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Quinta-feira, 16 de julho de 2020 II Série-A — Número 122
XIV LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2019-2020)
S U M Á R I O
Decretos da Assembleia da República (n.
os 34 a 36/XIV):
N.º 34/XIV — Alarga o prazo para a realização por meios de comunicação à distância das reuniões dos órgãos das autarquias locais e das entidades intermunicipais, procedendo à quinta alteração à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, que aprova medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19. (a) N.º 35/XIV — Autoriza o Governo a legislar sobre o sistema de unidades de medida legais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 238/94, de 19 de setembro, transpondo a Diretiva (UE) 2019/1258, de 23 de julho de 2019. (b) N.º 36/XIV — Medidas fiscais de apoio às micro, pequenas e médias empresas no quadro da resposta ao novo coronavírus SARS-CoV-2 e à doença COVID-19. (b) Resoluções: (b) — Sousa Mendes. — Eleição para o Conselho Geral do Centro de Estudos Judiciários. — Eleição para o Conselho Superior de Segurança do Ciberespaço. — Eleição para o Conselho Pedagógico do Centro de Estudos Judiciários. — Eleição para a Comissão de Fiscalização dos Centros Educativos. — Eleição para o Conselho Superior da Magistratura.
Projetos de Lei (n.
os 1195/XIII/4.ª e 350/XIV/1.ª):
N.º 1195/XIII/4.ª [Revogação da Resolução da Assembleia da República n.º 35/2008, de 29 de julho (Aprova o Acordo do Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa)]: — Segundo parecer da Comissão de Cultura e Comunicação, tendo como anexo o parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. N.º 350/XIV/1.ª (Estabelece medidas fiscais de apoio às micro, pequenas e médias empresas): — Relatório de discussão e votação na especialidade da Comissão de Orçamento e Finanças. Proposta de Lei n.º 1/XIV/1.ª [Aprova o novo regime jurídico da constituição e do funcionamento dos fundos de pensões e das entidades gestoras de fundos de pensões, transpondo a Diretiva (UE) 2016/2341]: — Relatório de discussão e votação na especialidade da Comissão de Orçamento e Finanças. Projeto de Resolução n.º 578/XIV/1.ª (BE): Campanha pública de divulgação do Estatuto do Cuidador Informal. (a) Publicado em Suplemento. (b) Publicado em 2.º Suplemento.
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PROJETO DE LEI N.º 1195/XIII/4.ª
[REVOGAÇÃO DA RESOLUÇÃO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA N.º 35/2008, DE 29 DE JULHO
(APROVA O ACORDO DO SEGUNDO PROTOCOLO MODIFICATIVO AO ACORDO ORTOGRÁFICO DA
LÍNGUA PORTUGUESA)]
Segundo parecer da Comissão de Cultura e Comunicação, tendo como anexo o parecer da
Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias
Segundo parecer
Índice
Parte I – Considerandos
Parte II – Opinião do(a) Deputado(a) autor(a) do parecer
Parte III – Conclusões
Parte IV – Anexos
PARTE I – Considerandos
1 – Introdução
O Projeto de Lei n.º 1195/XIII/4.ª (ILC) é subscrito por 21 206 cidadãos eleitores, nos termos da Lei n.º
17/2003, de 4 de junho, que regula a iniciativa legislativa dos cidadãos, em conformidade com o disposto no
n.º 1 do artigo 167.º da Constituição e no artigo 118.º do Regimento da Assembleia da República (RAR).
A iniciativa foi entregue a 10 de abril de 2019. Tendo em conta que a recolha de assinaturas decorreu
desde 2010, período durante o qual houve alterações legais relativas ao requisito da identificação de todos os
proponentes, bem como a solicitação da verificação administrativa da autenticidade dessa identificação ao
Instituto do Registo e do Notariado, IP, por amostragem, foram considerados 21 206 eleitores subscritores.
Quanto aos restantes requisitos formais de admissibilidade, previstos no artigo 6.º da Lei n.º 17/2003, de 4
de junho, o projeto de lei, escrito sob a forma de articulado, contém uma designação que descreve
sinteticamente o seu objeto principal, uma exposição de motivos — requisitos formais igualmente
estabelecidos no n.º 1 do artigo 124.º do Regimento — e é acompanhado pela identificação dos elementos
que formam a comissão representativa dos cidadãos subscritores, com a indicação de um domicílio para a
mesma.
O artigo 3.º da Lei n.º 17/2003, de 4 de junho, limita as matérias que podem ser objeto das iniciativas
legislativas de cidadãos. O articulado do projeto de lei, de acordo com a nota de admissibilidade e a nota
técnica dos serviços da Assembleia da República «parece não colocar em causa» a competência reservada
do Governo para negociar e ajustar convenções internacionais — alínea b) do n.º 1 do artigo 197.º da
Constituição —, caso em que o seu objeto estaria vedado pelo disposto na alínea c) do artigo 3.º da referida
lei.
Concluem os serviços da Assembleia da República que «o projeto de lei parece obedecer aos limites
constitucionais, legais e regimentais à admissão das iniciativas, quer no âmbito de aplicação interna das suas
normas quer porque as eventuais dúvidas que os seus efeitos suscitem no direito internacional podem ser
discutidas durante o processo legislativo».
O projeto de lei em apreciação deu entrada a 10 de abril de 2019. Foi renovado na XIV Legislatura, iniciada
a 25 de outubro, a requerimento da comissão representativa, nos termos do n.º 2 do artigo 13.º da Lei n.º
17/2003, de 4 de junho. A sua admissão, baixa na generalidade à Comissão de Cultura e Comunicação (12.ª),
por despacho de S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República, e anúncio em reunião plenária ocorreu a 6
de novembro.
Foi promovida no dia 19 de novembro de 2019, pelas 14h30m, a audição da comissão representativa dos
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cidadãos subscritores do Projeto de Lei n.º 1195/XIII/4.ª (Iniciativa legislativa de cidadãos) – Revogação da
Resolução da Assembleia da República n.º 35/2008, de 29 de julho (Aprova o Acordo do Segundo Protocolo
Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa).
2 – Objeto e Motivação do Projeto de Lei
Na extensa exposição de motivos da iniciativa em apreço, os seus autores referem que o «Acordo
Ortográfico da Língua Portuguesa (AO), tendo atravessado um longo processo, não apenas legislativo como
de discussão pública (que de facto nunca existiu), durante mais de 19 anos, e tendo por fim entrado
oficialmente em vigor no passado dia 1 de janeiro, por força do determinado na Resolução da Assembleia da
República n.º 35/2008, de 29 de julho, veio criar na sociedade portuguesa uma situação de total indefinição,
não colhendo recetividade por parte de largos estratos da população e nem mesmo por parte das estruturas e
serviços do Estado, salvo raras e pontuais exceções».
Consideram também os autores da iniciativa que, ainda hoje, a sua aceitação não é nem pacífica nem as
suas diretrizes são acatadas pela esmagadora maioria da população e, nesse sentido, que não resta outra
solução que não seja a de revogar, de imediato, a Resolução da Assembleia da República que determina a
entrada em vigor do Acordo Ortográfico de 1990.
Por fim, saliente-se que o projeto de lei sub judice dispõe de três artigos preambulares: o primeiro
respeitante à entrada em vigor do Acordo Ortográfico de 1990; e o segundo e terceiro, respetivamente, à
disposição transitória e revogatória.
3 – Análise do projeto de lei face ao enquadramento constitucional e legal
Estatuí a Constituição da República Portuguesa, na sua alínea b) n.º 1 do artigo 197.º, que é competência
reservada do Governo para negociar e ajustar convenções internacionais. Ora, se este preceito constitucional
for atingido pela presente iniciativa legislativa de cidadãos, o seu objeto estaria vedado pelo disposto na alínea
b) do artigo 3.º da Lei n.º 17/2003, de 4 de junho.
Foi-nos remetido pela comissão representativa dos cidadãos subscritores um parecer do Professor
Francisco Ferreira de Almeida (Faculdade de Direito da UC) sobre a ILC-AO, que analisava a viabilidade
jurídica e formal da ILC enquanto instrumento capaz de revogar a RAR 35/2008. Nesse parecer afirma-se:
«1 – Do ponto de vista do Direito Constitucional, importa ter em mente que, ainda que adoptada na
sequência de um projecto do Governo, a Resolução n.º 35/2008 constitui um acto da Assembleia da
República. Ora, fazer depender o exercício do poder revogatório da AR – relativamente a um acto da sua
competência – de uma solicitação do Governo, significaria um cerceamento das competências do órgão
p m qu , ém ju m ó m m g , ( p …)
qualquer respaldo na Constituição da República Portuguesa;
2 – Acresce, no que respeita aos tratados internacionais, que a competência do Governo é meramente
residual, cingindo-se, como é sabido, à respectiva negociação e à subsequente aprovação, em Conselho de
Ministros, de uma proposta de resolução a submeter à AR. Compete a esta (e apenas a esta), ex vi do art.
161.º, i), da CRP, proceder à aprovação desses tratados solenes, pelo que, aceitar-se como válida a tese de
que a revogação da supracitada Resolução n.º 35/2008 carece de uma prévia proposta do Governo nesse
sentido, redundaria numa autêntica subversão (essa sim) do sistema de repartição de competências entre
ambos os órgãos de soberania, na matéria em apreço. E isto, note-se, estando em causa uma Resolução
discrepante com a Convenção de Viena Sobre o Direito dos Tratados, de 1969 (à qual o Estado português se
encontra vinculado) – desconformidade essa que viola o princípio da prevalência, ou, quando menos, da
preferência aplicativa, do Direito Internacional face ao direito interno infraconstitucional;
3 – Sublinhe-se, por último, não ser possível contestar a compatibilidade – quer no plano formal, quer no
plano substantivo – da presente ILC com a CRP. O entendimento acima descrito, de cujo bem fundado nos
permitimos discordar frontalmente, teria apenas uma consequência: a de, adrede e sem qualquer justificação
material válida, esvaziar completamente de sentido o instrumento da ILC.»
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No entanto, socorremo-nos das lições do Curso de Direito Internacional Público, do Professor Doutor Jorge
Miranda, para recordarmos que «se a vinculação jurídica do Estado a um tratado ou acordo reclama a
colaboração de diferentes órgãos, de harmonia com estritas regras de competência e de forma, também a
desvinculação há-de obedecer a idênticos requisitos», postulando mais adiante: «o que se diz da denúncia
(denúncia stricto sensu e recesso) vale analogamente para a suspensão de vigência ou para outra eventual
cessação de vinculação de Portugal a convenção internacional».
Assim, concluiu-se na Comissão de Cultura e Comunicação (12.ª) que existiam dificuldades, ou pelo menos
legitimas dúvidas constitucionais, relativamente à iniciativa da Assembleia da República, sem a intervenção
prévia do Governo, no uso dos seus poderes constitucionais exclusivos em matéria de relações e direito
internacional. Tal conclusão, por ser prejudicial, levou a que se suscitasse a intervenção prévia da comissão
permanente que tem competência em matéria de assuntos constitucionais.
Após o que, a Comissão Parlamentar de Cultura e Comunicação, em reunião realizada no dia 3 de março
de 2020, apreciou o relatório distribuído a 26 de fevereiro e aprovou o seguinte parecer:
O Projeto de Lei n.º 1195/XIII/4.ª é uma Iniciativa Legislativa de Cidadãos. Face à existência de dúvidas
razoáveis, ou de diferentes posições doutrinárias, quanto a reunir os requisitos constitucionais necessário,
delibera-se solicitar parecer prévio à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias
(1.ª), ao abrigo da cooperação institucional entre comissões, quanto à questão prejudicial da
constitucionalidade, após o qual se verificará a existência dos requisitos legais e regimentais, para
agendamento e apreciação da iniciativa pelo Plenário da Assembleia da República.
Nos termos das Competências das Comissões Parlamentares Permanentes da Assembleia da República,
aprovadas pela Conferência de Presidentes das Comissões Parlamentares em reunião de 11 de dezembro de
2019, e nos termos da prática parlamentar consolidada nas últimas legislaturas, compete à Comissão de
Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (1.ª) «ocupar-se das questões que tenham por
objeto a interpretação ou a aplicação de preceitos constitucionais» e, nesse contexto, «dar parecer sobre
questões de interpretação da Constituição», bem como «dar parecer sobre a constitucionalidade de propostas
e projetos de lei ou outras iniciativas parlamentares, quando tal lhe seja solicitado pelo Presidente da
Assembleia da República ou por outras Comissões Parlamentares permanentes».
Assim, instada por comunicação de 4 de março pela Senhora Presidente da 12.ª Comissão, a Comissão de
Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (1.ª) apreciou e analisou, com detalhe e
profundidade, o pedido formulado, as questões colocadas, os dados normativos, enquadramento, e
antecedentes, e analisou juridicamente o objeto da iniciativa legislativa de cidadãos, e o seu enquadramento
quanto ao processo de desvinculação de convenções internacionais, e quanto às possibilidades de
intervenção cidadã em matéria de convenções internacionais.
A Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (1.ª) emitiu parecer a 24 de
junho, deliberando as seguintes conclusões, por maioria, sem votos contra, com os votos favoráveis dos
Grupos Parlamentares do PS e do PSD e as abstenções dos Grupos Parlamentares do BE e do PCP, na
ausência do CDS-PP, do PAN, do CH e da Deputada não inscrita Joacine Katar Moreira:
1 – O conteúdo do Projeto de Lei n.º 1195/XIII, visando a desvinculação de Portugal de uma convenção
internacional, não traduz o exercício de competências legislativas da Assembleia da República, pelo que não
cumpre os requisitos constantes da Lei n.º 17/2003, de 4 de junho, não devendo, consequentemente, ser
admitida a sua tramitação, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 8.º da referida lei.
2 – O consenso doutrinal e a prática parlamentar consolidada apontam no sentido de que a desvinculação
de uma convenção internacional deve obedecer a um princípio de paralelismo com os procedimentos
observados na vinculação, o que acarreta, em sede parlamentar, entre outras consequências, as seguintes:
a) A sujeição a uma reserva de iniciativa do Governo, expressamente prevista no n.º 1 do artigo 198.º
Regimento e resultante do artigo 182.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 197.º da Constituição;
b) A sujeição à forma de resolução, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição e dos artigos 198.º
e seguinte do Regimento da Assembleia da República.
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3 – Ainda que o recurso à iniciativa legislativa de cidadãos não se afigure apto à realização do propósito
dos subscritores do presente projeto de lei, os cidadãos têm ao seu dispor outras ferramentas da democracia
participativa, em especial o exercício do direito de petição junto da Assembleia da República, para que esta
recomende ao Governo a adoção das mediadas desejadas, ou diretamente junto do próprio executivo.
PARTE II – Opinião do relator
O Deputado relator exime-se, em sede da Comissão Parlamentar de Cultura e Comunicação, de manifestar
a sua opinião sobre a iniciativa em apreço, a qual é, de resto, de «elaboração facultativa», nos termos do n.º 3
do artigo 137.º do Regimento da Assembleia da República.
PARTE III – Conclusões
A Comissão Parlamentar de Cultura e Comunicação, em reunião realizada no 14 de julho de 2020, aprova
o seguinte parecer:
O Projeto de Lei n.º 1195/XIII/4.ª é uma Iniciativa Legislativa de Cidadãos, mas nele não se verificam os
requisitos constitucionais, legais e regimentais, para agendamento e apreciação da iniciativa pelo Plenário da
Assembleia da República, com fundamento nas conclusões do parecer emitido pela Comissão de Assuntos
Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (1.ª), ao abrigo da cooperação institucional entre comissões
permanentes:
1 – O conteúdo do Projeto de Lei n.º 1195/XIII, visando a desvinculação de Portugal de uma convenção
internacional, não traduz o exercício de competências legislativas da Assembleia da República, pelo que não
cumpre os requisitos constantes da Lei n.º 17/2003, de 4 de junho, não devendo, consequentemente, ser
admitida a sua tramitação, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 8.º da referida lei.
2 – O consenso doutrinal e a prática parlamentar consolidada apontam no sentido de que a desvinculação
de uma convenção internacional deve obedecer a um princípio de paralelismo com os procedimentos
observados na vinculação, o que acarreta, em sede parlamentar, entre outras consequências, as seguintes:
a) A sujeição a uma reserva de iniciativa do Governo, expressamente prevista no n.º 1 do artigo 198.º
Regimento e resultante do artigo 182.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 197.º da Constituição;
b) A sujeição à forma de resolução, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição e dos artigos 198.º
e seguinte do Regimento da Assembleia da República.
Palácio de S. Bento, 14 de julho de 2020.
O Deputado autor do parecer, Pedro Cegonho — A Presidente da Comissão, Ana Paula Vitorino.
Nota: O parecer foi aprovado, com os votos a favor do PS e do PSD e abstenções do BE e do PCP, tendo-
se registado a ausência do CDS-PP e da Deputada não inscrita Cristina Rodrigues, na reunião da Comissão
do dia 14 de julho de 2020.
PARTE IV – Anexos
Para uma melhor análise e compreensão deste parecer deverá constar, como anexo, a nota técnica
elaborada pelos serviços parlamentares, bem como o parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais,
Direitos, Liberdades e Garantias (1.ª) emitido a 24 de junho de 2020.
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Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias
PARTE I – Enquadramento
1 – Pedido formulado pela Comissão de Cultura e Comunicação
Por comunicação do passado dia 4 de março de 2020, a Sr.ª Presidente da Comissão de Cultura e
Comunicação, Deputada Ana Paula Vitorino solicitou, «ao abrigo da cooperação institucional entre comissões»
a emissão de um parecer prévio quanto à questão da constitucionalidade do Projeto de Lei n.º 1195/XIII/4.ª
(Iniciativa legislativa de cidadãos) – Revogação da Resolução da Assembleia da República n.º 35/2008, de 29
de julho (Aprova o Acordo do Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa),
em análise naquela Comissão e objeto de parecer de autoria do Deputado Pedro Cegonho, atenta a
«existência de dúvidas razoáveis, ou de diferentes posições doutrinárias, quanto a reunir os requisitos
constitucionais necessários para o seu agendamento em Plenário».
Nos termos das Competências das Comissões Parlamentares Permanentes da Assembleia da República,
aprovadas pela Conferência de Presidentes das Comissões Parlamentares em reunião de 11 de dezembro de
2019, e nos termos da prática parlamentar consolidada nas últimas Legislaturas, compete à Comissão de
Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (CACDLG) «ocupar-se das questões que tenham
por objeto a interpretação ou a aplicação de preceitos constitucionais» e, nesse contexto, «dar parecer sobre
questões de interpretação da Constituição», bem como «dar parecer sobre a constitucionalidade de propostas
e projetos de lei ou outras iniciativas parlamentares, quando tal lhe seja solicitado pelo Presidente da
Assembleia da República ou por outras Comissões Parlamentares permanentes».
2 – Questão colocada pela Comissão de Cultura e Comunicação
O Parecer da Comissão de Cultura e Comunicação de autoria do Sr. Deputado Pedro Cegonho conclui no
sentido de que, «face à existência de dúvidas razoáveis, ou de diferentes posições doutrinárias, quanto a
reunir os requisitos constitucionais necessários, delibera-se solicitar parecer prévio à Comissão de Assuntos
Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (1.ª), ao abrigo da cooperação institucional entre comissões,
quanto à questão prejudicial da constitucionalidade, após o qual se verificará a existência dos requisitos legais
e regimentais, para agendamento e apreciação da iniciativa pelo Plenário da Assembleia da República.»
Tal dúvida radicou, na identificação de «dificuldades, ou pelo menos legitimas dúvidas constitucionais,
relativamente à iniciativa da Assembleia da República, sem a intervenção prévia do Governo, no uso dos seus
poderes constitucionais exclusivos em matéria de relações e direito internacional.»
PARTE II – Dados normativos e antecedentes
3 – Anteriores iniciativas legislativas de cidadãos
Sem prejuízo da análise jurídica que se realiza na parte seguinte do presente parecer quanto à
admissibilidade do objeto da Iniciativa Legislativa de Cidadãos sob análise, importa avaliar qual foi o quadro do
exercício do direito de iniciativa legislativa por grupos de cidadãos eleitores em anteriores legislaturas, aferindo
da existência de eventuais casos afins que se possam revelar de utilidade para a questão sob análise.
Desde a aprovação da Lei n.º 17/2003, de 4 de junho, deram entrada na Assembleia da República doze
iniciativas legislativas da autoria de grupos de cidadãos eleitores, que sucintamente se descrevem1:
1) Projeto de Lei n.º 214/XIV (Procriação medicamente assistida post mortem). Deu entrada na XIV
1 Para uma avaliação mais detalhada da matéria veja-se Raio-X da Participação dos Cidadãos no Parlamento, Teresa Fernandes/Tiago
Tibúrcio, in Como funciona o Parlamento, Lisboa 2019, pp. 321 e ss e em especial, com referência até janeiro de 2019, pp. 324 e ss.
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Legislatura, aguardando avaliação da sua admissibilidade.
2) Projeto de Lei n.º 133/XIV (Procede à segunda alteração ao regime da carreira especial de técnico
superior das áreas de diagnóstico e terapêutica – Decreto-Lei n.º 111/2017, de 31 agosto –, à primeira
alteração do regime legal da carreira aplicável aos técnicos superiores das áreas de diagnóstico e terapêutica,
doravante designada TSDT, em regime de contrato de trabalho – Decreto-Lei n.º 110/2017, de 31 de agosto –
e à primeira alteração ao regime remuneratório aplicável à carreira especial de técnico superior das áreas de
diagnóstico e terapêutica, bem como as regras de transição dos trabalhadores para esta carreira, que
regulamenta o primeiro – Decreto-Lei n.º 25/2019, de 11 de fevereiro). Deu entrada na XIV Legislatura,
encontrando-se a aguardar agendamento para discussão na generalidade.
3) Projeto de Lei n.º 33/XIV (Instituir o dia 16 de maio como o «Dia do Portugal Ativo»). Deu entrada na XIV
Legislatura e não foi admitido, por falta de número mínimo de assinaturas necessárias para o efeito.
4) Projeto de Lei n.º 1236/XIII (Termina com a atribuição de apoios financeiros por parte de entidades
públicas para a realização de atividades tauromáquicas). Foi admitida na XIII Legislatura e renovado a
requerimento da comissão representativa para a XIV Legislatura, aguardando agendamento para discussão na
generalidade.
5) Projeto de Lei n.º 1195/XIII (Revogação da Resolução da Assembleia da República n.º 35/2008, de 29
de julho (Aprova o Acordo do Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa).
Foi admitida na XIII Legislatura e renovado a requerimento da comissão representativa para a XIV Legislatura,
aguardando agendamento para discussão na generalidade, encontrando-se em avaliação a sua conformidade
constitucional, no presente parecer.
6) Projeto de Lei n.º 995/XIII (Manutenção e abertura de farmácias nas instalações dos hospitais do
Serviço Nacional Saúde). Foi admitida na XIII Legislatura e integrada no texto do Decreto n.º 290/XIII, que foi
objeto de veto pelo Presidente da República, não tendo a votação de confirmação do mesmo logrado obter a
maioria absoluta dos Deputados em efetividade de funções para superar o veto, tendo ficado concluído o
respetivo procedimento legislativo.
7) Projeto de Lei n.º 944/XIII (Consideração integral do tempo de serviço docente prestado durante as
suspensões de contagem anteriores a 2018, para efeitos de progressão e valorização remuneratória). Foi
admitido na XIII Legislatura e rejeitada na votação na generalidade.
8) Projeto de Lei n.º 976/XII (Terceira alteração a Lei n.º 92/95, de 12 de setembro, sexta alteração ao
Decreto-Lei n.º 276/2001, de 17 de outubro, primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 313/2003, de 17 setembro,
primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 314/2003, de 17 de dezembro, primeira alteração à Lei n.º 75/2013, de
12 de setembro, primeira alteração à Portaria n.º 421/2004, de 24 de abril – Proíbe o abate indiscriminado de
animais pelas câmaras municipais, institui uma politica de controlo das populações de animais errantes e
estabelece condições adicionais para criação e venda de animais de companhia). Foi admitido na XII
Legislatura e renovado a requerimento da comissão representativa para a XIII Legislatura, tendo dado origem
à Lei n.º 27/2016, de 23 de agosto.
9) Projeto de Lei n.º 790/XII (Lei de apoio à maternidade e paternidade pelo direito de nascer). Foi admitido
na XII Legislatura, tendo dado origem à Lei n.º 136/2015, de 7 de setembro (entretanto revogada pela Lei n.º
3/2016, de 29 de fevereiro).
10) Projeto de Lei n.º 368/XII (Proteção dos direitos individuais e comuns à Água). Foi admitido na XII
Legislatura e rejeitado na votação na generalidade.
11) Projeto de Lei n.º 142/XII (Lei contra a precariedade). Foi admitido na XII Legislatura, tendo dado
origem à Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto.
12) Projeto de Lei n.º 183/X (Arquitetura: Um direito dos cidadãos, um ato próprio dos Arquitetos
(revogação parcial do Decreto n.º 73/73, de 28 de fevereiro). Foi admitido na X Legislatura, tendo dado origem
à Lei n.º 31/2009, de 3 de julho.
Das doze iniciativas apresentadas, apenas uma não foi admitida, por ausência de cumprimento do número
mínimo de cidadãos subscritores previsto na referida Lei n.º 17/2003, de 4 de junho, tendo as demais onze
conhecido inúmeros desfechos na sua tramitação: quatro encontram-se ainda pendentes, quatro viram
concluídos o procedimento com a aprovação da lei, duas foram rejeitadas na votação na generalidade e uma
foi objeto de veto do Presidente da República, sem que o mesmo tenha sido confirmado pela Assembleia da
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República.
Todavia, quanto ao que poderia relevar para a presente análise do conhecimento do histórico das
iniciativas legislativas de cidadãos não retiramos elementos úteis para as dúvidas suscitadas: nenhuma das
demais iniciativas versa ou versou sobre a desvinculação (ou sequer adesão) a uma convenção internacional,
nenhuma das demais iniciativas viu rejeitada a sua admissibilidade por violação da norma do artigo 3.º da Lei
n.º 7/2013, de 4 de junho, que identifica qual pode ser o objeto das iniciativas legislativas de cidadãos e
nenhuma das demais iniciativas procurou recorrer à forma de lei para proceder à revogação de ato jurídico que
revestia outra forma (a saber, a de resolução)2.
4 – Anteriores desvinculações de convenções internacionais
Uma vez que o objeto da iniciativa legislativa de cidadãos tem por objeto a desvinculação da República
Portuguesa do 2.º Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, sendo a
admissibilidade desse objeto a questão de fundo principal do presente parecer, importa também avaliar os
antecedentes parlamentares no que respeita ao processo de desvinculação de convenções internacionais,
avaliando as questões procedimentais e formais assumidas.
Analisada a prática parlamentar das últimas legislaturas, o entendimento adotado em relação aos
processos de desvinculação da República Portuguesa (que têm operado por via de recesso ou retirada),
confirma-se o entendimento que aponta no sentido do paralelismo de forma e procedimento com o
procedimento de vinculação, tendo a iniciativa sido de autoria do Governo em todos os casos, seguido de
aprovação para ratificação pela Assembleia da República e ratificação por Decreto do Presidente da
República. Desde a X Legislatura registaram-se oitos casos distintos de desvinculação a convenções
internacionais, de cujo procedimento se dá seguidamente nota.
Na X Legislatura, a Resolução da Assembleia da República n.º 83/2009, de 7 de setembro, aprovou a
retirada por parte da República Portuguesa da Convenção Relativa à Proteção e Integração das Populações
Aborígenes e Outras Populações Tribais e Semitribais nos Países Independentes, adotada na 40.ª Sessão da
Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho, em Genebra em 26 de junho de 1957, aprovada,
para ratificação, pelo Decreto-Lei n.º 43 281, de 29 de outubro de 1960, tendo a mesmo sido ratificada pelo
Decreto do Presidente da República n.º 82/2009, de 7 de setembro. A referida Resolução resultou de iniciativa
do Governo, através da Proposta de Resolução n.º 138/X, aprovada em Conselho de Ministros a 18 de junho
de 2009 e que deu entrada na Assembleia da República a 24 de junho de 2009.
Também na X Legislatura, a Resolução da Assembleia da República n.º 84/2009, de 7 de setembro, que
aprovou a retirada por parte da República Portuguesa da Convenção Relativa à Abolição das Sanções Penais
por Quebra do Contrato de Trabalho por Parte dos Trabalhadores Indígenas, adotada na 38.ª Sessão da
Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho, em Genebra em 21 de junho de 1955, aprovada,
para ratificação, pelo Decreto-Lei n.º 42 691, de 30 de novembro de 1959, tendo a mesmo sido ratificada pelo
Decreto do Presidente da República n.º 83/2009, de 7 de setembro. A referida Resolução resultou de iniciativa
do Governo, através da Proposta de Resolução n.º 137/X, aprovada em Conselho de Ministros a 18 de junho
de 2009 e que deu entrada na Assembleia da República a 24 de junho de 2009.
Na XI Legislatura, a Resolução da Assembleia da República n.º 67/2010, de 13 de julho, aprovou o
recesso ao Tratado que cria a União da Europa Ocidental, assinado em 17 de março de 1948 em Bruxelas, e
ao Protocolo que modifica e completa o Tratado de Bruxelas, assinado em Paris em 23 de outubro de 1954, e
respetivos anexos, tendo o mesmo sido ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 67/2010, de 13
de julho. A referida Resolução resultou de iniciativa do Governo, através da Proposta de Resolução n.º 16/XI,
aprovada em Conselho de Ministros a 20 de maio de 2010 e que deu entrada na Assembleia da República a
15 de junho de 2010.
Ainda na XI Legislatura, a Resolução da Assembleia da República n.º 40/2011, de 16 de março, aprovou
o recesso da Convenção Internacional para a Unificação de Certas Regras Relativas aos Privilégios e
2 Ainda que o Projeto de Lei n.º 33/XIV, que visa instituir o dia 16 de maio como o «Dia do Portugal Ativo», tenha por objeto uma matéria
(a instituição de «Dias Nacionais» que tem vindo a revestir a forma de Resolução da Assembleia da República, atento o seu caráter eminentemente proclamatório e simbólico, nada obsta a que o referido conteúdo possa constar de ato legislativo.
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Hipotecas Marítimos, assinada em Bruxelas em 10 de abril de 1926, tendo o mesmo sido ratificado pelo
Decreto do Presidente da República n.º 23/2011, de 16 de março. A referida Resolução resultou de iniciativa
do Governo, através da Proposta de Resolução n.º 16/XI/1.ª, aprovada em Conselho de Ministros a 20 de maio
de 2010 e que deu entrada na Assembleia da República a 15 de junho de 2010.
Na XIII Legislatura, a Resolução da Assembleia da República n.º 126/2012, de 27 de setembro, aprovou
o recesso por parte da República Portuguesa do Tratado sobre o Estatuto Jurídico da EUROFOR, assinado
em Roma em 5 de julho de 2000, tendo o mesmo sido ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º
153/2012, de 27 de setembro. A referida resolução resultou de iniciativa do Governo, através da Proposta de
Resolução n.º 33/XII, aprovada em Conselho de Ministros a 12 de abril de 2012 e que deu entrada na
Assembleia da República a 20 de abril de 2012.
De novo na XII Legislatura, a Resolução da Assembleia da República n.º 156/2013, de 31 de dezembro,
aprovou o recesso, por parte da República Portuguesa, ao Ato Constitutivo da Organização das Nações
Unidas para o Desenvolvimento Industrial (ONUDI), adotado, em Viena, em 8 de abril de 1979, e em vigor
desde 10 de junho de 1985, tendo o mesmo sido ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º
127/2013, de 31 de dezembro. A referida Resolução resultou de iniciativa do Governo, através da Proposta de
Resolução n.º 69/XII, aprovada em Conselho de Ministros a 21 de novembro de 2013 e que deu entrada na
Assembleia da República a 26 de novembro de 2013.
Ainda na XII Legislatura, a Resolução da Assembleia da República n.º 55/2014, de 26 de junho, aprovou
o recesso, por parte da República Portuguesa, aos estatutos da Comissão Internacional do Estado Civil, tendo
o mesmo sido ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 48/2014, de 26 de junho. A referida
Resolução resultou de iniciativa do Governo, através da Proposta de Resolução n.º 137/X, aprovada em
Conselho de Ministros a 15 de maio de 2014 e que deu entrada na Assembleia da República no mesmo dia.
Finalmente, e mais recentemente, na XIII Legislatura, a Resolução da Assembleia da República n.º
140/2019, de 19 de agosto, aprovou o recesso, por parte da República Portuguesa, à Convenção Relativa ao
Emprego de Mulheres em Trabalhos Subterrâneos nas Minas de Qualquer Categoria, adotada na 19.ª Sessão
da Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho, em Genebra, em 4 de junho de 1935, tendo o
mesmo sido ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 48/2019, de 19 de agosto. A referida
Resolução resultou de iniciativa do Governo, através da Proposta de Resolução n.º 71/XIII, aprovada em
Conselho de Ministros a 17 de maio de 2018 e que deu entrada na Assembleia da República no mesmo dia.
PARTE III – Análise jurídica
A análise jurídica do problema colocado convoca duas reflexões distintas e complementares. A primeira
delas prende-se com o regime da iniciativa legislativa de cidadãos, e prende-se com a possibilidade de a
mesma ter por objeto a desvinculação de uma convenção internacional. A segunda, como quadro
constitucional preciso de intervenção de cada órgão de soberania no processo de vinculação e desvinculação
de convenções internacionais, e ao papel que nessa sede está reservado em especial ao Governo. Avaliemos
cada uma delas autonomamente.
5 – Objeto da Iniciativa legislativa de cidadãos
a. Enquadramento
A primeira questão (e poderia mesmo dizer-se, a questão decisiva) é a de saber se um processo de
vinculação ou desvinculação de uma convenção internacional se reconduz ao exercício da função legislativa
da Assembleia da República, podendo, consequentemente, ser objeto de uma iniciativa legislativa de
cidadãos.
A questão não é de somenos, tendo em conta o quadro constitucional preciso e rigoroso que, desde 1997,
passou a admitir a iniciativa legislativa de grupos de cidadãos eleitores, nos termos da lei, no artigo 167.º da
Constituição da República. Ora, o referido preceito não se reporta a qualquer outro tipo de iniciativa para a
prática de atos pela Assembleia da República senão os que correspondem ao exercício das competências
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legislativas parlamentares, dirigidas à produção de um ato destinado a revestir a forma de lei, nos termos do
artigo 166.º do texto constitucional. Afigura-se, pois, de impossível compatibilização com este propósito o
recurso a um instrumento que desencadeia a produção de atos legislativos para lograr aprovar um conteúdo
que não pode revestir essa forma, por força do referido artigo 166.º, que remete para a forma de resolução
(como desenvolveremos infra) o resultado dos processos de vinculação (ou desvinculação) da República
Portuguesa a uma convenção internacional.
Neste quadro, e na ausência do tratamento específico desta questão nessa sede, duas afirmações
constantes da nota de admissibilidade do projeto de lei sob análise são geradoras de particular dificuldade. Em
primeiro lugar, refere-se que «o objeto da iniciativa enquadra-se na competência legislativa da Assembleia da
República e define, em concreto, o sentido das modificações a introduzir na ordem legislativa.» Todavia, e
como se referiu, a matéria objeto da referida iniciativa não visa produzir qualquer alteração em atos legislativos
em vigor ou sequer participar no exercício da função legislativa, mas antes fazer incidir todos os seus efeitos
sobre a cessação de vigência de uma convenção internacional, ato normativo de distinta natureza.
Em segundo lugar, ao referir que «o artigo 3.º da Lei n.º 17/2003, de 4 de junho, limita quais as matérias
que não podem ser objeto das ILC» e que «o articulado do projeto de lei parece não colocar em causa a
competência reservada do Governo para negociar e ajustar convenções internacionais – alínea b) do n.º 1 do
artigo 197.º da Constituição – caso em que o seu objeto estaria vedado pelo disposto na alínea b) do artigo 3.º
da referida lei» a nota de admissibilidade assume a totalidade das competências do Governo (legislativas e
outras) como padrão de controlo do preceito em causa.É inegável que a alínea b) do artigo 3.º da Lei n.º
17/2003, de 4 de junho, se reporta à proibição de inclusão numa iniciativa legislativa de cidadãos de matérias
da competência legislativa reservada do Governo. Estas, nos termos da Constituição, são apenas as que se
encontram previstas do n.º 2 do artigo 198.º, relativas à sua própria organização e funcionamento (e que não
estão aqui, efetivamente, em causa). Todavia, o problema coloca-se a montante, visto que a competência da
alínea b) do n.º 1 do artigo 197.º não se reporta às competências legislativas do Governo, mas antes às suas
competências políticas. É esta distinção que, neste primeiro ponto da análise jurídica, importa analisar.
b. Exercício da função legislativa e exercício da função política
As disposições constitucionais que elencam o quadro de competências dos órgãos de soberania assentam
em modalidades distintas de apresentação dos vários tipos de competências. No caso do Presidente da
República, a opção do legislador constituinte foi a de arrumar a matéria em torno das competências do
Presidente relativas a outros órgãos (artigo 133.º) das competências para prática de atos próprios (artigo
135.º) e das competências nas relações internacionais (artigo 136.º). No que respeita ao Governo, o texto
constitucional identifica competências políticas (artigo 197.º), competências legislativas (artigo 198.º) e
competências administrativas (artigo 199.º). Finalmente, no que respeita à Assembleia da República, a opção
foi a de elencar competências políticas e legislativas (artigo 161.º), competências de fiscalização (artigo 162.º)
e competências quanto a outros órgãos (artigo 163.º).
O recurso a critérios mistos de identificação das competências, com zonas de sobreposição concetual,
torna a tarefa interpretativa e de classificação doutrinal mais difícil, mas não deixa por isso de oferecer pistas
claras nalguns domínios, que devem considerar-se isentos de dúvidas.
Ora, trata-se precisamente do caso da delimitação de quais são as competências da Assembleia da
República correspondentes ao exercício da função legislativa, a saber, as que resultam das alíneas b) a h) do
já referido artigo 161.º, sendo as demais ou correspondentes ao exercício da função constituinte [a da alínea
a) do artigo 161.º] ou ao exercício da função política3. É precisamente nessa sede que encontramos a matéria
da aprovação de tratados e acordos, que alguma doutrina, não deixando de reconhecer que têm conteúdo
normativo, reconduz irremediavelmente ao exercício da função política e não da função legislativa4, atenta
3 GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA reconduzem apenas as alíneas b) e c) do artigo 161.º ao exercício da função legislativa,
reconduzindo as demais ao exercício de competências políticas da Assembleia. Constituição da República Portuguesa Anotada – Volume II, Coimbra, p. 289. 4 Carlos BLANCO DE MORAIS, O Sistema Político, Coimbra, 2017, pp. 692-693, onde expressamente elenca a aprovação de tratados e
acordos internacionais como atos normativos da função política. Paulo OTERO, em sentido algo distinto, aponta para a existência de competências normativas da Assembleia da República às quais reconduz a aprovação de tratados e acordos, mas que distingue claramente das competências legislativas da Assembleia. Direito Constitucional Português – Volume II – Organização do Poder Político,
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desde logo a forma de aprovação por resolução.
De forma muito clara Jorge Miranda e Jorge Pereira da Silva sublinham precisamente que as resoluções
«não são atos legislativos», mas antes «atos políticos», que se projetam «com relevância imediata no âmbito
do Estado-poder; contendem com a sua dinâmica organizativa e funcional; vinculam-se, sobretudo, ao
principio da interdependência dos órgãos de soberania», não deixando, todavia, de poder adquirir eficácia
externa, especialmente os que afetam de modo direto os cidadãos, entre estas pontuando, como referem, «de
certa maneira, as de aprovação de convenções internacionais».
Se dúvidas subsistissem, compaginada com as disposições que encontramos e já referimos sobre as
competências legislativas do Governo, a questão torna-se ainda mais clara, visto que aí, na alínea c) do n.º 1
do artigo 197.º, fica inequivocamente claro que o ato de aprovação de uma convenção internacional (no caso,
os acordos cuja aprovação não seja da competência da Assembleia da República ou que a esta não tenham
sido submetidos) corresponde ao exercício de competências políticas do Governo, e não de competências
legislativas.
Em conclusão, o exercício das competências parlamentares no que respeita à aprovação de convenções
internacionais, ainda que possa implicar a adoção de um texto normativo, tem natureza claramente distinta do
exercício das competências legislativas da Assembleia e sujeita-se sempre a uma forma distinta de aprovação,
a de resolução.
c. O objeto das iniciativas legislativas admitidas pela Lei n.º 17/2003
Perante a conclusão do ponto anterior, haverá, pois que interpretar em conformidade o disposto na Lei n.º
17/2003, de 4 de junho, aferindo se o objeto de uma iniciativa legislativa pode versar a desvinculação (ou
vinculação) a uma convenção internacional. A resposta parece-nos ser inequivocamente negativa, por leitura
do disposto quer no artigo 1.º quer no proémio da referida lei, em articulação com o texto constitucional.
Em primeiro lugar, o artigo 1.º determina que a lei «regula os termos e condições em que grupos de
cidadãos eleitores exercem o direito de iniciativa legislativa junto da Assembleia da República, nos termos do
artigo 167.º da Constituição, bem como a sua participação no procedimento legislativo a que derem origem.»
Conforme referido, o artigo 167.º da Constituição tem por objeto a iniciativa legislativa em sentido rigoroso e
estrito, ou seja, a iniciativa dirigida à produção de um ato legislativo ordinário da Assembleia da República, o
que desde logo precludiria o recurso a este mecanismo de participação cidadã.
Em segundo lugar, o proémio do artigo 3.º da Lei n.º 17/2003, de 4 de junho, é igualmente explícito ao
elencar quais as matérias que podem ser objeto de uma iniciativa legislativa popular: «a iniciativa legislativa de
cidadãos pode ter por objeto todas as matérias incluídas na competência legislativa da Assembleia da
República, salvo» as que de seguida enuncia. Não se trata, pois, de enquadrar numa das exceções constantes
das alíneas a exclusão desta matéria da iniciativa legislativa, mas logo a partir da delimitação do objeto
concluir que a vinculação ou desvinculação de uma convenção internacional não se enquadra de todo no
conceito de competência legislativa da Assembleia da República5.
Neste quadro, deve concluir-se que o conteúdo do Projeto de Lei n.º 1195/XIII não cumpre os requisitos
Coimbra, 2010, p. 308-309 e 315 ss. 5 Um dos pareceres remetidos pelos subscritores da iniciativa legislativa de cidadãos, de autoria do Prof. Doutor José Lucas Cardoso,
oferece um argumento distinto no sentido da admissibilidade da iniciativa, assente na existência de inúmeras inconstitucionalidades na Resolução República n.º 35/2008, de 29 de julho (Aprova o Acordo do Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa), nos termos que se transcrevem: «Ora, considerando as inconstitucionalidades em apreço, no caso da Assembleia da República considerar, pela maioria constitucionalmente definida para as deliberações em plenário, corresponder ao interesse público a revogação da Resolução n.º 35/2008 não estará a agir no exercício de uma competência política activa strictu-sensu de vinculação internacional do Estado português (cfr. artigo 161.º, i), CRP) mas, ao invés, no exercício da competência de fiscalização que a habilita a vigiar pelo cumprimento da Constituição (cfr. artigo 162.º, a), CRP).»(Grafia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, nos termos da opção do autor do referido parecer).Sendo, por um lado, questionável, que a forma de controlo da constitucionalidade por parte da Assembleia da República deva assentar numa revogação do ato alegadamente inconstitucional, quando quer o seu Presidente, quer um décimo dos Deputados dispõem de legitimidade ativa para requerer ao Tribunal Constitucional a fiscalização abstrata sucessiva, nos termos do n.º 2 do artigo 281.º, o parecer admite que o fundamento a invocar seria um exercício «da competência de fiscalização que a habilita a vigiar pelo cumprimento da Constituição». Ora, como referido, também esse é um objeto vedado a uma iniciativa legislativa de cidadãos, que se circunscreve às competências legislativas da Assembleia. Por outro lado, mesmo admitindo que uma eventual declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral poderia habilitar uma desvinculação, o que a doutrina admite como possível nesses casos é que possa ser o Governo sozinho a fazê-lo, invocando esse elemento objetivo, nunca a Assembleia – assim Eduardo CORREIA BAPTISTA, Direito Internacional Público, Lisboa, 2015 (Reimpressão 2019), pp. 508-509 e Maria Luísa DUARTE, Direito Internacional Público e ordem jurídica global do século XXI, Lisboa, 2019, pp. 272-273.
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constantes da Lei n.º 17/2003, de 4 de junho, não devendo, consequentemente, ser admitida a sua tramitação,
nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 8.º da referida lei.
6 – Processo de desvinculação de convenções internacionais
Concluída a análise da questão da perspetiva estrita do objeto admitido às iniciativas legislativas de
cidadãos, importa igualmente avaliar o problema da perspetiva das normas constitucionais e regimentais que
disciplinam o procedimento de vinculação (e desvinculação) a convenções internacionais pela Assembleia da
República, sob o prisma da existência de uma reserva de iniciativa governamental neste domínio.
a. O princípio do paralelismo
Em primeiro lugar, importa identificar quais as regras que presidem ao procedimento de desvinculação de
uma convenção internacional que se insira na esfera de competência da Assembleia da República. Trata-se
de uma matéria que não é expressamente regulada no texto da Constituição6, devendo procurar-se
estabelecer por via interpretativa a identificação do quadro jurídico aplicável, com recurso a um princípio de
paralelismo com o procedimento (e a forma) de aprovação, entendimento sufragado pela doutrina mais
recente que se tem manifestado na vigência da Constituição de 1976. Senão, vejamos:
Eduardo Correia Baptista afirma em relação ao tema que «em relação a atos de desvinculação que são
o oposto da vinculação, na medida em que são discricionários, como a revogação de reservas, a
denúncia/recesso ou mesmo a suspensão discricionária de convenções cuja aprovação são da competência
da Assembleia da República, a competência desta para intervir é incontornável. Não faria sentido permitir ao
Governo que colocasse em causa discricionariamente um ato de vinculação de competência exclusiva da
Assembleia da República.» Estabelecido este paralelismo, o autor sublinha ainda que «o procedimento interno
destes atos deve ser idêntico ao do correspondente ato de vinculação. Proposta do Governo, aprovação por
resolução pela Assembleia da República, seguido do ato de denúncia ou suspensão do Presidente da
República, sujeito a referenda» (sublinhado nosso)7.
Neste sentido se pronuncia também Maria Luísa Duarte, sublinhando que «as disposições previstas na
Constituição para o procedimento de vinculação por convenção internacional […] são invocáveis com as
necessárias adaptações quando se trata do procedimento, jurídica e politicamente equivalente, da
desvinculação. O critério básico do paralelismo das formas estende-se a atos internos de eficácia análoga à
desvinculação, como seja a decisão de suspensão ou aplicação parcial.» Mais acrescenta a autora que «a
competência de decisão sobre a desvinculação cabe ao órgão que detém, nos termos da Constituição, o poder
de aprovar»8.
Igualmente no mesmo sentido, Jorge Miranda conclui que «se a vinculação jurídica do Estado a um
tratado ou acordo reclama a colaboração de diferentes órgãos, de harmonia com estritas regras de
competência e de forma, também a desvinculação por retirada ou por denúncia há de obedecer a idênticos
requisitos. Nem o tradicional jus raepresentationis omnimodae dos Chefes do Estado, nem a condução de
política geral do País pelo Governo autorizam qualquer destes órgãos a decidir sozinhos», acrescentando que
«ainda que o ato formal de denúncia dirigida aos outros Estados-partes caiba ao Governo, deve entender-se
que: a) Em geral, não pode o Governo denunciar nenhuma convenção sem o consentimento do Presidente da
República; b) Estando em causa um tratado ou um acordo que verse sobre matérias a submeter à Assembleia
da República, a decisão de desvinculação tem de ser por ela aprovada (sob forma de resolução).»Mais
6 Nesse sentido, Eduardo CORREIA BAPTISTA, Direito Internacional…, p. 507, Jónatas MACHADO, Direito Internacional – Do paradigma
clássico ao pós 11 de setembro, Coimbra, 2018, p. 310 e Maria Luísa DUARTE, Direito Internacional…, p. 270. 7 Eduardo CORREIA BAPTISTA, Direito Internacional… pp. 507-508.
8 Maria Luísa DUARTE, Direito Internacional…, pp. 270-271 sublinhando que o paralelismo funciona «em relação ao que deveria ou
poderia ter sido e não em relação ao que foi» explicitando que «um acordo sobre matéria de competência reservada que, contrariamente ao artigo 161.º, alínea i) CRP, foi aprovado pelo Governo, exige, no respeito da Constituição, a intervenção da Assembleia da República para a decisão de denúncia / retirada» e que «o mesmo vetor de orientação determina que possa ser o Governo, e não a Assembleia da República, a decidir sobre a desvinculação de um acordo que, submetido para aprovação da Assembleia da República, cabia na esfera de competência do Governo.»
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acrescenta ainda que «o que se diz da denúncia (denúncia stricto sensu e recesso) vale analogamente para a
suspensão de vigência ou para outra eventual cessação de vinculação de Portugal a convenção
internacional9».
Rui Medeiros, em anotação ao artigo 197.º da Constituição, retira a mesma conclusão, afirmando que
«o Governo tem igualmente para proceder à denúncia de uma convenção internacional, mas ao fazê-lo, não
pode ignorar o procedimento constitucional de celebração de convenções internacionais e, por isso, a
desvinculação carece nos termos gerais do consentimento do Presidente da República e, estando em causa
uma convenção coberta pela reserva parlamentar, da aprovação pela Assembleia da República.10
»
Subjacente à conclusão a que chegam as análises transcritas está a ideia basilar e enformador do regime
jurídico plasmado na Constituição da República em matéria de convenções internacionais, que exige o
concurso de vários órgãos de soberania na assunção de obrigações externas pela República Portuguesa, em
diferentes momentos do procedimento de vinculação e que se devem transpor para o procedimento de
desvinculação, nos termos do referido princípio de paralelismo de forma e competência, a saber:
O Governo, na negociação e ajuste das convenções internacionais [alínea b) do n.º 1 do artigo 197.º
CRP], na aprovação dos acordos que não estão reservados à Assembleia da República [alínea c) do n.º 1 do
artigo 197.º da CRP] e na referenda dos atos do Presidente da República que ratifiquem tratados ou assinem
acordos (n.º 1 do artigo 140.º da CRP);
A Assembleia da República, na aprovação para ratificação dos tratados ou na aprovação de acordos
nas matérias da sua competência reservada ou que o Governo entenda submeter-lhe [alínea i) do artigo 161.º
da CRP];
O Presidente da República, na assinatura das resoluções da Assembleia da República ou decretos do
Governo que aprovem acordos internacionais [alínea b) do artigo 134.º da CRP] e na ratificação dos tratados
internacionais [alínea b) do artigo 135.º da CRP].
Identificados os termos em que deve operar o procedimento de desvinculação, através do paralelismo com
o procedimento de vinculação, cumprirá de seguida aprofundar um dos aspetos determinantes do mesmo e
com impacto direto na questão em análise, que é o de saber se existe ou não uma reserva de iniciativa
governamental quanto à submissão à Assembleia da República de proposta de desvinculação.
b. Em especial, a reserva de iniciativa do Governo
Verificada a existência de um princípio de paralelismo entre o procedimento de desvinculação e o
procedimento de vinculação, que, de resto, a prática parlamentar das últimas legislaturas confirma, como os
oito exemplos referidos na Parte II da presente análise demonstram, cumpre focar em especial um dos
corolários desse paralelismo, que é a existência de uma reserva de iniciativa do Governo também nos
processos de desvinculação.
Não se tratando de um ponto especificamente abordado pela maioria da doutrina, que apenas convoca o
princípio do paralelismo sem o desenvolver detalhadamente em relação a cada uma das fases do
procedimento. Efetivamente, conforme referido supra, Eduardo Correia Baptista é o único autor que expressa
e inequivocamente aponta esta reserva de iniciativa como aplicável também ao processo de desvinculação ao
referir a identidade dos procedimentos a adotar, começando precisamente por enunciar a necessidade de
proposta do Governo11
.
De facto, assumido o princípio do paralelismo de procedimentos, a reserva de iniciativa governamental
deve ser tido por plenamente aplicável. Alguns dos pareceres remetidos pelos proponentes da iniciativa
legislativa de cidadãos questionam a existência desta reserva12,13
de iniciativa, no entanto ela não tem sido,
9 Jorge MIRANDA, Curso de Direito Internacional Público, Cascais, 2016, p. 270.
10 Rui MEDEIROS, in Constituição Portuguesa Anotada, Lisboa, 2018, volume II, anotação ao artigo 197.º p. 688.
11 CORREIA BAPTISTA, Direito Internacional… pp. 508.
12 O Parecer do Prof. Doutor Francisco Ferreira de Almeida, de 29 de dezembro de 2019, remetido no quadro dos contactos dos
subscritores da iniciativa com a XII Comissão de Cultura e Comunicação sustenta, entre outros aspetos, que «1 – Do ponto de vista do Direito Constitucional, importa ter em mente que, ainda que adoptada na sequência de um projecto do Governo, a Resolução n.º 35/2008
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como veremos, objeto de controvérsia.
Em primeiro lugar, a reserva de iniciativa do Governo é precisamente a solução que está expressamente
acolhida no Regimento da Assembleia da República no Capítulo relativo à aprovação de tratados e acordos.
Nos termos do n.º 1 do artigo 198.º14
«os tratados e acordos sujeitos à aprovação da Assembleia da República
nos termos da alínea i) do artigo 161.º da Constituição, são enviados pelo Governo à Assembleia da
República.»
Ademais, a reserva de iniciativa do Governo em matéria de convenções internacionais da competência da
Assembleia da República é um traço do procedimento de vinculação parlamentar que não tem sido merecedor
de dúvidas junto da doutrina e que encontra claro respaldo na competência exclusiva do Governo para a
condução da política externa (decorrente do artigo 182.º da CRP) e para a negociação e ajuste de convenções
internacionais [alínea b) do n.º 1 do artigo 197.º da CRP]. Senão, vejamos:
Ao elencar as fases do procedimento de aprovação parlamentar de tratados e acordos, Jorge Miranda
identifica a primeira fase, da iniciativa, apontando desde logo que se encontra «reservada, pela natureza das
coisas, ao Governo15
». Em anotação ao artigo 161.º da Constituição, escrevendo com Jorge Pereira da Silva,
a posição de Jorge Miranda é ainda mais clara na identificação da fonte desta reserva de iniciativa: ela resulta
do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 197.º da CRP, onde se prevê a competência exclusiva do Governo
para negociar e ajustas convenções internacionais16
.
Por seu turno, Eduardo Correia Baptista, reportando-se ao Regimento da Assembleia e à solução aí
preconizada, afirma perentoriamente que «a iniciativa cabe sempre ao Governo, mas esta reserva de iniciativa
tem igualmente apoio constitucional. Decorre da reserva de negociação e autenticação e de condução da
política externa que cabe ao Governo. Não deve existir uma vinculação do Estado português sem o concurso
da vontade do Governo, mesmo nas situações em que, tratando-se de um adesão, é dispensada a negociação
e assinatura deste».
Jorge Bacelar Gouveia, também tendo presente o desenvolvimento da matéria no Regimento da
Assembleia da República, reitera o referido entendimento, sublinhando quanto à iniciativa que esta «cabe ao
constitui um acto da Assembleia da República. Ora, fazer depender o exercício do poder revogatório da AR – relativamente a um acto da sua competência – de uma solicitação do Governo, significaria um cerceamento das competências do órgão parlamentar que, além de juridicamente insólito em termos gerais, não encontra (não poderia encontrar…) qualquer respaldo na Constituição da República Portuguesa; 2 – Acresce, no que respeita aos tratados internacionais, que a competência do Governo é meramente residual, cingindo-se, como é sabido, à respectiva negociação e à subsequente aprovação, em Conselho de Ministros, de uma proposta de resolução a submeter à AR. Compete a esta (e apenas a esta), ex vi do art. 161.º, i), da CRP, proceder à aprovação desses tratados solenes, pelo que, aceitar-se como válida a tese de que a revogação da supracitada Resolução n.º 35/2008 carece de uma prévia proposta do Governo nesse sentido, redundaria numa autêntica subversão (essa sim) do sistema de repartição de competências entre ambos os órgãos de soberania, na matéria em apreço.» (Grafia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, nos termos da opção do autor do referido parecer). 13
O Parecer do Prof. Doutor José Lucas Cardoso, por seu turno, refere, entre outros aspetos que «embora a Constituição da República Portuguesa estabeleça como competência política do Governo, entre outras as de ‘negociar e ajustar convenções internacionais’ [artigo 197.º, n.º 1, b)] e exista uma praxis em sede de cooperação institucional de propulsão pelo Governo da aprovação parlamentar dos tratados e ainda dos acordos internacionais mencionados no artigo 161.º, i) da CRP, nada obsta, em termos do texto e do espírito da Constituição, a que a Assembleia da República possa vincular, sponte sua, o Estado português a convenções internacionais que estejam abertas, a nível internacional, a adesão pelos Estados e que, portanto, o Governo português não haja participado na respectiva negociação. Cai assim por terra, salvo o devido respeito, o argumento invocado pelo Sr. Deputado Pedro Cegonho quanto à necessidade de observar no procedimento de desvinculação a tramitação devida para o procedimento de vinculação. Além disso, o princípio do Estado de Direito impõe aos órgãos de soberania o dever de ‘observar a separação e a interdependência estabelecidas na Constituição’ (artigo 111.º, n.º 1). Ora, se a mesma Constituição confere à Assembleia da República a competência para aprovar tratados e acordos internacionais [artigo 161.º, i)], nada obsta a que este órgão de soberania exerça as suas competências por iniciativa dos deputados, ou como acontece no presente caso, dos cidadãos. Apesar do preceito mencionar a possibilidade do Governo propor à Assembleia da República a aprovação de tratados e acordos internacionais, não o menciona em termos de reserva de iniciativa, como acontece v.g. no que concerne à legitimidade para desencadear a aprovação dos Estatutos da Regiões Autónomas e das leis relativas à eleição dos deputados às respectivas Assembleias Legislativas (cfr. artigo 226.º) ou das propostas de legislação ou de referendo que ‘envolvam, no ano económico em curso, aumento das despesas ou diminuição das receitas do Estado previstas no Orçamento ’ (cfr. artigo 167.º, n.º 2). Assim sendo, o Governo deve circunscrever-se neste contexto aos mecanismos de interdependência expressamente previstos na própria Constituição, sob pena de estar a subverter o princípio da separação de poderes, enquanto sub-princípio concretizador do princípio do Estado de Direito. Ainda neste contexto, o princípio democrático impõe não apenas que aos órgãos de soberania seja reconhecida a possibilidade de exercerem as competências que a Lei Fundamental lhes confere como também a possibilidade de o fazerem sem interferências externas, isto é, por iniciativa dos seus próprios membros, pelo que arrepia também ao princípio democrático que a lei ou os regimentos consagrarem reservas de iniciativa externas, bloqueantes da decisão dos órgãos de soberania, para além dos casos e dos termos expressamente previstos na própria Constituição.»(Grafia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, nos termos da opção do autor do referido parecer).14
Até ao novo Regimento da Assembleia da República, aprovado em 2007, a matéria constava do artigo 210.º do Regimento. 15
MIRANDA, Curso…, p. 106. 16
Jorge MIRANDA e Jorge PEREIRA DA SILVA, in Constituição Portuguesa Anotada, Lisboa, 2018, volume II, anotação ao artigo 161.º, p. 514.
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Governo, sendo este o órgão constitucional competente para as fase que antecedem a da aprovação17
».
A referência à condução da política externa é aspeto igualmente determinante para esta análise e para
o fundamento da reserva de iniciativa. Escrevendo em anotação ao artigo 182.º da Constituição, Jorge
Miranda sublinha que a condução da política geral do País «compreende quer a política interna, quer a política
externa, uma e outra pelo seu entrosamento cada vez mais forte e nítido na época atual, indesligáveis e
congruentes.18
»Daqui se retira como consequência o corolário plasmado expressamente na alínea b) do n.º 1
do artigo 197.º que é ao Governo que cabe negociar a ajustar as convenções internacionais, competência
exclusiva que tem de se reportar quer ao momento da vinculação, quer ao momento da desvinculação, sob
pena de inversão da opção desejada pelo legislador constituinte de atribuição desta função ao executivo
[tendo até clarificado, em sucessivas revisões constitucionais, este papel de condução face às competências
do Presidente da República, que deve dessa atividade de condução de política externa apenas ser mantido
informado, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 201.º da CRP19
]. Em idêntico sentido, se pronunciam
também André Gonçalves Pereira e Fausto de Quadros, enfatizando em primeiro lugar que se trata de um
sistema de «repartição de poderes», que «não pode deixar de refletir as características gerais do sistema
político definido na Constituição.» Neste quadro, «quem dirige a política externa do País é, em face da
Constituição, o Governo», o que decorre «do princípio geral de que a condução da política geral do País
compete ao Governo e não a qualquer outro órgão de soberania», rematando ainda que «como projeção
desse princípio no plano externo, o texto constitucional atribui só ao Governo o poder de negociar e ajustar
convenções internacionais20
» – no sentido quer da vinculação às mesmas, quer da desvinculação,
acrescentaríamos nós.
Esta reserva de iniciativa espelha-se em várias faculdades do Governo na tramitação do processo de
vinculação interna do Estado português. Em primeiro lugar, concluída a fase externa de negociação, cabe ao
Governo decidir se prossegue ou não com o processo interno de vinculação, ainda que dessa inércia possam
resultar consequências no plano da responsabilidade internacional, em caso de potencial violação do princípio
da boa fé21
).
Em segundo lugar, encontra-se na esfera decisória do Governo a definição de qual o momento de
aprovação dos acordos que se encontram na sua esfera de competência, bem como de qual o momento de
sujeição à aprovação da Assembleia das convenções que carecem da sua aprovação (os tratados
internacionais, por um lado, e os acordos sobre matérias da sua competência reservada).
Finalmente, em terceiro lugar, encontramos ainda nova margem decisória na opção de submissão à
Assembleia da República dos acordos que, não sendo da competência reservada desta, o Governo entenda
dever remeter para apreciação e aprovação em sede parlamentar22
.
Qualquer uma destas prerrogativas de gestão da vinculação a convenções internacionais que a
Constituição confere ao Governo, enquadradas na condução da política externa do País, ficaria seriamente
prejudicada caso se admitisse que, à revelia da competência distribuída pela Constituição ao Governo para
tomar essas decisões, e por iniciativa individual dos Deputados, Grupos Parlamentares ou, como no caso
vertente, de grupos de cidadãos eleitores, se pudesse desencadear um processo de vinculação (ou
desvinculação) em desarticulação (e à revelia) da supracitada competência exclusiva de condução das
relações externas da República pelo Governo.
A indispensabilidade da intervenção parlamentar nos processos de desvinculação nas matérias em que é
obrigatória a sua intervenção para a vinculação [as previstas na alínea i) do artigo 161.º] não pode ter como
corolário a inversão da regra de alocação de competências quanto à iniciativa do processo de vinculação, que
17
Jorge BACELAR GOUVEIA, Manual de Direito Internacional Público, Coimbra, 2019, p. 316. 18
Jorge MIRANDA, Constituição Portuguesa Anotada in Constituição Portuguesa Anotada, Lisboa, 2018, volume II, anotação ao artigo 182.º, pp. 644. 19
Neste sentido, HENRIQUE MOTA, A Direção da Política Externa no Constitucionalismo Português, in Nação e Defesa, n.º 41, p. 46. 20
André GONÇALVES PEREIRA / FAUSTO DE QUADROS, Manual de Direito Internacional Público, Coimbra, 1997, pp. 203-204. 21
Sublinhe-se, contudo, como aponta Maria Luísa DUARTE, que apesar de poderem decorrer do princípio da boa-fé «limitações ao comportamento do Estado signatário (artigo 18.º da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados)», «em caso algum existirá, à luz do Direito dos Tratados, um dever de ratificação», visto que o ato de celebrar ou ratificar um tratado é, por natureza, livre. Direito Internacional… pp. 202-203. 22
Explicitando mesmo que «o exercício da competência de aprovação concorrente da Assembleia da República está dependente de uma iniciativa exclusivamente reservada ao Governo», vide Fernando LOUREIRO BASTOS, O procedimento de vinculação internacional do Estado português após a revisão constitucional de 1997, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 1998, p. 41.
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tutelam o recorte específico do papel do Governo na matéria e que preservam a sua função de condutor da
política externa.
Consequentemente, não se vislumbra, pois, qualquer fundamento para que o mesmo raciocínio não tenha
de ocorrer quanto à desvinculação de uma convenção internacional, atento o princípio do paralelismo de
procedimento e de forma que já descrevemos e que é ponto pacífico e assente na vigência da atual redação
do texto constitucional.
Aliás, todas as considerações expendidas quanto ao papel do Governo na condução da política externa
valem de igual modo nesta sede, atento o impacto que uma desvinculação poderá provocar no quadro das
relações bilaterais ou multilaterais com os demais Estados-contratantes, podendo até, nalgumas
circunstâncias, uma desvinculação de uma convenção em vigor entre as partes contratantes ser mais
suscetível de gerar dificuldades diplomáticas ou de colocar em crise o respeito pelo princípio da pacta sunt
servanda (e até, no limite, gerar responsabilidade internacional), do que uma mera opção pela não conclusão
do processo interno de vinculação.
A prática parlamentar é reveladora de que esta leitura do texto constitucional quanto à reserva de iniciativa
do Governo é pacífica, quer no que respeita à vinculação, quer no que respeita à desvinculação, como alguns
exemplos recentes, das últimas legislaturas, demonstram:
Na presente Legislatura, aceitando o pressuposto de que o impulso para aprovação parlamentar de uma
convenção deve partir da iniciativa do Governo, foi aprovado o Projeto de Resolução n.º 179/XIV (do Partido
Socialista), recomendando ao Governo que desencadeie o procedimento para a conclusão da vinculação da
República Portuguesa ao Protocolo Adicional de 2014 sobre Trabalho Forçado, da Organização Internacional
do Trabalho, e que deu origem à Resolução da Assembleia da República n.º 21/2020, de 30 de março;
Na Legislatura anterior, ainda que não tenha sido aprovado, o Projeto de Resolução n.º 1340/XIII, do
Partido Comunista Português, recomendava ao Governo o recesso de Portugal do Acordo Ortográfico de
1990, reconhecendo que a iniciativa para o efeito desta desvinculação se teria de fazer no respeito pela
repartição de competências constitucionalmente consagrada e que dá o exclusivo da condução do processo
ao Governo. Na XII Legislatura, também o Projeto de Resolução n.º 965/XII do Grupo Parlamentar do Partido
Comunista Português recomendava ao Governo que Portugal se desvinculasse do Acordo Ortográfico de 1990
se até janeiro de 2017 caso não estivessem até essa data reunidas determinadas condições para a sua
aplicação.
Na XII Legislatura, o Projeto de Resolução n.º 1063/XII, do Grupo Parlamentar do Partido Comunista
Português, que não viria a ser objeto de aprovação pela Assembleia da República, recomendava ao Governo
que iniciasse o processo de desvinculação de Portugal ao Tratado Orçamental, iniciativa renovada na XIII
Legislatura (durante a qual voltaria a não ter acolhimento), através do Projeto de Resolução n.º 2049/XIII,
também do Partido Comunista Português.
c. A forma de Resolução
Finalmente, ainda que agora avaliado da perspetiva do processo de conclusão de convenções
internacionais, também a questão da forma (que analisámos supra no quadro do objeto das iniciativas
legislativas de cidadãos) não é irrelevante em sede de retirada de consequências do princípio do paralelismo
entre vinculação e desvinculação. A forma de aprovação do ato de desvinculação deve, pois, ser a mesma do
ato através do qual se procede à aprovação da convenção: a de resolução da Assembleia da República,
solução que expressamente prevista no n.º 5 do artigo 166.º da Constituição e aflorada na alínea b) do artigo
134.º da CRP)23,24
e que deve ter aplicação plena no caso da desvinculação.
Consequentemente, atentas as disposições referidas, não se afigura possível sustentar que a
23
Neste sentido, Jorge MIRANDA, Curso…, p. 108, Maria Luísa DUARTE, Direito Internacional..., p. 256, Eduardo CORREIA BAPTISTA, Direito Internacional…, p. 487, Jorge BACELAR GOUVEIA, Manual…, p. 317, Fernando LOUREIRO BASTOS, O procedimento…, p. 41. 24
Foi, pois, definitivamente superada logo na revisão constitucional de 1982 a querela em torno da forma de aprovação dos tratados pela Assembleia da República, optando-se inequivocamente pela forma de resolução, com rejeição da forma de lei. Vide a este respeito Jorge MIRANDA, Curso…, p. 108.
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desvinculação possa operar através da aprovação de uma ato legislativo, de todo estranho ao processo
deliberativo da Assembleia da República em sede de convenções internacionais.
7 – As possibilidades de intervenção cidadã em matéria de convenções internacionais
Chegados ao final da análise da questão jurídica colocada no presente parecer, quanto à admissibilidade
do recurso a uma iniciativa legislativa de cidadãos para proceder à desvinculação de um convenção
internacional de que o Estado português seja parte, concluindo-se pela negativa quanto a essa possibilidade,
não deixará de ser relevante aflorar em breves notas qual o quadro possível para uma intervenção cidadã
junto da instituição parlamentar neste domínio.
Não sendo possível o recurso à iniciativa legislativa de cidadãos para alcançar o seu propósito de
desencadear a desvinculação de Portugal do 2.º Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico de 1990, os
interessados podem, todavia, recorrer ao instituto do direito de petição, solicitando à Assembleia da República
que recomende ao Governo (à semelhança do que já fez nos casos no passado que enumerámos supra) que
proceda à desvinculação de determinada convenção internacional, sendo que se for alcançado o número
mínimo de 4000 assinaturas será assegurada a discussão em plenário da matéria, nos termos do artigo 24.º
da Lei n.º 43/90, de 10 de agosto, que regula o exercício do direito de petição. Nos termos dos n.os
5 e 6 do
referido artigo 24.º, com base na petição, podem a Comissão Parlamentar competente ou qualquer Deputado
apresentar uma iniciativa (no caso vertente, um projeto de resolução com recomendações ao Governo), que
pode ser debatida e votada em conjunto com a petição.
Ademais, subsiste ainda, nos termos da referida Lei n.º 43/90, de 10 de agosto, a faculdade de peticionar
diretamente o Governo no sentido de desencadear a referida desvinculação, nos termos das competências
exclusivas que lhe estão constitucionalmente cometidas e que foram objeto de análise no presente parecer.
PARTE IV – Conclusões
1 – O conteúdo do Projeto de Lei n.º 1195/XIII, visando a desvinculação de Portugal de uma convenção
internacional, não traduz o exercício de competências legislativas da Assembleia da República, pelo que não
cumpre os requisitos constantes da Lei n.º 17/2003, de 4 de junho, não devendo, consequentemente, ser
admitida a sua tramitação, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 8.º da referida lei.
2 – O consenso doutrinal e a prática parlamentar consolidada apontam no sentido de que a desvinculação
de uma convenção internacional deve obedecer a um princípio de paralelismo com os procedimentos
observados nos procedimentos de vinculação, o que acarreta, em sede parlamentar, entre outras
consequências, as seguintes:
a) A sujeição a uma reserva de iniciativa do Governo, expressamente prevista no n.º 1 do artigo 198.º
Regimento e resultante do artigo 182.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 197.º da Constituição;
b) A sujeição à forma de resolução, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição e dos artigos 198.º
e seguinte do Regimento da Assembleia da República.
3 – Ainda que o recurso à iniciativa legislativa de cidadãos não se afigure apto à realização do propósito
dos subscritores do presente projeto de lei, os cidadãos têm ao seu dispor outras ferramentas da democracia
participativa, em especial o exercício do direito de petição junto da Assembleia da República, para que esta
recomende ao Governo a adoção das mediadas desejadas, ou diretamente junto do próprio executivo.
Palácio de S. Bento, 24 de junho de 2020.
O Deputado Pedro Delgado Alves — O Presidente da Comissão, Luís Marques Guedes.
Nota: O parecer foi aprovado com votos a favor do PS e do PSD e abstenções do PCP e do BE, tendo-se
registado a ausência do CDS-PP, do PAN, do CH e da Deputada não inscrita Joacine Katar Moreira, na
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reunião da Comissão do dia 24 de junho de 2020.
———
PROJETO DE LEI N.º 350/XIV/1.ª
(ESTABELECE MEDIDAS FISCAIS DE APOIO ÀS MICRO, PEQUENAS E MÉDIAS EMPRESAS)
Relatório de discussão e votação na especialidade da Comissão de Orçamento e Finanças
1 – Nota Introdutória
O Projeto de Lei n.º 350/XIV/1.ª (PCP) deu entrada na Assembleia da República a 29 de abril de 2019 e foi
admitida a 30 de abril data em que, baixou, na generalidade, à Comissão de Orçamento e Finanças (COF).
No quadro dos trabalhos em sede de especialidade, não foram realizadas diligências adicionais e nenhum
grupo parlamentar apresentou propostas de alteração ao texto da iniciativa.
No dia 17 de junho de 2020 procedeu-se à votação, em reunião da COF.
2 – Discussão e votação na especialidade
Abriu o período de debate o Sr. Deputado Duarte Alves (PCP) para explicar os fundamentos das medidas
propostas na iniciativa.
Interveio depois, por videoconferência, o Sr. Deputado Eduardo Teixeira (PSD) para saudar a iniciativa
manifestando apoio todas as medidas que visem apoiar as PME. Concluiu anunciando que o PSD votaria
favoravelmente.
O Sr. Deputado Fernando Anastácio (PS) pediu a palavra para informar que o seu Grupo Parlamentar
manterá a sua posição inicial, expressa na votação na generalidade, sustentando que, em sede de processo
de revisão orçamental já constam medidas que respondem às preocupações expressas pelo PCP.
Submetida a votação a iniciativa foi aprovada com o voto contra do PS e os votos favoráveis do PSD, do
BE, do PCP, do CDS-PP, do PAN e do IL.
Palácio de São Bento, 17 de junho de 2020.
O Presidente da Comissão, Filipe Neto Brandão.
———
PROPOSTA DE LEI N.º 1/XIV/1.ª
[APROVA O NOVO REGIME JURÍDICO DA CONSTITUIÇÃO E DO FUNCIONAMENTO DOS FUNDOS
DE PENSÕES E DAS ENTIDADES GESTORAS DE FUNDOS DE PENSÕES, TRANSPONDO A DIRETIVA
(UE) 2016/2341]
Relatório de discussão e votação na especialidade da Comissão de Orçamento e Finanças
1 – Nota Introdutória
A Proposta de Lei n.º 1/XIV/1.ª (GOV) deu entrada na Assembleia da República a 2 de dezembro de 2019 e
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foi admitida a 4 de dezembro, data em que baixou, na generalidade, à Comissão de Orçamento e Finanças
(COF).
O Governo remeteu os pareceres e contributos das seguintes entidades: AIL, ACRA (parecer), CMVM
(parecer), APFIPP (carta), CIP (contributos), UGT (comentários), CTP, BdP (parecer), CGTP (contributos),
DECO (parecer), UGC (parecer) e ASF (parecer).
No âmbito dos trabalhos da especialidade foram solicitados e remetidos os pareceres da ASF, da CMVM,
da APFIPP, da Comissão Coordenadora das Comissões de Trabalhadores das Empresas do Setor Bancário e
da APCRI. No dia 19 de maio realizou-se audição à ASF – Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de
Pensões.
O Grupo Parlamentar (GP) do PSD apresentou, dentro do prazo fixado, propostas de alteração ao texto da
iniciativa.
Em 2 de junho de 2020, procedeu-se à votação, em reunião da COF.
2 – Discussão e votação na especialidade
Iniciou o período de debate, o Sr. Deputado Eduardo Teixeira (PSD) para apresentar as propostas de
alteração (PA) a esta proposta de lei (PPL), submetidas pelo seu Grupo Parlamentar. Nesta sequência, o
Deputado começou por realçar a importância da presente iniciativa, razão pela qual o PSD defendeu a
realização de um conjunto alargado de consultas. Destacou, em especial, os contributos recebidos da ASF e
da CMVM e que fundamentaram por exemplo, as alterações propostas aos artigos 24.º e 122.º. Prosseguiu,
salientando ainda os contributos das comissões de trabalhadores bem com como da UGT para outras
propostas de alteração.
De seguida, o Sr. Deputado Fernando Anastácio (PS) disse acompanhar a exposição feita pelo Sr.
Deputado Eduardo Teixeira, que resultou de um amplo trabalho de consultas a entidades e que vieram a
consubstanciar algumas daquelas PA. Informou ainda que o PS acolhe a maioria das propostas apresentadas
pelo PSD, com exceção de duas, nos artigos 5.º e 38.º.
Interveio depois o Sr. Deputado Duarte Alves (PCP) para anunciar que votará contra todos os artigos da
PPL e que votará favoravelmente apenas nalgumas das PA do PSD.
De seguida, o Sr. Presidente submeteu a votação as PA do PSD tendo sido rejeitadas as que incidiam
sobre os artigos 5.º da PPL e artigo 38.º do anexo (a que se refere o n.º 2 do artigo 1.º), com os votos contra
do PS, do BE e do PCP e os votos favoráveis do PSD, do CDS-PP e do IL. Foram aprovadas, por
unanimidade (com a ausência do PAN e do CH) as PA incidentes sobre o artigo 1.º bem como a propostas de
aditamento de novos artigos à PPL (artigo 2.º-A e artigo 88.º-A do anexo). A PA ao artigo 137.º foi aprovada
com os votos favoráveis do PS, do PSD, do CDS-PP e do IL, o voto contra do BE e a abstenção do PCP. As
demais PA, incidindo sobre os artigos 24.º, 30.º, 31.º 32.º, 73.º, 97.º, 122.º, 157.º e 170.º do anexo, foram
aprovadas com os votos favoráveis do PS, do PSD, do CDS-PP e do IL e os votos contra do BE e do PCP.
Foram depois submetidas a votação todos os artigos da PPL não prejudicados pela anterior votação, tendo
sido aprovados com os votos favoráveis do PS, do PSD e do IL, os votos contra do BE e do PCP e a
abstenção do CDS-PP.
O registo das votações, com a informação detalhada sobre os sentidos de voto de cada GP, em cada artigo
e cada PA, consta do guião de votação disponível na página eletrónica da iniciativa.
Palácio de São Bento, 2 de junho de 2020.
O Presidente da Comissão, Filipe Neto Brandão.
———
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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 578/XIV/1.ª
CAMPANHA PÚBLICA DE DIVULGAÇÃO DO ESTATUTO DO CUIDADOR INFORMAL
Estima-se que, em Portugal, existam cerca de 800 mil cuidadores e cuidadoras informais, 25% dos quais
(cerca de 200 mil) a «tempo inteiro». A Comissão Europeia vai até um pouco mais longe, apontando para uma
percentagem de cuidadores informais na ordem dos 13% da população total, mais de 1 milhão de pessoas,
portanto.
A realidade vivida pelas cuidadoras e cuidadores informais em Portugal só muito recentemente foi objeto
de reconhecimento legal. Com efeito, foi preciso esperar até 2019 para que o nosso país dispusesse de um
Estatuto do Cuidador Informal que consagra legalmente esta realidade.
A aprovação desse estatuto no Parlamento, por unanimidade, foi um marco da maior importância. Mas para
que a lei que hoje existe seja mais do que letra escrita, é preciso que os direitos que ela prevê sejam
concretizados e realizados pelo Estado e que as políticas públicas cheguem efetivamente aos cuidadores e
cuidadoras informais.
No seu primeiro ano, que agora decorre, o alcance do estatuto já será mitigado pela escolha política de
restringir alguns aspetos, como a atribuição do subsídio de apoio ao cuidador informal principal, a 30
concelhos onde decorrem os projetos-piloto. Mas além dessa limitação geográfica temporária, há ainda outros
obstáculos que se interpõem entre as pessoas que prestam cuidados informais e o reconhecimento legal
dessa sua atividade essencial. Desde logo, a falta de informação, mas também a dificuldade de muitos
milhares de pessoas de acederem a formulários eletrónicos e conseguirem manusear com à vontade esse tipo
de dispositivos, a burocracia do próprio processo ou a dificuldade em obter alguns dos elementos e
documentos exigidos.
Assim, disseminar de forma massiva a informação sobre a existência do Estatuto e criar mecanismos de
apoio para que todos os cuidadores e cuidadoras possam requerer o seu reconhecimento deve ser uma
prioridade.
Tendo sido disponibilizado a partir do dia 1 de julho o formulário para requerer o estatuto, a Ministra do
Trabalho informou o Parlamento, respondendo a uma pergunta do Bloco de Esquerda, que passado uma
semana apenas 191 pessoas o tinham feito. É um número que contrasta gritantemente com a dimensão do
fenómeno e que implica uma ação decidida para que a informação chegue às pessoas e para que o processo
de requerimento seja acessível.
O Instituto de Segurança Social já tem acesso a um universo que é em grande medida coincidente com o
dos cuidadores informais. Considerando que estes serviços já dispõem do contacto dos beneficiários do
Complemento por Dependência (prestação que chegava, em janeiro de 2020, a mais de 220 mil beneficiários)
e do subsídio por assistência de terceira pessoa (uma prestação que, no mesmo período, abrangia cerca de
13 mil pessoas), há desde logo uma comunicação direta que pode e deve ser feita junto deste universo,
disponibilizando informação.
Por outro lado, há já um precedente de uma iniciativa deste tipo. Por proposta do Bloco de Esquerda, foi
aprovada em 2016 uma recomendação ao Governo, constante da Resolução da Assembleia da República n.º
156/2016, aprovada em 7 de julho daquele ano, sobre a realização de uma campanha pública de divulgação
do Complemento Solidário para Idosos. A campanha teve início no dia 11 de novembro de 2016, com «o
objetivo de divulgar informação sobre quem pode beneficiar da prestação, as regras de acesso, os
documentos exigidos e os locais onde o requerimento pode ser apresentado, mas também informar que os
beneficiários de CSI têm direito, para além do complemento mensal à reforma, a Benefícios Adicionais de
Saúde e à Tarifa Social de Eletricidade e de Gás Natural», segundo o Instituto da Segurança Social. A
campanha desenvolveu-se durante as 3 semanas seguintes, na televisão, rádio e imprensa. Além disso, ela
passou pelo envio de informação aos beneficiários de pensões abaixo de um determinado limiar (mais de 100
mil pessoas receberam essa informação do ISS), pela disponibilização de uma linha telefónica para
esclarecimentos, além da edição de cartazes e de um filme publicitário. Ora, uma experiência deste tipo deve
ser desenvolvida a propósito do Estatuto do Cuidador.
Assim, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do Bloco
de Esquerda propõe que a Assembleia da República recomende ao Governo:
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A realização de uma campanha pública de divulgação do Estatuto do Cuidador Informal que:
1 – Promova a divulgação do Estatuto do Cuidador Informal (ECI) em todo o território nacional.
2 – Assegure informação sobre quem pode beneficiar do estatuto, as regras de acesso, os documentos
exigidos e as modalidades e locais onde o requerimento pode ser apresentado.
3 – Garanta que os beneficiários do Complemento por Dependência e do Subsídio por Assistência de
Terceira Pessoa recebem informação sobre o ECI.
4 – Inclua, além de informação escrita, por via de cartazes e folhetos, outros meios que possam chegar a
todos os potenciais beneficiários, nomeadamente meios audiovisuais como a rádio e a televisão pública.
5 – Estabeleça um protocolo de cooperação com a Guarda Nacional Republicana e com as autarquias, de
modo a que a próxima operação «Censos Sénior» e outros projetos existentes possam constituir também
veículos de divulgação do ECI.
Assembleia da República, 15 de julho de 2020.
As Deputadas e os Deputados do BE: José Moura Soeiro — Isabel Pires — Pedro Filipe Soares — Mariana
Mortágua — Jorge Costa — Alexandra Vieira — Beatriz Gomes Dias — Fabíola Cardoso — Joana Mortágua
— João Vasconcelos — José Manuel Pureza — José Maria Cardoso — Luís Monteiro — Maria Manuel Rola
— Moisés Ferreira — Nelson Peralta — Ricardo Vicente — Sandra Cunha — Catarina Martins.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO.