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Terça-feira, 30 de novembro de 2021 II Série-A — Número 48

XIV LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2021-2022)

S U M Á R I O

Decreto da Assembleia da República n.º 199/XIV (Regula as condições em que a morte medicamente assistida não é punível e altera o Código Penal): — Mensagem do Presidente da República sobre a devolução, sem promulgação, do Decreto. Resolução: Recomenda ao Governo o reconhecimento e atribuição de um estatuto profissional ao observador marítimo de pescas.

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DECRETO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA N.º 199/XIV (REGULA AS CONDIÇÕES EM QUE A MORTE MEDICAMENTE ASSISTIDA NÃO É PUNÍVEL E

ALTERA O CÓDIGO PENAL)

Mensagem do Presidente da República sobre a devolução, sem promulgação, do Decreto

Dirijo-me a Vossa Excelência, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 136.º da Constituição, transmitindo a

presente mensagem à Assembleia da República sobre o Decreto da Assembleia da República n.º 199/XIV, que

regula as condições em que a morte medicamente assistida não é punível e altera o Código Penal, nos termos

seguintes:

1 – Pelo Acórdão n.º 123/2021, publicado em 12 de abril de 2021, o Tribunal Constitucional decidiu

pronunciar-se pela inconstitucionalidade da norma constante do artigo 2.º, n.º 1, do Decreto n.º 109/XIV da

Assembleia da República, publicado em 12 de fevereiro de 2021, que regulava as condições em que a morte

medicamente assistida não seria punível, para o efeito alterando o Código Penal.

Fê-lo com fundamento na violação do princípio de determinabilidade da lei enquanto corolário dos princípios

do Estado de direito democrático e da reserva de lei parlamentar, decorrentes das disposições conjugadas dos

artigos 2.º e 165.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa, por referência à inviolabilidade da

vida humana consagrada no artigo 24.º, n.º 1, da Constituição.

Em consequência, pronunciou-se pela inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 4.º, 5.º, 7.º e

27.º, todos do citado Decreto n.º 109/XIV.

2 – Na ocasião, o mesmo Acórdão recordou que havia dois caminhos possíveis, muito diferentes, quanto ao

alargamento do recurso à morte medicamente assistida.

Passando a citá-lo: «enquanto os ordenamentos jurídicos europeus em que a eutanásia se encontra prevista

(concretamente, o holandês, o belga e o luxemburguês) admitem que a morte assistida possa ocorrer sem que

o doente sofra de uma doença fatal ou em fase terminal, a exigência inversa é feita nos ordenamentos jurídicos

do continente americano (concretamente, no canadiano, no colombiano e nos Estados federados dos Estados

Unidos da América que despenalizam o suicídio assistido – Oregon, Washington, Vermont, Califórnia, Havai,

Nova Jérsei, Maine e Distrito da Colúmbia)».

E o mesmo Acórdão prosseguia: «esta diversidade de soluções normativas reflete a diferença de valoração

e de ponderação atribuída às mencionadas exigências de natureza objetiva relativas á proteção da vida humana

em confronto com a autodeterminação individual do doente».

3 – Na sequência da deliberação do Tribunal Constitucional, cumpriu ao Presidente da República devolver o

Decreto inconstitucional à Assembleia da República, sem o promulgar, como impõe o artigo 279.º, n.º 1, da

Constituição da República Portuguesa, o que ocorreu em 15 de março de 2021.

4 – Volvidos uns meses, a Assembleia da República alterou o Decreto n.º 109/XIV, considerado

inconstitucional, através do Decreto n.º 199/XIV, publicado no DAR em 19 de novembro de 2021, e chegado à

Presidência da República no dia 25 de novembro.

5 – O Decreto n.º 199/XIV, além de introduzir alterações para fazer face à decisão e à argumentação do

Tribunal Constitucional, aproveita para aditar novas normas, que suscitam inesperadas perplexidades.

É o caso das normas respeitantes ao que era o requisito da exigência de «doença incurável e fatal», do artigo

2.º, n.º 1, do diploma anterior.

Neste novo diploma, mantém-se essa exigência, nos mesmos exatos termos, no n.º 1 do artigo 3.º.

Só que no novo número 3 desse artigo 3.º, a exigência, para recurso à antecipação da morte medicamente

assistida passa a ser «doença grave ou incurável».

E, aumentando a perplexidade, a alínea d) do novo artigo 2.º, contendo definições essenciais para a aplicação

da lei, define a doença grave ou incurável como doença grave e incurável.

6 – Isto é, no mesmo diploma e no mesmo artigo – o artigo 3.º –, temos:

1.º – A exigência de «doença incurável e fatal», no número 1.

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2.º – A exigência de mera «doença grave ou incurável», no número 3.

E a «doença grave ou incurável» já é definida como «grave» e «incurável», na alínea d) do artigo 2.º.

7 – Ora, uma coisa é uma doença grave, outra uma doença incurável, outra ainda uma doença fatal.

O legislador tem de escolher entre exigir para a eutanásia e o suicídio medicamente assistido – que são as

duas formas da morte medicamente assistida que prevê, entre a «doença só grave», a «doença grave e

incurável» e a «doença incurável e fatal».

Isto, porque, no novo texto do diploma ora usa «doença grave ou incurável», o que quer dizer uma ou outra,

ora define aquela como grave e incurável, o que quer dizer, além de grave, também incurável, ora usa «doença

grave e fatal», o que quer dizer que, além de grave e incurável, determina a morte. Não apenas é grave,

incurável, progressiva e irreversível, como acontece com doenças crónicas sem cura e irreversíveis. É fatal.

8 – Esta uma primeira razão para solicitar à Assembleia da República que opte entre o exigido no número 1

e o exigido no número 3 do artigo 3.º. E, no caso de deixar de exigir a «doença fatal», opte entre a doença ser

grave ou incurável, como se diz no número 3 do artigo 2.º, ou cumulativamente grave e incurável, e como se diz

na alínea d) do artigo 2.º.

Em matéria tão importante como esta – respeitante a direitos essenciais das pessoas, como o direito à vida

e a liberdade de autodeterminação –, a aparente incongruência corre o risco de atingir fatalmente o conteúdo.

9 – Admitamos que a Assembleia da República quer mesmo optar por renunciar à exigência de a doença ser

fatal, e, portanto, ampliar a permissão da morte medicamente assistida, ou seja do suicídio medicamente

assistido e da eutanásia.

Se assim for, alinhará pelos três Estados europeus citados pelo Tribunal Constitucional e pela Espanha –

que, entretanto, aprovou lei no mesmo sentido –, os quatro com solução mais drástica ou radical, e afastando-

se da solução de alguns Estados Federados norte-americanos, do Canadá e da Colômbia.

Aí suscita-se uma questão mais substancial.

Corresponde tal visão mais radical ou drástica ao sentimento dominante na sociedade portuguesa?

Ou, por outras palavras: o que justifica, em termos desse sentimento social dominante no nosso País, que

não existisse em fevereiro de 2021, na primeira versão da lei, e já exista em novembro de 2021, na sua segunda

versão? O passo dado em Espanha?

10 – Note-se que a objeção respeita a esta segunda versão do diploma, e não alude ao processo que

antecedeu a elaboração da primeira versão.

Não invoca argumentos eleitorais reportados a 2019, ou intenções referendárias subsequentemente

debatidas.

Trata-se de saber em que bases se apoia a opção pela solução mais drástica e radical, se for essa a opção

da Assembleia da República.

11 – Note-se, ainda, que o que está em causa é o entendimento da Assembleia da República – ao ponderar

o direito à vida, de um lado, e a liberdade à autodeterminação e realização pessoal, do outro – quanto ao

sentimento dominante na sociedade portuguesa.

Sobretudo, atendendo a mudança operada em apenas nove meses. Exigia-se doença fatal. Passar-se-ia

agora a dispensar tal exigência.

12 – Como deixei claro em dois compromissos eleitorais, entre 2016 e 2021, não pesa na decisão que tomo

qualquer posição religiosa, ética, moral, filosófica ou política pessoal – que, essa, seria mais crítica – mas,

apenas – como aconteceu noutros ensejos similares – o juízo que formulo acerca do que corresponde ao que

considero ser o sentimento valorativo dominante na sociedade portuguesa.

13 – Esclareço ainda que considerei, após detida ponderação, quanto a esta segunda versão do diploma da

Assembleia da República, não suscitar a fiscalização prévia da constitucionalidade pelo Tribunal Constitucional.

Por um lado, por haver prévias aparentes incongruências de texto a esclarecer, e, por outro lado, por desse

esclarecimento decorrer, largamente, o tipo de juízo jurídico-constitucional formulável.

14 – Finalmente, tomo esta decisão três dias depois de ter recebido o Decreto da Assembleia da República,

e mal chegado de visita oficial ao estrangeiro, assim prescindido de prazos constitucionais mais longos, para

ponderar quer o envio ao Tribunal Constitucional, quer a devolução ao Parlamento, por uma questão de respeito

institucional por esse central órgão de soberania.

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Seria constitucional, mas sinal de desrespeito, usar os prazos conferidos pela Constituição e decidir já depois

de a Assembleia da República se encontrar dissolvida.

15 – Em suma, com os fundamentos expostos, solicito à Assembleia da República que clarifique se é ou não

exigível «doença fatal» como requisito de recurso a morte medicamente assistida e se, não o sendo, a exigência

de «doença grave» e de «doença incurável» é alternativa ou cumulativa.

E, ainda, pondere, no caso de não exigência de «doença fatal», se existem razões substanciais decisivas,

relativamente à sociedade portuguesa, para alterar a posição assumida em fevereiro de 2021, no Decreto n.º

109/XIV.

16 – Nestes termos, devolvo, sem promulgação, o Decreto da Assembleia da República n.º 199/XIV.

Palácio de Belém, 29 de novembro de 2021.

O Presidente da República,

(Marcelo Rebelo de Sousa)

———

RESOLUÇÃO RECOMENDA AO GOVERNO O RECONHECIMENTO E ATRIBUIÇÃO DE UM ESTATUTO

PROFISSIONAL AO OBSERVADOR MARÍTIMO DE PESCAS

A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, recomendar ao

Governo o reconhecimento e atribuição de um estatuto profissional ao observador marítimo de pescas.

Aprovada em 12 de novembro de 2021.

O Presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO.

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