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23 DE JUNHO DE 2023

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«antecâmara necessária de uma linha evolutiva para um estágio criminal de nível superior como é o caso do

tráfico», uma conclusão feliz de José Tomé de Carvalho e Rui Pedro Luís6. Aliás como bem sintetiza Faria

Costa7, não há nenhuma razão para «o legislador querer continuar a punir como crime, em função de um critério

puramente quantitativo, uma conduta que, com fundamentos vários, decidiu despenalizar».

Mais de 20 anos passados desde a instituição de um novo paradigma nesta matéria pode dizer-se que o

destino vaticinado por muitos, de que Portugal se transformaria num paraíso de consumidores em níveis

alarmantes, com uma insegurança urbana incontrolada, falhou clamorosamente.

À luz do dados que constam do Relatório Europeu sobre Drogas de 2019, elaborado pelo Observatório

Europeu da Droga e da Toxicodependência, designadamente os que respeitam às estimativas de prevalência

de consumo do nosso País, medidas em contexto Europeu, são bastante favoráveis, assinalando-se, aliás, que

são consideravelmente melhores do que as que apresentam a grande maioria dos países onde se mantém com

rigor a criminalização do consumo. A título exemplificativo, relativamente à prevalência do consumo de cannabis

em 2019, Portugal encontra-se no escalão entre 5,1 e 10, abaixo de países que criminalizam o consumo,

nomeadamente França (>15) e Alemanha, Inglaterra, Finlândia e Noruega (10,1-15), assim como de países que

punem o seu consumo administrativamente, designadamente Espanha e Itália (>15). Relativamente à cocaína,

Portugal situa-se no primeiro escalão, entre 0 e 0,5, bastante inferior a toda a Europa Ocidental e do Sul

(Espanha, França e Inglaterra com >2,5; Itália, Alemanha e Bélgica com resultados entre o 1,1 e 2,5).

Como conclui o Sumário Executivo do Relatório Anual de 2018 do SICAD8, «Portugal continua a surgir abaixo

dos valores médios europeus nas prevalências de consumo recente de cannabis, de cocaína e de ecstasy (e

ainda mais quando se trata da população de 15-34 anos), as três substâncias ilícitas com maiores prevalências

de consumo em Portugal.»

Vale isto por dizer que o cenário catastrofista que muitos vaticinavam não se concretizou. A descriminalização

em Portugal não só não produziu um aumento exponencial do consumo, como os seus resultados indicam que

a descriminalização per si não representa nenhum fator de incentivo ao consumo.

Torna-se, pois, necessária, como conclui Eduardo Maia Costa9, uma intervenção legislativa «no sentido de

considerar toda a detenção/aquisição de estupefacientes descriminalizada, desde que se prove evidentemente

que se destina a consumo pessoal (…). O limite quantitativo apenas poderá funcionar como mero indício de

tráfico, devendo o Ministério Público remeter o processo à CDT, quando, sendo embora a quantidade superior,

se indiciar uma situação de detenção para consumo ou, inversamente, o processo ser remetido pela CDT ao

Ministério Público quando a quantidade for inferior mas se concluir pela indiciação de tráfico».

Adicionalmente, uma outra realidade convoca o legislador quanto à necessidade de melhorar a qualidade do

quadro normativo vigente neste domínio. Volvidos praticamente 23 anos desde a mudança de paradigma

operada pela Lei n.º 30/2000, de 29 de novembro, registam-se mudanças significativas nos desafios que a

problemática das drogas apresenta, incluindo o aparecimento de substâncias não controladas, designadamente

as Novas Substâncias Psicoativas (doravante NSP).

As NSP – vulgo drogas sintéticas – têm suscitado elevada preocupação em vários países europeus, como é

o caso de Portugal, devido à fluidez com que são introduzidas no mercado, à sua mutação permanente, e à

especial perigosidade que representam para a integridade física e psíquica dos consumidores.

De acordo com o Relatório Europeu sobre Drogas 2022: Tendências e evoluções10, «em 2020, foram

apreendidas quase 7 toneladas de novas substâncias psicoativas. Estas substâncias são vendidas pelas suas

propriedades psicoativas, mas não são controladas ao abrigo das convenções internacionais em matéria de

droga. (…) Também existe preocupação quanto ao crescente cruzamento entre os mercados de drogas ilícitas

e de novas substâncias psicoativas. (…) Estes desenvolvimentos significam que os consumidores podem ser

expostos, sem conhecimento de causa, a substâncias potentes que podem aumentar o risco de episódios de

overdose fatais ou não fatais».

Ainda segundo o referido Relatório «no final de 2021, o EMCDDA monitorizava cerca de 880 novas

6 «Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça do Pleno das Secções Criminais n.º 8/2008. Fixação de Jurisprudência ou um verdadeiro Assento? – As hipotéticas questões constitucionais que podem afetar a compatibilidade do aresto com a Lei Fundamental», in Revista JULGAR, n.º 23, Almedina, 2014, pág. 228. 7 Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 134, n.º 3930, fls. 275 ss. 8 Pág. 8. 9 Cfr. Eduardo MAIA COSTA, «Consumo de estupefacientes, evolução e tensões no direito português», Julgar, 32, maio-agosto de 2017. 10 EMCDDA – Relatório Europeu sobre Drogas 2022: Tendências e evoluções [Em linha]. Luxemburgo: Serviço das Publicações da União Europeia, 2022.

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