e pode fazer um juízo sobre a adequação
da residência alternada ao caso concreto.
Nesse sentido, e em concordância com o parecer emitido pela Procuradoria-Geral da República (PGR)1 no
âmbito do processo de apreciação da Petição, o proponente considera haver vantagem na introdução de uma
referência expressa na legislação sobre o princípio da residência alternada2, estabelecendo que não deve
necessitar de acordo mútuo e que deve ser adotada como solução preferencial, mas preservando toda a
autonomia do julgador, quer para optar por regime diferente quando as circunstâncias do caso o aconselhem,
quer para determinar os termos concretos da alternância de residência, acompanhando neste ponto a
argumentação aduzida no parecer da PGR, quando afirma «importa não acolher soluções legislativas que
traduzam retrocessos na efetiva observação do superior interesse da concreta criança a que respeita a
regulação do exercício das responsabilidades parentais», porque a proteção do interesse da criança deve
continuar a ser o princípio basilar deste regime – conclui o proponente.
Por fim, pretende que fique claro na norma proposta que a decisão de residência alternada não prejudica a
possibilidade de fixação de alimentos, se o tribunal assim o entender tendo em atenção a diferente condição
socioeconómica dos progenitores.
Mais concretamente, propõe-se o aditamento de um novo número – novo n.º 6 do artigo 1906.º –, com a
seguinte redação: «O tribunal privilegiará a residência alternada do filho com ambos os progenitores,
independentemente de mútuo acordo nesse sentido e sem prejuízo da fixação de alimentos, sempre que
ponderadas todas as circunstâncias relevantes, tal corresponda ao superior interesse daquele.»
A iniciativa legislativa compõe-se de três artigos preambulares: o primeiro definidor do respetivo objeto; o
segundo prevendo a alteração do artigo 1906.º do Código Civil; e o terceiro determinando que o início de vigência
da norma a aprovar ocorrerá no primeiro dia do mês subsequente ao da sua publicação.
Enquadramento jurídico nacional
«Responsabilidades parentais» é o termo que atualmente designa o poder-dever dos pais em relação aos
filhos, genericamente correspondente ao anteriormente3 previsto «poder paternal» e que tem fundamento no
artigo 36.º, n.º 5, da Constituição: «os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos».
1 De referir que também o Conselho Superior da Magistratura defendeu, a propósito da Petição n.º 530/XIII/3.ª, que «o princípio de que, salvo motivos ponderosos, a residência dos filhos de pais separados deve ser com ambos os progenitores, de forma alternada e com possível adequação ao caso concreto pelo juiz, é de prever legalmente.». Todavia, a PGR foi mais longe, defendendo que a alternância entre a casa de ambos os pais devia ter um estatuto privilegiado relativamente a outras soluções e sustentando que a coabitação devia ser ponderada mesmo quando não houvesse acordo entre os progenitores. 2 Atualmente a lei é omissa, estabelecendo apenas que «o tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste». Na verdade, a lei já permite que os filhos de casais separados fiquem a viver alternadamente com a mãe e com o pai, mas esse está longe de ser o modelo mais aplicado pelos tribunais. 3 Até à entrada em vigor da Lei n.º 61/2008, de 31 de outubro, que altera o regime jurídico do divórcio.
Página 114
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
114
As responsabilidades parentais encontram-se reguladas na Secção II (Responsabilidades parentais) do
Capítulo II (Efeitos da filiação) do título III (Da filiação) do Livro IV (Direito da Família) do Código Civil. O artigo
1878.º define o conteúdo das responsabilidades parentais, determinando que «compete aos pais, no interesse
dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los,
ainda que nascituros, e administrar os seus bens». Estabelece ainda aquele artigo que os filhos devem
obediência aos pais, devendo estes, de acordo com a maturidade dos filhos, «ter em conta a sua opinião nos
assuntos familiares importantes e reconhecer-lhes autonomia na organização da própria vida.»
A titularidade das responsabilidades parentais é automaticamente imputada aos progenitores, por mero efeito
da filiação, não podendo ser renunciada, sem prejuízo do disposto no tocante à adoção (artigo 1882.º), e dura
até à maioridade ou emancipação (artigo 1877.º).
O artigo 1906.º, que a iniciativa objeto da presente nota técnica propõe alterar, encontra-se integrado na
Subsecção IV (Exercício das responsabilidades parentais) da Secção do Código Civil acima identificada e dispõe
sobre o exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens,
declaração de nulidade ou anulação do casamento. Desde a versão originária do Código, este artigo foi alterado
quatro vezes: pelo Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de novembro, e pelas Leis n.os 84/95, de 31 de agosto, 59/99,
de 30 de julho, e 61/2008, de 30 de novembro.
Este artigo distingue as questões de particular importância dos atos da vida corrente, atribuindo o exercício
das responsabilidades parentais quanto a estes últimos ao progenitor com quem o filho resida habitualmente ou
ao progenitor com quem o mesmo se encontra temporariamente, desde que, neste último caso, não sejam
contrariadas as orientações educativas mais relevantes definidas pelo progenitor com quem o filho reside
habitualmente. Ainda quanto aos atos da vida corrente, prevê-se a possibilidade de delegação em terceiro.
Quanto às questões de particular importância, a Lei n.º 61/2008 introduziu aquela que é atualmente a regra
nas diversas situações de rutura do relacionamento entre os progenitores elencadas na epígrafe do artigo: o
exercício conjunto das responsabilidades parentais nos termos que vigoravam na constância do matrimónio.
Como exceções a esta regra estão apenas previstas duas situações: urgência manifesta, em que qualquer dos
progenitores pode agir sozinho mas tendo o dever de informar o outro logo que possível; ou quando esse
exercício conjunto seja considerado contrário aos interesses do menor.
Nesta última situação, tal depende de decisão fundamentada do tribunal, que determina por quem são
exercidas as responsabilidades parentais em causa, e pode decorrer de variados fatores, designadamente os
previstos no artigo 1906.º-A do Código Civil – situações de violência em contexto familiar ou quando tiver sido
decretada medida de coação ou aplicada pena acessória de proibição de contacto entre os pais. Nesta última
situação há mesmo uma presunção legal de que o exercício conjunto das responsabilidades parentais é contrário
aos interesses do menor (v.d. n.º 9 do artigo 40.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei
n.º 141/2015, de 8 de setembro4).
O progenitor que não exerça, no todo ou em parte, as responsabilidades parentais, tem o direito de ser
informado sobre o modo do seu exercício, designadamente sobre a educação e as condições de vida do filho
(n.º 6 do artigo 1906.º do Código Civil).
A lei não define o que são as questões de particular importância, tratando-se de conceito indeterminado
utilizado noutras disposições do Código Civil que regulam o exercício das responsabilidades parentais (a par,
aliás, de outros conceitos indeterminados), cabendo à doutrina e jurisprudência preenchê-lo. Como pode ler-se
na exposição de motivos do Projeto de Lei n.º 509/X, uma das iniciativas que esteve na origem da referida Lei
n.º 61/2008, «Dá-se por assente que o exercício conjunto das responsabilidades parentais mantém os dois
progenitores comprometidos com o crescimento do filho; afirma-se que está em causa um interesse público que
cabe ao Estado promover, em vez de o deixar ao livre acordo dos pais; reduz-se o âmbito do exercício conjunto
ao mínimo – aos assuntos de «particular importância». Caberá à jurisprudência e à doutrina definir este âmbito;
espera-se que, ao menos no princípio da aplicação do regime, os assuntos relevantes se resumam a questões
existenciais graves e raras, que pertençam ao núcleo essencial dos direitos que são reconhecidos às crianças.»
Conforme refere Estela Chaby5, «A doutrina e a jurisprudência têm vindo a evoluir no sentido de alguma
restrição do universo das questões de particular importância, tendo presentes, por um lado, razões de segurança
4 Texto consolidado disponível no portal do Diário da República Eletrónico. 5 In PRATA, Ana (Coord.), Código Civil Anotado, volume II,Almedina, 2017, p. 810.
Página 115
11 DE DEZEMBRO DE 2019
115
jurídica e, por outro, o objetivo de redução dos conflitos parentais judicializados (…). Exemplos claros de
questões de particular importância (…) serão o casamento do filho maior de dezasseis anos, o desenvolvimento
de atividade laboral pelo filho, a interrupção da gravidez da filha menor de dezasseis anos, a realização de uma
intervenção cirúrgica e a alteração de residência relevante».
Não havendo acordo dos progenitores quanto a essas questões de particular importância, são as mesmas
reguladas pelo tribunal, a requerimento de qualquer um deles, nos termos previstos no já indicado Regime Geral
do Processo Tutelar Cível, em especial nos artigos 44.º e 34.º a 40.º).
O artigo 1906.º do Código Civil prevê também que, nas referidas situações de rutura do relacionamento entre
os progenitores, cabe ao tribunal determinar a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse
do mesmo, tendo em conta todas as «circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo entre os
pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro»
(n.º 5).
A residência constitui um elemento determinante do regime de exercício das responsabilidades parentais,
visto que cabe ao progenitor com quem o filho reside habitualmente exercê-las no tocante aos atos da vida
corrente, conforme referido acima, competindo, pois, «a cada um dos progenitores pelo período em que o filho
consigo resida, nos casos de residência alternada»6. A residência alternada (períodos alternados de residência
com um e outro dos progenitores) é uma das possibilidades que tem sido admitida na jurisprudência, a par da
residência habitual com um dos progenitores e da residência com um terceiro (nos termos regulados no artigo
1907.º do Código Civil). A residência alternada pode consistir numa de duas modalidades: cada progenitor tem
a sua residência e o filho reside alternadamente numa e noutra, com a periodicidade que for estabelecida, ou o
designado bird’s nest arrangement – o filho reside sempre na mesma casa e os progenitores revezam-se, na
periodicidade definida.
Assim, pode dizer-se que «a residência alternada consiste numa divisão rotativa e tendencialmente simétrica
dos tempos da criança com os progenitores por forma a possibilitar a produção de um quotidiano familiar e social
com o filho durante os períodos em que se encontra com cada um deles»7, sendo que «Aos tribunais chegam
cada vez com maior frequência pais e mães que pretendem exercer de forma mais efetiva as suas
responsabilidades parentais, procurando que (…)» ao «(…) processo de partilha nas decisões mais importantes
da vida da criança, corresponda igualmente uma maior presença nas decisões quotidianas e nas relações
afetivas com os seus filhos.»8
Várias têm sido as decisões judiciais recentes no sentido da determinação da residência alternada por ser
considerado o regime mais adequado ao interesse da criança, mesmo sem acordo dos pais. Vejam-se, a título
de exemplo:
– Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21 de janeiro de 2019 (Proc. 22967/17.0T8PRT.P1);
– Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11 de dezembro de 2018 (Proc. 1032/17.5T8CBR.C1);
– Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7 de agosto de 2018 (Proc. 835/17.5T8SXL-A-2);
– Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 6 de dezembro de 2018 (Proc.2641/15.2T8PTM.E1).
Através da Resolução n.º 2079 (2015), sobre «Igualdade e responsabilidade parental partilhada: o papel dos
pais», a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa insta os Estados-Membros a «introduzir na sua
legislação o princípio de residência alternada depois da separação, limitando as exceções aos casos de abuso
infantil ou negligência, ou violência doméstica, ajustando o tempo em que a criança vive na residência de cada
progenitor em função das suas necessidades e interesses;» e a «ter em conta acordos de residência alternada
quando são atribuídos benefícios sociais;», entre outros aspetos.
Recorde-se ainda que a Convenção sobre os Direitos da Criança, assinada em Nova Iorque a 26 de janeiro
de 1990 (aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 20/909 e ratificada pelo Decreto do
6 Idem, p. 818. 7 Comunicação de António José Fialho incluída no E-book do Centro de Estudos Judiciários A tutela cível do superior interesse da criança, Tomo I, Coleção de Formação Contínua, julho de 2014. 8 Idem. 9 Retificada pela Retificação n.º 1/91, de 14 de janeiro, e pela Retificação n.º 8/91, de 20 de março, e alterada pela Resolução n.º 50/155 da Assembleia Geral das Nações Unidas (altera o n.º 2 do artigo 43.º da convenção), de 21 de dezembro de 1995, aprovada através da Resolução da Assembleia da República n.º 12/98, de 22 de janeiro.
Página 116
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
116
Presidente da República n.º 49/90, ambos de 12 de setembro) prevê que «Os Estados Partes diligenciam de
forma a assegurar o reconhecimento do princípio segundo o qual ambos os pais têm uma responsabilidade
comum na educação e no desenvolvimento da criança. A responsabilidade de educar a criança e de assegurar
o seu desenvolvimento cabe primacialmente aos pais e, sendo caso disso, aos representantes legais. O
interesse superior da criança deve constituir a sua preocupação fundamental.» (n.º 1 do artigo 18.º da
Convenção). O interesse superior da criança é, aliás, o princípio base ao qual devem obedecer todas as decisões
relativas às crianças (artigo 3.º da Convenção).
Isso mesmo se encontra consagrado no n.º 7 do artigo 1906.º do Código Civil: o tribunal decide «sempre de
harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois
progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de
contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles».
O artigo 1905.º do Código Civil dispõe sobre os alimentos devidos ao filho em caso de divórcio, separação
judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento, determinando que os alimentos
devidos ao filho e a forma de os prestar são regulados por acordo dos pais, sujeito a homologação, a qual é
recusada pelo tribunal se o acordo não corresponder ao interesse do menor.
II. Enquadramento parlamentar
Iniciativas pendentes (iniciativas legislativas e petições)
Consultada a base de dados da Atividade Parlamentar (AP), verificou-se que se encontram em apreciação,
na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, as seguintes iniciativas legislativas
sobre matéria idêntica:
– Projeto de Lei n.º 114/XIV/1.ª (BE) – Altera o Código Civil, prevendo o regime de residência alternada da
criança na regulação do exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio, separação judicial de
pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento;
– Projeto de Lei n.º 110/XIV/1.ª (CDS-PP) – Sobre o estabelecimento da residência alternada dos menores,
em caso de divórcio separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento;
– Projeto de Lei n.º 107/XIV/1.ª (PSD) – Septuagésima sexta alteração ao Código Civil, aprovado pelo
Decreto-Lei n.º 47 344, de 25 de novembro de 1966, alterando o regime do exercício das responsabilidades
parentais em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do
casamento, de forma a clarificar que o tribunal pode determinar a residência alternada do filho com cada um dos
progenitores sempre que tal corresponda ao superior interesse do menor.
– Projeto de Lei n.º 52/XIV/1.ª (PAN) – Privilegia o modelo de residência alternada sempre que tal
corresponda ao superior interesse da criança, excecionando-se o decretamento deste regime aos casos de
abuso infantil, negligência e violência doméstica;
Consultada a mencionada base de dados (AP) não se identificou qualquer petição pendente sobre a mesma
matéria.
Antecedentes parlamentares (iniciativas legislativas e petições)
Efetuada consulta à base de dados da Atividade Parlamentar (AP), verificou-se que, na XIII Legislatura, foram
apresentadas as seguintes iniciativas legislativas sobre matéria idêntica ou conexa (responsabilidades
parentais):
– Projeto de Lei n.º 1209/XIII/4.ª (CDS-PP) – Sobre o estabelecimento da residência alternada dos menores,
em caso de divórcio separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento;
Página 117
11 DE DEZEMBRO DE 2019
117
– Projeto de Lei n.º 1190/XIII/4.ª (PS) – Altera o Código Civil, estabelecendo o princípio da residência
alternada do filho em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou
anulação do casamento dos progenitores;
– Projeto de Lei n.º 1182/XIII/4.ª (PAN) – Privilegia o modelo de residência alternada sempre que tal
corresponda ao superior interesse da criança;
– Projeto de Lei n.º 353/XIII/2.ª (PAN) – Afirma a necessidade de regulação urgente das responsabilidades
parentais em situações de violência doméstica;
– Projeto de Lei n.º 345/XIII/2.ª (PS) – Promove a regulação urgente das responsabilidades parentais e a
atribuição de alimentos em situações de violência doméstica e de aplicação de medidas de coação ou de pena
acessória que impliquem afastamento entre progenitores;
– Projeto de Resolução n.º 784/XIII/2.ª (PS) – Recomenda ao Governo que elimina as discriminações
existentes em sede de IRS referentes ao exercício das responsabilidades parentais;
– Projeto de Resolução n.º 558/XIII/2.ª (PAN) – Recomenda ao Governo a avaliação do desempenho do
apoio judiciário no âmbito dos crimes de violência doméstica e regulação das responsabilidades parentais e que
proceda a verificação da necessidade de criação de uma equipa multidisciplinar que dê apoio ao sistema
judiciário;
– Projeto de Lei n.º 149/XIII/1.ª (PS) – Regulação das responsabilidades parentais por mútuo acordo junto
das Conservatórias do Registo Civil em caso de dissolução de uniões de facto e casos similares.
Consultada a base de dados da Atividade Parlamentar, na XIII Legislatura foi registada a seguinte petição,
incidindo sobre a mesma matéria:
Petição n.º 530/XIII/3.ª – «Solicitam alteração legislativa com vista a estabelecer a presunção jurídica da
residência alternada para crianças com pais separados». O relatório final da mesma foi enviado ao PAR em 20
de março de 2019.
III. Apreciação dos requisitos formais
Conformidade com os requisitos constitucionais, regimentais e formais
A presente iniciativa é subscrita por oito Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Socialista (PS), ao
abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 167.º da Constituição e no artigo 118.º do Regimento da Assembleia da
República (RAR), que consagram o poder de iniciativa da lei. Trata-se de um poder dos Deputados, nos termos
da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do RAR.
Assume a forma de projeto de lei, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 119.º do RAR, encontra-
se redigido sob a forma de artigos, é precedido de uma breve exposição de motivos e tem uma designação que
traduz sinteticamente o seu objeto principal, dando assim cumprimento aos requisitos formais estabelecidos no
n.º 1 do artigo 124.º do RAR.
De igual modo encontram-se respeitados os limites à admissão das iniciativas, previstos no n.º 1 do artigo
120.º do RAR, e, não introduzindo qualquer alteração em matéria de aumento de despesas ou diminuição de
receitas no ano económico em curso, não contende com o princípio da «Lei-travão», previsto no n.º 2 do artigo
120.º do Regimento e n.º 3 do artigo 167.º da Constituição. Assim, este Projeto de Lei parece não infringir
princípios constitucionais e define concretamente o sentido das modificações a introduzir na ordem legislativa.
Deu entrada a 19 de novembro 2019, tendo sido admitida em 22 de novembro, baixou, na generalidade, à
Comissão de Assuntos Constitucionais Direitos Liberdades e Garantias. Foi anunciada nesse mesmo dia,
encontrando-se agendada para a reunião plenária do dia 11 de dezembro, conjuntamente com outras iniciativas
de natureza análoga.
Página 118
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
118
Verificação do cumprimento da lei formulário
A Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, alterada e republicada pela Lei n.º 43/2014, de 11 de julho, de ora em
diante designada como lei formulário, contém um conjunto de normas sobre a publicação, identificação e
formulário dos diplomas que são relevantes em caso de aprovação da presente iniciativa.
A presente iniciativa procede à alteração do artigo 1906.º do Código Civil, aditando-lhe um novo n.º 6 de
modo a privilegiar o modelo de residência alternada sempre que tal corresponda ao superior interesse da
criança, em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do
casamento dos progenitores.
O Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47 344, de 25 de novembro de 1966, aprovado pelo Decreto-
Lei n.º 47 344, de 25 de novembro de 1966, sofreu já inúmeras alterações introduzidas pelos Decretos-Leis n.os
67/75, de 19 de fevereiro, 261/75, de 27 de maio, 561/76, de 17 de julho, 605/76, de 24 de julho, 293/77, de 20
de julho, 496/77, de 25 de novembro, 200-C/80, de 24 de junho, 236/80, de 18 de julho, 328/81, de 4 de
dezembro, 262/83, de 16 de junho, 225/84, de 6 de julho, e 190/85, de 24 de junho, pela Lei n.º 46/85, de 20 de
setembro, pelos Decretos-Leis n.os 381-B/85, de 28 de setembro, e 379/86, de 11 de novembro, pela Lei n.º
24/89, de 1 de agosto, pelos Decretos-Leis n.os 321-B/90, de 15 de outubro, 257/91, de 18 de julho, 423/91, de
30 de outubro, 185/93, de 22 de maio, 227/94, de 8 de setembro, 267/94, de 25 de outubro, e 163/95, de 13 de
julho, pela Lei n.º 84/95, de 31 de agosto, pelos Decretos-Leis n.os 329-A/95, de 12 de dezembro, 14/96, de 6
de março, 68/96, de 31 de maio, 35/97, de 31 de janeiro, e 120/98, de 8 de maio, pelas Leis n.os 21/98, de 12 de
maio, e 47/98, de 10 de agosto, pelo Decreto-Lei n.º 343/98, de 6 de novembro, pela Lei n.º 16/2001, de 22 de
junho, pelos Decretos-Leis n.os 272/2001, de 13 de outubro, 273/2001, de 13 de outubro, 323/2001, de 17 de
dezembro, e 38/2003, de 8 de março, pela Lei n.º 31/2003, de 22 de agosto, pelo Decreto-Lei n.º 199/2003, de
10 de setembro, pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, pelos Decretos-Leis n.os 263-A/2007, de 23 de julho,
324/2007, de 28 de setembro, e 116/2008, de 4 de julho, pela Lei n.o 61/2008, de 31 de outubro, e pelo Decreto-
Lei n.º 100/2009, de 11 de maio, pelas Leis n.os 29/2009, de 29 de junho, 103/2009, de 11 de setembro, 9/2010,
de 31 de maio, 23/2010, de 30 de agosto, 24/2012, de 9 de julho, 31/2012 e 32/2012, ambas de 14 de agosto,
23/2013, de 5 de março, 79/2014, de 19 de dezembro, 82/2014, de 30 de dezembro, 111/2015, de 27 de agosto,
122/2015, de 1 de setembro, 137/2015, de 7 de setembro, 143/2015, de 8 de setembro, 150/2015, de 10 de
setembro, 5/2017, de 2 de março, 8/2017, de 03 de março, 24/2017, de 24 de maio, 43/2017, de 14 de junho,
48/2018, de 14 de agosto, 49/2018, de 14 de agosto, 64/2018, de 29 de outubro, 13/2019, de 12 de fevereiro, e
pela Lei n.º 85/2019, de 3 de setembro.
No n.º 1 do artigo 6.º da citada Lei Formulário, é estabelecido o dever de indicar, nos diplomas legais que
alterem outros, o número de ordem da alteração introduzida e a identificação dos diplomas que procederam a
alterações anteriores.
A Lei Formulário foi aprovada e publicada num contexto de ausência de um Diário da República Eletrónico,
sendo que, neste momento, o mesmo é acessível universal e gratuitamente.
Assim, por motivos de segurança jurídica, e tentando manter uma redação simples e concisa, parece-nos
mais seguro e eficaz não colocar o número de ordem de alteração nem o elenco de diplomas que procederam
a alterações quando a mesma incida sobre Códigos, «Leis Gerais», «Regimes Gerais», ou leis com estrutura
semelhantes.
Relativamente ao título, sugere-se o seguinte:
Estabelece o princípio da residência alternada do filho em caso de divórcio, separação judicial de
pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento dos, alterando o Código Civil
Em caso de aprovação em votação final global, deve ser publicada sob a forma de lei na 1.ª série do Diário
da República, conforme o disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 3.º da lei formulário, e entra em vigor no
primeiro dia do mês subsequente ao da sua publicação, conforme previsto no artigo 3.º do articulado e do n.º 1
do artigo 2.º da citada lei formulário, segundo o qual os atos legislativos «entram em vigor no dia neles fixado,
não podendo, em caso algum, o início de vigência verificar-se no próprio dia da publicação».
Página 119
11 DE DEZEMBRO DE 2019
119
Na presente fase do processo legislativo a iniciativa em apreço não nos parece suscitar outras questões em
face da lei formulário.
Regulamentação ou outras obrigações legais
A presente iniciativa não prevê a necessidade de regulamentação posterior das suas normas, nem condiciona
a sua aplicação ao cumprimento de qualquer obrigação legal.
IV. Análise de direito comparado
Enquadramento no plano da União Europeia
Nos termos da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança (CNUDC)10, considera-se criança
qualquer ser humano com menos de 18 anos.
O Regulamento (CE) n.o 2201/2003 – Competência, reconhecimento e execução de decisões em matéria
matrimonial e de responsabilidade parental11 é um instrumento jurídico para ajudar os casais internacionais na
resolução de litígios, envolvendo mais do que um país, relativamente ao seu divórcio e à guarda dos seus filhos.
O Regulamento não abrange matérias relacionadas com o direito substantivo de família. Estas são da
responsabilidade de cada país da União Europeia.
O regulamento é aplicável aos casos de Direito Civil que envolvem mais do que um país e que dizem respeito
ao divórcio, à separação, à anulação de um casamento e a qualquer aspeto da responsabilidade parental,
nomeadamente os direitos de guarda e de visita. Um dos seus principais objetivos consiste em defender o direito
das crianças de manterem contacto com ambos os progenitores, mesmo que se encontrem separados ou
residam em diferentes países da União Europeia.
Por outro lado, o Tratado de Lisboa introduziu como objetivo da União Europeia a promoção dos direitos da
criança, e a Carta dos Direitos Fundamentais garante a proteção dos direitos das crianças pelas instituições da
União Europeia e pelos Estados-Membros.
Em 15 de fevereiro de 2011, a Comissão Europeia publicou uma comunicação intitulada «Programa da UE
para os direitos da criança» (COM (2011) 60). O objetivo é reafirmar o forte empenho de todas as instituições
da União Europeia e de todos os Estados-Membros em promover, proteger e respeitar plenamente os direitos
da criança em todas as políticas pertinentes da União Europeia, procurando obter resultados concretos. Os
direitos da criança e a prevenção da violência contra as crianças, os jovens e as mulheres, bem como outros
grupos de risco, também são protegidos e promovidos ao abrigo do Programa Direitos, Igualdade e Cidadania
(2014-2020).
A Diretiva 2011/93/UE – Luta contra o abuso sexual e a exploração sexual de crianças e a pornografia infantil
visa melhorar a proteção das crianças contra o abuso sexual e a exploração sexual.
A União Europeia assinou em 2017 a Convenção do Conselho da Europa para a prevenção e o combate à
violência contra as mulheres e a violência doméstica, também denominada Convenção de Istambul, na qual se
reconhece que as crianças são vítimas da violência doméstica, inclusivamente como testemunhas de violência
no seio da família.
Destaca-se ainda o Manual de legislação europeia sobre os Direitos da Criança, no qual esta questão é
abordada, e que foi produzido pela Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
10No site da Organização das Nações Unidas está disponível a versão da CNUDC em inglês: https://www.ohchr.org/en/professionalinterest/pages/crc.aspx. 11 Alterado pelo Regulamento (CE) n.o 2116/2004.
Página 120
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
120
Enquadramento internacional
Países europeus
A legislação comparada é apresentada para os seguintes Estados-Membros da União Europeia: Espanha e
Reino Unido.
ESPANHA
As responsabilidades parentais («patria potestad») dos menores não emancipados são exercidas pelos
progenitores (artigo 154 do código civil), e são exercidas conjuntamente por ambos os progenitores ou só por
um deles com o consentimento expresso ou tácito do outro, sendo válidos quaisquer atos urgentes que as
circunstâncias o requeiram, a qualquer um deles (artigo 156).
A parte final do artigo 156 refere que no caso de pais separados, as responsabilidades parentais serão
exercidas por aquele que coabite com o menor, podendo, no entanto, ser partilhada quando o interesse do
menor assim o exige.
Quando não existe acordo entre os progenitores a decisão cabe ao juiz, sempre no superior interesse do
menor, ouvindo este sempre que seja maior de 12 anos (artigo 159).
O artigo 160 proporciona ao progenitor que não tenha o exercício das responsabilidades parentais, a
possibilidade de se relacionar com o menor, numa situação que terá semelhanças com o regime de visitas
previstos na lei portuguesa.
REINO UNIDO12
Conhecidas como «shared residence order», estas são child arrangements orders nas quais a criança alterna
a residência com duas ou mais pessoas, residentes em habitações distintas e com as quais a criança reside
durante determinados períodos de tempo, devidamente especificados. Em abril de 2014, com a alteração
operada pelo Children and Families Act 2014, passaram a chamar-se apenas «child arrangements orders»,
desaparecendo o termo «shared residence order».
Os «child arrangements orders» previstos na secção 8 do Children Act 1989, são ordens judiciais nas quais
são definidas diversas situações relativas à vida dos menores, como a sua residência habitual ou com quem
aquele deve manter contactos.
Das pesquisas efetuadas na jurisprudência inglesa, é possível encontrar13 diversos casos de residência
partilhada entre progenitores, não sendo possível, porém, concluir se tal modelo é privilegiado em relação aos
outros.
V. Consultas e contributos
Consultas obrigatórias
Em 27 de novembro de 2019, a Comissão solicitou parecer escrito sobre a iniciativa ao Conselho Superior
da Magistratura, ao Conselho Superior do Ministério Público e à Ordem dos Advogados.
Estes serão publicados na página da iniciativa na Internet e disponíveis para consulta pública.
12 Analise comparativa confinada a Inglaterra. 13 Como por exemplo no caso B4/2005/1235 ou no caso [2012] EWCA Civ 1434.
Página 121
11 DE DEZEMBRO DE 2019
121
VI. Avaliação prévia de impacto
Avaliação sobre impacto de género
O preenchimento, pelo proponente, da ficha de avaliação prévia de impacto de género, em cumprimento do
disposto na Lei n.º 4/2018, de 9 de fevereiro, devolve como resultado uma valoração positiva do impacto de
género.
Avaliação linguagem não discriminatória
Na elaboração dos atos normativos a especificação de género deve ser minimizada recorrendo-se, sempre
que possível, a uma linguagem neutra ou inclusiva, mas sem colocar em causa a clareza do discurso. A presente
iniciativa não nos suscita questões relacionadas com a utilização de linguagem discriminatória.
VII. Enquadramento bibliográfico
FIGUEIREDO, Pedro Raposo de – A residência alternada no quadro do atual regime de exercício das
responsabilidades parentais: a questão (pendente) do acordo dos progenitores. Julgar. Lisboa. ISSN 1646-
6853. N.º 33 (set./dez. 2017), p. 89-108. Cota : RP-257.
Resumo: «O artigo toma partido na discussão em torno da possibilidade de adoção de um modelo de
residência alternada em casos de divórcio/separação, à margem do acordo dos progenitores. Apresenta-se uma
solução que pretende evidenciar as vantagens da aplicação de tal modelo e a sua conformação legal, sempre
na mira do superior interesse da criança, dando enfoque à evolução sociológica verificada na sociedade
portuguesa nas últimas décadas, em especial ao nível da relação familiar, e desmistificando, com recurso a
dados científicos recolhidos na psicologia, pediatria e pedopsiquiatria, as ideias e conceitos que tradicionalmente
têm inviabilizado a sua utilização na prática judiciária.»
LEITE, André Lamas – O art. 1906.º do Código Civil e a (in)admissibilidade do regime de guarda (e residência)
alternadas dos menores. Revista do Ministério Público. Lisboa. ISSN 0870-6107. N.º 151 (jul./set. 2017), p.
65-81. Cota: RP-179.
Resumo: «O artigo analisa a possibilidade legal de o art. 1906.º do CC admitir o regime de guarda e
residência alternadas dos menores, em caso de qualquer das formas de ruptura da vida em conjunto dos seus
progenitores, dialogando com as normas constitucionais pertinentes. Por outro lado, estuda-se igualmente a
existência ou não de uma preferência legal do ordenamento jurídico quanto à dita guarda alternada.»
MATOS, Ricardo Jorge Bragança de – A «presunção jurídica de residência alternada» e a tutela do superior
interesse da criança. Revista do Ministério Público. Lisboa. ISSN 0870-6107. N.º 156 (out./dez. 2018), p. 123-
155. Cota: RP-179.
Resumo: «O texto analisa criticamente a proposta apresentada no Parlamento, através de petição, de
alteração do regime jurídico do exercício das responsabilidades parentais em caso de ruptura da conjugalidade,
visando a consagração legal de uma presunção de fixação à criança de residência alternada junto de ambos os
progenitores, confrontando-a com o regime vigente, com a jurisprudência e com a produção doutrinária,
avaliando se a mesma comporta, ou não, uma evolução no sentido de maior tutela do interesse da criança.»
UMA FAMÍLIAparental, duas casas [Em linha]: residência alternada: dinâmicas e práticas sociais.
Lisboa: Edições Sílabo, 2017. 266 p. [Consult. 19 nov. de 2019]. Disponível na intranet da AR em: http://catalogobib.parlamento.pt/ipac20/ipac.jsp?&profile=bar&uri=full=3100024~!129158~!0>. ISBN 978-972- 618-872-8. Resumo: Este livro debruça-se «sobre as famílias formadas pelo divórcio e pela separação e as suas crianças. Tem como foco específico as famílias de residência alternada, definidas como aquelas em que a criança reside alternadamente com a mãe e com o pai (33 a 50% do tempo) e em que esta beneficia, no quadro
Página 122
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
122
da partilha de responsabilidades parentais legais, da constância do envolvimento parental pleno de ambos os
progenitores no seu dia-a-dia.
É uma obra alicerçada em dois propósitos: […] atender à necessidade de produção e divulgação de
conhecimento atualizado e devidamente fundamentado, tanto no plano teórico como no empírico, sobre as
famílias pós-divórcio e separação e, em particular, sobre a residência alternada na sociedade portuguesa; e
contribuir para a transformação do modo como a atribuição legal da residência alternada é encarada nos planos
político-legislativo e profissional. A relevância de tais propósitos inscreve-se na necessidade de legitimar
socialmente as práticas de residência alternada na sociedade portuguesa, principalmente no plano institucional.
Na realidade, as famílias e as crianças sobre as quais nos debruçamos são praticamente invisíveis em Portugal,
pois não figuram nas estatísticas oficiais e têm sido pouco estudadas. Por isso, muito do que se pressupõe,
escreve e decide sobre estas famílias assenta em fundamentos meramente subjetivos e ideológicos, tendo como
consequência a persistente aplicação do regime de residência única com um progenitor e visitas de curta
duração ao outro, apesar de este regime estar cada vez mais desajustado da realidade da maioria das famílias
contemporâneas. De facto, priva a criança do igual envolvimento próximo e significativo de mãe e pai no seu
dia-a-dia, por um lado, e veda o acesso de um dos progenitores (em regra, o pai) ao exercício pleno e
responsável da parentalidade, alimentando desigualdades entre os sexos no envolvimento parental, por outro
lado. Esta é uma situação sobre a qual é necessário lançar um amplo debate na sociedade portuguesa.»
[…] A obra está dividida «em duas partes, que correspondem a duas grandes linhas temáticas. A primeira
debruça-se sobre o bem-estar da criança, a parentalidade partilhada e a diversidade familiar moldadas pelo
divórcio e pela separação. A segunda aborda a legislação que instituiu normas de parentalidade partilhada e a
sua aplicação.»
Nota Técnica
Projeto de Lei n.º 107/XIV/1.ª (PSD)
Septuagésima sexta alteração ao Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47 344, de 25 de
novembro de 1966, alterando o regime do exercício das responsabilidades parentais em caso de
divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento, de
forma a clarificar que o tribunal pode determinar a residência alternada do filho com cada um dos
progenitores sempre que tal corresponda ao superior interesse do menor.
Data de admissão: 28 de novembro de 2019.
Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (1.ª).
Índice
I. Análise da iniciativa
II. Enquadramento parlamentar
III. Apreciação dos requisitos formais
IV. Análise de direito comparado
V. Consultas e contributos
VI. Avaliação prévia de impacto
VII. Enquadramento bibliográfico
Elaborada por: Maria João Godinho e Nuno Amorim (DILP), Rosalina Espinheira (BIB), Isabel Pereira (DAPLEN), Inês Cadete e Margarida Ascensão (DAC).
Data: 2 de dezembro de 2019.
Página 123
11 DE DEZEMBRO DE 2019
123
I. Análise da iniciativa
A iniciativa
A presente iniciativa legislativa propõe a alteração do artigo 1906.º (Exercício das responsabilidades
parentais em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do
casamento) do Código Civil, consagrando de forma expressa a possibilidade de o tribunal determinar a
residência alternada do filho com cada um dos progenitores, independentemente de acordo e sempre que,
ponderadas todas as circunstâncias relevantes atendíveis, tal corresponda ao superior interesse do menor.
Conforme é mencionado na exposição de motivos, «A lei portuguesa consagra, desde 2008, como regime-
regra o exercício conjunto das responsabilidades parentais quanto às ‘questões de particular importância’ da
vida do menor». E, na anterior Legislatura, na sequência da apresentação da Petição n.º 530/XIII/3.ª, que
solicitava à Assembleia da República uma «alteração legislativa com vista a estabelecer a presunção jurídica da
residência alternada para crianças com pais separados», foi promovida uma reflexão em torno do regime legal
vigente em matéria de regulação do exercício das responsabilidades parentais, mais especificamente sobre a
fixação da residência alternada como regime-regra.
O proponente, contudo, não reconhece a necessidade ou vantagem de acolher a fixação da residência
alternada como regime-regra1, atendendo a que «poderão existir uma multiplicidade e diversidade de fatores e
circunstâncias que condicionem a opção deste modelo como o mais benéfico para a criança, por manifesta falta
de correspondência ao seu superior interesse ou até por impossibilidade objetiva dos seus progenitores e
adequar-se a ele», rejeitando-a por isso. No entanto, considera pertinente uma intervenção legislativa que
clarifique que o tribunal pode determinar a residência alternada do filho com cada um dos progenitores sempre
que tal corresponda ao superior interesse do menor, em função de uma avaliação casuística e sempre conferindo
ao julgador a última palavra sobre a melhor decisão a proferir.
Nesse sentido, propõe o aditamento de um novo número – novo n.º 6 do artigo 1906.º -, com a seguinte
redação: «O tribunal pode determinar a residência alternada do filho com cada um dos progenitores,
independentemente de acordo e sempre que, ponderadas todas as circunstâncias relevantes, tal corresponda
ao superior interesse daquele.»
A iniciativa legislativa compõe-se de três artigos preambulares: o primeiro definidor do respetivo objeto; o
segundo prevendo a alteração do artigo 1906.º do Código Civil; e o terceiro determinando que o início de vigência
da norma a aprovar ocorrerá 30 dias após a sua publicação.
Enquadramento jurídico nacional
«Responsabilidades parentais» é o termo que atualmente designa o poder-dever dos pais em relação aos
filhos, genericamente correspondente ao anteriormente2 previsto «poder paternal» e que tem fundamento no
artigo 36.º, n.º 5, da Constituição: «os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos».
As responsabilidades parentais encontram-se reguladas na Secção II (Responsabilidades parentais) do
Capítulo II (Efeitos da filiação) do título III (Da filiação) do Livro IV (Direito da Família) do Código Civil. O artigo
1878.º define o conteúdo das responsabilidades parentais, determinando que «compete aos pais, no interesse
dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los,
ainda que nascituros, e administrar os seus bens». Estabelece ainda aquele artigo que os filhos devem
obediência aos pais, devendo estes, de acordo com a maturidade dos filhos, «ter em conta a sua opinião nos
assuntos familiares importantes e reconhecer-lhes autonomia na organização da própria vida.»
A titularidade das responsabilidades parentais é automaticamente imputada aos progenitores, por mero efeito
da filiação, não podendo ser renunciada, sem prejuízo do disposto no tocante à adoção (artigo 1882.º), e dura
até à maioridade ou emancipação (artigo 1877.º).
1 E diz ser esse «o exato sentido expresso no parecer da Procuradoria-Geral da República remetido à Assembleia da República, na sequência do processo de apreciação da referida petição.» 2 Até à entrada em vigor da Lei n.º 61/2008, de 31 de outubro, que altera o regime jurídico do divórcio.
Página 124
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
124
O artigo 1906.º, que a iniciativa objeto da presente nota técnica propõe alterar, encontra-se integrado na
Subsecção IV (Exercício das responsabilidades parentais) da Secção do Código Civil acima identificada e dispõe
sobre o exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens,
declaração de nulidade ou anulação do casamento. Desde a versão originária do Código, este artigo foi alterado
quatro vezes: pelo Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de novembro, e pelas Leis n.os 84/95, de 31 de agosto, 59/99,
de 30 de julho, e 61/2008, de 30 de novembro.
Este artigo distingue as questões de particular importância dos atos da vida corrente, atribuindo o exercício
das responsabilidades parentais quanto a estes últimos ao progenitor com quem o filho resida habitualmente ou
ao progenitor com quem o mesmo se encontra temporariamente, desde que, neste último caso, não sejam
contrariadas as orientações educativas mais relevantes definidas pelo progenitor com quem o filho reside
habitualmente. Ainda quanto aos atos da vida corrente, prevê-se a possibilidade de delegação em terceiro.
Quanto às questões de particular importância, a Lei n.º 61/2008 introduziu aquela que é atualmente a regra
nas diversas situações de rutura do relacionamento entre os progenitores elencadas na epígrafe do artigo: o
exercício conjunto das responsabilidades parentais nos termos que vigoravam na constância do matrimónio.
Como exceções a esta regra estão apenas previstas duas situações: urgência manifesta, em que qualquer dos
progenitores pode agir sozinho mas tendo o dever de informar o outro logo que possível; ou quando esse
exercício conjunto seja considerado contrário aos interesses do menor.
Nesta última situação, tal depende de decisão fundamentada do tribunal, que determina por quem são
exercidas as responsabilidades parentais em causa, e pode decorrer de variados fatores, designadamente os
previstos no artigo 1906.º-A do Código Civil – situações de violência em contexto familiar ou quando tiver sido
decretada medida de coação ou aplicada pena acessória de proibição de contacto entre os pais. Nesta última
situação há mesmo uma presunção legal de que o exercício conjunto das responsabilidades parentais é contrário
aos interesses do menor (v.d. n.º 9 do artigo 40.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei
n.º 141/2015, de 8 de setembro3).
O progenitor que não exerça, no todo ou em parte, as responsabilidades parentais, tem o direito de ser
informado sobre o modo do seu exercício, designadamente sobre a edução e as condições de vida do filho (n.º
6 do artigo 1906.º do Código Civil).
A lei não define o que são as questões de particular importância, tratando-se de conceito indeterminado
utilizado noutras disposições do Código Civil que regulam o exercício das responsabilidades parentais (a par,
aliás, de outros conceitos indeterminados), cabendo à doutrina e jurisprudência preenchê-lo. Como pode ler-se
na exposição de motivos do Projeto de Lei n.º 509/X, uma das iniciativas que esteve na origem da referida Lei
n.º 61/2008, «Dá-se por assente que o exercício conjunto das responsabilidades parentais mantém os dois
progenitores comprometidos com o crescimento do filho; afirma-se que está em causa um interesse público que
cabe ao Estado promover, em vez de o deixar ao livre acordo dos pais; reduz-se o âmbito do exercício conjunto
ao mínimo – aos assuntos de «particular importância». Caberá à jurisprudência e à doutrina definir este âmbito;
espera-se que, ao menos no princípio da aplicação do regime, os assuntos relevantes se resumam a questões
existenciais graves e raras, que pertençam ao núcleo essencial dos direitos que são reconhecidos às crianças.»
Conforme refere Estela Chaby4, «A doutrina e a jurisprudência têm vindo a evoluir no sentido de alguma
restrição do universo das questões de particular importância, tendo presentes, por um lado, razões de segurança
jurídica e, por outro, o objetivo de redução dos conflitos parentais judicializados (…). Exemplos claros de
questões de particular importância (…) serão o casamento do filho maior de dezasseis anos, o desenvolvimento
de atividade laboral pelo filho, a interrupção da gravidez da filha menor de dezasseis anos, a realização de uma
intervenção cirúrgica e a alteração de residência relevante».
Não havendo acordo dos progenitores quanto a essas questões de particular importância, são as mesmas
reguladas pelo tribunal, a requerimento de qualquer um deles, nos termos previstos no já indicado Regime Geral
do Processo Tutelar Cível, em especial nos artigos 44.º e 34.º a 40.º).
O artigo 1906.º do Código Civil prevê também que, nas referidas situações de rutura do relacionamento entre
os progenitores, cabe ao tribunal determinar a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse
do mesmo, tendo em conta todas as «circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo entre os
3 Texto consolidado disponível no portal do Diário da República Eletrónico. 4 In PRATA, Ana (Coord.), Código Civil Anotado, volume II,Almedina, 2017, p. 810.
Página 125
11 DE DEZEMBRO DE 2019
125
pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro»
(n.º 5).
A residência constitui um elemento determinante do regime de exercício das responsabilidades parentais,
visto que cabe ao progenitor com quem o filho reside habitualmente exercê-las no tocante aos atos da vida
corrente, conforme referido acima, competindo, pois, «a cada um dos progenitores pelo período em que o filho
consigo resida, nos casos de residência alternada»5. A residência alternada (períodos alternados de residência
com um e outro dos progenitores) é uma das possibilidades que tem sido admitida na jurisprudência, a par da
residência habitual com um dos progenitores e da residência com um terceiro (nos termos regulados no artigo
1907.º do Código Civil). A residência alternada pode consistir numa de duas modalidades: cada progenitor tem
a sua residência e o filho reside alternadamente numa e noutra, com a periodicidade que for estabelecida, ou o
designado bird’s nest arrangement – o filho reside sempre na mesma casa e os progenitores revezam-se, na
periodicidade definida.
Assim, pode dizer-se que «a residência alternada consiste numa divisão rotativa e tendencialmente simétrica
dos tempos da criança com os progenitores por forma a possibilitar a produção de um quotidiano familiar e social
com o filho durante os períodos em que se encontra com cada um deles»6, sendo que «Aos tribunais chegam
cada vez com maior frequência pais e mães que pretendem exercer de forma mais efetiva as suas
responsabilidades parentais, procurando que (…)» ao «(…) processo de partilha nas decisões mais importantes
da vida da criança, corresponda igualmente uma maior presença nas decisões quotidianas e nas relações
afetivas com os seus filhos.»7
Várias têm sido as decisões judiciais recentes no sentido da determinação da residência alternada por ser
considerado o regime mais adequado ao interesse da criança, mesmo sem acordo dos pais. Vejam-se, a título
de exemplo:
– Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21 de janeiro de 2019 (Proc. 22967/17.0T8PRT.P1);
– Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11 de dezembro de 2018 (Proc. 1032/17.5T8CBR.C1);
– Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7 de agosto de 2018 (Proc. 835/17.5T8SXL-A-2);
– Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 6 de dezembro de 2018 (Proc. 2641/15.2T8PTM.E1).
Através da Resolução n.º 2079 (2015), sobre «Igualdade e responsabilidade parental partilhada: o papel dos
pais», a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa insta os Estados-Membros a «introduzir na sua
legislação o princípio de residência alternada depois da separação, limitando as exceções aos casos de abuso
infantil ou negligência, ou violência doméstica, ajustando o tempo em que a criança vive na residência de cada
progenitor em função das suas necessidades e interesses;» e a «ter em conta acordos de residência alternada
quando são atribuídos benefícios sociais;», entre outros aspetos.
Recorde-se ainda que a Convenção sobre os Direitos da Criança, assinada em Nova Iorque a 26 de janeiro
de 1990 (aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 20/908 e ratificada pelo Decreto do
Presidente da República n.º 49/90, ambos de 12 de setembro) prevê que «Os Estados Partes diligenciam de
forma a assegurar o reconhecimento do princípio segundo o qual ambos os pais têm uma responsabilidade
comum na educação e no desenvolvimento da criança. A responsabilidade de educar a criança e de assegurar
o seu desenvolvimento cabe primacialmente aos pais e, sendo caso disso, aos representantes legais. O
interesse superior da criança deve constituir a sua preocupação fundamental.» (n.º 1 do artigo 18.º da
Convenção). O interesse superior da criança é, aliás, o princípio base ao qual devem obedecer todas as decisões
relativas às crianças (artigo 3.º da Convenção).
Isso mesmo se encontra consagrado no n.º 7 do artigo 1906.º do Código Civil: o tribunal decide «sempre de
harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois
progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de
contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles».
5 Idem, p. 818 6 Comunicação de António José Fialho incluída no E-book do Centro de Estudos Judiciários A tutela cível do superior interesse da criança, Tomo I, Coleção de Formação Contínua, julho de 2014 7 Idem. 8 Retificada pela Retificação n.º 1/91, de 14 de janeiro, e pela Retificação n.º 8/91, de 20 de março, e alterada pela Resolução n.º 50/155 da Assembleia Geral das Nações Unidas (altera o n.º 2 do artigo 43.º da convenção), de 21 de dezembro de 1995, aprovada através da Resolução da Assembleia da República n.º 12/98, de 22 de janeiro.
Página 126
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
126
II. Enquadramento parlamentar
Iniciativas pendentes (iniciativas legislativas e petições)
Consultada a base de dados da Atividade Parlamentar (AP), verificou-se que se encontram em apreciação,
na Comissão de Assunto Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, as seguintes iniciativas legislativas
sobre matéria idêntica:
– Projeto de Lei n.º 114/XIV/1.ª (BE) – Altera o Código Civil, prevendo o regime de residência alternada da
criança na regulação do exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio, separação judicial de
pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento;
– Projeto de Lei n.º 110/XIV/1.ª (CDS-PP) – Sobre o estabelecimento da residência alternada dos menores,
em caso de divórcio separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento;
– Projeto de Lei n.º 87/XIV/1.ª (PS) – Altera o Código Civil, estabelecendo o princípio da residência alternada
do filho em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do
casamento dos progenitores;
– Projeto de Lei n.º 52/XIV/1.ª (PAN) – Privilegia o modelo de residência alternada sempre que tal
corresponda ao superior interesse da criança, excecionando-se o decretamento deste regime aos casos de
abuso infantil, negligência e violência doméstica.
Consultada a mencionada base de dados (AP) não se identificou qualquer petição pendente sobre a mesma
matéria.
Antecedentes parlamentares (iniciativas legislativas e petições)
Efetuada consulta à base de dados da Atividade Parlamentar (AP), verificou-se que, na XIII Legislatura, foram
apresentadas as seguintes iniciativas legislativas sobre matéria idêntica ou conexa (responsabilidades
parentais):
– Projeto de Lei n.º 1209/XIII/4.ª (CDS-PP) – Sobre o estabelecimento da residência alternada dos menores,
em caso de divórcio separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento;
– Projeto de Lei n.º 1190/XIII/4.ª (PS) – Altera o Código Civil, estabelecendo o princípio da residência
alternada do filho em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou
anulação do casamento dos progenitores;
– Projeto de Lei n.º 1182/XIII/4.ª (PAN) – Privilegia o modelo de residência alternada sempre que tal
corresponda ao superior interesse da criança;
– Projeto de Lei n.º 353/XIII/2.ª (PAN) – Afirma a necessidade de regulação urgente das responsabilidades
parentais em situações de violência doméstica;
– Projeto de Lei n.º 345/XIII/2.ª (PS) – Promove a regulação urgente das responsabilidades parentais e a
atribuição de alimentos em situações de violência doméstica e de aplicação de medidas de coação ou de pena
acessória que impliquem afastamento entre progenitores;
– Projeto de Resolução n.º 784/XIII/2.ª (PS) – Recomenda ao Governo que elimina as discriminações
existentes em sede de IRS referentes ao exercício das responsabilidades parentais;
– Projeto de Resolução n.º 558/XIII/2.ª (PAN) – Recomenda ao Governo a avaliação do desempenho do
apoio judiciário no âmbito dos crimes de violência doméstica e regulação das responsabilidades parentais e que
proceda a verificação da necessidade de criação de uma equipa multidisciplinar que dê apoio ao sistema
judiciário;
– Projeto de Lei n.º 149/XIII/1.ª (PS) – Regulação das responsabilidades parentais por mútuo acordo junto
das Conservatórias do Registo Civil em caso de dissolução de uniões de facto e casos similares.
Página 127
11 DE DEZEMBRO DE 2019
127
Consultada a base de dados da Atividade Parlamentar, na XIII Legislatura foi registada a seguinte petição,
incidindo sobre a mesma matéria:
Petição n.º 530/XIII/3.ª – «Solicitam alteração legislativa com vista a estabelecer a presunção jurídica da
residência alternada para crianças com pais separados». O relatório final da mesma foi enviado ao PAR em 20
de março de 2019.
III. Apreciação dos requisitos formais
Conformidade com os requisitos constitucionais, regimentais e formais
A presente iniciativa é subscrita por quatro Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata
(PSD), ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 167.º da Constituição e no artigo 118.º do Regimento da
Assembleia da República (RAR), que consagram o poder de iniciativa da lei. Trata-se de um poder dos
Deputados, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do RAR.
Assume a forma de projeto de lei, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 119.º do RAR, encontra-
se redigido sob a forma de artigos, é precedido de uma breve exposição de motivos e tem uma designação que
traduz sinteticamente o seu objeto principal, dando assim cumprimento aos requisitos formais estabelecidos no
n.º 1 do artigo 124.º do RAR.
De igual modo encontram-se respeitados os limites à admissão das iniciativas, previstos no n.º 1 do artigo
120.º do RAR, e, não introduzindo qualquer alteração em matéria de aumento de despesas ou diminuição de
receitas no ano económico em curso, não contende com o princípio da «Lei-travão», previsto no n.º 2 do artigo
120.º do Regimento e n.º 3 do artigo 167.º da Constituição. Assim, este projeto de lei parece não infringir
princípios constitucionais e define concretamente o sentido das modificações a introduzir na ordem legislativa.
Deu entrada a 22 de novembro 2019, tendo sido admitida em 28 de novembro, e baixou, na generalidade, à
Comissão de Assuntos Constitucionais Direitos Liberdades e Garantias. Foi anunciada nesse mesmo dia,
encontrando-se agendada para a Reunião Plenária do dia 11 de dezembro, conjuntamente com outras iniciativas
de natureza análoga.
Verificação do cumprimento da lei formulário
A Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, alterada e republicada pela Lei n.º 43/2014, de 11 de julho, de ora em
diante designada como lei formulário, contém um conjunto de normas sobre a publicação, identificação e
formulário dos diplomas que são relevantes em caso de aprovação da presente iniciativa.
A presente iniciativa procede à alteração do artigo 1906.º do Código Civil aditando-lhe um novo n.º 6.
O Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47 344, de 25 de novembro de 1966, aprovado pelo Decreto-
Lei n.º 47 344, de 25 de novembro de 1966, sofreu já inúmeras alterações introduzidas pelos Decretos-Leis n.os
67/75, de 19 de fevereiro, 261/75, de 27 de maio, 561/76, de 17 de julho, 605/76, de 24 de julho, 293/77, de 20
de julho, 496/77, de 25 de novembro, 200-C/80, de 24 de junho, 236/80, de 18 de julho, 328/81, de 4 de
dezembro, 262/83, de 16 de junho, 225/84, de 6 de julho, e 190/85, de 24 de junho, pela Lei n.º 46/85, de 20 de
setembro, pelos Decretos-Leis n.os 381-B/85, de 28 de setembro, e 379/86, de 11 de novembro, pela Lei n.º
24/89, de 1 de agosto, pelos Decretos-Leis n.os 321-B/90, de 15 de outubro, 257/91, de 18 de julho, 423/91, de
30 de outubro, 185/93, de 22 de maio, 227/94, de 8 de setembro, 267/94, de 25 de outubro, e 163/95, de 13 de
julho, pela Lei n.º 84/95, de 31 de agosto, pelos Decretos-Leis n.os 329-A/95, de 12 de dezembro, 14/96, de 6
de março, 68/96, de 31 de maio, 35/97, de 31 de janeiro, e 120/98, de 8 de maio, pelas Leis n.os 21/98, de 12 de
maio, e 47/98, de 10 de agosto, pelo Decreto-Lei n.º 343/98, de 6 de novembro, pela Lei n.º 16/2001, de 22 de
junho, pelos Decretos-Leis n.os 272/2001, de 13 de outubro, 273/2001, de 13 de outubro, 323/2001, de 17 de
dezembro, e 38/2003, de 8 de março, pela Lei n.º 31/2003, de 22 de agosto, pelo Decreto-Lei n.º 199/2003, de
10 de setembro, pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, pelos Decretos-Leis n.os 263-A/2007, de 23 de julho,
324/2007, de 28 de setembro, e 116/2008, de 4 de julho, pela Lei n.o 61/2008, de 31 de outubro, e pelo Decreto-
Página 128
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
128
Lei n.º 100/2009, de 11 de maio, pelas Leis n.os 29/2009, de 29 de junho, 103/2009, de 11 de setembro, 9/2010,
de 31 de maio, 23/2010, de 30 de agosto, 24/2012, de 9 de julho, 31/2012 e 32/2012, ambas de 14 de agosto,
23/2013, de 5 de março, 79/2014, de 19 de dezembro, 82/2014, de 30 de dezembro, 111/2015, de 27 de agosto,
122/2015, de 1 de setembro, 137/2015, de 7 de setembro, 143/2015, de 8 de setembro, 150/2015, de 10 de
setembro, 5/2017, de 2 de março, 8/2017, de 3 de março, 24/2017, de 24 de maio, 43/2017, de 14 de junho,
48/2018, de 14 de agosto, 49/2018, de 14 de agosto, 64/2018, de 29 de outubro, 13/2019, de 12 de fevereiro e
pela Lei n.º 85/2019, de 3 de setembro.
No n.º 1 do artigo 6.º da citada lei formulário é estabelecido o dever de indicar, nos diplomas legais que
alterem outros, o número de ordem da alteração introduzida e a identificação dos diplomas que procederam a
alterações anteriores.
A lei formulário foi aprovada e publicada num contexto de ausência de um Diário da República Eletrónico,
sendo que, neste momento, o mesmo é acessível universal e gratuitamente.
Assim, por motivos de segurança jurídica, e tentando manter uma redação simples e concisa, parece-nos
mais seguro e eficaz não colocar o número de ordem de alteração nem o elenco de diplomas que procederam
a alterações quando a mesma incida sobre Códigos, «Leis Gerais», «Regimes Gerais», ou leis com estrutura
semelhantes.
Relativamente ao título, sugere-se o seguinte:
«Clarifica que o tribunal pode determinar a residência alternada do filho com cada um dos
progenitores sempre que tal corresponda ao superior interesse do menor, em caso de divórcio,
separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento, alterando o
Código Civil.»
Em caso de aprovação em votação final global, deve ser publicada sob a forma de lei na 1.ª série do Diário
da República, conforme o disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 3.º da lei formulário, e entra em vigor trinta dias
após a sua publicação, conforme previsto no artigo 3.º do articulado e do n.º 1 do artigo 2.º da citada lei
formulário, segundo o qual os atos legislativos «entram em vigor no dia neles fixado, não podendo, em caso
algum, o início de vigência verificar-se no próprio dia da publicação.»
Na presente fase do processo legislativo a iniciativa em apreço não nos parece suscitar outras questões em
face da lei formulário.
Regulamentação ou outras obrigações legais
A presente iniciativa não prevê a necessidade de regulamentação posterior das suas normas, nem condiciona
a sua aplicação ao cumprimento de qualquer obrigação legal.
IV. Análise de direito comparado
Enquadramento no plano da União Europeia
Nos termos da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança (CNUDC)9, considera-se criança
qualquer ser humano com menos de 18 anos.
O Regulamento (CE) n.o 2201/2003 – Competência, reconhecimento e execução de decisões em matéria
matrimonial e de responsabilidade parental10 é um instrumento jurídico para ajudar os casais internacionais na
resolução de litígios, envolvendo mais do que um país, relativamente ao seu divórcio e à guarda dos seus filhos.
O regulamento não abrange matérias relacionadas com o direito substantivo de família. Estas são da
responsabilidade de cada país da União Europeia.
9No site da Organização das Nações Unidas está disponível a versão da CNUDC em inglês: https://www.ohchr.org/en/professionalinterest/pages/crc.aspx. 10 Alterado pelo Regulamento (CE) n.o 2116/2004.
Página 129
11 DE DEZEMBRO DE 2019
129
O regulamento é aplicável aos casos de direito civil que envolvem mais do que um país e que dizem respeito
ao divórcio, à separação, à anulação de um casamento e a qualquer aspeto da responsabilidade parental,
nomeadamente os direitos de guarda e de visita.
Um dos seus principais objetivos consiste em defender o direito das crianças de manterem contacto com
ambos os progenitores, mesmo que se encontrem separados ou residam em diferentes países da União
Europeia.
Por outro lado, o Tratado de Lisboa introduziu como objetivo da União Europeia a promoção dos direitos da
criança, e a Carta dos Direitos Fundamentais garante a proteção dos direitos das crianças pelas instituições da
União Europeia e pelos Estados-Membros.
Enquadramento internacional
Países europeus
A legislação comparada é apresentada para os seguintes Estado-membros da União Europeia: Espanha e
Reino Unido.
ESPANHA
As responsabilidades parentais («patria potestad») dos menores não emancipados são exercidas pelos
progenitores (artigo 154 do código civil), e são exercidas conjuntamente por ambos os progenitores ou só por
um deles com o consentimento expresso ou tácito do outro, sendo válidos quaisquer atos urgentes que as
circunstancias o requeiram, a qualquer um deles (artigo 156).
A parte final do artigo 156 refere que no caso de pais separados, as responsabilidades parentais serão
exercidas por aquele que coabite com o menor, podendo, no entanto, ser partilhada quando o interesse do
menor assim o exige.
Quando não existe acordo entre os progenitores a decisão cabe ao juiz, sempre no superior interesse do
menor, ouvindo este sempre que seja maior de 12 anos (artigo 159).
O artigo 160 proporciona ao progenitor que não tenha o exercício das responsabilidades parentais, a
possibilidade de se relacionar com o menor, numa situação que terá semelhanças com o regime de visitas
previstos na lei portuguesa.
REINO UNIDO11
Conhecidas como «shared residence order», estas são child arrangements orders nas quais a criança alterna
a residência com duas ou mais pessoas, residentes em habitações distintas e com as quais a criança reside
durante determinados períodos de tempo, devidamente especificados. Em abril de 2014, com a alteração
operada pelo Children and Families Act 2014, passaram a chamar-se apenas «child arrangements orders»,
desaparecendo o termo «shared residence order».
Os «child arrangements orders» previstos na secção 8 do Children Act 1989, são ordens judiciais nas quais
são definidas diversas situações relativas à vida dos menores, como a sua residência habitual ou com quem
aquele deve manter contactos.
Das pesquisas efetuadas na jurisprudência inglesa, é possível encontrar12 diversos casos de residência
partilhada entre progenitores, não sendo possível, porém, concluir se tal modelo é privilegiado em relação aos
outros.
11 Analise comparativa confinada a Inglaterra. 12 Como por exemplo no caso B4/2005/1235 ou no caso [2012] EWCA Civ 1434.
Página 130
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
130
V. Consultas e contributos
Consultas obrigatórias
Em 29 de novembro de 2019, a Comissão solicitou parecer escrito sobre a iniciativa ao Conselho Superior
da Magistratura, ao Conselho Superior do Ministério Público e à Ordem dos Advogados.
Estes serão publicados na página da iniciativa na Internet e disponíveis para consulta pública.
VI. Avaliação prévia de impacto
Avaliação sobre impacto de género
O preenchimento, pelo proponente, da ficha de avaliação prévia de impacto de género, em cumprimento do
disposto na Lei n.º 4/2018, de 9 de fevereiro, devolve como resultado uma valoração positiva do impacto de
género.
Avaliação linguagem não discriminatória
Na elaboração dos atos normativos a especificação de género deve ser minimizada recorrendo-se, sempre
que possível, a uma linguagem neutra ou inclusiva, mas sem colocar em causa a clareza do discurso. A presente
iniciativa não nos suscita questões relacionadas com a utilização de linguagem discriminatória.
VII. Enquadramento bibliográfico
FIGUEIREDO, Pedro Raposo de – A residência alternada no quadro do atual regime de exercício das
responsabilidades parentais: a questão (pendente) do acordo dos progenitores. Julgar. Lisboa. ISSN 1646-
6853. N.º 33 (set./dez. 2017), p. 89-108. Cota: RP-257.
Resumo: «O artigo toma partido na discussão em torno da possibilidade de adoção de um modelo de
residência alternada em casos de divórcio/separação, à margem do acordo dos progenitores. Apresenta-se uma
solução que pretende evidenciar as vantagens da aplicação de tal modelo e a sua conformação legal, sempre
na mira do superior interesse da criança, dando enfoque à evolução sociológica verificada na sociedade
portuguesa nas últimas décadas, em especial ao nível da relação familiar, e desmistificando, com recurso a
dados científicos recolhidos na psicologia, pediatria e pedopsiquiatria, as ideias e conceitos que tradicionalmente
têm inviabilizado a sua utilização na prática judiciária.»
LEITE, André Lamas – O art. 1906.º do Código Civil e a (in)admissibilidade do regime de guarda (e residência)
alternadas dos menores. Revista do Ministério Público. Lisboa. ISSN 0870-6107. N.º 151 (jul./set. 2017), p.
65-81. Cota: RP-179.
Resumo: «O artigo analisa a possibilidade legal de o art. 1906.º do CC admitir o regime de guarda e
residência alternadas dos menores, em caso de qualquer das formas de ruptura da vida em conjunto dos seus
progenitores, dialogando com as normas constitucionais pertinentes. Por outro lado, estuda-se igualmente a
existência ou não de uma preferência legal do ordenamento jurídico quanto à dita guarda alternada.»
MATOS, Ricardo Jorge Bragança de – A «presunção jurídica de residência alternada» e a tutela do superior
interesse da criança. Revista do Ministério Público. Lisboa. ISSN 0870-6107. N.º 156 (out./dez. 2018), p. 123-
155. Cota: RP-179.
Resumo: «O texto analisa criticamente a proposta apresentada no Parlamento, através de petição, de
alteração do regime jurídico do exercício das responsabilidades parentais em caso de ruptura da conjugalidade,
visando a consagração legal de uma presunção de fixação à criança de residência alternada junto de ambos os
Página 131
11 DE DEZEMBRO DE 2019
131
progenitores, confrontando-a com o regime vigente, com a jurisprudência e com a produção doutrinária,
avaliando se a mesma comporta, ou não, uma evolução no sentido de maior tutela do interesse da criança.»
UMA FAMÍLIAparental, duas casas [Em linha]: residência alternada: dinâmicas e práticas sociais.
Lisboa: Edições Sílabo, 2017. 266 p. [Consult. 19 nov. de 2019]. Disponível na intranet da AR em: http://catalogobib.parlamento.pt/ipac20/ipac.jsp?&profile=bar&uri=full=3100024~!129158~!0>. ISBN 978-972- 618-872-8. Resumo: Este livro debruça-se «sobre as famílias formadas pelo divórcio e pela separação e as suas crianças. Tem como foco específico as famílias de residência alternada, definidas como aquelas em que a criança reside alternadamente com a mãe e com o pai (33 a 50% do tempo) e em que esta beneficia, no quadro da partilha de responsabilidades parentais legais, da constância do envolvimento parental pleno de ambos os progenitores no seu dia-a-dia. É uma obra alicerçada em dois propósitos: […] atender à necessidade de produção e divulgação de conhecimento atualizado e devidamente fundamentado, tanto no plano teórico como no empírico, sobre as famílias pós-divórcio e separação e, em particular, sobre a residência alternada na sociedade portuguesa; e contribuir para a transformação do modo como a atribuição legal da residência alternada é encarada nos planos político-legislativo e profissional. A relevância de tais propósitos inscreve-se na necessidade de legitimar socialmente as práticas de residência alternada na sociedade portuguesa, principalmente no plano institucional. Na realidade, as famílias e as crianças sobre as quais nos debruçamos são praticamente invisíveis em Portugal, pois não figuram nas estatísticas oficiais e têm sido pouco estudadas. Por isso, muito do que se pressupõe, escreve e decide sobre estas famílias assenta em fundamentos meramente subjetivos e ideológicos, tendo como consequência a persistente aplicação do regime de residência única com um progenitor e visitas de curta duração ao outro, apesar de este regime estar cada vez mais desajustado da realidade da maioria das famílias contemporâneas. De facto, priva a criança do igual envolvimento próximo e significativo de mãe e pai no seu dia-a-dia, por um lado, e veda o acesso de um dos progenitores (em regra, o pai) ao exercício pleno e responsável da parentalidade, alimentando desigualdades entre os sexos no envolvimento parental, por outro lado. Esta é uma situação sobre a qual é necessário lançar um amplo debate na sociedade portuguesa.» […] A obra está dividida «em duas partes, que correspondem a duas grandes linhas temáticas. A primeira debruça-se sobre o bem-estar da criança, a parentalidade partilhada e a diversidade familiar moldadas pelo divórcio e pela separação. A segunda aborda a legislação que instituiu normas de parentalidade partilhada e a sua aplicação.» Nota Técnica Projeto de Lei n.º 110/XIV/1.ª (CDS-PP) Sobre o estabelecimento da residência alternada dos menores, em caso de divórcio separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento. Data de admissão: 28 de novembro de 2019 Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (1.ª) Índice I. Análise da iniciativa II. Enquadramento parlamentar III. Apreciação dos requisitos formais IV. Análise de direito comparado V. Consultas e contributos VI. Avaliação prévia de impacto
Página 132
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
132
VII. Enquadramento bibliográfico
Elaborada por: Maria João Godinho e Nuno Amorim (DILP), Rosalina Espinheira (BIB), Isabel Pereira (DAPLEN) Inês Cadete e Margarida Ascensão (DAC).
Data: 2 de dezembro de 2019.
I. Análise da iniciativa
A iniciativa
A iniciativa legislativa sub judice visa alterar o Código Civil, incidindo sobre o artigo 1906.º (Exercício das
responsabilidades parentais em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade
ou anulação do casamento), com o objetivo de consagrar expressamente os termos em que pode ser definido
o regime da residência alternada dos menores no quadro do atual regime de exercício das responsabilidades
parentais.
O Projeto de Lei em apreço retoma iniciativa anteriormente apresentada pelo Grupo Parlamentar do CDS-
PP – o Projeto de Lei n.º 1209/XIII/4.ª –, justificando o proponente a sua apresentação no facto de a residência
alternada não se encontrar textualmente consagrada nas disposições que regem o exercício das
responsabilidades parentais, apesar de o seu exercício comum já ser possível desde 1995 e de, com a Lei n.º
6/2008, de 31 de outubro, se ter estabelecido a regra do exercício conjunto das responsabilidades parentais
para as questões de particular importância para a vida do menor em caso de divórcio, separação judicial de
pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento.
Tal como é mencionado na exposição de motivos, a intervenção legislativa neste âmbito surge na sequência
da apresentação, na anterior Legislatura, da Petição n.º 530/XIII/3.ª – cujos peticionantes solicitam uma
«alteração legislativa com vista a estabelecer a presunção jurídica da residência alternada para crianças com
pais separados» –, masnão nos termos propostos pela Petição, uma vez que o proponente rejeita «o
estabelecimento de qualquer presunção legal para o efeito ou qualquer regime-regra ou preferencial»,
afastando-se deste modo também do entendimento do Conselho Superior do Ministério Público1, que, a esse
propósito, defendeu que a alternância entre a casa de ambos os pais devia ter um estatuto privilegiado
relativamente a outras soluções e sustentou que a coabitação devia ser ponderada mesmo quando não
houvesse acordo entre os progenitores.
Em suma, nas palavras do proponente, «é importante que a lei traduza a prática judiciária, ou seja, que se
consagre expressamente na lei a possibilidade de determinação do regime de residência alternada, havendo
acordo entre os progenitores, ou, ponderadas todas as circunstâncias e aferido o interesse do menor, o tribunal
o determine».
Por fim, pretende-se que a decisão de residência alternada não prejudique a possibilidade de fixação de
alimentos, ou seja, mesmo em caso de residência alternada, deve ser fixada prestação de alimentos a cargo do
progenitor que beneficie de melhor situação económica e se revele adequada à satisfação das necessidades do
menor.
A iniciativa legislativa compõe-se de três artigos preambulares: o primeiro definidor do respetivo objeto; o
segundo prevendo a alteração do artigo 1906.º do Código Civil2; e o terceiro determinando que o início de
vigência das normas a aprovar ocorrerá no dia seguinte ao da sua publicação.
1 Cfr. Parecer da Procuradoria-Geral da República emitido na sequência da apreciação da Petição n.º 530/XIII/3.ª. 2 No final da nota técnica, consultar anexo: quadro comparativo com as alterações propostas e a norma em vigor.
Página 133
11 DE DEZEMBRO DE 2019
133
Enquadramento jurídico nacional
«Responsabilidades parentais» é o termo que atualmente designa o poder-dever dos pais em relação aos
filhos, genericamente correspondente ao anteriormente3 previsto «poder paternal» e que tem fundamento no
artigo 36.º, n.º 5, da Constituição: «os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos».
As responsabilidades parentais encontram-se reguladas na Secção II (Responsabilidades parentais) do
Capítulo II (Efeitos da filiação) do título III (Da filiação) do Livro IV (Direito da Família) do Código Civil. O artigo
1878.º define o conteúdo das responsabilidades parentais, determinando que «compete aos pais, no interesse
dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los,
ainda que nascituros, e administrar os seus bens». Estabelece ainda aquele artigo que os filhos devem
obediência aos pais, devendo estes, de acordo com a maturidade dos filhos, «ter em conta a sua opinião nos
assuntos familiares importantes e reconhecer-lhes autonomia na organização da própria vida.»
A titularidade das responsabilidades parentais é automaticamente imputada aos progenitores, por mero efeito
da filiação, não podendo ser renunciada, sem prejuízo do disposto no tocante à adoção (artigo 1882.º), e dura
até à maioridade ou emancipação (artigo 1877.º).
O artigo 1906.º, que a iniciativa objeto da presente nota técnica propõe alterar, encontra-se integrado na
Subsecção IV (Exercício das responsabilidades parentais) da Secção do Código Civil acima identificada e dispõe
sobre o exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens,
declaração de nulidade ou anulação do casamento. Desde a versão originária do Código, este artigo foi alterado
quatro vezes: pelo Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de novembro, e pelas Leis n.os 84/95, de 31 de agosto, 59/99,
de 30 de julho, e 61/2008, de 30 de novembro.
Este artigo distingue as «questões de particular importância dos atos da vida corrente», atribuindo o exercício
das responsabilidades parentais quanto a estes últimos ao progenitor com quem o filho resida habitualmente ou
ao progenitor com quem o mesmo se encontra temporariamente, desde que, neste último caso, não sejam
contrariadas as orientações educativas mais relevantes definidas pelo progenitor com quem o filho reside
habitualmente. Ainda quanto aos «atos da vida corrente», prevê-se a possibilidade de delegação em terceiro.
Quanto às «questões de particular importância», a Lei n.º 61/2008 introduziu aquela que é atualmente a regra
nas diversas situações de rutura do relacionamento entre os progenitores elencadas na epígrafe do artigo: o
exercício conjunto das responsabilidades parentais nos termos que vigoravam na constância do matrimónio.
Como exceções a esta regra estão apenas previstas duas situações: urgência manifesta, em que qualquer dos
progenitores pode agir sozinho mas tendo o dever de informar o outro logo que possível; ou quando esse
exercício conjunto seja considerado contrário aos interesses do menor.
Nesta última situação, tal depende de decisão fundamentada do tribunal, que determina por quem são
exercidas as responsabilidades parentais em causa, e pode decorrer de variados fatores, designadamente os
previstos no artigo 1906.º-A do Código Civil – situações de violência em contexto familiar ou quando tiver sido
decretada medida de coação ou aplicada pena acessória de proibição de contacto entre os pais. Nesta última
situação há mesmo uma presunção legal de que o exercício conjunto das responsabilidades parentais é contrário
aos interesses do menor (v.d. n.º 9 do artigo 40.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei
n.º 141/2015, de 8 de setembro4).
O progenitor que não exerça, no todo ou em parte, as responsabilidades parentais, tem o direito de ser
informado sobre o modo do seu exercício, designadamente sobre a edução e as condições de vida do filho (n.º
6 do artigo 1906.º do Código Civil).
A lei não define o que são as questões de particular importância, tratando-se de conceito indeterminado
utilizado noutras disposições do Código Civil que regulam o exercício das responsabilidades parentais (a par,
aliás, de outros conceitos indeterminados), cabendo à doutrina e jurisprudência preenchê-lo. Como pode ler-se
na exposição de motivos do Projeto de Lei n.º 509/X, uma das iniciativas que esteve na origem da referida Lei
n.º 61/2008, «Dá-se por assente que o exercício conjunto das responsabilidades parentais mantém os dois
progenitores comprometidos com o crescimento do filho; afirma-se que está em causa um interesse público que
3 Até à entrada em vigor da Lei n.º 61/2008, de 31 de outubro, que altera o regime jurídico do divórcio. 4 Texto consolidado disponível no portal do Diário da República Eletrónico.
Página 134
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
134
cabe ao Estado promover, em vez de o deixar ao livre acordo dos pais; reduz-se o âmbito do exercício conjunto
ao mínimo – aos assuntos de «particular importância». Caberá à jurisprudência e à doutrina definir este âmbito;
espera-se que, ao menos no princípio da aplicação do regime, os assuntos relevantes se resumam a questões
existenciais graves e raras, que pertençam ao núcleo essencial dos direitos que são reconhecidos às crianças.»
Conforme refere Estela Chaby5, «A doutrina e a jurisprudência têm vindo a evoluir no sentido de alguma
restrição do universo das questões de particular importância, tendo presentes, por um lado, razões de segurança
jurídica e, por outro, o objetivo de redução dos conflitos parentais judicializados (…). Exemplos claros de
questões de particular importância (…) serão o casamento do filho maior de dezasseis anos, o desenvolvimento
de atividade laboral pelo filho, a interrupção da gravidez da filha menor de dezasseis anos, a realização de uma
intervenção cirúrgica e a alteração de residência relevante».
Não havendo acordo dos progenitores quanto a essas questões de particular importância, são as mesmas
reguladas pelo tribunal, a requerimento de qualquer um deles, nos termos previstos no já indicado Regime Geral
do Processo Tutelar Cível, em especial nos artigos 44.º e 34.º a 40.º).
O artigo 1906.º do Código Civil prevê também que, nas referidas situações de rutura do relacionamento entre
os progenitores, cabe ao tribunal determinar a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse
do mesmo, tendo em conta todas as «circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo entre os
pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro»
(n.º 5).
A residência constitui um elemento determinante do regime de exercício das responsabilidades parentais,
visto que cabe ao progenitor com quem o filho reside habitualmente exercê-las no tocante aos atos da vida
corrente, conforme referido acima, competindo, pois, «a cada um dos progenitores pelo período em que o filho
consigo resida, nos casos de residência alternada»6. A residência alternada (períodos alternados de residência
com um e outro dos progenitores) é uma das possibilidades que tem sido admitida na jurisprudência, a par da
residência habitual com um dos progenitores e da residência com um terceiro (nos termos regulados no artigo
1907.º do Código Civil). A residência alternada pode consistir numa de duas modalidades: cada progenitor tem
a sua residência e o filho reside alternadamente numa e noutra, com a periodicidade que for estabelecida, ou o
designado bird’s nest arrangement – o filho reside sempre na mesma casa e os progenitores revezam-se, na
periodicidade definida.
Assim, pode dizer-se que «a residência alternada consiste numa divisão rotativa e tendencialmente simétrica
dos tempos da criança com os progenitores por forma a possibilitar a produção de um quotidiano familiar e social
com o filho durante os períodos em que se encontra com cada um deles»7, sendo que «Aos tribunais chegam
cada vez com maior frequência pais e mães que pretendem exercer de forma mais efetiva as suas
responsabilidades parentais, procurando que (…)» ao «(…) processo de partilha nas decisões mais importantes
da vida da criança, corresponda igualmente uma maior presença nas decisões quotidianas e nas relações
afetivas com os seus filhos.»8
Várias têm sido as decisões judiciais recentes no sentido da determinação da residência alternada por ser
considerado o regime mais adequado ao interesse da criança, mesmo sem acordo dos pais. Vejam-se, a título
de exemplo:
– Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21 de janeiro de 2019 (Proc. 22967/17.0T8PRT.P1);
– Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11 de dezembro de 2018 (Proc. 1032/17.5T8CBR.C1);
– Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7 de agosto de 2018 (Proc. 835/17.5T8SXL-A-2);
– Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 6 de dezembro de 2018 (Proc.2641/15.2T8PTM.E1).
Através da Resolução n.º 2079 (2015), sobre «Igualdade e responsabilidade parental partilhada: o papel dos
pais», a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa insta os Estados-Membros a «introduzir na sua
legislação o princípio de residência alternada depois da separação, limitando as exceções aos casos de abuso
5 In PRATA, Ana (Coord.), Código Civil Anotado, volume II,Almedina, 2017, p. 810. 6 Idem, p. 818 7 Comunicação de António José Fialho incluída no E-book do Centro de Estudos Judiciários A tutela cível do superior interesse da criança, Tomo I, Coleção de Formação Contínua, julho de 2014 8 Idem.
Página 135
11 DE DEZEMBRO DE 2019
135
infantil ou negligência, ou violência doméstica, ajustando o tempo em que a criança vive na residência de cada
progenitor em função das suas necessidades e interesses;» e a «ter em conta acordos de residência alternada
quando são atribuídos benefícios sociais;», entre outros aspetos.
Recorde-se ainda que a Convenção sobre os Direitos da Criança, assinada em Nova Iorque a 26 de janeiro
de 1990 (aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 20/909 e ratificada pelo Decreto do
Presidente da República n.º 49/90, ambos de 12 de setembro) prevê que «Os Estados Partes diligenciam de
forma a assegurar o reconhecimento do princípio segundo o qual ambos os pais têm uma responsabilidade
comum na educação e no desenvolvimento da criança. A responsabilidade de educar a criança e de assegurar
o seu desenvolvimento cabe primacialmente aos pais e, sendo caso disso, aos representantes legais. O
interesse superior da criança deve constituir a sua preocupação fundamental.» (n.º 1 do artigo 18.º da
Convenção). O interesse superior da criança é, aliás, o princípio base ao qual devem obedecer todas as decisões
relativas às crianças (artigo 3.º da Convenção).
Isso mesmo se encontra consagrado no n.º 7 do artigo 1906.º do Código Civil: o tribunal decide «sempre de
harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois
progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de
contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles».
O artigo 1905.º do Código Civil dispõe sobre os alimentos devidos ao filho em caso de divórcio, separação
judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento, determinando que os alimentos
devidos ao filho e a forma de os prestar são regulados por acordo dos pais, sujeito a homologação, a qual é
recusada pelo tribunal se o acordo não corresponder ao interesse do menor.
II. Enquadramento parlamentar
Iniciativas pendentes (iniciativas legislativas e petições)
Consultada a base de dados da Atividade Parlamentar (AP), verificou-se que se encontram em apreciação,
na Comissão de Assunto Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, as seguintes iniciativas legislativas
sobre matéria idêntica:
– Projeto de Lei n.º 114/XIV/1.ª (BE) – Altera o Código Civil, prevendo o regime de residência alternada da
criança na regulação do exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio, separação judicial de
pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento;
– Projeto de Lei n.º 107/XIV/1.ª (PSD) – Septuagésima sexta alteração ao Código Civil, aprovado pelo
Decreto-Lei n.º 47 344, de 25 de novembro de 1966, alterando o regime do exercício das responsabilidades
parentais em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do
casamento, de forma a clarificar que o tribunal pode determinar a residência alternada do filho com cada um dos
progenitores sempre que tal corresponda ao superior interesse do menor;
– Projeto de Lei n.º 87/XIV/1.ª (PS) – Altera o Código Civil, estabelecendo o princípio da residência alternada
do filho em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do
casamento dos progenitores;
– Projeto de Lei n.º 52/XIV/1.ª (PAN) – Privilegia o modelo de residência alternada sempre que tal
corresponda ao superior interesse da criança, excecionando-se o decretamento deste regime aos casos de
abuso infantil, negligência e violência doméstica.
Consultada a mencionada base de dados (AP) não se identificou qualquer petição pendente sobre a mesma
matéria.
9 Retificada pela Retificação n.º 1/91, de 14 de janeiro, e pela Retificação n.º 8/91, de 20 de março, e alterada pela Resolução n.º 50/155 da Assembleia Geral das Nações Unidas (altera o n.º 2 do artigo 43.º da convenção), de 21 de dezembro de 1995, aprovada através da Resolução da Assembleia da República n.º 12/98, de 22 de janeiro.
Página 136
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
136
Antecedentes parlamentares (iniciativas legislativas e petições)
Efetuada consulta à base de dados da Atividade Parlamentar (AP), verificou-se que, na XIII Legislatura, foram
apresentadas as seguintes iniciativas legislativas sobre matéria idêntica:
– Projeto de Lei n.º 1209/XIII/4.ª (CDS-PP) – Sobre o estabelecimento da residência alternada dos menores,
em caso de divórcio separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento;
– Projeto de Lei n.º 1190/XIII/4.ª (PS) – Altera o Código Civil, estabelecendo o princípio da residência
alternada do filho em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou
anulação do casamento dos progenitores;
– Projeto de Lei n.º 1182/XIII/4.ª (PAN) – Privilegia o modelo de residência alternada sempre que tal
corresponda ao superior interesse da criança;
E, ainda, sobre matéria conexa (responsabilidades parentais):
– Projeto de Lei n.º 353/XIII/2.ª (PAN) – Afirma a necessidade de regulação urgente das responsabilidades
parentais em situações de violência doméstica;
– Projeto de Lei n.º 345/XIII/2.ª (PS) – Promove a regulação urgente das responsabilidades parentais e a
atribuição de alimentos em situações de violência doméstica e de aplicação de medidas de coação ou de pena
acessória que impliquem afastamento entre progenitores;
– Projeto de Resolução n.º 784/XIII/2.ª (PS) – Recomenda ao Governo que elimina as discriminações
existentes em sede de IRS referentes ao exercício das responsabilidades parentais;
– Projeto de Resolução n.º 558/XIII/2.ª (PAN) – Recomenda ao Governo a avaliação do desempenho do
apoio judiciário no âmbito dos crimes de violência doméstica e regulação das responsabilidades parentais e que
proceda a verificação da necessidade de criação de uma equipa multidisciplinar que dê apoio ao sistema
judiciário;
– Projeto de Lei n.º 149/XIII/1.ª (PS) – Regulação das responsabilidades parentais por mútuo acordo junto
das Conservatórias do Registo Civil em caso de dissolução de uniões de facto e casos similares;
Consultada a base de dados da Atividade Parlamentar, na XIII Legislatura foi registada a seguinte petição,
incidindo sobre a mesma matéria:
Petição n.º 530/XIII/3 – «Solicitam alteração legislativa com vista a estabelecer a presunção jurídica da
residência alternada para crianças com pais separados». O relatório final da mesma foi enviado ao PAR em 20
de março de 2019.
I. Apreciação dos requisitos formais
Conformidade com os requisitos constitucionais, regimentais e formais
A presente iniciativa é subscrita pelos cinco Deputados do Grupo Parlamentar do CDS-Partido Popular (CDS-
PP), ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 167.º da Constituição e no artigo 118.º do Regimento da Assembleia
da República (RAR), que consagram o poder de iniciativa da lei. Trata-se de um poder dos Deputados, nos
termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do RAR.
Assume a forma de projeto de lei, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 119.º do RAR, encontra-
se redigido sob a forma de artigos, é precedido de uma breve exposição de motivos e tem uma designação que
traduz sinteticamente o seu objeto principal, dando assim cumprimento aos requisitos formais estabelecidos no
n.º 1 do artigo 124.º do RAR.
De igual modo encontram-se respeitados os limites à admissão das iniciativas, previstos no n.º 1 do artigo
120.º do RAR, e, não introduzindo qualquer alteração em matéria de aumento de despesas ou diminuição de
Página 137
11 DE DEZEMBRO DE 2019
137
receitas no ano económico em curso, não contende com o princípio da «Lei-travão», previsto no n.º 2 do artigo
120.º do Regimento e n.º 3 do artigo 167.º da Constituição. Assim, este projeto de lei parece não infringir
princípios constitucionais e define concretamente o sentido das modificações a introduzir na ordem legislativa.
Deu entrada a 22 de novembro 2019, tendo sido admitida em 28 de novembro, e baixou, na generalidade, à
Comissão de Assuntos Constitucionais Direitos Liberdades e Garantias. Foi anunciada nesse mesmo dia,
encontrando-se agendada para a reunião plenária do dia 11 de dezembro, conjuntamente com outras iniciativas
de natureza análoga.
Verificação do cumprimento da lei formulário
A Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, alterada e republicada pela Lei n.º 43/2014, de 11 de julho, de ora em
diante designada como lei formulário, contém um conjunto de normas sobre a publicação, identificação e
formulário dos diplomas que são relevantes em caso de aprovação da presente iniciativa.
A presente iniciativa procede à alteração do artigo 1906.º do Código, alterando o n.º 4 e aditando dois novos
números, renumerando os anteriores n.os 6 e 7 para 7 e 8.
O Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47 344, de 25 de novembro de 1966, aprovado pelo Decreto-
Lei n.º 47 344, de 25 de novembro de 1966, sofreu já inúmeras alterações introduzidas pelos Decretos-Leis n.os
67/75, de 19 de fevereiro, 261/75, de 27 de maio, 561/76, de 17 de julho, 605/76, de 24 de julho, 293/77, de 20
de julho, 496/77, de 25 de novembro, 200-C/80, de 24 de junho, 236/80, de 18 de julho, 328/81, de 4 de
dezembro, 262/83, de 16 de junho, 225/84, de 6 de julho, e 190/85, de 24 de junho, pela Lei n.º 46/85, de 20 de
setembro, pelos Decretos-Leis n.os 381-B/85, de 28 de setembro, e 379/86, de 11 de novembro, pela Lei n.º
24/89, de 1 de agosto, pelos Decretos-Leis n.os 321-B/90, de 15 de outubro, 257/91, de 18 de julho, 423/91, de
30 de outubro, 185/93, de 22 de maio, 227/94, de 8 de setembro, 267/94, de 25 de outubro, e 163/95, de 13 de
julho, pela Lei n.º 84/95, de 31 de agosto, pelos Decretos-Leis n.os 329-A/95, de 12 de dezembro, 14/96, de 6
de março, 68/96, de 31 de maio, 35/97, de 31 de janeiro, e 120/98, de 8 de maio, pelas Leis n.os 21/98, de 12 de
maio, e 47/98, de 10 de agosto, pelo Decreto-Lei n.º 343/98, de 6 de novembro, pela Lei n.º 16/2001, de 22 de
junho, pelos Decretos-Leis n.os 272/2001, de 13 de outubro, 273/2001, de 13 de outubro, 323/2001, de 17 de
dezembro, e 38/2003, de 8 de março, pela Lei n.º 31/2003, de 22 de agosto, pelo Decreto-Lei n.º 199/2003, de
10 de setembro, pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, pelos Decretos-Leis n.os 263-A/2007, de 23 de julho,
324/2007, de 28 de setembro, e 116/2008, de 4 de julho, pela Lei n.o 61/2008, de 31 de outubro, e pelo Decreto-
Lei n.º 100/2009, de 11 de maio, pelas Leis n.os 29/2009, de 29 de junho, 103/2009, de 11 de setembro, 9/2010,
de 31 de maio, 23/2010, de 30 de agosto, 24/2012, de 9 de julho, 31/2012 e 32/2012, ambas de 14 de agosto,
23/2013, de 5 de março, 79/2014, de 19 de dezembro, 82/2014, de 30 de dezembro, 111/2015, de 27 de agosto,
122/2015, de 1 de setembro, 137/2015, de 7 de setembro, 143/2015, de 8 de setembro, 150/2015, de 10 de
setembro, 5/2017, de 02 de março, 8/2017, de 3 de março, 24/2017, de 24 de maio, 43/2017, de 14 de junho,
48/2018, de 14 de agosto, 49/2018, de 14 de agosto, 64/2018, de 29 de outubro, 13/2019, de 12 de fevereiro e
pela Lei n.º 85/2019, de 3 de setembro.
No n.º 1 do artigo 6.º da citada lei formulário, é estabelecido o dever de indicar, nos diplomas legais que
alterem outros, o número de ordem da alteração introduzida e a identificação dos diplomas que procederam a
alterações anteriores.
A lei formulário foi aprovada e publicada num contexto de ausência de um Diário da República Eletrónico,
sendo que, neste momento, o mesmo é acessível universal e gratuitamente.
Assim, por motivos de segurança jurídica, e tentando manter uma redação simples e concisa, parece-nos
mais seguro e eficaz não colocar o número de ordem de alteração nem o elenco de diplomas que procederam
a alterações quando a mesma incida sobre Códigos, «Leis Gerais», «Regimes Gerais», ou leis com estrutura
semelhantes.
Relativamente ao título, sugere-se o seguinte:
Estabelece a residência alternada dos menores, em caso de divórcio, separação judicial de pessoas
e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento, alterando o Código Civil
Página 138
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
138
Em caso de aprovação em votação final global, deve ser publicada sob a forma de lei na 1.ª série do Diário
da República, conforme o disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 3.º da lei formulário, e entra em vigor no dia
seguinte ao da sua publicação, conforme previsto no artigo 3.º do articulado e do n.º 1 do artigo 2.º da citada lei
formulário, segundo o qual os atos legislativos «entram em vigor no dia neles fixado, não podendo, em caso
algum, o início de vigência verificar-se no próprio dia da publicação.»
Na presente fase do processo legislativo a iniciativa em apreço não nos parece suscitar outras questões em
face da lei formulário.
Regulamentação ou outras obrigações legais
A presente iniciativa não prevê a necessidade de regulamentação posterior das suas normas, nem condiciona
a sua aplicação ao cumprimento de qualquer obrigação legal.
II. Análise de direito comparado
Enquadramento no plano da União Europeia
Nos termos da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança (CNUDC)10, considera-se criança
qualquer ser humano com menos de 18 anos.
O Regulamento (CE) n.o 2201/2003 – Competência, reconhecimento e execução de decisões em matéria
matrimonial e de responsabilidade parental11 é um instrumento jurídico para ajudar os casais internacionais na
resolução de litígios, envolvendo mais do que um país, relativamente ao seu divórcio e à guarda dos seus filhos.
O regulamento não abrange matérias relacionadas com o direito substantivo de família. Estas são da
responsabilidade de cada país da União Europeia.
O regulamento é aplicável aos casos de direito civil que envolvem mais do que um país e que dizem respeito
ao divórcio, à separação, à anulação de um casamento e a qualquer aspeto da responsabilidade parental,
nomeadamente os direitos de guarda e de visita.
Um dos seus principais objetivos consiste em defender o direito das crianças de manterem contacto com
ambos os progenitores, mesmo que se encontrem separados ou residam em diferentes países da União
Europeia.
Por outro lado, o Tratado de Lisboa introduziu como objetivo da União Europeia a promoção dos direitos da
criança, e a Carta dos Direitos Fundamentais garante a proteção dos direitos das crianças pelas instituições da
União Europeia e pelos Estados-Membros.
Enquadramento internacional
Países europeus
A legislação comparada é apresentada para os seguintes Estado-membros da União Europeia: Espanha e
Reino Unido.
ESPANHA
As responsabilidades parentais («patria potestad») dos menores não emancipados são exercidas pelos
progenitores (artigo 154 do código civil), e são exercidas conjuntamente por ambos os progenitores ou só por
10No site da Organização das Nações Unidas está disponível a versão da CNUDC em inglês: https://www.ohchr.org/en/professionalinterest/pages/crc.aspx. 11 Alterado pelo Regulamento (CE) n.o 2116/2004.
Página 139
11 DE DEZEMBRO DE 2019
139
um deles com o consentimento expresso ou tácito do outro, sendo válidos quaisquer atos urgentes que as
circunstancias o requeiram, a qualquer um deles (artigo 156).
A parte final do artigo 156 refere que no caso de pais separados, as responsabilidades parentais serão
exercidas por aquele que coabite com o menor, podendo, no entanto, ser partilhada quando o interesse do
menor assim o exige.
Quando não existe acordo entre os progenitores a decisão cabe ao juiz, sempre no superior interesse do
menor, ouvindo este sempre que seja maior de 12 anos (artigo 159).
O artigo 160 proporciona ao progenitor que não tenha o exercício das responsabilidades parentais, a
possibilidade de se relacionar com o menor, numa situação que terá semelhanças com o regime de visitas
previstos na lei portuguesa.
REINO UNIDO12
Conhecidas como «shared residence order», estas são child arrangements orders nas quais a criança alterna
a residência com duas ou mais pessoas, residentes em habitações distintas e com as quais a criança reside
durante determinados períodos de tempo, devidamente especificados. Em abril de 2014, com a alteração
operada pelo Children and Families Act 2014, passaram a chamar-se apenas «child arrangements orders»,
desaparecendo o termo «shared residence order».
Os «child arrangements orders» previstos na secção 8 do Children Act 1989, são ordens judiciais nas quais
são definidas diversas situações relativas à vida dos menores, como a sua residência habitual ou com quem
aquele deve manter contactos.
Das pesquisas efetuadas na jurisprudência inglesa, é possível encontrar13 diversos casos de residência
partilhada entre progenitores, não sendo possível, porém, concluir se tal modelo é privilegiado em relação aos
outros.
III. Consultas e contributos
Consultas obrigatórias e facultativas
Em 29 de novembro de 2019, a Comissão solicitou parecer escrito aos Conselhos Superiores da Magistratura
e do Ministério Público e à Ordem dos Advogados.
Todos os pareceres e contributos remetidos à Assembleia da República serão publicados na página da
iniciativa na Internet.
IV. Avaliação prévia de impacto
Avaliação sobre impacto de género
O preenchimento, pelo proponente, da ficha de avaliação prévia de impacto de género da presente iniciativa,
em cumprimento do disposto na Lei n.º 4/2018, de 9 de fevereiro, devolve como resultado uma valoração neutra
do impacto de género.
12 Analise comparativa confinada a Inglaterra. 13 Como por exemplo no caso B4/2005/1235 ou no caso [2012] EWCA Civ 1434.
Página 140
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
140
Linguagem não discriminatória
Na elaboração dos atos normativos a especificação de género deve ser minimizada recorrendo-se, sempre
que possível, a uma linguagem neutra ou inclusiva, mas sem colocar em causa a clareza do discurso. A presente
iniciativa não nos suscita questões relacionadas com a utilização de linguagem discriminatória.
V. Enquadramento Bibliográfico
FIGUEIREDO, Pedro Raposo de – A residência alternada no quadro do atual regime de exercício das
responsabilidades parentais: a questão (pendente) do acordo dos progenitores. Julgar. Lisboa. ISSN 1646-
6853. N.º 33 (set./dez. 2017), p. 89-108. Cota: RP-257.
Resumo: «O artigo toma partido na discussão em torno da possibilidade de adoção de um modelo de
residência alternada em casos de divórcio/separação, à margem do acordo dos progenitores. Apresenta-se uma
solução que pretende evidenciar as vantagens da aplicação de tal modelo e a sua conformação legal, sempre
na mira do superior interesse da criança, dando enfoque à evolução sociológica verificada na sociedade
portuguesa nas últimas décadas, em especial ao nível da relação familiar, e desmistificando, com recurso a
dados científicos recolhidos na psicologia, pediatria e pedopsiquiatria, as ideias e conceitos que tradicionalmente
têm inviabilizado a sua utilização na prática judiciária.»
LEITE, André Lamas – O artigo 1906.º do Código Civil e a (in)admissibilidade do regime de guarda (e
residência) alternadas dos menores. Revista do Ministério Público. Lisboa. ISSN 0870-6107. N.º 151 (jul./set.
2017), p. 65-81. Cota: RP-179.
Resumo: «O artigo analisa a possibilidade legal de o artigo 1906.º do CC admitir o regime de guarda e
residência alternadas dos menores, em caso de qualquer das formas de ruptura da vida em conjunto dos seus
progenitores, dialogando com as normas constitucionais pertinentes. Por outro lado, estuda-se igualmente a
existência ou não de uma preferência legal do ordenamento jurídico quanto à dita guarda alternada.»
MATOS, Ricardo Jorge Bragança de – A «presunção jurídica de residência alternada» e a tutela do superior
interesse da criança. Revista do Ministério Público. Lisboa. ISSN 0870-6107. N.º 156 (out./dez. 2018), p. 123-
155. Cota: RP-179.
Resumo: «O texto analisa criticamente a proposta apresentada no Parlamento, através de petição, de
alteração do regime jurídico do exercício das responsabilidades parentais em caso de ruptura da conjugalidade,
visando a consagração legal de uma presunção de fixação à criança de residência alternada junto de ambos os
progenitores, confrontando-a com o regime vigente, com a jurisprudência e com a produção doutrinária,
avaliando se a mesma comporta, ou não, uma evolução no sentido de maior tutela do interesse da criança.»
ANEXO
CÒDIGO CIVIL PROJETO DE LEI N.º 12019/XIII/4.ª
Artigo 1906.º Exercício das responsabilidades parentais em caso de
divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento
1 – As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimónio, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir
Artigo 1906.º (…)
1 – (…).
Página 141
11 DE DEZEMBRO DE 2019
141
CÒDIGO CIVIL PROJETO DE LEI N.º 12019/XIII/4.ª
sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível. 2 – Quando o exercício em comum das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho for julgado contrário aos interesses deste, deve o tribunal, através de decisão fundamentada, determinar que essas responsabilidades sejam exercidas por um dos progenitores. 3 – O exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente do filho cabe ao progenitor com quem ele reside habitualmente, ou ao progenitor com quem ele se encontra temporariamente; porém, este último, ao exercer as suas responsabilidades, não deve contrariar as orientações educativas mais relevantes, tal como elas são definidas pelo progenitor com quem o filho reside habitualmente. 4 – O progenitor a quem cabe o exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente pode exercê-las por si ou delegar o seu exercício. 5 – O tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro. 6 – Ao progenitor que não exerça, no todo ou em parte, as responsabilidades parentais assiste o direito de ser informado sobre o modo do seu exercício, designadamente sobre a educação e as condições de vida do filho. 7 – O tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles.
2 – (…). 3 – (…). 4 – O exercício das responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente do filho cabe: a) Ao progenitor com quem o mesmo estiver a residir, caso vigore o regime da residência alternada; b) Ao progenitor com quem resida habitualmente; c) Ao progenitor com quem se encontra temporariamente, o qual, ao exercer as suas responsabilidades, não deve contrariar as orientações educativas mais relevantes, tal como elas são definidas pelo progenitor com quem o filho reside habitualmente. 5 – (…). 6 – O tribunal pode determinar a residência alternada do filho com cada um dos progenitores, nos termos acordados entre ambos, ou, ponderadas as circunstâncias concretas e o superior interesse daquele, nos termos que forem determinados pelo tribunal. 7 – (Anterior n.º 6) 8 – (Anterior n.º 7). 9 – O exercício das responsabilidades parentais em regime de residência alternada não prejudica a aplicação das disposições sobre obrigação alimentar impostas por lei.
Nota Técnica
Projeto de Lei n.º 114/XIV/1.ª (BE)
Altera o Código Civil, prevendo o regime de residência alternada da criança na regulação do exercício
das responsabilidades parentais em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração
de nulidade ou anulação do casamento.
Data de admissão: 28 de novembro de 2019.
Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (1.ª).
Página 142
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
142
Índice
I. Análise da iniciativa
II. Enquadramento parlamentar
III. Apreciação dos requisitos formais
IV. Análise de direito comparado
V. Consultas e contributos
VI. Avaliação prévia de impacto
VII. Enquadramento bibliográfico
Elaborada por: Maria João Godinho e Nuno Amorim (DILP), Rosalina Espinheira (BIB), Isabel Pereira (DAPLEN), Inês Cadete e Margarida Ascensão (DAC).
Data: 2 de dezembro de 2019.
I. Análise da iniciativa
A iniciativa
A iniciativa legislativa sub judice visa alterar o Código Civil, incidindo sobre o artigo 1906.º (Exercício das
responsabilidades parentais em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade
ou anulação do casamento), prevendo expressamente os termos em que deve ser definido o modelo de
residência alternada da criança com cada um dos progenitores no atual regime de exercício das
responsabilidades parentais.
Conforme é mencionado na exposição de motivos, apesar de o regime de residência alternada já ser um dos
regimes de possível aplicação, há ainda algum caminho por fazer e a presente intervenção legislativa surge,
precisamente, «com o intuito de sinalizar a importância de procurar desenvolver este regime», com o objetivo
de assegurar a igualdade de género no que respeita aos direitos e responsabilidades parentais, por um lado, e
garantir a solução que melhor responda às necessidades específicas da criança, por outro lado.
A solução proposta privilegia o regime de residência alternada, mas adianta o proponente «que o regime em
causa não é um bem em si mesmo» e que só perante cada caso concreto é que se poderá aferir se este é o
melhor regime, devendo por isso a sua aplicação obedecer a um conjunto de salvaguardas, designadamente:
assegurando o direito de audição das crianças sobre todas as decisões que lhe digam respeito; não prejudicando
a possibilidade de fixação de prestação de alimentos; e excluindo a possibilidade de aplicação do regime de
residência alternada quando se estiver perante uma situação de violência doméstica.
A iniciativa legislativa compõe-se de quatro artigos preambulares: o primeiro definidor do respetivo objeto; o
segundo prevendo a alteração do artigo 1906.º do Código Civil; o terceiro contendo uma norma revogatória; e o
quarto determinando que o início de vigência da norma a aprovar ocorrerá no primeiro dia do mês seguinte ao
da sua publicação.
Enquadramento jurídico nacional
«Responsabilidades parentais» é o termo que atualmente designa o poder-dever dos pais em relação aos
filhos, genericamente correspondente ao anteriormente1 previsto «poder paternal» e que tem fundamento no
artigo 36.º, n.º 5, da Constituição: «os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos».
As responsabilidades parentais encontram-se reguladas na Secção II (Responsabilidades parentais) do
Capítulo II (Efeitos da filiação) do título III (Da filiação) do Livro IV (Direito da Família) do Código Civil. O artigo
1878.º define o conteúdo das responsabilidades parentais, determinando que «compete aos pais, no interesse
dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los,
1 Até à entrada em vigor da Lei n.º 61/2008, de 31 de outubro, que altera o regime jurídico do divórcio.
Página 143
11 DE DEZEMBRO DE 2019
143
ainda que nascituros, e administrar os seus bens». Estabelece ainda aquele artigo que os filhos devem
obediência aos pais, devendo estes, de acordo com a maturidade dos filhos, «ter em conta a sua opinião nos
assuntos familiares importantes e reconhecer-lhes autonomia na organização da própria vida.»
A titularidade das responsabilidades parentais é automaticamente imputada aos progenitores, por mero efeito
da filiação, não podendo ser renunciada, sem prejuízo do disposto no tocante à adoção (artigo 1882.º), e dura
até à maioridade ou emancipação (artigo 1877.º).
O artigo 1906.º, que a iniciativa objeto da presente nota técnica propõe alterar, encontra-se integrado na
Subsecção IV (Exercício das responsabilidades parentais) da Secção do Código Civil acima identificada e dispõe
sobre o exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens,
declaração de nulidade ou anulação do casamento. Desde a versão originária do Código, este artigo foi alterado
quatro vezes: pelo Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de novembro, e pelas Leis n.os 84/95, de 31 de agosto, 59/99,
de 30 de julho, e 61/2008, de 30 de novembro.
Este artigo distingue as questões de particular importância dos atos da vida corrente, atribuindo o exercício
das responsabilidades parentais quanto a estes últimos ao progenitor com quem o filho resida habitualmente ou
ao progenitor com quem o mesmo se encontra temporariamente, desde que, neste último caso, não sejam
contrariadas as orientações educativas mais relevantes definidas pelo progenitor com quem o filho reside
habitualmente. Ainda quanto aos atos da vida corrente, prevê-se a possibilidade de delegação em terceiro.
Quanto às questões de particular importância, a Lei n.º 61/2008 introduziu aquela que é atualmente a regra
nas diversas situações de rutura do relacionamento entre os progenitores elencadas na epígrafe do artigo: o
exercício conjunto das responsabilidades parentais nos termos que vigoravam na constância do matrimónio.
Como exceções a esta regra estão apenas previstas duas situações: urgência manifesta, em que qualquer dos
progenitores pode agir sozinho mas tendo o dever de informar o outro logo que possível; ou quando esse
exercício conjunto seja considerado contrário aos interesses do menor.
Nesta última situação, tal depende de decisão fundamentada do tribunal, que determina por quem são
exercidas as responsabilidades parentais em causa, e pode decorrer de variados fatores, designadamente os
previstos no artigo 1906.º-A do Código Civil (que a presente iniciativa propõe revogar) – situações de violência
em contexto familiar ou quando tiver sido decretada medida de coação ou aplicada pena acessória de proibição
de contacto entre os pais. Nesta última situação há mesmo uma presunção legal de que o exercício conjunto
das responsabilidades parentais é contrário aos interesses do menor (v.d. n.º 9 do artigo 40.º do Regime Geral
do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 8 de setembro2).
O progenitor que não exerça, no todo ou em parte, as responsabilidades parentais, tem o direito de ser
informado sobre o modo do seu exercício, designadamente sobre a edução e as condições de vida do filho (n.º
6 do artigo 1906.º do Código Civil).
A lei não define o que são as questões de particular importância, tratando-se de conceito indeterminado
utilizado noutras disposições do Código Civil que regulam o exercício das responsabilidades parentais (a par,
aliás, de outros conceitos indeterminados), cabendo à doutrina e jurisprudência preenchê-lo3. Conforme refere
Estela Chaby4, «A doutrina e a jurisprudência têm vindo a evoluir no sentido de alguma restrição do universo
das questões de particular importância, tendo presentes, por um lado, razões de segurança jurídica e, por outro,
o objetivo de redução dos conflitos parentais judicializados (…). Exemplos claros de questões de particular
importância (…) serão o casamento do filho maior de dezasseis anos, o desenvolvimento de atividade laboral
pelo filho, a interrupção da gravidez da filha menor de dezasseis anos, a realização de uma intervenção cirúrgica
e a alteração de residência relevante».
Não havendo acordo dos progenitores quanto a essas questões de particular importância, são as mesmas
reguladas pelo tribunal, a requerimento de qualquer um deles, nos termos previstos no já indicado Regime Geral
do Processo Tutelar Cível, em especial nos artigos 44.º e 34.º a 40.º).
2 Texto consolidado disponível no portal do Diário da República Eletrónico. 3 Como pode ler-se na exposição de motivos do Projeto de Lei n.º 509/X, uma das iniciativas que esteve na origem da referida Lei n.º 61/2008, «Dá-se por assente que o exercício conjunto das responsabilidades parentais mantém os dois progenitores comprometidos com o crescimento do filho; afirma-se que está em causa um interesse público que cabe ao Estado promover, em vez de o deixar ao livre acordo dos pais; reduz-se o âmbito do exercício conjunto ao mínimo – aos assuntos de «particular importância». Caberá à jurisprudência e à doutrina definir este âmbito; espera-se que, ao menos no princípio da aplicação do regime, os assuntos relevantes se resumam a questões existenciais graves e raras, que pertençam ao núcleo essencial dos direitos que são reconhecidos às crianças.» 4 In PRATA, Ana (Coord.), Código Civil Anotado, volume II,Almedina, 2017, p. 810.
Página 144
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
144
O artigo 1906.º do Código Civil prevê também que, nas referidas situações de rutura do relacionamento entre
os progenitores, cabe ao tribunal determinar a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse
do mesmo, tendo em conta todas as «circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo entre os
pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro»
(n.º 5).
A residência constitui um elemento determinante do regime de exercício das responsabilidades parentais,
visto que cabe ao progenitor com quem o filho reside habitualmente exercê-las no tocante aos atos da vida
corrente, conforme referido acima, competindo, pois, «a cada um dos progenitores pelo período em que o filho
consigo resida, nos casos de residência alternada»5. A residência alternada (períodos alternados de residência
com um e outro dos progenitores) é uma das possibilidades que tem sido admitida na jurisprudência, a par da
residência habitual com um dos progenitores e da residência com um terceiro (nos termos regulados no artigo
1907.º do Código Civil). A residência alternada pode consistir numa de duas modalidades: cada progenitor tem
a sua residência e o filho reside alternadamente numa e noutra, com a periodicidade que for estabelecida, ou o
designado bird’s nest arrangement – o filho reside sempre na mesma casa e os progenitores revezam-se, na
periodicidade definida.
Assim, pode dizer-se que «a residência alternada consiste numa divisão rotativa e tendencialmente simétrica
dos tempos da criança com os progenitores por forma a possibilitar a produção de um quotidiano familiar e social
com o filho durante os períodos em que se encontra com cada um deles»6, sendo que «Aos tribunais chegam
cada vez com maior frequência pais e mães que pretendem exercer de forma mais efetiva as suas
responsabilidades parentais, procurando que (…)» ao «(…) processo de partilha nas decisões mais importantes
da vida da criança, corresponda igualmente uma maior presença nas decisões quotidianas e nas relações
afetivas com os seus filhos.»7
Várias têm sido as decisões judiciais recentes no sentido da determinação da residência alternada por ser
considerado o regime mais adequado ao interesse da criança, mesmo sem acordo dos pais. Vejam-se, a título
de exemplo:
– Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21 de janeiro de 2019 (Proc. 22967/17.0T8PRT.P1);
– Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11 de dezembro de 2018 (Proc. 1032/17.5T8CBR.C1);
– Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7 de agosto de 2018 (Proc. 835/17.5T8SXL-A-2);
– Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 6 de dezembro de 2018 (Proc.2641/15.2T8PTM.E1).
O artigo 69.º da Constituição prevê o direito das crianças «à proteção da sociedade e do Estado, com vista
ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de
opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições.»
Consagra-se nesteartigo «um direito das crianças à proteção, impondo-se os correlativos deveres de
prestação ou de atividade ao Estado e à sociedade (i. é, aos cidadãos e às instituições sociais). Trata-se de um
típico ‘direito social’, que envolve deveres de legislação e de ação administrativa para a sua realização e
concretização, mas que supõe, naturalmente, um direito ‘negativo’ das crianças a não serem abandonadas,
discriminadas ou oprimidas (…)»8.
Recorde-se também que a Convenção sobre os Direitos da Criança9 prevê que «os Estados Partes tomam
todas as medidas legislativas, administrativas, sociais e educativas adequadas à proteção da criança contra
todas as formas de violência física ou mental, dano ou sevícia, abandono ou tratamento negligente, maus tratos
ou exploração, incluindo a violência sexual, enquanto se encontrar sob a guarda de seus pais ou de um deles,
dos representantes legais ou de qualquer outra pessoa a cuja guarda haja sido confiada.», determinando
também que «Os Estados Partes diligenciam de forma a assegurar o reconhecimento do princípio segundo o
qual ambos os pais têm uma responsabilidade comum na educação e no desenvolvimento da criança. A
responsabilidade de educar a criança e de assegurar o seu desenvolvimento cabe primacialmente aos pais e,
sendo caso disso, aos representantes legais. O interesse superior da criança deve constituir a sua preocupação
5 Idem, p. 818. 6 Comunicação de António José Fialho incluída no E-book do Centro de Estudos Judiciários A tutela cível do superior interesse da criança, Tomo I, Coleção de Formação Contínua, julho de 2014. 7 Idem. 8 J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, Coimbra Editora, 2007, p. 869. 9 Assinada em Nova Iorque a 26 de janeiro de 1990 (aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 20/909 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 49/90, ambos de 12 de setembro).
Página 145
11 DE DEZEMBRO DE 2019
145
fundamental.» (n.º 1 do artigo 18.º da Convenção). O interesse superior da criança é, aliás, o princípio base ao
qual devem obedecer todas as decisões relativas às crianças (artigo 3.º da Convenção).
Isso mesmo se encontra consagrado no n.º 7 do artigo 1906.º do Código Civil: o tribunal decide «sempre de
harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois
progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de
contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles».
O artigo 1905.º do Código Civil dispõe sobre os alimentos devidos ao filho em caso de divórcio, separação
judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento, determinando que os alimentos
devidos ao filho e a forma de os prestar são regulados por acordo dos pais, sujeito a homologação, a qual é
recusada pelo tribunal se o acordo não corresponder ao interesse do menor.
Tal como acima referido, o Regime Geral do Processo Tutelar Cível foi aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 8
de setembro10, e alterado pela Lei n.º 24/2017, de 24 de maio, que lhe aditou, entre outros, o artigo 44.º-A, no
qual se prevê a regulação urgente do exercício das responsabilidades parentais em determinadas situações,
designadamente quando estiverem «em grave risco os direitos e a segurança das vítimas de violência doméstica
e de outras formas de violência em contexto familiar, como maus tratos ou abuso sexual de crianças».
Nos termos do artigo 4.º daquele Regime, a audição e participação da criança constitui um dos princípios
orientadores dos processos tutelares cíveis. Significa este princípio que «a criança, com capacidade de
compreensão dos assuntos em discussão, tendo em atenção a sua idade e maturidade, é sempre ouvida sobre
as decisões que lhe digam respeito, preferencialmente com o apoio da assessoria técnica ao tribunal, sendo
garantido, salvo recusa fundamentada do juiz, o acompanhamento por adulto da sua escolha sempre que nisso
manifeste interesse.»
O artigo 5.º do mesmo Regime concretiza a forma de aplicação daquele princípio, determinando que «A
criança tem direito a ser ouvida, sendo a sua opinião tida em consideração pelas autoridades judiciárias na
determinação do seu superior interesse.». A audição da criança pode acontecer em qualquer fase do processo
e obedece a regras específicas, previstas no mesmo artigo, devendo, designadamente, decorrer em ambiente
«informal e reservado» [alínea a) do n.º 7], privilegiando-se «a não utilização de traje profissional» aquando da
mesma (n.º 5), sendo as declarações da criança «gravadas mediante registo áudio ou audiovisual» [alínea c) do
n.º 7].
Para além da criação do processo urgente acima referido, recorde-se que a Lei n.º 24/2017, de 24 de maio,
aprovou alterações a vários outros diplomas com relevância para o exercício das responsabilidades parentais
em situações de violência doméstica, designadamente aditando ao Código Civil o já mencionado artigo 1906.º-
A, que ora se propõe revogar, sobre «Regulação das responsabilidades parentais no âmbito de crimes de
violência doméstica e de outras formas de violência em contexto familiar», e determinando a comunicação
imediata ao Ministério Público da aplicação de medidas de coação ou obrigações que impliquem a restrição de
contacto entre progenitores, para efeitos de instauração, com caráter de urgência, do respetivo processo de
regulação ou alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais11.
A Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a
Violência Doméstica, adotada em Istambul, a 11 de maio de 2011 (Convenção de Istambul) foi aprovada pela
Resolução da Assembleia da República n.º 4/2013, de 21 de janeiro, e ratificada pelo Decreto do Presidente da
República n.º 13/2013, de 21 de janeiro, foca em vários pontos a questão da proteção das crianças vítimas ou
testemunhas de violência doméstica, prevendo, designadamente, que os Estados parte adotem medidas em
relação aos perpetradores, tais como a «retirada da responsabilidade parental, se de outro modo não puder ser
garantido o superior interesse da criança, o qual pode incluir a segurança da vítima» (artigo 45.º).
Através da Resolução n.º 2079 (2015), sobre «Igualdade e responsabilidade parental partilhada: o papel dos
pais», a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa insta os Estados-Membros a «introduzir na sua
legislação o princípio de residência alternada depois da separação, limitando as exceções aos casos de abuso
infantil ou negligência, ou violência doméstica, ajustando o tempo em que a criança vive na residência de cada
progenitor em função das suas necessidades e interesses;» e a «ter em conta acordos de residência alternada
quando são atribuídos benefícios sociais;», entre outros aspetos.
10 Texto consolidado disponível no portal do Diário da República Eletrónico. 11 Alterações aos artigos 31.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, e 200.º do Código de Processo Penal.
Página 146
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
146
Recorde-se que comete o crime de violência doméstica quem infligir, de modo reiterado ou não, maus tratos
físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais, ao cônjuge, ex-
cônjuge ou pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação
de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação; a progenitor de descendente
comum em 1.º grau; ou a pessoa particularmente indefesa, nomeadamente em razão da idade, deficiência,
doença, gravidez ou dependência económica. Este crime, previsto no artigo 152.º do Código Penal, é punido
com pena de prisão de 1 a 5 anos, «se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal»,
pena que sobe para 2 a 5 anos, entre outras circunstâncias, se o agente praticar o facto contra menor ou na
presença de menor (podendo ainda chegar aos 2 a 8 anos ou 3 a 10 anos, se resultar em ofensa à integridade
física grave ou morte, respetivamente). O crime de violência doméstica implica ainda a possibilidade de serem
aplicadas ao arguido penas acessórias, entre as quais a inibição do exercício das responsabilidades parentais,
da tutela ou da curatela, por um período de um a dez anos.
Refira-se finalmente que se encontra disponível no portal do Parlamento uma compilação de legislação na
área da violência doméstica.
II. Enquadramento parlamentar
Iniciativas pendentes (iniciativas legislativas e petições)
Consultada a base de dados da Atividade Parlamentar (AP), verificou-se que se encontram em apreciação,
na Comissão de Assunto Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, as seguintes iniciativas legislativas
sobre matéria idêntica:
– Projeto de Lei n.º 110/XIV/1.ª (CDS-PP) – Sobre o estabelecimento da residência alternada dos menores,
em caso de divórcio separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento;
– Projeto de Lei n.º 107/XIV/1.ª (PSD) – Septuagésima sexta alteração ao Código Civil, aprovado pelo
Decreto-Lei n.º 47 344, de 25 de novembro de 1966, alterando o regime do exercício das responsabilidades
parentais em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do
casamento, de forma a clarificar que o tribunal pode determinar a residência alternada do filho com cada um dos
progenitores sempre que tal corresponda ao superior interesse do menor;
– Projeto de Lei n.º 87/XIV/1.ª (PS) – Altera o Código Civil, estabelecendo o princípio da residência alternada
do filho em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do
casamento dos progenitores;
– Projeto de Lei n.º 52/XIV/1.ª (PAN) – Privilegia o modelo de residência alternada sempre que tal
corresponda ao superior interesse da criança, excecionando-se o decretamento deste regime aos casos de
abuso infantil, negligência e violência doméstica.
Consultada a mencionada base de dados (AP) não se identificou qualquer petição pendente sobre a mesma
matéria.
Antecedentes parlamentares (iniciativas legislativas e petições)
Efetuada consulta à base de dados da Atividade Parlamentar (AP), verificou-se que, na XIII Legislatura, foram
apresentadas as seguintes iniciativas legislativas sobre matéria idêntica ou conexa (responsabilidades
parentais):
– Projeto de Lei n.º 1209/XIII/4.ª (CDS-PP) – Sobre o estabelecimento da residência alternada dos menores,
em caso de divórcio separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento;
– Projeto de Lei n.º 1190/XIII/4.ª (PS) – Altera o Código Civil, estabelecendo o princípio da residência
alternada do filho em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou
anulação do casamento dos progenitores;
– Projeto de Lei n.º 1182/XIII/4.ª (PAN) – Privilegia o modelo de residência alternada sempre que tal
corresponda ao superior interesse da criança;
Página 147
11 DE DEZEMBRO DE 2019
147
– Projeto de Lei n.º 353/XIII/2.ª (PAN) – Afirma a necessidade de regulação urgente das responsabilidades
parentais em situações de violência doméstica;
– Projeto de Lei n.º 345/XIII/2.ª (PS) – Promove a regulação urgente das responsabilidades parentais e a
atribuição de alimentos em situações de violência doméstica e de aplicação de medidas de coação ou de pena
acessória que impliquem afastamento entre progenitores;
– Projeto de Resolução n.º 784/XIII/2.ª (PS) – Recomenda ao Governo que elimina as discriminações
existentes em sede de IRS referentes ao exercício das responsabilidades parentais;
– Projeto de Resolução n.º 558/XIII/2.ª (PAN) – Recomenda ao Governo a avaliação do desempenho do
apoio judiciário no âmbito dos crimes de violência doméstica e regulação das responsabilidades parentais e que
proceda a verificação da necessidade de criação de uma equipa multidisciplinar que dê apoio ao sistema
judiciário;
– Projeto de Lei n.º 149/XIII/1.ª (PS) – Regulação das responsabilidades parentais por mútuo acordo junto
das Conservatórias do Registo Civil em caso de dissolução de uniões de facto e casos similares;
Consultada a base de dados da Atividade Parlamentar, na XIII Legislatura foi registada a seguinte petição,
incidindo sobre a mesma matéria:
Petição n.º 530/XIII/3 – «Solicitam alteração legislativa com vista a estabelecer a presunção jurídica da
residência alternada para crianças com pais separados». O relatório final da mesma foi enviado ao PAR em 20
de março de 2019.
III. Apreciação dos requisitos formais
Conformidade com os requisitos constitucionais, regimentais e formais
A presente iniciativa é subscrita pelos 19 Deputados do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda (BE), ao
abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 167.º da Constituição e no artigo 118.º do Regimento da Assembleia da
República (RAR), que consagram o poder de iniciativa da lei. Trata-se de um poder dos Deputados, nos termos
da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do RAR.
Assume a forma de projeto de lei, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 119.º do RAR, encontra-
se redigido sob a forma de artigos, é precedido de uma breve exposição de motivos e tem uma designação que
traduz sinteticamente o seu objeto principal, dando assim cumprimento aos requisitos formais estabelecidos no
n.º 1 do artigo 124.º do RAR.
De igual modo encontram-se respeitados os limites à admissão das iniciativas, previstos no n.º 1 do artigo
120.º do RAR, e, não introduzindo qualquer alteração em matéria de aumento de despesas ou diminuição de
receitas no ano económico em curso, não contende com o princípio da «Lei-travão», previsto no n.º 2 do artigo
120.º do Regimento e n.º 3 do artigo 167.º da Constituição. Assim, este Projeto de Lei parece não infringir
princípios constitucionais e define concretamente o sentido das modificações a introduzir na ordem legislativa.
Deu entrada a 22 de novembro 2019, tendo sido admitida em 28 de novembro, e baixou, na generalidade, à
Comissão de Assuntos Constitucionais Direitos Liberdades e Garantias. Foi anunciada nesse mesmo dia,
encontrando-se agendada para a Reunião Plenária do dia 11 de dezembro, conjuntamente com outras iniciativas
de natureza análoga.
Verificação do cumprimento da lei formulário
A Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, alterada e republicada pela Lei n.º 43/2014, de 11 de julho, de ora em
diante designada como lei formulário, contém um conjunto de normas sobre a publicação, identificação e
formulário dos diplomas que são relevantes em caso de aprovação da presente iniciativa.
A presente iniciativa procede à alteração do artigo 1906.º do Código.
O Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47 344, de 25 de novembro de 1966, aprovado pelo Decreto-
Lei n.º 47 344, de 25 de novembro de 1966, sofreu já inúmeras alterações introduzidas pelos Decretos-Leis n.os
67/75, de 19 de fevereiro, 261/75, de 27 de maio, 561/76, de 17 de julho, 605/76, de 24 de julho, 293/77, de 20
de julho, 496/77, de 25 de novembro, 200-C/80, de 24 de junho, 236/80, de 18 de julho, 328/81, de 4 de
dezembro, 262/83, de 16 de junho, 225/84, de 6 de julho, e 190/85, de 24 de junho, pela Lei n.º 46/85, de 20 de
Página 148
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
148
setembro, pelos Decretos-Leis n.os 381-B/85, de 28 de setembro, e 379/86, de 11 de novembro, pela Lei n.º
24/89, de 1 de agosto, pelos Decretos-Leis n.os 321-B/90, de 15 de outubro, 257/91, de 18 de julho, 423/91, de
30 de outubro, 185/93, de 22 de maio, 227/94, de 8 de setembro, 267/94, de 25 de outubro, e 163/95, de 13 de
julho, pela Lei n.º 84/95, de 31 de agosto, pelos Decretos-Leis n.os 329-A/95, de 12 de dezembro, 14/96, de 6
de março, 68/96, de 31 de maio, 35/97, de 31 de janeiro, e 120/98, de 8 de maio, pelas Leis n.os 21/98, de 12 de
maio, e 47/98, de 10 de agosto, pelo Decreto-Lei n.º 343/98, de 6 de novembro, pela Lei n.º 16/2001, de 22 de
junho, pelos Decretos-Leis n.os 272/2001, de 13 de outubro, 273/2001, de 13 de outubro, 323/2001, de 17 de
dezembro, e 38/2003, de 8 de março, pela Lei n.º 31/2003, de 22 de agosto, pelo Decreto-Lei n.º 199/2003, de
10 de setembro, pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, pelos Decretos-Leis n.os 263-A/2007, de 23 de julho,
324/2007, de 28 de setembro, e 116/2008, de 4 de julho, pela Lei n.o 61/2008, de 31 de outubro, e pelo Decreto-
Lei n.º 100/2009, de 11 de maio, pelas Leis n.os 29/2009, de 29 de junho, 103/2009, de 11 de setembro, 9/2010,
de 31 de maio, 23/2010, de 30 de agosto, 24/2012, de 9 de julho, 31/2012 e 32/2012, ambas de 14 de agosto,
23/2013, de 5 de março, 79/2014, de 19 de dezembro, 82/2014, de 30 de dezembro, 111/2015, de 27 de agosto,
122/2015, de 1 de setembro, 137/2015, de 7 de setembro, 143/2015, de 8 de setembro, 150/2015, de 10 de
setembro, 5/2017, de 02 de março, 8/2017, de 3 de março, 24/2017, de 24 de maio, 43/2017, de 14 de junho,
48/2018, de 14 de agosto, 49/2018, de 14 de agosto, 64/2018, de 29 de outubro, 13/2019, de 12 de fevereiro e
pela Lei n.º 85/2019, de 3 de setembro.
No n.º 1 do artigo 6.º da citada lei formulário, é estabelecido o dever de indicar, nos diplomas legais que
alterem outros, o número de ordem da alteração introduzida e a identificação dos diplomas que procederam a
alterações anteriores.
A lei formulário foi aprovada e publicada num contexto de ausência de um Diário da República Eletrónico,
sendo que, neste momento, o mesmo é acessível universal e gratuitamente.
Assim, por motivos de segurança jurídica, e tentando manter uma redação simples e concisa, parece-nos
mais seguro e eficaz não colocar o número de ordem de alteração nem o elenco de diplomas que procederam
a alterações quando a mesma incida sobre Códigos, «Leis Gerais», «Regimes Gerais», ou leis com estrutura
semelhantes.
Relativamente ao título, sugere-se o seguinte:
Estabelece o regime de residência alternada da criança na regulação do exercício das
responsabilidades parentais em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de
nulidade ou anulação do casamento, alterando o Código Civil.
Em caso de aprovação em votação final global, deve ser publicada sob a forma de lei na 1.ª série do Diário
da República, conforme o disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 3.º da lei formulário, e entra em vigor no
primeiro dia do mês seguinte ao da sua publicação, conforme previsto no artigo 4.º do articulado e do n.º 1 do
artigo 2.º da citada lei formulário, segundo o qual os atos legislativos «entram em vigor no dia neles fixado, não
podendo, em caso algum, o início de vigência verificar-se no próprio dia da publicação».
Na presente fase do processo legislativo a iniciativa em apreço não nos parece suscitar outras questões em
face da lei formulário.
Regulamentação ou outras obrigações legais
A presente iniciativa não prevê a necessidade de regulamentação posterior das suas normas, nem condiciona
a sua aplicação ao cumprimento de qualquer obrigação legal.
IV. Análise de direito comparado
Enquadramento no plano da União Europeia
Nos termos da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança (CNUDC)12, considera-se criança
qualquer ser humano com menos de 18 anos.
12No site da Organização das Nações Unidas está disponível a versão da CNUDC em inglês: https://www.ohchr.org/en/professionalinterest/pages/crc.aspx.
Página 149
11 DE DEZEMBRO DE 2019
149
O Regulamento (CE) n.o 2201/2003 – Competência, reconhecimento e execução de decisões em matéria
matrimonial e de responsabilidade parental13 é um instrumento jurídico para ajudar os casais internacionais na
resolução de litígios, envolvendo mais do que um país, relativamente ao seu divórcio e à guarda dos seus filhos.
O regulamento não abrange matérias relacionadas com o direito substantivo de família. Estas são da
responsabilidade de cada país da União Europeia.
O regulamento é aplicável aos casos de direito civil que envolvem mais do que um país e que dizem respeito
ao divórcio, à separação, à anulação de um casamento e a qualquer aspeto da responsabilidade parental,
nomeadamente os direitos de guarda e de visita.
Um dos seus principais objetivos consiste em defender o direito das crianças de manterem contacto com
ambos os progenitores, mesmo que se encontrem separados ou residam em diferentes países da União
Europeia.
Por outro lado, o Tratado de Lisboa introduziu como objetivo da União Europeia a promoção dos direitos da
criança, e a Carta dos Direitos Fundamentais garante a proteção dos direitos das crianças pelas instituições da
União Europeia e pelos Estados-Membros.
A Diretiva 2011/93/UE — Luta contra o abuso sexual e a exploração sexual de crianças e a pornografia
infantil visa melhorar a proteção das crianças contra o abuso sexual e a exploração sexual.
A União Europeia assinou em 2017 a Convenção do Conselho da Europa para a prevenção e o combate à
violência contra as mulheres e a violência doméstica, também denominada Convenção de Istambul, na qual se
reconhece que as crianças são vítimas da violência doméstica, inclusivamente como testemunhas de violência
no seio da família.
Em 2006, o Comité Económico e Social Europeu elaborou um parecer sobre Crianças – vítimas indiretas de
violência doméstica.
Enquadramento internacional
Países europeus
A legislação comparada é apresentada para os seguintes Estados-Membros da União Europeia: Espanha e
Reino Unido.
ESPANHA
As responsabilidades parentais («patria potestad») dos menores não emancipados são exercidas pelos
progenitores (artigo 154 do código civil), e são exercidas conjuntamente por ambos os progenitores ou só por
um deles com o consentimento expresso ou tácito do outro, sendo válidos quaisquer atos urgentes que as
circunstancias o requeiram, a qualquer um deles (artigo 156).
A parte final do artigo 156 refere que no caso de pais separados, as responsabilidades parentais serão
exercidas por aquele que coabite com o menor, podendo, no entanto, ser partilhada quando o interesse do
menor assim o exige.
Quando não existe acordo entre os progenitores a decisão cabe ao juiz, sempre no superior interesse do
menor, ouvindo este sempre que seja maior de 12 anos. (artigo 159).
O artigo 160 proporciona ao progenitor que não tenha o exercício das responsabilidades parentais, a
possibilidade de se relacionar com o menor, numa situação que terá semelhanças com o regime de visitas
previstos na lei portuguesa.
REINO UNIDO14
Conhecidas como «shared residence order», estas são child arrangements orders nas quais a criança alterna
a residência com duas ou mais pessoas, residentes em habitações distintas e com as quais a criança reside
durante determinados períodos de tempo, devidamente especificados. Em abril de 2014, com a alteração
13 Alterado pelo Regulamento (CE) n.o 2116/2004.
14 Análise comparativa confinada a Inglaterra.
Página 150
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
150
operada pelo Children and Families Act 2014, passaram a chamar-se apenas «child arrangements orders»,
desaparecendo o termo «shared residence order».
Os «child arrangements orders» previstos na secção 8 do Children Act 1989, são ordens judiciais nas quais
são definidas diversas situações relativas à vida dos menores, como a sua residência habitual ou com quem
aquele deve manter contactos.
Das pesquisas efetuadas na jurisprudência inglesa, é possível encontrar15 diversos casos de residência
partilhada entre progenitores, não sendo possível, porém, concluir se tal modelo é privilegiado em relação aos
outros.
V. Consultas e contributos
Consultas obrigatórias
Em 29 de novembro de 2019, a Comissão solicitou parecer escrito sobre a iniciativa ao Conselho Superior
da Magistratura, ao Conselho Superior do Ministério Público e à Ordem dos Advogados.
Estes serão publicados na página da iniciativa na Internet e disponíveis para consulta pública.
VI. Avaliação prévia de impacto
Avaliação sobre impacto de género
O preenchimento, pelo proponente, da ficha de avaliação prévia de impacto de género, em cumprimento do
disposto na Lei n.º 4/2018, de 9 de fevereiro, devolve como resultado uma valoração positiva do impacto de
género.
Avaliação linguagem não discriminatória
Na elaboração dos atos normativos a especificação de género deve ser minimizada recorrendo-se, sempre
que possível, a uma linguagem neutra ou inclusiva, mas sem colocar em causa a clareza do discurso. A presente
iniciativa não nos suscita questões relacionadas com a utilização de linguagem discriminatória.
VII. Enquadramento bibliográfico
FIGUEIREDO, Pedro Raposo de – A residência alternada no quadro do atual regime de exercício das
responsabilidades parentais: a questão (pendente) do acordo dos progenitores. Julgar. Lisboa. ISSN 1646-
6853. N.º 33 (set./dez. 2017), p. 89-108. Cota: RP-257.
Resumo: «O artigo toma partido na discussão em torno da possibilidade de adoção de um modelo de
residência alternada em casos de divórcio/separação, à margem do acordo dos progenitores. Apresenta-se uma
solução que pretende evidenciar as vantagens da aplicação de tal modelo e a sua conformação legal, sempre
na mira do superior interesse da criança, dando enfoque à evolução sociológica verificada na sociedade
portuguesa nas últimas décadas, em especial ao nível da relação familiar, e desmistificando, com recurso a
dados científicos recolhidos na psicologia, pediatria e pedopsiquiatria, as ideias e conceitos que tradicionalmente
têm inviabilizado a sua utilização na prática judiciária.»
LEITE, André Lamas – O art. 1906.º do Código Civil e a (in)admissibilidade do regime de guarda (e residência)
alternadas dos menores. Revista do Ministério Público. Lisboa. ISSN 0870-6107. N.º 151 (jul./set. 2017), p.
65-81. Cota: RP-179.
Resumo: «O artigo analisa a possibilidade legal de o art. 1906.º do CC admitir o regime de guarda e
residência alternadas dos menores, em caso de qualquer das formas de ruptura da vida em conjunto dos seus
15 Como por exemplo no caso B4/2005/1235 ou no caso [2012] EWCA Civ 1434.
Página 151
11 DE DEZEMBRO DE 2019
151
progenitores, dialogando com as normas constitucionais pertinentes. Por outro lado, estuda-se igualmente a
existência ou não de uma preferência legal do ordenamento jurídico quanto à dita guarda alternada.»
MATOS, Ricardo Jorge Bragança de – A «presunção jurídica de residência alternada» e a tutela do superior
interesse da criança. Revista do Ministério Público. Lisboa. ISSN 0870-6107. N.º 156 (out./dez. 2018), p. 123-
155. Cota: RP-179.
Resumo: «O texto analisa criticamente a proposta apresentada no Parlamento, através de petição, de
alteração do regime jurídico do exercício das responsabilidades parentais em caso de ruptura da conjugalidade,
visando a consagração legal de uma presunção de fixação à criança de residência alternada junto de ambos os
progenitores, confrontando-a com o regime vigente, com a jurisprudência e com a produção doutrinária,
avaliando se a mesma comporta, ou não, uma evolução no sentido de maior tutela do interesse da criança.»
UMA FAMÍLIAparental, duas casas [Em linha]: residência alternada: dinâmicas e práticas sociais.
Lisboa: Edições Sílabo, 2017. 266 p. [Consult. 19 nov. de 2019]. Disponível na intranet da AR em: http://catalogobib.parlamento.pt/ipac20/ipac.jsp?&profile=bar&uri=full=3100024~!129158~!0>. ISBN 978-972- 618-872-8. Resumo: Este livro debruça-se «sobre as famílias formadas pelo divórcio e pela separação e as suas crianças. Tem como foco específico as famílias de residência alternada, definidas como aquelas em que a criança reside alternadamente com a mãe e com o pai (33 a 50% do tempo) e em que esta beneficia, no quadro da partilha de responsabilidades parentais legais, da constância do envolvimento parental pleno de ambos os progenitores no seu dia-a-dia. É uma obra alicerçada em dois propósitos: […] atender à necessidade de produção e divulgação de conhecimento atualizado e devidamente fundamentado, tanto no plano teórico como no empírico, sobre as famílias pós-divórcio e separação e, em particular, sobre a residência alternada na sociedade portuguesa; e contribuir para a transformação do modo como a atribuição legal da residência alternada é encarada nos planos político-legislativo e profissional. A relevância de tais propósitos inscreve-se na necessidade de legitimar socialmente as práticas de residência alternada na sociedade portuguesa, principalmente no plano institucional. Na realidade, as famílias e as crianças sobre as quais nos debruçamos são praticamente invisíveis em Portugal, pois não figuram nas estatísticas oficiais e têm sido pouco estudadas. Por isso, muito do que se pressupõe, escreve e decide sobre estas famílias assenta em fundamentos meramente subjetivos e ideológicos, tendo como consequência a persistente aplicação do regime de residência única com um progenitor e visitas de curta duração ao outro, apesar de este regime estar cada vez mais desajustado da realidade da maioria das famílias contemporâneas. De facto, priva a criança do igual envolvimento próximo e significativo de mãe e pai no seu dia-a-dia, por um lado, e veda o acesso de um dos progenitores (em regra, o pai) ao exercício pleno e responsável da parentalidade, alimentando desigualdades entre os sexos no envolvimento parental, por outro lado. Esta é uma situação sobre a qual é necessário lançar um amplo debate na sociedade portuguesa.» […] A obra está dividida «em duas partes, que correspondem a duas grandes linhas temáticas. A primeira debruça-se sobre o bem-estar da criança, a parentalidade partilhada e a diversidade familiar moldadas pelo divórcio e pela separação. A segunda aborda a legislação que instituiu normas de parentalidade partilhada e a sua aplicação.» ——— PROJETO DE LEI N.º 117/XIV/1.ª [ALARGA O ACESSO À NATURALIZAÇÃO ÀS PESSOAS NASCIDAS EM TERRITÓRIO PORTUGUÊS APÓS O DIA 25 DE ABRIL DE 1974 E ANTES DA ENTRADA EM VIGOR DA LEI DA NACIONALIDADE (PROCEDE À NONA ALTERAÇÃO À LEI N.º 37/81, DE 3 DE OUTUBRO)] Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e nota técnica elaborada pelos serviços de apoio
Página 152
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
152
Parecer
PARTE I – CONSIDERANDOS
I. a) Nota introdutória
O Projeto de Lei n.º 117/XIV/1.ª,subscrito pelas Deputadas e Deputado do PAN, deu entrada na Assembleia
da República, em 22 de novembro de 2019, e foi admitido e distribuído, em 26 de novembro de 2019, à Comissão
de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, para emissão de parecer, nos termos do n.º 1 do
artigo 129.º do Regimento da Assembleia da República (RAR).
Encontram-se cumpridos os requisitos formais previstos no n.º 1 do artigo 119.º, no n.º 1 do artigo 123.º, bem
como no n.º 1 do artigo 124.º do RAR.
I. b) Objeto, motivação e conteúdo
A iniciativa legislativa em apreço pretende introduzir uma alteração ao artigo 6.º da Lei da Nacionalidade,
aprovada pela Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, e alterada pela Lei n.º 25/2004, de 19 de agosto, pelo Decreto-Lei
n.º 322-A/2001, de 14 de dezembro, e pelas Leis Orgânicas n.os 1/2004, de 15 de janeiro, 2/2006, de 17 de abril,
1/2013, de 29 de julho, 8/2015, de 22 de junho, 9/2015, de 29 julho e 2/2018, de 5 de julho.
Na respetiva exposição de motivos, referem os proponentes que, apesar das alterações introduzidas pela
Lei Orgânica n.º 2/2018, de 5 de julho, na Lei da Nacionalidade, é necessária uma discussão no quadro da
Assembleia da República sobre a «melhoria de aspetos não-estruturais da Lei da Nacionalidade»,pelo que
apresenta o presente projeto de lei no sentido de «englobar todos os nascidos em território português, como tal
considerando Portugal Continental e Regiões Autónomas, a partir de 1974.»
Justificam a sua iniciativa com a necessidade de «assegurar a correção de uma situação de injustiça que
existe relativamente a um conjunto de cidadãos, nomeadamente afrodescendentes, nascidos em território
nacional, entre 1974 e antes da entrada em vigor da Lei da Nacionalidade, a quem a lei não são reconheceu o
direito à nacionalidade portuguesa.»
Refere o preponente, na sua exposição de motivos, que «tal situação foi causada pelo Decreto-Lei n.º 308-
A/75, de 24 de junho, que, embora tenha salvaguardado alguns casos, determinou ope legis a perda de
nacionalidade para os indivíduos nascidos ou domiciliados nas ex-colónias, sem que se tivesse tido em conta
as suas motivações e ligações efetivas com Portugal.»
O projeto de lei em apreço visa, assim, uma alteração ao artigo 6.º da Lei da Nacionalidade, para consagrar
o direito à naturalização, com dispensa de qualquer exigência relativa à residência em território nacional, de
todos estrangeiros nascidos em território nacional, entre o dia 25 de abril de 1974 e o dia de entrada em vigor
da Lei da Nacionalidade, e a quem não foi atribuída a nacionalidade originária, desde que no momento do seu
nascimento o progenitor tivesse residência permanente em Portugal, independentemente do título, e não se
encontrasse ao serviço do respetivo Estado.
Do ponto de vista sistemático, o projeto de lei é composto por 5 artigos que tratam do respetivo objeto (artigo
1.º), da alteração à Lei da Nacionalidade (artigo 2.º), da previsão das alterações ao Regulamento da
Nacionalidade pelo Governo, no prazo de 90 dias (artigo 3.º), da republicação (artigo 4.º) e da entrada em vigor
no dia seguinte ao da publicação (artigo 5.º).
Assim, o artigo 6.º da Lei n.º 37/81, de 3 de outubro é alterado da seguinte forma:
«Artigo 6.º
[...]
1 – ................................................................................................................................................................... :
a) ..................................................................................................................................................................... ;
Página 153
11 DE DEZEMBRO DE 2019
153
b) ..................................................................................................................................................................... ;
c) ..................................................................................................................................................................... ;
d) ..................................................................................................................................................................... ;
e) ..................................................................................................................................................................... .
2 – ................................................................................................................................................................... .
3 – ................................................................................................................................................................... .
4 – (Revogado pela Lei Orgânica n.º 9/2015, de 29 de julho).
5 – ................................................................................................................................................................... .
6 – ................................................................................................................................................................... .
7 – ................................................................................................................................................................... .
8 – ................................................................................................................................................................... .
9 – O Governo concede a nacionalidade, por naturalização, com dispensa do requisito estabelecido na alínea
b) do n.º 1, aos nascidos em Portugal Continental ou nas Regiões Autónomas, após o dia 25 de Abril de 1974 e
antes da entrada em vigor da presente lei, filhos de estrangeiros que, independentemente do título, tivessem
residência permanente no território português ao tempo do nascimento e que não se encontrassem ao serviço
do respetivo Estado, aos quais não tenha sido atribuída nacionalidade originária.
10 – (Anterior n.º 9).
11 – (Anterior n.º 10).»
No que concerne ao conceito de residência permanente do progenitor, importa articular com o disposto no
regime jurídico de entrada e residência de estrangeiros no território nacional, em particular com a Lei n.º 23/2007,
de 4 de julho, com as alterações introduzidas, por último, pela Lei n.º 28, 2019, de 5 de julho.
De um ponto de vista técnico-legislativo, salienta-se a necessidade de aperfeiçoamento do título em
conformidade com os requisitos da Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, conforme sugerido na nota técnica dos
serviços da Assembleia da República (p. 15).
A Lei da Nacionalidade que a iniciativa visa alterar reveste a forma de lei orgânica (artigo 166.º, n.º 2, da
CRP), pelo que deve ser objeto de republicação integral, nos termos do n.º 2 do artigo 6.º da Lei n.º 74/98, de
11 de novembro, como é salientado na nota técnica dos serviços da Assembleia da República (p.14).
A matéria objeto da iniciativa enquadra-se no âmbito da reserva absoluta de competência legislativa da
Assembleia da República (alínea f) do artigo 164.º CPR) e reveste a forma de lei orgânica (n.º 2 do artigo 166.º
da CRP), pelo que deve ser votada na especialidade pelo plenário da Assembleia da República e aprovada, na
votação final global, por maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções (n.º 4 e 5 do artigo 168.º da
CRP), que será realizada com recurso ao voto eletrónico (artigo 94.º do RAR).
Finalmente, conforme salientado na nota técnica da responsabilidade dos serviços da Assembleia da
República, em caso de aprovação, deve ser observado o disposto no n.º 5 do artigo 278.º da CRP: «O Presidente
da Assembleia da República, na data em que enviar ao Presidente da República decreto que deva ser
promulgado como lei orgânica, dará disso conhecimento ao Primeiro-Ministro e aos grupos parlamentares da
Assembleia da República».
I. c) Enquadramento constitucional e legal
O projeto de lei em apreço visa, essencialmente, proceder à nona alteração à Lei da Nacionalidade, aprovada
pela Lei n.º 37/81, de 3 de outubro.
A matéria atinente à atribuição, aquisição e perda da nacionalidade encontra o seu enquadramento na
Constituição da República Portuguesa, no direito internacional público, no direito da União Europeia e na lei.
A este propósito, importa referir o preceituado no artigo 4.º da CRP:
Página 154
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
154
«Artigo 4.º
Cidadania portuguesa
São cidadãos portugueses todos aqueles que como tal sejam considerados pela lei ou por convenção
internacional.»
Compete, assim, ao legislador definir os critérios de atribuição ou aquisição da nacionalidade portuguesa (o
vínculo jurídico que liga uma pessoa ao Estado), definindo assim quem deve ou pode ser considerado português
ou portuguesa.
Em relação à densificação dos critérios ou pressupostos que permitem a atribuição ou a aquisição da
nacionalidade portuguesa, salienta-se a pertinência de outros preceitos constitucionais (como por exemplo, o
artigo 13.º CRP, princípio da igualdade), dos princípios do direito internacional público (como por exemplo, o
princípio da nacionalidade efetiva) ou daqueles que derivam da integração de Portugal na União Europeia (como
por exemplo, o princípio da lealdade comunitária).
Quanto ao direito internacional público, refira-se o artigo 3.º da Convenção Europeia da Nacionalidade,
aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 19/2000, de 6 de março, e ratificada
pelo Decreto do Presidente da República n.º 7/2000, de 6 de março.
Artigo 3.º
Competência do Estado
1 – Cada Estado determinará quem são os seus nacionais nos termos do seu direito interno.
2 – Tal direito será aceite por outros Estados na medida em que seja consistente com as convenções
internacionais aplicáveis, com o direito internacional consuetudinário e com os princípios legais geralmente
reconhecidos no tocante à nacionalidade.
De entre os princípios do direito internacional que o Estado deve observar na sua tarefa de determinar quem
são as pessoas que com ele têm o vínculo jurídico da nacionalidade, para que o vínculo jurídico da nacionalidade
possa ser aceite por outros Estados, avulta o princípio da nacionalidade efetiva, considerado, no plano interno,
pelo Tribunal Constitucional, como a «base e fundamento do estabelecimento da cidadania» (Cfr. Acórdão n.º
106/2016). De acordo com este princípio, e na formulação do Tribunal Internacional de Justiça no seu acórdão
Nottebohm (6 de abril de 1955), a nacionalidade é um vínculo jurídico que deve ter por base a existência de uma
conexão ou relação de pertença social genuína entre o individuo e o Estado que com ele estabelece o vínculo
jurídico da nacionalidade.
Em relação ao Direito da União Europeia, convoca-se o estabelecido no n.º 1 do artigo 20.º do Tratado sobre
o Funcionamento da União Europeia (TFUE): «É instituída a cidadania da União. É cidadão da União qualquer
pessoa que tenha a nacionalidade de um Estado-Membro. A cidadania da União acresce à cidadania nacional
e não a substitui».
Por força do direito da União Europeia, ao estatuto de cidadão da União Europeia, que deriva
automaticamente do estabelecimento do vínculo jurídico da nacionalidade portuguesa, são associados
importantes direitos, que hoje revestem a natureza de direitos fundamentais garantidos pelo direito da União
Europeia, como por exemplo, o direito de circular e permanecer livremente no território dos outros Estados-
Membros da União Europeia (artigo 21.º do TFUE e artigo 45.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União
Europeia). A este propósito, cumpre citar, o Tribunal Constitucional, que no seu Acórdão n.º 106/2016,
considerou que «esta específica configuração da cidadania da União Europeia, derivando da cidadania nacional
dos Estados-Membros, não deixa de se refletir na relevância que assume — ao menos indiretamente — para
os que pretendam adquirir a nacionalidade portuguesa, enquanto condição (ou qualidade) sine qua non de
acesso ao específicoo estatuto de cidadania europeia.»
Página 155
11 DE DEZEMBRO DE 2019
155
Num outro ângulo, embora seja competência do legislador nacional definir as condições de aquisição e de
perda de nacionalidade, esta matéria é, pela sua natureza e pelas suas consequências, abrangida pelo direito
da União Europeia, pelo que deve, de acordo com a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça da União
Europeia, respeitar o direito da União Europeia (ver, entre outros, acórdão Tjebes, proc. C-221/17, de 12 de
março de 2019, no qual o tribunal também deu relevância ao princípio de que a nacionalidade traduz um vínculo
genuíno entre o Estado e os seus nacionais).
Em sede de consequências imediatas da atribuição ou aquisição da nacionalidade portuguesa, cumpre, ainda
referir, o direito absoluto de um cidadão nacional a não ser expulso do território nacional (n.º 1 do artigo 33.º da
CRP) e o direito a não ser extraditado para efeitos de perseguição criminal ou cumprimento de pena, salvo nos
casos de terrorismo e de criminalidade internacional organizada, desde que existam condições de reciprocidade
estabelecidas em convenção internacional e «desde que a ordem jurídica do Estado requisitante consagre
garantias de um processo justo e equitativo» (n.º 3 do artigo 33.º CRP).
Tendo em consideração que o PAN, na exposição de motivos, invoca o Decreto-Lei n.º 308-A/75, de 24 de
junho, para justificar a alteração pretendida, cumpre destacar os seus artigos 1.º e 2.º:
«Artigo 1.º
1 – Conservam a nacionalidade os seguintes portugueses domiciliados em território ultramarino tornado
independente:
a) Os nascidos em Portugal continental e nas ilhas adjacentes;
b) Até à independência do respetivo território, os nascidos em território ultramarino ainda sob administração
portuguesa;
c) Os nacionalizados;
d) Os nascidos no estrangeiro de pai ou mãe nascidos em Portugal ou nas ilhas adjacentes ou de
naturalizados, assim como, até à independência do respetivo território, aqueles cujo pai ou mãe tenham nascido
em território ultramarino ainda sob administração portuguesa;
e) Os nascidos no antigo Estado da Índia que declarem querer conservar a nacionalidade portuguesa;
f) A mulher casada com, ou viúva ou divorciada de português dos referidos nas alíneas anteriores e os filhos
menores deste.
2 – Os restantes descendentes até ao terceiro grau dos portugueses referidos nas alíneas a), c), d), primeira
parte, e e) do número anterior conservam também a nacionalidade portuguesa, salvo se, no prazo de dois anos,
a contar da data da independência, declararem por si, sendo maiores ou emancipados, ou pelos seus legais
representantes, sendo incapazes, que não querem ser portugueses.
Artigo 2.º
1 – Conservam igualmente a nacionalidade portuguesa os seguintes indivíduos:
a) Os nascidos em território ultramarino tornado independente que estivessem domiciliados em Portugal
continental ou nas ilhas adjacentes há mais de cinco anos em 25 de abril de 1974;
b) A mulher e os filhos menores dos indivíduos referidos na alínea anterior.
2. Os indivíduos referidos no número anterior poderão optar, no prazo de dois anos a contar da data da
independência, pela nova nacionalidade que lhes venha a ser atribuída.»
Realça-se, ainda, o disposto na Lei n.º 2098, de 29 de julho de 2059, que vigorou até ao dia 8 de outubro de
1981, data da entrada em vigor da Lei n.º 37/81. De acordo com o n.º 1 da Base I, nacionalidade portuguesa era
atribuída, por mero efeito da lei, a todos os que nasceram em território português e fossem «filhos de pai apátrida,
de nacionalidade desconhecida ou incógnitos» [alínea c)], aos «filhos de pais estrangeiro, salvo se este estiver
em território português ao serviço do Estado a que pertence» [alínea d)] e aos «filhos de mãe estrangeira, se o
Página 156
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
156
pai for apátrida, de nacionalidade desconhecida ou incógnito, salvo se aquela estiver em território português ao
serviço do Estado a que pertence» [alínea e)].
A iniciativa em apreço pretende, assim, alterar as condições legais de aquisição da nacionalidade portuguesa
por naturalização, garantindo aos estrangeiros que nasceram em território nacional entre o dia 24 de abril de
1975 e a data de entrada em vigor da Lei da Nacionalidade (aprovada pela Lei n.º 37/81, de 3 de outubro), o
direito à naturalização com dispensa da sua residência em Portugal, desde que não lhes tenha sido atribuída a
nacionalidade originária e desde que no momento do nascimento o progenitor tivesse residência permanente
em Portugal e não estivesse ao serviço do seu Estado.
Portanto, esta alteração incide no 6.º da Lei da Nacionalidade, cuja redação atual é a seguinte:
«Artigo 6.º
Requisitos
1 – O Governo concede a nacionalidade portuguesa, por naturalização, aos estrangeiros que satisfaçam
cumulativamente os seguintes requisitos:
a) Serem maiores ou emancipados à face da lei portuguesa;
b) Residirem legalmente no território português há pelo menos cinco anos;
c) Conhecerem suficientemente a língua portuguesa;
d) Não tenham sido condenados, com trânsito em julgado da sentença, com pena de prisão igual ou superior
a 3 anos;
e) Não constituam perigo ou ameaça para a segurança ou a defesa nacional, pelo seu envolvimento em
atividades relacionadas com a prática do terrorismo, nos termos da respetiva lei.
2 – O Governo concede a nacionalidade, por naturalização, aos menores, nascidos no território português,
filhos de estrangeiros, desde que preencham os requisitos das alíneas c), d) e e) do número anterior e desde
que, no momento do pedido, se verifique uma das seguintes condições:
a) Um dos progenitores aqui tenha residência, independentemente de título, pelo menos durante os cinco
anos imediatamente anteriores ao pedido;
b) O menor aqui tenha concluído pelo menos um ciclo do ensino básico ou o ensino secundário.
3 – Tratando-se de criança ou jovem com menos de 18 anos, acolhidos em instituição pública, cooperativa,
social ou privada com acordo de cooperação com o Estado, na sequência de medida de promoção e proteção
definitiva aplicada em processo de promoção e proteção, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 72.º da Lei de
Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada em anexo à Lei n.º 147/99, de 1 de setembro, cabe ao
Ministério Público promover o respetivo processo de naturalização com dispensa das condições referidas no
número anterior.
4 – O Governo concede a naturalização, com dispensa dos requisitos previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1,
aos indivíduos que tenham tido a nacionalidade portuguesa e que, tendo-a perdido, nunca tenham adquirido
outra nacionalidade.
5 – O Governo concede a nacionalidade, por naturalização, com dispensa do requisito estabelecido na alínea
b) do n.º 1, aos indivíduos que satisfaçam cumulativamente os seguintes requisitos:
a) Tenham nascido em território português;
b) Sejam filhos de estrangeiro que aqui tivesse residência, independentemente de título, ao tempo do seu
nascimento;
c) Aqui residam, independentemente de título, há pelo menos cinco anos.
6 – O Governo pode conceder a naturalização, com dispensa dos requisitos previstos nas alíneas b) e c) do
n.º 1, aos indivíduos que, não sendo apátridas, tenham tido a nacionalidade portuguesa, aos que forem havidos
como descendentes de portugueses, aos membros de comunidades de ascendência portuguesa e aos
Página 157
11 DE DEZEMBRO DE 2019
157
estrangeiros que tenham prestado ou sejam chamados a prestar serviços relevantes ao Estado Português ou à
comunidade nacional.
7 – O Governo pode conceder a nacionalidade por naturalização, com dispensa dos requisitos previstos nas
alíneas b) e c) do n.º 1, aos descendentes de judeus sefarditas portugueses, através da demonstração da
tradição de pertença a uma comunidade sefardita de origem portuguesa, com base em requisitos objetivos
comprovados de ligação a Portugal, designadamente apelidos, idioma familiar, descendência direta ou colateral.
8 – O Governo pode conceder a nacionalidade, por naturalização, com dispensa do requisito estabelecido
na alínea b) do n.º 1, aos indivíduos que sejam ascendentes de cidadãos portugueses originários, aqui tenham
residência, independentemente de título, há pelo menos cinco anos imediatamente anteriores ao pedido e desde
que a ascendência tenha sido estabelecida no momento do nascimento do cidadão português.
9 – O conhecimento da língua portuguesa referido na alínea c) do n.º 1 presume-se existir para os
requerentes que sejam naturais e nacionais de países de língua oficial portuguesa.
10 – A prova da inexistência de condenação, com trânsito em julgado da sentença, com pena de prisão igual
ou superior a 3 anos referida na alínea d) do n.º 1 faz-se mediante a exibição de certificados de registo criminal
emitidos:
a) Pelos serviços competentes portugueses;
b) Pelos serviços competentes do país do nascimento, do país da nacionalidade e dos países onde tenha
tido residência, desde que neles tenha tido residência após completar a idade de imputabilidade penal.»
Relativamente à XIII Legislatura, cumpre salientar as seguintes iniciativas legislativas sobre a mesma
matéria:
– Projeto de Lei n.º 364/XIII (PSD) – Altera a Lei n.º 37/81 (Lei da Nacionalidade);
– Projeto de Lei n.º 390/XIII (BE) – Altera a Lei da Nacionalidade, aprovada pela Lei n.º 37/81, de 3 de outubro,
e o regulamento emolumentar dos registos e notariado, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 322-A/2001, de 14 de
dezembro;
– Projeto de Lei n.º 428/XIII (PCP) – Nona alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro (Lei da Nacionalidade);
– Projeto de Lei n.º 548/XIII (PAN) – Altera a Lei da Nacionalidade;
– Projeto de Lei n.º 544/XIII (PS) – Oitava alteração à Lei da Nacionalidade, aprovada pela Lei n.º 37/81, de
3 de outubro, alterada pela Lei n.º 25/94, de 19 de agosto, pelo Decreto-Lei n.º 322-A/2001, de 14 de dezembro,
e pelas Leis Orgânicas n.º 1/2004, de 15 de janeiro, n.º 2/2006, de 17 de abril, n.º 1/2013, de 29 de julho, n.º
8/2015, de 22 de junho e n.º 9/2015, de 29 de julho.
Estas iniciativas, deram origem à Lei Orgânica n.º 2/2018, de 5 de julho.
– Projeto de Lei n.º 479/XIII (CDS-PP) – Determina a perda da nacionalidade portuguesa, por parte de quem
seja também nacional de outro Estado, em caso de condenação pela prática do crime de terrorismo (8.ª alteração
à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro – Lei da Nacionalidade) – rejeitado na generalidade em 19 de maio de 2017,
com votos contra do PS, do BE, do PCP, do PEV, do PAN, a favor do CDS-PP e a abstenção do PSD.
Na anterior legislatura, registam-se as seguintes petições, de apreciação já concluída:
– Petição n.º 618/XIII/4.ª Solicitam a alteração de alguns critérios de concessão de nacionalidade portuguesa.
– Petição n.º 617/XIII/4.ª Solicitam a concessão de nacionalidade portuguesa a cidadãos originários de países
colonizados por Portugal com 2 anos de residência no país.
– Petição n.º 590/XIII/4.ª Solicitam a revisão da interpretação que Portugal faz do artigo 5.º da Convenção
Europeia sobre a Nacionalidade.
– Petição n.º 576/XIII/4.ª Solicitam a atribuição de nacionalidade portuguesa a cidadãos oriundos de países
colonizados com 2 anos de residência.
– Petição n.º 390/XIII/3.ª – Solicita a alteração da Lei da Nacionalidade em matéria de
reconhecimento da nacionalidade originária aos filhos de imigrantes.
Página 158
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
158
I. d) Iniciativas pendentes
Encontram-se pendentes, para apreciação em fase de generalidade, os seguintes Projetos de Lei, com
incidência no mesmo regime jurídico:
– Projeto de Lei n.º 126/XIV//1.ª (L) – Nona alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro (Lei da Nacionalidade),
que entrou no dia 26 de novembro de 2019 e, no dia 28 de novembro, foi admitido e distribuído à Comissão de
Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias;
– Projeto de Lei n.º 118/XIV//1.ª (PCP) – Alarga a aplicação do princípio do jus soli na Lei da Nacionalidade
Portuguesa (Nona alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, que aprova a Lei da Nacionalidade), que entrou
no dia 22 de novembro de 2019 e, no dia 26 de novembro, foi admitido e distribuído à Comissão de Assuntos
Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias;
– Projeto de Lei n.º 3/XIV/1.ª (BE) – Altera a Lei da Nacionalidade e o Regulamento Emolumentar dos
Registos e Notariados (Nona alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro e trigésima quarta alteração ao Decreto-
Lei n.º 322-A/2001, de 14 de dezembro), que entrou no dia 25 de outubro de 2019 e, no dia 6 de novembro, foi
admitido e distribuído à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
Está agendada a discussão na generalidade de todas estas iniciativas legislativas conjuntamente com a que
é objeto do presente parecer para a sessão plenária de 11 de dezembro de 2019.
I. e) Consultas
No dia 27 de novembro de 2019, foram solicitados, pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos,
Liberdades e Garantias, pareceres ao Conselho Superior de Magistratura, ao Conselho Superior do Ministério
Público e à Ordem dos Advogados, que, na presente data, ainda não foram recebidos.
PARTE II – OPINIÃO DA AUTORA
A autora do presente parecer reserva a sua opinião sobre a iniciativa legislativa em apreço, nos termos do
disposto no n.º 3 do artigo 137.º do RAR.
PARTE III – CONCLUSÕES
1. As Deputadas e o Deputado do Grupo Parlamentar do PAN apresentaram à Assembleia da República o
Projeto de Lei n.º 117/XIV/1.ª – Alarga o acesso à naturalização às pessoas nascidas em território português
após o dia 25 de abril de 1974 e antes da entrada em vigor da Lei da Nacionalidade (procede à nona alteração
à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro);
2. Esta iniciativa visa consagrar o direito à naturalização dos estrangeiros nascidos entre o dia 25 de Abril
de 1974 e o dia da entrada em vigor da Lei da Nacionalidade, dispensando a sua residência em Portugal, desde
que não lhes tenha sido atribuída a nacionalidade originária e desde que no momento do nascimento o progenitor
tivesse residência permanente em Portugal e não estivesse ao serviço do seu Estado;
3. O Projeto de Lei n.º 117/XIV/1.ª cumpre os requisitos formais previstos no n.º 1 do artigo 119.º, no n.º 1
do artigo 123.º, bem como no n.º 1 do artigo 124.º do RAR;
4. Face ao exposto, e nada havendo a obstar, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades
e Garantias é de parecer que o Projeto de Lei n.º 117/XIV/1.ª reúne os requisitos constitucionais e regimentais
para ser discutido e votado em plenário.
Página 159
11 DE DEZEMBRO DE 2019
159
Palácio de São Bento, 9 de dezembro de 2019.
A Deputada relatora, Constança Urbano de Sousa — O Presidente da Comissão, Luís Marques Guedes.
Nota: As partes I e III do parecer foram aprovadas com os votos a favor do PS, do PSD, do BE, do PCP, a
abstenção do DURP do L, tendo-se verificado a ausência do CDS-PP, do PAN e do DURP do CH, na reunião
da Comissão de 11 de dezembro de 2019.
PARTE IV – ANEXOS
Nota técnica.
Nota Técnica
Projeto de Lei n.º 117/XIV (PAN)
Alarga o acesso à naturalização às pessoas nascidas em território português após o dia 25 de Abril
de 1974 e antes da entrada em vigor da Lei da Nacionalidade (procede à nona alteração à Lei n.º 37/81,
de 3 de outubro).
Data de admissão: 26 de novembro de 2019.
Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (1.ª).
Índice
I. Análise da iniciativa
II. Enquadramento parlamentar
III. Apreciação dos requisitos formais
IV. Análise de direito comparado
V. Consultas e contributos
VI. Avaliação prévia de impacto
VIII. Enquadramento bibliográfico
Elaborada por: Paula Faria (BIB), Luísa Colaço e Nuno Amorim (DILP), Rafael Silva (DAPLEN) e Nélia Monte Cid (DAC).
Data: 2 de dezembro de 2019.
I. Análise da iniciativa
A iniciativa
Através do presente projeto de lei, as Deputadas e os Deputados do PAN propõem a alteração do artigo 6.º
da Lei da Nacionalidade (aprovada pela Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, e alterada pela Lei n.º 25/2004, de 19 de
agosto, pelo Decreto-Lei n.º 322-A/2001, de 14 de dezembro, e pelas Leis Orgânicas n.os 1/2004, de 15 de
janeiro, 2/2006, de 17 de abril, 1/2013, de 29 de julho, 8/2015, de 22 de junho, 9/2015, de 29 julho e 2/2018, de
5 de julho), no sentido de ver alargado o acesso à aquisição da nacionalidade por naturalização às pessoas
nascidas em território português após o 25 de abril de 1974 e até à entrada em vigor da referida Lei da
Nacionalidade.
Página 160
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
160
Consideram os proponentes que, apesar do reconhecimento internacional de Portugal como Estado com um
dos modelos mais favoráveis do mundo para aquisição da nacionalidade e mau grado as recentes alterações
da Lei da Nacionalidade, operadas pela Lei Orgânica n.º 2/2018, de 5 de julho, que alargou o acesso à
naturalização às pessoas nascidas em território português, «existem alguns aspetos não-estruturais da Lei da
Nacionalidade que podem ser melhorados», que consideram poder ser concretizados na atual Legislatura,
atentos os programas eleitorais sufragados e o próprio Programa do Governo.
Assim, defendendo a necessidade «de se abrir uma discussão política e técnica no quadro da assembleia
da República» sobre tais questões, os proponentes apresentam, em concretização do seu programa eleitoral, a
proposta de correção de uma situação que reputam de injusta, e que se prende com a necessidade de permitir
a todos os nascidos em território português – Portugal continental e regiões autónomas – a partir de 25 de abril
de 1974, a aquisição da nacionalidade. Estão em causa, segundo os proponentes, um conjunto de cidadãos,
nomeadamente afrodescendentes, nas referidas condições, a quem a lei «não reconheceu o direito à
nacionalidade portuguesa», por força da aplicação do Decreto-Lei n.º 308-A/75, de 24 de junho, que determinou
a perda da nacionalidade para os indivíduos nascidos ou domiciliados nas ex-colónias, sem que se tivesse tido
em conta a sua efetiva ligação a Portugal. Sublinham que tal gerou uma «situação socialmente delicada», por
ter conduzido, em muitos casos, a situações de falta de documentação e ostracização desses cidadãos.
Alegam que a correção de tal injustiça histórica não seria inédita, sendo exemplo de reconhecimento de erro
histórico a alteração legislativa operada pela Lei Orgânica n.º 1/2013, de 29 de julho (acesso à nacionalidade
por naturalização, com dispensa de requisitos, aos descendentes de judeus sefarditas portugueses).
Propõem, por isso a alteração do artigo 6.º da Lei da Nacionalidade, no sentido de a este ser aditado um
novo n.º 9, dispensando do requisito da residência legal no território português há pelo menos cinco anos,os
requerentes de nacionalidade, por naturalização, nascidos em Portugal continental ou nas regiões autónomas,
após o dia 25 de abril de 1974 e antes da entrada em vigor da lei, filhos de estrangeiros que, independentemente
do título, tivessem residência permanente no território português ao tempo do nascimento e que não se
encontrassem ao serviço do respetivo Estado, aos quais não tenha sido atribuída nacionalidade originária.
A iniciativa dispõe ainda, em artigos finais, sobre a necessidade de regulamentação, pelo Governo, das
alterações a introduzir pela lei, a sua republicação e determinando a sua entrada em vigor no dia seguinte ao
da sua publicação.
Para melhor compreensão da alteração proposta, apresenta-se o seguinte quadro comparativo da alteração
proposta à norma em vigor:
Lei da Nacionalidade Projeto de Lei n.º 117/XIV/1.ª
Artigo 6.º
Requisitos
1 – O Governo concede a nacionalidade portuguesa, por naturalização, aos estrangeiros que satisfaçam cumulativamente os seguintes requisitos:
a) Serem maiores ou emancipados à face da lei portuguesa; b) Residirem legalmente no território português há pelo menos cinco anos; c) Conhecerem suficientemente a língua portuguesa; d) Não tenham sido condenados, com trânsito em julgado da sentença, com pena de prisão igual ou superior a 3 anos; e) Não constituam perigo ou ameaça para a segurança ou a defesa nacional, pelo seu envolvimento em atividades relacionadas com a prática do terrorismo, nos termos da respetiva lei.
2 – O Governo concede a nacionalidade, por naturalização, aos menores, nascidos no território português, filhos de estrangeiros, desde que preencham os requisitos das alíneas c), d) e e) do número anterior e desde que, no momento do pedido, se verifique uma das seguintes condições:
Artigo 6.º
(…)
1 – (…):
a) (…); b) (…); c) (…); d) (…); e) (…).
2– (…).
Página 161
11 DE DEZEMBRO DE 2019
161
Lei da Nacionalidade Projeto de Lei n.º 117/XIV/1.ª
a) Um dos progenitores aqui tenha residência, independentemente de título, pelo menos durante os cinco anos imediatamente anteriores ao pedido; b) O menor aqui tenha concluído pelo menos um ciclo do ensino básico ou o ensino secundário.
3 – Tratando-se de criança ou jovem com menos de 18 anos, acolhidos em instituição pública, cooperativa, social ou privada com acordo de cooperação com o Estado, na sequência de medida de promoção e proteção definitiva aplicada em processo de promoção e proteção, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 72.º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada em anexo à Lei n.º 147/99, de 1 de setembro, cabe ao Ministério Público promover o respetivo processo de naturalização com dispensa das condições referidas no número anterior. 4 – O Governo concede a naturalização, com dispensa dos requisitos previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1, aos indivíduos que tenham tido a nacionalidade portuguesa e que, tendo-a perdido, nunca tenham adquirido outra nacionalidade. 5 – O Governo concede a nacionalidade, por naturalização, com dispensa do requisito estabelecido na alínea b) do n.º 1, aos indivíduos que satisfaçam cumulativamente os seguintes requisitos:
a) Tenham nascido em território português; b) Sejam filhos de estrangeiro que aqui tivesse residência, independentemente de título, ao tempo do seu nascimento; c) Aqui residam, independentemente de título, há pelo menos cinco anos.
6 – O Governo pode conceder a naturalização, com dispensa dos requisitos previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1, aos indivíduos que, não sendo apátridas, tenham tido a nacionalidade portuguesa, aos que forem havidos como descendentes de portugueses, aos membros de comunidades de ascendência portuguesa e aos estrangeiros que tenham prestado ou sejam chamados a prestar serviços relevantes ao Estado Português ou à comunidade nacional. 7 – O Governo pode conceder a nacionalidade por naturalização, com dispensa dos requisitos previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1, aos descendentes de judeus sefarditas portugueses, através da demonstração da tradição de pertença a uma comunidade sefardita de origem portuguesa, com base em requisitos objetivos comprovados de ligação a Portugal, designadamente apelidos, idioma familiar, descendência direta ou colateral. 8 – O Governo pode conceder a nacionalidade, por naturalização, com dispensa do requisito estabelecido na alínea b) do n.º 1, aos indivíduos que sejam ascendentes de cidadãos portugueses originários, aqui tenham residência, independentemente de título, há pelo menos cinco anos imediatamente anteriores ao pedido e desde que a ascendência tenha sido estabelecida no momento do nascimento do cidadão português. 9 – O conhecimento da língua portuguesa referido na alínea c) do n.º 1 presume-se existir para os requerentes que sejam naturais e nacionais de países de língua oficial portuguesa.
3 – (…). 4 – (Revogado pela Lei Orgânica n.º 9/2015, de 29 de julho). 5 – (…).
6 – (…). 7 – (…). 8 – (…). 9 – O governo concede a nacionalidade, por naturalização, com dispensa do requisito estabelecido na alínea b) do n.º 1, aos nascidos em Portugal continental ou nas regiões autónomas, após o dia 25 de Abril de 1974 e antes da entrada em vigor da presente Lei, filhos de estrangeiros que, independentemente do título, tivessem residência permanente no território português ao tempo do nascimento e que não se encontrassem ao serviço do respectivo Estado, aos quais não tenha sido atribuída nacionalidade originária. 10 – (Anterior n.º 9).
Página 162
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
162
Lei da Nacionalidade Projeto de Lei n.º 117/XIV/1.ª
10 – A prova da inexistência de condenação, com trânsito em julgado da sentença, com pena de prisão igual ou superior a 3 anos referida na alínea d) do n.º 1 faz-se mediante a exibição de certificados de registo criminal emitidos:
a) Pelos serviços competentes portugueses; b) Pelos serviços competentes do país do nascimento, do país da nacionalidade e dos países onde tenha tido residência, desde que neles tenha tido residência após completar a idade de imputabilidade penal.
11 – (anterior n.º 10).
Enquadramento jurídico nacional
Para a matéria em apreço neste projeto de lei releva, em especial, o artigo 4.º da Constituição da República
Portuguesa, segundo o qual «são cidadãos portugueses todos aqueles que como tal sejam considerados pela
lei ou por convenção internacional».
No plano da legislação ordinária, a Lei n.º 37/81, de 3 de outubro1 (Lei da Nacionalidade), na qual o projeto
de lei em apreço pretende introduzir uma alteração, foi modificada oito vezes, através da Lei n.º 25/94, de 19 de
agosto, do Decreto-Lei n.º 322-A/2001, de 14 de dezembro (na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 194/2003, de
23 de agosto)2 3 e das Leis Orgânicas n.os 1/2004, de 15 de janeiro, 2/2006, de 17 de abril , 1/2013, de 29 de
julho, 8/2015, de 22 de junho, 9/2015, de 29 de julho, e 2/2018, de 5 de julho, a qual procedeu à sua republicação.
A última alteração operada à Lei da Nacionalidade alargou o acesso à nacionalidade com base no critério do
jus soli, tanto na aquisição da nacionalidade originária como por adoção e naturalização.
A Lei da Nacionalidade atualmente em vigor veio revogar a Lei n.º 2098, de 29 de julho de 1959, a qual
previa, na sua Base I, que eram portugueses, desde que tivessem nascido em território português: os filhos de
pai português; os filhos de mãe portuguesa, se o pai for apátrida, de nacionalidade desconhecida ou incógnito;
os filhos de pais apátridas, de nacionalidade desconhecida ou incógnitos; os filhos de pai estrangeiro, salvo se
este estiver em território português ao serviço do Estado a que pertence; os filhos de mãe estrangeira, se o pai
for apátrida, de nacionalidade desconhecida ou incógnito, salvo se aquela estiver em território português ao
serviço do Estado a que pertence.
Por sua vez, o Decreto-Lei n.º 308-A/75, de 24 de junho4, que estabelecia normas sobre a conservação da
nacionalidade portuguesa pelos portugueses domiciliados em território ultramarino tornado independente,
tomando em consideração «que o acesso à independência dos territórios ultramarinos sob administração
portuguesa, em resultado do processo de descolonização em curso, vem criar, como facto saliente, a aquisição
da nova nacionalidade por parte de indivíduos que, até àquela data, tinham a nacionalidade portuguesa», prevê,
no seu artigo 1.º, que «Conservam a nacionalidade os seguintes portugueses domiciliados em território
ultramarino tornado independente: a) Os nascidos em Portugal continental e nas ilhas adjacentes; b) Até à
independência do respetivo território, os nascidos em território ultramarino ainda sob administração portuguesa;
c) Os nacionalizados; d) Os nascidos no estrangeiro de pai ou mãe nascidos em Portugal ou nas ilhas adjacentes
ou de naturalizados, assim como, até à independência do respetivo território, aqueles cujo pai ou mãe tenham
nascido em território ultramarino ainda sob administração portuguesa; e) Os nascidos no antigo Estado da Índia
que declarem querer conservar a nacionalidade portuguesa; f) A mulher casada com, ou viúva ou divorciada de,
português dos referidos nas alíneas anteriores e os filhos menores deste.» Também o artigo 2.º deste diploma
1 Versão consolidada retirada do portal oficial dre.pt. 2 Retificado pela Declaração de Retificação n.º 11-I/2003, de 30 de setembro. 3 A alteração introduzida por este diploma, traduzida na revogação do artigo 20.º da Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, dizia respeito à gratuitidade dos registos das declarações para a atribuição da nacionalidade portuguesa e os registos oficiosos, bem como os documentos necessários para uns e outros, não afetando a área de reserva absoluta de competência legislativa a que se refere a alínea f) do artigo 164.º da Constituição. 4 Entretanto, revogado pela Lei n.º 113/88, de 29 de dezembro.
Página 163
11 DE DEZEMBRO DE 2019
163
é direcionado para os nascidos nos então territórios ultramarinos e seus descendentes já existentes à data do
diploma.
Da análise da Lei n.º 2098, de 29 de julho de 1959, e do Decreto-Lei n.º 308-A/75, de 24 de junho, resulta a
conclusão de que ficam desprotegidos, em termos de atribuição da nacionalidade, os nascidos em Portugal
continental ou nas regiões autónomas entre o dia 25 de Abril de 1974 e a entrada em vigor da atual lei da
nacionalidade, que sejam filhos dos cidadãos que passaram a ser considerados estrangeiros por aplicação
conjugada daqueles dois diplomas, situação que a presente iniciativa legislativa pretende colmatar.
Finalmente, assinale-se que o artigo 3.º da iniciativa em apreço comete ao Governo a regulamentação da lei
a que ela der origem, através da alteração do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa5.
II. Enquadramento parlamentar
Iniciativas pendentes (iniciativas legislativas e petições)
Consultada a base de dados da Atividade Parlamentar (AP), verificou-se estarem pendentes as seguintes
iniciativas legislativas (mas não petições) sobre a matéria em apreço (e cuja discussão na generalidade conjunta
com a presente iniciativa está já agendada para a sessão plenária de 11 de dezembro de 2019:
– Projeto de Lei n.º 3/XIV (BE) – Altera a Lei da Nacionalidade e o Regulamento Emolumentar dos Registos
e Notariado (Nona alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro e trigésima quarta alteração ao Decreto-Lei n.º 322-
A/2001, de 14 de dezembro);
– Projeto de Lei n.º 118/XIV (PCP) – Alarga a aplicação do princípio do jus soli na Lei da Nacionalidade
Portuguesa (Nona alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, que aprova a Lei da Nacionalidade);
– Projeto de Lei n.º 126/XIV (L) – Nona alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro (Lei da Nacionalidade).
Antecedentes parlamentares (iniciativas legislativas e petições)
De anteriores legislaturas, como antecedentes parlamentares do presente projeto de lei, encontram-se
registadas as seguintes iniciativas legislativas e petições:
Da XIII Legislatura:
– Projeto de Lei n.º 364/XIII (PSD) – Altera a Lei n.º 37/81 (Lei da Nacionalidade);
– Projeto de Lei n.º 390/XIII (BE) – Altera a Lei da Nacionalidade, aprovada pela Lei n.º 37/81, de 3 de outubro,
e o Regulamento Emolumentar dos Registos e Notariado, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 322-A/2001, de 14 de
dezembro;
– Projeto de Lei n.º 428/XIII (PCP) – Nona alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro (Lei da Nacionalidade)6;
– Projeto de Lei n.º 548/XIII (PAN) – Altera a Lei da Nacionalidade;
– Projeto de Lei n.º 544/XIII (PS) – Oitava alteração à Lei da Nacionalidade, aprovada pela Lei n.º 37/81, de
3 de outubro, alterada pela Lei n.º 25/94, de 19 de agosto, pelo Decreto-Lei n.º 322-A/2001, de 14 de dezembro,
e pelas Leis Orgânicas n.º 1/2004, de 15 de janeiro, n.º 2/2006, de 17 de abril, n.º 1/2013, de 29 de julho, n.º
8/2015, de 22 de junho e n.º 9/2015, de 29 de julho.
Estas iniciativas, discutidas e votadas indiciariamente na Comissão de Assuntos Constitucionais da XIII
Legislatura, deram origem a um texto de substituição desta Comissão, que culminou na aprovação da Lei
Orgânica n.º 2/2018, de 5 de julho.
– Projeto de Lei n.º 479/XIII (CDS-PP) – Determina a perda da nacionalidade portuguesa, por parte de quem
seja também nacional de outro Estado, em caso de condenação pela prática do crime de terrorismo (oitava
5 Versão consolidada retirada do portal oficial dre.pt.
6 Daria origem à Lei Orgânica n.º 2/2018, de 5 de julho.
Página 164
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
164
alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro – Lei da Nacionalidade) – Rejeitado na generalidade em 19 de maio
de 2017, com votos contra de PS, BE, PCP, PEV, PAN, a favor do CDS-PP e a abstenção do PSD.
Da XII Legislatura:
– O Projeto de Lei n.º 373/XII (PS) – «Quinta alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro (Lei da
Nacionalidade)»7;
– O Projeto de Lei n.º 382/XII (PSD) – «Quinta alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro (Lei da
Nacionalidade) Estende a nacionalidade portuguesa originária aos netos de portugueses nascidos no
estrangeiro»;8
– O Projeto de Lei n.º 387/XII (PCP) – «Quinta alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro (Lei da
Nacionalidade)»;9
– O Projeto de Lei n.º 394/XII (CDS-PP) – «Quinta alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro (Lei da
Nacionalidade) Nacionalidade portuguesa de membros de comunidades de judeus sefarditas expulsos de
Portugal»10;
– O Projeto de Lei n.º 400/XII (BE) – «Altera a Lei da Nacionalidade (Quinta alteração à Lei n.º 37/81, de 3
de outubro)»11;
– A Proposta de Lei n.º 280/XII (GOV) – «Procede à sexta alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro (Lei da
Nacionalidade), fixando novos fundamentos para a concessão da nacionalidade por naturalização e para
oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa»12;
– Da XI Legislatura, encontramos ainda o Projeto de Lei n.º 30/XI (PSD) – «Altera a Lei da Nacionalidade
estendendo a nacionalidade portuguesa originária aos netos de portugueses nascidos no estrangeiro».13
Da anterior Legislatura, registam-se as seguintes petições, de apreciação já concluída:
– Petição n.º 618/XIII/4.ª Solicitam a alteração de alguns critérios de concessão de nacionalidade portuguesa;
– Petição n.º 617/XIII/4.ª Solicitam a concessão de nacionalidade portuguesa a cidadãos originários de países
colonizados por Portugal com 2 anos de residência no país;
– Petição n.º 590/XIII/4.ª Solicitam a revisão da interpretação que Portugal faz do artigo 5.º da Convenção
Europeia sobre a Nacionalidade;
– Petição n.º 576/XIII/4 Solicitam a atribuição de nacionalidade portuguesa a cidadãos oriundos de países
colonizados com 2 anos de residência;
– Petição n.º 390/XIII/3.ª – Solicita a alteração da Lei da Nacionalidade em matéria de reconhecimento da
nacionalidade originária aos filhos de imigrantes.
III. Apreciação dos requisitos formais
A iniciativa legislativa em análise é subscrita por quatro Deputados do Grupo Parlamentar do Pessoas-
Animais-Natureza, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 167.º da Constituição e no artigo 118.º do Regimento
da Assembleia da República (doravante Regimento), que consagram o poder de iniciativa da lei. Trata-se de um
poder dos Deputados, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo
4.º do Regimento, e dos grupos parlamentares, nos termos da alínea g) do n.º 2 do artigo 180.º da Constituição
e da alínea f) do artigo 8.º do Regimento.
Reveste a forma de projeto de lei, nos termos do n.º 1 do artigo 119.º do Regimento. Encontra-se redigido
sob a forma de artigos, é precedido de uma breve exposição de motivos e tem uma designação que traduz
7 Discutido em conjunto com o Projeto de Lei n.º 394/XII, daria origem à Lei Orgânica n.º 1/2013. 8 Discutido em conjunto com o Projeto de Lei n.º 400/XII, daria origem à Lei Orgânica n.º 9/2015. O texto final da lei, relativo à alínea d) do n.º 1 do artigo 1.º, incluiria o requisito da «efetiva ligação à comunidade nacional» para a aquisição da nacionalidade portuguesa por parte de netos de portugueses. 9 Rejeitado. 10 Discutido e aprovado em conjunto com o Projeto de Lei n.º 373/XII. 11 Rejeitado. Foi discutido em conjunto com os Projetos de Lei n.os 382/XII e 387/XII. 12 Daria origem à Lei Orgânica n.º 8/2015. 13 Rejeitado.
Página 165
11 DE DEZEMBRO DE 2019
165
sinteticamente o seu objeto principal, dando assim cumprimento aos requisitos formais estabelecidos no n.º 1
do artigo 124.º do Regimento.
De igual modo, encontram-se respeitados os limites à admissão das iniciativas, previstos no n.º 1 do artigo
120.º do Regimento, uma vez que este projeto de lei define concretamente o sentido das modificações a
introduzir na ordem legislativa e parece não infringir princípios constitucionais.
A matéria sobre a qual versa o presente projeto de lei – «aquisição, perda e reaquisição da cidadania
portuguesa» – enquadra-se, por força do disposto na alínea f) do artigo 164.º da Constituição, no âmbito da
reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República. Assim, segundo o n.º 4 do artigo 168.º
da Constituição, a presente iniciativa legislativa carece de votação na especialidade pelo Plenário e, nos termos
do disposto no n.º 2 do artigo 166.º da Constituição, em caso de aprovação e promulgação revestirá a forma de
lei orgânica.
As leis orgânicas carecem «de aprovação, na votação final global, por maioria absoluta dos Deputados em
efetividade de funções», nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 168.º da Constituição. Refira-se, igualmente,
que o artigo 94.º do Regimento estatui que essa votação, por maioria qualificada, deve ser realizada com recurso
ao voto eletrónico.
Deve também ser tido em conta o disposto no n.º 5 do artigo 278.º da Constituição: «O Presidente da
Assembleia da República, na data em que enviar ao Presidente da República decreto que deva ser promulgado
como lei orgânica, dará disso conhecimento ao Primeiro-Ministro e aos grupos parlamentares da Assembleia da
República».
O projeto de lei em apreciação deu entrada a 22 de novembro de 2019. Foi admitido e baixou na generalidade
à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (1.ª) a 26 de novembro, por despacho
de S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República. No dia 27 de novembro foi anunciado em sessão plenária.
A respetiva discussão na generalidade encontra-se agendada para a reunião plenária de dia 11 de dezembro,
por arrastamento com o Projeto de Lei n.º 3/XIV/1.ª (BE) – cfr. Súmula da Conferência de Líderes n.º 5, de 20
de novembro de 2019.
Verificação do cumprimento da lei formulário
O título da presente iniciativa legislativa – «Alarga o acesso à naturalização às pessoas nascidas em território
português após o dia 25 de Abril de 1974 e antes da entrada em vigor da Lei da Nacionalidade (procede à nona
alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro)» – traduz sinteticamente o seu objeto, mostrando-se conforme ao
disposto no n.º 2 do artigo 7.º da Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, conhecida como lei formulário14, embora
possa ser objeto de aperfeiçoamento formal, em sede de apreciação na especialidade ou em redação final.
Consultando o Diário da República Eletrónico verifica-se que a Lei da Nacionalidade, aprovada pela Lei n.º
37/81, de 3 de outubro, foi modificada até ao momento por oito atos legislativos. Este título encontra-se de
acordo com a regra de legística formal segundo a qual «o título de um ato de alteração deve referir o título do
ato alterado, bem como o número de ordem de alteração» 15; no entanto, os numerais ordinais devem ser sempre
redigidos por extenso 16, incluindo na indicação do número de ordem de alterações (conforme está redigido no
artigo 1.º do projeto de lei).
Consequentemente, sugere-se à comissão a seguinte redação para o título: «Alarga o acesso à naturalização
às pessoas nascidas em território português após o dia 25 de Abril de 1974 e antes da entrada em vigor da Lei
da Nacionalidade, procedendo à nona alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro».
O artigo 1.º está de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 74/98, de 11 de novembro: «Os
diplomas que alterem outros devem indicar o número de ordem da alteração introduzida e, caso tenha havido
alterações anteriores, identificar aqueles diplomas que procederam a essas alterações, ainda que incidam sobre
outras normas».
14 Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, que estabelece um conjunto de normas sobre a publicação, a identificação e o formulário dos diplomas, alterada e republicada pelas Leis n.os 2/2005, de 24 de janeiro, 26/2006, de 30 de junho, 42/2007, de 24 de agosto, e 43/2014, de 11 de julho. 15 Duarte, D., Sousa Pinheiro, A. et al (2002), Legística. Coimbra, Editora Almedina, pág. 201. 16 Duarte, D., Sousa Pinheiro, A. et al (2002), Legística. Coimbra, Editora Almedina, pág. 166.
Página 166
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
166
Tratando-se materialmente de uma lei orgânica, a Lei da Nacionalidade deve ser republicada em anexo às
leis que a modificarem, segundo o disposto no n.º 2 do artigo 6.º da Lei n.º 74/98, de 11 de novembro. Não
obstante o disposto no artigo 4.º do projeto de lei, o autor não promoveu essa republicação, pelo que o projeto
de republicação deve ser elaborado previamente à votação final global.
Em caso de aprovação esta iniciativa revestirá a forma de lei orgânica, nos termos do n.º 2 do artigo 166.º
da Constituição, pelo que deve ser objeto de publicação na 1.ª Série do Diário da República, em conformidade
com o disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 74/98, de 11 de novembro.
No que respeita ao início de vigência, o artigo 5.º deste projeto de lei estabelece que a sua entrada em vigor
ocorrerá no dia seguinte ao da sua publicação, mostrando-se assim conforme com o previsto no n.º 1 do artigo
2.º da Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, segundo o qual os atos legislativos «entram em vigor no dia neles
fixado, não podendo, em caso algum, o início de vigência verificar-se no próprio dia da publicação».
Nesta fase do processo legislativo, a iniciativa em análise não nos suscita outras questões no âmbito da lei
formulário.
Regulamentação ou outras obrigações legais
Segundo o disposto no artigo 3.º, compete ao Governo proceder às necessárias alterações ao Regulamento
da Nacionalidade Portuguesa, no prazo de 90 dias a contar da publicação da lei agora proposta.
IV. Análise de direito comparado
Enquadramento internacional
A legislação comparada é apresentada para os seguintes Estados-Membros da União Europeia: Espanha e
França.
ESPANHA
A questão da aquisição e atribuição da nacionalidade espanhola é regulada pelo Código Civil espanhol, cujo
artigo 17.º, relativo à nacionalidade originária, considera como espanhóis de origem, os filhos de pai ou mãe
espanhola, os nascidos em Espanha de pais estrangeiros se pelo menos um deles tiver nascido em Espanha,
excetuando-se os filhos de funcionário diplomático ou consular acreditado em Espanha [artigo 17.º, n.º 1, alínea
b)]. De igual modo, são considerados espanhóis os nascidos em Espanha de pais estrangeiros, se ambos
carecerem de nacionalidade ou se a legislação aplicável aos pais não atribuir uma nacionalidade ao filho [artigo
17.º, n.º 1, alínea c)]. Além destes casos, também os nascidos em Espanha cuja filiação não resulte determinada
são espanhóis de origem [artigo 17.º, n.º 1, alínea d)].
No entanto, a filiação ou o nascimento em Espanha cuja determinação que ocorra depois dos 18 anos de
idade não constitui por si só causa de aquisição da nacionalidade espanhola, podendo o interessado optar pela
nacionalidade espanhola de origem no prazo de dois anos a contar daquele facto (artigo 17.º, n.º 2).
Por outro lado, e de acordo com o previsto no n.º 1 do artigo 19.º, o estrangeiro menor de 18 anos de idade
adotado por cidadão espanhol adquire, desde a adoção, a nacionalidade espanhola de origem. Se o adotado
for maior de 18 anos, pode optar pela nacionalidade espanhola originária no prazo de dois anos a partir da
constituição da adoção (n.º 2). Se, de acordo com o ordenamento jurídico do país de origem, o adotado puder
manter a sua nacionalidade, esta é também reconhecida em Espanha.
Para a concessão da nacionalidade por residência, um dos casos em que esta pode ser atribuída é o de
pessoa a residir em Espanha há pelo menos 10 anos, sendo suficientes cinco anos para os que hajam obtido o
estatuto de refugiados e dois anos para os cidadãos nacionais de origem de países ibero-americanos, Andorra,
Filipinas, Guiné Equatorial, Portugal ou sefarditas (artigos 21.º, n.os 2 e 4, e 22.º, n.º 1). Basta o tempo de
residência de um ano, de entre outros casos, para quem haja nascido em território espanhol [artigo 22.º, n.º 2,
Página 167
11 DE DEZEMBRO DE 2019
167
alínea a)]. Em todos os casos de naturalização por residência, esta tem de ser legal e continuada (artigo 22.º,
n.º 3).
Cumpre mencionar a existência, da autoria do governo espanhol, de uma coletânea legislativa com todas as
normas relativas à nacionalidade e estado civil, disponível no seu portal na Internet.
FRANÇA
A matéria da nacionalidade é tratada no Código Civil, especificamente nos artigos 17 a 33-2.
Deste modo, tem nacionalidade francesa a criança que tenha pelo menos um dos progenitores de
nacionalidade francesa (artigo 18), a criança nascida em França de pais desconhecidos (artigo 19) e a criança
nascida em França filha de pelo menos um progenitor também nascido em França, embora, neste caso, haja a
faculdade de renunciar à nacionalidade francesa, desde que o faça durante os seis meses anteriores à data em
que atingir os 18 anos de idade e os 12 meses seguintes (artigos 19-3 e 19-4).
Em razão da residência, uma criança nascida em França de pais estrangeiros adquire a nacionalidade
francesa uma vez atingida a maioridade se, à data em que a atingir, estiver a residir em território francês e nele
tiver tido residência habitual durante um período, seguido ou interpolado, de pelo menos cinco anos desde os
onze de idade (artigo 21-7). No entanto, o menor de idade pode pedir a atribuição da nacionalidade francesa a
partir dos 16 anos se, à data do pedido, estiver a residir em território francês e nele tiver tido residência habitual
durante um período, seguido ou interpolado, de pelo menos cinco anos desde os onze anos de idade; nas
mesmas condições, a nacionalidade francesa pode ser reclamada, em nome do menor nascido em França de
pais estrangeiros, a partir dos 13 anos de idade, devendo neste caso a condição da residência habitual em
França por pelo menos cinco anos ter de ser preenchida a partir dos oito anos de idade (artigo 21-11).
O portal governamental service-public.fr dispõe de uma página dedicada à temática da nacionalidade
francesa na qual pode ser consultada informação prática sobre o procedimento e obtida informação adicional
sobre a temática.
V. Consultas e contributos
Consultas obrigatórias e facultativas
Em 27 de novembro de 2019, a comissão promoveu a consulta escrita do Conselho Superior da Magistratura,
do Conselho Superior do Ministério Público e da Ordem dos Advogados.
Todos os pareceres e contributos remetidos à Assembleia da República serão publicados na página desta
iniciativa na Internet.
VI. Avaliação prévia de impacto
Avaliação sobre impacto de género
O preenchimento, pelo proponente, da ficha de avaliação prévia de impacto de género da presente iniciativa,
em cumprimento do disposto na Lei n.º 4/2018, de 9 de fevereiro, devolve como resultado uma valoração positiva
do impacto de género.
Linguagem não discriminatória
Na elaboração dos atos normativos a especificação de género deve ser minimizada recorrendo-se, sempre
que possível, a uma linguagem neutra ou inclusiva, mas sem colocar em causa a clareza do discurso.
Página 168
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
168
Sem prejuízo de uma análise mais detalhada, na apreciação na especialidade ou na redação final, nesta fase
do processo legislativo a redação do projeto de lei não nos suscita questões relacionadas com a linguagem
discriminatória em relação ao género.
VII. Enquadramento bibliográfico
OCDE – Naturalisation: a passport for the better integration of immigrants? [Em linha]. Paris: OCDE,
2011. [Consult. 11 nov. 2019]. Disponível na intranet da AR: http://catalogobib.parlamento.pt:81/images/winlibimg.aspx?skey=&doc=128995&img=14497&save=true> ISBN 978-92-64-09898-5. Resumo: Este documento reúne as atas do Seminário conjunto OCDE/Comissão Europeia sobre Naturalização e Integração Socioeconómica dos imigrantes e dos seus filhos, realizado em outubro de 2010, em Bruxelas. Faz um balanço dos conhecimentos atuais sobre as ligações entre a atribuição da nacionalidade pelo país de acolhimento e a integração socioeconómica dos imigrantes. Aborda também o papel da naturalização como instrumento no quadro geral da política de imigração e integração, com o objetivo de identificar boas práticas a partir de diferentes experiências registadas em países da União Europeia e da OCDE. O capítulo 2 «The current status of nationality law» apresenta o ponto da situação relativamente à legislação em vigor, nos diferentes países analisados, relativamente à nacionalidade, com referência particular para a aquisição de nacionalidade por nascimento; aquisição da nacionalidade através da naturalização ou outros procedimentos e, por fim, a perda da nacionalidade. RAMOS, Rui Manuel Moura – Estudos de Direito Português da Nacionalidade. Coimbra: Coimbra Editora, 2013. ISBN 978-972-32-2135-0. Cota 12.23 – 88/2017. Resumo: Esta obra reúne um conjunto de textos sobre o direito português da nacionalidade, com particular incidência nas modificações introduzidas após a revolução do 25 de Abril de 1974 e a Constituição de 1976 (1975, 1981, 1994, 2004 e 2006). No âmbito da matéria do presente projeto de lei, salientamos o capítulo «Nacionalidade e Descolonização: algumas reflexões a propósito do Decreto-Lei n.º 308-A/75, de 24 de junho» (p. 63 a 128). Neste texto, o autor procede à análise crítica do regime legal estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 308-A/75, de 24 de junho, referindo como defeitos mais graves: a criação de casos de apatridia (caso de cidadãos portugueses nascidos ou domiciliados nos territórios ultramarinos que tinham ascendido ou iam ascender à independência); a alteração do estatuto de nacional de grande número de cidadãos portugueses sem se preocupar minimamente com a vontade dos interessados a tal respeito, privando da nacionalidade portuguesa indivíduos que mantinham fundos laços com Portugal; e, por fim, o facto de «não permitir a realização do princípio da efetividade, antes conduzindo à extinção do vínculo da nacionalidade em casos de patente inserção na comunidade dos portugueses.» O autor apela para a reformulação das soluções contidas no referido diploma, de forma a estarem de acordo com os princípios e a prática internacionais e a reparar situações de grande injustiça. De salientar, ainda, neste livro o capítulo «O Novo Direito Português da Nacionalidade» (p. 129 a 267), no qual o autor aborda a revisão do direito da nacionalidade desde a Lei n.º 2098, de 29 de julho de 1959. São focados os seguintes pontos: o movimento emigratório dos anos 60; o processo da descolonização; ideias mestras do novo direito da nacionalidade portuguesa; a natureza do vínculo de nacionalidade; as determinantes essenciais da nacionalidade portuguesa; as soluções da Lei n.º 37/81, de 3 de outubro; a aquisição originária (atribuição) da nacionalidade, aquisição derivada da nacionalidade; aquisição da nacionalidade por efeito da vontade; aquisição da nacionalidade pela adoção; oposição à aquisição da nacionalidade; aquisição da nacionalidade por naturalização; perda da nacionalidade; efeitos das vicissitudes da relação de nacionalidade; disposições adjetivas e efeitos das vicissitudes da relação de nacionalidade; registo, prova e contencioso da nacionalidade. ———
Página 169
11 DE DEZEMBRO DE 2019
169
PROJETO DE LEI N.º 118/XIV/1.ª
[ALARGA A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DO JUS SOLI NA LEI DA NACIONALIDADE PORTUGUESA
(NONA ALTERAÇÃO À LEI N.º 37/81, DE 3 DE OUTUBRO, QUE APROVA A LEI DA NACIONALIDADE)]
Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e nota técnica
elaborada pelos serviços de apoio
Parecer
PARTE I – CONSIDERANDOS
I. a) Nota introdutória
Os Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português tomaram a iniciativa de apresentar à
Assembleia da República o Projeto de Lei n.º 118/XIV/1.ª – «Alarga a aplicação do princípio do jus soli na Lei
da Nacionalidade Portuguesa (Nona alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, que aprova a Lei da
Nacionalidade)» ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 156, do n.º 1 do artigo 167.º e da alínea g)
do n.º 2 do artigo 180.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º, da
alínea f) do artigo 8.º e do artigo 118.º do Regimento da Assembleia da República (RAR).
