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Segunda-feira, 28 de março de 2022 II Série-A — Número 70
XIV LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2021-2022)
S U M Á R I O
Projeto de Lei n.º 1034/XIV/3.ª (CH):
Altera o regime do exercício de funções por titulares de cargos políticos e altos cargos públicos no sentido de limitar negócios com familiares.
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PROJETO DE LEI N.º 1034/XIV/3.ª
ALTERA O REGIME DO EXERCÍCIO DE FUNÇÕES POR TITULARES DE CARGOS POLÍTICOS E
ALTOS CARGOS PÚBLICOS NO SENTIDO DE LIMITAR NEGÓCIOS COM FAMILIARES
Exposição de motivos
O Governo, em 2019, após várias notícias veiculadas pela comunicação social sobre membros do governo
terem feito contratos públicos com empresas detidas por familiares, solicitou à Procuradoria-Geral da República
(doravante PGR) parecer1 sobre a interpretação do artigo 8.º da Lei n.º 64/93, de 26 de agosto, sendo o tema
atualmente previsto na Lei n.º 52/2019, de 31 de julho.
Um dos casos tornados públicos, e que a PGR menciona no seu parecer, é o do filho do Secretário de Estado
da Proteção Civil, ter uma participação social minoritária, e ter celebrado contratos com pessoas coletivas de
direito público que, no caso, não estavam em nenhuma relação de dependência administrativa ou política com
o mesmo Secretário de Estado. Tendo a PGR vindo a concluir que na sua interpretação não haveria impedimento
à contratação por não se tratar de negócio no âmbito da tutela do referido Secretário de Estado.
A questão que se impõe, é se tal interpretação da lei cumpre os propósitos do regime de impedimentos ou
se a lei deve ser alterada. Vejamos.
O regime de impedimentos tem como objetivo a garantia da imparcialidade da atuação administrativa.
Recorrendo ao mesmo parecer, podemos ler Maria da Glória Garcia e Tiago Macieirinha, onde em anotação ao
artigo 69.º do Código do Procedimento Administrativo referem que: «Assim, os específicos impedimentos
vertidos no artigo 8.º destinaram-se a impedir que a suspeição do favorecimento pessoal ou familiar do titular do
órgão ou do cargo manche a imagem pública do próprio ente público, com prejuízo para a prossecução do
interesse público e para a consecução dos objetivos de imparcialidade e transparência que forçosamente o
devem nortear ou que, por seu turno, as empresas em cujo capital social participe, por si ou conjuntamente com
pessoas do seu círculo de confiança, não sofram o anátema de beneficiarem indevidamente de vantagens
inerentes à sua particular relação fiduciária com os titulares dos órgãos do poder e que, de outro modo,
alegadamente, não obteriam.»
Tendo a PGR determinado que no caso do já referido Secretário de Estado (e noutros como o dele) não
haveria qualquer impedimento na medida em que não se tratava de uma área tutelada por si. Assim, a conclusão
a que chegaram foi que «a formulação de juízos de desvalor é indissociável do facto de ser a eventual
intervenção do titular do cargo político que, em teoria, condicionou ou foi suscetível de ditar o desfecho do
concurso público. O que arreda da sua esfera de abrangência os casos, como os hipotisados no pedido de
parecer, em que os concursos públicos foram abertos e tramitaram perante outros órgãos do Estado e/ou
pessoas coletivas públicas situadas fora da esfera de ação do governante e em que os subsequentes contratos
foram celebrados no termo de um concurso, após o escrupuloso cumprimento de todas as formalidades
aplicáveis, prescritas pelo Código dos Contratos Públicos».
Importa, no entanto, referir que tal posicionamento defrauda os objetivos do regime de impedimentos e,
havendo vontade de beneficiar um familiar, pode falar com um colega de Governo para pedir que a contratação
seja feita através da sua tutela e não da do próprio. É verdade que o referido regime dificulta, mas não impede
que tais situações ocorram.
O Chega defende que a Administração Pública deve fazer o que estiver ao seu alcance para que o regime
de contratação pública seja tão transparente quanto possível, bem como se deve procurar acabar com todo o
tipo de favorecimentos pessoais na esfera governamental.
A Organização das Nações Unidas aprovou a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, sendo
que nas medidas preventivas determina que «Cada Estado Parte deverá, em conformidade com os princípios
fundamentais do seu sistema jurídico, desenvolver e implementar ou manter políticas de prevenção e de luta
contra a corrupção, eficazes e coordenadas, que promovam a participação da sociedade e reflictam os princípios
do Estado de direito, da boa gestão dos assuntos e bens públicos, da integridade, da transparência e da
responsabilidade». Sendo, inequivocamente, uma obrigação do Estado português atuar nesta matéria. No fundo,
existe o reconhecimento por parte da ONU e, consequentemente, dos seus Estados-Membros, que a corrupção
1 https://www.ministeriopublico.pt/pareceres-pgr/9319
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coloca em causa a estabilidade e a segurança das sociedades, mina a confiança dos cidadãos tanto nas
instituições como nos valores democráticos; que os casos de corrupção envolvem, em muitos casos, recursos
dos Estados e que a aquisição ilícita de riqueza pessoal pode ser particularmente prejudicial para as instituições
democráticas, as economias nacionais e o estado de direito. Tendo, portanto, impactos profundos na nossa
sociedade.
A isto acresce que, segundo os resultados do Barómetro Global de Corrupção2 de 2021, quase 90% dos
portugueses acredita que há corrupção no Governo, que os Deputados da Assembleia da República e os
banqueiros estão entre os mais corruptos e 41% dos portugueses considerou que a corrupção aumentou.
É natural que isto aconteça quando sucessivamente há notícias de contratações dúbias feitas por titulares
de órgãos públicos com familiares, veja-se a título de exemplo a notícia da Sábado3 cujo título é «Estado
contratou o pai, a mãe e o irmão da Ministra da Cultura», sendo noticiado um ano depois, sobre a mesma figura
do Estado uma outra notícia, desta vez do Polígrafo4 que questiona «Empresa da família da ministra da Cultura
voltou a celebrar contratos com o Estado?!», tendo sido considerada verdadeira a notícia.
Assim, o Chega propõe várias alterações à lei vigente, no sentido de impedir ou dificultar este tipo de
situações. Nomeadamente, devem ser absolutamente proibidos quaisquer contratos, com empresas em que o
titular do órgão seja detentor de participação (independentemente de ser mais ou menos de 10%), assim como
de empresas que tenham participação de familiares próximos do titular do órgão, nomeadamente, ascendentes,
descendentes, cônjuges ou unidos de facto. Caso a contratação não ocorra em área tutelada pelo próprio titular
do órgão então ela é possível, no entanto, por razões de transparência essa informação deve não só ser pública
como deve ser proativamente publicada em www.transparência.gov.pt.
A existência de impedimentos prevista na lei tem por função assegurar o rigoroso cumprimento dos princípios
da igualdade, da imparcialidade e da transparência, e é isso que pretende com o presente projeto de lei.
Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do
Regimento, o Grupo Parlamentar do Chega apresenta o seguinte projeto de lei:
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei altera o regime do exercício de funções por titulares de cargos políticos e altos cargos públicos,
aprovado pela Lei n.º 52/2019, de 31 de julho, no sentido de limitar negócios com familiares.
Artigo 2.º
Alteração à Lei n.º 52/2019, de 31 de julho
É alterado o artigo 9.º da Lei n.º 52/2019, de 31 de julho, que aprova o regime do exercício de funções por
titulares de cargos políticos e altos cargos públicos e que passa a ter a seguinte redação:
«Artigo 9.º
[...]
1 – […].
2 – Os titulares de cargos políticos ou de altos cargos públicos de âmbito nacional, por si ou nas sociedades
em que exerçam funções de gestão, e as sociedades por si detidas independentemente da percentagem de
participação, não podem:
a] […];
b] […].
2 https://transparencia.pt/wp-content/uploads/2021/06/GCB_EU_2021-WEB.pdf 3 https://www.sabado.pt/portugal/detalhe/estado-contratou-o-pai-a-mae-e-o-irmao-da-ministra-da-cultura 4 https://poligrafo.sapo.pt/fact-check/empresa-da-familia-da-ministra-da-cultura-voltou-a-celebrar-contratos-com-o-estado
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3 – O regime referido no número anterior aplica-se às empresas em cujo capital o titular do órgão ou cargo,
detenha, por si, conjuntamente com o seu cônjuge, unido de facto, ascendente e descendente em qualquer grau
e colaterais até ao 2.º grau.
4 – O regime referido no n.º 2 aplica-se ainda aos seus cônjuges mesmo que se encontrem separados de
pessoas e bens, ou a pessoa com quem vivam em união de facto, ascendente e descendente em qualquer grau
e colaterais até ao 2.º grau, em relação aos procedimentos de contratação pública desencadeados pela pessoa
coletiva de cujos órgãos o familiar seja titular.
5 – […].
6 – […]:
a] […];
b] […];
c] […];
d] […].
7 – […].
8 – [Revogado.]
9 – Quando não sejam proibidos nos termos da presente lei, devem ser objeto de averbamento no contrato,
de publicidade no portal da Internet dos contratos públicos e em www.transparência.gov.pt, com indicação da
relação em causa, todos os contratos celebrados por pessoas coletivas públicas com familiares de titulares de
cargos políticos e altos cargos públicos, incluindo para esse efeito ascendentes e descendentes em qualquer
grau, cônjuges mesmo que separados de pessoas e bens e unidos de facto.
10 – O disposto no número anterior aplica-se ainda a contratos celebrados com empresas em que as pessoas
referidas no número anterior exercem controlo maioritário e a contratos celebrados com sociedades em cujo
capital o titular do cargo político ou de alto cargo público, detenha, por si ou conjuntamente com o cônjuge ou
unido de facto qualquer participação na empresa.
11 – […].»
Artigo 3.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação em Diário da República.
Palácio de São Bento, 28 de março de 2022.
O Deputado do Chega, André Ventura.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO.