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Sexta-feira, 22 de julho de 2022 II Série-A — Número 65

XV LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2022-2023)

S U M Á R I O

Resoluções: (a) — Deslocação do Presidente da República ao Brasil. — Deslocação do Presidente da República à Argentina. — Conta Geral do Estado de 2020. Deliberação n.º 6-PL/2022: (a) Utilização da bandeira da União Europeia na Assembleia da República. Projetos de Lei (n.os 240 e 241/XV/1.ª): N.º 240/XV/1.ª (PSD) — Procede à décima terceira alteração à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, que aprova medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença da COVID-19.

N.º 241/XV/1.ª (PAN) — Criminaliza novas condutas atentatórias dos direitos de pessoas especialmente vulneráveis, procedendo à alteração do Código Penal. Propostas de Lei (n.os 23 e 24/XV/1.ª): N.º 23/XV/1.ª (ALRAM) — Pela responsabilização financeira do Estado pela utilização dos meios aéreos na Região Autónoma da Madeira – Alteração ao Decreto-Lei n.º 45/2019, de 1 de abril. N.º 24/XV/1.ª (GOV) — Aprova a Lei de Saúde Mental e altera legislação conexa. Projetos de Resolução (n.os 74, 154, 180 e 181/XV/1.ª): N.º 74/XV/1.ª (Recomenda ao Governo que defina as fórmulas de financiamento das despesas das competências

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no domínio da educação transferidas para os municípios no âmbito do processo de descentralização e que avalie a necessidade de aprovação de um novo regime jurídico do transporte escolar): — Informação da Comissão de Educação e Ciência relativa à discussão do diploma ao abrigo do artigo 128.º do Regimento da Assembleia da República. N.º 154/XV/1.ª (CH): (a) — Título inicial — Recomenda a criação de uma comissão eventual de inquérito parlamentar para clarificar as causas de mortalidade relativas aos anos 2020 e 2021.

— Alteração do título e texto iniciais do projeto de resolução — Comissão eventual de inquérito parlamentar para clarificar as causas de mortalidade relativas aos anos 2020 e 2021. N.º 180/XV/1.ª (PAN) — Regulamentação da instalação de novos projetos de centrais fotovoltaicas. N.º 181/XV/1.ª (PAN) — Recomenda ao Governo que preserve e valorize o parque das gerações como eixo fundamental de uma estratégia nacional de desenvolvimento e promoção do skate. (a) Publicados em Suplemento.

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PROJETO DE LEI N.º 240/XV/1.ª

PROCEDE À DÉCIMA TERCEIRA ALTERAÇÃO À LEI N.º 1-A/2020, DE 19 DE MARÇO, QUE APROVA

MEDIDAS EXCECIONAIS E TEMPORÁRIAS DE RESPOSTA À SITUAÇÃO EPIDEMIOLÓGICA

PROVOCADA PELO CORONAVÍRUS SARS-COV-2 E DA DOENÇA DA COVID-19

Exposição de motivos

A Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, criou um conjunto de medidas excecionais e temporárias de resposta à

situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e pela doença COVID-19, entre as quais

consta um regime excecional e transitório relativo aos prazos e diligências processuais, o qual, apesar das

diversas alterações entretanto sofridas, ainda hoje permanece em vigor.

Com efeito, o artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, relativo a prazos e diligências, foi alterado pela

Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, tendo sido posteriormente revogado pela Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, que

aditou, em sua substituição, o artigo 6.º-A, que consagrou um regime processual transitório e excecional. Este

regime viria a ser revogado pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, que, em sua substituição, aditou à Lei n.º

1-A/2020, de 19 de março, os novos artigos 6.º-B e 6.º-C, relativos a prazos e diligências processuais e a

prazos para a prática de atos procedimentais, respetivamente, os quais viriam a ser revogados pela Lei n.º 13-

B/2021, de 5 de abril, que, por sua vez, aditou, em substituição daqueles, o novo artigo 6.º-E, que consagra o

regime processual excecional e transitório que se encontra atualmente em vigor desde 6 de abril de 2021.

Porém, é hoje evidente para todos os portugueses, incluindo os operadores judiciários e os profissionais do

foro, nomeadamente advogados, solicitadores, agentes de execução, magistrados, administradores de

insolvência e oficiais de justiça, que a retoma à normalidade do funcionamento dos tribunais e das diversas

atividades profissionais forenses é uma realidade, não existindo atualmente qualquer circunstância que

justifique a manutenção de medidas excecionais como as que se foram mantendo na lei, apesar das

sucessivas alterações que o diploma sofreu entre 2020 e 2021 e que hoje ainda estão, incompreensivelmente,

em vigor.

São exemplo do supra exposto as medidas contempladas no artigo 6.º-E, artigo este aditado pela Lei n.º

13-B/2021, de 5 de abril. Tal aditamento refletiu, naturalmente, a adaptação da lei ao estado da pandemia de

então, mas cumpre realçar que, desde abril de 2021 até à presente data (mais de um ano), esse estado

relacionado com a situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção

epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, muito se alterou, sendo para todos evidente, porque

se trata de facto notório, que à data de hoje a maior parte das medidas excecionais então implementadas

afiguram-se totalmente desajustadas e injustificadas.

Referimo-nos, concretamente, às medidas contempladas nos n.os 7, 8 e 9 do artigo 6.º-E da Lei n.º 1-

A/2020, de 19 de março, onde se prevê que:

«7 – Ficam suspensos no decurso do período de vigência do regime excecional e transitório previsto no

presente artigo:

a) O prazo de apresentação do devedor à insolvência, previsto no n.º 1 do artigo 18.º do Código da

Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março;

b) Os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência relacionados com a concretização

de diligências de entrega judicial da casa de morada de família;

c) Os atos de execução da entrega do local arrendado, no âmbito das ações de despejo, dos

procedimentos especiais de despejo e dos processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando o

arrendatário, por força da decisão judicial final a proferir, possa ser colocado em situação de fragilidade por

falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa;

d) Os prazos de prescrição e de caducidade relativos aos processos e procedimentos referidos nas alíneas

anteriores;

e) Os prazos de prescrição e de caducidade relativos aos processos cujas diligências não possam ser

realizadas nos termos dos n.os 2, 4 ou 8.

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8 – Nos casos em que os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência referentes a

vendas e entregas judiciais de imóveis sejam suscetíveis de causar prejuízo à subsistência do executado ou

do declarado insolvente, este pode requerer a suspensão da sua prática, desde que essa suspensão não

cause prejuízo grave à subsistência do exequente ou dos credores do insolvente, ou um prejuízo irreparável,

devendo o tribunal decidir o incidente no prazo de 10 dias, ouvida a parte contrária.

9 – O disposto nas alíneas d) e e) do n.º 7 prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos

máximos imperativos de prescrição ou caducidade, que são alargados pelo período correspondente à vigência

da suspensão.»

Sem prejuízo do exposto, o que por si só seria suficiente para justificar a presente iniciativa legislativa,

cumpre ainda referir que a manutenção deste regime excecional e transitório, hoje totalmente desajustado e

injustificado, tem vindo a criar entropias várias nos processos judiciais em curso, dificultando, ou até

impedindo, a concretização de diversas diligências processuais e impossibilitando a conclusão dos processos

judiciais. Tal realidade potencia a ocorrência de enormes e, hoje, injustificados desequilíbrios entre as partes

processuais, nomeadamente entre aqueles exequentes (os credores na relação jurídica subjacente à ação

executiva) e executados (os devedores na mesma relação jurídica).

Assim, impõe-se corrigir e deixar de considerar excecional o que há vários meses, na prática, já deixou de

o ser e isso só será possível através da revogação das identificadas normas.

Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados do PSD, abaixo assinados,

apresentam o seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei procede à décima terceira alteração à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, que aprova medidas

excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e

da doença da COVID-19.

Artigo 2.º

Alteração à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março

O artigo 6.º-E da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, alterada pelas Leis n.os 4-A/2020, de 6 de abril, 4-

B/2020, de 6 de abril, 14/2020, de 9 de maio, 16/2020, de 29 de maio, 28/2020, de 28 de julho, 58-A/2020, de

30 de setembro, e 75-A/2020, de 30 de dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 6-D/2021, de 15 de janeiro, e pelas

Leis n.os 4-B/2021, de 1 de fevereiro, 13-B/2021, de 5 de abril, e 91/2021, de 17 de dezembro, passa a ter a

seguinte redação:

«Artigo 6.º-E

[…]

1 – […].

2 – […].

3 – […].

4 – […].

5 – […].

6 – […].

7 – [Revogado.]

8 – [Revogado.]

9 – [Revogado.]

10 – […].

11 – […].»

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Artigo 3.º

Norma revogatória

São revogados os n.os 7, 8 e 9 do artigo 6.º-E da Lein.º 1-A/2020, de 19 de março, alterada pelas Leis n.os

4-A/2020, de 6 de abril, 4-B/2020, de 6 de abril, 14/2020, de 9 de maio, 16/2020, de 29 de maio, 28/2020, de

28 de julho, 58-A/2020, de 30 de setembro, e 75-A/2020, de 30 de dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 6-D/2021,

de 15 de janeiro, e pelas Leis n.os 4-B/2021, de 1 de fevereiro, 13-B/2021, de 5 de abril, e 91/2021, de 17 de

dezembro.

Artigo 4.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

Palácio de São Bento, 22 de julho de 2022.

Os Deputados do PSD: Márcia Passos — Paula Cardoso — Andreia Neto — Mónica Quintela — Ofélia

Ramos — Emília Cerqueira — Catarina Rocha Ferreira — Joaquim Pinto Moreira — Sofia Matos — Sara

Madruga da Costa — André Coelho Lima — Lina Lopes — Artur Soveral Andrade — Cristiana Ferreira.

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PROJETO DE LEI N.º 241/XV/1.ª

CRIMINALIZA NOVAS CONDUTAS ATENTATÓRIAS DOS DIREITOS DE PESSOAS ESPECIALMENTE

VULNERÁVEIS, PROCEDENDO À ALTERAÇÃO DO CÓDIGO PENAL

Exposição de motivos

A violência contra pessoas idosas é um flagelo que de ano para ano tem vindo a aumentar, sendo comum

em contexto de violência doméstica, sobretudo praticada pelos filhos das vítimas. Neste contexto, dizem-nos

os dados e as associações de apoio à vítima, que mais de metade dessas pessoas não apresentam queixa.

A violência contra pessoas idosas foi definida em 2002 pela Organização Mundial de Saúde1 como «um ato

único ou repetido, ou a falta de uma ação apropriada, que ocorre no âmbito de qualquer relacionamento onde

haja uma expetativa de confiança, que cause mal ou aflição a uma pessoa mais velha» (WHO, 2002c: 3). Em

momento posterior a Organização Mundial de Saúde2 esclareceu que a violência contra pessoas idosas pode

assumir as formas de violência física (i.e. o conjunto de ações levadas a cabo com intenção de causar dor

física ou ferimentos), de violência psicológica, emocional e/ou verbal (i.e. as ações que infligem sofrimento,

angústia ou aflição, através de estratégias verbais ou não verbais), de violência sexual (i.e. o envolvimento da

pessoa em atividades sexuais para as quais não deu consentimento, que não quer e/ou cujo significado não

compreende), de violência económica ou financeira (i.e. o uso ilegal ou inapropriado, por parte de cuidadores

e/ou familiares, de bens, fundos ou propriedades da pessoa idosa) e de negligência (i.e. a recusa, omissão ou

ineficácia na prestação de cuidados, obrigações ou deveres à pessoa idosa).

De acordo com o relatório anual da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima do ano de 20203, no ano

passado verificou-se um aumento de mais de 21,8% do número de pessoas idosas vítimas de violência face a

2019, tendo existido um total de 1629 vítimas que foram alvo de mais de 19 000 crimes e outras formas de

1 Organização Mundial de Saúde (2002), Missing Voices. Views of Older Persons on Elder Abuse,m WHO. 2 Ana João Santos, Rita Nicolau, Ana Alexandre Fernandes e Ana Paula Gil «Prevalência da violência contra as pessoas idosas: Uma revisão crítica da literatura», in Sociologia, Problemas e Práticas, n.º 72, 2013. 3 Disponível na seguinte ligação: https://apav.pt/apav_v3/images/pdf/Estatisticas_APAV_Relatorio_Anual_2020.pdf.

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violência, tendo uma média de idade de 76 anos e sendo maioritariamente (72,1%) mulheres. Estes valores

são preocupantes tendo em conta que nos dizem que 1 em cada 10 vítimas de crimes de violência em

Portugal é uma pessoa idosa, o que representa a maior percentagem de sempre desde 1990.

Nos últimos anos vários têm sido os alertas e compromissos para a necessidade de se promoverem

medidas tendentes à proteção e promoção dos direitos das pessoas especialmente vulneráveis e

particularmente dos idosos. A Estratégia de Proteção ao Idoso, aprovada pela Resolução do Conselho de

Ministros n.º 63/2015, reconheceu que, apesar de existir um «quadro global muito positivo em matéria de

proteção penal dos direitos dos idosos», seria necessário assegurar-se um reforço dessa proteção por via da

punição penal de práticas «das quais existe conhecimento empírico e que assentam na exploração da especial

vulnerabilidade dos idosos em situação de incapacidade». Com esse objetivo esta estratégia veio defender

uma alteração do Código Penal com o objetivo de sancionar comportamentos que atentem contra os direitos

fundamentais dos idosos, tais como o abandono de idosos em hospitais ou a denegação de acolhimento de

idosos em instituições destinada ao seu internamento, e de prever como circunstância agravante dos crimes

de injúria e difamação o facto de serem dirigidos a pessoa particularmente indefesa, em razão de idade,

deficiência, doença ou gravidez. Esta alteração aqui prevista passados seis anos nunca foi devidamente

cumprida.

Por sua vez, também a Procuradoria-Geral da República definiu a proteção e promoção dos direitos das

pessoas idosas como um dos objetivos estratégicos do Ministério Público para o triénio 2015-2018, assim

como para o triénio judicial de 2022-2024. No âmbito dos objetivos estratégicos para o triénio 2015-2018 a

Procuradoria-Geral da República ia ao ponto de afirmar que o atual quadro legislativo de proteção dos direitos

das pessoas idosas era «claramente deficitário» e afirmou que «a fragilidade física, psíquica e emocional e o

abandono familiar e/ou social dos idosos vêm suscitando relevantes questões às entidades públicas quanto à

necessidade de rever quadros jurídicos e procedimentais capazes de promover os seus direitos e de reagir à

respetiva violação».

Mais recentemente, durante a anterior legislatura, a própria Assembleia da República mostrou preocupação

com este flagelo em pelo menos dois momentos. Por um lado, ao incluir no âmbito da Lei n.º 55/2020, de 27

de agosto, os crimes praticados contra idosos, pessoas com deficiência e outras pessoas vulneráveis na lista

de crimes de prevenção prioritária, atendendo à dignidade dos bens jurídicos tutelados e à necessidade de

proteger as potenciais vítimas. Por outro lado, ao prever no âmbito da Resolução da Assembleia da República

n.º 146/2021, a recomendação para que o Governo trace o retrato da violência contra pessoas idosas em

Portugal, nomeadamente quanto à violência sexual e à violência perpetrada por cuidadores formais ou

profissionais em contexto institucional, e reforce a formação dos profissionais de saúde, profissionais da área

social e dos cuidadores informais para a adequada prestação de cuidados a pessoas idosas, a qual deverá

incluir conteúdos específicos sobre crime e violência, em especial os fatores de risco da violência contra

pessoas idosas, e como preveni-la e intervir nestas situações.

Nos últimos anos consagraram-se um conjunto de alterações ao Código Penal, nomeadamente

introduzidas pela Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro, que garantiram o reforço da tutela penal das pessoas em

situação de vulnerabilidade e particularmente das pessoas idosas, nomeadamente nas previsões específicas

relativas a estas pessoas nos tipos de crimes de maus tratos (artigo 152.º-A) e de violência doméstica (artigo

152.º), e de um agravamento – pelo fato de se tratar de uma vítima particularmente indefesa em razão da

idade – nos crimes de ofensa à integridade física (artigo 145.º, n.º 2), de ameaça e coação [artigo 155.º, n.º 1,

alínea b)], de sequestro [artigo 158.º, número alínea e)], de roubo [artigo 210.º, n.º 2, alínea b)] e de burla

[artigo 218.º, n.º, 2 alínea c)].

Ciente da gravidade do flagelo da violência contra pessoas idosas e da necessidade de tomar medidas

para a combater, com o presente projeto de lei, prosseguindo a sua ação determinada na defesa dos direitos

das pessoas em situação de vulnerabilidade, o PAN pretende abrir o debate sobre uma alteração do quadro

jurídico-penal em termos capazes de assegurar a promoção dos direitos das pessoas em situação de

vulnerabilidade e em especial das pessoas idosas, e de reagir de forma mais eficaz à respetiva violação, um

debate nunca devidamente encetado nos últimos anos, mas que, conforme já se assinalou, foi defendido no

âmbito da Estratégia de Proteção ao Idoso e dos objetivos estratégicos do Ministério Público para o triénio

2015-2018. Pretende-se, ainda, concretizar no Código Penal o disposto nos Princípios Das Nações Unidas

Para As Pessoas Idosas, adotados pela Resolução 46/91 da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 16 de

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dezembro de 1991, onde se afirma expressamente que «os idosos devem ter a possibilidade de viver com

dignidade e segurança, sem serem explorados ou maltratados física ou mentalmente. Os idosos devem ser

tratados de forma justa, independentemente da sua idade, género, origem racial ou étnica, deficiência ou outra

condição, e ser valorizados independentemente da sua contribuição económica».

Com os objetivos apontados, o presente projeto de lei pretende introduzir cinco grandes alterações ao

Código Penal. Em primeiro lugar, propõe-se uma alteração do artigo 184.º do Código Penal por forma a que o

agravamento da pena aplicável no âmbito dos crimes contra a honra que hoje já se prevê para as pessoas que

exerçam funções merecedoras de um especial respeito, se passe também a aplicar quando os mesmos sejam

cometidos contra pessoas idosas (i.e. com mais de 65 anos). Contrariamente ao que sucede com outras

agravações de pena relativas às pessoas idosas e que se fundamentam na fragilidade/vulnerabilidade da

vítima e na menor capacidade de defesa face ao agressor (nomeadamente no âmbito dos crimes contra o

património), o fundamento desta agravação é o maior respeito que esta categoria de cidadão merece.

Em segundo lugar, propomos a criação de um novo capítulo no Código Penal dedicado aos crimes contra

vítimas especialmente vulneráveis, que, sem prejuízo de aplicação de pena mais grave prevista noutra

disposição legal, passa a punir penalmente e de forma autónoma o abandono de pessoa vulnerável, a

denegação de acesso a instituição destinada ao acolhimento, o aproveitamento de pessoa idosa e a

discriminação no acesso a bens e serviços.

No âmbito do crime de abandono de pessoa idosa, prevê-se que se passe a punir com pena de prisão de 2

a 5 anos o abandono intencional de idosos ou pessoas com deficiência física ou psíquica, em hospitais ou

outros estabelecimentos dedicados à prestação de cuidados de saúde por quem os tenha a seu cuidado

(tendo um dever de garante), salvo se o agente tenha procedido a um pedido prévio de apoio dos serviços

sociais para acolhimento de idosos e demonstrado a disponibilidade para colaborar com estes serviços numa

solução de acolhimento (caso em que será excluída ilicitude). Inclui-se, ainda, no âmbito deste crime o

abandono destas pessoas nos chamados «lares ilegais», instalações sem as mais básicas condições para

satisfazer as necessidades dos idosos e que representam um flagelo social cujas consequências foram

particularmente expostas no contexto da crise sanitária provocada pela COVID-19. O Sindicato dos

Magistrados do Ministério Público4 afirmou que esta incriminação «é não só juridicamente válida como

merecedora de aplauso», afirmando que o comportamento punido e o respetivo bem jurídico tutelado

«respeitam os princípios conformadores da necessidade e dignidade penal» e que «esta incriminação se

encontra legitimada não só desde uma perspetiva da ordem de valores constitucionalmente protegidos

(nomeadamente no artigo 73.º da CRP, mas essencialmente no artigo 1.º onde se erige a dignidade humana

como valor primordial), mas também, e sobretudo, da perspetiva do suporte ético que lhe deve ser

reconhecido».

Quanto ao crime de denegação de acesso a instituição destinada ao acolhimento, o que propomos é que

se passe a punir com pena de prisão até quatro anos ou com pena de multa quem negar a integração ou a

permanência de idoso ou pessoa com deficiência, em instituição pública ou privada destinada ao seu

acolhimento, por recusa desta em outorgar procuração para fins de administração ou disposição dos seus

bens ou em efetuar disposição patrimonial de qualquer natureza, incluindo a testamentária, de valor superior

ao montante das prestações devidas por essa pessoa à instituição em causa. Propõe-se igual punição para a

mera proposta de outorga de procuração ou de realização de disposição patrimonial a favor de instituição

anteriormente referida como condição de integração ou permanência de pessoa com mais de 65 anos ou com

deficiência, por forma a que a punição ocorra também nos casos em que vítima aceite a condição de

acolhimento proposta pela instituição. Os protocolos de cooperação celebrados entre a Confederação

Nacional das Instituições de Solidariedade e o Ministério da Solidariedade e da Segurança Social já

consideram o comportamento que agora se pretende punir como ilícito, muito embora tal ilícito não tenha

relevância penal. A falta de relevância penal para este ilícito tem levado a que se verifiquem diversos casos

em que, em violação do disposto nos referidos protocolos, as instituições destinadas ao acolhimento de

pessoas idosas coloquem como condição de acesso/ingresso o pagamento de jóias ou donativos de certos

ativos. Com a presente proposta estas condutas não só passam a ser formalmente ilícitas, como se passa a

dar relevância penal à sua violação.

4 Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (2016), Parecer do SMMP sobre o Projeto de Lei n.º 62/XIII que procede à 41.ª alteração ao Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro, Criminalizando um conjunto de condutas que atentam contra os direitos fundamentais dos idosos, páginas 11 a 13.

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Quanto ao crime de aproveitamento de pessoa especialmente vulnerável, no âmbito do presente projeto

propõe-se que seja punido com pena de prisão de 1 a 5 anos quem com intenção de alcançar um benefício

patrimonial, para si ou para terceiro, promover ou intervir na prática de um ato ou negócio jurídico que envolva

pessoa idosa ou com deficiência física ou psíquica, que se encontre, à data, limitada ou alterada nas suas

funções mentais, em termos que impossibilitem a tomada de decisões de forma autónoma ou esclarecida,

desde que este facto seja notório ou conhecido do agente, sem que se mostre assegurada a sua

representação legal. Esta disposição que agora se propõe visa assegurar a punição das situações de

aproveitamento da fragilidade mental de pessoa especialmente vulnerável traduzida em casos em que esta é

obrigada a outorgar atos como procurações, escrituras de compra e venda ou doação, em manifesto prejuízo

dos seus interesses. Estas situações hoje muitas vezes não são objeto de responsabilização penal em virtude

da presença de notário, enquanto entidade investida de poder público (uma vez que se presume que isso faz

com que seja inferida a capacidade dos intervenientes). Acresce que atualmente resulta do disposto no artigo

173.º, n.º 1, alínea c), do Código do Notariado, que o notário tem o dever de recusar a prática do ato quando

tenha dúvidas sobre a integridade das faculdades mentais dos intervenientes, não havendo, contudo, uma

punição penal ou contraordenacional, o que leva a uma certa falta de zelo no cumprimento deste dever. Com a

presente iniciativa pune-se a conduta das pessoas e entidades, públicas e privadas, que omitam o citado

dever e atua-se no plano da prevenção ao impor um acrescido dever de cautela na verificação das faculdades

mentais dos outorgantes.

Finalmente, quanto ao crime de discriminação no acesso a bens e serviços, pretende-se punir com pena de

multa atos de «discriminação económica», traduzidos nos casos em que se impede ou dificulta ilegitimamente

o acesso de pessoa idosa ou com deficiência, à aquisição de bens ou à prestação de serviços de qualquer

natureza, em razão dessa idade ou dessa limitação, ou atuar desse modo por causa da sua ascendência,

género, etnia, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, orientação sexual ou

identidade de género.

Em terceiro e último lugar, propõe-se a alteração do artigo 11.º do Código Penal por forma a garantir que as

pessoas coletivas possam ser punidas pelos novos crimes criados pelo presente projeto de lei, algo que

permite a punição, por exemplo, de instituições destinadas ao acolhimento de idosos e que é coerente com a

previsão desta punibilidade quanto ao crime de maus-tratos.

Pelo exposto, e ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, a abaixo assinada

Deputada do Pessoas-Animais-Natureza, apresenta o seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei criminaliza novas condutas praticadas contra pessoas especialmente vulneráveis, procede

para o efeito à alteração do Código Penal aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro, e alterado

pela Lei n.º 6/84, de 11 de maio, pelos Decretos-Leis n.os 101-A/88, de 26 de março, 132/93, de 23 de abril, e

48/95, de 15 de março, pelas Leis n.os 90/97, de 30 de julho, 65/98, de 2 de setembro, 7/2000, de 27 de maio,

77/2001, de 13 de julho, 97/2001, 98/2001, 99/2001 e 100/2001, de 25 de agosto, e 108/2001, de 28 de

novembro, pelos Decretos-Leis n.os 323/2001, de 17 de dezembro, e 38/2003, de 8 de março, pelas Leis n.os

52/2003, de 22 de agosto, e 100/2003, de 15 de novembro, pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março,

pelas Leis n.os 11/2004, de 27 de março, 31/2004, de 22 de julho, 5/2006, de 23 de fevereiro, 16/2007, de 17

de abril, 59/2007, de 4 de setembro, 61/2008, de 31 de outubro, 32/2010, de 2 de setembro, 40/2010, de 3 de

setembro, 4/2011, de 16 de fevereiro, 56/2011, de 15 de novembro, 19/2013, de 21 de fevereiro, e 60/2013, de

23 de agosto, pela Lei Orgânica n.º 2/2014, de 6 de agosto, pelas Leis n.os 59/2014, de 26 de agosto, 69/2014,

de 29 de agosto, e 82/2014, de 30 de dezembro, pela Lei Orgânica n.º 1/2015, de 8 de janeiro, e pelas Leis

n.os 30/2015, de 22 de abril, 81/2015, de 3 de agosto, 83/2015, de 5 de agosto, 103/2015, de 24 de agosto,

110/2015, de 26 de agosto, 39/2016, de 19 de dezembro, 8/2017, de 3 de março, 30/2017, de 30 de maio,

94/2017, de 23 de agosto, 16/2018, de 27 de março, 44/2018, de 9 de agosto, 101/2019 e 102/2019, ambas de

6 de setembro, 39/2020, de 18 de agosto, 40/2020, de 18 de agosto, 58/2020, de 31 de agosto, n.º 57/2021,

de 16 de agosto, n.º 79/2021, de 24 de novembro, e n.º 94/2021, de 21 de dezembro.

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Artigo 2.º

Alteração ao Código Penal

São alterados os artigos 11.º e 184.º do Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de

setembro, na sua atual redação, que passam a ter a seguinte redação:

«Artigo 11.º

[…]

1 – […].

2 – As pessoas coletivas e entidades equiparadas, com exceção do Estado, de pessoas coletivas no

exercício de prerrogativas de poder público e de organizações de direito internacional público, são

responsáveis pelos crimes previstos nos artigos 152.º-A e 152.º-B, nos artigos 159.º e 160.º, nos artigos 163.º

a 166.º sendo a vítima menor, e nos artigos 168.º, 169.º, 171.º a 176.º-B, 201.º-A a 201.º-D, 217.º a 222.º,

240.º, 256.º, 258.º, 262.º a 283.º, 285.º, 299.º, 335.º, 348.º, 353.º, 363.º, 367.º, 368.º-A e 372.º a 376.º, quando

cometidos:

a) […]; ou

b) […].

3 – [Revogado.]

4 – […].

5 – […].

6 – […].

7 – […].

8 – […]:

a) […]; e

b) […].

9 – […]:

a) […];

b) […]; ou

c) […].

10 – […].

11 – […].

Artigo 184.º

[…]

As penas previstas nos artigos 180.º, 181.º e 183.º são elevadas de metade nos seus limites mínimo e

máximo se a vítima for uma pessoa com mais de 65 anos de idade, for uma das pessoas referidas na alínea l)

do n.º 2 do artigo 132.º, no exercício das suas funções ou por causa delas, ou se o agente for funcionário e

praticar o facto com grave abuso de autoridade.»

Artigo 3.º

Aditamento ao Código Penal

É aditado ao Título I, do Livro II do Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro,

na sua redação atual, o Capítulo IX, denominado «Dos Crimes contra Vítima especialmente vulnerável» e

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composto pelos artigos 201.º-A a 201.º-D, com a seguinte redação:

«Capítulo IX

Dos crimes contra pessoas especialmente vulneráveis

Artigo 201.º-A

Abandono de pessoa especialmente vulnerável

1 – Quem tendo ao seu cuidado, à sua guarda ou sob sua responsabilidade, pessoa com mais de 65 anos

ou com deficiência física ou psíquica e seja uma das pessoas abrangidas pela obrigação de alimentos nos

termos do artigo 2009.º do Código Civil, e a abandonar intencionalmente em hospital, outro estabelecimento

dedicado à prestação de cuidados de saúde ou em instituição destinada à integração ou permanência de

pessoa idosa que não se encontre licenciada, nem disponha de autorização provisória de funcionamento

válida, é punido com pena de prisão de dois a cinco anos, se pena mais grave lhes não couber por força de

outra disposição legal.

2 – Excluem-se do número anterior as situações em que o agente tenha procedido, há mais de 20 dias, a

um pedido prévio de apoio dos serviços sociais para acolhimento de idosos e demonstrado a disponibilidade

para colaborar com estes serviços numa solução de acolhimento.

3 – No procedimento criminal iniciado pelo Ministério Público relativamente ao crime previsto no presente

artigo, a vítima pode, a todo o tempo, requerer o arquivamento do processo, só podendo o Ministério Público

rejeitar tal requerimento quando, de forma fundamentada, considere que o prosseguimento da ação penal é o

mais adequado à defesa do interesse da vítima ou quando exista fundado receio que o pedido se deveu a

qualquer tipo de condicionamento por parte do arguido ou de terceiro, caso em que deverá promover sempre a

aplicação das medidas necessárias à sua proteção contra eventuais retaliações ou coação.

Artigo 201.º-B

Denegação de acesso a instituição destinada ao acolhimento

1 – Quem negar a integração ou a permanência de pessoa com mais de 65 anos ou com deficiência, em

instituição pública ou privada destinada ao seu acolhimento, por recusa desta em outorgar procuração para

fins de administração ou disposição dos seus bens ou em efetuar disposição patrimonial de qualquer natureza,

incluindo a testamentária, de valor superior ao montante das prestações devidas por essa pessoa à instituição

em causa, é punido com pena de prisão até quatro anos ou com pena de multa até 640 dias se pena mais

grave lhes não couber por força de outra disposição legal.

2 – É igualmente punida, ao abrigo do número anterior, a mera proposta de outorga de procuração ou de

realização de disposição patrimonial a favor de instituição anteriormente referida como condição de integração

ou permanência de pessoa com mais de 65 anos ou com deficiência.

3 – O procedimento criminal não depende de queixa.

Artigo 201.º-C

Aproveitamento de pessoa especialmente vulnerável

1 – Quem com intenção de alcançar um benefício patrimonial, para si ou para terceiro, promover ou intervir

na prática de um ato ou negócio jurídico que envolva pessoa com mais de 65 anos ou com deficiência física ou

psíquica, que se encontre, à data, limitada ou alterada nas suas funções mentais, em termos que

impossibilitem a tomada de decisões de forma autónoma ou esclarecida, desde que este facto seja notório ou

conhecido do agente, sem que se mostre assegurada a sua representação legal, é punido com pena de prisão

de um a cinco anos se pena mais grave lhes não couber por força de outra disposição legal.

2 – A tentativa é punível.

3 – O procedimento criminal não depende de queixa.

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Artigo 201.º-D

Discriminação no acesso a bens e serviços

1 – Quem impedir ou dificultar ilegitimamente o acesso de pessoa idosa ou com deficiência, à aquisição de

bens ou à prestação de serviços de qualquer natureza, em razão dessa idade ou dessa limitação, ou atuar

desse modo por causa da sua ascendência, género, etnia, língua, território de origem, religião, convicções

políticas ou ideológicas, orientação sexual ou identidade de género, é punido com pena de multa até 240 dias,

se pena mais grave lhes não couber por força de outra disposição legal.

2 – O procedimento criminal depende de queixa.»

Artigo 4.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

Assembleia da República, 22 de julho de 2022.

A Deputada do PAN, Inês de Sousa Real.

———

PROPOSTA DE LEI N.º 23/XV/1.ª

PELA RESPONSABILIZAÇÃO FINANCEIRA DO ESTADO PELA UTILIZAÇÃO DOS MEIOS AÉREOS

NA REGIÃO AUTÓNOMA DA MADEIRA – ALTERAÇÃO AO DECRETO-LEI N.º 45/2019, DE 1 DE ABRIL

A Região Autónoma da Madeira (RAM), nos últimos anos, tem sido assolada por fenómenos extremos,

designadamente tempestades e incêndios, que têm posto em risco a segurança da população, bem como dos

seus bens.

Estas situações ocorrem muito por conta do fenómeno das alterações climáticas, o que se tem revelado

uma grande ameaça, não só para a já referida segurança da população, como também, por outro lado, ao

potencial desenvolvimento económico e social de todo o território nacional.

Os incêndios de grandes dimensões que deflagraram na nossa Região tiveram consequências trágicas ao

nível de vidas humanas, para além de inúmeros danos e prejuízos em habitações, infraestruturas,

equipamentos e bens, que se somam à destruição da floresta.

Com o intuito de uma melhoria da eficiência da proteção civil, foi implementado, na RAM, o Plano

Operacional de Combate aos Incêndios Florestais (POCIF) como corolário de uma nova política de prevenção

e vigilância do espaço florestal, de combate a incêndios florestais e de reforço da segurança da população.

A estratégia deste Plano Operacional assenta na constituição de um dispositivo especial de patrulhamento,

vigilância, deteção e combate inicial a incêndios rurais/florestais, que garante em permanência uma resposta

operacional rápida e adequada a estes fogos em fase nascente, impedindo assim a sua propagação.

Foi neste âmbito que, em 2018, o POCIF contemplou, pela primeira vez, um meio aéreo cuja eficácia

contribuiu, de forma significativa, para impedir que os incêndios florestais ou em mato causassem danos de

relevo.

Os meios aéreos multi-mission de combate a incêndios florestais e de resgaste e salvamento em terra

surgiram pelo investimento do Governo Regional da Madeira, respondendo às necessidades vincadas pela

idiossincrasia geográfica madeirense.

A Região caracteriza-se por uma orografia muito particular, sendo comuns as áreas de difícil acesso

terrestre. Existem relevos muito acidentados, irregulares, onde predominam montanhas rochosas

entrecortadas por vales profundos com encostas íngremes.

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Ora, neste contexto, o meio aéreo apresentou-se como uma necessidade premente e um complemento

crucial aos meios terrestres e às Equipas de Combate a Incêndios Florestais, sendo o seu papel de elementar

importância no ataque inicial e/ou nas referidas áreas de difícil acesso terrestre.

Aliás, a sua ação revelou-se tão eficaz que provou poder ir muito além dos incêndios rurais, podendo ser

útil na deslocação de meios ou na redução do tempo de atuação e socorro às vítimas, como podem ser

exemplos os casos de acidentes em levadas e percursos pedestres ou no transporte urgente.

A Resolução do Conselho de Ministros n.º 139/2018, de 23 de outubro de 2018, veio clarificar,

precisamente no que ao combate a incêndios rurais diz respeito, que a gestão dos meios aéreos, centralizada

na Força Aérea, competia ao Estado português.

O intuito era implementar a gestão centralizada dos meios aéreos pela Força Aérea e intensificar a

edificação da capacidade permanente de combate aos incêndios rurais.

Recorde-se que a supra citada Resolução do Conselho de Ministros n.º 139/2018, de 23 de outubro de

2018, considera, no seu texto, o Despacho n.º 10963/2017, de 14 de dezembro, que fazia menção à aposta do

Governo da República no «duplo uso, civil e militar, de equipamentos e infraestruturas» e na «reorganização

do dispositivo territorial em função das missões identificadas e da manutenção de uma capacidade operacional

efetiva», tendo como enfoque «agir com especial celeridade» na prevenção e combate a incêndios florestais.

Ou seja, neste quadro, o Estado português reforçaria, em todo o território nacional, a capacidade

permanente e própria de meios aéreos face às necessidades operacionais apresentadas. Território nacional

esse, que, como é evidente, contempla as regiões autónomas.

Seria, portanto, natural e justo que impendesse sobre o Governo da República a responsabilidade com os

encargos financeiros decorrentes da utilização dos meios aéreos na nossa Região, conforme, aliás, chegou a

ser inscrito nos sucessivos Orçamentos do Estado – de 2018, de 2019 e de 2020, respetivamente, no artigo

159.º da Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro, no artigo 168.º da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro e no

artigo 199.º da Lei n.º 2/2020, de 31 de março.

Sucede que a materialização desta natural responsabilidade do Estado, enquanto constitucionalmente

promotor do «desenvolvimento harmonioso de todo o território nacional, tendo em conta, designadamente, o

carácter ultraperiférico dos arquipélagos dos Açores e da Madeira», nunca se chegou a efetivar, apesar do

importante papel que poderia e deveria ter o Governo da República na execução daquela que deveria ser a

sua capacidade operacional no combate aos incêndios florestais.

Foi o sucessivo investimento do Governo Regional que permitiu combater os incêndios florestais, com

recurso ao meio aéreo, na nossa Região, numa salvaguarda comum de todo o território nacional e da

população madeirense, natural e orgulhosamente, também ela, portuguesa.

Impõe-se, assim, pelo exposto e de uma vez por todas, a urgente clarificação de responsabilidades,

nomeadamente no que concerne aos encargos decorrentes da utilização dos meios aéreos na Região

Autónoma da Madeira, que deve ser assegurada pelo Governo da República no âmbito das funções gerais de

soberania, a qual tem de ser garantida igualitariamente a todos os cidadãos portugueses.

Assim, nos termos da alínea f), do n.º 1, do artigo 227.º da Constituição da República Portuguesa, e da

alínea b) do n.º 1 do artigo 37.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, aprovado

pela Lei n.º 13/91, de 5 de junho, revisto e alterado pelas Leis n.os 130/99, de 21 de agosto, e 12/2000, de 21

de junho, a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, apresenta à Assembleia da República a

seguinte proposta de lei:

Artigo 1.º

Objeto

O presente diploma procede à alteração do Decreto-Lei n.º 45/2019, de 1 de abril, na sua redação atual,

que aprovou a orgânica da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC).

Artigo 2.º

Alteração ao Decreto-Lei n.º 45/2019, de 1 de abril

É aditado o artigo 32.º-A ao Decreto-Lei n.º 45/2019, de 1 de abril, o qual terá a seguinte redação:

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«Artigo 32.º-A

Meios de combate a incêndios na Região Autónoma da Madeira

1 – O Estado, em cooperação com os órgãos de governo próprio da Região Autónoma da Madeira, é

responsável pelo reforço dos meios de combate aos incêndios naquela região autónoma, incluindo,

designadamente, a utilização de meios aéreos e o apoio às populações afetadas.

2 – Os encargos decorrentes da utilização dos meios aéreos de combate a incêndios na Região Autónoma

da Madeira, durante todo o período de vigência do plano operacional de combate aos incêndios em vigor na

Região, são assumidos pela ANEPC.»

Artigo 3.º

Entrada em vigor e produção de efeitos

O presente diploma entra em vigor com a entrada em vigor da lei do Orçamento do Estado posterior à sua

aprovação e produz efeitos desde 1 de janeiro de 2022.

Aprovada em Sessão Plenária da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira em 21 de julho

de 2022.

O Presidente da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, José Manuel de Sousa

Rodrigues.

———

PROPOSTA DE LEI N.º 24/XV/1.ª

APROVA A LEI DE SAÚDE MENTAL E ALTERA LEGISLAÇÃO CONEXA

Exposição de motivos

A Lei n.º 36/98, de 24 de julho (Lei de Saúde Mental), que definiu os princípios gerais da política de saúde

mental, e o Decreto-Lei n.º 35/99, de 5 de fevereiro, que estabeleceu um novo regime de organização e

funcionamento dos serviços de saúde mental, constituíram importantes marcos para a melhoria dos cuidados

de saúde mental, depois enquadrados por uma ambição mais ampla, de desenvolvimento do modelo de

organização da prestação, vertida no Despacho n.º 11411/2006, publicado no Diário da República, 2.ª série,

n.º 101, de 25 de maio, que instituiu a Comissão Nacional para a Reestruturação dos Serviços de Saúde

Mental, responsável pela elaboração do Plano Nacional de Saúde Mental para 2007-2016, aprovado pela

Resolução do Conselho de Ministros n.º 49/2008, de 6 de março.

Apesar dos progressos realizados, decorridos mais de 20 anos sobre a publicação dos referidos diplomas,

era clara a necessidade de repensar a organização da prestação de cuidados de saúde mental, considerando,

por um lado, os enormes avanços registados, nesta área, a nível clínico, e, por outro, os compromissos

assumidos por Portugal, relativamente a esta matéria, no âmbito da Organização Mundial de Saúde, do

Conselho da Europa, da União Europeia e de outras instâncias internacionais.

Como tal, o Governo inscreveu no Plano de Recuperação e Resiliência, apresentado à Comissão Europeia,

e nos termos do Mecanismo de Recuperação e Resiliência, criado através do Regulamento (UE) 2021/241, do

Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de fevereiro de 2021, a conclusão da Reforma da Saúde Mental,

enquanto uma das linhas de reformas e investimentos da componente 01, relativa ao Serviço Nacional de

Saúde, a concretizar até 2026.

Neste contexto, a elaboração e aprovação de um novo diploma legal, que definisse os princípios

orientadores da organização, gestão e avaliação dos serviços de saúde mental, foi um dos compromissos de

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reforma assumidos pelo Governo português, tendo a Ministra da Justiça e a Ministra da Saúde, através do

Despacho n.º 6324/2020, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 114, de 15 de junho, constituído um

grupo de trabalho ao qual atribuíram a apresentação das respetivas propostas.

Os trabalhos realizados conduziram, num primeiro momento, à publicação do Decreto-Lei n.º 113/2021, de

14 de dezembro. Este diploma estabeleceu os princípios gerais e as regras da organização e funcionamento

dos serviços de saúde mental, prevendo diversas evoluções face ao regime até então vigente: i) consagração

do princípio geral de que a organização e funcionamento dos serviços de saúde mental se orientam para a

recuperação integral das pessoas com doença mental; ii) consagração do princípio geral de que a execução

das políticas e planos de saúde mental deve ser avaliada e nessa avaliação incluir a participação de entidades

independentes, nomeadamente, representantes de associações de utentes e de familiares; iii) sustentação do

planeamento da política de saúde mental em três instrumentos, i.e., o Plano Nacional de Saúde, o Plano

Nacional de Saúde Mental e os Planos Regionais de Saúde Mental; iv) organização dos serviços de saúde

mental segundo um modelo baseado em órgãos consultivos de âmbito nacional, regional e local, estruturas de

coordenação de âmbito nacional e regional e serviços de saúde mental de nível regional e local; v)

coordenação das políticas de saúde mental por uma equipa liderada por um coordenador nacional, com a

incumbência específica de promover e avaliar a execução das mencionadas políticas, em especial, através do

acompanhamento da execução do Plano Nacional de Saúde Mental; vi) prestação de cuidados de saúde

mental em hospitais e centros hospitalares psiquiátricos de forma marcadamente residual, tendo em vista a

desinstitucionalização e a reinserção na comunidade das pessoas com doença mental neles residentes, bem

como o processo de integração dos cuidados de nível local aí prestados nos serviços locais de saúde mental;

e vii) integração dos serviços de saúde mental com os cuidados de saúde primários e com os cuidados

continuados integrados e serviços de reabilitação psicossocial, assegurando a necessária continuidade de

cuidados.

Num segundo momento, o grupo de trabalho nomeado pelo mencionado Despacho n.º 6324/2020, de 15

de junho, considerou necessário dispor sobre a definição, os fundamentos e os objetivos da política de saúde

mental, dando especial destaque à abordagem da prestação de cuidados numa ótica de respeito pela

dignidade da pessoa humana, pelos direitos fundamentais e de combate ao estigma, e à garantia de

participação das pessoas com necessidade de cuidados de saúde mental, e respetivos familiares, na definição

das políticas e planos de saúde mental.

A presente proposta de lei visa, assim, a substituição da atual Lei de Saúde Mental e a alteração a

legislação conexa, tendo como referência, entre outros documentos, a Convenção das Nações Unidas sobre

os Direitos das Pessoas com Deficiência, aprovada pelas Nações Unidas em 2006, o Plano de Ação Global de

Saúde Mental, aprovado pela Organização Mundial de Saúde em 2013, as Linhas de Ação Estratégica para a

Saúde Mental e Bem-estar, aprovadas pela União Europeia em 2016, e, ainda, o teor do Additional Protocol to

the Convention on Human Rights and Biomedicine concerning the protection of human rights and dignity

ofpersons with regard to involuntary placement and involuntary treatment within mental healthcare services,

aprovado pelo Comité de Bioética do Conselho da Europa, em novembro de 2021.

Como principais inovações do regime proposto, assinala-se a revisão e atualização dos direitos e deveres

das pessoas com necessidade de cuidados de saúde mental, em linha com o progresso das ciências médicas

e da farmacologia, entre outras, e com os instrumentos de direito internacional, europeu e interno,

nomeadamente a Lei n.º 95/2019, de 4 de setembro, que aprovou a nova Lei de Bases da Saúde, a Lei n.º

49/2018, de 14 de agosto, que definiu o regime jurídico do maior acompanhado, e a Lei n.º 25/2012, de 16 de

julho, que regulou as diretivas antecipadas de vontade.

Entre os direitos das pessoas com necessidade de cuidados de saúde mental, consagra-se expressamente

o direito de: i) aceder a cuidados de saúde integrados e de qualidade, da prevenção à reabilitação, que

incluam respostas aos vários problemas de saúde da pessoa e sejam adequados ao seu enquadramento

familiar e social; ii) ver respeitadas a sua vontade e preferências, expressas no momento ou antecipadamente,

sob a forma de diretivas antecipadas de vontade ou através de procurador de cuidados de saúde ou de

mandatário com vista a acompanhamento; iii) ver promovida a sua capacitação e autonomia, nos vários

quadrantes da sua vida, no respeito pela sua vontade, preferências, independência e privacidade; iv) votar,

ressalvadas apenas as incapacidades previstas na lei geral; v) não ser sujeito a medidas privativas ou

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restritivas da liberdade de duração ilimitada ou indefinida; vi) não ser submetido a medidas coercivas, incluindo

isolamento e meios de contenção físicos ou químicos, exceto nos termos previstos na lei; e vii) não ser

submetido a estimulação magnética transcraniana, sem o seu consentimento escrito.

Por outro lado, à pessoa com necessidade de cuidados de saúde mental em processo de tratamento

involuntário, ou em tratamento involuntário, são reconhecidos, em especial o direito de: i) participar em todos

os atos processuais que diretamente lhe digam respeito, podendo ser ouvida por teleconferência a partir da

unidade de internamento onde se encontre; ii) ser acompanhada por intérprete idóneo, sempre que não

conheça ou domine a língua portuguesa, seja surda ou deficiente auditiva ou muda, caso em que também

poderá responder por escrito a perguntas formuladas oralmente; iii) indicar pessoa de confiança; e iv)

participar, na medida da sua capacidade, na elaboração e execução do respetivo plano de cuidados, sendo

ativamente envolvida nas decisões sobre o desenvolvimento do processo terapêutico.

Mais se prevê que, tendo em vista a efetividade dos direitos de que é titular, a pessoa com necessidade de

cuidados de saúde mental seja apoiada ou representada, no exercício dos mesmos, consoante os casos, pelo

acompanhante, pelo procurador de cuidados de saúde, pelo mandatário, pela pessoa que exerça as

responsabilidades parentais, a tutela ou a quem tenha sido confiada. Com o mesmo objetivo, prevê-se a

figura, intencionalmente informal, da pessoa da confiança – a pessoa escolhida por quem tem necessidade de

cuidados de saúde mental e por si expressamente indicada para, com a sua concordância, lhe prestar apoio

no exercício dos seus direitos.

Adicionalmente, o respeito pelas pessoas com necessidade de cuidados de saúde mental implica ver

respeitadas a sua vontade e preferências, expressas antecipadamente, sob a forma de diretivas antecipadas

de vontade. A consagração deste direito obriga a um regime específico de diretivas antecipadas de vontade

em matéria de cuidados de saúde mental, designadamente, quanto ao seu conteúdo, registo e situações em

que tais diretivas não devem ser respeitadas.

O novo regime procura, também, responder a uma lacuna persistente quanto à proteção da gestão do

património dos doentes mentais, regulando os termos em que o mesmo se efetua. A opção é, neste caso, a de

prever normas sobre a gestão do património dos maiores que não estejam abrangidos por medida de

acompanhamento prevista no Código Civil, aplicando-se, subsidiariamente, o regime da gestão de negócios.

Relativamente às restrições dos direitos das pessoas com necessidade de cuidados de saúde mental, o

tratamento involuntário continua a ter consagração expressa, balizado pelo disposto na alínea h) do n.º 3 do

artigo 27.º da Constituição da República Portuguesa. Merecem especial destaque a regulamentação dos

seguintes aspetos: i) os pressupostos e princípios do tratamento involuntário, relevando a distinção entre

situações de perigo para bens jurídicos do próprio ou de terceiros; ii) a admissibilidade de duas modalidades

do tratamento involuntário — em ambulatório e em internamento; iii) a preferência pelo tratamento involuntário

em ambulatório; iv) a competência das equipas comunitárias de saúde mental para assegurar o tratamento em

ambulatório; v) o dever que impende sobre o Ministério Público e sobre as autoridades de saúde pública de

requerer o tratamento involuntário sempre que tomem conhecimento de determinadas situações de perigo que

se elencam; vi) a avaliação clínico-psiquiátrica, relativamente à qual se prevê a colaboração da equipa

multidisciplinar do serviço de saúde mental ao qual é deferida, a possibilidade de ter lugar no domicílio do

requerido e a obrigatoriedade de ter de ser sustentada em determinados factos; vii) a especial exigência de

fundamentação da decisão judicial de tratamento involuntário, da que o revê, da que retoma o internamento e

da que confirma o internamento de urgência; viii) a determinação de que as restrições à vontade e

preferências decorrentes do tratamento involuntário são as estritamente necessárias e adequadas à

efetividade do mesmo e à segurança e normalidade do funcionamento da unidade de internamento; ix) o

reconhecimento do direito da pessoa em tratamento involuntário de participar, na medida da sua capacidade,

na elaboração e execução do seu plano de cuidados e de ser ativamente envolvida nas decisões sobre o

desenvolvimento do processo terapêutico; x) a inscrição imediata e obrigatória no processo clínico da pessoa

em tratamento involuntário da informação sobre a utilização de eletroconvulsivoterapia e estimulação

magnética transcraniana e respetivos os fundamentos; e xi) a consagração de diversos direitos processuais e

do direito de indicar pessoa de confiança.

Finalmente, determina-se que as restrições de direitos das pessoas com necessidade de cuidados de

saúde mental – como a utilização de medidas coercivas, incluindo o isolamento e meios de contenção físicos

ou químicos, para prevenir ofensa grave e iminente ao corpo ou à saúde do próprio ou de terceiro – obedecem

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a uma utilização exclusivamente de último recurso e sempre por um período limitado à sua estrita

necessidade.

Por forma a harmonizar os regimes vigentes com as alterações propostas, entendeu-se necessário

preceder à revogação de diversos preceitos legais. É o que sucede com a revogação do n.º 3 do artigo 92.º do

Código Penal, que, atualmente, permite, em certos casos, a prorrogação sucessiva das medidas de segurança

de internamento de inimputáveis. Com efeito, a subsistência de tal regime, embora ancorada no n.º 2 do artigo

30.º da Constituição, é há muito questionável, por permitir que as medidas de internamento tenham, na

prática, uma duração ilimitada ou mesmo perpétua, contrariando o entendimento de que deve valer para todos

os cidadãos – imputáveis e inimputáveis – a regra de que não pode haver privações da liberdade com carácter

perpétuo ou de duração ilimitada ou indefinida. Ainda no âmbito da execução das medidas de segurança de

internamento de inimputáveis, propõe-se reduzir, de dois anos para um ano, a periodicidade da revisão

obrigatória da situação do internado, dando assim cumprimento a uma recomendação do Comité Europeu

para a Prevenção da Tortura e das Penas ou Tratamentos Desumanos ou Degradantes.

Esta é, portanto, uma proposta de nova Lei de Saúde Mental que reflete o quadro valorativo à luz do qual

devem, hoje, ser entendidas todas as abordagens terapêuticas neste domínio, baseadas na dignidade da

pessoa humana, tantas vezes posta em causa, historicamente, quer no tratamento, quer no próprio

internamento. É esse quadro valorativo que deve funcionar como escudo essencial face ao reconhecimento do

maior risco de sujeição a maus-tratos, abuso e violência do utente dos serviços de saúde mental. É, em

súmula, esse quadro valorativo que fundamenta as exigências de investimento nas respostas comunitárias,

que se impõem ao sistema de saúde e à própria sociedade e que agora reforça a sua coerência face às

alterações decorrentes do já mencionado Decreto-Lei n.º 113/2021, de 14 de dezembro, e constantes da meta

de conclusão da reforma da saúde mental.

Assim:

Nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 197.º da Constituição, o Governo apresenta à Assembleia da

República a seguinte proposta de lei:

CAPÍTULO I

Disposições gerais

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei dispõe sobre a definição, os fundamentos e os objetivos da política de saúde mental,

consagra os direitos e deveres das pessoas com necessidade de cuidados de saúde mental e regula as

restrições destes direitos e as garantias de proteção da liberdade e da autonomia destas pessoas.

Artigo 2.º

Definições

Para efeitos da presente lei, entende-se por:

a) «Doença mental», a condição caracterizada por perturbação significativa das esferas cognitiva,

emocional ou comportamental, incluída num conjunto de entidades clínicas categorizadas segundo os critérios

de diagnóstico da Classificação Internacional de Doenças da Organização Mundial de Saúde;

b) «Tratamento voluntário», o tratamento aceite pelo próprio, ainda que o consentimento seja expresso sob

a forma de diretiva antecipada de vontade, pelo procurador de cuidados de saúde ou pelo representante legal

de menor de 16 anos, sem oposição deste.

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CAPÍTULO II

Política de saúde mental

Artigo 3.º

Definição da política de saúde mental

1 – Cabe ao Governo, através do Ministério da Saúde, definir a política de saúde mental e promover a

respetiva execução, acompanhamento, avaliação e fiscalização, assim como coordenar a sua ação com a de

todos os serviços e organismos públicos das áreas governativas com intervenção direta ou indireta na área da

saúde mental.

2 – A política de saúde mental tem âmbito nacional e é transversal, dinâmica e evolutiva, adaptando-se ao

progresso do conhecimento científico e às necessidades, contextos e recursos disponíveis a nível nacional,

regional e local, visando a obtenção de ganhos em saúde.

Artigo 4.º

Fundamentos da política de saúde mental

1 – Sem prejuízo do disposto na Lei de Bases da Saúde, são fundamentos da política de saúde mental:

a) A prestação de cuidados de saúde mental centrados na pessoa, reconhecendo a sua individualidade e

subjetividade, necessidades específicas e nível de autonomia;

b) A prestação de cuidados de saúde mental no ambiente menos restritivo possível, devendo o

internamento hospitalar ter lugar como medida de último recurso;

c) A prestação de cuidados de saúde mental assegurada por equipas multidisciplinares habilitadas a

responder, de forma integrada e coordenada, às diferentes necessidades de cuidado das pessoas;

d) O acesso de todas as pessoas, em condições de igualdade e de não discriminação, a cuidados de

saúde mental de qualidade e no tempo considerado clinicamente aceitável;

e) A existência de serviços de saúde mental coordenados, abrangentes e integrados de forma a assegurar

a proximidade e a continuidade de cuidados;

f) A garantia da equidade na distribuição de recursos afetos à saúde mental e na utilização de serviços de

saúde mental e a adoção de medidas de diferenciação positiva.

2 – A abordagem de saúde pública para a saúde mental assegura a sua promoção e o bem-estar da

pessoa, os cuidados de saúde, a residência e o emprego, em paralelo com a prevenção das doenças e o seu

tratamento em todas as fases da vida.

Artigo 5.º

Objetivos da política de saúde mental

São objetivos da política de saúde mental:

a) Promover a titularidade efetiva dos direitos fundamentais de todas as pessoas com necessidade de

cuidados de saúde mental e combater o estigma face à doença mental;

b) Melhorar a saúde mental das populações, nomeadamente através da implementação efetiva e

sustentável de medidas que contribuam para a promoção da saúde mental, para a prevenção e tratamento das

doenças mentais e para a reabilitação e inclusão de todas as pessoas com necessidade de cuidados de saúde

mental;

c) Concluir a transição para a prestação de cuidados de saúde mental na comunidade, tendo em vista

melhorar a qualidade desses cuidados e garantir a proteção dos direitos em todos os serviços e demais

entidades com intervenção na área da saúde mental;

d) Assegurar a integração da saúde mental em todas as políticas públicas e garantir uma cooperação

efetiva entre as áreas governativas com intervenção direta ou indireta na área da saúde mental;

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e) Garantir a participação efetiva das pessoas com necessidade de cuidados de saúde mental e respetivos

familiares na definição das políticas e planos de saúde mental, bem como no seu acompanhamento e

avaliação;

f) Fortalecer o conhecimento baseado na evidência científica e promover a implementação de boas

práticas em saúde mental.

Artigo 6.º

Serviços de saúde mental

Os princípios gerais e as regras da organização e funcionamento dos serviços de saúde mental são

definidos em diploma próprio, considerando-se, para efeitos da presente lei, serviços locais ou regionais de

saúde mental os serviços que assim sejam qualificados nesse diploma.

CAPÍTULO III

Direitos e deveres das pessoas com necessidade de cuidados de saúde mental

SECÇÃO I

Direitos e deveres

Artigo 7.º

Direitos e deveres em geral

1 – Sem prejuízo do previsto na Lei de Bases da Saúde, as pessoas com necessidade de cuidados de

saúde mental têm o direito de:

a) Aceder a cuidados de saúde integrais de qualidade, da prevenção à reabilitação, que incluam respostas

aos vários problemas de saúde da pessoa, adequadas ao seu enquadramento familiar e social;

b) Escolher livremente a entidade prestadora dos cuidados de saúde, tendo em vista o tratamento de

proximidade indispensável à continuidade do plano integrado de cuidados, na medida dos recursos existentes;

c) Decidir, livre e esclarecidamente, a todo o momento, na medida da sua capacidade, sobre os cuidados

de saúde que lhe são propostos, salvo nos casos previstos na presente lei;

d) Ver respeitadas a sua vontade e preferências, expressas no momento ou antecipadamente, sob a forma

de diretivas antecipadas de vontade ou através de procurador de cuidados de saúde ou de mandatário com

vista a acompanhamento, salvo nos casos previstos na presente lei;

e) Decidir, livre e esclarecidamente, a todo o momento, na medida da sua capacidade, sobre a sua

participação em investigação e ensaios clínicos ou atividades de formação, nos termos da lei;

f) Ver promovida a sua capacitação e autonomia, nos vários quadrantes da sua vida, no respeito pelas

suas vontade, preferências, independência e privacidade;

g) Usufruir de condições de habitabilidade, higiene, alimentação, permanência a céu aberto, segurança,

respeito e privacidade em unidades de internamento dos serviços locais ou regionais de saúde mental,

estabelecimentos de internamento ou estruturas residenciais;

h) Comunicar com o exterior, através de quaisquer meios, e ser visitadas por familiares, amigos,

acompanhantes, procuradores de cuidados de saúde e mandatários com vista a acompanhamento, quando se

encontrem em unidades de internamento dos serviços locais ou regionais de saúde mental, estabelecimentos

de internamento ou estruturas residenciais;

i) Votar, ressalvadas as incapacidades previstas na lei geral;

j) Não ser sujeitas a medidas privativas ou restritivas da liberdade de duração ilimitada ou indefinida.

2 – As pessoas com necessidade de cuidados de saúde mental a quem seja aplicada pena, medida de

segurança ou medida de coação mantêm a titularidade dos direitos previstos no número anterior.

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3 – Sem prejuízo do previsto na Lei de Bases da Saúde, as pessoas com necessidade de cuidados de

saúde mental têm o dever de:

a) Colaborar com os profissionais de saúde em todos os aspetos relevantes para a melhoria do seu estado

de saúde mental;

b) Observar as regras sobre organização, funcionamento e utilização dos serviços de saúde mental e

demais entidades prestadoras de cuidados de saúde mental a que recorram.

Artigo 8.º

Direitos e deveres em especial

1 – Sem prejuízo do previsto na Lei de Bases da Saúde, as pessoas com necessidade de cuidados de

saúde mental têm direito a:

a) Não ser submetidas a medidas coercivas, incluindo isolamento e meios de contenção físicos ou

químicos, exceto nos termos previstos na presente lei;

b) Não ser submetidas a eletroconvulsivoterapia ou a estimulação magnética transcraniana, sem o seu

consentimento escrito, exceto nos termos previstos na presente lei;

c) Não ser submetidas a intervenções psicocirúrgicas sem o seu consentimento escrito e parecer escrito

favorável de dois psiquiatras e de um neurocirurgião designados pela Coordenação Nacional das Políticas de

Saúde Mental.

2 – As pessoas com necessidade de cuidados de saúde mental a quem seja aplicada pena, medida de

segurança ou medida de coação mantêm a titularidade dos direitos previstos no número anterior.

3 – Em processo de tratamento involuntário, o requerido tem, em especial, o direito de:

a) Ser informado dos direitos que lhe assistem;

b) Participar em todos os atos processuais que diretamente lhe digam respeito, presencialmente ou por

meio de equipamento tecnológico, podendo ser ouvido por teleconferência a partir da unidade de internamento

do serviço local ou regional de saúde mental onde se encontre;

c) Ser ouvido pelo juiz sempre que possa ser tomada uma decisão que pessoalmente o afete;

d) Ser assistido por defensor ou mandatário constituído em todos os atos processuais em que participar e

ainda nos atos processuais que diretamente lhe digam respeito e em que não esteja presente;

e) Oferecer provas e requerer as diligências que se lhe afigurem necessárias;

f) Ser acompanhado por intérprete idóneo, por si escolhido ou nomeado, sempre que não conhecer ou

não dominar a língua portuguesa;

g) Ser acompanhado por intérprete idóneo de língua gestual, leitura labial ou expressão escrita, por si

escolhido ou nomeado, quando seja surdo ou deficiente auditivo;

h) Responder por escrito a perguntas formuladas oralmente ou ser acompanhado por intérprete idóneo,

por si escolhido ou nomeado, quando seja mudo;

i) Indicar pessoa de confiança, para os efeitos previstos no n.º 4 do artigo seguinte.

4 – A pessoa em tratamento involuntário tem, em especial, o direito de:

a) Ser informada e, sempre que necessário, esclarecida sobre os direitos que lhe assistem;

b) Ser esclarecida sobre os motivos do tratamento involuntário;

c) Participar, na medida da sua capacidade, na elaboração e execução do respetivo plano de cuidados e

ser ativamente envolvida nas decisões sobre o desenvolvimento do processo terapêutico;

d) Ser assistida por defensor ou mandatário constituído, podendo comunicar em privado com este;

e) Participar em todos os atos processuais que diretamente lhe digam respeito, presencialmente ou por

meio de equipamento tecnológico, podendo ser ouvida por teleconferência a partir da unidade de internamento

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do serviço local ou regional de saúde mental onde se encontre;

f) Recorrer da decisão de tratamento involuntário e da que o mantenha;

g) Requerer a revisão da decisão de tratamento involuntário;

h) Comunicar com a comissão prevista no artigo 38.º

5 – A pessoa em tratamento involuntário tem o especial dever de se submeter aos tratamentos

medicamente indicados, sem prejuízo do disposto na alínea c) do n.º 1 e na alínea c) do número anterior.

Artigo 9.º

Exercício dos direitos

1 – No exercício dos seus direitos, o maior acompanhado é apoiado ou representado nos termos definidos

na decisão judicial de acompanhamento.

2 – No exercício dos seus direitos, o maior não acompanhado sem capacidade para consentir é

representado por procurador de cuidados de saúde e apoiado ou representado por mandatário com vista a

acompanhamento, nos termos previstos na procuração de cuidados de saúde ou no mandato com vista a

acompanhamento.

3 – No exercício dos seus direitos, o maior de 16 anos sem capacidade para consentir é representado por

quem exerça as responsabilidades parentais, a tutela ou pela pessoa a quem tenha sido confiado.

4 – As pessoas com necessidade de cuidados de saúde mental têm o direito de indicar pessoa de

confiança que as apoie no exercício dos seus direitos, nomeadamente no exercício dos direitos de

reclamação, de apresentação de sugestões e de recurso e revisão da decisão de tratamento involuntário.

5 – A pessoa de confiança pode, para os efeitos previstos no número anterior, aceder à informação de

saúde e ao processo de tratamento involuntário.

SECÇÃO II

Casos especiais

Artigo 10.º

Diretivas antecipadas de vontade e procurador de cuidados de saúde

1 – As diretivas antecipadas de vontade e a nomeação de procurador de cuidados de saúde, em matéria

de cuidados de saúde mental, obedecem ao disposto na lei.

2 – Podem constar do documento de diretivas antecipadas de vontade disposições que expressem a

vontade clara e inequívoca do outorgante em matéria de cuidados de saúde mental, nomeadamente no que

diz respeito a:

a) Tratamento em internamento;

b) Medidas coercivas, incluindo isolamento e meios de contenção físicos ou químicos;

c) Eletroconvulsivoterapia ou estimulação magnética transcraniana;

d) Medicação psicotrópica.

3 – Se for essa a opção do outorgante, é anexado ao documento referido no número anterior parecer

médico que ateste a sua capacidade para dar consentimento consciente, livre e esclarecido, exceto se a

diretiva antecipada de vontade constar de documento escrito assinado perante funcionário do Registo

Nacional do Testamento Vital, caso em que o parecer é obrigatório.

4 – As diretivas antecipadas de vontade em matéria de cuidados de saúde mental não são observadas

quando se verifique que da sua observância resultaria perigo para bens jurídicos pessoais ou patrimoniais de

terceiros, nos termos da presente lei.

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Artigo 11.º

Medidas coercivas

1 – Na prestação de cuidados de saúde mental, as medidas coercivas, incluindo isolamento e meios de

contenção físicos ou químicos, só podem ser usadas na medida do estritamente necessário para prevenir

ofensa grave e iminente ao corpo ou à saúde da pessoa carecida desses cuidados ou de terceiro.

2 – As medidas coercivas só podem ser utilizadas como último recurso e por um período limitado à sua

estrita necessidade.

3 – O recurso a medidas coercivas deve ser específica e expressamente prescrito por um médico ou

levado imediatamente ao seu conhecimento para apreciação e aprovação, em caso de urgência ou de perigo

na demora.

4 – É imediata e obrigatoriamente inscrita no processo clínico a informação sobre a natureza das medidas

coercivas utilizadas, os fundamentos da sua utilização e a duração das mesmas.

5 – As medidas coercivas são aplicadas por quem esteja treinado para o efeito e implicam uma

monitorização clínica contínua, registada no processo clínico com intervalos regulares, de modo a

salvaguardar a segurança da pessoa.

Artigo 12.º

Eletroconvulsivoterapia e estimulação magnética transcraniana

1 – Em tratamento involuntário, judicialmente decidido nos termos do artigo 23.º, pode haver recurso a

eletroconvulsivoterapia ou a estimulação magnética transcraniana apenas quando estas técnicas sejam

medicamente indicadas, se revelem a melhor alternativa terapêutica e a prescrição seja confirmada por dois

médicos psiquiatras além do médico prescritor.

2 – É imediata e obrigatoriamente inscrita no processo clínico a informação sobre o uso das técnicas

mencionadas no número anterior e os respetivos fundamentos.

SECÇÃO III

Gestão do património

Artigo 13.º

Gestão do património

1 – Quando uma pessoa, sem para tal estar autorizada, assume a gestão do património de pessoa com

necessidade de cuidados de saúde mental que se encontre nas circunstâncias previstas no artigo 138.º do

Código Civil e não lhe tenha sido decretada medida de acompanhamento que abranja este âmbito, aplica-se,

com as necessárias adaptações, o regime da gestão de negócios.

2 – O gestor de negócios dá conhecimento ao Ministério Público da assunção da gestão, logo que seja

possível, considerando-se desta forma cumprido o dever previsto na alínea b) do artigo 465.º do Código Civil.

3 – A falta de cumprimento do dever estabelecido no número anterior por gestor de negócios que seja

proprietário, gestor ou funcionário de entidade que administre ou preste cuidados ao dono do negócio

determina a inversão do ónus da prova da culpa para efeitos do artigo 466.º do Código Civil.

4 – Sem prejuízo do disposto no n.º 2, quando o Ministério Público tiver conhecimento da gestão, pode

requerer ao gestor que o informe acerca da mesma, bem como do estado e condição do dono do negócio e

dos respetivos bens.

5 – Para efeitos das alíneas c) e d) do artigo 465.º do Código Civil, as contas e restantes informações

devem ser prestadas ao Ministério Público.

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CAPÍTULO IV

Tratamento involuntário

SECÇÃO I

Noção e fim do tratamento involuntário

Artigo 14.º

Noção e fim do tratamento involuntário

1 – Diz-se involuntário o tratamento em ambulatório ou em internamento que seja decretado ou

confirmado por autoridade judicial.

2 – O tratamento involuntário é orientado para a recuperação integral da pessoa, mediante intervenção

terapêutica e reabilitação psicossocial.

SECÇÃO II

Processo comum

Artigo 15.º

Pressupostos e princípios gerais

1 – São pressupostos do tratamento involuntário:

a) A existência de doença mental;

b) A recusa do tratamento medicamente indicado necessário para prevenir e eliminar o perigo previsto na

alínea seguinte;

c) A existência de:

i) Perigo para bens jurídicos pessoais ou patrimoniais de terceiros, em razão da doença mental e da

recusa de tratamento; ou

ii) Perigo para bens jurídicos pessoais ou patrimoniais do próprio, em razão da doença mental e da

recusa de tratamento, quando a pessoa não possua o discernimento necessário para avaliar o

sentido e alcance do consentimento;

d) O fim terapêutico do tratamento, conforme previsto no n.º 2 do artigo anterior.

2 – O tratamento involuntário só pode ter lugar se for:

a) A única forma de garantir o tratamento medicamente indicado;

b) Adequado para prevenir e eliminar o perigo previsto na subalínea i) ou ii) da alínea c) do número

anterior; e

c) Proporcionado à gravidade da doença mental, ao grau do perigo e à relevância do bem jurídico.

3 – O tratamento involuntário tem lugar em ambulatório, assegurado pelas equipas comunitárias de saúde

mental, exceto se o internamento for a única forma de garantir o tratamento medicamente indicado, findando

logo que o tratamento possa ser retomado em ambulatório.

4 – As restrições aos direitos, vontade e preferências das pessoas com necessidade de cuidados de

saúde mental decorrentes do tratamento involuntário são as estritamente necessárias e adequadas à

efetividade do tratamento e à segurança e normalidade do funcionamento da unidade de internamento do

serviço local ou regional de saúde mental, nos termos do respetivo regulamento interno.

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Artigo 16.º

Legitimidade

1 – Têm legitimidade para requerer o tratamento involuntário:

a) O representante legal do menor;

b) O acompanhante do maior, no âmbito das suas atribuições;

c) Qualquer pessoa com legitimidade para requerer o acompanhamento de maior;

d) As autoridades de saúde pública;

e) O Ministério Público; e

f) O responsável clínico da unidade de internamento do serviço local ou regional de saúde mental ou do

estabelecimento de internamento, conforme os casos, quando no decurso do internamento voluntário se

verifique uma das situações de perigo previstas na alínea c) do n.º 1 do artigo anterior.

2 – O médico que, no exercício das suas funções, conclua pela verificação de uma das situações de

perigo previstas na alínea c) do n.º 1 do artigo anterior, pode comunicá-la à autoridade de saúde pública

competente para o efeito previsto no n.º 3 do artigo seguinte.

Artigo 17.º

Requerimento para tratamento involuntário

1 – O requerimento, dirigido ao tribunal competente, é formulado por escrito, sem quaisquer formalidades

especiais, devendo conter a descrição dos factos que fundamentam a pretensão do requerente.

2 – Sempre que possível, o requerimento deve ser instruído com elementos que possam contribuir para a

decisão do juiz, nomeadamente relatórios clínico-psiquiátricos e psicossociais.

3 – O Ministério Público e as autoridades de saúde pública devem requer o tratamento involuntário sempre

que tomem conhecimento de uma das situações de perigo previstas na alínea c) do n.º 1 do artigo 15.º.

Artigo 18.º

Termos subsequentes

1 – Recebido o requerimento, o juiz notifica o requerido, informando-o dos direitos e deveres processuais

que lhe assistem, e nomeia-lhe um defensor, cuja intervenção cessa se ele constituir mandatário.

2 – O defensor e o familiar mais próximo do requerido que com ele conviva ou a pessoa que viva com o

requerido em condições análogas às dos cônjuges são notificados para requerer o que tiverem por

conveniente no prazo de cinco dias.

3 – Para os mesmos efeitos, e em igual prazo, o processo vai com vista ao Ministério Público.

Artigo 19.º

Atos instrutórios

O juiz, oficiosamente ou a requerimento, determina a realização das diligências que se lhe afigurem

necessárias e, obrigatoriamente, a avaliação clínico-psiquiátrica do requerido, sendo este notificado para o

efeito.

Artigo 20.º

Avaliação clínico-psiquiátrica

1 – A avaliação clínico-psiquiátrica é deferida ao serviço local ou regional de saúde mental responsável

pela área de residência do requerido, podendo ser deferida, excecionalmente e mediante fundamentação, ao

Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses da respetiva circunscrição.

2 – A avaliação clínico-psiquiátrica é realizada, no prazo de 15 dias, por dois psiquiatras, com a

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colaboração de outros profissionais da equipa multidisciplinar do serviço de saúde mental, no serviço ou no

domicílio do requerido.

3 – O juiz ordena a emissão de mandado de condução quando tal seja necessário para assegurar a

presença do requerido na data designada para a avaliação clínico-psiquiátrica e for de concluir que esta não

pode ter lugar no domicílio do requerido.

4 – O relatório de avaliação clínico-psiquiátrica contém, obrigatoriamente, o juízo técnico-científico

inerente à avaliação, bem como a descrição dos factos que fundamentam:

a) A recusa do tratamento necessário para prevenir e eliminar o perigo previsto na subalínea i) ou ii) da

alínea c) do n.º 1 do artigo 15.º;

b) A necessidade de tratamento involuntário para prevenir e eliminar o perigo previsto na subalínea i) ou ii)

da alínea c) do n.º 1 do artigo 15.º;

c) A insuficiência do tratamento involuntário em ambulatório para prevenir e eliminar o perigo previsto na

subalínea i) ou ii) da alínea c) do n.º 1 do artigo 15.º.

5 – Os serviços remetem o relatório ao tribunal no prazo máximo de sete dias.

6 – O juízo técnico-científico inerente à avaliação clínico-psiquiátrica está subtraído à livre apreciação do

juiz.

Artigo 21.º

Atos preparatórios da sessão conjunta

1 – Recebido o relatório da avaliação clínico-psiquiátrica, o juiz designa data para a sessão conjunta,

sendo notificados o requerido, quem tenha sido indicada pelo requerido como pessoa de confiança, o defensor

ou mandatário constituído, o requerente, o Ministério Público e um dos psiquiatras subscritores do relatório de

avaliação clínico-psiquiátrica.

2 – O juiz pode convocar para a sessão quaisquer outras pessoas cuja audição reputar oportuna,

nomeadamente o psiquiatra assistente e profissionais do serviço local ou regional de saúde mental

responsável pela área de residência do requerido, devendo ser-lhes comunicado o dia, a hora e o local da

realização da sessão conjunta.

3 – Se houver discordância entre os psiquiatras, apresenta cada um o seu relatório, podendo o juiz

determinar que seja renovada a avaliação clínico-psiquiátrica a cargo de outros psiquiatras, nos termos do

artigo anterior.

Artigo 22.º

Sessão conjunta

1 – Na sessão conjunta é obrigatória a presença do defensor ou mandatário constituído e do Ministério

Público.

2 – Sem prejuízo do número anterior, as pessoas notificadas e convocadas para a sessão conjunta podem

ser ouvidas por meio de equipamento tecnológico, podendo ser ouvidos por teleconferência a partir do seu

local de trabalho o psiquiatra subscritor do relatório de avaliação clínico-psiquiátrica e os profissionais do

serviço local ou regional de saúde mental responsável pela área de residência do requerido.

3 – Ouvidas as pessoas notificadas e convocadas, o juiz dá a palavra para alegações sumárias ao

defensor ou mandatário do requerente e ao Ministério Público e profere decisão de imediato ou no prazo

máximo de cinco dias se o procedimento revestir complexidade.

4 – Se o requerido aceitar o tratamento e não houver razões para duvidar da aceitação, depois de ouvido

para o efeito um dos psiquiatras subscritores do relatório de avaliação clínico-psiquiátrica ou o psiquiatra

assistente, o juiz toma as providências necessárias à apresentação daquele no serviço de saúde mental mais

próximo e determina o arquivamento do processo.

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Artigo 23.º

Decisão

1 – A decisão sobre o tratamento involuntário é sempre fundamentada.

2 – Sob pena de nulidade, a decisão:

a) Identifica a pessoa a submeter a tratamento involuntário;

b) Indica as razões do tratamento involuntário, por referência ao disposto no artigo 15.º;

c) Especifica se o tratamento involuntário tem lugar em ambulatório ou em internamento;

d) Indica as razões da opção pelo tratamento involuntário em internamento, bem como as razões da não

opção pelo tratamento em ambulatório.

3 – O juiz determina:

a) O tratamento ambulatório do requerido no serviço local ou regional de saúde mental responsável pela

área de residência; ou

b) A apresentação do requerido no serviço local ou regional de saúde mental responsável pela área de

residência, para efeitos de internamento imediato.

4 – A decisão é notificada ao Ministério Público, ao requerido, ao defensor ou mandatário constituído, ao

requerente e ao serviço local ou regional de saúde mental responsável pela área de residência do requerido.

5 – A leitura da decisão equivale à notificação dos presentes.

Artigo 24.º

Cumprimento da decisão de internamento

1 – O juiz emite mandado de condução com identificação da pessoa a internar, o qual é cumprido, sempre

que possível, pelo serviço local ou regional de saúde mental responsável pelo internamento, que, quando

necessário, solicita a coadjuvação das forças policiais.

2 – Não sendo possível o cumprimento nos termos do número anterior, o mandado de condução pode ser

cumprido pelas forças policiais, que, quando necessário, solicitam o apoio do serviço de saúde mental

responsável pelo internamento.

3 – O local do internamento é comunicado ao familiar mais próximo que com o internado conviva, à

pessoa que com ele viva em condições análogas às dos cônjuges ou à pessoa que tenha sido por ele indicada

como pessoa de confiança.

Artigo 25.º

Cessação do tratamento involuntário

1 – O tratamento involuntário finda logo que cessem os pressupostos que o justificaram.

2 – A cessação ocorre por alta dada pelo diretor clínico do serviço de saúde mental, fundamentada em

relatório de avaliação clínico-psiquiátrica do serviço, ou por decisão judicial.

3 – A alta é imediatamente comunicada ao tribunal competente.

Artigo 26.º

Revisão da decisão

1 – Se for invocada a existência de causa justificativa da cessação do tratamento involuntário, o tribunal

competente aprecia a questão a todo o tempo.

2 – A revisão da decisão é obrigatória, independentemente de requerimento, decorridos dois meses sobre

o início do tratamento ou sobre a decisão que o tiver mantido.

3 – Tem legitimidade para requerer a revisão:

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a) A pessoa em tratamento involuntário, por si ou em conjunto com a pessoa de confiança;

b) O defensor ou mandatário constituído;

c) As pessoas referidas nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 16.º;

d) O Ministério Público;

e) O responsável clínico pela unidade de internamento.

4 – Para o efeito previsto no n.º 2, o serviço de saúde mental envia ao tribunal, até 10 dias antes da data

calculada para a revisão obrigatória, um relatório de avaliação clínico-psiquiátrica elaborado por dois

psiquiatras, com a colaboração de outros profissionais do respetivo serviço.

5 – A revisão tem lugar com audição do Ministério Público, da pessoa em tratamento involuntário, da

pessoa de confiança, do defensor ou mandatário constituído, de um dos psiquiatras subscritores do relatório

de avaliação clínico-psiquiátrica ou do psiquiatra responsável pelo tratamento e de um profissional do serviço

de saúde mental que acompanha o tratamento.

6 – É correspondentemente aplicável à audição prevista no número anterior o disposto no n.º 2 do artigo

22.º e à decisão de revisão o disposto no artigo 23.º.

Artigo 27.º

Substituição do internamento

1 – O tratamento involuntário em internamento é substituído por tratamento em ambulatório logo que deixe

de ser a única forma de garantir o tratamento medicamente indicado, sem prejuízo do disposto no artigo 25.º e

no artigo anterior.

2 – A substituição é comunicada ao tribunal competente.

3 – O tratamento involuntário em internamento é retomado sempre que seja de concluir que é a única

forma de garantir o tratamento medicamente indicado, designadamente por terem deixado de ser cumpridas

as condições estabelecidas para o tratamento em ambulatório.

4 – No caso previsto no número anterior, o psiquiatra responsável pelo tratamento comunica a alteração

ao tribunal competente, sendo correspondentemente aplicáveis os n.os 4, 5 e 6 do artigo anterior.

5 – Sempre que necessário, o serviço de saúde mental solicita ao tribunal competente a emissão de

mandados de condução, a cumprir pelas forças policiais.

6 – O disposto nos números anteriores é correspondentemente aplicável ao internamento de urgência até

à decisão final prevista no artigo 33.º.

SECÇÃO III

Internamento de urgência

Artigo 28.º

Pressupostos

Quando o perigo para bens jurídicos pessoais ou patrimoniais do próprio ou de terceiros seja iminente,

nomeadamente por deterioração aguda do estado da pessoa com doença mental, pode ter lugar tratamento

involuntário em internamento, nos termos dos artigos seguintes, verificado o disposto no n.º 1 do artigo 15.º.

Artigo 29.º

Condução do internando

1 – Verificados os pressupostos do artigo anterior, os elementos da Guarda Nacional Republicana ou da

Polícia de Segurança Pública a quem a lei reconheça a qualidade de autoridade de polícia ou as autoridades

de saúde pública previstas na lei podem determinar, oficiosamente ou a requerimento, através de mandado,

que a pessoa seja conduzida a serviço de urgência hospitalar com valência de psiquiatria.

2 – O mandado contém a assinatura da autoridade competente, a identificação da pessoa a conduzir e a

indicação das razões que o fundamentam e é cumprido pelas forças policiais, com o acompanhamento,

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sempre que possível, do serviço de urgência hospitalar.

3 – Quando, pela situação de urgência e de perigo na demora, não seja possível a emissão prévia de

mandado, qualquer agente policial procede à condução imediata do internando.

4 – Na situação descrita no número anterior, o agente policial lavra auto em que discrimina os factos, bem

como as circunstâncias de tempo e de lugar em que a mesma foi efetuada.

5 – A condução do internando é comunicada de imediato ao Ministério Público.

Artigo 30.º

Apresentação do internando

O internando é apresentado de imediato no serviço de urgência hospitalar com valência de psiquiatria mais

próximo do local em que se iniciou a condução, onde é submetido a avaliação clínico-psiquiátrica com registo

clínico e lhe é prestada a assistência médica necessária.

Artigo 31.º

Termos subsequentes

1 – Quando decorra da avaliação clínico-psiquiátrica a necessidade de internamento e o internando a ele

se oponha, o serviço de urgência hospitalar comunica de imediato a admissão daquele ao tribunal judicial

competente, com cópia do mandado e do relatório da avaliação.

2 – Quando a avaliação clínico-psiquiátrica não confirme a necessidade de internamento:

a) A entidade que tiver conduzido a pessoa restitui-a de imediato à liberdade, remetendo o expediente ao

Ministério Público;

b) O serviço de urgência hospitalar remete a avaliação clínico-psiquiátrica ao Ministério Público.

3 – O disposto no n.º 1 é correspondentemente aplicável quando, em serviço de urgência ou no decurso

de internamento voluntário em estabelecimento ou serviço do Serviço Nacional de Saúde, se conclua pela

necessidade de internamento e o internando a ele se oponha.

Artigo 32.º

Confirmação judicial

1 – Recebida a comunicação referida no n.º 1 do artigo anterior, o juiz nomeia defensor ao internando e dá

vista nos autos ao Ministério Público para pronúncia sobre os pressupostos do internamento de urgência.

2 – Realizadas as diligências que reputar necessárias, o juiz profere decisão de manutenção ou não do

internamento, no prazo máximo de 48 horas a contar da privação da liberdade, fundamentando a decisão.

3 – Sob pena de nulidade, a decisão:

a) Identifica a pessoa a submeter a internamento involuntário;

b) Indica as razões do internamento involuntário, por referência ao disposto no artigo 28.º.

4 – A decisão de manutenção do internamento é comunicada, com todos os elementos que a

fundamentam, ao tribunal competente.

5 – A decisão é igualmente comunicada ao internado e ao familiar mais próximo que com ele conviva ou à

pessoa que viva com o internado em condições análogas às dos cônjuges, bem como ao médico assistente,

sendo aquele informado dos direitos e deveres processuais que lhe assistem.

Artigo 33.º

Decisão final

1 – Recebida a comunicação a que se refere o n.º 4 do artigo anterior, o juiz dá início ao processo de

tratamento involuntário, ordenando que, no prazo de cinco dias, seja feita nova avaliação clínico-psiquiátrica, a

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28

cargo de dois psiquiatras, distintos dos que tenham procedido à anterior, com a colaboração de outros

profissionais da equipa multidisciplinar do serviço de saúde mental.

2 – É ainda correspondentemente aplicável o disposto no artigo 18.º.

3 – Recebido o relatório da avaliação clínico-psiquiátrica e realizadas as demais diligências necessárias, é

designada data para a sessão conjunta, à qual é correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 21.º,

22.º, 23.º e 24.º.

4 – Se a decisão final for de tratamento involuntário é aplicável o disposto nos artigos 25.º, 26.º e 27.º.

SECÇÃO IV

Disposições processuais comuns

Artigo 34.º

Regras de competência

1 – Sem prejuízo dos números seguintes, para efeitos do disposto no presente capítulo, é competente:

a) O juízo local criminal com competência na área de residência do requerido, ou o juízo de competência

genérica, se a área referida não for abrangida por juízo local criminal;

b) O tribunal de execução das penas quando o requerido estiver em prisão ou internamento preventivos ou

em cumprimento de pena ou medida de segurança privativas da liberdade.

2 – Nos casos previstos no n.º 1 do artigo 31.º, é competente o juízo local criminal com competência na

área do serviço de urgência hospitalar com valência de psiquiatria, ou o juízo de competência genérica, se a

área referida não for abrangida por juízo local criminal.

3 – Para efeitos do disposto no n.º 5 do artigo 29.º e nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 31.º, as

comunicações e as remessas são feitas ao Ministério Público com competência na área em que se iniciou a

condução da pessoa.

Artigo 35.º

Recorribilidade da decisão

1 – Da decisão tomada nos termos dos artigos 23.º e 26.º, do n.º 4 do artigo 27.º, do n.º 2 do artigo 32.º, e

do n.º 3 do artigo 33.º cabe recurso para o Tribunal da Relação competente.

2 – Tem legitimidade para recorrer:

a) A pessoa cujo tratamento involuntário foi decretado ou confirmado, por si ou em conjunto com a pessoa

de confiança;

b) O defensor ou mandatário constituído;

c) Quem tiver legitimidade para requerer o internamento nos termos do artigo 16.º.

3 – Os recursos previstos no presente capítulo têm efeito meramente devolutivo e são decididos no prazo

máximo de 30 dias.

Artigo 36.º

Natureza do processo

Os processos previstos no presente capítulo têm natureza urgente.

Artigo 37.º

Legislação subsidiária

Nos casos omissos aplica-se, devidamente adaptado, o disposto no Código de Processo Penal.

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SECÇÃOV

Comissão para o acompanhamento da execução do regime jurídico do tratamento involuntário

Artigo 38.º

Criação

É criada a comissão para o acompanhamento da execução do regime jurídico do tratamento involuntário,

adiante designada por comissão.

Artigo 39.º

Competências

Incumbe especialmente à comissão:

a) Visitar as unidades de internamento dos serviços locais ou regionais de saúde mental e comunicar

diretamente com as pessoas em tratamento involuntário;

b) Solicitar ou remeter a quaisquer entidades administrativas ou judiciárias informações sobre a situação

das pessoas em tratamento involuntário;

c) Receber e apreciar as reclamações das pessoas em tratamento involuntário ou das pessoas com

legitimidade para o requerer;

d) Solicitar ao Ministério Público junto do tribunal competente os procedimentos judiciais julgados

adequados à correção de quaisquer situações de violação da lei que verifique no exercício das suas funções;

e) Recolher e tratar a informação relativa à aplicação do presente capítulo;

f) Emitir recomendações às entidades com intervenção na execução do regime do tratamento involuntário;

g) Propor ao Governo as medidas que julgue necessárias à execução da presente lei.

Artigo 40.º

Composição

1 – A comissão é constituída por três psiquiatras, dois juristas, um psicólogo clínico, um enfermeiro

especialista em enfermagem de saúde mental e psiquiátrica, um técnico de serviço social, um representante

das associações de utentes e um representante das associações de familiares, nomeados por despacho dos

membros do Governo responsáveis pelas áreas da justiça e da saúde.

2 – O mandato dos membros da comissão tem a duração de três anos, sendo que pelo menos dois dos

seus membros transitam da comissão cessante para aquela que é nomeada.

3 – Os membros da comissão não auferem qualquer tipo de remuneração ou senhas de presença, sem

prejuízo do pagamento de ajudas de custo e deslocações a que tenham direito, nos termos legais.

Artigo 41.º

Sede e serviços administrativos

Por despacho dos membros do Governo responsáveis pelas áreas da justiça e da saúde são definidos os

serviços de apoio técnico e administrativo à atividade da comissão, bem como a respetiva sede.

Artigo 42.º

Cooperação

1 – Para os fins previstos na alínea e) do artigo 39.º, os tribunais remetem à comissão cópia das decisões

previstas no presente capítulo.

2 – É dever das entidades públicas e privadas dispensar à comissão toda a colaboração necessária ao

exercício da sua competência.

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Artigo 43.º

Base de dados

A comissão promove, nos termos e condições previstos na legislação sobre proteção de dados pessoais e

sobre o sigilo médico, a organização de uma base de dados informática relativa à aplicação do presente

capítulo, a que terão acesso entidades públicas ou privadas que nisso tenham interesse legítimo.

Artigo 44.º

Relatório

A comissão elabora anualmente um relatório sobre as atividades desenvolvidas no desempenho das suas

competências, o qual deve ser apresentado ao Governo até 31 de março de cada ano.

CAPÍTULO V

Disposições complementares

Artigo 45.º

Habeas corpus em virtude de privação da liberdade ilegal

1 – Quem seja privado da liberdade pode requerer ao tribunal da área onde se encontrar a sua imediata

libertação, com qualquer dos seguintes fundamentos:

a) Estar excedido o prazo previsto no n.º 2 do artigo 32.º;

b) Ter sido a privação da liberdade efetuada ou ordenada por entidade incompetente;

c) Ser a privação da liberdade motivada fora das condições ou dos casos previstos na presente lei.

2 – O requerimento previsto no número anterior pode igualmente ser apresentado por qualquer cidadão no

gozo dos seus direitos políticos.

3 – Recebido o requerimento, o juiz, se o não considerar manifestamente infundado, ordena, se

necessário por via telefónica, a apresentação imediata da pessoa privada da liberdade.

4 – Juntamente com a ordem referida no número anterior, o juiz manda notificar a entidade que tiver a

pessoa à sua guarda, ou quem puder representá-la, para se apresentar no mesmo ato munida das

informações e esclarecimentos necessários à decisão sobre o requerimento.

5 – O juiz decide, ouvidos o Ministério Público e o defensor nomeado ou o mandatário constituído para o

efeito.

Artigo 46.º

Responsabilidade por violação da lei

A violação do disposto na presente lei faz incorrer os seus autores em responsabilidade civil, penal e

disciplinar, nos termos previstos na lei.

CAPÍTULO VI

Alterações legislativas

Artigo 47.º

Alteração ao Código da Execução das Penas e das Medidas Privativas da Liberdade

Os artigos 128.º, 138.º e 171.º do Código da Execução das Penas e das Medidas Privativas da Liberdade,

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aprovado em anexo à Lei n.º 115/2009, de 12 de outubro, na sua redação atual, passam a ter a seguinte

redação:

«Artigo 128.º

[…]

1 – […].

2 – […].

3 – […].

4 – […].

5 – […].

6 – Ao inimputável e ao imputável internado em estabelecimento destinado a inimputáveis é aplicável o

disposto na Lei de Saúde Mental relativamente aos direitos das pessoas com necessidade de cuidados de

saúde mental.

Artigo 138.º

[…]

1 – […].

2 – […].

3 – […].

4 – […]:

a) […];

b) […];

c) […];

d) […];

e) […];

f) […];

g) […];

h) […]:

i) […];

j) […];

l) […];

m) Rever a medida de segurança de internamento de inimputáveis;

n) […];

o) […];

p) […];

q) […];

r) […];

s) […];

t) […];

u) […];

v) […];

x) […];

z) […];

aa) […];

bb) Decidir sobre o tratamento involuntário do condenado com necessidade de cuidados de saúde mental,

nos termos da lei.

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32

Artigo 171.º

[…]

1 – Cabe recurso da decisão que determine, recuse ou mantenha o internamento e da que decrete a

respetiva cessação.

2 – […].

3 – […].

4 – […].»

Artigo 48.º

Alteração à Lei n.º 25/2012, de 16 de julho

O artigo 2.º da Lei n.º 25/2012, de 16 de julho, na sua redação atual, passa a ter a seguinte redação:

«Artigo 2.º

[…]

1 – As diretivas antecipadas de vontade, designadamente sob a forma de testamento vital, são o

documento unilateral e livremente revogável a qualquer momento pelo próprio, no qual uma pessoa maior de

idade e capaz manifesta antecipadamente a sua vontade consciente, livre e esclarecida no que concerne aos

cuidados de saúde que deseja receber ou não deseja receber, no caso de, por qualquer razão, se encontrar

incapaz de expressar a sua vontade pessoal e autonomamente.

2 – […].»

Artigo 49.º

Alteração à Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto

O artigo 114.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de

agosto, na sua redação atual, passa a ter a seguinte redação:

«Artigo 114.º

[…]

1 – […].

2 – […].

3 – […]:

a) […];

b) […];

c) […];

d) […];

e) […];

f) […];

g) […];

h) […];

i) […];

j) […];

k) […];

l) Rever a medida de segurança de internamento de inimputáveis;

m) […];

n) […];

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o) […];

p) […];

q) […];

r) […];

s) […];

t) […];

u) […];

v) […];

w) […];

x) […];

y) Decidir sobre o tratamento involuntário do condenado com necessidade de cuidados de saúde mental,

nos termos da lei.»

Artigo 50.º

Alteração ao Código Penal

Os artigos 93.º, 96.º e 142.º do Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro, na

sua redação atual, passam a ter a seguinte redação:

«Artigo 93.º

[…]

1 – […].

2 – A apreciação é obrigatória, independentemente de requerimento, decorrido 1 ano sobre o início do

internamento ou sobre a decisão que o tiver mantido.

3 – […].

Artigo 96.º

[…]

1 – Não pode iniciar-se a execução da medida de segurança de internamento, decorrido 1 ano ou mais

sobre a decisão que a tiver decretado, sem que seja apreciada a subsistência dos pressupostos que

fundamentaram a sua aplicação.

2 – […].

Artigo 142.º

[…]

1 – […].

2 – […].

3 – […].

4 – […].

5 – No caso de a mulher grávida ser menor de 16 anos, o consentimento é prestado pelo representante

legal.

6 – Se a mulher grávida menor de 16 anos tiver o discernimento necessário para se opor à decisão do

representante legal, o consentimento é judicialmente suprido.

7 – No caso de a mulher grávida não ter capacidade para consentir, o consentimento é prestado, sendo

menor, pelo seu representante legal e, sendo maior, por decisão do tribunal.

8 – [Anterior n.º 6.]

9 – [Anterior n.º 7.]»

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Artigo 51.º

Alteração ao Regulamento das Custas Processuais

O artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 34/2008, de

26 de fevereiro, na sua redação atual, passa a ter a seguinte redação:

«Artigo 4.º

[…]

1 – […].

2 – […]:

a) […];

b) […];

c) […];

d) […];

e) […];

f) […];

g) […];

h) […];

i) Os processos de tratamento involuntário de pessoas com necessidade de cuidados de saúde mental.

3 – […].

4 – […].

5 – […].

6 – […].

7 – […].»

Artigo 52.º

Alteração ao Decreto-Lei n.º 70/2019, de 24 de maio

O artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 70/2019, de 24 de maio, passa a ter a seguinte redação:

«Artigo 9.º

[…]

1 – […].

2 – Em especial, são garantidos ao internado os direitos previstos no artigo 7.º do Código, bem como os

direitos legalmente reconhecidos à pessoa com necessidade de cuidados de saúde mental.

3 – O internado tem os deveres previstos no artigo 8.º do Código, bem como os deveres legalmente

previstos para as pessoas com necessidade de cuidados de saúde mental.»

Artigo 53.º

Alteração ao Decreto-Lei n.º 113/2021, de 14 de dezembro

O artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 113/2021, de 14 de dezembro, passa a ter a seguinte redação:

«Artigo 7.º

[…]

1 – […].

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2 – […]:

a) […];

b) […];

c) […];

d) […];

e) […];

f) […];

g) […];

h) […];

i) […];

j) […];

k) […];

l) […];

m) […];

n) […];

o) […];

p) […];

q) […];

r) […];

s) […];

t) […];

u) […];

v) […];

w) […];

x) […];

y) […];

z) […];

aa) O presidente da comissão para o acompanhamento da execução do regime jurídico do tratamento

involuntário.

3 – […].»

CAPÍTULO VII

Disposições finais

Artigo 54.º

Norma revogatória

São revogados:

a) A Lei n.º 36/98, de 24 de julho, na sua redação atual;

b) O artigo 162.º do Código da Execução das Penas e das Medidas Privativas da Liberdade, aprovado em

anexo à Lei n.º 115/2009, de 12 de outubro, na sua redação atual;

c) A alínea b) do artigo 4.º da Lei n.º 25/2012, de 16 de julho, na sua redação atual;

d) O artigo 148.º do Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47344/66, de 25 de novembro;

e) O n.º 3 do artigo 92.º do Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro, na

sua redação atual;

f) A alínea e) do n.º 1 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 137/2019, de 13 de setembro, na sua redação atual.

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Artigo 55.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor 30 dias após a sua publicação.

Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 14 de julho de 2022.

O Primeiro-Ministro, António Luís Santos da Costa — Pel'A Ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares,

João Paulo Moreira Correia — A Ministra da Saúde, Marta Alexandra Fartura Braga Temido de Almeida

Simões.

———

PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 74/XV/1.ª

(RECOMENDA AO GOVERNO QUE DEFINA AS FÓRMULAS DE FINANCIAMENTO DAS DESPESAS

DAS COMPETÊNCIAS NO DOMÍNIO DA EDUCAÇÃO TRANSFERIDAS PARA OS MUNICÍPIOS NO

ÂMBITO DO PROCESSO DE DESCENTRALIZAÇÃO E QUE AVALIE A NECESSIDADE DE

APROVAÇÃO DE UM NOVO REGIME JURÍDICO DO TRANSPORTE ESCOLAR)

Informação da Comissão de Educação e Ciência relativa à discussão do diploma ao abrigo do artigo

128.º do Regimento da Assembleia da República

1 – Ao abrigo do disposto na alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República Portuguesa (poderes

dos Deputados) e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República (poderes dos

Deputados), foi apresentada a seguinte iniciativa:

• Projeto de Resolução n.º 74/XV/1.ª (PAN) – Recomenda ao Governo que defina as fórmulas de

financiamento das despesas das competências no domínio da educação transferidas para os municípios no

âmbito do processo de descentralização e que avalie a necessidade de aprovação de um novo regime jurídico

do transporte escolar.

2 – A discussão da iniciativa acima identificada ocorreu na reunião da Comissão de 19 de julho de 2022.

3 – A Deputada Inês de Sousa Real (PAN), no âmbito da apresentação da iniciativa, começou por referir

que o texto e título da iniciativa em apreço se prende com o financiamento das despesas no âmbito das

despesas no domínio da educação que foram transferidos para as autarquias em matéria de descentralização,

em particular no que refere ao transporte escolar, e a preocupação com estas. Entende que não basta passar

as referidas competências, mas é necessário também assegurar os meios jurídicos e financeiros necessárias

para a tramitação das mesmas. Referiu que a iniciativa em apreço, em harmonia com o Decreto-Lei n.º

21/2019, de 30 de janeiro, propõe a criação de uma comissão técnica de desenvolvimento com missão de

propor fórmulas de financiamento de despesas de competências transferidas para os municípios no âmbito

destas matérias, incluindo as despesas relacionadas com o transporte escolar, os equipamentos, a

conservação, a manutenção do edificado escolar e residências escolares. Referiu que não houve alteração à

lei das finanças locais de forma a abranger as necessárias novas formas de cálculo, considerando este fato

desajustado com a realidade. Mencionou que o Orçamento do Estado 2022 contempla uma solução transitória,

mas insuficiente.

4 – O Deputado Pompeu Martins (PS) referiu que a descentralização de competências em matéria de

educação é algo mais abrangente do que os fundos e financiamento disponível e veio legitimar a função das

autarquias locais. A transferência de competências em apreço reforçará o papel das autarquias na

comunidade educativa, melhorando a dinâmica da mesma. Os municípios têm experiência diferenciada nesta

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matéria, em que alguns já tiveram contratos de execução com o Ministério de Educação, permitindo extrair

experiências acumuladas. Referiu que, ao contrário do referido pelo PAN, não se trata de reativar a comissão

técnica, pois esta reuniu durante a anterior legislatura, bem como no decurso da presente legislatura, tendo

sido feita uma análise exaustiva das necessidades pendentes. Tendo presente as disparidades

socioeconómicas do país, o Governo, com particular incidência o Ministério das Finanças e Ministério da

Educação, tem feito o trabalho de investigação no sentido de perceber de que forma as transferências da

administração central eram levadas a efeito em matéria de educação na administração local e de que forma

havia complementaridade entre os orçamentos. Referiu ainda que o Governo transmitiu à Associação Nacional

de Municípios Portugueses o estudo sobre o transporte escolar, estando a decorrer negociações sobre

diversos aspetos, nomeadamente, sobre as refeições escolares e descentralização no seu todo.

5 – O Deputado Rui Cruz (PS) referiu que o processo de implementação dos transportes escolares teve

início com o Governo a assumir a totalidade dos custos destes, resultando, no presente, a serem os

municípios a suportar quase a totalidade dos referidos custos. Mencionou que as transferências do Governo

para os municípios são de um papel consultivo ou de ónus financeiros. Referiu que foi sempre negado aos

autarcas transparência para avaliar os orçamentos que sustentavam as competências que o Governo pretende

transferir. É necessária uma requalificação profunda em diversos equipamentos educativos e não existe

orçamento previsto para esta requalificação. Referiu que o Governo não quer assumir as responsabilidades

financeiras referentes aos transportes escolares, refeições escolares (pelo valor que são pagas pelos

municípios), manutenção regular e requalificações das escolas do 2.º e 3.º ciclo e secundário, entre outros.

6 – Não se registaram outras intervenções.

7 – Realizada a discussão, cuja gravação áudio será disponibilizada no projeto de resolução referido,

remete-se esta Informação a Sua Excelência o Presidente da Assembleia da República, para agendamento da

votação das iniciativas na reunião plenária, nos termos do artigo 128.º do Regimento da Assembleia da

República.

Assembleia da República, 19 de julho de 2022.

O Presidente da Comissão, Alexandre Quintanilha.

———

PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 180/XV/1.ª

REGULAMENTAÇÃO DA INSTALAÇÃO DE NOVOS PROJETOS DE CENTRAIS FOTOVOLTAICAS

Exposição de motivos

Tem-se vindo a assistir à autorização de instalação de grandes centrais fotovoltaicas em zonas que

implicam a desflorestação de vastas áreas, apesar dos projetos serem sujeitos a avaliação de impacte

ambiental. Esta prática tem levado a forte contestação das populações afetadas e de organizações não

governamentais do ambiente com prejuízos para o ambiente, saúde das populações e para o turismo.

Se, por um lado, essas centrais fotovoltaicas são um contributo fundamental para a autonomia de produção

energética e a redução de gases com efeito de estufa, por outro, ao implicar a desflorestação de vastas áreas

apresentam significativos impactes ambientais negativos com a destruição de ecossistemas, para além de

contrariarem os princípios básicos da adaptação às alterações climáticas e do combate à desertificação visto

que as árvores são fundamentais para a diminuição da temperatura local, através do sombreamento e da

retenção de recursos hídricos no solo. Em alguns casos, a localização das centrais coloca em risco largos

hectares de floresta e a vida de milhares de aves e outras espécies.

As avaliações de impacte ambiental destes projetos, tipicamente contabilizam o efeito líquido das emissões

de gases com efeito de estufa, ou seja, as emissões evitadas através da produção de energia solar deduzidas

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da captura de carbono que deixa de ocorrer pela desflorestação. Os efeitos relacionados com a destruição de

ecossistemas, aumento da temperatura local e de desertificação, apresentam, quando muito, uma mera

menção.

Apesar de serem efeitos de mais difícil quantificação que as emissões de gases com efeito de estufa, são

aspetos de crucial importância para o país e que não podem continuar a ser menosprezados no âmbito da

avaliação de impacte ambiental.

Com efeito, de acordo com o Relatório do Estado do Ambiente de 2019, do total de projetos submetidos a

avaliação de impacto ambiental entre 2008 e 2018, apenas 5% tiveram uma declaração de impacto ambiental

desfavorável, sendo os restantes 95% objeto de declaração de impacto ambiental favorável condicionada1.

Estas estatísticas vêm demonstrar que a atual legislação de AIA não é suficiente para defender o ambiente

nem promover a sustentabilidade porque tem em conta questões de índole económico-financeira, permite

«compensar» danos ambientais e autoriza a localização de projetos em áreas sensíveis sem que sejam

sujeitos a AIA, para além de desvalorizar um dos maiores desafios do país que é a adaptação às alterações

climáticas.

Estas questões estruturais que levam a que apenas 5% dos projetos sujeitos a AIA não sejam aprovados,

têm profundos impactos seja na localização de projetos em áreas inundáveis em cenários de alterações

climáticas, a aprovação de projetos de elevada intensidade hídrica em zonas de risco de desertificação, ao

betonamento da costa para projetos turísticos, aumentando a sua vulnerabilidade em virtude das alterações

climáticas e na destruição de ecossistemas. Com efeito, Portugal está no ranking de 4.º país europeu com

mais espécies ameaçadas, com um total de 456 espécies ameaçadas. Entre 2016 e 2019, as espécies em

risco de extinção em Portugal praticamente duplicaram, passando de 281 para as atuais 456. A nível mundial,

Portugal é o vigésimo sétimo país com mais espécies ameaçadas, o que nos coloca nos 15% de países com

mais espécies em risco de extinção. Tendo em conta o tamanho do nosso território, é uma performance

incrível, pelos piores motivos.

A destruição de ecossistemas não pode ser compensada nem paga, em termos financeiros. Acresce que a

instalação de grandes centrais fotovoltaicas não é a única solução para a produção de energia solar. Com

efeito, o PAN tem defendido que, no âmbito da energia solar, deve ser privilegiada a microprodução e o

desenvolvimento de comunidades energéticas tendo em conta a redução significativa de impactes ambientais

dessa opção e, também, os efeitos sociais positivos da mesma, com a redução da fatura energética das

famílias.

Veja-se que as seis organizações ambientais da Coligação C6 (Quercus, a Associação Natureza

Portugal/World Wide Fund For Nature (ANP/WWF), a Liga para a Proteção da Natureza (LPN), o Grupo de

Estudos de Estudos de Ordenamento do território e Ambiente (GEOTA), a FAPAS – Associação Portuguesa

para a Conservação da Biodiversidade e Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA)) pediram já

ao parlamento que legisle sobre as centrais solares fotovoltaicas no país, alertando que faltam regras e

planeamento que previnam a sua instalação em áreas críticas2 e preocupação com a simplificação dos

processos administrativos e burocráticos, defendo a Zero que tal «não pode nunca passar por um

afrouxamento das boas práticas de avaliação ambiental, esperando que as medidas de salvaguarda

anunciadas pelo Governo venham a corresponder inteiramente a esta expectativa no diploma anunciado»3.

Não menosprezando a importância da produção de energia renovável, nomeadamente a fotovoltaica, é

fundamental a definição de estratégias de localização para as centrais fotovoltaicas de larga escala para que

não se continuem a substituir árvores por painéis fotovoltaicos, protegendo áreas classificadas como a

Reserva Ecológica Nacional ou a Rede Natura 2020, minimizando o impacto no solo, nas linhas de água, na

erosão e na biodiversidade, além de proteger o bem estar das populações locais, mas antes permitir a

conjugação de usos e preservação dos valores naturais.

Nestes termos, a abaixo assinada Deputada do Pessoas-Animais-Natureza, ao abrigo das disposições

constitucionais e regimentais aplicáveis, propõe que a Assembleia da República recomende ao Governo que:

1 – Promova a conclusão de uma Avaliação Ambiental Estratégica para a instalação de centrais

1 https://rea.apambiente.pt/content/avaliação-de-impacte-ambiental?language=pt-pt 2 https://www.dinheirovivo.pt/economia/ambientalistas-pedem-legislacao-que-regule-instalacao-de-centrais-fotovoltaicas-13891393.html 3 https://www.publico.pt/2022/04/11/ciencia/noticia/licenciamento-simples-renovaveis-sim-nao-custa-ambiente-2002123

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fotovoltaicas;

2 – Regulamente a instalação e condições de interdição da instalação de centrais fotovoltaicas que

ocupem uma área superior a um hectare, sempre que tal implique desflorestação ou a instalação em áreas

classificadas da Reserva Ecológica Nacional e Rede Natura 2020;

3 – Promova a expansão da microgeração para autoconsumo e para abastecimento à rede elétrica.

Assembleia da República, 22 de julho de 2022.

A Deputada do PAN, Inês de Sousa Real.

———

PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 181/XV/1.ª

RECOMENDA AO GOVERNO QUE PRESERVE E VALORIZE O PARQUE DAS GERAÇÕES COMO

EIXO FUNDAMENTAL DE UMA ESTRATÉGIA NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO E PROMOÇÃO DO

SKATE

Expohsição de motivos

O Parque das Gerações, localizado em São João do Estoril, no concelho de Cascais, é o maior

equipamento para a prática do skate existente em Portugal e surgiu de um esforço da sociedade civil. Nos

seus nove anos de existência, é procurado diariamente por milhares de utilizadores de todas as idades e tem-

se constituído como um pólo de partilha, de camaradagem e de confraternização entre diversas gerações,

assumindo especial importância para as crianças e jovens. Este equipamento tem-se também assumido como

um elemento de promoção da prática desportiva e tem projetado a imagem de Portugal no mundo, ao acolher

competições internacionais de skate e ao ter sido o local onde, por exemplo, o atleta Gustavo Ribeiro, 8.º

classificado nos Jogos Olímpicos de Tóquio de 2020, atual número 3 mundial e já qualificado para os Jogos

Olímpicos de Paris de 2024, deu o salto para a alta competição e aí continua a treinar regularmente.

A importância do Parque das Gerações para o concelho de Cascais e a sua população foi inclusive

reconhecida no Orçamento Participativo de Cascais do ano de 2017, em cujo âmbito a proposta de

requalificação e de expansão do parque obteve um total de 5640 votos, uma das maiores votações de sempre

em orçamentos participativos no município de Cascais. Embora, de acordo com as regras, devesse estar

concluído no prazo máximo de 3 anos, até à data a sua execução não ocorreu.

Na próxima segunda-feira dia 25 de julho, será discutida e votada na Assembleia Municipal de Cascais

uma proposta de alteração ao Plano Diretor Municipal (PDM) de Cascais para a adequação ao novo Regime

Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial. Nesta proposta, e apesar da forte contestação expressa pela

população no âmbito do período de consulta pública, inclui-se uma proposta de alteração (a proposta 308 –

figura 1) que prevê uma ligação rodoviária da EN6 (Estrada Marginal) à Rua Brito Camacho (São João do

Estoril), tendo em vista o encerramento da passagem de nível da estação de comboios desta localidade, a

única que ainda existe no concelho de Cascais. Nos termos em que se encontra esta proposta de nova ligação

da Estrada Marginal a São João do Estoril, a consequência direta e inevitável será a destruição do Parque das

Gerações, uma vez que irá implicar necessariamente o retalhamento do terreno do parque e das estruturas

nele implementadas.

O risco de destruição do Parque das Gerações por esta ligação rodoviária tem gerado uma enorme

contestação pelos seus utilizadores e pela população residente, além de representar um retrocesso enorme

para a prática do skate em Portugal, pretensão que deverá ser travado o quanto antes. Comprovativo dessa

forte mobilização da sociedade civil foram dois momentos recentes. Por um lado, o facto de, no âmbito do

processo de consulta pública referente a esta alteração do PDM de Cascais, quase mil cidadãos terem

apresentado reclamação a contestar a proposta de alteração 308, número que representou 56% do total das

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reclamações realizadas no âmbito do processo de consulta pública. Não obstante esta oposição clara por

parte da sociedade civil, a versão submetida a discussão na Assembleia Municipal não alterou em nada a

proposta de alteração 308 (figura 1). Por outro lado, a entrega à Assembleia da República da Petição n.º

9/XIV/1.ª, que reunindo um total de 8454 assinaturas, contesta a proposta de alteração 308 do PDM de

Cascais e procura defender a preservação do Parque das Gerações e a sua valorização enquanto eixo

fundamental para uma estratégia nacional de desenvolvimento do skate.

Figura 1 – Proposta de alteração 308 ao PDM de Cascais, respetivamente na versão submetida a discussão

pública, na versão apresentada após essa discussão pública e com visão aérea sobre o impacto que terá no

Parque das Gerações.

Além do risco de destruição do Parque das Gerações, a proposta 308 põe em risco a saúde e a segurança

da população residente, uma vez que significará o aumento exponencial do tráfego rodoviário e da poluição

atmosférica – com a agravante de estarmos a falar numa zona em que existe uma grande circulação de

peões, pois que, para além do Parque das Gerações e de uma zona residencial, existe no local uma capela,

um supermercado, um centro de saúde, uma escola básica e dois jardins de infância. Nas palavras do próprio

presidente da Associação de Moradores da Quinta da Carreira, na edição de 12 de maio de 2021 do Jornal

Notícias de Cascais, esta solução «seja em túnel ou à superfície (…) comprometerá a circulação rodoviária na

Quinta da Carreira e terá impactos extremamente negativos na qualidade de vida dos moradores. Será uma

'solução' que a ninguém servirá e que, provavelmente, até nem se justifica atendendo à proximidade dos

atravessamentos atualmente existentes, no Estoril e em São Pedro que, na prática, já são utilizados

diariamente pela grande maioria dos que cá moram».

No entender do PAN, o encerramento da passagem de nível da estação de comboios de São João do

Estoril é necessário, atendendo aos diversos acidentes e atropelamentos de pessoas e animais que têm

acontecido ao longo dos últimos anos. No entanto, conforme tem lembrado a sociedade civil, há muito que

está definida uma solução para o assegurar (a ligação entre a EN6 – Estrada Marginal – e a Praça Dr. Carlos

Alberto Rosa – São João do Estoril –, prevista no PDM em vigor e com terrenos há décadas reservados para

esse fim) e que, de resto, justificou a construção de uma grande rotunda, a norte da Escola Secundária de São

João do Estoril. Alternativa que está preparada para receber o trânsito vindo da Estrada Marginal, distribuí-lo

pelas povoações próximas e fazer uma ligação direta à A5, da forma mais rápida, segura e sem afetar a

qualidade de vida da população residente. Por isso mesmo, para o PAN o caminho para a resolução do

problema da passagem de nível da estação de comboios de São João do Estoril deverá ser a rápida

implementação da solução atualmente prevista no PDM em vigor, com uma ligação por túnel entre a EN6

(Estrada Marginal) e a Rua Brito Camacho (São João do Estoril).

As preocupações do PAN com o risco de destruição do Parque das Gerações pela proposta de alteração

308 ao PDM de Cascais foram expressas, em diversas ocasiões, inclusive em várias visitas ao Parque por

parte das representações do PAN na Assembleia da República e nos órgãos autárquicos no concelho de

Cascais, mas também mediante interpelações à Câmara Municipal em sede de Assembleia Municipal, sempre

em defesa do abandono da proposta em cima da mesa, e por via da Pergunta n.º 395/XIV/3.ª sobre este tema

dirigida pela representação do PAN na Assembleia da República ao Sr. Ministro das Infraestruturas e

Habitação, Pedro Nuno Santos (a qual continua, até ao dia de hoje, sem qualquer resposta).

Face à relevância nacional que o projeto do Parque das Gerações tem no plano desportivo em geral e na

modalidade do skate em particular e ao positivo impacto que tem no âmbito turístico, económico e social no

concelho de Cascais e na Área Metropolitana de Lisboa, com a presente iniciativa o PAN, dando resposta aos

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apelos dirigidos à Assembleia da República, pretende assim assegurar a preservação do Parque das

Gerações e valorizá-lo enquanto eixo fundamental de uma estratégia nacional de desenvolvimento e

promoção do skate no nosso país. Atendendo ainda ao caráter estratégico deste equipamento para o

desenvolvimento e promoção da prática do skate em Portugal, pretendemos que o Governo estude a

viabilidade da classificação deste equipamento desportivo como imóvel de interesse público e inicie as

diligências necessárias para o assegurar, nos termos das competências que lhe são reconhecidas

nomeadamente pela Lei n.º 107/2001, de 8 de setembro, e pelo Decreto-Lei n.º 309/2009, de 23 de outubro, e

que assegure a integração deste projeto enquanto eixo fundamental e modelo para uma estratégia nacional de

desenvolvimento e promoção do skate, garantindo, em articulação com o município de Cascais, a valorização,

a requalificação e expansão do parque.

Em paralelo, propõe-se ainda que, face à forte contestação da sociedade civil (ignorada pela Câmara

Municipal de Cascais) e ao risco efetivo de destruição do Parque das Gerações, o Governo, no uso das

competências que lhe são reconhecidas nomeadamente pelo artigo 91.º do Regime Jurídico dos Instrumentos

de Gestão Territorial, não ratifique a alteração ao PDM de Cascais para a adequação ao novo Regime Jurídico

dos Instrumentos de Gestão Territorial e garanta, em articulação com a Infraestruturas de Portugal, IP, o

encerramento da passagem de nível da estação de comboios de São João do Estoril por via da rápida

implementação de uma ligação rodoviária por túnel da EN6 (Estrada Marginal) à Rua Brito Camacho (São

João do Estoril).

Nestes termos, a abaixo assinada Deputada do Pessoas-Animais-Natureza, ao abrigo das disposições

constitucionais e regimentais aplicáveis, propõe que a Assembleia da República recomende ao Governo que

atendendo à relevância nacional no âmbito desportivo, turístico, económico e social do Parque das Gerações:

1 – Adote as diligências necessárias à sua classificação como imóvel de interesse público;

2 – Assegure a integração deste projeto enquanto eixo fundamental e modelo para uma estratégia

nacional de desenvolvimento e promoção do skate, garantindo, em articulação com o município de Cascais, a

sua valorização, requalificação e expansão;

3 – Recuse a ratificação da proposta de alteração 308 prevista na alteração ao Plano Diretor Municipal de

Cascais para a adequação ao novo Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, por pôr em causa

a continuidade deste projeto;

4 – Garanta, em articulação com a Infraestruturas de Portugal, IP, o encerramento da passagem de nível

da estação de comboios de São João do Estoril por via da rápida implementação de uma ligação rodoviária

por túnel da EN6 (Estrada Marginal) à Rua Brito Camacho (São João do Estoril).

Assembleia da República, 22 de julho de 2022.

A Deputada do PAN, Inês de Sousa Real.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO.

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