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Quarta-feira, 10 de abril de 2024 II Série-A — Número 8
XVI LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2024-2025)
S U M Á R I O
Programa do XXIV Governo Constitucional: (a)
Texto do Programa. Moção de Rejeição n.º 1/XVI/1.ª (PCP):
Do Programa do XXIV Governo Constitucional.
Projetos de Lei (n.os 46 e 47/XVI/1.ª): N.º 46/XVI/1.ª (IL) — Pela liberdade de escolha da creche. N.º 47/XVI/1.ª (PCP) — Obriga a comunicação e cria a contribuição especial sobre transações financeiras para paraísos fiscais.
(a) Publicado em Suplemento.
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MOÇÃO DE REJEIÇÃO N.º 1/XVI/1.ª
DO PROGRAMA DO XXIV GOVERNO CONSTITUCIONAL
I
O XXIV Governo Constitucional tomou posse num quadro de agravamento da situação económica e social
do País e de acentuação das injustiças e desigualdades. A realidade é marcada pelos baixos salários e pensões,
por crescentes dificuldades na vida de quem trabalha e de quem trabalhou uma vida inteira, pela precariedade,
pela emigração forçada dos jovens, pelo continuado aumento dos preços, sobretudo de bens e serviços
essenciais e da habitação, que contrastam com a escandalosa acumulação de lucros pelos grupos económicos
e multinacionais.
Quando mais de 2 milhões e 600 mil trabalhadores auferem menos de mil euros brutos por mês, 72 % dos
reformados vivem com pensões inferiores a 500 euros e quando cerca de 2 milhões de portugueses estão em
risco de pobreza ou de exclusão social, os principais grupos económicos em Portugal alcançaram lucros recorde.
Só em 2023, obtiveram 25 milhões de euros de lucros por dia.
A dependência externa do País, motivo de enorme preocupação, é o resultado da deterioração do aparelho
produtivo nacional, de significativos défices estruturais e do insuficiente investimento publico.
As taxas de juro decretadas pelo BCE, afetam, de forma severa, os trabalhadores e as famílias,
consubstanciam uma gigantesca transferência direta de riqueza do trabalho para o capital, e criam inúmeras
dificuldades às micro, pequenas e médias empresas.
A realidade é igualmente marcada pela falta de trabalhadores, a degradação dos serviços públicos e
incumprimento de funções sociais do Estado, em particular, pela desvalorização do trabalho, dos trabalhadores
do setor público e privado, pelas dificuldades no acesso à saúde e à habitação, pelo desinvestimento na escola
pública, na justiça, nas forças e serviços de segurança, nas Forças Armadas, na proteção civil.
A atual situação económica e social é o resultado de décadas de política de direita levada a cabo por
Governos do PS, do PSD e do CDS, de ataque aos direitos dos trabalhadores, de submissão do País aos
interesses das grandes potências e às imposições da União Europeia, de privatizações e de favorecimento dos
interesses dos grupos económicos que contaram e contam sempre com o apoio daqueles que hoje são
dirigentes do Chega e da IL.
II
Apresentado o seu Programa, confirma-se que o XXIV Governo Constitucional insiste em prosseguir e
acentuar as orientações e opções da política de direita que estiveram e estão na origem dos problemas que
afetam os trabalhadores, o povo e o País, esses mesmos problemas que não desapareceram com a realização
das eleições legislativas. Estão aí todos os dias, a infernizar a vida das pessoas, que vivem com cada vez mais
dificuldades.
Nas eleições legislativas de 10 de março, o povo exigiu a resposta aos problemas e combate às injustiças e
às desigualdades. O programa apresentado pelo Governo PSD/CDS não só não responde a essa justa exigência
como o que pretende é recuperar a política de retrocesso e de ataque aos direitos, em benefício dos interesses
dos grupos económicos, das multinacionais que foi derrotada em 2015.
O Programa do XXIV Governo Constitucional, pelas suas opções, pelo que apresenta de concreto, pelas
omissões que muito dizem sobre ele, representa objetivos e interesses de classe, objetivos e interesses do
grande capital.
Opções de classe bem visíveis quando insiste, de facto, nos baixos salários, no agravamento, na prática, das
injustiças e desigualdades, quando prossegue, efetivamente, um caminho de desvalorização dos serviços
públicos e a sua entrega para o negócio privado, como quer fazer com a saúde, a educação, a habitação e a
cultura, quando se prepara para promover a privatização de empresas e setores estratégicos, de que a TAP é
exemplo, e aprofunda ainda a injustiça fiscal com a descida dos impostos para os grupos económicos e a
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consequente redução dos recursos públicos.
Opções bem visíveis na aposta na reconfiguração do Estado, em função dos interesses do grande capital,
com a acentuada perda de capacidade da Administração Pública e a desvalorização dos seus trabalhadores, a
privatização de serviços, a transferência de encargos para as autarquias locais – que, aliás, o PSD negociou
com o PS – e a recusa da regionalização.
Opções bem visíveis na determinação em manter o País subordinado às imposições da União Europeia e
aos interesses da NATO, que condicionam o nosso desenvolvimento económico e social e comprometem a
nossa soberania, que amarram Portugal a uma política belicista, contrariando os interesses do povo e os valores
e projeto inscritos na Constituição da República Portuguesa. Fica também clara a opção de continuar a ter o
País e as suas opções orçamentais amarradas aos critérios do Euro, com os impactos que se conhecem na
degradação do investimento e dos serviços públicos, nos salários e pensões, com as consequências que se
evidenciaram, designadamente nos últimos dois anos de maioria absoluta do PS.
Não consta do Programa apresentado qualquer compromisso concreto para o aumento significativo dos
salários e das pensões, uma grande emergência nacional. Pelo contrário, a opção de aumentar o salário mínimo
nacional para 1000 euros apenas em 2028 (ou o salário médio para 1750 euros em 2030) evidencia a descarada
intenção de contenção salarial – para engrossar os lucros dos grupos económicos e das multinacionais.
O Programa agora avançado é negativo pelo que avança, mas também revelador pelo que omite, quanto à
revogação das normas gravosas da legislação laboral, à redução do horário de trabalho e o fim da sua
desregulação, ou à valorização dos trabalhadores que trabalham por turnos, e o combate da chaga da
precariedade.
O Programa do Governo opta pelo aprofundamento da injustiça fiscal. Mantém intocáveis os benefícios e
privilégios fiscais que hoje mesmo são entregues aos grandes grupos económicos e, em cima dessa opção,
avança com a redução do IRC e a eliminação do último escalão da derrama estadual, que favorecerá sobretudo
as grandes empresas, alimentando o embuste de que os impostos são o problema para o crescimento
económico, quando, na verdade, o problema está no insuficiente investimento público e na destruição da
capacidade produtiva, problema que também não encontra respaldo no programa apresentado.
Sobre a redução do IVA na eletricidade, nas telecomunicações e no gás, nem uma palavra.
Sobre a injustiça e o escândalo da continuação de transferência de mais de mil milhões de euros para as
parcerias publico-privadas rodoviárias, o Programa do Governo não só não aponta o caminho para reverter este
embuste que o povo e os trabalhadores pagam, tendo em conta que os prazos das concessões estão a acabar.
Na saúde pretendem promover novas contratualizações com os grupos privados, implementar as USF tipo
C, desviando recursos do SNS para esses grupos. Ao mesmo tempo, prossegue a desvalorização dos
profissionais de saúde, facilitando o assalto que o negócio da doença está a fazer.
Na educação, é o regresso do favorecimento do ensino privado, em detrimento do investimento e da
valorização da escola pública, agravando as desigualdades entre os estudantes.
Acentua-se a perspetiva de mercantilização da habitação, de promoção da especulação e dos interesses da
banca, incluindo a criação de parcerias público-privadas para a construção e reabilitação de habitação e de
alojamento estudantil, de desproteção dos inquilinos, de tudo quanto esteve na origem nas dificuldades no
acesso à habitação e dos seus elevados custos, de que é exemplo a lei dos despejos. Intensifica-se em toda a
linha a orientação neoliberal, incluindo a decisão anunciada de «retirar limitações de preços», substituindo-as
por medidas assistencialistas para «situações de vulnerabilidade/necessidade efetiva». Por outro lado, em nome
do «aumento da oferta», aponta-se para a desregulação e o favorecimento da especulação imobiliária, nas
políticas de urbanismo e uso dos solos.
O Governo diz eleger a juventude como prioridade, mas em nenhum momento vai às causas dos problemas
que afetam os jovens e que estão na origem da sua emigração forçada: os baixos salários, a precariedade, a
instabilidade nas suas condições de vida.
Um Governo, um Programa e opções bem visíveis nas tentativas demagógicas para ir ao encontro desta ou
daquela questão pontual e sectorial ao mesmo tempo que procura abrir um caminho de justificação à mais que
evidente falta de vontade de cumprir promessas feitas.
Um Governo e um Programa que nas opções de fundo geram um amplo e, por vezes, demasiado alargado
consenso no quadro das forças políticas na Assembleia da República. Um projeto que, unindo desde logo PSD,
CDS, CH e IL, está ao serviço dos que acham donos disto tudo esses mesmos que vão tentar aproveitar esta
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oportunidade para ir o mais longe possível no saque e transferência de recursos públicos.
III
O País não precisa de um governo e de uma política que sejam um prolongamento dos interesses do grande
capital. O Programa do XXIV Governo Constitucional procura recuperar opções de má memória da troica, esse
projeto travado em 2015, pela intervenção e determinação do PCP. Não é nas opções políticas do Governo que
os trabalhadores, os reformados, os jovens, as mulheres, os emigrantes e os imigrantes, os micro, pequenos e
médios empresários, os pequenos agricultores e os pescadores, as populações encontrarão as soluções
necessárias para resolver os seus problemas.
As respostas necessárias passam pela rutura com a política de direita e exigem uma política alternativa de
valorização do trabalho e dos trabalhadores, de reforço dos seus direitos e aumento efetivo dos salários e das
pensões; de combate à precariedade e à exploração; de combate às injustiças e às desigualdades; de reforço
do Serviço Nacional de Saúde, da escola pública, da proteção social e de garantia do direito à habitação e à
cultura; de combate efetivo à corrupção; de promoção dos setores produtivos, da produção nacional e do
investimento público; de combate às privatizações e de controlo público de setores estratégicos da economia;
de reconhecimento dos direitos dos profissionais da justiça, das forças e serviços de segurança, das Forças
Armadas, dos bombeiros, de todos os trabalhadores; de defesa dos valores ambientais e combate à
mercantilização da natureza; de afirmação da soberania e independência nacionais, pela paz, amizade e
cooperação com os povos; de retomar os valores e as conquistas de Abril no futuro de Portugal.
Este é o compromisso que o PCP assumiu com os trabalhadores e o povo, de oposição à política de direita
e por uma alternativa patriótica e de esquerda. O PCP não tem, nem alimenta, ilusões. A justiça social, o
desenvolvimento e o progresso do País não são compatíveis com o Programa apresentado pelo Governo.
Ao submeter a presente moção de rejeição do Programa do Governo à votação da Assembleia da República,
o PCP tem, como propósito, suscitar uma clarificação da posição da cada força política relativamente à
governação a que o País vai ser submetido, o que só é possível com esta iniciativa. Quando se discute o futuro
do País, os portugueses merecem saber quem é quem. O PCP assume as suas responsabilidades. Cada um
que assuma as suas na votação que irá ter lugar.
Nestes termos, ao abrigo do n.º 3 do artigo 192.º da Constituição, o Grupo Parlamentar do PCP propõe a
rejeição do Programa do XXIV Governo Constitucional.
Assembleia da República, 10 de abril de 2024.
Os Deputados do PCP: Paulo Raimundo — Paula Santos — António Filipe — Alfredo Maia.
–——–
PROJETO DE LEI N.º 46/XVI/1.ª
PELA LIBERDADE DE ESCOLHA DA CRECHE
Exposição de motivos
A Iniciativa Liberal apresenta este projeto de lei para assumir os objetivos claros de se instituir uma política
de maior suporte à primeira infância e de garantir uma efetiva universalização do acesso a creches. Para tal, é
necessário, por um lado, que as redes privadas e social e solidária formem um sistema verdadeiramente
integrado que permita a efetiva escolha por parte das famílias e, por outro lado, alterar os critérios associados a
restrições geográficas que se mantêm e não se justificam.
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A Iniciativa Liberal defende desde sempre a liberdade de escolha das creches por parte das famílias,
independentemente do concelho ou da natureza administrativa da creche.
Em julho de 2022 o Governo lançou a portaria que procedeu à regulamentação das condições específicas
de concretização da medida da gratuitidade das creches e creches familiares, integradas no sistema de
cooperação, bem como das amas do Instituto da Segurança Social, IP. As alterações incluídas na Portaria n.º
305/2022, de 22 de dezembro, são um avanço nas limitações ideológicas patentes desde o início, e é clara no
sumário que «Procede ao alargamento da aplicação da medida da gratuitidade das creches às crianças que
frequentem creches licenciadas da rede privada». No entanto, tal como a gratuitidade para todos, afinal não o
é, também este alargamento não é o que parece e é claramente insuficiente. O alargamento da aplicação da
medida da gratuitidade das creches às crianças que frequentem creches licenciadas da rede privada lucrativa
mostrou-se insuficiente para colmatar as necessidades sentidas pelas famílias.
De facto, o programa Creche Feliz continua a manifestar no artigo 2.º da referida portaria, no âmbito pessoal,
critérios associados às creches do setor privado que se manifestam em claras restrições que devem ser
eliminadas.
Em primeiro lugar, restringe-se às creches «localizadas no concelho de residência ou do local de trabalho
dos pais ou de quem exerce as responsabilidades parentais». Ao invés, é primordial que as famílias possam ter
liberdade de escolha e vantajoso que as creches possam concorrer entre si. A Iniciativa Liberal tem alertado
para as consequências das restrições geográficas, cujo critério de restrição «por concelho» implica que muitas
vezes a deslocação seja muito superior à necessária, por haver uma resposta mais perto e adequada à família.
Em segundo lugar, no mesmo artigo 2.º prevê-se que as creches do setor privado sejam consideradas «na
sequência de, no território em apreço, se verificar a falta de vagas abrangidas pela gratuitidade da rede social e
solidária com acordo de cooperação com o ISS, IP». Na prática, a rede privada é apenas ativada quando não
há vaga na rede social e solidária. Este critério implica que, de facto, não haja efetiva liberdade de escolha da
creche pela família. Além disso, tem um efeito pernicioso na instabilidade e imprevisibilidade das vagas
necessárias na rede privada, diminuindo os incentivos para as creches privadas colocarem vagas na rede do
programa de gratuitidade das creches e, até, criarem vagas.
Estas alterações na Portaria n.º 305/2022, de 22 de dezembro, são fundamentais dada a clara insuficiência
de rede de creches, o insuficiente ritmo de criação de oferta e os problemas concretos que as famílias continuam
a enfrentar no momento de colocar os seus filhos e educandos em estabelecimentos integrados no programa
Creche Feliz.
A ação política deve ser norteada pelos objetivos de universalizar o acesso, garantir uma resposta de
qualidade na primeira infância, ampliar a oferta e permitir a efetiva liberdade de escolha de creche. Nesse
sentido, a Iniciativa Liberal propõe esta alteração legislativa preconizando que na abrangência do programa às
crianças nascidas a partir de 1 de setembro de 2021, inclusive, se retire a restrição geográfica e que se possa
escolher, à partida, qualquer creche integrante da rede, independentemente de ser privada ou não.
Assim, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República Portuguesa e da alínea b) do n.º
1 do Regimento da Assembleia da República, o Grupo Parlamentar da Iniciativa Liberal apresenta o seguinte
projeto de lei:
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei procede à alteração da Portaria n.º 305/2022, de 22 de dezembro, que procede ao alargamento
da aplicação da medida da gratuitidade das creches às crianças que frequentem creches licenciadas da rede
privada lucrativa.
Artigo 2.º
Alteração à Portaria n.º 305/2022, de 22 de dezembro
Os artigos 2.º, 3.º, 5.º e 6.º da Portaria n.º 305/2022, de 22 de dezembro, passam a ter a seguinte redação:
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«Artigo 2.º
[…]
A presente portaria aplica-se a todas as crianças nascidas a partir de 1 de setembro de 2021, inclusive, que
frequentem as creches identificadas no artigo 3.º.
Artigo 3.º
[…]
1 – […]
2 – Na sequência das candidaturas por parte das entidades com creches interessadas e verificado o
cumprimento dos requisitos, o ISS, IP, organiza uma bolsa de creches aderentes.
3 – […]
4 – […]
5 – […]
6 – […]
7 – […]
8 – […]
Artigo 5.º
[…]
1 – […]
a) […]
b) Não dispor de vaga gratuita nas creches da rede social e solidária com acordo de cooperação com o ISS,
IP, no concelho de residência ou do local de trabalho dos pais ou de quem exerce as responsabilidades
parentais, por falta de oferta definida nos termos do n.º 2; (Eliminar.)
c) […]
2 – […]
3 – […]
4 – […]
5 – […]
Artigo 6.º
[…]
1 – […]
2 – […]
3 – Para frequência das crianças abrangidas pela medida da gratuitidade, o valor mínimo da mensalidade
para o ano de 2024/2025 será de 480 € por criança, não podendo ser cobrado à família mais nenhum valor,
com exceção das situações mencionadas no n.º 2 do artigo 4.º da presente portaria.
4 – […]»
Artigo 3.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor com o Orçamento do Estado subsequente à sua publicação.
Palácio de São Bento, 10 de abril de 2024.
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Os Deputados da IL: Patrícia Gilvaz — Joana Cordeiro — Bernardo Blanco — Carlos Guimarães Pinto —
Mariana Leitão — Mário Amorim Lopes — Rodrigo Saraiva — Rui Rocha.
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PROJETO DE LEI N.º 47/XVI/1.ª
OBRIGA A COMUNICAÇÃO E CRIA A CONTRIBUIÇÃO ESPECIAL SOBRE TRANSAÇÕES
FINANCEIRAS PARA PARAÍSOS FISCAIS
Exposição de motivos
Os paraísos fiscais/offshores, além de um inaceitável mecanismo colocado ao dispor dos detentores de
grandes fortunas dos grupos económicos e financeiros para fugir ao pagamento de impostos, são usados para
esconder das autoridades o dinheiro oriundo de práticas criminosas como a corrupção.
Escândalos internacionais como os Panama Papers, que, passados oito anos, iniciam agora julgamento no
Panamá, mostraram à saciedade como os paraísos fiscais são usados para lavar dinheiro subtraído ao erário
público de diversos países, em resultado de negócios que mostram o caráter sistémico da corrupção no sistema
capitalista.
As elites financeiras que beneficiam da promiscuidade entre poder económico e poder político, da corrupção
sistémica, têm nos paraísos fiscais um «manto da invisibilidade» que as protege da investigação e da
condenação por essas práticas. É por isso que vivem bem – e até apoiam financeiramente – as forças políticas
que fingem querer combater a corrupção, mas que na hora da verdade recusam quaisquer medidas no sentido
de combater o recurso aos paraísos fiscais, o que faz com que os maiores corruptos saiam incólumes. Sem o
combate à opacidade dos offshores, a grande corrupção não chega a ser julgada, porque o dinheiro é escondido
das autoridades.
Para além da corrupção, os paraísos fiscais estão associados a muitas outras práticas criminosas, que vão
da evasão fiscal ao branqueamento de capitais, do financiamento do terrorismo ao crime organizado,
nomeadamente tráfico de droga e de armas à margem dos Estados.
No plano da política fiscal, não é justo nem aceitável que um reduzido número de cidadãos e empresas,
precisamente aqueles que dispõem de maiores níveis de rendimento, disponham de instrumentos legais que
lhes permitem furtar-se ao contributo fiscal adequado à riqueza de que dispõem, eximindo-se no plano fiscal das
suas obrigações perante a sociedade.
Um estudo publicado pelas universidades de Berkeley e Copenhaga 1, aponta para que Portugal perca quase
630 milhões de euros por ano (11 % do IRC) pela transferência de lucros de grandes empresas para regimes
fiscais mais favoráveis. Também a investigação da «Tax Justice Network»,2 publicada em novembro de 2021
aponta para uma perda fiscal anual de 886,7 milhões de euros (0,5 % do PIB), subdividido em 415,8 milhões de
euros associados ao abuso fiscal corporativo e 470,9 milhões de euros associados a fortunas colocadas em
offshores.
Considerando que continua a ser necessária a cooperação internacional, na qual o Governo português se
deve empenhar, intervindo em todos os fóruns e organizações internacionais com vista à extinção dos centros
paraísos fiscais à escala global, devem ser tomadas medidas, em cada país, que vão tão longe quanto possível
no sentido de limitar o recurso a estes regimes, tanto para prevenir, detetar e combater práticas criminosas,
como para reforçar a justiça fiscal.
Nesse sentido, o PCP propõe:
– A obrigatoriedade de comunicação de todas as transferências realizadas para países, territórios e regiões
com regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis;
1 Jornal de Negócios, 1 de outubro de 2019. 2 https://taxjustice.net/wp-content/uploads/2021/11/State_of_Tax_Justice_Report_2021_ENGLISH.pdf
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– A definição, no plano nacional, e com base na cooperação com as autoridades financeiras, tributárias e
judiciais, de uma lista de países, territórios e regiões não cooperantes, e a proibição de transferências para
esses territórios;
– A implementação de uma contribuição especial, com uma taxa de 35 % sobre todas as transferências que
tenham como destino final ou intermediário os paraísos fiscais, com o objetivo principal de desincentivar que
essas transferências sejam realizadas, e assim, por um lado dificultar a ocultação de verbas com origem
criminosa, por outro, garantir a sua tributação em Portugal;
Assim, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do
Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte projeto de lei:
Artigo 1.º
Objeto e âmbito
A presente lei:
a) Estabelece as obrigações de comunicação relativas a transações financeiras para países, territórios e
regiões com regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis;
b) Estabelece os critérios para a definição de uma lista de países, territórios e regiões com regimes de
tributação privilegiada, claramente mais favoráveis, não cooperantes, e proíbe transferências para essas
jurisdições;
c) Cria a contribuição especial sobre transações financeiras para paraísos fiscais.
Artigo 2.º
Obrigação de comunicação
1 – Todas as pessoas, singulares ou coletivas, que realizem transações financeiras ou envio de fundos que
tenham como destino final ou intermediário países, territórios e regiões com regime fiscal claramente mais
favorável, são obrigadas a comunicar essas operações à Autoridade Tributária e Aduaneira, através de
declaração mensal discriminativa, por via eletrónica, que inclua, relativamente a cada transação, os montantes,
o país, território ou região de destino, a conta bancária ou entidade de destino, as instituições financeiras,
nacionais e estrangeiras, que tenham tido intervenção na operação.
2 – As instituições de crédito, sociedades financeiras, instituições de pagamento ou instituições de moeda
eletrónica que operem ou intermedeiem transações ou envio de fundos que tenha como destino final ou
intermediário países, territórios e regiões com regime fiscal claramente mais favorável, são obrigadas a
comunicar essas operações à Autoridade Tributária e Aduaneira, através de declaração diária discriminativa,
por via eletrónica, que inclua, relativamente a cada transação, o ordenante, os montantes, o país, território ou
região de destino, a conta bancária ou entidade de destino, e outras instituições financeiras, nacionais e
estrangeiras, que tenham tido intervenção na operação.
3 – Os países, territórios e regiões com regime fiscal claramente mais favorável são os que constam da
Portaria n.º 150/2004, de 13 de fevereiro de 2004, podendo o Governo, para efeitos da presente Lei e através
de portaria, incluir outras jurisdições que cumpram com os critérios definidos no n.º 2 do artigo 63.º-D da Lei
Geral Tributária.
Artigo 3.º
Países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis,
não cooperantes
1 – Para efeitos da presente lei, consideram-se países, territórios e regiões com regimes de tributação
privilegiada, claramente mais favoráveis, não cooperantes, as jurisdições constantes da Portaria n.º 150/2004,
de 13 de fevereiro de 2004, em que se verifique uma oposição dessas jurisdições à cooperação com as
autoridades judiciárias e tributárias portuguesas ou com as entidades de supervisão financeira portuguesas,
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designadamente quanto à prestação de informação relativa a operações financeiras, que impeçam o
cumprimento das obrigações presentes no artigo 2.º.
2 – A identificação dos países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada, claramente mais
favoráveis, não cooperantes é efetuada por portaria conjunta dos ministros responsáveis pelas áreas das
finanças, justiça e economia, ouvidas a Procuradoria-Geral da República, a Autoridade Tributária e Aduaneira e
os supervisores financeiros.
Artigo 4.º
Proibição de transações para países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada,
claramente mais favoráveis, não cooperantes
São proibidas quaisquer transações financeiras ou envio de fundos que tenham como destino final ou
intermediário países, territórios e regiões com regime fiscal claramente mais favorável, não cooperantes, nos
termos do artigo anterior.
Artigo 5.º
Contribuição especial sobre transações financeiras para paraísos fiscais
1 – É criada a contribuição especial sobre transferências financeiras para paraísos fiscais (CETFPF).
2 – A CETFPF é aplicada aos sujeitos passivos de IRS ou de IRC residentes ou, não sendo residentes, com
estabelecimento permanente em território português.
3 – A CETFPF é aplicável à totalidade do montante transferido para países, territórios e regiões com regime
fiscal claramente mais favorável, de acordo com os critérios definidos no n.º 3 do artigo 2.º da presente lei.
4 – A taxa aplicável é de 35 %.
Artigo 6.º
Regime contraordenacional
1 – A violação das obrigações constantes da presente lei constitui contraordenações puníveis de acordo com
o regime previsto na Secção II do Capítulo XII da Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto, que estabelece medidas de
natureza preventiva e repressiva de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo.
2 – Ao incumprimento do disposto na presente lei é ainda aplicável o disposto na Secção III do Capítulo XII
da mesma lei.
Artigo 7.º
Regulamentação
O Governo aprova a Portaria prevista no n.º 2 do artigo 3.º no prazo de 180 dias após a entrada em vigor da
presente lei, após audição das entidades aí referidas.
Artigo 8.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia seguinte à sua publicação.
Assembleia da República, 10 de abril de 2024.
Os Deputados do PCP: Paulo Raimundo — Paula Santos — António Filipe — Alfredo Maia.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO.