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Segunda-feira, 18 de janeiro de 2021 II Série-A — Número 60

XIV LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2020-2021)

S U M Á R I O

Projetos de Lei (n.os 395/XIV/1.ª e 646 e 647/XIV/2.ª):

N.º 395/XIV/1.ª [Determina a incompatibilidade do mandato de Deputado à Assembleia da República com o exercício de cargos em órgãos sociais de entidades envolvidas em competições desportivas profissionais (décima quarta alteração à Lei n.º 7/93, de 1 de março)]: — Alteração do texto do projeto de lei.

N.º 584/XIV/2.ª (Determina a identificação e publicitação de todas as taxas cobradas pela prestação de qualquer serviço por entidades públicas ou concessionárias de serviços públicos, eliminando as indevidas por inexistência de uma contraprestação): — Alteração do texto do projeto de lei.

N.º 646/XIV/2.ª (CDS-PP) — Cria a título excecional dedução de valores relativos à aquisição de equipamentos informáticos para estudantes.

N.º 647/XIV/2.ª (BE) — Proteção dos direitos dos trabalhadores da cultura em crise pandémica e económica em 2021.

Projetos de Resolução (n.os 858 a 862/XIV/2.ª):

N.º 858/XIV/2.ª (BE) — Recomenda ao Governo o reforço das medidas de conservação do lobo-ibérico.

N.º 859/XIV/2.ª (BE) — Recomenda ao Governo que aplique as determinações da Direção-Geral da Administração e do Emprego Público (DGAEP) e faça uso da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, com vista a assegurar a aplicabilidade do acréscimo de férias por antiguidade aos trabalhadores dos extintos estabelecimentos fabris do Exército.

N.º 860/XIV/2.ª (PAR) — Suspensão do prazo de funcionamento da Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar às perdas registadas pelo Novo Banco e imputadas ao Fundo de Resolução.

N.º 861/XIV/2.ª (CDS-PP) — Recomenda ao Governo que desenvolva uma abordagem específica e urgente em matéria de saúde mental, no contexto da pandemia de COVID-19.

N.º 862/XIV/2.ª (Deputada não inscrita Cristina Rodrigues) — Recomenda ao Governo a reformulação das fichas de avaliação de risco para situações de violência doméstica garantindo uma maior proteção das vítimas.

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PROJETO DE LEI N.º 395/XIV/1.ª (*)

[DETERMINA A INCOMPATIBILIDADE DO MANDATO DE DEPUTADO À ASSEMBLEIA DA

REPÚBLICA COM O EXERCÍCIO DE CARGOS EM ÓRGÃOS SOCIAIS DE ENTIDADES ENVOLVIDAS EM

COMPETIÇÕES DESPORTIVAS PROFISSIONAIS (DÉCIMA QUARTA ALTERAÇÃO À LEI N.º 7/93, DE 1

DE MARÇO)]

Exposição de motivos

Nos últimos anos, a democracia em Portugal tem sido colocada perante o desafio de conseguir levar a cabo

um conjunto de reformas que, de forma integrada, consigam garantir uma maior transparência do sistema

político, um maior envolvimento dos cidadãos na vida pública, um combate eficaz da corrupção e um

aprofundamento do compromisso dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos com o interesse

público.

Foi precisamente com o intuito de assegurar um maior compromisso dos Deputados à Assembleia da

República com o interesse público que, na anterior legislatura, se aprovou a Lei n.º 60/2019, de 13 de agosto, e

a Resolução da Assembleia da República n.º 210/2019, de 20 de setembro. Por via da Lei n.º 60/2019, de 13

de agosto, alterou-se o Estatuto dos Deputados de modo a assegurar, por exemplo, um alargamento do regime

das incompatibilidades no exercício do cargo de Deputado (passando a incluir, por exemplo, a integração de

órgãos sociais de instituições de crédito, seguradoras e financeiras ou de órgãos sociais de concessionárias de

serviços públicos ou de entidades que sejam parte em parceria público-privada) ou um alargamento do leque de

impedimentos expressamente previstos (prevendo, por exemplo, o impedimento de integrar ou prestar quaisquer

serviços a sociedades que prestem serviços de consultoria ou de patrocínio judiciário nos processos, em

qualquer foro, a favor ou contra o Estado ou quaisquer outros entes públicos). Por via da Resolução da

Assembleia da República n.º 210/2019, de 20 de setembro, aprovou-se o Código de Conduta dos Deputados à

Assembleia da República que estabelece que no exercício do seu mandato os Deputados devem agir segundo

o primado da prossecução do interesse público (artigos 2.º e 3.º) e contribuir «para o bom funcionamento das

instituições parlamentares e para a credibilização das instituições democráticas» (artigo 6.º).

Apesar de todos os esforços que têm sido feitos, é preciso continuar a assegurar o aprofundamento da

transparência da Assembleia da República perante os cidadãos, garantindo a consagração de mecanismos que

permitam uma eficaz identificação de conflitos de interesse e contribuindo para a dignificação e credibilização

da imagem da Assembleia da República perante os cidadãos.

Tal ação consequente por parte da Assembleia da República é particularmente necessária num contexto em

que Portugal está a viver uma crise económica, social e sanitária causada pelo novo coronavírus que, no curto

e médio prazo, poderá trazer o risco da erosão do regime democrático por via da propagação de discursos

populistas e extremistas.

De resto, importa lembrar que no último Eurobarómetro Standart1, referente ao Outono de 2019, Portugal era

o país da União Europeia onde existia uma maior percentagem de cidadãos (33%) a afirmarem não ter qualquer

interesse em política. Este estudo estatístico demonstra também que 39% dos portugueses afirmam estar

insatisfeitos com o funcionamento da democracia em Portugal, que 75% não confiam nos partidos políticos e

que 57% não confiam na Assembleia da República. Diga-se que, segundo estes dados, a Assembleia da

República é mesmo a instituição em que os Portugueses menos confiam, confiando mais nas instituições

europeias, no Governo, no Poder Local e na Administração Pública.

Ainda este mês o Conselho de Prevenção da Corrupção2 apresentou um relatório de análise aos resultados

e ao conteúdo das comunicações que lhe foram reportadas no ano de 2019, onde constata que o nosso país

está particularmente exposto aos crimes de corrupção e de peculato o que, segundo esta entidade, entre outras

razões, se fica a dever à «subsistência de situações de conflitos de interesses».

1 Comissão Europeia (2019), «Standard Eurobarometer 92 – Public opinion in the European Union», União Europeia (disponível na seguinte ligação; https://ec.europa.eu/commfrontoffice/publicopinion/index.cfm/ResultDoc/download/Docume ntKy/88420). 2 Conselho de Prevenção da Corrupção (2020), «Comunicações recebidas no CPC em 2019. Análise descritiva», CPC, página 11.

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Ao longo da atual Legislatura o PAN tem-se empenhado, muitas vezes sozinho, pelo aprofundamento da

transparência da Assembleia da República perante os cidadãos. Foi com este objetivo que apresentámos, por

exemplo, o Projeto de Lei n.º 169/XIV/1.ª, que propõe a consagração da possibilidade de os titulares de cargos

políticos e altos cargos públicos declararem a sua filiação a organizações como a maçonaria ou a prelatura da

opus dei, o projeto de Lei n.º 181/XIV/1.ª, que propõe a regulamentação da atividade de lobbying e a criação de

um mecanismo de pegada legislativa, ou o Projeto de Regimento n.º 6/XIV/1.ª que propõe as reuniões das

comissões parlamentares só possam ser à porta fechada em casos muito excecionais previstos na lei e mediante

deliberação pública da comissão. Também com este objetivo, o PAN propôs, no âmbito da Comissão de

Transparência e Estatuto dos Deputados, que os Deputados só pudessem ficar com ofertas de valor superior a

150 euros que lhes tenham sido dirigidas mediante o pagamento do respetivo valor (proposta chumbada com

votos contra de PS, PSD e BE) e conseguiu fazer aprovar na Comissão de Orçamento e Finanças e na Comissão

de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas propostas de alteração a regulamentos de modo a

impedir que os Deputados fossem designados relatores dos pareceres da comissão sobre um projeto de lei em

que estivessem envolvidos numa situação de conflito de interesses.

Com o presente projeto de lei, prosseguindo estes desígnios de reforço da transparência, de limitação das

situações de conflito de interesse e de credibilização da imagem da Assembleia da República perante os

cidadãos, o PAN pretende alargar o regime das incompatibilidades no exercício do cargo de Deputado previsto

no Estatuto dos Deputados, de modo a impedir um Deputado de integrar, a qualquer título, órgãos sociais de

entidades envolvidas em competições desportivas profissionais, incluindo as respetivas sociedades acionistas.

Com o presente projeto de lei, o PAN defende a necessidade de se conseguir caminhar progressivamente

para um regime de exclusividade dos Deputados por via de uma limitação progressiva do regime de

incompatibilidades e impedimentos previsto no Estatuto dos Deputados, tendo em conta a rejeição desse regime

na anterior Legislatura, em sede da Comissão de Transparência3.

Impedir um Deputado de integrar órgãos sociais de entidades envolvidas em competições desportivas

profissionais, incluindo as respetivas sociedades acionistas, assume particular importância relativamente aos

clubes e federações ligadas ao futebol, tendo em conta que vivemos um contexto em que um dos problemas da

sociedade portuguesa é precisamente o excesso de promiscuidade entre a política e o futebol – havendo mesmo

quem questione se existe uma separação real entre os dois mundos.

Ao longo das últimas décadas, vários têm sido os casos de Deputados que no exercício do cargo acumulam

funções com o exercício de cargos em órgãos sociais de entidades envolvidas em competições desportivas

profissionais (como clubes, federações ou ligas) ou que promovem e participam em jantares anuais com os

presidentes dos clubes a que pertencem (por vezes, realizados até no restaurante da Assembleia da

República)4.

Tais situações de conflito de interesses assumem contornos preocupantes, tendo em conta que vários são

os dados que nos demonstram que o mundo do futebol está conotado com situações pouco transparentes. A

EUROPOL, num relatório de 20175, alertou para o facto de as organizações criminosas estarem a utilizar, com

cada vez mais frequência, a corrupção desportiva para diversificar suas formas de atuação e identificou mesmo

a corrupção no desporto como uma das 12 principais atividades criminosas organizadas na União Europeia.

Segundo Marcelo Moriconi e João Paulo Almeida6, o interesse das organizações criminosas no desporto fica a

dever-se aos fracos controlos da atuação dos investidores em clubes, ao facto de alta liquidez e características

transnacionais dos sistemas de transferências de jogadores propiciarem a oportunidade para aplicar estratégias

de lavagem de dinheiro, à influência política que a popularidade de certos desportos oferece aos respetivos

dirigentes e investidores, e à reduzida hipótese de deteção de atividades ilegais (como, por exemplo,

manipulação de resultados) devido à existência de um «Código de Silêncio».

Relembre-se que um inquérito global de 2016, com 25 mil participantes, levado a cabo pela Transparency

International7, demonstrou que 73% dos participantes portugueses considera o futebol o mais corrupto dos

desportos, sendo Portugal o segundo País no mundo em que esta percentagem é maior (só sendo superado

3 Em que o PAN, por só ter um Deputado, não estava representado. 4 Com mais detalhe veja-se o artigo do jornal i, disponível na seguinte ligação: https://ionline.sapo.pt/artigo/599632/os-jantares-dos-deputados-com-os-clubes-de-futebol?seccao=Portugal. 5 EUROPOL (2017), «European union serious and organised crime threat assessment: crime in the age of technology», SOCTA. 6 Marcelo Moriconi e João Paulo Almeida (2018), «Portuguese Fight Against Match-Fixing: Which Policies and What Ethic?», in Journal of Global Sport Management, Volume 4, n.º 1. 7 Dados disponíveis em: https://www.transparency.org/en/press/global-corruption-report-sport-and-results-of-new-poll-on-fan-distrust-of-f.

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pela Argentina). Num outro estudo anterior8, 24% dos portugueses considerou o futebol como o principal foco

da corrupção em Portugal. Todos estes dados dão-nos a certeza inequívoca de que são necessárias medidas

urgentes tendentes a mudar o contexto que tem existido até aqui e a assegurar um distanciamento da política

face ao futebol.

O poder judicial é um bom exemplo de um nível de poder onde se tem procurado adotar medidas limitadoras

do poder e influência do futebol, quer por via de autorregulação, quer por via de lei.

Por um lado, no domínio da autorregulação e com o intuito de não comprometer a imparcialidade da atividade

jurisdicional, a Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), aprovou, em 2009, no seu 8.º Congresso,

um Compromisso Ético dos Juízes Portugueses que estabelecia perentoriamente que, «mesmo que não haja

objetivamente risco para a sua imparcialidade», os juízes rejeitariam a «participação em órgãos associativos

ligados aos desportos profissionais» uma vez que, «por via do seu contexto emocional específico e pelo tipo de

linguagem utilizada e controvérsias que aí se desenvolvem, facilmente o juiz se sujeita a referências

desprestigiantes e é conotado com situações pouco transparentes». No documento dos trabalhos preparatórios9

que deram origem a este Compromisso Ético, afirma-se perentoriamente que «é inconcebível que se mantenha

um estatuto de compatibilidade entre o estatuto de Juiz e o da participação em áreas como o futebol», tendo em

conta que «esta realidade, como outras, alimentando-se por meios próprios, tantas vezes em autogestão,

exercida em práticas nem sempre homogéneas e claras, é absolutamente incompatível com aquilo que deve

ser a exigência de integridade de um Juiz».

Por outro lado, foi com o intuito de limitar o poder do futebol e de reforçar as garantias de neutralidade e

independência do poder judicial que, na legislatura passada, a Assembleia da República aprovou a Lei n.º

67/2019, de 27 de agosto, que aditou um artigo 8.º-A ao Estatuto dos Magistrados Judiciais e que, no seu número

5, alínea b), apenas admite «o exercício de funções não profissionais em quaisquer órgãos estatutários de

entidades envolvidas em competições desportivas profissionais, incluindo as respetivas sociedades acionistas»

se houver a prévia autorização do Conselho Superior da Magistratura e se essa atividade «não for remunerada

e não envolver prejuízo para o serviço ou para a independência, dignidade e prestígio da função judicial». Similar

disposição foi, também na anterior Legislatura, introduzida no Estatuto dos Magistrados do Ministério Público,

aprovada a Lei n.º 68/2019, de 27 de agosto.

No início deste mês o Conselho Superior da Magistratura, em aplicação do novo artigo 8.º-A do Estatuto dos

Magistrados Judiciais, negou a pretensão de um Juiz jubilado de ocupar um cargo num órgão da Federação

Portuguesa de Futebol com o argumento de que tal situação «poderá colocar em causa a dignidade e o prestígio

da função judicial», devido «ao ambiente conturbado de suspeição permanente quanto às ligações a essa

modalidade desportiva».

Com o presente projeto de lei propomos um robustecimento do regime de incompatibilidades aplicável aos

Deputados, consagrando uma limitação que, no essencial, segue o espírito das alterações introduzidas quanto

aos Magistrados Judiciais e aos Magistrados do Ministério Público e que concretiza os deveres de compromisso

com o interesse público e de credibilização das instituições democráticas consagrados no Código de Conduta

dos Deputados à Assembleia da República. Com esta iniciativa o PAN pretende assegurar um reforço do

compromisso dos Deputados com a prossecução do interesse público e que os cidadãos dispõem de condições

que lhes permitem confiar, sem margem para dúvidas, na integridade, na neutralidade e na independência dos

seus representantes face aos interesses privados que se cruzam com o interesse público.

Pelo exposto, e ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados do PAN

abaixo assinados apresentam o seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei determina a incompatibilidade do mandato de Deputado à Assembleia da República com o

exercício de cargos em órgãos sociais de entidades envolvidas em competições desportivas profissionais,

procedendo à décima quarta alteração ao Estatuto dos Deputados, aprovado pela Lei n.º 7/93, de 1 de março,

8 Luís de Sousa e João Triães (2008), «Corrupção e os portugueses: Atitudes, práticas, e valores», Edições Rui Costa Pinto. 9 Associação Sindical dos Juízes Portugueses (2008), «Compromisso Ético dos Juízes Portugueses – Documentação dos trabalhos preparatórios», página 33.

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alterada pela Leis n.os 24/95, de 18 de agosto, 55/98, de 18 de agosto, 8/99, de 10 de fevereiro, 45/99, de 16 de

junho, 3/2001, de 23 de fevereiro, 24/2003, de 4 de julho, 52-A/2005, de 10 de outubro, 44/2006, de 25 de

agosto, 45/2006, de 25 de agosto, 43/2007, de 24 de agosto, 16/2009, de 1 de abril, 44/2019, de 21 de junho, e

60/2019, de 13 de agosto.

Artigo 2.º

Alteração à Lei n.º 7/93, de 1 de março

É alterado o artigo 20.º do Estatuto dos Deputados, aprovado pela Lei n.º 7/93, de 1 de março, na sua redação

atual, que passa a ter a seguinte redação:

«Artigo 20.º

[...]

1 – São incompatíveis com o exercício do mandato de Deputado à Assembleia da República os seguintes

cargos ou funções:

a) [...];

b) [...];

c) [...];

d) [...];

e) [...];

f) [...];

g) [...];

h) [...];

i) [...];

j) [...];

k) [...];

l) [...];

m) [...];

n) [...];

o) [...];

p) [...];

q) [...];

r) Integrar, a qualquer título, órgãos sociais de entidades envolvidas em competições desportivas

profissionais, incluindo as respetivas sociedades acionistas.

2 – [...].

3 – [...].

4 – [...].

5 – [...].

6 – [...].»

Artigo 3.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no primeiro dia da XV Legislatura da Assembleia da República.

Assembleia da República, 17 de janeiro de 2021.

As Deputadas e o Deputado do PAN: André Silva — Bebiana Cunha — Cristina Rodrigues — Inês de Sousa

Real.

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(*) O texto inicial foi substituído a pedido do autor da iniciativa a 17 de janeiro de 2021 [Vide DAR II Série-A n.º 93 (2020.05.22)].

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PROJETO DE LEI N.º 584/XIV/2.ª (**)

(DETERMINA A IDENTIFICAÇÃO E PUBLICITAÇÃO DE TODAS AS TAXAS COBRADAS PELA

PRESTAÇÃO DE QUALQUER SERVIÇO POR ENTIDADES PÚBLICAS OU CONCESSIONÁRIAS DE

SERVIÇOS PÚBLICOS, ELIMINANDO AS INDEVIDAS POR INEXISTÊNCIA DE UMA

CONTRAPRESTAÇÃO)

A proliferação de taxas cobradas por entidades públicas ou concessionárias de serviços públicos dos mais

variados serviços é uma constante no quotidiano de qualquer cidadão. Esta realidade é abusiva e lesiva dos

direitos dos cidadãos, prejudicando ao mesmo tempo a competitividade da economia.

Atente-se nas conclusões do estudo apresentado pela CIP, nos termos das quais, em Portugal, são cobradas

mais de 4300 taxas, sendo 2900 cobradas no âmbito da Administração Central.

O mesmo estudo revela que há uma opacidade da informação disponível, realçando-se a falta de

transparência sobre as taxas cobradas, a dificuldade em identificar a base legal aplicável, a falta de

uniformização ou mesmo a complexidade da estrutura de cobrança e alocação de receitas das taxas.

Com esta iniciativa, as entidades públicas e, bem assim, as entidades concessionárias de serviços públicos,

são obrigados a centralizar a informação toda sobre as taxas existentes no sítio da internet «ePortugal», sob

pena de, em última instância, a taxa ser revogada.

Por outro lado, é também exigido que o Estado explique adequadamente a justiça do respetivo valor, tendo

em conta o custo efetivo do serviço prestado ao cidadão. Com efeito, quanto à caracterização de um tributo, é

irrelevante o 'nomenjuris' atribuído ou a qualificação expressa do mesmo como constituindo uma contrapartida

de uma prestação provocada ou utilizada pelo sujeito passivo.

Isto é, se por um lado são, de facto, muitas as taxas cobradas, a verdade é que parte destes tributos não

implica uma contraprestação por parte da entidade que os cobra, tornando-os em algo que não se pode

considerar como «taxa», porquanto aquele é um elemento essencial para essa caracterização.

Neste sentido, apenas se manterão as taxas que, efetivamente, se justificarem e cujo valor constitua receita

das entidades públicas credoras das mesmas. Esta medida afirma-se como um primeiro passo para acabar com

a quantidade inacreditável de taxas e tributos variados que infelizmente continuam a vigorar e que não param

de aumentar.

Pelo exposto, ao abrigo das disposições legais e regimentais aplicáveis, os Deputados do Grupo Parlamentar

do CDS-PP abaixo-assinados apresentam o seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei determina a identificação e publicitação, no sítio da Internet «ePortugal», em secção própria,

de todas as taxas cobradas pela prestação de qualquer serviço por entidades públicas ou concessionárias de

serviços públicos.

Artigo 2.º

Elementos de identificação

Da identificação das taxas a publicitar devem obrigatoriamente constar as seguintes informações:

a) A designação da taxa e o serviço que pretende remunerar;

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b) A indicação da base de incidência objetiva e subjetiva;

c) O valor ou a fórmula de cálculo do valor a cobrar, considerando o custo efetivo do serviço a prestar;

d) Os dispositivos legais ou regulamentares que sustentam a cobrança da taxa;

e) As isenções e sua fundamentação legal;

f) O modo de pagamento e outras formas de extinção;

g) A admissibilidade do pagamento em prestações.

Artigo 3.º

Prazo

1 – A publicação a que se refere a presente lei deverá ocorrer até ao final do primeiro semestre de 2021.

2 – Após o levantamento e publicação de todas as taxas, o Governo avalia qual a contrapartida associada à

cobrança pecuniária de cada uma das taxas, enviando à Assembleia da República o relatório dessa mesma

avaliação até ao final do terceiro trimestre de 2021.

Artigo 4.º

Não existência de contrapartida

1 – Todas as taxas que não tenham associada uma contrapartida ou um serviço deverão ser eliminadas até

ao final do segundo semestre de 2021.

2 – Decorrido o prazo previsto no número anterior, as taxas a favor de entidades públicas ou de

concessionárias de serviços públicos que não estiverem identificadas no sítio da Internet «ePortugal»

consideram-se revogadas pela presente lei, não podendo ser oponíveis aos particulares a partir dessa data.

Palácio de S. Bento, 18 de janeiro de 2021.

Os Deputados do CDS-PP: Cecília Meireles — Telmo Correia — João Pinho de Almeida — Ana Rita Bessa

— João Gonçalves Pereira.

(**) O texto inicial foi substituído a pedido do autor da iniciativa a 17 de janeiro de 2021 [Vide DAR II Série-A n.º 37 (2020.11.27)].

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PROJETO DE LEI N.º 646/XIV/2.ª

CRIA A TÍTULO EXCECIONAL DEDUÇÃO DE VALORES RELATIVOS À AQUISIÇÃO DE

EQUIPAMENTOS INFORMÁTICOS PARA ESTUDANTES

Exposição de motivos

A persistente crise pandémica tem provocado alterações significativas no setor da Educação.

Uma delas é a abrupta transição para o digital, que tem uma dimensão muito positiva, mas que também

expõe a enorme desigualdade entre as famílias portuguesas, limitando muitos alunos no acesso às aulas, por

não dispor de condições económicas para o acesso aos meios tecnológicos de suporte.

Em tempos de confinamento, ou de isolamento profilático ou quarentena, um aluno sem acesso a estes

equipamentos é um aluno discriminado, que o Estado não pode deixar para trás.

Em março de 2020, sem aviso prévio, as famílias ficaram confinadas em casa e todo o ensino passou a ser

à distância; para a maioria dos alunos não houve regresso ao ensino presencial e o computador ou o tablet

passou a ser a via de aprendizagem.

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O CDS chamou à atenção para a circunstância de muitas famílias não disporem de computadores ou tablets,

ou ligações à internet, que permitam aos seus estudantes acompanhar, em condições de igualdade, o ensino

online.

O Governo, tendo começado por recusar a proposta do CDS de atribuição de um vale tecnológico aos alunos

que fizessem prova dessa necessidade, acabou por anunciar e prometer, em 9 de abril de 2020, a entrega de

um computador por aluno, em setembro de 2020, no início do ano letivo.

No entanto, chegados a janeiro de 2021, a promessa continua, maioritariamente, por se concretizar. Foram

entregues 100 mil computadores, até dezembro, dos cerca de 1 milhão prometidos para setembro.

Muitas famílias viram-se – e vêem-se – confrontadas com a necessidade de adquirir equipamentos

informáticos para fazer face às exigências do novo modelo escolar. Simultaneamente, o teletrabalho passou

também a ser uma realidade – e uma obrigação – para muitos pais, o que, pode obrigar à aquisição de novos

equipamentos informáticos para complementar aqueles que já existiam no agregado familiar.

O acréscimo de despesa das famílias pode ser, por esta razão, quer inevitável quer acentuado.

Com esta iniciativa, o CDS propõe que, transitoriamente, enquanto durar a pandemia, os encargos com

equipamentos informáticos dos agregados com estudantes matriculados em qualquer nível de ensino possam

ser deduzidos à coleta do IRS, como despesas de educação, em 50% do seu valor e até um máximo de 250

euros por membro do agregado, independentemente de se encontrar já esgotado o limite máximo previsto para

aquelas deduções.

Esta deve ser uma medida de aplicação imediata e excecional para auxiliar os alunos e as suas famílias, de

modo a minimizar o incumprimento do Governo quanto ao acesso universal dos alunos dos ensinos básico e

secundário à internet e a equipamentos informáticos e assim garantir as condições para o ensino a distância.

Por fim, considera-se que a presente iniciativa não inviabiliza o equilíbrio orçamental e garante que o

Orçamento do Estado pode ser executado pelo Governo durante o ano económico em curso, sem que o

Executivo se confronte com um passivo gerado por atos legislativos avulsos, que direta ou indiretamente

aumentem as despesas e reduzam as receitas. Neste sentido, este Projeto de Lei está conforme ao artigo 167.º,

n.º 2, nos termos do qual «os Deputados, os grupos parlamentares, as Assembleias Legislativas das regiões

autónomas e os grupos de cidadãos eleitores não podem apresentar projetos de lei, propostas de lei ou

propostas de alteração que envolvam, no ano económico em curso, aumento das despesas ou diminuição das

receitas do Estado previstas no Orçamento».

Pelo exposto, e ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados do CDS-

PP abaixo assinados apresentam o seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei alarga, a título excecional, a dedução de despesas de formação e educação em sede de

Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares dos valores suportados com aquisição de equipamentos

informáticos para estudantes.

Artigo 2.º

Dedução transitória

No ano de 2021, independentemente do limite previsto no n.º 1 do artigo 78.º-D do Código do Imposto sobre

o Rendimento das Pessoas Singulares, é ainda dedutível 50% do valor despendido com a aquisição de

computadores, tablets e impressoras de uso pessoal, incluindo software e aparelhos de terminal, com o limite

de (euros) 250 por cada membro do agregado familiar menor de 23 anos que frequente um nível de ensino,

desde que não lhe seja aplicável a taxa correspondente ao último escalão previsto no artigo 68.º do mesmo

diploma.

Artigo 3.º

Produção de efeitos

A presente lei produz efeitos a partir de 1 de janeiro de 2021.

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Artigo 4.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte à sua publicação.

Palácio de São Bento, 15 de janeiro de 2021.

Os Deputados do CDS-PP: Ana Rita Bessa — Cecília Meireles — Telmo Correia — João Pinho de Almeida

— João Gonçalves Pereira.

————

PROJETO DE LEI N.º 647/XIV/2.ª

PROTEÇÃO DOS DIREITOS DOS TRABALHADORES DA CULTURA EM CRISE PANDÉMICA E

ECONÓMICA EM 2021

Exposição de motivos

O setor cultural foi dos primeiros a ser afetado pela pandemia de COVID-19. Espetáculos cancelados,

museus fechados, cinemas encerrados. Ainda antes da declaração do primeiro Estado de Emergência, em

março de 2020, já muitas autarquias e outras instituições, no seguimento das orientações das autoridades de

saúde para o afastamento social, tomavam a decisão de encerrar equipamentos e cancelar atividades culturais.

Num setor onde a precariedade laboral é a regra, e as estruturas de produção são tipicamente de micro e

pequena dimensão, a desproteção dos trabalhadores é total. A inexistência de um regime de trabalho e proteção

social específicos para o setor revela-se particularmente penalizadora neste momento de crise.

A forma chocante como fundações financiadas pelo Estado, como a Casa da Música, Serralves ou Centro

Cultural de Belém, trataram os seus trabalhadores precários com dezenas de anos de dedicação à casa, foram

apenas um exemplo da armadilha de empobrecimento a que a precariedade e a crise pandémica condenaram

dezenas de milhares de trabalhadores do setor cultural desde o início da crise.

Após várias manifestações e reivindicações do setor, a Ministra da Cultura anunciou em junho de 2020 três

linhas de apoio para trabalhadores da cultura, entidades artísticas e espaços culturais, no âmbito do Programa

de Estabilização Económica e Social (PEES), com uma dotação de 34,3 milhões de euros.

Até hoje, o Governo não publicou os resultados deste programa de apoio, onde previa alcançar 18 mil

potenciais beneficiários em «atividades correspondentes às artes do espetáculo e de apoio às artes do

espetáculo, bem como aos artistas de teatro, bailado, cinema, rádio e televisão e aos artistas de circo».

Assim, continua por esclarecer se os objetivos foram alcançados e que verbas foram de facto utilizadas, algo

particularmente relevante tendo em consideração que o estado de emergência renovado durante o mês de

dezembro destruiu a atividade económica de milhares de trabalhadores da cultura, e o confinamento em vigor

desde 15 de janeiro irá afastar qualquer retoma do setor por vários meses, apesar dos anúncios repetidos da

Ministra da Cultura nesse sentido.

Temos por isso uma crise social dos trabalhadores da cultura que se agrava exponencialmente em 2021,

depois de 10 meses de empobrecimento e apoios sociais que não evitam a pobreza, quando existentes.

Com a publicação do Decreto-Lei n.º 10-I, de 26 de março, o governo não garantiu a obrigação dos municípios

em assumirem os pagamentos aos trabalhadores com iniciativas programadas. Foi um mau sinal dado pelo

governo.

No Projeto de Lei n.º 328/XIV, o Bloco de Esquerda apresentou um programa de emergência que reforçava

o orçamento do Ministério da Cultura em 10%; criava candidaturas simplificadas para projetos culturais em

tempos de isolamento social; e aprofundava o apoio a estruturas e equipamentos culturais públicas e privadas.

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E, sobretudo, criava mecanismos de garantia do cumprimento integral dos compromissos das entidades

públicas, nacionais ou municipais, bem como das entidades com financiamento público, que cancelaram ou

adiaram espetáculos, serviços educativos e outras atividades culturais.

Das propostas do Bloco de Esquerda para o setor cultural, apresentadas no projeto-lei 328/XIV, foram

aprovadas pela Assembleia da República as alterações ao artigo 11.º e o aditamento do artigo 11.º-A, que

responsabiliza toda a cadeia de contratação, e definiu o patamar de 50% do pagamento previsto, mas não a sua

obrigação.

Apesar destas alterações terem introduzido uma pequena melhoria na proposta inicial do Governo, continuam

a não responder a aspetos essenciais do setor cultural e deixam escancarada a janela dos reagendamentos

longos.

De fora ficou, por exemplo, além do reforço do financiamento, a limitação dos reagendamentos a um prazo

de 90 dias, impedindo que as entidades prorroguem prazos para não assumir o cancelamento e o pagamento

já a 100%.

O Bloco volta a apresentar propostas sobre este diploma e a insistir em regras que nos parecem essenciais.

Os cancelamentos devem ser pagos a 100% do que seriam as despesas com trabalho, incluindo pagamento

aos trabalhadores «externos», independentes, assistentes de sala e trabalhadores dos serviços educativos. Os

reagendamentos não podem ser pretexto para adiar metade dos pagamentos e, dessa forma, a própria

capacidade de as pessoas fazerem face às suas necessidades básicas. Deve haver um reforço orçamental para

o setor, para respostas de emergência e continuidade das estruturas. Os apoios sociais desenhados pelo

Ministério do Trabalho devem ter com conta a condição intermitente de muito do trabalho artístico e não podem

excluir, pelas suas regras fechadas, milhares de profissionais deste setor.

Introduzimos também neste conjunto de alterações uma garantia de acesso aos equipamentos culturais por

parte dos profissionais da cultura que, devido às especificidades da sua atividade – nomeadamente bailarinos e

músicos –, não possam deixar de aceder aos equipamentos para ensaio ou investigação, evitando perdas

potenciais de capacidade física e artística, ou mesmo o trabalho de produção ou arquivo que poderá ser

necessário, garantindo as regras e indicações de distanciamento social definidas pela Direção-Geral da Saúde.

Por último, consideramos ser necessário corrigir as limitações às atividades com acesso ao apoio

extraordinário para profissionais da cultura, bem como elevar o seu valor acima do limiar de pobreza. Em 2020,

este apoio foi definido pela Portaria n.º 180/2020, especificando um número limitado de atividades segundo a

Classificação Portuguesa de Atividades Económicas ou os códigos do IRS, deixando de fora muitos profissionais

do setor, nomeadamente dos eventos. Consideramos por isso ser necessário alargar as atividades com acesso

ao novo apoio previsto para 2021.

Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, as Deputadas e os Deputados do Bloco de

Esquerda, apresentam o seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente Lei cria um programa de emergência para o setor cultural e procede à alteração do Decreto-Lei

n.º 10-I/2020, de 26 de março, alterado pela Lei n.º 7/2020, de 10 de abril, pela Lei n.º 19/2020, de 29 de maio

e pelo Decreto-Lei n.º 78.º-A/2020, de 29 de setembro.

Artigo 2.º

Alteração ao Decreto-Lei n.º 10-I/2020, de 26 de março

Os artigos 2.º, 3.º-B, 5.º e 11.º do Decreto-Lei n.º 10-I/2020, de 26 de março, passam a ter a seguinte redação:

«Artigo 2.º

(...)

1 – O presente decreto-lei é aplicável ao reagendamento ou cancelamento de espetáculos não realizados

desde 28 de fevereiro de 2020 e até 90 dias após o término do estado de emergência ou 60 dias das inibições

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e proibições de realização de espetáculos, caso estas venham a subsistir após o termo do estado de

emergência.

2- (…).

Artigo 3.º-B

Qualificação de causa de força maior

1 – A alteração e o cancelamento de atividades nas instalações e nos estabelecimentos referidos no n.º 2 do

Anexo I ao Decreto n.º 2-A/2020, de 20 de março, ou decorrentes de outras interdições e limitações

determinadas pelas autoridades competentes, são considerados, para todos os efeitos legais e contratuais,

como resultado de motivo de força maior em relação a contratos e negócios jurídicos celebrados, bem como a

outras obrigações e compromissos assumidos, que tenham por causa a realização de um espetáculo de

natureza artística, que venha a ser adiado ou cancelado ao abrigo do presente decreto-lei.

2 – Devem as partes, sempre que possível, manter os respetivos contratos, assegurando os seus objetos e

objetivos, e cumprindo as suas obrigações em relação a data que vier a ser reagendada e, em qualquer caso,

procurar alcançar soluções que assegurem a repartição equitativa de custos e riscos contratuais e evitem

prejuízos ou benefícios injustificados para uma das partes.

Artigo 5.º

(...)

1 – Sempre que qualquer uma das partes não pretenda o reagendamento do espetáculo, ou a sua

impossibilidade não possa ser imputada ao promotor, o mesmo deve ser cancelado, garantindo o seu pagamento

nos termos do presente diploma.

2 – (…).

3 – (…).

4 – (...).

Artigo 11.º

Espetáculos e atividades promovidas por entidades públicas e de direito privado com financiamento público

1 – As entidades públicas e os organismos de direito público referidos no Código dos Contratos Públicos ou

entidades adjudicantes previstas no artigo 2.º do Código dos Contratos Públicos, os promotores de espetáculos

abrangidos pelo presente decreto-lei, nomeadamente fundações de direito privado com financiamento público,

estão obrigadas a aplicar aos contratos celebrados e a celebrar as normas previstas nos artigos 2.º e 4.º do

Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março.

2 – As entidades referidas no n.º 1 que tenham que proceder ao reagendamento dos espetáculos podem

contratar bens, serviços ou trabalhos complementares até a um limite de 100% do preço superando o que está

previsto ao abrigo do disposto nos artigos 438.º e 454.º do Código dos Contratos Públicos (CCP), aprovado pelo

Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro, na sua redação atual, bem como aplicar o regime da revisão de

preços, se aplicável.

3 – As entidades públicas que tenham de cancelar as atividades por impossibilidade de reagendamento dos

mesmos são obrigadas a proceder ao pagamento do preço acordado na parte que corresponda aos custos com

trabalho e despesas já assumidas, aplicando-se, na ausência de contrato anteriormente celebrado ou caso este

seja omisso quanto ao momento do pagamento, o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 299.º do CCP, sem

prejuízo do disposto no número seguinte.

4 – As entidades referidas no n.º 1 estão a obrigadas a garantir:

a. O pagamento de todos os valores devidos, em razão da atividade que venha a ser cancelada, a todas as

pessoas, singulares ou coletivas, incluindo autores, artistas, trabalhadores e prestadores de serviços,

nomeadamente assistentes de sala e trabalhadores dos serviços educativos, no valor correspondente a 100%

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dos custos integrais com trabalho e despesas já assumidas e nunca inferior a 75% do contratado ou previsto

como se a atividade fosse realizada na data prevista para o efeito;

b. Nos casos de adiamentos e reagendamentos, a realização dos pagamentos nas datas previstas antes do

cancelamento ou adiamento e, o mais tardar, na data que se encontrava inicialmente agendada, no valor

correspondente a 100% dos custos com trabalho e despesas já assumidas e nunca inferior a 75% do contratado

ou previsto como se a atividade fosse realizada na data prevista para o efeito;

c. A finalização do processo de contratualização respeitando os compromissos assumidos, nos casos de

programação já anunciada, mas ainda não contratualizada.

5 – [Anterior n.º 6].

6 – [Anterior n.º 7].

7 – [Anterior n.º 8].»

Artigo 3.º

Aditamento ao Decreto-Lei n.º 10-I/2020, de 26 de março

São aditados os artigos 5.º-B e 11.º-B ao Decreto-Lei n.º 10-I/2020, de 26 de março, com as posteriores

alterações, com a seguinte redação:

«Artigo 5.º-B

Garantia de acesso aos equipamentos

Sem prejuízo do encerramento de espaços e recintos culturais ao público, os trabalhadores da cultura estão

autorizados, incluindo durante o período de vigência do estado de emergência, a utilizar os equipamentos

culturais para práticas essenciais à sua profissão que não possam ser realizadas em regime de teletrabalho,

nomeadamente ensaio, investigação, produção, comunicação, arquivo.

Artigo 11.º-B

Contraordenações

1 – Sem prejuízo de outras responsabilidades penais e civis que ao caso sejam aplicáveis, às infrações ao

disposto nos n.os 1 e 3 do artigo anterior, aplica-se o disposto no artigo 9.º.

2 – A negligência é punível, sendo os montantes mínimos e máximos da coima reduzidos para metade.

3 – A Inspeção-Geral das Atividades Culturais é a entidade competente para o processamento e aplicação

das contraordenações previstas no presente artigo.»

Artigo 4.º

Alargamento de atividades elegíveis para apoio social extraordinário da cultura

1 – A linha de apoio social adicional aos artistas, autores, técnicos e outros profissionais da cultura, anunciado

pelo governo no âmbito do confinamento definido pelo Decreto-Lei n.º 3-A/2021, deverá incluir todas as pessoas

singulares que sejam profissionais da cultura em atividades de edição; atividades cinematográficas, de vídeo,

de produção de programas de televisão, de gravação de som e de edição de música; atividades artísticas, de

espetáculos, nomeadamente atividades de teatro, de música, de dança e outras atividades artísticas e literárias;

bem como atividades das bibliotecas, arquivos, museus e outras atividades culturais; ou ainda atividades dos

parques de diversão e temáticos.

2 – Para efeitos do número anterior, o apoio social é concedido a pessoas singulares que sejam profissionais

da cultura inscritas nas finanças, designadamente com uma das atividades principais 58110, 58120, 58130,

58140, 58190, 58210, 58290, 59110, 59120, 59130, 59140, 59200, 74100, 74200, 74300, 90010, 90020, 90030,

90040, 91011, 91012, 91020, 91030, 93210, de acordo com a Classificação Portuguesa de Atividades

Económicas, revista pelo Decreto-Lei n.º 381/2007, de 14 de novembro, na sua redação atual, ou com um dos

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códigos CIRS 2 (2010, 2011, 2019, 2012, 2013, 2014 e 2015) ou 13 (1314, 1334), de acordo com a tabela

aprovada pela Portaria n.º 1011/2001, de 21 de agosto, na sua redação atual.

3 – O valor mínimo do apoio correspondente a 1,5 IAS.

Artigo 5.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

Assembleia da República, 15 de janeiro de 2021.

As Deputadas e os Deputados do BE: Beatriz Gomes Dias — José Moura Soeiro — Pedro Filipe Soares —

Mariana Mortágua — Jorge Costa — Alexandra Vieira — Fabíola Cardoso — Isabel Pires — Joana Mortágua —

João Vasconcelos — José Manuel Pureza — José Maria Cardoso — Luís Monteiro — Manuel Azenha — Maria

Manuel Rola — Moisés Ferreira — Nelson Peralta — Sandra Cunha — Catarina Martins.

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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 858/XIV/2.ª

RECOMENDA AO GOVERNO O REFORÇO DAS MEDIDAS DE CONSERVAÇÃO DO LOBO-IBÉRICO

O lobo-ibérico (Canis lupus signatus) é uma subespécie endémica da Península Ibérica cujo estatuto de

conservação, em território nacional, é classificado de «Em Perigo» pelo Livro Vermelho dos Vertebrados de

Portugal. Outrora distribuído por todo o continente português, estima-se que atualmente o lobo-ibérico esteja

circunscrito a 20 por cento da sua área original, estando presente sobretudo a norte do rio Douro. A

sobrevivência do lobo depende da disponibilidade e acessibilidade a presas silvestres ou domésticas, o que, no

caso do recurso às últimas, resulta em conflitos com atividades humanas. O Bloco de Esquerda propôs

anteriormente medidas para a conservação do lobo-ibérico (Projeto de Resolução n.º 267/XIV/1.ª).

A legislação nacional confere ao lobo-ibérico o estatuto de Espécie Protegida. Com vista à melhoria do estado

de conservação da subespécie, foi criada a Lei n.º 90/88, de 13 de agosto, que estabelece as bases para a

proteção, conservação e recuperação das populações do lobo-ibérico, e o Decreto-Lei n.º 54/2016, de 25 de

agosto, que define o regime jurídico da conservação do lobo. Estes diplomas atribuem ao Estado a

responsabilidade de conservar os habitats que sustentam o lobo-ibérico e as suas presas silvestres. Determinam

também a que compete ao Estado promover a realização de estudos para aprofundar o conhecimento científico

sobre o lobo e disponibilizar os meios necessários às entidades competentes para que consigam cumprir os

objetivos preconizados nos diplomas legislativos.

Para operacionalizar as medidas necessárias que visam melhorar o estado de conservação da subespécie

no território continental português, foi criado o Plano de Ação para a Conservação do Lobo-Ibérico em Portugal

(PACLobo), através do Despacho n.º 9727/2017, de 8 de novembro. O plano de ação propõe atingir um conjunto

de objetivos gerais que passam por «i) garantir as condições favoráveis à conservação do lobo potenciando a

sua coexistência com a presença e atividade humana; ii) aumentar o conhecimento técnico-científico sobre o

lobo-ibérico e suas presas; iii) promover a comunicação, a sensibilização e o envolvimento em prol da

conservação do lobo; e iv) promover a articulação de medidas de política», objetivo ao qual, entre outros, se

associam atividades de cooperação transfronteiriça.

O PACLobo define objetivos operacionais, avaliações anuais, atividades e metas definidas para os 5 anos

após a sua publicação, estando por isso em vigor no período de 2017 a 2022. À data atual, o plano de ação

encontra-se sensivelmente a meio da sua execução, mas desconhecem-se as avaliações anuais a que está

sujeito, bem como o cumprimento das metas nele definidos. Tendo em consideração a crónica escassez de

meios humanos, materiais e financeiros das entidades do Estado que compõem o grupo de trabalho executivo

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e a comissão de acompanhamento do PACLobo, como o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas

(ICNF) ou o Serviço da Proteção da Natureza e Ambiente (SEPNA) da Guarda Nacional Republicana, e a

complexidade e abrangência dos objetivos operacionais e atividades do plano de ação, existe a possibilidade

de as metas definidas no plano estarem longe de ser cumpridas. Importa por isso reforçar as entidades

competentes de meios suficientes e adequados para levar a bom porto o PACLobo.

Uma medida crucial para mitigar o conflito entre lobos e humanos e melhorar as perspetivas de conservação

da subespécie diz respeito à compensação dos criadores de gado pelo prejuízo económico causado pela

predação de animais domésticos, como bovinos, caprinos ou ovinos. São comuns os atrasos nos pagamentos,

burocracia, pagamento de valores inferiores aos reais, difícil acesso aos resultados de análises forenses, entre

outros. Como tal, importa melhor o mecanismo indemnizatório, acelerar processos e pagar valores justos aos

criadores de gado pelas perdas de animais.

O recurso a cães de proteção de gado e o confinamento de animais domésticos em períodos de maior

vulnerabilidade são fatores comprovadamente eficazes para diminuir os ataques de lobos. Nesse sentido, devem

ser reforçados os bem-sucedidos programas de doação de cães de gado, bem como a instalação de cercas e

vedações. Estas medidas devem ser acompanhadas de apoio técnico e financeiro adequado aos criadores de

gado por forma a aumentar a eficácia e a abrangência da medida.

A disponibilidade de presas silvestres do lobo, como o corço, o veado ou o javali, é outro fator decisivo para

a diminuição dos conflitos entre humanos e lobos. Existindo presas silvestres abundantes e acessíveis, os

ataques a presas domésticas tenderão a diminuir. Como tal, importa realizar censos populacionais das presas

silvestres, como previsto no PACLobo, bem como avaliar a necessidade de criação de zonas de refúgio de

presas silvestres em áreas onde ocorrem alcateias.

Por fim, importa articular com o Estado espanhol as medidas de gestão de conservação da subespécie, uma

vez que existem alcateias e animais que efetuam movimentos transfronteiriços e que, por isso, estão sujeitos a

diferentes regimes legais e medidas de conservação. Atualmente está em debate no Estado espanhol a

possibilidade de o Governo central proibir a caça ao lobo em todo o seu território, incluindo nas Comunidades

Autónomas das Astúrias, Cantábria, Galiza, e Castela e Leão, comunidades onde a caça ao lobo ainda é

permitida. Importa, por isso, articular medidas de gestão de conservação com as comunidades autónomas que

confinam com o território nacional, de modo a que qualquer que sejam as decisões tomadas pelo Estado vizinho,

os esforços de conservação do lobo-ibérico em Portugal e, globalmente, na Península Ibérica, não seja posta

em causa.

Ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do Bloco de

Esquerda propõe que a Assembleia da República recomende ao Governo que:

1 – Dote as entidades competentes em matéria de proteção e conservação da natureza de meios humanos,

materiais e financeiros necessários para fazer cumprir os objetivos, as atividades e as respetivas metas do Plano

de Ação para a Conservação do Lobo-Ibérico em Portugal (PACLobo), aprovado pelo Despacho n.º 9727/2017,

de 8 de novembro.

2 – Proceda à agilização e simplificação dos mecanismos de indemnização a criadores de gado por danos

causados pelo lobo-ibérico.

3 – Reforce os programas de doação de cães de gado e de instalação de vedações e cercas, disponibilizando

auxílio técnico e financeiro a criadores de gado para o efeito.

4 – Avalie a necessidade de criação de zonas de refúgio de presas silvestres do lobo-ibérico, como o corço,

veado, javali ou cabra-montês, integrando-as nos planos globais de gestão do PACLobo e interditando-as à

atividade cinegética.

5 – Efetive a articulação com o Estado espanhol das medidas de gestão de conservação do lobo-ibérico,

particularmente com as Comunidades Autónomas identificadas como relevantes no PACLobo, de maneira a

harmonizar as ações de gestão implementadas e a não comprometer os esforços de conservação da espécie.

Assembleia da República, 15 de janeiro de 2021.

As Deputadas e os Deputados do BE: Nelson Peralta — Pedro Filipe Soares — Mariana Mortágua — Jorge

Costa — Alexandra Vieira — Beatriz Gomes Dias — Fabíola Cardoso — Isabel Pires — Joana Mortágua —

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João Vasconcelos — José Manuel Pureza — José Maria Cardoso — José Moura Soeiro — Luís Monteiro —

Manuel Azenha — Maria Manuel Rola — Moisés Ferreira — Sandra Cunha — Catarina Martins.

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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 859/XIV/2.ª

RECOMENDA AO GOVERNO QUE APLIQUE AS DETERMINAÇÕES DA DIREÇÃO-GERAL DA

ADMINISTRAÇÃO E DO EMPREGO PÚBLICO (DGAEP) E FAÇA USO DA LEI GERAL DO TRABALHO EM

FUNÇÕES PÚBLICAS, COM VISTA A ASSEGURAR A APLICABILIDADE DO ACRÉSCIMO DE FÉRIAS

POR ANTIGUIDADE AOS TRABALHADORES DOS EXTINTOS ESTABELECIMENTOS FABRIS DO

EXÉRCITO

Decorrente da reestruturação dos Estabelecimentos Fabris do Exército (EFE) efetuada em 2014, que levou

à extinção dos mesmos, foi reconhecido o vínculo público dos trabalhadores dos EFE, tendo-lhes sido aplicado

o Regime Jurídico dos Trabalhadores em Funções Públicas através da Lei n.º 68/2013, de 29 de agosto e do

Decreto-Lei n.º 1/2014, de 9 de janeiro. Também como consequência deste processo, estas centenas de

trabalhadores dos EFE foram realocados em diversos organismos da Administração Pública, incluindo nas

várias Unidades e Órgãos do Exército.

No entanto, desde o passado ano de 2019 que estes mesmos trabalhadores se viram impedidos de gozar os

dias de férias a que têm direito, especificamente quanto ao acréscimo de um dia útil de férias por cada 10 anos

de serviço efetivamente prestado, contrariamente ao que sucede com outros trabalhadores alocados noutros

organismos da Administração Pública. Este impedimento – que até 2019 se verificava sem qualquer tipo de

constrangimento – está a ser promovido pela hierarquia militar do Exército, através da Direção de Administração

de Recursos Humanos (DARH), que levanta um conjunto de reservas quanto à aplicabilidade do acréscimo de

férias por antiguidade a estes trabalhadores, particularmente no que diz respeito à interpretação da lei.

Foi também do conhecimento do governo que dezenas destes trabalhadores subscreveram um abaixo-

assinado dirigido ao Chefe do Estado-Maior do Exército (CEME) e com conhecimento dado ao Secretário de

Estado da Defesa e à Direção Geral da Administração e do Emprego Público (DGAEP), precisamente por não

aceitarem esta discriminação.

Por outro lado, os esclarecimentos prestados pelo Exército, através da Pergunta n.º 4001/XIV/1.ª, de 30 de

julho de 2020, de que «os enquadramentos legais do (...) estatuto laboral [dos trabalhadores do Mapa do Pessoal

Civil do Exército (MPCE) provenientes dos EFE] conduziram a alguma ambiguidade no regime que lhes era

aplicável», não são aceitáveis, especialmente quando se tem em conta a resposta dada a estes trabalhadores

pela Direção Geral da Administração e do Emprego Público (DGAEP), ficando nela claro que o acréscimo de

férias por antiguidade também deverá ser aplicado a estes trabalhadores, tendo como sustentação o ponto n.º

4 do artigo 126.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, sendo considerado para o efeito «todo o tempo

de trabalho subordinado a uma entidade pública, seja qual for o título constitutivo da relação jurídica de

trabalho».

Pelos factos acima expostos, e por ser já recorrente o sentimento de injustiça relativamente ao

condicionamento dos seus direitos enquanto funcionários públicos de pleno direito e pertencentes ao mapa de

pessoal civil do Exército, por meras interpretações equivocadas da Lei, julgamos ser da mais elementar justiça

que o governo retifique a supressão de direitos acima exposta, pois trata-se de um ato inaceitável de

discriminação por parte da hierarquia militar do Exército, particularmente através da DARH, sobre os

trabalhadores dos extintos EFE.

Ademais, e em última instância, é fundamental que o governo materialize aquilo que foi determinado pela

DGAEP, com vista a colocar um ponto final na discriminação que vem sendo conferida a estes trabalhadores e

que em tudo vai ao arrepio dos princípios assentes na Constituição da República Portuguesa.

Ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do Bloco de

Esquerda propõe que a Assembleia da República recomende ao governo que aplique as determinações da

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Direção Geral da Administração e do Emprego Público (DGAEP) e faça uso da Lei Geral do Trabalho em

Funções Públicas, com vista a assegurar a aplicabilidade do acréscimo de férias por antiguidade aos

trabalhadores dos Extintos Estabelecimentos Fabris do Exército.

Assembleia da República, 15 de janeiro de 2021.

As Deputadas e os Deputados do BE: João Vasconcelos — Pedro Filipe Soares — Mariana Mortágua —

Jorge Costa — Alexandra Vieira — Beatriz Gomes Dias — Fabíola Cardoso — Isabel Pires — Joana Mortágua

— José Manuel Pureza — José Maria Cardoso — José Moura Soeiro — Luís Monteiro — Manuel Azenha —

Maria Manuel Rola — Moisés Ferreira — Nelson Peralta — Sandra Cunha — Catarina Martins.

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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 860/XIV/2.ª

SUSPENSÃO DO PRAZO DE FUNCIONAMENTO DA COMISSÃO EVENTUAL DE INQUÉRITO

PARLAMENTAR ÀS PERDAS REGISTADAS PELO NOVO BANCO E IMPUTADAS AO FUNDO DE

RESOLUÇÃO

Tendo presente as condicionantes que decorrem do regime de confinamento que se inicia no dia 15 de

janeiro, entendeu a Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar às perdas registadas pelo Novo Banco e

imputadas ao Fundo de Resolução, ao abrigo do disposto no artigo 11.º do Regime Jurídico dos Inquéritos

Parlamentares, aprovado pela Lei n.º 5/93, de 1 de março, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 126/97,

de 10 de dezembro, pela Lei n.º 15/2007, de 3 de abril, e pela Lei n.º 29/2019, de 23 de abril, solicitar a suspensão

do seu prazo de funcionamento durante o prazo de confinamento – 15 a 29 de janeiro de 2021 – e, em

consequência, com efeitos reportados ao passado dia 15 de janeiro do corrente ano.

Assim, apresento à Assembleia da República o seguinte projeto de resolução:

«A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, suspender a

contagem do prazo de funcionamento da Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar às perdas registadas

pelo Novo Banco e imputadas ao Fundo de Resolução de 15 a 29 de janeiro de 2021.»

Palácio de S. Bento, 15 de janeiro de 2021.

O Presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues.

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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 861/XIV/2.ª

RECOMENDA AO GOVERNO QUE DESENVOLVA UMA ABORDAGEM ESPECÍFICA E URGENTE EM

MATÉRIA DE SAÚDE MENTAL, NO CONTEXTO DA PANDEMIA DE COVID-19

Exposição de motivos

A pandemia de COVID-19 trouxe inúmeros constrangimentos e desafios nas mais diversas áreas, que urge

ultrapassar. O seu impacto tem sido devastador a nível mundial e Portugal não é, infelizmente, exceção. Da

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Economia à Educação, não esquecendo a Cultura, todos os setores estão a ser fortemente afetados.

Naturalmente, a Saúde é o setor central da pandemia, que está a ter impacto mais direto e onde os desafios são

mais complexos.

Uma das áreas mais afetadas é a atividade assistencial de cuidados de saúde. Com os sucessivos Estados

de Emergência, com o confinamento obrigatório de março e abril de 2020, com todas as restrições que têm

vindo a ser impostas, muitas consultas ficaram por realizar ora porque os utentes as desmarcaram por receio

de se deslocarem às unidades de saúde, ora por desmarcação por parte das próprias unidades de saúde em

consequência da suspensão da atividade assistencial programada não urgente.

Os doentes COVID passaram a ser a prioridade. No entanto, milhares de outros doentes – os não-COVID –

deixaram de ter acesso aos cuidados de saúde de que precisam, com todas as consequências nefastas que

isso acarreta.

O CDS-PP tem vindo reiteradamente a alertar para que é essencial garantir o acesso universal e equitativo

à saúde, reduzindo os tempos de espera e impedindo que se espere mais do que o TMRG estabelecido. Neste

sentido, temos vindo a propor medidas estratégicas para combater as listas de espera, para as reduzir e

promover a melhor resposta aos utentes e a eficiência global do sistema, ao mesmo tempo criando incentivos

no SNS para responder a tempo e horas.

Conforme temos vindo a afirmar, a situação pandémica em Portugal é muito grave, está descontrolada e o

Governo tem de tomar medidas urgentes e eficientes para dar resposta aos doentes COVID mas, também, aos

doentes não-COVID para que não fiquem, mais uma vez, para trás. Esquecidos e sem acesso aos cuidados de

saúde a que legal e constitucionalmente têm direito.

Em consequência do alarmante aumento de casos de COVID-19 a que temos vindo a assistir nos últimos

dias, foi aprovado mais um Estado de Emergência do qual resultará um novo confinamento obrigatório e um

novo recolhimento domiciliário.

Ora, o CDS-PP considera determinante que sejam tomadas medidas específicas no que diz respeito à Saúde

Mental.

Com o confinamento obrigatório, o recolhimento domiciliário, o distanciamento físico recomendado, o

afastamento da família e amigos para proteção da saúde de todos, com a imposição do teletrabalho para muitos,

a incerteza da manutenção dos empregos para tantos outros, com muitas empresas (nomeadamente as micro,

pequenas e médias empresas) a encerrar, com a incerteza permanente que se instalou em nossas casas se o

dinheiro vai chegar ao fim do mês, com o medo de contágios, a obrigatoriedade do uso de máscaras de proteção,

a desinfeção constante das mãos e dos espaços para minimizar a propagação do vírus, o impacto da pandemia

de COVID-19 faz-se sentir na Saúde Mental.

E afeta não só a população adulta em idade ativa, mas também crianças, adolescentes e idosos. Reflete-se,

ainda, nos doentes de COVID-19 já recuperados, nas pessoas que estiveram em quarentena e – não menos

importante – reflete-se, também, nos profissionais de saúde, em particular os que estão na linha da frente do

combate à pandemia.

O medo, o stress, a ansiedade e a angústia invadiram as nossas vidas e o aumento das perturbações mentais

é inevitável. Apesar de os dados relativos ao impacto da pandemia na Saúde Mental ainda não serem muitos,

nem consolidados e apesar de continuarem, naturalmente, em evolução pois o regresso ao «normal» ainda está

longe, já há alguns estudos que nos deixam pistas que não podem ser ignoradas:

• Segundo um estudo realizado pela Mind – Instituto de Psicologia Clínica e Forense em parceria com

Centro de Investigação em Psicologia da Universidade Autónoma de Lisboa e o Departamento de Educação e

Psicologia da Universidade de Aveiro, 49,2% dos portugueses sentiu, no início da pandemia, um impacto

psicológico «moderado a severo», apontando-se o stress, a ansiedade e a depressão como os principais

sintomas. Desempregados, mulheres, pessoas dos meios rurais, doentes crónicos e pessoas com menos

escolaridade terão sido as mais afetadas;

• De acordo com a Ordem dos Psicólogos Portugueses, no Relatório «Crise Socioeconómica, Pobreza e

Desigualdades Durante e Após a Pandemia», o aumento do stress, a depressão, a ansiedade, a diminuição do

bem-estar, o desemprego, a pobreza, a exclusão social afetam e agravam a Saúde Mental em contexto de

pandemia;

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• No relatório científico «Saúde mental em tempos de pandemia – SM-COVID-19» publicado em outubro

pelo Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, IP, observa-se, entre muitos outros aspetos, que:

➢ «A Pandemia de COVID-19 está a ter impacto na saúde global das populações, nomeadamente na saúde

mental, como consequência direta da infeção viral, mas também devido às alterações sociais e económicas

resultantes em grande parte das medidas adotadas para controlar a disseminação do vírus na comunidade

mundial. Neste contexto, muitas das alterações ocorridas têm sido apontadas como responsáveis por

impactarem negativamente na saúde mental e no bem-estar psicológico, em particular das pessoas infetadas e

dos profissionais de saúde que delas cuidam (...)»;

➢ «(...) 33,7 % dos indivíduos da população geral e 44,8% dos profissionais de saúde apresentavam sinais

de sofrimento psicológico. Na população geral 27% dos inquiridos reportaram sintomas moderados a graves de

ansiedade, 26,4% de depressão e 26% de perturbação de stress pós-traumático. Estas prevalências são mais

elevadas do que as previamente reportadas pelo 1.º Estudo Epidemiológico Nacional da Saúde Mental. São

sobretudo as mulheres, os jovens adultos entre os 18 e os 29 anos, os desempregados e os indivíduos com

mais baixo rendimento quem apresenta sintomas de sofrimento psicológico moderado a grave, em várias das

dimensões de saúde mental analisadas (...)»;

➢ «(...) Em relação aos profissionais de saúde, os resultados mostram taxas mais elevadas de problemas

de saúde mental relativamente à população geral, em particular de sofrimento psicológico e de ansiedade

moderada a grave. São sobretudo aqueles que estão a tratar doentes com COVID-19 os mais afetados, com

um risco de sofrimento psicológico 2,5 superior àqueles que não tratam doentes com COVID-19. É ainda no

grupo dos profissionais de saúde que os níveis de burnout (exaustão física e emocional) são mais elevados

(32.1%) (...)»;

➢ «(...) Dos indivíduos que estão ou estiveram em quarentena, em isolamento ou já recuperados, 72%

reportam sofrimento psicológico e mais de metade tem sintomas de depressão moderada a grave. Dos

indivíduos infetados que estiveram em internamento hospitalar ou em cuidados intensivos, a esmagadora

maioria (92%) refere sintomas de ansiedade moderada a grave. (...)»;

➢ «(...) Os resultados do estudo identificaram nos três grupos populacionais em análise, percentagens

elevadas de sintomas relativos a sofrimento psicológico e as dimensões da saúde mental consideradas e,

também, fatores preditores associados a saúde mental e bem-estar, os quais podem ser usados para planear

intervenções no contexto da pandemia de COVID-19. Nesse sentido, compreender o impacto psicológico desta

na população em geral e, em particular, nos profissionais de saúde e grupos diretamente afetados pela doença,

permite apoiar a resposta do SNS, orientando os decisores e as equipas dos serviços de saúde mental nas

abordagens dirigidas a estes grupos. (...)».

O CDS-PP vem afirmando que a Saúde Mental tem sido o «parente pobre» do SNS e, por isso, ao longo dos

anos, temos apresentado iniciativas legislativas nesta área, em particular no que diz respeito às Demências e à

Doença de Alzheimer. É urgente que haja uma mudança na abordagem aos cuidados de Saúde Mental em

Portugal, abordagem essa que, nesta fase, tem necessariamente de ter em conta o contexto de pandemia de

COVID-19.

Sendo certo que, em abril de 2020, foi criado no Centro de Contacto SNS24 o serviço de Aconselhamento

Psicológico e que, segundo o Presidente da SPMS, desde então já foram atendidas cerca de 60 000 chamadas

– das quais cerca de 4500 de profissionais de saúde que necessitavam de apoio psicológico –, é preciso ir mais

além: assegurar que os atendimentos neste serviço não se ficam por telefonemas isolados e que são feitas as

referenciações necessárias para teleconsultas de acompanhamento regular, sempre que tal se revele

necessário.

É, também, determinante dotar o SNS dos profissionais de saúde necessários para dar resposta aos

crescentes problemas de Saúde Mental, em particular nos Cuidados de Saúde Primários.

A resposta à Saúde Mental não pode ser quase exclusivamente farmacológica, por falta de condições e

recursos para se proporcionar a estes doentes o necessário e desejável acompanhamento regular e de

proximidade de que necessitam.

É urgente que seja feito um levantamento das necessidades em termos de recursos humanos, de unidades

residenciais de apoio e integração social, de equipas de apoio domiciliário e que, após esse levantamento, sejam

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tomadas todas as medidas necessárias para que os cidadãos – independentemente da sua idade, condição

económica ou social –, consigam ter acesso a cuidados de Saúde Mental de qualidade, de proximidade, em

tempo útil e, particularmente nesta fase, que esses cuidados sejam focados na abordagem aos problemas

decorrentes da pandemia de COVID-19.

Pelo exposto, e ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados do Grupo

Parlamentar do CDS-PP abaixo assinados apresentam o seguinte projeto de resolução:

Nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, a

Assembleia da República recomenda ao Governo que:

1 – Proceda a um levantamento urgente das necessidades na área da Saúde Mental, em particular no que

diz respeito a recursos humanos, unidades residenciais de apoio e integração social e equipas de apoio

domiciliário.

2 – Após esse levantamento, estabeleça e execute um plano calendarizado para a contratação dos recursos

humanos e para a criação das várias unidades e equipas para fazer face, de forma eficaz, às necessidades.

3 – No contexto do Estado de Emergência aprovado a 13 de janeiro e dos consequentes confinamento

obrigatório e recolhimento domiciliário, assegure que, na sequência de contacto com o serviço de

Aconselhamento Psicológico do Centro de Contacto SNS24, sejam disponibilizadas teleconsultas com os

profissionais de saúde adequados para o efeito – psiquiatras, pedopsiquiatras, psicólogos, enfermeiros

especialistas –, por forma a proporcionar um acompanhamento adequado a todos os utentes que dele

necessitem.

4 – Garanta, nas unidades do SNS, sistemas de apoio psicológico especialmente direcionados a profissionais

de saúde, em particular para os que estão na linha da frente do combate à pandemia de COVID-19.

5 – Proceda, junto dos principais meios de comunicação social, a uma campanha nacional de sensibilização

e prevenção para os problemas de Saúde Mental, particularmente direcionada ao contexto da pandemia de

COVID-19.

Palácio de São Bento, 15 de janeiro de 2021.

Os Deputados do CDS-PP: Ana Rita Bessa — Telmo Correia — Cecília Meireles — João Pinho de Almeida

João Gonçalves Pereira.

————

PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 862/XIV/2.ª

RECOMENDA AO GOVERNO A REFORMULAÇÃO DAS FICHAS DE AVALIAÇÃO DE RISCO PARA

SITUAÇÕES DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA GARANTINDO UMA MAIOR PROTEÇÃO DAS VÍTIMAS

A violência doméstica continua a ser um flagelo na nossa sociedade.

O Observatório das Mulheres Assassinadas contabilizou 30 mulheres mortas entre 1 de janeiro e o dia 15 de

novembro de 2020, 16 das quais em contexto de relações de intimidade. Desde 2004, quando a UMAR começou

a fazer este levantamento de dados, já foram mortas 564 mulheres, além de terem sido registadas 663 tentativas

de homicídio.

O Relatório Anual de Segurança Interna de 2019 demonstra um aumento dos crimes de violência doméstica,

que assume o valor mais elevado desde 2010, com uma variação de 11,4%, ou seja, mais 3.015 casos. Assim,

no ano de 2019, foram registadas 29.498 participações, enquanto que em 2018 tinham sido registadas 26.483

participações. De entre as tipologias que integram esta categoria, destaque para a violência doméstica contra

cônjuge ou análogo, que assume 84% de toda a violência doméstica.

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Por último, o Relatório Anual de Estatísticas da APAV de 2019 revela que a maioria dos crimes atendidos diz

respeito aos crimes contra as pessoas (95,9%), com especial relevo para os crimes de violência doméstica, que

representaram 79% do total, ou seja, 23.586 atendimentos.

Assim, apesar dos esforços que têm sido desenvolvidos, particularmente nos últimos anos, no combate à

violência doméstica, estes dados demonstram que ainda temos um longo caminho a percorrer para garantir a

efetiva proteção das vítimas deste crime. Neste âmbito, consideramos fundamental que seja efetuada uma

correta avaliação do risco em que estas vítimas se encontram, garantindo-se, desta forma, a implementação de

medidas de proteção eficazes na fase inicial do processo.

O artigo 29.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, que estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção

da violência doméstica, à proteção e à assistência das suas vítimas, prevê que a denúncia de natureza criminal

é de imediato elaborada pela entidade que a receber e, quando feita a entidade diversa do Ministério Público, é

a este imediatamente transmitida, acompanhada de avaliação de risco da vítima efetuada pelos órgãos de polícia

criminal.

Assim, no momento da denúncia do crime de violência doméstica e da elaboração do respetivo Auto, é

igualmente preenchida a Ficha de Avaliação de Risco, que tem como função auxiliar os elementos das Forças

de Segurança na análise do nível de risco existente. Estas fichas, que existem desde novembro de 2014, são

compostas por diversas perguntas de «sim» ou «não», devendo, no final do questionário, o avaliador, com base

nas respostas dadas e na sua experiência profissional, avaliar o nível de risco em «baixo», «médio» ou

«elevado», definindo-se posteriormente as medidas a adotar para proteção das vítimas.

Por isso, é essencial que as questões colocadas às vítimas constantes da ficha sejam claras e objetivas,

garantindo que esta consegue compreendê-las e perceber o seu alcance e que o elemento da Força de

Segurança consegue entender completamente a situação, assegurando-se desta forma que o nível de risco

aplicado é o adequado ao caso concreto.

Contudo, apesar desta exigência, temos sido alertados para o facto de as questões colocadas na Ficha de

Avaliação de Risco serem suscetíveis de criar dúvidas tanto na vítima como no avaliador relativamente ao seu

alcance. Esta situação é preocupante na medida em que esta ficha é preenchida no início do processo, aquando

da denúncia, pelo que um errado preenchimento da mesma comprometerá o resto do processo e a segurança

da vítima, na medida em que esta é uma ferramenta para determinar qual o grau de risco daquela denúncia.

De facto, recentemente foi publicada uma investigação sobre esta matéria com o título «Análise linguística

forense das Fichas de Avaliação de Risco em situações de violência doméstica» de Ana Sofia Ferreira, que

resulta da dissertação realizada no âmbito do Mestrado em Linguística, da Faculdade de Letras da Universidade

do Porto. A investigação de Ana Sofia Ferreira, vencedora da sexta edição do Prémio APAV para a Investigação

2020, demonstra a ambiguidade das questões colocadas nas Fichas de Avaliação de Risco da PSP e GNR às

vítimas de violência doméstica.

Esta investigação pretendia analisar linguisticamente as questões das «Fichas de Avaliação de Risco» com

as quais as vítimas são confrontadas, após denúncia de situação de violência doméstica para perceber se a

formulação das perguntas tem em conta o registo no qual serão aplicadas (oral) e a condição de fragilidade

emocional da vítima que, perante perguntas complexas, poderá ter dificuldades a entendê-las e a responder.

Em suma, destaca a investigação que as perguntas são estruturalmente complexas, desde logo porque

muitas delas incluem perguntas alternativas, como se pode ver pelo uso das conjunções copulativa e disjuntiva

«e/ou» (pergunta 5), assim como pelo uso de vários verbos auxiliares (pergunta 6), pelas orações gerundivas

inseridas na frase matriz (pergunta 10), pelo uso da negação em interrogativas (pergunta 11) e, ainda, pelas

estruturas de coordenação e de subordinação (pergunta 8).

A investigação elenca diversos problemas nas perguntas que são colocadas. Deixamos alguns exemplos.

A pergunta 3 «O/A ofensor/a já tentou estrangular (apertar o pescoço), sufocar, afogar a vítima ou outro

familiar?» pode ser desdobrada em múltiplas questões: O/A ofensor/a já tentou estrangular a vítima?; O/A

ofensor/a já tentou sufocar a vítima?; O/A ofensor/a já tentou afogar a vítima?; O/A ofensor/a já tentou

estrangular outro familiar?; O/A ofensor/a já tentou sufocar outro familiar? e O/A ofensor/a já tentou afogar outro

familiar?.

Na pergunta 8 «Acredita que o/a ofensor/a seja capaz de a/o matar ou mandar matar (está convicta de que

ele/a seja mesmo capaz)?», o advérbio «mesmo» poderá exercer alguma influência no impacto que a pergunta

terá na vítima, uma vez que, quando utilizado juntamente com a palavra «seja» promove, de certa forma, a

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dúvida na vítima sobre se o agressor será realmente capaz de a matar. A informação entre parêntesis, para

além de ser supérflua, uma vez que se questiona a vítima duas vezes sobre o mesmo tema, pode levar esta a

questionar a sua convicção.

Por exemplo, um relatório da Equipa de Análise Retrospectiva de Homicídio em Violência Doméstica (dossiê

n.º 1/2018-AC) mostra que a vítima do caso em análise respondeu afirmativamente à pergunta 3, mas não à

pergunta 9 e à pergunta 8, ou seja, a vítima respondeu sim à questão «O/A ofensor/a já tentou estrangular

(apertar o pescoço), sufocar, afogar a vítima ou outro familiar?», mas respondeu que não às questões «Acredita

que o/a ofensor/a seja capaz de a/o matar ou mandar matar (está convicta de que ele/a seja mesmo capaz?» e

«O/A ofensor/a já tentou ou ameaçou matar a vítima ou outro familiar?».

Por último, a pergunta 10 «O/A ofensor/a persegue a vítima, intimidando-a intencionalmente, demonstra

ciúmes excessivos e tenta controlar tudo o que a vítima faz?» utiliza-se um advérbio de modo

(«intencionalmente») e um adjetivo («excessivos») que podem levar, também, a diferentes interpretações pela

vítima e, até, pelo avaliador. Como bem destaca a investigação, o uso do advérbio «intencionalmente» não se

adequa nem é necessário tendo em conta o verbo usado: «intimidar». Intimidar pressupõe, desde logo, um ato

voluntário com o objetivo de provocar medo. Depois, a expressão «ciúmes excessivos» é subjetiva, prejudicando

desta forma a objetividade das avaliações de risco.

Ora, percebemos a necessidade de introduzir questões de resposta «sim» ou «não», em vez de perguntas

abertas, dado que as primeiras facilitam a interpretação e garantem uma maior objetividade na sua avaliação.

Contudo, seguindo-se esta opção, deve-se garantir que as questões não levantam dúvidas de interpretação, o

que acontece nos casos acima identificados. Não podemos esquecer que a vítima se encontra numa situação

de grande stresse e particular vulnerabilidade quando responde a este questionário, pelo que este deve ser

simples e claro pois, se não o for, as respostas dadas poderão não corresponder exatamente à realidade, o que

vai comprometer todo o processo.

Depois, estas fichas devem ser preenchidas duas vezes: a primeira1 aquando da elaboração do Auto de

violência doméstica e a segunda2 aquando de uma reavaliação do nível de risco, no âmbito do policiamento de

proximidade ou investigação criminal. Ora, as questões colocadas na reavaliação são as mesmas que as

colocadas aquando da denúncia, mas com mais espaço para as respostas, permitindo que a vítima as detalhe,

identificando para cada item aspetos atenuantes/agravantes do risco.

Consideramos fundamental que seja efetuada a reavaliação do nível de risco. Contudo, não compreendemos

porque é que as questões colocadas nesta fase são exatamente as mesmas que as colocadas aquando da

denúncia. Tratando-se de uma reavaliação, era fundamental que as questões colocadas incidissem sobre o que

aconteceu desde o momento da denúncia, ou seja, se a situação se agravou ou não, por forma a perceber se o

risco se mantém, baixou ou aumentou.

A vítima encontra-se numa situação particularmente fragilizada pelo que é importante que ela sinta que existe

um verdadeiro acompanhamento do seu processo. Acreditamos que repetir simplesmente as questões, não

criará esta sensação na vítima que pode, inclusive, não perceber o porquê de tal estar a acontecer e responder

de forma diferente, o que poderá por sua vez levar, erradamente, à redução do nível de risco.

Adicionalmente, gostaríamos de destacar a quase omissão da violência cometida contra crianças nas Fichas

de Avaliação de Risco, que se resume a duas perguntas: a pergunta 2 questiona se «O/A ofensor/a alguma vez

usou violência física contra outros do agregado doméstico? Contra quem?» incluindo-se nas respostas possíveis

«crianças» e a pergunta 17 questiona se «Existe algum conflito relacionado com a guarda/contacto dos filhos?».

Muito se tem reclamado o reforço da proteção das crianças em contexto de violência doméstica, com a

atribuição de estatuto de vítima, sendo esta uma exigência dos compromissos e obrigações legais que vinculam

o Estado Português, nomeadamente da Convenção de Istambul. Contudo, embora a produção legislativa em

matéria de violência doméstica demonstre o aumento da consciencialização para esta problemática, o seu

enfoque nas crianças é mais lento e recente, não obstante as crianças terem, desde sempre, testemunhado ou

sido envolvidas em contextos de violência doméstica.3

De acordo com o Relatório Anual de Avaliação da Actividade das CPCJ de 2019, naquele ano foram

comunicadas às CPCJ 43 796 situações de perigo, um aumento de 4 743 quando comparado com o ano anterior.

1 Pode ser consultada em https://www.ministeriopublico.pt/sites/default/files/documentos/pdf/ficha_rvd_1l.pdf 2 Pode ser consultada em https://www.ministeriopublico.pt/sites/default/files/documentos/pdf/ficha_rvd_2l.pdf 3 Cfr. TOMÁS, Catarina; FERNANDES, Natália; SANI, Ana Isabel; MARTINS, Paula Cristina, «A (In)visibilidade das crianças na violência doméstica em Portugal», Ser Social – Evolução e lutas sociais no Brasil, Brasília, V. 20, n.º 43, julho a dezembro de 2018

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Neste sentido, reconhecendo que as crianças são vítimas diretas de violência doméstica, consideramos que

a Ficha de Avaliação de Risco deveria conter questões diretamente relacionadas com as crianças que vivam

neste contexto ou o testemunhem, garantindo a aplicação de medidas eficazes de proteção.

Por exemplo, não é questionado quantas crianças estão envolvidas e as suas idades. Igualmente, ainda que

a resposta à pergunta 2 seja negativa e o/a agressor/a nunca tenha usado violência física contra a criança, isso

não significa que esta não esteja em perigo dado que vive neste contexto.

Não podemos esquecer que diversos estudos já realizados demonstram os impactos negativos para as

crianças da sua exposição à violência doméstica, a qual deve ser encarada como um acontecimento disruptivo,

promotor de múltiplos riscos para a criança, mesmo quando não é o alvo direto das agressões.4 Por este motivo,

a existência de crianças neste contexto deve ser devidamente valorada através da colocação de questões

concretas sobre a sua situação.

Depois, consideramos que há ainda questões que deveriam constar da ficha pela sua importância e não

constam, nomeadamente se a vítima tem algum tipo de apoio (familiar ou outro) e se existe algum local onde se

possa abrigar se, perante uma situação de perigo, necessitar de abandonar a sua residência.

Por último, apesar de a generalidade das questões poderem ser dirigidas tanto a homens como mulheres, a

pergunta n.º 20 é direcionada exclusivamente para mulheres dado que se questiona se «A vítima está grávida

ou teve um bebé nos últimos 18 meses?». Assim, consideramos importante a existência de fichas diferenciadas

para mulheres e homens, dado que não faz qualquer sentido ter na ficha uma pergunta que não deve ser

colocada a um homem.

Nestes termos, a Assembleia da República, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, por

intermédio do presente projeto de resolução, recomenda ao Governo que:

1 – Proceda à reformulação das Fichas de Avaliação de Risco para situações de violência doméstica,

garantindo que as perguntas do questionário são claras, acessíveis e objetivas, com o intuito de melhorar a

exatidão das respostas das vítimas e facilitar a sua compreensão pelos elementos das Forças de Seguranças;

2 – Inclua nas Fichas de Avaliação de Risco questões especificas sobre a situação de crianças que vivam

em contexto de violência doméstica ou que a testemunhem, garantindo a implementação de medidas adequadas

de proteção de crianças numa fase inicial, bem como o seu regular acompanhamento durante o processo;

3 – Proceda à criação de Fichas de Avaliação de Risco específicas para mulheres e homens vítimas de

violência doméstica.

Palácio de São Bento, 18 de janeiro de 2021.

A Deputada não inscrita, Cristina Rodrigues.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO.

4 Cfr. TOMÁS, Catarina; FERNANDES, Natália; SANI, Ana Isabel; MARTINS, Paula Cristina, «A (In)visibilidade das crianças na violência doméstica em Portugal», Ser Social – Evolução e lutas sociais no Brasil, Brasília, V. 20, n.º 43, julho a dezembro de 2018.

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