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Quarta-feira, 6 de maio de 2020 II Série-A — Número 84
XIV LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2019-2020)
S U M Á R I O
Resolução:
Recomenda ao Governo que proceda à elaboração urgente de um plano para a retirada de todo o material com amianto das escolas públicas. Projetos de Lei (n.os 46, 182, 336, 346 e 364 a 367/XIV/1.ª):
N.º 46/XIV/1.ª (Estabelece os critérios de atribuição de transporte não urgente de doentes): — Parecer da Comissão de Saúde e nota técnica elaborada pelos serviços de apoio.
N.º 182/XIV/1.ª (Acesso e gratuitidade da medicação de emergência adquirida pelos doentes com alergias graves): — Parecer da Comissão de Saúde e nota técnica elaborada pelos serviços de apoio.
N.º 336/XIV/1.ª (Garante apoio social extraordinário aos gerentes das empresas): — Parecer da Comissão de Economia, Inovação, Obras Públicas e Habitação e nota técnica elaborada pelos serviços de apoio.
N.º 346/XIV/1.ª (Reforça o apoio social dos gerentes das empresas): — Alteração do texto inicial do projeto de lei.
N.º 364/XIV/1.ª Consagração expressa do crime de exposição de menor a violência doméstica (quinquagésima alteração ao Código Penal): — Alteração do título e texto iniciais do projeto de lei.
N.º 365/XIV/1.ª (PAN) — Altera as regras de nomeação do Governador e os demais membros do conselho de
administração do Banco de Portugal (oitava alteração à Lei n.º 5/98, de 31 de janeiro).
N.º 366/XIV/1.ª (PCP) — Cria o regime de apoio à retoma e dinamização da atividade dos feirantes no abastecimento às populações, no contexto da resposta à epidemia de COVID-19.
N.º 367/XIV/1.ª (BE) — Cria o subsídio extraordinário de desemprego e de cessação de atividade, aplicável a trabalhadores por conta de outrem, trabalhadores independentes e trabalhadores informais excluídos de outros apoios. Projetos de Resolução (n.os 426 a 430/XIV/1.ª):
N.º 426/XIV/1.ª (CDS-PP) — Recomenda ao Governo medidas concretas para eliminar o fosso digital na educação.
N.º 427/XIV/1.ª (BE) — Alarga a abrangência do apoio do Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana no pagamento das rendas habitacionais no âmbito da COVID-19.
N.º 428/XIV/1.ª (CDS-PP) — Programa extraordinário de recuperação de listas de espera para consulta, MCDT e cirurgia.
N.º 429/XIV/1.ª (PEV) — Informação aos cidadãos sobre as melhores práticas de utilização corrente de material de proteção individual, como máscaras, viseiras ou luvas, e incentivo à opção por material reutilizável.
N.º 430/XIV/1.ª (PEV) — Recomenda ao Governo que não resgate grandes indústrias poluentes no período de influência da COVID-19 e no relançamento da economia.
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RESOLUÇÃO
RECOMENDA AO GOVERNO QUE PROCEDA À ELABORAÇÃO URGENTE DE UM PLANO PARA A
RETIRADA DE TODO O MATERIAL COM AMIANTO DAS ESCOLAS PÚBLICAS
A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, recomendar ao
Governo que proceda:
1– À elaboração urgente de uma lista das escolas públicas que contêm material com amianto.
2– À calendarização das intervenções para a remoção do amianto e respetiva estimativa orçamental anual.
Aprovada em 12 de dezembro de 2019.
O Presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues.
————
PROJETO DE LEI N.º 46/XIV/1.ª
(ESTABELECE OS CRITÉRIOS DE ATRIBUIÇÃO DE TRANSPORTE NÃO URGENTE DE DOENTES)
Parecer da Comissão de Saúde e nota técnica elaborada pelos serviços de apoio
Parecer
Índice:
Parte I – Considerandos
Parte II – Opinião do(a) Deputado(a) autor(a) do parecer
Parte III – conclusões
Parte IV – anexos
PARTE I – CONSIDERANDOS
1 – Introdução
O Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português (PCP) tomou a iniciativa de apresentar à
Assembleia da República, em 7 de novembro de 2019, o Projeto de Lei n.º 46/XIV/1.ª que «Estabelece os
critérios de atribuição de transporte não urgente de doentes».
Esta apresentação foi efetuada, no âmbito do poder de iniciativa da lei, em conformidade com o disposto na
Constituição da República Portuguesa (CRP) – n.º 1 do artigo 167.º e na alínea b) do artigo 156.º –, bem como
no artigo 118.º e na alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República (RAR).
A iniciativa em apreço respeita também os requisitos formais previstos no n.º 1 do artigo 119.º e no n.º 1 do
artigo 124.º do RAR, relativamente às iniciativas em geral.
Por despacho de Sua Excelência o Presidente da Assembleia da República, a iniciativa foi admitida e
baixou à Comissão de Saúde, para emissão do respetivo parecer, tendo sido designada a Deputada Telma
Guerreiro (GPPS), como relatora.
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2 – Objeto e Motivação
Com a apresentação desta iniciativa, que «Estabelece os critérios de atribuição de transporte não urgente
de doentes», o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português (PCP), visa assegurar o transporte não
urgente de doentes a todos os utentes do Serviço Nacional de Saúde (SNS), sem encargos para o utente,
desde «que seja instrumental à realização da prestação de cuidados de saúde no âmbito do SNS», «quando a
situação clínica o justifique, ou por carência económica, designadamente no caso de necessidade de
tratamentos prolongados ou continuados».
Alega o Grupo Parlamentar do PCP que a acessibilidade aos cuidados de saúde por parte dos utentes é
bastante difícil, e que os portugueses para além de suportarem impostos elevados, são também confrontados
com o pagamento de taxas moderadoras com custos elevados.
Referem que, desde 2010, «sucessivos Governos da política de direita introduziram alterações legislativas
na atribuição dos transportes não urgentes», designadamente o cumprimento cumulativo dos critérios da
justificação clínica e da insuficiência económica, condição única para o acesso ao transporte. Alterações
essas, que inviabilizaram, ao longo dos anos, o acesso de muitos portugueses aos cuidados de saúde.
Assim, e apesar de considerarem que em 2015, com o Governo do PS, foram tomadas algumas medidas
positivas quanto à isenção destes pagamentos, as mesmas necessitam de ser melhoradas e aprofundadas de
modo a garantir o transporte não urgente a todos os utentes que dele necessitem, bastando que dele careçam
por motivos clínicos ou económicos, para consultas, exames ou tratamentos, independentemente do período
da sua duração.
3 – Do enquadramento constitucional, legal e antecedentes
Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 64.º da Constituição da República Portuguesa, «todos têm direito
à proteção da saúde e o dever de a defender e promover». A alínea a) do n.º 2 do mesmo artigo estatui, ainda,
que o direito à proteção da saúde é realizado, nomeadamente, «através de um serviço nacional de saúde
universal e geral e, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos, tendencialmente
gratuito».
Esta redação, introduzida pela Lei Constitucional n.º 1/89, de 8 de julho, que procedeu à segunda revisão
constitucional, veio substituir a consagrada pela Constituição de 1976 que estabelecia no n.º 2 do artigo 64.º
que «o direito à proteção da saúde é realizado pela criação de um serviço nacional de saúde universal, geral e
gratuito».
De acordo com a nota técnica elaborada pelos serviços parlamentares, e que se anexa ao presente
Parecer, foi a Lei n.º 56/79, de 15 de setembro, que procedeu à criação do Serviço Nacional de Saúde,
prevendo no seu artigo 7.º que o acesso ao SNS é gratuito, sem prejuízo do estabelecimento de taxas
moderadoras diversificadas tendentes a racionalizar a utilização das prestações.
Mais tarde, a Lei n.º 48/90, de 24 de agosto, veio aprovar a Lei de Bases da Saúde, diploma que sofreu as
alterações introduzidas pela Lei n.º 27/2002, de 28 de novembro, e que na sua Base XXIII (n.º 2), prevê o
transporte de doentes enquanto atividade instrumental da prestação de cuidados de saúde, cuja disciplina e
fiscalização cabe ao Ministério da Saúde, enquanto a Base XXXIV, relativa às taxas moderadoras, prevê que,
«com o objetivo de completar as medidas reguladoras do uso dos serviços de saúde, podem ser cobradas
taxas moderadoras, que constituem também receita do Serviço Nacional de Saúde,» e que destas «estão
isentos os grupos populacionais sujeitos a maiores riscos e os financeiramente mais desfavorecidos, nos
termos determinados na lei».
Recentemente, a Lei n.º 95/2019, de 4 de setembro, aprovou a Lei de Bases da Saúde, prevendo a Base
24 que «a lei deve determinar a isenção de pagamento de taxas moderadoras, nomeadamente em função da
condição de recursos, de doença ou de especial vulnerabilidade, e estabelecer limites ao montante total a
cobrar», e que «com o objetivo de promover a correta orientação dos utentes, deve ser dispensada a cobrança
de taxas moderadoras nos cuidados de saúde primários e, se a origem da referenciação for o SNS, nas
demais prestações de saúde, nos termos a definir por lei».
Depois de sucessivas alterações legislativas a que o regime das taxas moderadoras e a sua cobrança
esteve sujeito, bem como a aplicação de regimes especiais de benefícios, incluindo o transporte de doentes, o
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quadro legal encontra-se atualmente definido pelo Decreto-Lei n.º 113/2011, de 29 de novembro (versão
consolidada).
Cumpre referir que, nos termos do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 113/2011, de 29 de novembro, na redação
dada pelo Decreto-Lei n.º 128/2012, de 21 de junho, que procedeu à única alteração do artigo, o transporte
não urgente de doentes que seja instrumental à realização das prestações de saúde no âmbito do SNS é
isento de encargos para o utente quando a situação clínica o justifique, nas condições a aprovar por portaria
do membro do Governo responsável pela área da saúde, e desde que seja comprovada a respetiva
insuficiência económica (n.º 1). É ainda assegurado, pelo SNS, o pagamento de encargos com o transporte
não urgente dos doentes que não se encontrem nas situações anteriormente referidas, mas necessitem,
impreterivelmente, da prestação de cuidados de saúde de forma prolongada e continuada, nos termos e
condições a definir na portaria prevista no número anterior cabendo, neste caso, ao utente uma
comparticipação no pagamento do transporte (n.os 2 e 3). Esta situação não se aplica a beneficiários de
subsistemas de saúde, bem como a quaisquer entidades, públicas ou privadas, responsáveis pelos respetivos
encargos (n.º 4).
Ao abrigo do mencionado artigo 5.º, a Portaria n.º 142-B/2012, de 15 maio (sucessivamente alterada pela
Portaria n.º 178-B/2012, de 1 de junho, Portaria n.º 184/2014, de 15 de setembro, Portaria n.º 28-A/2015, de
11 de fevereiro, Portaria n.º 83/2016, de 12 de abril, Portaria n.º 275/2016, de 18 de outubro, e Portaria n.º
194/2017, de 21 de junho), veio regular as condições em que o SNS é responsável pelo pagamento dos
encargos com transporte não urgente dos utentes, atendendo-se na sua regulação, por um lado, à natureza
instrumental desta atividade relativamente à prestação de cuidados e, por outro, às premissas em que assenta
a aplicação dos regimes especiais de benefícios, a situações determinantes de isenção ou de
comparticipação, como situações clínicas de maior risco de saúde e de situações de insuficiência económica.
Consequentemente, e com a publicação da Portaria n.º 142-B/2012, de 15 maio, os encargos com o
Transporte não Urgente de Doentes sofreram alterações, nomeadamente:
Eliminação de pagamento para os doentes com incapacidade igual ou superior a 60% e com
insuficiência económica, independentemente do transporte se destinar à realização de cuidados originados
pela incapacidade;
Inclusão, nos encargos a suportar pelo SNS, dos resultantes do transporte não urgente prescrito aos
menores com doença limitante/ameaçadora da vida, em caso de insuficiência económica;
Eliminação de copagamentos no Transporte não Urgente de Doentes na prestação de cuidados de
saúde de forma prolongada e contínua, incluindo os doentes oncológicos ou transplantados, bem como
insuficientes renais crónicos que realizam diálise peritoneal ou hemodiálise domiciliária e independentemente
do transporte se destinar à realização de atos clínicos inerentes à respetiva condição;
Explicitação de que os encargos resultantes do transporte efetuado no dia do transplante são
suportados pelo hospital responsável pela transplantação.
São ainda aplicáveis nesta matéria, o Despacho n.º 7702-A/2012, de 4 de junho, alterado pelo Despacho
n.º 8706/2012, de 29 de junho, que veio aprovar os preços máximos que podem ser pagos pelo SNS na
contratação de serviços de transporte não urgente de doentes, e o Despacho n.º 7702-C/2012, de 4 de junho,
alterado pelo Despacho n.º 8705/2012, de 29 de junho, que aprovou o regulamento que define as normas e
procedimentos relativos à prescrição, requisição, gestão, conferência e faturação de encargos com o
transporte não urgente de doentes assegurado pelo Serviço Nacional de Saúde.
Com o objetivo de dar continuidade à implementação da gestão integrada de Transporte não Urgente de
Doentes em todas as unidades hospitalares do SNS, foi elaborada, em conjunto com os SPMS – Serviços
Partilhados do Ministério da Saúde, EPE, a Circular Informativa Conjunta n.º 05/2016/ACSS/SPMS, através da
qual se apresenta a estratégia nacional para a implementação de um sistema de gestão integrado do
transporte de doentes no SNS.
Assim, segundo informação disponível no Portal do Serviço Nacional de Saúde, o SNS assegura o
transporte não urgente de doentes, mediante prescrição médica do transporte justificada pela situação clínica
do doente e de acordo com a sua condição económica, conforme consta da referida nota técnica.
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Em termos de antecedentes legislativos, após consulta à base de dados da atividade parlamentar,
verificou-se que os Grupos Parlamentares têm vindo a apresentar, nas anteriores Legislaturas, diversas
iniciativas sobre a temática das taxas moderadoras e da isenção de pagamento de transporte não urgente de
doentes. Salienta-se aqui a aprovação da Resolução da Assembleia da República n.º 88/2011, de 15 de abril,
que veio recomendar a revogação do Despacho n.º 19264/2010, de 29 de dezembro, propondo ao Governo a
revisão do quadro legal referente ao transporte de doentes não urgentes, respeitando os princípios da
universalidade e a igualdade no acesso, introduzindo critérios para uniformizar a sua atribuição, tendo em
atenção situações especiais de utentes que carecem de tratamentos prolongados ou continuados em serviços
públicos de saúde.
Por fim, mencionar que o Parlamento aprovou também a Resolução da Assembleia da República n.º
197/2018, de 23 de julho, que recomendou ao Governo a adoção de medidas de apoio a doentes com
esclerodermia, nomeadamente, o acesso ao transporte não urgente.
Com a presente iniciativa, o PCP vem agora renovar o «Projeto de Lei n.º 829/XIII/3.ª – Estabelece os
critérios de atribuição de transporte não urgente de doentes», que foi rejeitado em votação na generalidade.
4 – Direito Comparado
Em termos de Direito Comparado, o presente parecer remete para a nota técnica, já aqui referida,
elaborada pelos serviços parlamentares, evitando assim redundâncias.
PARTE II – OPINIÃO DO RELATOR
A Deputada relatora exime-se, em sede da Comissão Parlamentar de Saúde, de manifestar a sua opinião
sobre as iniciativas em apreço, a qual é, de resto, de «elaboração facultativa», nos termos do n.º 3 do artigo
137.º do Regimento da Assembleia da República. O Grupo Parlamentar em que se integra reserva a sua
posição para o debate posterior.
PARTE III – CONCLUSÕES
1. O Projeto de Lei n.º 46/XIV/1.ª – «Estabelece os critérios de atribuição de transporte não urgente de
doentes», foi admitido e distribuído à Comissão Parlamentar de Saúde, para elaboração do respetivo parecer.
2. A sua apresentação foi efetuada, no âmbito do poder de iniciativa da lei, em conformidade com o
disposto na Constituição da República Portuguesa (CRP) – n.º 1 do artigo 167.º e na alínea b) do artigo 156.º,
bem como do artigo 118.º e na alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República
(RAR). A iniciativa em análise respeita também os requisitos formais previstos no n.º 1 do artigo 119.º e no n.º
1 do artigo 124.º do RAR, relativamente às iniciativas em geral.
3. Face ao exposto, a Comissão de Saúde é de parecer que a iniciativa, reúne, em geral, os requisitos
legais, constitucionais e regimentais para ser discutido e votado em Plenário.
4. Os grupos parlamentares reservam as suas posições de voto para a discussão em reunião plenária da
Assembleia da República.
Palácio de S. Bento, 5 de fevereiro de 2020.
A Deputada autora do parecer, Telma Guerreiro — A Presidente da Comissão, Maria Antónia Almeida
Santos.
Nota: O parecer foi aprovado, por unanimidade, tendo-se verificado a ausência do CH, na reunião da
Comissão de 6 de maio de 2020.
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PARTE IV – ANEXOS
Para uma melhor análise e compreensão deste parecer deverá constar, como anexo, a nota técnica
elaborada pelos serviços parlamentares.
Nota Técnica
Projeto de Lei n.º 46/XIV/1.ª (PCP)
Estabelece os critérios de atribuição de transporte não urgente de doentes
Data de admissão: 12-11-2019
Comissão de Saúde (9.ª)
Índice
I. Análise da iniciativa
II. Enquadramento parlamentar
III. Apreciação dos requisitos formais
IV. Análise de direito comparado
V. Consultas e contributos
VI. Avaliação prévia de impacto
Elaborada por: Luisa Veiga Simão (DAC); Maria Leitão e Nuno Amorim (DILP); Maria Jorge Carvalho (DAPLEN). Data: 26 de novembro de 2019.
I. Análise da iniciativa
A iniciativa
O Projeto de Lei (PJL) n.º 46/XIV/1.ª, do Partido Comunista Português (PCP), tem por objeto (artigo 1.º)
assegurar o transporte não urgente de doentes a todos os utentes do Serviço Nacional de Saúde (SNS).
No artigo 2.º desta iniciativa garante-se que o transporte não urgente está isento de encargos para o
utente, desde «que seja instrumental à realização da prestação de cuidados de saúde no âmbito do SNS»,
«quando a situação clínica o justifique, ou por carência económica, designadamente no caso de necessidade
de tratamentos prolongados ou continuados».
As condições da isenção de encargos estão fixadas no artigo 3.º e deverão ser comprovadas por médico
do SNS no momento da prescrição do transporte (conforme dispõe o artigo 5.º, por lapso referido como 4.º). Já
o artigo 4.º (referido como 3.º), define o conceito de «transporte não urgente».
O artigo 6.º (referido como 5.º) do projeto de lei procede à revogação do artigo 5.º do Decreto-lei n.º
113/2011, de 29 de novembro, diploma que regula o acesso às prestações do SNS por parte dos utentes, no
que respeita ao regime das taxas moderadoras e à aplicação de regimes especiais de benefícios, fixando
aquele artigo as condições em que o transporte não urgente é isento de encargos para o utente.
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A presente iniciativa pretende assim modificar o regime jurídico do transporte não urgente de doentes,
constando a final, em anexo a esta nota técnica, o mapa que compara o regime em vigor com o que resultará
da aprovação da lei.
A determinação de que a lei deverá ser regulamentada no prazo de 30 dias consta do artigo 7.º (referido
como 6.º) e a entrada em vigor com a publicação do Orçamento do Estado posterior à sua publicação está
fixada no artigo 8.º (referido como 7.º).
Fundamentando a apresentação desta iniciativa, diz o proponente que, «às dificuldades de acesso
decorrentes do pagamento das taxas moderadoras soma-se as sucessivas alterações aos critérios de
atribuição dos transportes não urgentes de doentes», insistindo na «necessidade da atribuição do transporte
não urgente a todos os utentes que dele necessitem».
Enquadramento jurídico nacional
Nos termos do n.º 1 do artigo 64.º da Constituição da República Portuguesa (Constituição), «todos têm
direito à proteção da saúde e o dever de a defender e promover». A alínea a) do n.º 2 do mesmo artigo
estipula, ainda, que o direito à proteção da saúde é realizado, nomeadamente, «através de um serviço
nacional de saúde universal e geral e, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos,
tendencialmente gratuito». Esta redação, introduzida pela Lei Constitucional n.º 1/89, de 8 de julho, que
procedeu à segunda revisão constitucional, veio substituir a consagrada pela Constituição de 1976 que
estabelecia no n.º 2 do artigo 64.º que o «direito à proteção da saúde é realizado pela criação de um serviço
nacional de saúde universal, geral e gratuito».
Recentemente, a Lei n.º 95/2019, de 4 de setembro, aprovou a Lei de Bases da Saúde, prevendo a Base
24 que «a lei deve determinar a isenção de pagamento de taxas moderadoras, nomeadamente em função da
condição de recursos, de doença ou de especial vulnerabilidade, e estabelecer limites ao montante total a
cobrar», e que «com o objetivo de promover a correta orientação dos utentes, deve ser dispensada a cobrança
de taxas moderadoras nos cuidados de saúde primários e, se a origem da referenciação for o SNS, nas
demais prestações de saúde, nos termos a definir por lei».
Foi a Lei n.º 56/79, de 15 de setembro (versão consolidada) que, no desenvolvimento do mencionado
preceito constitucional, procedeu à criação do referido Serviço Nacional de Saúde (SNS), prevendo no artigo
7.º que o seu acesso é gratuito, sem prejuízo do estabelecimento de taxas moderadoras diversificadas
tendentes a racionalizar a utilização das prestações.
O atual Estatuto do SNS foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 11/93, de 15 de janeiro, diploma este que sofreu
sucessivas alterações1, e do qual também pode ser consultada uma versão consolidada. Este diploma foi
regulamentado, nomeadamente, pela Portaria n.º 207/2017, de 7 de novembro2,(versão consolidada) que
aprova os Regulamentos e as Tabelas de Preços das Instituições e Serviços Integrados no SNS, procede à
regulamentação do Sistema Integrado de Gestão de Inscritos para Cirurgia (SIGIC), que passa a integrar o
Sistema Integrado de Gestão do Acesso (SIGA SNS), e define os preços e as condições em que se pode
efetuar a remuneração da produção adicional realizada pelas equipas.
Já a matéria relativa ao acesso às prestações do SNS, por parte dos utentes, no que respeita ao regime
das taxas moderadoras e à aplicação de regimes especiais de benefícios, está hoje definida no Decreto-Lei n.º
113/2011, de 29 de novembro3 (versão consolidada4). No respetivo preâmbulo defende-se a existência de
1 O Decreto-Lei n.º 11/93, de 15 de janeiro, (retificado pela Declaração de Retificação n.º 42/93, de 31 de março) sofreu as alterações introduzidas pelos Decretos-Leis n.os 77/96, de 18 de junho, 112/97, de 10 de outubro, 53/98, de 11 de março, 97/98, de 18 de abril, 401/98, de 17 de dezembro, 156/99, de 10 de maio, 157/99, de 10 de maio, 68/2000, de 26 de abril, 185/2002, de 20 de agosto, 223/2004, de 3 de dezembro, 222/2007, de 29 de maio, 276-A/2007, de 31 de julho, e 177/2009, de 4 de agosto, e Leis n.os 66-B/2012, de 31 de dezembro, 83-C/2013, de 31 de dezembro, e 82-B/2014, de 31 de dezembro. 2 A Portaria n.º 207/2017, de 7 de novembro, foi alterada pelas Portarias n.os 245/2018, de 3 de setembro, 254/2018, de 7 de setembro, e 132/2019, de 7 de maio. 3 O Decreto-Lei n.º 113/2011, de 29 de novembro, sofreu as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 128/2012, de 21 de junho, Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, Lei n.º 51/2013, de 24 de julho, Decreto-Lei n.º 117/2014, de 5 de agosto, Decreto-Lei n.º 61/2015, de 22 de abril, Lei n.º 134/2015, de 7 de setembro, Lei n.º 3/2016, de 29 de fevereiro, Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, Decreto-Lei n.º 131/2017, de 10 de outubro, e Lei n.º 84/2019, de 3 de setembro. 4 A versão consolidada constante do site da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa coloca apenas em nota a repristinação efetuada pela Lei n.º 3/2016, de 29 de fevereiro.
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«medidas reguladoras do uso de serviços de saúde», designadamente de taxas moderadoras, «as quais
constituem uma das fontes de receita própria das instituições e serviços do Serviço Nacional de Saúde».
Na sequência da publicação do Decreto-Lei n.º 113/2011, de 29 de novembro, e dando execução ao
disposto no n.º 1 do seu artigo 3.º, que prevê que os valores das taxas moderadoras são aprovados por
portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da saúde, foi publicada a Portaria
n.º 306-A/2011, de 20 de dezembro5(texto consolidado), alterada pelas Portarias n.os 408/2015, de 25 de
novembro, e 64-C/2016, de 31 de março. Esta portaria, na sua redação atual, aprova não só os valores das
taxas moderadoras do SNS como, ainda, as respetivas regras de apuramento e cobrança6.
Assim, e de acordo com o disposto no Decreto-Lei n.º 113/2011, de 29 de novembro, na Portaria n.º 306-
A/2011, de 20 de dezembro, e na Circular n.º 8/2016, de 31 de março são fixados os valores das taxas
moderadoras e respetivas regras de apuramento e cobrança, as condições de isenção do pagamento e os
respetivos meios de comprovação para as situações de isenção e, ainda, as respetivas condições de dispensa
de cobrança.
Cumpre referir que nos termos do artigo 5.º7 do Decreto-Lei n.º 113/2011, de 29 de novembro, na redação
dada pelo Decreto-Lei n.º 128/2012, de 21 de junho, que procedeu à única alteração do artigo, «o transporte
não urgente de doentes que seja instrumental à realização das prestações de saúde no âmbito do SNS é
isento de encargos para o utente quando a situação clínica o justifique, nas condições a aprovar por portaria
do membro do Governo responsável pela área da saúde, e desde que seja comprovada a respetiva
insuficiência económica» (n.º 1). «É ainda assegurado pelo SNS o pagamento de encargos com o transporte
não urgente dos doentes que não se encontrem nas situações anteriormente referidas, mas necessitem,
impreterivelmente, da prestação de cuidados de saúde de forma prolongada e continuada, nos termos e
condições a definir na portaria prevista no número anterior cabendo, neste caso, ao utente uma
comparticipação no pagamento do transporte» (n.os 2 e 3). Esta situação não se aplica a «beneficiários de
subsistemas de saúde, bem como a quaisquer entidades, públicas ou privadas, responsáveis pelos respetivos
encargos» (n.º 4). Acrescenta o artigo 7.º-A que «com o objetivo de promover a correta orientação dos utentes,
deve ser dispensada a cobrança de taxas moderadoras nos cuidados de saúde primários e, se a origem da
referenciação for o SNS, nas demais prestações de saúde, nos termos que vierem a ser definidos nos
diplomas de execução orçamental», norma que apenas entrará em vigor como o Orçamento do Estado para
2020.
Ao abrigo do mencionado artigo 5.º, a Portaria n.º 142-B/2012, de 15 maio8, (versão consolidada) alterada
pela Portaria n.º 178-B/2012, de 1 de junho9, Portaria n.º 184/2014, de 15 de setembro, Portaria n.º 28-A/2015,
de 11 de fevereiro, Portaria n.º 83/2016, de 12 de abril, Portaria n.º 275/2016, de 18 de outubro, e Portaria n.º
194/2017, de 21 de junho, veio regular as condições em que o SNS é responsável pelo pagamento dos
encargos com transporte não urgente dos utentes, «atendendo-se na sua regulação por um lado à natureza
instrumental desta atividade relativamente à prestação de cuidados, e por outro às premissas em que assenta
5 O artigo 153.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, e o artigo 151.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, determinaram, respetivamente, que no ano de 2013 e no ano de 2014, não haveria lugar à aplicação da atualização prevista no n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 113/2011, de 29 de novembro, das taxas moderadoras referentes a: «a) Consultas de medicina geral e familiar ou outra consulta médica que não a de especialidade realizada no âmbito dos cuidados de saúde primários; b) Consultas de enfermagem ou de outros profissionais de saúde realizada no âmbito dos cuidados de saúde primários; c) Consultas ao domicílio no âmbito dos cuidados de saúde primários; d) Consulta médica sem a presença do utente no âmbito dos cuidados de saúde primários». Já o artigo 155.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro, estabeleceu que no ano de 2015, a atualização das taxas moderadoras anteriormente mencionadas «só é aplicável no caso de ser negativa a taxa da inflação divulgada pelo INE, IP, relativa ao ano civil anterior». As restantes taxas moderadoras na saúde aumentaram de preço em 2013, tendo sido atualizadas automaticamente à taxa de inflação relativa ao ano civil anterior – 2,8%. No ano de 2014 o aumento de preço das taxas moderadoras foi de 0,3%, de acordo com a Circular Normativa de 14 de janeiro de 2014. Em 2015 a atualização do valor das taxas moderadoras foi definida pela Circular Normativa de 15 de janeiro de 2015. 6 Na sequência desta Portaria foi publicada a Circular n.º 8/2016, de 31 de março, que procede à clarificação dos procedimentos a assegurar pelas diversas unidades e estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde, e que republica os procedimentos que se mantém válidos e define novos procedimentos. 7 Redação originária do artigo 5.º: «o transporte não urgente de utentes que seja instrumental à realização das prestações de saúde no âmbito do SNS é isento de encargos para o utente quando a situação clínica o justifique, designadamente no caso de necessidade de tratamentos prolongados ou continuados em estabelecimentos ou serviços do SNS, nas condições a aprovar por portaria do membro do Governo responsável pela área da saúde, e desde que seja comprovada a respetiva insuficiência económica». 8 Retificada pela Declaração de Retificação n.º 27-A/2012, de 31 de maio. 9 Retificada pela Declaração de Retificação n.º 31/2012, de 4 de junho.
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a aplicação dos regimes especiais de benefícios, a situações determinantes de isenção ou de
comparticipação, como situações clínicas de maior risco de saúde e de situações de insuficiência económica».
Consequentemente, e com a publicação da Portaria n.º 142-B/2012, de 15 maio, na sua redação atual, os
encargos com o Transporte não Urgente de Doentes sofreram alterações, nomeadamente:
Eliminação de pagamento para os doentes com incapacidade igual ou superior a 60% e com
insuficiência económica, independentemente do transporte se destinar à realização de cuidados originados
pela incapacidade;
Inclusão nos encargos a suportar pelo SNS, os resultantes do transporte não urgente prescrito aos
menores com doença limitante/ameaçadora da vida, em caso de insuficiência económica;
Eliminação de copagamentos no Transporte não Urgente de Doentes na prestação de cuidados de
saúde de forma prolongada e contínua, incluindo os doentes oncológicos ou transplantados, bem como
insuficientes renais crónicos que realizam diálise peritoneal ou hemodiálise domiciliária e independentemente
do transporte se destinar à realização de atos clínicos inerentes à respetiva condição;
Explicitação que os encargos resultantes do transporte efetuado no dia do transplante são suportados
pelo hospital responsável pela transplantação.
São ainda aplicáveis nesta matéria o Despacho n.º 7702-A/2012, de 4 de junho, alterado pelo Despacho n.º
8706/2012, de 29 de junho, que veio aprovar os preços máximos que podem ser pagos pelo SNS na
contratação de serviços de transporte não urgente de doentes, e o Despacho n.º 7702-C/2012, de 4 de junho,
alterado pelo Despacho n.º 8705/2012, de 29 de junho, que aprovou o regulamento que define as normas e
procedimentos relativos à prescrição, requisição, gestão, conferência e faturação de encargos com o
transporte não urgente de doentes assegurado pelo SNS.
Com o objetivo de dar continuidade à implementação da gestão integrada de Transporte não Urgente de
Doentes em todas as unidades hospitalares do SNS foi elaborada, em conjunto com os SPMS – Serviços
Partilhados do Ministério da Saúde, EPE, a Circular Informativa Conjunta n.º 05/2016/ACSS/SPMS, através da
qual se apresenta a estratégia nacional para a implementação de um sistema de gestão integrado do
transporte de doentes no SNS.
Assim, e segundo informação disponível no Portal do Serviço Nacional de Saúde, o SNS assegura o
transporte não urgente de doentes, mediante prescrição médica do transporte justificada pela situação clínica
do doente e de acordo com a sua condição económica, nos termos seguintes:
Utentes com insuficiência económica
Rendimento médio mensal até 653,64 euros10 e uma situação clínica que justifique o transporte (abrange
membros dependentes do respetivo agregado familiar):
Incapacidade igual ou superior a 60%;
Condição clínica incapacitante, resultante de sequelas motoras de doenças vasculares; transplantados
quando houver indicação da entidade hospitalar responsável pela transplantação; insuficiência cardíaca e
respiratória grave; perturbações visuais graves; doença do foro ortopédico; doença neuromuscular de origem
genética ou adquirida; patologia do foro psiquiátrico; doenças do foro oncológico; queimaduras; gravidez de
risco; doença infectocontagiosa que implique risco para a saúde pública; insuficiência renal crónica e paralisia
cerebral e situações neurológicas afins com comprometimento motor e/ou;
Necessidade de técnicas de fisiatria, durante um período máximo de 120 dias, sem prejuízo de poder
ser reconhecida a extensão desse período, em situações devidamente justificadas pelo médico assistente,
previamente avaliadas e autorizadas, caso a caso, pelos órgãos de gestão das entidades do SNS
responsáveis pelo pagamento dos encargos e/ou;
Menores com doença limitante/ameaçadora da vida;
10 A Portaria n.º 24/2019, de 17 de janeiro, fixou o valor do IAS para o ano de 2019 em 435,76€.
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Outras situações clínicas que justifiquem a necessidade de transporte não urgente.
Utentes sem insuficiência económica
Cuidados de saúde de forma prolongada e continuada:
Insuficiência renal crónica;
Reabilitação em fase aguda (máximo de 120 dias);
Doentes oncológicos e transplantados, bem como doentes insuficientes renais crónicos que realizam
diálise peritoneal ou hemodiálise domiciliária;
Noutras situações clínicas devidamente justificadas pelo médico assistente, previamente avaliadas e
autorizadas, caso a caso, pelas entidades do SNS responsáveis pelo pagamento dos encargos.
O n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 113/2011, de 29 de novembro, prevê que se «consideram em
situação de insuficiência económica os utentes que integrem agregado familiar cujo rendimento médio mensal
seja igual ou inferior a 1,5 vezes o valor do IAS». Ao abrigo do n.º 3 do mesmo artigo e diploma, a Portaria n.º
311-D/2011, de 27 de dezembro, (versão consolidada) estabeleceu as condições para verificação da condição
de insuficiência económica dos utentes para efeitos de isenção de taxas moderadoras devidas pela realização
das prestações de saúde no âmbito do SNS, portaria que foi alterada pela Portaria n.º 289-B/2015, de 17 de
setembro.
De mencionar que a cobrança de taxas moderadoras ocorre no momento da realização das prestações de
saúde, salvo em situações de impossibilidade do utente resultante do seu estado de saúde ou da falta de
meios próprios de pagamento, nomeadamente, por situação clinica, insuficiência de meios de pagamento, ou
de regras específicas de organização interna da entidade responsável pela cobrança (artigo 7.º do Decreto-Lei
n.º 113/2011, de 29 de novembro).
Sobre a matéria do transporte de doentes não urgentes o Parlamento aprovou duas iniciativas:
A Resolução da Assembleia da República n.º 88/2011, de 15 de abril, que veio recomendar ao Governo
que procedesse «à revisão do quadro legal referente ao transporte de doentes não urgentes, respeitando os
princípios da universalidade e a igualdade no acesso, e que introduzisse critérios para uniformizar a sua
atribuição, tendo em atenção situações especiais de utentes que carecem de tratamentos prolongados ou
continuados em serviços públicos de saúde» e à revogação do Despacho n.º 19264/2010, de 29 de dezembro;
A Resolução da Assembleia da República n.º 197/2018, de 23 de julho que recomendou ao Governo a
adoção de medidas de apoio a doentes com esclerodermia, nomeadamente, o acesso ao transporte não
urgente.
Com a presente iniciativa, o PCP vem agora renovar o Projeto de Lei n.º 829/XIII/3.ª – Estabelece os
critérios de atribuição de transporte não urgente de doentes, que foi rejeitado em votação na generalidade.
Por fim, cumpre referir que o Portal do Serviço Nacional de Saúde disponibiliza diversa informação sobre
taxas moderadoras e sobre transporte de doentes não urgentes (perguntas frequentes).
II. Enquadramento parlamentar
Efetuada uma pesquisa à base de dados do processo legislativo, verificou-se que, neste momento, sobre
matéria idêntica ou conexa, não se encontram iniciativas ou petições em tramitação.
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III. Apreciação dos requisitos formais
Conformidade com os requisitos constitucionais, regimentais e formais
A iniciativa em apreço é subscrita por dez Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Comunista
Português, de acordo com o artigo 123.º do Regimento, no âmbito do poder de iniciativa da lei consagrado no
n.º 1 do artigo 167.º da Constituição e no artigo 118.º do Regimento da Assembleia da República (RAR). Trata-
se de um poder dos Deputados e dos grupos parlamentares, nos termos da alínea b) do artigo 156.º e da
alínea g) do n.º 2 do artigo 180.º da Constituição, e ainda da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º e da alínea f) do
artigo 8.º do RAR.
Toma a forma de projeto de lei, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 119.º do RAR,
encontra-se redigida sob a forma de artigos, é precedida de uma breve exposição de motivos e tem uma
designação que traduz o respetivo objeto principal, dando assim cumprimento aos requisitos formais
estabelecidos no n.º 1 do artigo 124.º do Regimento.
De igual modo, encontram-se respeitados os limites à admissão das iniciativas, previstos no n.º 1 do artigo
120.º do RAR, dado que o projeto de lei parece não infringir princípios constitucionais e define concretamente
o sentido das modificações a introduzir na ordem legislativa.
Em face da informação disponível, tal como já foi referido na nota de admissibilidade, não é possível
determinar ou quantificar eventuais consequências da aprovação deste projeto de lei, embora pareça ser
previsível, pela análise da exposição de motivos e do articulado, que haverá um aumento de despesa pelo
alargamento da isenção de encargos com transporte não urgente, gerando novas despesas para o Serviço
Nacional de Saúde, o que, a acontecer, contenderia com o disposto no n.º 2 do artigo 167.º e no n.º 2 do artigo
120.º do Regimento, que estabelecem o principio conhecido pela designação de «lei travão», que impede a
apresentação de iniciativas que «envolvam, no ano económico em curso, aumento das despesas ou
diminuição das receitas do Estado previstas no Orçamento». Contudo, este limite foi acautelado pelo
proponente ao fazer coincidir a data de entrada em vigor da iniciativa com a data da publicação do Orçamento
do Estado subsequente.
O projeto de lei em apreciação deu entrada a 7 de novembro de 2019, tendo sido admitido e baixado na
generalidade à Comissão de Saúde (9.ª), por despacho do Presidente da Assembleia da República de 12 de
novembro de 2019 e foi anunciado em sessão plenária do dia 13 de novembro.
Verificação do cumprimento da lei formulário
O título da presente iniciativa legislativa — «Estabelece os critérios de atribuição de transporte não urgente
de doentes» — traduz sinteticamente o seu objeto, em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 7.º da
Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, doravante referida como lei formulário.
O artigo 5.º do projeto de lei em apreço contém uma norma revogatória, incidente sobre o artigo 5.º do
Decreto-Lei n.º 113/2011, de 29 de novembro, o que constitui uma alteração ao referido diploma a que, em
caso de aprovação, deveria fazer-se menção no título.
Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º da mesma lei formulário: «Os diplomas que alterem outros devem indicar
o número de ordem da alteração introduzida e, caso tenha havido alterações anteriores, identificar aqueles
diplomas que procederam a essas alterações, ainda que incidam sobre outras normas».
Nessa medida, verificando-se na consulta ao Diário da República Eletrónico que a última alteração
introduzida a este diploma foi a décima primeira, pela Lei n.º 84/2019, de 3 de setembro, e no respeito pelas
regras de legística que têm sido seguidas nesta matéria, no sentido de tornar a sua formulação mais sucinta e
clara, sugere-se a seguinte alteração ao título:
«Critérios de atribuição de transporte não urgente de doentes (procede à décima segunda alteração ao
Decreto-Lei n.º 113/2011, de 29 de novembro, que regula o acesso às prestações do Serviço Nacional de
Saúde por parte dos utentes, no que respeita ao regime de taxas moderadoras e à aplicação dos regimes
especiais de benefícios)»
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No articulado devem constar as modificações anteriormente sofridas por este diploma.
No que respeita ao início de vigência, o artigo 7.º deste projeto de lei estabelece que a entrada em vigor
ocorrerá com a publicação do Orçamento do Estado posterior à sua publicação, mostrando-se assim conforme
com o previsto no n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, segundo o qual os atos legislativos
«entram em vigor no dia neles fixado, não podendo, em caso algum, o início de vigência verificar-se no próprio
dia da publicação.
Em caso de aprovação esta iniciativa revestirá a forma de lei, nos termos do n.º 3 do artigo 166.º da
Constituição, pelo que deve ser objeto de publicação na 1.ª série do Diário da República, em conformidade
com o disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 74/98, de 11 de novembro.
Nesta fase do processo legislativo, a iniciativa em análise não nos suscita outras questões no âmbito da lei
formulário.
Regulamentação ou outras obrigações legais
Nos termos do artigo 6.º, o Governo procede à regulamentação da presente iniciativa, através de portaria,
no prazo de 30 dias após a sua entrada em vigor.
IV. Análise de direito comparado
Enquadramento internacional
Países europeus
A legislação comparada é apresentada para os seguintes Estados-Membros da União Europeia: Espanha,
França, Irlanda e Reino Unido.
ESPANHA
Os tipos de serviços disponíveis no Serviço Nacional de Saúde encontram-se previstos no Capitulo I da Ley
16/2003, de 28 de maio, de cohesión y calidad del Sistema Nacional de Salud11, definindo-se assim uma
espécie de catálogo do que o serviço deve garantir, desde serviços preventivos e de diagnóstico, ao transporte
de doentes, matéria em apreço na presente iniciativa.
Neste sentido, e de acordo com o preceituado no n.º 3 do artigo 8.º, sobre cuidados suplementares, está
previsto o transporte não urgente de doentes como um dos serviços disponíveis no SNS e assumido pelo
Estado.
O transporte de doentes consiste no deslocamento de pessoas doentes, por razões exclusivamente
clínicas, impedidas de viajar no meio de transporte ordinário para se deslocarem a uma unidade clínica para
receber tratamentos ou no regresso a casa, após os receberem, conforme definido no artigo 19.º.12
O Real Decreto 1030/2006, de 15 de setembro13, por el que se establece la cartera de servicios comunes
del Sistema Nacional de Salud y el procedimiento para su actualización, sobre os serviços comuns de
transporte de doentes, tem como finalidade garantir a igualdade e acessibilidade dos cuidados de saúde em
todo o território do Estado, através da fixação de um conjunto de regras comuns, que servem como base para
todas as comunidades autónomas.
11 Diploma consolidado retirado do portal oficial BOE.es. 12 Quanto às normas a que os veículos para o transporte de doentes devem obedecer, as mesmas constam do Real Decreto 836/2012, de 25 de mayo, por el que se establecen las características técnicas, el equipamiento sanitário y la dotación de personal de los vehículos de transporte sanitário por carretera. 13 Diploma consolidado retirado do portal oficial boe.es.
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No anexo VIII do referido diploma, vêm previstas as disposições base para o transporte de doentes,
incluindo o transporte não assistido (aquele em que os utentes não necessitam de assistência técnica) e não
urgente.
Estão excluídos os transportes de e para fora das comunidades autónomas ou para unidades de saúde que
não pertençam à rede pública.
No entanto, no caso de os serviços de saúde de uma comunidade autónoma não serem adequados à
situação do utente, e de o serem os de uma outra comunidade autónoma, o transporte é assegurado pelo SNS
(ponto 4.1 do referido anexo).
FRANÇA
O transporte de doentes encontra-se regulado no Código da Segurança Social14, quer na parte legislativa
(L 321-1) quer na parte regulamentar (R 332-10).
A assistência pública no transporte de doentes, por parte do Estado francês, é feita através de reembolso.
O Estado cobra uma parte, à partida, e outra é da responsabilidade do doente que, no entanto, pode pedir o
seu reembolso nos casos expressamente previstos, tais como:
No transporte relacionado com a hospitalização;
No transporte para tratamentos ou exames devidamente prescritos;
No transporte a uma distância de mais de 150kms;
No transporte em série (pelo menos quatro, num período de dois meses) para distâncias de 50kms e
superiores;
No transporte relacionado com cuidados e tratamentos de âmbito dos «centres d'action médico-sociale
precoce».
A segurança social mantém uma página na Internet relativa ao seguro de saúde suportado pelo Estado, na
qual é fornecida vasta informação sobre os direitos e os passos que o utente deve seguir, bem como
informação sobre problemas de saúde e prevenção. De relevar a existência de um quadro exemplificativo da
forma como se processa o transporte de doentes.
IRLANDA
O Serviço Nacional de Saúde é regulado pelo Health Act 2004, que, para além de estabelecer as suas
bases, procedeu à criação da Health Service Executive, entidade responsável por toda a gestão dos recursos
públicos alocados à saúde, de forma efetiva e eficiente, com a missão principal de melhorar a qualidade geral
do serviço.
Esta entidade administrativa possui, no seu sítio da Internet, um documento sobre o transporte não urgente
de doentes, no qual é explicado que, por regra, os utentes devem organizar o seu próprio transporte de forma
a receberem o tratamento devido (pontos 7.2.1 e 7.4.1 do documento), podendo, no entanto, recorrer aos
recursos e serviços do SNS (que estabelecerá as prioridades), quando, não existindo uma situação de
emergência, o utente não tenha condições de organizar o seu próprio transporte (pontos 7.2.3, 7.2.4 e 7.2.5).
Foi ainda criado um programa, no âmbito do SNS, denominado de National Transport Medicine
Programme, para transportar os doentes dentro do país. Porém, pelo que foi possível apurar, apenas se
destina ao transporte urgente, não contemplando o não urgente.
REINO UNIDO
O transporte de utentes no Serviço Nacional de Saúde é diferente consoante se trate de doentes urgentes
ou não urgentes. O transporte dos doentes em risco de vida ou em situação crítica é feito de forma gratuita
14 Diploma consolidado retirado do portal oficial legifrance.gouv.fr
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através do número de emergência médica. Já quanto ao transporte não urgente presume-se que os doentes
se desloquem para o hospital a expensas próprias.
Porém, existem alguns mecanismos de apoio aos utentes mais desfavorecidos: uns são elegíveis para
usufruírem de um serviço de transporte de doentes não urgentes, que o asseguram de forma gratuita de e
para o hospital (em determinadas circunstâncias), enquanto outros são beneficiários de um sistema
denominado de Heathcare Travel Costs Scheme, segundo o qual os utentes, em determinadas circunstâncias,
são reembolsados dos custos de transporte associados às deslocações aos hospitais do SNS e seus
parceiros.
Este reembolso, regulado pelo The National Health Service (Travel Expenses and Remissions of Chages)
Regulations 200315, pode ser total ou parcial, feito de forma automática ou após pedido à Prescription Pricing
Division (PPD) do Serviço Nacional de Saúde.
A título exemplificativo, o hospital universitário de Oxford tem publicado no seu sítio na Internet um guia
prático, dirigido aos utentes, sobre o reembolso dos cuidados de saúde. Nele é referido que serão pagos quer
o transporte público, carro pessoal, voluntary car service ou táxi, incluindo os custos de deslocação de um
acompanhante (quando medicamente necessário).
V. Consultas e contributos
Considerando a matéria que está em causa, poderá a Comissão de Saúde proceder à audição, ou solicitar
parecer, na fase de espacialidade, à Entidade Reguladora da Saúde (ERS) e à Direção-Geral de Saúde.
VI. Avaliação prévia de impacto
Avaliação sobre impacto de género
A avaliação de impacto de género (AIG), que foi junta ao projeto de lei pelo grupo parlamentar proponente,
valora como neutro o impacto com a sua aprovação, o que efetivamente se pode constatar após leitura do
texto da iniciativa.
Linguagem não discriminatória
Na elaboração dos atos normativos a especificação de género deve ser minimizada recorrendo-se, sempre
que possível, a uma linguagem neutra ou inclusiva, mas sem colocar em causa a clareza do discurso.
Sem prejuízo de uma análise mais detalhada, na apreciação na especialidade ou na redação final, nesta
fase do processo legislativo a redação do projeto de lei não nos suscita qualquer questão relacionada com a
linguagem discriminatória em relação ao género.
Impacto orçamental
A presente iniciativa implica, em caso de aprovação, um acréscimo de despesas para o Orçamento do
Estado com a saúde, na medida em que garante, em diversas situações, o transporte não urgente de doentes,
isento de encargos para o utente. Para salvaguardar o disposto no n.º 2 do artigo 120.º do Regimento, que
impede a apresentação de iniciativas que «envolvam, no ano económico em curso, aumento das despesas ou
diminuição das receitas do Estado previstas no Orçamento», como já foi referido no ponto III, a entrada em
vigor da iniciativa coincidirá com a do Orçamento do Estado posterior à sua publicação.
15 Apenas está disponível a versão originária publicada em 2003. No entanto, e de acordo com informação recolhida no portal da Internet do Serviço Nacional de Saúde britânico, este diploma sofreu várias alterações que podem ser consultadas do portal oficial legislation.gov.uk.
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ANEXO
Mapa comparativo referido no ponto I
Decreto-Lei n.º 113/2011 Projeto de Lei n.º 46/XIV/1.ª (PCP)
Artigo 5.º Transporte não urgente
1 – O transporte não urgente de doentes que seja instrumental à realização das prestações de saúde no âmbito do SNS é isento de encargos para o utente quando a situação clínica o justifique, nas condições a aprovar por portaria do membro do Governo responsável pela área da saúde, e desde que seja comprovada a respetiva insuficiência económica. 2 – É ainda assegurado pelo SNS o pagamento de encargos com o transporte não urgente dos doentes que não se encontrem nas situações previstas no número anterior mas necessitem, impreterivelmente, da prestação de cuidados de saúde de forma prolongada e continuada, nos termos e condições a definir na portaria prevista no número anterior. 3 – No caso previsto no número anterior, cabe ao utente uma comparticipação no pagamento do transporte, nos termos a fixar na portaria prevista no n.º 1. 4 – O disposto nos números anteriores não se aplica a beneficiários de subsistemas de saúde, bem como a quaisquer entidades, públicas ou privadas, responsáveis pelos respetivos encargos.
Artigo 1.º Objeto
A presente lei assegura o transporte não urgente de doentes a todos os utentes do Serviço Nacional de Saúde (SNS).
Artigo 2.º Isenção de encargos com transporte não urgente
O transporte não urgente de utentes que seja instrumental à realização da prestação de cuidados de saúde no âmbito do SNS é isento de encargos para o utente quando a situação clínica o justifique ou por carência económica, designadamente no caso de necessidade de tratamentos prolongados ou continuados.
Artigo 3.º Condições de isenção de encargos
1 – O SNS assegura na totalidade os encargos com o transporte não urgente prescrito aos utentes sempre que a situação clínica o justifique ou por carência económica. 2 – O SNS assegura, nos termos do presente artigo os encargos com o transporte não urgente dos doentes que necessitem impreterivelmente da prestação de cuidados de saúde de forma prolongada e continuada, e independentemente do número de deslocações mensais. 3 – As situações de prestação de cuidados de saúde de forma prolongada e continuada nos termos referidos nos números anteriores deverá ser objeto de prescrição única.
Artigo 3.º Transporte não urgente
Para efeitos do presente projeto de lei, considera-se transporte não urgente o transporte de doentes associado à realização de uma prestação de saúde e cuja origem ou destino sejam os estabelecimentos e serviços que integram o SNS, ou as entidades de natureza privada ou social com acordo, contrato ou convenção para a prestação de cuidados de saúde com o SNS, nas seguintes situações: a) Transporte para consulta, internamento, cirurgia, tratamentos, exames complementares de diagnóstico e terapêutica; b) Transporte para a residência do utente após alta de internamento ou da urgência.
Artigo 4.º Comprovação das condições
As situações clínicas são comprovadas por médico do SNS, no momento da prescrição do transporte, sendo esta registada no processo clinico do utente.
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PROJETO DE LEI N.º 182/XIV/1.ª
(ACESSO E GRATUITIDADE DA MEDICAÇÃO DE EMERGÊNCIA ADQUIRIDA PELOS DOENTES COM
ALERGIAS GRAVES)
Parecer da Comissão de Saúde e nota técnica elaborada pelos serviços de apoio
Parecer
ÍNDICE
Parte I – Considerandos
Parte II – Opinião da Deputada autora do parecer
Parte III – Conclusões
Parte IV – Anexos
PARTE I – CONSIDERANDOS
Introdução
O Grupo Parlamentar do Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV) tomou a iniciativa de apresentar à
Assembleia da República o Projeto de Lei n.º 182/XIV/1.ª «Acesso e gratuitidade da medicação de emergência
adquirida pelos doentes com alergias graves».
Esta iniciativa legislativa é apresentada nos termos do artigo 167.º da Constituição da República
Portuguesa (CRP) e do artigo 118.º do Regimento da Assembleia da República (RAR), cumprindo os
requisitos do n.º 1 do artigo 124.º do RAR. Deu entrada a 21 de janeiro de 2020, tendo sido admitida no dia 24
de janeiro. Baixou na generalidade à 9.ª Comissão – Comissão de Saúde.
No que diz respeito ao enquadramento legal (nacional e internacional) e doutrinário da presente iniciativa
legislativa, bem como no que diz respeito a outras iniciativas legislativas e petições pendentes sobre a mesma
matéria, remete-se para a nota técnica elaborada, a 11 de fevereiro, pelos serviços competentes da
Assembleia da República, em anexo ao presente parecer.
Na referida nota técnica, é mencionado que «O título da presente iniciativa legislativa – ‘Acesso e
gratuitidade da medicação de emergência adquirida pelos doentes com alergias graves’ – traduz
sinteticamente o seu objeto, mostrando-se conforme ao disposto no n.º 2 do artigo 7.º da Lei n.º 74/98, de 11
de novembro, conhecida como lei formulário1. Coloca-se no entanto à consideração da Comissão competente,
em sede de apreciação na especialidade, a possibilidade de especificar no título o medicamento auto injetor
de adrenalina».
De realçar que na nota técnica chama-se a atenção para que deve ser salvaguardada a «lei-travão» (n.º 2
do artigo 167.º da Constituição e n.º 2 do artigo 120.º do Regimento), uma vez que «(…) é proposta a
compartição estatal na totalidade do preço do medicamento auto injetor de adrenalina, e o artigo 5.º prevê que
a iniciativa entre em vigor 180 dias após a sua publicação, pelo que a entrada em vigor deveria ser alterada de
modo a que a norma com efeitos orçamentais apenas produza efeitos ou entre em vigor com a publicação da
lei do Orçamento do Estado subsequente». A mesma ressalva é feita na nota de admissibilidade.
Importa, a este propósito, referir que, no âmbito do Orçamento do Estado para 2020, o PEV apresentou
uma proposta de aditamento (proposta n.º 141C) determinando que «O medicamento auto-injetor de
1 Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, que estabelece um conjunto de normas sobre a publicação, a identificação e o formulário dos diplomas, alterada e republicada pelas Leis n.os 2/2005, de 24 de janeiro, 26/2006, de 30 de junho, 42/2007, de 24 de agosto, e 43/2014, de 11 de julho.
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adrenalina, vulgarmente designada por caneta de adrenalina, passa a ser comparticipado na totalidade
mediante prescrição médica», proposta que foi aprovada.
Caso a presente iniciativa legislativa seja aprovada na generalidade ou baixe sem votação – e
independentemente das entidades que os vários grupos parlamentares entendam ouvir ou consultar em sede
de especialidade -, importa destacar que a nota técnica refere que «Considerando a matéria que está em
causa, poderá a Comissão de Saúde proceder à audição, ou solicitar parecer, na fase de especialidade, ao
INFARMED, IP e à Direção Geral da Saúde (DGS)».
Objeto e Motivações
Com o presente projeto de lei, os Deputados do Grupo Parlamentar do PEV que o subscrevem têm como
objetivos: a gratuitidade da medicação de emergência adquirida pelos doentes com alergias graves, a garantia
de disponibilização de adrenalina nas unidades de saúde e farmácias e a formação e sensibilização para a
problemática das alergias.
Em síntese, afirmando que:
«As alergias afetam cronicamente mais de um terço da população em Portugal e na Europa»;
«As alergias alimentares são cada vez mais frequentes em consequência sobretudo da introdução de
novos alimentos na nossa dieta e da invasão de alimentos industrialmente processados, em que são
adicionados muitos aditivos, caso dos corantes e conservantes»;
«O documento de 2016 «Alergia Alimentar na Restauração» do Programa Nacional para a Promoção da
Alimentação Saudável da Direção-Geral da Saúde (DGS), indica que 8 em cada 100 crianças sofrem de
alergia alimentar, e que nos adultos a prevalência é cerca de 5%. Este documento refere igualmente que a
alergia alimentar aumentou 18% numa década, e no caso concreto das crianças, este aumento é de 50%, uma
tendência preocupante»;
«Quando a reação alérgica é muito intensa passa a anafilaxia, que é a reação alérgica generalizada por
todo o corpo (sistémica) que no extremo pode evoluir para um choque anafilático que é um colapso
cardiorrespiratório, em que há mesmo risco de morte. A reação anafilática pode ocorrer não apenas quando o
alergénio é ingerido, mas também quando este é inalado ou por contacto direto (pele)»;
«Segundo a Direção-Geral da Saúde a anafilaxia tem aumentado em Portugal e a sua prevalência na
Europa está estimada em 0,3%. Os dados epidemiológicos mostram uma incidência de anafilaxia de entre 1,5
– 8 por 100.000 pessoas/ano, com um aumento dos casos de anafilaxia nos últimos anos»;
«A resposta mais célere e eficaz à anafilaxia, que pode salvar vidas, revertendo o choque anafilático,
passa pela caneta auto-injetável de epinefrina substância normalmente conhecida por adrenalina»;
«Às pessoas que sejam gravemente alérgicas a uma determinada substância, desencadeando um
choque anafilático, é recomendado, por motivos de segurança, trazerem consigo um kit de emergência com
adrenalina para autoadministração, prescrito pelo médico, pois a injeção deve ser administrada o mais
rapidamente possível»;
«Porém, a injeção de adrenalina tem um custo elevado, ou seja, 35,94€ com comparticipação, se não,
ascende aos cinquenta e sete euros numa das duas marcas que comercializa a epinefrina. Para além do preço
excessivo, a validade deste medicamento é curta, não ultrapassa um ano, levando a que os doentes
periodicamente despendam este valor, que se soma aos gastos adicionais diários, como é o caso das alergias
alimentares, associados às restrições e especificidades da alimentação ou à medicação necessária».
Segundo o PEV, «torna-se importante não só a gratuitidade do kit de adrenalina para estes doentes
alérgicos, mas também garantir que todas unidades de saúde garantam adrenalina injetável e que as
farmácias assegurem em stock canetas de adrenalina». Mais ainda, afirmam os subscritores da presente
iniciativa que «dado o número crescente de crianças alérgicas, em particular a alergénicos alimentares, é
importante que as escolas passem a realizar ações para sensibilizar a própria comunidade escolar para: as
adversidades das alergias, as medidas de redução da exposição a alergénios; práticas e comportamentos
inclusivos das pessoas com alergia alimentar; primeiros socorros».
O articulado da presente iniciativa legislativa é composto por cinco artigos:
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Artigo 1.º – Objeto
Artigo 2.º – Comparticipação
Artigo 3.º – Disponibilização
Artigo 4.º – Sensibilização
Artigo 5.º – Entrada em vigor
PARTE II – OPINIÃO DA DEPUTADA AUTORA DO PARECER
Nos termos do n.º 3 do artigo 137.º do Regimento da Assembleia da República, a Deputada relatora
reserva a sua opinião sobre a presente iniciativa legislativa para a discussão em sessão plenária.
PARTE III – CONCLUSÕES
1. O Grupo Parlamentar do Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV) tomou a iniciativa de apresentar à
Assembleia da República o Projeto de Lei n.º 182/XIV/1.ª «Acesso e gratuitidade da medicação de emergência
adquirida pelos doentes com alergias graves».
2. O Projeto de Lei n.º 182/XIV/1.ª foi apresentado nos termos constitucionais, legais e regimentais
aplicáveis, encontrando-se reunidos os requisitos formais e de tramitação exigidos.
3. Neste sentido, a Comissão Parlamentar de Saúde é de parecer que o projeto de lei em apreço, ao reunir
todos os requisitos formais, constitucionais e regimentais, e cumprindo o estipulado na lei formulário, deve ser
remetido a Sua Excelência o Presidente da Assembleia da República, para discussão em Sessão Plenária,
nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 136.º do Regimento da Assembleia da República.
Palácio de São Bento, 28 de fevereiro de 2020.
A Deputada autora do parecer, Ana Rita Bessa — A Presidente da Comissão, Maria Antónia de Almeida
Santos.
Nota: O parecer foi aprovado, por unanimidade, tendo-se verificado a ausência do CH, na reunião da
Comissão de 6 de maio de 2020.
PARTE IV – ANEXOS
Anexa-se ao presente parecer a nota técnica devidamente elaborada pelos serviços competentes da
Assembleia da República.
Nota Técnica
Acesso e gratuitidade da medicação de emergência adquirida pelos doentes com alergias graves.
Data de admissão: 24-01-2020
Comissão de Saúde (9.ª)
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Índice
I. Análise da iniciativa
II. Enquadramento parlamentar
III. Apreciação dos requisitos formais
IV. Análise de direito comparado
V. Consultas e contributos
VI. Avaliação prévia de impacto
Elaborada por: Inês Mota (DAC), Maria Leitão e Nuno Amorim (DILP), Rafael Silva (DAPLEN). Data: 11 de fevereiro de 2020.
I. Análise da iniciativa
A iniciativa
O Grupo Parlamentar do Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV) apresentou o Projeto de Lei (PJL) n.º
182/XIV/1.ª, que tem por objeto a gratuitidade da medicação de emergência – a epinefrina – adquirida pelos
doentes com alergias graves, a garantia de disponibilização de adrenalina nas unidades de saúde e farmácias,
bem como a formação e sensibilização para a problemática das alergias.
Em síntese, a presente iniciativa prevê:
i) Que o medicamento auto injetor de adrenalina, vulgarmente designado por caneta de adrenalina, passe
a ser comparticipado na totalidade mediante prescrição médica (artigo 2.º);
ii) Que as farmácias garantam sempre em stock, pelo menos duas unidades do medicamento auto injetor
de adrenalina (n.º do artigo 3.º);
iii) Que todas as unidades de saúde garantam adrenalina injetável (n.º 2 do artigo 3.º);
iv) Que as escolas, em articulação com as unidades de saúde da área de abrangência, promovam a
realização de ações de sensibilização e formação e a disponibilização de informação sobre alergias, em
particular alimentares, bem como de socorrismo;
v) A entrada em vigor da lei «180 dias após a sua publicação» (artigo 5.º).
As razões que estão subjacentes à apresentação deste PJL prendem-se com a convicção dos proponentes
de que: por um lado, se verifica um crescente aumento dos casos da anafilaxia provocados por alergénicos
alimentares eveneno de insetos (em especial abelhas e vespas), sendo necessário que as pessoas com
alergias graves se façam acompanhar de um kit de emergência que contenha, nomeadamente, duas injeções
de adrenalina; e por outro, de que é elevado custo da injeção de adrenalina que os doentes com alergias
graves têm de suportar (35,94€), face ao que consideram ser uma diminuta comparticipação da caneta de
adrenalina (37% do valor mediante de receita médica). Aliado, ainda, ao facto de estarmos perante um
medicamento com validade diminuta.
Enquadramento jurídico nacional
Nos termos do n.º 1 do artigo 64.º da Constituição da República Portuguesa (Constituição) «todos têm
direito à proteção da saúde e o dever de a defender e promover». As alíneas b) e c) do n.º 3 do mesmo artigo
estipulam, ainda, que para assegurar o direito à proteção da saúde incumbe prioritariamente ao Estado,
nomeadamente, «garantir o acesso de todos os cidadãos, independentemente da sua condição económica,
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aos cuidados da medicina preventiva, curativa e de reabilitação»; e «orientar a sua ação para a socialização
dos custos dos cuidados médicos e medicamentosos».
No desenvolvimento deste preceito constitucional e com a Lei n.º 95/2019, de 4 de setembro, foi aprovada
a Lei de Bases da Saúde, prevendo o n.º 1 da Base 1 que o direito à proteção da saúde é o «direito de todas
as pessoas gozarem do melhor estado de saúde físico, mental e social, pressupondo a criação e o
desenvolvimento de condições económicas, sociais, culturais e ambientais que garantam níveis suficientes e
saudáveis de vida, de trabalho e de lazer». Determina, também, o n.º 4 da Base 17 que «a política do
medicamento deve contribuir para a promoção do desenvolvimento médico e científico e contribuir para os
ganhos em saúde e melhoria da qualidade de vida dos cidadãos, promovendo o uso racional dos
medicamentos e a utilização de medicamentos genéricos.
Já o n.º 1 da Base 6 e o n.º 1 da Base 20 estabelecem que a responsabilidade do Estado pela realização
do direito à proteção da saúde se concretiza, em primeiro lugar, através do Serviço Nacional de Saúde (SNS)
enquanto «conjunto organizado e articulado de estabelecimentos e serviços públicos prestadores de cuidados
de saúde, dirigido pelo ministério responsável pela área da saúde, que efetiva a responsabilidade que cabe ao
Estado na proteção da saúde», tendo a Lei n.º 56/79, de 15 de setembro (versão consolidada), procedido à
criação do Serviço Nacional de Saúde (SNS).
Coube ao Decreto-Lei n.º 97/2015, de 1 de junho1 (versão consolidada) proceder à criação do Sistema
Nacional de Avaliação de Tecnologias de Saúde, Sistema que visa dotar o SNS de um «instrumento único que
melhore o seu desempenho, introduzindo neste as melhores práticas ao nível europeu, no que se refere à
utilização de tecnologias de saúde».
O resultado da avaliação das tecnologias de saúde constitui fundamento para decidir sobre o preço, a
comparticipação, a aquisição ou a instalação da tecnologia de saúde, por parte do sistema de saúde [alínea b)
do n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 97/2015, de 1 de junho]. Já a competência para decidir a
comparticipação ou, nos casos em que isso seja considerado adequado, a autorização de celebração de
contrato de comparticipação, cabe ao membro do Governo responsável pela área da saúde, podendo ser
delegada no conselho diretivo do INFARMED, IP (n.º 1 do artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 97/2015, de 1 de
junho), cujas missão e atribuições se encontram definidas no Decreto-Lei n.º 46/2012, de 24 de fevereiro2
(versão consolidada). A Portaria n.º 195-A/2015, de 30 de junho3 (versão consolidada), veio regulamentar esta
matéria, tendo estabelecido uma tramitação ajustada à prática administrativa em matéria de comparticipação e
avaliação prévia, «com o objetivo de simplificação mas simultaneamente de obtenção de certeza jurídica»,
para o que fixou os prazos dos diferentes atos procedimentais, as consequências para o não cumprimento do
ónus de instrução e bem assim a intervenção de outras entidades.
O Estado pode comparticipar a aquisição dos medicamentos prescritos aos beneficiários do SNS e de
outros subsistemas públicos de saúde. Esta comparticipação é estabelecida mediante uma percentagem do
preço de venda ao público do medicamento; um sistema de preços de referência; e a ponderação de fatores
relacionados, nomeadamente, com características dos doentes, prevalência de determinadas doenças e
objetivos de saúde pública (artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 97/2015, de 1 de junho). Podem, ainda, ser
estabelecidos regimes especiais de comparticipação4 para determinados grupos e subgrupos
farmacoterapêuticos, tendo em conta, nomeadamente, o rendimento dos utentes, a prevalência das doenças e
os objetivos de saúde pública (n.º 1 do artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 97/2015, de 1 de junho). Neste caso,
determina o n.º 2 do artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 97/2015, de 1 de junho, que mediante portaria do membro
1 O Decreto-Lei n.º 97/2015, de 1 de junho, foi alterado pelo Decreto-Lei n.º 115/2017, de 7 de setembro. 2 O Decreto-Lei n.º 46/2012, de 24 de fevereiro, foi alterado pelos Decretos-Leis n.os 97/2015, de 1 de junho, e 115/2017, de 7 de setembro. 3 A Portaria n.º 195-A/2015, de 30 de junho, foi retificada pela Declaração de Retificação n.º 37-A/2015, de 28 de agosto, e alterada pela Portaria n.º 270/2017, de 12 de setembro. 4 Os regimes excecionais de comparticipação (anteriormente denominados regimes especiais) podem aplicar-se quer à dispensa em farmácia comunitária (por exemplo, a majoração do escalão de comparticipação aplicável à Classificação Farmacoterapêutica do medicamento) quer à dispensa nos serviços farmacêuticos de uma entidade hospitalar do SNS (por exemplo, a aplicação do financiamento a 100% de medicamentos dispensados pelos serviços farmacêuticos hospitalares a doentes não internados), e incluem condições específicas quanto à prescrição, como sejam a patologia ou grupo de doentes, a especialidade clínica do médico prescritor, a forma como é feita a prescrição (inclusão de menções à regulamentação do regime especial), entre outros.
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do Governo responsável pela área da saúde podem ser estabelecidos regimes excecionais de
comparticipação, nomeadamente, para:
a) Determinadas patologias ou por grupos especiais de utentes;
b) Determinadas indicações terapêuticas;
c) Sistemas de gestão integrada de doenças;
d) Medicamentos qualificados, por despacho do membro do Governo responsável pela área da saúde,
como imprescindíveis em termos de sustentação de vida.
A tabela das patologias abrangidas por regime especial, local de dispensa, percentagem de
comparticipação concedida no regime especial e respetivos diplomas legais pode ser consultada no sítio do
INFARMED.
O PEV apresenta o atual projeto de lei com o objetivo de permitir «aos doentes com alergias graves, a
gratuitidade da caneta de adrenalina autoinjectável, a garantia de acesso à adrenalina nas unidades de saúde
e farmácias, bem como a formação e sensibilização para a problemática das alergias», dado que esta é
atualmente comparticipada em 37%.
Como informação complementar importa referir que a «alergia alimentar é uma reação adversa para a
saúde resultante de uma resposta específica e reprodutível do sistema imunológico quando exposto a um
determinado alimento. Esse alimento é reconhecido como agressor ao organismo, sendo que a fração do
alimento responsável por essa reação, uma proteína, se denomina alergénio»5. Por seu turno, a «anafilaxia
(reação anafilática) é uma reação alérgica grave generalizada, ou sistémica, que pode ocorrer em muitos dos
indivíduos com alergia alimentar e que é potencialmente fatal. É caracterizada pelo início rápido de dificuldade
respiratória e/ou circulatória (tonturas, sensação de ‘desmaio’), geralmente associada a manifestações da pele
(urticária) e/ou das mucosas (edema). A adrenalina está disponível, mediante prescrição médica, sob a forma
de um auto injetor de adrenalina intramuscular (…) e aquando de uma reação, esta deverá ser administrada
de forma imediata mantendo o dispositivo na zona de aplicação durante 10 segundos e massajando
posteriormente a mesma zona. (…) No caso de uma reação severa ou anafilática, é necessário recorrer à
adrenalina, sendo que os indivíduos com história de alergia alimentar grave deverão ser portadores dessa
medicação»6.
No âmbito do Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável da Direção-Geral da Saúde
(DGS) foi divulgado, em 2016, o documento Alergia Alimentar na Restauração, onde se pode ler que a
«prevalência da anafilaxia na Europa está estimada em 0,3%. Os dados epidemiológicos mostram uma
incidência de anafilaxia de entre 1,5 – 8 por 100 000 pessoas/ano, com um aumento dos casos de anafilaxia
nos últimos anos. (…) Dados recentes reportam que a alergia alimentar aumentou 18% numa década e, ao
particularizar o caso das crianças, este aumento é de 50%.»
A terminar refere-se que segundo a Conta Satélite da Saúde, divulgada em 4 de julho de 2019, «em 2017
registou-se um ligeiro abrandamento da despesa das famílias (2,6%, face a 4,7% em 2016) para o qual
contribuiu o decréscimo da despesa em hospitais públicos (-5,6%), em farmácias (-0,9%) e em prestadores
públicos de cuidados de saúde em ambulatório (-0,4%). Em sentido inverso, aumentou a sua despesa em
hospitais privados (+6,1%) e em prestadores privados de cuidados de saúde em ambulatório (+3,9%),
reforçando o peso relativo da despesa destes prestadores na estrutura de financiamento (+0,5 p.p.). Para
2018, estima-se que o financiamento das famílias tenha crescido 4,4%».
5 Alergia Alimentar na Restauração, Direção-Geral da Saúde, pág. 14. 6 Alergia Alimentar na Restauração, Direção-Geral da Saúde, págs. 16 e 23.
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II. Enquadramento parlamentar
Iniciativas pendentes (iniciativas legislativas e petições)
Efetuada uma pesquisa à base de dados do processo legislativo e da atividade parlamentar, verificou-se
que, neste momento, não existem pendentes, sobre matéria idêntica ou conexa, quaisquer iniciativas ou
petições.
III. Apreciação dos requisitos formais
Conformidade com os requisitos constitucionais, regimentais e formais
A iniciativa em apreciação é apresentada pelos dois Deputados do PEV, ao abrigo e nos termos do n.º 1 do
artigo 167.º da Constituição e do artigo 118.º do Regimento da Assembleia da República (Regimento), que
consagram o poder de iniciativa da lei. Trata-se de um poder dos Deputados, por força do disposto na alínea
b) do artigo 156.º da Constituição e b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, bem como dos grupos
parlamentares, por força do disposto na alínea g) do n.º 2 do artigo 180.º da Constituição e da alínea f) do
artigo 8.º do Regimento.
É subscrita por dois Deputados, observando o disposto no n.º 1 do artigo 123.º do Regimento, e assume a
forma de projeto de lei, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 119.º do Regimento.
A iniciativa encontra-se redigida sob a forma de artigos, tem uma designação que traduz sinteticamente o
seu objeto principal e é precedida de uma breve exposição de motivos, cumprindo os requisitos formais
previstos no n.º 1 do artigo 124.º do Regimento.
Encontram-se igualmente respeitados os limites à admissão das iniciativas, previstos no n.º 1 do artigo
120.º do Regimento, uma vez que este projeto de lei define concretamente o sentido das modificações a
introduzir na ordem legislativa e parece não infringir princípios constitucionais, exceto quanto ao limite imposto
pelo n.º 2 do artigo 167.º da Constituição e n.º 2 do artigo 120.º do Regimento, conhecido como «lei-travão»,
que deve ser salvaguardado no decurso do processo legislativo. Com efeito, é proposta a compartição estatal
na totalidade do preço do medicamento auto injetor de adrenalina, e o artigo 5.º prevê que a iniciativa entre em
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vigor 180 dias após a sua publicação, pelo que a entrada em vigor deveria ser alterada de modo a que a
norma com efeitos orçamentais apenas produza efeitos ou entre em vigor com a publicação da lei do
Orçamento do Estado subsequente.
O projeto de lei em apreciação deu entrada a 21 de janeiro de 2020. Foi admitido e baixou na generalidade
à Comissão de Saúde a 24 de janeiro, por despacho do Presidente da Assembleia da República. Foi
anunciado em sessão plenária na reunião de dia 3 de fevereiro.
Verificação do cumprimento da lei formulário
O título da presente iniciativa legislativa – «Acesso e gratuitidade da medicação de emergência adquirida
pelos doentes com alergias graves» – traduz sinteticamente o seu objeto, mostrando-se conforme ao disposto
no n.º 2 do artigo 7.º da Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, conhecida como lei formulário7.
Coloca-se no entanto à consideração da Comissão competente, em sede de apreciação na especialidade,
a possibilidade de especificar no título o medicamento auto injetor de adrenalina.
Em caso de aprovação esta iniciativa revestirá a forma de lei, nos termos do n.º 3 do artigo 166.º da
Constituição, pelo que deve ser objeto de publicação na 1.ª série do Diário da República, em conformidade
com o disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 74/98, de 11 de novembro.
No que respeita ao início de vigência, o artigo 5.º deste projeto de lei estabelece que a sua entrada em
vigor ocorrerá no prazo de 180 dias após publicação8, mostrando-se assim conforme com o previsto no n.º 1
do artigo 2.º da lei formulário, segundo o qual os atos legislativos «entram em vigor no dia neles fixado, não
podendo, em caso algum, o início de vigência verificar-se no próprio dia da publicação».
Nesta fase do processo legislativo, a iniciativa em análise não nos suscita outras questões no âmbito da lei
formulário.
IV. Análise de direito comparado
Enquadramento internacional
Países europeus
A legislação comparada é apresentada para os seguintes Estados-Membros da União Europeia: Espanha e
França.
ESPANHA9
A transferência de competências, para as comunidades autónomas, em matéria de saúde é uma realidade
no país, na decorrência dos preceitos relativos à descentralização da saúde previstos na Ley 14/1986, de 26
de abril, General de Sanidad. Desde 2002 que as diversas comunidades autónomas vêm assumindo funções
relacionadas com os serviços de saúde prestados às comunidades, que se traduzem numa completa
descentralização da assistência às populações, através do Sistema Nacional de Salud, que inclui a dispensa
de medicamentos. A gestão, por parte das comunidades autónomas, abrange um grande espectro de políticas,
relativamente às prioridades de cada uma das comunidades, tendo em consideração os problemas específicos
das populações que estas servem, desde a introdução de novas tecnologias a novas terapêuticas, até à
promoção de alterativas mais eficientes nos processos de diagnóstico e terapia.
7 Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, que estabelece um conjunto de normas sobre a publicação, a identificação e o formulário dos diplomas, alterada e republicada pelas Leis n.os 2/2005, de 24 de janeiro, 26/2006, de 30 de junho, 42/2007, de 24 de agosto, e 43/2014, de 11 de julho. 8 Sem prejuízo do anteriormente referido quanto ao princípio da «lei-travão». 9 A análise cinge-se ao quadro geral espanhol, não tendo em consideração eventuais diferenças nas comparticipações, variáveis nas diversas comunidades autónomas.
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Relativamente à área do medicamento, e com a introdução de políticas voltadas para a indústria
farmacêutica, ficaram estabelecidas estratégias orientadas para a racionalização do uso medicamentoso,
passando pela informação e formação dos profissionais de saúde.
Em 2006, a Ley 29/2006, de 26 de julio, de garantías y uso racional de los medicamentos y productos
sanitários, introduziu diversas regras, algumas de cariz técnico, outras de segurança e qualidade, mas as mais
significativas e com maior impacto foram as de cariz económico, através do controlo de gastos com os
produtos medicamentosos. Deste modo, e com a crise de 2008, a contenção da despesa nos medicamentos
requereu diversas reformas pelo que, e para esse efeito, foram publicados diversos diplomas, como o Real
Decreto-ley 4/2010, de 26 de marzo, o Real Decreto-ley 8/2010, de 20 de mayo e o Real Decreto-ley 9/2011,
de 19 de agosto.
Já em 2015, surge o Real Decreto Legislativo 1/2015, de 24 de julio, por el que se aprueba el texto
refundido de la Ley de garantías y uso racional de los medicamentos y productos sanitários que prevê, no seu
artigo 101, sob a epigrafe de «obrigações dos pacientes», uma comparticipação do Estado no pagamento dos
medicamentos, que deve ser revista periodicamente e que deve assentar em critérios objetivos como a
utilidade do medicamento, as necessidades especificas de determinados grupos, a gravidade, duração e
sequelas das patologias indicadas para aqueles medicamentos ou a capacidade de pagamento dos utentes.
De acordo com a página dedicada às prestações medicamentosas disponibilizada pelo Ministerio de
Sanidad, Consumo y Bienestar Social, bem como o previsto na Ley 29/2006, de 26 de julio os utentes são
responsáveis, normalmente, pelo pagamento de 40% do valor de venda do medicamento ao público. Este
pagamento é reduzido a 10% do valor de venda, sem que a mesma exceda os 4,26€ por envase, quando
estão em causa fármacos para o tratamento de doenças crónicas ou graves, seja para grupos de utentes
previamente definidos por lei ou medicamentos fornecidos pelo Sistema Nacional de Salud, através de receita
médica para pacientes portadores do vírus HIV.
O medicamento é gratuito para os aposentados e similares, pessoas com deficiência e,nos casos
regulados, para o tratamento de doenças profissionais, bem como para todos aqueles distribuídos ao utente
nos centros ou serviços de saúde. O artigo 94 bis da referida lei prevê que as regras de estabelecimento do
preço do medicamento aos utentes têm por base os rendimentos anuais brutos destes.
Das pesquisas efetuadas, não foram encontradas quaisquer referências a comparticipações a 100%
referentes à substância ativa epinefrina. No entanto, a Orden SCB/953/2019, de 13 de septiembre, contém a
lista com os preços, de referência e por substância ativa, dos medicamentos do Serviço Nacional de Saúde no
qual podem ser encontradas várias rubricas de epinefrina.
FRANÇA
Existem diversas taxas de reembolso de medicamentos que variam entre os 15% e os 100%. De acordo
com o artigo L162-16 do Code de la sécurité sociale, as percentagens de reembolso são baseadas no preço
de venda ao público do medicamento e não podem exceder os preços limite resultantes da aplicação do artigo
L5123-1 do code de la santé publique.
A Assurance maladie (Sécurité sociale) reembolsa parcial ou totalmente todos os medicamentos adquiridos
em farmácia, dependendo do medicamento em si e das condições em que este foi prescrito. Para ser
reembolsável, o fármaco deve fazer parte da liste des spécialités pharmaceutiques remboursables.
Tendo em conta as pesquisas efetuadas, bem como da informação recolhida na página de informação ao
cidadão service-public.fr dedicada ao tema do reembolso medicamentoso, não foi possível encontrar nenhuma
disposição que coloque o reembolso em 100% para medicamentos cuja substância ativa seja a epinefrina.
Existe, no entanto, a referência a reembolsos de 100% nos casos de doenças de longa duração (Affection de
Longue Durée [ALD]) e que encontra sustentação legislativa nos artigos D160-4, L324-1 e anexo do artigo
D160-4 do Code de la sécurité sociale, o que poderá, eventualmente, incluir algumas patologias com reações
alérgicas.
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V. Consultas e contributos
Considerando a matéria que está em causa, poderá a Comissão de Saúde proceder à audição, ou solicitar
parecer, na fase de especialidade, ao INFARMED, IP e à Direção-Geral da Saúde (DGS).
VI. Avaliação prévia de impacto
Avaliação sobre impacto de género
A avaliação de impacto de género (AIG) que foi junta ao projeto de lei pelo grupo parlamentar proponente
valora como neutro o impacto com a sua aprovação, o que efetivamente se pode verificar após leitura do texto
da iniciativa.
Linguagem não discriminatória
Na elaboração dos atos normativos a especificação de género deve ser minimizada recorrendo-se, sempre
que possível, a uma linguagem neutra ou inclusiva, mas sem colocar em causa a clareza do discurso.
Sem prejuízo de uma análise mais detalhada, na apreciação na especialidade ou na redação final, nesta
fase do processo legislativo a redação do projeto de lei não nos suscita qualquer questão relacionada com a
linguagem discriminatória em relação ao género.
Impacto orçamental
A presente iniciativa implica, em caso de aprovação, um acréscimo de despesas para o Orçamento do
Estado com a saúde. Apesar de, em face da informação disponível, não ser possível determinar ou quantificar
os encargos resultantes da aprovação da presente iniciativa, é certo que se verificará um aumento da despesa
decorrente do incremento da comparticipação em mais 63% do medicamento auto injetor de adrenalina.
————
PROJETO DE LEI N.º 336/XIV/1.ª
(GARANTE APOIO SOCIAL EXTRAORDINÁRIO AOS GERENTES DAS EMPRESAS)
Parecer da Comissão de Economia, Inovação, Obras Públicas e Habitação e nota técnica elaborada
pelos serviços de apoio
Parecer
ÍNDICE
Parte I – Considerandos
Parte II – Opinião do Deputado autor do parecer
Parte III – Conclusões
Parte IV – Anexos
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PARTE I – CONSIDERANDOS
1. Nota introdutória
O Grupo Parlamentar do PSD tomou a iniciativa de apresentar à Assembleia da República o Projeto de Lei
n.º 336/XIV/1.ª, que visa «alargar a cobertura social a um vasto conjunto de gerentes que estão, neste
momento, sem qualquer tipo de apoio por parte do Estado.»
O Grupo Parlamentar do PSD tem competência para apresentar esta iniciativa, nos termos e ao abrigo do
n.º 1 do artigo 167.º da Constituição e do artigo 118.º do Regimento da Assembleia da República (RAR), que
consagram o poder de iniciativa da lei.
A forma de projeto de lei está de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 119.º do RAR, respeita os limites
impostos pelo artigo 120.º do RAR e cumpre os requisitos formais previstos no artigo 124.º do RAR.
A presente iniciativa deu entrada a 14 de abril de 2020, foi admitida e baixou à Comissão Parlamentar de
Economia, Inovação, Obras Públicas e Habitação no dia 16 de abril, em conexão com a Comissão de Trabalho
e Segurança Social, tendo sido anunciada nesse mesmo dia.
A Comissão de Economia, Inovação, Obras Públicas e Habitação é competente para a elaboração do
respetivo parecer.
2. Objeto e motivação da iniciativa legislativa
A presente iniciativa visa «alargar a cobertura social a um vasto conjunto de gerentes que estão, neste
momento, sem qualquer tipo de apoio por parte do Estado», assegurando que, no atual contexto de pandemia,
o gerente de uma empresa, independentemente de ter participação no capital da mesma, desde que
abrangido exclusivamente, nessa qualidade, pelo regime da segurança social, tem apoio semelhante ao
consagrado para os trabalhadores em situação de layoff simplificado.
A iniciativa de criação deste regime de apoio social excecional e temporário para os gerentes de empresas
colhe fundamento no atual contexto de emergência de saúde pública decorrente da doença COVID-19 e que
justificou o estado de emergência decretado em Portugal, no dia 18 de março de 2020, pelo Decreto do
Presidente da República n.º 14-A/2020, de 18 de março, e renovado pelo Decreto do Presidente da República
n.º 17-A/2020, de 2 de abril, e pelo Decreto do Presidente da República n.º 20-A/2020, de 17 de abril.
Os e as proponentes entendem que «apesar de (…) o Governo ter legislado sobre esta matéria através do
Decreto-Lei n.º 12-A/2020, de 6 de abril, (…) as medidas tomadas são manifestamente insuficientes e
redutoras». Daí uma grande parte de gerentes de micro e pequenas empresas continuarem sem qualquer tipo
de apoio.
Sobre o teor da iniciativa:
A iniciativa em análise procede duas alterações:
– A segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 10-G/2020, de 26 de março, que estabelece uma medida
excecional e temporária de postos de trabalho, no âmbito da pandemia COVID-19;
– A sexta alteração ao Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, que estabelece medidas excecionais e
temporárias relativas à situação epidemiológica do novo Coronavírus – COVID-19.
As alterações em causa procedem ao alargamento da cobertura social referia anteriormente.
3. Enquadramento jurídico nacional
A nota técnica da iniciativa contém uma exposição bastante exaustiva do enquadramento legal nacional
desta matéria, motivo pelo qual se remete a análise deste item para o referido documento.
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4. Iniciativas legislativas e petições pendentes sobre a mesma matéria
Consultada a base de dados da Atividade Parlamentar, verificou-se que, sobre esta matéria, apenas se
encontra pendente a seguinte petição:
– Petição n.º 59/XIV/1.ª – «Acesso dos sócios gerentes ao regime de layoff».
Relativamente a iniciativas parlamentar anteriores, foram apresentadas as seguintes iniciativas legislativas,
já concluídas, sobre matéria idêntica ou conexa:
– Projeto de Lei n.º 305/XIV/1.ª (PAN) – «Cria mecanismos de proteção dos sócios-gerentes das micro,
pequenas e médias empresas (Segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, e primeira
alteração ao Decreto-Lei n.º 10-G/2020, de 26 de março)»;
– Projeto de Lei n.º 318/XIV/1.ª (PCP) – «Estabelece medidas excecionais e temporárias de proteção social
dos sócios-gerentes de micro e pequenas empresas em situação de crise empresarial e altera o regime de
apoio social aos trabalhadores independentes previsto no Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março»;
– Projeto de Lei n.º 323/XIV/1.ª (PEV) – «Alarga os apoios aos sócios gerentes das micro e pequenas
empresas que sejam simultaneamente trabalhadores da empresa».
5. Apreciação dos requisitos formais
A iniciativa em apreciação preenche os requisitos formais. Apesar disso, salientamos algumas sugestões
que constam da nota técnica da iniciativa:
1. Em caso de aprovação, as alterações propostas constituirão, respetivamente, a segunda e a oitava
alteração aos diplomas objeto da iniciativa;
2. Tendo em conta o disposto no n.º 1 do artigo 6.º da referida lei formulário, na parte em que «Os
diplomas que alterem outros devem (…) caso tenha havido alterações anteriores, identificar aqueles diplomas
que procederam a essas alterações, ainda que incidam sobre outras normas»1, sugere-se a identificação das
alterações referidas no artigo 1.º da iniciativa, e ainda a seguinte alteração ao título: «Garante apoio social
excecional e temporário aos gerentes de empresas, procedendo à segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 10-
G/2020, de 26 de março e à oitava alteração ao Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março.»
3. Em caso de aprovação em votação final global, deve ser publicada sob a forma de lei na 1.ª série do
Diário da República, conforme o disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 3.º da lei formulário e entra em vigor
no dia seguinte ao da sua publicação, de acordo com o seu artigo 5.º, e no n.º 1 do artigo 2.º da citada lei
formulário, que dispõe que os atos legislativos «entram em vigor no dia neles fixado, não podendo, em caso
algum, o início da vigência verificar-se no próprio dia da publicação.» Para efeitos de apreciação na
especialidade chama-se a atenção que a norma de entrada em vigor deve ser separada da produção de
efeitos ou, pelo menos, passarem a constar de norma enquadrada por epígrafe relativa à «entrada em vigor e
produção de efeitos».
6. Análise de direito comparado
A nota técnica da iniciativa inclui uma análise à legislação comunitária, atento o facto de estarmos num
contexto pandémico que tem levado a própria Comissão Europeia a articular formas de resposta à crise. Além
disso, inclui uma análise à legislação comparada com os seguintes Estados-Membros: Espanha e França. Por
fim, compara com a legislação do Reino Unido.
PARTE II – OPINIÃO DO DEPUTADO AUTOR DO PARECER
A relatora do presente parecer reserva a sua opinião para o debate em plenário da iniciativa, a qual é, de
resto, de elaboração facultativa conforme o disposto no n.º 3 do artigo 137.º do RAR.
1 Segundo as regras da logística, a referida indicação deve ser feita no título das iniciativas.
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PARTE III – CONCLUSÕES
A Comissão de Economia, Inovação, Obras Públicas e Habitação aprova o seguinte parecer:
O Projeto de Lei n.º 336/XIV/1.ª, que que visa «alargar a cobertura social a um vasto conjunto de gerentes
que estão, neste momento, sem qualquer tipo de apoio por parte do Estado.», apresentado pelo Grupo
Parlamentar do PSD, reúne os requisitos constitucionais e regimentais para ser apreciado e votado em
Plenário da Assembleia da República, reservando os Grupos Parlamentares as suas posições para o debate.
Palácio de S. Bento, 4 de maio de 2020.
A Deputada autora do parecer, Isabel Pires — O Vice-Presidente da Comissão, Pedro Coimbra.
Nota: As partes I e III do parecer foram aprovadas, por unanimidade, na reunião da Comissão de 6 de maio
de 2020.
PARTE IV – ANEXOS
Em conformidade com o cumprimento no artigo 131.º do Regimento da Assembleia da República, anexa-se
a nota técnica elaborada pelos serviços.
Nota Técnica
Projeto de Lei n.º 336/XIV/1.ª (PSD)
Garante apoio social extraordinário aos gerentes das empresas
Data de admissão: 16 de abril de 2020
Comissão de Economia, Inovação, Obras Públicas e Habitação (6.ª)
Índice
I. Análise da iniciativa
II. Enquadramento parlamentar
III. Apreciação dos requisitos formais
IV. Análise de direito comparado
V. Consultas e contributos
VI. Avaliação prévia de impacto
Elaborada por: Luís Marques, Pedro Silva (DAC), Isabel Pereira (DAPLEN), Cristina Ferreira e Pedro Braga de Carvalho (DILP).
Data: 28 de abril de 2020.
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I. Análise da iniciativa
A iniciativa
A presente iniciativa legislativa tem por finalidade assegurar que, no atual contexto de pandemia, o gerente
de uma empresa, independentemente de ter participação no capital da empresa, desde que abrangido
exclusivamente, nessa qualidade, pelo regime da Segurança Social, deve ter apoio semelhante ao consagrado
para os trabalhadores em situação de layoff simplificado.
A iniciativa de criação deste regime excecional e delimitado no tempo colhe fundamento no atual contexto
de emergência de saúde pública decorrente da doença COVID-19 e que justificou o estado de emergência
decretado em Portugal, no dia 18 de março de 2020, pelo Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020,
de 18 de março e renovado pelo Decreto do Presidente da República n.º 17-A/2020, de 2 de abril, e pelo
Decreto do Presidente da República n.º 20-A/2020, de 17 de abril.
O estado de emergência nacional enquadra-se, aliás, no contexto internacional de pandemia da doença
COVID-19, declarada pela Organização Mundial da Saúde, dia 11 de março de 2020, o qual exige medidas de
natureza excecional, temporária e urgente de forma a controlar e prevenir a propagação desta doença e
providenciar pelo seu tratamento.
O presente projeto de lei determina a revogação do n.º 6 do artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13
de março, na sua redação atual, altera a redação do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10-G/2020, de 13 de março,
na sua redação atual, bem como o início da produção dos seus efeitos retroage ao dia 1 de abril de 2020.
Na exposição de motivos desta iniciativa legislativa é referido que as medidas do layoff simplificado devem
ser também aplicadas aos gerentes das micro e pequenas empresas, assim como aos membros de órgãos
estatutários de fundações, associações ou cooperativas com funções equivalentes àqueles,
independentemente de terem ou não trabalhadores a cargo e independentemente do volume de faturação da
sociedade.
Enquadramento jurídico nacional
O Decreto-Lei n.º 12-A/2020, de 6 de abril, procedeu à adequação da renovação do estado de emergência
pelo Decreto do Presidente da República n.º 17-A/2020, de 2 de abril, e à reavaliação das medidas
excecionais e temporárias relativas à situação epidemiológica provocada pela COVID-19. Nesse contexto,
alterou o Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março1, (versão consolidada) 2 que fixou as medidas excecionais
e temporárias relativas à situação epidemiológica do novo Coronavírus – COVID 19. Destaca-se em particular
a alteração do artigo 26.º relativo ao apoio extraordinário à redução da atividade económica de trabalhador
independente, o qual, no seu n.º 6, estende a sua aplicação aos sócios-gerentes de sociedades, bem como
membros de órgãos estatutários de fundações, associações ou cooperativas com funções equivalentes
àqueles, sem trabalhadores por conta de outrem, que estejam exclusivamente abrangidos pelos regimes de
segurança social nessa qualidade e que, no ano anterior, tenham tido faturação comunicada através do E-
fatura inferior a 60 000 Euros. Dispõe, ainda, o seu n.º 7, que o referido apoio não confere o direito à isenção
do pagamento de contribuições à Segurança Social. No entanto o artigo 27.º prevê o direito ao diferimento do
pagamento de contribuições devidas nos meses em que esteja a ser pago o apoio financeiro extraordinário.
Esse pagamento diferido das contribuições devidas deve ser efetuado a partir do segundo mês posterior ao da
cessação do apoio e pode ser efetuado num prazo máximo de 12 meses, em prestações mensais e iguais.
O Decreto-Lei n.º 10-G/2020, de 26 de março3, (versão consolidada) estabelece as medidas excecionais e
temporárias de resposta à pandemia da COVID-19, definindo e regulamentando os apoios financeiros aos
trabalhadores e às empresas abrangidas pelos regimes de redução temporária do período normal de trabalho
ou suspensão do contrato de trabalho, o vulgarmente denominado layoff na sua versão simplificada, por facto
1 Os efeitos do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, foram ratificados pela Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março. 2 Retificado pela Declaração de Retificação n.º 11-B/2020, de 16 de março, alterado pelo Decreto-Lei n.º 10-E/2020, de 24 de março, pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, pelo Decreto-Lei n.º 12-A/2020, de 6 de abril, pela Lei n.º 5/2020, de 10 de abril (por apreciação parlamentar), e pelos Decretos-Leis n.º 14-F/2020, de 13 de abril, e n.º 18/2020, de 23 de abril. 3 Retificado pela Declaração de Retificação n.º 14/2020, de 28 de março, e alterado pelo Decreto-Lei n.º 14-F/2020, de 13 de março.
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respeitante ao empregador em situação de crise empresarial. O regime geral do layoff encontra-se previsto e
regulamentado no artigo 298.º e seguintes do Código de Trabalho4, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de
fevereiro.
As medidas excecionais e temporárias previstas no Decreto-Lei n.º 10-G/2020, de 26 de março, definem e
regulamentam os termos e as condições de atribuição dos apoios destinados aos trabalhadores e às
empresas afetados pela pandemia da COVID-19, tendo em vista a manutenção dos postos de trabalho e a
mitigação de situações de crise empresarial. Por esse facto, o artigo 10.º prevê que, se no final do layoff o
posto de trabalho for mantido, o empregador tem direito a receber um salário mínimo por cada emprego
conservado.
O diploma determina a isenção total do pagamento das contribuições à Segurança Social a cargo da
entidade empregadora, relativamente aos trabalhadores abrangidos e membros dos órgãos estatutários,
durante o período de vigência das medidas excecionais nele previstas. Esta isenção é igualmente aplicável
aos trabalhadores independentes que sejam entidades empregadoras beneficiárias das medidas e respetivos
cônjuges, nos termos do disposto no artigo 11.º.
Por último, e em complemento da legislação aprovada relativa aos apoios sociais excecionais para o
período pandémico, o Decreto-Lei n.º 10-F/20205, de 26 de março, (versão consolidada) prevê um regime
excecional e temporário de cumprimento de obrigações fiscais e contribuições sociais, no âmbito da pandemia
da doença COVID-19.
A aplicação dos diplomas acima mencionados encontra-se concretizada pela Portaria n.º 94-A/2020, de 16
de abril, que veio regulamentar os procedimentos de atribuição dos apoios excecionais de apoio à família, dos
apoios extraordinários à redução da atividade económica de trabalhador independente e à manutenção de
contrato de trabalho em situação de crise empresarial, do diferimento das contribuições dos trabalhadores
independentes e do reconhecimento do direito à prorrogação de prestações do sistema de segurança social.
Abrange, também assim, a regulamentação dos apoios aos sócios-gerentes referenciados no n.º 6 do artigo
26.º do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 12-A/2020, de 6 de
abril. É requisito a existência de uma situação comprovada de paragem de atividade ou do respetivo setor, ou
uma quebra abrupta e acentuada de pelo menos 40% da faturação no período de 30 dias anterior ao do
pedido. Para o cálculo de apoio à redução da atividade é tida em conta a remuneração base declarada em
março de 2020 referente ao mês de fevereiro de 2020 ou, não havendo remuneração base declarada no
referido mês, ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS), que no ano de 2020 é de 438,81 Euros6.
As micro, pequenas e médias empresas representam cerca de 99,9% do tecido empresarial português
segundo os dados do INE (Instituto Nacional de Estatística), via PORDATA.
O sítio da Segurança Social dispõe de informações complementares sobre as medidas de apoio social na
decorrência da situação pandémica provocada pela COVID-19.
II. Enquadramento parlamentar
Iniciativas pendentes (iniciativas legislativas e petições)
Efetuada uma pesquisa à base de dados da atividade parlamentar sobre iniciativas e petições, verificou-se
que, neste momento, sobre esta matéria, apenas se encontra pendente a seguinte petição:
o Petição n.º 59/XIV/1.ª – «Acesso dos sócios gerentes ao regime de layoff».
Antecedentes parlamentares (iniciativas legislativas e petições)
Foram apresentadas as seguintes iniciativas legislativas, já concluídas, sobre matéria idêntica ou conexa:
4 Versão consolidada do DRE. 5 Retificado pela Declaração de Retificação n.º 13/2020, de 28 de março. 6 Portaria n.º 27/2020, de 31 de janeiro.
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– Projeto de Lei n.º 305/XIV/1.ª (PAN) – «Cria mecanismos de proteção dos sócios-gerentes das micro,
pequenas e médias empresas (Segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, e primeira
alteração ao Decreto-Lei n.º 10-G/2020, de 26 de março)»;
– Projeto de Lei n.º 318/XIV/1.ª (PCP) – «Estabelece medidas excecionais e temporárias de proteção social
dos sócios-gerentes de micro e pequenas empresas em situação de crise empresarial e altera o regime de
apoio social aos trabalhadores independentes previsto no Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março»;
– Projeto de Lei n.º 323/XIV/1.ª (PEV) – «Alarga os apoios aos sócios gerentes das micro e pequenas
empresas que sejam simultaneamente trabalhadores da empresa».
Consultada a mesma base de dados, não foram encontradas petições anteriores sobre esta matéria.
III. Apreciação dos requisitos formais
Conformidade com os requisitos constitucionais, regimentais e formais
A iniciativa em apreciação é apresentada pelo Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata, ao abrigo e
nos termos do n.º 1 do artigo 167.º daConstituição e do artigo 118.º do Regimento da Assembleia da
República(RAR), que consagram o poder de iniciativa da lei. Trata-se de um poder dos Deputados, por força
do disposto na alínea b) do artigo 156.º da Constituição e b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, bem como
dos grupos parlamentares, por força do disposto na alínea g) do n.º 2 do artigo 180.º da Constituição e da
alínea f) do artigo 8.º do RAR.
É subscrita por oito Deputados, observando o disposto no n.º 1 do artigo 123.º do RAR, e assume a forma
de projeto de lei, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 119.º do RAR.
A iniciativa encontra-se redigida sob a forma de artigos, tem uma designação que traduz sinteticamente o
seu objeto principal e é precedida de uma breve exposição de motivos, cumprindo os requisitos formais
previstos no n.º 1 do artigo 124.º do RAR.
Observa igualmente os limites à admissão da iniciativa estabelecidos no n.º 1 do artigo 120.º do RAR, uma
vez que parece não infringir a Constituição ou os princípios nela consignados e define concretamente o
sentido das modificações a introduzir na ordem legislativa.
Deu entrada a 14 de abril de 2020, foi admitida a 16 de abril e baixou, na generalidade, à Comissão de
Economia, Inovação, Obras Públicas e Habitação, com conexão à Comissão de Trabalho e Segurança Social,
tendo sido anunciada nesse mesmo dia.
Verificação do cumprimento da lei formulário
A Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, alterada e republicada pela Lei n.º 43/2014, de 11 de julho, de ora em
diante designada como lei formulário, contém um conjunto de normas sobre a publicação, identificação e
formulário dos diplomas que são relevantes em caso de aprovação da presente iniciativa.
O presente projeto de lei procede à alteração do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10-G/2020, de 26 de março, e
do artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, revogando o seu n.º 6.
Consultado o Diário da República Eletrónico, verifica-se que o Decreto-Lei n.º 10-G/2020, de 26 de março,
foi alterado pelo Decreto-Lei n.º 14-F/2020, de 13 de abri e que o Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março,
já sofreu sete alterações, respetivamente pela Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, pelo Decreto-Lei n.º 10-
E/2020, de 24 de março, pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, pelo Decreto-Lei n.º12-A/2020, de 6 de abril, pela
Lei n.º 5/2020, de 10 de abril e pelos Decretos-Leis n.º 14-F/2020, de 13 de abril e 18/2020, de 23 de abril,
pelo que estas serão, respetivamente, a segunda e a oitava alteração aos diplomas objeto da iniciativa.
Tendo em conta o disposto no n.º 1 do artigo 6.º da referida lei formulário, na parte em que «Os diplomas
que alterem outros devem (…) caso tenha havido alterações anteriores, devem identificar aqueles diplomas
que procederam a essas alterações, ainda que incidam sobre outras normas»7, sugere-se a identificação das
alterações referidas no artigo 1.º da iniciativa, sugerindo-se o ainda o seguinte título:
7 Segundo as regras da legística, a referida indicação deve ser feita no título das iniciativas.
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«Garante apoio social extraordinário aos gerentes das empresas, procedendo à segunda alteração o
Decreto-Lei n.º 10-G/2020, de 26 de março e à oitava alteração Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março.»
Em caso de aprovação em votação final global, deve ser publicada sob a forma de lei na 1.ª série do Diário
da República, conforme o disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 3.º da lei formulário e entra em vigor no dia
seguinte ao da sua publicação, de acordo com o seu artigo 5.º, e no n.º 1 do artigo 2.º da citada lei formulário,
que dispõe que os atos legislativos «entram em vigor no dia neles fixado, não podendo, em caso algum, o
início da vigência verificar-se no próprio dia da publicação.»
Na presente fase do processo legislativo a iniciativa em apreço não nos parece suscitar outras questões
em face da lei formulário.
Regulamentação ou outras obrigações legais
A presente iniciativa não prevê a necessidade de regulamentação posterior das suas normas, nem
condiciona a sua aplicação ao cumprimento de qualquer obrigação legal. Todavia, estatui a retroatividade dos
seus efeitos ao dia 1 de abril.
IV. Análise de direito comparado
Enquadramento no plano da União Europeia
O emprego e a proteção social constituem domínios de ação política e legislativa não reservada pelos
tratados institucionalizadores à União Europeia. O princípio da atribuição, previsto no artigo 5.º do Tratado da
União Europeia e regra-chave de uma ação sob esse prisma, funciona por isso com força excludente. O
âmbito da iniciativa legislativa integra, portanto, o leque de competências partilhadas não exclusivas entre a
União e os Estados-Membros, conforme preceituam os artigos 4.º, n.º 2, alínea b) – a respeito da política
social – e 5.º, n.º 2, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia – a respeito da coordenação das
políticas de emprego dos Estados-Membros.
A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, também neste campo, consagra no artigo 34.º, sob
a epígrafe segurança social e assistência social, que a União reconhece e respeita o direito de acesso às
prestações de segurança social e aos serviços sociais que concedem proteção em casos como a maternidade,
doença, acidentes de trabalho, dependência ou velhice, bem como em caso de perda de emprego, de acordo
com o direito comunitário e as legislações e práticas nacionais.
Por conseguinte, uma qualquer ação, decidida no plano da União, tem de passar pelo teste de
compatibilidade com os princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade – grafado pelo Protocolo
Adicional n.º 2 ao Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia –, árvores-mestras de um jugo pelo qual
se determinam as condições prévias de intervenção:
a) Não pode tratar-se de um domínio da competência exclusiva da União (isto é, deve ser uma
competência não exclusiva);
b) Os objetivos da ação considerada não podem ser suficientemente alcançados pelos Estados-Membros
(necessidade);
c) Devido às dimensões ou aos efeitos da ação considerada, esta pode ser mais bem alcançada ao nível
da União (valor acrescentado).
Um tal teste, contudo, pode por vezes dispensar amplas consultas por parte da Comissão, como ocorre em
situação de urgência excecional (artigo 2.º do Protocolo n.º 2). O contexto pandémico atual, contendendo com
a crise sanitária e económica desencadeada pelo surto de COVID-19 (novo Coronavírus), constitui uma
dessas hipóteses de urgência excecional por natureza, como já assinalou a própria Comissão Europeia em
carta enviada aos Parlamentos Nacionais, nela destacando que o prazo de oito semanas para estes
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promoverem o seu parecer fundamentado merecerá o grano salis da aceitação e conhecimento de tais
pareceres, ainda quando não for possível respeitar aquele prazo.
Certo é que que a Comissão procedeu, com base jurídica no artigo 122.º do Tratado sobre o
Funcionamento da União Europeia, à apresentação, junto do Conselho, de um instrumento de apoio
temporário para atenuar os riscos de desemprego numa situação de emergência na sequência do surto de
COVID-19, que designou de SURE. Assim, através da COM (2020)139, propõe-se um regulamento, de âmbito
temporário e de emergência, prevendo assistência financeira aos Estados tendo em vista, até ao montante de
cem mil milhões de euros, o financiamento de regimes de tempo de trabalho reduzido ou de medidas
semelhantes destinadas a proteger os trabalhadores por conta de outrem e por conta própria, reduzindo assim
a incidência do desemprego e a perda de rendimentos.
O ato legislativo foi transmitido aos Parlamentos Nacionais e merecedor de escrutínio pela Assembleia da
República, no âmbito do seu processo de acompanhamento de iniciativas europeias, a qual, na Comissão de
Assuntos Europeus, exarou a 24 de abril de 2020 um parecer fundamentado – de que foi relator o Senhor
Deputado Carlos Brás – pelo qual se entendeu não contender a iniciativa SURE com o princípio da
subsidiariedade.
Em resumo, e ao abrigo do SURE, cria-se no espaço da União a chance de empréstimos aos Estados para
financiamento de medidas nacionais que tenham a proteção do emprego como referencial, sendo certo que
dentro desse âmbito temático, uma vez verificado, são os mesmos Estados quem, no espaço da sua
autonomia, decidirão as concretas medidas de apoio.
Este novo instrumento, expresso em empréstimos aos Estados-Membros, articula-se com outras iniciativas
europeias, em especial a mobilização do Fundo Social Europeu quanto a medidas de emprego, e aparenta
natureza complementar das medidas decididas no plano estadual por cada país.
Enquadramento internacional
Países europeus
A legislação comparada é apresentada para os seguintes países da União Europeia: Espanha e França.
Para além do mais, foi igualmente analisado o caso do Reino Unido.
ESPANHA
O Governo espanhol aprovou um conjunto de medidas de apoio às empresas afetadas pelas
consequências económicas provocadas pela situação pandémica de COVID-19. Entre as várias medidas,
destacamos as seguintes:
Garantias asseguradas pelo Estado para financiamento concedido por entidades financeiras a empresas
e trabalhadores independentes;
Alargamento das linhas de financiamento concedidas a empresas e trabalhadores independentes pelo
Instituto de Crédito Oficial;
Criação de uma linha de financiamento específica para empresas e trabalhadores independentes do
setor do turismo e atividades relacionadas;
Moratória para pagamento de impostos e possibilidade de sujeitar o pagamento de dívidas fiscais à
obtenção de financiamento por meio do Instituto de Crédito Oficial;
Para efeitos do equivalente ao imposto de IRC, consideração da receita por conta da previsão para o
ano de 2020 e não dos resultados obtidos no ano de 2018;
Flexibilização dos procedimentos de suspensão dos contratos de trabalho (layoff) e de redução de
horário de trabalho para trabalhadores e sócios gerentes;
Redução das contribuições para a Segurança Social de certos trabalhadores agrícolas durante os
períodos de inatividade no ano de 2020;
Moratória para pagamento das rendas dos contratos de arrendamento comercial;
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Moratória para o pagamento de empréstimos concedidos pela Secretaría General de Industria y de la
Pequeña y Mediana Empresa e flexibilização dos procedimentos para novas ajudas;
Reembolso das despesas e concessão de ajuda pelo cancelamento de atividades de promoção do
comércio internacional;
Suspensão ou alteração dos contratos de fornecimento de eletricidade e gás natural para empresas e
trabalhadores independentes;
Suspensão dos prazos procedimentais no âmbito da atuação da Inspección de Trabajo y Seguridad
Social.
Paralelamente, foram aprovadas medidas especialmente vocacionadas para o apoio aos trabalhadores
independentes, tais como:
Moratórias para o pagamento de impostos devidos;
Prestação extraordinária de 70% dos rendimentos mensais declarados pela cessação de atividade ou
pela redução da faturação em, pelo menos, 75%;
Moratórias para o pagamento das contribuições para a Segurança Social e de eventuais dívidas;
Resgate dos planos poupança reforma pelo sócio gerente ou trabalhador independente que vejam a sua
atividade económica suspensa.
Finalmente, também as diferentes comunidades autónomas espanholas aprovaram pacotes medidas de
apoio aos trabalhadores independentes, que podem ser consultadas nesta notícia do El País.
FRANÇA
Em França, foram desenhadas também um conjunto de medidas com o objetivo de minorar as
consequências económicas provocadas pela situação pandémica de COVID-19. Em síntese, as medidas do
Governo francês são as seguintes:
Moratórias de pagamento de impostos e de contribuições para a Segurança Social;
Perdão Fiscal de certos impostos;
Planos de pagamento das faturas da água, gás e eletricidade e das rendas devidas pelo arrendamento
de imóveis;
Fundo solidário até 1 500 € para micro e pequenas empresas e trabalhadores independentes que
tenham uma quebra de, pelo menos, 50% no seu volume de negócios (para as situações mais difíceis, poderá
ser requerida uma ajuda suplementar que variará entre os 2 000 € e os 5 000 €);
Garantias asseguradas pelo Estado para financiamento concedido por entidades financeiras a
empresas;
Mediação pública para a renegociação do pagamento de prestação creditícias;
Regime de layoff até que assegura até 70% do salário bruto dos trabalhadores (no caso do trabalhador
receber o salário mínimo nacional, o regime de layoff garante 100% da remuneração).
REINO UNIDO
Considerando as consequências económicas provocadas pela situação pandémica de COVID-19, o
Governo do Reino Unido fez aprovar um conjunto de medidas de apoio a empresas, trabalhadores
dependentes e trabalhadores independentes, que podemos resumir em três grandes grupos:
Empréstimos, benefícios fiscais e subsídios ou subvenções;
Regime de layoff que assegura até 80% do salário dos trabalhadores impedidos de trabalhar;
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Prestação extraordinária mensal de 80% dos rendimentos mensais declarados por trabalhadores
independentes e sócios gerentes até ao limite máximo de 2500 £ durante, pelo menos, 3 meses (o prazo pode
ser eventualmente prorrogado).
V. Consultas e contributos
Consultas facultativas
A Comissão pode solicitar, se o entender pertinente, a pronúncia de confederações e associações de
empresários de micro e pequenas empresas.
VI. Avaliação prévia de impacto
Avaliação sobre impacto de género
De acordo com a informação constante na ficha de Avaliação Prévia de Impacto de Género (AIG), junta
pelo autor, considera-se que a iniciativa legislativa tem uma valoração positiva, dado que a maioria das
categorias e indicadores analisados, assumem essa valoração.
Linguagem não discriminatória
Na elaboração dos atos normativos a especificação de género deve ser minimizada recorrendo-se, sempre
que possível, a uma linguagem neutra ou inclusiva, mas sem colocar em causa a clareza do discurso. A
presente iniciativa não nos suscita questões relacionadas com a utilização de linguagem discriminatória.
————
PROJETO DE LEI N.º 346/XIV/1.ª (*)
(REFORÇA O APOIO SOCIAL DOS GERENTES DAS EMPRESAS)
Exposição de motivos
A pandemia internacional de COVID-19 tem evoluído muito rapidamente a nível internacional – e também
em Portugal – com fortíssimo impacto na economia.
Uma das medidas recentemente tomadas pelo Governo para mitigar os efeitos desta pandemia na
economia foi conferir aos sócios-gerentes um apoio que tem como requisitos que as empresas não tenham
trabalhadores por conta de outrem e que o volume de faturação não seja superior a 60 000€, conforme
previsto no Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março.
Este regime, apresentado pelo Governo como uma solução para os atuais problemas dos sócios-gerentes,
não abrange verdadeiramente grande parte do tecido empresarial português, já que em muitas micro,
pequenas e médias empresas, os sócios-gerentes de empresas com trabalhadores por conta de outrem
desempenham funções muito semelhantes aos restantes trabalhadores. Estes sócios-gerentes dependem,
também, frequentemente, da remuneração mensal, como acontece com os restantes trabalhadores. Assim, a
remuneração destes sócios-gerentes permanece desprotegida com este novo regime aprovado pelo Governo,
o que não parece equitativo, uma vez que estes contribuem para a Segurança Social e, portanto, deveriam
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beneficiar de adequada proteção na atual situação de crise, com os mesmos limites mínimos e máximos de
remuneração previstos no Código do Trabalho e aplicáveis aos demais trabalhadores.
Assim, o regime previsto para os sócios-gerentes no Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, deve ser
revogado, dando lugar a um regime que se reflita num efetivo apoio dos sócios-gerentes, apoiando-os da
mesma forma que são apoiados os restantes trabalhadores das empresas, de maneira a proteger os
rendimentos dos sócios-gerentes de forma justa.
Assim, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República Portuguesa e da alínea b) do n.º
1 do Regimento da Assembleia da República, o Deputado único da Iniciativa Liberal apresenta o seguinte
projeto de lei:
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei procede à segunda alteração do Decreto-Lei n.º 10-G/2020, de 26 de março, na sua redação
atual, e à sexta alteração do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, na sua redação atual.
Artigo 2.º
Aditamento ao Decreto-Lei n.º 10-G/2020, de 26 de março
É aditado um artigo 5.º-A ao Decreto-Lei n.º 10-G/2020, de 26 de março, na sua redação atual, com a
seguinte redação:
«Artigo 5.º-A
Apoio extraordinário, em situação de crise empresarial, aos membros de órgão de Administração e
Gerência
1 – São considerados como beneficiários do apoio previsto no artigo 5.º, os membros de órgão de
Administração ou Gerência com natureza executiva de sociedade, tenham ou não participação no capital da
empresa, bem como aos membros de órgãos estatutários de fundações, associações ou cooperativas com
funções equivalentes àqueles, nos termos dos números seguintes.
2 – Para cálculo da remuneração normal do membro de órgão de Administração ou Gerência com natureza
executiva de sociedade, tenha ou não participação no capital da empresa, e o membro de órgão estatutário de
fundação, associação ou cooperativa com funções equivalentes àquele, é considerada a média das
remunerações auferidas pelos serviços prestados naquela empresa nos dois primeiros meses de 2020.
3 – Este apoio extraordinário é atribuído aos membros de órgão de Administração ou Gerência com
natureza executiva de sociedade, tenham ou não participação no capital da empresa, bem como aos membros
de órgãos estatutários de fundações, associações ou cooperativas com funções equivalentes àqueles que,
cumulativamente:
a) Estejam exclusivamente abrangidos, nessa qualidade, pelos regimes de segurança social;
b) Prestem serviços em entidade em situação de crise empresarial, na qual, pelo menos, um terço dos
trabalhadores estejam em redução temporária do período normal de trabalho ou suspensão dos contratos de
trabalho;
c) Tenham a sua remuneração mensal reduzida em mais de 50% face à sua remuneração normal,
passando a ser inferior ao dobro da retribuição mínima mensal garantida.
4 – O membro de órgão de Administração ou Gerência com natureza executiva de sociedade, tenha ou não
participação no capital da empresa, e o membro de órgão estatutário de fundação, associação ou cooperativa
com funções equivalentes àquele, tem direito a auferir mensalmente um montante mínimo igual a dois terços
da sua remuneração normal.
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5 – O membro de órgão de Administração ou Gerência com natureza executiva de sociedade, tenha ou não
participação no capital da empresa, e o membro de órgão estatutário de fundação, associação ou cooperativa
com funções equivalentes àquele, tem direito a compensação retributiva na medida do necessário para,
conjuntamente com a retribuição de trabalho prestado naquela empresa ou fora dela, assegurar o montante
mensal referido no número anterior, até ao triplo da retribuição mínima mensal garantida.
6 – A compensação retributiva é paga em 30% do seu montante pela entidade empregadora e em 70%
pelo serviço público competente da área da segurança social.»
Artigo 3.º
Alteração ao Decreto-Lei n.º 10-G/2020, de 26 de março
O artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10-G/2020, de 26 de março, na sua redação atual, passa a ter a seguinte
redação:
«Artigo 10.º
Incentivo financeiro extraordinário para apoio à normalização da atividade da empresa
1 – Os empregadores que beneficiem das medidas previstas no presente decreto-lei têm direito a um
incentivo financeiro extraordinário para apoio à retoma da atividade da empresa, a conceder pelo IEFP, IP,
pago de uma só vez e com o valor de uma RMMG por trabalhador e por membro de órgão estatutário.
2 – ................................................................................................................................................................... .»
Artigo 4.º
Norma revogatória
É revogado o n.º 6 do artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, na sua redação atual.
Artigo 5.º
Produção de efeitos
A presente lei produz efeitos a 1 de abril de 2020.
Artigo 6.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
Palácio de São Bento, 5 de maio de 2020.
O Deputado do IL, João Cotrim de Figueiredo.
(*) Texto inicial substituído a pedido do autor da iniciativa a 5 de maio de 2020 [Vide DAR II Série-A n.º 82
(2020.04.30)].
————
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PROJETO DE LEI N.º 364/XIV/1.ª (**)
CONSAGRAÇÃO EXPRESSA DO CRIME DE EXPOSIÇÃO DE MENOR A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
(QUINQUAGÉSIMA ALTERAÇÃO AO CÓDIGO PENAL)
Exposição de motivos
A violência doméstica é um crime com milhares de vítimas em Portugal que envolve, na sua essência, uma
assimetria de poder entre o agressor e a vítima, concretizada não só na violência física, mas também
psicológica, económica ou sexual. É um flagelo que, apesar dos muitos esforços, tem sido particularmente
difícil de eliminar da sociedade portuguesa.
De forma cada vez mais marcada, tem-se reconhecido o impacto que este crime pode ter nas crianças que
o testemunham. As consequências de um crime desta natureza são verdadeiramente devastadoras, não só
para a vítima contra a qual são praticados os atos de violência como também, em muitos casos, para as
crianças, ainda em desenvolvimento e crescimento, que testemunham estas ações horríveis. O bem-estar e
desenvolvimento destas crianças são fortemente prejudicados pela exposição a este crime, como a
comunidade científica tem vindo a demonstrar.
A ausência de consagração do crime de exposição de menor à violência doméstica não protege
adequadamente o seu desenvolvimento, ao não reconhecer o menor como vítima autónoma, titular de direitos
merecedores de proteção legal.
Segundo o parecer do Conselho Superior do Ministério Público relativo à Proposta de Lei n.º 28/XIV/1.ª, a
consagração expressa do crime de exposição de menores à violência doméstica é exigida pela «Lei
Fundamental quando determina ao Estado português a consagração do direito das crianças ‘à proteção da
sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de
abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais
instituições.’», pela «Convenção sobre os Direitos da Criança que determina que ‘os Estados Partes tomam
todas as medidas legislativas, administrativas, sociais e educativas adequadas à proteção da criança contra
todas as formas de violência física ou mental, dano ou sevícia, abandono ou tratamento negligente, maus
tratos ou exploração, incluindo a violência sexual, enquanto se encontrar sob a guarda de seus pais ou de um
deles, dos representantes legais ou de qualquer outra pessoa a cuja guarda haja sido confiada. ’», e pela
«Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a
Violência Doméstica (Convenção de Istambul), quando reconhece que ‘as crianças são vítimas de violência
doméstica, designadamente como testemunhas de violência na família’, e prevê que os Estados parte adotem
medidas legislativas ou outras necessárias para assegurar que, ao oferecer serviços de proteção e apoio às
vítimas, os direitos e as necessidades das crianças testemunhas de todas as formas de violência cobertas
pelo âmbito de aplicação da Convenção sejam tomados em conta, incluindo aconselhamento psicossocial
adaptado à idade das crianças testemunhas e tendo em devida conta o interesse superior da criança (artigo
26.º)».
O presente projeto de lei tem, então, como objetivo, autonomizar expressamente as crianças que
testemunhem a realidade da violência doméstica enquanto vítimas de crime, criando o tipo legal do crime de
exposição de menor a violência doméstica.
Assim, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República Portuguesa e da alínea b) do n.º
1 do Regimento da Assembleia da República, o Deputado único da Iniciativa Liberal apresenta o seguinte
Projeto de Lei:
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei procede à quinquagésima alteração do Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82,
de 23 de setembro, alterado pela Lei n.º 6/84, de 11 de maio, pelos Decretos-Leis n.os 101-A/88, de 26 de
março, 132/93, de 23 de abril, e 48/95, de 15 de março, pelas Leis n.os 90/97, de 30 de julho, 65/98, de 2 de
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setembro, 7/2000, de 27 de maio, 77/2001, de 13 de julho, 97/2001, 98/2001, 99/2001 e 100/2001, de 25 de
agosto, e 108/2001, de 28 de novembro, pelos Decretos-Leis n.os 323/2001, de 17 de dezembro, e 38/2003, de
8 de março, pelas Leis n.os 52/2003, de 22 de agosto, e 100/2003, de 15 de novembro, pelo Decreto-Lei n.º
53/2004, de 18 de março, e pelas Leis n.os 11/2004, de 27 de março, 31/2004, de 22 de julho, 5/2006, de 23 de
fevereiro, 16/2007, de 17 de abril, 59/2007, de 4 de setembro, 61/2008, de 31 de outubro, 32/2010, de 2 de
setembro, 40/2010, de 3 de setembro, 4/2011, de 16 de fevereiro, 56/2011, de 15 de novembro, 19/2013, de
21 de fevereiro, 60/2013, de 23 de agosto, pela Lei Orgânica n.º 2/2014, de 6 de agosto, pelas Leis n.os
59/2014, de 26 de agosto, 69/2014, de 29 de agosto, e 82/2014, de 30 de dezembro, pela Lei Orgânica n.º
1/2015, de 8 de janeiro, e pelas Leis n.os 30/2015, de 22 de abril, 81/2015, de 3 de agosto, 83/2015, de 5 de
agosto, 103/2015, de 24 de agosto, e 110/2015, de 26 de agosto, 39/2016, de 19 de dezembro, 8/2017, de 3
de março, 30/2017, de 30 de maio, 94/2017, de 23 de agosto, 16/2018, de 27 de março, 44/2018, de 9 de
agosto, 101/2019 e 102/2019, ambas de 6 de setembro.
Artigo 2.º
Alteração ao Código Penal
O artigo 152.º do Código Penal, na sua redação atual, passa a ter a seguinte redação:
«Artigo 152.º
Violência doméstica
1 – ................................................................................................................................................................... :
a) ..................................................................................................................................................................... ;
b) ..................................................................................................................................................................... ;
c) ..................................................................................................................................................................... ;
d) ..................................................................................................................................................................... ;
......................................................................................................................................................................... .
2 – Quando as condutas estabelecidas no n.º 1 sejam praticadas:
a) Contra filho ou adotado menor;
b) Contra menor que com ele coabite;
É punido com pena de pena de prisão de dois a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por
força de outra disposição legal.
3 – Quem expuser menor a situação de violência, praticando as condutas previstas no n.º 1 na sua
presença e de modo adequado a prejudicar o seu desenvolvimento, é punido com pena de prisão de
um a cinco anos.
4 – No caso previsto nos números anteriores, se o agente difundir através da Internet ou de outros
meios de difusão pública generalizada, dados pessoais, designadamente imagem ou som, relativos à
intimidade da vida privada de uma das vítimas sem o seu consentimento é punido com pena de prisão
de dois a cinco anos.
5 – Se dos factos previstos nos n.os 1 e 2 resultar:
a) Ofensa à integridade física grave, o agente é punido com pena de prisão de dois a oito anos;
b) A morte, o agente é punido com pena de prisão de três a dez anos.
6 – Nos casos previstos nos números anteriores, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de
proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de seis meses a
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cinco anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica e de
reforço da parentalidade.
7 – (Anterior n.º 5).
8 – Quem for condenado por crime previsto neste artigo pode, atenta a concreta gravidade do facto e a sua
conexão com a função exercida pelo agente, ser inibido do exercício das responsabilidades parentais, da
tutela ou da curatela por um período de um a dez anos, sendo correspondentemente aplicável, com as
necessárias adaptações, o disposto no artigo 103.º, caso em que a decisão de extinção da inibição
apenas produz plenos efeitos após regulação do exercício das responsabilidades parentais pelo
Tribunal de Família e Menores.»
Artigo 3.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
Palácio de São Bento, 4 de maio de 2020.
O Deputado do IL, João Cotrim de Figueiredo.
(**) Título e texto iniciais substituídos a pedido do autor da iniciativa a 4 de maio de 2020 [Vide DAR II Série-A n.º 83
(2020.05.04)].
————
PROJETO DE LEI N.º 365/XIV/1.ª
ALTERA AS REGRAS DE NOMEAÇÃO DO GOVERNADOR E OS DEMAIS MEMBROS DO CONSELHO
DE ADMINISTRAÇÃO DO BANCO DE PORTUGAL (OITAVA ALTERAÇÃO À LEI N.º 5/98, DE 31 DE
JANEIRO)
Exposição de motivos
A nacionalização do BPN e as resoluções do BES e do BANIF, para além de terem significado
enormíssimos gastos para o erário público, deixaram a nu a fragilidade dos mecanismos de supervisão do
sistema bancário nacional. Durante os últimos anos alguns passos foram dados no sentido de assegurar uma
reforma destes mecanismos de supervisão e de alguns aspetos com eles conexos. Contudo, hoje, muito ainda
está por fazer.
Na anterior Legislatura, um dos vértices da discussão sobre a supervisão do sistema bancário nacional foi
a questão da idoneidade do atual Governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, e da sua eventual
exoneração. Porém, é preciso não perder de vista que o enquadramento resultante do Direito da União
Europeia (e a interpretação que lhe é dada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia e pelo Banco Central
Europeu) traz um conjunto de regras altamente restritivas sobre a destituição dos Governadores dos Bancos
Centrais dos Estados-membros. Com efeito, dispõem lapidarmente que «um governador só pode ser demitido
das suas funções se deixar de preencher os requisitos necessários ao exercício das mesmas ou se tiver
cometido falta grave». De resto, no ano passado, o Tribunal de Justiça da União Europeia1 pronunciou-se
relativamente a uma decisão que proibiu o Governador do Banco Central da Letónia de exercer as suas
funções de governador, afirmando que o artigo 14.º, n.º 2 do Protocolo n.º4 relativo aos estatutos do sistema
1 Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção), de 26 de fevereiro de 2019, disponível na seguinte ligação: http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=211050&pageIndex=0&doclang=PT&mode=req&dir=&occ=first&part=1&ci
d=1053554.
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europeu de Bancos Centrais e do Banco Central Europeu serve «para garantir a independência funcional dos
governadores dos bancos centrais nacionais» e que «se se pudesse decidir sem justificação demitir os
governadores dos bancos centrais nacionais das suas funções, a sua independência ficaria seriamente
comprometida e, consequentemente, a do próprio Conselho do BCE».
Do ponto de vista do PAN, tão importantes como a alteração das regras sobre exoneração, são as regras
de nomeação do Governador de Portugal, uma vez que é nesta fase que se assegura a plena idoneidade da
personalidade escolhida e se evita a necessidade de se discutirem futuras exonerações.
No final da XIII Legislatura, o XXI Governo Constitucional apresentou a Proposta de Lei n.º 190/XIII que,
para além de querer introduzir um conjunto de alterações ao Sistema Nacional de Supervisão Financeira,
propunha em simultâneo um conjunto de novas regras quanto à nomeação e exoneração do Governador e
demais membros do Conselho de Administração do Banco de Portugal. Todavia, a falta de tempo para discutir
e consensualizar soluções fez com que a iniciativa não fosse sequer debatida na especialidade, acabando por
caducar com o início da presente XIV Legislatura.
Com o presente projeto de lei, dada a pertinência do tema para o país no que respeita à promoção de uma
maior transparência entre as entidades públicas e os titulares de altos cargos públicos, o PAN procura retomar
a discussão em torno da questão da nomeação do Governador do Banco de Portugal e dos restantes
membros do Conselho de Administração, tentando criar condições para garantir um Banco de Portugal forte,
independente e credível, livre de pressões dos regulados ou do Governo.
Hoje, como sabemos, à luz do artigo 27.º da Lei Orgânica do Banco de Portugal, aprovada pela Lei n.º
5/98, de 31 de janeiro, a designação do Governador do Banco de Portugal é feita por Resolução do Conselho
de Ministros, sob proposta do Ministro das Finanças e após audição por parte da comissão competente da
Assembleia da República. Comissão estaque deverá elaborar um relatório descritivo da audição, em que
apenas se procede à descrição da audição, em nada condicionando ou limitando a decisão do Governo.
Relativamente aos restantes membros do Conselho de Administração, o modelo existente é semelhante,
sendo a única diferença o facto de serem nomeados sob proposta do Governador do Banco de Portugal.
Este projeto de lei, respeitando o quadro decorrente do Direito da União Europeia, guiando-se pelas
melhores práticas e por diversas recomendações que têm surgido nos últimos anos, propõe uma alteração à
Lei Orgânica do Banco de Portugal, no sentido de consagrar um novo modelo de nomeação do Governador de
Portugal e dos demais membros do Conselho de Administração. Este novo modelo terá no reforço dos
poderes da Assembleia da República e no reforço dos mecanismos de prevenção de conflitos de interesse os
seus dois grandes eixos essenciais.
Em primeiro lugar, com o intuito de assegurar um papel mais ativo da Assembleia da República, em linha
com que hoje já sucede quanto às Entidades Reguladoras nos termos da Lei n.º 67/2013, de 28 de agosto, e
com o que se defendia na Proposta de Lei n.º 190/XIII do anterior Governo, propomos que, relativamente à
audição das pessoas propostas pelo Governo para os cargos de Governador e de membros do Conselho de
Administração, deixe de haver um relatório meramente descritivo e que passe antes a ser necessário um
parecer da Comissão de Orçamento e Finanças relativo à adequação do perfil do indivíduo às funções a
desempenhar. Adicionalmente, numa lógica de aprofundamento da transparência, as conclusões desse
parecer serão publicadas em Diário da República, conjuntamente com a resolução que procede à nomeação
para os cargos em causa.
Em segundo lugar, propomos que a Assembleia da República, para além de poder fazer uma audição ao
candidato proposto pelo Governo, possa também, facultativamente e se assim o decidir, realizar uma audição
ao Ministro das Finanças para que proceda ao cabal esclarecimento de todas as questões existentes quanto
aos nomes, por si propostos junto do Conselho de Ministros, e quanto ao seu processo de escolha. Esta é
uma alteração que assegura uma maior accountability do Governo junto da Assembleia da República e que,
no essencial, colhe inspiração no modelo existente no Banco de Espanha (artigo 24.º/1 e 2 da Ley 13/1994, de
1 de Junio).
Em terceiro lugar, propomos que os referidos pareceres tenham de ser aprovados por maioria qualificada
equivalente a pelo menos dois terços dos deputados em efetividade de funções. Uma alteração que visa
assegurar que o Governador e os membros do Conselho de Administração são figuras que reúnem o
consenso não só dos partidos que formam a maioria parlamentar que sustenta o Governo, mas também dos
partidos da oposição. Garantir esta lógica de consenso alargado é algo bastante importante tendo em conta o
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papel crucial que o Governador e o Conselho de Administração do Banco de Portugal desempenham na
supervisão do sistema bancário e, em especial, para se evitar que a figura do Governador seja lançada em
querelas de natureza política, que só a têm enfraquecido ao longo dos anos.
Em quarto lugar, propomos que o Governo tenha de respeitar o sentido do parecer da Assembleia da
República na nomeação, dando assim um carácter vinculativo a este parecer. Tal proposta procura dar
concretização às recomendações do relatório2 do Grupo de Trabalho para a Reforma do Sistema de
Supervisão Financeira, que, em 2017, defendeu a atribuição de um poder de oposição à Assembleia da
República no âmbito do processo de nomeação do Governador do Banco de Portugal.
Em quinto lugar, propomos que se passe a prever regras de incompatibilidades, que impeçam a ocupação
do cargo de Governador do Banco de Portugal por titulares de certos cargos políticos e por pessoas que, nos
últimos 5 anos, tenham desempenhado certos cargos políticos com relevância junto do Banco de Portugal,
funções no sector da banca comercial/dos regulados ou em empresas de consultoria ou auditoria que
trabalhem ou tenham trabalhado com o Banco de Portugal. Atualmente a Lei Orgânica do Banco de Portugal
não prevê nenhuma norma deste tipo, sendo que na nova redação que propomos para o 27.º/3, ainda que
indo mais longe, colhemos inspiração nas Leis Orgânicas dos Bancos Centrais de outros Estados-Membros da
União Europeia (em especial da Áustria, da Eslovénia e da Suécia) e do Banco Central de Inglaterra. Com
esta nova redação que propomos para o 27.º/3 da Lei Orgânica do Banco de Portugal, procuramos assegurar
uma maior credibilidade, um maior profissionalismo e uma maior ética às figuras do Governador e dos
membros do Conselho de Administração do Banco de Portugal. Pretende-se, deste modo, evitar por
antecipação que estas nomeações fiquem marcadas quer por uma lógica de ‘portas giratórias’ entre os
regulados e o regulador que tem existido até aqui, quer por excessivas ligações políticas que, devido ao facto
de os últimos governos terem tido intervenções relevantes no sector bancário, podem levar a que estas figuras
se vejam envolvidas em escândalos e polémicas que só enfraquecerão a instituição.
Sublinhe-se que, recentemente, na sua tese de doutoramento intitulada «If You Cannot Beat Them, Make
them Join You: The Risks of Capture in Portuguese Regulatory Agencies», Susana Coroado3 analisou a
questão das portas giratórias entre o Conselho de Administração do Banco de Portugal e regulados ou política
e concluiu que dos reguladores analisados o Banco de Portugal é o regulador que mais personalidades
provenientes dos regulados tem no seu Conselho de Administração (62%) e que 42% dos seus membros
foram em momento prévio titulares de cargos políticos. Estes dados demonstram-nos, de forma clara, que o
problema das «portas giratórias» no Banco de Portugal é uma realidade efetiva que tem de ser combatida para
se conseguir a dignificação da instituição.
Finalmente, em sexto e último lugar, propomos que o limiar mínimo de representação equilibrada de
géneros seja aumentado dos atuais 33% para os 40%. Esta alteração não só é coerente com o que se dispõe
atualmente na Lei n.º 26/2019, de 28 de março, relativamente aos cargos dirigentes na Administração Pública,
como assegura que no plano do Banco de Portugal existe o acolhimento da Recomendação (2003)34, de 12
de março de 2003, do Comité de Ministros do Conselho da Europa, que determina que a representação de
cada um dos géneros em qualquer órgão de decisão da vida política ou pública não deve ser inferior a 40%.
Pelo exposto, e ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Deputado e as
Deputadas do PAN abaixo assinados apresentam o seguinte projeto de lei:
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei altera as regras de nomeação do Governador e os demais membros do Conselho de
Administração do Banco de Portugal, procedendo para o efeito à oitava alteração à Lei Orgânica do Banco de
Portugal, aprovada pela Lei n.º 5/98, de 31 de janeiro, e alterada pelos Decretos-Leis n.os 118/2001, de 17 de
2 Grupo de Trabalho para a Reforma do Sistema de Supervisão Financeira, «Reforma do modelo de supervisão financeira», 2017, página 50. 3 Susana Coroado (2020), If You Cannot Beat Them, Make them Join You: The Risks of Capture in Portuguese Regulatory Agencies, Instituto de Ciências Sociais – Universidade de Lisboa, página 190. 4 Recomendação (2003)3 do Comité de Ministros do Conselho da Europa, de 12 de março de 2003 (Disponível na seguinte ligação: https://rm.coe.int/1680519084).
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abril, 50/2004, de 10 de março, 39/2007, de 20 de fevereiro, 31-A/2012, de 10 de fevereiro, 142/2013, de 18 de
outubro, e pelas Leis n.os 23-A/2015, de 26 de março, e 39/2015, de 25 de maio.
Artigo 2.º
Alteração à Lei Orgânica do Banco de Portugal
É alterado o artigo 27.º da Lei Orgânica do Banco de Portugal, aprovada pela Lei n.º 5/98, de 31 de janeiro,
na sua redação atual, que passa a ter a seguinte redação:
«Artigo 27.º
1 – O Governador e os demais membros do Conselho de Administração são escolhidos de entre pessoas
com reconhecida idoneidade, aptidão, experiência profissional, capacidade de gestão, conhecimento e
competência técnica, relevantes e adequados ao exercício das respetivas funções.
2 – O Governador e os demais membros do Conselho de Administração são designados por Resolução do
Conselho de Ministros, sob proposta do membro do Governo responsável pela área das finanças, após
parecer, vinculativo, favorável da comissão competente da Assembleia da República relativo à adequação do
perfil do indivíduo às funções a desempenhar.
3 – Não podem ser designados como Governador ou membro do Conselho de Administração:
a) Titulares de órgãos de soberania, das Regiões Autónomas ou das Autarquias Locais;
b) Pessoas que nos 5 anos anteriores à designação tenham ocupado os cargos de Primeiro-Ministro, de
membro do Governo responsável pela área das finanças ou de Secretário de Estado em áreas conexas com
as finanças;
c) Pessoas que nos 5 anos anteriores à designação tenham integrado os corpos sociais, desempenhado
quaisquer atividades ou prestado serviços, remunerados ou não, em entidades sujeitas à supervisão do Banco
de Portugal ou em cuja supervisão o Banco de Portugal participe no âmbito do Mecanismo Único de
Supervisão, bem como em grupos de empresas controlados por tais entidades;
d) Pessoas que nos 5 anos anteriores à designação tenham integrado os corpos sociais, desempenhado
quaisquer atividades ou prestado serviços, remunerados ou não, em empresas de auditoria ou de consultoria
que prestem ou tenham prestado apoio ao Banco de Portugal no referido período ou no momento da
designação;
e) Pessoas que, no momento da designação, ocupem ou exerçam outros cargos ou funções que possam
afetar a sua independência ou conflituar com os interesses do Banco de Portugal.
4 – O parecer referido no n.º 2 deve ser fundamentado, é obrigatoriamente precedido de audição na
comissão parlamentar competente e tem de ser aprovado por maioria qualificada equivalente a pelo menos
dois terços dos deputados em efetividade de funções.
5 – Em momento prévio à aprovação do parecer referido no número anterior, a comissão competente da
Assembleia da República pode realizar uma audição ao membro do Governo responsável pela área das
finanças para que proceda à justificação dos nomes propostos nos termos do n.º 2 do presente artigo.
6 – A resolução que procede à designação do Governador e dos demais membros do Conselho de
Administração é publicada no Diário da República, juntamente com uma nota relativa ao currículo académico e
profissional dos designados e a conclusão do parecer da comissão competente da Assembleia da República.
7 – O provimento dos membros do Conselho de Administração deve procurar, tendencialmente, a
representação mínima de 40% de cada género, arredondada, sempre que necessário, à unidade mais
próxima.
8 – (Anterior n.º 5).»
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Artigo 3.º
Republicação
É republicada no anexo I à presente lei, do qual faz parte integrante, a Lei Orgânica do Banco de Portugal,
aprovada pela Lei n.º 5/98, de 31 de janeiro, com a redação dada pela presente lei.
Artigo 4.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
Assembleia da República, 5 de maio de 2020.
As Deputadas e o Deputado do PAN: André Silva — Bebiana Cunha — Cristina Rodrigues — Inês de
Sousa Real.
————
PROJETO DE LEI N.º 366/XIV/1.ª
CRIA O REGIME DE APOIO À RETOMA E DINAMIZAÇÃO DA ATIVIDADE DOS FEIRANTES NO
ABASTECIMENTO ÀS POPULAÇÕES, NO CONTEXTO DA RESPOSTA À EPIDEMIA DE COVID-19
Exposição de motivos
Para o PCP, na situação atual, face aos desenvolvimentos do surto epidémico da COVID-19, coloca-se a
necessidade incontornável de assegurar o funcionamento das atividades económicas fundamentais para a
necessária resposta às necessidades de bens e serviços das populações, garantindo a adequada proteção
sanitária aos trabalhadores e populações.
Tal como o PCP alertou oportunamente, os graves problemas que a economia nacional enfrenta, o
avolumar de fatores recessivos, e designadamente a situação em sectores como neste caso o dos feirantes,
confirmam a necessidade de desenvolver respostas no plano imediato que contrariem a atual situação, sem
prejuízo das medidas estruturais a que só uma política patriótica e de esquerda poderá responder.
Desde o primeiro momento desta crise epidémica, os feirantes foram confrontados com uma situação em
que não foram responsáveis nem sequer ouvidos, em que as feiras e mercados no exterior eram encerrados
mas por outro lado as grandes superfícies se mantinham em grande atividade, o que contribuiu para agravar
não só as dificuldades mas o sentimento de desespero no seio deste sector.
Por todo o País, a atividade de feirante sempre desempenhou um relevante papel no comércio a retalho
(não sedentário), com inegável importância nas cadeias de abastecimento às populações, no interior e não só.
São seguramente mais de 25 mil homens e mulheres que, através de uma dura vida de trabalho, dinamizam
economias locais, diversificam a oferta de bens de consumo a baixo custo, sendo ainda em muitas vilas e
cidades do País ainda um importante elemento de afirmação de identidade regional.
Ao longo dos anos, permaneceu (e permanece) por resolver de forma satisfatória diz respeito às condições
físicas e infraestruturais dos recintos das feiras, agravando ainda mais a penosidade desta atividade. Para a
melhoria das condições da atividade, assegurando-se normas e meios que permitam o exercício profissional
do feirante com plena dignidade, é indispensável levar por diante medidas concretas, para além do
reconhecimento e da valorização do trabalho levado a cabo pelos Feirantes de Norte a Sul do País.
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No momento presente, em que se coloca de forma concreta a necessidade de conduzir de forma adequada
e segura o processo de reversão do confinamento e de reabertura da atividade económica em vários sectores,
impõe-se não ignorar nem abandonar os feirantes, depois destes meses de quase total interrupção e
encerramento das feiras e mercados.
O carácter insuficiente e limitado das medidas anunciadas até ao momento pelo Governo mostram a
necessidade, sobretudo num quadro de enorme fragilidade e dependência económica a que a política de
direita conduziu o País, de adotar de forma urgente medidas, visando nesta matéria a promoção de linhas de
apoio, de forma contratualizada, em função das necessidades do País, tendo em conta a situação destes
homens e mulheres.
Assim, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República Portuguesa e da alínea b) do n.º
1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, o Grupo Parlamentar do PCP apresenta o seguinte
projeto de lei:
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei estabelece o regime de apoio à retoma e dinamização da atividade dos feirantes no
abastecimento às populações, no contexto da resposta à epidemia de COVID-19.
Artigo 2.º
Apoio à reabertura de feiras e mercados
Compete ao Governo promover a definição de procedimentos de forma conjunta pela Direção-Geral das
Atividades Económicas e Direção-Geral da Saúde, a serem seguidos como linhas orientadoras pelos
municípios e autoridades locais de saúde na reabertura das feiras e mercados, no sentido de assegurar o
abastecimento às populações, o escoamento da produção nacional, a defesa da saúde pública e a proteção
de trabalhadores e consumidores.
Artigo 3.º
Beneficiação de recintos de feiras e mercados
É criada uma linha de apoio à beneficiação de recintos de feiras e mercados, privilegiando a salvaguarda
das adequadas condições de higiene, saúde e segurança, a que se podem candidatar os municípios e outras
entidades gestoras de recintos, financiado pelo Orçamento do Estado, sem prejuízo do recurso a verbas dos
Fundos Europeus Estruturais e de Investimento e ou de outros meios à disposição da DGAE para financiar
medidas de apoio ao comércio não sedentário.
Artigo 4.º
Utilização em segurança
Os municípios ou outras entidades gestoras dos recintos, para os efeitos do disposto na presente lei,
devem articular com as forças e serviços de segurança, e envolvendo os feirantes e suas organizações, as
medidas necessárias à defesa das condições de funcionamento e utilização em segurança das feiras e
mercados, tendo em vista designadamente a observância das regras e recomendações quanto à densidade de
utilização e distanciamento social aplicáveis.
Artigo 5.º
Apoio fiscal nos combustíveis
Compete ao Governo definir a autorização aos feirantes para a utilização de gasóleo colorido e marcado,
procedendo às formalidades e os procedimentos aplicáveis ao reconhecimento e ao controlo do acesso à taxa
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reduzida de imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (ISP) em termos equiparados ao disposto na
alínea f) do n.º 3 do artigo 93.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo, na sua redação atual.
Artigo 6.º
Produção de efeitos
A presente lei produz efeitos à data de 1 de abril, abrangendo os apoios aos investimentos e despesas
correntes realizados para aplicação do disposto na presente lei, no mês de abril de 2020, inclusive.
Artigo 7.º
Regulamentação
O Governo procede à regulamentação da presente lei.
Artigo 8.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
Assembleia da República, 6 de maio de 2020.
Os Deputados do PCP: Bruno Dias — João Oliveira — António Filipe — Paula Santos — Duarte Alves —
João Dias — Jerónimo de Sousa — Alma Rivera — Diana Ferreira — Ana Mesquita.
————
PROJETO DE LEI N.º 367/XIV/1.ª
CRIA O SUBSÍDIO EXTRAORDINÁRIO DE DESEMPREGO E DE CESSAÇÃO DE ATIVIDADE,
APLICÁVEL A TRABALHADORES POR CONTA DE OUTREM, TRABALHADORES INDEPENDENTES E
TRABALHADORES INFORMAIS EXCLUÍDOS DE OUTROS APOIOS
Exposição de motivos
Há em Portugal centenas de milhares de trabalhadores que viram desaparecer a sua fonte de rendimento
com a presente crise, seja por terem sido despedidos dos seus empregos, seja por terem ficado sem
atividade, no caso dos trabalhadores independentes, autónomos ou de empresários em nome individual.
Com efeito, como demonstram os números oficias e também os dados recolhidos pelo Bloco de Esquerda
no quadro da plataforma «despedimentos.pt», dezenas de milhares de trabalhadores precários foram
descartados pelas empresas, que se libertaram em primeiro lugar daqueles trabalhadores cujos vínculos são
mais frágeis: i) trabalhadores em período experimental, totalmente desprotegidos face a despedimentos; ii)
trabalhadores a recibo verde, nomeadamente falsos trabalhadores independentes; iii) trabalhadores
intermediados por empresas de trabalho temporário ou empresas prestadoras de serviço; iv) trabalhadores
contratados a prazo, dispensados no final do termo temporário do contrato, ou às vezes antes, à margem da
lei.
Neste grupo de precários que já perderam o emprego incluem-se, por exemplo, milhares de pessoas que
trabalhavam em serviços públicos, mas cujas tarefas foram externalizadas, como aconteceu com as cantinas
escolares ou com as limpezas, por exemplo. Os trabalhadores e trabalhadoras destes serviços que se
encontravam intermediados por empresas privadas de trabalho temporário, por exemplo, foram dispensados
quando as próprias escolas viram a sua atividade ser drasticamente reduzida.
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Muitos destes trabalhadores que já perderam o seu emprego estão desprotegidos e não são cobertos pelas
prestações de desemprego que existem. Os dados sobre proteção social apontam para essa realidade, que
aliás não vem de agora. Já há alguns anos que o rácio de cobertura do subsídio de desemprego oscila entre
os 40% e os 60%, havendo muitos períodos em que a maior parte dos desempregados inscritos não acede a
esta prestação. No final de março, por exemplo, havia pelo menos 272 789 desempregados sem acesso ao
subsídio de desemprego.
Este problema está a agravar-se. Ao grande aumento de desemprego – em abril, estavam registados 377
484 desempregados, ou seja, mais 56 320 do que no mês de março – não correspondeu um crescimento no
mesmo ritmo do número de beneficiários do subsídio de desemprego. De facto, uma parte significativa dos
novos desempregados não tem acesso ao subsídio de desemprego, por não cumprir os prazos de garantia
exigidos pela prestação, seja no que diz respeito ao subsídio de desemprego propriamente dito, que exige 360
dias de descontos nos últimos 24 meses, seja em relação ao subsídio social de desemprego, que tem um
duplo filtro: ter pelo menos seis meses de descontos e caber na condição de recursos aplicável ao agregado
familiar do desempregado ou desempregada. Ou não tem acesso por simplesmente não estarem abrangidos
por nenhum regime de proteção.
As trabalhadoras domésticas assalariadas são um exemplo de um dos grupos profissionais que está, na
sua maioria, desprotegido. Estima-se haver em Portugal 105 mil trabalhadores do serviço doméstico. Só 2.358
tiveram apoio da Segurança Social para apoio à família, o que corresponde a uma percentagem de 2%. Tendo
em conta que as trabalhadoras domésticas estão, na sua esmagadora maioria, excluídas do acesso ao
subsídio de desemprego (aquelas que estão inscritas na Segurança Social têm um regime próprio de
enquadramento, que as priva de proteção no desemprego se descontarem a partir do valor convencionado, o
que acontece na esmagadora maioria dos casos, e se não tiverem um contrato a tempo inteiro, o que é raro
acontecer), ficam particularmente desprotegidas e dependentes da «boa vontade» dos patrões. O mesmo
acontece com outros grupos profissionais, como os trabalhadores informais do setor do turismo e do
alojamento, por exemplo, que se veem sem atividade perante a quebra acentuadíssima do setor e, dada a
informalidade da sua situação laboral e contributiva, se veem sem acesso a proteção social no desemprego.
Ou com trabalhadores de plataformas digitais (que se calcula poderem chegar atualmente a cerca de 10% da
força de trabalho), nomeadamente os trabalhadores migrantes da Uber ou de outros setores económicos.
Um outro exemplo são os advogados e solicitadores. A pandemia pôs em evidência a desproteção social
da grande maioria dos advogados, solicitadores e agentes de execução e a inadequação de um sistema
previdencial privado pensado para um perfil de profissional liberal que a massificação e a proletarização da
profissão afastaram sem remissão. É preciso sublinhar que o valor fixo mensal que advogados e solicitadores
têm de pagar à Caixa de Previdência de Advogados e Solicitadores (a partir do quarto ano) é de 251,38€,
independentemente de quanto ganhem. São muitos milhares os/as que deixaram de ter rendimento para o
poder fazer e que não têm, por parte da CPAS, qualquer apoio extraordinário para estas situações de quebra
abrupta da atividade, nem qualquer prestação substitutiva de rendimento, não podendo também ser
beneficiários, por exemplo, do regime dos trabalhadores independentes. O resultado é uma experiência de
desespero sem fim à vista.
As fragilidades das prestações sociais existentes ficam também expostas no que diz respeito aos
trabalhadores independentes. Havia, a 29 de abril, 180 005 trabalhadores independentes que pediram apoio
extraordinário por redução de atividade. O valor máximo que receberam em abril é de 292€ (valor relativo a
março, pago a 28 de abril), independentemente de terem descontos cuja base de incidência contributiva é
superior a esse valor. Ou seja, o valor que receberam este mês tem um teto máximo, no apoio concedido pelo
Estado, que é mais de 200 euros inferior ao limiar de pobreza.
Para além disso, há vários trabalhadores independentes que foram excluídos deste apoio extraordinário,
seja por erros burocráticos, seja por fazerem parte da direção de associações, mesmo que sem fins lucrativos.
Um dos principais critérios de exclusão foi o facto de se ter negado este apoio aos trabalhadores
independentes no primeiro ano de contribuições, ano em que gozam de isenção. Estimativas apontam para
que, só por via deste critério, possam ter sido excluídos do apoio 28 600 trabalhadores independentes.
Algumas das pessoas que se encontram nesta situação são, por exemplo, os trabalhadores do setor da
cultura e do audiovisual. 98% dos artistas viram trabalho cancelado, segundo um inquérito promovido pelo
CENA-STE e 85% dos profissionais das artes e do audiovisual trabalham a recibo verde. Um outro inquérito,
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da Academia Portuguesa de Cinema, aponta para o facto de 80% dos profissionais na área do cinema terem
ficado sem qualquer rendimento em março. O valor máximo que estes profissionais receberam em abril é,
como trabalhadores independentes, de 292€.
Em alguns países, tem-se procurado colmatar as falhas dos sistemas de proteção social através de
prestações extraordinárias, de caráter temporário, para acudir às vítimas da crise económica com origem na
pandemia. É o que foi feito, por exemplo, em Espanha, com um subsídio de desemprego excecional e a
garantia de um rendimento mínimo para trabalhadores autónomos e informais.
É esse, também, o objetivo do presente projeto de lei. O Subsídio Extraordinário de Desemprego e de
Cessação de Atividade que se propõe criar visa responder a todos os trabalhadores que perderam o seu
trabalho, mas ficaram de fora das prestações sociais existentes: os trabalhadores que tinham um contrato
precário mas não cumprem os prazos de garantia para acederem ao subsídio de desempego ou ao subsídio
social de desemprego; as trabalhadoras e trabalhadores informais, que estão fora do radar das prestações de
desemprego e que, muitas vezes, não conseguem aceder ao RSI pela apertada condição de recursos exigida
ao conjunto dos agregados; as trabalhadoras do serviço doméstico que trabalham com uma pluralidade de
patrões e não têm nenhum contrato a tempo inteiro; os feirantes que deixaram de ter possibilidade de exercer
a sua atividade; os advogados e solicitadores que não são abrangidos pela Segurança Social e cuja Caixa
própria não lhes dá qualquer resposta neste contexto; os trabalhadores independentes de todas as profissões
que ficaram excluídos do apoio extraordinário que foi criado, ou cujos valores não lhes permitem sobreviver.
Trata-se, assim, não de redesenhar o nosso sistema de proteção social, mas de criar, de forma excecional
e extraordinária, e por um período bem delimitado no tempo, uma prestação que tem como objetivo
universalizar a proteção no desemprego a todos os que perderam o seu trabalho, a sua fonte de rendimento, a
sua atividade neste período, independentemente das características mais informais ou intermitentes da sua
carreira contributiva.
Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, as Deputadas e os Deputados do Bloco de
Esquerda, apresentam o seguinte projeto de lei:
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei cria o Subsídio Extraordinário de Desemprego e de Cessação de Atividade.
Artigo 2.º
Subsídio Extraordinário de Desemprego e de Cessação de Atividade
1 – É criado o Subsídio Extraordinário de Desemprego e de Cessação de Atividade.
2 – O Subsídio previsto no número anterior é uma prestação extraordinária e temporária de solidariedade,
com a duração máxima de 180 dias.
Artigo 3.º
Condições de Atribuição
1 – Podem aceder ao Subsídio Extraordinário previsto no artigo anterior, designadamente:
a) Trabalhadores abrangidos pelo regime geral de Segurança Social dos trabalhadores por conta de
outrem;
b) Trabalhadores independentes;
c) Trabalhadores do serviço doméstico;
d) Membros de órgãos de gestão;
e) Trabalhadores inscritos na Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores;
f) Sócios gerentes de empresas de que os próprios sejam o único trabalhador;
g) Sócios gerentes de microempresas;
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h) Pensionistas de invalidez do regime geral de Segurança Social que tenham sido declarados aptos
para o trabalho em exame de revisão da incapacidade e tenham ficado desempregados;
i) Outros trabalhadores sem enquadramento em qualquer outro regime de proteção social.
2 – Ao Subsídio Extraordinário de Desemprego e de Cessação de Atividade não se aplica qualquer prazo
de garantia.
3 – O Subsídio Extraordinário de Desemprego e de Cessação de Atividade é aplicável a qualquer
trabalhador que faça prova da cessação da sua atividade como trabalhador por conta de outrem ou como
trabalhador independente, ou de quebra abrupta de atividade, por motivo que não lhe seja imputável.
4 – A prova prevista no número anterior é feita mediante a apresentação de documento comprovativo da
cessação de atividade, da cessação de contrato de trabalho ou mediante documento do requerente em que
declare sob compromisso de honra a ausência de rendimentos resultante da crise epidemiológica.
6 – As falsas declarações para obtenção da prestação implicam a obrigação de devolução do apoio, sem
prejuízo da aplicação das sanções legais previstas para estes casos.
Artigo 4.º
Montante
O Subsídio Extraordinário previsto na presente lei tem um montante equivalente ao Indexante de Apoios
Sociais.
Artigo 5.º
Acumulação
1 – O Subsídio previsto na presente lei não é acumulável com outras prestações de desemprego, de
cessação ou redução de atividade ou de compensação retributiva por suspensão de contrato.
2 – Sempre que o montante deste subsídio seja mais elevado que outras prestações de desemprego ou
medidas extraordinárias de apoio, designadamente as que foram criadas para os trabalhadores independentes
e para os empresários em nome individual, deve aplicar-se ao trabalhador a prestação prevista na presente lei.
Artigo 6.º
Financiamento
A medida prevista na presente lei é financiada pelo Orçamento do Estado, através de um Fundo Especial
criado para o efeito.
Artigo 7.º
Regulamentação
O Governo regulamenta, no prazo de 7 dias, os procedimentos para atribuição desta prestação social
excecional e extraordinária.
Artigo 8.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
Assembleia da República, 6 de maio de 2020.
As Deputadas e os Deputados do BE: José Moura Soeiro — Isabel Pires — Pedro Filipe Soares — Mariana
Mortágua — Jorge Costa — Alexandra Vieira — Beatriz Gomes Dias — Fabíola Cardoso — Joana Mortágua
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— João Vasconcelos — José Manuel Pureza — José Maria Cardoso — Luís Monteiro — Maria Manuel Rola
— Moisés Ferreira — Nelson Peralta — Ricardo Vicente — Sandra Cunha — Catarina Martins.
————
PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 426/XIV/1.ª
RECOMENDA AO GOVERNO MEDIDAS CONCRETAS PARA ELIMINAR O FOSSO DIGITAL NA
EDUCAÇÃO
Exposição de motivos
O encerramento de escolas e o isolamento social, determinados em consequência da pandemia de COVID-
19, vieram trazer limitações ao normal desenrolar do ano letivo e desocultaram desigualdades de ordem
variada.
Com o confinamento imposto e a suspensão das aulas presenciais, o ensino digital foi a solução
encontrada, em Portugal e em muitos outros países, para manter o ensino e a aprendizagem. Mas, esta
mudança de paradigma – com alterações profundas e inesperadas –, esbarrou com um sério problema:
essencialmente por incapacidade financeira, há agregados familiares que não dispõem de equipamentos para
os seus filhos, ou ligação à Internet em condições satisfatórias, para que as aulas não presenciais se realizem.
A passagem do ensino presencial para o ensino a distância, através da Internet, prejudicou aqueles que
não têm os meios necessários para acompanhar as aulas, mas também os alunos com dificuldade em
manusear tecnologias digitais ou com necessidades educativas especiais.
A título de exemplo, um levantamento feito por várias juntas de freguesia do Porto, tornado público no dia
29 de abril, mostrou que pelo menos 390 alunos das escolas da cidade não tinham acesso a computadores, o
que as impedia de acompanhar, em igualdade de circunstâncias, as aulas do 3.º período que estão a decorrer
à distância.
Foram também identificados casos em que, o acesso à Internet é assegurado pelo telemóvel, agravando os
custos para as famílias.
Segundo dados oficiais do Instituto Nacional de Estatística (INE), em Portugal cerca de 5,5% dos
agregados familiares com crianças dos 6 aos 15 anos não têm acesso a computador ou tablet com ligação à
internet em casa. Considerando que do 1.º ao 9.º ano de escolaridade estão inscritos perto de um milhão de
alunos, isto significa que cerca de 50 mil estudantes não têm acesso aos meios tecnológicos necessários para
que possam ter aulas online.
Se estes números, divulgados em novembro do ano passado pelo INE, são já de si, preocupantes, um
estudo recente da Universidade Nova revela que a realidade pode ser ainda mais dramática. Em média, 23%
dos alunos até ao 12.º ano não têm acesso a computador com Internet, em casa, valor que é ainda mais
elevado quando se retiram os dados de escolas privadas.
Segundo este estudo, no 1.º ciclo do ensino público a média da percentagem de alunos sem computador é
de 31%, valor que cai para 10% nas escolas privadas.
No 2.º ciclo a diferença é de 29% contra 9%, e no 3.º ciclo de 25% nas escolas públicas e de 17% no
ensino privado. A diferença entre público e privado só desaparece no ensino secundário, quando o número de
alunos sem acesso à Internet cai para 18 por cento em ambos os tipos de ensino – em Portugal, há 401.050
alunos no ensino secundário, o que significará cerca de 72 mil alunos sem equipamento nestes três anos de
escolaridade.
O Grupo Parlamentar do CDS tem conhecimento de que há autarcas a ser contactados por escolas e por
algumas associações de pais, que os questionam sobre a disponibilidade de as autarquias colaborarem
através da atribuição de computadores. Outros são diretamente contactados por pais e encarregados e
educação que solicitam ajuda para aquisição de equipamentos ou acesso à Internet.
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Por outro lado, há que considerar a disponibilidade e capacitação dos professores em relação a esta nova
forma de ensinar. Nesta frente, pouco de sistémico tem sido feito pela tutela, particularmente na escola
pública. Esta afirmação comprova-se pelo desinvestimento em equipamentos e recursos digitais que a própria
Direção Geral de Estatísticas da Educação e da Ciência publica.
Com o encerramento das aulas presenciais, no passado dia 13 de março, o Ministério da Educação foi
confrontado com toda esta realidade, da qual se alheou nos últimos anos de governação, e viu-se obrigado a
uma solução de recurso, complementar e analógica, a Telescola. Sendo de notar que esta opção
salvaguardou, de facto, a existência de atividade educativa entre os 1.º. e o 9.º anos, num esforço coletivo do
Ministério da Educação, dos professores, da RTP, das editoras escolares, dos alunos e das suas famílias, é
também claro que esta não é uma solução de futuro.
Portanto, o CDS-PP considera fundamental o desenvolvimento de um plano para eliminar o fosso digital na
educação. O Plano para a Transição Digital, constante da Resolução do Conselho de Ministros n.º 30/2020,
parece apontar nesse mesmo sentido.
Para que possamos abandonar soluções «analógicas», será importante assegurar que alunos e
professores possam ter acesso a um computador ou, dispositivo equivalente, e que o saibam usar para fins
educacionais – quer para fazer face a uma eventual nova vaga de SARS-CoV-2, quer para aproveitar este
momento de disrupção em benefício de um «salto» nas competências dos alunos e da modernização do
sistema educativo.
Nestes termos, o Grupo Parlamentar do CDS-PP, ao abrigo das disposições constitucionais eregimentais
aplicáveis, propõe que a Assembleia da República recomende ao Governo que:
1. Garanta que, progressivamente, todos os alunos e professores do sistema de ensino obrigatório têm
acesso a computador ou tablet, com pacote de dados de Internet associado, para fins educativos, criando:
a. Um benefício fiscal específico, para a dedução, no IRS de 2020, da compra de até um equipamento por
aluno e por professor;
b. Um «vale tecnológico» para apoio à compra deste equipamento, mediante condição de recursos a
definir, ponderada pelo número de descendentes a cargo no agregado familiar.
2. Promova o desenvolvimento de redes de voluntariado para apoio tecnológico, coordenado pelas
autarquias e agrupamentos de escolas, apelando a alunos mais experiente, professores e técnicos de IT
aposentados, para ajudar escolas, docentes e alunos a mitigar a iliteracia digital.
3. Adote medidas e programas de sensibilização para que toda a comunidade educativa faça uso
responsável e apropriado dos meios tecnológicos, garantindo uma «etiqueta» na utilização do meio, a
proteção de crianças e adolescentes e adultos contra o cyberbullying e outros crimes informáticos.
Palácio de S. Bento, 5 de maio de 2020.
Os Deputados do CDS-PP: Ana Rita Bessa — Telmo Correia — Cecília Meireles — João Pinho de Almeida
— João Gonçalves Pereira.
————
PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 427/XIV/1.ª
ALARGA A ABRANGÊNCIA DO APOIO DO INSTITUTO DE HABITAÇÃO E REABILITAÇÃO URBANA
NO PAGAMENTO DAS RENDAS HABITACIONAIS NO ÂMBITO DA COVID-19
Através da Lei n.º 4-C/2020, de 6 de abril e da Portaria n.º 91/2020, de 14 de abril o Ministério das
Infraestruturas e da Habitação propôs que o Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU) tivesse um
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papel de apoio aos inquilinos em situação difícil e com dificuldade em pagar as rendas no decurso das
alterações de rendimentos advindas do impacto da pandemia COVID-19.
Nessa proposta, os inquilinos que tenham uma quebra nos rendimentos superiores a 20% e que a taxa de
esforço seja ou se tenha tornado superior a 35% poderão solicitar um apoio a este Instituto para o pagamento
do montante que excede esta taxa de esforço. Ao mesmo tempo, qualquer inquilino que preencha estes
requisitos poderá não pagar as rendas ao senhorio durante o período do Estado de Emergência e um mês
posterior.
Ora, estas medidas, sendo importantes, são altamente insuficientes na proteção de quem viu o seu
rendimento diminuir neste período e que se vê em profundas dificuldades no pagamento das rendas, muitas
das quais já se encontravam em valores superiores ao nível médio dos rendimentos em Portugal. Acresce
que, após 1 mês de vigência da atual lei, esta consagra ainda muitos poucos pedidos, o que evidencia que a
sua abrangência é escassa. Muitas pessoas já se encontravam em situação de sobrecarga de encargos e não
puderam aceder a este apoio por perda de rendimentos inferior a 20%, ainda que tenham passado a auferir o
Salário Mínimo Nacional para rendas de valores superiores. Tanto pior é este cenário se temos em conta que
a taxa de privação severa das condições da habitação eram de 4,1%, ou que a taxa de sobrecarga das
despesas em habitação era de 5,7%, e ainda que 5,8% dos agregados tinham atrasos no pagamento de
rendas, encargos ou despesas correntes segundo o Inquérito às condições de Vida e Rendimento 2019 do
Instituto Nacional de Estatística. Este mesmo estudo indica que cerca de 33% dos agregados não teriam
capacidade para assegurar o pagamento imediato de uma despesa sem recorrer a empréstimo. Não será
difícil de prever que todos estes indicadores terão tido um agravamento agudo, com as medidas de contenção
em vigor a perda de rendimentos é já sentida na generalidade das famílias, sendo afetadas sobretudo as
famílias com menores rendimentos. Há mais de 55 mil novos desempregados inscritos no centro de emprego
quando comparado com março, quase um milhão de trabalhadores em layoff e mais de 100 mil em
acompanhamento aos filhos, todos com perda de rendimento. Cerca de 300 mil trabalhadores a recibo verde
pediram apoio por ausência de atividade. A estes, acrescem trabalhadoras domésticas, indocumentados e
outros trabalhadores sem contrato que não constam dos números oficiais. Este aumento da quebra de
rendimentos não foi, por outro lado, acompanhado pelo mesmo crescimento do subsídio de desemprego. No
final de março havia cerca de 270 mil pessoas desempregadas sem acesso ao subsídio de desemprego.
Em Portugal cerca de 25,5% da habitação é garantida por modelos de arrendamento, destes, 12,2% em
regimes de renda livre de mercado e potencial população abrangida por esta lei. Os restantes 12,7% em
rendas apoiadas ou condicionadas de alguma forma. Estamos a falar de uma população de cerca de 2 600
000 pessoas em regime de arrendamento e de 1 300 000 em regime de arrendamento em mercado livre,
segundo dados do Eurostat de 2018.
Ora, com este panorama, seria expectável que esta medida tivesse uma enorme afluência na ordem das
dezenas ou centenas de milhar de agregados. No entanto, e segundo os dados facultados pela Secretária de
Estado da Habitação em audição regimental, apenas teriam dado entrada no IHRU 1144 pedidos à data de 29
de abril, um valor claramente desfasado da realidade do mercado de arrendamento privado em Portugal e que
demonstra que a iniciativa não chega aos beneficiários. Por fim, com o fim do Estado de Emergência, esta
possibilidade de suspensão de pagamento de rendas e do apoio ao seu pagamento por parte do IHRU está
definido para apenas mais um mês, sendo que o pagamento terá que se iniciar, no primeiro caso, no mês de
junho e em parcelas de duodécimo do valor da dívida. Para além disso, o Instituto de Habitação e Reabilitação
Urbana, não tem qualquer informação sobre os pedidos de suspensão de rendas efetuado durante o mês de
período de vigência da lei.
Neste sentido propomos o alargamento da abrangência e da duração deste apoio do IHRU, assim como da
sua própria missão e envolvimento no mercado de arrendamento como resposta primeira face à crise social e
económica que enfrentamos.
Ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do Bloco de
Esquerda propõe que a Assembleia da República recomende ao Governo que:
1. Alargue a duração da concessão do apoio da Lei n.º 4-C/2020 de forma a que o apoio do IHRU possa
ser concedido até final do ano de 2020.
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2. Alargue o universo dos beneficiários para abranger agregados com taxa de esforço igual ou superior a
30%.
3. Alargue a abrangência a agregados com perda de rendimentos inferior a 20% se no agregado familiar
um ou mais dos elementos estiver em situação de desemprego ou layoff, e no caso em que o rendimento per
capita seja igual ou inferior ao Indexante de Apoios Sociais.
4. Permita que as pessoas que solicitaram a suspensão de pagamento de rendas aos senhorios possam
pedir apoio ao IHRU para fazer face ao pagamento da renda e ao pagamento do duodécimo do valor em falta,
sempre que a soma destes seja superior a 30% da taxa de esforço.
5. Avalie a possibilidade da constituição no seio do IHRU de um corpo inspetivo com a missão fiscalizar o
cumprimento das normas em matéria de arrendamento e de promover a aplicação da legislação relativa ao
arrendamento e às alterações decorrentes da legislação sob efeito por força da COVID-19.
6. Proceda à contratação de trabalhadores para o Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana em
número suficiente para tramitar as solicitações pendentes e responder às novas missões que lhe possam vir a
ser atribuídas.
Assembleia da República, 4 de maio de 2020.
As Deputadas e os Deputados do BE: Maria Manuel Rola — Pedro Filipe Soares — Mariana Mortágua —
Jorge Costa — Alexandra Vieira — Beatriz Gomes Dias — Fabíola Cardoso — Isabel Pires — Joana Mortágua
— João Vasconcelos — José Manuel Pureza — José Maria Cardoso — José Moura Soeiro — Luís Monteiro
— Moisés Ferreira — Nelson Peralta — Ricardo Vicente — Sandra Cunha — Catarina Martins.
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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 428/XIV/1.ª
PROGRAMA EXTRAORDINÁRIO DE RECUPERAÇÃO DE LISTAS DE ESPERA PARA CONSULTA,
MCDT E CIRURGIA
A pandemia de COVID-19 trouxe inúmeros desafios ao Estado e à sociedade em geral, e em
consequência, foram decididas e aplicadas medidas extraordinárias para controlar e mitigar o impacto na vida
das pessoas, com particular foco no Serviço Nacional de Saúde (SNS).
Apesar destas medidas, o sistema de saúde no seu todo, e em concreto os seus profissionais, têm vindo a
ser postos diariamente à prova, em condições muito adversas, numa verdadeira batalha contra o
desconhecido e contra a escassez de meios para tratar e salvar a vida a milhares de cidadãos afetados pelo
COVID-19.
E o resultado, nesta frente, tem sido positivo. Mas tem sido positivo também porque a atividade assistencial
não COVID foi reduzida ao mínimo, mantendo-se urgências e teleconsultas e pouco mais. Tudo o resto foi
desmarcado e ficou suspenso.
No entanto, as outras doenças continuam a existir, outros utentes continuam a precisar de cuidados de
saúde. Dos mais novos aos mais idosos passando, particularmente, pelos doentes crónicos, milhões de
portugueses continuam a precisar de ter acesso a vacinas, a consultas, a meios complementares de
diagnóstico e terapêutica, a tratamentos e a cirurgias.
Como se sabe, os Tempos Máximos de Resposta Garantidos (TMRG) concretizam o direito à prestação de
cuidados de saúde em tempo clinicamente aceitável para a condição do utente.
O CDS tem vindo a defender que é essencial garantir o acesso universal e equitativo à saúde, reduzindo os
tempos de espera e impedindo que uma pessoa espere mais do que o TMRG estabelecido. E, se antes da
pandemia de COVID-19, os TMRG já eram largamente ultrapassados, certamente que este problema se terá
agudizado substancialmente, tornando-se crítico agir de forma célere para que nenhum cidadão deixe de ter
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acesso a um direito fundamental que a Constituição da República Portuguesa lhe confere: o direito à proteção
da saúde.
A senhora Ministra da Saúde, quando anunciou o reagendamento da atividade assistencial não realizada,
avançou que, com a suspensão das consultas programadas, o SNS deixou por fazer mais de 300 000
consultas nos cuidados de saúde primários, mais de 180 000 consultas hospitalares e mais de 9 000 cirurgias
programadas.
Importa não esquecer que, a estes números, acrescem todos os exames de diagnóstico e terapêutica nas
mais diversas áreas (oncologia, gastroenterologia, cardiologia, entre outras) que não foram realizados pelo
receio das pessoas em irem aos hospitais, nesta fase.
É, assim, urgente a ativação de um programa extraordinário de recuperação de listas de espera, para
resolver este atraso no acesso a cuidados de saúde, agudizado pela pandemia de COVID-19. E é urgente
fazê-lo através da união do esforço de todo o sistema de saúde, pois é claro e evidente que o SNS, por si só,
não tem capacidade de resposta. E que mesmo que fosse possível – ainda que não eficiente – fazer a escolha
por investimento público massivo no SNS, este nunca produziria efeito em tempo útil.
Foi a própria senhora Ministra da Saúde quem já reconheceu publicamente que é preciso retomar a
atividade programada suspensa, mas que não crê que «o SNS será capaz sozinho (...)», pelo que terá
necessariamente de recorrer aos setores privado e social para o conseguir, não tendo deixado margem para
dúvidas ao afirmar que «essa intenção existe, é clara e vamos acioná-la».
O CDS saúda esta posição do Governo, pois entende – e sempre o defendeu – que se deve potenciar a
complementaridade entre os setores público, privado e social promovendo-se, assim, através da otimização de
recursos, a eficiência global do sistema de saúde no seu todo.
Sempre o defendemos mas, na situação atual que o país atravessa, acreditamos que esta
complementaridade beneficia ainda mais o próprio SNS, aliviando-o para se dedicar com maior excelência aos
doentes infetados com COVID-19 e, acima de tudo, beneficia o utente que passa a ter acesso a tempo e horas
aos cuidados de saúde que necessita.
No combate a esta pandemia, os ganhos evidentes em saúde pública não podem ser secundarizados face
a preconceitos ideológicos.
Este é o tempo para resolver os problemas dos portugueses e para nos unirmos na solução. E o CDS não
se demite, como nunca o fez, da sua responsabilidade na apresentação de propostas e medidas concretas,
que acreditamos serem eficazes para resolver um problema de fundo do SNS mas que é, também, um
problema real com que milhões de portugueses se deparam atualmente.
Neste sentido, propomos que o Governo desenvolva um programa extraordinário de recuperação de listas
de espera, contratualizando com os setores privado e social, que assegure o acesso atempado e de qualidade
aos cuidados de saúde de que os cidadãos necessitam.
O CDS entende que o Parlamento tem um contributo decisivo a prestar ao Governo mas, acima de tudo,
aos portugueses.
Pelo exposto, e ao abrigo das disposições constitucionais, legais e regimentais aplicáveis, os Deputados do
CDS-PP abaixo assinados apresentam o seguinte projeto de resolução:
Nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento,
a Assembleia da República recomenda ao Governo que, no âmbito das medidas excecionais e temporárias
relativas à pandemia de COVID-19, desenvolva um programa extraordinário de recuperação de listas de
espera para consulta, meios complementares de diagnóstico e terapêutica (MCDT) e cirurgia, acautelando e
assegurando:
1. A identificação da capacidade do sistema de saúde, instituição a instituição, tendo em conta os recursos
e também, os novos constrangimentos de funcionamento que resultam da prevalência da COVID-19;
2. Uma verba específica no Orçamento Suplementar para a recuperação da atividade e do acesso, a ser
distribuída em função dos resultados e ganhos em saúde;
3. Uma efetiva autonomia das instituições do SNS para a gestão orçamental e tomada de decisões
correntes;
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4. Um programa extraordinário de contratualização com os setores privado e social para consultas,
realização de MCDT e cirurgias; em que os valores calculados na contratualização sejam devidamente
ajustados pela necessidade de realização de testes COVID e utilização de equipamentos de proteção
individual (EPI), de acordo com as normas da Direção-Geral da Saúde;
5. No âmbito dos Cuidados de Saúde Primários, o acesso de todos os cidadãos a uma equipa de saúde
familiar com capacidade de resposta em tempo útil para, consoante a necessidade, consultas, programas de
vigilância e vacinação;
6. A promoção do acesso a respostas de telesaúde.
Palácio de São Bento, 5 de maio de 2020.
Os Deputados do CDS-PP: Ana Rita Bessa — Telmo Correia — Cecília Meireles — João Pinho de Almeida
— João Gonçalves Pereira.
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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 429/XIV/1.ª
INFORMAÇÃO AOS CIDADÃOS SOBRE AS MELHORES PRÁTICAS DE UTILIZAÇÃO CORRENTE DE
MATERIAL DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL, COMO MÁSCARAS, VISEIRAS OU LUVAS, E INCENTIVO À
OPÇÃO POR MATERIAL REUTILIZÁVEL
A pandemia COVID-19, provocada pelo vírus SARS-CoV-2, veio impor um conjunto bastante alargado de
restrições e de alterações àqueles que eram os hábitos diários da generalidade das pessoas, com vista a
prevenir, conter, mitigar e tratar esta doença.
A imposição do confinamento teve, obrigatoriamente, de deixar de fora muitas pessoas que, de uma forma
heroica (tendo em conta a exposição ao perigo a que se ficaram sujeitas) fizeram com que o país continuasse
a funcionar naquilo que era essencial. Desde logo, os profissionais de saúde, que estão na primeiríssima linha
da frente, mas também as forças de segurança, os trabalhadores de recolha de resíduos e todos aqueles que
permitiram, pelo seu trabalho, o fornecimento de outros serviços essenciais à população. A todos é devido um
profundo agradecimento e reconhecimento.
As regras estabelecidas de confinamento permitiram que as pessoas continuassem a dar apoio a quem
dele precisasse e a comprar bens essenciais, o que significa que, por uma razão ou por outra, houve sempre
quem continuasse a deslocar-se à rua. Face à situação, muitas pessoas, mesmo sem a recomendação
expressa das autoridades de saúde, optaram logo por usar máscara protetora e luvas. Mais à frente, a própria
Direção-Geral da Saúde, tendo em conta as indicações da Organização Mundial de Saúde, começou a
recomendar o uso de máscara como complemento de proteção, mas nunca substituto de outros meios
determinantes, como lavar adequadamente as mãos, tossir para o antebraço, evitar levar as mãos à cara,
entre outros. Muitas mais pessoas, então, optaram pelo uso de máscara.
Agora, o país entrou numa outra fase, em que se procura, aos poucos e faseadamente, gerar alguma
normalidade no que se refere ao funcionamento de serviços diversos, de estabelecimentos comerciais ou de
atividades de produção. Nesta fase, é recomendado o uso de máscara, sobretudo em locais fechados onde
existe alguma aglomeração de pessoas, e há situações em que se torna mesmo obrigatório o seu uso,
designadamente em transportes públicos, superfícies comerciais, entre outros.
Face a esta situação, e tendo em conta a escassez e o elevado preço de máscaras que se encontram à
venda, muitas pessoas optaram por aproveitar tecidos que tinham em casa, para começarem a produzir as
suas próprias máscaras. Alguns serviços e indústrias também se viraram para a produção destes artigos,
desde a grande indústria têxtil até à loja de costura de bairro.
A verdade é que as pessoas se confrontam, neste momento, com algumas questões e dúvidas que
merecem ser esclarecidas, no momento em que muita gente se está a dotar de material para poder regressar
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às suas rotinas com a maior normalidade, mas também com a maior segurança possível. Por exemplo, a
opção de comprar máscaras de proteção descartáveis é ambientalmente insustentável (porque são de usar e
deitar fora) e, simultaneamente, tornam-se, no cômputo geral, mais caras. Então, é ou não seguro optar por
máscaras, por exemplo, de tecido, que possam ser usadas, lavadas e reutilizadas? Todos os tipos de tecidos
são eficazes? Que características devem ter essas máscaras para produzirem efeito de complemento de
proteção? Requerem um filtro associado ao tecido? Estes são exemplos de algumas dúvidas que se colocam
recorrentemente.
Tendo em conta o problema ambiental que se está a gerar com a descartabilidade destes materiais de
proteção, deveria, na perspetiva do PEV, haver um incentivo para que os cidadãos optassem por materiais
reutilizáveis. Para o efeito, é preciso que conheçam não apenas como deve ser constituído e construído esse
material, mas também que cuidados devem ter na lavagem do mesmo. Há uma temperatura adequada para
serem lavados? Basta lavar com água e sabão? Estas são mais algumas dúvidas que se têm levantado
sistematicamente a muitos cidadãos.
Mais, há uma outra questão associada a esta utilização massiva de máscaras, que se prende com o seu
uso correto. Como deve ser colocada, usada e retirada a máscara, para que, ela própria, não constitua um
risco de infeção para o utilizador?
O que se torna visível é que há uma panóplia significativa de dúvidas, que requerem respostas urgentes,
porque as pessoas estão já a adquirir e a utilizar estes materiais de proteção. O Estado não deve demitir-se de
prestar os esclarecimentos devidos, mas deve, neste caso, ser muito mais do que reativo – deve ser proactivo
e lançar campanhas intensas de informação e esclarecimento aos cidadãos sobre o tipo de material de
proteção que pode ser usado, para que seja eficaz quanto ao objetivo traçado, e sobre a forma correta de
utilizar esse material.
Demos, ao longo, desta exposição de motivos, introdutória do projeto de resolução que agora o PEV
submete ao Parlamento, o exemplo das máscaras, mas outras dúvidas se colocam também em relação às
viseiras e à utilização de luvas.
Assim, Grupo Parlamentar Os Verdes apresenta o seguinte projeto de resolução:
A Assembleia da República, reunida em sessão Plenária, delibera recomendar ao Governo que promova
uma intensa campanha de informação e esclarecimento aos cidadãos que seja:
1. Incentivadora, sempre que possível, da utilização de material de proteção individual reutilizável, e não
descartável após uma única utilização;
2. Formativa em relação à correta utilização dos materiais de proteção individual, como máscaras, viseiras
ou luvas.
3. Elucidativa quanto às características a que o fabrico de material de proteção individual deve obedecer.
Assembleia da República, 5 de maio de 2020.
Os Deputados do PEV: Mariana Silva — José Luís Ferreira.
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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 430/XIV/1.ª
RECOMENDA AO GOVERNO QUE NÃO RESGATE GRANDES INDÚSTRIAS POLUENTES NO
PERÍODO DE INFLUÊNCIA DA COVID-19 E NO RELANÇAMENTO DA ECONOMIA
A 11 de março de 2020, a Organização Mundial de Saúde decretou o estado de pandemia de COVID-19
provocada pelo vírus SARS-CoV-2. Vivemos assim, atualmente, uma emergência de saúde pública de âmbito
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internacional que tem levado à adoção ao estabelecimento de um conjunto de medidas excecionais e
temporárias.
De facto, esta situação está a ter vários impactos, não apenas na saúde, mas também em termos
económicos e sociais, registando-se uma desaceleração da economia, com consequências negativas em
múltiplos sectores de atividade.
Se há situações que comportam alguma injustiça em tempos de normalidade, isso é ainda mais notório
quando o mundo atravessa uma crise que vai deixar graves consequências, algumas muito difíceis de
ultrapassar.
É nesse contexto que o Partido Ecologista «Os Verdes» considera que, durante a atual crise, não faz
qualquer sentido que se proceda ao resgate de grandes indústrias poluentes, pois o dinheiro público deve ser
canalizado para investimentos em modelos sustentáveis que permitam combater as alterações climáticas,
através de um crescimento inclusivo e sustentável e da criação de empregos verdes.
Ou seja, se o dinheiro do Estado é necessário para resgatar empresas, que seja então direcionado para
modelos comprometidos com o equilíbrio e a sustentabilidade.
Como é cada vez mais evidente, as alterações climáticas são um dos maiores desafios que a humanidade
enfrenta e devem continuar a ser tratadas com a devida prioridade, devendo apostar-se na transição
energética, investindo sobretudo em tecnologias limpas e verdes.
Recorde-se que o Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) também já se manifestou
nesse sentido, tendo mesmo chegado a referir que o dinheiro dos contribuintes que é usado para resgatar
empresas não deve estar a «salvar indústrias ultrapassadas, poluentes e intensivas em carbono», defendo
também a eliminação dos subsídios aos combustíveis fósseis e a promoção de incentivos fiscais a projetos
que contribuam para a transição da economia.
A par de todos os aspetos que importa salvaguardar, é essencial que a crise provocada pela pandemia de
COVID-19 não afete os objetivos gobais e nacionais de sustentabilidade. Aliás, os investimentos na produção
de energia elétrica a partir de fontes renováveis serão também fundamentais para ultrapassar esta crise.
Neste contexto, e segundo foi veiculado pela comunicação social, é de realçar que alguns responsáveis na
área do setor energético e alguns ambientalistas alertaram já para o facto de as grandes indústrias poluidoras
de todo o mundo estarem a usar a pandemia para ganhar milhões em apoios dos Estados, ao mesmo tempo
que adiam as medidas fixadas nas metas ambientais.
Logo, não faz qualquer sentido usar dinheiro público para resgatar grandes empresas que não têm como
preocupação e como prioridade a descarbonização. Esta situação, além de insensata, é também insustentável
e arriscada.
Desta forma, as ajudas estatais devem ocorrer em condições claras de extrema necessidade e
salvaguardando que o dinheiro será preferencialmente usado para uma economia verde e privilegiando as
micro, pequenas e médias empresas, cujo papel é absolutamente decisivo na nossa economia, e não as
grandes empresas poluentes.
Tempos excecionais exigem medidas execionais e, como sociedade, devemos dar passos seguros,
sustentáveis e solidários com as futuras gerações, repensar algumas opções e reconstruir um mundo mais
justo e equilibrado.
A verdade é que tudo o que os países fizerem durante e após a crise deve ter também como preocupação
a construção de economias mais iguais, inclusivas e sustentáveis. No fundo, sociedades mais resilientes aos
desafios que enfrentamos, independentemente da sua natureza.
É preciso, pois, dar resposta aos desafios de saúde, sociais, económicos e também ambientais. E isso não
se consegue apenas com teorias e discursos, mas com ações e medidas concretas. É precisamente isso que,
a par de outras iniciativas que o Partido Ecologista «Os Verdes» tem vindo a apresentar, é proposto através
deste projeto de resolução.
Face ao exposto, o Partido Ecologista «Os Verdes» considera que, particularmente em época de pandemia
de COVID-19 e no relançamento da economia que se seguirá, importa garantir que os dinheiros públicos não
vão servir para resgatar grandes indústrias poluentes. Entendemos que este é um bom sinal que o Governo
pode e deve dar aos cidadãos e às empresas.
Assim, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do Partido
Ecologista Os Verdes apresenta o seguinte projeto de resolução:
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A Assembleia da República delibera recomendar ao Governo que:
Assegure que, no período de influência da COVID-19 provocada pelo vírus SARS-CoV-2 e no
relançamento da economia, não procederá ao resgate de grandes indústrias poluentes, comprometendo-se a
apoiar preferencialmente empresas mais sustentáveis do ponto de vista ambiental e micro, pequenas e médias
empresas.
Palácio de S. Bento, 5 de maio de 2020.
Os Deputados do PEV: José Luís Ferreira — Mariana Silva.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO.