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II SÉRIE-A — NÚMERO 248

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individual durante o período de 10 dias.»

O que sucede, pois, em consequência da vigência do referido Acórdão é que a aquisição e a detenção de

droga, mesmo que para consumo próprio, constitui crime de consumo, nos termos do artigo 40.º, n.º 2, do

Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, desde que seja em quantidade superior à necessária para o consumo

médio individual durante o período de 10 dias.

«Em matéria penal (e no direito sancionatório em geral), há princípios rectores, imanentes, que comandam

a teoria do direito penal, desde a formulação à interpretação das respetivas normas: o princípio da legalidade e

as especificidades da interpretação das normas de direito penal, nomeadamente a proibição da analogia.»,

escrevia o Juiz Conselheiro António Henriques Gaspar, ex-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, no seu

voto de vencido no referido Aresto.

Como refere Figueiredo Dias3 «por mais socialmente nocivo e reprovável que se afigure um comportamento,

tem o legislador de o considerar como crime (descrevendo -o e impondo-lhe como consequência jurídica uma

sanção criminal) para que ele possa como tal ser punido. Esquecimentos, lacunas, deficiências de

regulamentação ou de redação funcionam por isso sempre contra o legislador e a favor da liberdade, por mais

evidente que se revele ter sido intenção daquele (ou constituir finalidade da norma) abranger na punibilidade

também certos (outros) comportamentos».

A este propósito, como sintetiza António Henriques Gasparno referido voto vencido «uma vez que

anteriormente à Lei n.º 30/2000 nunca o consumo fora punido nos termos das restantes atividades de largo

espectro da tipicidade do artigo 21.º (ou dos artigos 25.º ou 26.º) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, a

superação por tal modo de um hipotético «vazio legislativo», isto é, «a punição de quem detenha droga para

consumo em quantidade superior à referida no n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 30/2000», como conclui Rui Pereira4

«só pode resultar de uma aplicação analógica de normas incriminadoras, expressamente proibida pelo artigo

29.º, n.os 1 e 3, da Constituição (e pelo artigo 1.º, n.os 1 e 3, do Código Penal).»

Dúvidas não restam, pois, que «a norma do artigo 28.º da Lei n.º 30/2000 é peremptória, directa, e com

alcance imediatamente apreensível por si — o artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, foi

expressamente revogado, excepto — o que também é directo e imediato — no que se refere ao cultivo de plantas

para consumo privado próprio» como inequivocamente conclui António Henriques Gaspar.

Esta foi, pois, a vontade inequívoca do legislador, pelo que «o exercício metodológico que conduziria a

manter parcialmente em vigor uma norma expressamente revogada, restringindo o sentido da revogação,

equivale, no rigor material das coisas, a uma extensão da norma revogada, que seria determinada pela teleologia

que uma particular concepção do intérprete considerasse presente no plano do legislador ao formular a

sequência normativa na execução de uma ideia, directamente expressa, de política legislativa. Mas nem tal

concepção teleológica é patente (bem em diverso, a nova ideia de política criminal foi precisamente a

descriminalização do consumo de drogas como resulta da intenção política enunciada na Resolução do

Conselho de Ministros n.º 46/99, de 26 de Maio, que aprovou a Estratégia Nacional de Luta contra a Droga,

sobre o tratamento sancionatório do consumo de droga) nem a consequente extensão teleológica

(descriminalização do consumo apenas quando o consumidor detivesse produto para o consumo de 10 dias) é

admissível como instrumento metodológico com o efeito de adensar a dimensão penal de comportamentos,

enfraquecendo e encurtando o princípio da legalidade.»

O resultado da aplicação da referida jurisprudência sobre a subsistência da criminalização da detenção de

droga para consumo é inequívoco e preocupante. Conforme refere o Relatório Anual de 2018 do Serviço de

Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD), foram condenadas 1820 pessoas ao

abrigo da Lei da Droga em 2018, cerca de 57 % foram-no por tráfico, 43 % por consumo e menos de 1 % por

tráfico-consumo. O Relatório é claro sobre esta matéria ao afirmar que «É de notar que as condenações por

consumo que aumentaram a partir de 2009 – relacionado com a fixação de jurisprudência sobre as situações

para consumo próprio em quantidade superior à necessária para o consumo médio individual durante 10 dias –

têm registado um acréscimo significativo nos últimos anos. Em cerca de 99 % das condenações por consumo

em 2018 foi feita a referência expressa a este Acórdão»5.

Neste conspecto, importa afirmar que a mera posse de droga para consumo individual não é uma

3 Direito Penal — Parte Geral, Tomo I, «Questões fundamentais. A doutrina geral do crime», 2004, p. 168. 4 «A descriminalização do consumo de droga», in Liber Discipulorum para Jorge de Figueiredo Dias, p. 1172. 5 Pág. 112.

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