O projeto de lei ora em apreço deu entrada, em 22 de novembro de 2019, e foi admitido, em 26 novembro
de 2019, tendo nessa mesma data, baixado, na generalidade, à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos,
Liberdades e Garantias, por despacho de S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República. No dia 27 de
novembro foi anunciado em sessão plenária.
Em reunião de 27 de novembro de 2019, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e
Garantias, designou a Deputada signatária do presente relatório como relatora.
A iniciativa reúne os requisitos formais previstos no n.º 1 do artigo 119.º, do n.º 1 do artigo 120.º, do n.º 1 do
artigo 123.º e do artigo 124.º, todos do RAR, tendo sido agendada a sua discussão em reunião plenária para o
dia 11 de dezembro de 2019, por arrastamento com o Projeto de Lei n.º 3/XIV/1.ª (BE)1.
I. b) Do objeto, conteúdo e motivação da iniciativa
O projeto de lei apresentado pelo Grupo Parlamentar do PCP vem propor a alteração dos artigos 1.º, 6.º e
15.º da Lei da Nacionalidade (aprovada pela Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, e alterada pela Lei n.º 25/2004, de
19 de agosto, pelo Decreto-Lei n.º 322-A/2001, de 14 de dezembro, e pelas Leis Orgânicas n.os 1/2004, de 15
de janeiro, 2/2006, de 17 de abril, 1/2013, de 29 de julho, 8/2015, de 22 de junho, 9/2015, de 29 julho e 2/2018,
de 5 de julho), no sentido de que «possam ser cidadãos portugueses de origem os cidadãos nascidos em
Portugal, desde que um dos seus progenitores, sendo estrangeiro, seja residente no nosso país (…) sem que
isso dependa do tempo de residência em Portugal dos seus progenitores».
A nota técnica da responsabilidade dos serviços da Assembleia da República resume, em termos
substantivos, os objetivos e fundamentos que presidem à presente iniciativa, nomeadamente, o facto de os
proponentes considerarem que, mau grado as recentes alterações da Lei da Nacionalidade, operadas pela Lei
Orgânica n.º 2/2018, de 5 de julho, que alargou o acesso à nacionalidade originária e à naturalização às pessoas
nascidas em território português, com «impacto muito positivo», e que consubstanciou «uma evolução que
trouxe um maior equilíbrio à Lei da Nacionalidade», impõe-se «ir mais longe na consagração do jus soli e não
fazer depender o reconhecimento da nacionalidade portuguesa, a cidadãos aqui nascidos, do tempo de
residência dos seus progenitores em território nacional».
Com este entendimento, e tal como se retira da exposição de motivos da iniciativa em apreço, os autores
vêm propor «que tal reconhecimento possa ser feito desde que o nascimento não tenha sido meramente
1 Cfr. Súmula da Conferência de Líderes n.º 5, de 20 de novembro de 2019.
Página 170
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
170
ocasional numa passagem por Portugal de não residentes ou que aqui não queiram residir ou que tenha tido
como único propósito a obtenção de nacionalidade portuguesa por mera conveniência, sem vontade de qualquer
outra ligação à comunidade nacional.»
Do ponto de vista sistemático, o projeto de lei em apreço contém quinze artigos, em que, tal como consta da
nota técnica, se propõem as seguintes alterações ao articulado da Lei da Nacionalidade:
1 - A eliminação, para efeitos de reconhecimento da nacionalidade originária aos filhos de estrangeiros,
nascidos em Portugal, da necessidade de um dos progenitores residir legalmente em Portugal há pelo menos
dois anos [alínea f) do n.º 1 do artigo 1.º], substituindo tal requisito pelo da residência de um dos progenitores
«independentemente do título» e, em consequência, revogando o n.º 4 do artigo;
2 - A eliminação, para efeitos de atribuição da nacionalidade por naturalização a maiores ou emancipados,
da necessidade de a residência em território português há pelo menos 5 anos ser legal, assim tornando menos
exigente o requisito cumulativo constante da alínea b) do n.º 1 do artigo 6.º];
3 - A eliminação, para efeitos de atribuição da nacionalidade por naturalização, dos demais requisitos ali
consignados: conhecimento suficiente da língua portuguesa; não condenação, com trânsito em julgado, com
pena de prisão igual ou superior a 3 anos; Inexistência de perigo ou ameaça para a segurança ou a defesa
nacional, pelo seu envolvimento em atividades relacionadas com a prática do terrorismo (por revogação das
alíneas c), d) e e) do n.º 1 do artigo 6.º, em consequência, revogando os n.os 9 e 10 do artigo;
4 - A eliminação, para efeitos de atribuição da nacionalidade por naturalização a menores, da necessidade
de um dos progenitores residir legalmente em Portugal pelo menos nos cinco anos anteriores [alínea a) do n.º
2 do artigo 6.º], substituindo tal requisito pelo da residência de um dos progenitores «independentemente do
título».
I. c) Enquadramento constitucional e legal
A iniciativa em apreço visa alargar a aplicação do princípio do jus soli na Lei da Nacionalidade Portuguesa.
Do ponto de vista constitucional, convoca-se em especial, o artigo 4.º da Constituição da República
Portuguesa, segundo o qual «são cidadãos portugueses todos aqueles que como tal sejam considerados pela
lei ou por convenção internacional». Já do ponto de vista da legislação ordinária, a regulação da matéria da
atribuição da cidadania portuguesa está sujeita ao cumprimento preceituado na Lei n.º 37/81, de 3 de outubro
(Lei da Nacionalidade), na qual o projeto de lei em apreço pretende introduzir pequenas alterações, tendo esta
sido já foi modificada por oito vezes2.
Para um enquadramento da temática, refira-se ainda que, tal como consta das motivações expressas pelos
proponentes, a última alteração operada à Lei da Nacionalidade alargou o acesso à nacionalidade com base no
critério do jus soli, tanto na aquisição da nacionalidade originária como por adoção e naturalização. Mantinha,
no entanto, algumas condicionantes a essa aquisição que a presente iniciativa legislativa pretende mitigar.
Relativamente à XIII Legislatura, foram identificadas as seguintes iniciativas legislativas:
– Projeto de Lei n.º 364/XIII (PSD) – Altera a Lei n.º 37/81 (Lei da Nacionalidade);
– Projeto de Lei n.º 390/XIII (BE) – Altera a Lei da Nacionalidade, aprovada pela Lei n.º 37/81, de 3 de outubro,
e o Regulamento Emolumentar dos Registos e Notariado, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 322-A/2001, de 14 de
dezembro;
– Projeto de Lei n.º 428/XIII (PCP) – Nona alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro (Lei da Nacionalidade);
– Projeto de Lei n.º 548/XIII (PAN) – Altera a Lei da Nacionalidade;
– Projeto de Lei n.º 544/XIII (PS) – Oitava alteração à Lei da Nacionalidade, aprovada pela Lei n.º 37/81, de
3 de outubro, alterada pela Lei n.º 25/94, de 19 de agosto, pelo Decreto-Lei n.º 322-A/2001, de 14 de dezembro,
e pelas Leis Orgânicas n.º 1/2004, de 15 de janeiro, n.º 2/2006, de 17 de abril, n.º 1/2013, de 29 de julho, n.º
8/2015, de 22 de junho e n.º 9/2015, de 29 de julho.
2 Através da Lei n.º 25/94, de 19 de agosto, do Decreto-Lei n.º 322-A/2001, de 14 de dezembro (na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 194/2003, de 23 de agosto) e das Leis Orgânicas n.os 1/2004, de 15 de janeiro, 2/2006, de 17 de abril, 1/2013, de 29 de julho, 8/2015, de 22 de junho, 9/2015, de 29 de julho, e 2/2018, de 5 de julho, a qual procedeu à sua republicação.
Página 171
11 DE DEZEMBRO DE 2019
171
Estas iniciativas, discutidas e votadas indiciariamente na Comissão de Assuntos Constitucionais da XIII
Legislatura, deram origem a um texto de substituição desta Comissão, que culminou na aprovação da Lei
Orgânica n.º 2/2018, de 5 de julho.
– Projeto de Lei n.º 479/XIII (CDS-PP) – Determina a perda da nacionalidade portuguesa, por parte de quem
seja também nacional de outro Estado, em caso de condenação pela prática do crime de terrorismo (oitava
alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro – Lei da Nacionalidade) – rejeitado na generalidade em 19 de maio
de 2017, com votos contra de PS, BE, PCP, PEV, PAN, a favor do CDS-PP e a abstenção do PSD.
Efetuada a pesquisa à base de dados da atividade parlamentar (AP), verifica-se que se encontram
pendentes, sobre matéria idêntica, três iniciativas legislativas, cuja discussão na generalidade se encontra
também agendada para a sessão plenária de 11 de dezembro de 2019:
– Projeto de Lei 3/XIV (BE) – Altera a Lei da Nacionalidade e o Regulamento Emolumentar dos Registos e
Notariado (nona alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro e trigésima quarta alteração ao Decreto-Lei n.º 322-
A/2001, de 14 de dezembro);
– Projeto de Lei 117/XIV (PAN) – Alarga o acesso à naturalização às pessoas nascidas em território português
após o dia 25 de Abril de 1974 e antes da entrada em vigor da Lei da Nacionalidade (procede à nnoa alteração
à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro);
– Projeto de Lei n.º 126/XIV (L) – Nona alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro (Lei da Nacionalidade).
II. d) Consultas
Atendendo à matéria objeto da iniciativa foi promovida a consulta escrita, em 27 de novembro de 2019, do
Conselho Superior da Magistratura, do Conselho Superior do Ministério Público e da Ordem dos Advogados,
que, na presente data, ainda não foram recebidos, mas cujos pareceres poderão ser posteriormente consultados
no processo legislativo da iniciativa, disponível eletronicamente3.
PARTE II – OPINIÃO DA DEPUTADA RELATORA
A relatora signatária do presente relatório reserva-se, nesta sede, de manifestar a sua opinião política sobre
o Projeto de Lei n.º 118/XIV/1.ª do PCP, a qual é, de resto, de «elaboração facultativa» nos termos do n.º 3 do
artigo 137.º do RAR.
PARTE III – CONCLUSÕES
1 – Dez Deputados do Grupo Parlamentar do PCP apresentaram à Assembleia da República o Projeto de
Lei n.º 118/XIV/1.ª – «Alarga a aplicação do princípio do jus soli na Lei da Nacionalidade Portuguesa (Nona
alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, que aprova a Lei da Nacionalidade)»;
2 – Com esta iniciativa pretende-se alargar a aplicação do princípio do jus soli na Lei da Nacionalidade
Portuguesa;
3 – Face ao exposto, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias é de
parecer que o Projeto de Lei n.º 118/XIV/1.ª do PCP reúne os requisitos constitucionais e regimentais para ser
discutido e votado em plenário.
Palácio de S. Bento, 11 de dezembro de 2019.
A Deputada relatora,Romualda Fernandes — O Presidente da Comissão, Luís Marques Guedes
3 https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=44180.
Página 172
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
172
Nota: As partes I e III do parecer foram aprovadas com votos a favor do PS, do PSD, do BE, do PCP, a
abstenção do DURP do L, tendo-se verificado a ausência do CDS-PP, do PAN e do DURP do CH, na reunião
da Comissão de 11 de dezembro de 2019.
PARTE IV – ANEXOS
Anexa-se a nota técnica elaborada pelos serviços ao abrigo do disposto no artigo 131.º do RAR.
Nota Técnica
Projeto de Lei n.º 118/XIV (PCP)
Alarga a aplicação do princípio do jus soli na Lei da Nacionalidade Portuguesa (nona alteração à Lei
n.º 37/81, de 3 de outubro, que aprova a Lei da Nacionalidade).
Data de admissão: 26 de novembro de 2019.
Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (1.ª).
Índice
I. Análise da iniciativa
II. Enquadramento parlamentar
III. Apreciação dos requisitos formais
IV. Análise de direito comparado
V. Consultas e contributos
VI. Avaliação prévia de impacto
VIII. Enquadramento bibliográfico
Elaborada por: Paula Faria e João Oliveira (BIB), Luísa Colaço e Nuno Amorim (DILP), Rafael Silva (DAPLEN) e Nélia Monte Cid (DAC).
Data: 2 de dezembro de 2019.
I. Análise da iniciativa
A iniciativa
Através do presente projeto de lei, 10 Deputados do PCP propõem a alteração dos artigos 1.º, 6.º e 15.º1 da
Lei da Nacionalidade (aprovada pela Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, e alterada pela Lei n.º 25/2004, de 19 de
agosto, pelo Decreto-Lei n.º 322-A/2001, de 14 de dezembro, e pelas Leis Orgânicas n.os 1/2004, de 15 de
janeiro, 2/2006, de 17 de abril, 1/2013, de 29 de julho, 8/2015, de 22 de junho, 9/2015, de 29 julho e 2/2018, de
5 de julho), no sentido de que «possam ser cidadãos portugueses de origem os cidadãos nascidos em Portugal,
desde que um dos seus progenitores, sendo estrangeiro, seja residente no nosso país (…) sem que isso
dependa do tempo de residência em Portugal dos seus progenitores».
1 Muito embora integre o elenco dos artigos a alterar, o artigo 21.º da lei da Nacionalidade não é objeto de alteração, ao contrário do que preconizava o Projeto de Lei n.º 428/XIII, do mesmo proponente.
Página 173
11 DE DEZEMBRO DE 2019
173
Consideram os proponentes que, mau grado as recentes alterações da Lei da Nacionalidade, operadas pela
Lei Orgânica n.º 2/2018, de 5 de julho, que alargou o acesso à nacionalidade originária e à naturalização às
pessoas nascidas em território português, com «impacto muito positivo», e que consubstanciou «uma evolução
que trouxe um maior equilíbrio à Lei da Nacionalidade», impõe-se «ir mais longe na consagração do jus soli e
não fazer depender o reconhecimento da nacionalidade portuguesa, a cidadãos aqui nascidos, do tempo de
residência dos seus progenitores em território nacional».
Advogam, em consequência, que tal reconhecimento possa ser feito desde que o nascimento não tenha sido
meramente ocasional numa passagem por Portugal de não residentes ou que aqui não queiram residir ou que
tenha tido como único propósito a obtenção de nacionalidade portuguesa por mera conveniência, sem vontade
de qualquer outra ligação à comunidade nacional.
Propõem, por isso a alteração dos referidos artigos da Lei da Nacionalidade, mediante:
1 – A eliminação, para efeitos de reconhecimento da nacionalidade originária aos filhos de estrangeiros,
nascidos em Portugal, da necessidade de um dos progenitores residir legalmente em Portugal há pelo menos
dois anos [alínea f) do n.º 1 do artigo 1.º], substituindo tal requisito pelo da residência de um dos progenitores
«independentemente do título» e, em consequência, revogando o n.º 4 do artigo;
2 – A eliminação, para efeitos de atribuição da nacionalidade por naturalização a maiores ou emancipados,
da necessidade de a residência em território português há pelo menos 5 anos ser legal, assim tornando menos
exigente o requisito cumulativo constante da alínea b) do n.º 1 do artigo 6.º;
3 – A eliminação, para efeitos de atribuição da nacionalidade por naturalização, dos demais requisitos ali
consignados: conhecimento suficiente da língua portuguesa; não condenação, com trânsito em julgado, com
pena de prisão igual ou superior a 3 anos; Inexistência de perigo ou ameaça para a segurança ou a defesa
nacional, pelo seu envolvimento em atividades relacionadas com a prática do terrorismo (por revogação das
alíneas c), d) e e) do n.º 1 do artigo 6.º, em consequência, revogando os n.os 9 e 10 do artigo;
4 – A eliminação, para efeitos de atribuição da nacionalidade por naturalização a menores, da necessidade
de um dos progenitores residir legalmente em Portugal pelo menos nos cinco anos anteriores [alínea a) do n.º
2 do artigo 6.º], substituindo tal requisito pelo da residência de um dos progenitores «independentemente do
título».
Para melhor compreensão das alterações propostas, apresenta-se o seguinte quadro comparativo das
alterações propostas às normas em vigor:
Lei da Nacionalidade Projeto de Lei n.º 118/XIV/1.ª
Artigo 1.º Nacionalidade originária
1 – São portugueses de origem:
a) Os filhos de mãe portuguesa ou de pai português nascidos no território português; b) Os filhos de mãe portuguesa ou de pai português nascidos no estrangeiro se o progenitor português aí se encontrar ao serviço do Estado Português; c) Os filhos de mãe portuguesa ou de pai português nascidos no estrangeiro se tiverem o seu nascimento inscrito no registo civil português ou se declararem que querem ser portugueses; d) Os indivíduos nascidos no estrangeiro com, pelo menos, um ascendente de nacionalidade portuguesa do 2.º grau na linha reta que não tenha perdido essa nacionalidade, se declararem que querem ser portugueses, possuírem laços de efetiva ligação à comunidade nacional e, verificados tais requisitos, inscreverem o nascimento no registo civil português; e) Os indivíduos nascidos no território português, filhos de estrangeiros, se pelo menos um dos progenitores também aqui tiver nascido e aqui tiver residência, independentemente de título, ao tempo do nascimento;
Artigo 1.º (…)
1 – […]:
a) (…); b) (…); c) (…); d) (…); e) (…);
Página 174
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
174
Lei da Nacionalidade Projeto de Lei n.º 118/XIV/1.ª
f) Os indivíduos nascidos no território português, filhos de estrangeiros que não se encontrem ao serviço do respetivo Estado, que não declarem não querer ser portugueses, desde que, no momento do nascimento, um dos progenitores aqui resida legalmente há pelo menos dois anos; g) Os indivíduos nascidos no território português e que não possuam outra nacionalidade.
2 – Presumem-se nascidos no território português, salvo prova em contrário, os recém-nascidos que aqui tenham sido expostos. 3 – A verificação da existência de laços de efetiva ligação à comunidade nacional, para os efeitos estabelecidos na alínea d) do n.º 1, implica o reconhecimento, pelo governo, da relevância de tais laços, nomeadamente pelo conhecimento suficiente da língua portuguesa e pela existência de contactos regulares com o território português, e depende de não condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa. 4 – A prova da residência legal referida na alínea f) do n.º 1 faz-se mediante a exibição do competente documento de identificação do pai ou da mãe no momento do registo.
f) Os indivíduos nascidos no território português, filhos de estrangeiros que não se encontrem ao serviço do respetivo Estado, que não declarem não querer ser portugueses, desde que, ao tempo do nascimento, um dos progenitores aqui resida independentemente do título;
g) (…).
2 – […].
3 – […]. 4 – (Revogado.)
Artigo 6.º Requisitos
1 – O governo concede a nacionalidade portuguesa, por naturalização, aos estrangeiros que satisfaçam cumulativamente os seguintes requisitos:
a) Serem maiores ou emancipados à face da lei portuguesa; b) Residirem legalmente no território português há pelo menos cinco anos;
c) Conhecerem suficientemente a língua portuguesa; d) Não tenham sido condenados, com trânsito em julgado da sentença, com pena de prisão igual ou superior a 3 anos; e) Não constituam perigo ou ameaça para a segurança ou a defesa nacional, pelo seu envolvimento em atividades relacionadas com a prática do terrorismo, nos termos da respetiva lei.
2 – O governo concede a nacionalidade, por naturalização, aos menores, nascidos no território português, filhos de estrangeiros, desde que preencham os requisitos das alíneas c), d) e e) do número anterior e desde que, no momento do pedido, se verifique uma das seguintes condições:
a) Um dos progenitores aqui tenha residência, independentemente de título, pelo menos durante os cinco anos imediatamente anteriores ao pedido; b) O menor aqui tenha concluído pelo menos um ciclo do ensino básico ou o ensino secundário.
3 – Tratando-se de criança ou jovem com menos de 18 anos, acolhidos em instituição pública, cooperativa, social ou privada com acordo de cooperação com o Estado, na sequência de medida de promoção e proteção definitiva aplicada em processo de promoção e proteção, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 72.º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada em anexo à Lei n.º 147/99, de 1 de setembro, cabe ao Ministério Público promover o respetivo processo de naturalização com dispensa das condições referidas no número anterior. 4 – O Governo concede a naturalização, com dispensa dos requisitos previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1, aos indivíduos
Artigo 6.º (…)
1 – (…):
a) (…); b) Residirem no território português há pelo menos cinco anos;
c) (Revogado); d) (Revogado);
e) (Revogado).
2 – O Governo concede a nacionalidade, por naturalização, aos menores, nascidos no território português, filhos de estrangeiros, desde que, no momento do pedido, se verifique uma das seguintes condições:
a) Um dos progenitores aqui tenha residência, independentemente do título; b) (…).
3 – (…). 4 – (…).
Página 175
11 DE DEZEMBRO DE 2019
175
Lei da Nacionalidade Projeto de Lei n.º 118/XIV/1.ª
que tenham tido a nacionalidade portuguesa e que, tendo-a perdido, nunca tenham adquirido outra nacionalidade. 5 – O Governo concede a nacionalidade, por naturalização, com dispensa do requisito estabelecido na alínea b) do n.º 1, aos indivíduos que satisfaçam cumulativamente os seguintes requisitos:
a) Tenham nascido em território português; b) Sejam filhos de estrangeiro que aqui tivesse residência, independentemente de título, ao tempo do seu nascimento; c) Aqui residam, independentemente de título, há pelo menos cinco anos.
6 – O governo pode conceder a naturalização, com dispensa dos requisitos previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1, aos indivíduos que, não sendo apátridas, tenham tido a nacionalidade portuguesa, aos que forem havidos como descendentes de portugueses, aos membros de comunidades de ascendência portuguesa e aos estrangeiros que tenham prestado ou sejam chamados a prestar serviços relevantes ao Estado português ou à comunidade nacional. 7 – O governo pode conceder a nacionalidade por naturalização, com dispensa dos requisitos previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1, aos descendentes de judeus sefarditas portugueses, através da demonstração da tradição de pertença a uma comunidade sefardita de origem portuguesa, com base em requisitos objetivos comprovados de ligação a Portugal, designadamente apelidos, idioma familiar, descendência direta ou colateral. 8 – O governo pode conceder a nacionalidade, por naturalização, com dispensa do requisito estabelecido na alínea b) do n.º 1, aos indivíduos que sejam ascendentes de cidadãos portugueses originários, aqui tenham residência, independentemente de título, há pelo menos cinco anos imediatamente anteriores ao pedido e desde que a ascendência tenha sido estabelecida no momento do nascimento do cidadão português. 9 – O conhecimento da língua portuguesa referido na alínea c) do n.º 1 presume-se existir para os requerentes que sejam naturais e nacionais de países de língua oficial portuguesa. 10 – A prova da inexistência de condenação, com trânsito em julgado da sentença, com pena de prisão igual ou superior a 3 anos referida na alínea d) do n.º 1 faz-se mediante a exibição de certificados de registo criminal emitidos:
a) Pelos serviços competentes portugueses; b) Pelos serviços competentes do país do nascimento, do país da nacionalidade e dos países onde tenha tido residência, desde que neles tenha tido residência após completar a idade de imputabilidade penal.
5 – (…).
6 – (…). 7 – (…). 8 – (…). 9 – (Revogado). 10 – (Revogado)
Artigo 15.º Residência
1 – Para os efeitos do disposto nos artigos precedentes, entende-se que residem legalmente no território português os indivíduos que aqui se encontram, com a sua situação regularizada perante as autoridades portuguesas, ao abrigo de qualquer dos títulos, vistos ou autorizações previstos no regime de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros e no regime do direito de asilo. 2 – O disposto no número anterior não prejudica os regimes especiais de residência legal resultantes de tratados ou convenções de que Portugal seja Parte, designadamente no âmbito da União Europeia e da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.
Artigo 15.º [Residência legal]
1 – Para efeitos da presente lei presume-se que residem legalmente no território português os indivíduos que aqui se encontrem e contra os quais não impenda medida de expulsão. 2 – (…). 3 – (…).
Página 176
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
176
Lei da Nacionalidade Projeto de Lei n.º 118/XIV/1.ª
3 – Para os efeitos de contagem de prazos de residência legal previstos na presente lei, considera-se a soma de todos os períodos de residência legal em território nacional, seguidos ou interpolados, desde que os mesmos tenham decorrido num intervalo máximo de 15 anos. 4 – Consideram-se igualmente como residindo legalmente no território português as crianças e jovens filhos de estrangeiros e acolhidos em instituição pública, cooperativa, social ou privada com acordo de cooperação com o Estado, na sequência de um processo de promoção e proteção.
4 – (…).
A iniciativa legislativa compõe-se de um artigo único preambular2, que identifica os artigos a alterar da Lei da
Nacionalidade.
Enquadramento jurídico nacional
Para a matéria em apreço neste projeto de lei releva, em especial, o artigo 4.º da Constituição da República
Portuguesa, segundo o qual «são cidadãos portugueses todos aqueles que como tal sejam considerados pela
lei ou por convenção internacional».
No plano da legislação ordinária, a Lei n.º 37/81, de 3 de outubro3 (Lei da Nacionalidade), na qual o projeto
de lei em apreço pretende introduzir pequenas alterações, foi modificada oito vezes, através da Lei n.º 25/94,
de 19 de agosto, do Decreto-Lei n.º 322-A/2001, de 14 de dezembro (na redação dada pelo Decreto-Lei n.º
194/2003, de 23 de agosto)4 5 e das Leis Orgânicas n.os 1/2004, de 15 de janeiro, 2/2006, de 17 de abril , 1/2013,
de 29 de julho, 8/2015, de 22 de junho, 9/2015, de 29 de julho, e 2/2018, de 5 de julho, a qual procedeu à sua
republicação.
A última alteração operada à Lei da Nacionalidade alargou o acesso à nacionalidade com base no critério do
jus soli, tanto na aquisição da nacionalidade originária como por adoção e naturalização. Mantinha, no entanto,
algumas condicionantes a essa aquisição que a presente iniciativa legislativa pretende mitigar.
A lei da nacionalidade atualmente em vigor veio revogar a Lei n.º 2098, de 29 de julho de 1959, a qual previa,
na sua Base I, que eram portugueses, desde que tivessem nascido em território português: os filhos de pai
português; os filhos de mãe portuguesa, se o pai for apátrida, de nacionalidade desconhecida ou incógnito; os
filhos de pais apátridas, de nacionalidade desconhecida ou incógnitos; os filhos de pai estrangeiro, salvo se este
estiver em território português ao serviço do Estado a que pertence; os filhos de mãe estrangeira, se o pai for
apátrida, de nacionalidade desconhecida ou incógnito, salvo se aquela estiver em território português ao serviço
do Estado a que pertence.
Por sua vez, o Decreto-Lei n.º 308-A/75, de 24 de junho6, que estabelecia normas sobre a conservação da
nacionalidade portuguesa pelos portugueses domiciliados em território ultramarino tornado independente,
tomando em consideração «que o acesso à independência dos territórios ultramarinos sob administração
portuguesa, em resultado do processo de descolonização em curso, vem criar, como facto saliente, a aquisição
da nova nacionalidade por parte de indivíduos que, até àquela data, tinham a nacionalidade portuguesa», prevê,
no seu artigo 1.º, que «Conservam a nacionalidade os seguintes portugueses domiciliados em território
ultramarino tornado independente: a) Os nascidos em Portugal continental e nas ilhas adjacentes; b) Até à
independência do respetivo território, os nascidos em território ultramarino ainda sob administração portuguesa;
c) Os nacionalizados; d) Os nascidos no estrangeiro de pai ou mãe nascidos em Portugal ou nas ilhas adjacentes
ou de naturalizados, assim como, até à independência do respetivo território, aqueles cujo pai ou mãe tenham
2 Muito embora numerado como artigo 1.º. 3 Versão consolidada retirada do portal oficial dre.pt. 4 Retificado pela Declaração de Retificação n.º 11-I/2003, de 30 de setembro. 5 A alteração introduzida por este diploma, traduzida na revogação do artigo 20.º da Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, dizia respeito à gratuitidade dos registos das declarações para a atribuição da nacionalidade portuguesa e os registos oficiosos, bem como os documentos necessários para uns e outros, não afetando a área de reserva absoluta de competência legislativa a que se refere a alínea f) do artigo 164.º da Constituição. 6 Entretanto, revogado pela Lei n.º 113/88, de 29 de dezembro.
Página 177
11 DE DEZEMBRO DE 2019
177
nascido em território ultramarino ainda sob administração portuguesa; e) Os nascidos no antigo Estado da Índia
que declarem querer conservar a nacionalidade portuguesa; f) A mulher casada com, ou viúva ou divorciada de,
português dos referidos nas alíneas anteriores e os filhos menores deste.» Também o artigo 2.º deste diploma
é direcionado para os nascidos nos então territórios ultramarinos e seus descendentes já existentes à data do
diploma.
Da análise da Lei n.º 2098, de 29 de julho de 1959, e do Decreto-Lei n.º 308-A/75, de 24 de junho, resulta a
conclusão de que ficam desprotegidos, em termos de atribuição da nacionalidade, os nascidos em Portugal
continental ou nas regiões autónomas entre o dia 25 de Abril de 1974 e a entrada em vigor da atual lei da
nacionalidade, que sejam filhos dos cidadãos que passaram a ser considerados estrangeiros por aplicação
conjugada daqueles dois diplomas, situação que a presente iniciativa legislativa pretende colmatar.
II. Enquadramento parlamentar
Iniciativas pendentes (iniciativas legislativas e petições)
Consultada a base de dados da Atividade Parlamentar (AP), verificou-se estarem pendentes as seguintes
iniciativas legislativas (mas não petições) sobre a matéria em apreço (e cuja discussão na generalidade conjunta
com a presente iniciativa está já agendada para a sessão plenária de 11 de dezembro de 2019:
– Projeto de Lei n.º 3/XIV (BE) – Altera a Lei da Nacionalidade e o Regulamento Emolumentar dos Registos
e Notariado (nona alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro e trigésima quarta alteração ao Decreto-Lei n.º 322-
A/2001, de 14 de dezembro);
– Projeto de Lei n.º 117/XIV (PAN) – Alarga o acesso à naturalização às pessoas nascidas em território
português após o dia 25 de Abril de 1974 e antes da entrada em vigor da Lei da Nacionalidade (procede à nona
alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro);
– Projeto de Lei n.º 126/XIV (L) – Nona alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro (Lei da Nacionalidade).
Antecedentes parlamentares (iniciativas legislativas e petições)
De anteriores Legislaturas, como antecedentes parlamentares do presente projeto de lei, encontram-se
registadas as seguintes iniciativas legislativas e petições:
Da XIII Legislatura:
– Projeto de Lei n.º 364/XIII (PSD) – Altera a Lei n.º 37/81 (Lei da Nacionalidade);
– Projeto de Lei n.º 390/XIII (BE) – Altera a Lei da Nacionalidade, aprovada pela Lei n.º 37/81, de 3 de outubro,
e o Regulamento Emolumentar dos Registos e Notariado, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 322-A/2001, de 14 de
dezembro;
– Projeto de Lei n.º 428/XIII (PCP) – Nona alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro (Lei da Nacionalidade)7;
– Projeto de Lei n.º 548/XIII (PAN) – Altera a Lei da Nacionalidade;
– Projeto de Lei n.º 544/XIII (PS) – Oitava alteração à Lei da Nacionalidade, aprovada pela Lei n.º 37/81, de
3 de outubro, alterada pela Lei n.º 25/94, de 19 de agosto, pelo Decreto-Lei n.º 322-A/2001, de 14 de dezembro,
e pelas Leis Orgânicas n.º 1/2004, de 15 de janeiro, n.º 2/2006, de 17 de abril, n.º 1/2013, de 29 de julho, n.º
8/2015, de 22 de junho e n.º 9/2015, de 29 de julho.
Estas iniciativas, discutidas e votadas indiciariamente na Comissão de Assuntos Constitucionais da XIII
Legislatura, deram origem a um texto de substituição desta Comissão, que culminou na aprovação da Lei
Orgânica n.º 2/2018, de 5 de julho.
– Projeto de Lei n.º 479/XIII (CDS-PP) – Determina a perda da nacionalidade portuguesa, por parte de quem
seja também nacional de outro Estado, em caso de condenação pela prática do crime de terrorismo (oitava
alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro – Lei da Nacionalidade) – rejeitado na generalidade em 19 de maio
de 2017, com votos contra do PS, do BE, do PCP, do PEV, do PAN, a favor do CDS-PP e a abstenção do PSD.
7 Daria origem à Lei Orgânica n.º 2/2018, de 5 de julho.
Página 178
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
178
Da XII Legislatura:
– O Projeto de Lei n.º 373/XII (PS) – «Quinta alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro (Lei da
Nacionalidade)»8;
– O Projeto de Lei n.º 382/XII (PSD) – «Quinta alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro (Lei da
Nacionalidade) Estende a nacionalidade portuguesa originária aos netos de portugueses nascidos no
estrangeiro»;9
– O Projeto de Lei n.º 387/XII (PCP) – «Quinta alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro (Lei da
Nacionalidade)»;10
– O Projeto de Lei n.º 394/XII (CDS-PP) – «Quinta alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro (Lei da
Nacionalidade) Nacionalidade portuguesa de membros de comunidades de judeus sefarditas expulsos de
Portugal»11;
– O Projeto de Lei n.º 400/XII (BE) – «Altera a Lei da Nacionalidade (quinta alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de
outubro)»12;
– A Proposta de Lei n.º 280/XII (GOV) – «Procede à sexta alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro (Lei da
Nacionalidade), fixando novos fundamentos para a concessão da nacionalidade por naturalização e para
oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa»13.
Da XI Legislatura, encontramos ainda o Projeto de Lei n.º 30/XI (PSD) – «Altera a Lei da Nacionalidade
estendendo a nacionalidade portuguesa originária aos netos de portugueses nascidos no estrangeiro».14
Da anterior Legislatura, registam-se as seguintes petições, de apreciação já concluída:
– Petição n.º 618/XIII/4 Solicitam a alteração de alguns critérios de concessão de nacionalidade portuguesa;
– Petição n.º 617/XIII/4 Solicitam a concessão de nacionalidade portuguesa a cidadãos originários de países
colonizados por Portugal com 2 anos de residência no país;
– Petição n.º 590/XIII/4 Solicitam a revisão da interpretação que Portugal faz do artigo 5.º da Convenção
Europeia sobre a Nacionalidade;
– Petição n.º 576/XIII/4 Solicitam a atribuição de nacionalidade portuguesa a cidadãos oriundos de países
colonizados com 2 anos de residência;
– Petição n.º 390/XIII/3 – Solicita a alteração da Lei da Nacionalidade em matéria de reconhecimento da
nacionalidade originária aos filhos de imigrantes.
III. Apreciação dos requisitos formais
A iniciativa legislativa em análise é subscrita por dez Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Comunista
Português, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 167.º da Constituição e no artigo 118.º do Regimento da
Assembleia da República (doravante Regimento), que consagram o poder de iniciativa da lei. Trata-se de um
poder dos Deputados, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo
4.º do Regimento, e dos grupos parlamentares, nos termos da alínea g) do n.º 2 do artigo 180.º da Constituição
e da alínea f) do artigo 8.º do Regimento.
Reveste a forma de projeto de lei, nos termos do n.º 1 do artigo 119.º do Regimento. Encontra-se redigido
sob a forma de artigos, é precedido de uma breve exposição de motivos e tem uma designação que traduz
sinteticamente o seu objeto principal, dando assim cumprimento aos requisitos formais estabelecidos no n.º 1
do artigo 124.º do Regimento.
8 Discutido em conjunto com o Projeto de Lei n.º 394/XII, daria origem à Lei Orgânica n.º 1/2013. 9 Discutido em conjunto com o Projeto de Lei n.º 400/XII, daria origem à Lei Orgânica n.º 9/2015. O texto final da lei, relativo à alínea d) do n.º 1 do artigo 1.º, incluiria o requisito da «efetiva ligação à comunidade nacional» para a aquisição da nacionalidade portuguesa por parte de netos de portugueses. 10 Rejeitado. 11 Discutido e aprovado em conjunto com o Projeto de Lei n.º 373/XII. 12 Rejeitado. Foi discutido em conjunto com os Projetos de Lei n.os 382/XII e 387/XII. 13 Daria origem à Lei Orgânica n.º 8/2015. 14 Rejeitado.
Página 179
11 DE DEZEMBRO DE 2019
179
De igual modo, encontram-se respeitados os limites à admissão das iniciativas, previstos no n.º 1 do artigo
120.º do Regimento, uma vez que este projeto de lei define concretamente o sentido das modificações a
introduzir na ordem legislativa e parece não infringir princípios constitucionais.
A matéria sobre a qual versa o presente projeto de lei – «aquisição, perda e reaquisição da cidadania
portuguesa» – enquadra-se, por força do disposto na alínea f) do artigo 164.º da Constituição, no âmbito da
reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República. Assim, segundo o n.º 4 do artigo 168.º
da Constituição, a presente iniciativa legislativa carece de votação na especialidade pelo Plenário e, nos termos
do disposto no n.º 2 do artigo 166.º da Constituição, em caso de aprovação e promulgação revestirá a forma de
lei orgânica.
As leis orgânicas carecem «de aprovação, na votação final global, por maioria absoluta dos Deputados em
efetividade de funções», nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 168.º da Constituição. Refira-se, igualmente,
que o artigo 94.º do Regimento estatui que essa votação, por maioria qualificada, deve ser realizada com recurso
ao voto eletrónico.
Deve também ser tido em conta o disposto no n.º 5 do artigo 278.º da Constituição: «O Presidente da
Assembleia da República, na data em que enviar ao Presidente da República decreto que deva ser promulgado
como lei orgânica, dará disso conhecimento ao Primeiro-Ministro e aos grupos parlamentares da Assembleia da
República».
O projeto de lei em apreciação deu entrada a 22 de novembro de 2019. Foi admitido e baixou na generalidade
à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (1.ª) a 26 de novembro, por despacho
de S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República. No dia 27 de novembro foi anunciado em sessão plenária.
A respetiva discussão na generalidade encontra-se agendada para a reunião plenária de dia 11 de dezembro,
por arrastamento com o Projeto de Lei n.º 3/XIV/1.ª (BE) – cfr. Súmula da Conferência de Líderes n.º 5, de 20
de novembro de 2019.
Verificação do cumprimento da lei formulário
O título da presente iniciativa legislativa – «Alarga a aplicação do princípio do jus soli na Lei da Nacionalidade
Portuguesa (Nona alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, que aprova a Lei da Nacionalidade)» – traduz
sinteticamente o seu objeto, mostrando-se conforme ao disposto no n.º 2 do artigo 7.º da Lei n.º 74/98, de 11 de
novembro, conhecida como lei formulário15.
Consultando o Diário da República Eletrónico, verifica-se que a Lei da Nacionalidade, aprovada pela Lei n.º
37/81, de 3 de outubro, foi modificada, até ao momento, por oito atos legislativos. Este título encontra-se de
acordo com a regra de legística formal segundo a qual «o título de um ato de alteração deve referir o título do
ato alterado, bem como o número de ordem de alteração»16.
Conjugando a informação constante no título com o artigo único (numerado como artigo 1.º), o projeto de lei
está de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 74/98, de 11 de novembro: «Os diplomas que
alterem outros devem indicar o número de ordem da alteração introduzida e, caso tenha havido alterações
anteriores, identificar aqueles diplomas que procederam a essas alterações, ainda que incidam sobre outras
normas». Não obstante, os Deputados da Comissão podem considerar a possibilidade de inserir o número de
ordem de alteração igualmente no articulado (por exemplo através da inserção de uma norma sobre o objeto).
Caso se pretenda tornar o título mais conciso, também se sugere à Comissão que apenas seja referida uma
vez a Lei da Nacionalidade: «Alarga a aplicação do princípio do jus soli na Lei da Nacionalidade (Nona alteração
à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro)».
Tratando-se materialmente de uma lei orgânica, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 6.º da Lei n.º
74/98, de 11 de novembro, a Lei da Nacionalidade deve ser republicada em anexo às leis que a modificarem.
No entanto, o autor não promoveu essa republicação, pelo que o projeto de republicação deve ser elaborado
previamente à votação final global.
15 Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, que estabelece um conjunto de normas sobre a publicação, a identificação e o formulário dos diplomas, alterada e republicada pelas Leis n.os 2/2005, de 24 de janeiro, 26/2006, de 30 de junho, 42/2007, de 24 de agosto, e 43/2014, de 11 de julho. 16 Duarte, D., Sousa Pinheiro, A. et al (2002), Legística. Coimbra, Editora Almedina, pág. 201.
Página 180
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
180
Em caso de aprovação, esta iniciativa revestirá a forma de lei orgânica, nos termos do n.º 2 do artigo 166.º
da Constituição, pelo que deve ser objeto de publicação na 1.ª série do Diário da República, em conformidade
com o disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 74/98, de 11 de novembro.
No que respeita ao início de vigência, a iniciativa sub judice não contém uma norma de entrada em vigor,
pelo que, caso seja aprovada, aplicar-se-á o disposto no n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 74/98, de 11 de novembro,
que prevê que, na falta de fixação do dia, os diplomas «entram em vigor, em todo o território nacional e
estrangeiro, no 5.º dia após a sua publicação».
Nesta fase do processo legislativo, a iniciativa em análise não nos suscita outras questões no âmbito da lei
formulário.
IV. Análise de direito comparado
Enquadramento internacional
Países europeus
A legislação comparada é apresentada para os seguintes Estados da União Europeia: Espanha e França.
ESPANHA
A questão da aquisição e atribuição da nacionalidade espanhola é regulada pelo Código Civil espanhol, cujo
artigo 17.º, relativo à nacionalidade originária, considera como espanhóis de origem, os filhos de pai ou mãe
espanhola, os nascidos em Espanha de pais estrangeiros se pelo menos um deles tiver nascido em Espanha,
excetuando-se os filhos de funcionário diplomático ou consular acreditado em Espanha [artigo 17.º, n.º 1, alínea
b)]. De igual modo, são considerados espanhóis os nascidos em Espanha de pais estrangeiros, se ambos
carecerem de nacionalidade ou se a legislação aplicável aos pais não atribuir uma nacionalidade ao filho [artigo
17.º. n.º 1, alínea c)]. Além destes casos, também os nascidos em Espanha cuja filiação não resulte determinada
são espanhóis de origem [artigo 17.º, n.º 1, alínea d)].
No entanto, a filiação ou o nascimento em Espanha cuja determinação que ocorra depois dos 18 anos de
idade não constitui por si só causa de aquisição da nacionalidade espanhola, podendo o interessado optar pela
nacionalidade espanhola de origem no prazo de dois anos a contar daquele facto (artigo 17.º, n.º 2).
Por outro lado, e de acordo com o previsto no n.º 1 do artigo 19.º, o estrangeiro menor de 18 anos de idade
adotado por cidadão espanhol adquire, desde a adoção, a nacionalidade espanhola de origem. Se o adotado
for maior de 18 anos, pode optar pela nacionalidade espanhola originária no prazo de dois anos a partir da
constituição da adoção (n.º 2). Se, de acordo com o ordenamento jurídico do país de origem, o adotado puder
manter a sua nacionalidade, esta é também reconhecida em Espanha.
Para a concessão da nacionalidade por residência, um dos casos em que esta pode ser atribuída é o de
pessoa a residir em Espanha há pelo menos 10 anos, sendo suficientes cinco anos para os que hajam obtido o
estatuto de refugiados e dois anos para os cidadãos nacionais de origem de países ibero-americanos, Andorra,
Filipinas, Guiné Equatorial, Portugal ou sefarditas (artigos 21.º, n.os 2 e 4, e 22.º, n.º 1). Basta o tempo de
residência de um ano, de entre outros casos, para quem haja nascido em território espanhol [artigo 22.º, n.º 2,
alínea a)]. Em todos os casos de naturalização por residência, esta tem de ser legal e continuada (artigo 22.º,
n.º 3).
Cumpre mencionar a existência, da autoria do Governo espanhol, de uma coletânea legislativa com todas as
normas relativas à nacionalidade e estado civil, disponível no seu portal na Internet.
FRANÇA
A matéria da nacionalidade é tratada no Código Civil, especificamente nos artigos 17 a 33-2.
Deste modo, tem nacionalidade francesa a criança que tenha pelo menos um dos progenitores de
nacionalidade francesa (artigo 18), a criança nascida em França de pais desconhecidos (artigo 19) e a criança
Página 181
11 DE DEZEMBRO DE 2019
181
nascida em França filha de pelo menos um progenitor também nascido em França, embora, neste caso, haja a
faculdade de renunciar à nacionalidade francesa, desde que o faça durante os seis meses anteriores à data em
que atingir os 18 anos de idade e os 12 meses seguintes (artigos 19-3 e 19-4).
Em razão da residência, uma criança nascida em França de pais estrangeiros adquire a nacionalidade
francesa uma vez atingida a maioridade se, à data em que a atingir, estiver a residir em território francês e nele
tiver tido residência habitual durante um período, seguido ou interpolado, de pelo menos cinco anos desde os
onze de idade (artigo 21-7). No entanto, o menor de idade pode pedir a atribuição da nacionalidade francesa a
partir dos 16 anos se, à data do pedido, estiver a residir em território francês e nele tiver tido residência habitual
durante um período, seguido ou interpolado, de pelo menos cinco anos desde os onze anos de idade; nas
mesmas condições, a nacionalidade francesa pode ser reclamada, em nome do menor nascido em França de
pais estrangeiros, a partir dos 13 anos de idade, devendo neste caso a condição da residência habitual em
França por pelo menos cinco anos ter de ser preenchida a partir dos oito anos de idade (artigo 21-11).
O portal governamental service-public.fr dispõe de uma página dedicada à temática da nacionalidade
francesa na qual pode ser consultada informação prática sobre o procedimento e obtida informação adicional
sobre a temática.
V. Consultas e contributos
Consultas obrigatórias e facultativas
Em 27 de novembro de 2019, a Comissão promoveu a consulta escrita do Conselho Superior da Magistratura,
do Conselho Superior do Ministério Público e da Ordem dos Advogados.
Todos os pareceres e contributos remetidos à Assembleia da República serão publicados na página desta
iniciativa na Internet.
VI. Avaliação prévia de impacto
Avaliação sobre impacto de género
O preenchimento, pelo proponente, da ficha de avaliação prévia de impacto de género da presente iniciativa,
em cumprimento do disposto na Lei n.º 4/2018, de 9 de fevereiro, devolve como resultado uma valoração positiva
do impacto de género.
Linguagem não discriminatória
Na elaboração dos atos normativos a especificação de género deve ser minimizada recorrendo-se, sempre
que possível, a uma linguagem neutra ou inclusiva, mas sem colocar em causa a clareza do discurso.
Sem prejuízo de uma análise mais detalhada, na apreciação na especialidade ou na redação final, nesta fase
do processo legislativo a redação do projeto de lei não nos suscita questões relacionadas com a linguagem
discriminatória em relação ao género, uma vez que respeita a terminologia utilizada na Lei da Nacionalidade.
VII. Enquadramento bibliográfico
CANAS, Vitalino – Nacionalidade portuguesa depois de 2006. Revista da Faculdade de Direito da
Universidade de Lisboa. Coimbra. ISSN 0870-3116. Vol. 48, n.º 1 e 2 (2007), p. 509-538. Cota: RP-226.
Resumo: O presente artigo incide, no essencial, sobre as alterações à lei da nacionalidade introduzidas pela
Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de abril. Segundo o autor, a característica mais proeminente da reforma foi o
sentido geral de alargamento dos mecanismos de atribuição e aquisição da nacionalidade, quer originária, quer
Página 182
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
182
derivada, bem como de facilitação e de aligeiramento dos processos e requisitos vigentes. A análise incide
especialmente sobre essas alterações, nomeadamente no que se refere à cidadania originária e não originária,
reforço do critério do jus soli, e do jus sanguinis, requisito da residência, situações de apatridia, residência legal
de progenitor, regime da oposição à aquisição de nacionalidade por efeito da vontade ou da adoção e articulação
com a lei dos estrangeiros.
COSTA, Paulo Manuel – Oposição à aquisição da nacionalidade: a inexistência de ligação efetiva à
comunidade nacional. Revista da Ordem dos Advogados. Ano 72, n.º 4 (out. – dez. 2012). p. 1453-1481. Cota:
RP-172
Resumo: O autor debruça-se sobre a Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, com as alterações introduzidas pela Lei
Orgânica n.º 2/2006, de 17 de abril. Refere os critérios para a determinação dos indivíduos titulares da
nacionalidade: o jus sanguinis e o jus soli. Para além destas situações de atribuição, a titularidade da
nacionalidade portuguesa pode resultar da sua aquisição por efeito da vontade, pela adoção ou pela
naturalização.
A análise realizada incide essencialmente sobre o instituto jurídico da oposição à aquisição da nacionalidade
no quadro normativo português, que consiste no poder conferido pelo nosso ordenamento jurídico, ao Ministério
Público, de se opor à aquisição da nacionalidade portuguesa por inexistência de ligação efetiva à comunidade
nacional; pela condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de
prisão de máximo igual ou superior a 3 anos; ou pela existência de perigo ou ameaça para a segurança ou
defesa nacional, pelo envolvimento em atividades relacionadas com a prática de terrorismo.
DUARTE, Feliciano Barreiras – Regime Jurídico Comparado do direito de cidadania: análise e estudo
das leis da nacionalidade de 40 países. Pref. Luís Marques Guedes. Lisboa: Âncora, 2009. ISBN 978-972-
7802449. Cota: 12.06.7 – 423/2009.
Resumo: O citado estudo reúne a legislação comparada sobre o direito de cidadania de 40 países (entre os
quais: Alemanha, Angola, Áustria, Bélgica, Brasil, Canadá, Dinamarca, Eslovénia, Espanha, Estados Unidos,
Finlândia, França, Grécia, Holanda, Hungria, Itália, Japão, Noruega, Polónia, Portugal, Reino Unido, Rússia,
Suécia, Suíça, etc.), com o objetivo de evidenciar as principais linhas de força consagradas nos ordenamentos
jurídicos dos diversos Estados a respeito da aquisição e da perda da nacionalidade. O autor não teve como
objetivo apresentar exaustivamente todas as regras dos regimes jurídicos nacionais sobre o direito da
nacionalidade, mas sim as normas substantivas que regem a sua aquisição e perda e, de entre estas, as que
se afiguram mais relevantes.
GIL, Ana Rita – Princípios de direito da nacionalidade: sua consagração no ordenamento jurídico português.
O direito. Lisboa. ISSN 0873-4372. Ano 142, Vol. IV (2010), p. 723-760. Cota: RP-270.
Resumo: A autora refere os princípios do direito internacional e da União Europeia que devem guiar o
legislador nacional na hora de determinar quem são os cidadãos portugueses. Do direito da UE derivam
condicionantes que podem consubstanciar limites à definição dos próprios critérios de aquisição da
nacionalidade, impondo certas cautelas que não se compadecem, por exemplo, com o reconhecimento de um
direito absoluto de jus soli, ou com naturalizações em massa injustificada de nacionais de países terceiros.
Analisa o regime português de acesso à nacionalidade (Lei da Nacionalidade portuguesa de 1981), bem
como a reforma do direito da nacionalidade português ocorrida com a aprovação da Lei Orgânica n.º 2/2006, de
17 de abril, que modificou substancialmente os regimes da atribuição e da aquisição da nacionalidade
portuguesa, traduzindo-se num claro aumento do número de aquisições da nacionalidade.
A autora analisa o regime de acesso à nacionalidade, em vigor a partir de 2006, à luz de alguns dos principais
princípios que são um limite à liberdade de conformação legislativa: o princípio da nacionalidade efetiva, da
unidade de nacionalidade familiar, da proibição da discriminação, da prevenção de apatridia, do direito
fundamental à cidadania e dos princípios que devem enformar os procedimentos administrativos de
nacionalidade.
Página 183
11 DE DEZEMBRO DE 2019
183
HUDDLESTON, Thomas, [et al.] – Migrant Integration Policy Index (2015) [Em linha]. Barcelona: Center
for International Affairs, 2015. [Consult. 11 nov. 2019]. Disponível na intranet da AR: http://catalogobib.parlamento.pt:81/images/winlibimg.aspx?skey=&doc=128992&img=14499&save=true> ISBN 978-84-92511-45-7. Resumo: O Índice de Políticas de Integração de Migrantes (MIPEX) constitui um guia de referência, bem como uma ferramenta totalmente interativa para avaliar, comparar e melhorar as políticas de integração. A edição de 2015 avalia as referidas políticas de integração em 38 países: os Estados-Membros da União Europeia; Austrália; Canadá; Islândia; Japão; Coreia do Sul; Nova Zelândia; Noruega; Suíça; Turquia e Estados Unidos, através de 167 indicadores, fornecendo uma imagem rica e multidimensional das oportunidades colocadas à disposição dos imigrantes para participar na sociedade, avaliando o compromisso dos diversos governos relativamente à sua integração. Um dos aspetos focados neste índice prende-se diretamente com a matéria do presente projeto de lei, ao abordar a questão do acesso à nacionalidade nas páginas 57 a 62. Apresenta ainda os perfis para cada um dos 38 países estudados, de acordo com os diversos indicadores selecionados para medir as políticas de integração nesses países. O perfil relativo ao nosso país pode ser consultado nas páginas 176 a 179, verificando-se que Portugal surge como o país que tem a lei da nacionalidade mais favorável. OCDE – Naturalisation: a passport for the better integration of immigrants? [Em linha]. Paris: OCDE, 2011. [Consult. 11 nov. 2019]. Disponível na intranet da AR: http://catalogobib.parlamento.pt:81/images/winlibimg.aspx?skey=&doc=128995&img=14497&save=true> ISBN 978-92-64-09898-5. Resumo: Este documento reúne as atas do Seminário conjunto OCDE/Comissão Europeia sobre Naturalização e Integração Socioeconómica dos imigrantes e dos seus filhos, realizado em outubro de 2010, em Bruxelas. Faz um balanço dos conhecimentos atuais sobre as ligações entre a atribuição da nacionalidade pelo país de acolhimento e a integração socioeconómica dos imigrantes. Aborda também o papel da naturalização como instrumento no quadro geral da política de imigração e integração, com o objetivo de identificar boas práticas a partir de diferentes experiências registadas em países da União Europeia e da OCDE. O Capítulo 2 «The current status of nationality law» apresenta o ponto da situação relativamente à legislação em vigor, nos diferentes países analisados, relativamente à nacionalidade, com referência particular para a aquisição de nacionalidade por nascimento; aquisição da nacionalidade através da naturalização ou outros procedimentos e, por fim, a perda da nacionalidade. RAMOS, Rui Manuel Moura – Estudos de Direito Português da Nacionalidade. Coimbra: Coimbra Editora, 2013. ISBN 978-972-32-2135-0. Cota 12.23 – 88/2017. Resumo: Nesta compilação de artigos, o autor faz a análise jurídica das alterações legais ao direito da nacionalidade em Portugal (1975, 1981, 1994, 2004 e 2006). O Capítulo 14 (p. 523), analisa detalhadamente as alterações introduzidas pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de abril. Na conclusão, ao fazer o balanço geral e a apreciação crítica da referida lei, conclui que a principal linha de força que emerge da nova alteração legislativa é o reforço do jus soli, decorrente «da progressiva caracterização de Portugal como país de imigração», e expresso quer na introdução da regra do duplo jus soli (do interessado e de um dos seus progenitores), quer no encurtamento do prazo de residência legal do progenitor em Portugal. Salienta que o jus soli continua a não relevar de forma incondicionada na atribuição da nacionalidade portuguesa, embora contribua para favorecer a integração das comunidades imigradas, nomeadamente de segunda e terceira geração. Enfatiza ainda as consequências da nova configuração dada à figura da naturalização, que passa a decorrer forçosamente da verificação do preenchimento de determinado número de pressupostos legais previamente fixados, pressupostos significativamente aligeirados e tornados menos onerosos para o interessado, reduzindo o poder de apreciação do governo. ———
Página 184
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
184
PROJETO DE LEI N.º 121/XIV/1.ª
(APROVA O ESTATUTO DO ANTIGO COMBATENTE)
Parecer da Comissão de Defesa Nacional e nota técnica elaborada pelos serviços de apoio
Parecer
Índice
PARTE I – Considerandos
PARTE II – Opinião da Deputada autora do parecer
PARTE III – Conclusões
PARTE I – CONSIDERANDOS
1.1. NOTA PRÉVIA
O Grupo Parlamentar do PCP tomou a iniciativa de apresentar à Assembleia da República, em 22 de
novembro de 2019, o Projeto de Lei n.º 121/XIV/1.ª, que pretende aprovar o Estatuto do Antigo Combatente.
Esta apresentação foi efetuada de acordo com os termos nos termos do artigo 167.º da Constituição da
República Portuguesa (CRP) e do 118.º do Regimento da Assembleia da República (RAR), que consubstanciam
o poder de iniciativa de lei. Trata-se de um poder dos Deputados, por força do disposto na alínea b) do artigo
156.º da CRP e na alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do RAR, bem como dos grupos parlamentares, e também pelo
disposto na alínea g) do n.º 2 do artigo 180.º da CRP e da alínea f) do artigo 8.º do RAR.
Por despacho, de S. Ex.ª, o Presidente da Assembleia da República, de 28 de novembro do corrente ano, a
iniciativa vertente baixou, para emissão de parecer, à Comissão de Defesa Nacional, considerada a Comissão
competente para tal.
Tendo sido realizada uma consulta à base de dados da Atividade Parlamentar, verificou-se existirem
pendentes, sobre matéria idêntica, as seguintes iniciativas legislativas e projetos de resolução:
Projeto de Lei n.º 27/XIV/1.ª (CDS-PP) – Aprova o Estatuto do Antigo Combatente e procede à sétima
alteração ao Decreto-lei n.º 503/99, de 20 de novembro e à primeira alteração à Lei n.º 3/2009, de 13 de janeiro;
Projeto de Lei n.º 57/XIV/1.ª (PAN) – Aprova o Estatuto do Antigo Combatente e alarga os direitos dos
antigos combatentes, antigos militares e deficientes das forças armadas (procede à sétima alteração ao Decreto-
lei n.º 503/99, de 20 de novembro, à primeira alteração da Lei n.º 9/2002, de 11 de fevereiro, à primeira alteração
à Lei n.º 3/2009, de 13 de janeiro e à primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 76/2018, de 11 de outubro);
Projeto de Resolução n.º 113/XIV/1.ª (PS) – Recomenda ao Governo que proceda ao levantamento
atualizado e transversal de matérias a prever na criação do Estatuto dos Antigos Combatentes, com vista ao
desenvolvimento de novo regime jurídico próprio que atenda à sua especificidade e necessidades.
1.2. ÂMBITO DA INICIATIVA
A iniciativa do GP PCP visa aprovar o Estatuto do Antigo Combatente, pretendendo ser a expressão do
reconhecimento e solidariedade do Estado aos militares e ex-militares que cumpriram o serviço militar em
condições especiais de dificuldade ou perigo.
Para o efeito, o PCP considera como antigos combatentes aqueles cidadãos referidos no artigo 1.º da Lei n.º
9/2002, de 11 de fevereiro, e no artigo 2.º da Lei n.º 3/2009, de 13 de janeiro, ou seja, os militares dos quadros
permanentes e ex-militares mobilizados ou oriundos do recrutamento local e militares dos quadros permanentes
que prestaram serviço nas campanhas militares que decorreram em África entre 1961 e 1975; que foram
Página 185
11 DE DEZEMBRO DE 2019
185
capturados ou aprisionados em combate, ou que se encontrassem no território, durante as operações
decorrentes da invasão da República da Índia pela União Indiana; ou que se encontrassem no território de Timor-
Leste entre o dia 25 de Abril de 1974 e a saída das Forças Armadas portuguesas daquele território, que sejam
beneficiários do sistema previdencial de segurança social, de quaisquer regimes do subsistema de solidariedade
do mesmo sistema, de qualquer sistema de segurança social de Estados-Membros da União Europeia, do
espaço económico europeu, ou de outros Estados com que tenham sido celebrados instrumentos internacionais
nesse sentido; ou ainda que sejam abrangidos por alguns regimes específicos e privados de proteção social.
Tal como salienta a nota técnica elaborada pelos serviços da Assembleia da República sobre a iniciativa do
PCP, é definido, como tempo relevante de serviço militar, para efeitos do proposto estatuto, o período de tempo
decorrido entre o mês de incorporação e o mês da passagem à situação de disponibilidade.
1.3. ANÁLISE DA INICIATIVA
O projeto de lei do PCP pretende consagrar aos militares acima referidos, um leque de direitos que vão desde
a expressão social de reconhecimento à isenção do pagamento de taxas de justiça e de taxas moderadoras e
outros apoios na saúde.
É também criado o cartão do antigo combatente que, fazendo prova dessa condição, assegura o acesso aos
direitos previstos na lei, acompanhado de um emblema de lapela que identifica o antigo combatente, reforçando
o reconhecimento social destes cidadãos.
O proposto estatuto prevê também um complemento especial de pensão, a auferir pelos antigos
combatentes, correspondente a 3,5% do valor da respetiva pensão por cada ano de serviço militar, ou
duodécimos respetivos por cada mês de serviço, que pode ser acrescido de mais 3,5% por cada ano/duodécimo
nos casos em que a permanência em zonas de perigosidade acrescida justifique o suplemento especial de
pensão. Quer o complemento quer o suplemento são transmissíveis ao cônjuge sobrevivo do titular.
É igualmente estabelecida uma pensão mínima de dignidade para os antigos combatentes beneficiários da
segurança social e da Caixa Geral de Aposentações cujas pensões sejam inferiores ao salário mínimo nacional,
prevendo-se que o valor das pensões seja recalculado de forma faseada, com aumento de valor para 75% do
salário mínimo no primeiro ano após entrada em vigor do estatuto, sendo o restante ajustado anualmente.
Para o PCP o Governo deve criar mecanismos de apoio social aos antigos combatentes na saúde e na
velhice, impedindo o surgimento de situações de exclusão social.
São também consagradas honras militares e direito ao sepultamento em talhão de combatentes aquando do
falecimento de antigo combatente.
De igual modo, a iniciativa do PCP prevê que os corpos de antigos combatentes sepultados no estrangeiro
podem ser repatriados a custas do Estado sempre que haja solicitação de familiares nesse sentido sendo dado
à Liga dos Combatentes, um papel determinante, na manutenção de cemitérios e talhões de antigos
combatentes em Portugal e no estrangeiro.
PARTE II – OPINIÃO DA DEPUTADA AUTORA DO PARECER
A signatária do presente relatório exime-se, nesta sede, de manifestar a sua opinião política sobre o Projeto
de Lei n.º 121/XIV/1.ª, a qual é, de resto, de «elaboração facultativa» nos termos do n.º 3 do artigo 137.º do
Regimento da Assembleia da República, reservando o seu grupo parlamentar a sua posição para o debate em
Plenário.
PARTE III – CONCLUSÕES
1. O GP PCP, no âmbito do seu poder de iniciativa, apresentou a Projeto de Lei n.º 12/XIV/1.ª que pretende
aprovar o Estatuto do Antigo Combatente;
Página 186
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
186
2. Nestes termos, a Comissão de Defesa Nacional é de parecer que o Projeto de Lei n.º 121/XIV/1.ª que
aprova o Estatuto do Antigo Combatente, está em condições de ser discutido e votado no Plenário da
Assembleia da República.
Palácio de S. Bento, 11 de dezembro de 2019.
A Deputada autora do parecer, Ana Miguel Santos — O Presidente da Comissão, Marcos Perestrello.
Nota: As partes I e III do parecer foram aprovadas, por unanimidade, na reunião da Comissão de 11 de
dezembro de 2019.
Nota Técnica
Projeto de Lei n.º 121/XIV/1.ª (PCP)
Aprova o Estatuto do Antigo Combatente.
Data de admissão: 28 de novembro de 2019.
Comissão de Defesa Nacional (3.ª).
Índice
I. Análise da iniciativa
II. Enquadramento parlamentar
III. Apreciação dos requisitos formais
IV. Análise de direito comparado
V. Consultas e contributos
VI. Avaliação prévia de impacto
Elaborada por: Luís Martins (DAPLEN), Maria João Godinho e Cristina Ferreira (DILP), Patrícia Grave (DAC). Data: 5 de dezembro de 2019.
I. Análise da iniciativa
A iniciativa
A iniciativa em apreço visa aprovar o Estatuto do Antigo Combatente, pretendendo ser a expressão do
reconhecimento e solidariedade do Estado aos militares e ex-militares que cumpriram o serviço militar em
condições especiais de dificuldade ou perigo.
São considerados antigos combatentes os referidos no artigo 1.º da Lei n.º 9/2002, de 11 de fevereiro, e no
artigo 2.º da Lei n.º 3/2009, de 13 de janeiro, ou seja, os militares dos quadros permanentes e ex-militares
mobilizados ou oriundos do recrutamento local e militares dos quadros permanentes que prestaram serviço nas
campanhas militares que decorreram em África entre 1961 e 1975; que foram capturados ou aprisionados em
combate, ou que se encontrassem no território, durante as operações decorrentes da invasão da República da
Índia pela União Indiana; ou que se encontrassem no território de Timor-Leste entre o dia 25 de Abril de 1974 e
a saída das Forças Armadas portuguesas daquele território, que sejam beneficiários do sistema previdencial de
Página 187
11 DE DEZEMBRO DE 2019
187
segurança social, de quaisquer regimes do subsistema de solidariedade do mesmo sistema, de qualquer sistema
de segurança social de Estados-Membros da União Europeia, do espaço económico europeu, ou de outros
Estados com que tenham sido celebrados instrumentos internacionais nesse sentido; ou que sejam abrangidos
por alguns regimes específicos e privados de proteção social.
É definido, como tempo relevante de serviço militar, para efeitos do proposto estatuto, o período de tempo
decorrido entre o mês de incorporação e o mês da passagem à situação de disponibilidade.
É ainda consagrado um leque de diretos que vão desde a expressão social de reconhecimento à isenção do
pagamento de taxas de justiça e de taxas moderadoras e outros apoios na saúde.
É também criado o cartão do antigo combatente que, fazendo prova dessa condição, assegura o acesso aos
direitos previstos na lei, acompanhado de um emblema de lapela que identifica o antigo combatente, reforçando
o reconhecimento social destes cidadãos.
O proposto estatuto prevê também um complemento especial de pensão, a auferir pelos antigos
combatentes, correspondente a 3,5% do valor da respetiva pensão por cada ano de serviço militar, ou
duodécimos respetivos por cada mês de serviço, que pode ser acrescido de mais 3,5% por cada ano/duodécimo
nos casos em que a permanência em zonas de perigosidade acrescida justifique o suplemento especial de
pensão. Quer o complemento quer o suplemento são transmissíveis ao cônjuge sobrevivo do titular.
É igualmente estabelecida uma pensão mínima de dignidade para os antigos combatentes beneficiários da
segurança social e da Caixa Geral de Aposentações cujas pensões sejam inferiores ao salário mínimo nacional,
prevendo-se que o valor das pensões seja recalculado de forma faseada, com aumento de valor para 75% do
salário mínimo no primeiro ano após entrada em vigor do estatuto, sendo o restante ajustado anualmente.
Realçam ainda os proponentes a responsabilidade do Governo na criação de mecanismos de apoio social
aos antigos combatentes na saúde e na velhice, impedindo o surgimento de situações de exclusão social. São
também consagradas honras militares e direito ao sepultamento em talhão de combatentes aquando do
falecimento de antigo combatente. De igual modo, os corpos de antigos combatentes sepultados no estrangeiro
podem ser repatriados a custas do Estado sempre que haja solicitação de familiares nesse sentido.
Especial papel é dado à Liga dos Combatentes na manutenção de cemitérios e talhões de antigos
combatentes em Portugal e no estrangeiro.
Embora não visando, especificamente, os deficientes das Forças Armadas, o estatuto não prejudica a adoção
de regimes de apoio que tenham em conta as suas necessidades específicas.
Enquadramento jurídico nacional (DILP)
Conforme dispõe a Lei de Defesa Nacional1, no seu artigo 25.º, sob a epígrafe «Condição militar», «Os
militares das Forças Armadas servem, exclusivamente, a República e a comunidade nacional e assumem
voluntariamente os direitos e deveres que integram a condição militar, nos termos da lei.» As bases gerais do
estatuto da condição militar encontram-se previstas na Lei n.º 11/89, de 1 de junho2, que consagra um conjunto
de princípios que enquadram as respetivas carreiras e o exercício dos direitos e o cumprimento dos deveres
inerentes às funções.
A condição militar caracteriza-se por um conjunto de deveres e restrições, descritos nas alíneas a) a h) do
artigo 2.º da Lei n.º 11/89, e pela «consagração de especiais direitos, compensações e regalias, designadamente
nos campos da segurança social, assistência, remunerações, cobertura de riscos, carreiras e formação» [alínea
i) do mesmo artigo]. Entre eles, destaca-se que é garantido, «aos militares e suas famílias, de acordo com as
condições legalmente estabelecidas, um sistema de assistência e proteção, abrangendo, designadamente,
pensões de reforma, de sobrevivência e de preço de sangue e subsídios de invalidez e outras formas de
segurança, incluindo assistência sanitária e apoio social» (artigo 15.º, n.º 2).
A Lei n.º 9/2002, de 11 de fevereiro, estabelece o regime jurídico dos períodos de prestação de serviço militar
de ex-combatentes, para efeitos de aposentação e reforma. Esta lei teve origem nos Projetos de Lei n.os 33/VIII
(PSD), 99/VIII (CDS-PP) e 163/VIII (CDS-PP), cujo texto final, apresentado pela Comissão de Defesa Nacional,
foi aprovado por unanimidade em votação final global a 20 de dezembro de 2001.
1 Texto consolidado disponível no portal do Diário da República Eletrónico (DRE). 2 Trabalhos preparatórios disponíveis aqui.
Página 188
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
188
A Lei n.º 9/2002 reconheceu o direito a benefícios legais em função do tempo de serviço prestado aos antigos
combatentes elencados no n.º 2 do seu artigo 1.º, a saber:
– Os ex-militares mobilizados, entre 1961 e 1975, para os territórios de Angola, Guiné e Moçambique;
– Os ex-militares aprisionados ou capturados em combate durante as operações militares que ocorreram no
Estado da Índia aquando da invasão deste território por forças da União Indiana ou que se encontrassem nesse
território por ocasião desse evento;
– Os ex-militares que se encontrassem no território de Timor Leste entre o dia 25 de Abril de 1974 e a saída
das Forças Armadas Portuguesas desse território;
– Os ex-militares oriundos do recrutamento local e os militares dos quadros permanentes que se encontrem
abrangidos por qualquer das situações acima descritas.
A Lei n.º 9/2002 previa a atribuição de:
– Um complemento especial de pensão aos beneficiários do regime de solidariedade do sistema de
segurança social, correspondente a 3,5% do valor da respetiva pensão por cada ano de prestação de serviço
militar ou duodécimo daquele complemento por cada mês de serviço – previsto no artigo 6.º; e de
– Um acréscimo vitalício de pensão aos ex-combatentes subscritores da CGA, bem como aos beneficiários
do regime de segurança social que tenham prestado serviço em condições especiais de dificuldade ou perigo e
que, ao abrigo da legislação em vigor, tivessem já pago quotizações ou contribuições referentes ao período de
tempo acrescido de bonificação – previsto no artigo 7.º.
Para tanto, deveriam os ex-combatentes requerer a respetiva contagem de tempo de serviço militar para
efeitos de aposentação ou reforma até 31 de outubro de 2002. O Decreto-Lei n.º 303/2002, de 13 de dezembro,
veio prorrogar o prazo de entrega destes requerimentos até 31 de dezembro de 2002, sendo posteriormente
revogado pela Lei n.º 3/2009, de 13 de janeiro (referida abaixo).
O âmbito de aplicação pessoal da Lei n.º 9/2002 foi alargado a outros antigos combatentes pela Lei n.º
21/2004, de 5 de junho3, designadamente os emigrantes abrangidos por regimes de segurança social, bem
como os antigos combatentes não subscritores da Caixa Geral de Aposentações nem beneficiários dos regimes
de pensões do sistema público de segurança social, remetendo os respetivos termos para legislação a publicar.
Esta lei teve origem na Proposta de Lei n.º 107/IX (GOV), aprovada por unanimidade em votação final global a
24 de abril de 2004.
O Decreto-Lei n.º 160/2004, de 2 de julho, veio aprovar a regulamentação da Lei n.º 9/2002, visando «regular
os efeitos jurídicos dos períodos de prestação de serviço militar de antigos combatentes para efeitos de
atribuição de benefícios no âmbito dos regimes de proteção social» e prevendo, designadamente:
– A existência de um complemento especial de pensão, a pagar numa única prestação, em cada ano civil,
com carácter vitalício, calculado em função do tempo de serviço no ultramar, correspondendo, por cada ano, a
3,5% da pensão social;
– A criação o Fundo dos Antigos Combatentes para suportar os encargos;
– Remeter para «regulamentação própria a contagem do tempo de serviço militar prestado por antigos
combatentes emigrantes, bem como aqueles que não sejam subscritores da CGA nem beneficiários do regime
de pensões do sistema público de segurança social, designadamente bancários, advogados e solicitadores, que
venham a ser abrangidos pelo regime previsto na Lei n.º 9/2002, de 11 de fevereiro».
Posteriormente, foi aprovada a Lei n.º 3/2009, de 13 de janeiro4, que regula os efeitos jurídicos dos períodos
de prestação de serviço militar de antigos combatentes para efeitos de atribuição dos benefícios previstos nas
referidas Leis n.os 9/2002 e 21/2004, definindo os procedimentos necessários à atribuição dos benefícios
decorrentes dos períodos de prestação de serviço militar em condições especiais de dificuldade ou perigo e
revogando o Decreto-Lei n.º 160/2004. Esta lei teve origem na Proposta de Lei n.º 220/X, aprovada em votação
final global com os votos a favor do PS e contra dos restantes5.
A Lei n.º 3/2009 tem como âmbito de aplicação pessoal os antigos combatentes:
3 Retificada pela Declaração de Retificação n.º 60/2004, de 21 de junho. 4 Retificada pela Declaração de Retificação n.º 3/2009, de 26 de janeiro. Os respetivos trabalhos preparatórios podem ser consultados aqui. 5 PSD, PCP, CDS-PP, BE, PEV e a Deputada Não Inscrita Luísa Mesquita.
Página 189
11 DE DEZEMBRO DE 2019
189
a) Beneficiários do sistema previdencial de segurança social;
b) Beneficiários dos regimes do subsistema de solidariedade do sistema de segurança social;
c) Subscritores ou aposentados da Caixa Geral de Aposentações;
d) Abrangidos por sistemas de segurança social de Estados membros da União Europeia e demais Estados-
Membros do espaço económico europeu, bem como pela legislação suíça, coordenados pelos regulamentos
comunitários, ainda que não tenham sido beneficiários do sistema de segurança social nacional;
e) Abrangidos por sistemas de segurança social de Estados com os quais foram celebrados instrumentos
internacionais que prevejam a totalização de períodos contributivos, desde que tenham sido beneficiários do
sistema de segurança social nacional, ainda que não se encontre preenchido o prazo de garantia para acesso
a pensão;
f) Abrangidos pelo regime de proteção social dos bancários, beneficiários da Caixa de Previdência dos
Advogados e Solicitadores e da Caixa de Previdência do Pessoal da Companhia Portuguesa de Rádio Marconi.
Entre as alterações introduzidas pela Lei n.º 9/2002, refira-se que o requerimento para atribuição do direito
aos benefícios passa a poder ser apresentado a todo o tempo, através dos formulários aprovados pela Portaria
n.º 1035/2009, de 11 de setembro, e o complemento especial de pensão nos termos do Decreto-Lei n.º 160/2004
é convertido em suplemento especial de pensão, mantendo-se a atribuição do complemento especialde pensão
aos beneficiários dos regimes do subsistema de solidariedade de segurança social, nos termos do artigo 6.º da
Lei n.º 9/2002.
O Ministério da Defesa Nacional disponibiliza um guia sobre os benefícios a antigos combatentes atualmente
em vigor, que incluem:
– Contagem de tempo de serviço militar: de acordo com o referido guia, consiste nos «períodos de tempo
considerados para a atribuição de benefícios legalmente previstos e abrange o período de tempo decorrido entre
o mês de incorporação e o mês de passagem à situação de disponibilidade», incluindo o tempo de serviço militar
efetivo e as respetivas percentagens de acréscimo de serviço prestado em condições especiais de dificuldade
ou perigo (tempo de serviço bonificado);
– Dispensa do pagamento de quotas: «benefício que decorre da contagem do tempo de serviço efetivo e das
respetivas percentagens de acréscimo, a qual isenta o antigo combatente desse encargo»;
– Complemento especial de pensão: definido no referido guia como uma «prestação pecuniária cujo montante
corresponde a 3,5% do valor da pensão social por cada ano de prestação de serviço militar (tempo
efetivo+bonificação), ou o duodécimo daquele valor por cada mês de serviço (tempo efetivo+bonificação)»,
dependendo, assim, o seu montante do tempo de serviço militar e do tempo de serviço bonificado prestado em
condições de dificuldade ou perigo; as 14 mensalidades são pagas de uma só vez, em outubro de cada ano
(3,5% do valor da pensão social corresponde, em 2019, a 7,36€)6;
– Acréscimo vitalício de pensão: «prestação pecuniária de natureza indemnizatória, cujo valor tem por limite
os valores mínimos e máximo do suplemento especial de pensão» – em 2019, 77,97€ e 155,92€7,
respetivamente, calculado com base nos coeficientes atuariais aprovados em anexo à Lei n.º 3/2009 (tendo em
conta a idade do beneficiário em janeiro de 2004 ou à data do início da pensão, se posterior) e o montante das
contribuições pagas; é devido em 12 mensalidades, que são pagas em conjunto, uma vez por ano, em outubro;
– Suplemento especial de pensão: «montante calculado em função do tempo de serviço militar prestado em
condições especiais de dificuldade ou perigo»; o valor do suplemento especial de pensão em 2019 é de: 77,97€
para os antigos combatentes com bonificação de tempo de serviço até 11 meses; 103,95€ para os que detenham
uma bonificação de tempo de serviço entre 12 e 23 meses; 155,92€ para os que detenham uma bonificação de
tempo de serviço igual ou superior a 24 meses8; o suplemento especial de pensão é pago uma vez por ano.
Estes benefícios não são acumuláveis entre si, mas são-no com outras prestações a que o antigo combatente
tenha ou venha a ter direito, como as pensões de velhice ou invalidez. A segurança social disponibiliza também
guias práticos sobre o complemento especial de pensão, o acréscimo vitalício de pensão e o suplemento
especial de pensão9.
6 De acordo com informação constante do portal da Segurança Social. 7 Idem. 8 Valores indicados no portal da Segurança Social. 9 E dos quais constam os valores atualizados dos benefícios acima descritos.
Página 190
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
190
O Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro10, aprova o regime jurídico dos acidentes em serviço e das
doenças profissionais no âmbito da Administração Pública. O seu artigo 55.º determina a aplicação ao «Pessoal
militar e militarizado» do disposto no capítulo IV do mesmo decreto-lei (que regula a responsabilidade da Caixa
Geral de Aposentações em caso de morte ou incapacidade permanente resultante de acidente em serviço ou
de doença profissional), com as seguintes ressalvas:
– Excecionam-se dessa aplicação os deficientes das Forças Armadas a que se refere o Decreto-Lei n.º 43/76,
de 20 de janeiro;
– Excecionam-se do disposto no artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 503/99 (que regula o subsídio por situações
de elevada incapacidade permanente) os grandes deficientes das Forças Armadas nos termos do Decreto-Lei
n.º 314/90, de 13 de outubro.
Recorde-se, que o Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de janeiro11, reconhece o direito à reparação material e moral
que assiste aos deficientes das Forças Armadas e institui medidas e meios que concorram para a sua plena
integração na sociedade. Nos termos do seu artigo 1.º é considerado deficiente das Forças Armadas o cidadão
que, no cumprimento do serviço militar e na defesa dos interesses da Pátria, adquiriu uma diminuição na
capacidade geral de ganho, em resultado de acidente ocorrido:
– Em serviço de campanha ou em circunstâncias diretamente relacionadas com o serviço de campanha, ou
como prisioneiro de guerra;
– Na manutenção da ordem pública;
– Na prática de ato humanitário ou de dedicação à causa pública; ou
– No exercício das suas funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que
resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações referidas acima.
É também considerado deficiente das Forças Armadas o cidadão português que, sendo militar ou ex-militar,
seja portador de perturbação psicológica crónica resultante da exposição a fatores traumáticos de stress durante
a vida militar.
De entre a regulamentação daquele decreto-lei, refira-se a Portaria n.º 816/85, de 28 de outubro, que aprova
os modelos de cartões destinados aos deficientes das Forças Armadas (alterada pela Portaria n.º 884/85, de 21
de novembro).
Por outro lado, o Decreto-Lei n.º 314/90, de 13 de outubro, alterado pelos Decretos-Leis n.os 146/92, de 21
de julho, e 248/98, de 11 de agosto, estabelece o regime de benefícios para militares com grande deficiência. É
considerado grande deficiente das Forças Armadas (GDFA) o cidadão que, no cumprimento do dever militar e
não abrangido pelo Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de janeiro, adquiriu uma diminuição permanente na sua
capacidade geral de ganho, da qual resulte passagem à situação de reforma extraordinária ou atribuição de
pensão de invalidez e cuja desvalorização seja igual ou superior a 60%, sendo automaticamente considerado
GDFA o militar cuja desvalorização, já atribuída ou a atribuir pela junta médica competente, seja igual ou superior
a 60%. Ao GDFA é atribuído um abono suplementar de invalidez, calculado em função da percentagem de
desvalorização, e, sendo esta de 90% ou mais, tem direito a uma prestação suplementar de invalidez, destinada
a custear os encargos da utilização de serviços de acompanhante.
Recorde-se, por fim, que a Liga dos Combatentes, inicialmente designada Liga dos Combatentes da Grande
Guerra, foi fundada em 1923 e oficializada pela Portaria n.º 3888, de 29 de janeiro de 1924. Rege-se atualmente
pelo Estatuto aprovado pela Portaria n.º 119/99, de 10 de fevereiro, que lhe altera o nome para a atual
designação, e exerce a sua atividade sob a tutela do Ministro da Defesa Nacional.
A Liga dos Combatentes tem como objetivos: promover a exaltação do amor à Pátria e a divulgação, em
especial entre os jovens, do significado dos símbolos nacionais, bem como a defesa intransigente dos valores
morais e históricos de Portugal; promover o prestígio de Portugal, designadamente através de ações de
10 Texto consolidado disponível no portal do DRE. 11 Texto consolidado disponibilizado pela DataJuris, com as correções das Declaração de Retificação de 13 de fevereiro de 1976, pela Declaração de Retificação de 16 de março de 1976 e pela Declaração de Retificação de 26 de junho de 1976 e as alterações introduzidas pelos Decretos-Leis n.os 93/83, de 17 de fevereiro, 203/87, de 16 de maio, 224/90, de 10 de julho, 183/91, de 17 de maio e 259/93, de 22 de julho, e pelas Leis n.os 46/99, de 16 de junho, e 26/2009, de 18 de junho. Através do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 423/2001, de 9 de outubro, foi declarada a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes do artigo 1.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de janeiro, e do artigo 1.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 319/84, de 1 de outubro, na parte em que reservam a nacionais portugueses a qualificação como deficiente das Forças Armadas ou equiparado, limitando os efeitos da inconstitucionalidade, de modo que estes apenas se produzam a partir da publicação oficial do acórdão.
Página 191
11 DE DEZEMBRO DE 2019
191
intercâmbio com associações congéneres estrangeiras; promover a proteção e auxílio mútuo e a defesa dos
legítimos interesses espirituais, morais e materiais dos sócios; cooperar com os órgãos de soberania e da
Administração Pública com vista à realização dos seus objetivos, nomeadamente no que respeita à adoção de
medidas de assistência a situações de carência económica dos associados e de recompensa daqueles a quem
a Pátria deva distinguir por atos ou feitos relevantes praticados ao seu serviço; criar, manter e desenvolver
departamentos ou estabelecimentos de ensino, cultura, trabalho e solidariedade social em benefício geral do
País e direto dos seus associados (artigo 2.º da referida portaria). De entre as atividades de que dá conta no
respetivo portal na Internet, destacam-se as relativas à recuperação de talhões em cemitérios das ex-colónias
e a repatriação de restos mortais de antigos combatentes
(https://www.ligacombatentes.org.pt/conserva_ao_das_memorias).
II. Enquadramento parlamentar
Iniciativas pendentes (iniciativas legislativas e petições)
Efetuada consulta à base de dados da Atividade Parlamentar (AP), verificou-se existirem pendentes, sobre
matéria idêntica, as seguintes iniciativas legislativas e projetos de resolução:
- Projeto de Lei n.º 27/XIV/1.ª (CDS-PP) – Aprova o Estatuto do Antigo Combatente e procede à sétima
alteração ao Decreto-lei n.º 503/99, de 20 de novembro e à primeira alteração à Lei n.º 3/2009, de 13 de janeiro;
- Projeto de Lei n.º 57/XIV/1.ª (PAN) – Aprova o Estatuto do Antigo Combatente e alarga os direitos dos
antigos combatentes, antigos militares e deficientes das forças armadas (procede à sétima alteração ao Decreto-
lei n.º 503/99, de 20 de novembro, à primeira alteração da Lei n.º 9/2002, de 11 de fevereiro, à primeira alteração
à Lei n.º 3/2009, de 13 de janeiro e à primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 76/2018, de 11 de outubro);
- Projeto de Resolução n.º 113/XIV/1.ª (PS) – Recomenda ao Governo que proceda ao levantamento
atualizado e transversal de matérias a prever na criação do Estatuto dos Antigos Combatentes, com vista ao
desenvolvimento de novo regime jurídico próprio que atenda à sua especificidade e necessidades.
Antecedentes parlamentares (iniciativas legislativas e petições)
Na anterior Legislatura, com objeto coincidente com o da presente iniciativa, encontra-se registada a seguinte
iniciativa legislativa e projeto de resolução:
- Proposta de Lei 195/XIII/4.ª – Aprova o estatuto do antigo combatente;
- Projeto de Resolução n.º 2269/XIII/4.ª – Recomenda ao Governo que diligencie no sentido de proceder a um estudo sobre a forma como poderão vir a ser aprofundados e compatibilizados os benefícios constantes e
regulamentados nas Leis n.º 9/2002, de 11 de fevereiro, n.º 21/2004, de 5 de junho e n.º 3/2009, de 13 de janeiro,
referentes ao universo dos antigos combatentes.
III. Apreciação dos requisitos formais
Conformidade com os requisitos constitucionais, regimentais e formais
A presente iniciativa legislativaé apresentada e subscrita por dez Deputados do Grupo Parlamentar do
Partido Comunista Português (PCP), no âmbitodo seu poder de iniciativa, em conformidade com o disposto no
n.º 1 do artigo 167.º da Constituição da República Portuguesa (Constituição), bem como no artigo 118.º do
Regimento da Assembleia da República (RAR).
A iniciativa assume a forma de projeto de lei, nos termos do n.º 1 do artigo 119.º do RAR, apresenta-se
redigida sob a forma de artigos e contém uma designação que traduz sinteticamente o seu objeto principal, bem
como uma breve exposição de motivos, em conformidade com os requisitos formais previstos nas alíneas a), b)
e c) do n.º 1 do artigo 124.º do RAR, relativamente às iniciativas em geral.
Página 192
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
192
De igual modo, parece não infringir a Constituição ou os princípios nela consignados, definindo,
concretamente, o sentido das modificações a introduzir na ordem legislativa e, respeitando, assim, os limites à
admissão da iniciativa, previstos no n.º 1 do artigo 120.º do RAR.
Todavia, se da iniciativa legislativa em causa poderia resultar um aumento das despesas previstas no
Orçamento do Estado, o que constitui um limite à apresentação de projetos de lei, nos termos do n.º 2 do artigo
167.º da Constituição e do n.º 2 do artigo 120.º do RAR, também conhecido como lei-travão,a possível violação
deste limite previsto constitucional e regimentalmente encontra-se ultrapassada, já que, nos termos do artigo
17.º do articulado, e sem prejuízo da sua entrada em vigor nos termos gerais, a futura lei apenas produz efeitos
financeiros com a publicação da Lei do Orçamento do Estado posterior à sua aprovação.
O projeto de lei ora submetido à apreciação deu entrada em 22 de novembro. Por despacho do Presidente
da Assembleia foi admitido e anunciado em 28 de novembro, tendo baixado à Comissão de Defesa Nacional
neste mesmo dia.
Verificação do cumprimento da lei formulário
O título da presente iniciativa legislativa traduz sinteticamente o seu objeto, em conformidade com o disposto
no n.º 2 do artigo 7.º da Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, doravante conhecida como lei formulário.
Caso seja aprovada em votação final global, deve ser publicada sob a forma de lei na 1.ª Série do Diário da
República, conforme o disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 3.º da lei formulário, entrando em vigor em todo o
território nacional e no estrangeiro, no quinto dia após a sua publicação, por força do artigo 17.º do articulado, e
nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 2.º da mesma lei formulário.
Finalmente, considerando o disposto no normativo do artigo 17.º e visando uma melhor clarificação, propõe-
se que da sua epígrafe passe a constar: Entrada em vigor e produção de efeitos.
Na presente fase do processo legislativo, a iniciativa em apreço não nos parece suscitar outras questões em
face da lei formulário.
Regulamentação ou outras obrigações legais
Da presente iniciativa legislativa decorre a atribuição de competência ao Governo para adotar os
regulamentos necessários à aplicação integral da presente lei no prazo de 180 dias após a sua publicação, em
conformidade com o disposto no artigo 16.º do articulado.
IV. Análise de direito comparado
Enquadramento internacional
Países europeus
A legislação comparada é apresentada para os seguintes Estados-Membros da UE: França, Reino Unido.
FRANÇA
O regime jurídico aplicável em matéria de antigos combatentes, deficientes das Forças Armadas e vítimas
de guerra de França está contido no Code des pensions militaires d'invalidité et des victimes de guerre12
(doravante Código) que entrou em vigor a 1 de janeiro de 2017. A matéria, contudo, encontra consagração legal
desde 1919. Um militar ou um civil que tenha participado num conflito no qual a França está ou esteve envolvida
pode, sob determinados requisitos, ser reconhecido como antigo combatente. Esses eventos de guerra dão
12 Versão atualizada disponível no sítio https://beta.legifrance.gouv.fr/. No sítio do Comité d’Entente des Grands Invalides de Guerre (entidade que reúne um conjunto de associações de antigos combatentes, deficientes militares e vítimas de guerra) está disponível uma versão anotada do Código, bem como informação sobre a evolução histórica desta legislação.
Página 193
11 DE DEZEMBRO DE 2019
193
direito à atribuição de vários títulos, cartões e estatutos de antigos combatentes e vítimas de guerra, e consistem
nos seguintes: o cartão de combatente, o título de reconhecimento da Nação (TRN) e o cartão de invalidez para
pensionistas de guerra. Por morte existe a menção de «Morto/a pela França» (Loi du 2 juillet 191513 alterada
pela Loi du 28 février 192214) e a menção de «Morto/a ao serviço da Nação» (Loi n.º 2012-1432, du 21 décembre
2012), e, se for o caso, o cartão de viúva ou viúvo.
Estes títulos, que se encontram previstos no Código, possibilitam o acesso a certos direitos, como, por
exemplo, o pagamento da pensão do combatente. Em geral, com algumas exceções, a regra básica para a
atribuição de um título ou cartão é a participação, durante 90 dias, num conflito ou operação de guerra. A pensão
do combatente é atribuída como um sinal de reconhecimento nacional e pode ser solicitada a partir dos 65 anos,
e, excecionalmente, a partir dos 60.
O cartão do combatente (artigos L311-1 a L311-6 e R311-1 a D311-26 do Código) é concedido a todos
aqueles que provarem o seu estatuto de antigo combatente, ou seja, todos os militares ou civis que tenham feito
parte nos conflitos ou operações militares previstos no Arrêtté du 12 janvier 1994. O título de reconhecimento
da Nação (TRN) é concedido, a pedido, àqueles que, tendo a qualidade de antigo combatente, participaram dos
principais conflitos armados da França, nos termos dos artigos L331-1 e L331-2 e D331-1 a R*331-5 do Código.
O TRN apresenta-se sob a forma de um diploma assinado pelo titular da pasta ministerial competente e a sua
atribuição possibilita o uso da medalha de reconhecimento da Nação, o acesso ao patrocínio da ONACVG15 e
aos benefícios que concede, nomeadamente aos cuidados domiciliários, a um aumento de pensão do Estado e
à possibilidade de cobrir o caixão com a bandeira nacional. O cartão de invalidez para pensionistas de guerra é
diferente do cartão de invalidez civil pelos benefícios que oferece (artigos L251-1 a L251-4 R251-1 a R*251-6)
e por a taxa de invalidez necessária para o obter ser mais baixa. Para obter este cartão o antigo combatente
deverá ser titular de uma pensão de invalidez militar ou de uma pensão de vítima civil de guerra. A taxa de
invalidez tem de ser pelo menos de 25%.
A pensão de combatente é paga em reconhecimento pelos serviços prestados, mas não é uma pensão de
reforma. Pode ser solicitada a partir dos 65 anos, ou em caso de invalidez superior a 50%, de ser titular de um
complemento de solidariedade ou residente num dos departamentos além-mar, pode ser requerida a partir dos
60 anos. Tem, atualmente, o valor de 751,40 € pagos semestralmente, até à morte do seu beneficiário. Pode
ser acumulada com outras pensões, é isenta de impostos e não conta como rendimento. É intransmissível a
qualquer título.
As disposições relativas a sepulturas de antigos combatentes vêm previstas nos artigos L521-1 a L523-2 do
Code des pensions militaires d'invalidité et des victimes de guerre. Os soldados «Mortos pela França» (artigos
L522-1 a L522-14 do Código) durante operações de guerra são enterrados perpetuamente nos cemitérios
nacionais (também denominados necrópoles nacionais) ou, quando apropriado, agrupados em zonas especiais
nos cemitérios comunais (artigos L522-8 a L522-10). Este regime é extensível a soldados aliados (artigo L522-
1) que tombaram em território francês.
A manutenção das sepulturas militares está a cargo do Estado, através dos serviços do da ONACVG, ou das
comunas, ou qualquer outra associação16, no âmbito de acordos realizados com o Ministério da Defesa. A
renovação da cedência dos terrenos é da responsabilidade exclusiva do Estado, através do ONACVG, e faz
parte de um programa anual para todos os túmulos de guerra.
As principais entidades públicas com competência na matéria dos antigos combatentes são o Office national
des anciens combattants et victimes de guerre (ONACVG),já mencionado e a Institution nationale des invalides
(INI)17, que funcionam na tutela do Ministère des Armées.
No sítio service-public.fr (sítio oficial da administração francesa na internet) pode encontrar-se informação
detalhada sobre os principais direitos e benefícios dos antigos combatentes.
13 Loi complétant, en ce qui concerne les actes de décès de militaires ou civils tués à l’ennemi ou mort dans des circonstances se rapportant à la guerre, les articles du Code Civil sur les actes de l’état civil, publicada no Journal officiel de la République Française de 9 Juillet 1915. 14 Loi relative aux actes de décès des militaires et civils «morts pour la France» publicada no Journal officiel de la République Française de 1er Mars 1922. 15 Sigla do Office national des anciens combattants et victimes de guerre, previsto nos artigos L611-1 a L611-6 do Código. 16 Destaca-se, neste caso, a associação Le Souvenir Français, criada em 1872 e constituída por voluntários. Tem como missão manter a memória dos que tombaram pela França, honrando todos aqueles que morreram ao seu serviço, como também transmitir a mensagem da memória às gerações mais jovens. Mantém, renova e coloca flores em mais de 130 000 túmulos. Restaura monumentos e ergue estelas e memoriais. 17 Artigos L621-1 621-2 do Código.
Página 194
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
194
REINO UNIDO
As normas aplicáveis em matéria de antigos combatentes e deficientes das Forças Armadas encontram-se
dispersas por diversas fontes. No entanto, o Ministério da Defesa britânico disponibiliza uma lista de legislação
consolidada relativa às compensações previstas para os militares no ativo e na reserva.
Sem força legal mas considerado um documento essencial nestas matérias é o Armed Forces Covenant, que
é descrito como um compromisso entre o Governo, a Nação e as Forças Armadas, correspondendo ao
cumprimento da obrigação moral de reconhecimento do serviço prestado por aqueles que servem ou serviram
nas Forças Armadas e suas famílias. Assenta em dois pilares: nenhum membro da comunidade das Forças
Armadas pode ficar em desvantagem comparativamente com os restantes cidadãos no acesso a serviços
públicos e comerciais e a noção de que situações especiais, como por exemplo as de quem tenha ficado ferido
em serviço, têm de ser consideradas. Apesar de o Armed Forces Covenant não ter força vinculativa (legal), é
dele que emanam muitos dos direitos e benefícios atribuídos aos militares, antigos combatentes e suas famílias,
como o apoio na transição para a vida civil e o acesso ao emprego, à habitação e a cuidados de saúde18. Em
2011, o Armed Forces Act 2011 (AFA 2011) consagrou pela primeira vez na lei a existência deste instrumento,
incumbindo o Governo de apresentar ao Parlamento um relatório anual sobre o que foi feito ao abrigo do disposto
da parte 16A do AFA 2011.O relatório mais recente, relativo a 2018, encontra-se disponibilizado na página da
internet do Ministério da Defesa.
Em termos de legislação, o Armed Forces (Pensions and Compensation) Act 2004 é a principal base legal
para a atribuição de pensões e compensações devidas aos deficientes militares, antigos combatentes e seus
familiares.
No desenvolvimento do estatuído na lei acima referida, a Armed Forces and Reserve Forces (Compensation
Scheme) Order 201119 concretiza as medidas de compensação por acidente, doença ou morte em serviço
(ocorridos após 6 de abril de 2005, sendo os ocorridos antes desta data e desde que o militar em causa já não
esteja no ativo compensados nos termos do War Pensions Scheme). Regras mais detalhadas constam da Naval,
Military and Air Forces Etc. (Disablement and Death) Service Pensions Order 2006, conhecida como Service
Pensions Order. Existe ainda uma compensação especial para militares e seus familiares que sejam vítimas de
crimes violentos enquanto em missão no estrangeiro – Criminal Injuries Compensation (Overseas) scheme. Em
termos de pensões de aposentação20, há três esquemas, em função da data de início de serviço:
• Armed Forces Pension Scheme 75 (início entre abril de 1975 e abril de 2005);
• Armed Forces Pension Scheme 05 (início entre abril de 2005 e abril de 2015);
• Armed Forces Pension Scheme 15 (início a partir de abril de 2015).
O departamento Veterans UK, no âmbito do Ministry of Defence é a entidade responsável pelo apoio aos
antigos combatentes e seus familiares e a gestão dos esquemas de pensões e compensações das Forças
Armadas. Destacam-se, entre outros, o já mencionado War Pensions Scheme, que presta apoio financeiros aos
pensionistas de guerra e aos/às seus/suas viúvos/as e o Armed Forces Compensation Scheme que se destina
aos militares que ficaram feridos na sequência da participação de um conflito. O Veterans UK administra ainda
o War Pensions Welfare Service por sua vez gere o Ilford Park Polish Home (IPPH) o qual disponibiliza
residências e apoio domiciliário aos veteranos de guerra britânicos.
A escolha dos preparativos para o funeral é um assunto que cabe à família decidir tendo em conta o que
consta no testamento do falecido. O funeral pode ocorrer em qualquer local do Reino Unido, ou no país de
origem, ou no país em que o parente mais próximo resida normalmente, ou no país em que a morte ocorreu. As
Forças Armadas assumem as despesas por trazer de volta o corpo ao Reino Unido (caso a morte tenha ocorrido
no exterior) ou transportá-lo para o país de origem do cônjuge / parceiro, providenciar o caixão e encarregar um
agente funerário à escolha da família. É possível optar por um serviço funerário, enterro ou cremação, pago e
18 Mais informação sobre o Armed Forces Covenant em:https://www.gov.uk/government/publications/armed-forces-covenant-2015-to-2020/armed-forces-covenant. 19 Última alteração em 2019 pela Armed Forces and Reserve Forces (Compensation Scheme) (Amendment) Order 2019. 20 Informação detalhada https://www.gov.uk/government/publications/armed-forces-and-reserve-forces-pension-schemes-guidance-booklets.
Página 195
11 DE DEZEMBRO DE 2019
195
organizado pelas Forças Armadas, ou por um enterro ou cremação privados, pelos quais o Ministério da Defesa
providencia um subsídio até 3446,00 Libras. O serviço funerário inclui um carro funerário e um carro familiar, a
aquisição da campa, o fornecimento e a manutenção da lápide, a urna para as cinzas e um livro de condolências.
O MoneyForce dispõe de toda a informação sobre o apoio dado aos familiares do veterano falecido.
No portal do Governo britânico na Internet pode consultar-se mais informação sobre os benefícios previstos
para os militares, incluindo antigos combatentes e deficientes das Forças Armadas e seus familiares. Muitos dos
direitos ou benefícios atribuídos encontram-se na legislação que regula cada setor (por exemplo, em matéria de
habitação, existe em Inglaterra uma preferência jurídica no acesso a habitação social por antigos combatentes
e isso é feito ao abrigo da lei que regula as matérias da habitação – Housing Act21) ou resultam de programas
do Governo ou acordos com outras entidades, ao abrigo do acima referido Armed Forces Covenant. Um
documento preparado pelos serviços de apoio ao Parlamento britânico intitulado Support for UK Veterans
sistematiza os tipos de apoios existentes pelo que se inclui hiperligação para o mesmo.
Refira-se finalmente que, em 2018, o Governo britânico anunciou o lançamento da primeira estratégia sobre
antigos combatentes e a criação de um novo serviço com contributos dos vários departamentos
governamentais22. O documento esteve em consulta pública até fevereiro de 2019.
Outros países
AUSTRÁLIA
Em novembro de 2017, na sequência da segunda mesa redonda dos ministros responsáveis pelos assuntos
dos veteranos australianos23, ficou consensualizado que o termo veterano definiria «todo aquele que presta ou
prestou serviço nas Forças de Defesa australianas» (cuja sigla em inglês é ADF24), não ficando, desta forma,
limitado às definições constantes da legislação em vigor.
Não obstante a ampla abrangência do conceito, para efeitos de benefícios e prestações previstos na
legislação, o termo veterano diz respeito aos ex-militares que foram destacados para prestar serviço numa
guerra ou num ambiente de conflito de guerra. A legislação vigente de apoio aos veteranos consiste na seguinte:
Veterans’ Entitlements Act 1986 (VEA), o qual estabelece pensões e outros benefícios e tratamentos,
médicos e outros, para veteranos e os seus dependentes, que tenham prestado serviço de defesa até 1 de julho
de 2004;
Safety, Rehabilitation and Compensation (Defence-related Claims) Act 1988 (SRCA), que institui
indemnizações e reabilitação decorrentes do serviço de paz e manutenção da paz até 30 de junho de 2004
inclusive e serviço operacional entre 7 de Abril de 1994 e 30 de junho de 2004; e
Military Rehabilitation and Compensation Act 2004 (MRCA), que prevê a compensação, reabilitação e
outros benefícios em relação ao serviço de defesa prestado a partir de 1 de julho de 2004. A lei prevê, também,
a compensação e outros benefícios para os dependentes de falecidos cuja morte tenha ocorrido em virtude
daquele serviço.
Esta legislação é completada por outra que se encontra disponível no sítio do Department of Veteran’s Affairs
(DVA) o qual consiste na entidade governamental que, sob a tutela do Ministério da Defesa, tem a
responsabilidade pela execução dos programas do governo para os veteranos de guerra, os membros das ADF,
da Polícia Federal australiana e dos seus dependentes.
Os veteranos têm o direito de receber apoio administrado ou financiado pelo DVA. Este apoio consiste numa
série de pagamentos de pensões, remuneração e apoio à renda, bem como serviços de saúde e assistência
social (incluindo assistência médica, odontológica, profissionais de saúde, serviços especializados, hospitais,
produtos farmacêuticos, reabilitação, aconselhamento, transporte e assistência domiciliária). Os cuidados de
21 Housing Act 1996 (Additional Preference for Former Armed Forces Personnel) (England) Regulations 2012. 22 Veterans Strategy and new cross-Government Veterans Unit.23 Constituídos pelo Ministro dos Assuntos dos Veteranos, Ministro do Pessoal da Defesa, Ministro-Adjunto do Primeiro-Ministro para a Ciber-Segurança e pelo Ministro-Adjunto do Primeiro-Ministro para o Centenário do ANZAC (Australia and New Zeland Army Corps). 24 Australian Defence Forces.
Página 196
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
196
saúde abrangem cuidados de saúde primários, cuidados dentários, serviços de saúde mental, cuidados
hospitalares, cuidados auxiliares, cuidados, reabilitação e serviços especializados. Os dependentes, como
parceiros, viúvos ou filhos de veteranos, também têm direito a certos pagamentos e benefícios do DVA,
dependendo das suas circunstâncias. O DVA e o Ministério da Defesa apoiam conjuntamente a transição da
vida militar do pessoal das ADF para a vida civil. O apoio disponível para a transição de pessoal e suas famílias
inclui a formação à medida de uma carreira, informação e consultoria financeiras, serviços médicos, apoio na
procura de emprego, formação e educação, deslocalização e habitação, reabilitação e compensação, conforme
necessário.
Em outubro de 2018 o governo australiano lançou o Australian Defence Veterans Covenant o qual, à
semelhança do Covenant do Reino Unido, representa o reconhecimento da comunidade australiana pelo serviço
e sacrifício dos homens e mulheres que se comprometem a defender a Nação. Neste âmbito, o Governo
australiano assumiu o compromisso de intensificar o apoio aos veteranos e às respetivas famílias (familiares
descendentes menores), quer através da aprovação de nova legislação, quer através do reforço orçamental de
apoio às políticas de repatriamento, reinserção na vida ativa e apoio médico.
O Covenant inclui um juramento que encoraja o povo australiano a participar nos atos comemorativos, como
o Dia da Memória.
A par do Covenant,o governo lançou um novo cartão de veterano e um pin de lapela (Australian Veteran
Lapel Pin e o Reservist Lapel Pin), que deverá ser usado sempre que os veteranos não estejam fardados e cujo
objetivo é o de facilitar o reconhecimento da população pela contribuição que os veteranos deram ao país e
tornar mais fácil a identificação mútua entre estes. O novo cartão vem substituir os anteriormente já existentes,
os quais consistem em cartões de acesso a cuidados de saúde. Os portadores do cartão DVA são veteranos
elegíveis, os seus sobrevivos ou dependentes, e existem na versão Ouro, Branco ou Laranja, significando o
acesso a direito específicos, conforme os casos e as situações.
Na Austrália, os ex-combatentes podem ser sepultados em cemitérios comuns ou em cemitérios militares.
Alguns ex-combatentes estão referenciados nos Memoriais de Guerra e outros são lembrados nos Jardins da
Memória do Office of Australian War Graves (OAWG).
O OAWG é a entidade responsável pela manutenção dos cemitérios militares e das sepulturas individuais de
ex-combatentes enterrados em cemitérios comuns, tanto os que faleceram em serviço como os que faleceram
posteriormente na sequência de ofensa causadas no decurso da sua prestação no exército. É, ainda,
responsável pela construção e manutenção de memoriais nacionais, tanto no país como no exterior.
Acresce que o governo australiano providencia um subsídio único referente aos custos de funeral dos
veteranos e, em alguns casos, dos seus dependentes. Este subsídio abrange tanto o enterro como a cremação.
ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA
Nos EUA, as principais normas estabelecidas a nível federal estão codificadas no Code of Federal
Regulations (CFR)25, que se encontra dividido em 50 títulos, por grandes áreas de governação, cada um dividido
e subdividido em temas específicos. A matéria respeitante aos antigos combatentes e deficientes das Forças
Armadas está regulada no Título 38 – Pensions, Bonuses, and Veterans' Relief.
Este título encontra-se dividido em 2 capítulos e 299 partes – Department Of Veterans Affairs (partes 0 a 199)
e Armed Forces Retirement Home (partes 200 a 299).
No parágrafo 3.1 do Título 38 constam as várias definições dos termos usados no estatuto do veterano e do
qual se retira que veterano é todo aquele que «serviu nas forças armadas e que foi desmobilizado sem desonra».
Para ter direito a receber uma compensação ou indemnização por morte, o termo inclui todo aquele que faleceu
em serviço e cuja morte não lhe seja imputada. Os períodos de guerra elegíveis para se ser considerado
veterano vêm descritos no parágrafo 3.2. A lista e categorias de pensões, compensações, indemnizações e
outros benefícios vem descrita nos parágrafos 3.3, 3.4 e 3.5 respetivamente. Quanto aos direitos dos familiares
25Este código é atualizado anualmente, de acordo com um calendário previamente fixado: a 1 janeiro para os títulos 1 a 16; a 1 de abril para os títulos 17 a 27, a 1 de julho os títulos 18 a 41 e 1 de outubro desde o 42 ao 50; contudo, uma versão não oficial é atualizada diariamente no sítio do U.S. Government Printing Office.
Página 197
11 DE DEZEMBRO DE 2019
197
(cônjuges, descendentes e ascendentes) dos veteranos mortos em combate encontram-se previstos nos
parágrafos 3.20, 3.23, 3.24 e 3.25.
Há vários tipos de cartões de identificação mas basta usar um para provar a condição de veterano. Os cartões
são concedidos tanto aos militares no ativo como aos que já se encontram na reserva ou reformados. Existe o
Department of Defense (DoD) Identification Card, que atesta o estatuto de militar e permite o acesso aos serviços
e às bases militares, o Veteran Health Identification Card (VHIC) que consiste num cartão de saúde e permite o
acesso aos cuidados de saúde, o Veteran ID Card (VIC) que atesta a condição de veterano, e o Veteran’s
designation on a state-issued driver’s license que consiste numa faculdade oferecida pelos estados (incluindo
em Porto Rico) de colocar na carta de condução a condição de veterano.
Todos estes cartões oferecem descontos em muitos serviços, comércio e restaurantes.
Informação detalhada sobre os variados direitos e benefícios previstos para antigos combatentes e
deficientes militares e a forma de os obter pode ser consultada no sítio do US Department of Veteran Affairs
(VA).
O VA está dividido em três administrações que funcionam em conjunto mas têm competências diferentes:
A Veterans Benefits Administration (VBA)recebe as candidaturas edetermina a elegibilidade de cada
veterano para cada um dos benefícios previstos (indemnização por acidente ou doença em serviço, pensão,
educação, garantia de empréstimo para comprar casa, seguro de vida, reabilitação vocacional e emprego,
assistência).
A Veterans Health Administration (VHA)é o maior sistema integrado de saúde norte-americano, com mais
de 1200 estabelecimentos (centros médicos, clínicas e centros de veteranos), dá assistência médica de todos
os tipos a cerca de 9 milhões de veteranos por ano.
A National Cemetery Administration (NCA)providencia funerais e cerimónias fúnebres, sendo responsável
pela manutenção dos cemitérios nacionais de veteranos.
O sítio military.com reúne e disponibiliza toda a informação referente à vida militar, nomeadamente no que
aos benefícios dos veteranos de guerra diz respeito.
V. Consultas e contributos
Consultas obrigatórias e facultativas
Em sede de especialidade a Comissão de Defesa Nacional pode deliberar ouvir ou pedir o contributo de
associações de antigos combatentes e de deficientes das Forças Armadas.
VI. Avaliação prévia de impacto
Avaliação sobre impacto de género
O preenchimento, pelo proponente, da ficha de avaliação prévia de impacto de género da presente iniciativa,
em cumprimento do disposto na Lei n.º 4/2018, de 9 de fevereiro, devolve como resultado uma valoração neutra
do impacto de género.
Linguagem não discriminatória
Na elaboração dos atos normativos a especificação de género deve ser minimizada recorrendo-se, sempre
que possível, a uma linguagem neutra ou inclusiva, mas sem colocar em causa a clareza do discurso. A presente
iniciativa não nos suscita questões relacionadas com a utilização de linguagem discriminatória.
Página 198
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
198
Impacto orçamental
Em face da informação disponível, não é possível determinar ou quantificar os encargos resultantes da
aprovação da presente iniciativa.
———
PROJETO DE LEI N.º 123/XIV/1.ª
(CRIAÇÃO DE SUBSÍDIO PARA VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA QUE SÃO OBRIGADAS A ABANDONAR O
SEU LAR)
Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e nota técnica
elaborada pelos serviços de apoio
Parecer
PARTE I – CONSIDERANDOS
I. a) Nota introdutória
O Grupo Parlamentar do Partido Ecologista «Os Verdes» apresentou à Assembleia da república o Projeto de
Lei n.º 123/XIV/1.ª, no qual se prevê a criação de um subsídio para vítimas de violência que tenham de deixar a
sua residência, por motivos de segurança, e que comprovadamente se encontrem em situação de carência
económica, com vista a garantir a sua autonomia e plena integração.
O projeto de lei em apreciação deu entrada a 22 de novembro de 2019, tendo sido admitido no dia 26 de
novembro, data em que, por despacho de S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República, baixou, na
generalidade, à Comissão de Trabalho e Segurança Social (10.ª) com conexão à Comissão de Assuntos
Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (1.ª), tendo sido anunciado na reunião plenária do dia 27 de
novembro. No dia 28 de novembro, por solicitação da 10.ª Comissão, a iniciativa foi redistribuída à Comissão de
Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (1.ª), com conexão à Comissão de Trabalho e
Segurança Social (10.ª).
A Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, na sua reunião do dia 4 de
dezembro, designou a Deputada signatária do presente relatório como relatora do parecer sobre esta proposta
legislativa. A discussão na generalidade encontra-se agendada para a reunião plenária de dia 12 de dezembro.
O instrumento legislativo em causa deu entrada ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 156, do
n.º 1 do artigo 167.º e da alínea g) do n.º 2 do artigo 180.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e da
alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º, da alínea f) do artigo 8.º e do artigo 118.º do Regimento da Assembleia da
República (RAR). Mais se refere que a iniciativa reúne os requisitos formais previstos no n.º 1 do artigo 119.º,
do n.º 1 do artigo 120.º, do n.º 1 do artigo 123.º e do artigo 124.º, todos do RAR.
II. b) Do objeto, conteúdo e motivação da iniciativa
A intervenção legislativa apresentada pelo Grupo Parlamentar do PEV prevê a criação de um subsídio para
vítimas de violência que tenham de deixar a sua residência, por motivos de segurança, e que comprovadamente
se encontrem em situação de carência económica, com vista a garantir a sua autonomia e plena integração.
Página 199
11 DE DEZEMBRO DE 2019
199
Nas palavras do proponente, com a apresentação desta iniciativa visa-se combater o flagelo da violência
doméstica1, assumida como grave violação de direitos humanos e como grave problema de saúde pública, que
continua a vitimizar um conjunto muito significativo de mulheres. Reconhecendo os graves números associados
à violência doméstica, e de acordo com o resumo vertido na nota técnica aqui anexa, a proteção e o apoio à
vítima são determinantes, pelo que deve ser concretizada a criação de condições para que uma pessoa vítima
de violência, que tem de sair da sua casa, possa ter um apoio público de modo a garantir a sua inclusão e a sua
autonomia, com vista a assegurar que a dependência económica não é fator de prolongamento de sujeição a
atitudes violentas. Deve, pois, «o Estado assumir o pagamento de um subsídio de inclusão e autonomia»,
segundo o proponente.
A iniciativa legislativa é composta oito artigos: o primeiro definidor do respetivo objeto; o segundo
determinando o âmbito de aplicação; os terceiro a sexto estabelecendo o prazo, a modalidade o valor e a
cessação da atribuição do subsídio para inclusão pelo sistema público de segurança social; o sétimo prevendo
a sua regulamentação no prazo de 90 dias; e, por fim, o oitavo remetendo o início de vigência das normas a
aprovar para o exercício do Orçamento do Estado posterior à publicação da regulamentação respetiva.
I. c) Enquadramento constitucional e legal
No que respeita ao enquadramento legislativo da iniciativa da autoria do PEV, refira-se a Lei n.º 104/2009,
de 14 de setembro, que aprovou o regime de concessão de indemnização às vítimas de crimes violentos e de
violência doméstica atualmente em vigor. O Capítulo II desta lei versa sobre as vítimas dos crimes de violência
doméstica, prevendo que quando esteja em causa crime de violência doméstica praticado em território português
e a vítima incorra em «situação de grave carência económica em consequência daquele crime», a mesma tem
direito à concessão de um adiantamento da indemnização pelo Estado.
Em 2009 foi aprovada a Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, que estabelece o regime jurídico aplicável à
prevenção da violência doméstica, à proteção e à assistência das suas vítimas e visou promover a criação de
respostas integradas, não apenas do ponto de vista judicial, mas também no âmbito laboral e no acesso aos
cuidados de saúde, bem como dar resposta às necessidades de prevenção e de sensibilização sobre a violência
doméstica. De entre os objetivos visados com a aprovação da Lei n.º 112/2009 contam-se os de «tutelar os
direitos dos trabalhadores vítimas de violência doméstica» e «garantir os direitos económicos da vítima de
violência doméstica, para facilitar a sua autonomia» [alíneas e) e f) do artigo 3.º].
Relativamente à XIII Legislatura, foram identificadas as seguintes iniciativas legislativas:
– Projeto de Lei n.º 1183/XIII/4.ª (BE) – Protege as crianças que testemunhem crimes de violência doméstica
e torna obrigatória a recolha de declarações para memória futura no decorrer do inquérito (Sexta alteração ao
regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica e à proteção e à assistência das suas vítimas);
– Projeto de Lei n.º 1152/XIII/4.ª (PCP) – Reforça os mecanismos legais de proteção das vítimas de violência;
– Projeto de Lei n.º 1151/XIII/4.ª (PSD) – Sexta alteração à Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, que
estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à proteção e à assistência das suas
vítimas;
– Projeto de Lei n.º 1113/XIII/4.ª (PAN) – Determina uma maior proteção para as crianças no âmbito de
crimes de violência doméstica;
– Proposta de Lei n.º 112/XIII/3.ª (GOV) – Define a missão e as atribuições da Comissão Nacional de Apoio
às Vítimas de Crimes;
– Projeto de Lei n.º 432/XIII/2.ª (PAN) – Altera a Lei n.º 112/2009 de 16 de setembro relativa ao regime
jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica e proteção e assistência das suas vítimas.
E, ainda, os seguintes projetos de resolução:
1 Refira-se, no entanto, que o articulado e o próprio título do projeto de lei é mais amplo, referindo «vítimas de violência», conceito que pode abranger vítimas de outras formas de violência, em contexto familiar ou não.
Página 200
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
200
– Projeto de Resolução n.º 2040/XIII/4.ª (CDS-PP) – Recomenda ao Governo a criação de gabinetes de apoio
e informação à vítima de violência doméstica;
– Projeto de Resolução n.º 710/XIII/2.ª (BE) – Recomenda a capacitação das forças de segurança para a
proteção às vítimas de violência doméstica;
– Projeto de Resolução n.º 705/XIII/2.ª (PAN) – Recomenda ao Governo que diligencie pelo
redimensionamento de pressupostos na aplicação do regime jurídico aplicável à prevenção da violência
doméstica e proteção e assistência das suas vítimas;
– Projeto de Resolução n.º 658/XIII/2.ª (CDS-PP) – Recomenda ao Governo a reorganização da rede de
gabinetes de atendimento às vítimas de violência doméstica da GNR e da PSP. Estas iniciativas, discutidas e
votadas indiciariamente na Comissão de Assuntos Constitucionais da XIII Legislatura, deram origem a um texto
de substituição desta Comissão, que culminou na aprovação da Lei Orgânica n.º 2/2018, de 5 de julho.
Efetuada a pesquisa à base de dados da atividade parlamentar (AP), verifica-se que se encontram
pendentes, sobre matéria parcialmente idêntica, quatro iniciativas legislativas, cuja discussão na generalidade
se encontra igualmente agendada para a sessão plenária de 12 de dezembro de 2019:
– Projeto de Lei n.º 93/XIV/1.ª (PAN) – Torna obrigatória a tomada de declarações para memória futura a
pedido da vítima ou do Ministério Público;
– Projeto de Lei n.º 92/XIV/1.ª (PAN) – Reconhecimento do estatuto de vítima às crianças que testemunhem
ou vivam em contexto de violência doméstica;
– Projeto de Lei n.º 2/XIV/1.ª (BE) – Torna obrigatória, nos casos de violência doméstica, a recolha de
declarações para memória futura das vítimas (Sexta alteração ao regime jurídico aplicável à prevenção da
violência doméstica e à proteção e à assistência das suas vítimas);
– Projeto de Lei n.º 1/XIV/1.ª (BE) – Reconhece as crianças que testemunhem ou vivam em contexto de
violência doméstica enquanto vítimas desse crime (Sexta alteração ao regime jurídico aplicável à prevenção da
violência doméstica, à proteção e à assistência das suas vítimas e quadragésima sétima alteração ao Código
Penal).
Consultada a mencionada base de dados (AP) não se identificou qualquer petição pendente sobre a mesma
matéria.
I. d) Consultas
Relativamente a este projeto de lei apresentado pelo PEV, em 26 de novembro, o Presidente da Assembleia
da República promoveu a audição dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas, nos termos do artigo
142.º do Regimento da Assembleia da República, e para os efeitos do n.º 2 do artigo 229.º da Constituição,
solicitando o envio dos respetivos pareceres no prazo de 20 dias, nos termos da Lei n.º 40/96, de 31 de agosto,
e do n.º 4 do artigo 118.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores.
Atendendo à matéria objeto da iniciativa foi promovida a consulta escrita, do Conselho Superior da
Magistratura, do Conselho Superior do Ministério Público e da Ordem dos Advogados, que, na presente data,
ainda não foram recebidos, mas cujos pareceres poderão ser posteriormente consultados no processo legislativo
da iniciativa, disponível eletronicamente2.
PARTE II – OPINIÃO DA DEPUTADA RELATORA
Apesar da opinião da relatora signatária poder ser reservada para momento ulterior (disposto no n.º 3 do
artigo137.º do PAR), nomeadamente aquando da discussão em plenário, salienta desde já, neste contexto, o
seguinte:
2 https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=44180.
Página 201
11 DE DEZEMBRO DE 2019
201
– A violência doméstica vem apresentando ao longo dos últimos anos prevalência muito elevadas que
persistem, de acordo com o mais recente Relatório Anual de Segurança Interna, em 2018, registaram-se em
Portugal 26 483 participações de violência doméstica (que representa um ligeiro decréscimo face a 2017 –
26.713);
– O Relatório Anual de Monitorização da Violência Doméstica – 2018, refere que «em 2018 foram
rececionadas 24 356 comunicações sobre atribuição do estatuto de vítima provenientes das Forças de
Segurança», o qual foi atribuído em 93,6% dos casos;
– O Observatório de Mulheres Assassinadas, da União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR), estima
que, em 2018, 28 mulheres perderam a vida em situações de violência doméstica, e este ano, a mesma fonte
regista já 28 vítimas mortais em contexto de intimidade/familiar.
Para combater este crime e proteger as vítimas, os sucessivos governos têm vindo a implementar um
conjunto de estruturas de apoio e proteção em rede, sendo que Portugal, segundo o último relatório do GREVIO,
tem registado assinaláveis progressos na construção de um quadro jurídico sólido para dar resposta à violência
contra as mulheres, onde se destaca:
– A Lei n.º 104/2009, de 14 de setembro, em vigor, que aprovou o regime de concessão de indemnização às
vítimas de crimes violentos e de violência doméstica. Esta lei versa também sobre as vítimas dos crimes de
violência doméstica, prevendo que quando esteja em causa crime de violência doméstica praticado em território
português e a vítima incorra em «situação de grave carência económica em consequência daquele crime», a
mesma tem direito à concessão de um adiantamento da indemnização pelo Estado. O adiantamento da
indemnização e a fixação do seu montante são determinados em juízo de equidade, «dependendo da séria
probabilidade de verificação dos pressupostos da indemnização», não podendo o seu montante exceder o
«equivalente mensal à retribuição mínima mensal garantida durante o período de seis meses, prorrogável por
igual período», ou, excecionalmente, pago numa única prestação (artigos 5.º e 6.º);
– De acordo com o mais recente relatório de atividades disponível no portal da Comissão de Proteção às
Vítimas de Crimes (entidade à qual compete atribuir os apoios referidos na Lei n.º 104/99), referente a 2017,
nesse ano foram atribuídos adiantamentos de indemnização a 170 vítimas de crimes de violência doméstica,
numa média de 210,68 Euros/vítima durante 6 meses;
– Também, em 2009, foi aprovada a Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, que estabelece o regime jurídico
aplicável à prevenção da violência doméstica, à proteção e à assistência das suas vítimas e visou promover a
criação de respostas integradas, não apenas do ponto de vista judicial, mas também no âmbito laboral e no
acesso aos cuidados de saúde, bem como dar resposta às necessidades de prevenção e de sensibilização
sobre a violência doméstica.
A Lei n.º 112/2009 atribui um conjunto de direitos às vítimas de violência doméstica, como sejam os de
informação (artigo 15.º), de audição e apresentação de provas (artigo 16.º), consulta jurídica, aconselhamento
sobre o seu papel durante o processo e apoio judiciário (artigos 17.º e 25.º), de proteção, designadamente
aquando da realização de diligências (artigo 20.º), e prevenção da vitimização secundária (artigo 22.º), de
isenção do pagamento das taxas moderadoras no Serviço Nacional de Saúde (artigo 50.º), de justificação das
faltas ao trabalho (artigo 43.º), de alteração dos tempos de trabalho ou mesmo do local de trabalho (transferência
para outro estabelecimento da entidade empregadora – artigos 41.º e 42.º); de apoio ao arrendamento, à
atribuição de fogo social ou outra modalidade de apoio equiparável quando as necessidades de afastamento do
agressor o justifiquem (artigo 45.º) ou o de atribuição de rendimento social de reinserção (devendo tal processo
ser tratado com caráter de urgência e sem contar com eventuais rendimentos de outros membros do agregado
familiar – artigo 46.º). No artigo 40.º prevê-se que «A vítima de violência doméstica beneficia de apoio financeiro
do Estado, nos termos da legislação aplicável».
Ora, pese embora com soluções jurídicas diversas, a pretensão do Projeto de Lei n.º 123/XIV/1.ª (PEV) de
«Criação de subsídio para vítimas de violência que são obrigadas a abandonar o seu lar» já encontra escopo
na Lei n.º 104/2009, de 14 de setembro, que aprovou o regime de concessão de indemnização às vítimas de
crimes violentos e de violência doméstica, e na Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, que estabelece o regime
jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à proteção e à assistência das suas vítimas.
Página 202
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
202
A questão passará, em nosso entender, não pela criação de mais um subsídio, mas pelo reforço do acesso
das vítimas de violência doméstica aos seus direitos, à proteção e a apoios estruturados em rede já previstos e
em implementação na estratégia de prevenção e combate à violência contra as mulheres e à violência
doméstica.
PARTE III – CONCLUSÕES
1 - Os dois Deputados do PEV apresentaram o Projeto de Lei n.º 123/XIV/1.ª – «Criação de subsídio para
vítimas de violência que são obrigadas a abandonar o seu lar»;
2 - Com esta iniciativa propõe-se a criação de um subsídio para vítimas de violência que tenham de
abandonar a sua residência, por motivos de segurança, e que comprovadamente se encontrem em situação de
carência económica, com vista a garantir a sua autonomia e plena integração;
3 - Face ao exposto, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias é de parecer
que o Projeto de Lei n.º 123/XIV/1.ª do PEV reúne os requisitos constitucionais e regimentais para ser discutido
e votado em Plenário.
Palácio de S. Bento, 11 de dezembro de 2019.
A Deputada relatora, Elza Pais — O Presidente da Comissão, Luís Marques Guedes
Nota: As partes I e III do parecer foram aprovadas, por unanimidade, tendo-se verificado a ausência do CDS-
PP e do DURP do CH, na reunião da Comissão de 11 de dezembro de 2019.
PARTE IV – ANEXOS
Anexa-se a nota técnica elaborada pelos serviços ao abrigo do disposto no artigo 131.º do RAR.
Nota Técnica
Projeto de Lei n.º 123/XIV/1.ª (PEV)
Criação de subsídio para vítimas de violência que são obrigadas a abandonar o seu lar.
Data de admissão: 26 de novembro de 2019.
Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (1.ª).
Índice
I. Análise da iniciativa
II. Enquadramento parlamentar
III. Apreciação dos requisitos formais
IV. Análise de direito comparado
V. Consultas e contributos
VI. Avaliação prévia de impacto
Página 203
11 DE DEZEMBRO DE 2019
203
Elaborada por: Maria João Godinho (DILP), Sónia Milhano (DAPLEN), Catarina Lopes, Nádia Loureiro e Margarida Ascensão (DAC).
Data: 6 de dezembro de 2019.
I. Análise da iniciativa
A iniciativa
A iniciativa legislativa sub judice prevê a criação de um subsídio para vítimas de violência que tenham de
deixar a sua residência, por motivos de segurança, e que comprovadamente se encontrem em situação de
carência económica, com vista a garantir a sua autonomia e plena integração.
A intervenção legislativa em apreço, nas palavras do proponente, visa combater o flagelo da violência
doméstica1, assumida como grave violação de direitos humanos e como grave problema de saúde pública, que
continua a vitimizar um conjunto muito significativo de mulheres – só neste ano de 2019 já foram 28 as mulheres
que morreram, vítimas de violência doméstica.
Neste contexto, conforme é mencionado na exposição de motivos, a proteção e o apoio à vítima são
determinantes, pelo que deve ser concretizada a criação de condições para que uma pessoa vítima de violência,
que tem de sair da sua casa, possa ter um apoio público de modo a garantir a sua inclusão e a sua autonomia,
com vista a assegurar que a dependência económica não é fator de prolongamento de sujeição a atitudes
violentas. Deve, pois, «o Estado assumir o pagamento de um subsídio de inclusão e autonomia», segundo o
proponente.
A iniciativa legislativa compõe-se de oito artigos: o primeiro definidor do respetivo objeto; o segundo
determinando o âmbito de aplicação; os terceiro a sexto estabelecendo o prazo, a modalidade o valor e a
cessação da atribuição do subsídio para inclusão pelo sistema público de segurança social; o sétimo prevendo
a sua regulamentação no prazo de 90 dias; e, por fim, o oitavo remetendo o início de vigência das normas a
aprovar para oexercício do Orçamento do Estado posterior à publicação da regulamentação respetiva.
Enquadramento jurídico nacional
A Lei n.º 61/91, de 13 de agosto, sob o título «garante proteção adequada às mulheres vítimas de violência»,
visou, conforme consta do seu artigo 1.º, reforçar os mecanismos de proteção legal devida às mulheres vítimas
de crimes de violência, remetendo a concretização de muitos dos seus aspetos para regulamentação posterior;
em especial, refira-se o seu artigo 14.º que remetia para lei especial a regulação do adiantamento pelo Estado
da indemnização devida às mulheres vítimas de crimes de violência, suas condições e pressupostos.
A Lei n.º 61/91 determinava que o governo a regulamentaria no prazo de 90 dias, o que não aconteceu,
motivando a aprovação da Resolução da Assembleia da República n.º 31/99, de 14 de abril – pronuncia-se pela
necessidade de serem regulamentadas e executadas, com carácter urgente e prioritário, as medidas previstas
na Lei n.º 61/91, de 13 de agosto, que garante proteção adequada às mulheres vítimas de violência.
O referido artigo 14.º foi regulamentado pela Lei n.º 129/99, de 20 de agosto2, que aprovou o regime aplicável
ao adiantamento pelo Estado da indemnização devida às vítimas de violência conjugal, e foi entretanto revogada
pela Lei n.º 104/2009, de 14 de setembro3, que aprovou o regime de concessão de indemnização às vítimas de
crimes violentos e de violência doméstica atualmente em vigor. O Capítulo II desta Lei versa sobre as vítimas
dos crimes de violência doméstica, prevendo que quando esteja em causa crime de violência doméstica
praticado em território português e a vítima incorra em «situação de grave carência económica em consequência
daquele crime», a mesma tem direito à concessão de um adiantamento da indemnização pelo Estado. O
1 Refira-se, no entanto, que o articulado e o próprio título do projeto de lei é mais amplo, referindo «vítimas de violência», conceito que pode abranger vítimas de outras formas de violência, em contexto familiar ou não. 2 Trabalhos preparatórios. 3 Texto consolidado disponível no portal do Diário da República Eletrónico; trabalhos preparatórios; esta lei foi regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 120/2010, de 27 de outubro, que regula a constituição e o funcionamento da Comissão de Proteção às Vítimas de Crimes, e pela Portaria n.º 403/2012, de 7 de dezembro, que aprova os modelos de requerimento para a concessão do adiantamento da indemnização por parte do Estado pelas vítimas de crimes violentos e de violência doméstica.
Página 204
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
204
adiantamento da indemnização e a fixação do seu montante são determinados em juízo de equidade,
«dependendo da séria probabilidade de verificação dos pressupostos da indemnização», não podendo o seu
montante exceder o «equivalente mensal à retribuição mínima mensal garantida durante o período de seis
meses, prorrogável por igual período», ou, excecionalmente, pago numa única prestação (artigos 5.º e 6.º).
De acordo com o mais recente relatório de atividades disponível no portal da Comissão de Proteção às
Vítimas de Crimes (entidade à qual compete atribuir os apoios referidos na Lei n.º 104/99), referente a 2017,
nesse ano foram atribuídos adiantamentos de indemnização a 170 vítimas de crimes de violência doméstica,
numa média de 210,68 Euros/vítima durante 6 meses.
Também em 2009 foi aprovada a Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro4, que estabelece o regime jurídico
aplicável à prevenção da violência doméstica, à proteção e à assistência das suas vítimas e visou promover a
criação de respostas integradas, não apenas do ponto de vista judicial, mas também no âmbito laboral e no
acesso aos cuidados de saúde, bem como dar resposta às necessidades de prevenção e de sensibilização
sobre a violência doméstica. Esta lei concentra num só diploma legislação em matéria de violência doméstica
que se encontrava dispersa e configura o estatuto de vítima no âmbito deste crime específico, prevendo que em
situações excecionais e devidamente fundamentadas pode ser atribuído o estatuto de vítima pelo organismo da
Administração Pública responsável pela área da cidadania e igualdade de género5.
De entre os objetivos visados com a aprovação da Lei n.º 112/2009 contam-se os de «tutelar os direitos dos
trabalhadores vítimas de violência doméstica» e «garantir os direitos económicos da vítima de violência
doméstica, para facilitar a sua autonomia» [alíneas e) e f) do artigo 3.º].
A Lei n.º 112/2009 atribui um conjunto de direitos às vítimas de violência doméstica, como sejam os de
informação (artigo 15.º), de audição e apresentação de provas (artigo 16.º), consulta jurídica, aconselhamento
sobre o seu papel durante o processo e apoio judiciário (artigos 17.º e 25.º), de proteção, designadamente
aquando da realização de diligências (artigo 20.º), e prevenção da vitimização secundária (artigo 22.º), de
isenção do pagamento das taxas moderadoras no Serviço Nacional de Saúde (artigo 50.º), de justificação das
faltas ao trabalho (artigo 43.º), de alteração dos tempos de trabalho ou mesmo do local de trabalho (transferência
para outro estabelecimento da entidade empregadora – artigos 41.º e 42.º); de apoio ao arrendamento, à
atribuição de fogo social ou outra modalidade de apoio equiparável quando as necessidades de afastamento do
agressor o justifiquem (artigo 45.º) ou o de atribuição de rendimento social de reinserção (devendo tal processo
ser tratado com caráter de urgência e sem contar com eventuais rendimentos de outros membros do agregado
familiar – artigo 46.º). No artigo 40.º prevê-se que «A vítima de violência doméstica beneficia de apoio financeiro
do Estado, nos termos da legislação aplicável».
A Lei n.º 112/2019 prevê também a existência de uma rede nacional de apoio às vítimas de violência
doméstica (artigo 53.º), que inclui o organismo da Administração Pública responsável pela área da cidadania e
da igualdade de género, o Instituto de Segurança Social, IP, as casas de abrigo6, as respostas de acolhimento
de emergência7 e as estruturas de atendimento8, bem como as respostas específicas dos organismos da
4 Texto consolidado disponível no portal do Diário da República Eletrónico; teve origem na Proposta de Lei n.º 248/X e nos Projetos de Lei n.os 588/ (BE) e 590/X (PS) e foi alterada cinco vezes, pelas Leis n.os 19/2013, de 22 de fevereiro (vigésima nona alteração ao Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro, e primeira alteração à Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, que estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à proteção e à assistência das suas vítimas; retificada pela Declaração de Retificação n.º 15/2013, de 19 de março; os respetivos trabalhos preparatórios estão disponíveis aqui), 82-B/2014, de 31 de dezembro (Orçamento do Estado para 2015 – v. artigo 173.º – altera os artigos 35.º e 36.º da Lei n.º 112/2009 – trabalhos preparatórios), 129/2015, de 3 de setembro (Terceira alteração à Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, que estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à proteção e à assistência das suas vítimas; trabalhos preparatórios disponíveis aqui), 42/2016, de 28 de dezembro (Orçamento do Estado para 2017 – v. artigos 18.º e 253.º – adita o artigo 80.º-A à Lei n.º 112/2009; trabalhos preparatórios) e 24/2017, de 24 de maio (Altera o Código Civil promovendo a regulação urgente das responsabilidades parentais em situações de violência doméstica e procede à quinta alteração à Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, à vigésima sétima alteração ao Código de Processo Penal, à primeira alteração ao Regime Geral do Processo Tutelar Cível e à segunda alteração à Lei n.º 75/98, de 19 de novembro; trabalhos preparatórios). 5 A Portaria n.º 229-A/2010, de 23 de abril, aprova os modelos de documentos comprovativos da atribuição do estatuto de vítima e o Despacho n.º 7108/2011, de 11 de maio, da Presidente da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG), estabelece os critérios de atribuição do estatuto de vítima à vítima de violência doméstica. 6 As casas de abrigo são unidades residenciais destinadas a acolhimento temporário a vítimas, acompanhadas ou não de filhos menores, cabendo ao Estado conceder apoio e assegurar o anonimato das mesmas (artigo 60.º; sobre o acolhimento nas casas de abrigo, vejam-se em especial os artigos 63.º a 74.º). 7 As respostas de acolhimento de emergência visam o «acolhimento urgente de vítimas acompanhadas ou não de filhos menores, pelo período necessário à avaliação da sua situação, assegurando a proteção da sua integridade física e psicológica.» (artigo 61.º-A). 8 As estruturas de atendimento são constituídas por uma ou mais equipas técnicas de entidades públicas dependentes da administração central ou local, de entidades que com aquelas tenham celebrado protocolos de cooperação e de outras organizações de apoio à vítima que assegurem, de forma integrada, com caráter de continuidade, o atendimento, o apoio e o reencaminhamento personalizado de vítimas, tendo em vista a sua proteção.
Página 205
11 DE DEZEMBRO DE 2019
205
Administração Pública9 e um serviço telefónico permanente, gratuito e com cobertura nacional, de informação a
vítimas de violência doméstica. Segundo informação disponível no portal da Comissão para a Igualdade de
Género (CIG), atualmente existem 40 casas de abrigo, 26 locais de acolhimento de emergência e 166 estruturas
de atendimento.
Recorde-se que comete o crime de violência doméstica, tipificado no artigo 152.º do Código Penal, quem
infligir, de modo reiterado ou não, maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da
liberdade e ofensas sexuais, ao cônjuge, ex-cônjuge ou pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente
mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem
coabitação; a progenitor de descendente comum em 1.º grau; ou a pessoa particularmente indefesa,
nomeadamente em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica. Este crime é
punido com pena de prisão de 1 a 5 anos, «se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição
legal», pena que sobe para 2 a 5 anos, entre outras circunstâncias, se o agente praticar o facto contra menor
ou na presença de menor (podendo ainda chegar aos 2 a 8 anos ou 3 a 10 anos, se resultar em ofensa à
integridade física grave ou morte, respetivamente). O crime de violência doméstica implica ainda a possibilidade
de serem aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de proibição de
uso e porte de armas, pelo período de 6 meses a 5 anos, e de obrigação de frequência de programas específicos
de prevenção da violência doméstica (n.º 4) e ainda a inibição do exercício das responsabilidades parentais, da
tutela ou da curatela, por um período de 1 a 10 anos (n.º 6).
De acordo com o mais recente Relatório Anual de Segurança Interna, em 2018, registaram-se em Portugal
26 48310 participações de violência doméstica, o que representa um ligeiro decréscimo face a 2017 (26 713). Há
também um pequeno decréscimo da percentagem de vítimas do sexo feminino e acréscimo das do sexo
masculino, da mesma forma que sobe ligeiramente a percentagem de agressoras e desce a de agressores.
Ainda assim, 78,6% das vítimas foram mulheres e 83,5% dos denunciados homens, sendo que na maioria das
situações a vítima é cônjuge/companheiro ou ex-cônjuge/ex-companheiro do denunciado (53,1% e 16,7% dos
casos, respetivamente).
No Relatório Anual de Monitorização da Violência Doméstica – 2018, indica-se que «em 2018 foram
rececionadas 24 356 comunicações sobre atribuição do estatuto de vítima provenientes das Forças de
Segurança», o qual foi atribuído em 93,6% dos casos.
O Observatório de Mulheres Assassinadas, da União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR), estima
que, em 2018, 28 mulheres perderam a vida em situações de violência doméstica, mais 8 do que em 2017. No
relatório preliminar do ano em curso dá conta de que os dados preliminares relativos a 2019, «entre 1 de janeiro
e 12 de novembro, evidenciam a continuidade no crime de femicídio, com uma média de 5 mulheres por mês,
sendo que 3 são vítimas mortais», totalizando 28 vítimas mortais em contexto de intimidade/familiar, 2 vítimas
noutros contextos e 27 tentativas de femicídio em contexto de intimidade/familiar.
II. Enquadramento parlamentar
Iniciativas pendentes (iniciativas legislativas e petições)
Consultada a base de dados da Atividade Parlamentar (AP), verificou-se que se encontram em apreciação,
na Comissão de Assunto Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, as seguintes iniciativas legislativas
sobre vítimas de violência:
– Projeto de Lei n.º 93/XIV/1.ª (PAN) – Torna obrigatória a tomada de declarações para memória futura a
pedido da vítima ou do Ministério Público;
– Projeto de Lei n.º 92/XIV/1.ª (PAN) – Reconhecimento do estatuto de vítima às crianças que testemunhem
ou vivam em contexto de violência doméstica;
9 Designadamente no âmbito do Serviço Nacional de Saúde, das forças e serviços de segurança, do Instituto de Emprego e Formação Profissional, IP, dos serviços da Segurança Social e dos serviços de apoio ao imigrante – artigo 62.º. 10 22 423 entre cônjuges ou análogos; 487 contra menores; outros: 3573.
Página 206
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
206
– Projeto de Lei n.º 2/XIV/1.ª (BE) – Torna obrigatória, nos casos de violência doméstica, a recolha de
declarações para memória futura das vítimas (sexta alteração ao regime jurídico aplicável à prevenção da
violência doméstica e à proteção e à assistência das suas vítimas);
– Projeto de Lei n.º 1/XIV/1.ª (BE) – Reconhece as crianças que testemunhem ou vivam em contexto de
violência doméstica enquanto vítimas desse crime (sexta alteração ao regime jurídico aplicável à prevenção da
violência doméstica, à proteção e à assistência das suas vítimas e quadragésima sétima alteração ao Código
Penal).
Consultada a mencionada base de dados (AP) não se identificou qualquer petição pendente sobre a mesma
matéria.
Antecedentes parlamentares (iniciativas legislativas e petições)
Na XIII Legislatura, foram apresentadas as seguintes iniciativas legislativas sobre matéria idêntica ou conexa
com a presente:
– Projeto de Lei n.º 1183/XIII/4.ª (BE) – Protege as crianças que testemunhem crimes de violência doméstica
e torna obrigatória a recolha de declarações para memória futura no decorrer do inquérito (sexta alteração ao
regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica e à proteção e à assistência das suas vítimas);
– Projeto de Lei n.º 1152/XIII/4.ª (PCP) – Reforça os mecanismos legais de proteção das vítimas de violência;
– Projeto de Lei n.º 1151/XIII/4.ª (PSD) – Sexta alteração à Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, que
estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à proteção e à assistência das suas
vítimas;
– Projeto de Lei n.º 1113/XIII/4.ª (PAN) – Determina uma maior proteção para as crianças no âmbito de
crimes de violência doméstica;
– Proposta de Lei n.º 112/XIII/3.ª (GOV) – Define a missão e as atribuições da Comissão Nacional de Apoio
às Vítimas de Crimes;
– Projeto de Lei n.º 432/XIII/2.ª (PAN) – Altera a Lei n.º 112/2009 de 16 de setembro relativa ao regime
jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica e proteção e assistência das suas vítimas;
E, ainda, os seguintes projetos de resolução:
– Projeto de Resolução n.º 2040/XIII/4.ª (CDS-PP) – Recomenda ao Governo a criação de gabinetes de apoio
e informação à vítima de violência doméstica;
– Projeto de Resolução n.º 710/XIII/2.ª (BE) – Recomenda a capacitação das forças de segurança para a
proteção às vítimas de violência doméstica;
– Projeto de Resolução n.º 705/XIII/2.ª (PAN) – Recomenda ao Governo que diligencie pelo
redimensionamento de pressupostos na aplicação do regime jurídico aplicável à prevenção da violência
doméstica e proteção e assistência das suas vítimas;
– Projeto de Resolução n.º 658/XIII/2.ª (CDS-PP) – Recomenda ao Governo a reorganização da rede de
gabinetes de atendimento às vítimas de violência doméstica da GNR e da PSP.
Consultada a base de dados da Atividade Parlamentar, na XIII Legislatura foi registada a seguinte petição
sobre matéria conexa:
N.º Data Assunto Situação na AR N.º
Assinaturas
XIII/3
472 2018-02-12 Adoção de medidas eficazes em casos de
violência doméstica. Concluída
2018-07-04 1
Página 207
11 DE DEZEMBRO DE 2019
207
III. Apreciação dos requisitos formais
Conformidade com os requisitos constitucionais, regimentais e formais
A presente iniciativa é apresentada pelo Grupo Parlamentar do Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV), ao
abrigo e nos termos da alínea b) do artigo 156.º e do n.º 1 do artigo 167.º da Constituição e da alínea b) do n.º
1 do artigo 4.º e do artigo 118.º do Regimento da Assembleia da República (RAR), que consagram o poder de
iniciativa da lei.
Assumindo a forma de projeto de lei, é subscrita por dois Deputados, observando o disposto no n.º 1 do artigo
119.º e no n.º 1 do artigo 123.º do RAR.
A iniciativa encontra-se redigida sob a forma de artigos, tem uma designação que traduz sinteticamente o
seu objeto principal e é precedida de uma breve exposição de motivos, pelo que cumpre os requisitos formais
previstos no n.º 1 do artigo 124.º do RAR. Observa igualmente os limites à admissão da iniciativa estabelecidos
no n.º 1 do artigo 120.º do RAR, uma vez que parece não infringir a Constituição ou os princípios nela
consignados e define concretamente o sentido das modificações a introduzir na ordem legislativa.
Apesar de ser previsível que a iniciativa em apreço gere custos adicionais, o artigo 8.º remete a sua entrada
em vigor para o exercício do Orçamento do Estado posterior à publicação da regulamentação respetiva,
mostrando-se assim acautelado o limite à apresentação de iniciativas consagrado no n.º 2 do artigo 120.º do
RAR e, igualmente, no n.º 2 do artigo 167.º da Constituição, designado lei-travão.
Em caso de aprovação da presente iniciativa, cabe referir, para eventual ponderação em sede de apreciação
na especialidade, que parece decorrer da exposição de motivos o desígnio de reforçar a proteção das vítimas
de violência doméstica, com a atribuição de um subsídio nos casos e nas condições especificados. Todavia,
atento o articulado e o próprio título do projeto de lei, verifica-se que o âmbito é mais amplo, referindo «vítimas
de violência», conceito que pode abranger vítimas de outras formas de violência, em contexto familiar ou não.
Assim, poderá ser pertinente aferir se a redação da iniciativa está conforme à intenção do legislador, deixando
a concretização do conceito para a futura regulamentação da lei.
O projeto de lei em apreciação deu entrada a 22 de novembro de 2019, foi admitido no dia 26 de novembro,
data em que, por despacho de S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República, baixou, na generalidade, à
Comissão de Trabalho e Segurança Social (10.ª) com conexão à Comissão de Assuntos Constitucionais,
Direitos, Liberdades e Garantias (1.ª), tendo sido anunciado na reunião plenária do dia 27 de novembro. No dia
28 de novembro, por solicitação da 10.ª Comissão, a iniciativa foi redistribuída à Comissão de Assuntos
Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (1.ª), com conexão à Comissão de Trabalho e Segurança
Social (10.ª).
A respetiva discussão na generalidade encontra-se agendada para a reunião plenária de 12 de dezembro,
em conjunto com outras iniciativas sobre matéria idêntica.
Verificação do cumprimento da lei formulário
O projeto de lei em apreciação, sobre «Criação de subsídio para vítimas de violência que são obrigadas a
abandonar o seu lar», tem um título que traduz sinteticamente o seu objeto, em conformidade com o disposto
no n.º 2 do artigo 7.º da lei formulário11. Em caso de aprovação da presente iniciativa, sugere-se, no entanto, o
seguinte aperfeiçoamento do título: «Subsídio atribuído às vítimas de violência que tenham de deixar a sua
residência».
A presente iniciativa estabelece, no artigo 8.º, que a respetiva entrada em vigor ocorre com o exercício do
Orçamento do Estado posterior à publicação da regulamentação prevista, mostrando-se assim em conformidade
com o disposto no n.º 1 do artigo 2.º da lei formulário, que determina que «Os atos legislativos e os outros atos
11 A Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, alterada e republicada pela Lei n.º 43/2014, de 11 de julho, que estabelece um conjunto de normas sobre a publicação, a identificação e o formulário dos diplomas.
Página 208
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
208
de conteúdo genérico entram em vigor no dia neles fixado, não podendo, em caso algum, o início da vigência
verificar-se no próprio dia da publicação.»
Em caso de aprovação, a iniciativa em apreço revestirá a forma de lei, sendo objeto de publicação na 1.ª
Série do Diário da República, nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 3.º da lei formulário.
Na presente fase do processo legislativo a iniciativa em apreço não nos parece suscitar outras questões em
face da lei formulário.
Regulamentação ou outras obrigações legais
Nos termos previstos no artigo 7.º, a atribuição do subsídio criado pela presente iniciativa é regulamentada
por decreto-lei, no prazo de 90 dias a contar da respetiva publicação.
IV. Análise de direito comparado
Enquadramento do tema no plano da União Europeia
A União Europeia assinou em 2017 a Convenção do Conselho da Europa para a prevenção e o combate à
violência contra as mulheres e a violência doméstica, também denominada Convenção de Istambul na qual se
reconhece que a violência doméstica designa todos os atos de violência física, sexual, psicológica ou económica
que ocorrem no seio da família ou do lar ou entre os atuais ou ex-cônjuges ou parceiros, quer o infrator partilhe
ou tenha partilhado, ou não, o mesmo domicílio que a vítima. Refere ainda, relativamente às campanhas de
sensibilização que estas devem fomentar a consciencialização e compreensão por parte do grande público das
diferentes manifestações de todas as formas de violência cobertas pelo âmbito de aplicação da presente
Convenção.
No entanto, ainda antes da assinatura da Convenção, a União dispunha de um Regulamento relativo ao
reconhecimento mútuo de medidas de proteção em matéria civil, aplicável a medidas de proteção decretadas
com vista a proteger uma pessoa caso existam motivos sérios para considerar que a sua vida, integridade física
ou psicológica, liberdade pessoal, segurança ou integridade sexual estão ameaçadas, designadamente de modo
a impedir qualquer forma de violência baseada no género ou violência na intimidade como (…) perseguição,
intimidação ou outras formas de coerção indireta.
Pretende-se com o Regulamento em causa que as vítimas de violência às quais é garantida proteção num
Estado-Membro possam usufruir de proteção equivalente noutro Estado-Membro, instituindo um mecanismo
simples e célere para o reconhecimento das medidas de proteção em matéria civil decretadas.
O Regulamento complementa assim a Diretiva 2012/29/UE que estabelece as normas mínimas relativas aos
direitos ao apoio e à proteção das vítimas da criminalidade, garantindo que estas beneficiam de informação e
apoio adequados.
No mesmo âmbito, também a diretiva relativa à decisão europeia de proteção estabelece regras que
permitem a uma autoridade judicial ou equivalente de um Estado-Membro, no qual foi adotada uma medida de
proteção destinada a proteger uma pessoa contra um ato criminoso de outra pessoa que possa pôr em perigo
a sua vida, integridade física ou psicológica, dignidade, liberdade pessoal ou integridade sexual, emitir uma
decisão europeia de proteção que permita à autoridade competente de outro Estado-Membro dar continuidade
à proteção da pessoa no território deste último, na sequência de uma conduta criminosa ou alegada conduta
criminosa, de acordo com a legislação do Estado-Membro de emissão.
A Resolução do Parlamento Europeu, de 19 de abril de 2018, sobre a aplicação da Diretiva 2011/99 relativa
à decisão europeia de proteção, insta os Estados-Membros a informarem as pessoas protegidas dos recursos
complementares de assistência social disponíveis no Estado de acolhimento, tais como prestações familiares
ou alojamento, uma vez que estas medidas estão fora do âmbito de aplicação da decisão europeia de proteção
e recorda a necessidade de prestar especial atenção, no âmbito da proteção e da assistência social
complementar, às vítimas menores e aos filhos e às filhas das vítimas de atos criminosos, especialmente quando
Página 209
11 DE DEZEMBRO DE 2019
209
estejam em risco de sofrer agressões de cariz sexual. Esta Resolução lamenta a inexistência de medidas
especiais aplicadas pelos Estados-Membros às vítimas em situação vulnerável ou às vítimas com necessidades
específicas; considera que, muitas vezes, os cortes na despesa pública comprometem a disponibilidade de
recursos para aplicar as referidas medidas especiais.
No que se refere à formação das entidades envolvidas, a Resolução do Parlamento Europeu, de 30 de maio
de 2018, sobre a aplicação da Diretiva 2012/29/UE que estabelece normas mínimas relativas aos direitos, ao
apoio e à proteção das vítimas da criminalidade refere que a Comissão e os Estados-Membros devem prever
diretrizes e programas de formação sensíveis ao género para todos os profissionais que trabalham com as
vítimas da criminalidade, como por exemplo os profissionais do direito, agentes da polícia, procuradores, juízes
(…)
Enquadramento internacional
Países europeus
A legislação comparada é apresentada para os seguintes Estados-Membros da União Europeia: Espanha e
França.
ESPANHA
Diferentemente do que acontece na legislação portuguesa, em Espanha não existe um único tipo de crime
de violência doméstica, abrangendo este termo vários tipos crimes que têm pena mais grave quando praticados
em contexto doméstico (cônjuge ou ex-cônjuge ou pessoa que tem com o autor uma relação análoga de
afetividade, mesmo sem coabitação; descendentes, ascendentes ou irmãos, próprios ou do cônjuge ou
coabitante; menores ou incapazes que coabitem com o agente ou estejam sujeitos à tutela, curatutela,
acolhimento ou guarda do cônjuge ou coabitante; pessoa abrangida por qualquer outro relacionamento através
do qual a mesma esteja integrada no núcleo familiar do agente, bem como pessoas que, devido à sua
vulnerabilidade especial, estejam sujeitas a custódia ou guarda em centros públicos ou privados), como os
crimes de ferimentos leves ou maus tratos (artigo 153.1 do Código Penal 12 ), ofensas (previsto no artigo 147,
nos termos do artigo 148.4); de ameaças menores (artigo 171.4), de coação (artigo 172.2) ou de tortura e outros
crimes contra a integridade psíquica (artigo 173.2).
Não se localizou qualquer lei que sistematize a temática da violência doméstica, mas a Ley Orgánica 1/2004,
de 28 de diciembre, de Medidas de Protección Integral contra la Violencia de Género fá-lo relativamente à
violência de género (definida como «qualquer violência que, como manifestação de discriminação, desigualdade
e relações de poder entre homens e mulheres, seja praticada contra mulheres por quem é ou foi seu cônjuge
ou por quem é ou foi vinculado a elas por relações semelhantes de afetividade, mesmo sem coabitação. Esta
violência inclui todos os atos de violência física e psicológica, incluindo ataques à liberdade sexual, ameaças,
coação ou privação de liberdade»).
Entre outros aspetos, esta lei prevê medidas de prevenção e combate à violência de género, procedeu à
criação de tribunais especializados na matéria (Juzgados de Violencia sobre la Mujer) e prevê os direitos das
mulheres vítimas de violência, como o direito ao acesso à informação e à assistência social integrada, por meio
de serviços permanentes, urgentes, especializados e multidisciplinares, o direito à assistência jurídica gratuita,
bem como medidas de proteção na esfera laboral e de apoio económico, como a integração em programas
específicos de inserção profissional que visam fornecer à vítima recursos mínimos de subsistência que lhe
permitam tornar-se independente do agressor.
O artigo 27.º da Ley Orgánica 1/2004 prevê a possibilidade de, em certos casos, ser atribuído às mulheres
vítimas de violência doméstica um apoio financeiro, equivalente a 6 salários mínimos (podendo ser superior em
caso de incapacidade da própria ou de seu dependente), apoio que é compatível com os previstos na Ley
12 Ley Orgánica 10/1995, de 23 de noviembre, del Código Penal – versão consolidada disponibilizada no portal do Boletín Oficial del Estado (BOE).
Página 210
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
210
35/1995, de 11 de diciembre, de Ayudas y Asistencia a las Víctimas de Delitos Violentos y Contra la Libertad
Sexual e respetiva regulamentação (Real Decreto 738/1997, de 23 de mayo).
A referida Ley Orgánica 1/2004 também introduziu alterações ao regime da Segurança social, passando a
prever-se o acesso ao subsídio de desemprego para as vítimas de violência doméstica que rescindam ou
suspendam voluntariamente o contrato de trabalho (nos termos do Real Decreto Legislativo 1/1994, de 20 de
junio, por el que se aprueba el texto refundido de la Ley General de la Seguridad Social).
Segundo informação disponível no portal estatístico do Ministério de la Presidencia, relaciones com las cortes
y Igualdad instituto de estatística, em 2018 morreram 50 mulheres vítimas de violência doméstica (número já
superado em 2019 – contabilizadas até ao momento 52 mulheres vítimas mortais).
FRANÇA
Tal como em Espanha, não existe um tipo específico de crime de violência doméstica, mas a prática de atos
de violência física ou psicológica no seio do casal (cônjuges ou análogos, atuais ou passados, com ou sem
coabitação13, e seja qual for o sexo da vítima e do agressor) – designados violences au sein du couple – ou
outros membros do agregado familiar constitui circunstância agravante em diversos tipos de crimes. É o caso
das ofensas físicas (que causem morte, incapacidades ou outras lesões – veja-se o artigo 222-7 e seguintes do
Código Penal) ou do crime de assédio moral ( artigos 222-33-2 a 222-33-2-2).
Os apoios às vítimas incluem ajuda material (por exemplo, para alojamento e primeiras despesas de
deslocalização); apoio à integração ou reintegração socioprofissional e apoio judiciário.
A Commission d'indemnisation des victimes d'infractions compensa as vítimas de crimes que não possam
ser indemnizadas pelo agressor ou outras entidades (nos termos dos artigos 706-3 a 706-15 e R50-1 à R50-
28 do Code de procédure pénale)
Segundo o estudo nacional sobre mortes violentas no seio do casal (do Ministério da Administração Interna),
em 2018 houve em França 149 homicídios (vítimas mulheres em 121 dos casos e homens em 28).
Organizações internacionais
De entre os instrumentos internacionais em matéria de combate à violência doméstica, destaca-se a
Convenção sobre a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica (Convenção
de Istambul)14, do Conselho da Europa, que define violência doméstica como «todos os atos de violência física,
sexual, psicológica ou económica que ocorrem no seio da família ou do lar ou entre os atuais ou ex-cônjuges ou
parceiros, quer o infrator partilhe ou tenha partilhado, ou não, o mesmo domicílio que a vítima.» De entre as
medidas que os Estados-parte se comprometem a tomar estão as que «visem o empoderamento e a
independência económica das mulheres vítimas de violência» (artigo 18.º, n.º 3).
O Grupo de Peritos para o Combate à Violência contra as Mulheres e à Violência Doméstica (GREVIO) do
Conselho da Europa, no seu relatório de avaliação da implementação por Portugal das medidas preconizadas
na Convenção de Istambul, publicado em janeiro de 2019, fez algumas recomendações de medidas que deverão
ser tomadas para pleno cumprimento das disposições da Convenção, nomeadamente adotar uma definição de
violência doméstica que inclua violência económica, em linha com a definição constante da Convenção.
13 Com as alterações operadas pela loi 2018-703, du 3 août 2018, renforçant la lutte contre les violences sexuelles et sexistes, a violência conjugal passou a abranger a violência no seio de casais que não coabitem. 14 Aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 4/2013, de 14 de dezembro de 2012, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 13/2013, de 21 de janeiro.
Página 211
11 DE DEZEMBRO DE 2019
211
V. Consultas e contributos
Regiões autónomas
Em 26 de novembro, o Presidente da Assembleia da República promoveu a audição dos órgãos de governo
próprio das regiões autónomas, nos termos do artigo 142.º do Regimento da Assembleia da República, e para
os efeitos do n.º 2 do artigo 229.º da Constituição, solicitando o envio dos respetivos pareceres no prazo de 20
dias, nos termos da Lei n.º 40/96, de 31 de agosto, e do n.º 4 do artigo 118.º do Estatuto Político-Administrativo
da Região Autónoma dos Açores.
Consultas obrigatórias e facultativas
Em 29 de novembro de 2019, a Comissão solicitou parecer escrito aos Conselhos Superiores da Magistratura
e do Ministério Público e à Ordem dos Advogados.
Todos os pareceres e contributos remetidos à Assembleia da República serão publicados na página da
iniciativa na Internet.
VI. Avaliação prévia de impacto
Avaliação sobre impacto de género
O preenchimento, pelo proponente, da ficha de avaliação prévia de impacto de género da presente iniciativa,
em cumprimento do disposto na Lei n.º 4/2018, de 9 de fevereiro, devolve como resultado uma valoração neutra
do impacto de género.
Linguagem não discriminatória
Na elaboração dos atos normativos a especificação de género deve ser minimizada recorrendo-se, sempre
que possível, a uma linguagem neutra ou inclusiva, mas sem colocar em causa a clareza do discurso. A presente
iniciativa não nos suscita questões relacionadas com a utilização de linguagem discriminatória.
———
PROJETO DE LEI N.º 126/XIV/1.ª
[NONA ALTERAÇÃO À LEI N.º 37/81, DE 3 DE OUTUBRO (LEI DA NACIONALIDADE)]
Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e nota técnica
elaborada pelos serviços de apoio
Parecer
PARTE I – CONSIDERANDOS
I. a) Nota introdutória
O Projeto de Lei n.º 126/XIV/1.ª,subscrito pela Deputada Única Representante do LIVRE, deu entrada na
Assembleia da República, em 26 de novembro de 2019, e foi admitido e distribuído, em 28 de novembro de
Página 212
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
212
2019, à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, para emissão de parecer, nos
termos do n.º 1 do artigo 129.º do Regimento da Assembleia da República (RAR).
Encontram-se cumpridos os requisitos formais previstos no n.º 1 do artigo 119.º, no n.º 1 do artigo 123.º, bem
como no n.º 1 do artigo 124.º do RAR.
I. b) Objeto, motivação e conteúdo
A iniciativa legislativa em apreço pretende introduzir alterações aos artigos 1.º, 3.º, 6.º, 9.º, 13.º e 21.º da Lei
da Nacionalidade, aprovada pela Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, e alterada pela Lei n.º 25/2004, de 19 de agosto,
pelo Decreto-Lei n.º 322-A/2001, de 14 de dezembro, e pelas Leis Orgânicas n.os 1/2004, de 15 de janeiro,
2/2006, de 17 de abril, 1/2013, de 29 de julho, 8/2015, de 22 de junho, 9/2015, de 29 julho e 2/2018, de 5 de
julho.
Na respetiva exposição de motivos, a proponente refere que «Apesar de a última alteração à Lei da
Nacionalidade ter, materialmente, alargado o acesso à atribuição de nacionalidade originária, segundo o critério
do jus soli, ficou esse acesso sujeito a critérios de jus domicili e jus sanguini, dependente da residência de um
dos progenitores em território português. Também na atribuição da nacionalidade segundo critérios de jus
domicilli e jus sanguini, os requisitos esvaziaram o conteúdo material do que eventualmente o consenso
parlamentar teria desejado.»
Por isso, projeto de lei em apreço prevê uma alteração ao artigo 1.º da Lei da Nacionalidade, de forma a
permitir a atribuição da nacionalidade portuguesa (com relevância absoluta do jus soli ou do ius sanguinis):
Ao estrangeiro, neto de português, nascido no estrangeiro, sem qualquer condição a não ser uma
manifestação de vontade nesse sentido [al. d)];
Retroativamente, ao filho de estrangeiro que tiver nascido em território nacional entre 1981 e 2006, sem
qualquer condição, a não ser uma manifestação de vontade nesse sentido [alínea e)];
Ao filho de estrangeiro nascido em território nacional, quando o progenitor não se encontre ao serviço do
respetivo Estado, por força da lei [alínea f)].
Em conformidade, propõe a revogação dos n.os 3 (que densifica a condição de existência de efetiva ligação
à comunidade nacional para efeitos de atribuição da nacionalidade portuguesa ao neto estrangeiro de nacional
português) e 4 do artigo 1.º, bem como a alteração ao regime de prova da nacionalidade constante do artigo
21.º.
O projeto de lei em apreço visa, ainda, a revogação do n.º 3 do artigo 1.º, da alínea d) do n.º 1 e n.º 10 do
6.º, da alínea b) do n.º 1 e n.º 3 do artigo 9.º e do artigo 13.º da Lei da Nacionalidade, para eliminar, em sede de
atribuição da nacionalidade portuguesa aos netos dos emigrantes portugueses nascidos no estrangeiro ou para
efeitos de aquisição derivada da nacionalidade pelo casamento/união de facto ou por naturalização, o requisito
obstativo da não condenação, com trânsito em julgado, com pena de prisão igual ou superior a 3 anos. Em
consonância, prevê a revogação do artigo 13.º, que prevê a suspensão, durante 5 anos, do procedimento de
aquisição da nacionalidade portuguesa, em caso de condenação do interessado em pena de prisão igual ou
superior a um ano. Como justificação, invoca a proponente que se trata de eliminar uma «norma legislativa,
enviesada tecnicamente, e que impede a aquisição da nacionalidade portuguesa a quem tenha sido condenado
a pena de prisão igual ou superior a 3 anos, uma vez que a referida pena é uma medida da exclusiva função
jurisdicional, competência de outro órgão de soberania – os tribunais.»
A terceira alteração pretendida com o presente projeto de lei, contempla o artigo 3.º da Lei da Nacionalidade,
«fazendo depender a aquisição da nacionalidade por casamento ou união de facto por mera declaração».
Por fim, embora na exposição de motivos se faça referência à «alteração, para efeitos de aquisição da
nacionalidade por naturalização, do artigo 6.º, n.º 1, alínea b), definindo-se, no que diz respeito à contagem do
tempo, a residência efetiva e não a residência legal», o projeto de lei em apreço propõe uma profunda alteração
dessa disposição legal que estabelece os requisitos da aquisição da nacionalidade por naturalização.
Do ponto de vista sistemático, o projeto de lei é composto por 5 artigos que tratam do respetivo objeto (artigo
1.º), da alteração à Lei da Nacionalidade (artigo 2.º), da promoção de alterações ao Regulamento da
Nacionalidade pelo Governo, no prazo de 30 dias (artigo 3.º), da norma revogatória (artigo 4.º) e da entrada em
vigor no dia seguinte ao da publicação (artigo 5.º).
Página 213
11 DE DEZEMBRO DE 2019
213
Assim, o artigo 1.º da Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, relativo à atribuição da nacionalidade originária é alterado
da seguinte forma:
Artigo 1.º
(…)
1 – ................................................................................................................................................................... :
a) ..................................................................................................................................................................... ;
b) ..................................................................................................................................................................... ;
c) ..................................................................................................................................................................... ;
d) ..................................................................................................................................................................... ;
d) Os indivíduos nascidos no estrangeiro com, pelo menos, um ascendente de nacionalidade portuguesa do
2.º grau na linha direta que não tenha perdido essa nacionalidade, se declararem que querem ser portugueses.
e) Os indivíduos nascidos entre 1981 e 2006 no território português, filhos de estrangeiros que declarem que
querem ser portugueses.
f) Os indivíduos nascidos no território português, filhos de estrangeiros que não se encontrem ao serviço do
respetivo Estado.
g) .....................................................................................................................................................................
2 – ...................................................................................................................................................................
3 – (Revogado).
4 – (Revogado).
Trata-se, assim, de uma opção pela consagração de um regime de jus sanguinis pleno, já que ao neto
estrangeiro de nacional português é atribuída a nacionalidade portuguesa apenas pelo facto da descendência,
sem qualquer exigência atinente à sua integração na comunidade nacional. Basta a sua manifestação de
vontade nesse sentido.
Também se opta pela consagração de um regime de jus soli pleno e incondicional de atribuição da
nacionalidade originária pelo facto do nascimento em território nacional, independentemente de um dos
progenitores estrangeiros residir em território nacional, legal ou ilegalmente, ou do período de residência.
Apenas se estabelece como facto obstativo da atribuição por mero efeito da lei da nacionalidade portuguesa a
um indivíduo nascido em Portugal, o facto de o progenitor se encontrar em Portugal ao serviço do respetivo
Estado. Tal condição não é exigida para o estrangeiro nascido em Portugal entre 1981 e 2006.
Em sede de aquisição da nacionalidade por efeito da vontade, em caso de casamento ou união de facto com
português ou portuguesa, a proponente pretende alterar os artigos 3.º e 9.º da seguinte forma:
Artigo 3.º
(…)
1 – O cônjuge estrangeiro de nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa através de
declaração formal registada na constância do matrimónio.
2 – ................................................................................................................................................................... .
3 – O estrangeiro em união de facto com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa
mediante a apresentação de declaração de reconhecimento da união de facto emitida pela respetiva junta de
freguesia.
Artigo 9.º
(…)
1 – ................................................................................................................................................................... :
a) (Revogada);
Página 214
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
214
b) (Revogada);
c) ...................................................................................................................................................................... ;
d) ...................................................................................................................................................................... ).
2 – (Revogado).
3 – (Revogado).
Estas alterações visam, no essencial, eliminar a exigência de um período mínimo de subsistência do vínculo
familiar entre a pessoa estrangeira e a nacional (fundado no casamento ou na união de facto) e substituir o
reconhecimento judicial de uma união de facto, no termo de um processo judicial tendente à comprovação da
existência de tal vínculo familiar, por uma declaração de reconhecimento por uma junta de freguesia. Por outro
lado, eliminam-se os pressupostos obstativos da aquisição da nacionalidade por parte do estrangeiro casado ou
unido de facto com nacional português da inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional e da existência
de condenação definitiva em pena de prisão igual ou superior de 3 anos, em sede de oposição à aquisição da
nacionalidade (artigo 9.º).
Quanto à aquisição da nacionalidade portuguesa por naturalização, a presente iniciativa pretende alterar o
artigo 6.º da Lei da Nacionalidade:
Artigo 6.º
(…)
1 – ................................................................................................................................................................... :
a) .....................................................................................................................................................................
b) Residirem no território português há pelo menos dois anos.
c) (Revogada);
d) (Revogada);
e) ..................................................................................................................................................................... ;
2 – O Governo concede a nacionalidade, por naturalização, aos nascidos no território português, filhos de
estrangeiros, aos quais não tenha sido atribuída nacionalidade originária.
3 – O Governo concede a naturalização, com dispensa dos requisitos previstos na alínea b) do n.º 1, aos
indivíduos que tenham tido a nacionalidade portuguesa e que, tendo-a perdido, nunca tenham adquirido outra
nacionalidade.
4 – (Revogado).
5 – O Governo concede a nacionalidade por naturalização, com dispensa do requisito previsto na alínea b)
do n.º 1, aos indivíduos que não sendo apátridas, tinham tido a nacionalidade portuguesa, aos que forem havidos
como descendentes de portugueses, aos membros de comunidades de ascendência portuguesa e aos
estrangeiros que tenham prestado ou sejam chamados a prestar serviços relevantes ao Estado Português ou à
comunidade nacional.
6 – O Governo concede a nacionalidade por naturalização, com dispensa dos requisitos previstos na alínea
b) do n.º 1, aos descendentes de judeus sefarditas portugueses, através da demonstração da tradição de
pertença a uma comunidade sefardita de origem portuguesa, com base em requisitos objetivos comprovados de
ligação a Portugal, designadamente apelidos, idioma familiar, descendência direta ou colateral.
7 – O Governo concede a nacionalidade por naturalização, com dispensa dos requisitos previstos na alínea
b) do n.º 1, aos indivíduos que sejam ascendentes de cidadãos portugueses originários, aqui tenham residência,
independentemente de título, há pelo menos dois anos imediatamente anteriores ao pedido e desde que a
ascendência tenha sido estabelecida no momento do nascimento do cidadão português.
8 – (Revogado).
A redação proposta para o artigo 6.º, introduz as seguintes alterações ao regime jurídico do acesso de
estrangeiros à nacionalidade portuguesa, por naturalização:
Página 215
11 DE DEZEMBRO DE 2019
215
Eliminação, não apenas do requisito da inexistência de condenação criminal, mas também do relativo ao
conhecimento suficiente da língua portuguesa. Assim, em qualquer das situações previstas na lei de aquisição
de nacionalidade por naturalização, propõe-se que o estrangeiro a ela possa aceder, mesmo que tenha sido
condenado em pena de prisão ou não fale português (revogação das alíneas c) e d) do n.º 1 e do n.º 10). O
único requisito obstativo da aquisição da nacionalidade e em todas as situações, com exceção do direito à
naturalização pelo facto do nascimento em Portugal (que na redação proposta para o n.º 2 é incondicional), é o
envolvimento em atos de terrorismo [al. d) do n.º 1 do artigo 6.º].
Transformação da faculdade discricionária de naturalização prevista nos n.os 6 (todos os havidos como
descendentes de portugueses, todos os que possam prestar serviços relevantes ao País), 7 (descendentes de
judeus sefarditas) e 8 (ascendentes de portugueses originários a residir, independentemente do título, em
território nacional) do artigo 6.º em direito subjetivo do estrangeiro à naturalização («O Governo concede»), com
dispensa dos requisitos da residência em território nacional, conhecimento suficiente da língua e inexistência de
condenação criminal. Por esta via, também se consagra um critério de jus sanguinis pleno em sede de
naturalização.
Consagração do direito absoluto à naturalização de todos os estrangeiros que tenham nascido em território
nacional, a quem não tenha sido atribuída a nacionalidade originária, sem qualquer condição (alteração do n.º
2 do artigo 6.º n.º 2 e revogação do seu n.º 5, por a situação ficar subsumida nesta previsão mais ampla).
Direito de qualquer estrangeiro maior a residir em Portugal há 2 anos à naturalização, sem que lhe possa
ser exigida uma residência em conformidade com as normas legais nesta matéria, o conhecimento da língua
portuguesa e a inexistência de uma condenação criminal [alteração da alínea b) e revogação das alíneas c) e
d) do n.º 1 e do n.º 10 do artigo 6.º].
O projeto prevê, ainda, a revogação do artigo 13.º (suspensão do processo de aquisição derivada da
nacionalidade, em caso de condenação criminal).
Por fim, o projeto de lei pretende ainda introduzir alterações no artigo 21.º, adaptando as disposições em
matéria de prova da nacionalidade originária às alterações mencionadas:
«Artigo 21.º
(…)
1 – A nacionalidade portuguesa originária dos indivíduos abrangidos pelas alíneas a), b), f) e g) do n.º 1 do
artigo 1.º prova-se pelo assento de nascimento.
2 – ................................................................................................................................................................... .
3 – ................................................................................................................................................................... .
4 – ................................................................................................................................................................... .
5 – (Revogado).»
A Lei da Nacionalidade que a iniciativa visa alterar reveste a forma de lei orgânica (artigo 166.º, n.º 2, da
CRP), pelo que deve ser objeto de republicação integral, nos termos do n.º 2 do artigo 6.º da Lei n.º 74/98, de
11 de novembro, como é salientado na nota técnica dos serviços da Assembleia da República (p.17).
A matéria objeto da iniciativa enquadra-se no âmbito da reserva absoluta de competência legislativa da
Assembleia da República [alínea f) do artigo 164.º CPR] e reveste a forma de lei orgânica (n.º 2 do artigo 166.º
da CRP), pelo que deve ser votada na especialidade pelo plenário da Assembleia da República e aprovada, na
votação final global, por maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções (n.os 4 e 5 do artigo 168.º da
CRP), que será realizada com recurso ao voto eletrónico (artigo 94.º do RAR).
Finalmente, conforme salientado na nota técnica da responsabilidade dos serviços da Assembleia da
República, em caso de aprovação, deve ser observado o disposto no n.º 5 do artigo 278.º da CRP: «O Presidente
da Assembleia da República, na data em que enviar ao Presidente da República decreto que deva ser
promulgado como lei orgânica, dará disso conhecimento ao Primeiro-Ministro e aos grupos parlamentares da
Assembleia da República».
Página 216
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
216
I. c) Enquadramento constitucional e legal
O projeto de lei em apreço visa, essencialmente, proceder à nona alteração à Lei da Nacionalidade, aprovada
pela Lei n.º 37/81, de 3 de outubro.
A matéria atinente à atribuição, aquisição e perda da nacionalidade encontra o seu enquadramento na
Constituição da República Portuguesa, no direito internacional público, no direito da União Europeia e na lei.
A este propósito, importa referir o preceituado no artigo 4.º da CRP:
«Artigo 4.º
Cidadania portuguesa
São cidadãos portugueses todos aqueles que como tal sejam considerados pela lei ou por convenção
internacional.»
Compete, assim, ao legislador definir os critérios de atribuição ou aquisição da nacionalidade portuguesa (o
vínculo jurídico que liga uma pessoa ao Estado), definindo assim quem deve ou pode ser considerado português
ou portuguesa.
Em relação à densificação dos critérios ou pressupostos que permitem a atribuição ou a aquisição da
nacionalidade portuguesa, salienta-se a pertinência de outros preceitos constitucionais (como por exemplo, o
artigo 13.º CRP, princípio da igualdade), dos princípios do direito internacional público (como por exemplo, o
princípio da nacionalidade efetiva) ou daqueles que derivam da integração de Portugal na União Europeia (como
por exemplo, o princípio da lealdade comunitária).
Quanto ao direito internacional público, refira-se o artigo 3.º da Convenção Europeia da Nacionalidade,
aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 19/2000, de 6 de março, e ratificada
pelo Decreto do Presidente da República n.º 7/2000, de 6 de março:
Artigo 3.º
Competência do Estado
1 – Cada Estado determinará quem são os seus nacionais nos termos do seu direito interno.
2 – Tal direito será aceite por outros Estados na medida em que seja consistente com as convenções
internacionais aplicáveis, com o direito internacional consuetudinário e com os princípios legais geralmente
reconhecidos no tocante à nacionalidade.»
De entre os princípios do direito internacional que o Estado deve observar na sua tarefa de determinar quem
são as pessoas que com ele têm o vínculo jurídico da nacionalidade, para que o vínculo jurídico da nacionalidade
possa ser aceite por outros Estados, avulta o princípio da nacionalidade efetiva, considerado, no plano interno,
pelo Tribunal Constitucional, como a «base e fundamento do estabelecimento da cidadania» (Cfr. Acórdão n.º
106/2016). De acordo com este princípio, e na formulação do Tribunal Internacional de Justiça no seu Acórdão
Nottebohm (6 de abril de 1955), a nacionalidade é um vínculo jurídico que deve ter por base a existência de uma
conexão ou relação de pertença social genuína entre o individuo e o Estado que com ele estabelece o vínculo
jurídico da nacionalidade.
Em relação ao direito da União Europeia, convoca-se o estabelecido no n.º 1 do artigo 20.º do Tratado sobre
o Funcionamento da União Europeia (TFUE): «É instituída a cidadania da União. É cidadão da União qualquer
pessoa que tenha a nacionalidade de um Estado-Membro. A cidadania da União acresce à cidadania nacional
e não a substitui».
Por força do direito da União Europeia, ao estatuto de cidadão da União Europeia, que deriva
automaticamente da cidadania nacional, são associados importantes direitos, que hoje revestem a natureza de
direitos fundamentais garantidos pelo direito da União Europeia, como por exemplo, o direito de circular e
permanecer livremente no território dos outros Estados-Membros da União Europeia (artigo 21.º do TFUE e
artigo 45.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia). Como afirma o Tribunal Constitucional no
Página 217
11 DE DEZEMBRO DE 2019
217
seu Acórdão n.º 106/2016, «esta específica configuração da cidadania da União Europeia, derivando da
cidadania nacional dos Estados-Membros, não deixa de se refletir na relevância que assume — ao menos
indiretamente — para os que pretendam adquirir a nacionalidade portuguesa, enquanto condição (ou qualidade)
sine qua non de acesso ao específicoo estatuto de cidadania europeia.»
Num outro ângulo, embora seja competência do Estado-Membro definir as condições de aquisição e de perda
de nacionalidade, esta matéria é, pela sua natureza e pelas suas consequências, abrangida pelo direito da União
Europeia, pelo que deve, de acordo com a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça da União Europeia,
respeitar o direito da União Europeia (ver, entre outros, Acórdão Tjebes, proc. C-221/17, de 12 de março de
2019).
Em sede de consequências imediatas da atribuição ou aquisição da nacionalidade portuguesa, cumpre, ainda
referir, o direito absoluto a não ser expulso do território nacional (n.º 1 do artigo 33.º da CRP) e o direito a não
ser extraditado para efeitos de perseguição criminal ou cumprimento de pena, salvo nos casos de terrorismo e
de criminalidade internacional organizada, desde que existam condições de reciprocidade estabelecidas em
convenção internacional e «desde que a ordem jurídica do Estado requisitante consagre garantias de um
processo justo e equitativo» (n.º 3 do artigo 33.º CRP).
Em relação ao enquadramento legal da nacionalidade portuguesa, a iniciativa em apreço pretende alterar as
condições legais de atribuição da nacionalidade originária a cidadãos nascidos em Portugal, sem dependência
da residência legal dos progenitores ou de qualquer período de residência dos mesmos, bem como a cidadãos
estrangeiros netos de português ou portuguesa, sem dependência da inexistência de condenação por prática
de crimes ou qualquer ligação à comunidade nacional. Também propõe a alteração do regime de aquisição da
nacionalidade portuguesa por parte de cidadãos estrangeiros, por vínculo familiar (casamento ou união de facto),
para a tornar independente da duração do mesmo, da existência de condenação criminal ou de uma ligação à
comunidade nacional. Por fim, pretende alterar a aquisição da nacionalidade por naturalização, tornando-a
incondicional, sempre que o estrangeiro tenha nascido em Portugal, garantindo-a a estrangeiros residentes há
2 anos com dispensa de legalidade da sua residência, e garantindo-a a qualquer estrangeiro abrangido pelas
demais situações em que esta é possível sem necessidade de residência em território nacional, com dispensa
dos requisitos atinentes à inexistência de condenação criminal e conhecimento da língua portuguesa, que são
eliminados como pressuposto da naturalização de estrangeiros. Portanto, estas alterações incidem nos artigos
1.º, 3.º, 6.º, 9.º, 13.º e 21.º da Lei da Nacionalidade, cuja redação atual é a seguinte:
«Artigo 1.º
Nacionalidade originária
1 – São portugueses de origem:
a) Os filhos de mãe portuguesa ou de pai português nascidos no território português;
b) Os filhos de mãe portuguesa ou de pai português nascidos no estrangeiro se o progenitor português aí se
encontrar ao serviço do Estado Português;
c) Os filhos de mãe portuguesa ou de pai português nascidos no estrangeiro se tiverem o seu nascimento
inscrito no registo civil português ou se declararem que querem ser portugueses;
d) Os indivíduos nascidos no estrangeiro com, pelo menos, um ascendente de nacionalidade portuguesa do
2.º grau na linha reta que não tenha perdido essa nacionalidade, se declararem que querem ser portugueses,
possuírem laços de efetiva ligação à comunidade nacional e, verificados tais requisitos, inscreverem o
nascimento no registo civil português;
e) Os indivíduos nascidos no território português, filhos de estrangeiros, se pelo menos um dos progenitores
também aqui tiver nascido e aqui tiver residência, independentemente de título, ao tempo do nascimento;
f) Os indivíduos nascidos no território português, filhos de estrangeiros que não se encontrem ao serviço do
respetivo Estado, que não declarem não querer ser portugueses, desde que, no momento do nascimento, um
dos progenitores aqui resida legalmente há pelo menos dois anos;
g) Os indivíduos nascidos no território português e que não possuam outra nacionalidade.
Página 218
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
218
2 – Presumem-se nascidos no território português, salvo prova em contrário, os recém-nascidos que aqui
tenham sido expostos.
3 – A verificação da existência de laços de efetiva ligação à comunidade nacional, para os efeitos
estabelecidos na alínea d) do n.º 1, implica o reconhecimento, pelo Governo, da relevância de tais laços,
nomeadamente pelo conhecimento suficiente da língua portuguesa e pela existência de contactos regulares
com o território português, e depende de não condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de
crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa.
4 – A prova da residência legal referida na alínea f) do n.º 1 faz-se mediante a exibição do competente
documento de identificação do pai ou da mãe no momento do registo.
Artigo 3.º
Aquisição em caso de casamento ou união de facto
1 – O estrangeiro casado há mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade
portuguesa mediante declaração feita na constância do matrimónio.
2 – A declaração de nulidade ou anulação do casamento não prejudica a nacionalidade adquirida pelo
cônjuge que o contraiu de boa-fé.
3 – O estrangeiro que, à data da declaração, viva em união de facto há mais de três anos com nacional
português pode adquirir a nacionalidade portuguesa, após ação de reconhecimento dessa situação a interpor
no tribunal cível.
Artigo 6.º
Requisitos
1 – O Governo concede a nacionalidade portuguesa, por naturalização, aos estrangeiros que satisfaçam
cumulativamente os seguintes requisitos:
a) Serem maiores ou emancipados à face da lei portuguesa;
b) Residirem legalmente no território português há pelo menos cinco anos;
c) Conhecerem suficientemente a língua portuguesa;
d) Não tenham sido condenados, com trânsito em julgado da sentença, com pena de prisão igual ou superior
a 3 anos;
e) Não constituam perigo ou ameaça para a segurança ou a defesa nacional, pelo seu envolvimento em
atividades relacionadas com a prática do terrorismo, nos termos da respetiva lei.
2 – O Governo concede a nacionalidade, por naturalização, aos menores, nascidos no território português,
filhos de estrangeiros, desde que preencham os requisitos das alíneas c), d) e e) do número anterior e desde
que, no momento do pedido, se verifique uma das seguintes condições:
a) Um dos progenitores aqui tenha residência, independentemente de título, pelo menos durante os cinco
anos imediatamente anteriores ao pedido;
b) O menor aqui tenha concluído pelo menos um ciclo do ensino básico ou o ensino secundário.
3 – Tratando-se de criança ou jovem com menos de 18 anos, acolhidos em instituição pública, cooperativa,
social ou privada com acordo de cooperação com o Estado, na sequência de medida de promoção e proteção
definitiva aplicada em processo de promoção e proteção, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 72.º da Lei de
Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada em anexo à Lei n.º 147/99, de 1 de setembro, cabe ao
Ministério Público promover o respetivo processo de naturalização com dispensa das condições referidas no
número anterior.
4 – O Governo concede a naturalização, com dispensa dos requisitos previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1,
aos indivíduos que tenham tido a nacionalidade portuguesa e que, tendo-a perdido, nunca tenham adquirido
outra nacionalidade.
Página 219
11 DE DEZEMBRO DE 2019
219
5 – O Governo concede a nacionalidade, por naturalização, com dispensa do requisito estabelecido na alínea
b) do n.º 1, aos indivíduos que satisfaçam cumulativamente os seguintes requisitos:
a) Tenham nascido em território português;
b) Sejam filhos de estrangeiro que aqui tivesse residência, independentemente de título, ao tempo do seu
nascimento;
c) Aqui residam, independentemente de título, há pelo menos cinco anos.
6 – O Governo pode conceder a naturalização, com dispensa dos requisitos previstos nas alíneas b) e c) do
n.º 1, aos indivíduos que, não sendo apátridas, tenham tido a nacionalidade portuguesa, aos que forem havidos
como descendentes de portugueses, aos membros de comunidades de ascendência portuguesa e aos
estrangeiros que tenham prestado ou sejam chamados a prestar serviços relevantes ao Estado Português ou à
comunidade nacional.
7 – O Governo pode conceder a nacionalidade por naturalização, com dispensa dos requisitos previstos nas
alíneas b) e c) do n.º 1, aos descendentes de judeus sefarditas portugueses, através da demonstração da
tradição de pertença a uma comunidade sefardita de origem portuguesa, com base em requisitos objetivos
comprovados de ligação a Portugal, designadamente apelidos, idioma familiar, descendência direta ou colateral.
8 – O Governo pode conceder a nacionalidade, por naturalização, com dispensa do requisito estabelecido
na alínea b) do n.º 1, aos indivíduos que sejam ascendentes de cidadãos portugueses originários, aqui tenham
residência, independentemente de título, há pelo menos cinco anos imediatamente anteriores ao pedido e desde
que a ascendência tenha sido estabelecida no momento do nascimento do cidadão português.
9 – O conhecimento da língua portuguesa referido na alínea c) do n.º 1 presume-se existir para os
requerentes que sejam naturais e nacionais de países de língua oficial portuguesa.
10 – A prova da inexistência de condenação, com trânsito em julgado da sentença, com pena de prisão igual
ou superior a 3 anos referida na alínea d) do n.º 1 faz-se mediante a exibição de certificados de registo criminal
emitidos:
a) Pelos serviços competentes portugueses;
b) Pelos serviços competentes do país do nascimento, do país da nacionalidade e dos países onde tenha
tido residência, desde que neles tenha tido residência após completar a idade de imputabilidade penal.
Artigo 9.º
Fundamentos
1 – Constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa por efeito da vontade:
a) A inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional;
b) A condenação, com trânsito em julgado da sentença, com pena de prisão igual ou superior a 3 anos;
c) O exercício de funções públicas sem carácter predominantemente técnico ou a prestação de serviço militar
não obrigatório a Estado estrangeiro;
d) A existência de perigo ou ameaça para a segurança ou a defesa nacional, pelo seu envolvimento em
atividades relacionadas com a prática do terrorismo, nos termos da respetiva lei.
2 – A oposição à aquisição de nacionalidade com fundamento na alínea a) do número anterior não se aplica
às situações de aquisição de nacionalidade em caso de casamento ou união de facto quando existam filhos
comuns do casal com nacionalidade portuguesa.
3 – À prova da inexistência de condenação referida na alínea b) do n.º 1 é aplicável o disposto no n.º 10 do
artigo 6.º.
Artigo 13.º
Suspensão de procedimentos
1 – O procedimento de aquisição da nacionalidade portuguesa por efeito da vontade, por adoção ou por
naturalização suspende-se durante o decurso do prazo de cinco anos a contar da data do trânsito em julgado
Página 220
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
220
de sentença que condene o interessado por crime previsto na lei portuguesa e em pena ou penas que, isolada
ou cumulativamente, ultrapassem 1 ano de prisão.
2 – Com a suspensão prevista no número anterior, suspende-se também a contagem do prazo previsto no
n.º 1 do artigo 10.º.
3 – São nulos os atos praticados em violação do disposto no n.º 1.
Artigo 21.º
Prova da nacionalidade originária
1 – A nacionalidade portuguesa originária dos indivíduos abrangidos pelas alíneas a), b) e f) do n.º 1 do artigo
1.º prova-se pelo assento de nascimento.
2 – É havido como nacional português o indivíduo de cujo assento de nascimento não conste menção da
nacionalidade estrangeira dos progenitores ou do seu desconhecimento.
3 – A nacionalidade originária dos indivíduos abrangidos pela alínea c) do n.º 1 do artigo 1.º prova-se,
consoante os casos, pelas menções constantes do assento de nascimento lavrado por inscrição no registo civil
português ou pelo registo da declaração de que depende a atribuição.
4 – A nacionalidade originária dos indivíduos abrangidos pela alínea d) do n.º 1 do artigo 1.º prova-se pelo
assento de nascimento onde conste a menção da naturalidade portuguesa de um dos progenitores e a da sua
residência no território nacional.
5 – A nacionalidade portuguesa originária de indivíduos abrangidos pela alínea e) do n.º 1 do artigo 1.º prova-
se pelo registo da declaração de que depende a atribuição.»
Relativamente à XIII Legislatura, cumpre salientar as seguintes iniciativas legislativas sobre a mesma
matéria:
Projeto de Lei n.º 364/XIII (PSD) – Altera a Lei n.º 37/81 (Lei da Nacionalidade);
Projeto de Lei n.º 390/XIII (BE) – Altera a Lei da Nacionalidade, aprovada pela Lei n.º 37/81, de 3 de outubro,
e o Regulamento Emolumentar dos Registos e Notariado, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 322-A/2001, de 14 de
dezembro;
Projeto de Lei n.º 428/XIII (PCP) – Nona alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro (Lei da Nacionalidade);
Projeto de Lei n.º 548/XIII (PAN) – Altera a Lei da Nacionalidade;
Projeto de Lei n.º 544/XIII (PS) – Oitava Alteração à Lei da Nacionalidade, aprovada pela Lei n.º 37/81, de
3 de outubro, alterada pela Lei n.º 25/94, de 19 de agosto, pelo Decreto-Lei n.º 322-A/2001, de 14 de dezembro,
e pelas Leis Orgânicas n.º 1/2004, de 15 de janeiro, n.º 2/2006, de 17 de abril, n.º 1/2013, de 29 de julho, n.º
8/2015, de 22 de junho e n.º 9/2015, de 29 de julho.
Estas iniciativas, deram origem à Lei Orgânica n.º 2/2018, de 5 de julho.
Projeto de Lei n.º 479/XIII (CDS-PP) – Determina a perda da nacionalidade portuguesa, por parte de quem
seja também nacional de outro Estado, em caso de condenação pela prática do crime de terrorismo (oitava
alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro – Lei da Nacionalidade) – rejeitado na generalidade em 19 de maio
de 2017, com votos contra do PS, do BE, do PCP, do PEV e do PAN, a favor do CDS-PP e a abstenção do PSD.
Na anterior legislatura, registam-se as seguintes petições, de apreciação já concluída:
Petição n.º 618/XIII/4.ª – Solicitam a alteração de alguns critérios de concessão de nacionalidade
portuguesa;
Petição n.º 617/XIII/4.ª – Solicitam a concessão de nacionalidade portuguesa a cidadãos originários de
países colonizados por Portugal com 2 anos de residência no País;
Petição n.º 590/XIII/4.ª – Solicitam a revisão da interpretação que Portugal faz do artigo 5.º da Convenção
Europeia sobre a Nacionalidade;
Página 221
11 DE DEZEMBRO DE 2019
221
Petição n.º 576/XIII/4.ª – Solicitam a atribuição de nacionalidade portuguesa a cidadãos oriundos de países
colonizados com 2 anos de residência;
Petição n.º 390/XIII/3.ª – Solicita a alteração da Lei da Nacionalidade em matéria de reconhecimento da
nacionalidade originária aos filhos de imigrante.
I. d) Iniciativas pendentes
Encontram-se pendentes, para apreciação em fase de generalidade, os seguintes Projetos de Lei, com
incidência no mesmo regime jurídico:
– Projeto de Lei n.º 118/XIV//1.ª (PCP) – Alarga a aplicação do princípio do jus soli na Lei da Nacionalidade
Portuguesa (Nona alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, que aprova a Lei da Nacionalidade), que entrou
no dia 22 de novembro de 2019 e, no dia 26 de novembro, foi admitido e distribuído à Comissão de Assuntos
Constitucionais, Direitos, Liberdades e garantias;
– Projeto de Lei n.º 117/XIV//1.ª (PAN) – Alarga o acesso à naturalização às pessoas nascidas em território
português após o dia 25 de Abril de 1974 e antes da entrada em vigor da Lei da Nacionalidade (procede à nona
alteração à Lei n.º 37/1981, de 3 de outubro), que entrou no dia 22 de novembro de 2019 e, no dia 26 de
novembro, foi admitido e distribuído à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e garantias;
– Projeto de Lei n.º 3/XIV/1.ª (BE) – Altera a Lei da Nacionalidade e o Regulamento Emolumentar dos
Registos e Notariados (nona alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro e trigésima quarta alteração ao Decreto-
Lei n.º 322-A/2001, de 14 de dezembro), que entrou no dia 25 de outubro de 2019 e, no dia 6 de novembro, foi
admitido e distribuído à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
Está agendada a discussão na generalidade de todas estas iniciativas legislativas conjuntamente com a que
é objeto do presente parecer para a sessão plenária de 11 de dezembro de 2019.
I. e) Consultas
No dia 29 de novembro de 2019, foram solicitados, pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos,
Liberdades e Garantias, pareceres ao Conselho Superior de Magistratura, ao Conselho Superior do Ministério
Público e à Ordem dos Advogados, que, na presente data, ainda não foram recebidos.
PARTE II – OPINIÃO DA AUTORA
A Lei Orgânica n.º 2/2018, de 5 de julho, introduziu, há pouco mais de um ano, alterações profundas na Lei
da Nacionalidade, pelo que se pode, legitimamente, questionar, que alterações tão significativas houve na
sociedade portuguesa que justificam uma nova e profunda alteração da lei definidora da comunidade nacional,
do povo português. A Lei da Nacionalidade, pelo seu carácter profundamente estruturante da comunidade
nacional, é uma lei materialmente constitucional, pelo que deveria, em minha opinião, ser objeto de estabilidade
legislativa e de acrescida ponderação.
Não obstante, a DURP do Livre justifica a sua iniciativa legislativa com o facto de «a última alteração ter,
materialmente, alargado o acesso à atribuição de nacionalidade originária, segundo o critério do jus soli, ficou
esse acesso sujeito a critérios de jus domicili e jus sanguini, dependente da residência de um dos progenitores
em território português. Também na atribuição da nacionalidade segundo critérios de jus domicilli e jus sanguini,
os requisitos esvaziaram o conteúdo material do que eventualmente o consenso parlamentar teria desejado».
Por outro lado, alega que «Quem nasce e vive em Portugal deve ter o direito subjetivo à nacionalidade
portuguesa de forma imediata e definitiva.»
Quanto à clara predominância do jus soli na Lei da Nacionalidade em vigor, tanto em sede de atribuição da
nacionalidade, como em sede de naturalização, remeto para a minha opinião pessoal formulada no parecer que
subscrevi relativo ao Projeto de Lei n.º 3/XIV/1.ª.
Página 222
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
222
Sobre a questão de saber se o artigo 26.º da CRP consagra o direito fundamental de qualquer pessoa a
aceder à nacionalidade portuguesa, apenas recordar que o Tribunal Constitucional considera que apenas existe
uma «expectativa jurídica» que necessita de concretização legislativa, para ser exequível (Acórdão n.º 106/2016;
Acórdão n.º 331/2016). Mas mesmo admitindo, contra esta jurisprudência, que o artigo 26.º consagra um direito
fundamental de acesso à nacionalidade portuguesa, o seu conteúdo só é determinável com recurso ao princípio
da nacionalidade efetiva de forma a poder fazer corresponder este vínculo jurídico com o Estado à existência de
um vínculo social efetivo, real e genuíno entre um indivíduo e a comunidade portuguesa, sob pena de se entrar
no absurdo de reconhecer que todas as pessoas do mundo, mesmo que nunca tenham tido qualquer contacto
relevante com a comunidade nacional (a não ser o facto fortuito de ter nascido no território ou ter um qualquer
ascendente português), teriam tal direito.
Competindo a densificação normativa dos critérios e das condições de acesso à nacionalidade portuguesa
ao legislador (artigo 4.º da CRP), este goza de liberdade de conformação. Contudo, não tem uma liberdade
absoluta, pois ela encontra-se condicionada pelas normas constitucionais relativas a direitos, liberdades e
garantias (por exemplo, o princípio da igualdade), pela ponderação dos demais valores constitucionais e
também, nas palavras do Tribunal Constitucional, pelo «respeito pelos princípios de direito internacional, de que
avulta (...) o princípio da ligação efetiva entre o indivíduo e a comunidade politicamente organizada em que se
integra» (Acórdão n.º 106/2016). Em relação a este enquadramento e sobre os princípios da nacionalidade
efetiva e da lealdade comunitária como princípios limitadores da liberdade de conformação do legislador em
matéria de definição dos critérios de atribuição ou aquisição da nacionalidade e, que por isso, condicionam a
minha opinião sobre o projeto de lei em apreço, remeto, igualmente, para a minha opinião pessoal, inserida no
parecer relativa ao Projeto de Lei n.º 3/XIV/1.ª.
a) Relevância absoluta do jus sanguinis e do jus soli em sede de atribuição da nacionalidade aos netos
de portugueses nascidos no estrangeiro ou aos filhos de estrangeiros nascidos em Portugal (alteração ao artigo
1.º) e em sede de naturalização (alteração ao artigo 6.º).
As alterações propostas pelo Livre de consagração de um princípio pleno de jus sanguinis e de jus soli não
são, em minha opinião, conformes ao princípio da nacionalidade efetiva (que impõe que o vínculo jurídico da
nacionalidade corresponda a um vínculo social e genuíno relevante entre o Estado e uma pessoa), a que o
legislador está obrigado, como decorre do direito internacional. Sobre este princípio e o seu reconhecimento
pelo Tribunal Constitucional como princípio norteador do legislador em matéria de nacionalidade, remeto para a
minha opinião pessoal, expressa no parecer sobre o Projeto de Lei n.º 3/XIV/1.ª.
De acordo com este princípio, o Estado deve estabelecer com os indivíduos o vínculo jurídico da
nacionalidade, se com eles existir uma ligação efetiva, um vínculo genuíno, porque aqui vivem, porque falam a
sua língua, porque partilham os valores da comunidade a que supostamente pertencem, o que, razoavelmente,
exige mais do que que o mero facto fortuito, acidental ou não, de nascer no seu território ou de descender de
um seu nacional. Por isso é que a lei exige ao neto do português que prove a sua efetiva ligação à comunidade
nacional. Também por isso é que a lei exige para a atribuição da nacionalidade ao filho de um estrangeiro
nascido em Portugal, que o progenitor esteja a residir legalmente (a qualquer título) em território nacional, pois
o facto de ele preencher as condições que a lei fixa para a imigração permite a presunção de que o progenitor
pode e quer aqui estabelecer o centro da sua vida privada e, portanto, permite presumir que o filho, português
de origem, aqui continue a residir e com a comunidade nacional tenha a sua única ligação ou a sua ligação mais
efetiva.
Mas é também em nome deste princípio, que o Estado não deve atribuir a sua nacionalidade a um estrangeiro
que com ele não tenha, nem de forma presumida, qualquer ligação, qualquer vínculo genuíno, a não ser o fato
fortuito, acidental ou não, do nascimento no seu território ou da descendência de um seu nacional. Por outro
lado, deve acautelar que aquisição da sua nacionalidade não seja apenas por mera conveniência do interessado
para abusivamente se furtar ao respeito das suas leis ou, por força da cidadania europeia a que está
automaticamente associada, das leis de outros Estados, mormente em matéria de imigração ou em matéria
penal.
Por outro lado, quanto à naturalização de qualquer estrangeiro havido como descendente de português, que
não resida em Portugal, é razoável que o interessado apenas tenha a faculdade e não o direito de aceder à
Página 223
11 DE DEZEMBRO DE 2019
223
nacionalidade portuguesa, pois a sua a ligação efetiva à comunidade nacional não é tão evidente. Não obstante,
é proposta a consagração de um direito quase incondicional à nacionalidade portuguesa, sem acautelar
minimamente a observância do princípio da nacionalidade efetiva, quer pela exigência de uma residência em
Portugal, quer, pelo menos, pela exigência de um conhecimento elementar da língua portuguesa (afinal aquela
que o poeta diz ser a sua Pátria). Apenas o envolvimento do cidadão estrangeiro em atividade terrorista
impediria, para o Livre, o acesso à nacionalidade portuguesa.
Quanto à atribuição automática da nacionalidade portuguesa a todos os estrangeiros que tenham nascido
em Portugal entre 1981 e o 2006, a mesma é imprecisa quanto ao seu âmbito pessoal e apenas justificada pela
intenção de atribuir retroativamente a nacionalidade portuguesa a qualquer pessoa que nasceu em Portugal
(independentemente do seu progenitor estar aqui de passagem, residir ou se encontrar ao serviço do respetivo
Estado ou independentemente de querer a nacionalidade portuguesa) entre 1981 (presume-se que seja o dia 8
de outubro de janeiro de 1981, data da entrada em vigor da Lei da Nacionalidade) e 2006 (presume-se que seja
o dia 15 de dezembro de 2006, data em que entrou em vigor a LO n.º 2/2006). Assim, se esta alteração fosse
aprovada, qualquer estrangeiro que tivesse nascido em Portugal entre essas datas e nascesse acidentalmente
em Portugal ou o seu progenitor estrangeiro (mesmo que tivesse passado a ser considerado estrangeiro por
força do Decreto-Lei n.º 308/75), na data do nascimento aqui permanecesse de forma irregular ou regular, teria
acesso automático à nacionalidade portuguesa originária, mas não o filho que nasceu na mesma situação no
dia 16 de dezembro de 2006 ou em data posterior. Como não se descortina qual a razão que, objetivamente,
possa fundamentar tal diferença de tratamento no que diz respeito à atribuição da nacionalidade portuguesa
originária, esta norma permite uma discriminação arbitrária, violando, em minha opinião, o princípio
constitucional da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP.
Em relação à eliminação do pressuposto obstativo ou impeditivo da aquisição da nacionalidade da existência
de condenação penal relevante, remeto para a minha opinião expressa no parecer sobre o Projeto de Lei n.º
3/XIV/1.ª.
b) Aquisição da nacionalidade portuguesa por casamento ou união de facto sem exigência relativa à duração
do vínculo familiar e sem que seja possível ao Estado a oposição à aquisição por manifesta falta de ligação à
comunidade nacional ou por condenação por crime em pena de prisão igual ou superior a 3 anos (alteração aos
artigos 3.º e 9.º).
Esta alteração é similar à proposta pelo BE, indo, no entanto, mais longe, ao eliminar a manifesta falta de
ligação à comunidade nacional como fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade pelo mero facto do
casamento ou da união de facto (mesmo que não exista um genuíno vínculo familiar), pelo que para além de
não respeitar o princípio da nacionalidade efetiva, não acautela a sua utilização abusiva. Em relação à
fundamentação desta minha opinião remeto para minha opinião relativa ao Projeto de Lei n.º 3/XIV/1.ª.
c) Direito à naturalização do estrangeiro que permanece irregularmente em território nacional há 2 anos,
com dispensa do requisito de conhecimento da língua portuguesa e de inexistência de condenação por crime
em pena de prisão igual ou superior a 3 anos (alteração ao artigo 6.º).
A Lei da Nacionalidade já concretiza o princípio da nacionalidade efetiva em sede de naturalização do
imigrante residente, garantindo-lhe o direito à nacionalidade portuguesa por presumir que tem uma ligação
efetiva e genuína à comunidade nacional, porque aqui fixou residência em cumprimento da Lei que rege esta
matéria, aqui reside há um período relativamente longo (5 anos), fala a língua portuguesa, nem que seja de
forma presumida ou elementar, e respeita os valores a que a comunidade nacional conferiu tutela jurídico-penal.
A alteração proposta em sede de naturalização por residência cria uma incongruência no nosso sistema
jurídico, pois permitiria que qualquer estrangeiro aceda, pela via da Lei da Nacionalidade, ao estatuto de
residente legal, mesmo quando não cumpre as condições fixadas pelo Parlamento através da Lei de Imigração.
Que sentido tem para o legislador exigir a um estrangeiro que queira fixar residência em Portugal uma série de
condições (meios de subsistência, alojamento, inexistência de prática de crimes), cujo cumprimento considera
necessário para garantir condições de integração na comunidade de acolhimento, paz social e a ordem pública,
se depois permite a um estrangeiro que não preencha essas condições adquirir um direito absoluto de residência
por força da aquisição da nacionalidade? Em minha opinião, nenhum.
Página 224
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
224
E não se diga, em apoio desta proposta, que a Lei de Imigração torna impossível a um estrangeiro a fixação
de residência em Portugal ou que a sua implementação é morosa, burocrática, etc. Se assim é, então a resposta
deve ser encontrada na sua sede própria que é a Lei de Imigração, que tem como função responder à questão
de saber que estrangeiro pode ou mesmo tem direito a fixar residência em Portugal. Não é matéria a ser regulada
através da Lei da Nacionalidade, que se situa a montante e a jusante, pois esta tem como função constitucional
(artigo 4.º CRP) responder à questão de saber quem é o povo português, quem é que tem com a comunidade
nacional organizada em Estado a sua única conexão ou a sua conexão mais relevante ou mesmo meramente
relevante que justifica ou mesmo impõe o estabelecimento com o Estado (com essa comunidade) do vínculo
jurídico da nacionalidade.
Por outro lado, esta proposta do Livre, para além de não acautelar o princípio da nacionalidade efetiva e ser
fator de incongruência do sistema jurídico, transforma a naturalização em instrumento de fácil legalização da
imigração irregular e/ou de elisão penal. Nos termos propostos, um estrangeiro que entre e resida em violação
das regras estabelecidas pelo legislador português (ou seja, pelo Estado) para a fixação de residência em
Portugal tem, após 2 anos de permanência irregular em território nacional, um direito a estabelecer com o Estado
Português o vínculo jurídico da nacionalidade, mesmo se foi condenado criminalmente em pena de prisão igual
ou superior a 3 anos (e por isso desrespeita os valores da comunidade em que vai ser inserido e aos quais esta
deu, através do seu Parlamento, tutela jurídico-criminal) e não tenha qualquer conhecimento de língua
portuguesa (aquela que o poeta considera a sua Pátria). Com isso, passa, assim, a poder assegurar
convenientemente a sua residência legal em Portugal e/ou furtar-se a uma extradição. Como também adquire
automaticamente a cidadania da União, um mero período de 2 anos de permanência irregular em Portugal seria
o suficiente para contornar as condições de entrada e residência em qualquer Estado-Membro onde pretenda,
verdadeiramente, viver. A ser concretizada, esta alteração seria fortemente potenciadora de fluxos migratórios
irregulares, com toda a tragédia humana a que estão associados, para além de, pelo impacto de dimensão
imprevisível que pode ter em relação aos outros Estados-Membros da EU, implicar uma violação do princípio da
lealdade comunitária.
Em conclusão, considero que o projeto de lei apresentado pela DURP do Livre não respeita os princípios da
igualdade, da nacionalidade efetiva e da lealdade comunitária, que o legislador da nacionalidade deve considerar
quando define quem é ou quem deve, pela sua ligação social, genuína e efetiva à comunidade nacional, ser
português.
PARTE III – CONCLUSÕES
1. A Deputada Única Representante do Livre apresentou à Assembleia da República o Projeto de Lei n.º
128/XIV/1.ª – Nona alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro (Lei da Nacionalidade).
2. Esta iniciativa visa valorizar o jus solis e o ius sanguinis mediante a atribuição da nacionalidade
portuguesa aos estrangeiros que nascem em Portugal e aos netos estrangeiros de nacional português, bem
como do direito subjetivo à naturalização de todos os que nascem em Portugal ou descendem
(independentemente do grau) de nacional português, sem dependência de qualquer requisito atinente à
residência em território nacional, ligação à comunidade nacional ou inexistência de condenação criminal.
3. Esta iniciativa também tem por objetivo facilitar a aquisição da nacionalidade portuguesa por parte de
cidadão estrangeiro casado ou unido de facto com português, conferindo-lhe, por este facto e
independentemente da duração do vínculo familiar, o direito à aquisição derivada da nacionalidade.
4. A iniciativa visa, em terceiro lugar, conceder o direito à naturalização a todos os estrangeiros que
residam em Portugal, independentemente da regularidade migratória da sua permanência, durante 2 anos.
5. A iniciativa em apreço pretende, igualmente, eliminar, em relação à atribuição de nacionalidade
originária (nomeadamente aos netos de portugueses) e de aquisição derivada da nacionalidade por efeito da
vontade ou por naturalização, a condição de inexistência de condenação por crime com pena de prisão igual ou
superior a três anos de prisão, pelo que tal condenação deixa de impedir o acesso à nacionalidade portuguesa
por parte de cidadãos estrangeiros.
6. O Projeto de Lei n.º 3/XIV/1.ª cumpre os requisitos formais previstos no n.º 1 do artigo 119.º, no n.º 1 do
artigo 123.º, bem como no n.º 1 do artigo 124.º do RAR.
Página 225
11 DE DEZEMBRO DE 2019
225
7. Face ao exposto, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias é de
parecer que o Projeto de Lei n.º 3/XIV/1.ª reúne, aparentemente, os requisitos constitucionais e regimentais para
ser discutido e votado em plenário.
Palácio de São Bento, 9 de dezembro de 2019.
A Deputada relatora, Constança Urbano de Sousa — O Presidente da Comissão, Luís Marques Guedes.
Nota: As partes I e III do parecer foram aprovadas com os votos a favor do PS, do PSD, do BE, do PCP, a
abstenção do DURP do L, tendo-se verificado a ausência do CDS-PP, do PAN e do DURP do CH, na reunião
da Comissão de 11 de dezembro de 2019.
PARTE IV – ANEXOS
Nota técnica.
Nota Técnica
Projeto de Lei n.º 126/XIV (L)
Nona alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro (Lei da Nacionalidade).
Data de admissão: 28 de novembro de 2019.
Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (1.ª).
Índice
I. Análise da iniciativa
II. Enquadramento parlamentar
III. Apreciação dos requisitos formais
IV. Análise de direito comparado
V. Consultas e contributos
VI. Avaliação prévia de impacto
VII. Enquadramento bibliográfico
VIII. Análise da iniciativa
Elaborada por: Paula Faria e João Oliveira (BIB), Luísa Colaço e Nuno Amorim (DILP), Rafael Silva (DAPLEN) e Nélia Monte Cid (DAC)
Data: 2 de dezembro de 2019
I. Análise da iniciativa
A iniciativa
Através do presente projeto de lei, a Deputada Única Representante do LIVRE propõe a alteração dos artigos
1.º, 3.º, 6.º, 9.º e 21.º da Lei da Nacionalidade (aprovada pela Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, e alterada pela Lei
n.º 25/2004, de 19 de agosto, pelo Decreto-Lei n.º 322-A/2001, de 14 de dezembro, e pelas Leis Orgânicas n.os
Página 226
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
226
1/2004, de 15 de janeiro, 2/2006, de 17 de abril, 1/2013, de 29 de julho, 8/2015, de 22 de junho, 9/2015, de 29
julho e 2/2018, de 5 de julho), com fundamento em que «reconhecer e atribuir a nacionalidade portuguesa a
quem nasceu no território de Portugal é mais do que um imperativo fundamental».
Consideram os proponentes que, apesar de a última alteração da Lei da Nacionalidade, operada pela Lei
Orgânica n.º 2/2018, de 5 de julho, «ter alargado o acesso à atribuição de nacionalidade originária segundo o
critério do jus soli, ficou esse acesso sujeito a critérios de jus domicili e jus sanguini (…)»requisitos que
«esvaziaram o conteúdo material do que eventualmente o consenso parlamentar teria desejado.»
Propõem, por isso a alteração dos referidos artigos da Lei da Nacionalidade, designadamente através:
1) Da consagração do reconhecimento da nacionalidade originária aos nascidos em Portugal Continental e
Regiões Autónomas entre 1981 e 2006 ope legis;
2) Da eliminação, para o mesmo efeito, da necessidade de os indivíduos nascidos em Portugal, filhos de
estrangeiros que não se encontrem ao serviço do respetivo Estado, «declararem que querem ser portugueses
e desde que, no momento do nascimento, um dos progenitores aqui resida legalmente há pelo menos cinco
anos» [por alteração da alínea f) do n.º 1 do artigo 1.º], com possibilidade de prova da nacionalidade pelo assento
de nascimento [aditando a alínea f) do n.º 1 do artigo 1.º, assim alterada, ao elenco do n.º 1 do artigo 21.º];
3) Da eliminação, para efeitos de atribuição da nacionalidade por naturalização a maiores ou emancipados,
do requisito de não condenação, com trânsito em julgado, com pena de prisão igual ou superior a 3 anos (por
alteração dos artigos 6.º e 9.º);
4) Da substituição do requisito de residência legal há pelo menos 5 anos pelo de residência efetiva há pelo
menos 2 anos, para efeitos de atribuição da nacionalidade, por naturalização, a menores [assim tornando menos
exigente o requisito cumulativo constante da alínea b) do n.º 1 do artigo 6.º];
5) Da consagração da aquisição da nacionalidade portuguesa por pessoas casadas com cidadãos
portugueses, sem exigência de outros requisitos que não uma declaração formal ou unidas de facto, por
declaração de reconhecimento da Junta de Freguesia (por alteração do artigo 3.º).
Para melhor compreensão das alterações propostas, apresenta-se o seguinte quadro comparativo das
alterações propostas às normas em vigor:
Lei da Nacionalidade Projeto de Lei n.º 126/XIV/1.ª
Artigo 1.º
Nacionalidade originária
1 – São portugueses de origem:
a) Os filhos de mãe portuguesa ou de pai português
nascidos no território português;
b) Os filhos de mãe portuguesa ou de pai português
nascidos no estrangeiro se o progenitor português aí
se encontrar ao serviço do Estado Português;
c) Os filhos de mãe portuguesa ou de pai português
nascidos no estrangeiro se tiverem o seu nascimento
inscrito no registo civil português ou se declararem
que querem ser portugueses;
d) Os indivíduos nascidos no estrangeiro com, pelo
menos, um ascendente de nacionalidade portuguesa
do 2.º grau na linha reta que não tenha perdido essa
nacionalidade, se declararem que querem ser
portugueses, possuírem laços de efetiva ligação à
comunidade nacional e, verificados tais requisitos,
inscreverem o nascimento no registo civil português;
Artigo 1.º
(…)
1 – […]:
a) (…);
b) (…);
c) (…);
d) Os indivíduos nascidos no estrangeiro com, pelo menos, um
ascendente de nacionalidade portuguesa do 2.º grau na linha direta1
que não tenha perdido essa nacionalidade, se declararem que
querem ser portugueses;
1 Certamente por lapso a linha de parentesco ficou identificada como «linha direta», ao invés de «reta» (como consagrado no artigo 1580.º do Código Civil).
Página 227
11 DE DEZEMBRO DE 2019
227
Lei da Nacionalidade Projeto de Lei n.º 126/XIV/1.ª
e) Os indivíduos nascidos no território português,
filhos de estrangeiros, se pelo menos um dos
progenitores também aqui tiver nascido e aqui tiver
residência, independentemente de título, ao tempo
do nascimento;
f) Os indivíduos nascidos no território português,
filhos de estrangeiros que não se encontrem ao
serviço do respetivo Estado, que não declarem não
querer ser portugueses, desde que, no momento do
nascimento, um dos progenitores aqui resida
legalmente há pelo menos dois anos;
g) Os indivíduos nascidos no território português e
que não possuam outra nacionalidade.
2 – Presumem-se nascidos no território português,
salvo prova em contrário, os recém-nascidos que
aqui tenham sido expostos.
3 – A verificação da existência de laços de efetiva
ligação à comunidade nacional, para os efeitos
estabelecidos na alínea d) do n.º 1, implica o
reconhecimento, pelo Governo, da relevância de tais
laços, nomeadamente pelo conhecimento suficiente
da língua portuguesa e pela existência de contactos
regulares com o território português, e depende de
não condenação, com trânsito em julgado da
sentença, pela prática de crime punível com pena de
prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo
a lei portuguesa.
4 – A prova da residência legal referida na alínea f)
do n.º 1 faz-se mediante a exibição do competente
documento de identificação do pai ou da mãe no
momento do registo.
e) Os indivíduos nascidos entre 1981 e 2006 no território português,
filhos de estrangeiros que declarem que querem ser portugueses;
f) Os indivíduos nascidos no território português, filhos de estrangeiros
que não se encontrem ao serviço do respetivo Estado;
g) (…).
2 – (…).
3 – (Revogado).
4 – (Revogado).
Artigo 3.º Aquisição em caso de casamento ou união de
facto
1 – O estrangeiro casado há mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa mediante declaração feita na constância do matrimónio. 2 – A declaração de nulidade ou anulação do casamento não prejudica a nacionalidade adquirida pelo cônjuge que o contraiu de boa-fé. 3 – O estrangeiro que, à data da declaração, viva em união de facto há mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa, após ação de reconhecimento dessa situação a interpor no tribunal cível.
Artigo 3.º (…)
1 – O cônjuge estrangeiro de nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa através de declaração feita na constância do matrimónio. 2 – (…). 3 – O estrangeiro em união de facto com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa mediante a apresentação de declaração de reconhecimento da união de facto emitida pela respetiva junta de freguesia.
Artigo 6.º Requisitos
1 – O Governo concede a nacionalidade portuguesa, por naturalização, aos estrangeiros que satisfaçam cumulativamente os seguintes requisitos:
a) Serem maiores ou emancipados à face da lei portuguesa;
Artigo 6.º (…)
1 – (…):
a) (…);
Página 228
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
228
Lei da Nacionalidade Projeto de Lei n.º 126/XIV/1.ª
b) Residirem legalmente no território português há pelo menos cinco anos; c) Conhecerem suficientemente a língua portuguesa; d) Não tenham sido condenados, com trânsito em julgado da sentença, com pena de prisão igual ou superior a 3 anos; e) Não constituam perigo ou ameaça para a segurança ou a defesa nacional, pelo seu envolvimento em atividades relacionadas com a prática do terrorismo, nos termos da respetiva lei.
2 – O Governo concede a nacionalidade, por naturalização, aos menores, nascidos no território português, filhos de estrangeiros, desde que preencham os requisitos das alíneas c), d) e e) do número anterior e desde que, no momento do pedido, se verifique uma das seguintes condições:
a) Um dos progenitores aqui tenha residência, independentemente de título, pelo menos durante os cinco anos imediatamente anteriores ao pedido; b) O menor aqui tenha concluído pelo menos um ciclo do ensino básico ou o ensino secundário. 3 – Tratando-se de criança ou jovem com menos de 18 anos, acolhidos em instituição pública, cooperativa, social ou privada com acordo de cooperação com o Estado, na sequência de medida de promoção e proteção definitiva aplicada em processo de promoção e proteção, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 72.º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada em anexo à Lei n.º 147/99, de 1 de setembro, cabe ao Ministério Público promover o respetivo processo de naturalização com dispensa das condições referidas no número anterior. 4 – O Governo concede a naturalização, com dispensa dos requisitos previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1, aos indivíduos que tenham tido a nacionalidade portuguesa e que, tendo-a perdido, nunca tenham adquirido outra nacionalidade. 5 – O Governo concede a nacionalidade, por naturalização, com dispensa do requisito estabelecido na alínea b) do n.º 1, aos indivíduos que satisfaçam cumulativamente os seguintes requisitos:
a) Tenham nascido em território português; b) Sejam filhos de estrangeiro que aqui tivesse residência, independentemente de título, ao tempo do seu nascimento; c) Aqui residam, independentemente de título, há pelo menos cinco anos.
6 – O Governo pode conceder a naturalização, com dispensa dos requisitos previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1, aos indivíduos que, não sendo apátridas, tenham tido a nacionalidade portuguesa, aos que forem havidos como descendentes de portugueses, aos membros de comunidades de ascendência portuguesa e aos estrangeiros que tenham prestado ou sejam chamados a prestar serviços relevantes ao Estado Português ou à comunidade nacional. 7 – O Governo pode conceder a nacionalidade por naturalização, com dispensa dos requisitos previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1, aos descendentes de judeus sefarditas portugueses, através da demonstração da tradição de pertença a uma comunidade sefardita de origem portuguesa, com base em requisitos objetivos comprovados de ligação
b) Residirem no território português há pelo menos dois anos; c) (Revogado); d) (Revogado); e) (…).
2 – O Governo concede a nacionalidade, por naturalização, aos nascidos no território português, filhos de estrangeiros, aos quais não tenha sido atribuída nacionalidade originária.
3 – (…). 4 – O Governo concede a naturalização, com dispensa dos requisitos previstos na alínea b) do n.º 1, aos indivíduos que tenham tido a nacionalidade portuguesa e que, tendo-a perdido, nunca tenham adquirido outra nacionalidade. 5 – (Revogado). 6 – O Governo concede a nacionalidade por naturalização, com dispensa do requisito previsto na alínea b) do n.º 1, aos indivíduos que não sendo apátridas, tinham tido a nacionalidade portuguesa, aos que forem havidos como descendentes de portugueses, aos membros de comunidades de ascendência portuguesa e aos estrangeiros que tenham prestado ou sejam chamados a prestar serviços relevantes ao Estado Português ou à comunidade nacional. 7 – O Governo concede a nacionalidade por naturalização, com dispensa dos requisitos previstos na alínea b) do n.º 1, aos descendentes de judeus sefarditas portugueses, através da demonstração da tradição de pertença a uma comunidade sefardita de origem portuguesa, com base em requisitos objetivos comprovados de ligação a Portugal, designadamente apelidos, idioma familiar, descendência direta ou colateral.
Página 229
11 DE DEZEMBRO DE 2019
229
Lei da Nacionalidade Projeto de Lei n.º 126/XIV/1.ª
a Portugal, designadamente apelidos, idioma familiar, descendência direta ou colateral. 8 – O Governo pode conceder a nacionalidade, por naturalização, com dispensa do requisito estabelecido na alínea b) do n.º 1, aos indivíduos que sejam ascendentes de cidadãos portugueses originários, aqui tenham residência, independentemente de título, há pelo menos cinco anos imediatamente anteriores ao pedido e desde que a ascendência tenha sido estabelecida no momento do nascimento do cidadão português. 9 – O conhecimento da língua portuguesa referido na alínea c) do n.º 1 presume-se existir para os requerentes que sejam naturais e nacionais de países de língua oficial portuguesa. 10 – A prova da inexistência de condenação, com trânsito em julgado da sentença, com pena de prisão igual ou superior a 3 anos referida na alínea d) do n.º 1 faz-se mediante a exibição de certificados de registo criminal emitidos:
a) Pelos serviços competentes portugueses; b) Pelos serviços competentes do país do nascimento, do país da nacionalidade e dos países onde tenha tido residência, desde que neles tenha tido residência após completar a idade de imputabilidade penal.
8 – O Governo concede a nacionalidade por naturalização, com dispensa dos requisitos previstos na alínea b) do n.º 1, aos indivíduos que sejam ascendentes de cidadãos portugueses originários, aqui tenham residência, independentemente de título, há pelo menos dois anos imediatamente anteriores ao pedido e desde que a ascendência tenha sido estabelecida no momento do nascimento do cidadão português. 9 – (…). 10 – (Revogado).
Artigo 9.º Fundamentos
1 – Constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa por efeito da vontade:
a) A inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional; b) A condenação, com trânsito em julgado da sentença, com pena de prisão igual ou superior a 3 anos; c) O exercício de funções públicas sem carácter predominantemente técnico ou a prestação de serviço militar não obrigatório a Estado estrangeiro; d) A existência de perigo ou ameaça para a segurança ou a defesa nacional, pelo seu envolvimento em atividades relacionadas com a prática do terrorismo, nos termos da respetiva lei.
2 – A oposição à aquisição de nacionalidade com fundamento na alínea a) do número anterior não se aplica às situações de aquisição de nacionalidade em caso de casamento ou união de facto quando existam filhos comuns do casal com nacionalidade portuguesa. 3 – À prova da inexistência de condenação referida na alínea b) do n.º 1 é aplicável o disposto no n.º 10 do artigo 6.º.
Artigo 9.º (…)
1 – (…):
a) (Revogado); b) (Revogado); c) (…); d) (…).
2 – (Revogado).
3 – (Revogado).
Artigo 13.º Suspensão de procedimentos
1 – O procedimento de aquisição da nacionalidade portuguesa por efeito da vontade, por adopção ou por naturalização suspende-se durante o decurso do prazo de cinco anos a contar da data do trânsito em julgado de sentença que condene o interessado por crime previsto na lei portuguesa e em pena ou penas que, isolada ou cumulativamente, ultrapassem 1 ano de prisão.
Artigo 13.º (…)
Revogado
Página 230
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
230
Lei da Nacionalidade Projeto de Lei n.º 126/XIV/1.ª
2 – Com a suspensão prevista no número anterior, suspende-se também a contagem do prazo previsto no n.º 1 do artigo 10.º 3 – São nulos os atos praticados em violação do disposto no n.º 1.
Artigo 21.º Prova da nacionalidade originária
1 – A nacionalidade portuguesa originária dos indivíduos abrangidos pelas alíneas a), b) e f) do n.º 1 do artigo 1.º prova-se pelo assento de nascimento. 2 – É havido como nacional português o indivíduo de cujo assento de nascimento não conste menção da nacionalidade estrangeira dos progenitores ou do seu desconhecimento. 3 – A nacionalidade originária dos indivíduos abrangidos pela alínea c) do n.º 1 do artigo 1.º prova-se, consoante os casos, pelas menções constantes do assento de nascimento lavrado por inscrição no registo civil português ou pelo registo da declaração de que depende a atribuição. 4 – A nacionalidade originária dos indivíduos abrangidos pela alínea d) do n.º 1 do artigo 1.º prova-se pelo assento de nascimento onde conste a menção da naturalidade portuguesa de um dos progenitores e a da sua residência no território nacional. 5 – A nacionalidade portuguesa originária de indivíduos abrangidos pela alínea e) do n.º 1 do artigo 1.º prova-se pelo registo da declaração de que depende a atribuição.
Artigo 21.º (…)
1 – A nacionalidade portuguesa originária dos indivíduos abrangidos pelas alíneas a), b), e), f) e g) do n.º 1 do artigo 1.º prova-se pelo assento de nascimento. 2 – (…). 3 – (…). 4 – (…). 5 – (Revogado).
A iniciativa legislativa compõe-se de cinco artigos preambulares: o artigo 1.º que define o objeto da iniciativa;
o 2.º, que identifica os artigos a alterar da Lei da Nacionalidade; o artigo 3.º, que promove a alteração do
Regulamento da Nacionalidade Portuguesa e os dois últimos que identificam expressamente as revogações
preconizadas e que determinam o dia seguinte ao da publicação para o início de vigência da lei a aprovar.
Enquadramento jurídico nacional
Para a matéria em apreço neste projeto de lei releva, em especial, o artigo 4.º da Constituição da República
Portuguesa, segundo o qual «são cidadãos portugueses todos aqueles que como tal sejam considerados pela
lei ou por convenção internacional».
No plano da legislação ordinária, a Lei n.º 37/81, de 3 de outubro2 (Lei da Nacionalidade), na qual o projeto
de lei em apreço pretende introduzir pequenas alterações, foi modificada oito vezes, através da Lei n.º 25/94,
de 19 de agosto, do Decreto-Lei n.º 322-A/2001, de 14 de dezembro (na redação dada pelo Decreto-Lei n.º
194/2003, de 23 de agosto)3 4 e das Leis Orgânicas n.os 1/2004, de 15 de janeiro, 2/2006, de 17 de abril , 1/2013,
de 29 de julho, 8/2015, de 22 de junho, 9/2015, de 29 de julho, e 2/2018, de 5 de julho, a qual procedeu à sua
republicação.
A última alteração operada à Lei da Nacionalidade alargou o acesso à nacionalidade com base no critério do
jus soli, tanto na aquisição da nacionalidade originária como por adoção e naturalização. Mantinha, no entanto,
algumas condicionantes a essa aquisição que a presente iniciativa legislativa pretende mitigar.
2 Versão consolidada retirada do portal oficial dre.pt 3 Retificado pela Declaração de Retificação n.º 11-I/2003, de 30 de setembro. 4 A alteração introduzida por este diploma, traduzida na revogação do artigo 20.º da Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, dizia respeito à gratuitidade dos registos das declarações para a atribuição da nacionalidade portuguesa e os registos oficiosos, bem como os documentos necessários para uns e outros, não afetando a área de reserva absoluta de competência legislativa a que se refere a alínea f) do artigo 164.º da Constituição.
Página 231
11 DE DEZEMBRO DE 2019
231
A Lei da Nacionalidade atualmente em vigor veio revogar a Lei n.º 2098, de 29 de julho de 1959, a qual
previa, na sua Base I, que eram portugueses, desde que tivessem nascido em território português: os filhos de
pai português; os filhos de mãe portuguesa, se o pai for apátrida, de nacionalidade desconhecida ou incógnito;
os filhos de pais apátridas, de nacionalidade desconhecida ou incógnitos; os filhos de pai estrangeiro, salvo se
este estiver em território português ao serviço do Estado a que pertence; os filhos de mãe estrangeira, se o pai
for apátrida, de nacionalidade desconhecida ou incógnito, salvo se aquela estiver em território português ao
serviço do Estado a que pertence.
Por sua vez, o Decreto-Lei n.º 308-A/75, de 24 de junho5, que estabelecia normas sobre a conservação da
nacionalidade portuguesa pelos portugueses domiciliados em território ultramarino tornado independente,
tomando em consideração «que o acesso à independência dos territórios ultramarinos sob administração
portuguesa, em resultado do processo de descolonização em curso, vem criar, como facto saliente, a aquisição
da nova nacionalidade por parte de indivíduos que, até àquela data, tinham a nacionalidade portuguesa», prevê,
no seu artigo 1.º, que «Conservam a nacionalidade os seguintes portugueses domiciliados em território
ultramarino tornado independente: a) Os nascidos em Portugal continental e nas ilhas adjacentes; b) Até à
independência do respectivo território, os nascidos em território ultramarino ainda sob administração portuguesa;
c) Os nacionalizados; d) Os nascidos no estrangeiro de pai ou mãe nascidos em Portugal ou nas ilhas adjacentes
ou de naturalizados, assim como, até à independência do respectivo território, aqueles cujo pai ou mãe tenham
nascido em território ultramarino ainda sob administração portuguesa; e) Os nascidos no antigo Estado da Índia
que declarem querer conservar a nacionalidade portuguesa; f) A mulher casada com, ou viúva ou divorciada de,
português dos referidos nas alíneas anteriores e os filhos menores deste.». Também o artigo 2.º deste diploma
é direcionado para os nascidos nos então territórios ultramarinos e seus descendentes já existentes à data do
diploma.
Da análise da Lei n.º 2098, de 29 de julho de 1959, e do Decreto-Lei n.º 308-A/75, de 24 de junho, resulta a
conclusão de que ficam desprotegidos, em termos de atribuição da nacionalidade, os nascidos em Portugal
Continental ou nas regiões autónomas entre o dia 25 de Abril de 1974 e a entrada em vigor da atual Lei da
Nacionalidade, que sejam filhos dos cidadãos que passaram a ser considerados estrangeiros por aplicação
conjugada daqueles dois diplomas, situação que a presente iniciativa legislativa pretende colmatar.
Finalmente, assinale-se que o artigo 3.º da presente iniciativa legislativa comete ao Governo a
regulamentação da lei a que ela der origem, através da alteração do Regulamento da Nacionalidade
Portuguesa6. Podem ser considerados pertinentes a este propósito, entre outros, os artigos 14.º, sobre a
aquisição da nacionalidade portuguesa em caso de casamento ou união de facto, e 18.º a 28.º, relativos à
concessão da nacionalidade por naturalização.
II. Enquadramento parlamentar
Iniciativas pendentes (iniciativas legislativas e petições)
Consultada a base de dados da Atividade Parlamentar (AP), verificou-se estarem pendentes as seguintes
iniciativas legislativas (mas não petições) sobre a matéria em apreço (e cuja discussão na generalidade conjunta
com a presente iniciativa está já agendada para a sessão plenária de 11 de dezembro de 2019:
– Projeto de Lei n.º 3/XIV (BE) – Altera a Lei da Nacionalidade e o Regulamento Emolumentar dos Registos
e Notariado (Nona alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro e trigésima quarta alteração ao Decreto-Lei n.º 322-
A/2001, de 14 de dezembro);
– Projeto de Lei n.º 117/XIV (PAN) – Alarga o acesso à naturalização às pessoas nascidas em território
português após o dia 25 de Abril de 1974 e antes da entrada em vigor da Lei da Nacionalidade (procede à nona
alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro);
5 Revogado pela Lei n.º 113/88, de 29 de dezembro. 6 Versão consolidada retirada do portal oficial dre.pt.
Página 232
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
232
– Projeto de Lei n.º 118/XIV (PCP) – Alarga a aplicação do princípio do jus soli na Lei da Nacionalidade
Portuguesa (Nona alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, que aprova a Lei da Nacionalidade).
Antecedentes parlamentares (iniciativas legislativas e petições)
De anteriores Legislaturas, como antecedentes parlamentares do presente Projeto de Lei, encontram-se
registadas as seguintes iniciativas legislativas e petições:
Da XIII Legislatura:
– Projeto de Lei n.º 364/XIII (PSD) – Altera a Lei n.º 37/81 (Lei da Nacionalidade)
– Projeto de Lei n.º 390/XIII (BE) – Altera a Lei da Nacionalidade, aprovada pela Lei n.º 37/81, de 3 de outubro,
e o Regulamento Emolumentar dos Registos e Notariado, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 322-A/2001, de 14 de
dezembro;
– Projeto de Lei n.º 428/XIII (PCP) – Nona alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro (Lei da Nacionalidade)7;
– Projeto de Lei n.º 548/XIII (PAN) – Altera a Lei da Nacionalidade;
– Projeto de Lei n.º 544/XIII (PS) – Oitava alteração à Lei da Nacionalidade, aprovada pela Lei n.º 37/81, de
3 de outubro, alterada pela Lei n.º 25/94, de 19 de agosto, pelo Decreto-Lei n.º 322-A/2001, de 14 de dezembro,
e pelas Leis Orgânicas n.º 1/2004, de 15 de janeiro, n.º 2/2006, de 17 de abril, n.º 1/2013, de 29 de julho, n.º
8/2015, de 22 de junho e n.º 9/2015, de 29 de julho.
Estas iniciativas, discutidas e votadas indiciariamente na Comissão de Assuntos Constitucionais da XIII
Legislatura, deram origem a um texto de substituição desta Comissão, que culminou na aprovação da Lei
Orgânica n.º 2/2018, de 5 de julho.
– Projeto de Lei n.º 479/XIII (CDS-PP) – Determina a perda da nacionalidade portuguesa, por parte de quem
seja também nacional de outro Estado, em caso de condenação pela prática do crime de terrorismo (Oitava
alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro – Lei da Nacionalidade) – rejeitado na generalidade em 19 de maio
de 2017, com votos contra do PS, do BE, do PCP, do PEV, do PAN, a favor do CDS-PP e a abstenção do PSD.
Da XII Legislatura:
– O Projeto de Lei n.º 373/XII (PS) – «Quinta alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro (Lei da
Nacionalidade)»8;
– O Projeto de Lei n.º 382/XII (PSD) – «Quinta alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro (Lei da
Nacionalidade) Estende a nacionalidade portuguesa originária aos netos de portugueses nascidos no
estrangeiro»;9
– O Projeto de Lei n.º 387/XII (PCP) – «Quinta alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro (Lei da
Nacionalidade)»;10
– O Projeto de Lei n.º 394/XII (CDS-PP) – «Quinta alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro (Lei da
Nacionalidade) Nacionalidade portuguesa de membros de comunidades de judeus sefarditas expulsos de
Portugal»11;
– O Projeto de Lei n.º 400/XII (BE) – «Altera a Lei da Nacionalidade (quinta alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de
outubro)»12;
7 Daria origem à Lei Orgânica n.º 2/2018, de 5 de julho. 8 Discutido em conjunto com o Projeto de Lei n.º 394/XII, daria origem à Lei Orgânica n.º 1/2013. 9 Discutido em conjunto com o Projeto de Lei n.º 400/XII, daria origem à Lei Orgânica n.º 9/2015. O texto final da lei, relativo à alínea d) do n.º 1 do artigo 1.º, incluiria o requisito da «efetiva ligação à comunidade nacional» para a aquisição da nacionalidade portuguesa por parte de netos de portugueses. 10 Rejeitado. 11 Discutido e aprovado em conjunto com o Projeto de Lei n.º 373/XII. 12 Rejeitado. Foi discutido em conjunto com os Projetos de Lei n.os 382/XII e 387/XII.
Página 233
11 DE DEZEMBRO DE 2019
233
– A Proposta de Lei n.º 280/XII (GOV) – «Procede à sexta alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro (Lei da
Nacionalidade), fixando novos fundamentos para a concessão da nacionalidade por naturalização e para
oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa»13;
– Da XI Legislatura, encontramos ainda o Projeto de Lei n.º 30/XI (PSD) – «Altera a Lei da Nacionalidade
estendendo a nacionalidade portuguesa originária aos netos de portugueses nascidos no estrangeiro».14
Da anterior Legislatura, registam-se as seguintes petições, de apreciação já concluída:
– Petição n.º 618/XIII/4.ª – Solicitam a alteração de alguns critérios de concessão de nacionalidade
portuguesa;
– Petição n.º 617/XIII/4.ª – Solicitam a concessão de nacionalidade portuguesa a cidadãos originários de
países colonizados por Portugal com 2 anos de residência no País;
– Petição n.º 590/XIII/4.ª – Solicitam a revisão da interpretação que Portugal faz do artigo 5.º da Convenção
Europeia sobre a Nacionalidade;
– Petição n.º 576/XIII/4.ª – Solicitam a atribuição de nacionalidade portuguesa a cidadãos oriundos de países
colonizados com 2 anos de residência;
– Petição n.º 390/XIII/3.ª – Solicita a alteração da Lei da Nacionalidade em matéria de reconhecimento da
nacionalidade originária aos filhos de imigrantes.
III. Apreciação dos requisitos formais
A iniciativa legislativa em análise é subscrita pela Deputada única representante do LIVRE, ao abrigo do
disposto no n.º 1 do artigo 167.º da Constituição e no artigo 118.º do Regimento da Assembleia da República
(doravante Regimento), que consagram o poder de iniciativa da lei. Trata-se de um poder dos Deputados, nos
termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento.
Reveste a forma de projeto de lei, nos termos do n.º 1 do artigo 119.º do Regimento. Encontra-se redigido
sob a forma de artigos, é precedido de uma breve exposição de motivos e tem uma designação que traduz
sinteticamente o seu objeto principal, dando assim cumprimento aos requisitos formais estabelecidos no n.º 1
do artigo 124.º do Regimento.
De igual modo, encontram-se respeitados os limites à admissão das iniciativas, previstos no n.º 1 do artigo
120.º do Regimento, uma vez que este projeto de lei define concretamente o sentido das modificações a
introduzir na ordem legislativa e parece não infringir princípios constitucionais relevantes para a sua
admissibilidade, não obstante haver normas cuja adequação à Constituição deve ser analisada e discutida pelos
Deputados, no decurso do processo legislativo parlamentar 15.
A matéria sobre a qual versa o presente projeto de lei – «aquisição, perda e reaquisição da cidadania
portuguesa» – enquadra-se, por força do disposto na alínea f) do artigo 164.º da Constituição, no âmbito da
reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República. Assim, segundo o n.º 4 do artigo 168.º
da Constituição, a presente iniciativa legislativa carece de votação na especialidade pelo Plenário e, nos termos
do disposto no n.º 2 do artigo 166.º da Constituição, em caso de aprovação e promulgação revestirá a forma de
lei orgânica.
As leis orgânicas carecem «de aprovação, na votação final global, por maioria absoluta dos Deputados
em efetividade de funções», nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 168.º da Constituição. Refira-se,
igualmente, que o artigo 94.º do Regimento estatui que essa votação, por maioria qualificada, deve ser realizada
com recurso ao voto eletrónico.
13 Daria origem à Lei Orgânica n.º 8/2015. 14 Rejeitado. 15 Nomeadamente a redação dada às alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 1.º da Lei da Nacionalidade, que atribui nacionalidade originária a filhos de estrangeiros nascidos no território português, num dos casos durante um período específico. A Lei Orgânica n.º 9/2015, de 29 de julho, alterou uma norma desse artigo mas, no seu artigo 2.º, alargou a sua aplicabilidade retroativamente a sujeitos com os mesmos requisitos («em data anterior à sua entrada em vigor»), de modo a salvaguardar o princípio da igualdade.
Página 234
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
234
Deve também ser tido em conta o disposto no n.º 5 do artigo 278.º da Constituição: «O Presidente da
Assembleia da República, na data em que enviar ao Presidente da República decreto que deva ser promulgado
como lei orgânica, dará disso conhecimento ao Primeiro-Ministro e aos grupos parlamentares da Assembleia da
República».
O projeto de lei em apreciação deu entrada a 26 de novembro de 2019. Foi admitido e baixou na generalidade
à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias a 28 de novembro, por despacho de
S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República, tendo, nesse mesmo dia, sido anunciado em sessão plenária.
A respetiva discussão na generalidade encontra-se agendada para a reunião plenária de dia 11 de dezembro,
por arrastamento com o Projeto de Lei n.º 3/XIV/1.ª (BE) – cfr. despacho do Presidente da Assembleia da
República n.º 22/XIV, de 28 de novembro.
Verificação do cumprimento da lei formulário
O título da presente iniciativa legislativa – «Nona alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro (Lei da
Nacionalidade)» – traduz sinteticamente o seu objeto, mostrando-se conforme ao disposto no n.º 2 do artigo 7.º
da Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, conhecida como lei formulário16.
Este título encontra-se de acordo com a regra de legística formal segundo a qual «o título de um ato de
alteração deve referir o título do ato alterado, bem como o número de ordem de alteração» 17. Consultando o
Diário da República Eletrónico, verifica-se que a Lei da Nacionalidade, aprovada pela Lei n.º 37/81, de 3 de
outubro, foi modificada por oito atos legislativos, até à presente data.
O artigo 1.º está de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 74/98, de 11 de novembro: «Os
diplomas que alterem outros devem indicar o número de ordem da alteração introduzida e, caso tenha havido
alterações anteriores, identificar aqueles diplomas que procederam a essas alterações, ainda que incidam sobre
outras normas».
Caso se pretenda especificar o âmbito da alteração à Lei da Nacionalidade no título ou na norma sobre o
objeto, tal pode ser efetuado pelos Deputados em sede de apreciação na especialidade.
Tratando-se materialmente de uma lei orgânica, a Lei da Nacionalidade deve ser republicada em anexo às
leis que a modificarem, segundo o disposto no n.º 2 do artigo 6.º da Lei n.º 74/98, de 11 de novembro. Porém,
o autor não promoveu essa republicação, pelo que o projeto de republicação deve ser elaborado previamente à
votação final global.
Em caso de aprovação esta iniciativa revestirá a forma de lei orgânica, nos termos do n.º 2 do artigo 166.º
da Constituição, pelo que deve ser objeto de publicação na 1.ª Série do Diário da República, em conformidade
com o disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 74/98, de 11 de novembro.
No que respeita ao início de vigência, o artigo 5.º deste projeto de lei estabelece que a sua entrada em vigor
ocorrerá no dia seguinte ao da sua publicação, mostrando-se assim conforme com o previsto no n.º 1 do artigo
2.º da Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, segundo o qual os atos legislativos «entram em vigor no dia neles
fixado, não podendo, em caso algum, o início de vigência verificar-se no próprio dia da publicação».
Nesta fase do processo legislativo, a iniciativa em análise não nos suscita outras questões no âmbito da lei
formulário.
Regulamentação ou outras obrigações legais
Nos termos do artigo 3.º, o Governo procederá às necessárias alterações do Regulamento da Nacionalidade
Portuguesa, no prazo de 30 dias a contar da publicação da eventual lei que vier a ser aprovada.
16 Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, que estabelece um conjunto de normas sobre a publicação, a identificação e o formulário dos diplomas, alterada e republicada pelas Leis n.os 2/2005, de 24 de janeiro, 26/2006, de 30 de junho, 42/2007, de 24 de agosto, e 43/2014, de 11 de julho. 17 Duarte, D., Sousa Pinheiro, A. et al (2002), Legística. Coimbra, Editora Almedina, pág. 201.
Página 235
11 DE DEZEMBRO DE 2019
235
IV. Análise de direito comparado
Enquadramento internacional
Países europeus
A legislação comparada é apresentada para os seguintes Estados da União Europeia: Espanha e França.
ESPANHA
A questão da aquisição e atribuição da nacionalidade espanhola é regulada pelo Código Civil espanhol, cujo
artigo 17.º, relativo à nacionalidade originária, considera como espanhóis de origem, os filhos de pai ou mãe
espanhola, os nascidos em Espanha de pais estrangeiros se pelo menos um deles tiver nascido em Espanha,
excetuando-se os filhos de funcionário diplomático ou consular acreditado em Espanha [artigo 17.º, n.º 1, alínea
b)]. De igual modo, são considerados espanhóis os nascidos em Espanha de pais estrangeiros, se ambos
carecerem de nacionalidade ou se a legislação aplicável aos pais não atribuir uma nacionalidade ao filho [artigo
17.º, n.º 1, alínea c)]. Além destes casos, também os nascidos em Espanha cuja filiação não resulte determinada
são espanhóis de origem [artigo 17.º, n.º 1, alínea d)].
No entanto, a filiação ou o nascimento em Espanha cuja determinação que ocorra depois dos 18 anos de
idade não constitui por si só causa de aquisição da nacionalidade espanhola, podendo o interessado optar pela
nacionalidade espanhola de origem no prazo de dois anos a contar daquele facto (artigo 17.º, n.º 2).
Por outro lado, e de acordo com o previsto no n.º 1 do artigo 19.º, o estrangeiro menor de 18 anos de idade
adotado por cidadão espanhol adquire, desde a adoção, a nacionalidade espanhola de origem. Se o adotado
for maior de 18 anos, pode optar pela nacionalidade espanhola originária no prazo de dois anos a partir da
constituição da adoção (n.º 2). Se, de acordo com o ordenamento jurídico do país de origem, o adotado puder
manter a sua nacionalidade, esta é também reconhecida em Espanha.
Para a concessão da nacionalidade por residência, um dos casos em que esta pode ser atribuída é o de
pessoa a residir em Espanha há pelo menos 10 anos, sendo suficientes cinco anos para os que hajam obtido o
estatuto de refugiados e dois anos para os cidadãos nacionais de origem de países ibero-americanos, Andorra,
Filipinas, Guiné Equatorial, Portugal ou sefarditas (artigos 21.º, n.os 2 e 4, e 22.º, n.º 1). Basta o tempo de
residência de um ano, de entre outros casos, para quem haja nascido em território espanhol [artigo 22.º, n.º 2,
alínea a)]. Em todos os casos de naturalização por residência, esta tem de ser legal e continuada (artigo 22.º,
n.º 3).
Cumpre mencionar a existência, da autoria do Governo espanhol, de uma coletânea legislativa com todas as
normas relativas à nacionalidade e estado civil, disponível no seu portal na Internet.
FRANÇA
A matéria da nacionalidade é tratada no Código Civil, especificamente nos artigos 17 a 33-2.
Deste modo, tem nacionalidade francesa a criança que tenha pelo menos um dos progenitores de
nacionalidade francesa (artigo 18), a criança nascida em França de pais desconhecidos (artigo 19) e a criança
nascida em França filha de pelo menos um progenitor também nascido em França, embora, neste caso, haja a
faculdade de renunciar à nacionalidade francesa, desde que o faça durante os seis meses anteriores à data em
que atingir os 18 anos de idade e os 12 meses seguintes (artigos 19-3 e 19-4).
Em razão da residência, uma criança nascida em França de pais estrangeiros adquire a nacionalidade
francesa uma vez atingida a maioridade se, à data em que a atingir, estiver a residir em território francês e nele
tiver tido residência habitual durante um período, seguido ou interpolado, de pelo menos cinco anos desde os
onze de idade (artigo 21-7). No entanto, o menor de idade pode pedir a atribuição da nacionalidade francesa a
partir dos 16 anos se, à data do pedido, estiver a residir em território francês e nele tiver tido residência habitual
durante um período, seguido ou interpolado, de pelo menos cinco anos desde os onze anos de idade; nas
mesmas condições, a nacionalidade francesa pode ser reclamada, em nome do menor nascido em França de
Página 236
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
236
pais estrangeiros, a partir dos 13 anos de idade, devendo neste caso a condição da residência habitual em
França por pelo menos cinco anos ter de ser preenchida a partir dos oito anos de idade (artigo 21-11).
O portal governamental service-public.fr dispõe de uma página dedicada à temática da nacionalidade
francesa na qual pode ser consultada informação prática sobre o procedimento e obtida informação adicional
sobre a temática.
V. Consultas e contributos
Consultas obrigatórias e facultativas
Em 29 de novembro de 2019, a Comissão promoveu a consulta escrita do Conselho Superior da Magistratura,
do Conselho Superior do Ministério Público e da Ordem dos Advogados.
Todos os pareceres e contributos remetidos à Assembleia da República serão publicados na página desta
iniciativa na Internet.
VI. Avaliação prévia de impacto
Avaliação sobre impacto de género
O preenchimento, pela proponente, da ficha de avaliação prévia de impacto de género da presente iniciativa,
em cumprimento do disposto na Lei n.º 4/2018, de 9 de fevereiro, devolve como resultado uma valoração neutra
do impacto de género.
Linguagem não discriminatória
Na elaboração dos atos normativos a especificação de género deve ser minimizada recorrendo-se, sempre
que possível, a uma linguagem neutra ou inclusiva, mas sem colocar em causa a clareza do discurso.
Sem prejuízo de uma análise mais detalhada, na apreciação na especialidade ou na redação final, nesta fase
do processo legislativo a redação do projeto de lei não nos suscita questões relacionadas com a linguagem
discriminatória em relação ao género, uma vez que utiliza conceitos constantes na lei que pretende alterar.
VII. Enquadramento bibliográfico
CANAS, Vitalino – Nacionalidade portuguesa depois de 2006. Revista da Faculdade de Direito da
Universidade de Lisboa. Coimbra. ISSN 0870-3116. Vol. 48, n.º 1 e 2 (2007), p. 509-538. Cota: RP-226.
Resumo: O presente artigo incide, no essencial, sobre as alterações à lei da nacionalidade introduzidas pela
Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de abril. Segundo o autor, a característica mais proeminente da reforma foi o
sentido geral de alargamento dos mecanismos de atribuição e aquisição da nacionalidade, quer originária, quer
derivada, bem como de facilitação e de aligeiramento dos processos e requisitos vigentes. A análise incide
especialmente sobre essas alterações, nomeadamente no que se refere à cidadania originária e não originária,
reforço do critério do jus soli, e do jus sanguinis, requisito da residência, situações de apatridia, residência legal
de progenitor, regime da oposição à aquisição de nacionalidade por efeito da vontade ou da adoção e articulação
com a lei dos estrangeiros.
COSTA, Paulo Manuel – Oposição à aquisição da nacionalidade: a inexistência de ligação efectiva à
comunidade nacional. Revista da Ordem dos Advogados. Ano 72, n.º 4 (out. – dez. 2012). p. 1453-1481. Cota:
RP-172
Página 237
11 DE DEZEMBRO DE 2019
237
Resumo: O autor debruça-se sobre a Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, com as alterações introduzidas pela Lei
Orgânica n.º 2/2006, de 17 de abril. Refere os critérios para a determinação dos indivíduos titulares da
nacionalidade: o jus sanguinis e o jus soli. Para além destas situações de atribuição, a titularidade da
nacionalidade portuguesa pode resultar da sua aquisição por efeito da vontade, pela adoção ou pela
naturalização.
A análise realizada incide essencialmente sobre o instituto jurídico da oposição à aquisição da nacionalidade
no quadro normativo português, que consiste no poder conferido pelo nosso ordenamento jurídico, ao Ministério
Público, de se opor à aquisição da nacionalidade portuguesa por inexistência de ligação efetiva à comunidade
nacional; pela condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de
prisão de máximo igual ou superior a 3 anos; ou pela existência de perigo ou ameaça para a segurança ou
defesa nacional, pelo envolvimento em atividades relacionadas com a prática de terrorismo.
DUARTE, Feliciano Barreiras – Regime Jurídico Comparado do direito de cidadania: análise e estudo
das leis da nacionalidade de 40 países. Pref. Luís Marques Guedes. Lisboa: Âncora, 2009. ISBN 978-972-
7802449. Cota: 12.06.7 – 423/2009.
Resumo: O citado estudo reúne a legislação comparada sobre o direito de cidadania de 40 países (entre os
quais: Alemanha, Angola, Áustria, Bélgica, Brasil, Canadá, Dinamarca, Eslovénia, Espanha, Estados Unidos,
Finlândia, França, Grécia, Holanda, Hungria, Itália, Japão, Noruega, Polónia, Portugal, Reino Unido, Rússia,
Suécia, Suíça, etc.), com o objetivo de evidenciar as principais linhas de força consagradas nos ordenamentos
jurídicos dos diversos Estados a respeito da aquisição e da perda da nacionalidade. O autor não teve como
objetivo apresentar exaustivamente todas as regras dos regimes jurídicos nacionais sobre o direito da
nacionalidade, mas sim as normas substantivas que regem a sua aquisição e perda e, de entre estas, as que
se afiguram mais relevantes.
GIL, Ana Rita – Princípios de direito da nacionalidade: sua consagração no ordenamento jurídico português.
O direito. Lisboa. ISSN 0873-4372. Ano 142, Vol. IV (2010), p. 723-760. Cota: RP-270.
Resumo: A autora refere os princípios do direito internacional e da União Europeia que devem guiar o
legislador nacional na hora de determinar quem são os cidadãos portugueses. Do Direito da UE derivam
condicionantes que podem consubstanciar limites à definição dos próprios critérios de aquisição da
nacionalidade, impondo certas cautelas que não se compadecem, por exemplo, com o reconhecimento de um
direito absoluto de ius soli, ou com naturalizações em massa injustificada de nacionais de países terceiros.
Analisa o regime português de acesso à nacionalidade (Lei da Nacionalidade portuguesa de 1981), bem
como a reforma do direito da nacionalidade português ocorrida com a aprovação da Lei Orgânica n.º 2/2006, de
17 de abril, que modificou substancialmente os regimes da atribuição e da aquisição da nacionalidade
portuguesa, traduzindo-se num claro aumento do número de aquisições da nacionalidade.
A autora analisa o regime de acesso à nacionalidade, em vigor a partir de 2006, à luz de alguns dos principais
princípios que são um limite à liberdade de conformação legislativa: o princípio da nacionalidade efetiva, da
unidade de nacionalidade familiar, da proibição da discriminação, da prevenção de apatridia, do direito
fundamental à cidadania e dos princípios que devem enformar os procedimentos administrativos de
nacionalidade.
HUDDLESTON, Thomas, [et al.] – Migrant Integration Policy Index (2015) [Em linha]. Barcelona: Center
for International Affairs, 2015. [Consult. 11 nov. 2019]. Disponível na intranet da AR: http://catalogobib.parlamento.pt:81/images/winlibimg.aspx?skey=&doc=128992&img=14499&save=true> ISBN 978-84-92511-45-7. Resumo: O Índice de Políticas de Integração de Migrantes (MIPEX) constitui um guia de referência, bem como uma ferramenta totalmente interativa para avaliar, comparar e melhorar as políticas de integração. A edição de 2015 avalia as referidas políticas de integração em 38 países: os Estados-Membros da União Europeia; Austrália; Canadá; Islândia; Japão; Coreia do Sul; Nova Zelândia; Noruega; Suíça; Turquia e Estados Unidos, através de 167 indicadores, fornecendo uma imagem rica e multidimensional das oportunidades colocadas à disposição dos imigrantes para participar na sociedade, avaliando o compromisso dos diversos governos relativamente à sua integração.
Página 238
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
238
Um dos aspetos focados neste índice prende-se diretamente com a matéria do presente Projeto de Lei, ao
abordar a questão do acesso à nacionalidade nas páginas 57 a 62. Apresenta ainda os perfis para cada um dos
38 países estudados, de acordo com os diversos indicadores selecionados para medir as políticas de integração
nesses países. O perfil relativo ao nosso país pode ser consultado nas páginas 176 a 179, verificando-se que
Portugal surge como o país que tem a Lei da nacionalidade mais favorável.
OCDE – Naturalisation: a passport for the better integration of immigrants? [Em linha]. Paris: OCDE,
2011. [Consult. 11 nov. 2019]. Disponível na intranet da AR: http://catalogobib.parlamento.pt:81/images/winlibimg.aspx?skey=&doc=128995&img=14497&save=true> ISBN 978-92-64-09898-5. Resumo: Este documento reúne as atas do Seminário conjunto OCDE / Comissão Europeia sobre Naturalização e Integração Socioeconómica dos imigrantes e dos seus filhos, realizado em outubro de 2010, em Bruxelas. Faz um balanço dos conhecimentos atuais sobre as ligações entre a atribuição da nacionalidade pelo país de acolhimento e a integração socioeconómica dos imigrantes. Aborda também o papel da naturalização como instrumento no quadro geral da política de imigração e integração, com o objetivo de identificar boas práticas a partir de diferentes experiências registadas em países da União Europeia e da OCDE. O capítulo 2 «The current status of nationality law» apresenta o ponto da situação relativamente à legislação em vigor, nos diferentes países analisados, relativamente à nacionalidade, com referência particular para a aquisição de nacionalidade por nascimento; aquisição da nacionalidade através da naturalização ou outros procedimentos e, por fim, a perda da nacionalidade. RAMOS, Rui Manuel Moura – Estudos de Direito Português da Nacionalidade. Coimbra: Coimbra Editora, 2013. ISBN 978-972-32-2135-0. Cota 12.23 – 88/2017. Resumo: Nesta compilação de artigos, o autor faz a análise jurídica das alterações legais ao direito da nacionalidade em Portugal (1975, 1981, 1994, 2004 e 2006). O capítulo 14 (p. 523), analisa detalhadamente as alterações introduzidas pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de abril. Na conclusão, ao fazer o balanço geral e a apreciação crítica da referida lei, conclui que a principal linha de força que emerge da nova alteração legislativa é o reforço do jus soli, decorrente «da progressiva caracterização de Portugal como país de imigração», e expresso quer na introdução da regra do duplo jus soli (do interessado e de um dos seus progenitores), quer no encurtamento do prazo de residência legal do progenitor em Portugal. Salienta que o jus soli continua a não relevar de forma incondicionada na atribuição da nacionalidade portuguesa, embora contribua para favorecer a integração das comunidades imigradas, nomeadamente de segunda e terceira geração. Enfatiza ainda as consequências da nova configuração dada à figura da naturalização, que passa a decorrer forçosamente da verificação do preenchimento de determinado número de pressupostos legais previamente fixados, pressupostos significativamente aligeirados e tornados menos onerosos para o interessado, reduzindo o poder de apreciação do Governo. ——— PROJETO DE LEI N.º 149/XIV/1.ª PLANO DE INTERVENÇÃO PARA A CONSTRUÇÃO, REQUALIFICAÇÃO E MODERNIZAÇÃO DO EDIFICADO ESCOLAR Exposição de motivos O PCP há muito defende a necessidade de requalificação de todo o edificado escolar a cargo do Ministério da Educação. Um pouco por todo o país vão existindo queixas da comunidade educativa em relação a edifícios degradados, falta de conforto térmico, existência de materiais potencialmente perigosos (designadamente, os
Página 239
11 DE DEZEMBRO DE 2019
239
que contêm amianto), instalações elétricas e canalizações obsoletas, instalações desportivas desadequadas,
entre outros problemas.
De acordo com informações prestadas pelo Governo em audição parlamentar com o Ministro da
Administração Interna já quase no final da anterior legislatura, existirão 294 escolas do 2.º e 3.º ciclos e do
ensino secundário que «carecem de obras de dimensão significativa». Esta cifra representará um quarto do
número total de estabelecimentos escolares (1167) que o Governo pretende passar para a gestão das
autarquias, no âmbito do processo de transferência de competências e de encargos.
Prossegue, novamente, a política de desresponsabilização do Governo pelo edificado escolar na sua
totalidade, o que coloca em causa o princípio da universalidade do direito à Educação. Lembre-se que, além
das escolas de 1.º ciclo já transferidas, a criação da «Parque Escolar, EPE» representou um grande passo no
sentido da desresponsabilização de sucessivos governos perante a gestão do edificado e recursos materiais
que constituem o parque escolar português, e constituiu mais um passo na privatização da respetiva função e
gestão.
A degradação acentuada a que chegou o estado material das escolas portuguesas só é justificável pela
subalternização a que esses mesmos governos, ao longo de décadas, votaram o parque escolar. O Partido
Comunista Português sempre denunciou essa política de desresponsabilização, nas suas diversas expressões,
e tem também denunciado as formas e artifícios que foram sendo criados e/ou mantidos para contornar a
responsabilidade do governo no que toca ao parque escolar.
A manutenção e a gestão do parque escolar devem ser da estrita competência do Estado, através do
Ministério da tutela, sem prejuízo de valorizar a criação de equipas ou serviços da administração direta do Estado
que possam intervir em articulação com toda a comunidade educativa.
A existência da «Parque Escolar» é incompatível com a necessidade de racionalização da utilização dos
recursos públicos e com a necessidade de gestão e controlo público do parque escolar, bens e serviços que o
compõem. Apenas o retorno da tutela sobre o parque escolar para o Ministério da Educação pode assegurar
um controlo público e democrático desse património e a transparência da sua gestão.
O PCP entende que deve ser o próprio Estado, através do Ministério da Educação, a decidir
democraticamente a estratégia para as escolas, incluindo a gestão do parque escolar e dos recursos que o
integram.
O ponto de situação em que todo o parque escolar se encontra exige a tomada de medidas urgentes. Assim,
o PCP propõe a realização de um plano de intervenção para a construção, requalificação e modernização do
edificado escolar que se encontre sob a tutela do Ministério da Educação, assegurando-se em Orçamento do
Estado o respetivo envelope financeiro.
Além disso, a presente proposta pretende assegurar que eventuais processos de obras do Parque Escolar,
EPE em curso não sejam interrompidos, sendo concluídos e posteriormente transferida a gestão das escolas
para a tutela direta do Ministério da Educação. Nos casos em que as obras estejam já concluídas, propõe-se a
imediata passagem para o ministério, terminando o pagamento de rendas por parte das escolas à Parque
Escolar, EPE.
Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do
Regimento, os Deputados da Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte projeto de lei:
Artigo 1.º
Objeto
1 – A presente lei cria um plano de intervenção para a construção, requalificação e modernização do
edificado escolar que se encontre sob a tutela do Ministério da Educação.
2 – Define ainda o modo com o se processa a conclusão das obras adstritas à Parque Escolar, EPE e a
transferência do seu património para a esfera pública.
Página 240
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
240
Artigo 2.º
Plano de intervenção para a construção, requalificação e modernização do edificado escolar
1 – O Governo procede ao levantamento das necessidades de requalificação das escolas tuteladas pelo
Ministério da Educação, no prazo de seis meses após a entrada em vigor da presente lei.
2 – Após o prazo previsto no número anterior, o Governo planifica a construção ou requalificação das escolas
sob tutela Ministério da Educação, envolvendo a comunidade educativa e priorizando as que forem consideradas
urgentes.
3 – As obras de construção ou requalificação previstas no número anterior devem ser iniciadas no prazo de
18 meses após a publicação da presente lei.
4 – No âmbito do plano de intervenção é considerada a remoção das coberturas de amianto que ainda
persistam.
5 – É ainda considerado no plano de intervenção a construção de pavilhões desportivos nas escolas que não
disponham daqueles equipamentos ou na requalificação e modernização daqueles que não respondam às
necessidades.
6 – Para a concretização do previsto no presente artigo, é reforçado em sede de Orçamento do Estado as
verbas para a construção, requalificação e modernização do edificado escolar da rede pública, sem prejuízo do
recurso a outras fontes de financiamento, nomeadamente de fundos comunitários.
Artigo 3.º
Conclusão das obras adstritas à Parque Escolar, EPE
Até ao fim do ano de 2022 são concluídas todas as obras em curso, incluindo as que estejam em fase de
projeto.
Artigo 4.º
Extinção da Parque Escolar, EPE
Após a verificação do previsto no artigo anterior inicia-se o procedimento de extinção da empresa Parque
Escolar, EPE, de acordo com a legislação aplicável, sendo transferido para o Ministério da Educação o direito
de propriedade transferido para a Parque Escolar, EPE, nos termos previstos do Decreto-Lei n.º 41/2007, de 21
de fevereiro, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 83/2009, de 2 de abril.
Artigo 5.º
Norma Revogatória
Após a verificação do previsto no artigo 4.º é revogado o Decreto-Lei n.º 41/2007, de 21 de fevereiro, alterado
pelo Decreto-Lei n.º 83/2009, de 2 de abril.
Artigo 6.º
Entrada em vigor e produção de efeitos
A presente lei entra em vigor no dia seguinte à sua publicação e produz efeitos com o Orçamento do Estado
subsequente.
Assembleia da República, 11 de dezembro de 2019.
Página 241
11 DE DEZEMBRO DE 2019
241
Os Deputados do PCP: Ana Mesquita, Paula Santos, João Oliveira, António Filipe, Jerónimo de Sousa,
Duarte Alves, Alma Rivera, João Dias, Diana Ferreira, Bruno Dias.
———
PROJETO DE LEI N.º 150/XIV/1.ª
LEI DE PROGRAMAÇÃO PLURIANUAL DE INVESTIMENTO PARA OS ESTABELECIMENTOS DO SNS
Exposição de motivos
Fruto do subfinanciamento crónico do SNS muitos hospitais e centros de saúde estão confrontados há vários
anos com a necessidade de fazer investimentos, quer na área dos equipamentos, quer ao nível das
infraestruturas/edificado e outros investimentos, nomeadamente para sistemas de informação ou nas viaturas.
A escassez de financiamento atrasa e, nalguns casos, impede a renovação de equipamentos, muitos dos
quais em funcionamento muito para além do tempo de vida útil e que serve de justificação para encaminhar uma
grande parte dos exames de diagnóstico para as clínicas e hospitais privados. Assim como não permite uma
redução significativa dos tempos de espera, seja nas consultas da especialidade seja das cirurgias. E impede a
requalificação do edificado ou até a construção de novas unidades de saúde.
Estão identificadas necessidades de construção de novos hospitais, nomeadamente Seixal, Évora, Lisboa,
Barcelos; há vários anos que o Hospital de Faro necessita ser substituído por novas instalações e há hospitais
que precisam de ser ampliados e requalificados, tais como o Centro Hospitalar Gaia/Espinho, o Hospital de Beja,
o Hospital de Santo Tirso, Centro Hospitalar Póvoa de Varzim/ Vila do Conde, entre outros.
As necessidades de requalificação do edificado ou construção de novas instalações não são exclusivas dos
hospitais, também nos cuidados primários de saúde se registam inúmeras carências. São disso exemplo a
necessidade de construção de novas instalações para o Centro de Saúde Fernão de Magalhães em Coimbra;
Centro de Saúde da Madalena em Vila Nova de Gaia, Centro de Saúde de Santiago do Cacém, Centro de Saúde
da Vidigueira, Centro de Saúde do Alto Seixalinho no Barreiro ou a requalificação das instalações do Centro de
Saúde de Celas em Coimbra ou do serviço de urgência básica no Centro de Saúde de Castro Verde.
Assim como são visíveis as dificuldades na substituição dos veículos, elementos essenciais para a prestação
de cuidados de saúde de proximidade, designadamente na área dos cuidados domiciliários.
É, pois, com o objetivo de melhorar a qualidade e a segurança na prestação de cuidados, ao nível dos
cuidados primários e dos cuidados hospitalares, e as condições de trabalho dos profissionais de saúde que o
PCP apresenta o presente projeto de lei.
O projeto de lei instituiu a programação plurianual de investimentos nos estabelecimentos e serviços do
Serviço Nacional de Saúde, nos quais estão incluídos os investimentos na construção, requalificação do
edificado, aquisição e renovação de equipamentos, dos sistemas e tecnologias de informação e veículos.
A iniciativa legislativa prevê ainda o financiamento e o modo de programação das medidas contempladas no
programa plurianual de investimentos, de forma a assegurar as condições de trabalho aos profissionais de saúde
e as condições de prestações de cuidados de saúde aos utentes, reforçando a capacidade de resposta do
Serviço Nacional de Saúde, e simultaneamente reduzir o recurso à prestação de cuidados fora de
estabelecimentos do SNS.
Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º e da alínea f) do artigo 165.º da Constituição da
República e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo-
assinados, do Grupo Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte projeto de lei:
Página 242
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
242
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei estabelece a programação plurianual de investimentos para os estabelecimentos do Serviço
Nacional de Saúde permitindo a melhoria da prestação de cuidados de saúde e da resposta pública.
Artigo 2.º
Âmbito
1 – A programação plurianual abrange os investimentos em instalações, nos equipamentos dirigidos aos
meios de diagnóstico e terapêutica, nos sistemas de tecnologias de informação, veículos e demais
equipamentos imprescindíveis para o funcionamento e prestação de cuidados de saúde de qualidade e em
segurança em todos os estabelecimentos e serviços do Serviço Nacional de Saúde.
2 – Os investimentos previstos no número anterior incluem a construção de novos hospitais e centros de
saúde, a par da requalificação dos edifícios onde os estabelecimentos do SNS estão sediados.
Artigo 3.º
Programação das medidas
1 – A programação das medidas é antecedida do levantamento exaustivo das necessidades referentes à
conservação e manutenção de instalações, assim como à sua requalificação e ampliação, à aquisição de
veículos, à substituição e modernização de equipamentos e construção de hospitais e centros de saúde.
2 – Na sequência do disposto no número anterior, é elaborado o plano de investimentos, a calendarização,
prazos para a sua execução e respetivas dotações orçamentais.
Artigo 4.º
Financiamento
1 – A dotação financeira anual das medidas contempladas na presente lei é inscrita no Orçamento do Estado
do ano a que diz respeito.
2 – Para a concretização das referidas medidas admite-se o financiamento através do recurso a fundos
comunitários.
Artigo 5.º
Execução e Acompanhamento
1 – Compete ao Governo, através do ministério com a tutela da área da saúde, promover a execução da
presente lei, mediante a assunção dos compromissos necessários para a sua implementação.
2 – Os estabelecimentos e serviços do Serviço Nacional de Saúde colaboram no planeamento, execução e
monitorização da presente lei.
3 – Para efeitos de acompanhamento pela Assembleia da República, o Governo elabora um relatório anual
em que estão contemplados os níveis de execução de cada medida e os compromissos assumidos.
Artigo 6.º
Disposições Orçamentais
1 – A lei que aprova o Orçamento do Estado prevê a estimativa de receita e a inscrição das despesas a
realizar no âmbito da aplicação da presente lei.
2 – As dotações relativas à concretização do planeamento decorrente da presente lei estão excluídas de
cativações orçamentais.
Página 243
11 DE DEZEMBRO DE 2019
243
Artigo 7.º
Revisão do Plano
O Plano pode ser revisto pelo Governo em função das necessidades que venham a ser identificadas no
funcionamento do SNS, devendo as revisões efetuadas constar do relatório a apresentar à Assembleia da
República.
Artigo 8.º
Entrada em vigor
Sem prejuízo da sua entrada em vigor nos termos gerais, a presente lei produz efeitos financeiros com a
entrada em vigor do Orçamento do Estado subsequente à sua aprovação.
Assembleia da República, 11 de dezembro de 2019.
Os Deputados do PCP: Paula Santos, João Dias, António Filipe, João Oliveira, Jerónimo de Sousa, Bruno
Dias, Ana Mesquita, Diana Ferreira, Duarte Alves, Alma Rivera.
———
PROJETO DE LEI N.º 151/XIV/1.ª
ESTABELECE O REGIME PARA A REPOSIÇÃO DE FREGUESIAS EXTINTAS
Exposição de motivos
I
As populações de norte a sul do país reivindicam e lutam pela reposição das freguesias extintas durante o
Governo PSD/CDS. Nos últimos anos foram aprovadas nos órgãos autárquicos centenas de tomadas de
posições e moções a exigir a reposição das respetivas freguesias. E se as freguesias extintas não foram
repostas de acordo com a vontade das populações não foi por falta de proposta do PCP, mas porque PS, PSD
e CDS o impediram.
O PCP opôs-se desde o primeiro momento à extinção das freguesias e assumiu o compromisso de intervir
para a sua reposição. Na anterior legislatura despoletámos o processo com a apresentação de uma iniciativa
legislativa com o objetivo de devolver às populações as freguesias roubadas, na sequência das eleições
autárquicas de 2017, de acordo com a vontade das populações. Mais uma vez PS juntou-se ao PSD e ao CDS,
dando o dito pelo dito e obstaculizaram a reposição das freguesias.
PS, PSD e CDS são responsáveis por as freguesias extintas não serem devolvidas às populações onde é
essa a sua vontade e por não serem eleitos os seus representantes nas últimas eleições autárquicas.
PS, PSD e CDS são responsáveis por se ter perdido uma oportunidade de assegurar uma maior proximidade
entre os eleitos e as populações como são responsáveis por se manter situações de gestão do território sem
qualquer tipo de racionalidade, com soluções a régua e esquadro que não têm qualquer correspondência com
a realidade, as especificidades e as necessidades das populações, e com menor capacidade de intervenção na
resolução de problemas concretos sentidos pelas populações. PSD, PS e CDS são responsáveis por não se ter
resgatado a identidade própria.
Quem agora defende a descentralização e a proximidade, poderia começar por defender e repor as
freguesias retiradas às populações, contra a sua vontade. Seria um ótimo sinal para dar passos na
descentralização e proximidade (quando as freguesias deveriam ser o nível de Estado mais próximo das
populações).
Página 244
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
244
Na anterior legislatura o Governo refugiando-se em diversos subterfúgios, optando claramente por não
corresponder às reivindicações das populações. Primeiro a necessidade de elaborar um estudo sobre a atual
situação das freguesias, depois comprometeu-se num Congresso da ANAFRE que iria apresentar uma iniciativa
legislativa para estabelecer os critérios para a criação, agregação e extinção de freguesias, com o objetivo de
corrigir situações anómalas. Mas do que se conhece dessa intenção, o Governo preparava-se para fixar critérios
tão restritivos, que na prática iriam levar à extinção de mais de um milhar de freguesias.
II
A extinção de freguesias através da denominada Reorganização Administrativa do Território das Freguesias
operada pela Lei n.º 11-A/2013, de 28 de janeiro, em execução da Lei n.º 22/2012, de 30 de maio, imposta por
PSD e CDS, mereceu contestação e repúdio generalizados expressos, desde logo, no silêncio a que se votaram
mais de dois terços das assembleias municipais existentes, mau grado as fortíssimas pressões exercidas para
que participassem no processo.
Das variadas ordens de razões para essa contestação e repúdio uma surge como transversal e reclama
pronta reparação: o desrespeito pelos princípios e formas de participação democrática profundamente
entrosados na natureza própria do Poder Local Democrático.
Sob falsos argumentos, PSD e CDS-PP avançaram com a extinção de mais de um milhar de freguesias no
país, assente numa opção política e ideológica (expressa também no Pacto de Agressão da Troica) que tinha
como principal objetivo a subversão do Poder Local Democrático e que se traduziu no empobrecimento do nosso
regime democrático.
Do ponto de vista financeiro, o impacto foi praticamente nulo, mas do ponto de vista da proximidade das
autarquias e dos eleitos às populações o impacto foi muito significativo.
Este processo teve consequências profundamente negativas junto das populações – perdeu-se a
proximidade que caracterizava este nível de Poder Local, com a redução de cerca de 20 mil eleitos de freguesia;
dificultou-se a capacidade de intervenção na resolução de problemas; perdeu-se a identidade e reduziu-se a
capacidade de reivindicação das populações. Enquanto representantes das populações, os eleitos de freguesia
muitas vezes davam voz às reivindicações das populações, levando-as a outros níveis de poder.
Foi também esta voz «incómoda» e contrária às suas opções políticas, que o governo PSD/CDS procurou
aniquilar.
E contrariamente à enorme propaganda política, a extinção de freguesias não correspondeu ao reforço da
coesão territorial, mas sim ao aumento das assimetrias regionais já existentes. Ao encerramento de inúmeros
serviços públicos pelo país, somou-se ainda a extinção de freguesias, o que nalgumas localidades, em particular
nas zonas rurais e de interior, a freguesia era a entidade que restava e que até essa foi extinta, deixando as
populações ao abandono.
III
O Grupo Parlamentar do PCP opôs-se desde o primeiro momento à estratégia de desmantelamento do Poder
Local Democrático protagonizado pelo governo PSD/CDS e expressa no conhecido «Livro Verde».
Rejeitámos totalmente uma perspetiva de reorganização territorial com base em critérios cegos e que
ignoraram totalmente a realidade concreta de cada território. A reorganização administrativa do território deve
ser devidamente ponderada, atenta às necessidades das populações e as características de cada território e
nunca contrária à opinião das populações e aos seus interesses.
Com o objetivo de eliminar as distorções induzidas por aquela «reorganização», o Grupo Parlamentar do
PCP reapresenta o presente projeto de lei que visa:
a) Consolidar os resultados da «reorganização» que mereceram prévio consenso em ambos os órgãos
deliberativos autárquicos chamados a pronunciar-se;
b) Abrir um período de debate e decisão locais que, culminando em deliberações tomadas em sessões
especiais dos órgãos, possa carrear para o processo o resultado das experiências entretanto vividas e propor
soluções diversas daquela ou da pura e simples reposição das demais freguesias;
Página 245
11 DE DEZEMBRO DE 2019
245
c) Reverter a efetiva extinção de freguesias operada pela «reorganização» em todos os casos em que não
tenha existido consenso nos órgãos deliberativos chamados a pronunciar-se e não haja oposição expressa pelos
atuais órgãos.
Não parece possível reconstituir a representatividade específica de cada uma das assembleias que se
pronunciou anteriormente à «reorganização», perdida que está com a aglomeração de freguesias. Sendo, nesta
matéria, vedado pela Constituição o recurso ao referendo, nada impede que os atuais órgãos autárquicos
promovam a auscultação das populações interessadas pelas mais diversas vias e acolham, no que deliberarem,
os sentimentos, opiniões e propostas dominantes.
Por fim, repõe-se a vigência do regime jurídico de criação de freguesias: a sua revogação operada na
«reorganização», não só não é impeditiva da criação de uma qualquer freguesia pela Assembleia da República,
como a sua vigência não impõe, por si mesma, que alguma freguesia venha a ser criada.
IV
Para alcançar estes desideratos estabelece-se, no projeto de lei que o Grupo Parlamentar do PCP
reapresenta, a reposição de todas as freguesias extintas com oposição, expressa ou tácita, dos órgãos
deliberativos chamados a pronunciar-se.
Estabelece-se ainda que, na sequência da experiência acumulada pelos órgãos autárquicos e, em especial,
pelas populações no decurso de mais de metade do mandato, seja reformulada a posição assumida inicialmente,
qualquer que tenha sido o sentido do parecer à data da «reorganização».
Procurou-se simplificar ao máximo o processo, mas sem descurar tanto as formalidades essenciais como a
participação direta das populações: têm este objetivo concreto a imposição de sessões extraordinárias públicas
e específicas, que se esperam amplamente divulgadas, e também a obrigação de serem sucessivas, com início
nas das assembleias de freguesia.
Preserva-se a capacidade soberana de decidir nesta matéria de que é detentora a Assembleia da República
ao sublinhar que, sempre que haja recurso ao mecanismo de reformulação da posição assumida, lhe cabe
decidir em última instância, ponderando os pareceres que lhe tenham sido transmitidos, mas sem se encontrar
vinculada às soluções por eles perfilhadas.
Estabeleceram-se prazos razoáveis, tanto na perspetiva da prontidão do processo, como na efetiva
possibilidade de execução atempada das tarefas inerentes, tendo como objetivo a sua implementação no quadro
do próximo processo eleitoral para as autarquias. E, fazendo correr o processo pela comissão parlamentar
competente, elimina-se a necessidade de outras etapas preparatórias do processo legislativo.
Acolhe-se o processo transitório previsto na Lei n.º 8/93, de 5 de março, cuja repristinação propomos, e
regula-se a matéria patrimonial por forma a mitigar eventuais conflitos, prevendo-se expressamente formas
expeditas de os resolver quando, mesmo assim, venham a ocorrer.
Não é possível estimar antecipadamente os custos diretos que irão resultar da execução da presente lei, mas
são seguramente irrisórios, associados a um pequeno acréscimo de senhas de presença para suportar o
funcionamento das assembleias de freguesia, e podem mesmo ser total ou parcialmente anulados com as
reduções possíveis decorrentes da possível cessação de situações de exercício de funções a tempo inteiro ou
parcial.
Assumindo o nosso compromisso eleitoral, apresentamos o presente projeto de lei que cria o regime para a
devolução das freguesias extintas onde seja a vontade da população, correspondendo à justa reivindicação das
populações e dos órgãos autárquicos.
Nestes termos, ao abrigo da alínea n) do artigo 164.º da Constituição da República e da alínea b) do n.º 1 do
artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo-assinados, do Grupo Parlamentar
do PCP, apresentam o seguinte projeto de lei:
Artigo 1.º
Reposição de freguesias
1 – São repostas, com a publicação da lei a que se refere o n.º 4 do artigo seguinte, as freguesias extintas
pela Lei n.º 11-A/2013, de 28 de janeiro, com exceção daquelas cujos órgãos deliberativos e do município em
Página 246
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
246
que se integravam se tenham pronunciado favoravelmente no âmbito do processo regulado pela Lei n.º 22/2012,
de 30 de maio.
2 – Podem ainda ser repostas outras freguesias extintas no âmbito do mesmo processo ou sustada a
reposição das referidas no n.º 1 por proposta fundamentada dos órgãos deliberativos municipais e das atuais
freguesias.
Artigo 2.º
Procedimentos
1 – Nos casos a que se refere o n.º 2 do artigo anterior as deliberações devem ser tomadas em sessões
públicas extraordinárias da assembleia de freguesia e da assembleia municipal expressamente convocadas
para o efeito.
2 – As deliberações a que se referem os números anteriores devem ser comunicadas à Assembleia da
República até ao 45.º dia posterior à entrada em vigor da presente lei pelos presidentes das mesas dos órgãos
que as tomarem.
3 – A pronúncia favorável à reposição das freguesias a que se refere o n.º 1 do artigo anterior considera-se
tempestiva para os efeitos da presente lei.
4 – Nos 45 dias seguintes à realização dos procedimentos referidos nos números anteriores, a comissão
parlamentar competente da Assembleia da República elabora relatório e proposta de mapa geral das freguesias
a repor em execução da presente lei, que será aprovado por lei da Assembleia da República e do qual devem
constar:
a) As freguesias referidas no n.º 1 do artigo 1.º relativamente às quais não tenha havido proposta para suster
a sua reposição;
b) As freguesias referidas no n.º 1 do artigo 1.º relativamente às quais tenha havido proposta para suster a
sua reposição com fundamentos que a Comissão entenda não serem de atender;
c) As demais freguesias a que se refere o n.º 2 do artigo 1.º;
d) As uniões de freguesias subsistentes na sequência de reposição parcial das freguesias que atualmente
as integram.
Artigo 3.º
Forma
1 – A reposição das freguesias extintas pela Lei n.º 11-A/2013, de 28 de janeiro, opera-se pela repristinação
das leis que as criaram, com a redação que vigorava à data da extinção, na sequência da publicação do mapa
a que se refere o n.º 4 do artigo anterior.
2 – Sempre que a reposição de freguesias não abranja a totalidade das freguesias agregadas numa
determinada união de freguesias criada pela Lei n.º 11-A/2013 de 28 de janeiro, mantêm-se em vigor as
disposições aplicáveis para o conjunto do seu território que não seja abrangido pelo disposto no n.º 1.
3 – À designação das uniões de freguesia a que se refere o número anterior, em qualquer das suas variantes,
são subtraídos os elementos que identifiquem a ou as freguesias cuja existência for reposta.
4 – A lei a que se refere o n.º 4 do artigo anterior é título bastante para a transmissão de posições contratuais,
o registo de quaisquer bens, direitos e obrigações ou quaisquer outros atos a praticar em juízo ou fora dele, com
o objetivo de recuperar as condições existentes previamente à extinção da freguesia reposta.
5 – As condições a que se refere a parte final do número anterior são as que constam da última conta de
gerência remetida ao Tribunal de Contas pelos órgãos competentes das freguesias extintas, aplicando-se o
disposto no artigo 10.º da Lei n.º 8/93, de 5 de março, às alterações patrimoniais e outras relevantes que tenham
ocorrido posteriormente à elaboração daquela conta.
6 – Em caso de litígio ou quando relativamente a algum bem, direito ou obrigação for materialmente
impossível a recuperação a que se refere o n.º 4, deve ser promovida a conciliação a requerimento das partes
ou do Ministério Público pelo juiz da instância local mais próxima.
7 – São isentos de pagamento, de qualquer natureza, os atos administrativos e judiciais praticados em
execução da presente lei.
Página 247
11 DE DEZEMBRO DE 2019
247
Artigo 4.º
Criação de novas freguesias
É repristinada a Lei n.º 8/93, de 5 de março, com vigência a partir do dia seguinte ao da publicação do mapa
a que se refere o n.º 4 do artigo 2.º.
Artigo 5.º
Efeitos
1 – As comissões instaladoras a constituir nos termos do disposto no artigo 9.º da Lei n.º 8/93, de 5 de março,
devem iniciar funções até 90 dias antes da mais próxima das datas em que devam ter lugar eleições gerais dos
órgãos das autarquias locais.
2 – Nos 90 dias posteriores à publicação do mapa a que se refere o n.º 4 do artigo 2.º o Governo faz publicar,
em suplemento à I Série do Diário da República, o mapa geral das freguesias a elaborar pelo órgão da
Administração Pública que tiver a seu cargo a manutenção da Carta Administrativa Oficial de Portugal.
Artigo 6.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
Assembleia da República, 11 de dezembro de 2019.
Os Deputados do PCP: Paula Santos, Diana Ferreira, João Oliveira, António Filipe, Jerónimo de Sousa, Alma
Rivera, João Dias, Duarte Alves, Bruno Dias, Ana Mesquita.
———
PROJETO DE LEI N.º 152/XIV/1.ª
REVOGA O REGIME FUNDACIONAL E ESTABELECE UM MODELO DE GESTÃO DEMOCRÁTICA
DAS INSTITUIÇÕES PÚBLICAS DE ENSINO SUPERIOR (PRIMEIRA ALTERAÇÃO À LEI N.º 62/2007, DE
10 DE SETEMBRO, QUE ESTABELECE O REGIME JURÍDICO DAS INSTITUIÇÕES DO ENSINO
SUPERIOR)
Exposição de motivos
A introdução do regime jurídico das instituições de ensino superior foi feita com o argumento da necessidade
de modernização e de agilização do sistema de governo e de gestão das instituições. Na verdade, tratou-se de
uma alteração profunda do quadro vigente que foi apresentada como solução fechada e não teve em devida
consideração vários pareceres e reflexões de diversas entidades da comunidade de ensino superior.
Não houve qualquer possibilidade de realização de um debate profundo sobre a alteração em causa, até
tendo em conta apenas existiu um prazo de 6 dias úteis fixado pelo Governo para a emissão de pareceres, num
processo que decorreu durante a época de exames. Apesar disso, não se fizeram esperar críticas e
preocupações provenientes de organizações representativas de estudantes, professores e de trabalhadores não
docentes, bem como das próprias instituições de ensino superior.
O PCP considera que as alterações ao regime jurídico das instituições de ensino superior (RJIES)
introduziram profundas e negativas transformações de sentido neoliberal no sistema de ensino superior
português, atacando o seu caráter público. Ao invés de resolver as premissas que serviram de pretexto à sua
Página 248
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
248
criação, o RJIES deu passos determinados no sentido da empresarialização e privatização do ensino superior
público, introduziu graves limitações à autonomia das instituições, dando uma machadada na gestão
democrática e participada das instituições prevista pela Constituição da República Portuguesa.
Na verdade, o relatório da OCDE em que o então Governo se sustentou era bem claro nos objetivos a
alcançar: pretendia-se uma revisão dos mecanismos de governação e uma diversificação das fontes de
financiamento por via do aumento da contribuição privada sobretudo através do aumento de propinas apoiado
em empréstimos. A recomendação de conversão de todos os estabelecimentos de ensino superior público em
fundações autónomas tinha igualmente como objetivo o aumento das receitas provenientes de outras fontes
exteriores à Administração Central. O RJIES atirou com o odioso para as instituições, fixando que o valor das
propinas é estabelecido pelo Conselho Geral, dentro dos intervalos estabelecidos pela lei.
Os passos dados no sentido de conferir poder a indivíduos e entidades externas sobre questões estratégicas
e orçamentais foi um dos aspetos que o PCP desde sempre denunciou. Aliás, não se tardaram a conhecer
nomes de grandes empresários da banca e do retalho, por exemplo, que passaram a integrar diversos conselhos
de curadores.
Ao longo dos anos, o PCP afirmou que este regime jurídico acabou por empurrar as instituições públicas de
ensino superior para a dependência de interesses que lhes são alheios, o que teve impacto sobretudo ao nível
da sua gestão, mas também conheceu influências no próprio desenvolvimento científico e académico. Para isso
contribuiu a imposição de um regime rígido de organização interna que valorizou interesses externos,
menorizando de forma muito clara o papel de estudantes, funcionários e investigadores, mas também de
professores.
A par do esvaziamento democrático notório, o RJIES implementou ao mesmo tempo um regime fundacional
que, apesar de o atual Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior o negar, o que faz é abrir caminho
para a privatização e mercantilização das instituições públicas, objetivo que o PCP considera ser a verdadeira
orientação estratégica de todo o diploma.
Ao longo da vigência do RJIES observa-se que existe uma tendência global de aumento do valor das
propinas, que têm um peso cada vez maior no orçamento das instituições. O aluno deixa de ser visto como
sujeito do direito constitucional de acesso aos mais elevados graus de ensino e passa a ser encarado como um
consumidor de produtos educativos fornecidos por autênticas marcas comerciais. A par disto, acentuou-se a
dependência de fundos externos e «competitivos», com impacto ao nível da perda de autonomia científica e
académica.
Aliás, e como o PCP tem bastamente referido, as profundas alterações ao regime de organização e gestão
das instituições promovidas pelo RJIES contrariam o sentido das normas constitucionais relativas à participação
e gestão democráticas, afastando os funcionários e não assegurando a participação dos estudantes na gestão
das instituições. Mais ainda, a drástica redução dos direitos de participação da comunidade académica na gestão
democrática configurou um ataque a direitos sem os quais ficam comprometidas as condições para o
cumprimento cabal das missões acometidas ao ensino superior, entre eles a liberdade académica dos
professores e investigadores.
Além da centralização de competências no Conselho Geral, foi introduzido um novo método de eleição do
reitor. Em vez de ser eleito por sufrágio direto pela Assembleia de Universidade, passou a ser eleito pelo
Conselho Geral – órgão em que os membros externos à universidade têm uma representação muito superior
aos estudantes e aos funcionários não docentes.
O regime fundacional proposto foi uma total falácia quanto às supostas facilidades e flexibilidade que era
suposto garantir em termos de gestão financeira, patrimonial e de pessoal. Rapidamente se tornou claro que a
intenção não era, efetivamente, facilitar a vida às instituições dentro de um quadro de serviço público.
Pelo contrário, o regime fundacional é inseparável do rumo de desresponsabilização do Estado relativamente
ao ensino superior durante décadas de políticas de direita protagonizadas por PS, PSD e CDS, que condenaram
ao desinvestimento e ao subfinanciamento das instituições a um serviço público da maior importância para o
desenvolvimento individual e coletivo.
O PCP foi denunciando também que os mecanismos de fragmentação das instituições, tanto pela cisão de
unidades orgânicas como pela possibilidade da sua fusão ou de constituição de novas instituições, teriam
resultados perniciosos e que tenderiam a penalizar, sobretudo, os trabalhadores. Em particular, a possibilidade
de separação institucional de unidades orgânicas de investigação teria consequências ao fomentar a
Página 249
11 DE DEZEMBRO DE 2019
249
dissociação entre o ensino e a investigação, promovendo um isolamento da ciência enquanto mero instrumento
de obtenção de fundos alicerçado em trabalho precário.
De facto, uma das conclusões que é possível tirar é que, desde a implementação do RJIES, ocorre no nosso
país a uma preocupante deterioração das condições de trabalho no Ensino Superior. Com as carreiras
praticamente bloqueadas ao longo de anos, assiste-se a uma média etária progressivamente mais elevada e a
fenómenos como a existência de uma percentagem particularmente elevada de «convidados» entre os
professores auxiliares ou a quase inexistência de investigadores de carreira.
O PCP opõe-se a este rumo de mercantilização e privatização do ensino superior público e, por isso, defende
alterações profundas que combatam este caminho e que passam não só pela alteração do RJIES, mas
forçosamente pela melhoria do investimento nas IES por via de uma nova Lei do Financiamento, bem como de
mais apoios ao nível da Ação Social para os estudantes.
Quanto ao RJIES, as propostas do PCP dizem respeito sobretudo a dois grandes aspetos: a eliminação do
regime fundacional e a alteração da orgânica e gestão das instituições, garantindo:
– Verdadeira autonomia na organização e gestão, nomeadamente, com a eliminação da limitação de
contratação de pessoal docente e não docente;
– Participação e gestão democráticas exigidas pela Constituição, envolvendo professores, investigadores,
estudantes e funcionários;
– Participação de representantes da comunidade exteriores à instituição sem que esta fique refém de
interesses que lhe são alheios, revogando a imposição de entidades externas nos órgãos de governo executivos;
– Incorporação de bons exemplos de autonomia, apontando uma perspetiva progressista e democrática para
o seu desenvolvimento.
Nestes termos, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados abaixo
assinados do Grupo Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte projeto de lei:
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei procede à primeira alteração à Lei n.º 62/2007, de 10 de setembro, que estabelece o regime
jurídico das instituições do ensino superior.
Artigo 2.º
Alterações à Lei n.º 62/2007, de 10 de setembro
São alterados os artigos 4.º, 7.º, 9.º, 16.º, 19.º, 20.º, 22.º, 26.º a 29.º, 31.º, 38.º, 54.º, 55.º, 59.º, 64.º, 68.º,
75.º, 77.º a 84.º, 86.º a 92.º, 94.º, 95.º, 97.º, 102.º a 106.º, 115.º, 116.º, 120.º, 121.º, 125.º a 137.º e 172.º da Lei
n.º 62/2007, de 10 de setembro, que passam a ter a seguinte redação:
«Artigo 4.º
Ensino superior público e privado
1 – ................................................................................................................................................................... :
a) O ensino superior público, composto pelas instituições pertencentes ao Estado;
b) ...................................................................................................................................................................... .
2 – ................................................................................................................................................................... .
3 – ................................................................................................................................................................... .
4 – ................................................................................................................................................................... .
Artigo 7.º
Instituições de ensino politécnico
1 – ................................................................................................................................................................... .
Página 250
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
250
2 – ................................................................................................................................................................... .
3 – As instituições de ensino politécnico podem conferir o grau de doutor nos termos do artigo 4.º do
Decreto-Lei n.º 74/2006, de 24 de março, alterado pelos Decretos-Lei n.os 63/2016, de 13 de setembro e
65/2018, de 16 de agosto que aprova o Regime Jurídico dos Graus e Diplomas.
Artigo 9.º
Natureza e regime jurídico
1 – As instituições de ensino superior públicas são pessoas coletivas de direito público.
2 – Em tudo o que não contrariar a presente lei e demais leis especiais, as instituições de ensino superior
públicas estão sujeitas ao regime aplicável às demais pessoas coletivas de direito público de natureza
administrativa, designadamente à lei-quadro dos institutos públicos, que vale como direito subsidiário naquilo
que não for incompatível com as disposições da presente lei.
3 – ................................................................................................................................................................... .
4 – ................................................................................................................................................................... .
5 – ................................................................................................................................................................... :
a) ...................................................................................................................................................................... ;
b) ...................................................................................................................................................................... ;
c) ...................................................................................................................................................................... ;
d) ...................................................................................................................................................................... ;
e) ...................................................................................................................................................................... ;
f) ....................................................................................................................................................................... ;
g) ...................................................................................................................................................................... ;
h) O financiamento das instituições do ensino superior públicas pelo Orçamento do Estado;
i) ....................................................................................................................................................................... ;
j) ....................................................................................................................................................................... ;
l) ...................................................................................................................................................................... ;
m) .................................................................................................................................................................... .
6 – ................................................................................................................................................................... .
7 – ................................................................................................................................................................... .
Artigo 15.º
Entidades de direito privado
(Revogado).
Artigo 16.º
Cooperação entre instituições
1 – ................................................................................................................................................................... .
2 – ................................................................................................................................................................... .
3 – ................................................................................................................................................................... .
4 – ................................................................................................................................................................... .
5 – As instituições de ensino superior público podem acordar entre si formas de articulação das suas
atividades a nível regional.
Artigo 17.º
Consórcios
(Revogado).
Página 251
11 DE DEZEMBRO DE 2019
251
Artigo 19.º
Participação na política do ensino e investigação
1 – ................................................................................................................................................................... .
2 – ................................................................................................................................................................... .
3 – As instituições de ensino superior públicas têm ainda o direito de ser ouvidas na definição dos critérios
de fixação das dotações financeiras a conceder pelo Estado.
Artigo 20.º
Acão Social escolar e outros apoios educativos
1 – Na sua relação com os estudantes, o Estado assegura a existência de um sistema de ação social escolar
que garanta o acesso ao ensino superior e a prática de uma frequência bem-sucedida, com discriminação
positiva dos estudantes economicamente carenciados.
2 – ................................................................................................................................................................... .
3 – ................................................................................................................................................................... .
4 – ................................................................................................................................................................... .
5 – São modalidades de apoio social indireto:
a) Apoios de alimentação e alojamento, através do acesso a bares, cantinas e residências dos
serviços de ação social escolar de cada instituição;
b) Acesso a serviços de saúde;
c) Apoios na aquisição e obtenção de material didático e escolar;
d) Serviços de informação e procuradoria;
e) Apoios a deslocações;
f) Apoio a atividades culturais e desportivas;
g) Anterior alínea d).
6 – Na sua relação com os estudantes, o Estado assegura ainda outros apoios, designadamente:
a) (…);
b) (…);
c) (Revogada).
Artigo 22.º
Trabalhadores-estudantes
As instituições de ensino superior criam as condições necessárias a apoiar os trabalhadores-estudantes,
designadamente através de formas de organização e frequência do ensino adequadas à sua condição, na
garantia de épocas especiais de avaliação / exames que permitam a distribuição dos mesmos ao longo
do ano letivo e através da valorização das competências adquiridas no mundo do trabalho.
Artigo 25.º
Provedor do Estudante
(Revogado).
Artigo 26.º
Atribuições do Estado
1 – Incumbe ao Estado, no domínio do ensino superior, desempenhar as tarefas previstas na Constituição e
na lei, designadamente:
a) ..................................................................................................................................................................... ;
b) ..................................................................................................................................................................... ;
Página 252
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
252
c) ..................................................................................................................................................................... ;
d) ..................................................................................................................................................................... ;
e) ..................................................................................................................................................................... ;
f) ...................................................................................................................................................................... ;
g) ..................................................................................................................................................................... ;
h) ; ....................................................................................................................................................................
i) Nos termos da lei, financiar as instituições de ensino superior públicas, tendo por base a transferência
do Orçamento do Estado;
j) Apoiar com os meios necessários ao nível da ação social escolar todos os estudantes que
necessitem, garantindo a igualdade no acesso e frequência a todos os estudantes, promovendo o
alargamento do acesso e frequência do ensino superior e contribuindo para uma política educativa que
eleve a qualificação científico-pedagógica dos jovens.
l) [Anterior alínea j)].
2 – ................................................................................................................................................................... .
Artigo 27.º
Competências do Governo
1 – ................................................................................................................................................................... .
2 – Compete em especial ao ministro da tutela:
a) ...................................................................................................................................................................... ;
b) ...................................................................................................................................................................... ;
c) ...................................................................................................................................................................... ;
d) ...................................................................................................................................................................... ;
e) Intervir no processo de fixação do número de novas admissões e de inscrições nos termos do previsto no
artigo 64.º;
f) ....................................................................................................................................................................... ;
g) ...................................................................................................................................................................... .
Artigo 28.º
Financiamento e apoio do Estado
1 – O financiamento das instituições de ensino superior públicas realiza-se através da transferência de
verbas do Orçamento do Estado, nos termos de lei especial.
2 – O apoio às instituições de ensino superior privadas realiza-se nos termos de lei especial.
3 – ................................................................................................................................................................... .
Artigo 29.º
Registos e publicidade
O ministro da tutela organiza e mantém atualizado um registo oficial de acesso público, contendo os seguintes
dados acerca das instituições de ensino superior e da sua atividade:
a) ..................................................................................................................................................................... ;
b) (Revogada);
c) ...................................................................................................................................................................... ;
d) ..................................................................................................................................................................... ;
e) ...................................................................................................................................................................... ;
f) ...................................................................................................................................................................... ;
g) ..................................................................................................................................................................... ;
h) ..................................................................................................................................................................... ;
I) ...................................................................................................................................................................... .
Página 253
11 DE DEZEMBRO DE 2019
253
Artigo 31.º
Instituições de ensino superior públicas
1 – ................................................................................................................................................................... .
2 – A criação de instituições de ensino superior públicas obedece ao ordenamento nacional da rede do ensino
superior público e tem em consideração as necessidades regionais e nacionais.
Artigo 38.º
Período de instalação
1 – ................................................................................................................................................................... .
2 – ................................................................................................................................................................... .
3 – Nas unidades orgânicas de instituições de ensino superior públicas, o regime de instalação caracteriza-
se, especialmente, por:
a) Se regeram por estatutos provisórios, aprovados pelo senado da instituição;
b) ...................................................................................................................................................................... .
4 – ................................................................................................................................................................... .
5 – ................................................................................................................................................................... .
6 – .................................................................................................................................................................... .
7 – ................................................................................................................................................................... .
8 – ................................................................................................................................................................... .
Artigo 54.º
Rede do ensino superior público
1 – O Estado deve promover a existência de uma rede de instituições de ensino superior públicas e da sua
oferta formativa, tendo em consideração as necessidades regionais e nacionais, assegurando a cobertura
de todo o território nacional.
2 – (Revogado).
Artigo 55.º
Extinção de instituições de ensino superior públicas
1 – ................................................................................................................................................................... .
2 – (Revogado).
3 – ................................................................................................................................................................... .
Artigo 59.º
Criação, transformação, cisão, fusão e extinção de unidade orgânicas
1 – A criação, transformação, cisão e extinção de unidades orgânicas de uma instituição de ensino superior
é da competência:
a) Do senado, no caso das instituições de ensino públicas;
b) ...................................................................................................................................................................... .
2 – ................................................................................................................................................................... .
Página 254
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
254
Artigo 64.º
Admissões
1 – É fixado anualmente, para cada ciclo de estudos, as admissões em cada instituição do ensino superior,
tendo em consideração:
a) As perspetivas de desenvolvimento a nível regional e nacional nas respetivas áreas de ensino e formação;
b) As legítimas expectativas e aspirações dos seus estudantes;
c) A abolição das barreiras de acesso ao ensino superior;
d) As finalidades do ensino superior, no âmbito do regime democrático, como previsto no artigo 74.º da
Constituição.
Artigo 68.º
Aprovação e revisão dos estatutos
1 – ................................................................................................................................................................... .
2 – Os estatutos das instituições de ensino superior públicas podem ser revistos:
a) ...................................................................................................................................................................... ;
b) Em qualquer momento, por decisão de dois terços dos membros do senado em exercício efetivo de
funções.
3 – A alteração dos estatutos carece de aprovação por maioria de dois terços dos membros do senado.
4 – Podem propor alterações aos estatutos:
a) ...................................................................................................................................................................... ;
b) Qualquer membro do senado.
Artigo 75.º
Autonomia disciplinar
1 – ................................................................................................................................................................... .
2 – ................................................................................................................................................................... .
3 – ................................................................................................................................................................... .
4 – ................................................................................................................................................................... .
5 – ................................................................................................................................................................... .
6 – O poder disciplinar pertence ao reitor ou ao presidente, conforme os casos, podendo ser delegado no
conselho diretivo das unidades orgânicas, sem prejuízo do direito de recurso para o reitor ou presidente.
Artigo 77.º
Órgãos de governo das universidades e dos institutos universitários
1 – O governo das universidades e dos institutos universitários é exercido pelos seguintes órgãos:
a) Senado;
b) ...................................................................................................................................................................... ;
c) ...................................................................................................................................................................... ;
2 – Os estatutos das instituições de ensino superior público e das respetivas unidades orgânicas
podem prever a existência de um conselho consultivo ou equivalente que assegure uma relação
permanente com a comunidade, definindo a respetiva composição e competência.
3 – ................................................................................................................................................................... .
Página 255
11 DE DEZEMBRO DE 2019
255
Artigo 78.º
Órgãos de governo dos institutos politécnicos
1 – O governo dos institutos politécnicos é exercido pelos seguintes órgãos:
a) Senado;
b) ...................................................................................................................................................................... ;
c) ...................................................................................................................................................................... ;
2 – ................................................................................................................................................................... .
Artigo 79.º
Outras instituições
1 – O governo das restantes instituições é exercido pelos seguintes órgãos:
a) Senado;
b) ...................................................................................................................................................................... ;
c) ...................................................................................................................................................................... .
2 – ................................................................................................................................................................... .
Artigo 80.º
Conselho científico
Conselho científico ou técnico-científico, conselho pedagógico e assembleia de representantes
1 – As instituições de ensino superior devem ter os seguintes órgãos:
a) A nível das escolas:
i)No ensino universitário, um conselho científico, um conselho pedagógico e uma assembleia de
representantes;
ii)No ensino politécnico, um conselho técnico-científico, um conselho pedagógico e uma assembleia
de representantes;
b) ...................................................................................................................................................................... .
2 – ................................................................................................................................................................... .
3 – ................................................................................................................................................................... .
Artigo 81.º
Composição do senado
1 – O senado é composto por 15 a 35 membros, conforme a dimensão de cada instituição e o número das
suas escolas e unidades orgânicas de investigação.
2 – São membros do senado:
a) ...................................................................................................................................................................... ;
b) ...................................................................................................................................................................... ;
c) (Revogada);
d) Pessoal não docente e não investigador.
3 – Os membros a que se refere a alínea a) do n.º 2:
a) ...................................................................................................................................................................... ;
b) Representam 40% da totalidade dos membros do senado.
4 – Os membros a que se refere a alínea b) do n.º 2:
Página 256
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
256
a) ...................................................................................................................................................................... ;
b) Representam 40% da totalidade dos membros do senado.
5 – (Revogado).
6 – (Revogado).
7 – Os membros a que se refere a alínea d) do n.º 2:
a) São eleitos pelo conjunto de pessoal docente e não investigador da instituição do ensino superior,
pelo sistema de representação proporcional, nos termos dos estatutos;
b) Representam 20% da totalidade dos membros do senado.
8 – O mandato dos membros eleitos é de quatro anos, exceto no caso dos estudantes, em que é de dois
anos, não podendo ser destituídos, salvo pelo próprio senado, por maioria absoluta, em caso de falta grave,
nos termos do regulamento do próprio órgão.
9 – Os membros do senado não representam grupos nem interesses sectoriais e são independentes no
exercício das suas funções.
10 – ................................................................................................................................................................. .
Artigo 82.º
Competência do senado
1 – Compete ao senado:
a) Eleger o seu presidente, por maioria absoluta, de entre os membros a que se refere a alínea a) do n.º 2
do artigo anterior.
b) ...................................................................................................................................................................... ;
c) ...................................................................................................................................................................... ;
d) ...................................................................................................................................................................... ;
e) ...................................................................................................................................................................... ;
f) ....................................................................................................................................................................... ;
g) ...................................................................................................................................................................... .
2 – Compete ao senado, sob proposta do reitor ou do presidente:
a) ..................................................................................................................................................................... ;
b) ..................................................................................................................................................................... ;
c) ..................................................................................................................................................................... ;
d) ..................................................................................................................................................................... ;
e) ..................................................................................................................................................................... ;
f) ...................................................................................................................................................................... ;
g) (Revogada);
h) ...................................................................................................................................................................... ;
i) ....................................................................................................................................................................... .
3 – As deliberações a que se referem as alíneas a) a d) e f) do n.º 2 são obrigatoriamente precedidas pela
apreciação de um parecer, a elaborar e aprovar pelos membros a que se refere a alínea a) do n.º 2 do artigo
anterior.
4 – As deliberações do senado são aprovadas por maioria simples, ressalvados os casos em que a lei ou os
estatutos requeiram maioria absoluta ou outra mais exigente.
5 – Em todas as matérias da sua competência, o senado pode solicitar pareceres a outros órgãos da
instituição ou das suas unidades orgânicas, nomeadamente aos órgãos de natureza consultiva.
Artigo 83.º
Competência ao presidente do senado
1 – Compete ao presidente do senado:
Página 257
11 DE DEZEMBRO DE 2019
257
a) ...................................................................................................................................................................... ;
b) Declarar ou verificar as vagas no senado e proceder às substituições devidas, nos termos dos estatutos;
c) ...................................................................................................................................................................... .
2 – O presidente do senado não interfere no exercício das competências dos demais órgãos da instituição,
não lhe cabendo representá-la nem se pronunciar em seu nome.
Artigo 84.º
Reuniões do Senado
1 – O senado reúne, ordinariamente, quatro vezes por ano, para além das reuniões extraordinárias
convocadas pelo seu presidente, por sua iniciativa, a pedido do reitor ou presidente da instituição, ou ainda de
um terço dos seus membros.
2 – Por decisão do senado, podem participar nas reuniões, sem direito a voto:
a) Os conselhos diretivos das unidades orgânicas;
b) ...................................................................................................................................................................... .
3 – O reitor ou o presidente participa nas reuniões do senado, sem direito a voto.
Artigo 86.º
Eleição
1 – O reitor ou o presidente é eleito pelo senado, nos termos estabelecidos pelos estatutos de cada instituição
e segundo o procedimento previsto no regulamento competente:
2 – ................................................................................................................................................................... :
a) ...................................................................................................................................................................... ;
b) ...................................................................................................................................................................... ;
c) ...................................................................................................................................................................... ;
d) A votação final do senado, por maioria, por voto secreto.
3 – ................................................................................................................................................................... .
4 – ................................................................................................................................................................... :
a) ...................................................................................................................................................................... ;
b) (Revogada).
5 – ................................................................................................................................................................... .
6 – ................................................................................................................................................................... .
Artigo 87.º
Duração do mandato
1 – O mandato do reitor ou presidente tem a duração de quatro anos, nos termos do estatuto.
2 – ................................................................................................................................................................... .
Artigo 88.º
Vice-reitores e vice-presidentes
1 – ................................................................................................................................................................... .
2 – Os vice-reitores e vice-presidentes são nomeados livremente pelo reitor e pelo presidente.
3 – ................................................................................................................................................................... .
4 – ................................................................................................................................................................... .
Página 258
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
258
Artigo 89.º
Destituição do reitor e do presidente
1 – Em situação de gravidade para a vida da instituição, o senado, convocado pelo presidente ou por um
terço dos seus membros, pode deliberar, por maioria de dois terços dos seus membros, a suspensão do reitor
ou do presidente e, após o devido procedimento administrativo, por idêntica maioria, a sua destituição.
2 – ................................................................................................................................................................... .
Artigo 90.º
Dedicação exclusiva
1 – ................................................................................................................................................................... .
2 – ................................................................................................................................................................... .
3 – O disposto nos números anteriores aplica-se aos vice-reitores e vice-presidentes.
Artigo 91.º
Substituição do reitor e do presidente
1 – ................................................................................................................................................................... .
2 – Caso a situação de incapacidade se prolongue por mais de 90 dias, o senado deve pronunciar-se acerca
da conveniência da eleição de um novo reitor ou presidente.
3 – Em caso de vacatura, de renúncia ou de incapacidade permanente do reitor ou do presidente, deve o
senado determinar a abertura do procedimento de eleição de um novo reitor ou presidente, no prazo máximo
de oito dias.
4 – Durante a vacatura do cargo de reitor ou presidente, bom como no caso de suspensão nos termos do
artigo anterior, será aquele exercido, interinamente, pelo vice-reitor ou vice-presidente escolhido pelo senado
ou, na falta deles, da forma estabelecida nos estatutos.
Artigo 92.º
Competência do reitor e do presidente
1 – ................................................................................................................................................................... :
a) Elaborar e apresentar ao senado as propostas de:
i) ............................................................................................................................................................. ;
ii) ............................................................................................................................................................ ;
iii) ........................................................................................................................................................... ;
iv) ........................................................................................................................................................... ;
v) ............................................................................................................................................................ ;
vi) ........................................................................................................................................................... ;
vii) (Revogada).
b) ...................................................................................................................................................................... ;
c) Aprovar as admissões previstas no artigo 64.º;
d) ...................................................................................................................................................................... ;
e) ...................................................................................................................................................................... ;
f) ....................................................................................................................................................................... ;
g) ...................................................................................................................................................................... ;
h) ...................................................................................................................................................................... ;
i) ....................................................................................................................................................................... ;
j) ....................................................................................................................................................................... ;
l) ...................................................................................................................................................................... ;
Página 259
11 DE DEZEMBRO DE 2019
259
m) .................................................................................................................................................................... ;
n) ..................................................................................................................................................................... ;
o) ..................................................................................................................................................................... ;
p) ..................................................................................................................................................................... ;
q) ..................................................................................................................................................................... ;
r) ..................................................................................................................................................................... ;
s) ..................................................................................................................................................................... ;
t) ...................................................................................................................................................................... ;
u) ..................................................................................................................................................................... .
2 – ................................................................................................................................................................... .
3 – ................................................................................................................................................................... .
4 – ................................................................................................................................................................... .
5 – ................................................................................................................................................................... .
Artigo 94.º
Conselho de gestão
1 – O conselho de gestão é designado e presidido pelo reitor ou presidente, conforme os casos, sendo
composto por um máximo de cinco membros, nos termos previstos pela instituição, incluindo um vice-reitor ou
vice-presidente, o administrador e um representante dos estudantes, de acordo com o previsto nos
estatutos da instituição.
2 – Podem ser convocados para participar, sem direito a voto, nas reuniões do conselho de gestão os
presidentes dos conselhos diretivos das unidades orgânicas, os responsáveis pelos serviços da instituição
representantes dos estudantes e do pessoal não docente e não investigador.
Artigo 95.º
Competência do conselho de gestão
1 – Compete ao conselho de gestão conduzir a gestão administrativa, patrimonial e financeira da instituição,
bem como a gestão dos recursos humanos, sendo-lhe aplicável a legislação em vigor para os organismos
públicos dotados de autonomia administrativa.
2 – (Revogado).
3 – ................................................................................................................................................................... .
Artigo 97.º
Órgão de gestão das instituições do ensino superior
As escolas e as unidades orgânicas de investigação a que se refere o artigo anterior têm a estrutura de
órgãos que seja fixada pelos estatutos da instituição, sendo obrigatória a existência dos seguintes órgãos:
a) Conselho diretivo;
b) Conselho científico ou conselho técnico-científico;
c) Conselho pedagógico;
d) Assembleia de representantes.
Artigo 100.º
Competência do diretor ou presidente da unidade orgânica
(Revogado).
Página 260
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
260
Artigo 101.º
Limitação de mandatos
(Revogado).
Secção VI
Conselhos Científico, técnico-científico, conselho pedagógico, assembleia de representantes e conselho
diretivo
Artigo 102.º
Composição do conselho científico ou técnico-científico
1 – ................................................................................................................................................................... .
2 – ................................................................................................................................................................... .
3 – ................................................................................................................................................................... .
4 – ................................................................................................................................................................... .
5 – ................................................................................................................................................................... .
6 – ................................................................................................................................................................... .
7 – ................................................................................................................................................................... .
8 – Os estatutos dispõem sobre a presidência do conselho científico ou técnico-científico.
Artigo 103.º
Competência do conselho científico ou técnico-científico
1 – ................................................................................................................................................................... :
a) ..................................................................................................................................................................... ;
b) ..................................................................................................................................................................... ;
c) ..................................................................................................................................................................... ;
d) Deliberar sobre a distribuição do serviço docente sujeitando-a a homologação do reitor ou presidente, ou
do conselho diretivo, conforme os casos;
e) ..................................................................................................................................................................... ;
f) ...................................................................................................................................................................... ;
g) ..................................................................................................................................................................... ;
h) ...................................................................................................................................................................... ;
i) ...................................................................................................................................................................... ;
j) ...................................................................................................................................................................... ;
l) ...................................................................................................................................................................... ;
2 – ................................................................................................................................................................... .
Artigo 104.º
Conselho pedagógico
1 – ................................................................................................................................................................... .
2 – Os estatutos dispõem sobre a presidência do conselho pedagógico.
Artigo 105.º
Competência do conselho pedagógico
Compete ao conselho pedagógico:
Página 261
11 DE DEZEMBRO DE 2019
261
a) ...................................................................................................................................................................... ;
b) ...................................................................................................................................................................... ;
c) ...................................................................................................................................................................... ;
d) ...................................................................................................................................................................... ;
e) ...................................................................................................................................................................... ;
f) (Revogada);
g) ...................................................................................................................................................................... ;
h) ...................................................................................................................................................................... ;
i) ....................................................................................................................................................................... ;
j) ....................................................................................................................................................................... ;
Artigo 106.º
Independência e conflitos de interesses
1 – ................................................................................................................................................................... .
2 – Os reitores e vice-reitores de universidades e os presidentes e vice-presidentes de institutos politécnicos,
os presidentes do conselho diretivo das respetivas unidades orgânicas, bem como os diretores ou
presidentes e subdiretores ou vice-presidentes dos restantes estabelecimentos de ensino superior, não podem
pertencer a quaisquer órgãos de governo e gestão de outras instituições de ensino superior público ou privado.
3 – ................................................................................................................................................................... .
4 – ................................................................................................................................................................... .
Artigo 115.º
Receitas
1 – Constituem receitas das instituições de ensino superior:
a) ...................................................................................................................................................................... ;
b) (Revogada);
c) ...................................................................................................................................................................... ;
d) ...................................................................................................................................................................... ;
e) ...................................................................................................................................................................... ;
f) ....................................................................................................................................................................... ;
g) ...................................................................................................................................................................... ;
h) ...................................................................................................................................................................... ;
i) ....................................................................................................................................................................... ;
j) ....................................................................................................................................................................... ;
l) O produto de multas, coimas e quaisquer outras receitas que legalmente lhes advenham;
m) .................................................................................................................................................................... ;
n) ..................................................................................................................................................................... ;
o) ..................................................................................................................................................................... .
2 – ................................................................................................................................................................... .
3 – .................................................................................................................................................................... .
4 – ................................................................................................................................................................... .
5 – ................................................................................................................................................................... .
Artigo 120.º
Pessoal dos quadros
1 – ................................................................................................................................................................... .
2 – ................................................................................................................................................................... .
Página 262
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
262
3 – O previsto nos números anteriores tem como base a salvaguarda das necessidades permanentes
das instituições do ensino superior públicas a nível de pessoal.
Artigo 121.º
Nomeação e contratação
1 – O número de docentes, investigadores e outro pessoal, qualquer que seja o regime legal aplicável,
que cada instituição de ensino superior pública pode nomear ou contratar é fixado por despacho do
ministro da tutela, através da aplicação de critérios estabelecidos por decreto-lei, tendo
obrigatoriamente em conta as necessidades permanentes das instituições do ensino superior,
nomeadamente, a dimensão das instalações, o número de alunos e os cursos ministrados.
2 – ................................................................................................................................................................... .
Artigo 125.º
Pessoal e despesas com pessoal
1 – As instituições de ensino universitário públicas gerem livremente os seus recursos humanos, tendo em
conta as suas necessidades permanentes.
2 – ................................................................................................................................................................... .
3 – ................................................................................................................................................................... .
4 – ................................................................................................................................................................... .
Artigo 126.º
Autonomia de gestão das unidades orgânicas
1 – ................................................................................................................................................................... .
2 – ................................................................................................................................................................... .
3 – ................................................................................................................................................................... .
4 – As decisões previstas no número anterior carecem de parecer prévio do senado.
Artigo 127.º
Administrador ou secretário de unidade orgânica
1 – As escolas dotadas de órgãos próprios e de autonomia de gestão podem dispor, nos termos fixados pelos
estatutos, de um administrador ou secretário, livremente nomeado e exonerado pela assembleia de
representantes.
2 – O administrador ou secretário da unidade orgânica tem as atribuições e competências que lhe sejam
fixadas pelos estatutos ou delegadas pelo conselho diretivo da unidade orgânica.
Artigo 128.º
Serviços de ação social escolar
1 – ................................................................................................................................................................... .
2 – ................................................................................................................................................................... .
3 – ................................................................................................................................................................... .
4 – ................................................................................................................................................................... .
5 – (Revogado).
6 – ................................................................................................................................................................... .
Página 263
11 DE DEZEMBRO DE 2019
263
Artigo 129.º
Criação da fundação
(Revogado).
Artigo 130.º
Património da fundação
(Revogado).
Artigo 131.º
Administração da fundação
(Revogado).
Artigo 132.º
Autonomia
(Revogado).
Artigo 133.º
Órgãos dos estabelecimentos
(Revogado).
Artigo 134.º
Regime jurídico
(Revogado).
Artigo 135.º
Acesso e ingresso
(Revogado).
Artigo 136.º
Financiamento
(Revogado).
Artigo 137.º
Acão social escolar
(Revogado).
Artigo 173.º
Unidades orgânicas
(Revogado).
Página 264
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
264
Artigo 177.º
Passagem ao regime fundacional
(Revogado).»
Artigo 3.º
Aditamento à Lei n.º 62/2007, de 10 de setembro
São aditados os artigos 105-A.º, 105-B.º, 105-C.º e 105-D.º à Lei n.º 62/2007, de 10 de setembro, com a
seguinte redação:
«Artigo 105.º-A
Composição da assembleia de representantes
1 – A assembleia de representantes é composta entre 15 e 35 membros, eleitos nos termos
estabelecidos nos estatutos ou em regulamento.
2 – No cumprimento do disposto no número anterior, caberá a cada instituição a definição do número
de membros, conforme a dimensão da escola ou unidade orgânica, integrando:
a) Representantes eleitos de docentes e investigadores, correspondendo a 40% dos membros da
assembleia de representantes;
b) Representantes eleitos dos estudantes, correspondendo a 40% dos membros da assembleia de
representantes;
c) Representantes eleitos de trabalhadores não docente e não investigadores, correspondendo a 20%
dos membros da assembleia de representantes.
Artigo 105.º-B
Competência da assembleia de representantes
Compete à assembleia de representantes:
a) Eleger o presidente, a quem cabe convocar a assembleia e presidir às respetivas reuniões;
b) Eleger o conselho diretivo da unidade orgânica;
c) Eleger o administrador ou secretário de unidade orgânica, nos termos fixados pelos estatutos;
d) Aprovar as alterações aos Estatutos da unidade orgânica, sujeitas a homologação pelo reitor;
e) Aprovar o calendário e normas gerais de horários, ouvidos o conselho científico ou técnico-
científico e o conselho pedagógico;
f) Elaborar o orçamento e o plano de atividades, bem como o relatório de atividades e as contas;
g) Exercer as demais funções previstas na lei ou nos estatutos;
h) Exercer as funções que lhe sejam delegadas pelo reitor ou pelo presidente da instituição.
Artigo 105.º-C
Composição do conselho diretivo
O conselho diretivo é composto em proporção igual à da assembleia de representantes com um
máximo de cinco membros, eleitos nos termos estabelecidos nos estatutos ou regulamento.
Artigo 105.º-D
Competência do conselho diretivo
É competência do conselho diretivo:
Página 265
11 DE DEZEMBRO DE 2019
265
a) Executar o calendário e normas gerais de horário, ouvidos o conselho científico ou técnico-
científico e o conselho pedagógico;
b) Executar as deliberações do conselho científico ou técnico científico e do conselho pedagógico e
assembleia de representantes, quando vinculativas;
c) Exercer o poder disciplinar que lhe seja atribuído pelos estatutos ou delegado pelo reitor ou
presidente da instituição;
d) Executar o orçamento e o plano de atividades, bem como o relatório de atividades e as contas;
e) Exercer as funções que lhe sejam delegadas pelo reitor ou presidente da instituição;
f) Exercer as demais funções previstas na lei ou nos estatutos.»
Artigo 4.º
Revogações à Lei n.º 62/2007, de 10 de setembro
1 – São revogados os artigos 15.º, 17.º, a alínea c) do n.º 6 do artigo 20.º, o artigo 25.º, a alínea b) do artigo
29.º, o n.º 2 do artigo 54.º, o n.º 2 do artigo 55.º, o n.º 2 do artigo 77.º, a alínea c) do n.º 2 e os n.os 5 e 6 do artigo
81.º, a alínea g) do n.º 2 do artigo 82.º, a alínea b) do n.º 4 do artigo 86.º, a subalínea vii) da alínea a) do n.º 1
do artigo 92.º, o n.º 2 do artigo 95.º, o artigo 100.º, o artigo 101.º, a alínea f) do artigo 105.º, a alínea b) do n.º 1
do artigo 115.º, o n.º 5 do artigo 128.º, os artigos 129.º a 137.º, o n.º 3 do artigo 172.º, o artigo 173.º e o artigo
177.º da Lei n.º 62/2007, de 10 de setembro.
2 – A revogação da alínea c) do n.º 6 do artigo 20.º não prejudica os efeitos dos empréstimos já contraídos.
Artigo 5.º
Norma transitória
1 – São extintos todos os processos de fundação ou consórcio que se encontrem a decorrer em instituições
do ensino superior público, sem prejuízo do previsto no número seguinte.
2 – Os consórcios existentes em instituições públicas com vista ao desenvolvimento científico, considerados
fundamentais para o interesse público são, através de regulamentação específica a publicar no prazo de 3
meses, transformados em acordos de cooperação e parceria.
3 – O Governo regula, no prazo de 3 meses, o processo necessário para a passagem de todas as instituições
de ensino superior públicas em regime de direito privado fundacional para o regime de direito público, de acordo
com o estabelecido na presente lei.
4 – No processo de transformação previsto no número anterior são salvaguardados os direitos dos
trabalhadores, nomeadamente na manutenção do vínculo de trabalho, e do financiamento dos projetos em
curso.
5 – No prazo de 6 meses a contar da entrada em vigor da presente lei, as instituições de ensino superior
devem proceder à revisão dos seus estatutos, de modo a conformá-los com o novo regime legal.
Artigo 6.º
Norma Regulamentar
Tudo o que não esteja previsto na presente lei deverá ser alvo de regulamentação por parte do Governo, no
prazo de 180 dias a contar da publicação da presente lei.
Artigo 7.º
Entrada em vigor e produção de efeitos
1 – A presente lei entra em vigor com a Lei do Orçamento do Estado posterior à sua publicação, salvo no
que concerne ao n.º 2 do artigo 5.º, que entra em vigor no dia seguinte à sua publicação.
2 – A revogação dos artigos 17.º, a alínea b) do artigo 29.º, e os artigos 129.º a 137.º produz efeitos seis
meses após a publicação da presente lei.
Página 266
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
266
Assembleia da República, 11 de dezembro de 2019.
Os Deputados do PCP: Ana Mesquita, Alma Rivera, Paula Santos, João Oliveira, António Filipe, Jerónimo de
Sousa, Bruno Dias, Diana Ferreira, João Dias, Duarte Alves.
———
PROJETO DE LEI N.º 153/XIV/1.ª
FINANCIAMENTO DO ENSINO SUPERIOR PÚBLICO
Exposição de motivos
Para o Partido Comunista Português, o acesso à Educação e aos mais elevados graus de ensino é
fundamental para a emancipação e o desenvolvimento individual e coletivo, bem como para o progresso do país.
O Ensino Superior Público é uma verdadeira alavanca de progresso, pois promove a valorização do trabalho e
dos trabalhadores, ao mesmo tempo que dinamiza o sistema científico e técnico nacional, bem como enriquece
o património cultural e artístico do País.
O Ensino Superior Público tem de ser um investimento nacional coletivo e não um investimento individual do
estudante que o frequenta. O retorno, no plano produtivo, cultural, artístico, científico e tecnológico, e mesmo no
plano fiscal, do investimento do Estado na formação de quadros superiores é, não só justificativo desse esforço,
como é condição para um verdadeiro desenvolvimento do país. É deste ponto de vista que a responsabilização
dos governos pelo financiamento via Orçamento do Estado e a gratuitidade do Ensino Superior Público ganham
um novo sentido, enquanto passo certeiro na direção do aprofundamento da democracia e ferramenta da criação
e a difusão do conhecimento ao serviço do desenvolvimento coletivo.
Conforme a Constituição da República Portuguesa (CRP) estatui, o Estado tem uma responsabilidade direta
sobre a Educação, em todos os seus graus. Tal fica bem expresso no artigo 74.º da CRP, onde se pode ler que
«incumbe ao Estado: (...) d) garantir a todos os cidadãos, segundo as suas capacidades, o acesso aos graus
mais elevados do ensino, da investigação científica e da criação artística; e) estabelecer progressivamente a
gratuitidade de todos os graus de ensino».
O nosso País tem ainda um longo caminho a percorrer face à indelével marca do obscurantismo, do atraso
e da ignorância que adveio do regime fascista. Os graus superiores de Ensino encontravam-se restritos a uma
pequena elite, inferior a 1% da população, até aos anos 40 do século XX. Aliás, relembre-se que, em 1950, o
analfabetismo atingia, dramaticamente, cerca de 44% da população em Portugal e que 20,3% das crianças dos
7 aos 11 anos não frequentaram a escola. Em 1962, cerca de 90 000 crianças, num total de 134 600, não
prosseguiram os estudos para lá da 4.ª Classe. A questão não era propriamente acidental ou fruto de descuido,
havendo quem defendesse abertamente que, quanto ao povo, «[...] sabendo ler e escrever, nascem-lhes
ambições: querem ir para as cidades ser marçanos, caixeiros, senhores; querem ir para o Brasil. [...] Felizes os
que esquecem as letras e voltam à enxada. A parte mais linda, mais forte, e mais saudável da alma portuguesa
reside nesses 75 por cento de analfabetos.»
A profunda marca deste atraso obriga a que seja urgente e fundamental romper com a política de direita que
ao longo de décadas bloqueou o enorme potencial de democratização cultural aberto pela Revolução de Abril.
Em Portugal, só depois do 25 de Abril de 1974 ocorreu um verdadeiro alargamento do acesso e da abrangência
da população à escola, quer por via do aumento do número de estabelecimentos escolares, do alargamento da
escolaridade obrigatória, e da subida das taxas de escolarização.
O Ensino Superior deixa de ser um privilégio reservado à elite e, finalmente, abre as suas portas. Se, no
período após o 25 de Abril de 1974, o acesso ao ensino superior para os estudantes oriundos de camadas
menos favorecidas se torna mais palpável, a verdade é que, com a política de direita subsequente, continuam a
ficar de fora do ensino superior muitos estudantes economicamente carenciados. Em 1981, de cerca de 5% dos
Página 267
11 DE DEZEMBRO DE 2019
267
jovens com idades compreendidas entre os 18 e os 24 anos frequentava estabelecimentos do Ensino Superior.
Em países como a Espanha, a Itália, a França ou a Bélgica esta percentagem rondava entre os 25% e os 30%.
O investimento insuficiente, que se tornará em autêntico subfinanciamento crónico, revela-se nas mais baixas
percentagens do Produto Interno Bruto e do Orçamento do Estado dedicados à Educação (incluindo superior e
não superior) a nível europeu nos anos 80 e 90 (por exemplo, 4,1% do PIB em 1985 e 4,8% em 1990; 10.9% do
OE em 1985 e 11,3% em 1990). A década de 90 é, aliás, marcada por uma intensa contestação estudantil às
então chamadas Leis das Propinas (Lei n.º 20/92, de 14 de agosto; Lei n.º 5/94, de 14 de março; e Lei n.º 113/97,
de 16 de setembro).
A viragem do milénio trouxe consigo a prossecução desta opção política. Entre 2010/2013, a despesa via
Orçamento de Estado com «Educação» diminuiu em 1.837,5 milhões de euros, sendo que a quebra em % PIB
só não foi maior devido à redução do PIB.
Ao mesmo tempo, o acesso universal aos graus mais elevados do ensino foi sendo limitado também através
de medidas como a fixação do chamado numerus clausus, o estabelecimento de exames nacionais de acesso
ou com grande peso na média classificativa, a abertura do ensino superior à iniciativa privada ou o
estabelecimento de propinas. Estes mecanismos contribuem para deixar de fora tendencialmente os mesmos,
estreitando o acesso ao ensino superior e à educação por via da seleção a partir da sua origem socioeconómica
e de classe. Aliás, vários estudos nos últimos 15 anos têm revelado que Portugal é, entre os países da União
Europeia, aquele cujo acesso ao ensino superior é menos equitativo, existindo uma probabilidade dez vezes
superior de um aluno proveniente de famílias com recursos económicos aceder ao ensino superior do que um
estudante originário de um agregado familiar com baixos recursos.
II
Sucessivos governos têm financiado as instituições a partir de critérios gerais, como o número de alunos, de
forma desarticulada com critérios específicos que respondam a necessidades concretas de cada instituição de
ensino superior público, quer em matéria de funcionamento, quer em matéria de investimento e
desenvolvimento. Mais recentemente, o critério efetivamente aplicado tem sido um obscuro conceito de
«historial», o que tem tornado o subfinanciamento em condição estrutural que impede o desenvolvimento das
instituições.
Como forma de hipotética compensação ou como assunção do compromisso de pelo menos não haver corte
no financiamento, surgiram os chamados «contratos de legislatura». Apesar do último ter reunido as assinaturas
de várias instituições ainda muito recentemente, reitores e presidentes já afirmaram que o acréscimo orçamental
para esta legislatura não resolve o subfinanciamento do sistema de ensino superior. Note-se que os valores
anunciados pelo Governo representam um crescimento menor do que o da anterior legislatura (10,5% e 16,4%,
respetivamente). Significa isto que no ano de 2023 existirá o nível de financiamento de 2006 e só em 2027 se
conseguirá os níveis de financiamento de 2009.
É cada vez mais evidente que, à desresponsabilização do Estado no financiamento público tem
correspondido uma crescente responsabilização direta das famílias através do pagamento de propinas, taxas e
emolumentos. Atente-se aos dados referentes ao Ensino Superior constantes do último relatório do CNE sobre
o Estado da Educação, referente a 2018. Os estudantes terão arcado, segundo este relatório, «Portugal situa-
se no quadrante em que mais de metade dos estudantes pagam propinas (100%) e menos de metade recebem
bolsas (24%). Malta, Dinamarca e Suécia são países que adotam políticas de pagamento integral de propinas
pelo orçamento público e em que cerca de 90% dos estudantes recebe bolsas.» A transferência de receitas
gerais, via Orçamento do Estado, é de pouco mais de 50%, ficando as restantes receitas das IES a expensas
de propinas e outras receitas próprias.
Portugal continua a ser um dos países do mundo onde fica mais caro estudar no ensino superior. Um curso
superior custa, em média, 6.445 euros por ano a uma família portuguesa, incluindo propinas e custos de
frequência. As despesas mensais podem oscilar, consoante o curso, a região do país, e outros fatores, entre os
500 e os 850 euros. Esta realidade é claramente ilustrativa de que os custos económicos de acesso e frequência
do ensino superior público representam, de facto, uma sólida barreira de acesso à educação.
Página 268
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
268
A profunda limitação da atual Lei da Ação Social Escolar, os sucessivos cortes nos apoios diretos e indiretos
da Ação Social Escolar (ASE), a ausência de políticas efetivas de apoio aos estudantes e de garantia da
igualdade de oportunidades, a responsabilização das famílias pelo pagamento dos custos exorbitantes de
acesso e frequência do ensino superior – propinas, transportes, alojamento, alimentação, livros e material
escolar – têm conduzido ao abandono e elitização do acesso e frequência do ensino superior.
De referir que o relatório Estado da Educação referente a 2018 informa que «em 2018, a despesa com ação
social direta é de 145,5 milhões de euros, em que 86,6 milhões provêm de fundos europeus e os restantes de
fundos nacionais. A despesa com ação social indireta é de 83,4 milhões de euros, em que 31,5 milhões resultam
de financiamento do Estado e os restantes de outras fontes de financiamento.» Ou seja, o investimento na ASE
é claramente limitado e insuficiente para as necessidades de democratização do acesso e frequência do ensino
superior existentes no nosso País.
Aliás, a gratuitidade do Ensino Superior é aqui também uma questão incontornável, pois trata-se da forma
de assegurar a verdadeira igualdade no acesso e frequência do Ensino Superior. O PCP defende, por isso, que
a ação social escolar não deve ser a única frente de intervenção do Estado. Pelo contrário, este deve garantir a
gratuitidade para todos os que frequentem o Ensino Superior Público, independentemente da sua capacidade
económica familiar ou individual.
Subjaz à atual Lei de Bases do Financiamento do Ensino Superior, aprovada inicialmente pelo Governo
PSD/CDS em 2003, um projeto ideológico mais profundo de desfiguração do papel do ensino, de mercantilização
do conhecimento, de submissão das universidades e politécnicos às leis do mercado e à concorrência comercial
de disputa interna de orçamentos públicos e privados.
Mascarada com chavões como «gestão mais eficiente», «abertura das instituições à sociedade»,
«responsabilização partilhada», esta opção política tratava-se mesmo era da conversão do ensino superior
público em fundações e empresas, subvertendo o seu papel enquanto espaços de criação e difusão livre do
conhecimento. O subfinanciamento crónico do ensino superior público em Portugal é um instrumento de
privatização de uma função social do Estado ao serviço do poder económico nacional e internacional e não das
necessidades de desenvolvimento do País.
Este projeto da Lei n.º 37/2003, de 22 de agosto foi amplamente desmascarado pela luta estudantil que, entre
outros aspetos, denunciou aumentos de propinas entre os 30 por cento e os 140 por cento, bem como o ataque
à democraticidade e à participação que viria a ser posteriormente desenhado pelo Regime Jurídico das
Instituições de Ensino Superior.
III
O PCP propõe, novamente, a alteração profunda da política de financiamento do Ensino Superior, tendo em
conta as especificidades e exigências que se colocam às diferentes instituições de ensino superior público.
Defendemos uma política que assegure a necessária transparência política, impossibilitando arbitrariedades
e limitações à autonomia das instituições de Ensino Superior Público. Propomos o fortalecimento da rede pública
e da resposta do Ensino Superior Público às necessidades económicas, sociais e culturais do País.
Apresentamos uma metodologia de financiamento de base objetiva que não sujeita as instituições à
discricionariedade das opções políticas ou pessoais de quem tutela a área do ensino superior, garantindo as
condições necessárias ao cumprimento da sua missão específica com qualidade. Propomos que essa base
objetiva de financiamento determine o orçamento de funcionamento das instituições e também o orçamento de
investimento para a qualidade.
No entanto, prevemos a possibilidade de o Governo celebrar com as instituições contratos de investimento
para a qualidade e contratos de desenvolvimento, assumindo a necessidade e vantagem de atender às
especificidades das instituições em matéria de qualidade e desenvolvimento institucional.
A possibilidade de financiamento plurianual das instituições nesse âmbito é garantida através dos referidos
contratos, de forma a tornar possível o planeamento estratégico das instituições a médio ou longo prazo,
afetando-lhes os meios necessários.
Página 269
11 DE DEZEMBRO DE 2019
269
Em toda a proposta, o PCP reforça as condições de resposta das instituições a questões como a adaptação
para a inclusão dos alunos e para garantia de acessibilidades a pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida,
atualização e modernização de espaços e equipamentos, a consideração por património classificado ou em vias
de classificação, ou a inserção territorial.
Com estas propostas, é dado um passo significativo para o efetivo cumprimento das responsabilidades do
Estado em matéria de acesso e frequência do ensino superior, conforme estabelece a Constituição da República
Portuguesa.
I
Nestes termos, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados abaixo
assinados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte:
Projeto de Lei
CAPÍTULO I
Disposições gerais
Artigo 1.º
Objeto e Âmbito
1 – A presente lei define as regras do financiamento do ensino superior público.
2 – O financiamento do ensino superior público processa-se de acordo com critérios objetivos, indicadores
de desempenho e valores-padrão relativos à qualidade das atividades de ensino e investigação.
3 – O financiamento do ensino superior público processa-se ainda no quadro de uma relação bipartida entre:
a) O Estado e as instituições de ensino superior;
b) O Estado e os estudantes.
4 – No âmbito do financiamento do ensino superior público, a relação entre o Estado e os estudantes refere-
se, exclusivamente, à concessão por parte do estado, de apoios aos estudantes no âmbito da ação social
escolar.
Artigo 2.º
Objetivos
Constituem objetivos do financiamento do ensino superior:
a) Assegurar o cumprimento das prioridades nacionais em matéria de política educativa, definidas para o
subsistema público;
b) Garantir, com base em critérios de transparência e rigor, às instituições de ensino superior o apoio
necessário ao exercício das atribuições de ensino e de investigação;
c) Promover a adequação entre o nível de financiamento concedido, numa base plurianual, e os contratos
de desenvolvimento das instituições;
d) Garantir o financiamento necessário e o acesso ao mesmo por parte de projetos que visem o
desenvolvimento e a melhoria da qualidade do ensino e da investigação;
e) Concretizar o direito à igualdade de oportunidades de acesso, frequência e sucesso escolar, pela
superação de desigualdades económicas, sociais e culturais;
f) Valorizar o mérito, dedicação e aproveitamento escolar dos estudantes.
Página 270
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
270
Artigo 3.º
Princípios gerais
1 – Ao financiamento do ensino superior aplicam-se os seguintes princípios gerais:
a) Princípio da gratuitidade, entendido como o direito a todos os cidadãos de acederem gratuitamente aos
mais elevados graus de ensino, sem que para isso lhes seja cobrado qualquer valor, entre outros, propinas,
taxas e emolumentos;
a) Princípio da democraticidade, entendido como o direito conferido aos cidadãos de, segundo as suas
capacidades, acederem aos graus mais elevados do ensino, da investigação científica e da criação artística,
sem restrições de natureza económica ou outra;
b) Princípio da universalidade, entendido como o direito de acesso de todas as instituições e de todos os
estudantes aos mecanismos de financiamento previstos na lei;
c) Princípio da não exclusão, entendido como o direito que assiste a cada estudante de não ser excluído, por
carências económicas, do acesso e da frequência do ensino superior, pelo que o Estado assegura um adequado
e justo sistema de ação social escolar;
d) Princípio da responsabilização financeira do Estado, entendido no sentido da satisfação dos encargos
públicos exigíveis para garantir o funcionamento de uma rede pública de estabelecimentos de ensino de
qualidade;
e) Princípio da igualdade, entendido como o direito reconhecido a cada instituição e a cada estudante de
beneficiarem do apoio financeiro adequado à sua situação concreta;
f) Princípio da valorização, entendido no sentido de que as instituições devem assegurar um serviço de
qualidade, sujeito a avaliações regulares, devendo igualmente garantir a utilização eficiente e transparente dos
recursos, nomeadamente através da certificação e publicitação das suas contas, planos de atividades e
relatórios;
g) Princípio da autonomia financeira das instituições de ensino superior público e de responsabilização dos
titulares de órgãos de gestão administrativa e financeira;
h) Princípio do compromisso do Estado, com base em critérios objetivos e transparentes, de financiamento
das despesas de funcionamento, indexado a um orçamento de referência através da definição de indicadores
de desempenho e valores padrão, a partir de referenciais adequados.
CAPÍTULO II
Do financiamento do ensino superior público
Artigo 4.º
Orçamento das instituições de ensino superior
1 – Em cada ano económico o Estado financia, pelos montantes fixados na Lei do Orçamento do Estado, o
orçamento das atividades de ensino, formação e investigação das instituições de ensino superior, incluindo as
suas unidades orgânicas ou estruturas específicas.
2 – O orçamento a transferir para as instituições de ensino superior é composto por:
a) Orçamento de funcionamento;
b) Orçamento de investimento para a qualidade;
c) Contratos de desenvolvimento.
3 – O orçamento a que se refere o número anterior é calculado de acordo com as fórmulas constantes do
anexo à presente lei.
Página 271
11 DE DEZEMBRO DE 2019
271
SECÇÃO I
Orçamento de funcionamento
Artigo 5.º
Orçamento de funcionamento
O orçamento de funcionamento, calculado de acordo com a fórmula em anexo à presente lei, visa assegurar
a satisfação das necessidades básicas de funcionamento de cada instituição de ensino superior e compreende
as três componentes seguintes:
a) Orçamento de pessoal, onde se integram todas as despesas com pessoal, docente e não-docente, da
respetiva instituição;
b) Orçamento para infraestruturas, onde se integram todas as despesas necessárias à requalificação,
manutenção e modernização, inclusive a nível de acessibilidades, das infraestruturas físicas de cada instituição;
c) Orçamento para outras despesas de funcionamento, onde são consideradas outras despesas necessárias
ao funcionamento da instituição que não devam ser integradas nas duas componentes anteriores.
Artigo 6.º
Orçamento de pessoal
1 – O orçamento de pessoal destina-se a dotar cada instituição das verbas necessárias à satisfação integral
das despesas com pessoal, docente e não-docente.
2 – O orçamento a que se refere o número anterior é calculado de acordo com as fórmulas constantes do
anexo à presente lei, considerando os seguintes valores-padrão e indicadores de desempenho:
a) Relação padrão pessoal docente/estudante;
b) Relação padrão pessoal docente/pessoal não docente;
c) Número padrão de docentes, não-docentes e não-docentes da administração e serviços de apoio;
d) Custo médio por docente e não-docente;
e) Vencimento anual médio por docente e não-docente;
f) Subsídios legalmente devidos aos trabalhadores.
3 – Para efeitos de apuramento do orçamento de pessoal, cada instituição deve indicar até 31 de julho o
número de cursos em funcionamento no ano seguinte, bem como uma estimativa do número de alunos sujeita
a verificação pelos serviços do ministério com a tutela do ensino superior.
4 – Além das verbas compreendidas no orçamento de pessoal, o Governo transfere para as instituições de
ensino superior as verbas que se mostrem necessárias à atualização salarial e promoções do pessoal, docente
e não-docente.
Artigo 7.º
Orçamento para infraestruturas
1 – O orçamento para infraestruturas destina-se a dotar cada instituição das verbas necessárias à satisfação
integral das despesas com a requalificação, manutenção, conservação, modernização e funcionamento das
infraestruturas físicas afetas à instituição, independentemente de se destinarem direta ou indiretamente a
atividades de ensino e investigação.
2 – O orçamento para infraestruturas é calculado de acordo com a fórmula constante do anexo à presente
lei, considerando os seguintes indicadores:
a) Área construída;
b) Despesa com unidades científicas ou de investigação específicas;
c) Despesa para a adequação dos edifícios para o acesso a pessoas com deficiência;
d) Existência de edifícios classificados ou em vias de classificação;
e) Existência de edifícios não classificados.
Página 272
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
272
3 – É neste âmbito considerado um orçamento para funcionamento e manutenção de infraestruturas culturais
e científicas, prevendo as despesas com manutenção, conservação e funcionamento de edifícios de natureza
cultural ou científica que tenham sido colocados sob a responsabilidade de instituições de ensino superior.
4 – Para os efeitos previstos no número anterior, cada instituição deve indicar até 31 de julho o património
que tem sob sua responsabilidade, bem como uma estimativa das verbas necessárias para a sua requalificação,
manutenção, conservação, modernização e funcionamento no ano seguinte, devidamente acompanhada de:
a) Relatório detalhado das ações de requalificação, manutenção, modernização e conservação realizadas
no ano anterior;
b) Mapa detalhado das ações de requalificação, manutenção, modernização e conservação a concretizar
nos anos seguintes e sua justificação;
c) Identificação das variáveis-chave para a definição dos custos de intervenção; e
d) Quantificação física dos trabalhos.
5 – O orçamento para funcionamento e manutenção de infraestruturas culturais e científicas, apresentado
por cada instituição é revisto e aprovado pelo ministério com a tutela do ensino superior.
6 – No primeiro ano de aplicação da presente lei considera-se, para efeitos de determinação de custos de
manutenção de edifícios classificados e não classificados, um valor mínimo de 10 e 5 euros por metro quadrado,
respetivamente, devendo esses valores ser atualizados anualmente de acordo com o índice de preços ao
consumidor.
7 – Para os efeitos previstos na presente lei, consideram-se edifícios classificados, aqueles que, sejam
objeto de classificação nos termos da Lei n.º 107/2001, de 8 de setembro.
Artigo 8.º
Orçamento para outras despesas de funcionamento
1 – O orçamento para outras despesas de funcionamento é calculado de acordo com a fórmula anexa à
presente lei e destina-se a dotar cada instituição de ensino superior das verbas necessárias à satisfação de
despesas não consideradas nas componentes anteriores, nomeadamente:
a) Despesas com equipamento e material necessário às atividades de ensino e investigação, inclusive
laboratórios de ensino;
b) Despesas com veículos;
c) Despesas com serviços de telecomunicações, da internet e dos serviços em linha;
d) Despesas decorrentes da localização geográfica ou do meio económico e social em que se insere a
instituição;
e) Outras despesas de funcionamento corrente não previstas nas alíneas anteriores.
2 – Considerando um orçamento padrão composto por 80% de despesas com pessoal e 20% de outras
despesas de funcionamento, o orçamento para outras despesas de funcionamento é definido em função do
número de estudantes de cada curso e da média nacional dos custos-padrão de pessoal para esse curso.
SECÇÃO II
Orçamento de investimento para a qualidade
Artigo 9.º
Orçamento de investimento para a qualidade
1 – O orçamento de investimento para a qualidade visa dotar as instituições das verbas necessárias à
melhoria da qualidade das atividades de ensino e de investigação, considerando o objetivo de convergência das
instituições para níveis de elevada qualidade.
2 – Para efeitos do orçamento de investimento para a qualidade são considerados, nomeadamente, os
seguintes objetivos:
a) A melhoria do nível de qualificação do pessoal docente e não-docente;
b) Promoção do aproveitamento e sucesso escolar dos estudantes;
Página 273
11 DE DEZEMBRO DE 2019
273
c) Aumento da qualidade das atividades de ensino e investigação desenvolvidas;
d) Convergência entre instituições relativamente ao nível de qualificação do pessoal docente e não-docente;
e) Apresentação de projetos pedagógicos inovadores;
f) Melhoria da produção científica e ou artística;
g) Melhoria de infraestruturas físicas;
h) Reequipamento ou melhoria de condições materiais.
3 – O orçamento de investimento para a qualidade é composto por:
a) Orçamento anual de investimento para a qualidade; e
b) Contratos de investimento para a qualidade.
Artigo 10.º
Orçamento anual de investimento para a qualidade
1 – O orçamento anual de investimento para a qualidade resulta da aplicação da fórmula constante do anexo
à presente lei, considerando os critérios e objetivos das alíneas a) a c) do n.º 2 do artigo anterior, sendo
considerados os seguintes indicadores:
a) Eficiência pedagógica dos cursos;
b) Qualificação do pessoal docente e não-docente;
c) Classificação de mérito resultante da avaliação das unidades de investigação;
d) Classificação de mérito resultante da avaliação do curso e da instituição;
e) Eficiência científica dos cursos de mestrado e doutoramento.
2 – A consideração do indicador previsto na alínea e) do número anterior depende da definição dos critérios
e indicadores de avaliação dos cursos e instituições de ensino superior pela entidade competente.
Artigo 11.º
Contratos de investimento para a qualidade
1 – Os contratos de investimento para a qualidade podem ter carácter plurianual e são celebrados entre as
instituições de ensino superior e o Governo, considerando os objetivos das alíneas d) a e) do n.º 1 do artigo 10.º.
2 – Nos contratos de investimento para a qualidade o Governo considera, nomeadamente:
a) As necessidades que cada instituição apresenta face à qualificação do seu pessoal docente e não-
docente e ao objetivo de convergência com as instituições em melhor situação;
b) A necessidade de promoção do sucesso escolar dos alunos e de aumento da eficiência pedagógica dos
cursos e das instituições;
c) A necessidade de requalificação de infraestruturas físicas ou de construção de novas instalações,
considerando critérios objetivos de adequação das infraestruturas e de distribuição de espaço por aluno;
d) A necessidade de definição de indicadores objetivos para aferir da produtividade científica, artística e
cultural das instituições;
e) As necessidades que cada instituição apresenta face ao objetivo de convergência para níveis de elevada
produtividade científica, artística e cultural.
SECÇÃO III
Contratos de desenvolvimento
Artigo 12.º
Contratos de desenvolvimento
1 – Os contratos de desenvolvimento visam o financiamento de projetos para o prosseguimento de objetivos
estratégicos previamente acordados entre o Governo e as instituições de ensino superior no âmbito das políticas
de ensino superior e de ciência e investigação, nomeadamente:
a) O desenvolvimento curricular das instituições;
Página 274
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
274
b) A eficiência de gestão;
c) A atenuação de constrangimentos decorrentes da dimensão das instituições;
d) A coesão regional.
2 – Os contratos de desenvolvimento têm carácter plurianual e resultam da distribuição concorrencial de
verbas pelas instituições, sendo as regras para a sua distribuição definidas pelo Governo através de decreto-lei.
3 – O montante global das verbas a atribuir através de contratos de desenvolvimento é definido pelo
Governo, não podendo representar anualmente em cada instituição mais de 10% do montante dos orçamentos
de funcionamento e de investimento para a qualidade.
4 – Nos casos em que se preveja a afetação de até metade das verbas do contrato durante o primeiro ano,
o limite referido no número anterior é elevado para 20%.
SECÇÃO IV
Receitas próprias
Artigo 13.º
Receitas próprias
1 – Para o financiamento dos objetivos especificamente prosseguidos pelas instituições de ensino superior
concorrem também verbas das respetivas receitas próprias, cuja arrecadação e gestão são reguladas por
decreto-lei.
2 – As receitas próprias não podem ser utilizadas para suportar despesas de funcionamento e a sua
arrecadação não pode significar uma diminuição do orçamento a transferir pelo Estado.
CAPÍTULO III
Avaliação e controlo do financiamento e da execução orçamental
Artigo 14.º
Avaliação da execução orçamental
1 – Com vista a garantir o rigor na afetação dos recursos financeiros, procede-se, quer no âmbito das
atividades de ensino quer no âmbito das atividades de investigação, a um rigoroso e exigente acompanhamento
crítico da aplicação dos financiamentos atribuídos às instituições através:
a) Da prestação de contas pelas instituições;
b) Do controlo e avaliação da execução orçamental;
c) Da realização de auditorias externas especializadas.
2 – O Governo regulamenta, por decreto-lei, os termos em que deve ser realizada a avaliação prevista no
número anterior.
Artigo 15.º
Órgão de fiscalização
As instituições de ensino superior dispõem de um órgão de fiscalização próprio, de acordo com o legalmente
previsto, que é um fiscal único.
Artigo 16.º
Prestação de contas
1 – A prestação de contas inclui os seguintes documentos:
a) Balanço;
Página 275
11 DE DEZEMBRO DE 2019
275
b) Demonstração de resultados;
c) Mapas de execução orçamental;
d) Mapas de fluxo de caixa;
e) Mapa da situação financeira;
f) Anexos às demonstrações financeiras;
g) Relatório de gestão;
h) Parecer do órgão de fiscalização, fiscal único, bem como a respetiva certificação legal das contas.
2 – Os documentos referidos no número anterior são assinados pelo órgão legal ou estatutariamente
competente para a sua apresentação.
3 – Os documentos devem ser apresentados:
a) Ao órgão legal ou estatutariamente competente para a sua aprovação;
b) À reitoria ou aos serviços centrais das instituições de ensino superior, no caso das unidades orgânicas,
estabelecimentos, serviços de ação social, fundações, associações e as demais entidades em que se verifiquem
as condições de controlo;
c) Às entidades a quem devam legalmente ser apresentados ou que tenham competência para os exigir.
Artigo 17.º
Prestação de contas consolidadas
1 – Sem prejuízo do previsto no artigo anterior, as instituições de ensino superior devem proceder à
consolidação de contas, integrando as unidades orgânicas, reitorias, quando aplicável, estabelecimentos,
serviços de ação social, fundações e demais entidades em que se verifiquem as condições de controlo.
2 – São documentos de prestação de contas consolidadas:
a) Relatório de gestão consolidado;
b) Balanço consolidado;
c) Demonstração de resultados por natureza consolidados;
d) Anexos às demonstrações financeiras consolidados.
3 – As contas consolidadas devem ser objeto de certificação legal de contas.
Artigo 18.º
Publicitação das contas
Os documentos anuais referidos no artigo anterior são obrigatoriamente publicados em Diário da República
até 60 dias após a sua aprovação.
CAPÍTULO IV
Ação social escolar
Artigo 19.º
Ação social escolar
Os apoios a conceder pelo Estado aos estudantes no âmbito da ação social escolar são objeto de diploma
próprio.
Página 276
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
276
CAPÍTULO V
Disposições transitórias e finais
Artigo 20.º
Universidade Aberta
1 – A aplicação da presente lei à Universidade Aberta e a outras instituições similares é objeto de adaptação
à especificidade desta instituição.
2 – A adaptação prevista no número anterior é regulamentada pelo Governo através de decreto-lei, no prazo
de 90 dias após a publicação da presente lei.
Artigo 21.º
Exclusão
O disposto na presente lei não se aplica às instituições de ensino superior sujeitas à dupla tutela:
a) Dos Ministérios da Defesa Nacional e da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior;
b) Dos Ministérios da Administração Interna e da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.
Artigo 22.º
Situações especiais
1 – A aplicação do disposto na presente lei não prejudica a observância dos compromissos
internacionalmente assumidos pelo Estado Português, bem como da concessão de apoios específicos aos
estudantes destinatários das normas constantes dos:
a) Decreto-Lei n.º 358/70, de 29 de julho, e legislação complementar;
b) N.º 6 do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de janeiro, alterado pelos Decretos-Leis n.os 93/83, 17
de fevereiro, 203/87, de 16 de maio, 224/90, de 10 de julho, 183/91, de 17 de maio, 259/93, de 22 julho e pelas
Leis n.os 46/99, 16 de junho e 26/2009, de 18 de junho;
c) N.º 3 e os n.os 6, 7 e 8 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 241/2007, de 21 de junho, na redação dada pelo
Decreto-Lei n.º 249/2012, de 21 de novembro;
d) N.º 4 do artigo 4.º, do Decreto-Lei n.º 216/92, de 13 de outubro, alterado pelos Decretos-Leis n.º 74/2006,
de 24 de março e 115/2013, de 7 de agosto.
2 – O Governo regulamenta por decreto-lei o apoio específico previsto no número anterior.
Artigo 23.º
Legislação complementar
O Governo procede à regulamentação da presente lei no prazo máximo de 90 dias contados a partir da data
da sua publicação.
Artigo 24.º
Norma revogatória
É revogada a Lei n.º 37/2003, de 22 de agosto, alterada pelas Leis n.º 49/2005, de 30 de agosto n.º 62/2007,
de 10 de setembro, n.º 7-A/2016, n.º 42/2016, de 28 de dezembro, n.º 68/2017, de 9 de agosto, n.º 114/2017,
de 29 de dezembro, n.º 42/2019, de 21 de junho e 75/2019, de 2 de setembro.
Página 277
11 DE DEZEMBRO DE 2019
277
Artigo 25.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor com o Orçamento do Estado posterior à sua publicação.
Assembleia da República, 11 de dezembro 2019.
Os Deputados do PCP: Ana Mesquita; Alma Rivera; Paula Santos; João Oliveira; António Filipe; Jerónimo de
Sousa; Bruno Dias; Diana Ferreira; João Dias; Duarte Alves.
ANEXO
Fórmulas para o financiamento das instituições de ensino superior
1 – Fórmula a que se refere o artigo 5.º:
O orçamento de funcionamento para o ano t representa-se por OFt e corresponde à soma de três parcelas,
de acordo com a expressão
OFt = OPPt + OIEt + ODFt (1)
em que
OPPt designa o Orçamento (Padrão) de Pessoal
OIEt designa o Orçamento para Infraestruturas
ODFt designa o Orçamento para outras Despesas de Funcionamento
2 – Fórmulas a que se refere o n.º 2 do artigo 6.º:
O orçamento de pessoal é dado pela expressão
n
OPPt = Σ (Nt,j * CUt,j) (2)
j=1
em que
Nt,j é o número de alunos estimado para o curso j no ano t
CUt,j é o custo unitário padrão de pessoal do curso j no ano t
O custo unitário padrão de pessoal é obtido somando os custos padrão de pessoal docente e de pessoal não
docente, de acordo com a expressão
CUt,j = CUdoct,j + Cundoct,j (3)
em que
CUdoct,j é o custo padrão de pessoal docente para o curso j no ano t
CUndoct,j é o custo padrão de pessoal não docente para o curso j no ano t
Os custos padrão de pessoal docente e não docente são construídos com base nos valores dos custos
médios de cada uma destas categorias de pessoal, Cdoct e Cndoct, respetivamente, e nos valores padrão de
número de estudantes por docente e de número de estudantes por não docente, para cada curso. Estes valores
designam-se razões padrão, representadas por rdj e rndj respetivamente.
Página 278
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
278
Para acautelar a parte dos efetivos de pessoal não docente afeto a tarefas dos serviços de natureza central
de cada instituição, define-se ainda uma razão padrão que corresponde ao número de estudantes por cada não
docente afeto a este tipo de serviços, designada rndsc.
Assim, para determinar os custos padrão de pessoal é necessário definir:
– Os custos médios de pessoal Cdoct e Cndoct;
– As razões padrão rdj e rndj;
– A razão padrão rndsc.
Os custos médios de um docente e de um não docente no ano t são estimados, para cada instituição, com
base nos valores dos encargos anuais médios da instituição com os seus trabalhadores, dados pela expressão
Cdoct = [Vdoct-2 * (1 + AcVdoct-1) * (1 + AdVdoct-1) * (1 + COt-1)+ Subt-1] (4)
Cndoct = [Vndoct-2 * (1 + AcVndoct-1) * (1 + AdVndoct-1) * (1 + COt-1)+ Subt-1] (5)
em que
Cdoct – custo médio de pessoal docente
Cndoct – custo médio de pessoal não docente
Vdoct-2 – vencimento anual médio de um docente no ano t
Vndoct-2 – vencimento anual médio de um não docente no ano t
AcVdoct-1 – atualização de vencimento dos docentes no ano t-1
AcVndoct-1 – atualização de vencimento dos não docentes no ano t-1
AdVdoct-1 – adicional para promoção dos docentes no ano t-1
AdVndoct-1 – adicional para promoção dos não docentes no ano t-1
COt-1 – percentagem decontribuições obrigatórias (Caixa Geral de Aposentações e outras) no ano t-1
Subt-1 – subsídios (de refeição e outros) no ano t-1
Os valores dos vencimentos médios anuais são calculados através da relação entre o valor total das
remunerações no ano t-2 e o número de efetivos a 31 de dezembro do ano t-2, para ambas as categorias de
pessoal, de acordo com as expressões seguintes.
Vdoct-2 = (RDEt-2 + RDNt-2 – RDGt-2) / (Ndet-2 + Ndnt-2 + Nogt-2) (6)
Vndoct-2 = (RNDt-2 + RICt-2 -RNAt-2) / (Nndet-2 + Nict-2 – Nnat-2) (7)
em que
RDEt-2 é a remuneração total do pessoal docente em exercício efetivo de funções
RDNt-2 é a remuneração total do pessoal docente em não exercício efetivo
RDGt-2 é a remuneração total do pessoal docente em exercício de cargos em órgãos de gestão
Ndet-2 é o número total de docentes ETI em exercício efetivo
Ndnt-2 é o número total de docentes ETI em não exercício efetivo
Nogt-2 é o número total de docentes em exercício de cargos em órgãos de gestão
RNDt-2 é a remuneração total do pessoal não docente
RICt-2 é a remuneração total do pessoal de investigação científica
RNAt-2 é a remuneração total do pessoal em regime de avença
Nndet-2 é o número total de efetivos do pessoal não docente
Nict-2 é o número total de efetivos do pessoal de investigação científica
Nnat-2 é o número total de avençados
Os órgãos de gestão a considerar abrangem o Reitor, os Vice-Reitores e os Diretores das Unidades
Orgânicas.
As razões padrão a utilizar são as definidas na tabela seguinte, para as áreas de formação indicadas.
Página 279
11 DE DEZEMBRO DE 2019
279
Código Áreas de formação Alunos/docente
rdj
Alunos/não
docente
rndj
Ensino universitário – formação inicial
U1 Medicina, Medicina dentária 6 7
U2 Artes do espetáculo, Artes performativas, Música, Cinema,
Estudos Artísticos, Teatro, Dança 6 10
U3 Medicina Veterinária, Ciências agropecuárias, ciências
agrárias 8 15
U4 Ciências de Engenharia, Ciências Exatas e Naturais, Ciências
Farmacêuticas 10 15
U5
Artes Plásticas e Design, Arquitectura, Ciências da Educação,
Psicologia, Educação Física e Desporto, Comunicação Social,
Educação Básica
11 20
U6 Matemática, Estatística, Computação 12 28
U7 Economia, Gestão, Turismo, Geografia, Línguas Vivas, Serviço
Social, Património cultural, Arqueologia, Geologia 15 38
U8 Letras, Ciências Sociais, Direito, Ciências Políticas,
Contabilidade 18 45
Ensino politécnico – formação inicial
P1 Artes do espetáculo, Artes performativas, Música, Cinema,
Estudos Artísticos, Teatro, Dança, Língua Gestual Portuguesa 5 10
P2 Enfermagem, Técnicos Dentistas 8 11
P3 Tecnologias da Saúde, Farmácia 8 11
P4 Tecnologias, Ciências de Engenharia, Ciências Exatas e
Naturais, 11 17
P5 Agricultura, Silvicultura, Pecuária, Medicina Veterinária,
Enfermagem Veterinária, Agronomia, Equinicultura 11 17
P6
Educação Básica, Animação Socioeducativa, Comunicação
Social, Artes Plásticas e Design, Desporto, Desporto e
atividade física, Gestão, Contabilidade, Finanças
12 27
P7 Informática, Multimédia, 14 28
P8 Contabilidade, Gestão, Comércio, Solicitadoria, Secretariado,
Turismo, Línguas Vivas, Educação Social, Serviço Social 17 42
Ensino universitário – formação avançada
UA1 Medicina, Medicina dentária, Música 5 7
UA2
Ciências de engenharia, Ciências Exatas e Naturais, Ciências
Farmacêutica, Medicina Veterinária, Ciências Agropecuárias,
Ciências agrárias
8 11
UA3 Outras 11 22
Ensino politécnico – formação avançada
Página 280
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
280
Código Áreas de formação Alunos/docente
rdj
Alunos/não
docente
rndj
PA1 Enfermagem, Técnicos Dentistas, Tecnologias da Saúde 8 11
PA2
Tecnologias, Agricultura, Silvicultura, Pecuária, Veterinária,
Educadores de Infância, Professores dos 1.º e 2.º ciclos do
Ensino Básico, Animadores, Comunicação Social
11 17
PA3 Informática, Contabilidade, Gestão, Comércio, Solicitadoria,
Secretariado, Turismo, Línguas Vivas, Educação Social 11 22
A razão padrão número de estudantes por cada não docente afeto aos serviços de natureza central, rndsc, é
função do número estimado de estudantes de cada instituição no ano t, aplicando-se de forma discriminada a
cada intervalo de acordo com a tabela seguinte.
Intervalo a considerar do número de
estudantes
Razão rndsc a aplicar ao
intervalo
Ensino universitário
Até 3000 30
Entre 3001 e 14000 140
Acima de 14000 180
Ensino politécnico
Até 1500 15
Entre 1501 e 3000 140
Entre 3001 e 10000 155
Acima de 10000 220
Os custos-padrão de pessoal por estudante (custos unitários), definidos, para cada curso, pela expressão
(3),
CUt,j = CUdoct,j + CUndoct,j (3)
Podem, portanto, ser obtidos definindo-se
CUdoct,j = Cdoct / rdj (8)
CUndoct,j = Cndoct / rndj + Cndoct / rndsc (9)
em que
CUdoct,j – custo unitário do docente
CUndoct,j – custo unitário do não docente
Cdoct – custo médio de pessoal docente
Cndoct – custo médio de pessoal não docente
rdj – razão padrão alunos / docente ETI
rndj – razão padrão alunos / não docente
rndsc – razão padrão alunos / não docente dos serviços de natureza central
Página 281
11 DE DEZEMBRO DE 2019
281
O custo unitário deve ser obtido para a formação inicial e para a formação avançada discriminadamente.
3 – Fórmula a que se refere o n.º 2 do artigo 7.º:
O orçamento para infraestruturas calcula-se de acordo com a expressão seguinte:
OIEt = An * CMn + Ah * CMh + OICCt(10)
em que
An – área bruta construída em edifícios não classificados
CMn – custo anual por metro quadrado de manutenção de edifícios não classificados
Ah – área bruta construída em edifícios classificados
CMh – custo anual por metro quadrado de manutenção de edifícios classificados
OICCt – orçamento para funcionamento e manutenção de infraestruturas culturais e científicas
4 – Fórmula a que se refere o n.º 1 do artigo 8.º:
O orçamento de outras despesas de funcionamento calcula-se de acordo com a expressão seguinte,
n
ODFt = (20/80) * Σ Nt,j * CUt,j (11)
j=1
em que
ODFt – orçamento de outras despesas de funcionamento
CUt,j – custo unitário padrão de pessoal do curso j no ano t
Nt,j – número estimado de alunos do curso j no ano t
5 – Fórmula a que se refere o n.º 1 do artigo 10.º:
O orçamento de investimento para a qualidade pode variar de 0% a 5% do orçamento de funcionamento (0
≤ OIQt ≤ 0,05 * OFt), sendo calculado através do produto do valor de OFt apurado por um indicador síntese de
um conjunto de indicadores de qualidade normalizados associados a cada instituição.
Este indicador síntese define-se através da média aritmética dos indicadores individuais de qualidade
normalizados, relativos aos seguintes parâmetros:
qp – eficiência pedagógica dos cursos
qqd – qualificação do pessoal docente
qqnd – qualificação do pessoal não docente
qi – classificação de mérito resultante da avaliação das unidades de investigação
qc – eficiência científica dos cursos de 2.º e 3.º ciclos
Cada um dos indicadores é calculado de forma normalizada à escala 1 a 1,05 com base na expressão
seguinte
qk = 1 + [(v – vmin)k / (vmax – vmin)k] * 0,05 (12)
em que
qk é o indicador de qualidade normalizado em causa, com k={p,qd,qnd,i,c}
vk é o valor que o indicador de qualidade não normalizado assume para a instituição em causa
vmin é o valor mínimo dos indicadores vk não normalizados de todas as instituições
vmax é o valor máximo dos indicadores vk não normalizados de todas as instituições
Página 282
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
282
O indicador de eficiência pedagógica dos cursos de 1.º ciclo, vp, é obtido para cada curso através da
expressão
vp,j = [(2 * G't-2,j /Nt-2,j) + Gt-2,j /Nt-2,j]/3 (13)
em que
vp,j é o indicador não normalizado de eficiência pedagógica do curso j
Nt-2,j é o número de alunos inscritos no curso j no ano t-2
Gt-2,j é o número de graduados do curso j no ano t-2
G't-2,j é o número de graduados do curso j no ano t-2 que frequentaram o curso durante dj anos
dj é a duração do curso j em anos
Não havendo graduados ou inscritos num curso num determinado ano, pelo facto de o curso ser muito recente
ou por se ter interrompido conjunturalmente o seu funcionamento, não há lugar ao cálculo deste indicador.
Para o conjunto da instituição, o indicador não normalizado de eficiência pedagógica dos cursos obtém-se
por
n
(14) vp = Σ (Nt,j * vp,j) /
Nt
j=1
em que
vp é o indicador não normalizado de eficiência pedagógica da instituição
vp,j é o indicador não normalizado de eficiência pedagógica do curso j
Nt,j é o número de alunos inscritos no curso j no ano t
Nt é o número de alunos inscritos na instituição no ano t
n é o número de cursos da instituição
O indicador de qualificação do pessoal docente, vqd , é função dos graus detidos pelos membros do corpo
docente da instituição, considerando-se para o efeito os mestres e os doutores, de acordo com a expressão
vqd = 2 * (Nmest + 3 * Ndout) / Ndoc (15)
em que
vqd é o indicador não normalizado de qualificação do pessoal docente
Nmest é o número de docentes com o grau de mestre
Ndout é o número de docentes com o grau de doutor
Ndoc é o número total de docentes
Os números de efetivos da expressão (15) são os contabilizados a 31 de dezembro do ano t-2.
O indicador de qualificação do pessoal não docente, vqnd, exprime a importância relativa dos técnicos
superiores no universo dos trabalhadores não docentes.
vqnd = Nsup / Nndoc (16)
em que
vqnd é o indicador não normalizado de qualificação do pessoal docente
Nsup é o número de técnicos superiores no conjunto dos efetivos não docentes
Página 283
11 DE DEZEMBRO DE 2019
283
Nndoc é o número total de efetivos não docentes
Os números de efetivos da expressão (16) são os contabilizados a 31 de dezembro do ano t-2.
O valor do indicador classificação de mérito resultante da avaliação das unidades de investigação, qi, é obtido
em função de ponderação dos números de doutores de cada instituição que fazem parte das equipas das
unidades de investigação que tenham obtido, na última avaliação pela FCT, classificações de Excelente e Muito
Bom.
qi = (1,2 * NdoutEx + NdoutMB) / Ndout (17)
em que
NdoutEx é o número de doutores incluídos nas unidades classificadas com Excelente
NdoutMB é o número de doutores incluídos nas unidades classificadas com Muito Bom
Ndout é o número total de doutores da instituição
O valor do indicador eficiência científica dos cursos de 2.º e 3.º ciclo, qc, é obtido em função dos números de
formandos que obtiveram o grau de mestre e de doutor no ano t-2 e do número de docentes doutorados da
instituição no mesmo ano.
qc = (Mt-2 + 3 * Dt-2) / Ndoutt-2 (18)
em que
Mt-2 é o número de formandos que obtiveram o grau de mestre no ano t-2
Dt-2 é o número de formandos que obtiveram o grau de doutor no ano t-2
Ndoutt-2 é o número de docentes doutorados da instituição no ano t-2
———
PROJETO DE LEI N.º 154/XIV/1.ª
APROVA A LEI-QUADRO DA AÇÃO SOCIAL ESCOLAR NO ENSINO SUPERIOR
Exposição de motivos
Até ao 25 de Abril de 1974, o Ensino Superior era, na sua quase totalidade, frequentado pelas elites, estando
praticamente arredado o seu acesso aos filhos dos trabalhadores e do povo. Os serviços e organismos de apoio
então existentes, embora fossem estruturas importantes para a manutenção da frequência de estudantes com
maiores dificuldades económicas, serviam fins sobretudo corporativos.
A rutura trazida pela Revolução refletiu-se, sem sombra de dúvida, ao nível do Ensino Superior. O Decreto-
Lei n.º 363/75, de 11 de julho, em que se estabelece as bases da Reforma do Ensino Superior, é um bom
exemplo. Nesta perspetiva de profunda transformação, aponta-se a urgência em adotar «medidas que permitam
o acesso das classes trabalhadoras à educação e à cultura, nomeadamente de nível superior. O sentido destas
medidas não pode limitar-se a um princípio de igualdade formal de oportunidades, mas tem de incluir uma
estratégia compensatória orientada no sentido de favorecer os trabalhadores-estudantes, através de vias
especiais e mais rápidas de acesso, de concessão de bolsas de estudo e de outros benefícios sociais e de
regimes especiais de trabalhador escolar.»
Vários estudos têm referido que o fator que determina de modo mais profundo as questões relativas à
educação e ao prosseguimento de estudos é a proveniência socioeconómica de cada aluno. Assim, apesar da
Página 284
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
284
abertura que o ensino superior conheceu a partir do 25 de Abril, em virtude da política de direita praticada ao
longo de décadas, ele é ainda predominantemente frequentado por estudantes oriundos das famílias com mais
recursos.
As barreiras ao acesso que vão sendo sucessivamente erguidas produzem uma seleção social significativa
em que o estudante é diferenciado em função da sua situação socioeconómica ou proveniência de classe. Ou
seja, são criados obstáculos ao prosseguimento de estudos aos que, devido às suas origens sociais, estão num
ponto de partida já de si desvantajoso.
Segundo comunicado do Governo, na 1.ª fase dos exames nacionais do ensino secundário de 2019 houve
um total de 159 840 alunos inscritos em 345 343 exames. Em relação a 2018, houve um ligeiro aumento nos
inscritos de 190 alunos. Por outro lado, há apenas 87 259 (menos 506 do que no ano anterior) que assumiram
a intenção de concorrer ao ensino superior. Na 1.ª fase do concurso nacional de acesso havia 51 036 candidatos
a uma vaga numa universidade ou politécnico e entraram 44.500 alunos. Na 2.ª fase, dos 18 200 candidatos
entraram 9274 estudantes.
Dizer ainda que, o número de alunos do ensino profissional que fizeram exames nacionais do secundário
continua muito residual. De acordo com dados da DGEEC, entre o ano letivo 2010/2011 e o ano letivo
2017/2018, o número de estudantes do profissional que concluiu o ensino profissional ao nível do secundário e
não transitou para o superior andou sempre acima dos 80% (entre os 82% e os 87%, conforme o ano letivo em
questão).
Ao contrário dos estudantes do ensino regular, os alunos dos cursos profissionais apenas precisam de
realizar exames nacionais se pretenderem ingressar no ensino superior. Isto diz muito do objetivo do atual
desenho do Ensino Profissional e de um caminho precocemente traçado para os filhos das massas
trabalhadoras.
Quem acede tem ainda de garantir a sua permanência, o que não é fácil, nem tão-pouco um ponto assente.
No ano letivo 2019/2020, foram submetidos 82.310 requerimentos de concessão de bolsas de estudo no Ensino
Superior Público, havendo, à data de 5 de dezembro de 2019, 39.129 com decisão final e 10.163 indeferimentos.
A bolsa média anual, 2018/2019, foi 1.763€ (em 2017/2018, foi de 1.807€), ano em que cerca de ¼ dos 385.247
estudantes a frequentar o Ensino Superior se candidatou a bolsa. Propinas pagas e pouco resta para apoio às
restantes necessidades, designadamente, alojamento, alimentação e materiais de apoio educativo.
Em relação ao alojamento, atente-se na edição de 2019 do estudo «European Student Accommodation
Guide», publicado pela consultora imobiliária Cushman & Wakefield (C&W): «A forte procura por parte dos
estudantes contrasta com a escassez de oferta moderna e adequada no setor de residências para estudantes,
o que tem levado investidores e promotores a procurarem oportunidades num mercado que, apesar de
emergente, apresenta um elevado potencial». Segundo o estudo, há no nosso país cerca de 400 mil estudantes
universitários, dos quais 42% são nacionais e têm necessidade de se deslocarem para fora da sua área de
residência para completar os estudos.
Ora, de acordo com dados do mês de agosto do Plano Nacional para o Alojamento no Ensino Superior
(PNAES), passou a estar disponível um total de 15965 camas em residências públicas (eram 15370 no ano
letivo 2017/2018). A DGES informa que o número de camas com conclusão de obra em 2020 e 2021 será de
2492 e de 2705, respetivamente. Facilmente se conclui que a oferta pública está muito longe de corresponder
às necessidades de alojamento, o que abre caminho à gula privada e contribui para a especulação imobiliária.
O consecutivo desinvestimento e a suborçamentação do Ensino Superior Público propiciaram um aumento
dos estudantes, sobretudo por via da implementação da política de propinas. Se, entre 1974 e 1986, os
estudantes tinham de pagar 1200$00 e mesmo assim subsistiam dificuldades para muitos, o facto é que a
aproximação aos custos reais de frequência do ensino não mais cessou a partir da Lei n.º 20/92, de 14 de
agosto, do Governo PSD/Cavaco Silva.
A política de aplicação de propinas, travestida de suposto investimento em qualidade, tratava-se do completo
desmantelamento e reconfiguração da resposta pública que deveria ser dada em cumprimento com o disposto
na Constituição em termos de direito ao acesso aos mais elevados graus de ensino. Esta opção é claramente
desmascarada quando se conjugam propinas com o subfinanciamento das Instituições de Ensino Superior, com
Página 285
11 DE DEZEMBRO DE 2019
285
a profunda limitação da Ação Social e as evidentes limitações na concessão de bolsas de estudo, bem como
com a implementação de um sistema de empréstimos aos estudantes.
O Estado tem, de acordo com a Constituição da República Portuguesa (CRP), responsabilidade direta sobre
a Educação, em todos os seus graus de ensino, e tem de «garantir a todos os cidadãos, segundo as suas
capacidades, o acesso aos graus mais elevados do ensino, da investigação científica e da criação artística»,
bem como «estabelecer progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino.»
Com vista ao cumprimento da CRP e à efetivação do direito à Educação para todos, paralelamente ao
sistema de concessão de apoios por via de bolsas de estudo, têm de existir apoios gerais, como forma de
promoção da igualdade de oportunidades na frequência do Ensino Superior. Fala-se, designadamente, da
existência de valências direcionadas para o acesso à alimentação e ao alojamento, acesso a serviços de saúde
e psicopedagogia; apoio a atividades culturais e desportivas; apoio bibliográfico e reprográfico; entre outras.
O PCP defende uma conceção de ação social escolar no ensino superior assente no princípio de que deve
ser assegurada a possibilidade real de frequência do ensino superior a todos os que, independentemente da
sua situação económica, revelem capacidade para o frequentar.
Mais que um imperativo de justiça social, trata-se também de um fator de desenvolvimento nacional. Também
por isso mesmo deve envolver todos os interessados no acompanhamento do desenvolvimento da política de
apoio social aos estudantes do Ensino Superior sendo, para o efeito, criado o CNASES – Conselho Nacional de
Ação Social do Ensino Superior.
O PCP considera que ao Estado compete financiar o sistema de ação social escolar do Ensino Superior, na
realização dos objetivos de política educativa constitucionalmente definidos. Por isso, recusamos opções que
assentem na imposição de encargos de acordo com os custos reais dos serviços prestados ou na sua
transferência para as Instituições de Ensino Superior Público.
Da mesma forma, recusamos a consagração, enquanto mecanismos de (falsa) ação social, de produtos
financeiros como os empréstimos bancários. A concessão de empréstimos bancários para a frequência dos
estudos serve a perspetiva mercantilista e privatizadora da Educação, servindo apenas os interesses da banca
e das instituições de crédito, e que não substitui o dever social do Estado de garantir o direito ao acesso e
frequência do Ensino Superior.
O presente projeto de lei apresentado pelo PCP parte do princípio que a alteração ao enquadramento jurídico
da Ação Social Escolar tem de ser acompanhada por outras alterações, designadamente, a necessidade de um
forte aumento no investimento no Ensino Superior Público, que não pode ser desligado da alteração de fundo
que se impõe fazer à Lei de Financiamento do Ensino Superior.
Nestes termos, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do
PCP apresenta o seguinte projeto de lei:
CAPÍTULO I
Princípios Gerais
Artigo 1.º
Objeto
1 – A presente lei estabelece os princípios orientadores da ação social escolar no Ensino Superior, definindo
os apoios específicos aos estudantes.
2 – A ação social escolar tem o objetivo de apoiar a frequência e sucesso escolar no Ensino Superior.
3 – A ação social escolar concretiza-se através de apoios indiretos e diretos visando a compensação
económica, social e educativa dos estudantes.
Artigo 2.º
Instituições do ensino particular e cooperativo
Página 286
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
286
O disposto na presente lei é aplicado com as devidas adaptações ao ensino superior particular e cooperativo,
aprovado em diploma próprio.
Artigo 3.º
Âmbito de aplicação
1 – A presente lei é aplicável a todos os estudantes matriculados em cursos técnicos superiores
profissionais, e em ciclos de estudo conducentes aos graus de licenciatura, mestrado, pós-graduação ou
doutoramento, tal como em cursos de e-learning e b-learning em quaisquer estabelecimentos de ensino superior
reconhecidos pelo ministério que tutela o ensino superior ou em tutela partilhada.
2 – São ainda abrangidos pela presente lei os titulares de grau de licenciado ou de mestre a que se refere o
artigo 46.º-B do Decreto-Lei n.º 74/2006, de 24 de março, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 63/2016,
de 13 de setembro, para apoio à realização de estágio profissional.
3 – A presente lei é ainda aplicável:
a) Cidadãos nacionais de Estados membros da União Europeia com direito de residência permanente em
Portugal em Portugal e os seus familiares, nos termos da Lei n.º 37/2006, de 9 de agosto;
i)Titulares de autorização de residência permanente, nos termos do artigo 80.º da Lei n.º 23/2007, de
4 de julho, na versão atual;
ii) Provenientes de Estados com os quais hajam sido celebrados acordos de cooperação prevendo a
aplicação de tais benefícios;
iii) Beneficiários do estatuto de residente de longa duração nos termos do artigo 125.º da Lei n.º
23/2007, de 4 de julho;
iv) Provenientes de Estados cuja lei, em igualdade de circunstâncias, conceda igual tratamento aos
estudantes portugueses.
b) Apátridas;
c) Beneficiários do estatuto de refugiado político.
Artigo 4.º
Princípios gerais
São princípios gerais do financiamento da ação social escolar do ensino superior:
a) Garantir igualdade no acesso e frequência a todos os estudantes;
b) Promover o alargamento do acesso e frequência ao ensino superior;
c) Contribuir para uma política educativa que eleve a qualificação científico-pedagógica dos jovens.
CAPÍTULO II
Financiamento
Artigo 5.º
Financiamento
1 – Compete ao Estado, através do Orçamento do Estado, dotar os serviços de ação social com os recursos
financeiros necessários à prossecução das suas atribuições nos termos da presente lei.
2 – É ainda dotações dos serviços de ação social escolar:
a) Os rendimentos dos bens que os serviços de ação social possuírem a qualquer título;
b) Os subsídios, subvenções, comparticipação, doações, heranças e legados concedidos por quaisquer
entidades;
Página 287
11 DE DEZEMBRO DE 2019
287
c) Os saldos de conta de gerência de anos anteriores.
CAPÍTULO III
Organização dos Serviços
Artigo 6.º
Órgãos
São parte integrante do sistema de ação social no ensino superior:
a) O Conselho Nacional de Ação Social no Ensino Superior;
b) Conselhos de Ação Social;
c) Serviços de Ação Social.
Artigo 7.º
Conselho Nacional de Ação Social no Ensino Superior
1 – O Conselho Nacional de Ação Social, adiante chamado de CNASES, é o órgão consultivo do Ministério
que tutela a área do Ensino Superior no domínio da ação social no ensino superior.
2 – No âmbito das suas atribuições, compete ao CNASES:
a) Acompanhar o desenvolvimento da política de apoio social aos estudantes do Ensino Superior;
b) Promover a cooperação entre as entidades a quem compete a prossecução da política de apoio social em
cada instituição do ensino superior;
c) Receber os planos e orçamentos anuais das entidades referidas no número anterior e pronunciar-se, de
acordo com eles, sobre o plano e orçamento geral da ação social escolar do Ensino Superior;
d) Definir critérios orientadores para a atribuição de benefícios sociais aos estudantes do Ensino Superior
nos termos da presente lei;
e) Propor as medidas legislativas e regulamentares que entenda convenientes no âmbito do apoio social aos
estudantes do Ensino Superior;
f) Pronunciar-se sobre quaisquer assuntos respeitantes ao apoio social aos estudantes do Ensino Superior,
no âmbito das suas competências;
g) Promover a cooperação entre as políticas de ação social e as políticas de juventude.
3 – Na definição dos critérios previstos na alínea d) do número anterior são tidos em conta os seguintes
elementos:
a) Objetivos gerais estabelecidos, por cada instituição, para a ação social no ensino superior;
b) Número de alunos abrangidos;
c) Número de alunos com necessidades educativas especiais abrangidos;
d) Espaço geográfico onde se situa a instituição do ensino superior;
e) Instalações e respetivos encargos;
f) Condições particulares da região onde se insere a instituição do ensino superior.
Artigo 8.º
Composição do CNASES
1 – O CNASES tem a seguinte composição:
a) Dois membros designados pelo Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas;
b) Dois membros designados pelo Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos;
Página 288
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
288
c) Seis membros designados pelos estudantes, sendo dois do Ensino Superior Universitário, dois do Ensino
Superior Politécnico e dois do Ensino Superior particular ou cooperativo;
d) Três membros designados pelo Governo;
e) Dois membros designados pelas associações representativas dos trabalhadores dos serviços de ação
social do Ensino Superior;
f) Dois membros designados pelos estabelecimentos de Ensino Superior Particular e Cooperativo.
2 – Os membros que compõem o CNASES são indicados pelos seus representantes e nomeados por
Despacho do Ministro da Educação.
3 – A duração do mandato é de 3 anos.
Página 289
11 DE DEZEMBRO DE 2019
289
Artigo 9.º
Reuniões
O CNASES reúne ordinariamente de 3 em 3 meses e extraordinariamente por iniciativa do presidente ou a
requerimento de, pelo menos, um terço dos membros do CNASES.
Artigo 10.º
Conselhos de Ação Social
1 – O conselho de ação social, adiante chamado de conselho, define e orienta, em cada instituição do ensino
superior, o apoio a conceder aos estudantes.
2 – O Conselho de ensino superior é constituído:
a) Pelo Reitor ou Presidente da instituição, que preside, com voto de qualidade;
b) Pelo responsável pelos serviços de ação social;
c) Por dois representantes dos estudantes, um dos quais bolseiro.
Artigo 11.º
Competências do Conselho
Compete ao Conselho:
a) Aprovar a forma de aplicação, na respetiva instituição, da política de ação social;
b) Aprovar os projetos de planos e orçamentos anuais dos serviços de ação social e dar parecer sobre os
respetivos relatórios de atividades;
c) Fixar e fiscalizar o cumprimento das normas que garantam a funcionalidade dos serviços de ação social;
d) Propor mecanismos que garantam a qualidade dos serviços prestados e definir os critérios e os meios
para a sua avaliação.
Artigo 12.º
Serviços de ação social
1 – Em cada instituição do ensino superior público, compete aos serviços de ação social executar a política
de ação social e a prestação dos apoios e benefícios de acordo com o disposto na presente lei.
2 – Os serviços de ação social são unidades orgânicas das instituições de ensino superior, dotadas, nos
termos dos respetivos estatutos, de autonomia administrativa e financeira.
Artigo 13.º
Administração dos serviços de ação social
1 – Os serviços de ação social são dirigidos por um administrador a quem cumpre assegurar o funcionamento
e dinamização dos serviços de ação social e a execução dos planos e deliberações aprovados pelos órgãos
competentes.
2 – O administrador é nomeado pelo reitor ou pelo presidente da instituição de ensino superior.
Artigo 14.º
Participação das Associações de Estudantes
As associações de estudantes participam nos órgãos de direção dos serviços de ação social e nos respetivos
departamentos operativos de acordo com o previsto na presente lei.
Página 290
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
290
CAPÍTULO IV
Modalidades de Ação Social Escolar
Secção I
Apoios Indiretos
Artigo 15.º
Apoios Indiretos
Todos os estudantes do Ensino Superior beneficiam das seguintes modalidades de ação social escolar:
a) Alimentação;
b) Alojamento;
c) Apoio a deslocações;
d) Serviços de saúde e psicologia;
e) Apoio a atividades culturais e desportivas;
f) Facilidades na aquisição e obtenção de material didático e escolar;
g) Serviços de informação e procuradoria.
Artigo 16.º
Alimentação
1 – O serviço de alimentação é assegurado através do funcionamento de cantinas e bares localizados nos
estabelecimentos de ensino, ou próximo destes, de modo a cobrir as necessidades.
2 – Todas as cantinas devem assegurar o fornecimento de refeições nos dias úteis, e pelo menos uma
durante os fins-de-semana e dias feriados, desde a abertura até ao encerramento do ano letivo.
3 – Aos estudantes do ensino superior público é possibilitado o acesso a qualquer cantina ou bar
independentemente do estabelecimento de ensino que frequentem.
4 – Os serviços de ação social devem assegurar as condições de higiene e salubridade das cantinas e o
fornecimento de refeições variadas e dieteticamente equilibradas.
5 – O preço a suportar pelos estudantes por cada refeição é igual para todas as cantinas e bares não pode
exceder 50% do custo médio nacional por refeição.
6 – Aos estudantes beneficiários de bolsa de estudo são distribuídas senhas de refeição gratuitas, que
podem ser utilizadas em qualquer cantina ou bar, independentemente do estabelecimento de ensino que
frequentem.
7 – O custo médio nacional por refeição e o preço a suportar pelos estudantes são determinados anualmente
por Portaria do Ministério da tutela mediante proposta do CNASES, até ao início de cada ano letivo.
8 – Nos estabelecimentos de ensino que não disponham de cantinas ou refeitórios, os serviços de ação
social devem assegurar a possibilidade dos respetivos estudantes poderem utilizar cantinas ou refeitórios
pertencentes a outros estabelecimentos de ensino ou a outros organismos públicos, sem acréscimo do preço a
suportar pelos estudantes.
9 – Caso não seja possível assegurar o disposto no número anterior, os serviços de ação social devem
atribuir aos estudantes que o requeiram um subsídio de alimentação de montante equivalente a 50% do custo
médio nacional por refeição.
Página 291
11 DE DEZEMBRO DE 2019
291
Artigo 17.º
Estudante Deslocado
O estudante deslocado é aquele que, em consequência da distância entre a localidade da sua residência e
a localidade onde frequenta o ciclo de estudos em que está matriculado e inscrito, necessita de residir nesta
localidade ou nas suas localidades limítrofes para frequentar as atividades curriculares do curso em que se
encontra inscrito.
Artigo 18.º
Alojamento
1 – É da responsabilidade do Governo a criação de uma rede de residências que cubra as necessidades
das instituições do ensino superior.
2 – Cabe aos serviços de ação social assegurar o processo de candidatura para acesso por parte dos
estudantes às residências.
3 -As residências de estudantes são regidas por regulamento interno, aprovado pelo conselho, sobre
proposta conjunta dos representantes dos estudantes e dos serviços de ação social, tendo obrigatoriamente de
constar:
a) As condições de ingresso e de utilização dos equipamentos;
b) As normas de disciplina interna;
c) As formas de participação dos estudantes na gestão, conservação e limpeza das instalações.
4 – Aos estudantes deslocados que sejam beneficiários de bolsa de estudo, é garantido o pagamento
integral do valor do alojamento.
5 Quando a oferta disponível de camas for insuficiente paras as necessidades da instituição, é garantido ao
estudante deslocado que seja beneficiário de bolsa de estudo, um complemento de alojamento, destinado a
custear a diferença entre os custos do alojamento em residências e os custos dos alojamentos que lhes forem
propostos.
6 Os serviços de ação social devem garantir o apoio às repúblicas e solares de estudantes.
7 Os custos do alojamento em residências dos serviços de ação social são determinados anualmente por
portaria do Ministério que tutela o ensino superior, sob proposta do CNASES, sendo obrigatoriamente ouvidas
as Associações de Estudantes.
8 Os estudantes alojados em residências dos serviços de ação social têm direito a participar na respetiva
gestão através de comissões de residências eleitas para o efeito.
Artigo 19.º
Apoio a deslocações em transportes coletivos
1 – Sem prejuízo de regimes legais mais favoráveis, os estudantes do ensino superior têm direito a uma
redução de 60% nos preços de assinatura dos títulos de transporte e das tarifas relativas aos passes mensais
em vigor, seja qual a sua modalidade ou meio de transporte coletivo utilizado.
2 – Aos estudantes beneficiários de bolsa de estudo é garantido o pagamento integral nos preços de
assinatura dos títulos de transporte e das tarifas relativas aos passes mensais em vigor, seja qual a sua
modalidade ou meio de transporte coletivo utilizado.
3 – O disposto nos números anteriores não é aplicável aos transportes em primeira classe e aos meios de
transporte aéreo no território continental.
Página 292
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
292
Artigo 20.º
Serviços de saúde e psicopedagogia
1 – Os serviços de ação social asseguram através de serviços próprios ou através de protocolos com os
serviços competentes do Ministério da Saúde, assistência médica, psicopedagogia e de enfermagem gratuitas
aos estudantes e às pessoas a seu cargo.
2 – A assistência médica prevista no número anterior inclui o acesso a consultas de clínica geral e de
especialidade, bem como o internamento em estabelecimento hospitalar quando necessário.
3 – O previsto no presente artigo não prejudica a existência em cada instituição de gabinetes de apoio ao
estudante.
4 – Compete ao Governo a criação de Gabinetes de Apoio à Inclusão nas instituições públicas de ensino
superior, tendo como objetivo apoiar a inclusão dos alunos com Necessidades Especiais no ensino superior.
Artigo 21.º
Apoio a atividades culturais e desportivas
1 – Cabe ao Governo a criação de infraestruturas, a aquisição e modernização de equipamentos desportivos
e culturais e o pagamento dos seguros necessários à prática desportiva.
2 – Em cada instituição são criados apoios às atividades desportivas e culturais, nomeadamente, a partir da
elaboração e aprovação de regimes especiais que permita a conciliação do estudo e as atividades desportivas
e culturais.
Artigo 22.º
Material didático e escolar
Os serviços de ação social asseguram os meios que permitam aos estudantes o acesso em condições mais
favoráveis a material didático e escolar e a serviços de reprografia, livraria, papelaria e informática.
Artigo 23.º
Informações e procuradoria
Os serviços de ação social escolar asseguram o funcionamento de serviços de informações e procuradoria
aos estudantes do Ensino Superior.
Secção II
Apoios Diretos
Artigo 24.º
Apoios Diretos
De modo a contribuir para a superação de desigualdades económicas e sociais garantindo a todos os
cidadãos a igualdade de oportunidades no acesso aos graus mais elevados de ensino, os estudantes do ensino
superior podem ainda beneficiar de bolsa de estudo, de acordo com os critérios estabelecidos na presente lei e
em legislação complementar.
Artigo 25.º
Bolsas de estudo
A atribuição de bolsas de estudo aos estudantes tem como objetivo permitir a frequência do ensino superior
por parte dos estudantes que preencham as condições legais de acesso e não disponham dos necessários
Página 293
11 DE DEZEMBRO DE 2019
293
recursos económicos, assegurando assim o reforço e alargamento do sistema de ação social escolar e uma
efetiva igualdade de oportunidades na frequência com sucesso dos diversos graus de ensino superior.
Artigo 26.º
Conceito de agregado familiar do estudante
1 – O agregado familiar do estudante é constituído pelo próprio e pelos que com ele vivem em comunhão
de mesa, habitação e rendimento:
a) Cônjuge ou pessoa em união de facto ou de outro membro do agregado;
b) Parentes e afins, em linha reta e em linha colateral, até ao 4.º grau;
c) Adotantes, tutores e pessoas a quem o estudante esteja confiado por decisão judicial ou administrativa de
entidades ou serviços legalmente competentes para o efeito;
d) Adotados e tutelados pelo estudante ou qualquer dos elementos do agregado familiar e crianças e jovens
confiados, por decisão judicial ou administrativa de entidades ou serviços legalmente competentes para o efeito,
ao estudante ou a qualquer dos elementos do agregado familiar;
e) Afilhados e padrinhos, nos termos da Lei n.º 103/2009, de 11 de setembro.
2 – Podem ainda ser considerados como constituindo um agregado familiar unipessoal os estudantes com
residência habitual fora do seu agregado familiar de origem que, comprovadamente:
a) Assegurar autonomamente a sua subsistência;
b) No ano civil anterior ao da apresentação do requerimento, ter auferido rendimentos iguais ou superiores
a seis vezes o indexante dos apoios sociais em vigor naquele ano, exceto nos casos em que os rendimentos
resultem unicamente de prestações sociais de valor anual inferior àquele valor ou ainda quando o requerente
seja órfão;
c) Se encontrem em situação de acolhimento institucional, entregues aos cuidados de uma instituição
particular de solidariedade social ou de outras entidades financiadas pela segurança social, e cuja situação
social seja confirmada pela instituição de acolhimento em que se encontra;
d) Estejam internados em centros de acolhimento ou centros tutelares educativos.
3 – A composição do agregado familiar relevante para efeitos do disposto na presente lei, é aquela que se
verifica à data da apresentação do requerimento, sem prejuízo do previsto no artigo 30.º da presente lei.
Subsecção III
Condições de elegibilidade
Artigo 27.º
Condições de atribuição de bolsa de estudo
Considera-se elegível, para efeitos de atribuição de bolsa de estudo o estudante que:
a) Satisfaça o previsto no artigo 3.º da presente lei;
b) Esteja matriculado um estabelecimento de ensino superior público;
c) Esteja inscrito a um mínimo de 30 ECTS, salvo nos casos em que:
i) O estudante se encontre inscrito a um número de ECTS inferior, em virtude de se encontrar a finalizar
o ciclo de estudos;
ii). Estar matriculado em regime de tempo parcial;
iii) Não se possa inscrever num mínimo de 30 ECTS devido a normas regulamentares referentes à
inscrição na tese, dissertação, projeto ou estágio do curso.
iv) Doença do próprio ou de familiar;
v) Alteração significativa das circunstâncias pessoais e familiares do candidato;
vi) Exercício de direitos de maternidade e paternidade, nos termos da Lei n.º 90/2001, de 20 de agosto.
d) Tenha um rendimento líquido mensal per capita do agregado familiar igual ou inferior a 1,5 IAS;
Página 294
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
294
e) Seja titular do grau de licenciado ou de mestre abrangidos pelo disposto no artigo 46.º-B aditado ao
Decreto-Lei n.º 74/2006, de 24 de março, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 63/2016, de 13 de
setembro.
Artigo 28.º
Rendimento Líquido Mensal
1 – Para efeitos do presente diploma considera-se rendimento líquido mensal, adiante designado por RLmpc,
o quantitativo que resulta da divisão por 14 dos rendimentos anuais líquidos auferidos por todos os elementos
do agregado familiar no ano anterior.
2 – Para efeitos do disposto do número anterior consideram-se rendimentos:
a) O valor mensal de todos os ordenados, salários e outras remunerações, incluindo os subsídios de natal e
de férias, com exceção dos restantes subsídios e prémios previstos em legislação própria;
b) O valor mensal de subsídios de desemprego;
c) Os valores provenientes de outras fontes de rendimento, com exceção do abono de família e das
prestações complementares.
3 – O rendimento calculado nos termos previstos do número anterior é, mediante análise específica da
situação e das suas implicações, objeto de abatimento não superior a 10% quando se verifique uma ou mais
das seguintes situações:
a) Do agregado familiar fazerem parte dois ou mais estudantes, nomeadamente se se tratar de estudantes
do ensino superior;
b) O rendimento familiar provir apenas de pensões, reformas, subsídio de desemprego, rendimento mínimo
garantido ou outras prestações sociais;
c) Verificar-se doença que determine incapacidade para o trabalho daquele que seja suporte económico do
agregado familiar;
d) O estudante possuir um grau de incapacidade igual ou superior a 60%, comprovado através de um
atestado médico de incapacidade multiuso, atendendo à situação específicas e às despesas que o estudante
tenha de realizar;
e) Ter o estudante obtido aproveitamento escolar em todas as disciplinas ou na totalidade dos créditos
previstos no currículo do ano curricular do curso superior em que se encontrava inscrito no ano letivo anterior
àquele em que requer a atribuição de bolsa de estudo.
Subsecção IV
Valor e complementos de bolsa de estudo
Artigo 29.º
Valor da bolsa máxima
1 – A bolsa máxima, doravante Bm, corresponde a 12 vezes o valor do Indexante de Apoios Sociais (IAS)
em vigor no início do ano letivo, acrescido do valor da propina máxima fixada anualmente para cada um dos
ciclos do ensino superior, nos termos legais em vigor.
2 – A bolsa máxima dos estudantes em regime de tempo parcial corresponde a 6 vezes o valor o IAS em
vigor no início do ano letivo, acrescido do valor da propina máxima fixada anualmente para cada um dos ciclos
do ensino superior, nos termos legais em vigor.
3 – O valor da bolsa de estudo é calculado da seguinte fórmula:
a) Se o RLmpc for igual ou inferior a 1.5 IAS, é atribuída o valor da bolsa máxima previsto no n.º 1 do presente
artigo;
b) Se o RLmpc for superior a 1,5 IAS e igual ou inferior a 2,5 IAS o valor da bolsa é calculado segundo a
fórmula:
Bm x (2,5 – RLmpc/IAS)
Página 295
11 DE DEZEMBRO DE 2019
295
4 – A bolsa é atribuída aos estudantes que pertencem a agregados familiares com rendimento líquido mensal
per capita igual ou inferior a 2,5 IAS.
5 – O montante das bolsas de estudo a determinar em cada ano nos termos do número anterior não pode
ser inferior ao montante estabelecido para o ano anterior acrescido da taxa de inflação entretanto verificada.
6 – O pagamento da bolsa é feito em cada ano letivo diretamente ao estudante em 10 frações, através de
transferência bancária, até ao dia 8 de cada mês.
Artigo 30.º
Processo de candidatura
1 – O processo de candidatura a apoio no quadro da ação social escolar decorre anualmente, sendo o
processo renovado automaticamente no ano subsequente no caso de estudante a quem já tenha sido atribuída
bolsa de estudo.
2 – Sempre que se verifiquem alterações na sua situação económica ou na do seu agregado familiar, o
estudante deve submeter requerimento de reapreciação do processo tendo em vista, conforme os casos, a
atribuição de bolsa de estudo ou a alteração do valor da bolsa de estudo atribuída.
3 – Os requerimentos, as comunicações, notificações e restante processo, são efetuados por via eletrónica
ou junto dos serviços de ação social de cada uma das instituições, sem prejuízo da sua apresentação em papel
em casos excecionais.
Secção V
Outros Apoios
Artigo 31.º
Outros apoios
As modalidades de apoio social previstas nos artigos anteriores não excluem a adoção de outras que pela
sua natureza se enquadrem nos objetivos gerais do apoio social aos estudantes do ensino superior,
nomeadamente:
a) Auxílios de emergência, de natureza excecional, face a situações económicas especialmente graves, que
ocorram durante o ano letivo e que não sejam enquadráveis no processo;
b) Apoios aos estudantes em mobilidade, garantindo o direito à perceção da bolsa enquanto se encontrem
em mobilidade e um complemento mensal no âmbito do Programa Erasmus +;
c) Complemento de bolsa para estudantes que comprovadamente sejam portadores de deficiência física,
sensorial ou outra, nos termos legais em vigor, com um grau de incapacidade igual ou superior a 60%,
devidamente comprovada através de atestado de incapacidade passado por junta médica;
d) Apoio à infância com a disponibilização de vagas em creche ou jardim-de-infância, de acordo com as
necessidades das instituições.
CAPÍTULO V
Disposições Finais
Artigo 32.º
Divulgação
1 – A Direção-Geral do Ensino Superior publica, semanalmente, no seu sítio da Internet, informação
estatística sobre a situação do processo de atribuição de bolsas de estudo em cada instituição de ensino superior
pública e privada.
2 – Para cada instituição é publicada, pelo menos, a seguinte informação:
a) Número de requerimentos submetidos;
Página 296
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
296
b) Número de requerimentos a que falta a informação necessária para a análise técnica, com a seguinte
desagregação:
i) Inscrição no ano letivo;
ii) Informação académica;
iii) A aguardar outra informação.
c) Número de requerimentos que dispõem da informação necessária para a análise técnica, com a seguinte
desagregação:
i) Em apreciação pelos serviços;
ii) A aguardar interação com o estudante;
d) Número de requerimentos com decisão, com a seguinte desagregação:
i) Número de requerimentos em audiência de interessados;
ii) Número de requerimentos com decisão final;
e) Número de requerimentos indeferidos e respetivas causas de indeferimento.
Artigo 33.º
Constituição do CNASES
O CNASES é constituído no prazo de 60 dias após a publicação da presente lei.
Artigo 34.º
Regulamentação
Compete ao Governo, ouvido o CNASES, regulamentar a presente lei no prazo de 6 meses após a sua
publicação.
Artigo 35.º
Norma revogatória
São revogados os seguintes diplomas:
a) O Decreto-Lei n.º 129/93, de 22 de abril, alterado pela Lei n.º 113/97, de 16 de setembro, pelo Decreto-
Lei n.º 120/2007, de 3 de maio, pela Lei n.º 62/2007, de 10 de setembro e pelo Decreto-Lei n.º 204/2009, de 31
de agosto, que estabelece as bases do sistema de ação social no âmbito das instituições de ensino superior;
b) O Despacho n.º 5404/2017 e posteriores alterações;
c) O artigo 128.º da Lei n.º 62/2007, de 10 de setembro.
Artigo 36.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor com a publicação da Lei do Orçamento do Estado posterior à sua aprovação.
Artigo 37.º
Produção de efeitos
As revogações previstas do artigo 35.º produzem efeitos no ano letivo subsequente à aprovação e publicação
do diploma regulamentador da presente lei.
Assembleia da República, 11 de dezembro de 2019.
Página 297
11 DE DEZEMBRO DE 2019
297
Os Deputados do PCP: Ana Mesquita, Alma Rivera, Paula Santos, João Oliveira, António Filipe, Jerónimo de
Sousa, Bruno Dias, Diana Ferreira, João Dias, Duarte Alves.
———
PROJETO DE LEI N.º 155/XIV/1.ª
CRIA O PLANO NACIONAL PARA A PREVENÇÃO ESTRUTURAL DOS EFEITOS DA SECA E SEU
ACOMPANHAMENTO
Exposição de motivos
Em Portugal, os cada vez mais frequentes períodos de seca, tem provocado efeitos muito negativos sobre
as atividades económicas e a vida das comunidades. Repercussões negativas ao nível do aproveitamento
agrícola e da atividade pecuária, e dificuldades no acesso das populações à água, são situações em que a
resposta se tem baseado em medidas de emergência, para contingência imediata dos danos.
A realidade atual evidencia a enorme fragilidade que o país enfrenta para se ultrapassar de forma estruturada,
consistente e perene no tempo situações sistémicas de seca. Tal fragilidade resulta das opções políticas
exercidas por sucessivos Governos, da opção de não avançar com medidas de fundo ou não concretizar
investimentos previstos ao longo dos anos em diversos instrumentos de planeamento.
As consequências desta prática são a falta de capacidade de armazenamento de água necessária para
responder aos efeitos da seca, tal como é reconhecido por múltiplas entidades ligadas ao sector da água, a
deficiente utilização sustentável da água nos diferentes domínios e o comprometimento do exercício de algumas
importantes atividades económicas.
A escassez de água e as situações de seca grave registadas no território nacional afetam a capacidade de
abastecimento de água para consumo humano, as atividades agrícola e agropecuária e mesmo a indústria. Há
localidades que estão a ser abastecidas por autotanques, há animais sem alimentação e sem água, há culturas
que não serão certamente produzidas.
Nos últimos 10 anos, só em 2014 é que Portugal não registou situações de seca no final do mês de setembro.
E em 5 dos 10 anos considerados, Portugal apresentava quase a sua totalidade do território em situação de
seca, registando-se em outubro de 2019 que apenas 6,8% do território se encontrava em situação normal, e
31,9% do território apresentava condições de seca severa e 4,3% de seca extrema.
A prevalência no tempo e a maior frequência com que as condições de seca ocorrem traduzem-se em
menores volumes de armazenamento das albufeiras e na escassez de água para diferentes utilizações, sendo
o Alentejo, e em particular a região hidrográfica do Sado, uma das zonas mais vulneráveis a estes efeitos,
apresentando em novembro de 2019 uma disponibilidade hídrica da ordem de apenas 25,1%.
Também as regiões do Barlavento e Arade detinham, em novembro de 2019, disponibilidades hídricas
inferiores a 40%, com apenas as cinco regiões localizadas mais a norte a apresentarem disponibilidades hídricas
superiores à média dos últimos 20 anos. A análise dos dados disponíveis evidencia a situação crítica de
armazenamento de algumas albufeiras, com cinco das 59 albufeiras monitorizadas a revelarem índices de
armazenamento inferiores a 10% do seu nível de pleno armazenamento (NPA).
Se o armazenamento de recursos hídricos nas albufeiras tem vindo a apresentar valores críticos, também no
que se relaciona com a recarga dos aquíferos, os dados recolhidos não são mais animadores. De facto, no mês
de novembro 2019, os níveis piezométricos em 143 pontos observados em 26 massas de água subterrânea,
apresentaram-se, na generalidade, inferiores às médias mensais, demonstrando a deficiente recarga
subterrânea. Em 17 massas de água subterrânea distribuídas pelo sul do país, os níveis piezométricos
encontram-se, em novembro de 2019, significativamente inferiores aos valores médios mensais de referência.
A atual situação coloca ao país um enorme desafio para o futuro. É preciso preparar o país para ter
capacidade de responder às situações semelhantes que se estima, como o indiciam as condições climatéricas
registadas nos últimos anos, poderem ocorrer com maior frequência e gravidade.
Página 298
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
298
Para além das medidas excecionais que são necessárias adotar, é preciso também definir medidas de
carácter estrutural, que possibilitem uma maior capacidade de armazenamento de água. É preciso preparar um
plano que vá para além das medidas de mitigação e contingência, um plano que, a partir da realidade concreta
e da previsão das necessidades, planeie os investimentos necessários, definindo inclusivamente os horizontes
temporais para a sua concretização. É urgente um plano que no âmbito da hierarquização do uso da água em
condições de seca, privilegie o uso da água para uso humano, a saúde pública, a pequena e média agricultura
adaptada às condições edafoclimáticas do País, a pequena e média indústria e a salvaguarda dos rendimentos
dos trabalhadores, e ainda o serviço dos ecossistemas.
Faz falta um plano que permita ir mais longe na preparação do país para enfrentar futuros fenómenos de
seca, de forma a prevenir e minimizar os seus efeitos e não ficar somente pela adoção de medidas de
contingência e excecionais, hoje mais necessárias, pela falta de preparação e investimento no passado.
Para enfrentar os fenómenos extremos de seca Portugal precisa de desenvolver e implementar um plano
integrado em que se correlacionem as necessidades de utilização da água para múltiplos fins, com as
adequadas e possíveis capacidades de armazenamento, promovendo a utilização racional e eficiente da água
como fator de desenvolvimento económico e social, assente na universalidade de acesso a este recurso, em
detrimento da sua utilização massiva e da sua exploração numa base privada monopolista.
Assim, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do
Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte projeto de lei:
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei cria o Plano Nacional para a Prevenção Estrutural dos Efeitos da Seca, assegurando a
universalidade de acesso à água, bem como os mecanismos para o acompanhamento da sua implementação.
Artigo 2.º
Âmbito
a) O Plano Nacional para a Prevenção Estrutural dos Efeitos da Seca, adiante designado por Plano, é um
instrumento de planeamento das orientações, das medidas e das ações necessárias, em associação com os
investimentos em infraestruturas indispensáveis para dotar o país de capacidade de armazenamento de água e
de acessibilidade à água, para assegurar o abastecimento do consumo humano e o desenvolvimento das
atividades económicas, agropecuárias e industriais.
b) O Plano apresenta a estratégia e correspondentes medidas e ações nos âmbitos da prevenção, da
monitorização e da contingência para situações de seca.
c) O Plano apresenta os critérios a verificar no âmbito da autorização de utilização da água, de acordo com
os diferentes usos solicitados, e as condicionantes impostas, temporárias ou permanentes, de utilização da
água, em função da situação hidrológica e do estado de qualidade da água.
Artigo 3.º
Programas
1 – No âmbito do Plano serão desenvolvidos Programas destinados à concretização das orientações nas
diferentes áreas de interesse no que se relaciona com a seca, nomeadamente no que respeita ao
armazenamento, disponibilidade de recursos hídricos e utilização sustentada, devendo ser considerados, pelo
menos, os seguintes:
1 – Programa de reforço da capacidade de armazenamento de recursos hídricos.
2 – Programa de adaptação para as atividades agrícola.
3 – Programa de adaptação para as atividades agro-pecuárias.
Página 299
11 DE DEZEMBRO DE 2019
299
2 – O Plano integra um Programa de Execução onde, entre outros aspetos, se apresenta relação dos
investimentos previstos, a identificação das prioridades na sua execução e a calendarização para a sua
concretização.
3 – O Plano incluirá um Programa de Monitorização das Massas de Água existentes, nas vertentes
quantitativa e qualitativa, adaptado às necessidades de utilização de recursos para usos múltiplos.
Artigo 4.º
Programa de reforço da capacidade de armazenamento de recursos hídricos
1 – No âmbito do Plano será desenvolvido um Programa de reforço da capacidade de armazenamento de
recursos hídricos, adiante designado por Programa de Armazenamento de Água.
2 – O Programa de Armazenamento de Água integrará numa primeira fase o diagnóstico alargado da
situação atual em todo o território nacional quanto à capacidade instalada de armazenamento de água para
múltiplos fins e a identificação das áreas do território nacional onde a atual capacidade de armazenamento é
insuficiente e onde é urgente apresentar projetos de reverter essa situação.
3 – Nas áreas em que a capacidade de armazenamento de recursos hídricos não é já suficiente para suprir
as necessidades de abastecimento de água às populações, serão desenvolvidos, com carácter de urgência, os
projetos de infraestruturas hidráulicas destinadas a resolver estas necessidades, para assegurar o
abastecimento público de água.
4 – No âmbito do Programa de Armazenamento de Água serão criados mecanismos específicos de apoio ao
desenvolvimento e execução de projetos coletivos que promovam a coleta, armazenamento e distribuição de
águas pluviais para utilização agrícola e pecuária, assentes na criação de sistemas separativos de recolha.
5 – No Programa de Armazenamento de Água serão apresentadas medidas específicas de apoio ao
investimento destinadas à elaboração de projetos e à construção de pequenas reservas de água superficial,
nomeadamente charcas, dando prioridade aos projetos promovidos por pequenos e médios agricultores.
6 – O Programa de Armazenamento de Água apresenta a relação de medidas a tomar com vista à
interligação de grandes barragens com barragens e albufeiras de dimensão pequena a moderada densificando
a rede de pontos de água superficial disponíveis no território nacional, identificando as áreas de influência destes
pontos de água e disponibilidades hídricas que se prevê estarem asseguradas.
7 – Considerando a variabilidade territorial da capacidade instalada para armazenamento de água e a
variabilidade das disponibilidades hídricas entre bacias hidrográficas, o Programa de Armazenamento de Água
apresentará as propostas de transferência de recursos hídricos entre bacias hidrográficas e entre diferentes
reservatórios com vista a uma melhor distribuição da disponibilidade de água ao longo do território nacional.
8 – Assente nos diferentes cenários desenvolvidos no âmbito das previsões relativamente às alterações
climáticas e à intensificação de ocorrência de seca o Programa de Armazenamento de Água considera o
desenvolvimento dos projetos necessários para dar resposta às novas necessidades de armazenamento de
água decorrentes da intensificação de fenómenos de seca.
Artigo 5.º
Programa de adaptação para as atividades agrícolas
a) No âmbito do Plano será desenvolvido um Programa de Adaptação para as Atividades agrícolas, adiante
designado por Programa de Adaptação Agrícola;
b) O Programa de Adaptação Agrícola engloba a estratégia para o uso agrícola da água, estabelecendo as
limitações ao seu uso e a promoção de produções tendo em conta as espécies e variedades tradicionais mais
adaptadas às condições do país e às exigências hídricas das novas plantações e de novas práticas agrícolas
com espécies tradicionais;
c) O Programa de Adaptação Agrícola incluirá medidas para restringir o uso sistemático ou rotineiro de água
em culturas tradicionalmente não regadas como o olival, a vinha e pomares de frutos secos, salvo em situações
excecionais em que os níveis de stress hídrico o justifiquem (nomeadamente quando esteja em causa o possível
risco de morte da espécie produtora);
Página 300
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
300
d) No âmbito do Programa de Adaptação Agrícola será desenvolvida uma estratégia nacional para a
atividade agrícola em regime de sequeiro, envolvendo as entidades oficiais com interesse para o sector e as
entidades representativas de agricultores, produtores pecuários e produtores florestais, tendo como objetivos:
1. Desenvolver um programa de investigação e desenvolvimento para a recuperação/utilização de
variedades de sementes tradicionais autóctones que requeiram práticas produtivas melhor adaptadas aos
condicionalismos ambientais, assentes numa utilização mais racional dos recursos – água e solo e melhor
preparadas para resistir ao ataque de agentes bióticos.
2. Estabelecer uma rede mínima de produtores de cereais autóctones em terras de boa aptidão para essas
culturas, criando linhas de apoio dedicadas à produção de cereais autóctones que permitam aos pequenos e
médios agricultores optar por sistemas produtivos ambientalmente mais sustentáveis.
3. Apresentar um conjunto de medidas a concretizar destinadas a assegurar o escoamento da produção de
cereais de variedades autóctones, garantindo um preço justo aos seus produtores.
e) O Programa de Adaptação Agrícola apresentará os mecanismos e medidas para apoio ao investimento
para a construção e/ou recuperação de regadios tradicionais e regadios de pequena e média dimensão visando
incrementar a produção agrícola diversificada;
f) No âmbito do Programa de Adaptação Agrícola será desenvolvido um novo mecanismo tarifário modulado
em terrenos abrangidos por Aproveitamentos Hidroagrícolas do domínio público, do domínio do setor
empresarial do estado ou concessionados de modo a:
1 – Incentivar a utilização dos terrenos em regime tradicional, com menores necessidades hídricas,
assegurando menores custos de produção aos pequenos e médios agricultores, com prioridade aos
detentores do Estatuto da Agricultura Familiar, reduzindo para estes a taxa de manutenção aplicável.
2 – Aplicar taxas de manutenção mais elevadas aos produtores que pratiquem formas de cultura
intensiva ou superintensiva.
3 – Aplicar uma tarifa de manutenção muito reduzida aos agricultores que pratiquem regimes
extensivos de produção, em particular aos que optem por desenvolver culturas tradicionais de sequeiro,
isentando de pagamento os que, comprovadamente, façam agricultura sem utilização de água.
Artigo 6.º
Programa de adaptação para as atividades ago-pecuárias
1 – No âmbito do Plano será desenvolvido um Programa de Adaptação para as Atividades Agro-pecuárias,
adiante designado por Programa de Adaptação Agro-Pecuário.
2 – No Programa de Adaptação Agro-Pecuário serão apresentadas medidas de apoio específicas para os
produtores de raças autóctones, destinadas a salvaguardar a produção em situações de seca e carência hídrica.
3 – No desenvolvimento do Programa de Adaptação Agro-Pecuário será considerada a criação e reforço de
redes de depósitos de distribuição de água para abeberamento animal onde os produtores pecuários se podem
abastecer na observância de condições de seca.
4 – O Programa de Adaptação Agro-Pecuário incluirá o desenvolvimento e implementação de um Plano
Nacional de Forragens que responda às dificuldades criadas por condições abióticas adversas, em especial
condições de seca prolongadas, garantindo anualmente níveis de aprovisionamento de forragens e
componentes para rações para alimentação animal capazes de responder às necessidades dos pequenos e
médios produtores pecuários, em especial dos que detenham o Estatuto da Agricultura Familiar.
5 – No âmbito do Programa de Adaptação Agro-Pecuário serão estabelecidos mecanismos de apoio para a
concretização de projetos que prevejam a possibilidade tratamento de efluentes agrícolas e pecuários que
permitam a reutilização dos efluentes tratados, nomeadamente para rega e para lavagem de infraestruturas.
Página 301
11 DE DEZEMBRO DE 2019
301
Artigo 7.º
Critérios no âmbito da autorização de utilização da água
O Plano incluirá a proposta de critérios de autorização de utilização da água e as condicionantes impostas,
temporárias ou permanentes, de utilização da água, em função da situação hidrológica e do estado de qualidade
da água verificadas, tendo em conta a seguinte hierarquia:
a) A segurança de pessoas e bens face a desastres de causas naturais ou antrópicas;
b) A utilização domiciliária de água com qualidade adequada e a disponibilidade de água potável em fontes,
fontanários e chafarizes públicos;
c) A saúde pública;
d) A segurança de rendimentos de trabalho dependentes do acesso à água;
e) A sobrevivência de animais de criação doméstica e em vida selvagem assim como árvores e outras
plantas com períodos longos de substituição;
f) A segurança relativamente a contaminação ou sobre-exploração de aquíferos e à eutrofização ou
degradação da qualidade das albufeiras;
g) A capacidade de depuração do meio hídrico e a qualidade física, química e biológica da água e a
manutenção dos caudais ecológicos;
h) A manutenção de reservas que assegurem estas funções durante o período de estiagem e em caso de
seca prolongada.
Artigo 8.º
Elaboração, Monitorização e Acompanhamento do Plano
1 – Cabe ao Governo a elaboração do Plano Nacional para a Prevenção Estrutural dos Efeitos da Seca e
respetivos Programas associados, sendo para tal criada a Comissão de Elaboração, Monitorização e
Acompanhamento do Plano, adiante designada de Comissão.
2 – O Plano, os Programas associados assim como os critérios de hierarquização do uso da água são
submetidos à apreciação da Assembleia da República.
3 – O Governo apresenta o Plano à Assembleia da República no prazo de 180 dias a contar da entrada em
vigor da presente Lei.
4 – O Plano é revisto em cada de cinco anos, sem prejuízo de poder ser revisto num período mais curto,
quando se verifique alteração de cenários e previsões, devidamente justificadas.
5 – No momento da apresentação do Plano à Assembleia da República, o Governo estabelece as estruturas
do Estado necessárias à sua implementação e identifica as medidas necessárias ao seu reforço.
6 – A Comissão tem a seu cargo a monitorização e o acompanhamento da implementação do Plano, nas
suas múltiplas componentes, elaborando e apresentando à Assembleia da República, até 31 de dezembro de
cada ano, um relatório anual relativo ao ano hidrológico, sobre a execução do Plano.
7 – Está acometida à Comissão o acompanhamento da avaliação da disponibilidade das águas superficial e
subterrânea e o seguimento da sua caracterização qualitativa para usos múltiplos, devendo ser produzido um
relatório anual de acompanhamento o qual deve ser apresentado à Assembleia da República, até 31 de
dezembro de cada ano.
Artigo 9.º
Direitos dos Titulares do Estatuto da Agricultura Familiar
Em todas as medidas e apoios públicos previstos na presente lei, os titulares do Estatuto da Agricultura
Familiar, têm prioridade e direito a apoio técnico dedicado por parte das estruturas do Ministério da Agricultura.
Página 302
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
302
Artigo 10.º
Comissão de Elaboração, Monitorização e Acompanhamento do Plano
1 – A Comissão de Elaboração, Monitorização e Acompanhamento do Plano, referida no n.º 1 do Artigo 8.º
da presente Lei, é composta por elementos designados pelas seguintes entidades:
1 – Ministério do Ambiente e da Ação Climática.
2 – Ministério da Coesão Territorial.
3 – Ministério da Agricultura.
4 – Ministério da Saúde.
5 – Ministério da Economia.
6 – Agência Portuguesa do Ambiente (APA).
7 – Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regionais (CCDR).
8 – Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF).
9 – Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC).
10 – Confederações representativas dos Agricultores e Produtores Pecuários.
11 – Associação Nacional dos Municípios Portugueses.
12 – Associação Nacional de Freguesias.
2 – Cada Grupo Parlamentar da Assembleia da República designará um elemento para integrar a Comissão.
3 – A Comissão é coordenada pelo Ministro do Ambiente e da Ação Climática.
4 – A Comissão funciona em permanência.
5 – Sempre que necessário, a Comissão pode ser coadjuvada pela Comissão Permanente de Prevenção,
Monitorização e Acompanhamento dos Efeitos da Seca e o respetivo Grupo de Trabalho criados pela Resolução
de Conselho de Ministros n.º 80/2017.
Artigo 11.º
Disposições Orçamentais
1 – A lei que aprova o Orçamento do Estado prevê a inscrição da dotação financeira afeta à concretização
dos investimentos a realizar no âmbito do Plano e dos Programas criados na presente lei.
2 – As dotações relativas à concretização do Plano e dos Programas decorrentes da presente lei estão
excluídas de cativações orçamentais.
3 – Para dar concretização ao Plano e aos Programas, admite-se o financiamento através do recurso a
fundos comunitários.
Artigo 12.º
Regulamentação
O Governo regulamenta a presente Lei no prazo de 30 dias após a sua entrada em vigor.
Artigo 13.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
Assembleia da República, 11 de dezembro de 2019.
Os Deputados do PCP: João Dias, Bruno Dias, João Oliveira, António Filipe, Paula Santos, Jerónimo de
Sousa, Alma Rivera, Duarte Alves, Ana Mesquita, Diana Ferreira.
———
Página 303
11 DE DEZEMBRO DE 2019
303
PROJETO DE LEI N.º 156/XIV/1.ª
FAIXAS DE SALVAGUARDA E REGIME DE AVALIAÇÃO DE INCIDÊNCIAS AMBIENTAIS (AINCA) DE
EXPLORAÇÕES AGRÍCOLAS EM REGIME INTENSIVO E SUPERINTENSIVO
Exposição de motivos
O Sistema Agrícola em Portugal tem sofrido um conjunto acentuado de alterações, das quais se destacam,
pela sua relevância, a alteração do regime de produção com o crescimento de áreas de regadio, a alteração
cultural aumentando as áreas de produção contínua intensiva e superintensiva de culturas permanentes, de que
são exemplo o olival, o amendoal e a vinha, e a concentração da propriedade com o aumento da área média
das explorações agrícolas.
O modo de produção agrícola superintensivo assenta numa sobreexploração da terra, com plantações em
compassos reduzidos, traduzindo-se numa elevada densidade de ocupação do solo, a que se associam
consumos de água superiores aos tradicionais e a utilização massiva de agroquímicos – fertilizantes e pesticidas
– e com uma durabilidade das plantações que raramente ultrapassa os 20 anos.
Este modo de produção tem vindo a ser implantado de forma acentuada no território português, com particular
destaque para a região do Alentejo onde se concentram 187 075 hectares de olival, muitos em regime
superintensivo, dos 358 886 hectares registados para o território nacional.
Esta realidade é particularmente sentida na área de influência do Empreendimento de Fins Múltiplos de
Alqueva (EFMA) com o crescimento das áreas reservadas às monoculturas de olival, vinha e amendoal,
contando-se em 2018 com 52 327 hectares de olival, 6 994 hectares de amendoal e 4 461 hectares de vinha
dos 120 000 hectares de regadio concluídos desde 2016. Esta realidade revela que cerca de 53% da área de
regadio disponível se encontra ocupada por estas culturas permanentes, quase duplicando a sua importância
no cenário ocupacional cultural considerado na avaliação de impactes dos Projetos associados ao EMFA, que
previa que apenas 30% do território infraestruturado fosse ocupado por culturas permanentes e em que o regime
de exploração se intensifica.
A intensificação destas culturas em áreas contínuas de grande dimensão constitui por si só um risco elevado
das plantações à exposição a agentes bióticos nocivos, requerendo uma atenção redobrada a que se associa
como prática comum a intensificação da utilização de pesticidas para controlo das pragas, em muitos casos
aplicados com recurso a pulverização aérea e pulverização a alta pressão.
O recurso a este tipo de tratamento em grandes extensões, realizadas na proximidade ou abrangendo áreas
sensíveis quer no que se refere a ocupação humana, quer no que se refere a áreas com estatuto ecológico de
proteção levanta preocupações que deverão ser tidas em conta visando acautelar efeitos nocivos quer do ponto
de vista da qualidade de vida e da saúde pública das populações, quer da salvaguarda dos valores naturais,
induzindo a contaminação de zonas habitadas, do solo e dos recursos hídricos em presença, impactes que não
têm vindo a ser avaliados de forma sistemática.
A comunidade científica é unânime em reconhecer que a intensificação das monoculturas é um fator que
condiciona a biodiversidade dos habitats, passando estas áreas a serem ocupadas por espécies menos
exigentes, com perda das espécies de maior valor conservacionista. Uma análise, ainda que ligeira, dos
diferentes estudos de impacte ambiental que vão sendo produzidos no País para projetos agrícolas é disso
testemunho, sendo frequente afirmar-se que as áreas ocupadas por monoculturas em regime intensivo
correspondem do ponto de vista estrutural a uma etapa extrema de degradação, sendo pobres do ponto de vista
botânico e sem interesse do ponto de vista da conservação das espécies, constituindo igualmente um fraco
suporte para as espécies faunísticas.
E se a manutenção das plantações e a sua salvaguarda contra pragas constitui fonte de contaminação e
risco para as populações limítrofes, também as operações de colheita mecanizada efetuadas durante a noite
constituem ações que põem em risco a sobrevivência da avifauna que utiliza este suporte arbóreo como abrigo,
apesar de maioritariamente não integrarem espécies de elevado valor conservacionista.
Página 304
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
304
A prática de regimes culturais superintensivos ao longo de extensas áreas impõe um conjunto de pressões
sobre o solo, os recursos hídricos superficiais e subterrâneos, a biodiversidade e as populações que está longe
de se encontrar avaliado e longe de se conhecerem as suas consequências a prazo.
Na realidade o Decreto-Lei n.º 152-B/2017, de 11 de dezembro, que define o regime jurídico da avaliação de
impacte ambiental (RJAIA) dos projetos públicos e privados suscetíveis de produzirem efeitos significativos no
ambiente contempla no n.º 1 do Anexo II a necessidade de se efetuar a Avaliação de Impactes Ambientais de
projetos agrícolas com abrangências mínimas que podem variar entre os 50 hectares e os 2000 hectares,
dependendo do tipo de projeto e da tipologia da área a intervencionar.
Contudo, se os projetos por si só não atingem os limites impostos para proceder à sua avaliação como
elemento de licenciamento uma vez que, por exemplo no Alentejo, a área média das explorações se cifra
atualmente em 67 hectares (tendo por base os dados estatísticos para 2017 publicados pelo INE), a coexistência
local de diferentes explorações semelhantes faz com que na globalidade estas ultrapassem largamente os
limites mínimos que justificam a avaliação ambiental de tais projetos, sem que a mesma lhes seja de facto
exigida.
Esta situação justifica a necessidade de se promover uma avaliação alargada das consequências da
intensificação da utilização da terra em modelos de monocultura intensiva e superintensiva, colmatando o vazio
que a consideração de cada projeto em separado permite.
Os grandes investimentos hidroagrícolas do País, têm promovido o aumento da produção de bens e de
riqueza, mas paralelamente tem estimulado a concentração da propriedade, concentração essa que está longe
de ser favorável à fixação de populações e à dinamização social das povoações, traduzindo-se antes no
aumento das preocupações ambientais e a destruição do património cultural.
Estas explorações em regime superintensivo não promoveram o povoamento, não reduziram o desemprego,
favoreceram a proliferação da precariedade e dos baixos salários; e não dinamizou substancialmente as
economias locais, a não ser uma ou outra empresa de fornecimento de serviços e equipamentos de regadio.
A multiplicidade de notícias que têm vindo a ser emitidas sobre a temática da agricultura intensiva e
superintensiva e as suas repercussões sobre o ambiente, a saúde humana e a qualidade de vida das populações
são prova da necessidade de se dar outra atenção a este assunto e avaliar qual a dimensão concreta deste
problema encontrando formas de solucionar as consequências perniciosas desta ocupação da terra, entre as
quais se considera estar a restrição à instalação de explorações superintensivas de larga escala, a
regulamentação da sua instalação na envolvente a áreas sensíveis e a opção pela descriminação positiva aos
pequenos e médios agricultores, nomeadamente os que verificam o estatuto da Agricultura Familiar.
Assim,considerando que a prática de regimes culturais superintensivos ao longo de extensas áreas impõe
um conjunto de pressões sobre o solo, os recursos hídricos superficiais e subterrâneos, a biodiversidade, o
património cultural e as populações, pressões que estão longe de estarem avaliadas e longe de se conhecerem
as suas consequências a prazo é necessário implementar um processo que regulamente a instalação de projetos
desta natureza, promova a avaliação de impactes dos mesmos, que proteja o ambiente e as populações.
Nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento,
os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte projeto de lei:
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei estabelece as faixas de salvaguarda e o regime de Avaliação de Incidências Ambientais
(AIncA) a que devem obedecer as explorações e projetos agrícolas destinados à produção agrícola em regime
intensivo e superintensivo.
Artigo 2.º
Definições
Para efeitos da presente Lei, entende-se por:
a) Exploração agrícola em regime tradicional aquela em que são utilizados compassos entre exemplares
que assegurem uma densidade média de ocupação cultural até um máximo de 300 árvores/hectare.
Página 305
11 DE DEZEMBRO DE 2019
305
b) Exploração agrícola em regime intensivo aquela em que são utilizados compassos entre exemplares que
conduzam a uma densidade média de ocupação cultural entre 300 árvores/hectare e 600 árvores/hectare.
c) Exploração agrícola em regime superintensivo aquela em que são utilizados compassos entre
exemplares que conduzam a uma densidade média de ocupação cultural entre superior a 600 árvores/hectare.
d) Faixa de salvaguarda corresponde a uma faixa de terreno com largura definida na qual se encontra
condicionado o exercício de atividades agrícolas em regime intensivo e superintensivo.
e) Avaliação de Incidências Ambientais (AIncA) é um procedimento análogo ao de Avaliação de Impactes
Ambientais, prévio ao licenciamento de projetos agrícolas em regime de exploração intensiva ou superintensiva,
destinado a avaliar os impactes locais dos projetos, através da identificação das principais condicionantes
existentes e dos fatores ambientais suscetíveis de serem afetados, bem como estabelecer medidas de
monitorização e medidas de minimização adequadas aos mesmos.
Artigo 3.º
Âmbito de aplicação
a) Estão sujeitas à verificação das faixas de salvaguarda definidas na presente Lei todas as explorações
agrícolas destinadas à produção agrícola em regime intensivo e superintensivo.
b) Estão sujeitos à aplicação do regime de Avaliação de Incidências Ambientais estabelecido na presente
Lei os projetos agrícolas destinados à produção agrícola em regime intensivo e superintensivo que não estando
sujeitos ao regime de Avaliação de Impacte Ambiental detenham área igual ou superior 50 hectares ou que,
tendo área inferior, se localizam contiguamente a outras explorações intensivas ou superintensivas detendo no
seu conjunto área superior a 175 hectares.
c) Estão ainda sujeitos à aplicação do regime de Avaliação de Incidências Ambientais estabelecido na
presente Lei os projetos agrícolas destinados à produção agrícola em regime intensivo e superintensivo que
interfiram com áreas onde esteja registado património histórico.
3 – Estão também sujeitos à aplicação do regime de Avaliação de Incidências Ambientais estabelecido na
presente lei os projetos agrícolas destinados à produção agrícola em regime intensivo e superintensivo, que se
insiram em zona de montado.
Artigo 4.º
Faixas mínimas de salvaguarda
1 – São estabelecidas como faixas de salvaguarda a respeitar no âmbito do exercício de atividades agrícolas
intensivas e superintensivas aquelas que resultam da aplicação dos seguintes critérios:
a) Numa faixa com largura de 500 m medida na horizontal, entre a extrema dos terrenos destinados à
atividade agrícola e o limite exterior dos perímetros urbanos, ou de conjuntos edificados de cariz não agrícola
não é autorizada a presença de ocupação agrícola em regime intensivo ou superintensivo.
b) Numa faixa com largura de 500 m medida na horizontal, entre a extrema dos terrenos destinados à
atividade agrícola e o limite das massas de água superficiais, não é autorizada a presença de explorações de
cariz intensivo ou superintensivo.
c) Numa faixa com largura de 1000 m medida na horizontal, entre a extrema dos terrenos destinados à
atividade agrícola e o limite exterior dos perímetros urbanos, conjuntos edificados de cariz não agrícola e das
massas de água superficiais, não é autorizada a realização de pulverização aérea pressurizada como meio de
tratamento fitossanitário das culturas.
2 – As regras estabelecidas no número anterior aplicam-se quer às culturas agrícolas a instalar, como às já
instaladas.
3 – A fiscalização do cumprimento das faixas de salvaguarda definidas no ponto 1 do artigo 4.º da presente
Lei é da responsabilidade dos serviços da Direção Regional da Agricultura e Pescas da área em que as
explorações agrícolas se inserem, sendo comunicado à CCDR da área competente os casos de incumprimento.
Página 306
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
306
Artigo 5.º
Avaliação de incidências ambientais
1 – A autorização de instalação de explorações agrícolas em regime intensivo ou superintensivo não sujeitas
ao Regime de Avaliação de Impacte Ambiental mas que se enquadrem nos limiares referidos no n.º 2 do artigo
3.º da presente lei é precedida de um procedimento de avaliação de incidências ambientais, a realizar pela
comissão de coordenação e desenvolvimento regional (CCDR) territorialmente competente, com base num
estudo de incidências ambientais apresentado pelo interessado.
2 – O estudo de incidências ambientais referido no número anterior deve enunciar os impactes locais dos
projetos em causa através da identificação das principais condicionantes existentes e dos descritores ambientais
suscetíveis de serem afetados, bem como prever medidas de monitorização e medidas de minimização e
recuperação aplicáveis.
3 – O conteúdo mínimo que o Estudo de Incidências Ambiental (EIncA) mencionado no número anterior
deverá conter, inclui a análise dos seguintes elementos:
a) Efeitos sobre o recurso solo – degradação estrutural, contaminação por agroquímicos, erosão, salinização
e desertificação.
b) Efeitos sobre os Recursos Hídricos Superficiais e Subterrâneos – aspetos quantitativos e qualitativos e
sua relação com a utilização racional da água e os cenários de alterações climáticas.
c) Efeitos sobre os recursos ecológicos e biodiversidade e sua relação com as orientações de preservação
e salvaguarda dos habitats e espécies com destacada relevância conservacionista.
d) Efeitos sobre a saúde pública e a qualidade de vida das populações, nomeadamente no âmbito de
potenciais alergénicos, degradação do ambiente atmosférico, aumento de incidência de problemas respiratórios
e condicionamento às atividades socioculturais.
4 – A autorização para instalação das explorações agrícolas mencionadas no n.º1 do presente artigo fica
dependente da emissão de uma Declaração de Incidências Ambientais favorável ou favorável condicionada.
Artigo 6.º
Procedimento de Avaliação de Incidências Ambientais
1 – A regulamentação do Procedimento de Avaliação de Incidências Ambientais para explorações agrícolas
abrangidas pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º da presente lei e respetivas taxas serão fixadas por portaria dos
membros do Governo responsáveis pelas áreas do ambiente, agricultura e desenvolvimento rural.
2 – Até que seja emitida a Portaria referida no número anterior, não pode ser autorizada a instalação de
projetos agrícolas abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º da presente lei.
Artigo 7.º
Consequências da Avaliação de Incidências Ambientais
a) Os projetos agrícolas sujeitos a Avaliação de Incidências Ambientais que tenham obtido Declaração de
Incidências Ambientais desfavorável não podem ser autorizados, ficando inviabilizada a sua instalação.
b) Os projetos agrícolas sujeitos a Avaliação de Incidências Ambientais que tenham obtido Declaração de
Incidências Ambientais favorável condicionada ficam inibidos de atribuição de apoios no âmbito do PDR2020 ou
seu sucessor.
Artigo 8.º
Contraordenações
1 – O incumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 4.º da presente lei constitui contraordenação punível com
coima.
2 – O incumprimento do disposto no artigo 5.º da presente lei constitui contraordenação punível com coima.
Página 307
11 DE DEZEMBRO DE 2019
307
3 – O regime de contraordenações e coimas referidas nos pontos 1 e 2 do artigo 8.º será objeto de
regulamentação pelo Governo.
Artigo 9.º
Prazos
O Governo, no prazo de 60 dias após a publicação da presente lei, procede à sua regulamentação e às
adaptações legislativas necessárias à sua implementação.
Artigo 10.º
Regime transitório
As explorações agrícolas em regime intensivo ou superintensivo existentes à data de entrada em vigor da
presente Lei têm 1 ano para dar cumprimento à verificação das faixas mínimas de salvaguarda referidas no
artigo 4.º da presente lei.
Artigo 11.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
Assembleia da República, 11 de dezembro de 2019.
Os Deputados do PCP: João Dias — Bruno Dias — João Oliveira — António Filipe — Paula Santos —
Jerónimo de Sousa — Alma Rivera — Duarte Alves — Ana Mesquita — Diana Ferreira.
———
PROJETO DE LEI N.º 157/XIV/1.ª
ALTERAÇÃO AO REGIME DO ARRENDAMENTO APOIADO PARA HABITAÇÃO
Exposição de motivos
Na sequência da luta das comissões e organizações de moradores e da intervenção do PCP foi possível
proteger os moradores e dar maior estabilidade, no sentido da salvaguarda do direito à habitação. As alterações
introduzidas no regime de arrendamento apoiado removeram aspetos extremamente negativos, impostos por
PSD e CDS, e que conduziam à precarização do direito à habitação, à instabilidade e insegurança, à facilitação
dos despejos e a valores de renda incomportáveis para as famílias tendo em conta os seus baixos rendimentos.
A aprovação da Lei n.º 32/2016, de 24 de agosto, incorporou um conjunto de melhorias, que resultam do
contributo e das propostas do PCP, designadamente:
– A possibilidade das regiões autónomas e das autarquias terem os seus próprios regulamentos atendendo
às suas especificidades e que não podendo conduzir a normas menos favoráveis quanto ao cálculo do valor de
renda nem às garantias de manutenção do contrato de arrendamento;
– A consideração do rendimento mensal líquido para o cálculo do valor da renda, ao invés do rendimento
mensal bruto, como era até aqui;
– O aumento das deduções para o cálculo do valor de renda por dependente, para os idosos e para as
famílias monoparentais;
– A possibilidade da atualização do valor de renda, a qualquer momento, sempre que haja alterações de
rendimento e da composição do agregado familiar;
Página 308
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
308
– A redução da taxa de esforço máxima para o valor de 23%;
– O alargamento do conceito de dependente para o elemento do agregado familiar com idade inferior a 26
anos e que não aufira qualquer rendimento mensal líquido superior ao IAS, ultrapassando a restrição da
exigência de frequência de um estabelecimento de ensino;
– A garantia de uma maior estabilidade aos contratos de arrendamento apoiado por 10 anos, renovando-se
por iguais períodos, em vez da renovação por períodos de dois anos;
– A eliminação de um conjunto vasto de mecanismos que conduziam ao despejo dos moradores e a redução
dos impedimentos para aceder à habitação social;
– A adequação da habitação a atribuir a pessoas com mobilidade reduzida;
– O alargamento dos critérios de exceção e do período de ausência da habitação, quer por questões de
ausência por prestação de trabalho, quer por questões de saúde ou de acompanhamento de pessoas com
deficiência ou com grau de incapacidade superior a 60%;
– A eliminação de todas as remissões da lei para o regime do arrendamento urbano, altamente penalizadora
para os moradores, remetendo ora para os regulamentos próprios dos senhorios, ora para o Código Civil ou
Código do Procedimento Administrativo;
– E a possibilidade de as entidades proprietárias excluírem da aplicação da lei as habitações que, pelo seu
estado de degradação ou de desadequação de tipologia construtiva, não possam ser consideradas oferta
habitacional adequada às exigências atuais.
Houve, no entanto, um conjunto de propostas do PCP que permitiam uma maior redução do valor da renda,
mais compatível com o verdadeiro rendimento dos moradores, que foram rejeitadas com os votos contra de PS,
PSD e CDS e a abstenção do BE, nomeadamente:
– Que para o apuramento do rendimento mensal líquido não fossem considerados os rendimentos não
permanentes, como subsídios, prémios e remunerações resultantes de horas extraordinárias, nem fosse
considerado o abono de família;
– Que as deduções estivessem indexadas ao salário mínimo nacional e não ao indexante de apoios sociais;
– Que, para os idosos, fosse considerado um valor parcial das respetivas reformas, pensões e complemento
solidário para idosos quando os montantes fossem iguais ou inferiores a três salários mínimos nacionais.
E ainda a proposta do PCP de redução da taxa de esforço máxima para 15%, rejeitada por PS, PSD e CDS.
Os critérios utilizados no cálculo do valor de bolsa foi onde a nova lei do arrendamento apoiado menos
progrediu.
Embora se tenha verificado uma redução do valor de renda em função de cada situação concreta para grande
parte dos moradores, no geral os valores de renda continuam elevados. Essa é uma realidade sentida por muitos
moradores que continuam a reivindicar a introdução de novos critérios que conduzam a maiores reduções do
valor de renda, tendo em conta as suas reais condições económicas e sociais.
O Grupo Parlamentar do PCP respondendo às necessidades das famílias e dando continuidade à sua
intervenção na defesa do direito constitucional à habitação, propõe no presente projeto de lei a alteração ao
regime do arrendamento apoiado, centrando as suas propostas na alteração dos critérios para o cálculo do valor
de renda, nomeadamente a exclusão de rendimentos não permanentes, algumas prestações sociais e a taxa
social única na consideração do rendimento líquido; a indexação das deduções e majorações ao salário mínimo
nacional; uma maior majoração para os idosos e a determinação da taxa de esforço máxima em 15%.
Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do
Regimento, os Deputados da Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte projeto de lei:
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei procede à segunda alteração da Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro, alterada e republicada
pela Lei n.º 32/2016, de 24 de agosto, que «estabelece o novo regime do arrendamento apoiado para habitação
e revoga a Lei n.º 21/2009, de 20 de maio, e os Decretos-Leis n.os 608/73, de 14 de novembro, e 166/93, de 7
de maio», e regula a atribuição de habitações neste regime.
Página 309
11 DE DEZEMBRO DE 2019
309
Artigo 2.º
Alteração à Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro
Os artigos 3.º; 19.º; 21.º, 21.ºA, 22.º, 23.º e 39.º da Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro, alterada e
republicada pela Lei n.º 32/2016, de 24 de agosto, passam a ter a seguinte redação:
«Artigo 3.º
Definições
1 – Para efeito do disposto na presente lei, considera-se:
a) ...................................................................................................................................................................... ;
b) «Dependente», o elemento do agregado familiar que seja menor ou, que, tendo idade inferior a 26 anos,
não aufira rendimento mensal líquido superior ao salário mínimo nacional;
c) ...................................................................................................................................................................... ;
d) ...................................................................................................................................................................... ;
e) ...................................................................................................................................................................... ;
f) ....................................................................................................................................................................... :
i. ............................................................................................................................................................... ;
ii. (Revogado)
g) «Rendimento mensal corrigido» (RMC), o rendimento mensal líquido deduzido das quantias indicadas:
i.10% do salário mínimo nacional pelo primeiro dependente;
ii. 15% do salário mínimo nacional pelo segundo dependente;
iii.20% do salário mínimo nacional por cada dependente além do segundo;
iv. 10% do salário mínimo nacional por cada deficiente, que acresce aos anteriores se também couber
na definição de dependente;
v.10% do salário mínimo nacional por cada elemento do agregado familiar com idade igual ou superior
a 65 anos;
vi. 20% do salário mínimo nacional em caso de família monoparental;
vii.A quantia resultante da aplicação do fator de capitação, constante do anexo I da presente lei, ao
salário mínimo nacional.
2 – Para efeitos da alínea f) do número anterior, consideram-se rendimentos:
1 – O valor mensal de todos os ordenados, salários e outras remunerações, incluindo os subsídios
de Natal e de férias, mas excluindo a taxa social única e os restantes subsídios, prémios e remunerações
variáveis, tais como as referentes a horários por turnos e horas extraordinárias;
2 – O valor mensal de subsídios de desemprego e do rendimento social de inserção;
3 – O valor de quaisquer pensões, nomeadamente de reforma, aposentação, velhice, invalidez e
sobrevivência, bem como o complemento solidário para idosos;
4 – Os valores provenientes de outras fontes de rendimento, com exceção do abono de família e
das prestações complementares.
3 – Para efeitos do disposto na alínea c) do n.º 2, os valores das pensões de reforma, aposentação,
velhice, invalidez e sobrevivência e complemento solidário para idosos, iguais ou inferiores a três
salários mínimos nacionais, são considerados parcialmente, para efeitos de cálculo da taxa de esforço,
através da aplicação da seguinte fórmula:
Rt = 0,25×R(R/SMN+1),
Em que:
Rt = rendimento para efeito de cálculo da taxa de esforço;
R = valor das pensões de reforma, aposentação, velhice, invalidez e sobrevivência e complemento
solidário para idosos;
SMN = salário mínimo nacional.
Página 310
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
310
4 – (Anterior n.º 3).
Artigo 19.º
Duração e renovação do contrato
1 – O contrato de arrendamento apoiado é celebrado pelo prazo de 15 anos.
2 – ................................................................................................................................................................... .
3 – Na transição para o atual regime do arrendamento apoiado para habitação, os moradores mantêm
os direitos adquiridos, bem como o respetivo contrato.
Artigo 21.º
Valor da renda
O valor da renda em regime de arrendamento apoiado é determinado pela aplicação de uma taxa de esforço
ao rendimento mensal corrigido do agregado familiar, sendo a taxa de esforço (T) o valor, arredondado à
milésima, que resulta da seguinte fórmula:
T = 0,067×(RMC/SMN)
Em que:
T = taxa de esforço;
RMC = rendimento mensal corrigido do agregado familiar;
SMN = salário mínimo nacional.
Artigo 21.º-A
Taxa de esforço máxima
A taxa de esforço máxima não pode ser superior a 15% do rendimento mensal corrigido do agregado familiar
do arrendatário.
Artigo 22.º
Rendas máxima e mínima
1 – A renda em regime de arrendamento apoiado não pode ser de valor inferior a 1% do salário mínimo
nacional vigente em cada momento.
2 – ................................................................................................................................................................... .
Artigo 23.º
Atualização e revisão da renda
1 – ................................................................................................................................................................... .
2 – ................................................................................................................................................................... .
3 – ...................................................................................................................................................................
4 – ...................................................................................................................................................................
5 – ................................................................................................................................................................... .
6 – ................................................................................................................................................................... .
7 – (Revogado)
8 – ................................................................................................................................................................... .
9 – ................................................................................................................................................................... .
Página 311
11 DE DEZEMBRO DE 2019
311
Artigo 39.º
Aplicação no tempo
1 – ................................................................................................................................................................... .
2 – ................................................................................................................................................................... .
3 – ................................................................................................................................................................... .
4 – ................................................................................................................................................................... .
5 – Nos contratos em que regime do arrendamento apoiado já tenha sido aplicado a atualização do
valor da renda é feita de forma automática, prevalecendo sempre a aplicação do regime mais favorável
ao arrendatário, isto é, o que conduza ao valor de renda mais baixo.»
Artigo 3.º
Norma Revogatória
São revogados o ponto ii da alínea f) do artigo 3.º; o n.º 7 do artigo 23.º e o artigo 28.º-A da Lei n.º 81/2014,
de 19 de dezembro, alterada e republicada pela Lei n.º 32/2016, de 24 de agosto.
Artigo 4.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor com o Orçamento do Estado posterior à sua publicação.
Assembleia da República, 11 de dezembro de 2019.
Os Deputados do PCP: Bruno Dias — Duarte Alves — Paula Santos — João Oliveira — António Filipe —
Jerónimo de Sousa — Alma Rivera — Ana Mesquita — Diana Ferreira — João Dias.
———
PROJETO DE LEI N.º 158/XIV/1.ª
PROÍBE A CAÇA À RAPOSA, EXCLUI ESTA ESPÉCIE DA LISTA DE ESPÉCIES CINEGÉTICAS E
PROCEDE À ALTERAÇÃO AO DECRETO-LEI N.º 202/2004, DE 18 DE AGOSTO
Exposição de motivos
A raposa (Vulpes vulpes) é um mamífero canídeo de pequeno porte, pertencente à fauna selvagem e
bastante comum em Portugal. A espécie está presente em todo o território nacional, exceptuando-se as ilhas
dos Açores e da Madeira. Apesar de habitar preferencialmente em zonas de floresta, matagal e campos
agrícolas, pode também ser encontrada perto das zonas urbanas.
A raposa tem uma alimentação generalista omnívora baseada em coelhos, lebres, ratos e musaranhos,
pequenas aves, coleópteros, minhocas e outros invertebrados e frutos. Tem um papel importante no equilíbrio
e controlo das populações de pequenos roedores e, sendo também um animal necrófago, contribui para o
processo de decomposição e limpeza de cadáveres de animais no meio rural e florestal, ajudando a conter
doenças propagáveis por estes.
Tem como predadores naturais algumas águias, o bufo real e o lobo, entre outros. Para além dos predadores
naturais a raposa é ainda vítima de predação por cães domésticos e de atropelamentos nas estradas.
Página 312
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
312
Por sua vez, a caça vem acrescentar um peso significativo ao rol de ameaças à população de raposas. De
facto, segundo dados do ICNF, entre 2005 e 2015 terão sido abatidas em regime cinegético pelo menos 143 mil
raposas. É, aliás, comum, a quem passeia no espaço rural português, encontrar raposas mortas penduradas
em árvores, cercas ou vedações, como troféus exibidos numa expressão cultural que não se justifica, nem é
aceitável nos dias de hoje.
E se é verdade que, por vezes, se verifica um conflito entre criação de animais domésticos para alimentação
nas zonas rurais e predação por raposas, também é verdade que esse conflito é, na maior parte dos casos,
potenciado por uma proteção deficitária, seja por falta de cães de gado, tal como de resto sucede no caso do
lobo, seja por deficientes condições de abrigo e guarda.
Por isso, Os Verdes consideram fundamental um real intercâmbio entre as vertentes protecionistas e as
vertentes produtivas, porque é possível e desejável compatibilizá-las.
Ainda que o estatuto de conservação da raposa no nosso território não seja preocupante, como de resto não
o é para outras espécies, tal facto não justifica a sua inclusão na lista de espécies cinegéticas. Afinal estamos a
falar de uma espécie sem qualquer interesse gastronómico e que, ainda por cima, não representa,
comprovadamente, qualquer perigo, nem do ponto de vista da segurança, nem da saúde pública, nem do ponto
de vista dos ecossistemas do nosso País.
O Atlas dos Mamíferos Portugueses de 2017 recomenda estudos de monitorização desta espécie, cuja
dinâmica populacional não é suficientemente conhecida, apesar de ser provavelmente um dos mamíferos
carnívoros mais comuns no nosso território.
Ora, a preservação da biodiversidade e da função que as espécies desempenham nos ecossistemas faz
recair sobre nós a responsabilidade de atuar, de agir para que os estatutos de proteção, mesmo que com graus
diferenciados, não se limitem aos animais domésticos, fundamentalmente o cão e o gato, ou às espécies em
vias de extinção.
Na verdade, a responsabilidade que, enquanto humanos, nos é imputada no sentido de valorizar a
biodiversidade, convoca-nos a alargar o horizonte das nossas preocupações às espécies não ameaçadas de
extinção nos nossos dias, e a recusar sem quaisquer reservas, a teoria ou a ideia caduca e, nos dias de hoje,
desprovida de qualquer sentido, de que tudo o que mexe pode ser caçado.
Por isso mesmo, Os Verdes, não negando a importância cultural e económica que a atividade cinegética
assume no meio rural, não pretendem colocar em causa a sua existência com a presente iniciativa legislativa,
mas entendem que esta atividade deve cingir-se ao abate de espécies com valor gastronómico.
Bem sabemos que em discussões sobre esta matéria é muitas vezes convocado o argumento do controlo de
populações de espécies. Mas, no entendimento dos Verdes, o controlo da população não pode servir de base
para manter a raposa entre as espécies cinegéticas, até porque a haver necessidade de controlo de populações,
ela deve fazer-se sob a vigilância ou determinação de órgãos que devem ter como preocupação central a
erradicação de ameaças à biodiversidade, desde logo o Instituto para a Conservação da Natureza e das
Florestas (ICNF). Se o controlo de população de espécies é uma responsabilidade do Estado, deve ser o Estado
e só o Estado a concretizar esse controlo.
Neste contexto, o projeto de lei que o Partido Ecologista «Os Verdes» agora apresenta procura estabelecer
um mecanismo de proteção adequado para a referida espécie, sem colocar em causa aquilo a que se poderia
chamar a verdadeira caça, que, aliás, nunca por nunca, e sobretudo nos dias de hoje, poderá significar atingir
um animal pelo simples prazer de matar.
Assim, com o objetivo de retirar a raposa da lista de espécies cinegéticas, o Grupo Parlamentar Os Verdes
apresenta, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o seguinte projeto de lei:
Artigo 1.º
Objeto
1 – A presente Lei proíbe a caça à raposa, (Vulpes vulpes).
2 – Para efeitos do disposto no número anterior, a presente lei procede à oitava alteração ao Decreto-Lei n.º
202/2004, de 18 de agosto, que estabelece o «regime jurídico da conservação, fomento e exploração dos
Página 313
11 DE DEZEMBRO DE 2019
313
recursos cinegéticos, com vista à sua gestão sustentável, bem como os princípios reguladores da atividade
cinegética».
Artigo 2.º
Interdições
Excecionando os casos a que se refere o artigo 3.º da presente lei:
1 – É interdita a caça à raposa (Vulpes vulpes) não podendo esta espécie ser considerada cinegética.
2 – É ainda interdita a captura ou o abate de espécimes de raposa em qualquer altura do ano, assim como
a perturbação dos seus locais de reprodução e repouso.
Artigo 3.º
Correção de efetivos populacionais
Verificando-se a necessidade de se proceder à correção de efetivos populacionais de raposas a respetiva
correção só poderá ocorrer nas seguintes condições:
1 – A existência de censos consistentes, reconhecidos pelo organismo que tutela a conservação da natureza,
que comprovadamente revelem um excesso populacional que possa pôr em causa o equilíbrio dos ecossistemas
ou constituir perigo para a saúde pública.
2 – As correções populacionais só poderão ser efetuadas por pessoal técnico do organismo que tutela a
conservação da natureza, por processos definidos pela equipa técnica e em cada situação.
3 – O organismo que tutela a Conservação da Natureza deverá providenciar os meios humanos, materiais e
financeiros necessários para o regular acompanhamento da dinâmica das populações de melros no sentido de
melhor aferir da necessidade de proceder às ações previstas no número anterior.
Artigo 4.º
Lista de espécies cinegéticas
É retirada da lista de espécies cinegéticas constante do Anexo I do Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18 de agosto,
a raposa (Vulpes vulpes).
Artigo 5.º
Alterações ao Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18 de agosto
Os artigos 79.º, 84.º, 87.º, 89.º e 94.º do Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18 de agosto, passam a ter a seguinte
redação:
«Artigo 79.º
Armas de fogo
1 – ................................................................................................................................................................... .
2 – ................................................................................................................................................................... .
3 – ................................................................................................................................................................... .
4 – ................................................................................................................................................................... .
5 – ................................................................................................................................................................... .
6 – ................................................................................................................................................................... .
7 – Exceptua -se do disposto na alínea b) do n.º 3 a caça ao saca-rabos, durante as montarias e batidas de
caça maior realizadas em terreno ordenado, em que é permitido o uso de bala.
Página 314
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
314
Artigo 84.º
Cães de caça
1 – ................................................................................................................................................................... :
a) ..................................................................................................................................................................... ;
b) ..................................................................................................................................................................... ;
c) (Revogada).
2 – ................................................................................................................................................................... .
3 – ................................................................................................................................................................... .
4 – ................................................................................................................................................................... .
5 – ................................................................................................................................................................... .
6 – ................................................................................................................................................................... .
Artigo 87.º
Cavalo
1 – A utilização de cavalo só é permitida na caça às espécies de caça maior, à lebre e na caça de cetraria.
2 – ................................................................................................................................................................... .
Artigo 89.º
Dias de caça
1 – ................................................................................................................................................................... .
2 – ................................................................................................................................................................... .
3 – ................................................................................................................................................................... :
a) A caça de batida ao saca-rabos e a caça ao javali prevista no n.º 2 do artigo 105.º, nos meses de janeiro
e fevereiro, que pode ser exercida aos sábados;
b) A caça de cetraria e a caça com arco ou besta, que se exerce às quartas-feiras e aos sábados, não
coincidentes com dia de feriado nacional obrigatório.
4 – ................................................................................................................................................................... .
Artigo 94.º
Caça ao saca-rabos
1 – A caça ao saca-rabos pode ser exercida de salto, à espera e de batida.
2 – A caça ao saca-rabos pode ser permitida nos meses de outubro a fevereiro, inclusive, sem prejuízo do
disposto no número seguinte.
3 – Em terrenos cinegéticos não ordenados:
a) A caça de salto só pode ser permitida nos meses de outubro a dezembro, inclusive;
b) A caça de batida só pode ser permitida nos meses de janeiro e fevereiro e apenas nos locais e nas
condições estabelecidos em edital da DGRF.»
Artigo 6.º
Contraordenações
Constituem contra-ordenações a caça, o abate deliberado e a captura de espécimes de raposa, em qualquer
altura do ano, assim como a perturbação dos seus locais de reprodução e repouso, salvo as situações previstas
na presente lei.
Página 315
11 DE DEZEMBRO DE 2019
315
Artigo 7.º
Regime sancionatório
É aplicado à presente lei o regime sancionatório previsto no Capítulo XI do Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18
de agosto.
Artigo 8.º
Regulamentação
O Governo procede à regulamentação e adaptação do regime cinegético, nomeadamente o previsto no n.º 2
do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18 de agosto, tendo em conta as presentes alterações à Lei, no
prazo máximo de 30 dias a contar da data da publicação da presente lei.
Artigo 9.º
Entrada em vigor
O presente diploma entra em vigor no dia seguinte à sua publicação.
Assembleia da República, 11 de dezembro de 2019.
Os Deputados do PEV: José Luís Ferreira — Mariana Silva.
———
PROJETO DE LEI N.º 159/XIV/1.ª
PROÍBE A CAÇA AO SACA-RABOS, EXCLUI ESTA ESPÉCIE DA LISTA DE ESPÉCIES CINEGÉTICAS
E PROCEDE À ALTERAÇÃO AO DECRETO-LEI N.º 202/2004, DE 18 DE AGOSTO
O saca-rabos (Herpestes icneumon) é um mamífero carnívoro da família Viverridae, relativamente comum
nas paisagens e zonas rurais portuguesas. Habita em zonas de matagal e, raramente, em zonas de pouca
vegetação, encontrando-se a sua distribuição atual em praticamente todo o território continental português,
excetuando-se o noroeste do país. Tem uma alimentação variada, essencialmente carnívora, constituída
principalmente por répteis, anfíbios, aves, roedores coelhos e lebres. Insectos e matéria vegetal com valor
energético compõem também a sua dieta alimentar.
Até há pouco tempo acreditava-se que o saca-rabos fora introduzido pelo Homem na Península Ibérica, no
período islâmico, a partir das populações africanas. Estudos genéticos recentes vieram demonstrar que as
populações ibéricas são bem mais antigas do que o que se supunha, apresentando características diferenciadas
da congénere africana.
Segundo o Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal, o saca-rabos apresenta um estatuto de conservação
pouco preocupante (LC), mas tal facto não justifica a sua inclusão na lista de espécies cinegéticas. Afinal
estamos a falar de uma espécie sem qualquer interesse gastronómico e que, ainda por cima, não representa,
comprovadamente, qualquer perigo, nem do ponto de vista da segurança, nem da saúde pública, nem do ponto
de vista dos ecossistemas do nosso País.
A preservação da biodiversidade e da função que as espécies desempenham nos ecossistemas gera-nos a
responsabilidade de atuar para que os estatutos de proteção, mesmo que com graus diferenciados, não se
limitem aos animais domésticos, fundamentalmente o cão e o gato, ou às espécies em vias de extinção.
Na verdade, a responsabilidade que, enquanto humanos, nos é imputada no sentido de valorizar a
biodiversidade, convoca-nos a alargar o horizonte das nossas preocupações às espécies não ameaçadas de
Página 316
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
316
extinção nos nossos dias e a recusar sem quaisquer reservas, a teoria ou a ideia caduca e, nos dias de hoje,
desprovida de qualquer sentido, de que tudo o que mexe pode ser caçado.
Por isso mesmo, Os Verdes, não negando a importância cultural e económica que a atividade cinegética
assume no meio rural, não pretendem colocar em causa a sua existência com a presente iniciativa legislativa,
mas entendem que esta atividade deve cingir-se ao abate de espécies com valor gastronómico.
Bem sabemos que em discussões sobre esta matéria é muitas vezes convocado o argumento do controlo de
populações de espécies. Mas, no entendimento dos Verdes, o controlo da população não pode servir de base
para manter o saca-rabos entre as espécies cinegéticas, até porque a haver necessidade de controlo de
populações, ela deve fazer-se sob a vigilância ou determinação de órgãos que devem ter como preocupação
central a erradicação de ameaças à biodiversidade, desde logo o Instituto para a Conservação da Natureza e
das Florestas (ICNF). Se o controlo de população de espécies é uma responsabilidade do Estado, deve ser o
Estado e só o Estado a concretizar esse controlo.
Neste contexto, o projeto de lei que o Partido Ecologista «Os Verdes» agora apresenta procura estabelecer
um mecanismo de proteção adequado para a referida espécie, sem colocar em causa aquilo a que se poderia
chamar a verdadeira caça, que, aliás, nunca por nunca, e sobretudo nos dias de hoje, poderá significar atingir
um animal pelo simples prazer de matar.
Assim, com o objetivo de retirar o saca-rabos da lista de espécies cinegéticas, o Grupo Parlamentar Os
Verdes apresenta, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o seguinte projeto de lei:
Artigo 1.º
Objeto
1 – A presente Lei proíbe a caça ao saca-rabos (Herpestes icneumon).
2 – Para efeitos do disposto no número anterior, a presente Lei procede à alteração ao Decreto-Lei n.º
202/2004, de 18 de agosto, que estabelece o regime jurídico da conservação, fomento e exploração dos recursos
cinegéticos, com vista à sua gestão sustentável, bem como os princípios reguladores da atividade cinegética.
Artigo 2.º
Interdições
Excecionando os casos a que se refere o artigo 3.º da presente lei:
1 – É interdita a caça ao saca-rabos (Herpestes icneumon), não podendo esta espécie ser considerada
cinegética.
2 – É ainda interdita a captura ou o abate de espécimes de saca-rabos em qualquer altura do ano, assim
como a perturbação dos seus locais de reprodução e repouso.
Artigo 3.º
Correção de efetivos populacionais
Verificando-se a necessidade de se proceder à correção de efetivos populacionais de saca-rabos, a respetiva
correção só poderá ocorrer nas seguintes condições:
1 – A existência de censos consistentes, reconhecidos pelo organismo que tutela a Conservação da
Natureza, que comprovadamente revelem um excesso populacional que possa pôr em causa o equilíbrio dos
ecossistemas ou constituir perigo para a saúde pública;
2 – As correções populacionais só poderão ser efetuadas por pessoal técnico do organismo que tutela a
Conservação da Natureza, por processos definidos pela equipa técnica e em cada situação.
3 – O organismo que tutela a Conservação da Natureza deverá providenciar os meios humanos, materiais e
financeiros necessários para o regular acompanhamento da dinâmica das populações de melros no sentido de
melhor aferir da necessidade de proceder às ações previstas no número anterior.
Página 317
11 DE DEZEMBRO DE 2019
317
Artigo 4.º
Lista de espécies cinegéticas
É retirado da lista de espécies cinegéticas constante do Anexo I do Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18 de agosto,
o saca-rabos (Herpestes ichneumon).
Artigo 5.º
Alterações ao Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18 de agosto
Os artigos 79.º, 89.º e 94.º do Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18 de agosto, passa a ter a seguinte redação:
«Artigo 79.º
Armas de fogo
1 – ................................................................................................................................................................... .
2 – ................................................................................................................................................................... .
3 – ................................................................................................................................................................... .
4 – ................................................................................................................................................................... .
5 – ................................................................................................................................................................... .
6 – ................................................................................................................................................................... .
7 – Exceptua -se do disposto na alínea b) do n.º 3 a caça às raposas, durante as montarias e batidas de caça
maior realizadas em terreno ordenado, em que é permitido o uso de bala.
Artigo 89.º
Dias de caça
1 – ................................................................................................................................................................... .
2 – ................................................................................................................................................................... .
3 – ................................................................................................................................................................... :
a) A caça de batida à raposa e a caça ao javali prevista no n.º 2 do artigo 105.º, nos meses de janeiro e
fevereiro, que pode ser exercida aos sábados;
b) ..................................................................................................................................................................... .
4 – .................................................................................................................................................................... .
Artigo 94.º
Caça à raposa
1 – A caça à raposa pode ser exercida de salto, à espera e de batida, a corricão e, em terrenos ordenados,
no decurso de montarias.
2 – É permitida a utilização de chamariz.
3 – A caça à raposa pode ser permitida nos meses de outubro a fevereiro, inclusive, sem prejuízo do disposto
no número seguinte.
4 – Em terrenos cinegéticos não ordenados:
a) A caça de salto só pode ser permitida nos meses de outubro a dezembro, inclusive;
b) A caça de batida só pode ser permitida nos meses de janeiro e fevereiro e apenas nos locais e nas
condições estabelecidos em edital da DGRF.»
Página 318
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
318
Artigo 6.º
Contraordenações
Constituem contra-ordenações a caça, o abate deliberado e a captura de espécimes de saca rabos, em
qualquer altura do ano, assim como a perturbação dos seus locais de reprodução e repouso, salvo as situações
previstas na presente lei.
Artigo 7.º
Regime sancionatório
É aplicado à presente lei o regime sancionatório previsto no Capítulo XI do Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18
de agosto.
Artigo 8.º
Regulamentação
O Governo procede à regulamentação e adaptação do regime cinegético, nomeadamente o previsto no n.º 2
do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18 de agosto, tendo em conta as presentes alterações à Lei, no
prazo máximo de 30 dias a contar da data da publicação da presente lei.
Artigo 9.º
Entrada em vigor
O presente diploma entra em vigor no dia seguinte à sua publicação.
Assembleia da República, 11 de dezembro de 2019.
Os Deputados do PEV: José Luís Ferreira — Mariana Silva.
———
PROJETO DE LEI N.º 160/XIV/1.ª
PROÍBE A CAÇA AO MELRO, EXCLUI ESTA ESPÉCIE DA LISTA DE ESPÉCIES CINEGÉTICAS E
PROCEDE À ALTERAÇÃO AO DECRETO-LEI N.º 202/2004, DE 18 DE AGOSTO
O melro (Turdus merula) é um passeriforme de pequeno porte, da família dos tordos com larga distribuição
em todo o território português, incluindo Açores e Madeira, ocorrendo numa variedade enorme de habitats, desde
bosques e florestas, a zonas de pastagens com sebes, parques e jardins urbanos, matos densos e também
galerias ripícolas. É uma ave sedentária e que pode ser avistada todo o ano.
Sendo também uma ave com hábitos urbanos é comum ouvir as suas estrofes melódicas e vocalizações
várias em cidades e vilas do nosso país, fazendo já parte da paisagem natural e cultural urbana.
Para além de Portugal esta ave ocorre naturalmente na Europa, Norte de África, Médio Oriente, e algumas
partes da Ásia, tendo sido introduzida na Austrália e Nova Zelândia.
Tem uma alimentação variada entre sementes, frutos e bagas, invertebrados vários. Sendo especialista em
vermes tem uma técnica muito especializada para apanhar minhocas, o seu principal alimento. O melro é ainda
presa frequente de algumas aves de rapina como o açor.
Página 319
11 DE DEZEMBRO DE 2019
319
Dada a sua relativa abundância, o melro tem um estatuto pouco preocupante, pelo Livro Vermelho dos
Vertebrados de Portugal (LC), não necessitando por isso de medidas especiais de proteção. Mas este facto não
justifica a sua permanência na lista de espécies cinegéticas. Afinal estamos a falar de uma espécie com nenhum,
ou muito reduzido interesse gastronómico e que, ainda por cima, não representa, comprovadamente, qualquer
perigo, nem do ponto de vista da segurança, nem da saúde pública, nem do ponto de vista dos ecossistemas
do nosso País.
Na verdade, a responsabilidade que, enquanto humanos, nos é imputada no sentido de valorizar a
biodiversidade, convoca-nos a alargar o horizonte das nossas preocupações às espécies não ameaçadas de
extinção nos nossos dias, e a recusar sem quaisquer reservas, a teoria ou a ideia caduca e, nos dias de hoje,
desprovida de qualquer sentido, de que tudo o que mexe pode ser caçado.
Por isso mesmo, Os Verdes, não negando a importância cultural e económica que a atividade cinegética
assume no meio rural, não pretendem colocar em causa a sua existência com a presente iniciativa legislativa,
mas entendem que esta atividade deve cingir-se ao abate de espécies com valor gastronómico.
Bem sabemos que em discussões sobre esta matéria é muitas vezes convocado o argumento do controlo de
populações de espécies. Mas, no entendimento dos Verdes, o controlo da população não pode servir de base
para manter o melro entre as espécies cinegéticas, até porque a haver necessidade de controlo de populações,
ela deve fazer-se sob a vigilância ou determinação de órgãos que devem ter como preocupação central a
erradicação de ameaças à biodiversidade, desde logo o Instituto para a Conservação da Natureza e das
Florestas (ICNF). Se o controlo de população de espécies é uma responsabilidade do Estado, deve ser o Estado
e só o Estado a concretizar esse controlo.
Neste contexto, o projeto de lei que o Partido Ecologista «Os Verdes» agora apresenta procura estabelecer
um mecanismo de proteção adequado para a referida espécie, sem colocar em causa aquilo a que se poderia
chamar a verdadeira caça, que, aliás, nunca por nunca, e sobretudo nos dias de hoje, poderá significar atingir
um animal pelo simples prazer de matar.
Assim, com o objetivo de retirar o melro da lista de espécies cinegéticas, o Grupo Parlamentar Os Verdes
apresenta, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o seguinte projeto de lei:
Artigo 1.º
Objeto
1 – A presente lei proíbe a caça ao melro (Turdus merula).
2 – Para efeitos do disposto no número anterior, a presente Lei procede à alteração ao Decreto-Lei n.º
202/2004, de 18 de agosto, que estabelece o «regime jurídico da conservação, fomento e exploração dos
recursos cinegéticos, com vista à sua gestão sustentável, bem como os princípios reguladores da atividade
cinegética».
Artigo 2.º
Interdições
Excecionando os casos a que se refere o artigo 3.º da presente lei:
1 – É interdita a caça ao melro (Turdus merula), não podendo esta espécie ser considerada cinegética.
2 – É ainda interdita a captura ou o abate de espécimes de melro em qualquer altura do ano, assim como a
destruição dos seus ninhos ou perturbação dos seus locais de repouso.
Artigo 3.º
Correção de efetivos populacionais
Verificando-se a necessidade de se proceder à correção de efetivos populacionais de melros, a respetiva
correção só poderá ocorrer nas seguintes condições:
Página 320
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
320
1 – A existência de censos consistentes, reconhecidos pelo organismo que tutela a Conservação da
Natureza, que comprovadamente revelem um excesso populacional de melros no território nacional que possa
pôr em causa o equilíbrio dos ecossistemas ou constituir perigo para a saúde pública;
2 – As correções populacionais só poderão ser efetuadas por pessoal técnico do organismo que tutela a
Conservação da Natureza, por processos definidos pela equipa técnica e em cada situação;
3 – O organismo que tutela a Conservação da Natureza deverá providenciar os meios humanos, materiais e
financeiros necessários para o regular acompanhamento da dinâmica das populações de melros no sentido de
melhor aferir da necessidade de proceder às ações previstas no número anterior.
Artigo 4.º
Lista de espécies cinegéticas
É retirado da lista de espécies cinegéticas constante do Anexo I do Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18 de agosto,
o melro (Turdus merula).
Artigo 5.º
Alterações ao Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18 de agosto
O artigo 104.º do Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18 de agosto, passa a ter a seguinte redação:
«Artigo 104.º
Caça aos tordos e ao estorninho-malhado
1 – A caça aos tordos e ao estorninho-malhado pode ser exercida de salto, à espera e de cetraria.
2 – ................................................................................................................................................................... .
3 – ................................................................................................................................................................... .»
Artigo 6.º
Contraordenações
Constituem contra-ordenações a caça, o abate deliberado e a captura de espécimes de melro em qualquer
altura do ano, assim como a destruição dos seus ninhos ou perturbação dos seus locais de repouso, salvo as
situações previstas na presente lei.
Artigo 7.º
Regime sancionatório
É aplicado à presente Lei o regime sancionatório previsto no Capítulo XI do Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18
de agosto.
Artigo 8.º
Regulamentação
O Governo procede à regulamentação e adaptação do regime cinegético, nomeadamente o previsto no n.º 2
do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18 de agosto, tendo em conta as presentes alterações à Lei, no
prazo máximo de 30 dias a contar da data da publicação da presente lei.
Artigo 9.º
Entrada em vigor
O presente diploma entra em vigor no dia seguinte à sua publicação.
Página 321
11 DE DEZEMBRO DE 2019
321
Assembleia da República, 11 de dezembro de 2019.
Os Deputados do PEV: José Luís Ferreira — Mariana Silva.
———
PROJETO DE LEI N.º 161/XIV/1.ª
PROÍBE A CAÇA À GRALHA-PRETA, EXCLUI ESTA ESPÉCIE DA LISTA DE ESPÉCIES
CINEGÉTICAS E PROCEDE À ALTERAÇÃO AO DECRETO-LEI N.º 202/2004, DE 18 DE AGOSTO
Exposição de motivos
A gralha-preta (Corvus corone) é uma ave da família dos corvídeos de porte grande, com relativa abundância
em Portugal continental. É uma espécie residente que pode ser avistada durante todo o ano, tem uma ampla
distribuição em praticamente todo o país e em todos os tipos de habitats, não sendo invulgar observá-las em
meio urbano.
É uma ave oportunista que se alimenta de grande variedade de alimentos, desde insetos, aves e pequenos
mamíferos a bagas e frutos. São também animais necrófagos, sendo fácil observar gralhas junto às estradas
onde se alimentam da carne de animais atropelados, desempenhando por isso um importante papel sanitário
de limpeza e contenção de possíveis doenças.
Para além do importante papel que as gralhas desempenham no combate e controlo de pragas de ratos, são
elas próprias presas frequentes de águias de porte médio ou grande, como a águia de bonelli, evitando os
ataques às aves domésticas ou de capoeira.
Ao nível mundial, a gralha preta tem uma distribuição ampla em todo o hemisfério norte desde a Europa até
ao extremo oriente, sendo bastante comum e não correndo risco de extinção. Aliás, no Livro Vermelho dos
Vertebrados de Portugal, tem estatuto de conservação pouco preocupante (LC). Estes factos não justificam a
sua inclusão na lista de espécies cinegéticas. Afinal estamos a falar de uma espécie sem qualquer interesse
gastronómico e que, ainda por cima, não representa, comprovadamente, qualquer perigo, nem do ponto de vista
da segurança, nem da saúde pública, nem do ponto de vista dos ecossistemas do nosso País.
A preservação da biodiversidade e da função que as espécies desempenham nos ecossistemas gera-nos a
responsabilidade de atuar para que os estatutos de proteção, mesmo que com graus diferenciados, não se cinja
aos animais domésticos, fundamentalmente o cão e o gato, ou às espécies em vias de extinção.
Na verdade, a responsabilidade que, enquanto humanos, nos é imputada no sentido de valorizar a
biodiversidade, convoca-nos a alargar o horizonte das nossas preocupações às espécies não ameaçadas de
extinção nos nossos dias, e a recusar sem quaisquer reservas, a teoria ou a ideia caduca e, nos dias de hoje,
desprovida de qualquer sentido, de que tudo o que mexe pode ser caçado.
Por isso mesmo, Os Verdes, não negando a importância cultural e económica que a atividade cinegética
assume no meio rural, não pretendem colocar em causa a sua existência com a presente iniciativa legislativa,
mas entendem que esta atividade deve cingir-se ao abate de espécies com valor gastronómico.
Bem sabemos que em discussões sobre esta matéria é muitas vezes convocado o argumento do controlo de
populações de espécies. Mas, no entendimento dos Verdes, o controlo da população não pode servir de base
para manter a gralha-preta entre as espécies cinegéticas, até porque a haver necessidade de controlo de
populações, ela deve fazer-se sob a vigilância ou determinação de órgãos que devem ter como preocupação
central a erradicação de ameaças à biodiversidade, desde logo o Instituto para a Conservação da Natureza e
das Florestas (ICNF). Se o controlo de população de espécies é uma responsabilidade do Estado, deve ser o
Estado e só o Estado a concretizar esse controlo.
Neste contexto, o projeto de lei que o Partido Ecologista «Os Verdes» agora apresenta procura estabelecer
um mecanismo de proteção adequado para a referida espécie, sem colocar em causa aquilo a que se poderia
Página 322
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
322
chamar a verdadeira caça, que, aliás, nunca por nunca, e sobretudo nos dias de hoje, poderá significar atingir
um animal pelo simples prazer de matar.
Assim, com o objetivo de retirar a gralha preta da lista de espécies cinegéticas, o Grupo Parlamentar Os
Verdes apresenta, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o seguinte projeto de lei:
Artigo 1.º
Objeto
1 – A presente lei proíbe a caça à gralha-preta (Corvus corone).
2 – Para efeitos do disposto no número anterior, a presente Lei procede à alteração ao Decreto-Lei n.º
202/2004, de 18 de agosto, que estabelece o regime jurídico da conservação, fomento e exploração dos recursos
cinegéticos, com vista à sua gestão sustentável, bem como os princípios reguladores da atividade cinegética.
Artigo 2.º
Interdições
Excecionando os casos a que se refere o artigo 3.º da presente lei:
1 – É interdita a caça à gralha-preta (Corvus corone), não podendo esta espécie ser considerada cinegética.
2 – É ainda interdita a captura ou o abate de espécimes de gralha-preta em qualquer altura do ano, assim
como a destruição dos seus ninhos ou perturbação dos seus locais de repouso.
Artigo 3.º
Correção de efetivos populacionais
Verificando-se a necessidade de se proceder à correção de efetivos populacionais de gralha-preta, a
respetiva correção só poderá ocorrer nas seguintes condições:
1 – A existência de censos consistentes, reconhecidos pelo organismo que tutela a Conservação da
Natureza, que comprovadamente revelem um excesso populacional que possa pôr em causa o equilíbrio dos
ecossistemas ou constituir perigo para a saúde pública;
2 – As correções populacionais só poderão ser efetuadas por pessoal técnico do organismo que tutela a
Conservação da Natureza, por processos definidos pela equipa técnica e em cada situação;
3 – O organismo que tutela a Conservação da Natureza deverá providenciar os meios humanos, materiais e
financeiros necessários para o regular acompanhamento da dinâmica das populações de gralha preta no sentido
de melhor aferir da necessidade de proceder às ações previstas no número anterior.
Artigo 4.º
Lista de espécies cinegéticas
É retirado da lista de espécies cinegéticas constante do Anexo I do Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18 de agosto,
a gralha-preta (Corvus corone).
Artigo 5.º
Alterações ao Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18 de agosto
O artigo 96.º do Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18 de agosto, passa a ter a seguinte redação:
«Artigo 96.º
Caça ao gaio e à pega-rabuda
1 – A caça ao gaio e à pega-rabuda pode ser exercida de salto, à espera e de cetraria.
Página 323
11 DE DEZEMBRO DE 2019
323
2 – A caça a estas espécies pode ser permitida nos meses de agosto a fevereiro, inclusive, sem prejuízo do
disposto no n.º 4.
3 – É permitida a utilização de negaças na caça à pega-rabuda.
4 – Em terrenos cinegéticos não ordenados, nos meses de agosto, setembro, janeiro e fevereiro, a caça a
estas espécies só é permitida à espera e de cetraria e apenas nos locais e nas condições estabelecidos por
edital da DGRF.»
Artigo 6.º
Contraordenações
Constituem contra-ordenações a caça, o abate deliberado e a captura de espécimes de gralha-preta, em
qualquer altura do ano, assim como a destruição dos seus ninhos ou perturbação dos seus locais de repouso,
salvo as situações previstas na presente lei.
Artigo 7.º
Regime sancionatório
É aplicado à presente lei o regime sancionatório previsto no Capítulo XI do Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18
de agosto.
Artigo 8.º
Regulamentação
O Governo procede à regulamentação e adaptação do regime cinegético, nomeadamente o previsto no n.º 2
do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18 de agosto, tendo em conta as presentes alterações à Lei, no
prazo máximo de 30 dias a contar da data da publicação da presente lei.
Artigo 9.º
Entrada em vigor
O presente diploma entra em vigor no dia seguinte à sua publicação.
Assembleia da República, 11 de dezembro de 2019.
Os Deputados do PEV: José Luís Ferreira — Mariana Silva.
———
PROJETO DE LEI N.º 162/XIV/1.ª
PROÍBE A CAÇA AO GAIO, EXCLUI ESTA ESPÉCIE DA LISTA DE ESPÉCIES CINEGÉTICAS E
PROCEDE À ALTERAÇÃO AO DECRETO-LEI N.º 202/2004, DE 18 DE AGOSTO
Exposição de motivos
O gaio (Garrulus glandarius) é uma ave de pequeno porte da família dos corvos, bastante comum em
Portugal, com larga distribuição por todo o território continental. É possível observá-la principalmente em zonas
florestais, agrícolas com arvoredo ou em parques urbanos. A sua distribuição mundial espalha-se por todo o
continente europeu, por uma boa parte da Ásia até à China e Japão, sendo também possível encontrá-la em
Marrocos e no Médio Oriente. Apresenta um estatuto de conservação pouco preocupante.
Página 324
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
324
É uma ave com uma alimentação generalista, como grande parte dos nossos corvídeos. Tem a
particularidade de incluir na sua dieta bolotas que frequentemente esconde para alimentação futura, ficando
muitas vezes esquecidas, ajudando à disseminação das espécies silvícolas do género Quercus (ou seja
carvalhos, sobreiros, azinheiras, etc...). É também um grande predador de outras aves, nomeadamente ovos e
pequenas crias incluindo melros, fazendo assim um controlo natural desta espécie com grande capacidade
reprodutiva.
O facto de o seu estatuto no Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal ser pouco preocupante (LC), não
justifica a inclusão do gaio na lista espécies cinegéticas. Afinal estamos a falar de uma espécie sem qualquer
interesse gastronómico e que, ainda por cima, não representa, comprovadamente, perigo para a segurança,
para a saúde pública ou para os ecossistemas do nosso país. Pelo contrário, é uma ave que ajuda ao controlo
de determinadas pragas e fazendo parte da dieta alimentar de algumas aves de rapina, como o gavião e o açor,
reduz assim a predação de pombos por estas rapinas, atenuando o conflito com caçadores e criadores de
pombos ou de outras aves de capoeira.
Ora, a preservação da biodiversidade e da função que as espécies desempenham nos ecossistemas faz
recair sobre nós a responsabilidade de atuar, de agir para que os estatutos de proteção, mesmo que com graus
diferenciados, não se limitem aos animais domésticos, fundamentalmente o cão e o gato, ou às espécies em
vias de extinção.
Na verdade, a responsabilidade que, enquanto humanos, nos é imputada no sentido de valorizar a
biodiversidade, convoca-nos a alargar o horizonte das nossas preocupações às espécies não ameaçadas de
extinção nos nossos dias e a recusar sem quaisquer reservas, a teoria ou a ideia caduca e, nos dias de hoje,
desprovida de qualquer sentido, de que tudo o que mexe pode ser caçado.
Por isso mesmo, Os Verdes, não negando a importância cultural e económica que a atividade cinegética
assume no meio rural, não pretendem colocar em causa a sua existência com a presente iniciativa legislativa,
mas entendem que esta atividade deve cingir-se ao abate de espécies com valor gastronómico.
Bem sabemos que em discussões sobre esta matéria é muitas vezes convocado o argumento do controlo de
populações de espécies. Mas no entendimento dos Verdes, o controlo da população não pode servir de base
para manter o gaio entre as espécies cinegéticas, até porque a haver necessidade de controlo de populações,
ela deve fazer-se sob a vigilância ou determinação de órgãos que devem ter como preocupação central a
erradicação de ameaças à biodiversidade, desde logo o Instituto para a Conservação da Natureza e das
Florestas (ICNF). Se o controlo de população de espécies é uma responsabilidade do Estado, deve ser o Estado
e só o Estado a concretizar esse controlo.
Neste contexto, o projeto de lei que o Partido Ecologista «Os Verdes» agora apresenta procura estabelecer
um mecanismo de proteção adequado para a referida espécie, sem colocar em causa aquilo a que se poderia
chamar a verdadeira caça, que, aliás, nunca por nunca, e sobretudo nos dias de hoje, poderá significar atingir
um animal pelo simples prazer de matar.
Assim, com o objetivo de retirar o gaio da lista de espécies cinegéticas, o Grupo Parlamentar Os Verdes
apresenta, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o seguinte projeto de lei:
Artigo 1.º
Objeto
1 – A presente lei proíbe a caça gaio (Garrulus glandarius).
2 – Para efeitos do disposto no número anterior, a presente Lei procede à alteração ao Decreto-Lei n.º
202/2004, de 18 de agosto, que estabelece o regime jurídico da conservação, fomento e exploração dos recursos
cinegéticos, com vista à sua gestão sustentável, bem como os princípios reguladores da atividade cinegética.
Artigo 2.º
Interdições
Excepcionando os casos a que se refere o artigo 3.º da presente lei:
1 – É interdita a caça ao gaio (Garrulus glandarius), não podendo esta espécie ser considerada cinegética.
Página 325
11 DE DEZEMBRO DE 2019
325
2 – É ainda interdita a captura ou o abate de espécimes de gaio em qualquer altura do ano, assim como a
destruição dos seus ninhos ou perturbação dos seus locais de repouso.
Artigo 3.º
Correção de efetivos populacionais
Verificando-se a necessidade de se proceder à correção de efetivos populacionais de gaio, a respetiva
correção só poderá ocorrer nas seguintes condições:
1 – A existência de censos consistentes, reconhecidos pelo organismo que tutela a Conservação da
Natureza, que comprovadamente revelem um excesso populacional de gaios no território nacional que possa
pôr em causa o equilíbrio dos ecossistemas ou constituir perigo para a saúde pública;
2 – As correções populacionais só poderão ser efetuadas por pessoal técnico do organismo que tutela a
Conservação da Natureza, por processos definidos pela equipa técnica e em cada situação.
3 – O organismo que tutela a Conservação da Natureza deverá providenciar os meios humanos, materiais e
financeiros necessários para o regular acompanhamento da dinâmica das populações de melros no sentido de
melhor aferir da necessidade de proceder às ações previstas no número anterior.
Artigo 4.º
Lista de espécies cinegéticas
É retirado da lista de espécies cinegéticas constante do Anexo I do Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18 de agosto,
o gaio (Garrulus glandarius).
Artigo 5.º
Alterações ao Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18 de agosto
O artigo 96.º do Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18 de agosto, passa a ter a seguinte redação:
«Artigo 96.º
Caça à pega-rabuda e à gralha-preta
1 – A caça à pega-rabuda e à gralha-preta pode ser exercida de salto, à espera e de cetraria.
2 – ................................................................................................................................................................... .
3 – ................................................................................................................................................................... .
4 – ................................................................................................................................................................... .»
Artigo 6.º
Contraordenações
Constituem contra-ordenações a captura, a caça e o abate deliberado de espécimes de gaio, em qualquer
altura do ano, assim como a destruição dos seus ninhos ou perturbação dos seus locais de repouso, salvo as
situações previstas na presente lei.
Artigo 7.º
Regime sancionatório
É aplicado à presente lei o regime sancionatório previsto no Capítulo XI do Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18
de agosto.
Página 326
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
326
Artigo 8.º
Regulamentação
O Governo procede à regulamentação e adaptação do regime cinegético, nomeadamente o previsto no n.º 2
do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18 de agosto, tendo em conta as presentes alterações à lei, no
prazo máximo de 30 dias a contar da data da publicação da presente lei.
Artigo 9.º
Entrada em vigor
O presente diploma entra em vigor no dia seguinte à sua publicação.
Assembleia da República, 11 de dezembro de 2019.
Os Deputados do PEV: José Luís Ferreira — Mariana Silva.
———
PROJETO DE LEI N.º 163/XIV/1.ª
PROÍBE A CAÇA À PEGA-RABUDA E EXCLUI ESTA ESPÉCIE DA LISTA DE ESPÉCIES
CINEGÉTICAS E PROCEDE À ALTERAÇÃO AO DECRETO-LEI N.º 202/2004, DE 18 DE AGOSTO
Exposição de motivos
A pega-rabuda (Pica pica) é um passeriforme de médio porte, da família dos corvídeos, bastante comum nas
cidades da Europa, onde se observa em parques, telhados e arbustos ou árvores de jardins. Em Portugal não é
tão visível nas zonas habitadas, mas distribui-se em praticamente todo o território continental, com alguma
escassez no baixo Alentejo. É relativamente fácil observá-la à beira das estradas, nos postes, em vedações, no
verão aos pares ou em pequenos bandos e, no inverno, por vezes em bandos de várias dezenas que se juntam
em dormitórios. Sendo uma ave comum, a sua distribuição mundial vai desde o continente europeu até ao
extremo asiático.
Tem uma alimentação generalista, omnívora, da qual fazem parte ovos, aves jovens, pequenos mamíferos e
insetos, grãos, sementes e frutos. Para além do importante papel que a pega-rabuda desempenha no controlo
de pragas de ratos e insetos, os seus hábitos necrófagos contribuem para um maior equilíbrio sanitário dos
ecossistemas e de saúde pública, ao eliminar animais mortos que encontra.
Dada a sua grande distribuição e ocorrência, esta ave não necessita de nenhum regime especial de proteção
e o seu estatuto no Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal é pouco preocupante (LC). Este facto não
justifica a inclusão da pega-rabuda na lista espécies cinegéticas. Afinal estamos a falar de uma espécie sem
qualquer interesse gastronómico e que, ainda por cima, não representa, comprovadamente, perigo para a
segurança, para a saúde pública ou para os ecossistemas do nosso país. Pelo contrário, é uma ave que ajuda
ao controlo de determinadas pragas e, fazendo parte da dieta alimentar de algumas aves de rapina como o
gavião e o açor, reduz assim a predação de pombos por estas rapinas, atenuando o conflito com caçadores e
criadores de pombos e de outras aves de capoeira.
Ora, a preservação da biodiversidade e da função que as espécies desempenham nos ecossistemas faz
recair sobre nós a responsabilidade de atuar, de agir para que os estatutos de proteção, mesmo que com graus
diferenciados, não se limitem aos animais domésticos, fundamentalmente o cão e o gato, ou às espécies em
vias de extinção.
Página 327
11 DE DEZEMBRO DE 2019
327
Na verdade, a responsabilidade que, enquanto humanos, nos é imputada no sentido de valorizar a
biodiversidade, convoca-nos a alargar o horizonte das nossas preocupações às espécies não ameaçadas de
extinção nos nossos dias, e a recusar sem quaisquer reservas, a teoria ou a ideia caduca e, nos dias de hoje,
desprovida de qualquer sentido, de que tudo o que mexe pode ser caçado.
Por isso mesmo, Os Verdes, não negando a importância cultural e económica que a atividade cinegética
assume no meio rural, não pretendem colocar em causa a sua existência com a presente iniciativa legislativa,
mas entendem que esta atividade deve cingir-se ao abate de espécies com valor gastronómico.
Bem sabemos que em discussões sobre esta matéria é muitas vezes convocado o argumento do controlo de
populações de espécies. Mas, no entendimento dos Verdes, o controlo da população não pode servir de base
para manter a pega-rabuda entre as espécies cinegéticas, até porque a haver necessidade de controlo de
populações, ela deve fazer-se sob a vigilância ou determinação de órgãos que devem ter como preocupação
central a erradicação de ameaças à biodiversidade, desde logo o Instituto para a Conservação da Natureza e
das Florestas (ICNF). Se o controlo de população de espécies é uma responsabilidade do Estado, deve ser o
Estado e só o Estado a concretizar esse controlo.
Neste contexto, o projeto de lei que o Partido Ecologista «Os Verdes» agora apresenta procura estabelecer
um mecanismo de proteção adequado para a referida espécie, sem colocar em causa aquilo a que se poderia
chamar a verdadeira caça, que, aliás, nunca por nunca, e sobretudo nos dias de hoje, poderá significar atingir
um animal pelo simples prazer de matar.
Assim, com o objetivo de retirar a pega-rabuda da lista de espécies cinegéticas, o Grupo Parlamentar Os
Verdes apresenta, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o seguinte projeto de lei:
Artigo 1.º
Objeto
1 – A presente lei proíbe a caça à pega-rabuda (Pica pica).
2 – Para efeitos do disposto no número anterior, a presente Lei procede à alteração ao Decreto-Lei n.º
202/2004, de 18 de agosto, que estabelece o «regime jurídico da conservação, fomento e exploração dos
recursos cinegéticos, com vista à sua gestão sustentável, bem como os princípios reguladores da atividade
cinegética».
Artigo 2.º
Interdições
Excecionando os casos a que se refere o artigo 3.º da presente Lei:
1 – É interdita a caça à pega-rabuda (Pica pica), não podendo esta espécie ser considerada cinegética.
2 – É ainda interdita a captura ou o abate de espécimes de pega-rabuda em qualquer altura do ano, assim
como a destruição dos seus ninhos ou perturbação dos seus locais de repouso.
Artigo 3.º
Correção de efetivos populacionais
Verificando-se a necessidade de se proceder à correção de efetivos populacionais de pega-rabuda, a
respetiva correção só poderá ocorrer nas seguintes condições:
1 – A existência de censos consistentes, reconhecidos pelo organismo que tutela a Conservação da
Natureza, que comprovadamente revelem um excesso populacional que possa pôr em causa o equilíbrio dos
ecossistemas ou constituir perigo para a saúde pública;
2 – As correções populacionais só poderão ser efetuadas por pessoal técnico do organismo que tutela a
Conservação da Natureza, por processos definidos pela equipa técnica e em cada situação.
3 – O organismo que tutela a Conservação da Natureza deverá providenciar os meios humanos, materiais e
financeiros necessários para o regular acompanhamento da dinâmica das populações de melros no sentido de
melhor aferir da necessidade de proceder às ações previstas no número anterior.
Página 328
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
328
Artigo 4.º
Lista de espécies cinegéticas
É retirado da lista de espécies cinegéticas constante do Anexo I do Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18 de agosto,
a pega-rabuda (Pica pica).
Artigo 5.º
Alterações ao Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18 de agosto
O artigo 96.º do Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18 de agosto, passa a ter a seguinte redação:
«Artigo 96.º
Caça ao gaio e à gralha-preta
1 – A caça ao gaio e à gralha-preta pode ser exercida de salto, à espera e de cetraria.
2 – A caça a estas espécies pode ser permitida nos meses de agosto a fevereiro, inclusive, sem prejuízo do
disposto no n.º 4.
3 – É permitida a utilização de negaças na caça à gralha-preta.
4 – ................................................................................................................................................................... .»
Artigo 6.º
Contraordenações
Constituem contra-ordenações a captura, a caça e o abate deliberado de espécimes de pega-rabuda em
qualquer altura do ano, assim como a destruição dos seus ninhos ou perturbação dos seus locais de repouso,
salvo as situações previstas na presente lei.
Artigo 7.º
Regime sancionatório
É aplicado à presente lei o regime sancionatório previsto no Capítulo XI do Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18
de agosto.
Artigo 8.º
Regulamentação
O Governo procede à regulamentação e adaptação do regime cinegético, nomeadamente o previsto no n.º 2
do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18 de agosto, tendo em conta as presentes alterações à lei, no
prazo máximo de 30 dias a contar da data da publicação da presente lei.
Artigo 9.º
Entrada em vigor
O presente diploma entra em vigor no dia seguinte à sua publicação.
Assembleia da República, 11 de dezembro de 2019.
Os Deputados do PEV: José Luís Ferreira — Mariana Silva.
———
Página 329
11 DE DEZEMBRO DE 2019
329
PROPOSTA DE LEI N.º 3/XIV/1.ª (GOV):
APROVA O ESTATUTO DE ANTIGO COMBATENTE.
Exposição de motivos
O reconhecimento e a solidariedade para com os antigos combatentes pelo serviço prestado à pátria nas
campanhas militares entre 1961-1975, e outras missões que se seguiram, é um dever do Estado português. O
Estatuto do Antigo Combatente representa a expressão desse dever, que é da mais elementar justiça, perante
os militares que combateram com coragem, lealdade, abnegação e sacrifício, em vários teatros operacionais.
Há muito reclamado pelos antigos combatentes, o Estatuto é tão mais inclusivo quanto integra todos aqueles
que padeceram e padecem de inúmeras marcas desse período crítico, incluindo os recrutados locais que
permaneceram nas ex-colónias após a Guerra, sem terem os respetivos apoios devidamente acautelados. É,
igualmente, justo homenagear as famílias e as pessoas mais próximas destes combatentes, que, por força da
guerra, viram a sua perspetiva de vida alterada e, muitas vezes, profundamente desestruturada. Neste
reconhecimento está expressa a gratidão do povo português. Já num período mais recente, nas últimas décadas,
muitos milhares de militares portugueses têm integrado as forças nacionais destacadas nas missões da
Organização das Nações Unidas (ONU), da Aliança Atlântica (OTAN) e da União Europeia, assegurando o
cumprimento das obrigações internacionais de Portugal no âmbito de missões de carácter militar com objetivos
humanitários, ou de estabelecimento e manutenção da paz, algumas das quais com elevados níveis de
perigosidade, designadamente, em países ou territórios em situação de guerra, conflito armado interno ou
insegurança generalizada. É, também assim, de inteira justiça que o contributo destes militares seja reconhecido
pelo Estado português.
Para além de materializar o reconhecimento do Estado português aos militares que combateram ao serviço
de Portugal, o Estatuto do Antigo Combatente fornece o enquadramento jurídico que lhes é aplicável, bem como
incorpora instrumentos existentes de apoio económico e social e estabelece, claramente, o caráter
interministerial dos apoios públicos devidos aos antigos combatentes.
É criado o Cartão do Antigo Combatente, um documento pessoal e vitalício que se constitui como elemento
facilitador entre o Estado e o Antigo Combatente. Para além do seu carácter simbólico, o cartão constitui um
instrumento de simplificação do acesso aos direitos sociais e económicos consagrados na legislação
portuguesa.
O dia 9 de abril é definido como o Dia do Antigo Combatente, data em que se comemoram os feitos históricos
dos Antigos Combatentes na Batalha de La Lys. Não obstante, o Estado, através do Ministério da Defesa
Nacional, poder evocar a memória e os feitos dos Antigos Combatentes no Dia de Portugal, de Camões e das
Comunidades Portuguesas e no dia 11 de novembro, data do Armistício que pôs fim à Primeira Guerra Mundial
e que é utilizada por muitos dos nossos aliados para homenagear os antigos combatentes, na medida em que
evoca o fim de um conflito global e celebra a Paz.
O Estatuto do Antigo Combatente reúne numa só peça legislativa o conjunto de direitos e benefícios
consagrados pela lei aos ex-militares ao longo do tempo, incluindo os direitos dos deficientes militares. O
Estatuto tem a vantagem de clarificar e, assim, promover o conhecimento aos cidadãos do regime jurídico
aplicável aos antigos combatentes e deficientes militares. Para além disso, a presente lei pretende ser um ato
jurídico evolutivo, permitindo acomodar novos direitos sociais e económicos que venham a ser legalmente
consagrados.
O Estatuto do Antigo Combatente consagra em lei instrumentos já existentes desenvolvidos pelo Ministério
da Defesa Nacional, com resultados comprovados, e cria novos instrumentos destinados a apoiar o
envelhecimento digno e acompanhado daqueles que serviram o país em teatros de guerra, considerando as
necessidades que enfrentam atualmente.
Consciente de que muitos dos antigos combatentes padecem de dificuldades físicas e mentais, e de
carências sociais e económicas, o Ministério da Defesa Nacional disponibiliza aos antigos combatentes, através
do Balcão Único da Defesa, um ponto de apoio e de reencaminhamento para os diversos serviços públicos,
consoante as suas necessidades.
Página 330
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
330
Através do Centro de Recursos de Stress em Contexto Militar e da Rede Nacional de Apoio, o Ministério da
Defesa Nacional assegura a produção de conhecimento sobre as patologias provocadas pelo stress pós-
traumático de guerra, bem como a prestação de serviços de apoio médico, psicológico e social, não apenas aos
antigos combatentes que sofrem destas patologias, mas também às suas famílias.
É criado um Plano de apoio aos antigos combatentes em situação de sem-abrigo, que permitirá sinalizar as
situações existentes desta natureza no sentido de promover a possibilidade de uma habitação digna para todos.
Os combatentes que se tornaram deficientes nas campanhas de 1961-1975 e, posteriormente, em missões
internacionais de apoio à paz são a face mais visível da guerra. Se, no passado, a preocupação foi sobretudo
apoiar a sua reabilitação física e psíquica e a reinserção na sociedade, sobretudo através do emprego, o Estado
tem agora o dever de apoiar o envelhecimento digno destes antigos combatentes, bem como apoiar as suas
famílias. Com este objetivo, o Estatuto consagra em lei o Plano de Ação para Apoio aos Deficientes Militares
(PADM), criado em 2015 para promover a saúde, a qualidade de vida, a autonomia e o envelhecimento bem-
sucedido dos deficientes militares, e cujo trabalho se pretende venha a ser aprofundado e alargado.
É criada a Unidade Técnica para os Antigos Combatentes que tem como missão coordenar a implementação
do presente Estatuto. A Unidade, que funciona na dependência direta do membro do Governo responsável pela
área da defesa nacional, visa também comprometer as áreas governativas relevantes nesta matéria transversal,
e garantir um reporte direto e regular das ações de implementação desenvolvidas ao nível técnico e dos
principais obstáculos encontrados.
Paralelamente à criação do Estatuto do Antigo Combatente, dá-se resposta a reivindicações das associações
de antigos combatentes, através do aumento do valor do complemento especial de pensão para os beneficiários
da pensão social de velhice da Segurança Social, do regime especial das atividades agrícolas e do transitório
rural, e da Associação de Deficientes das Forças Armadas, introduzindo-se uma alteração ao Decreto-Lei n.º
503/99, de 20 de novembro, no sentido de afastar a aplicação deste diploma aos militares que contraíram
doenças e lesões no cumprimento do serviço militar, quando os factos que dão origem à pensão de reforma ou
de invalidez tenham ocorrido antes da sua entrada em vigor, aplicando-se nesses casos as disposições do
Estatuto da Aposentação, pondo-se, assim, termo a uma reivindicação há muito reclamada e confirmada pela
jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo.
O Governo procederá, ainda, à revisão do processo por agravamento de lesões e deficiências dos deficientes
militares, nos diplomas próprios.
Assim:
Nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 197.º da Constituição, o Governo apresenta à Assembleia da
República a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.º
Objeto
1 – A presente lei tem por objeto:
a) A aprovação do estatuto do antigo combatente;
b) A sistematização dos direitos de natureza social e económica especificamente reconhecidos aos antigos
combatentes;
c) A criação da unidade técnica para os antigos combatentes.
2 – A presente lei procede ainda:
a) À sétima alteração ao Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, que aprova o regime jurídico dos
acidentes em serviço e das doenças profissionais no âmbito da Administração Pública, alterado pelas Leis n.os
59/2008, de 11 de setembro, 64-A/2008, de 31 de dezembro, 11/2014, de 6 de março, e 82-B/2014, de 31 de
dezembro, e Decretos-Leis n.os 33/2018, de 15 de maio, e 84/2019, de 28 de junho;
b) À primeira alteração à Lei n.º 9/2002, de 11 de fevereiro, que aprova o regime jurídico dos períodos de
prestação de serviço militar de ex-combatentes, para efeitos de aposentação e reforma;
c) À primeira alteração à Lei n.º 3/2009, de 13 de janeiro, que regula os efeitos jurídicos dos períodos de
prestação de serviço militar de antigos combatentes para efeitos de atribuição dos benefícios previstos nas Leis
n.os 9/2002, de 11 de fevereiro, e 21/2004, de 5 de junho.
Página 331
11 DE DEZEMBRO DE 2019
331
Artigo 2.º
Estatuto do antigo combatente
É aprovado o estatuto do antigo combatente que se publica no anexo I à presente lei, da qual faz parte
integrante.
Artigo 3.º
Direitos dos antigos combatentes
Os direitos de natureza social e económica especificamente reconhecidos aos antigos combatentes são os
constantes do anexo II à presente lei, sem prejuízo de quaisquer outros que lhes sejam reconhecidos.
Artigo 4.º
Unidade técnica para os antigos combatentes
É criada a unidade técnica para os antigos combatentes que tem como missão coordenar, a nível
interministerial, a implementação do estatuto do antigo combatente e garantir um reporte direto e regular das
ações de implementação desenvolvidas ao nível técnico e dos principais obstáculos encontrados.
Artigo 5.º
Alteração ao Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro
O artigo 55.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, na sua redação atual, passa a ter seguinte
redação:
«Artigo 55.º
[…]
1 – ................................................................................................................................................................... .
2 – ................................................................................................................................................................... .
3 – O disposto no n.º 1 não se aplica aos militares das Forças Armadas que contraíram doenças no
cumprimento do serviço militar, quando os factos que dão origem à pensão de reforma ou de invalidez tenham
ocorrido antes da entrada em vigor do presente diploma, aplicando-se nesse caso as disposições do Estatuto
da Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de dezembro, na sua redação atual.
4 – (Anterior n.º 3).
5 – (Anterior n.º 4).»
Artigo 6.º
Alteração à Lei n.º 9/2002, de 11 de fevereiro
O artigo 6.º da Lei n.º 9/2002, de 11 de fevereiro, passa a ter a seguinte redação:
«Artigo 6.º
[…]
Aos beneficiários do regime de solidariedade do sistema de segurança social é atribuído um complemento
especial de pensão de 7% ao valor da respetiva pensão por cada ano de prestação de serviço militar ou
duodécimo daquele complemento por cada mês de serviço, nos termos do artigo 2.º».
Página 332
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
332
Artigo 7.º
Alteração à Lei n.º 3/2009, de 13 de janeiro
O artigo 5.º da Lei n.º 3/2009, de 13 de janeiro, passa a ter a seguinte redação:
«Artigo 5.º
[…]
1 – O complemento especial de pensão previsto no artigo 6.º da Lei n.º 9/2002, de 11 de fevereiro, atribuído
aos pensionistas dos regimes do subsistema de solidariedade é uma prestação pecuniária cujo montante
corresponde a 7% do valor da pensão social por cada ano de prestação de serviço militar ou o duodécimo
daquele valor por cada mês de serviço.
2 – ................................................................................................................................................................... .»
Artigo 8.º
Entrada em vigor
1 – Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a presente lei entra em vigor no primeiro dia do mês
seguinte ao da sua publicação.
2 – Os artigos 6.º e 7.º da presente lei entram em vigor a 1 de janeiro de 2021.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 5 de dezembro de 2019.
O Primeiro-Ministro, António Luís Santos da Costa — O Ministro da Defesa Nacional, João Titterington
Gomes Cravinho — O Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, José Duarte Piteira Rica Silvestre
Cordeiro.
ANEXO I
(a que se refere o artigo 2.º)
Artigo 1.º
Objeto
O Estatuto do Antigo Combatente, doravante designado por estatuto, estabelece o enquadramento jurídico
que é aplicável aos militares que combateram ao serviço de Portugal.
Artigo 2.º
Âmbito de aplicação
1 – São considerados antigos combatentes para efeitos do presente estatuto:
a) Os ex-militares mobilizados, entre 1961 e 1975, para os territórios de Angola, Guiné-Bissau e
Moçambique;
b) Os ex-militares que se encontrassem em Goa, Damão, Diu, bem como em Dadra e Nagar-Aveli, aquando
da integração destes territórios na União Indiana;
c) Os ex-militares que se encontrassem no território de Timor-Leste entre o dia 25 de abril de 1974 e a saída
das Forças Armadas portuguesas desse território;
d) Os ex-militares oriundos do recrutamento local que se encontrem abrangidos pelo disposto nas alíneas
anteriores;
Página 333
11 DE DEZEMBRO DE 2019
333
e) Os militares dos quadros permanentes abrangidos por qualquer uma das situações previstas nas alíneas
a) a c).
2 – São ainda considerados antigos combatentes os militares e ex-militares que tenham participado em
missões humanitárias de apoio à paz ou à manutenção da ordem pública em teatros de operação classificados
nos termos da Portaria n.º 87/99, de 30 de dezembro de 1998.
3 – O estatuto do antigo combatente apenas se aplica aos deficientes das Forças Armadas que estejam
incluídos no âmbito dos números anteriores.
4 – O estatuto do antigo combatente não prejudica a natureza e as necessidades específicas dos deficientes
das Forças Armadas, nem exclui a possibilidade de adotarem um estatuto próprio, tendo em conta o regime
legal específico que lhes é aplicável.
Artigo 3.º
Dia do antigo combatente
1 – Como forma de reconhecimento aos antigos combatentes identificados nos termos do artigo anterior
pelos serviços prestados à Nação, é estabelecido o dia do antigo combatente, para que sejam relembrados,
homenageados e agraciados pelo esforço prestado no cumprimento do serviço militar.
2 – O dia do antigo combatente é celebrado anualmente no dia 9 de abril, data em que se comemoram os
feitos históricos dos antigos combatentes por Portugal.
3 – Não obstante o expresso no número anterior, o Estado, através do Ministério da Defesa Nacional, pode
evocar a memória e feitos dos antigos combatentes no Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades e no
dia 11 de novembro, data em que se comemora o fim da Primeira Grande Guerra, em colaboração com a Liga
dos Combatentes e as associações de antigos combatentes.
Artigo 4.º
Cartão de antigo combatente
1 – A todos os antigos combatentes que se enquadrem no âmbito de aplicação do presente estatuto é emitido
um cartão de antigo combatente, que simplifica o relacionamento entre o antigo combatente e a Administração
Pública.
2 – A Direção-Geral de Recursos da Defesa Nacional (DGRDN) é a entidade competente para a emissão do
cartão de antigo combatente.
3 – O cartão de antigo combatente é pessoal e intransmissível e não substitui o cartão de cidadão nem o
bilhete de identidade militar.
4 – O cartão de antigo combatente é vitalício.
5 – O modelo de cartão de antigo combatente é aprovado por portaria do membro de Governo responsável
pela área da defesa nacional.
Artigo 5.º
Balcão único da defesa
1 - A DGRDN, através do balcão único da defesa, disponibiliza toda a informação relevante de apoio aos
antigos combatentes, além de permitir a apresentação de pedidos de informação específica ou de exposições
sobre os direitos e benefícios a que tenham direito.
2 - O balcão único da defesa é disponibilizado em sítio na Internet, através de atendimento presencial ou
atendimento telefónico.
Artigo 6.º
Unidade técnica para os antigos combatentes
1 – A unidade técnica para os antigos combatentes tem competência para coordenar e monitorizar, a nível
interministerial, a implementação do presente estatuto.
Página 334
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
334
2 – A unidade técnica para os antigos combatentes funciona junto do membro do Governo responsável pela
área da defesa nacional.
3 – A unidade técnica apresenta à tutela relatórios semestrais de monitorização e implementação do
estatuto e, designadamente, recomendações suscetíveis de se revelarem úteis ao cabal desenvolvimento das
medidas de apoio económico-social e à saúde dos antigos combatentes.
4 – A composição da unidade técnica para os antigos combatentes é fixada por despacho do membro do
Governo responsável pela área da defesa nacional e do membro do Governo com competência em razão da
matéria.
5 – O exercício de funções por parte dos membros da unidade técnica para os antigos combatentes não é
remunerado.
Artigo 7.º
Rede nacional de apoio
1 – É garantida aos antigos combatentes, através da rede nacional de apoio, a informação, identificação e
encaminhamento dos casos de patologias resultantes da exposição a fatores traumáticos de stress durante o
serviço militar e a necessária prestação de serviços de apoio médico, psicológico e social.
2 – Nos casos devidamente sinalizados pelas estruturas da rede nacional de apoio, este apoio é prestado,
também, aos familiares, bem como aos cônjuges e unidos de facto sobrevivos dos antigos combatentes que
padeçam de patologias relacionadas com o stress pós-traumático de guerra sofrido pelo antigo combatente.
3 – Os serviços previstos nos números anteriores são prestados pelas instituições e serviços que compõem
a rede nacional de apoio e pelas organizações não-governamentais protocoladas e financiadas pelo Ministério
da Defesa Nacional, bem como outras entidades com quem sejam celebrados protocolos.
4 – As entidades protocoladas prestam todos os contributos às investigações e trabalhos realizados pelo
Centro de Recursos de Stress em Contexto Militar (CRSCM), colaborando através da prestação de informação,
sempre que lhes seja solicitada, assegurando a confidencialidade dos dados facultados.
Artigo 8.º
Centro de Recursos de Stress em Contexto Militar
1 – O CRSCM tem como missão de recolher, organizar, produzir e divulgar conhecimento disperso sobre a
temática do stress pós-traumático de guerra em contexto militar.
2 – O CRSCM tem os seguintes objetivos:
a) Recolha, análise e disponibilização de informação e conhecimento já produzido e relacionado com o
impacto de fatores de stress sofridos durante o serviço militar, nomeadamente, a perturbação stress pós-
traumático de guerra;
b) Desenvolvimento de estudos e pesquisas sobre temáticas relacionadas com o impacto de fatores de
stress sofridos na saúde e bem-estar psicossocial dos militares e dos seus familiares;
c) Elaboração de recomendações e propostas de desenho de medidas de política de apoio aos antigos
combatentes e vítimas de stress pós-traumático de guerra e ou perturbação crónica resultante da exposição a
stress em contexto militar.
3 – Os objetivos descritos no número anterior serão operacionalizados através de protocolos celebrados ou
a celebrar com as instituições de ensino superior.
Artigo 9.º
Plano de ação para apoio aos deficientes militares
1 – O plano de ação para apoio aos deficientes militares (PADM) constitui umaplataforma de mediação
entre os deficientes militares e as estruturas de apoio, promove a mobilização articulada dos recursos existentes
no âmbito militar e da comunidade, por forma a apoiar a saúde, a qualidade de vida, a autonomia e o
Página 335
11 DE DEZEMBRO DE 2019
335
envelhecimento bem-sucedido dos deficientes militares, prevenindo a sua dependência, precariedade,
isolamento e exclusão social.
2 – Os objetivos descritos no número anterior abrangem, igualmente, os cuidadores dos deficientes militares
em situação de autonomia limitada ou de dependência.
Artigo 10.º
Plano de apoio aos antigos combatentes em situação de sem-abrigo
1 – É criado o plano de apoio aos antigos combatentes em situação de sem-abrigo que promove, em
articulação com o PADM, a Liga dos Combatentes e a estratégia nacional para a integração das pessoas em
situação de sem-abrigo, o reencaminhamento das situações devidamente assinaladas para as estruturas oficiais
existentes de apoio, designadamente, a Segurança Social e a União das Misericórdias Portuguesas.
2 – Os objetivos descritos no número anterior são operacionalizados pela DGRDN ou através de protocolos
celebrados ou a celebrar entre o Ministério da Defesa Nacional e a Liga dos Combatentes e ou as associações
de antigos combatentes.
Artigo 11.º
Gratuitidade dos transportes públicos das áreas metropolitanas e comunidades intermunicipais
Durante o ano de entrada em vigor da presente lei, o Governo, em articulação com as autoridades de
transportes de cada área metropolitana e comunidade intermunicipal, adota as medidas necessárias a assegurar
a gratuitidade do passe intermodal para todos os antigos combatentes detentores do cartão referido no artigo
4.º do estatuto.
Artigo 12.º
Gratuitidade da entrada nos museus e monumentos nacionais
Durante o ano de entrada em vigor da presente lei, o Governo adota as medidas necessárias a assegurar a
gratuitidade da entrada nos museus e monumentos nacionais para todos os antigos combatentes detentores do
cartão referido no artigo 4.º do estatuto.
Artigo 13.º
Protocolos e parecerias
1 – O Ministério da Defesa Nacional pode celebrar protocolos e parcerias com outras entidades, públicas ou
privadas, que proponham conceder benefícios na aquisição e utilização de bens e serviços aos antigos
combatentes.
2 – Os protocolos e parcerias vigentes são divulgados na página da internet do Ministério da Defesa
Nacional.
ANEXO II
(a que se refere o artigo 3.º)
Direitos dos antigos combatentes
Diploma Legal Direitos
Lei n.º 9/2002, de 11 de fevereiro, ……………................. Lei n.º 21/2004, de 5 de junho……………........................ Lei n.º 3/2009, de 13 de janeiro…………………………….
Contagem de tempo de serviço militar. Dispensa de pagamento de quotas. Complemento especial de pensão. Acréscimo vitalício de pensão. Suplemento especial de pensão.
Página 336
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
336
Diploma Legal Direitos
Lei n.º 34/98, de 18 de julho, na sua redação atual........... Decreto-Lei n.º 161/2001, de 22 de maio, na sua redação atual………………………………………………..
Pensão de ex-prisioneiro de guerra.
Decreto-Lei n.º 466/99, de 6 de novembro, na sua redação atual………………………………………………..
Pensão de preço de sangue. Pensão por serviços excecionais e relevantes prestados ao país.
Lei n.º 46/99, de 16 de junho………………………………. Decreto-Lei n.º 50/2000, de 7 de abril……………………..
Apoio médico, psicológico e social no âmbito da Rede Nacional de Apoio (RNA) às vítimas de stress pós-traumático de guerra.
Decreto-Lei n.º 358/70, de 29 de julho……………………. Portaria n.º 445/71, de 20 de agosto………………………
Isenção de propinas de frequência e exame aos combatentes e antigos combatentes de operações militares ao serviço da Pátria, nas quais tenham obtido condecorações e louvores constantes, pelo menos, de Ordem de Região Militar, Naval ou Aérea, ou que, por motivo de tais operações, tenham ficado incapacitados para o serviço militar ou diminuídos fisicamente. Isenção extensível aos filhos dos combatentes referidos anteriormente e aos filhos de militares falecidos em combate.
Direitos dos Deficientes das Forças Armadas (DFA)
Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de janeiro, na sua redação atual ………………………………………………………….
Reabilitação médica e vocacional e fornecimento, manutenção e substituição gratuita de todo o equipamento médico, protésico, plástico, de locomoção auxiliar de visão e outros considerados como complementos ou substitutos da função do órgão lesado ou perdido. Assistência social. Direito de opção pela continuação no serviço. Pensão de reforma extraordinária ou invalidez. Abono suplementar de invalidez. Prestação suplementar de invalidez para os DFA com percentagem de incapacidade igual ou superior a 90% e lhes seja reconhecida a necessidade de assistência de terceira pessoa. Atualização automática de pensões e abonos. Acumulação de pensões e vencimentos. Uso de cartão de DFA. Alojamento e alimentação em deslocações justificadas para adaptação protésica ou tratamento hospitalar. Redução de 75% nos transportes de caminhos-de-ferro. Tratamento e hospitalização gratuitos em estabelecimentos do Estado. Isenção de selo e propinas de frequência e exame em estabelecimento oficial e uso gratuito de livros e material escolar. Prioridade na nomeação de cargos públicos ou para cargos de empresas com participação maioritária do Estado. Concessões especiais para a aquisição de habitação própria.
Página 337
11 DE DEZEMBRO DE 2019
337
Diploma Legal Direitos
Direito de associação no Instituto de Ação Social das Forças Armadas (IASFA). Adaptação do automóvel aos DFA com percentagem de incapacidade igual ou superior a 60%. Isenção de imposto sobre uso e fruição de veículos para os DFA com percentagem de incapacidade igual ou superior a 60%. Recolhimento em estabelecimento assistencial do Estado por expressa vontade do DFA com percentagem de incapacidade igual ou superior a 60%.
Decreto-Lei n.º 167/2005, de 23 de setembro, na sua redação atual……….……………………………………….
Assistência na Doença aos Militares (ADM).
Decreto-Lei n.º 466/99, de 6 de novembro ...................... Pensão de preço de sangue por morte do DFA com percentagem de incapacidade igual ou superior a 60%.
Decreto-Lei n.º 113/2011, de 29 de novembro, na sua redação atual………………………………………………..
Isenção de taxas moderadoras
Direitos dos Grandes Deficientes das Forças Armadas (GDFA)
Decreto-Lei n.º 314/90, de 13 de outubro, na sua redação atual ………………………………………………..
Abono suplementar de invalidez. Prestação suplementar de invalidez para os GDFA com percentagem de incapacidade igual ou superior a 90%. Acumulação de pensões e vencimentos. Uso de cartão de GDFA. Alojamento e alimentação em deslocações justificadas para adaptação protésica ou tratamento hospitalar. Redução de 75% nos transportes de caminhos-de-ferro. Tratamento e hospitalização gratuitos em estabelecimentos do Estado. Isenção de selo e propinas de frequência e exame em estabelecimento oficial e uso gratuito de livros e material escolar. Prioridade na nomeação de cargos públicos ou para cargos de empresas com participação maioritária do Estado. Concessões especiais para a aquisição de habilitação própria. Direito de associação no Instituto de Ação Social das Forças Armadas (IASFA).
Decreto-Lei n.º 167/2005, de 23 de setembro, na sua redação atual………………………………………………..
Assistência na Doença aos Militares (ADM).
Decreto-Lei n.º 466/99, de 6 de novembro……………….. Pensão de preço de sangue.
Decreto-Lei n.º 113/2011, de 29 de novembro, na sua redação atual ………………………………………………..
Isenção de taxas moderadoras.
Direitos dos Grandes Deficientes do Serviço Efetivo Normal (GDSEN)
Página 338
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
338
Diploma Legal Direitos
Decreto-Lei n.º 250/99, de 7 de julho……………………... Abono suplementar de invalidez. Prestação suplementar de invalidez a quem seja reconhecida necessidade de assistência permanente de terceira pessoa para a satisfação das necessidades básicas. Uso de cartão de GDSEN. Alojamento e alimentação em deslocações justificadas para adaptação protésica ou tratamento hospitalar. Redução de 75% nos transportes de caminhos-de-ferro. Tratamento e hospitalização gratuitos em estabelecimentos do Estado. Isenção de selo e propinas de frequência e exame em estabelecimento oficial e uso gratuito de livros e material escolar. Prioridade na nomeação de cargos públicos ou para cargos de empresas com participação maioritária do Estado. Concessões especiais para a aquisição de habilitação própria. Direito de associação no Instituto de Ação Social das Forças Armadas (IASFA).
Decreto-Lei n.º 167/2005, de 23 de setembro, na sua redação atual ………………………………………………..
Assistência na Doença aos Militares (ADM).
Outros Deficientes Militares
Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de dezembro, na sua redação atual………………………………………………..
Pensão de reforma extraordinária ou invalidez.
Decreto-Lei n.º 240/98, de 7 de agosto…………………… Acumulação de pensões e vencimentos.
Decreto-Lei n.º 167/2005, de 23 de setembro, na sua redação atual………………………………………………..
Assistência na Doença aos Militares (ADM).
Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, na sua redação atual ………………………………………………..
Direito a prestações de natureza médica, cirúrgica, de enfermagem, hospitalar, medicamentosa e outras, como fisioterapia, fornecimento de próteses e ortóteses, tendo em vista o restabelecimento de estado de saúde físico ou mental, da capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado e a recuperação da sua vida ativa. Transporte e estada para observação, tratamento e comparência a juntas médicas, atos judiciais, entre outros. Readaptação, reclassificação e reconversão profissional. Direito a indemnização em capital ou pensão vitalícia correspondente à redução na capacidade de trabalho ou ganho, no caso de incapacidade permanente. Direito a subsídio por assistência a terceira pessoa.
———
Página 339
11 DE DEZEMBRO DE 2019
339
PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 52/XIV/1.ª
(RECOMENDA A CRIAÇÃO DE UM PLANO NACIONAL DE CONTROLO DA ESPÉCIE INVASORA
JACINTO-DE-ÁGUA)
PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 58/XIV/1.ª
(PLANO DE AÇÃO PARA CONTROLO DO JACINTO-DE-ÁGUA)
PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 130/XIV/1.ª
(RECOMENDA AO GOVERNO A CRIAÇÃO DE UM PLANO NACIONAL DE AÇÃO PARA O CONTROLO
DA ESPÉCIE INVASORA JACINTO-DE-ÁGUA QUE GARANTA A SUA REMOÇÃO E A RECUPERAÇÃO
DOS ECOSSISTEMAS POR ELA AFETADOS)
Informação da Comissão de Ambiente, energia e Ordenamento do Território relativa à discussão do
diploma ao abrigo do artigo 128.º do Regimento da Assembleia da República
Sobre a discussão dos Projeto de Resolução n.º 52/XIV (BE) – Recomenda a criação de um plano nacional
de controlo da espécie invasora jacinto-de-água; Projeto de Resolução n.º 58/XIV (PEV) – Plano de ação para
controlo do jacinto-de-água; e Projeto de Resolução n.º 130/XIV (PSD) – Recomenda ao Governo a criação
de um plano nacional de ação para o controlo da espécie invasora jacinto-de-água que garanta a sua remoção
e a recuperação dos ecossistemas por ela afetados:
1. O Grupo Parlamentar do BE tomou a iniciativa de apresentar o Projeto de Resolução n.º 52/XIV (BE) –
Recomenda a criação de um plano nacional de controlo da espécie invasora jacinto-de-água.
2. Esta iniciativa deu entrada na Assembleia da República a 12 de novembro de 2019, foi admitida em 14 de
novembro e baixou nesse mesmo dia à Comissão de Ambiente, Energia e Ordenamento do Território para
discussão.
3. O Grupo Parlamentar do PEV tomou a iniciativa de apresentar o Projeto de Resolução n.º 58/XIV (PEV)
– Plano de ação para controlo do jacinto-de-água.
4. Esta iniciativa deu entrada na Assembleia da República a 15 de novembro de 2019, foi admitida em 19 de
novembro e baixou nesse mesmo dia à Comissão de Ambiente, Energia e Ordenamento do Território para
discussão.
5. O Grupo Parlamentar do PSD tomou a iniciativa de apresentar o Projeto de Resolução n.º 130/XIV (PSD)
– Recomenda ao Governo a criação de um plano nacional de ação para o controlo da espécie invasora jacinto-
de-água que garanta a sua remoção e a recuperação dos ecossistemas por ela afetados.
6. Esta iniciativa deu entrada na Assembleia da República a 29 de novembro de 2019, foi admitida em 3 de
dezembro e baixou nesse mesmo dia à Comissão de Ambiente, Energia e Ordenamento do Território para
discussão.
7. As iniciativas foram discutidas conjuntamente ao abrigo do n.º 1 do artigo 128.º do Regimento da
Assembleia da República, em reunião da Comissão de Ambiente, Energia e Ordenamento do Território realizada
em 3 de dezembro de 2019, tendo apresentado os respetivos projetos os Deputados Nelson Peralta (BE),
Mariana Silva (PEV) e Bruno Coimbra (PSD).
8. Intervieram os Deputados Alma Rivera (PCP), Ricardo Pinheiro (PS) e João Moura (PSD).
9. A discussão foi gravada em áudio, encontrando-se disponível para consulta no link
http://media.parlamento.pt/site/XIVLEG/SL1/COM/11_CAEOT/CAEOT_20191203.mp3, dando-se o seu
conteúdo por aqui por reproduzido, e fazendo parte integrante da presente informação.
10. Realizada a discussão dos Projeto de Resolução n.º 52/XIV (BE) – Recomenda a criação de um plano
nacional de controlo da espécie invasora jacinto-de-água; do Projeto de Resolução n.º 58/XIV (PEV) – Plano
de ação para controlo do jacinto-de-água; e do Projeto de Resolução n.º 130/XIV (PSD) – Recomenda ao
Governo a criação de um plano nacional de ação para o controlo da espécie invasora jacinto-de-água que
garanta a sua remoção e a recuperação dos ecossistemas por ela afetados encontram-se em condições de
Página 340
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
340
poderem ser agendado, para votação, em reunião plenária da Assembleia da República, pelo que se remete a
presente informação a Sua Excelência, o Presidente da Assembleia da República.
———
PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 159/XIV/1.ª
ESTUDO DE AVALIAÇÃO SOBRE AS EXTENSAS ÁREAS DE PRODUÇÃO AGRÍCOLA EM REGIME
INTENSIVO E SUPERINTENSIVO
O Sistema Agrícola em Portugal tem sofrido um conjunto acentuado de alterações, das quais se destacam,
pela sua relevância, a alteração do regime de produção com o crescimento de áreas de regadio, a alteração
cultural aumentando as áreas de produção contínua intensiva e superintensiva de culturas permanentes, de que
são exemplo o olival, o amendoal e a vinha, e a concentração da propriedade com o aumento da área média
das explorações agrícolas.
O modo de produção agrícola superintensivo assenta numa sobreexploração da terra, com plantações em
compassos reduzidos, traduzindo-se numa elevada densidade de ocupação do solo, a que se associam
consumos de água superiores aos tradicionais e a utilização massiva de agroquímicos – fertilizantes e pesticidas
– e com uma durabilidade das plantações que raramente ultrapassa os 20 anos.
Este modo de produção tem vindo a ser implantado de forma acentuada no território português, com particular
destaque para a região do Alentejo onde se concentram mais de 187 000 hectares de olival, muitos em regime
superintensivo, dos 358 886 hectares registados para o território nacional.
Esta realidade é particularmente sentida na área de influência do Empreendimento de Fins Múltiplos de
Alqueva (EFMA) com o crescimento das áreas reservadas às monoculturas de olival, vinha e amendoal,
contando-se em 2018 com 52 327 hectares de olival, 6 994 hectares de amendoal e 4 461 hectares de vinha
dos 120 000 hectares de regadio, concluídos desde 2016. Esta realidade revela que cerca de 53% da área de
regadio disponível se encontra ocupada por estas culturas permanentes, quase duplicando a sua importância
no cenário ocupacional cultural considerado na avaliação de impactes dos Projetos associados ao EFMA, que
previa que apenas 30% do território infraestruturado fosse ocupado por culturas permanentes e em que o regime
de exploração se intensifica.
A intensificação destas culturas em áreas contínuas de grande dimensão constitui por si só um risco elevado
das próprias plantações à exposição a agentes bióticos nocivos, requerendo uma atenção redobrada a que se
associa como prática comum a intensificação da utilização de pesticidas para controlo das pragas, em muitos
casos aplicados com recurso a pulverização aérea e pulverização a alta pressão.
O recurso a este tipo de tratamento em grandes extensões, realizadas na proximidade ou abrangendo áreas
sensíveis, quer no que se refere a ocupação humana, quer no que se refere a áreas com estatuto ecológico de
proteção, levanta preocupações que deverão ser tidas em conta visando acautelar efeitos nocivos quer do ponto
de vista da qualidade de vida e da saúde pública das populações, quer da salvaguarda dos valores naturais,
induzindo a contaminação de zonas habitadas, do solo e dos recursos hídricos em presença, impactes que não
têm vindo a ser avaliados de forma sistemática.
Registe-se que diversas populações viram crescer as áreas de culturas superintensivas até escassas
dezenas de metros das suas casas, das suas portas e janelas, sendo recorrentes as queixas de viaturas e outros
equipamentos cobertos por vestígios de substâncias químicas usadas nos tratamentos e também de problemas
respiratórios associados à sua utilização.
Recorde-se que a Delegada de Saúde de Serpa suscitou mesmo uma reunião à Direcção Regional de
Agricultura para avaliar a situação, que nunca foi concretizada por manifesto desinteresse desta entidade.
A comunidade científica é unânime em reconhecer que a intensificação das monoculturas é um fator que
condiciona a biodiversidade dos habitats, passando estas áreas a serem ocupadas por espécies menos
exigentes, com perda das espécies de maior valor conservacionista. Uma análise, ainda que ligeira, dos
diferentes estudos de impacte ambiental que vão sendo produzidos no país para projetos agrícolas é disso
Página 341
11 DE DEZEMBRO DE 2019
341
testemunho, sendo frequente afirmar-se que as áreas ocupadas por monoculturas em regime intensivo
correspondem do ponto de vista estrutural a uma etapa extrema de degradação, sendo pobres do ponto de vista
botânico e sem interesse do ponto de vista da conservação das espécies, constituindo igualmente um fraco
suporte para as espécies faunísticas.
E se a manutenção das plantações e a sua salvaguarda contra pragas constitui fonte de contaminação e
risco para as populações limítrofes, também as operações de colheita mecanizada efetuadas durante a noite
constituem ações que põem em risco a sobrevivência da avifauna que, apesar de maioritariamente não
integrarem espécies de elevado valor conservacionista, utilizam este suporte arbóreo como abrigo.
A prática de regimes culturais superintensivos ao longo de extensas áreas impõe assim um conjunto de
pressões sobre diversos descritores ambientais que está longe de se encontrar avaliado e longe de se
conhecerem as suas consequências a prazo.
Na verdade, se diversos projetos agrícolas desta natureza por si só não atingem os limites impostos para
proceder à sua avaliação ambiental como elemento de licenciamento, a coexistência local de diferentes
explorações semelhantes faz com que, na globalidade, estas ultrapassem largamente os limites mínimos
estabelecidos, justificando-se uma avaliação ambiental conjunta dos mesmos, embora esta não lhes seja
exigida.
Os grandes investimentos hidroagrícolas do país têm promovido o aumento da produção de bens e de
riqueza, mas paralelamente tem estimulado a concentração da propriedade, concentração essa que está longe
de ser favorável à fixação de populações e à dinamização social das povoações, traduzindo-se antes no
aumento das preocupações ambientais e a destruição do património cultural.
Estas explorações em regime superintensivo não promoveram o povoamento, não reduziram o desemprego,
favorecendo a proliferação da precariedade e dos baixos salários; não dinamizaram substancialmente as
economias locais, a não ser uma ou outra empresa de fornecimento de serviços e equipamentos de regadio.
Acresce que, na voragem de lucros imediatos, promotores locais ou estrangeiros, não hesitam em destruir
sítios e património arqueológico, bem como linhas de água.
A multiplicidade de notícias que têm vindo a ser emitidas sobre a temática da agricultura intensiva e
superintensiva e as suas repercussões sobre o ambiente, a saúde humana e a qualidade de vida das populações
são prova da necessidade de se dar outra atenção a este assunto e avaliar qual a dimensão concreta deste
problema encontrando formas de solucionar as consequências perniciosas desta ocupação da terra e optando-
se pela descriminação positiva aos pequenos e médios agricultores, nomeadamente dos detentores do Estatuto
da Agricultura Familiar.
A situação exposta justifica a necessidade de se promover uma avaliação alargada das consequências da
intensificação da utilização da terra em modelos de monocultura intensiva e superintensiva, colmatando o vazio
que a consideração de cada projeto em separado tem permitido pelo que, nos termos da alínea b) do artigo
156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados abaixo assinados do
Grupo Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte projeto de resolução:
Resolução
A Assembleia da República, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, resolve considerar prioritária
a proteção da saúde pública, a salvaguarda do ambiente e a defesa da pequena e média agricultura e do mundo
rural face à proliferação excessiva de explorações agrícolas em regime superintensivo e recomenda ao Governo
que:
a) Promova a elaboração, em articulação com os serviços do Instituto da Conservação da Natureza e das
Floresta (ICNF), da Direção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural (DGADR) e da Direção-Geral do
Território (DGT) de uma carta de ordenamento e cadastro das explorações em regime intensivo e superintensivo,
que contenha entre outros elementos, os seguintes:
a) Identificação das áreas já em construção ou exploração identificando as espécies utilizadas, a densidade
de plantação, o consumo de água e a quantidade de agroquímicos utilizada anualmente.
b) Identificação de áreas de restrição à exploração agrícola superintensiva e respetivas espécies a que se
referem as restrições.
c) Identificação de áreas a sujeitar a restrição de replantação em regime intensivo ou superintensivo.
Página 342
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
342
b) Desenvolva, publique e publicite um Estudo de Avaliação integrada dos efeitos das extensas áreas
ocupadas por culturas agrícolas em regime intensivo e superintensivo que inclua a análise de, pelo menos, os
seguintes aspetos:
a) Efeitos sobre o recurso solo, nomeadamente no que concerne à sua degradação estrutural, contaminação
por agroquímicos, erosão, salinização e desertificação.
b) Efeitos sobre os recursos hídricos superficiais e subterrâneos, quer em termos quantitativos, quer em
termos qualitativos e sua influência sobre os diversos usos dos recursos hídricos.
c) Efeitos sobre a biodiversidade, nomeadamente no que respeita à salvaguarda de habitats com estatuto
de proteção e de espécies de fauna e flora com elevado valor conservacionista.
d) Efeitos sobre a avifauna decorrentes do recurso a colheita mecânica no período noturno.
e) Efeitos sobre património arqueológico local.
f) Efeitos sobre a qualidade de vida das populações nomeadamente no que respeita a riscos para a saúde
pública, potencial alergénico e condicionamento às diferentes atividades do dia-a-dia das populações.
g) Efeitos sobre a criação de emprego local e a dinâmica sociocultural das populações presentes na área de
influência destas zonas.
h) Importância relativa dos apoios públicos disponibilizados para a instalação destas explorações face ao
total de execução dos apoios disponibilizados para o setor agrícola, com análise detalhada por região agrária.
c) Defina regras, para entrada em vigor a curto prazo, que limitem os efeitos mais perniciosos deste tipo de
culturas, impondo as restrições necessárias à minimização destes efeitos, salvaguardando a qualidade de vida
das populações e do ambiente.
Assembleia da República, 11 de dezembro de 2019.
Os Deputados do PCP: João Dias — Bruno Dias — João Oliveira — António Filipe — Paula Santos —
Jerónimo de Sousa — Alma Rivera — Duarte Alves — Ana Mesquita — Diana Ferreira.
———
PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 160/XIV/1.ª
RECOMENDA AO GOVERNO A REALIZAÇÃO DE UM PROGRAMA DE EMERGÊNCIA PARA O
REFORÇO DA RESPOSTA PÚBLICA AO NÍVEL DO PATRIMÓNIO CULTURAL E A VALORIZAÇÃO DOS
MUSEUS, PALÁCIOS, MONUMENTOS E SÍTIOS ARQUEOLÓGICOS
A situação atual da Direção-Geral do Património Cultural (DGPC), dos seus serviços dependentes, e dos
Museus, Palácios, Monumentos e Sítios Arqueológicos (MPMSA) comprova o que o PCP há anos vem vindo a
colocar: o subfinanciamento crónico da área da Cultura e, especificamente, do Património Cultural, é ferramenta
de destruição de serviços públicos e de direitos dos seus trabalhadores e da população em geral.
Conforme tem vindo a ser denunciado pelos trabalhadores, pelos sindicatos e também por vários diretores
dos MPMSA, a situação de escassez de todo o tipo de meios e de trabalhadores alcançou um ponto que, ou
bem que são tomadas medidas imediatas, ou bem que o país se arrisca a perder a possibilidade de transmissão
de conhecimentos e de cultura de organização que poderá demorar décadas a recuperar.
A gestão da atividade arqueológica e da salvaguarda do património arqueológico, a cargo do Departamento
de Bens Culturais da DGPC, da DGPC em geral e das Direções Regionais de Cultura, encontra-se gravemente
afetada em virtude da falta de trabalhadores e de meios técnicos e financeiros.
Entre outras questões, esta situação fragiliza a DGPC relativamente ao cumprimento das suas competências,
ao nível dos pedidos de autorização para trabalhos arqueológicos e dos prazos para apreciação de relatórios
de trabalhos arqueológicos e de processos de obras e operações urbanísticas em áreas e imóveis classificados.
Página 343
11 DE DEZEMBRO DE 2019
343
Na DGPC, a carência de trabalhadores de Arqueologia levou mesmo à realização de uma greve no dia 23
de abril de 2019. A situação específica desta área tem elevada gravidade, face ao número de trabalhadores que
vão passar à reforma em menos de 5 anos como, por exemplo, no Museu Nacional de Arqueologia. Dificuldades
também para o efetivo e regular funcionamento do Centro Nacional de Arqueologia Náutica e Subaquática
(CNANS) e do Laboratório de Arqueociências (LARC), no sentido do cumprimento das missões que lhes
competem a nível nacional e internacional. Relembre-se que o LARC tem a seu cargo Coleções de Referência
como a Osteoteca, a Palinoteca, a Carpoteca e a Xiloteca.
Refira-se o paradigmático caso do Museu Monográfico de Conímbriga – Museu Nacional, cuja Oficina de
Restauro de Mosaicos instalada numa construção provisória nos finais da década de 1970 ali se mantém há
mais de 30 anos, em condições ainda mais precárias em virtude do furacão Leslie (e tem ainda a cobertura
constituída por placas de fibrocimento, possivelmente com amianto). Escola de reconhecidos mosaicistas e de
muitos alunos de conservação e restauro, referência singular no panorama da recuperação do património
romano em Portugal, esta oficina encontra-se encerrada. Aguarda-se a execução do projeto de ampliação e
remodelação do Museu, com a instalação do novo Centro de Restauro de Mosaicos, e a contratação dos
trabalhadores que se aposentaram.
No entanto, a falta de pessoal é considerada como estrutural e transversal, extravasando os serviços de
Arqueologia. A média etária dos trabalhadores, a enorme sobrecarga de trabalho, os baixos salários e a
precariedade colocam a DGPC e serviços dependentes, bem como os MPMSA numa situação injusta para todos
os que, com o seu empenho e um enorme amor à camisola, têm contribuído para o cumprimento da missão de
serviço público imprescindível destas entidades.
O PCP considera que não basta um regime de autonomia mais favorável do que o existente no quadro
anterior, é necessário promover alterações e aumentar o investimento, alicerçando os MPMSA para que possam
cumprir cabalmente a sua missão. Como tal, o PCP defende que tarda uma alteração orgânica que capacite a
Administração Pública central de condições para garantir o integral respeito pela Lei de Bases do Património
Cultural e pela Lei-Quadro dos Museus.
Falta também uma intervenção de fundo que dote, a muito breve trecho, a DGPC, seus serviços dependentes
e os MPMSA de todos os meios materiais e de todos os trabalhadores, em número e com vínculo adequado,
necessários à garantia de existência de um verdadeiro serviço público de cultura.
O PCP defende que é preciso assumir de forma clara e séria o compromisso de defesa do Património Cultural
e levar a cabo um programa de emergência que possa responder às reais necessidades destas instituições e
garantir condições dignas de trabalho e cumprimento da sua missão de interesse público.
Tendo em conta o exposto, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do
artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República
adote a seguinte
Resolução
A Assembleia da República recomenda ao Governo, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da
República, que:
1. Coloque em prática, no ano de 2020, um programa de emergência para o reforço da resposta pública ao
nível do Património Cultural direcionado para a Direção Geral do Património Cultural (DGPC) e serviços
dependentes, bem como para os Museus, Palácios, Monumentos e Sítios Arqueológicos, e que inclua os
seguintes critérios:
a) Contratação de trabalhadores em número adequado e com vínculo de trabalho estável, valorizando as
suas carreiras;
b) Execução de intervenções urgentes de reabilitação e manutenção do edificado;
c) Aquisição de equipamentos em falta, manutenção dos existentes e substituição dos que se encontram
obsoletos;
d) Valorização efetiva dos Sítios Arqueológicos, garantindo a existência de estrutura orgânica e técnica, de
quadro de trabalhadores e de orçamento próprio.
Página 344
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
344
2. Promova uma auscultação pública, envolvendo a DGPC e serviços dependentes, bem como os Museus,
Palácios, Monumentos e Sítios Arqueológicos, seus trabalhadores, organizações representativas, associações
de defesa de património e outras entidades sobre a estruturação orgânica e o serviço público na área do
Património Cultural.
Assembleia da República, 11 de dezembro de 2019
Os Deputados do PCP: Ana Mesquita — Alma Rivera — Paula Santos — João Oliveira — António Filipe —
Jerónimo de Sousa — Duarte Alves — João Dias — Bruno Dias — Diana Ferreira.
———
PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 161/XIV/1.ª
POTENCIAR A REDUÇÃO TARIFÁRIA PARA UMA APOSTA ESTRATÉGICA NA PROMOÇÃO DOS
TRANSPORTES PÚBLICOS
1 – Redução do preço do Passe Social Intermodal – um avanço que importa consolidar
O PCP orgulha-se da sua intervenção ao longo dos anos pela valorização dos transportes públicos e pelo
direito à mobilidade. Não foram poucas as iniciativas apresentadas na Assembleia da República nas últimas
décadas visando a melhoria do Passe Social Intermodal, o alargamento da oferta dos transportes públicos, a
defesa da ferrovia, o combate às privatizações de empresas públicas do sector, a exigência de investimento
públicos, a redução dos preços, seja nas Áreas Metropolitanas, seja no restante território nacional. Uma
intervenção que se associou à luta dos utentes e das populações, ao papel das autarquias e dos próprios
trabalhadores das empresas que asseguram o transporte coletivo no nosso País e que foi determinante para os
avanços que foram inscritos no último Orçamento do Estado por via do designado Programa de Apoio à Redução
Tarifária – PART.
A afetação de 104 milhões de Euros à execução do PART no ano de 2019 aprovada no OE, foi um passo
decisivo para permitir que, a partir de abril de 2019, se tenha concretizado uma substancial redução dos preços
dos passes sociais. Um avanço que contrasta com as opções tomadas pelo anterior Governo PSD/CDS que,
como é sabido, impôs uma política de brutal agravamento dos preços, incluindo para crianças e idosos, de
acelerada degradação da oferta e de privatização de empresas. Medidas que não só se traduziram em mais um
assalto ao bolso das populações como afastaram milhares de utentes dos transportes públicos.
É justa e compreensível a expectativa com que largos milhares de pessoas olham para a concretização da
redução do preço dos transportes públicos, sobretudo pelo enorme impacto que tal medida terá no aumento do
rendimento disponível sobretudo para os trabalhadores, pensionistas e estudantes, que dela irão beneficiar.
Esta medida – redução tarifária – terá o seu maior alcance na transferência de utilizadores para os transportes
públicos, na redução de custos para as famílias e no alargamento da mobilidade, quanto mais for acompanhada,
como é o caso da AM Lisboa, do alargamento geográfico dos passes e de uma intermodalidade plena.
2 – Aposta estruturante
Esta expetativa, não pode levar a ignorar que se trata de um passo num caminho bastante mais longo que é
necessário percorrer e consolidar.
Para o PCP a aposta pelos transportes públicos é uma aposta nacional, por todo um vasto conjunto de razões
das quais se destacam: garantir o acesso à mobilidade dos que cá vivem, estudam e trabalham, e daqueles que
nos visitam; contribuir para a redução do consumo energético e para a redução das emissões poluentes;
Página 345
11 DE DEZEMBRO DE 2019
345
melhorar a saúde das populações e a qualidade de vida nas cidades; diminuir a importação de combustíveis
fósseis e de automóveis.
Os transportes são o principal responsável pelo elevado consumo energético do país e pelos défices que lhe
estão associados. A promoção do transporte público, coletivo, em modo carril de tração elétrica é a resposta
estrutural às preocupações que hoje existem em termos de emissões de dióxido de carbono e monóxido de
carbono para a atmosfera.
Para atingir estes objetivos é necessário criar condições para que cada vez mais portugueses optem por se
tornar utentes regulares da rede de transportes públicos. O que implica que essa rede, necessariamente
intermodal, exista e esteja acessível de forma simplificada, sendo necessário satisfazer, simultaneamente, as
questões que determinam a opção pelo transporte público para deslocações regulares: o preço, a frequência, o
conforto e fiabilidade da oferta.
É assim necessário progredir em três vetores fundamentais: alargar a oferta, estender a opção pelo
transporte público a todo território nacional, assegurar o carácter estratégico que este tem para o País, com o
Estado a assumir o seu papel na garantia desse direito.
3 – Preço, Intermodalidade e Mobilidade
O acesso ao transporte público que já era caro, particularmente desde a privatização da Rodoviária Nacional,
foi ainda brutalmente encarecido pela aplicação do programa das troikas.
Na AML a redução de preço foi acompanhada de um alargamento muito significativo da mobilidade oferecida
pelo Passe Social Intermodal, devido ao alargamento geográfico, e à integração de todos os operadores e de
todas as suas carreiras. Os passes concelhios têm o limite máximo de 30 euros e o passe metropolitano fixou-
se em 40 euros. Estes preços são ainda acompanhados da manutenção das atuais reduções (4_18, Sub23,
social +) e da criação de novas, como seja o passe família, o +65 e o passe gratuito para menores de 13 anos.
Na Área Metropolitana do Porto, houve igualmente uma redução significativa no preço dos títulos intermodais,
com o mesmo padrão 30/40 para passes concelhios ou alargados, apesar do sistema não incluir ainda toda a
área metropolitana.
Sendo evidente que a implantação dos transportes públicos nas Áreas Metropolitanas é muito superior ao
das restantes regiões, não é menos patente a necessidade de alargar essa oferta ao resto do país. Refira-se
neste âmbito a necessidade de superar a dificuldade criada a muitas regiões com o facto do PART não ter em
conta as deslocações pendulares entre diferentes Comunidades Intermunicipais e destas para as Áreas
Metropolitanas, questão abordada em detalhe no Projeto de Resolução n.º 1943/XIII apresentado pelo PCP a
16 de janeiro de 2019. Aliás, como o PCP expressamente alertava nessa resolução, além da injustiça da
diferença abissal de preços, concretizaram-se as flutuações de utentes provocadas pelo facto dessas ligações
inter-regionais terem ficado de fora do PART, criando brutais desequilíbrios na oferta, que afetaram os utentes
de concelhos como Mafra ou Moita por exemplo.
Outra dificuldade que se regista em várias regiões é que as soluções adotadas na sequência do PART não
contemplam a plena intermodalidade, assemelhando-se em muitos casos a meros descontos nos passes de
Linha, o que sendo ainda assim de valorizar, é uma política limitada e com resultados limitados.
Acresce que o Estado Central transferiu para as Autarquias as competências relativas ao transporte público
rodoviário, mas sem transferir as verbas necessárias para esse efeito. As que transferiu, além de provisórias,
são meras despesas de criação de estrutura, insuficientes até para essa função limitada. Da mesma forma, a
ausência de uma efetiva regionalização coloca as CIM e as AM a responder a competências para as quais não
estão minimamente preparadas do ponto de vista técnico e humano.
4 – Alargar a resposta a todo o território nacional
Página 346
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
346
A oferta de transporte público deve ter âmbito nacional. Com a privatização e desmembramento da
Rodoviária Nacional, com o encerramento de centenas de quilómetros de linhas de caminho-de-ferro, com a
transferência destas responsabilidades para as Autarquias, designadamente por via do Regime Jurídico do
Serviço Público de Transporte de Passageiros, a oferta de transporte público fora das áreas metropolitanas é,
em grande parte do território nacional, muito reduzida, colocando milhares de pessoas na dependência do
transporte individual.
O PCP considera que não existe coesão territorial nem desenvolvimento sem uma aposta nesta vertente pelo
que se impõe um forte investimento na promoção do transporte público para lá das Áreas Metropolitanas,
assumindo o Governo a responsabilidade de reforçar a dotação orçamental para as diferentes Comunidades
Intermunicipais, de avançar para a criação de um operador público rodoviário de âmbito nacional, de reforçar o
investimento público em infraestruturas e oferta.
Num quadro em que devem prevalecer critérios de equidade entre as Áreas Metropolitanas e o restante
território nacional, o PCP considera que devem ser tomadas medidas de modo a garantir o mesmo princípio
geral: passes intermodais de âmbito concelhio com valor máximo de 30€, passes intermodais no âmbito de cada
Comunidade Intermunicipal com valor máximo de 40€; e soluções intermodais para as ligações pendulares inter-
regionais.
5 – Oferta: quantidade, qualidade e fiabilidade
A redução de preços irá não só beneficiar os atuais utentes como tenderá a atrair novos utentes o que exige
que seja acompanhada do aumento da oferta. Sem uma oferta adequada, muitos não poderão fazer a opção
pelos transportes públicos.
Há que considerar dois tipos de respostas à questão da oferta. Desde logo, as medidas com efeitos imediatos,
como a admissão de trabalhadores para as áreas operacionais designadamente de manutenção de material
circulante e navegante. Mas também as medidas que levam anos a implementar como a aquisição de material,
a melhoria da infraestrutura e a reconstrução do aparelho produtivo, que não podem continuar a ser adiadas.
6 – Investir na aquisição e repor a capacidade de manutenção e reparação do material circulante e
navegante; investir nas estações, paragens e na mobilidade inclusiva
A EMEF continua a não ter trabalhadores suficientes para responder às necessidades de Manutenção e
Reparação da frota. Apesar das sucessivas promessas de contratação de novos trabalhadores, apesar das
meritórias decisões do Conselho de Ministros de junho, a realidade é que as contratações continuam a não ser
realizadas na quantidade necessária. Também no Metro de Lisboa, a manutenção está claramente
subdimensionada com recurso crescente à externalização de funções. Na Transtejo e na Soflusa, apesar de
sucessivos anúncios, ainda não foi recuperada a capacidade perdida ao longo de anos de desinvestimento. Por
outro lado, não são apenas as cativações (assumidas ou não) que explicam, designadamente, a baixa taxa de
concretização dos sucessivos planos de investimento aprovados ao longo dos anos. A degradação e
enfraquecimento de diversas estruturas do Estado, com a junção das Estradas de Portugal e da REFER na IP,
a degradação da capacidade de projeto, fiscalização e gestão de empreendimentos ferroviários, com a falta de
meios e recursos dos laboratórios nacionais, confirmam a debilidade da capacidade de resposta à manutenção
de material circulante e navegante. Impõe-se reconstruir estas estruturas do Estado e dotando-as dos meios
adequados.
O anterior Governo somou-se à lista dos Governos que completaram uma legislatura sem ter adquirido
qualquer comboio, o que tem acontecido desde o encerramento da Sorefame em 2003/2005. Nos últimos 15
anos, foram cancelados todos os anúncios de aquisição de material circulante. O anterior Governo lançou
concursos, mas apenas para 22 comboios para o serviço Regional e 14 composições (de três carruagens) para
o Metropolitano de Lisboa. As decisões assumidas no quadro do Orçamento do Estado para 2019, de aquisição
de navios ou de composições para o Metro do Porto, estão ainda por concretizar. É verdade que o Governo dá
sinais de estar finalmente a concretizar a Resolução n.º 1443/XIII de 23 de março de 2018 da Assembleia da
Página 347
11 DE DEZEMBRO DE 2019
347
República, proposta pelo PCP, nomeadamente quando assume a necessidade de criar condições para uma
maior incorporação nacional na produção de material circulante, e quando o Presidente da CP começa a falar
no assumir e planear as necessidades de material a 20 anos. Mas continuamos longe de um Plano Nacional
para o Material Circulante, nos termos aprovado na Resolução citada. Assim, no imediato, coloca-se a
necessidade de comprar comboios para a resposta ao serviço suburbano, alargar a encomenda do serviço
Regional e adquirir o material necessário para alargar a oferta no serviço de Longo Curso. Igualmente coloca-
se a necessidade de aquisição de mais navios para as empresas que asseguram a travessia do Tejo, bem como,
o reforço de verbas que permitam investir no alargamento e a renovação de frotas, com critérios de equidade
(entre as áreas metropolitanas e o restante território nacional), do conjunto dos operadores públicos de natureza
local que estão no terreno.
Impõe-se também a necessidade de voltar a dignificar e requalificar estações, paragens, gares e cais de
embarque.
É também urgente garantir a acessibilidade económica e física dos cidadãos com mobilidade reduzida a
todos os modos de transporte público. Tal requer, para lá da eliminação das barreiras arquitetónicas, uma
uniformização dos tarifários e descontos aplicados nas várias empresas de transporte público, bem como, a
dotação no Orçamento do Estado da verba que compense as empresas pelos descontos efetuados
7 – Enfrentar as desastrosas consequências da destruição da Rodoviária Nacional: o processo de
contratualização da operação rodoviária de passageiros
Com exceção de algumas cidades, (Lisboa, Porto, Coimbra, Évora, Braga, Barreiro, Portalegre, Guimarães,
etc.) o transporte rodoviário é assegurado por empresas privadas, a maioria das quais resultou da privatização
da Rodoviária Nacional. A competência destes transportes foi transferida para as Autarquias, que estão agora
confrontadas com a necessidade de realizar a contratualização destes serviços (limite a 3 de dezembro de 2019
prorrogado por um máximo de dois anos).
Com a destruição da Rodoviária Nacional, o transporte rodoviário encolheu, reduziu-se à procura solvente
ou impôs às Autarquias elevados custos para manter uma mínima oferta.
Este processo de contratualização deve ser aproveitado para corrigir um conjunto de entorses que afetam o
transporte rodoviário:
– Assumindo que o Estado Central assegura uma oferta ferroviária modernizada e fiável, o transporte
rodoviário deve assegurar transbordos com essa oferta, promovendo a intermodalidade e a rentabilização dos
investimentos na ferrovia. A reposição de uma resposta pública no plano do transporte rodoviário, deverá ser
um objetivo a perseguir e a concretizar no médio prazo.
– As Autarquias enfrentam hoje limitações de gestão que muitas vezes dificultam a escolha pelas opções
mais racionais e promovem a subcontratação de serviços. O Governo deve libertar as Autarquias desses
constrangimentos e desenvolver mecanismos que promovam a melhor e mais racional opção pela administração
direta dos serviços públicos.
8 – Outros investimentos no plano da oferta
Para além dos avanços que são necessários no plano da oferta pública no transporte ferroviário e rodoviário,
há ainda formas complementares de transporte que podem e devem ser potenciadas. Sublinham-se, entre
outros aspetos, a aposta no transporte fluvial na AML, com um investimento robusto e sempre adiado de reforço
na oferta existente por parte da Transtejo e Soflusa (empresas com idênticos problemas de subfinanciamento e
desinvestimento na frota), bem como, numa clara aposta na diversificação da oferta privilegiando o modo de
carril com tração elétrica enquanto opção que pode ser a adequada em alguns dos principais centros/eixos
urbanos no País, como é exemplo o Metro Sul do Tejo ou o Metro do Mondego.
9 – As infraestruturas
Página 348
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
348
Ao longo dos anos a desvalorização do transporte público foi tão longe que o chamado Plano Estratégico de
Transportes e Infraestruturas – PETI do anterior Governo PSD/CDS quase excluía das prioridades nacionais de
investimento a aposta no transporte público. O atual Plano Nacional de Infraestruturas, PNI 2030, evoluiu, e já
reconhece a necessidade de investimentos estratégicos para melhorar a oferta de transportes públicos,
particularmente ao nível ferroviário.
Só que continua marcado por opções que não servem os interesses nacionais. Desde logo, com níveis de
investimento muito baixos, que depois se agravam com as ainda menores taxas de execução desse mesmo
investimento. E se o investimento é pequeno, muito dele ainda será capturado pelos grupos económicos
privados.
É necessário lançar um ambicioso projeto de investimentos plurianual nas infraestruturas, que tenha como
preocupação a promoção e articulação com o aparelho produtivo nacional e a criação de emprego,
designadamente na aquisição e montagem de autocarros, material circulante e navios, e a expansão das redes
de metropolitano, a renovação de estações, cais de embarque e gares, capazes de dar resposta às
necessidades futuras. É urgente o retomar das obras das infraestruturas rodoviárias e ferroviárias paralisadas e
em processo de degradação, bem como, toda a beneficiação e renovação das estradas nacionais e municipais.
10 – Contratualização com os operadores públicos
O processo de contratualização do serviço público com a CP deveria garantir-lhe as condições que até agora
o governo apenas assegurou ao operador privado (como a Fertagus). À CP é necessário garantir o necessário
material circulante, as devidas compensações pela integração no passe social até hoje reservadas aos privados
e considerando o tarifário reduzido que pratica, tendo presente que os seus preços são sempre inferiores em
50/60% aos da Fertagus. Acresce a reconstrução de uma articulação entre investimentos na infraestrutura e
investimento no material circulante, no reforço da oferta e de interfaces com os restantes modos de transporte.
O processo que avançou recentemente, com grande pompa e circunstância, aliou a profusa divulgação do
acontecimento com a total omissão dos conteúdos verdadeiramente contratualizados. Como já se queixaram os
trabalhadores do sector e as organizações dos utentes, não é público o que efetivamente foi contratualizado.
Na propaganda feita dessa contratualização, falou-se muito das obrigações da CP e das penalidades que
esta sofreria se de falhasse os objetivos traçados, mas não se falou das obrigações do Governo de permitir que
a CP respondesse como deseja. É que foi o subfinanciamento, a suborçamentação e o desinvestimento público
que criaram as dificuldades que urge agora superar. Sem esquecer as absurdas imposições que fazem depender
da autorização do Ministério das Finanças a aquisição de um parafuso, ou que obrigam, em nome de uma falsa
transparência, a que qualquer contrato público se arraste num longo processo de autorização, concurso e
litigância, alimentando escritórios de advogados, empolando custos e adiando a resolução de problemas
urgentes das empresas e dos utentes.
Uma contratualização justa e transparente deve ser garantida com todos os operadores públicos onde ela
ainda não existe, desde logo o Metropolitano de Lisboa, Transtejo, Soflusa, acabando com a sua exclusão dos
apoios públicos ao serviço público.
11 – Uma aposta estratégica para o país
A decisão que foi tomada no Orçamento de 2019 deve encontrar consagração e institucionalização legal que
lhe assegure sustentabilidade e progresso futuros, num quadro de assunção pela Administração Central das
responsabilidades que lhe cabem e de não transferência encargos futuros para as Autarquias e população.
Alargar a oferta, estender a opção pelo transporte público a todo território nacional, assegurar o carácter
estratégico que este tem para o País, com o Estado a assumir o seu papel na garantia desse direito, eis os
elementos centrais desta iniciativa legislativa que o PCP apresenta. O PCP assume que a aposta nos transportes
públicos que propõe, exigirá nos próximos anos, um investimento público de muitas centenas de milhões de
euros. Investimento que para ser concretizado, com todos os benefícios que o mesmo tem para as populações,
para a economia nacional, para o ambiente, exige aquilo que PS, PSD e CDS se têm recusado a fazer: enfrentar
Página 349
11 DE DEZEMBRO DE 2019
349
as imposições da União Europeia, romper com os interesses dos grupos económicos. Mas a vida também mostra
que vale a pena intervir e lutar pela redução do preço dos transportes públicos tornado possível através do
PART, uma medida que hoje dizem ter sido precipitada os mesmos que antes afirmavam ser impossível tal
redução de preços.
Assim, tendo em consideração o acima exposto, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da
República e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo
assinados do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, propõem que a Assembleia da República
adote a seguinte Resolução:
A Assembleia da República, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República, resolve
recomendar ao Governo a concretização das seguintes medidas:
1 – Sobre a política tarifária e a redução de preços nos transportes públicos:
a) O desenvolvimento das medidas necessárias para garantir os recursos necessários ao impacto nacional
da redução tarifária a ser implementada em 2020, apontando como objetivo que nenhum passe concelhio
ultrapasse os 30 euros, e nenhum passe regional ultrapasse os 40 euros.
b) A garantia de continuidade dos apoios à manutenção ou introdução, em todo o país, dos descontos
tornados possíveis nas áreas metropolitanas, nomeadamente: 4_18, Sub_23, +65 e criança.
c) A aplicação do devido financiamento, na contratualização com a CP, que garanta a necessária redução
tarifária no plano das ligações ferroviárias urbanas, suburbanas e regionais.
2 – Sobre a quantidade, a qualidade e fiabilidade da oferta em todo o território nacional:
d) O levantamento dos bloqueios e constrangimentos à contratação de trabalhadores para dar resposta às
necessidades operacionais, com particular urgência para as contratações necessárias à reposição da
capacidade de manutenção e reparação das frotas de navios e material circulante (Transtejo/Soflusa, EMEF,
Metropolitano de Lisboa), para o funcionamento das estações (CP, ML) e para a reconstrução da Engenharia
Ferroviária Nacional (CP e IP).
e) A concretização urgente do Plano Nacional de Material Circulante Ferroviário, aprovado a 15-06-2018
pela Resolução da Assembleia da República n.º 235/2018, com prioridade para a reparação, revisão,
manutenção ou substituição das séries no limite de vida útil a curto prazo.
f) O desenvolvimento das medidas necessárias no sentido da reconstrução de um operador público
rodoviário de âmbito nacional e reconsolidar a CP como o operador público ferroviário.
g) A implementação imediata de um plano nacional de acessibilidade ao transporte público, que inclua a
audição das organizações de pessoas com deficiência e uma verba específica para que as empresas realizem
as obras necessárias a este fim.
3 – Sobre o carácter estruturante do desenvolvimento do transporte público em Portugal:
h) A reformulação do PNI 2030, aumentando as verbas destinadas ao investimento público no período,
evitando o desperdiçar de recursos públicos em opções erradas ou em PPP sempre desastrosas.
i) A determinação no sentido de que o processo de contratualização do transporte rodoviário de
passageiros, em curso, seja aproveitado pelo Governo, em colaboração com as Autarquias, para aprofundar o
caminho da redução tarifária, para garantir uma melhoria da oferta e da sua intermodalidade.
j) A divulgação pública do contrato assinado entre a CP e o Estado, e a sua eventual revisão caso não
garanta à CP os meios para a necessária redução tarifária e a programação do aumento da oferta e da sua
fiabilidade.
Assembleia da República, 11 de dezembro de 2019.
Os Deputados do PCP: Bruno Dias — Duarte Alves — António Filipe — João Oliveira — Jerónimo de Sousa
— Diana Ferreira — Ana Mesquita — Alma Rivera — João Dias — Paula Santos.
Página 350
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
350
———
PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 162/XIV/1.ª
PELA ARTICULAÇÃO TARIFÁRIA E PROMOÇÃO DA REDUÇÃO DE PREÇOS DOS TRANSPORTES
NAS LIGAÇÕES ENTRE ÁREAS METROPOLITANAS E COMUNIDADES INTERMUNICIPAIS LIMÍTROFES
O PCP orgulha-se da sua intervenção ao longo dos anos pela valorização dos transportes públicos e pelo
direito à mobilidade. Foram muitas as iniciativas apresentadas na Assembleia da República nas últimas décadas
visando a melhoria do Passe Social Intermodal, o alargamento da oferta dos transportes públicos, a defesa da
ferrovia, o combate às privatizações de empresas públicas do sector, a exigência de investimento público, a
redução dos preços, seja nas áreas metropolitanas, seja no restante território nacional. Uma intervenção que se
associou à luta dos utentes e das populações, ao papel das autarquias e dos próprios trabalhadores das
empresas que asseguram o transporte coletivo no nosso País e que foi determinante para os avanços que foram
inscritos no último Orçamento do Estado por via do chamado Programa de Apoio à Redução Tarifária – PART.
É justa e compreensível a expectativa com que largos milhares de pessoas olham para a concretização da
redução do preço dos transportes públicos, sobretudo pelo enorme impacto de tal medida no aumento do
rendimento disponível, sobretudo para os trabalhadores, pensionistas e estudantes que dela beneficiam e
podem beneficiar. Foi sobretudo nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, com a fixação do valor para todos
os passes intermodais entre os 30 euros (concelhio) e os 40 euros (metropolitano), que esta medida terá o seu
maior alcance. No caso da AML a poupança por utente permitiu ultrapassar os 100 euros mensais face aos
valores que eram pagos. No entanto, essa realidade não pode levar a ignorar de que se trata de um passo num
caminho bastante mais longo que é necessário percorrer e consolidar.
Para o PCP a aposta pelos Transportes Públicos tem que ser uma aposta nacional, por todo um vasto
conjunto de razões das quais destacamos: garantir o acesso à mobilidade das populações; contribuir para a
redução do consumo de combustível importado e para a redução das emissões poluentes; diminuir a importação
nacional de petróleo e automóveis.
Para atingir muitos destes objetivos é necessário que cada vez mais portugueses optem por se tornar utentes
regulares da rede de transportes públicos, não só nas áreas metropolitanas, mas nas várias regiões, desde logo
no interior do país. O que implica que essa rede – necessariamente intermodal – exista e esteja acessível de
forma simplificada, sendo necessário satisfazer – simultaneamente – as questões que determinam qualquer
possibilidade de opção pelo Transporte Público para deslocações regulares: o preço, a quantidade, a frequência,
o conforto e fiabilidade da oferta. Para o PCP há que transformar este avanço numa verdadeira aposta nacional
na promoção do transporte público.
O PART é um programa nacional, que na sua concretização deve necessariamente ter em conta a situação
específica dos movimentos pendulares para as Áreas Metropolitanas dos concelhos limítrofes. Esses
movimentos pendulares, no caso da AML, têm passes mensais que oscilam entre os 90 euros (Passe Linha CP
Azambuja) e os cerca de 200 euros no caso das ligações rodoviárias de operadores privados.
É preciso agora garantir duas coisas: que esses utentes tenham uma redução nas suas tarifas proporcional
à que se registará designadamente para a AML; e que essas reduções a aplicar aos utentes das ligações
pendulares não esgotem as verbas do PART das respetivas CIM, por forma a permitir que todos os utentes
possam beneficiar da redução tarifária.
No caso do transporte ferroviário, a Autoridade de Transportes é o próprio Governo, o que deverá facilitar o
processo, mas implica que a CP seja compensada pelo Governo pelo estabelecimento das novas tarifas. No
caso dos operadores rodoviários nas ligações à Área Metropolitana de Lisboa, as respetivas Autoridades de
Transporte serão as CIM do Oeste, da Lezíria do Tejo, do Médio Tejo, do Litoral Alentejano ou do Alentejo
Central, que terão que estabelecer protocolos com a AML para garantir os direitos destes utentes pendulares,
mas necessitam ainda de salvaguardar a redução tarifária em toda a sua rede interna. Idênticas situações
Página 351
11 DE DEZEMBRO DE 2019
351
existem desde logo nas ligações à Área Metropolitana do Porto, nos movimentos pendulares de e para concelhos
das CIM limítrofes.
Mesmo tendo em conta a possibilidade de reduzir os preços cobrados pelos operadores privados em muitas
dessas ligações, a redução tarifária nestas situações implicará sempre um custo unitário significativo, que deve
ser tido em conta na aplicação dos recursos financeiros. É indispensável, assim, tomar medidas concretas
levando a intermodalidade e a redução tarifária a todo o País, estabelecendo um teto máximo nacional de 40
euros para um passe mensal que dê acesso aos transportes públicos de cada região e proporcionalmente às
ligações pendulares inter-regionais, avançando para uma progressiva desmercantilização deste serviço público.
Assim, tendo em consideração o acima exposto, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da
República e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo
assinados do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, propõem que a Assembleia da República
adote a seguinte Resolução:
A Assembleia da República, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República, resolve
recomendar ao Governo a adoção das seguintes medidas:
1. A consideração da distribuição das verbas do Programa de Apoio à Redução Tarifária visando garantir os
meios necessários à articulação tarifária entre áreas metropolitanas e comunidades intermunicipais limítrofes,
no sentido de viabilizar modalidades tarifárias de extensão ou complemento ao passe que incluam territórios
com movimentos pendulares significativos com a área metropolitana em causa.
2. O reforço dos meios financeiros que se revelem necessários à concretização das medidas referidas no
n.º 1.
3. A definição de orientações à CP para a redução tarifária nas suas assinaturas e para a consideração de
passes combinados que articulem a ligação ferroviária com os novos passes intermodais das áreas
metropolitanas, salvaguardando a devida compensação financeira à CP por esta redução tarifária.
Assembleia da República, 11 de dezembro de 2019.
Os Deputados do PCP: Bruno Dias — Duarte Alves — António Filipe — João Oliveira — Jerónimo de Sousa
— Diana Ferreira — Ana Mesquita — Alma Rivera — João Dias — Paula Santos.
———
PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 163/XIV/1.ª
PELO INVESTIMENTO E GESTÃO PÚBLICA NA REDE VIÁRIA FUNDAMENTAL – REINÍCIO URGENTE
DAS OBRAS DO IP2 E IP8 E FIM DA PPP RODOVIÁRIA BAIXO ALENTEJO
Exposição de motivos
Portugal precisa de investimento, sobretudo de investimento público, capaz de responder às necessidades
de desenvolvimento do aparelho produtivo, de mobilidade de pessoas e mercadorias, de aproveitamento dos
recursos e potencialidades nacionais, de coesão territorial e proteção do meio ambiente, combatendo
dependências, desigualdades e injustiças.
Ao longo de dezenas de anos, PS, PSD e CDS convergiram num rumo de desvalorização desta componente
decisiva do desenvolvimento nacional, com consequências desastrosas no tecido económico e social do País,
contribuindo para um território cada vez mais desigual, um aparelho produtivo fragilizado, uma economia que
nas últimas duas décadas regista um crescimento médio anual em relação ao PIB inferior a 1%.
Portugal precisa não apenas de um investimento que reponha o desgaste e degradação das infraestruturas
existentes, mas também que alavanque a economia nacional, o emprego, os salários, a criação de riqueza para
o País. Um investimento que responda às necessidades nacionais, em vez de estar submetido ao Euro e às
Página 352
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
352
imposições da UE. Um investimento apoiado em fortes empresas públicas, para além de estruturas da
administração central em vez de estar atrelado aos interesses dos grupos económicos.
Coloca-se uma de duas opções para a próxima década: ou persistir no caminho que PS, PSD e CDS têm
vindo a impor com os baixos níveis de investimento que se conhecem, ou uma política patriótica e de esquerda
que aposte no desenvolvimento harmonioso do aparelho produtivo nacional e planifique o investimento nas
infraestruturas de forma integrada.
O investimento em infraestruturas que o País precisa requer uma rutura com as imposições da União
Europeia e do Euro e os interesses do grande capital. Investimento cuja concretização reclama uma maior
mobilização de recursos do que aquela que está prevista e que é incompatível com a submissão à ditadura do
défice enquanto fator de atraso e subdesenvolvimento do País.
Desde há muito que o PCP tem vindo a questionar os sucessivos Governos sobre a conclusão de eixos
viários estruturantes para as populações e a economia regional e local, como é o caso do IP2 e ou do IP8. Nas
Jornadas Parlamentares do PCP realizadas em Évora a 5 e 6 de dezembro de 2019 verificou-se, no local do
troço Évora (A6/IP7) / S. Manços, a situação de abandono em que se encontra este projeto.
É quase uma década perdida em que a conclusão do IP2 foi abandonada – com particular responsabilidade
para os Governos PS/Sócrates e PSD/CDS de Passos e Portas, em que a interrupção das obras e as
«renegociações» dos contratos vieram confirmar e evidenciar a realidade destas «subconcessões» rodoviárias.
Em primeiro lugar, que a modernização das infraestruturas e das redes viárias fundamentais para as populações
e a economia exige uma outra política, com uma aposta efetiva no investimento público, relançando obras
indispensáveis como a do IP2; em segundo lugar, que é urgente e indispensável desamarrar o país desta opção
ruinosa das PPP, em que ainda permanece bloqueado o IP2 (ou o IP8, por exemplo), com todas as
consequências que continuam a fazer-se sentir.
O Plano Rodoviário Nacional, aprovado através do decreto-lei n.º 380/85 de 26 de setembro, alterou o plano
rodoviário nacional de 1945 e pela primeira vez consagrou a existência de itinerários principais (IP) e itinerário
complementares (IC). É no plano de 1985 que são pela primeira vez são consagrados o IP2, com troços
passando por Portalegre, Évora, Beja e Ourique; o IP 8 entre Sines e Vila Verde de Ficalho; e o IC4 entre Sines
e Faro, passando pelo concelho de Odemira. A versão do Plano Rodoviário Nacional aprovada em 1998 (através
do Decreto-lei n.º 222/98, de 17 de julho), mantem os itinerários anteriores e acrescenta o IC 27, ligando Beja
(IP2), Mértola e Castro Marim (IP1).
Para o Plano Rodoviário Nacional de 1985 foi estabelecido um Plano de Médio e Longo Prazo 1987/1995
apresentado pela Junta Autónoma de Estradas que indicava como prazo para a conclusão do plano, o ano 1995,
no entanto nesse ano a taxa de execução era apenas de 50%.
Passaram mais de trinta anos desde a sua previsão, e estes itinerários continuam por concluir: alguns nem
começados estão, por responsabilidade de sucessivos governos de PS, PSD e CDS, que foram anunciando por
diversas vezes e com grandes declarações, que estes projetos estariam concluídos «em breve».
O Governo PS na passada legislatura optou por não romper com estas opções da política de direita mas,
com a situação que está colocada à região e ao país, o que se impõe é a interrupção destas ruinosas PPP e o
investimento efetivo, através da gestão pública, para a conclusão destas obras indispensáveis à coesão
territorial e ao desenvolvimento. É nesse sentido que o PCP propõe a presente iniciativa à Assembleia da
República.
Assim, tendo em consideração o acima exposto, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da
República e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo
assinados do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, propõem que a Assembleia da República
adote a seguinte Resolução:
A Assembleia da República, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República, resolve
recomendar ao Governo que:
1. Adote as medidas adequadas para uma solução imediata para os graves problemas no IP2 e no IP8,
garantindo a segurança na circulação e o arranque imediato das obras de construção;
2. Promova a abertura imediata, no IP 8, do troço já concretizado entre o nó de Grândola Sul e Santa
Margarida do Sado e calendarize e assegure a conclusão do IP8 na sua totalidade entre Sines e Vila Verde de
Ficalho, conforme definido no Plano Rodoviário Nacional, em perfil de autoestrada e sem portagens;
Página 353
11 DE DEZEMBRO DE 2019
353
3. Desenvolva e concretize um Plano de Investimento que qualifique a rede viária e promova o cumprimento
integral do Plano Rodoviário Nacional na região do Alentejo;
4. Inicie um processo de extinção do atual contrato de Parceria Público Privada da «subconcessão Baixo
Alentejo» com vista à gestão pública da rede viária, recorrendo aos mecanismos legais e contratuais que
garantam da melhor forma a salvaguarda do interesse público.
Assembleia da República, 11 de dezembro de 2019.
Os Deputados do PCP: Bruno Dias — Duarte Alves — João Oliveira — João Dias — Ana Mesquita — Paula
Santos — Jerónimo de Sousa — António Filipe — Diana Ferreira — Alma Rivera.
———
PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 164/XIV/1.ª
RECOMENDA AO GOVERNO A ADOÇÃO DE MEDIDAS DE PROTEÇÃO DO ESTUÁRIO DO SADO
A importância do Estuário do Sado e do seu património natural e cultural justifica o estatuto de proteção que
lhe é concedido, designadamente, através da criação da Reserva Natural do Estuário do Sado, criada pelo
Decreto-Lei n.º 430/80, de 1 de outubro, que visou fundamentalmente assegurar a manutenção da vocação
natural do estuário, o desenvolvimento de atividades compatíveis com o equilíbrio do ecossistema estuarino, a
correta exploração dos recursos, a defesa de valores de ordem cultural ou científica, bem como a promoção do
recreio ao ar livre.
Esta Reserva tem um reconhecível valor científico que ultrapassa as fronteiras do nosso país tendo sido
classificada internacionalmente como Zona de Proteção Especial para as Aves (PTZPE0011 – Estuário do Sado)
ao abrigo da Diretiva 79/409/CEE (revogada pela Diretiva 2009/147/CE – Diretiva Aves), PTCON0011 – Sítio
Estuário do Sado ao abrigo da Diretiva 92/43/CEE (Diretiva Habitats), Sítio Ramsar ao abrigo da Convenção de
Ramsar, como Área Importante para as Aves Europeias (designação da Comissão Europeia) e Biótopo CORINE
(C14100013), ao abrigo do programa CORINE 85/338/CEE.
Da caracterização feita do Estuário pela Reserva Natural no seu sítio na internet destaca-se o seguinte:
«Trata-se de uma formação estuarina de grandes dimensões, separada do mar no seu troço final por um
cordão dunar (Península de Tróia). A comunicação com o oceano faz-se através de uma estreita garganta
ocupada por terrenos arenosos. Inclui troços de rio, bancos de vasa e de areia, praias e dunas costeiras, lagoas
de água doce, caniçais, matos esclerófilos, montados e áreas agrícolas com pastagens, culturas arvenses de
regadio (arroz) e plantações florestais (sobreiro, pinheiro e eucalipto).
É uma zona húmida com uma notável diversidade paisagística, em boa medida suportada por atividades
agro-silvo-pastoris de baixa intensidade. Em termos florísticos, esta unidade destaca-se pela ocorrência de
extensos sapais complexos e outros ecossistemas tolerantes à salinidade e pela ocorrência de extensos
complexos paleo-dunares nos quais se salientam a ocorrência de espécies vegetais próprias de terrenos
arenosos enxutos importantes para a conservação da biodiversidade.
O interesse faunístico desta área reside essencialmente na riqueza, diversidade e consistência da
comunidade de aves (em particular aquáticas) que alberga. No entanto a presença de habitats diversificados
potencia a ocorrência de outros grupos de fauna onde se destacam algumas espécies interessantes,
designadamente o Flamingo, o Perna-longa e o Tartaranhão-ruivo-dos-pauis.
É ainda uma importante área de passagem e invernada para um grande número de espécies de aves
aquáticas, sendo considerada a terceira zona húmida portuguesa para aves limícolas. A ocorrência regular de
mais de 20 000 aves aquáticas confere um estatuto de importância internacional a esta zona húmida. A sua
Página 354
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
354
importância é ainda justificada por suportar mais de 1% da população invernante (na Europa ocidental) de
alfaiate, tarambola-cinzenta, pato-trombeteiro e corvo-marinho-de-faces-brancas.
No que respeita aos mamíferos, a área destaca-se por ser o único local conhecido na costa portuguesa onde
existe uma população residente de roaz-corvineiro. É também um dos poucos locais conhecidos no país para o
morcego-negro, destacando-se ainda o rato de Cabrera (na ribeira da Marateca), a lontra e o toirão como
espécies de estatuto de conservação desfavorável.
O estuário apresenta uma ictiofauna bastante rica e diversificada, incluindo diversas espécies com valor
comercial e biológico, que em Portugal só encontra paralelo no Estuário do Tejo, nas Rias de Aveiro e Formosa.
Destacam-se o sável e a savelha, dois peixes migradores que utilizam os estuários para a criação. Também são
referidos como quantitativos importantes o choupa, o linguado-ferrugento, o garrento, a raia-riscada e o linguado.
O estuário do Sado é muito importante a nível nacional no que diz respeito aos recursos haliêuticos. A fauna
de invertebrados ocorrente no estuário é rica e diversificada, apresentando algumas espécies de elevado valor
económico alimentar (como o berbigão, búzios, ameijoa, lambujinha, lingueirão, choco, camarão, caranguejo)
ou com outros usos (como o minhocão e o casulo, usados para isco na pesca). É o mais importante no tocante
à abundância de cefalópodes, fundamentalmente devido à presença de choco-vulgar, que aqui aparece de forma
regular e com quantitativos elevados».
À riqueza do seu património natural associa-se um importante património histórico e cultural, intensamente
ligado à atividade que as comunidades humanas desenvolveram no estuário ao longo dos tempos que a mesma
caracterização sublinha:
«Na área da Reserva Natural são conhecidos vários sítios de interesse arqueológico, nomeadamente o
concheiro neolítico da Barrosinha, a feitoria fenícia de Abul e os fornos romanos do Pinheiro, todos
correspondendo a diferentes fases da História.
No que respeita à arquitetura de raiz, assinalam-se por um lado a presença de alguns montes e também a
existência de construções com caráter precário, constituídas por cabanas com telhado de colmo, as quais
quando devidamente mantidas, possuem um inegável interesse etnográfico.
Os sistemas de moagem constituem outro exemplo de arquitetura tradicional que, no caso da Reserva,
compreendem moinhos de vento (atualmente inativos) e moinhos de maré, destacando-se o moinho de maré da
Mourisca (Faralhão), totalmente restaurado.
No plano cultural, importa ainda destacar as embarcações típicas do Sado que surgiram como meio de
transporte de várias mercadorias, sobretudo o sal proveniente das salinas de Setúbal. Esta cidade foi dos mais
importantes portos de pesca em Portugal e, consequentemente, o mais importante centro de produção de
conservas de peixe.
Desde tempos recuados, as tradições sagradas e profanas misturaram-se no que diz respeito às feiras e
romarias. Em Setúbal, destaca-se o Festival de Folclore das Praias do Sado, a Festa da Capela em Santo
Ovídeo (maio), a festa de N. Senhora de Troia (agosto) e a Feira de Santiago (julho, agosto). Em Alcácer do Sal
destaca-se a Feira Nova de outubro. Grândola apresenta as Festas do Concelho em Honra de Nossa Senhora
da Penha e as Festas do dia do Concelho (agosto). Em Grândola pode-se ainda apreciar a Rota das Tabernas,
com o objetivo de preservar e dar a conhecer as tradições da região (junho), bem como o Festival de Folclore
(agosto). A região de Palmela é muito apreciada pelas suas festas e romarias, destacando-se a Festa do Dia do
Concelho (junho), a Festa de Todos os Santos (novembro), o Festival do Queijo, Pão e Vinho e a Festa das
vindimas (setembro).
No concelho de Setúbal, a gastronomia tem por base o peixe e o marisco, facto que deriva da variedade e
qualidade das espécies disponíveis. Destaca-se assim a caldeirada de peixe, os salmonetes de Setúbal, o choco
frito, a sopa do mar e os vários peixes assados na brasa.
Em Palmela, os pontos altos da gastronomia local são a sopa de tamboril com poejos, as favas à caramela
e o coelho com feijão à moda de Palmela.
Em todos os concelhos que abrangem a Reserva destacam-se os vinhos, com uma importante região
demarcada: Península de Setúbal».
Página 355
11 DE DEZEMBRO DE 2019
355
Esta caracterização do Estuário, não sendo exaustiva, é demonstrativa da singular importância deste
território, do seu património e da urgência e imperatividade da sua conservação. O Instituto da Conservação da
Natureza e Florestas (ICNF) tem a tutela da gestão das diferentes tipologias de áreas protegidas que existem
no território nacional, no entanto, este Instituto tem vindo a ser alvo de políticas de minimização da presença do
Estado, tendo sido progressivamente esvaziado de meios financeiros, técnicos e humanos, encontrando-se cada
vez mais ausente do território.
O desinvestimento verificado ao longo de décadas no ICNF conduziu a uma situação presente em que há
uma desresponsabilização do Estado, e consequente ineficácia, e uma relação disruptiva com as populações
de várias áreas protegidas. Esta situação é sentida de forma mais aguda em áreas protegidas com forte
presença de população humana, como é o caso da Área Metropolitana de Lisboa.
O Estuário do Sado tem um equilíbrio frágil, representa abrigo e maternidade para inúmeras espécies, as
suas pradarias marinhas têm um valor essencial para a preservação de todo o ecossistema, e a relação entre
natureza e comunidades humanas tem obrigatoriamente de caminhar para níveis de harmonia cada vez mais
exigentes, o que implica o aprofundamento do conhecimento científico do estuário, a sensibilização das
populações para a importância dos recursos naturais e da sua conservação, a proteção das atividades
tradicionais e ambientalmente sustentáveis, assim como, a existência de meios adequados para monitorizar e
defender o estuário. É fundamental proteger os valores naturais em presença, assim como as atividades
económicas e culturais tradicionais deste território, seja a agricultura, a aquacultura ou a pesca, por forma a
assegurar o equilíbrio entre as atividades humanas e os ecossistemas, simultaneamente, assegurando a
hierarquia de princípios de conservação da natureza, sustentabilidade ambiental e ordenamento do território,
subjacentes à criação da Reserva Natural do Estuário do Sado.
Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do
Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a
seguinte
Resolução
Nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, a Assembleia da República resolve recomendar ao
Governo que:
1. Dote a Reserva Natural do Estuário do Sado dos meios humanos e materiais efetivamente necessários
para o cumprimento da missão para a qual foi criada;
2. Crie, no âmbito da Reserva, programas de estímulo à gestão sustentável dos recursos naturais,
protegendo as atividades tradicionais;
3. Reforce a monitorização das massas de água da Bacia Hidrográfica do Sado, a fiscalização de afluências
indevidas de origem agropecuária e industrial e a eliminação de focos de poluição ainda existentes;
4. Desenvolva, em conjunto com a comunidade científica e as comunidades locais, programas de
sensibilização e educação ambiental, com particular atenção para a importância das pradarias marinhas do
estuário em quanto local de abrigo e maternidade de inúmeras espécies, bem como de captura de dióxido de
carbono;
5. Promova um programa específico dedicado ao estudo, monitorização e conservação da população de
roazes-corvineiros do Estuário do Sado;
6. No âmbito do projeto de melhoria das acessibilidades ao Porto de Setúbal garanta o escrupuloso
cumprimento das medidas de mitigação e compensação que permitam proteger os valores naturais e ambientais
do Estuário do Sado; seja encontrada uma solução para a deposição dos dragados alternativo à restinga, que
não coloque em causa a atividade piscatória tradicional, como propõem as organizações representativas da
pesca e seja promovida a participação das populações e das entidades locais em todo o processo.
Assembleia da República, 11 de dezembro de 2019.
Página 356
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
356
Os Deputados do PCP: Paula Santos — Bruno Dias — Alma Rivera — João Oliveira — António Filipe —
Jerónimo de Sousa — João Dias — Duarte Alves — Diana Ferreira — Ana Mesquita.
———
PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 165/XIV/1.ª
RECOMENDA AO GOVERNO SUSPENDA AS OBRAS NO PORTO DE SETÚBAL ATÉ CONCLUSÃO
DE QUESTÕES AMBIENTAIS E ECONÓMICAS
Após a conclusão da Avaliação de Impacte Ambiental sobre o Estudo de Impacte Ambiental, foi lançado um
Concurso Público Internacional pela APSS (Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra) para melhoria dos
acessos marítimos ao Porto de Setúbal. O projeto consiste num conjunto de dragagens para aprofundamento
dos canais de navegação, de modo a permitir a entrada de navios de maiores dimensões e com maior calado,
passando a oferecer os seguintes acessos marítimos permanentes:
• -15,0m (ZH) no Canal da Barra, sendo atualmente de -12,8m (ZH)
• -13,5m (ZH) no Canal Norte, sendo atualmente de -11,8m (ZH)
Para além deste aprofundamento, o projeto inclui o alargamento do canal de acesso, permitindo o
cruzamento de navios, e a criação de uma nova bacia de manobra, implicando um volume total de dragagem
de 3,5 milhões de metros cúbicos de areia na primeira fase.
Durante a consulta pública, prevista do n.º 10 do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º151-B/2013, de 31 de outubro,
a Câmara Municipal de Setúbal emitiu parecer favorável constante no TUA, advertindo contudo para possíveis
«impactes ambientais negativos com repercussões sociais nas atividades da pesca profissional, artesanal e
costeira com peso significativo no tecido económico da cidade de Setúbal».
A forma como se procedeu à consulta pública, com pouca divulgação, não permitiu a participação de várias
entidades, tendo a mesma sido publicitada através de afixação de anúncio na Câmara Municipal Setúbal; no
site da Agência Portuguesa do Ambiente (www.apambiente.pt); no portal participa.pt; e ainda através de envio
de ofício circular às entidades referidas no relatório de Consulta Pública, processo AIA N.º 2942.
Releve-se que não foram convidadas a participar neste processo de Consulta Pública, entidades fulcrais
como por exemplo o Club Arrábida, Cooperativa de pescas de Setúbal, Sesimbra e Sines, Artesanal Pesca,
Associação de Pesca Artesanal de Sesimbra, Câmara Municipal de Grândola, entre outros. Contrariamente,
foram convidadas para participar entidades como a APASADO – Clube de Montanhismo da Arrábida, a SPEA –
Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves, entre outras. Sendo que a participação destas últimas entidades
em nada prejudica o processo de Consulta Pública, embora a ausência de outras entidades, com interesse igual
ou maior, demonstra a forma defeituosa como foi conduzido este processo.
A atividade piscatória é para o concelho de Setúbal absolutamente fundamental devido aos seus impactos
sociais e económicos, mas também como fator histórico e identitário.
Em todo este processo tem sido contestada a localização dos aterros que resultarão das operações das
dragagens no rio Sado, invocando várias entidades o impacto que esses mesmos aterros poderão ter nas
atividades da pesca profissional, artesanal e costeira.
Associações e cooperativas têm afirmado que a localização do aterro no delta do estuário do Sado,
mencionada no Estudo de Impacte Ambiental (Vol. IV Resumo Não Técnico), colocará em causa a sua atividade
piscatória, uma vez que é nesse local que se inicia a cadeia alimentar dos peixes por si pescados.
Por outro lado, vários agentes e investidores, do setor turístico, têm manifestado preocupação pelo impacto
ambiental da obra e eventuais consequências quer no valor dos investimentos quer no próprio ambiente.
Perante o leque de preocupações manifestadas por diversos sectores económicos e organizações
ambientais persistem as dúvidas sobre os danos que possam ocorrer na economia local, em particular no sector
turístico e pesca. Persistem igualmente dúvidas sobre os danos ambientais esta obra poderá provocar.
Página 357
11 DE DEZEMBRO DE 2019
357
A forma como decorreu este processo desde a consulta pública até à presente data não permitiu colocar a
transparência necessária sobre todos os eventuais danos económicos e ambientais, e por essa razão não se
gerou o clima de confiança junto dos agentes económicos e sociedade civil que são necessários uma obra com
estas características.
Face ao exposto, a Assembleia da República, ao abrigo das disposições constitucionais e regimes aplicáveis
recomenda ao Governo que:
1 – Suspenda, com carácter de urgência, a execução da obra referente ao Concurso Público Internacional
pela APSS (Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra) para melhoria dos acessos marítimos ao Porto
de Setúbal, até que estejam esclarecidos todos os danos ambientais e económicos gerados pelas mesmas e
desenvolvido um adequado programa de levantamento e mitigação dos respetivos impactos.
2 – Promova a realização de um estudo de impacto económico que analise eventuais danos económicos,
diretos e indiretos, provocados pela execução do projeto para melhoria dos acessos marítimos ao Porto de
Setúbal, com especial atenção aos danos que possam ser gerados junto das atividades económicas no sector
da pesca e sector turístico.
3 – Caso o estudo assim o demonstre reforce as medidas de mitigação ambiental e de natureza
compensatória relativamente às atividades que sofram impactos negativos.
4 – Proceda a uma ampla campanha de esclarecimento, junto das populações de Setúbal e de Grândola,
sobre os impactos ambientais e económicos decorrentes da obra junto da população.
Palácio de São Bento, 11 de dezembro de 2019.
Os Deputados do PSD: Ricardo Baptista Leite — Emília Cerqueira — Nuno Miguel Carvalho — Fernando
Negrão — Fernanda Velez — António Ventura — João Gomes Marques — João Moura — Paulo Leitão — Carlos
Eduardo Reis — Afonso Oliveira — Carla Barros — Maria Germana Rocha — Rui Cristina — Rui Silva — Sara
Madruga da Costa.
———
PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 166/XIV/1.ª
RECOMENDA AO GOVERNO QUE POSSIBILITE A EXECUÇÃO DA TOTALIDADE DA DOTAÇÃO
ORÇAMENTAL DE 2019 DESTINADA A DESPESAS COM PESSOAL DA ENTIDADE DAS CONTAS E
FINANCIAMENTOS POLÍTICOS
A Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (ECFP), criada por via da Lei n.º 19/2003, de 20 de junho,
é nos termos da Lei Orgânica n.º 2/2005, de 10 de janeiro, um órgão independente que funciona junto do Tribunal
Constitucional e que tem como atribuição a apreciação e fiscalização das contas dos partidos políticos e das
campanhas eleitorais para Presidente da República, para a Assembleia da República, para o Parlamento
Europeu, para as Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas e para as autarquias locais.
Tendo em conta o respetivo quadro legal de competências, a ECFP desempenha um papel crucial para
garantir a transparência e qualidade da nossa democracia. A existência de uma ECFP dotada dos meios e
recursos necessários para o desempenho das suas competências é um elemento que reforça a confiança dos
cidadãos nas instituições e traz o combate a certas visões que trazem a erosão do nosso regime democrático.
Compreendendo a importância deste papel e tendo em conta o significativo reforço de competências
resultante das alterações introduzidas pela Lei Orgânica n.° 1/2018, de 19 de abril, no quadro da discussão na
especialidade do Orçamento do Estado para 2019 o PAN e outros partidos propuseram um reforço significativo
da verba para o Tribunal Constitucional de modo a que ECFP tivesse asseguradas no ano de 2019 as verbas
necessárias para dar resposta às exigências mínimas de funcionamento da ECFP e às exigências adicionais
decorrentes das referidas alterações. Tal traduziu-se, em concreto, num reforço da verba para o Tribunal
Página 358
II SÉRIE-A — NÚMERO 28
358
Constitucional em 1 169 000€ face ao inicialmente previsto na proposta de lei do Governo, ficando consagrado
no Mapa II da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2019. Este reforço
orçamental permitiu à ECFP que, durante o ano de 2019, fossem, por exemplo, arrendadas novas instalações
e que se providenciasse ao respetivo apetrechamento.
Não obstante os avanços verificados e tal sensibilidade da Assembleia da República, continuam a verificar-
se problemas práticos ligados aos recursos humanos da ECFP que dificultam o seu funcionamento e que a
impedem de ser capaz de dar resposta eficaz aos importantes desafios que se lhe colocam.
O aumento das verbas afetas à ECFP, no âmbito do Orçamento do Estado para 2019, teve como principal
objetivo permitir a contratação de novos recursos humanos e teve um valor suficiente para o garantir. Contudo,
durante o ano de 2019 este reforço foi feito apenas por via de contratações em regime de mobilidade interna,
algo que não soluciona os problemas de pessoal da ECFP, já que o facto de não existir um mapa de pessoal do
Tribunal Constitucional afeto à ECTP torna impossível a consolidação de tais mobilidades, inviabilizando,
portanto, a existência de uma estrutura orgânica estável da ECFP.
Passado mais de um ano da aprovação em votação na especialidade da proposta de alteração que permitiu
o aumento de verbas afeta à ECFP e da aprovação do Orçamento do Estado de 2019, o mapa de pessoal da
ECFP mantem-se exatamente o mesmo, contando com dois técnicos superiores, um assistente técnico e um
assistente operacional. Tal situação fica a dever-se ao facto de os XXI e XII Governos Constitucionais não terem
encontrado uma solução normativa que viabilize o aumento do número de postos de trabalho do mapa de
pessoal do Tribunal Constitucional afetos à ECFP e que assegure a dotação do grupo de pessoal afecto à ECFP
de uma estrutura com níveis intermédios de direção ou coordenação, na qual se repercutam as diversas
valências de atividades da ECFP – área jurídica, área de inspeção e auditoria e área de propaganda política.
Tal situação é tanto mais incompreensível pelo facto de, segundo informações que nos foram dadas pela ECFP,
já estar elaborada uma proposta de portaria com o mapa de pessoal do Tribunal Constitucional na qual foi dada
expressão ao pessoal afeto à ECFP, que se encontra absolutamente compatibilizada com a dotação orçamental
de 2019.
O PAN assumiu no seu programa eleitoral o compromisso eleitoral de defender durante a XIV Legislatura
que o Tribunal Constitucional, a Entidade da Transparência e ECFP dispõem dos meios e recursos necessários
ao seu funcionamento e ao exercício eficaz das respetivas competências. Com o presente projecto de resolução
pretendemos recomendar ao Governo que tome as medidas necessárias para desbloquear as limitações
existentes na ECFP e assegurar-lhe uma estrutura orgânica estável e capaz de dar uma resposta eficiente aos
importantes desafios que se lhe colocam.
Nestes termos, o Grupo Parlamentar do PAN, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais
aplicáveis, propõe que a Assembleia da República recomende ao Governo que, com a maior brevidade,
possibilite a execução da totalidade da dotação orçamental de 2019 destinada a despesas com pessoal da
Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, procedendo para o efeito à:
1. Aprovação da portaria de alteração do mapa de pessoal do Tribunal Constitucional, no sentido de dar
expressão própria ao quadro de pessoal afeto à Entidade das Contas e Financiamentos Políticos;
2. Elaboração e aprovação de um decreto-lei que estabeleça a aplicação aos membros do gabinete previsto
no organigrama da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos do regime de garantias e deveres do
pessoal dos gabinetes dos membros do Governo.
Palácio de São Bento, 11 de dezembro de 2019.
As Deputadas e o Deputado do PAN: André Silva — Bebiana Cunha — Cristina Rodrigues — Inês de Sousa
Real.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO.