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Segunda-feira, 18 de outubro de 2021 II Série-A — Número 20
XIV LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2021-2022)
S U M Á R I O
Projeto de Lei n.º 996/XIV/3.ª (BE):
Majoração no período anual de férias para pessoas com deficiência (vigésima primeira alteração ao Código do Trabalho e décima sexta alteração à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas). Proposta de Lei n.º 117/XIV/3.ª (GOV):
Assegura, em matéria de extradição e de congelamento, apreensão e perda de bens, o cumprimento dos Acordos entre a União Europeia e a República da Islândia e o Reino
da Noruega e o Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte. Projetos de Resolução (n.os 1478 e 1479/XIV/3.ª):
N.º 1478/XIV/3.ª (Deputada não inscrita Cristina Rodrigues) — Assegurar locais de trabalho inclusivos e oportunidades de emprego para pessoas transexuais. N.º 1479/XIV/3.ª (BE) — Pela proteção da biodiversidade e da produção agrícola no projeto da ponte-açude no Baixo Vouga Lagunar.
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PROJETO DE LEI N.º 996/XIV/3.ª
MAJORAÇÃO NO PERÍODO ANUAL DE FÉRIAS PARA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA (VIGÉSIMA
PRIMEIRA ALTERAÇÃO AO CÓDIGO DO TRABALHO E DÉCIMA SEXTA ALTERAÇÃO À LEI GERAL DO
TRABALHO EM FUNÇÕES PÚBLICAS)
Exposição de motivos
A garantia dos direitos das pessoas com deficiência está plasmada na Convenção das Nações Unidas que
Portugal ratificou em 23 de setembro de 2009.
Segundo a Convenção, os Estados Partes reconhecem o direito das pessoas com deficiência a trabalhar,
em condições de igualdade com as demais; isto inclui o direito à oportunidade de ganhar a vida através de um
trabalho livremente escolhido ou aceite num mercado e ambiente de trabalho aberto, inclusivo e acessível a
pessoas com deficiência. Os Estados Partes salvaguardam e promovem o exercício do direito ao trabalho,
incluindo para aqueles que adquirem uma deficiência durante o curso do emprego, adotando medidas
apropriadas, incluindo através da legislação, para:
– Proibir a discriminação com base na deficiência no que respeita a todas as matérias relativas a todas as
formas de emprego, incluindo condições de recrutamento, contratação e emprego, continuidade do
emprego, progressão na carreira e condições de segurança e saúde no trabalho;
– Proteger os direitos das pessoas com deficiência, em condições de igualdade com as demais, a condições
de trabalho justas e favoráveis, incluindo igualdade de oportunidades e igualdade de remuneração pelo
trabalho de igual valor, condições de trabalho seguras e saudáveis, incluindo a proteção contra o assédio
e a reparação de injustiças;
– Assegurar que as pessoas com deficiência são capazes de exercer os seus direitos laborais e sindicais,
em condições de igualdade com as demais;
– Promover o emprego de pessoas com deficiência no sector privado através de políticas e medidas
apropriadas, que poderão incluir programas de ação positiva, incentivos e outras medidas;
– Assegurar que são realizadas as adaptações razoáveis para as pessoas com deficiência no local de
trabalho.
O desgaste físico e psicológico das pessoas com deficiência é muito superior aos restantes trabalhadores,
em resultado das barreiras físicas e atitudinais, quer no acesso ao local de trabalho, quer no esforço na
manutenção do exercício da profissão. Essas mesmas barreiras prolongam-se em todos os contextos da vida
destas pessoas, nomeadamente nos períodos de lazer, fazendo com que as outras áreas da vida fiquem
severamente prejudicadas.
O direito a férias está consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea d), da Constituição da República Portuguesa,
na sua dimensão de direito ao repouso.
O desiderato do direito a férias, conforme aliás resulta da letra da lei, é o de proporcionar ao trabalhador a
recuperação física e psíquica, bem como condições de disponibilidade pessoal, integração na vida familiar e
participação social e cultural, pelo que, e de forma a cumprir esse objetivo fundamental, é um direito
irrenunciável. Um direito, de resto, que tem ainda o corte feito pela troika, que eliminou três dias de férias aos
trabalhadores. Atualmente, a lei estipula como direito os 22 dias de férias.
O que se propõe neste projeto de lei, considerando o especial desgaste que o trabalho em condições de
incapacidade provoca, é que se consagre uma majoração nos dias de férias para estes trabalhadores – previsão
que tem já acolhimento em alguns países da Europa, como a Alemanha –, de forma proporcional às limitações
de usufruto que possam decorrer da sua incapacidade. Na realidade, o próprio gozo de férias também é afetado
pela incapacidade.
Como tal, e replicando a experiência alemã, propõe-se que as pessoas com deficiência tenham uma
majoração nos dias de férias: de dois dias por ano para trabalhadores com uma incapacidade compreendida
entre os 60% e 79% (o que perfaria 24 dias de férias) e de cinco dias por ano para trabalhadores com uma
incapacidade a partir dos 80% (o que perfaria, neste caso, 27 dias de férias).
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Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, as Deputadas e os Deputados do Bloco de
Esquerda apresentam o seguinte projeto de lei:
Artigo 1.º
Objeto
O presente diploma consagra o direito ao aumento do número de dias de férias das pessoas com deficiência
de forma proporcional às limitações de usufruto que possam decorrer da sua incapacidade, procedendo à 21.ª
alteração ao Código do Trabalho e à 16.ª alteração à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas.
Artigo 2.º
Alteração ao Código do Trabalho
O artigo 238.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, e alterado pelas Leis
n.os 105/2009, de 14 de setembro, 53/2011, de 14 de outubro, 23/2012, de 25 de junho, 47/2012, de 29 de
agosto, 69/2013, de 30 de agosto, 27/2014, de 8 de maio, 55/2014, de 25 de agosto, 28/2015, de 14 de abril,
120/2015, de 1 de setembro, 8/2016, de 1 de abril, 28/2016, de 23 de agosto, 73/2017, de 16 de agosto, 14/2018,
de 19 de março, 90/2019, de 4 de setembro, 93/2019, de 4 de setembro, e 18/2021, de 8 de abril, passa a ter a
seguinte redação:
«Artigo 238.º
Duração do período de férias
1 – […].
