O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

3 DE MARÇO DE 2020

3

PROJETO DE LEI N.º 183/XIV/1.ª (*)

REFORÇA O REGIME SANCIONATÓRIO APLICÁVEL AOS CRIMES CONTRA ANIMAIS DE

COMPANHIA E ALARGA A PROTEÇÃO AOS ANIMAIS SENCIENTES VERTEBRADOS, ALTERANDO O

CÓDIGO PENAL E O CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

I – Enquadramento prévio

«O verdadeiro teste moral da humanidade – o mais radical, num nível tão profundo que escapa ao nosso

olhar – são as relações com aqueles que estão à nossa mercê: os animais. É aí que se produz o maior desvio

do homem, derrota fundamental da qual decorrem todas as outras.»

Milan Kundera1

Volvidos mais de cincos anos desde a entrada em vigor da Lei n.º 69/2014, de 29 de agosto que

criminalizou os maus tratos e o abandono dos animais de companhia, e com respaldo na doutrina e

jurisprudência que se tem vindo a consolidar sobre esta matéria, ainda que esta última, em menor escala, urge

revisitar este regime com vista ao reforço da proteção dos animais de companhia, o que passa pela necessária

clarificação do tipo penal ou conceitos aí estabelecidos.

Apesar do elevado número de denúncias que ao longo destes anos foram apresentadas – enfatizamos a

progressiva subida do número de participações relativas a este tipo crimes, sendo que segundo os dados do

RASI 2018 foram efetivadas 1276 denúncias por maus tratos a animais de companhia e 701 por abandono de

animais de companhia, num total de 1977 participações.

A par dos crimes contra animais, foram ainda efetuadas 23 020 ações de fiscalização, que resultaram na

elaboração de 14 276 autos de notícia por contraordenação.

Do supra exposto, ilaciona-se que, muito por força das lacunas que resultam do presente regime penal (e

também do regime contraordenacional) ou da dificuldade de interpretação de conceitos, a maioria dos

inquéritos tem merecido o mero arquivamento, situação que até aqui não foi possível ultrapassar por força da

rejeição dos projetos de lei apresentados na passada Legislatura – destacamos, a título de exemplo, o Projeto

de Lei n.º 173/XIII/1.ª, o qual pretendia reforçar o regime sancionatório aplicável aos animais por via de

alterações ao Código Penal (doravante denominado CP) e o Projeto de Lei n.º 724/XIII/3.º, o qual almejava

alterar o Código Penal e de Processo Penal (tratado como CPP) no que diz respeito ao crime de maus-tratos a

animais e artigos conexos.

Não menos despiciente é a necessidade de alterar o Direito adjetivo em função do Direito substantivo já

existente nesta sede, conforme referiu anteriormente o Conselho Superior do Ministério Público, porquanto, as

omissões adjetivas que persistem na redação atual dos crimes contra animais de companhia têm dificultado a

tarefa das autoridades fiscalizadoras e bem assim como dos aplicadores do Direito na identificação dos atos

processuais legalmente previstos com aqueles que se mostram efetivamente necessários para a intervenção

no âmbito dos crimes contra animais e a própria aplicação da justiça nos casos concretos da prática destes

crimes.

Tal conjuntura tem gerado ampla incompreensão social, porquanto a letra da lei não se encontra ajustada

ao sentimento de injustiça de uma sociedade mais mobilizada e desperta para combater os numerosos crimes

cometidos contra animais.

Veja-se o crime de abandono e a solução adotada pelo legislador que, dada a natureza de perigo concreto

que o mesmo assume, tem levado a uma aplicação meramente residual e que não se coaduna com um dos

princípios basilares do direito penal: o da prevenção.

Os casos de extrema crueldade profusamente difundidos na comunicação social têm gerado elevada

consternação social, como é o caso da cadela Roxi, que foi morta e esquartejada pelo ex-companheiro da sua

detentora, e sublinham a importância de não se menosprezar a violência exercida contra animais, sendo

evidente a ligação desta com a violência exercida contra pessoas.

1 Passagem do aclamado livro «A Sustentável Leveza do Ser».