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Sexta-feira, 17 de setembro de 2021 II Série-A — Número 3
XIV LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2021-2022)
S U M Á R I O
Projetos de Lei (n.os 942 a 948/XIV/3.ª): N.º 942/XIV/3.ª (PSD) — Altera o artigo 36.º-A do Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de julho, de modo a prorrogar o período de admissão de novas entidades ao regime do Centro Internacional de Negócios da Madeira, ou Zona Franca da Madeira, até 31 de dezembro de 2023, em conformidade com o Regulamento (UE) 2020/972 da Comissão, de 2 de julho de 2020. N.º 943/XIV/3.ª (PAN) — Promove a dádiva de sangue e proíbe a discriminação em razão da identidade de género ou orientação sexual na elegibilidade para dar sangue. N.º 944/XIV/3.ª (PAN) — Estabelece a obrigatoriedade de prestação de informação ao consumidor relativamente aos custos ambientais da produção dos géneros alimentícios, procedendo à alteração do Decreto-Lei n.º 138/90, de 26 de abril. N.º 945/XIV/3.ª (BE) — Proíbe a discriminação em razão da orientação sexual, da identidade de género, da expressão de género e das características sexuais na doação de sangue. N.º 946/XIV/3.ª (Deputada não inscrita Cristina Rodrigues) — Altera a Lei n.º 46/2005, de 29 de agosto, e estende a limitação de três mandatos consecutivos ao exercício do cargo de Primeiro-Ministro e Presidente do Governo
Regional. N.º 947/XIV/3.ª (Deputada não inscrita Cristina Rodrigues) — Altera a Lei n.º 37/2012, de 27 de agosto, impedindo a discriminação na dádiva de sangue em razão da orientação sexual. N.º 948/XIV/3.ª (BE) — Alarga e garante a atribuição da licença parental inicial igualitária em termos de género, às famílias monoparentais e por via da adoção, alarga a licença inicial exclusiva do pai e a dispensa para amamentação, aleitação e acompanhamento da criança (vigésima primeira alteração à Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, quinta alteração ao Decreto-Lei n.º 89/2009, de 9 de abril, e sexta alteração ao Decreto-Lei n.º 91/2009, de 9 de abril). Projetos de Resolução (n.os 1451 e 1452/XIV/3.ª): N.º 1451/XIV/3.ª (PAN) — Recomenda ao Governo que desenvolva e implemente uma Estratégia Nacional integrada de combate à solidão enquanto eixo estratégico de saúde pública. N.º 1452/XIV/3.ª (PAR) — Deslocação do Presidente da República às Canárias: — Texto do projeto de resolução e mensagem do Presidente da República.
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PROJETO DE LEI N.º 942/XIV/3.ª
ALTERA O ARTIGO 36.º-A DO ESTATUTO DOS BENEFÍCIOS FISCAIS, APROVADO PELO DECRETO-
LEI N.º 215/89, DE 1 DE JULHO, DE MODO A PRORROGAR O PERÍODO DE ADMISSÃO DE NOVAS
ENTIDADES AO REGIME DO CENTRO INTERNACIONAL DE NEGÓCIOS DA MADEIRA, OU ZONA
FRANCA DA MADEIRA, ATÉ 31 DE DEZEMBRO DE 2023, EM CONFORMIDADE COM O REGULAMENTO
(UE) 2020/972 DA COMISSÃO, DE 2 DE JULHO DE 2020
Exposição de motivos
No contexto da pandemia provocada pelo surto da COVID-19, a Comissão decidiu ajustar um conjunto de
regras vigentes, designadamente as relativas aos auxílios estatais com finalidade regional, tendo em vista
mitigar o impacto económico e financeiro nas empresas sedeadas na União Europeia. Visando, também,
assegurar coerência com a resposta política geral adotada pela Comissão, em particular no período 2020-2021.
Garantindo, assim, que, em especial, as empresas que passaram a ser empresas com dificuldades, em
consequência da pandemia, possam continuar a ser elegíveis ao abrigo do Regulamento (EU) n.º 651/2014
durante um período limitado.
Neste sentido, foi aprovado o Regulamento (UE) n.º 2020/972, de 2 de julho de 2020, que altera o
Regulamento (UE) n.º 1407/2013, no que se refere à sua prorrogação, e o Regulamento (UE) n.º 651/2014 no
que se refere à sua prorrogação e ajustamentos pertinentes.
O Regulamento (UE) n.º 2020/972, de 2 de julho, visa conferir «(…) previsibilidade e segurança jurídica e,
simultaneamente, preparar uma possível atualização futura das disposições que regem os auxílios estatais
adotadas no âmbito da iniciativa da modernização dos auxílios estatais, a Comissão deve adotar medidas
repartidas em duas fases.»
Neste Regulamento é determinada a prorrogação do período de aplicação do Regulamento (UE) n.º
1407/2013 e do Regulamento (UE) n.º 651/2014, por três anos, até 31 de dezembro de 2023. Ora, a prorrogação
do período de aplicação das normas relativas aos auxílios estatais, ao abrigo das quais foi negociado o regime
aplicável às entidades licenciadas para operar na Zona Franca da Madeira, confere ao Estado português a
faculdade de prorrogação do regime jurídico previsto no artigo 36.º-A do Estatuto dos Benefícios Fiscais,
igualmente, até 31 de dezembro de 2023. Faculdade, esta, que urge acautelar no direito interno, através da
alteração do aludido artigo 36.º-A.
Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados do Grupo Parlamentar do PSD,
abaixo assinados, apresentam o seguinte projeto de lei:
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei altera o artigo 36.º-A do Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89,
de 1 de julho, de modo a prorrogar o período de admissão de novas entidades ao Regime do Centro Internacional
de Negócios da Madeira ou Zona Franca da Madeira até 31 de dezembro de 2023, em conformidade com o
Regulamento (UE) 2020/972 da Comissão, de 2 de julho de 2020, publicado no Jornal Oficial da União Europeia
de 7 de julho de 2020, que altera o Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 17 de junho de 2014, no
que se refere à sua prorrogação e ajustes pertinentes.
Artigo 2.º
Alteração ao Estatuto dos Benefícios Fiscais
O artigo 36.º-A do Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de julho, passa
a ter a seguinte redação:
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«Artigo 36.º-A
[…]
1 – Os rendimentos das entidades licenciadas para operar na Zona Franca da Madeira a partir de 1 de janeiro
de 2015 e até 31 de dezembro de 2023são tributados em IRC, até 31 de dezembro de 2027, à taxa de 5% nos
seguintes termos:
a) […];
b) […];
c) […].
2 – […].
3 – […].
4 – […].
5 – […].
6 – […].
7 – As entidades licenciadas na Zona Franca da Madeira, a partir de 1 de janeiro de 2015 e até 31 de
dezembro de 2023, podem, designadamente, exercer as seguintes atividades económicas relacionadas com:
a) […];
b) […];
c) […];
d) […];
e) […];
f) […];
g) […].
8 – […].
9 – […].
10 – […].
11 – […].
12 – […].
13 – […].
14 – […].
15 – […].
16 – […].
17 – […].
18 – […].»
Artigo 3.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
Palácio de São Bento, 17 de setembro de 2021.
Os Deputados do PSD: Adão Silva — Sara Madruga da Costa — Afonso Oliveira — Duarte Pacheco — Jorge
Paulo Oliveira — Sérgio Marques — Paulo Neves.
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PROJETO DE LEI N.º 943/XIV/3.ª
PROMOVE A DÁDIVA DE SANGUE E PROÍBE A DISCRIMINAÇÃO EM RAZÃO DA IDENTIDADE DE
GÉNERO OU ORIENTAÇÃO SEXUAL NA ELEGIBILIDADE PARA DAR SANGUE
Exposição de motivos
A Constituição da República Portuguesa proíbe a discriminação em razão da orientação sexual, destacando
a menção explícita aos princípios da igualdade e não-discriminação, previstos no seu artigo 13.º.
Também a Base 2 da Lei de Bases da Saúde e a Resolução da Assembleia da República n.º 39/2010, de 7
de maio, suportam o cumprimento destes princípios de igualdade e não-discriminação.
Apesar de estar consagrado na lei, em Portugal tem ocorrido diversas situações de discriminação negativa
na forma como são tratados cidadãos em função da sua orientação sexual.
No que respeita à dádiva de sangue, o Estatuto do Dador de Sangue, aprovado pela Lei n.º 37/2012, de 27
de agosto, consagra a dádiva de sangue como um ato cívico e um dever para o cidadão, prevendo que o dador
de sangue tem o direito a «não ser objeto de discriminação» [alínea c) do n.º 1 do seu artigo 6.º].
Mas apesar desta ação tão essencial na sociedade, e do direito de cada cidadão cumprir a possibilidade de
doar sangue, homens gays, bissexuais e que tenham praticado relações sexuais com outros homens têm sido,
muitas vezes, considerados como pessoas que adotam comportamentos sexuais de risco, apenas com base na
sua orientação sexual, sem que nada justifique a priori essa consideração.
São várias as notícias que indicam uma indefinição nos procedimentos de doação de sangue, com avanços
e recuos por parte da Direção-Geral da Saúde (DGS) no que toca às normas emitidas1.
As associações LGBTI, já antes, mas essencialmente desde 2016, têm recebido sistematicamente denúncias
de discriminação de dadores gays e bissexuais, por lhes ser recusada a dádiva de sangue com base em critérios
obsoletos, que se escudam na categorização destes dadores num suposto grupo de risco de homens somente
porque têm sexo com homens, numa clara violação da norma vigente e da evidência científica atual, como
alertaram estas associações num ofício remetido à Assembleia da República.
A atuação com base nessa presunção sem rigor científico levou a que muitos destes cidadãos tenham sido
sujeitos à suspensão temporária da possibilidade de proceder à dádiva de sangue e à exigência de um ano de
prática de abstinência sexual.
A 21 de outubro de 2016, o Governo assegurou o seguinte à Assembleia da República em resposta escrita:
foi «removida qualquer discriminação com base na orientação sexual e é dado enfoque a comportamentos de
risco que podem ocorrer independentemente da orientação sexual», reiterando que «[n]o que diz respeito à
suspensão temporária, não existe qualquer referência específica à subpopulação ‘homens que têm sexo com
homens’ na norma».
Ora, se tinha desaparecido a generalização abusiva de atirar as pessoas LGBTI (Lésbicas, Gays, Bissexuais,
Transgénero e Intersexo) para um grupo de risco, colocando-se antes, e bem, o enfoque nos comportamentos
de risco de qualquer pessoa e não na classificação obsoleta de grupo de risco, não faria qualquer sentido um
regresso ao passado, profundamente discriminatório por parte da DGS.
Por pressão associativa e política, a 19 de março de 2021 é publicada uma nova norma aplicada à Seleção
de Pessoas Candidatas à Dádiva de Sangue com Base na Avaliação de Risco Individual.
Como relatou a associação ILGA Portugal – Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual, Trans e Intersexo, «há
nesta norma um reconhecimento expresso e cabal de que não existe evidência científica que corrobore um
período de suspensão da dádiva de sangue em função da orientação sexual».
Considera ainda a associação que esta é primeira norma com linguagem inclusiva, em cumprimento das
boas práticas para a Administração Pública decorrentes do V Plano Nacional para a Igualdade de Género,
Cidadania e Não-Discriminação e do Manual do Conselho da União Europeia.
A ILGA Portugal reconhece o esforço da nova redação pelo aumento da literacia para a saúde e adesão aos
critérios científicos e destaca a inclusão de uma nota revogatória e exclusiva para impedir que a interpretação
da norma seja feita à luz de preconceitos ou documentos publicados paralela ou anteriormente.
1 https://expresso.pt/sociedade/2020-02-27-Dadiva-de-sangue-por-homens-gay-esta-num-limbo.-Grupo-que-estuda-periodo-de-abstinencia-so-deve-apresentar-conclusoes-em-junho
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A prestação de cuidados de saúde e a possibilidade de salvar vidas são um bem que qualquer sociedade
deve promover e garantir. A sensibilização da população para a dádiva de sangue é uma estratégia fundamental,
que deve estar associada a outras estratégias como a gestão dos bancos de sangue e a melhoria de tecnologias
para a sua utilização sem desperdício.
Para uma forte mobilização da população, é essencial que esta mensagem chegue de forma regular a
todos/as ao longo da vida, enquanto medida de saúde solidária e humanista.
Para tal, é fundamental que as campanhas de sensibilização e informação não só sejam integradas nos
diversos contextos sociais (universitários, laborais, comunitários) e diferentes meios de comunicação social,
como também que a sua linguagem e mensagem sejam adaptadas aos diversos públicos.
A eficácia e clareza da lei são essenciais para o bom cumprimento das normas e princípios consagrados na
Constituição, mas sabemos que, enquanto seres humanos, somos permeáveis a perceções e convicções
pessoais. No caso de profissões que prestam cuidados e serviços a outrem, exige-se que exista uma consciência
muita clara entre essas convicções e os parâmetros técnicos e científicos que o dever ético e profissional nos
exige.
Deste modo, a capacitação e atualização regular dos profissionais de saúde que atuam nesta matéria deve
ser assegurada, não só para facilitar o acesso destes profissionais a áreas de conhecimento menos presentes
na sua formação inicial e garantir maior segurança profissional nas suas práticas quotidianas, como também
para desmistificar crenças, até inconscientes, sobre determinados grupos sociais e a sua correlação com as
práticas correntes em saúde.
É também essencial que se promova a dádiva de sangue, facilitando a ausência do dador à sua atividade
profissional, não só pelo período estritamente necessário para a respetiva dádiva, assim como durante todo o
dia de prestação de trabalho, para que possa recuperar com tempo, retirando o stress do regresso ao trabalho
no momento seguinte, permitindo que esta ação de natureza solidária e humanista seja, de alguma forma,
incentivada e devidamente reconhecida, desta feita, também pelas próprias entidades empregadoras.
Pelo exposto, e ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, as Deputadas e o
Deputado do PAN abaixo assinados apresentam o seguinte projeto de lei:
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei promove a dádiva de sangue e proíbe a discriminação na elegibilidade para dar sangue em
razão da identidade de género ou orientação sexual, procedendo à primeira alteração à Lei n.º 37/2012, de 27
de agosto que aprova o Estatuto do Dador de Sangue.
Artigo 2.º
Alteração à Lei n.º 37/2012, de 27 de agosto
Os artigos 3.º, 4.º e 7.º da Lei n.º 37/2012, de 27 de agosto, passam a ter a seguinte redação:
«Artigo 3.º
[…]
1 – […].
2 – […].
3 – […].
4 – Os critérios de elegibilidade definidos no número anterior não podem discriminar o dador de sangue em
razão da sua identidade de género ou orientação sexual.
5 – [Anterior número 4.]
Artigo 4.º
[…]
1 – […].
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2 – […].
3 – […].
4 – Os critérios definidos no número anterior não podem discriminar o dador de sangue em razão da sua
identidade de género ou orientação sexual.
5 – [Anterior número 4.]
Artigo 7.º
[…]
1 – O dador está autorizado a ausentar-se da sua atividade profissional durante todo o dia da dádiva de
sangue.
2 – Para efeitos do número anterior, a falta do dador de sangue à sua atividade profissional considera-se
justificada pela entidade empregadora sem perda de retribuição.
3 – A ausência do dador é comprovada e justificada pelo organismo público responsável pela recolha de
sangue.
4 – [Anterior número 3.]
5 – [Anterior número 4.]
6 – [Anterior número 5.]»
Artigo 4.º
Campanha de sensibilização para a dádiva e formação de profissionais
1 – O Instituto Português de Sangue e Transplantação promove, anualmente, uma campanha de incentivo à
dádiva de sangue.
2 – A campanha referida no número anterior deve ser integrada nos diversos contextos sociais e promovida
nos diferentes meios de comunicação social, com recurso a uma mensagem simples, clara e informada.
3 – A respetiva campanha deverá sensibilizar para a não discriminação do dador, com especial incidência
em razão da sua identidade de género ou orientação sexual.
4 – O Instituto Português de Sangue e Transplantação promove a formação anual dos profissionais de saúde
que atuam nesta matéria.
Artigo 5.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia seguinte à sua publicação.
Assembleia da República, 17 de setembro de 2021.
As Deputadas e o Deputado do PAN: Bebiana Cunha — Inês de Sousa Real — Nelson Silva.
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PROJETO DE LEI N.º 944/XIV/3.ª
ESTABELECE A OBRIGATORIEDADE DE PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÃO AO CONSUMIDOR
RELATIVAMENTE AOS CUSTOS AMBIENTAIS DA PRODUÇÃO DOS GÉNEROS ALIMENTÍCIOS,
PROCEDENDO À ALTERAÇÃO DO DECRETO-LEI N.º 138/90, DE 26 DE ABRIL
Exposição de motivos
Já desde 1982 que os direitos dos consumidores têm expressão constitucional, no entanto, foi com a revisão
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de 1989 que estes passaram a pertencer à categoria de direitos e deveres fundamentais de natureza económica.
Dispõe o artigo 60.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) que «Os consumidores têm direito à
qualidade dos bens e serviços consumidos, à formação e à informação, à proteção da saúde, da segurança e
dos seus interesses económicos, bem como à reparação de danos.»1
O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, relativo ao processo n.º 99B8692, aborda a importância do direito
à informação no quadro dos direitos dos consumidores, referindo que «O direito à informação importa que seja
produzida uma informação completa e leal capaz de possibilitar uma decisão consciente e responsável, tudo
com vista a habilitar o consumidor a uma decisão de escolha consciente e prudente.» E acrescenta: «uma área
em que para além do combate à informação negativa, mentirosa, enganadora ou desleal, é crucial a obrigação
geral de informação positiva que impende sobre os profissionais no seu interface (relações de consumo) com
os consumidores, obrigação esta cuja matriz é o princípio da boa-fé, hoje expressamente consagrado no artigo
9.º da Lei n.º 29/81, de 22 de agosto, e genericamente nos artigos 227.º, 239.º e 762.º do CCIV66 – conf., Calvão
da Silva, in ‘Responsabilidade Civil do Produtor’ – Coimbra – Almedina – 1990, pág. 78.»
Concluindo «Hoje, perante o reconhecimento dos direitos do consumidor em geral e do regime constante da
Lei n.º 24/96, de 31 de julho, parece indiscutível que é o fornecedor de bens ou serviços quem tem de informar
de forma completa o consumidor, não sendo pois exigível – pois que normalmente em situação de desigualdade
de poder e de conhecimentos económicos e técnicos em que se encontra perante profissionais que de outro
modo poderiam aproveitar-se da sua ignorância, da sua inferioridade e da sua fraqueza – que seja este a tomar
as iniciativas necessárias ao seu cabal esclarecimento».
Também a Comunidade Europeia considerou este tema suficientemente importante para o incluir no Tratado
da Comunidade Europeia, constando atualmente no artigo 169.º do Tratado de Funcionamento da União
Europeia (ex-artigo 153.º do TCE), artigo com a epígrafe «A Defesa dos Consumidores» 3. Em suma, neste
artigo, é defendido que União Europeia deve ter em conta os interesses dos consumidores, contribuindo para a
proteção da saúde, da segurança e dos interesses económicos destes. Cabendo depois aos Estados-Membros
prosseguir as políticas da União, sendo admissível que estes mantenham ou introduzam medidas de proteção
mais estritas, desde que compatíveis com os Tratados (n.º 4 do referido artigo).
Portugal veio a legislar sobre esta matéria em 1996, aprovando aquela que é conhecida como a Lei de Defesa
do Consumidor, ou seja, Lei n.º 24/96, de 31 de julho4, que vai já na sua sexta versão. Segundo o artigo 3.º da
referida lei, são direitos do consumidor: a proteção da saúde, a qualidade dos bens e a informação para o
consumo (entre outros).
Sendo claro que o direito à informação é uma das componentes mais importantes daquilo que constitui os
direitos dos consumidores, este ganha especial relevância quando se trata de bens alimentares.
O Regulamento UE n.º 1169/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, datado de 25 de outubro de 20115,
relativo à prestação de informação aos consumidores sobre os géneros alimentícios, transposto para a ordem
jurídica portuguesa através do Decreto-Lei n.º 26/2016, de 9 de junho6, tem como objetivo atingir um elevado
nível de proteção da saúde dos consumidores e de garantir o seu direito à informação. Esta informação deve
ser adequada, de forma a que os consumidores tenham plena consciência dos bens que consomem.
Esclarecendo e admitindo ainda que os consumidores podem ser influenciados nas suas escolhas por
considerações de saúde, económicas, ambientais, sociais e éticas.
E as considerações ambientais têm vindo a ser cada vez mais fator de decisão. Sendo cada vez mais normal
que os consumidores se preocupem também com a forma como os produtos alimentares são produzidos e os
impactos ambientais da sua produção. Para estes consumidores não é irrelevante, por exemplo, se o azeite que
estão a comprar provém de uma produção intensiva de monocultura ou não. E, naturalmente, que os custos
ambientais da produção de azeite num regime extensivo ou superintensivos, são muito distintos. Estes dados
atualmente não são disponibilizados aos consumidores.
Num estudo7 levado a cabo pela Estudo ONEY e desenvolvido online pela OpinionWay, concluiu-se que, em
Portugal, 85% dos consumidores são sensíveis ao consumo sustentável. Por exemplo, cerca de 50% dos
1 https://www.parlamento.pt/Legislacao/Documents/constpt2005.pdf 2 http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/7116bd09615fb1d780256bdc002dc80a?OpenDocument 3 http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:12012E/TXT&from=pt 4 http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=726&tabela=leis 5 http://www.cvrdao.pt/images/documentos/Regulamento%20(UE)%201169-2011%20-%20de%2025%20de%20Outubro.pdf 6 https://dre.pt/application/conteudo/74661197 7 https://regiao-sul.pt/wp-content/uploads/2020/02/Estudo_Consumo_Sustentavel_Oney_Infografia_portugues.pdf
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inquiridos expressou a preocupação pela opção de compra de produtos biológicos, reciclados ou recicláveis,
precisamente por terem menores impactos ambientais. Assim, cabe aos produtores a obrigação de disponibilizar
aos consumidores o máximo de dados possível para que este faça as suas escolhas.
No entanto, apesar das várias normas nacionais e europeias que reconhecem o direito do consumidor à
informação e do cada vez maior interesse do consumidor, a verdade é que, no que diz respeito aos impactos
ambientais de determinado fornecimento de bem ou prestação de serviços, a informação é muito reduzida e, na
grande maioria, da livre iniciativa do produtor. Naturalmente que só os que têm melhores práticas têm a
preocupação de incluir essa informação nos rótulos ou embalagens. No caso da oferta de energia, por exemplo,
existe já indicação na fatura do mix energético e das emissões de CO2, mas que constitui uma exceção, em
Portugal, da adequada prestação de informação ao consumidor sobre os impactos ambientais.
O sector alimentar é um dos sectores com maior impacte ambiental, seja ao nível da emissão de gases com
efeito de estufa, do consumo de recursos hídricos, da ocupação do solo, da utilização de produtos químicos e
dos impactes na biodiversidade. É assim fundamental que o consumidor possa efetuar as suas escolhas,
consciente dos impactes ambientais que cada produto oferece, seja quando o adquire diretamente, seja quando
o consome na restauração.
A União Europeia tem já estudos sobre os impactos ambientais para alguns produtos alimentares, utilizando
a metodologia do ciclo de vida, designadamente a carne de porco, carne bovina, aves, leite, queijo, manteiga,
pão, açúcar, óleo de girassol, azeite, batatas, laranjas, maçãs, água mineral, café torrado, cerveja e refeições
pré-preparadas. O impacte ambiental do consumo médio de alimentos de um cidadão europeu foi caracterizado
usando a avaliação do impacto no ciclo de vida e concluiu-se que o consumo de comida apresenta cerca de
30% do total de impactes ambientais associado ao consumo8.
Os resultados gerais indicam que, nas categorias com maior impacto ambiental, os alimentos mais
consumidos são os derivados de carne (carne bovina, suína e de aves) e laticínios (queijo, leite e manteiga). A
fase agrícola é a etapa do ciclo de vida mais impactante, devido à contribuição de atividades agrícolas e
zootécnicas. O processamento e a logística de alimentos apresentam a segunda maior relevância, devido à sua
intensidade energética e às emissões de gases com efeito de estufa, ocorridas durante a produção de calor,
vapor e eletricidade e durante o transporte. Relativamente ao fim da vida útil, a excreção humana e os
tratamentos de águas residuais colocam um fardo adicional nos impactos ambientais. Além disso, as perdas de
alimentos que ocorrem durante todo o ciclo de vida, durante as fases agrícola/ industrial e em casa, em termos
de desperdício alimentar, também devem ser levadas em consideração, pois podem contribuir com até 60% dos
alimentos produzidos.
Desta forma, e utilizando as metodologias e indicadores publicados pela União Europeia, deverá ser criado,
em Portugal, um sistema de informação ao consumidor que identifique, em cada produto alimentar, adquirido
diretamente ou por refeição já preparada, os impactes ambientais associados, de forma a permitir uma escolha
consciente e informada, consoante a lei já determina.
Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, as Deputadas e o Deputado do PAN apresentam
o seguinte projeto de lei:
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei estabelece a obrigatoriedade de prestação de informação ao consumidor relativamente aos
custos dos impactes ambientais da produção dos géneros alimentícios, procedendo para o efeito à primeira
alteração do Decreto-Lei n.º 138/90, de 26 de abril, que obriga que os bens destinados à venda a retalho exibam
o respetivo preço de venda ao consumidor.
Artigo 2.º
Alteração ao Decreto-Lei n.º 138/90, de 26 de abril
São alterados os artigos 1.º e 2.º do Decreto-Lei n.º 138/90, de 26 de abril, que passam a ter a seguinte
8 https://ec.europa.eu/jrc/en/publication/environmental-impact-food-consumption-europe
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redação:
«Artigo 1.º
(…)
1 – Todos os bens destinados à venda a retalho devem exibir o respetivo preço de venda ao consumidor e,
adicionalmente, devem também referir o custo do impacto ambiental associado à sua produção.
2 – […].
3 – […].
4 – […].
5 – […].
6 – […].
Artigo 2.º
(…)
a) […];
b) […];
c) […];
d) […];
e) […];
f) ‘Impacto ambiental’, indicadores associados à produção dos géneros alimentícios, no que diz respeito à
quantidade de recursos ambientais ou agentes poluentes que foram necessários à sua produção».
Artigo 3.º
Regulamentação
O Governo regulamenta o disposto na presente lei num prazo de 90 dias após a sua publicação.
Artigo 4.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
Palácio de São Bento, 17 de setembro de 2021.
As Deputadas e o Deputado do PAN: Bebiana Cunha — Inês de Sousa Real — Nelson Silva.
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PROJETO DE LEI N.º 945/XIV/3.ª
PROÍBE A DISCRIMINAÇÃO EM RAZÃO DA ORIENTAÇÃO SEXUAL, DA IDENTIDADE DE GÉNERO,
DA EXPRESSÃO DE GÉNERO E DAS CARACTERÍSTICAS SEXUAIS NA DOAÇÃO DE SANGUE
Exposição de motivos
A construção de uma sociedade mais livre e mais justa, onde a igualdade e a democracia são garantidas a
todos os cidadãos, é um trabalho que se cumpre todos os dias, nas diversas áreas e temas em que os mesmos
interagem e participam.
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Nesse trabalho participam todos os membros da comunidade, sendo a dadiva de sangue um exemplo disso,
enquanto ato consciente de contribuição individual para a satisfação das necessidades de sangue de toda a
comunidade.
A impossibilidade de doar sangue por parte de homens que têm sexo com outros homens, apesar de
injustificável e de não ter respaldo nos estudos científicos e na lei, existia de facto até há bem pouco tempo.
Esta situação ocorria apesar da falta de doações de sangue que temos no nosso país, situação que se
agravou com a pandemia que atravessamos, e das escassas reservas disponíveis em alguns grupos
sanguíneos. Só com a persistência dos cidadãos e das associações de proteção dos direitos LGBTIQ+ se
conseguiu tornar claro a todos que essa discriminação não poderia continuar a existir.
O Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda sempre se opôs a esta discriminação, que se fundava na
existência do conceito ultrapassado e preconceituoso de «grupos de risco», sendo exemplo disso o Projeto de
Resolução n.º 13/XI/1.ª, publicado a 7 de maio de 2010, que «Recomenda ao Governo a adopção de medidas
que visem combater a atual discriminação dos homossexuais e bissexuais nos serviços de recolha de sangue»,
para além de outras iniciativas e várias perguntas dirigidas ao Governo ao longo dos anos.
Apesar dos atrasos na implementação das medidas, e da falta de informação da população e em especial
dos profissionais responsáveis pela recolha das dádivas de sangue, para o conhecimento dos critérios de
elegibilidade na doação de sangue, o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda sempre procurou através de
todos os meios disponíveis, que esta discriminação cessasse.
A presente iniciativa legislativa é mais um passo para que descriminações injustificáveis na doação de
sangue deixem em definitivo de existir, promovendo à consagração do princípio da não discriminação em razão
da orientação sexual, da identidade de género, da expressão de género e das características sexuais no Estatuto
do Dador de Sangue, aprovado pela Lei n.º 37/2012, de 27 de agosto.
Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, as Deputadas e os Deputados do Bloco de
Esquerda apresentam o seguinte projeto de lei:
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei proíbe a discriminação na elegibilidade das doações de sangue em razão da orientação sexual,
identidade de género, expressão de género e das características sexuais, procedendo à primeira alteração ao
Estatuto do Dador de Sangue, aprovado pela Lei n.º 37/2012, de 27 de agosto.
Artigo 2.º
Alteração à Lei n.º 37/2012, de 27 de agosto
Os artigos 3.º e 4.º da Lei n.º 37/2012, de 27 de agosto, passam a ter a seguinte redação:
«Artigo 3.º
[…]
1 – […].
2 – […].
3 – Pode dar sangue aquele que cumpra os critérios de elegibilidade, previamente definidos de forma clara,
objetiva, igual e proporcional por portaria do Ministério da Saúde.
4 – Os critérios de elegibilidade definidos no número anterior não podem discriminar o dador de sangue em
razão da sua orientação sexual, da identidade de género, da expressão de género e das suas características
sexuais.
5 – [Anterior n.º 4.]
Artigo 4.º
[…]
1 – […].
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2 – […].
3 – […].
4 – Os critérios definidos no número anterior não podem ser discriminados em razão da orientação sexual,
da identidade de género, da expressão de género e das características sexuais.
5 – Compete aos serviços de sangue garantir que os dadores de sangue cumprem todos os critérios de
elegibilidade e que estes critérios são aplicados de forma clara, objetiva, igual e proporcional a todos os
candidatos.»
Artigo 3.º
Campanha pela dádiva de sangue e de esclarecimento da população
O Instituto Português de Sangue e Transplantação promove, em parceria com as instituições de ensino, com
as associações de dadores de sangue e com as associações de proteção de direitos LGBTQI+, a uma campanha
anual de incentivo à dádiva de sangue por parte de jovens e ao esclarecimento da população em geral sobre a
importância de doar sangue e dos critérios de elegibilidade.
Artigo 4.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
Assembleia da República, 17 de setembro de 2021.
As Deputadas e os Deputados do BE: Fabíola Cardoso — Moisés Ferreira — Pedro Filipe Soares — Jorge
Costa — Mariana Mortágua — Alexandra Vieira — Beatriz Gomes Dias — Diana Santos — Isabel Pires — Joana
Mortágua — João Vasconcelos — José Manuel Pureza — José Maria Cardoso — José Moura Soeiro — Luís
Monteiro — Maria Manuel Rola — Nelson Peralta — Ricardo Vicente — Catarina Martins.
———
PROJETO DE LEI N.º 946/XIV/3.ª
ALTERA A LEI N.º 46/2005, DE 29 DE AGOSTO, E ESTENDE A LIMITAÇÃO DE TRÊS MANDATOS
CONSECUTIVOS AO EXERCÍCIO DO CARGO DE PRIMEIRO-MINISTRO E PRESIDENTE DO GOVERNO
REGIONAL
Exposição de motivos
Nos termos do disposto no artigo 118.º da Constituição da República Portuguesa, os cargos políticos não
devem ser exercidos a título vitalício e para além disso estabelece ainda que «A lei pode determinar limites à
renovação sucessiva de mandatos dos titulares de cargos políticos executivos.». Ou seja, o legislador
constitucional expressamente previu a possibilidade de limitação de mandatos.
Em 2005 foi aprovada a Lei n.º 46/2005, de 29 agosto, que introduziu a limitação de mandatos aos
presidentes das câmaras municipais e juntas de freguesia. Acontece que ficaram excluídos da referida lei os
Vereadores, apesar destes também assumirem cargos executivos.
Para além disso, o entendimento da Comissão Nacional de Eleições é que essa limitação de mandato apenas
se verifica territorialmente, ou seja, a limitação de mandatos apenas se aplica no município ou freguesia em que
ocorreu a eleição não havendo qualquer impedimento a que essas pessoas se candidatem noutro
município/freguesia. Parece-nos que essa circunstância esvazia de conteúdo o objetivo da lei. Para efeitos de
aplicação da referida lei deve ser indiferente a zona territorial em que os três mandatos foram exercidos.
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A República, enquanto princípio fundamental da nossa ordem jurídica, traz em si, necessariamente, a ideia
de alternância no poder, proporcionada pelas eleições periódicas. A limitação de mandatos permite o reforço da
democracia e a renovação dos intervenientes políticos.
Para além de promover o pluralismo, também permite reduzir a concentração do controle da máquina política
nas mãos de poucos indivíduos que, eventualmente, se perpetuam no poder em detrimento do interesse público
e do bem comum. Com efeito, o sistema atual privilegia os que exercem há mais tempo cargos políticos,
angariando cada vez mais poder ao longo de sucessivos mandatos. A possibilidade de reeleição vitalícia é
potencialmente nociva à democracia.
A presente proposta veda unicamente o direito a nova candidatura ao mesmo cargo depois de terem sido
exercidos três mandatos consecutivos. Isto significa que havendo um mandato de intervalo, a pessoa pode voltar
a candidatar-se ao cargo que já exerceu.
Para além do que já foi referido, a limitação de mandatos pretende reduzir o número de pessoas que fazem
da política uma carreira bem como as possibilidades de corrupção no Estado.
Recorde-se que, segundo os resultados do Barómetro Global de Corrupção1, quase 90% dos portugueses
acredita que há corrupção no Governo.
A Organização das Nações Unidas (ONU) reconhece, entre outras coisas, que a corrupção coloca em causa
a estabilidade e a segurança das sociedades, pois tem a possibilidade de minar a confiança dos cidadãos tanto
nas instituições como nos valores democráticos; que os casos de corrupção envolvem, em muitos casos,
recursos dos Estados e que a aquisição ilícita de riqueza pessoal pode ser particularmente prejudicial para as
instituições democráticas, as economias nacionais e o Estado de direito. Concluindo, devemos tomar todas as
medidas que se considerem necessárias ao combate à corrupção e que promovam a confiança dos cidadãos
nos titulares dos cargos políticos.
Segundo Maria Elisabeth Guimarães Teixeira Rocha, constitucionalista brasileira2, sobre a limitação de
mandatos refere que:
«(…) Indiscutivelmente, trata-se de um mecanismo revisor das bases do poder, que expurga a retórica
ideológica e pressiona por uma representação partidária menos profissional, porém, mais comprometida ética e
moralmente. Desafiando o sistema eleitoral que privilegia os lobbies, a rotatividade enfraquece a atuação dos
grupos de pressão no Congresso, ao obrigá-los a refazerem suas ligações com frequência, revigorando o
common sense e o conceito de cidadania. (…)
Finalmente, institui a limitação de mandatos eletivos novo paradigma para formulações de ordem comunitária,
onde a igual participação de todos inspira a moral política, renova a República e realça um sistema de governo
que faz prevalecer a máxima de Cícero, segundo a qual ‘o homem que obedece deverá ter esperança de um
dia comandar e, aquele que comanda, deverá refletir que, num curto tempo, irá obedecer.’(…)».
Face ao exposto, propõe-se que a limitação de mandatos já prevista abranja também o Primeiro-Ministro,
Presidentes dos Governos Regionais e os Vereadores, para além de clarificar que o impedimento de apresentar
nova candidatura após o decurso dos três mandatos não se aplica só ao município ou freguesia onde exerceu
funções, mas a todo o território.
Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do
Regimento, a Deputada não inscrita Cristina Rodrigues apresenta o seguinte projeto de lei:
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei procede à alteração da Lei n.º 46/2005, de 29 agosto, e limita a três mandatos consecutivos o
exercício das funções de Primeiro-Ministro e Presidente do Governo Regional.
1 https://transparencia.pt/wp-content/uploads/2021/06/GCB_EU_2021-WEB.pdf 2 In «limitação dos mandatos legislativos», artigo publicado no «O Correio Braziliense», de 17/03/2003, suplemento «direito e justiça».
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Artigo 2.º
Alteração à Lei n.º 46/2005, de 29 agosto
É alterado o artigo 1.º da Lei n.º 46/2005, de 29 agosto, que passa a ter a seguinte redação:
«Artigo 1.º
Limitação de mandatos dos presidentes dos órgãos executivos das autarquias locais e dos vereadores
1 – O presidente de câmara municipal, os vereadores e o presidente de junta de freguesia só podem ser
eleitos para três mandatos consecutivos, salvo se no momento da entrada em vigor da presente lei tiverem
cumprido ou estiverem a cumprir, pelo menos, o 3.º mandato consecutivo, circunstância em que poderão ser
eleitos para mais um mandato consecutivo.
2 – O presidente da câmara municipal, os vereadores e o presidente de junta de freguesia, depois de
concluídos os mandatos referidos no número anterior, não podem assumir aquelas funções durante o quadriénio
imediatamente subsequente ao último mandato consecutivo permitido, independentemente da área territorial.
3 – […].»
Artigo 3.º
Limita a três mandatos consecutivos o exercício das funções de Primeiro-Ministro e de Presidente
do Governo Regional
1 – O exercício de funções como Primeiro-Ministro ou como Presidente do Governo Regional tem o limite
máximo de três mandatos consecutivos.
2 – Quem exerça as funções de Primeiro-Ministro e de Presidente do Governo Regional, depois de concluídos
os mandatos referidos no número anterior, não pode assumir aquelas funções durante o quadriénio
imediatamente subsequente ao último mandato consecutivo permitido.
Artigo 4.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
Palácio de São Bento, 16 de setembro de 2021.
A Deputada não inscrita Cristina Rodrigues.
———
PROJETO DE LEI N.º 947/XIV/3.ª
ALTERA A LEI N.º 37/2012, DE 27 DE AGOSTO, IMPEDINDO A DISCRIMINAÇÃO NA DÁDIVA DE
SANGUE EM RAZÃO DA ORIENTAÇÃO SEXUAL
Exposição de motivos
Em 2018, através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 61/2018, foi aprovada a Estratégia Nacional
para a Igualdade e a Não Discriminação 2018-2030 (doravante Estratégia), que temporal e substantivamente se
encontra alinhada com a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Segundo o seu preâmbulo, esta
assenta numa visão estratégica para o futuro sustentável de Portugal, enquanto país que assegura efetivamente
os direitos humanos, assente no compromisso coletivo de todos os sectores na definição das medidas a adotar
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e das ações a implementar.
A estratégia apoia-se em três planos de ação em matéria de não discriminação em razão do sexo e de
igualdade entre mulheres e homens; de prevenção e combate a todas as formas de violência contra as mulheres,
violência de género e violência doméstica; e de combate à discriminação em razão da orientação sexual,
identidade e expressão de género, e características sexuais (OIEC). Neste caso importa referir especificamente
o plano de ação para o combate à discriminação em razão da orientação sexual, identidade e expressão de
género, e características sexuais (PAOIEC) que têm como objetivos promover o conhecimento sobre a situação
real das necessidades das pessoas LGBTI e da discriminação em razão da OIEC; garantir a transversalização
das questões da OIEC e combater a discriminação em razão da OIEC, além de prevenir e combater todas as
formas de violência contra as pessoas LGBTI na vida pública e privada.
Na concretização desta visão, a estratégia assume como central a eliminação dos estereótipos de género
enquanto fatores que estão na origem das discriminações, diretas e indiretas, em razão do sexo, que impedem
a igualdade substantiva que deve ser garantida às mulheres e aos homens, reforçando e perpetuando modelos
de discriminação históricos e estruturais.
Acontece que, apesar de todos os desenvolvimentos que se têm verificado especificamente no que diz
respeito à discriminação em função da orientação sexual, continuam a ser frequentes os relatos de situações
em que esta discriminação existe no que diz respeito à dádiva de sangue.
De facto, em muitos casos, os Técnicos do Instituto Português de Sangue e Transplantação continuam a
considerar homens que fazem sexo com homens como tendo contacto com uma subpopulação com risco
infecioso acrescido, mesmo quando tenham um parceiro estável, impedindo-os, em consequência, de doar
sangue.
Segundo a ILGA Portugal, esta associação tem recebido cerca de três denúncias por semana de homens
homossexuais impedidos de doar sangue, alegadamente com base na sua orientação sexual.
Recentemente foi noticiado o caso de um cidadão que, em janeiro, respondendo ao apelo à dádiva de sangue
do Instituto Português do Sangue e da Transplantação, em Lisboa, deslocou-se ao posto fixo de doação,
acabando por lhe ser negada tal possibilidade. Segundo o Instituto, não há qualquer referência à orientação
sexual dos dadores no questionário. No entanto, sempre que eram colocadas questões sobre parceiros ao
cidadão em causa, era sempre presumido que se trataria de uma parceira. Este acabou por corrigir o técnico,
esclarecendo que se tratava de um parceiro. Segundo o que foi noticiado, a resposta do técnico terá sido a
rejeição imediata daquela doação, tendo referido que «homens que fazem sexo com homens não podem doar
sangue». Ora tal afirmação, não só não corresponde à verdade como deixa evidente a homofobia ali patente.
Para impedir situações como esta, um Grupo de Trabalho do Instituto, em 2015, recomendou o fim da
proibição da dádiva de sangue por homossexuais e bissexuais. Essa recomendação foi aceite pelo Ministério
da Saúde e acabou por ter expressão na revisão da norma da Direcção-Geral da Saúde (DGS), de 2016, que
regulava «os critérios de inclusão e exclusão de dadores», e que removeu «qualquer referência à categoria
‘homens que fazem sexo com homens’», a qual até à data era usada para a exclusão destes cidadãos no
processo de doação de sangue.
Na prática, a dádiva de sangue por parte de homossexuais e bissexuais passou a ser permitida, embora
condicionada a um período de suspensão temporária, que pode ir de 6 a 12 meses, caso haja comportamento
sexual ou atividade que os tenham colocado em risco acrescido de ter adquirido doenças infeciosas graves,
suscetíveis de serem transmitidas pelo sangue. Tal como todos os candidatos a dadores de sangue.
Assim, a norma, emitida pela DGS sob proposta conjunta do Departamento da Qualidade na Saúde, do
Programa Nacional para a Infeção VIH/Sida, do Instituto Português do Sangue e da Transplantação (IPST) e da
Ordem dos Médicos, vem estabelecer um período de suspensão temporária, após cessação do comportamento,
para:
• Indivíduos do sexo masculino ou feminino, parceiros de portador(es) de infeção por VIH, VHB e VHC,
durante um período de 12 meses, com avaliação analítica posterior;
• Indivíduos do sexo masculino ou feminino que tiveram contacto sexual com indivíduo(s) pertencente(s) a
subpopulações com risco infecioso acrescido para agentes transmissíveis pelo sangue (subpopulações
com elevada prevalência de infeção) durante um período de 12 meses, com avaliação analítica posterior;
• Indivíduos do sexo masculino ou feminino que tiveram contacto sexual (em Portugal ou no estrangeiro) com
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indivíduo(s) originário(s) de países com epidemia generalizada de infeção por VIH, durante um período
de 12 meses, com avaliação analítica posterior;
• Indivíduos do sexo masculino ou feminino com novo contacto ou novo parceiro sexual durante um período
de 6 meses.
Em 2017 aquela norma foi atualizada, não tendo sido feita qualquer alteração relativamente à referência à
orientação sexual como fator de impedimento, definitivo ou temporário.
Por último, a referida norma da DGS foi atualizada no dia 19 de março de 2021 no que diz respeito aos
critérios de elegibilidade para a dádiva de sangue. A atualização da referida norma estabelece que a pessoa
candidata à dádiva de sangue deve ser esclarecida e informada, de forma não discriminatória, sobre os
comportamentos com potencial exposição ao risco infecioso e as suas formas de prevenção, e estabelece os
períodos de suspensão da dádiva iguais para todas as pessoas.
Apesar da referida norma, na teoria, assegurar igualdade no acesso à dádiva de sangue, a prática tem
mostrado que ainda se verificam situações que são inadmissíveis à luz da nossa Constituição.
Não restam dúvidas que, a verificarem-se, estas situações claramente violam o disposto no artigo 13.º da
Constituição da República Portuguesa que diz respeito ao princípio da igualdade e que dispõe que «1. Todos
os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei. 2. Ninguém pode ser privilegiado,
beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência,
sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação
económica, condição social ou orientação sexual.»
Ainda, o Estatuto do Dador de Sangue, aprovado pela Lei n.º 37/2012, de 27 de agosto, prevê, no seu artigo
6.º, n.º 1, alínea c), que o dador ou candidato a dador tem direito a não ser objeto de discriminação, onde se
inclui obviamente a discriminação em função da orientação sexual.
Em consequência, as situações relatadas revelam a existência de preconceitos por parte das pessoas que
estão a executar a seleção de dadores e que associam a orientação sexual dos cidadãos a comportamentos de
maior ou menor risco e constituem uma afronta clara à Constituição da República Portuguesa e ao Estatuto do
Dador de Sangue.
Por tudo isto, apresentámos já o Projeto de Resolução com n.º 1023/XIV/2.ª que «Recomenda ao Governo
ações de combate à homofobia na dádiva de sangue», que foi aprovado por larga maioria e deu origem à
Resolução da Assembleia da República n.º 105/2021.
Este previa, nomeadamente, a avaliação da necessidade de revisão da Norma «Comportamentos de Risco
com Impacte na Segurança do Sangue e na Gestão de Dadores: Critérios de Inclusão e Exclusão de Dadores»;
a adoção de normas de monitorização da seleção de candidatos à dádiva de sangue por forma a detetar
potenciais situações de incumprimento e assegurar que não se voltam a verificar situações de discriminação de
cidadãos homossexuais, bem como a promoção de campanhas de sensibilização para o combate à
discriminação dos dadores, dirigidas aos técnicos que procedem à seleção de dadores.
Face ao exposto, pretendemos, com o presente projeto de lei, dar cumprimento ao previsto na Resolução
acima identificada, alterando para o efeito a Lei n.º 37/2012, de 27 de agosto, determinando expressamente que
ninguém pode ser discriminado na dádiva de sangue em função da orientação sexual.
Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, a Deputada não inscrita Cristina Rodrigues
apresenta o seguinte projeto de lei:
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei procede à alteração da Lei n.º 37/2012, de 27 de agosto, que aprova o Estatuto do Dador de
Sangue, proibindo a discriminação na dádiva de sangue em razão da orientação sexual.
Artigo 2.º
Alteração à Lei n.º 37/2012, de 27 de agosto
São alterados os artigos 3.º e 4.º da Lei n.º 37/2012, de 27 de agosto, que aprova o Estatuto do Dador de
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Sangue, os quais passam a ter a seguinte redação:
«Artigo 3.º
[…]
1 – […].
2 – […].
3 – Pode dar sangue aquele que cumpra os critérios de elegibilidade, previamente definidos por portaria do
Ministério da Saúde, os quais devem respeitar os princípios da proporcionalidade, confidencialidade,
equidade e não discriminação.
4 – Os critérios de elegibilidade definidos no número anterior não podem discriminar o dador de
sangue em razão da sua orientação sexual.
5 – [Anterior n.º 4.]
Artigo 4.º
[…]
1 – […].
2 – […].
3 – O carácter das doações, nomeadamente a sua regularidade, definição de unidade de sangue, intervalos
das dádivas e outros aspetos relacionados com a dádiva, deve atender aos critérios definidos pelo organismo
público responsável, de modo a garantir a disponibilidade e acessibilidade de sangue e componentes
sanguíneos de qualidade, seguros e eficazes, os quais devem respeitar os princípios da proporcionalidade,
equidade e não discriminação.
4 – […].»
Artigo 3.º
Campanhas de sensibilização e informação
1 – O Governo promove a realização de campanhas de sensibilização para o combate à discriminação dos
dadores em função da orientação sexual, dirigidas aos técnicos que procedem à sua seleção.
2 – O Governo promove uma ampla campanha de âmbito nacional, junto da opinião pública e instituições de
saúde, de combate à discriminação dos dadores em função da orientação sexual, em articulação com os media
regionais, autarquias e associações que trabalhem na área do combate às discriminações.
Artigo 4.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia seguinte à sua publicação.
Palácio de São Bento, 17 de setembro de 2021.
A Deputada não inscrita Cristina Rodrigues.
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PROJETO DE LEI N.º 948/XIV/3.ª
ALARGA E GARANTE A ATRIBUIÇÃO DA LICENÇA PARENTAL INICIAL IGUALITÁRIA EM TERMOS
DE GÉNERO, ÀS FAMÍLIAS MONOPARENTAIS E, POR VIA DA ADOÇÃO, ALARGA A LICENÇA INICIAL
EXCLUSIVA DO PAI E A DISPENSA PARA AMAMENTAÇÃO, ALEITAÇÃO E ACOMPANHAMENTO DA
CRIANÇA (VIGÉSIMA PRIMEIRA ALTERAÇÃO À LEI N.º 7/2009, DE 12 DE FEVEREIRO, QUINTA
ALTERAÇÃO AO DECRETO-LEI N.º 89/2009, DE 9 DE ABRIL, E SEXTA ALTERAÇÃO AO DECRETO-LEI
N.º 91/2009, DE 9 DE ABRIL)
Exposição de motivos
A discriminação laboral das mulheres, a feminização da precariedade, a desigualdade salarial que se
aprofunda ainda mais na reforma, a desigual representação nos cargos de topo e liderança e a desigual partilha
das tarefas domésticas e dos cuidados com os filhos são consequência de uma sociedade que ainda atribui
papéis de género estereotipados a homens e mulheres. Uma sociedade cuja organização se baseia em valores
patriarcais, em que as mulheres persistem como aquelas a quem cabe tratar da casa e dos filhos e em que aos
homens é ainda mal vista essa função. Numa sociedade patriarcal todos são afetados e todos perdem.
Esta organização em função de papéis de género diferenciados tem efeitos devastadores em muitas
dimensões da vida das mulheres – pessoal, coletiva, política, cultural, laboral, económica. Mas também afeta os
homens especialmente na possibilidade de construção de vínculos com os filhos.
As desigualdades de género, em especial no que respeita ao acesso e progressão no trabalho e
consequentemente no rendimento disponível das mulheres, são consequências do trabalho invisível que as
mulheres acumulam quotidianamente em casa, seja com as tarefas domésticas, seja com os cuidados e
educação dos filhos.
À semelhança de vários outros estudos nacionais e internacionais, um estudo feito pela Fundação Francisco
Manuel dos Santos, em 2019, revela que as mulheres dedicam quase seis horas por dias a trabalho não pago,
quer tenham ou não um emprego fora de casa. No caso das tarefas domésticas, as mulheres suportam mais do
triplo de trabalho que o companheiro (74%) e no que diz respeito à educação e cuidado dos filhos, os resultados
seguem a mesma trajetória. As mulheres garantem 73% do trabalho, enquanto os companheiros asseguram
21%. A assistência dos avós e ajuda remunerada corresponde a 6%.
O estudo conclui ainda que 60% inquiridos consideram que as condições laborais, no que respeita à
conciliação trabalho-família, justiça salarial e número de horas de trabalho fora de casa, estão piores
relativamente à geração anterior e mais de 60% afirma que teria mais filhos caso tivesse melhores condições
profissionais.
A contribuição das mulheres para a economia, frequentemente não paga e desvalorizada, nunca foi tão
visível. Num estado democrático e igualitário, os cuidados devem ser pensados como investimento público e
não enquanto despesa pública.
A licença parental é um direito laboral que conjuga a possibilidade de restabelecimento da gravidez, a criação
de vínculos entre pais, mães e criança, assim como garante à criança o direito a beneficiar de atenção dedicada
cumprindo, desta forma, o seu superior interesse. Em 2014, a Organização Internacional do Trabalho reviu as
políticas de licença parental em 185 países e territórios, tendo concluído que todos os países, com a exceção
dos Estados Unidos da América e a Papua-Nova Guiné, possuem leis relativas à licença parental.
Licenças parentais pagas permitem a permanência no mercado de trabalho, tanto para homens, como para
mulheres, ao mesmo tempo que aumentam o rendimento familiar disponível e, desta forma, licenças parentais
pagas têm igualmente um efeito positivo na taxa de natalidade.
Por outro lado, sabemos que o facto de serem as mulheres, na sua maioria, a usufruir das licenças parentais,
resulta numa diminuição do seu rendimento disponível em comparação com os homens, cujos efeitos se sentem
com especial incidência na reforma. Condiciona as escolhas profissionais das mulheres promovendo a
segregação de género no trabalho, mas também os seus tempos de trabalho e as suas oportunidades de
progressão na carreira.
Em Portugal, o artigo 39.º do Código do Trabalho estabelece as seguintes licenças parentais: a) Licença
parental inicial; b) Licença parental inicial exclusiva da mãe; c) Licença parental inicial a gozar pelo pai por
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impossibilidade da mãe; d) Licença parental exclusiva do pai.
No caso da licença parental inicial ambos os progenitores têm direito a uma licença parental inicial de 120
dias ou 150 dias consecutivos que pode ser partilhada. Nesse caso, o período de licença é acrescido de 30 dias
extra. Contudo, para usufruírem deste benefício, devem utilizar os 30 dias de forma consecutiva ou divididos em
dois períodos de 15 dias, que também devem ser gozados consecutivamente. Estes dias extra só podem ser
gozados por um dos pais e depois do período obrigatório da mãe, que corresponde a seis semanas (42 dias).
Contas feitas, se os pais partilharem a licença podem chegar a 150 dias de licença paga a 100% ou a 180
dias paga a 83%.
Existem ainda situações de acréscimo adicionais que podem ser contabilizadas, como o nascimento de
gémeos, o internamento pós-parto ou o nascimento prematuro.
Importa agora dar um passo significativo, tanto na promoção da partilha das licenças parentais, como no
alargamento da própria licença, proporcionando à criança a possibilidade de ficar em casa o máximo de tempo
possível.
A licença parental igualitária e a não transferibilidade dos períodos de licença promovem não apenas uma
maior igualdade de acesso e de oportunidades laborais entre mulheres e homens, mas é igualmente vantajosa
na promoção da igualdade de género no estabelecimento de vínculos com as crianças, assim como na promoção
do saudável desenvolvimento das crianças e no seu bem-estar psicológico numa fase da vida em que os
benefícios do contacto próximo e permanente com pais e mães são incontestáveis. O aumento das licenças de
parentalidade tem demonstrado igualmente uma correlação positiva com a taxa de natalidade.
A licença não transferível foi inicialmente introduzida na União Europeia pela Diretiva 2010/18/EU do
Conselho de 8 de março de 2010 que aplica o Acordo-Quadro revisto sobre licença parental, e que determina
que, pelo menos, um mês da licença parental inicial de quatro meses seja não transferível.
Por sua vez, a Diretiva 2019/1158/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho de 20 de junho de 2019,
relativa à conciliação entre a vida profissional e a vida familiar dos progenitores e cuidadores, revogou a Diretiva
2010/18/EU do Conselho, e aumentou para dois meses o período não transferível. Esta alteração tem de ser
introduzida pelos Estados-Membro até 2 de agosto de 2022, tendo já países como a Finlândia e Espanha dado
nota que pretendem implementar estas medidas.
Importa também, seguindo as orientações da Organização Mundial da Saúde, no sentido da necessidade da
promoção e apoio ao aleitamento materno e ainda acolhendo a sugestão que a Ordem dos Médicos dirigiu ao
Parlamento garantir o alargamento da licença de amamentação, aleitação e ainda acrescentar a possibilidade
de dispensa para acompanhamento de criança até perfazer três anos. São duas medidas que respondem aos
desafios concretos lançados pelas organizações que pugnam pela defesa da igualdade entre homens e
mulheres, pela proteção da família e da parentalidade e pelos direitos das crianças.
Neste sentido, o Bloco de Esquerda apresenta o presente projeto de lei que constitui um importante passo
na garantia de direitos a ambos os progenitores, atribuindo uma licença inicial a cada um deles, alargando o
período de licença às famílias monoparentais, à parentalidade por adoção, aumentando o período de licença
inicial exclusiva do pai e ainda aumentando o período de dispensa para amamentação ou aleitação e para
acompanhamento da criança.
Este é um projeto sobre justiça laboral, mas também familiar, justamente aquela cuja ausência a sociedade
e o Estado não podem tolerar. Pelo contrário, cabe-lhes aprofundá-la e densificá-la. É com esse objetivo que o
Bloco de Esquerda apresenta esta iniciativa legislativa.
Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, as Deputadas e os Deputados do Bloco de
Esquerda apresentam o seguinte projeto de lei:
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei atribui a licença parental inicial a cada um dos progenitores, bem como alarga o período de
licença às famílias monoparentais e à parentalidade por adoção, alarga a licença inicial exclusiva do pai e a
dispensa para amamentação ou aleitação e para acompanhamento da criança.
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Artigo 2.º
Vigésima primeira alteração ao Código do Trabalho
Os artigos 40.º, 42.º, 43.º, 44.º, 47.º e 48.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de
fevereiro, e alterado pelas Leis n.os 105/2009, de 14 de setembro, 53/2011, de 14 de outubro, 23/2012, de 25 de
junho, 47/2012, de 29 de agosto, 69/2013, de 30 de agosto, 27/2014, de 8 de maio, 55/2014, de 25 de agosto,
28/2015, de 14 de abril, 120/2015, de 1 de setembro, 8/2016, de 1 de abril, 28/2016, de 23 de agosto, 73/2017,
de 16 de agosto, 14/2018, de 19 de março, 90/2019, de 4 de setembro, e 93/2019, de 4 de setembro, passam a
ter a seguinte redação:
«Artigo 40.º
Licença parental inicial
1 – A mãe e o pai trabalhadores têm direito, cada um, por nascimento de filho, a licença parental inicial de
120 dias consecutivos e intransmissíveis, a gozar após o parto, sem prejuízo dos direitos da mãe a que se
refere o artigo seguinte e da licença parental exclusiva do pai prevista no artigo 43.º
2 – O gozo da licença referida no número anterior pode ser usufruído em simultâneo pelos
progenitores.
3 – As famílias monoparentais gozam de dois períodos de licença parental inicial.
4 – A licença referida no n.º 1 é acrescida em 30 dias, cujo gozo pode ser partilhado, no caso de cada um
dos progenitores gozar, em exclusivo, dois períodos de 30 dias consecutivos, ou quatro períodos de 15 dias
consecutivos, após o período de gozo obrigatório pela mãe a que se refere o n.º 2 do artigo seguinte.
5 – [Anterior n.º 4.]
6 – Em situação de internamento hospitalar da criança imediatamente após o período recomendado de
internamento pós-parto, devido a necessidade de cuidados médicos especiais para a criança, a licença referida
no n.º 1 é acrescida do período de internamento, até ao limite máximo de 30 dias, sem prejuízo do disposto nos
n.os 4 e 5.]
7 – Nas situações previstas no n.º 6 em que o parto ocorra até às 33 semanas inclusive, a licença referida
no n.º 1 é acrescida de todo o período de internamento.
8 – Sem prejuízo do disposto no n.º 7, nas situações em que o parto ocorra até às 33 semanas inclusive a
licença referida no n.º 1 é acrescida em 30 dias.
9 – Em caso de partilha do gozo da licença nos termos do n.º 4, a mãe e o pai informam os respetivos
empregadores, até sete dias após o período de gozo exclusivo aí previsto, entregando, para o efeito,
declaração conjunta, no caso de trabalhadores por conta de outrem, ou, quando aplicável, declaração
do outro progenitor da qual conste que o mesmo exerce atividade profissional.
10 – O gozo da licença parental inicial em simultâneo, de mãe e pai que trabalhem na mesma empresa,
sendo esta uma microempresa, depende de acordo com o empregador, se for demonstrado prejuízo sério
para a laboração em processo apreciado pela entidade competente na área da igualdade no trabalho e
no emprego.
11 – A entidade referida no número anterior, no prazo de 30 dias, notifica o empregador e os
trabalhadores do seu parecer, o qual se considera favorável à intenção dos trabalhadores se não for
emitido naquele prazo.
12 – Sem prejuízo dos direitos da mãe a que se refere o artigo seguinte, os progenitores informam os
respetivos empregadores, até sete dias após o parto, da duração da licença e do início do respetivo
período.
13 – Em caso de internamento hospitalar da criança ou do progenitor que estiver a gozar a licença prevista
nos n.os 1, 2, 3 ou 4 durante o período após o parto, o período de licença suspende-se, a pedido do progenitor,
pelo tempo de duração do internamento.
14 – O acréscimo da licença previsto nos n.os 6, 7 e 8 e a suspensão da licença prevista no n.º 13 são feitos
mediante comunicação ao empregador, acompanhada de declaração emitida pelo estabelecimento hospitalar.
15 – A situação de suspensão da licença em caso de internamento hospitalar da criança, prevista no n.º 13,
não se aplica às situações nem durante os períodos previstos nos n.os 6 e 7.
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16 – [Anterior n.º 15.]
Artigo 42.º
[…]
1 – O pai ou a mãe tem direito a licença, com a duração referida nos n.os 1, 4, 5, 6, 7 ou 8 do artigo 40.º, ou
do período remanescente da licença, nos casos seguintes:
a) Incapacidade física ou psíquica do progenitor que estiver a gozar a licença, enquanto esta se mantiver;
b) Morte do progenitor que estiver a gozar a licença.
2 – Apenas há lugar à duração total da licença referida no n.º 4 do artigo 40.º, caso se verifiquem as condições
aí previstas, à data dos factos referidos no n.º 1.
3 – Em caso de morte ou incapacidade física ou psíquica da mãe, a licença parental inicial a gozar pelo pai
tem um acréscimo mínimo de 30 dias.
4 – Em caso de morte ou incapacidade física ou psíquica de mãe não trabalhadora nos 120 dias a seguir ao
parto, o pai tem direito a uma segunda licença nos termos do n.º 1, com a necessária adaptação, ou do número
anterior.
5 – Para efeito do disposto nos números anteriores, o pai informa o empregador, logo que possível, e,
consoante a situação, apresenta atestado médico comprovativo ou certidão de óbito e, sendo caso disso, declara
o período de licença já gozado pela mãe.
6 – Constitui contraordenação muito grave a violação do disposto nos n.os 1 a 4.
Artigo 43.º
Licença parental exclusiva do pai
1 – É obrigatório o gozo pelo pai de uma licença parental de 30 dias úteis, seguidos ou interpolados, nas seis
semanas seguintes ao nascimento da criança, cinco dos quais gozados de modo consecutivo imediatamente a
seguir a este.
2 – […].
3 – […].
4 – […].
5 – […].
Artigo 44.º
Licença por adoção
1 – Em caso de adoção de menor de 15 anos, o candidato a adotante tem direito à licença referida nos n.os
1 a 4 do artigo 40.º
2 – […].
3 – Havendo dois candidatos a adotantes, a licença deve ser gozada nos termos dos n.os 1 a 4 do artigo 40.º
4 – […].
5 – […].
6 – […].
7 – […].
8 – […].
9 – [Revogado.]
10 – O candidato a adotante informa o respetivo empregador, com a antecedência de 10 dias ou, em
caso de urgência comprovada, logo que possível, fazendo prova da confiança judicial ou administrativa
do adotando e da idade deste, da duração da licença e do início do respetivo período.
11 – […].
12 – É aplicável à licença por adoção, com as devidas adaptações, o disposto no artigo 47.º
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Artigo 47.º
Dispensa para amamentação ou aleitação e dispensa para acompanhamento da criança
1 – Os progenitores têm direito a dispensa de trabalho para o efeito de amamentação ou aleitação, durante
o tempo que a mesma durar, e direito a dispensa para acompanhamento até a criança perfazer três anos.
2 – No caso de não haver amamentação, desde que ambos os progenitores, biológicos ou adotantes,
exerçam atividade profissional, qualquer deles ou ambos, consoante decisão conjunta, têm direito a dispensa
para aleitação, até a criança perfazer três anos.
3 – A dispensa diária para amamentação, aleitação ou acompanhamento de criança é gozada em dois
períodos distintos, com a duração máxima de uma hora cada, salvo se outro regime for acordado com o
empregador.
4 – […].
5 – Se qualquer dos progenitores trabalhar a tempo parcial, a dispensa diária para amamentação, aleitação
ou acompanhamento de criança é reduzida na proporção do respetivo período normal de trabalho, não podendo
ser inferior a 30 minutos.
6 – […].
7 – […].
Artigo 48.º
Procedimento de dispensa para amamentação ou aleitação e procedimento de dispensa para
acompanhamento da criança
1 – Para efeito de dispensa para amamentação, a trabalhadora comunica ao empregador, com a
antecedência de 10 dias relativamente ao início da dispensa, que amamenta a criança, se a dispensa se
prolongar para além do primeiro ano de vida da criança.
2 – Para efeito de dispensa para aleitação e de dispensa para acompanhamento da criança, o
progenitor comunica ao empregador, com a antecedência de 10 dias relativamente ao início da dispensa,
declarando o período de dispensa gozado pelo outro progenitor, sendo caso disso.»
Artigo 3.º
Quinta alteração ao Decreto-Lei n.º 89/2009, de 9 de abril
Os artigos 11.º e 23.º do Decreto-lei n.º 89/2009, de 9 de abril, que regulamenta a proteção na parentalidade,
no âmbito de eventualidade de maternidade, paternidade e adoção, dos trabalhadores que exercem funções
públicas integrados no regime de proteção social convergente, alterado pelo Decreto-Lei n.º 133/2012, de 27 de
junho, pelas Leis n.os 120/2015, de 1 de setembro, e 90/2019, de 4 de setembro, e pelo Decreto-Lei n.º 14-
D/2020, de 13 de abril, passam a ter a seguinte redação:
«Artigo 11.º
[…]
1 – O subsídio parental inicial é atribuído, a ambos os progenitores, pelo período de 120 dias consecutivos
e intransmissíveis, sem prejuízo dos direitos da mãe a que se refere o artigo seguinte.
2 – Ao período de 120 dias pode acrescer 30 dias consecutivos de atribuição do subsídio, no caso de
partilha da licença em que cada um dos progenitores goze, em exclusivo, dois períodos de 30 dias consecutivos,
ou quatro períodos de 15 dias consecutivos, após o período obrigatório de licença parental inicial exclusiva da
mãe.
3 – […].
4 – […].
5 – […].
6 – […].
7 – A atribuição do subsídio parental inicial depende de declaração dos beneficiários dos períodos a gozar.
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8 – [Revogado.]
9 – [Revogado.]
10 – [Revogado.]
11 – [Revogado.]
Artigo 23.º
[…]
1 – O montante diário do subsídio parental inicial, dos subsídios por risco clínico durante a gravidez, por
riscos específicos, por necessidade de deslocação a unidade hospitalar fora da ilha de residência da grávida
para realização de parto e por interrupção da gravidez corresponde a 100% da remuneração de referência do
beneficiário.
2 – [Revogado.]
3 – […].
4 – […].»
Artigo 4.º
Sexta alteração ao Decreto-Lei n.º 91/2009, de 9 de abril
Os artigos 12.º e 30.º do Decreto-Lei n.º 91/2009, de 9 de abril, que estabelece o regime jurídico de proteção
social na parentalidade no âmbito do sistema previdencial e no subsistema de solidariedade, alterado pelos
Decretos-Leis n.os 70/2010, de 16 de junho, e 133/2012, de 27 de junho, pela Lei n.º 120/2015, de 1 de setembro,
pelo Decreto-Lei n.º 53/2018, de 2 de julho, e pela Lei n.º 90/2019, de 4 de setembro, passam a ter a seguinte
redação:
«Artigo 12.º
[…]
1 – O subsídio parental inicial é concedido, a cada um dos progenitores, pelo período de 120
consecutivos e intransmissíveis, sem prejuízo dos direitos da mãe a que se refere o artigo seguinte.
2 – Os períodos referidos no número anterior são acrescidos de 30 dias consecutivos no caso de cada um
dos progenitores gozar, em exclusivo, dois períodos de 30 dias consecutivo, ou quatro períodos de 15
dias consecutivos, após o período de gozo de licença parental inicial exclusiva da mãe, correspondente a seis
semanas após o parto.
3 – […].
4 – […].
5 – […].
6 – A concessão do subsídio parental inicial depende de declaração dos beneficiários dos períodos a gozar
ou gozados pelos progenitores.
7 – [Revogado.]
8 – [Revogado.]
Artigo 30.º
Montante do subsídio parental inicial
O montante diário do subsídio parental inicial é igual a 100% da remuneração de referência do
beneficiário.»
Artigo 5.º
Entrada em vigor
O presente diploma entra em vigor no prazo de 30 dias após a sua publicação.
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Assembleia da República, 17 de setembro de 2021.
As Deputadas e os Deputados do BE: José Moura Soeiro — Isabel Pires — Pedro Filipe Soares — Jorge
Costa — Mariana Mortágua — Alexandra Vieira — Beatriz Gomes Dias — Diana Santos — Fabíola Cardoso —
Joana Mortágua — João Vasconcelos — José Manuel Pureza — José Maria Cardoso — Luís Monteiro — Maria
Manuel Rola — Moisés Ferreira — Nelson Peralta — Ricardo Vicente — Catarina Martins.
———
PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 1451/XIV/3.ª
RECOMENDA AO GOVERNO QUE DESENVOLVA E IMPLEMENTE UMA ESTRATÉGIA NACIONAL
INTEGRADA DE COMBATE À SOLIDÃO ENQUANTO EIXO ESTRATÉGICO DE SAÚDE PÚBLICA
Exposição de motivos
A solidão é uma experiência que ocorre quando as relações sociais de uma pessoa são entendidas pela
mesma como escassas e, sobretudo, com uma qualidade inferior ao desejado. Este sentimento é subjetivo,
podendo uma pessoa estar sozinha sem se sentir só ou acompanhada e sentir solidão.
Podemos definir a solidão como um sentimento relacionado com ausência de contacto, de sentimento de
pertença ou com a sensação de se estar isolado. Este estado é temido por muitas pessoas, que receiam o
simples facto de ficarem sós, mesmo que por curtos períodos de tempo.
Ficar sem amigos, rede familiar ou só na própria casa é considerado por muitas pessoas como algo
extremamente angustiante e assustador, na medida em que a pessoa sente que não pode contar com ninguém,
que a rede de pessoas de que dispõe não é suficiente para as suas necessidades ou que não tem acesso a um
conjunto de serviços ou recursos sociais.
O Japão é um retrato do atual fenómeno da solidão. Estima-se que 541 mil japoneses vivam inteiramente
isolados. Segundo estudos recentes, a solidão está presente em diversos países, com impactos psicológicos,
socioeconómicos e políticos.
Ao nível europeu, já em 2006, 7,2% dos/as cidadãos/ãs afirmavam sentirem-se socialmente isolados/as, sem
nunca se encontrarem com as suas amizades ou familiares ou terem qualquer apoio se necessitassem.
A análise do European Social Survey de 2019, feita pelo Centro Comum de Investigação, da unidade
científica da Comissão Europeia, na Europa, concluiu que 18% da população diz-se «socialmente isolada» e
7%, sente-se «solitária», correspondendo estes 7% a 30 milhões de europeus.
No Reino Unido, a solidão tem sido associada à depressão e a elevadas taxas de mortalidade, comparáveis
às mortes causadas pelo consumo de álcool e tabaco. Encontra-se também relacionada com maiores níveis de
demência erisco duplo de doença de Alzheimer.
Mas a solidão afeta também, de forma muito impactante, os jovens. Segundo o Relatório publicado pela
Comissão de «Jo Co» (criado pela deputada Helen Joanne Jo Cox), cerca de 43% dos jovens que beneficiam
dos serviços da Action For Children (instituição de solidariedade infantil no Reino Unido) sentem solidão.
De acordo com este relatório, nove milhões de britânicos são solitários, mais de 30% dos idosos sentem-se
isolados, 50% dos portadores de deficiência sentem-se abandonados e 58% dos imigrantes e refugiados
sentem-se sozinhos.
Cenários de solidão são muitas vezes verificados junto de pessoas com algum tipo de deficiência e/ou
incapacidade e de cuidadores, que acabam por dedicar as suas vidas quaseexclusivamente a tratar de
alguém próximo, perdendo muitas das vezes laços sociais e laborais que estabeleceram ao longo da vida.
De acordo com a Direção-Geral de Saúde (DGS), num estudo realizado em Portugal com mais de 1200
pessoas acima dos 50 anos de idade, 20,4% de mulheres e 7,3% de homens consideravam sentir solidão.
Este sentimento era mais prevalente em pessoas com menor escolaridade (25,8%) e aumentava em função
da idade, 9,9% dos 50-64 anos e 26,8% com 85 anos ou mais. Também se revelou mais frequente em pessoas
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viúvas (30,6%) e solteiras (15,8%) do que em pessoas casadas (9,2%).
Sabe-se que o isolamento social aumenta com a idade, mas embora as pessoas de mais idade possam estar
socialmente mais isoladas não significa que reportem sentirem-se mais sós.
A solidão não se reduz a um problema da população idosa, como é comum pensar-se. Ocorre em qualquer
idade, agravando-se em casos de doença prolongada, deficiência, abuso, problemas económicos ou
psicológicos.
Apesar de estar fortemente correlacionada com o avançar da idade (seja pelo acontecimento de situações
como a reforma profissional, a morte de pessoas próximas e de referência ou o surgimento de doenças
debilitantes), as evidências demonstram a existência de picos de solidão noutras faixas etárias, nomeadamente
na adolescência, variando em cada país e cultura.
A agência de notícias BBC elaborou o estudo BBC Loneliness Experiment, junto de três universidades
britânicas (Manchester, Exeter e Brunel) que abrangeu 55 mil participantes em todo o mundo, o qual revelou
que a solidão atinge 25% dos idosos com mais de 75 anos e 40% dos jovens de até 24 anos. Também o estudo
«Reflexos da COVID-19 na saúde mental de estudantes universitários», realizado em Portugal, demonstra que
a pandemia afetou a saúde mental dos estudantes, particularmente as mulheres, que se sentiram mais ansiosas
e depressivas com o confinamento.
Vários estudos remetem para a diferença entre sentir necessidade de estar só e sentimento de solidão,
considerando que esta pode ser fator perturbador de desenvolvimento psicológico saudável nos jovens,
principalmente numa fase em que muitos se afastam dos familiares para seguirem estudos universitários, outros
perdem grupos de pares de referência e ainda outros poderão manifestar maiores dificuldades de adaptação às
mudanças.
Não obstante este tipo de dados que vão surgindo, são necessários estudos aprofundados sobre a solidão
e seu impacto nos vários grupos sociais e etários. Tanto mais que este fenómeno é mais preocupante em
pessoas com maior fragilidade económico-social, como as que se encontram em risco ou em situação de
pobreza. Com efeito, estar desconectado dos outros, especialmente pelas desigualdades sociais e ausência de
oportunidades, intensifica o fenómeno da solidão.
São ainda considerados fatores de risco de isolamento social e de solidão a impossibilidade de realizar
atividades de lazer e convívio, a institucionalização em centros de dia, de reabilitação e de acolhimento, bem
como a redução do estado de saúde, a perda de mobilidade, a reduzida acessibilidade, a própria organização
urbanística e habitacional, os episódios de violência e maus tratos, as mudanças de casa, escola ou emprego
ou a própria situação de desemprego, entre tantos outros.
A solidão não se cinge às zonas mais isoladas do país, pelo contrário, por razões associadas às dinâmicas
cotidianas vividas nos contextos urbanos, a solidão está muito presente em muitas das vidas humanas nas
cidades.
Por outro lado, a solidão pode afetar, de forma muito violenta, a saúde física e mental de qualquer ser vivo.
Nos Estados Unidos e no Reino Unido, a solidão já é apontada como uma epidemia, tanto pelo número de
pessoas que afeta, como pelo seu impacto nas suas vidas. Uma investigação apresentada na 125.ª Convenção
Anual da Associação Americana de Psicologia, em 2017, refere mesmo que «a solidão é um perigo iminente
para a saúde pública», avançando com afirmações de que a solidão aumenta o risco de morte prematura em
30% das pessoas, que pode ser tão prejudicial à saúde como fumar 15 cigarros por dia e que se revela um fator
de maior risco para a saúde do que a obesidade.
Um estudo recente1 procurou também investigar a dimensão da associação entre as deficientes relações
sociais e as doenças cardíacas, bem como com os acidentes vasculares cerebrais (as duas maiores causas de
morte nos países desenvolvidos, como é o caso de Portugal), tendo concluído que o isolamento social aumenta
o risco de doença cardíaca em 29% e de acidente vascular cerebral em 32%.
Diversos estudos têm demonstrado igualmente que a solidão agrava o risco de doença psicológica e física,
aumentando, nomeadamente, o risco de morte prematura, sendo já comparável a outros fatores de risco para a
saúde global.
1 Loneliness and social isolation as risk factors for coronary heart disease and stroke: systematic review and meta-analysis of longitudinal observational studies (https://heart.bmj.com/content/102/13/1009), Among Older Adults: A National Survey of Adults 45+ (https://www.aarp.org/research/topics/life/info-2014/loneliness_2010.html)
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Em 2016, a Organização Mundial de Saúde (OMS) identificou o importante papel das cidades na
implementação de medidas locais, capazes de integrar esta abordagem dos determinantes sociais da saúde,
sendo essencial a tomada de decisões e escolhas que defendam, de facto, a saúde das populações.
O Retrato da Saúde, realizado em 20182 concluiu que «as redes sociais e comunitárias, entre as quais família
e amigos, constituem outro nível de influência», sendo determinantes para a saúde, em paralelo com as
condições de vida e socioeconómicas (trabalho, educação ou habitação), culturais e ambientais. No caso da
educação é considerado que esta condiciona fortemente os comportamentos e estado de saúde, pois influencia
o acesso à informação, a novos conhecimentos e à adoção de comportamentos saudáveis.
Todavia, em tempos de pandemia, os receios, a incerteza, o isolamento, agravaram o estado de solidão,
tendo mesmo levado alguns países, como a Bélgica, a criar a figura do «companheiro de mimos» para combater
a solidão durante o confinamento.
Existem inúmeras formas de solidão e nem sempre ela é vivida negativamente. Quando escolhida, a solidão
pode fazer parte do desenvolvimento emocional das pessoas, mas, do ponto de vista da saúde pública, a solidão
pelo desamparo, pela rotura com laços afetivos e sociais, por força do isolamento profilático, é uma solidão não
escolhida e que causa medo, principalmente junto de quem corre mais riscos de saúde, maus tratos e
negligência.
Esta é, pois, uma matéria que deve ser encarada como uma prioridade política e um problema de saúde
pública global. Ao ser colocada a promoção da saúde no âmbito da Agenda 2030 para o Desenvolvimento
Sustentável, foi criada uma oportunidade única para se abordar a saúde e os seus fatores determinantes de
uma forma integrada, promovendo a necessidade de medidas para o bem-estar de todos e todas, em todas as
idades.
As relações sociais são uma forma muito importante de prevenir e evitar a maioria dos casos de solidão. As
tecnologias e redes sociais, de que hoje dispomos, são em parte uma forma de muitas pessoas se sentirem em
«comunidade», mas para outras pessoas trazem ainda maior sentimento de alienação e de afastamento de
determinados padrões sociais.
As oportunidades de estabelecimento de relações sociais e familiares salutares, a promoção de autonomia
e autoestima, a existência de apoios na comunidade para a integração e para a gestão de circunstâncias da
vida, a criação de espaços e oportunidades de participação de todos/as em atividades sociais, culturais,
recreativas, desportivas, espirituais, os ambientes laborais e organizacionais, as redes de vizinhança, a
monitorização do estado de saúde das populações, as equipas de intervenção comunitária, a potencialização
das novas tecnologias, a promoção do voluntariado e do ativismo, da participação e cidadania, entre tantas
outras, são medidas essenciais para evitar o isolamento e solidão na nossa sociedade.
Tratando-se de uma questão multidimensional, não pode haver uma única resposta-padrão no combate à
solidão enquanto problema social, de saúde, económico e político.
É necessário, consequentemente, conhecer o problema nas suas diversas vertentes, as suas raízes, os
fatores determinantes e também os seus fatores protetores, criar, potenciar e intencionalizar respostas e redes
na comunidade, consciencializar a sociedade e investir financeira e politicamente nesta matéria, sempre com
sustentação científica dos dados e das medidas potencialmente mais impactantes neste combate.
É preciso, do mesmo modo, colocar o tema da solidão na agenda política, nas prioridades de investimento
públicas, minimizando custos sociais, de saúde, de economia e criando maior capacidade de resiliência das
populações no futuro.
Nestes termos e ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, as Deputadas e o
Deputado do PAN abaixo assinados propõem que a Assembleia da República recomende ao Governo que:
1 – Crie e implemente uma Estratégia Nacional de Combate à Solidão em Portugal.
2 – Em articulação com a Academia, garanta a realização de estudos sobre o impacto da solidão nas mais
diversas áreas, como a saúde, a economia, e a segurança, nas diferentes faixas etárias e perfis
sociodemográficos.
3 – Enquanto a estratégia nacional não estiver concluída e em implementação, desenvolva campanhas de
2 Ministério da Saúde (2018), Retrato da Saúde, Portugal.
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sensibilização sobre o problema da solidão e seus impactos multidimensionais.
Assembleia da República, 15 de setembro de 2021.
As Deputadas e o Deputado do PAN: Bebiana Cunha — Inês de Sousa Real — Nelson Silva.
———
PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 1452/XIV/3.ª
DESLOCAÇÃO DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA ÀS CANÁRIAS
Texto do projeto de resolução
Sua Excelência o Presidente da República requereu, nos termos do n.º 1 do artigo 129.º e da alínea b) do
artigo 163.º da Constituição, o assentimento da Assembleia da República para se deslocar às Canárias, nos
dias 6 e 7 de outubro, para participar na reunião dos Ministros da Justiça Ibero-Americanos.
Assim, apresento à Assembleia da República, nos termos regimentais, o seguinte projeto de resolução:
«A Assembleia da República resolve, nos termos da alínea b) do artigo 163.º e do n.º 5 do artigo 166.º da
Constituição, dar assentimento à deslocação de Sua Excelência o Presidente da República às Canárias, nos
dias 6 e 7 de outubro, para participar na reunião dos Ministros da Justiça Ibero-Americanos.»
Palácio de São Bento, 17 de setembro de 2021.
O Presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues.
Mensagem do Presidente da República
Estando prevista a minha deslocação às Canárias nos dias 6 e 7 do próximo mês de outubro, para participar
na reunião dos Ministros da Justiça Ibero-Americanos, venho requerer, nos termos dos artigos 129.º, n.º 1, e
163.º, alínea b), da Constituição, o assentimento da Assembleia da República.
Lisboa, 16 de setembro de 2021.
O Presidente da República,
(Marcelo Rebelo de Sousa)
A DIVISÃO DE REDAÇÃO.