2 – […].
3 – […].
4 – […].
5 – […].
6 – O trabalhador com 60% a 79% de incapacidade tem uma majoração de dois dias no período anual de
férias.
7 – O trabalhador com 80% ou mais de incapacidade tem uma majoração de cinco dias no período anual de
férias.
8 – Constitui contraordenação grave a violação do disposto nos n.os 1 a 7.»
Artigo 3.º
Alteração à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas
O artigo 126.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho,
e alterada pelas Leis n.os 82-B/2014, de 31 de dezembro, 84/2015, de 7 de agosto, 18/2016, de 20 de junho,
42/2016, de 28 de dezembro, 25/2017, de 30 de maio, 70/2017, de 14 de agosto, 73/2017, de 16 de agosto,
49/2018, de 14 de agosto, 71/2018, de 31 de dezembro, 6/2019, de 14 de janeiro, 79/2019, de 2 de setembro,
82/2019, de 2 de setembro e 2/2020, de 31 de março, passa a ter a seguinte redação:
«Artigo 126.º
Direito a férias
1 – […].
2 – […].
3 – […].
4 – O trabalhador com 60% a 79% de incapacidade tem uma majoração de dois dias no período anual de
férias.
5 – O trabalhador com 80% ou mais de incapacidade tem uma majoração de cinco dias no período anual de
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férias.
6 – [anterior n.º 4.]
7 – [anterior n.º 5.]
8 – [anterior n.º 6.]»
Artigo 4.º
Entrada em vigor
O presente diploma entra em vigor no prazo de 30 dias após a sua publicação.
Assembleia da República, 18 de outubro de 2021.
As Deputadas e os Deputados do BE: Diana Santos — José Moura Soeiro — Pedro Filipe Soares — Jorge
Costa — Mariana Mortágua — Alexandra Vieira — Beatriz Gomes Dias — Fabíola Cardoso — Isabel Pires —
Joana Mortágua — João Vasconcelos — José Manuel Pureza — José Maria Cardoso — Luís Monteiro — Maria
Manuel Rola — Moisés Ferreira — Nelson Peralta — Ricardo Vicente — Catarina Martins.
———
PROPOSTA DE LEI N.º 117/XIV/3.ª
ASSEGURA, EM MATÉRIA DE EXTRADIÇÃO E DE CONGELAMENTO, APREENSÃO E PERDA DE
BENS, O CUMPRIMENTO DOS ACORDOS ENTRE A UNIÃO EUROPEIA E A REPÚBLICA DA ISLÂNDIA E
O REINO DA NORUEGA E O REINO UNIDO DA GRÃ-BRETANHA E DA IRLANDA DO NORTE
Exposição de motivos
No seguimento do referendo realizado em 23 de junho de 2016, o Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda
do Norte notificou o Conselho Europeu, em 29 de março de 2017, da sua intenção de se retirar da União
Europeia, tendo então sido iniciado o procedimento para celebração de um acordo estabelecendo as condições
da sua saída, tendo em conta o quadro das suas futuras relações com a União Europeia, nos termos previstos
no artigo 50.º do Tratado da União Europeia.
Em 24 de janeiro de 2020, a União Europeia e o Reino Unido assinaram um acordo de saída. Após o voto
de aprovação do Parlamento Europeu, em 29 de janeiro de 2020, e a decisão do Conselho sobre a sua
celebração, adotada em 30 de janeiro de 2020, o «Acordo sobre a saída do Reino Unido da Grã-Bretanha e da
Irlanda do Norte da União Europeia e da Comunidade Europeia da Energia Atómica» entrou em vigor a 1 de
fevereiro de 2020.
O acordo de saída fixou um período de transição até 31 de dezembro de 2020, durante o qual o direito da
União Europeia continuou a ser aplicável ao Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte.
Em paralelo, decorreram as negociações para um acordo definindo o quadro jurídico da relação futura entre
a União Europeia e o Reino Unido, que conduziram à celebração do «Acordo de Comércio e Cooperação entre
a União Europeia e a Comunidade Europeia da Energia Atómica, por um lado, e o Reino Unido da Grã-Bretanha
e da Irlanda do Norte, por outro», assinado em 30 de dezembro de 2020, que foi aplicável provisoriamente a
partir de 1 de janeiro de 2021 e entrou em vigor a 1 de maio de 2021.
O texto deste acordo foi publicado no Jornal Oficial da União Europeia a 30 de dezembro de 2020. Como se
afirma na Decisão (UE) 2020/2252 do Conselho, de 29 de dezembro de 2020, relativa à assinatura, em nome
da União, e à aplicação provisória do acordo (jornal oficial L 444, de 31 de dezembro de 2020), devido à
conclusão muito tardia das negociações, não foi possível proceder à revisão jurídico-linguística final do texto
antes da sua assinatura. Corrigidos erros técnicos e inexatidões, as partes, mediante troca de notas diplomáticas
datadas de 21 de abril de 2021, declararam autêntico e definitivo o texto revisto, publicado no Jornal Oficialda
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União Europeia de 30 de abril de 2021, o qual substituiu ab initio a versão publicada em 30 de dezembro de
2020, em conformidade com o artigo 12.º daquela decisão.
O Acordo de Comércio e Cooperação, que passou a constituir a base da nova relação entre o Reino Unido,
a União Europeia e os Estados-Membros, acolhe, com as devidas adaptações, o acervo da União em matéria
de cooperação judiciária e de cooperação policial, reproduzindo o quadro e os instrumentos jurídicos da União
Europeia aplicáveis nas relações com o Reino Unido anteriormente à sua saída.
A Parte três do acordo estabelece o quadro da cooperação em matéria penal entre autoridades policiais e
judiciárias dos Estados-Membros e do Reino Unido, bem como com a Europol e a Eurojust, permitindo a
continuação, ao mesmo nível, das relações de cooperação estabelecidas no âmbito da União Europeia no
domínio da prevenção, deteção, investigação e repressão de infrações penais e de prevenção e combate ao
branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo. Compreende, assim, um vasto conjunto de
disposições e de anexos , que regulam o intercâmbio de dados de ADN, impressões digitais e dados relativos
ao registo de veículos, a transferência e tratamento de dados dos registos de identificação de passageiros, a
cooperação em matéria de informações operacionais, a cooperação com a Europol e com a Eurojust, a entrega,
a assistência mútua, o intercâmbio de informações sobre registos criminais, o combate ao branqueamento de
capitais e ao financiamento do terrorismo e o arresto ou apreensão e perda de bens.
As partes obrigam-se a continuar a defender os valores e princípios comuns da democracia, do Estado de
direito e do respeito pelos direitos humanos, que alicerçam as suas políticas nacionais e internacionais,
reiterando o respeito pelos tratados internacionais em matéria de direitos humanos de que são partes,
nomeadamente a Convenção Europeia dos Direitos Humanos e a Carta dos Direitos Fundamentais da União
Europeia, enquanto base da cooperação e elemento essencial da parceria estabelecida, e reafirmam que os
crimes de maior gravidade, incluindo o terrorismo, não podem ficar impunes, devendo a sua repressão penal
efetiva ser assegurada por medidas ao nível nacional e pelo reforço da cooperação internacional.
A Parte três do acordo, diretamente invocável nas ordens jurídicas internas, como decorre do artigo 5.º do
mesmo acordo, institui uma cooperação baseada no respeito de longa data pela democracia, pelo Estado de
direito e pelos direitos fundamentais e num elevado nível de proteção de dados pessoais, vinculando-se as
partes a tomar medidas adequadas para garantir o cumprimento das obrigações decorrentes do acordo (artigo
3.º).
Na generalidade das disposições, a Parte três do Acordo de Comércio e Cooperação constitui base jurídica
suficiente para a atuação das autoridades nacionais nas referidas áreas, em conjugação com as disposições de
direito interno já existentes, nomeadamente as plasmadas na Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, na sua redação
atual, que estabelece o quadro jurídico da cooperação judiciária internacional em matéria penal, e em diplomas
legais específicos, como sucede: (i) com o intercâmbio de dados de ADN, regulado pela Lei n.º 5/2008, de 12
de fevereiro, na sua redação atual, e pela Lei n.º 90/2017, de 22 de agosto; (ii) com a disponibilidade de dados
dactiloscópicos, regulada pela Lei n.º 67/2017, de 9 de agosto; (iii) com o acesso a dados relativos ao registo de
veículos, regulado pela Lei n.º 46/2017, de 5 de julho; (iv) com a transferência e tratamento de dados dos registos
de identificação de passageiros, regulada pela Lei n.º 21/2019, de 25 de fevereiro; (v) com o intercâmbio de
informações sobre registos criminais, regulado pela Lei n.º 37/2015, de 5 de maio; e (vi) com o combate ao
branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo, regulado pela Lei n.º 89/2017, de 21 de agosto,
na sua redação atual, que aprova o Regime Jurídico do Registo Central do Beneficiário Efetivo.
Contudo, os procedimentos relativos à entrega de pessoas por força de um mandado de detenção e ao
congelamento, apreensão e perda de bens, regulados, respetivamente nos Título VII e XI da Parte três, carecem
de concretização interna, não sendo o acordo suficientemente dispositivo, designadamente em matérias
deixadas à decisão dos Estados-Membros e em sede de tramitação processual.
Neste âmbito, as disposições do acordo com o Reino Unido, substituem, nas relações com este Estado,
reproduzindo-os, o regime relativo ao mandado de detenção europeu, instituído pela Decisão-Quadro
2002/584/JAI, do Conselho, de 13 de junho de 2002, transposta pela Lei n.º 65/2003, de 23 de agosto, ambas
na sua redação atual, e os instrumentos de reconhecimento mútuo em matéria de apreensão e de perda de
bens, anteriormente vigentes no âmbito destas relações, nomeadamente a Decisão-Quadro n.º 2003/577/JAI,
do Conselho, de 22 de julho, transposta pela Lei n.º 25/2009, de 5 de junho, na sua redação atual, e o
Regulamento (UE) 2018/1805 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de novembro de 2018, relativo ao
reconhecimento mútuo das decisões de apreensão e de perda, bem como o regime da decisão europeia de
investigação aprovado pela Lei n.º 88/2017, de 21 de agosto, que transpõe a Diretiva 2014/41/UE, do Parlamento
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Europeu e do Conselho, de 3 de abril de 2014, no que diz respeito aos pedidos de informação e controlo sobre
contas e operações bancárias.
No quadro da cooperação da União Europeia e dos seus Estados-Membros com Estados terceiros, tinha já
sido celebrado anteriormente, em 27 de junho de 2006, o Acordo entre a União Europeia e a República da
Islândia e o Reino da Noruega sobre os processos de entrega entre os Estados-Membros da União Europeia e
a Islândia e a Noruega, que entrou em vigor apenas em 1 de novembro de 2019, após terem sido cumpridas
todas as formalidades relativas à necessidade de assentimento expresso pelos Estados-Membros.
No mesmo sentido do acordo celebrado com o Reino Unido e com conteúdo coincidente, este instrumento
regula a cooperação em matéria de extradição entre os Estados-Membros e a Noruega e a Islândia, através de
um mecanismo de entrega por força de um mandado de detenção idêntico ao mandado de detenção europeu,
baseado no princípio do reconhecimento mútuo, na confiança mútua e num quadro jurídico comum, resultante
também da cooperação no âmbito da «União Nórdica» em que a Noruega e a Islândia participam, conjuntamente
com a Dinamarca, a Suécia e a Finlândia.
Também neste caso, o Acordo, que reproduz o regime da Decisão-Quadro 2002/584/JAI, deixa margem de
decisão aos Estados-Membros em algumas matérias e necessita de ser completado por normas processuais
internas que permitam satisfazer as obrigações internacionais dele decorrentes no quadro da cooperação
estabelecida no âmbito da União Europeia.
A evolução posterior do direito da União Europeia, traduzida na Decisão-Quadro 2009/299/JAI, que substituiu
a condição de entrega prevista no n.º 1 do artigo 5.º da Decisão-Quadro 2002/584/JAI, reproduzida no n.º 1 do
artigo 8.º do Acordo com a Noruega e a Islândia, por um novo motivo de não execução em caso de julgamento
na ausência, justifica que o regime daquela decisão-quadro, refletindo a jurisprudência do Tribunal Europeu dos
Direitos Humanos, que deu origem ao artigo 12.º-A da Lei n.º 65/2003, seja levado em consideração na execução
do mandado de detenção.
Neste contexto, torna-se necessário alterar a Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, na sua redação atual,
estabelecendo, no quadro legal nacional, regras específicas em matéria de extradição, quanto a ambos os
acordos, e de congelamento, apreensão e perda de bens, quanto ao acordo com o Reino Unido, que permitam
garantir o cumprimento de ambos os acordos e, consequentemente, a cooperação entre a República portuguesa
e os referidos Estados nestes domínios.
Atenta a matéria, em sede do processo legislativo a decorrer na Assembleia da República deve ser ouvido o
Conselho Superior da Magistratura, o Conselho Superior do Ministério Público e a Ordem dos Advogados.
Assim:
Nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 197.º da Constituição, o Governo apresenta à Assembleia da
República a seguinte proposta de lei, com pedido de prioridade e urgência:
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei assegura o cumprimento do Acordo entre a União Europeia e a República da Islândia e o Reino
da Noruega sobre os processos de entrega entre os Estados-membros da União Europeia e a Islândia e a
Noruega e dos Títulos VII e XI da Parte três do Acordo de Comércio e Cooperação entre a União Europeia e a
Comunidade Europeia da Energia Atómica, por um lado, e o Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte,
por outro, procedendo à quinta alteração à Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, alterada pelas Leis n.os 104/2001,
de 25 de agosto, 48/2003, de 22 de agosto, 48/2007, de 29 de agosto, e 115/2009, de 12 de outubro, que aprova
a lei da cooperação judiciária internacional em matéria penal.
Artigo 2.º
Aditamento à Lei n.º 144/99, de 31 de agosto
São aditados à Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, na sua redação atual, os artigos 78.º-A, 78.º-B, 78.º-C, 78.º-
D, 78.º-E, 78.º-F, 78.º-G e 164.º-A, com a seguinte redação:
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«Artigo 78.º-A
Objeto
O presente capítulo destina-se a regulamentar as disposições do Acordo entre a União Europeia e a
República da Islândia e o Reino da Noruega sobre os processos de entrega entre os Estados-Membros da União
Europeia e a Islândia e a Noruega, assinado em Viena em 28 de junho de 2006 e publicado no Jornal Oficial da
União Europeia L 292, de 21 de outubro de 2006, doravante designado Acordo entre a União Europeia e a
Islândia e a Noruega, e do Acordo de Comércio e Cooperação entre a União Europeia e a Comunidade Europeia
da Energia Atómica, por um lado, e o Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, por outro, feito em
Bruxelas e em Londres em 30 de dezembro de 2020, na versão publicada no Jornal Oficial da União Europeia
L 149, de 30 de abril de 2021, doravante designado Acordo entre a União Europeia e o Reino Unido.
Artigo 78.º-B
Aplicação do regime do mandado de detenção europeu
Aos procedimentos de emissão e aos processos de execução dos mandados de detenção é aplicável, com
as devidas adaptações, o regime jurídico do mandado de detenção europeu, aprovado pela Lei n.º 65/2003, de
23 de agosto, na sua redação atual.
Artigo 78.º-C
Não aplicação da condição da dupla incriminação
A condição da dupla incriminação a que se referem o n.º 2 do artigo 3.º do Acordo entre a União Europeia e
a Islândia e a Noruega e o n.º 2 do artigo 599.º do Acordo entre a União Europeia e o Reino Unido não é aplicada,
sob condição de reciprocidade, nos termos dos n.os 4 dos mesmos artigos, caso se verifique, cumulativamente,
que a infração que deu origem ao mandado de detenção:
a) Constitui:
i) Uma das infrações enumeradas no n.º 4 do artigo 3.º do Acordo entre a União Europeia e a Islândia e
a Noruega, tal como definidas na legislação do Estado de emissão; ou
ii) Uma das infrações enumeradas no n.º 5 do artigo 599.º do Acordo entre a União Europeia e o Reino
Unido, tal como definidas na legislação do Estado de emissão.
b) É punível, no Estado de emissão, com pena ou medida de segurança privativas de liberdade de duração
máxima não inferior a três anos.
Artigo 78.º-D
Motivos de não execução obrigatória do mandado de detenção
A autoridade judiciária de execução recusa a execução do mandado de detenção:
a) Nos casos previstos no artigo 4.º do Acordo entre a União Europeia e a Islândia e a Noruega ou no artigo
600.º do Acordo entre a União Europeia e o Reino Unido;
b) Se, nos casos não mencionados no artigo anterior e sem prejuízo do disposto na segunda parte da alínea
a) do n.º 1 do artigo 5.º do Acordo entre a União Europeia e a Islândia e a Noruega ou do disposto na segunda
parte da alínea a) do n.º 1 do artigo 601.º do Acordo entre a União Europeia e o Reino Unido, o facto que
determina a emissão do mandado de detenção não constituir uma infração nos termos da lei portuguesa;
c) Se o mandado de detenção tiver sido emitido para cumprimento de pena ou medida de segurança
privativas da liberdade, nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 5.º do Acordo entre a União Europeia e a
Islândia e a Noruega ou nos termos da alínea f) do artigo 601.º do Acordo entre a União Europeia e o Reino
Unido, quando a pessoa procurada tiver nacionalidade portuguesa ou for residente em território nacional,
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mediante prévia decisão de revisão e confirmação da sentença condenatória.
Artigo 78.º-E
Exceção da nacionalidade
A entrega de nacionais para efeitos de procedimento criminal, nos termos do n.º 2 do artigo 7.º do Acordo
entre a União Europeia e a Islândia e a Noruega ou da alínea b) do artigo 604.º do Acordo entre a União Europeia
e o Reino Unido, fica sujeita à condição de que a pessoa procurada, após ter sido ouvida, seja devolvida a
Portugal para cumprimento da pena ou da medida de segurança privativas da liberdade a que foi condenada no
Estado de emissão.
Artigo 78.º-F
Garantias a fornecer pelo Estado de emissão em casos especiais
Quando a infração que determina a emissão for punível com pena ou medida de segurança privativa da
liberdade com caráter perpétuo, a execução do mandado de detenção fica sujeita à prestação das garantias
estabelecidas no n.º 2 do artigo 8.º do Acordo entre a União Europeia e a Islândia e a Noruega ou na alínea a)
do artigo 604.º do Acordo entre a União Europeia e o Reino Unido.
78.º-G
Autoridade central para assistência e receção dos pedidos de trânsito
A Procuradoria-Geral da República é designada como:
a) Autoridade central para assistir as autoridades judiciárias competentes, nos termos do n.º 1 do artigo 10.º
do Acordo entre a União Europeia e a Islândia e a Noruega e do n.º 1 do artigo 605.º do Acordo entre a União
Europeia e o Reino Unido;
b) Autoridade responsável pela receção dos pedidos de trânsito e dos documentos necessários, bem como
por toda e qualquer outra correspondência oficial relacionada com os pedidos de trânsito, nos termos do n.º 2
do artigo 28.º do Acordo entre a União Europeia e a Islândia e a Noruega e do n.º 3 do artigo 623.º do Acordo
entre a União Europeia e o Reino Unido.
Artigo 164.º-A
Aplicação interna do Título XI da Parte três do Acordo entre a União Europeia e o Reino Unido
1 – Os artigos 659.º, 660.º e 661.º do Acordo entre a União Europeia e o Reino Unido são alargados, sob
condição de reciprocidade, a contas detidas em instituições financeiras não bancárias.
2 – Aos pedidos a que se referem os artigos 659.º, 660.º e 661.º do Acordo entre a União Europeia e o Reino
Unido é correspondentemente aplicável o disposto nos n.os 5, 6, 7 e 8 do artigo 38.º e no n.º 5 do artigo 39.º da
Lei n.º 88/2017, de 21 de agosto.
3 – A condição da dupla incriminação estabelecida na alínea b) do n.º 1 do artigo 670.º do Acordo entre a
União Europeia e o Reino Unido não é aplicada, sob condição de reciprocidade, nos casos previstos no seu n.º
2.
4 – A Procuradoria-Geral da República é designada como autoridade central encarregada de enviar e
responder aos pedidos formulados e de os transmitir às autoridades com competência para a sua execução.
5 – Sem prejuízo do disposto no número anterior, aos procedimentos relativos à formulação e transmissão e
aos processos de execução dos pedidos de cooperação, incluindo a competência e o regime de recursos, são
correspondentemente aplicáveis:
a) Quanto às decisões relativas às medidas previstas nos artigos 659.º, 660.º e 661.º do Acordo entre a
União Europeia e o Reino Unido, o disposto na Lei n.º 88/2017, de 21 de agosto;
b) Quanto às decisões relativas às medidas previstas no artigo 663.º do Acordo entre a União Europeia e o
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Reino Unido, o disposto na Lei n.º 25/2009, de 5 de junho, na sua redação atual; e
c) Quanto às decisões relativas à execução da medida prevista no artigo 665.º do Acordo entre a União
Europeia e o Reino Unido, o disposto na Lei n.º 88/2009, de 31 de agosto.»
Artigo 3.º
Alteração sistemática à Lei n.º 144/99, de 31 de agosto
É aditado ao Título II da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, na sua redação atual, o Capítulo VI, com a epígrafe
«Aplicação interna do Acordo entre a União Europeia e a Islândia e a Noruega e do Acordo entre a União
Europeia e o Reino Unido», constituído pelos artigos 78.º-A a 78.º-G.
Artigo 4.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 14 de outubro de 2021.
O Primeiro-Ministro, António Luís Santos da Costa — A Ministra da Justiça, Francisca Eugénia da Silva Dias
Van Dunem — O Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, José Duarte Piteira Rica Silvestre Cordeiro.
———
PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 1478/XIV/3.ª
ASSEGURAR LOCAIS DE TRABALHO INCLUSIVOS E OPORTUNIDADES DE EMPREGO PARA
PESSOAS TRANSEXUAIS
Exposição de motivos
Sabemos que Portugal tem feito um caminho importante no reconhecimento dos direitos fundamentais das
pessoas LGBTQI+, do qual se destaca nomeadamente a aprovação do casamento entre pessoas do mesmo
sexo, o reconhecimento de direitos para pessoas transgénero e a proteção das características sexuais das
pessoas intersexo.
Em complemento, têm sido, também, criadas políticas de combate à discriminação com origem na orientação
sexual, identidade de género, expressão de género e características sexuais. Neste âmbito, importa destacar a
aprovação, em Março de 2018, da Estratégia Nacional para a Igualdade e a Não Discriminação 2018-2030 que
inclui um Plano de Ação para o Combate à Discriminação em Razão da Orientação Sexual, Identidade e
Expressão de Género, e Características Sexuais (PAOIEC), com os seguintes objetivos estratégicos: i)
Promover o conhecimento sobre a situação real das necessidades das pessoas LGBTI e da discriminação em
razão da OIEC; ii) Garantir a transversalização das questões da OIEC; iii) Combater a discriminação em razão
da OIEC e prevenir e combater todas as formas de violência contra as pessoas LGBTQI+ na vida pública e
privada.
Contudo, apesar dos avanços que têm sido feitos, as pessoas LGBTQI+ são ainda vítimas de preconceito e
discriminação, que tem de ser combatido. O desrespeito pelos direitos das pessoas LGBTQI+ constitui uma
clara violação das normas nacionais e internacionais de direitos humanos devendo ser-lhes garantidas
condições para que possam livremente viver e mostrar publicamente a sua orientação sexual e identidade de
género, sem medo de represálias.
No que diz respeito ao emprego, suscita-nos especial preocupação os direitos das pessoas transexuais. Por
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isso, consideramos essencial assegurar que os locais de trabalho são inclusivos e que são criadas
oportunidades de emprego para estas pessoas.
A Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia (FRA), elaborou o relatório «Ser Trans na União
Europeia: Análise comparativa dos dados do Inquérito LGBT Europeu»1, após ter inquirido 6579 pessoas,
autodeclaradas trans. Segundo o relatório, este é «um termo genérico que engloba todos aqueles que se
identificam com um género diferente e/ou expressam a sua identidade de género de modo diverso do que lhes
foi atribuído à nascença». No relatório podemos ler que «Embora não possam ser considerados representativos
de todas as pessoas trans na UE, os resultados do inquérito constituem a maior recolha de informações
empíricas deste teor jamais realizada com vista a lançar luz sobre as experiências das pessoas transgénero em
diversas esferas da vida».
As principais conclusões do inquérito evidenciam que «as pessoas trans são frequentemente confrontadas
com violações dos seus direitos fundamentais, como discriminação, violência e assédio, e isto num grau mais
intenso do que as violações sofridas por outras pessoas lésbicas, gays ou bissexuais que responderam ao
inquérito. Essas experiências geram sentimentos persistentes de medo e levam algumas pessoas trans a evitar
determinados locais e a ocultar ou disfarçar a sua verdadeira identidade de género – limitando ainda mais os
seus direitos».
Por outro lado, «sempre que são desenvolvidos e aplicados com eficácia planos de ação, medidas positivas
e políticas de igualdade destinadas a combater a discriminação, as pessoas trans dizem sentir maior abertura
em relação à sua identidade de género».
Os resultados do inquérito também mostram que a legislação e os agentes políticos são fundamentais para
a proteção e promoção dos direitos fundamentais das pessoas trans, assim como contribuem para o combate à
discriminação, estigmatização e exclusão, de modo a assegurar melhores condições de vida às pessoas.
No relatório faz-se referência ao ano anterior ao inquérito, em que «mais da metade de todos os inquiridos
trans (54%), comparativamente a 47% de todos os inquiridos LGBT, sentiram‑se pessoalmente vítimas de
discriminação ou assédio por serem vistos como pessoas trans. Entre os inquiridos em idade jovem, sem um
trabalho remunerado e pertencentes a uma classe de rendimentos mais baixa, era maior a probabilidade de se
sentirem discriminados. Além disso, quanto mais abertos os inquiridos se mostraram quanto ao facto de serem
ou terem sido trans, maior a probabilidade de indicarem que se sentiram vítimas de discriminação».
O inquérito compreendeu experiências de discriminação em diversos momentos da vida social,
nomeadamente no emprego, em que «mais de um em cada três inquiridos trans sentiu‑se discriminado por ser
trans, quando procurava um emprego (37%), e um quarto (27%) referiu situações de discriminação no trabalho».
Em contexto laboral, conclui-se que pelo menos três em cada cinco inquiridos trans não deram conhecimento
do incidente por acreditarem que não iria ter nenhum desfecho positivo, o que revela o descrédito na proteção
dos seus direitos. Também revelaram que não quiseram referir a sua orientação sexual e/ou identidade de
género. Por outro lado, um em cada três dos inquiridos trans nem sequer tinham conhecimento de que poderiam
denunciar às entidades competentes a discriminação sofrida.
Neste sentido, segundo a Diretiva 2006/54/CE2, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de julho de
2006, relativa à aplicação do princípio da igualdade de oportunidades e igualdade de tratamento entre homens
e mulheres em domínios ligados ao emprego e à atividade profissional (reformulação), os Estados-Membros
devem «Proporcionar assistência independente às vítimas da discriminação nas diligências que efetuarem
contra essa discriminação, sem prejuízo do direito das vítimas e das associações, das organizações ou de outras
entidades legais referidas no n.º 2 do artigo 17.º» [alínea a) do n.º 2 do artigo 20.º]. No n.º 1 do artigo 17.º, «Os
Estados-Membros devem assegurar que todas as pessoas que se considerem lesadas pela não aplicação, no
que lhes diz respeito, do princípio da igualdade de tratamento possam ter acesso a processos judiciais, após
eventual recurso a outras autoridades competentes, incluindo, se considerarem adequado, aos processos de
conciliação, para exigir o cumprimento das obrigações impostas pela presente diretiva, mesmo depois de
extintas as relações no âmbito das quais a discriminação tenha alegadamente ocorrido».
Em Portugal, especificamente, o nosso Código do Trabalho, no seu artigo 24.º já determina o direito à
igualdade no acesso ao emprego e no trabalho, referindo expressamente que ninguém pode ser discriminado
1 https://fra.europa.eu/sites/default/files/fra-2015-being-trans-eu-comparative-summary_pt.pdf. 2 https://cite.gov.pt/documents/14333/164803/Directiva+2006-54.pdf/0fdc6c11-9d19-4dbd-b6fd-f34bb44950e5.
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em função da identidade de género.
No entanto, segundo o relatório, a Lei de Identidade de Género: Impacto e desafios da inovação legal na
área do (trans)género3, as pessoas transexuais continuam a ser das que mais sofrem com a discriminação e
exclusão em Portugal.
O Relatório 2019 – Relatório Anual Discriminação contra pessoas LGBTI+, da ILGA4 apresenta os resultados
do projeto ADIM – Avançar na Gestão da Diversidade LGBT nos Sectores Público e Privado, que envolveu 24
organizações, das quais sete empresas e três universidades públicas de Portugal, que fez um estudo com
incidência na Península Ibérica, com o objetivo de diagnosticar as dificuldades e discriminações no acesso ao
trabalho. Daqui importa referir que «36% das pessoas LGBTI+ afirmaram ter ouvido com muita frequência
rumores relativos à sua identidade de género ou orientação sexual ou a de alguma outra pessoa, ou que alguém
diz uma piada ou comentário negativo acerca das pessoas LGBTI+ no local de trabalho».
A consulta do referido relatório permite-nos tomar conhecimento que alguns dos agentes que discriminam
têm «funções públicas, como polícias, profissionais de saúde, etc. (8,15%), e ainda chefes e colegas de trabalho
(6,67%)».
O espaço público, a rua, foi o contexto mais vezes referido como local da ocorrência da situação de
discriminação ou ato de violência (15,53%). Segue-se o espaço doméstico (13,66%), a escola (13,04%), serviços
públicos como hospitais, esquadras ou segurança social (8,7%), locais de diversão noturna (7,45%), locais de
trabalho (6,83%).
Assim, apesar de em 2015 o nosso Código do Trabalho ter sido alterado no sentido de clarificar o direito à
igualdade no acesso ao emprego e no trabalho, esta alteração tem-se mostrado insuficiente, na medida em que,
como se viu, as pessoas trans continuam a ser vítimas de discriminação no acesso ao emprego ou já em
contexto laboral.
Estas circunstâncias deixam estas pessoas numa situação de ainda maior vulnerabilidade, assim se
justificando a criação de programas específicos de emprego para pessoas transexuais, devendo ainda ser feito
um trabalho de proximidade com o sector público e privado, incluindo a Autoridade para as Condições do
Trabalho, no sentido de criar ambientes de trabalho inclusivos e de se combater a discriminação e exclusão das
pessoas trans.
Nestes termos, a Assembleia da República, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, por
intermédio do presente projeto de resolução, recomenda ao Governo que:
1 – Crie através do IEFP programas específicos de emprego para as pessoas transexuais;
2 – Elabore um código de conduta para a administração pública, empresas públicas ou privadas, por forma
a facilitar a criação de locais de trabalho inclusivos, em articulação com as associações que promovem a defesa
dos direitos LGBTQI+;
3 – Promova ações de formação junto da Autoridade para as Condições do Trabalho, por forma a melhor
capacitá-los a prestar apoio às entidades patronais e trabalhadores sobre esta matéria;
4 – Crie programas de sensibilização em contexto laboral junto das instituições públicas e privadas com
vista a combater a discriminação, estigmatização e exclusão das pessoas trans, em articulação com as
associações que promovem a defesa dos direitos LGBTQI+.
Palácio de São Bento, 18 de outubro de 2021.
A Deputada não inscrita Cristina Rodrigues.
———
3 https://ilga-portugal.pt/ficheiros/pdfs/LIG/Relatorio_Resultados_projeto_EEA.pdf. 4 https://ilga-portugal.pt/ficheiros/pdfs/observatorio/ILGA_Relatorio_Discriminacao_2019.pdf.
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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 1479/XIV/3.ª
PELA PROTEÇÃO DA BIODIVERSIDADE E DA PRODUÇÃO AGRÍCOLA NO PROJETO DA PONTE-
AÇUDE NO BAIXO VOUGA LAGUNAR
Em setembro deste ano, a Comunidade Intermunicipal da Região de Aveiro adjudicou ao Grupo ABB, por 9,9
milhões de euros, acrescidos de IVA, a construção da ponte-açude do rio Novo do Príncipe em Cacia, no
concelho de Aveiro. Segundo os proponentes, o projeto visa a melhoraria da defesa contra cheias e marés da
zona do Baixo Vouga Lagunar. Além disso, a ponte-açude tem como objetivos travar o avanço da cunha salina
e aumentar a disponibilidade de água doce para fins agrícolas, bem como para a unidade industrial de produção
de pasta de papel da propriedade da empresa Navigator.
A construção da ponte-açude no Baixo Vouga Lagunar, em plena Zona Especial de Proteção da Ria de
Aveiro, constituirá uma barreira à continuidade longitudinal daquele ecossistema, impedindo o acesso de
importantes populações de espécies de peixes migradores anádromos a locais de desova nos rios Vouga,
Águeda e Alfusqueiro. Algumas destas espécies que ainda ocorrem no Baixo Vouga Lagunar, como a lampreia-
marinha (Petromyzon marinus), o sável (Alosa alosa) e a truta-marisca (Salmo trutta) estão muito ameaçadas
em Portugal, apresentando estatutos de conservação desfavoráveis.
Na última edição do Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal, publicada em 2005, o sável está
classificado como «Em perigo» e a lampreia-marinha e a truta-marisca como «Criticamente em perigo» de
extinção. Segundo especialistas1, não se prevê que a revisão do Livro Vermelho dos Peixes Dulçaquícolas e
Migradores altere os estatutos de conservação desfavoráveis destas espécies. Como tal, importa envidar todos
os esforços para salvaguardar as importantes populações de peixes migradores do Baixo Vouga Lagunar,
salvaguardando-as de impactes negativos que coloquem em risco a sua viabilidade.
Para assegurar o acesso das populações de peixe migradores às áreas de desova é necessário garantir a
instalação de dispositivos de passagem nas barreiras fluviais. Mas o atual projeto para a construção da ponte-
açude em Cacia não prevê a instalação de qualquer passagem. Incompreensivelmente, tanto a Agência
Portuguesa do Ambiente (APA), como o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) não o
exigiram. Apenas determinaram que a Comunidade Intermunicipal da Região de Aveiro deve apresentar um
estudo que estipule as regras de funcionamento das comportas da ponte-açude para que estas não interfiram
com a passagem dos peixes. Se o promotor for incapaz de demonstrar que a infraestrutura permite a circulação
de peixes – o que é provável dado que as comportas estarão fechadas durante boa parte do ano e, quando
abertas, são capazes de gerar forças hidráulicas que os peixes não conseguem contrariar –, aí assim terá de
instalar um dispositivo que permita a passagem das populações piscícolas.
O Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda entende que a posição da APA e do ICNF é inaceitável porque
contraria o princípio preventivo do procedimento de avaliação de impacte ambiental. Também organizações não
governamentais de ambiente, como a Zero e a Quercus, mostraram a sua preocupação pela ausência de
estudos e avaliações prévias à construção do açude. As entidades tuteladas pelo Ministério do Ambiente e da
Ação Climática preferem esperar que a obra avance para só depois avaliar os previsíveis e prováveis efeitos
negativos da barreira no ecossistema estuarino, ao invés de agir proactivamente para evitar os impactes
negativos provocados por este tipo de infraestruturas. A instalação de passagens para peixes não resolve todos
os problemas criados pelas barreiras fluviais, mas se for acompanhada da respetiva monitorização para se
avaliar a sua eficácia – e se forem aplicadas medidas de conservação e recuperação de habitats para a desova
–, contribui para mitigar os efeitos das barreiras. A título de exemplo, na bacia hidrográfica do rio Douro, a
proliferação de barragens, açudes e outras barreiras, muitas delas sem passagens para peixes ou com
dispositivos ineficazes, levou a que populações inteiras de espécies migradoras anádromas tenham
desaparecido daquela bacia hidrográfica.
Além de um dispositivo de passagem para peixes, o projeto da ponte-açude requer também uma avaliação
de impacte ambiental adequada. Não é razoável que as entidades competentes considerem válida uma
declaração de impacte ambiental favorável de 2003, com mais de 18 anos, atribuída a um projeto que nada tem
a ver com o atual e que desconsidera a nova situação de referência. O estudo de impacte ambiental utilizado
para viabilizar o atual projeto da ponte-açude diz respeito a infraestruturas hidráulicas de uma pista olímpica de
1 https://www.wilder.pt/historias/peixes-migradores-a-construcao-de-uma-ponte-acude-em-pleno-estuario-do-vouga-tera-consequencias-um ito-negativas/.
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remo e canoagem que nunca avançou no rio Novo do Príncipe. Além disso, a situação de referência atual é
diferente da de 2003. Quando o estudo de impacte ambiental foi elaborado ainda não existia o sistema de
barragens Ribeiradio-Ermida que veio alterar o regime de caudais do sistema lagunar. O local também ainda
não havia sido incluído na Lista Nacional de Sítios – inclusão que visou melhorar a proteção e conservação das
populações de espécies piscícolas migradoras e da manutenção das suas áreas de reprodução e sua ligação
ao meio marinho. Como tal, importa sujeitar o projeto da ponte-açude em Cacia a um novo procedimento de
avaliação de impacte ambiental adequado à infraestrutura e à nova situação de referência. O novo procedimento
de avaliação deve ser acompanhado de instrumentos de participação pública inclusivos e de fácil acesso e
compreensão para toda a população.
Além de medidas de conservação da biodiversidade, o governo deve promover uma transição ecológica da
agricultura na região, aproveitando a oportunidade de maior disponibilidade hídrica e de contenção do avanço
da cunha salina que o projeto da ponte-açude pode criar, caso este obtenha uma declaração de impacto
ambiental favorável. Nesse sentido, o Governo deve incentivar a produção agrícola centrada nos processos
ecológicos, garantindo melhor qualidade de vida para quem nela trabalha e aplicando medidas que visem a
redução dos consumos de água e dos fatores de produção poluentes. Neste processo é essencial o
envolvimento e a proteção dos pequenos agricultores. De igual modo, importa aplicar medidas que garantam a
proteção dos solos perante os riscos de salinização.
Ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do Bloco de
Esquerda propõe que a Assembleia da República recomende ao Governo que:
1 – Sujeite a um novo procedimento de avaliação de impacte ambiental o projeto para a construção da
ponte-açude do rio Novo do Príncipe, em Cacia, no concelho de Aveiro;
2 – Reveja as licenças ambientais já atribuídas ao projeto adequando-as aos resultados do novo
procedimento de avaliação de impacte ambiental;
3 – Assegure a instalação de um dispositivo de passagem para peixes na ponte-açude do rio Novo do
Príncipe e a monitorização da sua eficácia, caso o projeto obtenha declaração de impacte ambiental favorável;
4 – Disponibilize instrumentos de participação pública inclusivos e de fácil acesso e compreensão sobre o
projeto;
5 – Promova a proteção e conservação das populações de peixes diádromos na região, aplicando medidas
que permitam proteger, conservar e recuperar as suas áreas de reprodução em cursos de água doce e a sua
ligação ao meio marinho;
6 – Garanta a proteção da agricultura, dos pequenos agricultores e do equilíbrio ecológico da região,
incluindo medidas de contenção do avanço da cunha salina, nomeadamente uma ponte-açude que esteja em
linha com as melhores práticas ambientais;
7 – Em articulação com os agricultores da região, assegure apoios e medidas de incentivo à adaptação
ecológica da agricultura na região, aplicando medidas para a redução dos consumos de água e dos fatores de
produção poluentes, e para a proteção dos solos e da produção agrícola local perante os riscos de salinização.
Palácio de São Bento, 18 de outubro de 2021.
As Deputadas e os Deputados do BE: Nelson Peralta — Pedro Filipe Soares — Jorge Costa — Mariana
Mortágua — Alexandra Vieira — Beatriz Dias — Diana Santos — Fabíola Cardoso — Isabel Pires — Joana
Mortágua — João Vasconcelos — José Manuel Pureza — José Maria Cardoso — José Soeiro — Luís Monteiro
— Maria Manuel Rola — Moisés Ferreira — Ricardo Vicente — Catarina Martins.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO.