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II SÉRIE-A — NÚMERO 29

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Sendo inequívoco que mesmo num contexto de recurso à morte medicamente assistida os cuidados paliativos

devem ser prestados, tal como devem ser todos os demais direitos do doente assegurados.

Mais, não entramos em discussões alarmistas relacionadas com o argumento da «rampa deslizante», nos

termos do qual a aprovação da morte medicamente assistida abriria caminho para aprovação de formas de

eutanásia involuntária. A morte assistida destina-se a doentes conscientes, lúcidos e cuja vontade foi

manifestamente expressa, motivo pelo qual esta é sempre a pedido do paciente.

Desde que se assegure o cumprimento desta regra, não cremos que existirão abusos. Ainda assim, a

possibilidade de existência de eventuais abusos não pode impedir o legislador de legislar sobre determinadas

matérias. Tais riscos obrigarão outrossim o legislador a ser mais cauteloso, devendo estabelecer mecanismos

claros e exigentes de fiscalização e fazer um acompanhamento constante da aplicação da lei, de forma a fazer

os ajustes que sejam necessários. Como bem escreve Gilberto Couto, «o respeito pela autonomia e liberdade

de um doente, assumido na permissão da morte assistida, não deve ser posto em causa pela incapacidade do

Estado em fazer o seu papel, que é impedir os abusos».

Este argumento da «rampa deslizante» tem sido, porém, utilizado para descrever a experiência da morte

medicamente assistida nos países que a despenalizaram. No entanto, olhando para a prática, tal argumento é

desprovido de sentido ou factualidade. Em termos de Direito Comparado, o número de mortes por eutanásia

ou suicídio assistido não são alarmantes, como se tem defendido.

De acordo com a avaliação de 2016 dos sistemas de saúde, a Holanda é o país com melhor classificação

no ranking internacional, numa avaliação de 35 países europeus. Olhando para a avaliação de outros países

que despenalizaram a morte medicamente assistida, veremos que a Suíça se encontra no 2.º lugar, a Bélgica

no 4.º lugar e o Luxemburgo no 6.º lugar. Tal comprova que os países que a despenalizaram são países

evoluídos, que prestam bons cuidados de saúde, nomeadamente a nível dos cuidados paliativos, e oferecem

aos seus pacientes todas as alternativas possíveis. Neste sentido, Portugal, que se encontra no 14.º lugar do

ranking, deve olhar para estes países como exemplos a seguir.

A respeito da diferença entre eutanásia ativa e eutanásia passiva, a justiça canadiana defendeu que desde

que o doente tenha dado indicação de que pretende a morte medicamente assistida e que «possa dar o seu

consentimento informado, não interessa se a assistência do médico é passiva ou ativa, porque a dignidade e a

autonomia do doente são quem manda, em qualquer dos casos».

Assim, para além dos casos de suspensão de tratamento, é permitido aos médicos, por exemplo,

administrar morfina a um doente para aliviar a sua dor, ainda que, de tal ato, possa resultar a morte. Esta

possibilidade, conhecida por teoria do duplo efeito, demonstra que a diferença entre a «morte permitida» e a

«morte não permitida» não é assim tão vincada. De acordo com esta teoria, basta que o médico diga que agiu

com a intenção de aliviar o sofrimento, para que esta morte seja considerada permitida. Contudo, será

possível discernir efetivamente qual a intenção do médico? Conseguiremos afirmar seguramente que a

intenção do médico é aliviar a dor e não antecipar a morte? Entendemos que não. A intenção do médico nem

sempre é fácil definir. Por este motivo, ainda que reconheçamos a diferença entre as duas atitudes,

certamente que esta não é suficientemente grande que justifique a proibição de uma e a permissão de outra,

isto é, que proíba a eutanásia ativa e admita a eutanásia passiva.

Em Portugal, vários foram os avanços no sentido de reconhecer aos pacientes uma maior autonomia. É

hoje aceite que o doente recuse a administração de determinado tratamento, ainda que de tal recusa resulte a

morte. Importantes contributos nesta matéria foram dados pela Lei n.º 25/2012, de 16 de julho, que estabelece

o regime das diretivas antecipadas de vontade, em matéria de cuidados de saúde, designadamente sobre a

forma de testamento vital, e que permite a nomeação de procurador de cuidados de saúde. Enquanto

importante instrumento de reconhecimento da autonomia do doente, esta figura veio prever a possibilidade de

qualquer cidadão maior de idade – desde que não se encontre interdito ou inabilitado por anomalia psíquica e

que se encontre capaz de dar o seu consentimento consciente, livre e esclarecido – poder subscrever um

«documento unilateral e livremente revogável a qualquer momento pelo próprio», no qual «manifesta

antecipadamente a sua vontade consciente, livre e esclarecida, no que concerne aos cuidados de saúde que

deseja receber, ou não deseja receber, no caso de, por qualquer razão, se encontrar incapaz de expressar a

sua vontade pessoal e autonomamente».

Não obstante os passos importantes que têm sido dados, em Portugal não é ainda permitida a morte

medicamente assistida. É nosso parecer que tal, por não ser permitido em qualquer circunstância, limita

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