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Sexta-feira, 22 de novembro de 2024 II Série-A — Número 133

XVI LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2024-2025)

S U M Á R I O

Projetos de Lei (n.os 351 a 360/XVI/1.ª): N.º 351/XVI/1.ª (PCP) — Reforça as medidas de proteção das vítimas de violência doméstica (décima alteração à Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro). N.º 352/XVI/1.ª (CH) — Atualiza o valor da retribuição mínima mensal garantida para 950 euros. N.º 353/XVI/1.ª (BE) — Altera os requisitos e os impedimentos para a candidatura a família de acolhimento e alarga os apoios concedidos ao abrigo da medida de apoio junto de outro familiar e de confiança a pessoa idónea. N.º 354/XVI/1.ª (BE) — Criação da carreira de médico dentista no Serviço Nacional de Saúde. N.º 355/XVI/1.ª (BE) — Reforça a negociação coletiva, repõe o princípio do tratamento mais favorável do trabalhador e revoga o regime da caducidade da contratação coletiva (vigésima quarta alteração ao Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro). N.º 356/XVI/1.ª (PAN) — Aplica a taxa reduzida do IVA à utilização de métodos alternativos ao uso de animais em contexto de investigação científica, alterando o Código do IVA. N.º 357/XVI/1.ª (PAN) — Prevê a possibilidade de uma família candidata a acolhimento familiar ser candidata a adoção em respeito pelo superior interesse da criança. N.º 358/XVI/1.ª (CH) — Altera o regime jurídico do Decreto-Lei n.º 139/2019, de forma a incluir e priorizar nos processos de adoção as famílias de acolhimento.

N.º 359/XVI/1.ª (CH) — Intensifica a proteção dos animais de companhia, alterando o Decreto-Lei n.º 276/2001, de 17 de outubro, o Código Penal e o Decreto-Lei n.º 314/2003, de 17 de dezembro. N.º 360/XVI/1.ª (L) — Possibilita que familiares e pessoas candidatas à adoção possam ser famílias de acolhimento. Projetos de Resolução (n.os 8 e 446 a 461/XVI/1.ª): N.º 8/XVI/1.ª — Aumento do salário mínimo nacional. — Alteração de título e texto iniciais do projeto de resolução. N.º 446/XVI/1.ª (PS) — Recomenda a criação da carreira de médico dentista nas entidades públicas empresariais integradas no Serviço Nacional de Saúde. N.º 447/XVI/1.ª (BE) — Recomenda ao Governo o fim dos apoios públicos a espetáculos que inflijam sofrimento a animais e aumente a idade para trabalhar e assistir a esses espetáculos. N.º 448/XVI/1.ª (BE) — Recomenda ao Governo o reforço da preparação das crianças e jovens em acolhimento para a vida independente e das verbas para a contratação e formação de técnicos das casas de acolhimento. N.º 449/XVI/1.ª (BE) — Recomenda ao Governo a implementação de formação específica de famílias de acolhimento e de candidatos a adoção com vista à sensibilização e capacitação para a adoção de crianças mais velhas.

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N.º 450/XVI/1.ª (BE) — Recomenda ao Governo a criação do programa nacional para a prevenção dos maus-tratos na infância. N.º 451/XVI/1.ª (PAN) — Assunção de poderes de revisão constitucional extraordinária pela Assembleia da República para assegurar a consagração da proteção dos animais na Constituição. N.º 452/XVI/1.ª (PAN) — Pela criação do primeiro centro de investigação em Portugal com recurso a modelos alternativos aos animais utilizados para fins científicos e pela transparência e divulgação da informação da investigação e utilização de animais para fins científicos. N.º 453/XVI/1.ª (PAN) — Pela adaptação de monumentos e património histórico e cultural às alterações climáticas. N.º 454/XVI/1.ª (PAN) — Pela criação da carreira de médico dentista nas entidades públicas empresariais integradas no Serviço Nacional de Saúde. N.º 455/XVI/1.ª (CDS-PP) — Recomenda ao Governo que

proceda à alteração à lei por forma a permitir que famílias de acolhimento sejam candidatas à adoção. N.º 456/XVI/1.ª (CDS-PP) — Recomenda ao Governo que avalie o atual acesso à prestação de alimentos a menores. N.º 457/XVI/1.ª (PCP) — Recomenda a criação da carreira de médico dentista no Serviço Nacional de Saúde. N.º 458/XVI/1.ª (L) — Recomenda ao Governo que proceda a uma análise e levantamento das limitações do regime jurídico vigente e da organização da resposta do sistema em matéria de maus-tratos e abandono de animais. N.º 459/XVI/1.ª (L) — Recomenda o aumento do salário mínimo nacional para 2025. N.º 460/XVI/1.ª (L) — Recomenda ao Governo que proceda à criação da carreira especial de médico dentista no Serviço Nacional de Saúde. N.º 461/XVI/1.ª (L) — Recomenda a recolha de dados sobre crianças e jovens excluídos de acesso ao Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores.

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PROJETO DE LEI N.º 351/XVI/1.ª

REFORÇA AS MEDIDAS DE PROTEÇÃO DAS VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA (DÉCIMA

ALTERAÇÃO À LEI N.º 112/2009, DE 16 DE SETEMBRO)

Exposição de motivos

As medidas de proteção das vítimas de violência doméstica estão plasmadas na legislação,

designadamente na Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, que define o regime jurídico aplicável à prevenção

da violência doméstica e à proteção e assistência das suas vítimas.

As propostas que o PCP apresenta ampliam as garantias do reforço das finalidades desta lei seja no que

concerne ao direito à informação, independentemente da decisão de apresentação imediata da denúncia, seja

no alargamento da proteção das vítimas, a quem foi atribuído o estatuto de vítima visando salvaguardá-la nas

etapas que terá de percorrer até ao seu desfecho, bem como o apoio para que possa iniciar um novo projeto

de vida liberta de violência.

Neste âmbito destacam-se as medidas que visam a nomeação de advogado por via de escala de

prevenção, preferencialmente com formação na matéria de apoio à vítima, a isenção de custas, incluindo de

encargos com honorários do defensor oficioso, a obrigatoriedade de notificação do arguido para realização de

perícia médica sempre que da denúncia resultar a constituição de arguido pela prática do crime de violência

doméstica, perícia essa extensiva aos menores envolvidos.

Em matéria laboral e de proteção no emprego avança-se com a garantia de cooperação das entidades

empregadoras, criando condições para a transferência a pedido do trabalhador vítima de violência doméstica,

ou que sejam consideradas faltas justificadas por parte de um trabalhador que sejam motivadas por

impossibilidade em razão da prática de violência doméstica.

Com vista a aprofundar a proteção a quem seja atribuído o estatuto de vítima e que seja obrigado a sair da

sua residência, é alargada a licença de reestruturação familiar pelo período de 30 dias. Acresce a

consideração de urgência dos requerimentos ou primeiros pedidos relativos a abono de família.

Particular destaque para a proposta de criação da plataforma de prevenção e monitorização do risco, a

funcionar nos serviços públicos competentes visando a inserção de todas as ocorrências verificadas

relativamente à vítima, visando uma mais ampla informação que permita a avaliação das situações de risco,

desde a primeira sinalização, e assim permita a interrupção do risco que se verifica.

É igualmente necessário dar prioridade à responsabilidade do Estado no reforço dos meios financeiros,

humanos e técnicos fundamentais para que os serviços públicos cumpram o seu papel. É fundamental

prosseguir com a formação especializada no domínio da violência doméstica, mas a sua eficácia só será

garantida pondo fim à reiterada depauperização desses meios, que se acentua nos centros de saúde e nos

hospitais, nas escolas e nas universidades, forças de segurança, polícia criminal, Ministério Público, tribunais e

serviços de segurança social, para que possam cumprir cabalmente o seu papel.

Acresce as dificuldades financeiras que se registam na atual rede de estruturas de apoio às vítimas de

violência, que impede a sua intervenção regular, a par da insuficiente articulação entre si, e com os serviços

públicos, visando uma resposta pública, articulada e descentralizada.

Importa, ainda, ter em atenção os perigos de «banalização» da violência doméstica, mesmo quando a

intenção é preveni-la e combatê-la. A natureza das imagens e dos conteúdos de abordagens podem encerrar

enormes perversidades de «normalização» da violência doméstica junto das crianças e jovens e o medo das

vítimas em denunciar as situações a que estão sujeitas.

A prevenção de práticas sociais, que em Portugal eram toleradas e descriminalizadas, exige uma

intervenção junto das novas gerações, em que a escola pública assume um papel central, mas igualmente

uma clara aposta da prevenção da reincidência da violência doméstica seja na adequação dos conteúdos dos

respetivos programas, seja na sua inserção numa perspetiva mais vasta de integração social.

O PCP continuará a intervir por soluções alternativas que assumam como prioridade a conjugação e uma

profunda articulação entre a garantia de condições económicas e sociais que permitam o mais cedo possível

interromper contextos familiares marcados pela prática de violência doméstica, mas igualmente prevenir e

combater outras dimensões da violência sobre as mulheres.

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Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do

Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei tem por objeto o reforço dos instrumentos de proteção e apoio às vítimas de violência

doméstica, procedendo para o efeito às seguintes alterações:

a) Décima alteração à Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, que estabelece o regime jurídico aplicável à

prevenção da violência doméstica e à proteção e à assistência das suas vítimas;

b) Vigésima alteração ao Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, que aprova o Regulamento das

Custas Processuais;

c) Sexta alteração ao regime de acesso ao direito e aos tribunais, aprovado pela Lei n.º 34/2004, de 29 de

julho.

Artigo 2.º

Alteração da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro

1 – São alterados os artigos 15.º, 18.º, 25.º, 41.º, 42.º, 43.º, 43.º-A, 43.º-B e 47.º da Lei n.º 112/2009, de 16

de setembro, alterada pelas Leis n.os 19/2013, de 21 de fevereiro, 82-B/2014, de 31 de dezembro, 129/2015,

de 3 de setembro, 42/2016, de 28 de dezembro, 24/2017, de 24 de maio, 2/2020, de 31 de março, 54/2020, de

26 de agosto, pelo Decreto-Lei n.º 101/2020, de 26 de novembro, e pela Lei n.º 57/2021, de 16 de agosto, que

estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à proteção e à assistência das suas

vítimas, com a seguinte redação:

«Artigo 15.º

Direito à informação

É garantida à vítima, desde o seu primeiro contacto com as autoridades competentes para a aplicação da

lei, independentemente da decisão de apresentação imediata de denúncia, o acesso às seguintes

informações:

a) […]

b) […]

c) […]

d) […]

e) […]

i) […]

ii) […]

iii) […]

f) […]

g) […]

2 – […]

3 – […]

4 – […]

5 – […]

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Artigo 18.º

Assistência específica à vítima

1 – O Estado assegura, gratuitamente, que a vítima tenha acesso a consulta jurídica e a aconselhamento

sobre o seu papel durante o processo e, se necessário, o subsequente apoio judiciário quando esteja sujeito

em processo penal.

2 – (Novo) É obrigatória a assistência de defensor em todos os atos processuais a pessoa a quem seja

atribuído o estatuto de vítima, nos termos do disposto no artigo 14.º da presente lei, desde a apresentação de

denúncia.

Artigo 25.º

Acesso ao direito

1 – É garantida à vítima, gratuitamente e com prontidão, consulta jurídica a efetuar por advogado, bem

como a célere e sequente concessão de apoio judiciário, com a natureza, nos termos legais.

2 – […]

3 – (Novo) A nomeação referida nos números anteriores, bem como no n.º 2 do artigo 18.º, é efetuada por

via de escala de prevenção, preferencialmente, por advogado com formação na matéria de apoio à vítima.

4 – (Novo) A vítima fica isenta de custas, incluindo encargos devidos a título de honorários do defensor

oficioso nomeado, nos termos do disposto na alínea z) do n.º 1 do artigo 14.º do Regulamento das Custas

Processuais, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro.

Artigo 41.º

Cooperação das entidades empregadoras

A entidade empregadora, sempre que a sua dimensão e natureza o permitam, deve tomar em

consideração de forma prioritária:

a) […]

b) […]

c) (Nova) Todas as situações de despedimento ou não renovação de contratos de trabalho respeitantes a

detentores do estatuto de vítima, no âmbito de processo de violência doméstica, devem ser precedidos de

parecer favorável da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego.

Artigo 42.º

Transferência a pedido do trabalhador

1 – O trabalhador vítima de violência doméstica tem o direito de ser transferido, temporária ou

definitivamente, a seu pedido, para outro estabelecimento da empresa, verificadas as seguintes condições:

a) Apresentação de denúncia ou queixa-crime;

b) […]

2 – […]

3 – […]

4 – […]

5 – […]

6 – […]

7 – (Novo) Constitui contraordenação grave a violação do disposto no n.º 2.

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Artigo 43.º

Faltas

1 – As faltas dadas pelas vítimas que sejam motivadas por impossibilidade de prestar trabalho em razão da

prática de crime de violência doméstica são consideradas justificadas para todos os efeitos.

2 – (Novo) Nos termos do número anterior, as faltas podem ser justificadas pela vítima, ou por uma

entidade, nomeadamente por um estabelecimento de saúde, por um órgão de polícia criminal ou por gabinete

certificado de apoio à vítima, designadamente as organizações de apoio e atendimento às vítimas de crime

integradas na Rede Nacional de Apoio a Vítimas de Violência Doméstica.

Artigo 43.º-A

Licença de reestruturação familiar

1 – O trabalhador vítima de violência doméstica, a quem tenha sido atribuído o respetivo estatuto e que se

veja obrigado a sair da sua residência, em razão da prática de crime de violência doméstica, tem direito a uma

licença pelo período de 30 dias seguidos.

2 – […]

3 – […]

Artigo 43.º-B

Subsídio de reestruturação familiar

1 – O subsídio de reestruturação familiar é concedido a vítima de violência doméstica a quem tenha sido

atribuído o respetivo estatuto, nos seguintes termos:

a) […]

b) Quando se trate de trabalhador independente, o montante diário do subsídio corresponde a 1/30 do

rendimento relevante apurado na última declaração trimestral, com um limite máximo equivalente a 30 dias;

c) Quando se trate de membro de órgão estatutário de pessoa coletiva, o montante diário do subsídio

corresponde a 1/30 do valor da remuneração base líquida auferida no mês anterior à apresentação de

requerimento, com um limite máximo equivalente a 30 dias;

d) Quando se trate de profissional não abrangido pelo sistema de proteção social da segurança social ou

quando não detenha qualquer vínculo laboral ou profissional, o montante diário do subsídio corresponde a

1/30 do valor do indexante dos apoios sociais (IAS), com um limite máximo equivalente a 30 dias.

2 – (Novo) O subsídio de reestruturação familiar é igualmente concedido, pelo período máximo de 60 dias,

aos trabalhadores com estatuto de vítima de violência doméstica cujo contrato de trabalho tenha sido

suspenso nos termos do artigo 42.º da presente lei.

3 – (Anterior n.º 2.)

4 – (Anterior n.º 3.)

5 – (Anterior n.º 4.)

Artigo 47.º

Abono de família

1 – […]

2 – (Novo) O pedido inicial de abono de família e o requerimento referido no número anterior são

tramitados com caráter de urgência.»

2 – São aditados os artigos 18.º-A e 37.º-B à Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, na sua atual redação:

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«Artigo 18.º-A

Obrigatoriedade de perícia

1 – Sempre que no âmbito de uma denúncia, haja lugar à constituição de arguido pela prática do crime de

violência doméstica, o titular do inquérito determina de imediato a notificação do arguido para realização de

perícia médica.

2 – A perícia médica deve ainda ser efetuada à vítima e aos menores do agregado familiar para efeitos de

acompanhamento do processo.

Artigo 37.º-B

Plataforma de prevenção e monitorização do risco

1 – Sem prejuízo do artigo anterior, é criada a plataforma de prevenção e de monitorização do risco a

funcionar junto dos serviços públicos competentes, designadamente estabelecimentos de saúde e forças de

segurança, onde são inseridas todas as ocorrências verificadas relativamente à vítima.

2 – A monitorização dos dados inseridos destina-se exclusivamente ao tratamento por parte das entidades

competentes das informações necessárias e que se mostrem adequadas à prevenção do risco a partir da

primeira ocorrência sinalizada.

3 – Qualquer tratamento de dados e a sua disponibilização a terceiros é sempre efetuada sem identificação

de dados pessoais e todos os utilizadores, cujo perfil viabilize algum acesso a dados pessoais, estão sujeitos

ao dever de confidencialidade.

4 – O Governo regulamenta no prazo de 90 dias após a entrada em vigor da presente lei, a plataforma e

disponibiliza os meios para a prevenção do risco após a primeira sinalização.»

Artigo 3.º

Alteração ao Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, que aprova o Regulamento das Custas

Processuais

É alterado o artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de

26 de fevereiro, com a seguinte redação:

«Artigo 4.º

Isenções

1 – Estão isentos de custas:

a) […]

b) […]

c) […]

d) […]

e) […]

f) […]

g) […]

h) […]

i) […]

j) […]

l) […]

m) […]

n) […]

o) […]

p) […]

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q) […]

r) […]

s) […]

t) […]

u) […]

v) […]

x) […]

z) As pessoas a quem tenha sido atribuído o estatuto de vítimas de crime de violência doméstica, nos

termos do disposto no artigo 14.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, na sua redação atual, quando

intervenham no respetivo processo penal em qualquer fase processual, até trânsito em julgado, bem

como em qualquer uma das qualidades referidas nos artigos 67.º-A a 84.º do Código de Processo Penal,

mesmo que o processo venha a ser arquivado.

aa) […]

aaa) (Nova) As pessoas a quem tenha sido atribuído o estatuto de vítimas de crime de violência

doméstica, nos termos do disposto no artigo 14.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, na sua atual

redação, nos processos que corram termos no tribunal de família, em sede de divórcio, regulação das

responsabilidades parentais e atribuição de casa de morada de família.

bb) […]

2 – […]

3 – […]

4 – […]

5 – […]

6 – […]

7 – […]»

Artigo 4.º

Aditamento à Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, que estabelece o regime de acesso ao direito e aos

tribunais

É aditado o artigo 39.º-A à Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, com a seguinte redação:

«Artigo 39.º-A

Nomeação de patrono à vítima de violência doméstica

1 – No primeiro contacto com a pessoa vítima de violência doméstica, ainda que em momento anterior à

denúncia, devem os órgãos de polícia criminal ou o Ministério Público diligenciar, junto da Ordem dos

Advogados, pela nomeação imediata de patrono, no âmbito das escalas de prevenção, aplicando-se o

disposto no artigo 30.º da Lei n.º 34/2004, de 12 de julho, e no artigo 67.º-A do Código de Processo Penal.

2 – Salvo casos devidamente fundamentados, sempre que a situação de violência doméstica dê origem a

diversos processos judiciais deve assegurar-se a nomeação do mesmo patrono em todos os processos.

3 – A nomeação prevista no n.º 1 é efetuada por via de escala de prevenção, composta por advogados com

formação adequada no âmbito de apoio à vítima de violência doméstica.»

Artigo 5.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia imediato ao da sua publicação.

Assembleia da República, 22 de novembro de 2024.

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Os Deputados do PCP: Paula Santos — António Filipe — Paulo Raimundo — Alfredo Maia.

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PROJETO DE LEI N.º 352/XVI/1.ª

ATUALIZA O VALOR DA RETRIBUIÇÃO MÍNIMA MENSAL GARANTIDA PARA 950 EUROS

Exposição de motivos

Em 1975, por meio do Decreto‐Lei n.º 271/74, de 27 de maio, foi reconhecido um marco importante em

Portugal estabelecer-se pela primeira vez uma retribuição mínima mensal garantida (RMMG) para os

trabalhadores, tanto do setor público como do setor privado, reflexo da procura por um equilíbrio entre os

direitos sociais dos trabalhadores num Portugal democrático e pela necessidade de estimular a atividade

económica do País.

Desde então, as sucessivas atualizações não acompanharam o ritmo dos rendimentos médios e do índice

de preços ao consumidor e, neste sentido, é transversalmente reconhecido que o salário mínimo deverá ser

ajustado de forma a evitar que cidadãos trabalhadores contribuam para engrossar a taxa de risco de pobreza

em Portugal, que antes das transferências sociais e segundo dados do Pordata1 abrange 42,5 % da

população, quase 4 500 000 de portugueses.

Todavia, deverá também ser garantido um equilíbrio que permita a viabilidade financeira das empresas,

postos de trabalho, produção nacional e o tecido empresarial saudáveis e sustentáveis.

Neste sentido, é manifestamente relevante refletir sobre o valor que somam as despesas das micro,

pequenas e médias empresas com salários e outros encargos sociais, e de que forma um ajuste da RMMG

impacta na estrutura de custos fixos operacionais e na gestão de risco destas empresas.

Os custos associados a salários, enquadram-se na tipologia de custos fixos operacionais e podem afetar a

capacidade de ajustamento das empresas a mudanças repentinas e de peso.

Assim como as famílias entendem que as despesas mensais fixas limitam a sua capacidade de adaptar-se

a imprevistos, como por exemplo o desemprego ou a subida exponencial de gastos com o seu crédito à

habitação, os gestores empresariais compreendem que os custos fixos, tanto operacionais quanto financeiros,

restringem a capacidade de enfrentar desafios económicos desfavoráveis. Esta consciência é determinante

para uma gestão financeira responsável e para a sustentabilidade de qualquer operação empresarial.

O relatório do Banco de Portugal, de 2021, sobre a medição dos custos fixos operacionais das empresas

portuguesas, dava nota de que o peso dos salários varia muito de acordo com o sector de atividade, vejamos:

«Os gastos com pessoal representam uma parte importante dos custos operacionais totais no caso da

educação (56 %), dos outros serviços (35 %), das atividades de consultoria, científicas e técnicas (33 %), do

alojamento e restauração (30 %), e das atividades de saúde humana (27 %). Os gastos com pessoal

representam apenas 19 % das despesas operacionais totais no setor da indústria transformadora, sendo

menos relevantes do que os gastos com fornecimentos e serviços externos. Os setores da eletricidade e gás e

do comércio por grosso e a retalho são os setores em que os gastos com pessoal têm uma menor importância

no total de custos operacionais»2.

Assim, não é linear que os salários sejam ou não um fator determinante para a solvência das empresas,

portanto qualquer atualização generalizada de salários, pode ser absorvida dentro da estrutura de custos das

empresas com maior ou menor dificuldade.

Por outro lado, o aumento sustentado da RMMG, irá contribuir para o impulso do consumo e assim

fortalecer o mercado interno pela dinamização económica a par da justiça social.

1 Portugal: Taxa de risco de pobreza: antes e após transferências sociais – Pordata. 2 Cf. 2021, BdP, Relatório Sobre a medição dos custos fixos operacionais das empresas portuguesas, Pág. 37, re202102_pt.pdf (bportugal.pt).

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Em 2024, o designado salário mínimo fixou-se nos 820 euros, cristalização essa que ocorreu ex vie da

publicação do Decreto-Lei n.º 107/20233. Em todo o caso, não obstante a evolução da RMMG nos últimos

anos, o seu valor atual não permite ainda que os trabalhadores respondam às suas necessidades mais

básicas e contribuam de maneira eficaz para o estímulo da economia nacional.

Com efeito, atenta a inflação generalizada, que facilmente se atinge pelas conclusões do Instituto Nacional

de Estatísticas quanto ao tema, apresentando os diversos meses do ano a seguinte evolução: (i) «Taxa de

variação homóloga do IPC aumentou para 2,3 % – outubro de 2024; Índice de preços no consumidor 13 de

novembro de 2024 – A variação homóloga do índice de preços no consumidor (IPC) foi 2,3 % em outubro, taxa

superior em 0,2 pontos percentuais (p.p.) (…); (ii) Taxa de variação homóloga do IPC estimada em 2,3 % –

outubro de 2024; Índice de preços no consumidor em 31 de outubro de 2024 – Tendo por base a informação já

apurada, a taxa de variação homóloga do índice de preços no consumidor (IPC) terá aumentado para 2,3 %

(…) e (iii) Taxa de variação homóloga do IPC aumentou para 2,1 % – setembro de 2024»4, sempre se

concluirá patentemente insuficiente para acautelar as despesas, bem como para assegurar uma qualidade de

vida condigna, para mais considerada a carga fiscal existente em Portugal, país da União Europeia que

enquadra o elenco dos EM com um salário mínimo mais baixo.

Assim nos termos constitucionais e legalmente aplicáveis, o Grupo Parlamentar do Chega apresentam o

seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º

Objeto

O presente diploma, altera o Decreto-Lei n.º 107/2023 de 17 de novembro, que atualiza o valor da

retribuição mínima mensal garantida para 950 euros.

Artigo 2.º

Alteração ao Decreto-Lei n.º 107/2023, de 17 de novembro

É alterado o artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 107/2023, de 17 de novembro, que passa a ter a seguinte

redação:

«Artigo 3.º

[…]

O valor da RMMG a que se refere o n.º 1 do artigo 273.º do Código do Trabalho, aprovado em anexo à Lei

n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, na sua redação atual, é de (euros) 950.»

Artigo 3.º

Apoio extraordinário às empresas

O membro do Governo responsável pela área da economia aprova, no prazo de 120 dias, um programa de

apoio às empresas que demonstrem um peso de custos fixos operacionais superior a 30 %, por forma a que

estas consigam fazer face ao aumento da RMMG previsto no presente diploma.

Artigo 4.º

Entrada em vigor

O presente diploma entra em vigor no dia 1 de janeiro de 2025.

Palácio de São Bento, 22 de novembro de 2023.

3 Disponível in Decreto-Lei n.º 107/2023 – DiáriodaRepública. 4 Cfr. Portal do INE.

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Os Deputados do CH: Pedro Pinto — Felicidade Vital — Vanessa Barata — Armando Grave — João

Ribeiro.

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PROJETO DE LEI N.º 353/XVI/1.ª

ALTERA OS REQUISITOS E OS IMPEDIMENTOS PARA A CANDIDATURA A FAMÍLIA DE

ACOLHIMENTO E ALARGA OS APOIOS CONCEDIDOS AO ABRIGO DA MEDIDA DE APOIO JUNTO DE

OUTRO FAMILIAR E DE CONFIANÇA A PESSOA IDÓNEA

Exposição de motivos

Os efeitos negativos da institucionalização no desenvolvimento das crianças, especialmente quando

duradoura, são sobejamente conhecidos. Por essa razão, várias têm sido as estratégias propostas para que

cada vez menos se recorra ao acolhimento residencial. O Plano Bianual 2021-2024 da Estratégia Nacional

para os Direitos das Crianças estabeleceu precisamente como uma das suas prioridades o apoio às famílias e

à parentalidade, pretendendo incentivar a desinstitucionalização, a qualificação dos equipamentos existentes e

contribuir para o incremento do sistema de adoção e de apadrinhamento civil e reforçar o sistema de

acolhimento familiar.

Este objetivo surge também na Estratégia Europeia para os Direitos da Criança e na Garantia Europeia

para a Infância, que incentivam à desinstitucionalização, promovendo respostas de acolhimento em contexto

familiar e/ou comunitário de qualidade, ou seja, em respostas em que a criança é cuidada em família com ou

sem laços sanguíneos, o apadrinhamento civil, o acolhimento familiar, entre outras possibilidades.

Pretende-se, assim, e por melhor proteger o superior interesse das crianças e jovens, a substituição do

acolhimento de caráter institucional pelo acolhimento em ambiente familiar, trabalhando-se tanto na prevenção

primária e no apoio à família como, quando não seja possível a sua manutenção na família, na colocação da

criança em ambiente familiar.

Ora, em 2021, os dados relativamente ao acolhimento de crianças e jovens em Portugal demonstram que

96,5 % das crianças se encontram em acolhimento residencial e que apenas 3,5 % estão integradas em

famílias. Fazendo uma análise comparativa entre os dados de 2021 e 2022 é de salientar a tendência

crescente do acolhimento familiar (3,6 %) e dos apartamentos de autonomização (2,6 %). Esta tendência de

crescimento do número de famílias de acolhimento tem de ser reforçada, impondo-se, para tanto, a remover

alguns obstáculos presentes na lei.

Já em 2023, das 6446 crianças e jovens em situação de acolhimento a 1 de novembro de 2023, 5409

(83,9 %) encontram-se em casas de acolhimento, 88 (1,4 %) em casas de acolhimento especializado, 41

(0,6 %) em casas de acolhimento especializado para crianças e jovens estrangeiros não acompanhados, 200

(3,1 %) em apartamentos de autonomização, 263 (4,1 %) em acolhimento familiar e 445 (6,9 %) em outras

respostas de acolhimento (por exemplo centros de apoio à vida, colégios de ensino especial, lar residencial, lar

de apoio, comunidade terapêutica). Também em 2023 se verificou um ligeiro aumento do número de crianças

em acolhimento familiar, pese embora continue a ser, no contexto global, uma medida ainda muito residual.

Um dos aspetos que limita fortemente a disponibilidade das famílias para serem famílias de acolhimento

prende-se com os impedimentos que a própria lei estabelece. Desde logo, a lei estipula que as famílias

candidatas a acolhimento familiar não podem ter qualquer laço de parentesco com a criança. Não se vislumbra

a razão de ser deste impedimento nem em que medida protege ou defende o superior interesse da criança.

Parece evidente que é mais benéfico para a criança ser acolhida no seio da sua família alargada, tendo esta

direito a todos os apoios de que uma família de acolhimento pode beneficiar, do que ser transitoriamente

integrada numa família que não conhece.

Outra limitação diz respeito ao impedimento estipulado na lei segundo o qual a família candidata a

acolhimento familiar não pode ser candidata a adoção. A justificação para esta opção prende-se

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exclusivamente com a ordenação da lista de espera para adoção e com a ideia de que esta limitação pretende

prevenir que o acolhimento familiar constitua uma forma de contornar as regras da adoção. Ora, salvo o

devido respeito, este Grupo Parlamentar não pode concordar com este argumento. Se a criança estiver

confiada a determinada família, tendo sido criados laços recíprocos de tal forma sólidos que tanto a família

como a criança pretendem que se estabeleça um vínculo definitivo através da adoção, tal não será a solução

que melhor acautela o interesse das crianças? As expectativas das famílias candidatas a adoção não podem

de forma alguma prevalecer sobre o superior interesse das crianças, pelo que se entende que este

impedimento deve deixar de constar da lei.

Por outro lado, entende este grupo parlamentar que deve haver uma equiparação completa entre as

famílias de acolhimento e as outras figuras previstas na lei, como o apoio junto de outro familiar e a confiança

a pessoa idónea. Com efeito, sucede não raras vezes um membro da família alargada, um padrinho ou um

amigo da família terem disponibilidade para acolher a criança, mas não o poderem fazer por dificuldades

económicas. Tratando-se de alguém que a criança já conhece e em quem confia, não se percebe por que

razão não devem ter o mesmo apoio, nomeadamente financeiro, que uma família de acolhimento. As

responsabilidades e os encargos assumidos por famílias de acolhimento são exatamente os mesmos que os

assumidos pela família alargada, pelo que o apoio pecuniário deve ser o mesmo.

O Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda considera que estas alterações legislativas podem potenciar a

desejável desinstitucionalização de crianças e jovens, promover o acolhimento familiar e, assim, defender

efetivamente o superior interesse das crianças.

Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, as Deputadas e os Deputados do Bloco de

Esquerda apresentam o seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei procede à alteração da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela Lei

n.º 147/99, de 1 de setembro, na sua atual redação, e ao Regime de execução do acolhimento familiar,

aprovado pelo Decreto-Lei n.º 139/2019, de 16 de setembro, alterando os requisitos e os impedimentos para a

candidatura a família de acolhimento e alargando os apoios concedidos ao abrigo da medida de apoio junto de

outro familiar e de confiança a pessoa idónea.

Artigo 2.º

Alteração à Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo

São alterados o artigo 40.º e 43.º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela

Lei n.º 147/99, de 1 de setembro, na sua atual redação, que passam a ter a seguinte redação:

«Artigo 40.º

Apoio junto de outro familiar

1 – A medida de apoio junto de outro familiar consiste na colocação da criança ou do jovem sob a guarda

de um familiar com quem resida ou a quem seja entregue, acompanhada de apoio de natureza

psicopedagógica e social e, quando necessário, ajuda económica.

2 – A ajuda económica referida no número anterior será atribuída nos termos do artigo 30.º do

Decreto-Lei n.º 139/2019, de 16 de setembro.

Artigo 43.º

Confiança a pessoa idónea

1 – A medida de confiança a pessoa idónea consiste na colocação da criança ou do jovem sob a guarda de

uma pessoa que, não pertencendo à sua família, com eles tenha estabelecido relação de afetividade

recíproca.

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2 – A medida pode ser acompanhada de apoio de natureza psicopedagógica e social e, quando

necessário, de ajuda económica.

3 – A ajuda económica referida no número anterior será atribuída nos termos do artigo 30.º do

Decreto-Lei n.º 139/2019, de 16 de setembro.»

Artigo 3.º

Alteração ao Regime de Execução do Acolhimento Familiar

São alterados os artigos 12.º e 14.º do Decreto-Lei n.º 139/2019, de 16 de setembro, que estabelece o

regime de execução do acolhimento familiar, medida de promoção dos direitos e de proteção das crianças e

jovens em perigo, que passam a ter a seguinte redação:

«Artigo 12.º

Famílias de acolhimento

1 – Nos termos e para os efeitos do disposto no presente decreto-lei, podem ser família de acolhimento:

a) […]

b) […]

c) […]

2 – […]

3 – (Eliminado.)

Artigo 14.º

Candidatura a família de acolhimento

1 – Pode candidatar-se a responsável pelo acolhimento familiar quem, além dos requisitos referidos no

artigo 12.º, reúna as seguintes condições:

a) […]

b) (Eliminado.)

c) […]

d) […]

e) […]

f) […]

g) […]

2 – […]»

Artigo 4.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor com o Orçamento do Estado subsequente à data da sua aprovação.

Assembleia da República, 22 de novembro de 2024.

Os Deputados do BE: Fabian Figueiredo — Marisa Matias — Joana Mortágua — José Moura Soeiro —

Mariana Mortágua.

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PROJETO DE LEI N.º 354/XVI/1.ª

CRIAÇÃO DA CARREIRA DE MÉDICO DENTISTA NO SERVIÇO NACIONAL DE SAÚDE

Exposição de motivos

O acesso à saúde oral e à medicina dentária é um problema crónico em Portugal. A sua não inclusão inicial

no Serviço Nacional de Saúde e a forma como a oferta pública se manteve residual têm feito com que esta

área da saúde esteja completamente deixada à dinâmica do mercado. Ou seja, impedindo o acesso da maioria

da população.

O resultado dessa política de décadas é este: apesar de termos um rácio de 1 médico dentista por 846

cidadãos (bem acima dos 1500-2000 recomendados pela Organização Mundial de Saúde), a verdade é que a

população continua com enormes dificuldades de acesso a serviços de saúde oral.

Por exemplo, o Barómetro da Saúde Oral 2023 revelou que apenas 41 % dos inquiridos tinham a dentição

completa e que mais de 22 % tinham falta de 6 ou mais dentes. Das pessoas com dentes naturais em falta,

quase metade (49,9 %) não tem nenhum tipo de substituição. Ainda no mesmo barómetro: mais de 22 % dos

inquiridos disseram só ir ao dentista em situação de urgência e 4,3 % afirmaram nunca ir ao dentista. Esta

percentagem sobe consideravelmente se olharmos para os estratos com menores rendimentos. Aí, mais de

13 % dizem nunca ter ido ao dentista. De facto, a barreira económica é a mais evidente. Das pessoas que

disseram nunca ir ao dentista ou ir menos de 1 vez por ano, 24,4 % disseram não o fazer por não ter dinheiro.

Ou seja, apesar do elevado rácio de dentistas na população, o acesso à medicina dentária continua a ser

reduzido e a barreira económica é significativa. O problema é a medicina dentária ser residual no SNS e

continuar-se a insistir na não contratação de médicos dentistas para o SNS e na precariedade para os poucos

que lá trabalham.

Neste momento existem cerca de 140 médicos dentistas nos cuidados de saúde primários. Destes, 118

estão contratados como prestadores de serviços e em situação clara de falsos recibos verdes. Os restantes,

por falta de uma carreira específica, são colocados em carreiras gerais, como a de Técnico Superior de

Regime Geral, que não correspondem ao seu conteúdo funcional e levantam sérios problemas de legalidade.

A Provedoria de Justiça, assim como o Grupo de Trabalho SNS – Saúde Oral 2.0, já alertaram para a

necessidade da criação urgente de uma carreira de médico dentista. O Bloco de Esquerda acompanha esse

sentido de urgência por considerar que só assim se conseguirá contratar mais médicos dentistas para o SNS e

que só assim se conseguirá garantir o acesso universal e gratuito à saúde oral.

É nesse sentido que apresentámos o atual projeto de lei, com o qual se cria, de uma vez por todas, a

carreira de médico dentista no Serviço Nacional de Saúde, à semelhança do regime já existente na Região

Autónoma da Madeira. Não obstante a existência de serviços regionais de saúde com a devida autonomia,

não há nenhuma justificação objetiva para que na totalidade do País existam profissionais de medicina

dentária a quem é reconhecida uma carreira e outros a quem não é reconhecida essa carreira. Não há razão

para que trabalhadores com as mesmas habilitações, a mesma profissão e a desempenhar as mesmas

funções em serviços públicos de saúde sejam tratados de forma tão díspar.

Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, as Deputadas e os Deputados do Bloco de

Esquerda apresentam o seguinte projeto de lei:

CAPÍTULO I

Objeto e âmbito

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei define o regime legal da carreira especial de médico dentista, bem como os requisitos de

habilitação profissional para integração na mesma.

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Artigo 2.º

Âmbito

A presente lei aplica-se a todos os trabalhadores integrados na carreira especial de médico dentista com

vínculo de emprego público na modalidade de contrato de trabalho em funções públicas.

CAPÍTULO II

Nível habilitacional

Artigo 3.º

Natureza do nível habilitacional

O nível habilitacional exigido para a carreira especial de médico dentista corresponde aos graus de

qualificação previstos na presente lei.

Artigo 4.º

Qualificação do médico dentista

1 – A qualificação do médico dentista tem por base a obtenção de uma qualificação académica superior,

decorrente da atribuição do título de médico dentista, com inscrição na Ordem dos Médicos Dentistas, e

compreende os seguintes graus:

a) Especialista;

b) Consultor.

2 – A qualificação dos médicos dentistas estrutura-se em graus, enquanto títulos de habilitação profissional,

em função da obtenção de níveis de competência diferenciados e sujeitos a procedimento concursal.

Artigo 5.º

Aquisição dos graus

1 – O grau de especialista adquire-se com a inscrição na Ordem dos Médicos Dentistas, após conclusão,

com aproveitamento, de formação académica superior.

2 – O grau de consultor adquire-se após procedimento concursal, que tenha por base, cumulativamente:

a) Exercício efetivo, durante cinco anos, de funções com o grau de especialista;

b) Avaliação curricular;

c) Prova de verificação de aprofundamento de competências.

3 – O procedimento concursal previsto no número anterior é regulado por portaria conjunta dos membros

do Governo responsáveis pelas áreas da Administração Pública e da saúde, ouvida a Ordem dos Médicos

Dentistas.

Artigo 6.º

Utilização do grau

No exercício e publicitação da sua atividade profissional, o médico dentista deve sempre fazer referência

ao grau detido.

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Artigo 7.º

Exercício profissional

O exercício profissional do trabalhador inserido na carreira especial de médico dentista é adequado à

natureza da atividade que desenvolve, nos termos dos artigos seguintes.

Artigo 8.º

Perfil profissional

1 – Considera-se médico dentista o profissional legalmente habilitado ao exercício da medicina dentária,

capacitado para a prevenção, o diagnóstico, tratamento, ou recuperação de anomalias e doenças dos dentes,

da boca, dos maxilares e das estruturas e tecidos anexos, e apto a prestar cuidados e a intervir sobre

indivíduos, conjuntos de indivíduos ou grupos populacionais, doentes ou saudáveis, tendo em vista a proteção,

melhoria ou manutenção do seu estado e nível de saúde oral.

2 – A integração na carreira especial de médico dentista determina o exercício das correspondentes

funções.

3 – O médico dentista exerce a sua atividade com plena responsabilidade profissional e autonomia técnico-

científica, através do exercício correto das funções assumidas, coopera com outros profissionais cuja ação

seja complementar à sua e pode coordenar as equipas multidisciplinares de trabalho constituídas.

Artigo 9.º

Categorias

A carreira especial de médico dentista é pluricategorial e estrutura-se nas seguintes categorias:

a) Assistente;

b) Assistente graduado;

c) Assistente graduado sénior.

Artigo 10.º

Conteúdo funcional da categoria de assistente

O conteúdo funcional da categoria de assistente compreende funções de médico dentista enquadradas em

diretrizes gerais bem definidas, organizadas em equipa, com observância pela autonomia e características

técnico-científicas inerentes, nomeadamente:

a) Prestar cuidados de saúde oral mediante a prática de atos médicos dentários, sob a sua

responsabilidade direta ou sob responsabilidade da equipa na qual o médico dentista esteja integrado;

b) Recolher, registar, e efetuar tratamento e análise da informação relativa ao exercício das suas funções,

incluindo aquela que seja relevante para os sistemas de informação institucionais na área da saúde oral,

designadamente os referentes à vigilância de fenómenos de saúde e de doença orais;

c) Participar nas atividades de planeamento e programação do trabalho a executar pela unidade ou serviço;

d) Participar em programas e projetos de investigação ou de intervenção, quer institucionais quer

multicêntricos, nacionais ou internacionais, seja na sua área de especialização ou em área conexa;

e) Colaborar na formação de médicos dentistas em formação básica e de alunos das licenciaturas em

medicina dentária ou de outras áreas da saúde conexas;

f) Participar em júris de concurso ou noutras atividades de avaliação dentro da sua área de especialização

ou competência;

g) Assegurar as funções de assistente graduado ou de assistente graduado sénior, quando não existam ou

nas suas faltas e impedimentos;

h) Colaborar em programas regionais de saúde oral.

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Artigo 11.º

Conteúdo funcional da categoria de assistente graduado

Para além das funções inerentes à categoria de assistente, compete ainda ao médico dentista com a

categoria de assistente graduado:

a) Planear e programar o trabalho a executar pela unidade ou serviço;

b) Desenvolver atitudes e práticas de coordenação técnico-científica e de autoaperfeiçoamento, que

constituam modelo de referência para os médicos dentistas e outros profissionais da unidade ou serviço em

que o médico dentista esteja integrado;

c) Manter e promover atividades regulares de investigação, bem como apresentar anualmente, aos

profissionais da unidade ou serviço em que esteja integrado, relatório da atividade realizada;

d) Coadjuvar o assistente graduado sénior nas suas atividades;

e) Exercer cargos de direção e chefia, quando não exista assistente graduado sénior;

f) Participar em júris de concurso para as categorias de assistente e assistente graduado;

g) Colaborar em programas regionais de saúde oral.

Artigo 12.º

Conteúdo funcional da categoria de assistente graduado sénior

Para além das funções inerentes às categorias de assistente e de assistente graduado, compete ainda ao

médico dentista com a categoria de assistente graduado sénior:

a) Planear, programar e avaliar o trabalho da respetiva unidade, serviço ou departamento;

b) Assumir a responsabilidade pelas atividades de formação e de desenvolvimento profissional contínuo

dos médicos dentistas da sua unidade, serviço ou departamento, ou das atribuições de formação em medicina

dentária da instituição, quando designado;

c) Elaborar, promover ou apoiar a concretização de projetos de desenvolvimento técnico-científico,

institucional, de qualidade e de inovação, que mobilizem e envolvam o conjunto da equipa profissional em que

o médico dentista esteja integrado;

d) Participar em júris de concursos para todos os graus e categorias da carreira de médico dentista;

e) Exercer cargos de direção e chefia;

f) Coadjuvar o diretor de serviço nas atividades de gestão;

g) Substituir o diretor de serviço nas suas faltas e impedimentos;

h) Colaborar em programas regionais de saúde oral.

Artigo 13.º

Deveres funcionais

Sem prejuízo do conteúdo funcional inerente à respetiva categoria, os trabalhadores integrados na carreira

especial de médico dentista estão obrigados, no respeito pelas leges artis, ao cumprimento dos seguintes

deveres profissionais, com observância pela autonomia e características técnico-científicas inerentes ao

médico dentista:

a) Exercer a sua profissão com respeito pelo direito à proteção da saúde dos utentes e da comunidade;

b) Esclarecer devidamente o utente sobre os cuidados a prestar e sobre aqueles que foram prestados,

assegurando a efetividade do consentimento informado;

c) Exercer as suas funções com zelo e diligência, assegurando o trabalho em equipa, tendo em vista a

continuidade e garantia da qualidade da prestação de cuidados e a efetiva articulação de todos os

intervenientes;

d) Participar em equipas para fazer face a situações de emergência ou catástrofe;

e) Observar o sigilo profissional e todos os demais deveres éticos e princípios deontológicos;

f) Atualizar e aperfeiçoar conhecimentos e competências na perspetiva do desenvolvimento pessoal,

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profissional e de melhoria do seu desempenho;

g) Colaborar com todos os intervenientes no trabalho de prestação de serviços de saúde, favorecendo o

desenvolvimento de relações de cooperação, respeito e reconhecimento mútuo.

Artigo 14.º

Grau de complexidade funcional

A carreira especial de médico dentista é classificada como sendo de grau 3, em termos de complexidade

funcional.

Artigo 15.º

Condições de admissão

1 – Para a admissão à categoria de assistente, é exigido o grau de especialista.

2 – Para a admissão à categoria de assistente graduado, é exigido o grau de consultor.

3 – Para a admissão à categoria de assistente graduado sénior, é exigido o grau de consultor e cinco anos

de exercício efetivo com a categoria de assistente graduado.

Artigo 16.º

Recrutamento

1 – O recrutamento para os postos de trabalho correspondentes à carreira especial de médico dentista com

vínculo de emprego público, incluindo a mudança para categoria superior, efetua-se mediante procedimento

concursal.

2 – Os requisitos e a tramitação do procedimento concursal previsto no número anterior são aprovados por

portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas da Administração Pública e da saúde.

Artigo 17.º

Período experimental

1 – O período experimental dos trabalhadores integrados na carreira especial de médico dentista com

contrato de trabalho por tempo indeterminado tem a duração de 90 dias.

2 – Considera-se cumprido o período experimental a que se refere o número anterior sempre que o

contrato por tempo indeterminado tenha sido imediatamente precedido da constituição de um vínculo

contratual a termo resolutivo, certo ou incerto, entre o médico dentista e o Serviço Nacional da Saúde ou

instituição ou serviço sob tutela do Ministério da Saúde.

3 – Considera-se igualmente cumprido o período experimental a que se refere o n.º 1 sempre que o

contrato sem termo tenha sido precedido, no último ano, de contratos de prestação de serviços durante um

período de pelo menos 90 dias entre o médico dentista e o Serviço Nacional da Saúde ou instituição ou

serviço sob tutela do Ministério da Saúde.

Artigo 18.º

Avaliação do desempenho

A avaliação do desempenho relativa aos trabalhadores que integrem a carreira especial de médico dentista

rege-se pelo regime de avaliação em vigor na Administração Pública, com as alterações introduzidas por

portaria do Governo, depois de auscultadas as estruturas representantes dos trabalhadores.

Artigo 19.º

Remunerações e posições remuneratórias

1 – A identificação dos níveis remuneratórios correspondentes às posições remuneratórias das categorias

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da carreira especial de médico dentista constam do anexo à presente lei, do qual faz parte integrante, tendo

por base a tabela remuneratória única.

2 – A cada categoria da carreira especial de médico dentista corresponde um número variável de posições

remuneratórias, as quais constam do anexo à presente lei.

3 – A alteração da posição remuneratória na categoria faz-se nos termos previstos no regime do sistema

integrado de gestão e avaliação do desempenho dos trabalhadores que integram a carreira especial de

médico dentista.

Artigo 20.º

Tempo de trabalho

O período normal de trabalho dos trabalhadores médicos dentistas é de 35 horas semanais.

Artigo 21.º

Direção e coordenação

1 – Os trabalhadores integrados na carreira especial de médico dentista podem exercer funções de

direção, chefia, ou coordenação de departamentos, serviços ou unidades funcionais dos serviços e

estabelecimentos integrados no Serviço Nacional de Saúde, desde que sejam titulares das categorias de

assistente graduado sénior ou, em casos devidamente fundamentados, de assistente graduado.

2 – O exercício de funções de direção, chefia, ou coordenação é cumprido em comissão de serviço por três

anos, nos termos do Código do Trabalho e da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, conforme regime

aplicável, renovável por iguais períodos.

3 – O exercício das funções referidas nos números anteriores não impede a manutenção da atividade de

prestação de cuidados de saúde por parte dos médicos dentistas, mas prevalece sobre a mesma.

CAPÍTULO IV

Normas de transição

Artigo 22.º

Transição para a nova carreira

1 – Os médicos dentistas que já exerçam as funções descritas na presente lei, independentemente do

vínculo contratual que tenham com o Serviço Nacional de Saúde, estejam integrados em carreira de carácter

geral, em carreira especial ou em contrato de prestação de serviços, direto ou através de empresas

intermediárias, com o Serviço Nacional de Saúde são automaticamente integrados na carreira especial de

médico dentista criada pela presente lei.

2 – Os médicos dentistas que transitem para a presente carreira especial de médico dentista são colocados

na categoria de assistente, assistente graduado ou assistente graduado sénior, sem necessidade de

procedimento concursal, da seguinte forma:

a) Os médicos dentistas com menos de 10 anos de exercício de funções no Serviço Nacional de Saúde à

data da entrada em vigor da presente lei transitam para a categoria de assistente;

b) Os médicos dentistas com mais de 10 anos de exercício de funções no Serviço Nacional de Saúde à

data da entrada em vigor da presente lei transitam para a categoria de assistente graduado;

c) Os médicos dentistas com mais de 20 anos de exercício de funções no Serviço Nacional de Saúde à

data da entrada em vigor da presente lei transitam para a categoria de assistente graduado sénior.

3 – No caso de a remuneração auferida ser inferior à primeira posição da correspondente categoria para a

qual transitam, os médicos dentistas são colocados na primeira posição remuneratória da nova categoria, no

caso de a remuneração auferida ser superior mantêm a remuneração.

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Artigo 23.º

Entrada em vigor

1 – A presente lei entra em vigor no primeiro dia do mês seguinte ao da sua publicação.

2 – Os reposicionamentos remuneratórios produzem efeito no orçamento subsequente ao da data da

publicação da presente lei.

ANEXO

(a que se refere o artigo 19.º)

Categorias Posições remuneratórias

1.ª 2.ª 3.ª 4.ª 5.ª 6.ª 7.ª 8.ª

Assistente graduado sénior Níveis remuneratórios

70 80 90

Assistente graduado Níveis remuneratórios

54 56 58 60 62

Assistente Níveis remuneratórios

45 47 48 49 50 51 52 53

Assembleia da República, 22 de novembro de 2024.

Os Deputados do BE: Marisa Matias — Fabian Figueiredo — Joana Mortágua — José Moura Soeiro —

Mariana Mortágua.

———

PROJETO DE LEI N.º 355/XVI/1.ª

REFORÇA A NEGOCIAÇÃO COLETIVA, REPÕE O PRINCÍPIO DO TRATAMENTO MAIS FAVORÁVEL

DO TRABALHADOR E REVOGA O REGIME DA CADUCIDADE DA CONTRATAÇÃO COLETIVA

(VIGÉSIMA QUARTA ALTERAÇÃO AO CÓDIGO DO TRABALHO, APROVADO PELA LEI N.º 7/2009, DE

12 DE FEVEREIRO)

Exposição de motivos

O esvaziamento da contratação coletiva é um ataque à democracia. Sem negociação coletiva, os

trabalhadores são colocados numa relação de total fragilidade em relação aos empregadores. Ora, o atual

Código do Trabalho favorece escandalosamente a parte mais forte na relação laboral no que à contratação

coletiva diz respeito, permitindo que as convenções coletivas caduquem por decisão unilateral.

Também em virtude da caducidade, assistimos a uma degradação dos conteúdos das convenções, porque

as convenções são negociadas em condições de profundo desequilíbrio, a que acresce a tendência de

diminuição da cobertura de trabalhadores por convenções vigentes e que merece preocupação, sobretudo

atento o aumento da publicação de portarias de extensão.

Na ausência de contratação coletiva, os trabalhadores contratados posteriormente ficam abrangidos pelo

contrato individual de trabalho. Ora, nos termos do n.º 8 do artigo 501.º, após a caducidade e até à entrada em

vigor de outra convenção ou decisão arbitral, mantêm-se os efeitos acordados pelas partes ou, na sua falta, os

já produzidos pela convenção nos contratos individuais de trabalho em algumas matérias como a retribuição, a

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duração do tempo de trabalho, a categoria profissional e respetiva definição. No entanto, a convenção coletiva

de trabalho não é constitucionalmente desenhada para ser funcionalizada em ordem a ser incorporada nos

contratos individuais.

Importa clarificar que o abuso da caducidade não é apenas resultado de uma prática errada: é autorizado

pela lei. Com efeito, a Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, que aprovou o Código do Trabalho de 2009,

corresponde a um retrocesso nos direitos laborais. As alterações introduzidas pela Lei n.º 23/2012, de 25 de

junho, agudizaram violentamente esse processo. Um dos principais alvos deste ataque a direitos

fundamentais, consagrados na Constituição da República Portuguesa, foi justamente o direito à contratação

coletiva, plasmado no artigo 56.º. As alterações feitas em 2019 e em 2023 não acabaram com a caducidade

unilateral. As últimas alterações no âmbito da designada «Agenda do Trabalho Digno» mitigaram a caducidade

através do alargamento de mecanismos arbitrais para apreciar os fundamentos da caducidade ou para

substituir, por via não negocial, uma convenção por um novo instrumento de regulamentação coletiva, com o

objetivo de evitar vazios.

O legislador português colocou também em causa o tratamento mais favorável ao trabalhador, que se

assume como um princípio essencial com vista a assegurar um maior equilíbrio no quadro das relações

laborais. Com o Código do Trabalho de 2003, exceto no caso das normas imperativas, passou a vigorar a

regra de que os preceitos legais poderiam ser afastados por instrumentos de regulamentação coletiva quer em

sentido mais favorável, quer em sentido menos favorável ao trabalhador. O artigo 3.º da Lei n.º 7/2009, de 12

de fevereiro, não recuperou o princípio do tratamento mais favorável, limitando-se a indicar, expressamente,

um elenco de normas laborais semi-imperativas, conforme já acontecia, em relação a algumas delas, no

código de 2003. Assim sendo, a necessidade de recuperar integralmente o princípio do tratamento mais

favorável mantém-se.

O atual Governo PSD/CDS-PP pretende aprofundar a flexibilização das relações laborais e aprofundar

desigualdades. Resulta do Programa do Governo a intenção de «alargar as matérias de intervenção da

negociação coletiva sem especiais condicionalismos, designadamente, matérias como a relação jurídica e

tipologia do emprego, mecanismos de mobilidade, períodos experimentais, tempo de trabalho e aspetos

relativos à extinção dos vínculos». Ou seja, permitir que matérias que estão hoje protegidas, enquanto normas

imperativas, passem a estar sujeitas à negociação coletiva e a permitir que os trabalhadores se encontrem –

mais uma vez – à mercê das entidades empregadoras.

O Bloco de Esquerda tem defendido e proposto que é urgente reequilibrar a legislação laboral. Uma das

dimensões desse reequilíbrio é a reposição do princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador e a

eliminação da caducidade unilateral.

Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, as Deputadas e os Deputados do Grupo

Parlamentar do Bloco de Esquerda apresentam o seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei reforça a negociação coletiva, repõe o princípio do tratamento mais favorável do trabalhador

e revoga o regime da caducidade da contratação coletiva, alterando, para o efeito, o Código do Trabalho,

aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, na sua redação atual.

Artigo 2.º

Alteração ao Código do Trabalho

Os artigos 3.º, 139.º, 476.º, 478.º, 482.º, 486.º, 492.º, 499.º, 500.º e 502.º, do Código do Trabalho, aprovado

pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, passam a ter a seguinte redação:

«Artigo 3.º

Relações entre fontes de regulação

As fontes de direito superiores prevalecem sobre fontes inferiores, salvo na parte em que estas, sem

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II SÉRIE-A — NÚMERO 133

22

oposição daquelas, estabeleçam tratamento mais favorável para o trabalhador.

Artigo 139.º

Regime do termo resolutivo

O regime do contrato de trabalho a termo resolutivo, constante da presente subsecção, pode ser afastado

por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho de sentido mais favorável ao trabalhador.

Artigo 476.º

Princípio do tratamento mais favorável

1 – Os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho não podem implicar para o trabalhador

tratamento menos favorável do que o estipulado por lei.

2 – As condições de trabalho fixadas por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho só podem ser

substituídas por nova convenção coletiva de trabalho ou decisão arbitral com caráter globalmente mais

favorável reconhecido pelos seus subscritores.

3 – As disposições dos instrumentos de regulamentação coletiva só podem ser afastadas por contrato de

trabalho quando este estabeleça condições mais favoráveis para o trabalhador.

Artigo 478.º

Limites do conteúdo de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho

1 – Os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho não podem:

a) Limitar o exercício dos direitos fundamentais constitucionalmente garantidos;

b) Contrariar as normas imperativas;

c) Incluir qualquer disposição que importe para os trabalhadores tratamento menos favorável do que o

estabelecido por lei;

d) Estabelecer regulamentação das atividades económicas, nomeadamente no tocante aos períodos de

funcionamento das empresas, ao regime fiscal e à formação dos preços e exercício da atividade de empresas

de trabalho temporário, incluindo o contrato de utilização;

e) Conferir eficácia retroativa a qualquer das suas cláusulas, salvo tratando-se de cláusulas de natureza

pecuniária de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho negocial.

2 – […]

Artigo 482.º

Concorrência entre instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho negociais

1 – […]

a) Sendo um dos instrumentos concorrentes um acordo coletivo ou um acordo de empresa será esse o

aplicável;

b) Em todos os casos não contemplados na alínea a), prevalecerá o instrumento que for considerado, no

seu conjunto, mais favorável pelo sindicato representativo do maior número dos trabalhadores em relação aos

quais se verifica a concorrência desses instrumentos.

2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, o sindicato competente deverá comunicar por escrito

à entidade patronal interessada e ao serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área

laboral, no prazo de trinta dias a contar da entrada em vigor do último dos instrumentos concorrentes, qual o

que considera mais favorável.

3 – Caso a faculdade prevista no número anterior não seja exercida pelo sindicato respetivo no prazo

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consignado, tal faculdade defere-se aos trabalhadores da empresa em relação aos quais se verifique

concorrência, que, no prazo de trinta dias, devem, por maioria, escolher o instrumento mais favorável.

4 – A declaração e a deliberação previstas no n.º 2 e no n.º 3 são irrevogáveis até ao termo da vigência do

instrumento por eles adotado.

5 – Na ausência de escolha, quer pelos sindicatos quer pelos trabalhadores, será aplicável o instrumento

de publicação mais recente.

6 – No caso de os instrumentos concorrentes terem sido publicados na mesma data, aplica-se o que

regular a principal atividade da empresa.

Artigo 486.º

Proposta negocial

1 – […]

2 – […]

a) […]

b) […]

c) (Revogada.)

3 – A proposta deve ser apresentada na data da denúncia da convenção em vigor, sob pena de ser

considerada inválida.

4 – Das propostas, bem como da documentação que deve acompanhá-las, nomeadamente a

fundamentação económica, são enviadas cópias ao ministério responsável pela área laboral.

Artigo 492.º

[…]

1 – […]

a) […]

b) […]

c) […]

d) […]

e) […]

f) […]

g) […]

h) […]

2 – […]

a) […]

b) […]

c) […]

d) […]

e) […]

f) […]

g) […]

h) (Revogada.)

3 – […]

4 – […]

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II SÉRIE-A — NÚMERO 133

24

Artigo 499.º

[…]

1 – […]

2 – […]

3 – A convenção coletiva mantém-se em vigor enquanto não for substituída por outro instrumento de

regulamentação coletiva de trabalho.

Artigo 500.º

[…]

1 – […]

2 – […]

3 – As convenções coletivas não podem ser denunciadas antes de decorridos dez meses após a data da

sua entrada em vigor.

4 – (Anterior n.º 3.)

5 – Não se considera denúncia a mera proposta de revisão de convenção.

Artigo 502.º

[…]

1 – […]

a) […]

b) Substituição por outra convenção coletiva.

2 – Aplicam-se à revogação as regras referentes ao depósito e à publicação de convenção coletiva.

3 – A revogação não prejudica os direitos decorrentes da convenção, salvo se as partes acordarem

expressamente em sentido contrário.

4 – O serviço competente do ministério responsável pela área laboral procede à publicação no Boletim do

Trabalho e Emprego de aviso sobre a data da cessação da vigência de convenção coletiva.»

Artigo 3.º

Norma revogatória

1 – São revogados os artigos 497.º e 501.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de

fevereiro.

2 – É revogada a alínea c) do n.º 2 do artigo 486.º e a alínea h) do n.º 2 do artigo 492.º do Código do

Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro.

Artigo 4.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor 30 dias após a sua publicação.

Assembleia da República, 22 de novembro de 2024.

As Deputadas e os Deputados do BE: José Moura Soeiro — Joana Mortágua — Mariana Mortágua —

Fabian Figueiredo — Marisa Matias.

———

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PROJETO DE LEI N.º 356/XVI/1.ª

APLICA A TAXA REDUZIDA DO IVA À UTILIZAÇÃO DE MÉTODOS ALTERNATIVOS AO USO DE

ANIMAIS EM CONTEXTO DE INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA, ALTERANDO O CÓDIGO DO IVA

Exposição de motivos

A utilização de animais na investigação científica tem sido amplamente praticada ao longo de décadas,

sendo vista como um método tradicional para o avanço da ciência biomédica, veterinária e farmacêutica. No

entanto, este modelo de investigação tem sido cada vez mais questionado por motivos éticos, científicos e

sociais. Por um lado, o sofrimento causado aos animais em laboratório é uma preocupação crescente entre a

sociedade civil. Por outro, a eficácia e o retorno dos resultados obtidos através da experimentação animal têm

sido progressivamente postos em causa, com estudos a demonstrar que muitos dos resultados obtidos em

animais nem sempre são replicáveis em humanos.

No dia 8 de maio de 2015, um grupo de cientistas, veterinários, eticistas e legisladores reuniram-se em

Lisboa, para avaliar os custos e benefícios da experimentação animal. Com base na revisão da evidência

científica disponível fizeram a seguinte declaração:

«A experimentação animal tem sido um método tradicional de investigação biomédica, porém, tem-se

tornado claro que o retorno deste investimento tem vindo progressivamente a diminuir. Assumindo que este

tipo de investigação irá continuar, é a nossa recomendação que o mesmo seja realizado sob um escrutínio

mais realista e baseado na evidência científica. Só assim é possível garantir uma avaliação dos custos e

benefícios dos protocolos propostos. Essa avaliação deverá ser feita por certas instituições, comités de ética

independentes, entidades financiadoras e autoridades legais, coletivamente denominados por “As Partes

Interessadas”. Os animais utilizados para as experiências deverão ser filmados permanentemente e as Partes

Interessadas devem ter acesso livre às filmagens sempre que o desejarem, para garantir que os protocolos

autorizados e financiados estão a ser escrupulosamente seguidos, maximizando assim não só o bem-estar

animal, mas também o retorno do investimento feito pela sociedade neste tipo de investigação»1.

Em 2017, a União Europeia usou mais de nove milhões de animais em laboratório, usados «em

investigações científicas, médicas e veterinárias». Na sua maioria, ratos (92 %), peixes e pássaros, mas

também, embora numa percentagem muito pequena (0,25 %) cães, gatos e macacos.

No mesmo ano, os laboratórios portugueses usaram 40 998 animais, num total de 52 983 procedimentos

para investigação, testes, educação e produção em série, correspondendo a 0,4 % dos números da UE. Estes

são os dados estatísticos revelados pela UE sobre experimentação animal no que se refere ser o «relatório

mais transparente» de sempre, divulgado pela Comissão Europeia.

Foram igualmente contabilizados, para o respetivo ano, os animais que foram criados para experiências

laboratoriais, mas que não chegaram a sofrer qualquer intervenção, acabando depois por ser mortos. Com

esta contabilização o número de animais ascendeu a 12 597 816 em toda a UE.2

A associação ANIMAL refere-nos, a propósito da coligação europeia para o fim da experimentação animal,

que «nesta indústria, um animal morre a cada 3 segundos, num laboratório europeu; a cada 2 segundos, num

laboratório japonês; a cada segundo, num laboratório norte-americano. Só no Reino Unido, quase 3 milhões

de animais são mortos anualmente em laboratórios. Em Portugal, o uso de animais em experiências é, na

verdade, uma realidade por controlar»3.

A sociedade civil, aliada a investigadores e academia, bem como a associações nacionais e internacionais

ligadas à ética e à defesa dos direitos dos animais, tem vindo a debater-se por metodologias de investigação e

ensino mais responsáveis pelo bem-estar dos animais e pela possibilidade da sua substituição por modelos

1 A Declaração de Lisboa foi iniciada e escrita pelo Dr. Philip Low, editada pelo Dr. Andrew Knight, Dr. João Barroso e Dr. Philip Low e foi ratificada na II Conferência Internacional de Alternativas à Experimentação Animal em Lisboa, Portugal, no dia 8 de Maio de 2015 2 Num ano, UE usou mais de nove milhões de animais em laboratório – foram 41 mil em Portugal – Investigação científica – Público (publico.pt) 3 Experimentação animal – Em defesa dos direitos de todos os animais

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II SÉRIE-A — NÚMERO 133

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alternativos, em muitas áreas da ciência.

Desde 1986, a UE passou a ter legislação específica sobre o uso de animais para fins científicos. Em 22 de

setembro de 2010, foi adotada a Diretiva 2010/63/UE, que atualizou e substituiu a Diretiva 86/609/CEE,

relativa à proteção destes animais. Com entrada em vigor a 1 de janeiro de 2013, a Diretiva veio reforçar a

legislação e a garantia de melhoria do bem-estar dos animais que ainda são utilizados, ancorando firmemente

no princípio dos três rr no uso de animais para fins científicos – substituir, reduzir e refinar.

De acordo com esta diretiva, a Comissão Europeia e os Estados-Membros têm por obrigação contribuir

para o desenvolvimento e validação de abordagens alternativas ao uso de animais para fins científicos,

tomando as medidas necessárias para incentivar a pesquisa nesta área ao nível de cada país. Devem os

países-membros proporcionar a transparência de informação e proceder à divulgação objetiva da investigação

nesta área, bem como das alternativas existentes.

Atualmente, existem modelos inovadores de ensino (manequins, simuladores, organóides) que potenciam a

substituição ou diminuição em larga escala do recurso a animais e garantem as necessidades de formação e

atualização dos docentes e alunos. O investimento no desenvolvimento e implementação destas novas

tecnologias e metodologias resultará numa mudança de paradigma em relação à utilização de animais e à

formação de uma nova geração de investigadores mais conscientes e responsáveis em relação à forma como

utilizamos a vida dos animais nas ciências biomédicas.

A sociedade, aliada à academia e à investigação científica, tem vindo a exigir uma mudança para modelos

de investigação mais éticos e eficazes, que substituam ou reduzam significativamente o uso de animais.

Existem já várias alternativas inovadoras, como manequins, simuladores e organóides, que têm potencial para

substituir a experimentação animal em muitas áreas da ciência.

Neste contexto, a redução da taxa de IVA para 6 % na utilização de métodos alternativos ao uso de

animais surge como uma medida estratégica e necessária para incentivar a transição para práticas de

investigação mais éticas e sustentáveis.

Para o PAN esta medida não só promoveria o desenvolvimento e a implementação dessas novas

tecnologias, como também encorajaria as universidades e centros de investigação a adotar metodologias que

respeitem o bem-estar animal, em linha com a Diretiva 2010/63/UE, que visa reduzir, refinar e substituir o uso

de animais para fins científicos. É fundamental que Portugal se posicione na vanguarda dessa mudança,

investindo no futuro da investigação científica e assegurando que a ciência, o progresso e o bem-estar animal

caminhem lado a lado.

Pelo exposto, e ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, a abaixo assinada

Deputada do Pessoas-Animais-Natureza apresenta o seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei determina a aplicação de taxa de IVA de 6 % à utilização de métodos alternativos ao uso de

animais em contexto de investigação científica, procedendo para o efeito à alteração ao Código do Imposto

sobre o Valor Acrescentado, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 394-B/84, de 26 de dezembro.

Artigo 2.º

Alteração ao Código do IVA

É aditada a verba 2.42 à Lista I anexa ao Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, aprovado em

anexo ao Decreto-Lei n.º 394-B/84, de 26 de dezembro, com a seguinte redação:

«2.42 – Utilização de métodos alternativos ao uso de animais em contexto de investigação científica.»

Artigo 3.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor com a entrada em vigor do Orçamento do Estado subsequente à sua

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27

publicação.

Palácio de São Bento, 21 de novembro de 2024.

A Deputada do PAN, Inês de Sousa Real.

———

PROJETO DE LEI N.º 357/XVI/1.ª

PREVÊ A POSSIBILIDADE DE UMA FAMÍLIA CANDIDATA A ACOLHIMENTO FAMILIAR SER

CANDIDATA A ADOÇÃO EM RESPEITO PELO SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA

Exposição de motivos

Em Portugal, o acolhimento familiar foi inicialmente regulado em 1979, através do Decreto-Lei n.º 288/79,

de 13 de agosto, que deu enquadramento legal a uma prática já realizada pelos serviços de ação social do

Estado e instituições privadas de solidariedade social. O objetivo era permitir a colocação temporária de

crianças cujas famílias não tinham condições de cumprir as suas responsabilidades junto de famílias

consideradas idóneas, que asseguravam a segurança, o afeto e o respeito pela criança. O acolhimento familiar

era, então, visto como uma medida de política social, conforme refere o Conselho Superior de Magistratura.

Em 1992, o Decreto-Lei n.º 190/92, de 3 de setembro, revogou o regime anterior e definiu o acolhimento

familiar como uma prestação de ação social temporária, realizada por famílias habilitadas, destinada a

crianças e jovens cujas famílias naturais não estavam em condições de exercer a função socioeducativa. Este

diploma também restringia a família natural aos parentes de 1.º grau na linha reta e 2.º grau na linha colateral.

Posteriormente, em 1999, a Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP), Lei n.º 147/99, de 1

de setembro, reformulou o enquadramento do acolhimento familiar, integrando-o nas medidas de promoção e

proteção e diferenciando-o das medidas de colocação, como o acolhimento residencial e a confiança para

adoção. Segundo o artigo 46.º da LPCJP, o acolhimento familiar foi definido como a colocação de uma criança

ou jovem com uma pessoa ou família idónea, visando a sua integração num ambiente familiar e o

fornecimento de cuidados adequados ao seu desenvolvimento integral.

O Decreto-Lei n.º 190/92 foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 11/2008, de 17 de janeiro, que estabeleceu o

regime de execução do acolhimento familiar previsto na LPCJP. A partir desse momento, o acolhimento

familiar passou a ser exclusivamente uma medida de promoção e proteção, ao contrário do que ocorria

anteriormente, quando ainda era considerado uma prestação de caráter social. O novo diploma definiu que o

acolhimento deveria ter como objetivo o retorno da criança à família natural ou, se isso não fosse possível, a

preparação para a autonomia de vida.

O artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 11/2008 estipulou que a confiança da criança só poderia ser atribuída a uma

pessoa ou família sem qualquer vínculo de parentesco com a criança ou jovem, e que os candidatos à adoção

não poderiam ser considerados para o acolhimento familiar. No preâmbulo deste diploma, justificou-se essa

restrição pelo facto de que, segundo os princípios da Lei n.º 147/99, o apoio à família natural, incluindo outros

familiares, é preferencial em relação às medidas de colocação.

Em 2015, a LPCJP foi alterada pela Lei n.º 142/2015, de 8 de setembro, reafirmando que o acolhimento

familiar deveria proporcionar a integração em meio familiar e os cuidados necessários ao desenvolvimento da

criança ou jovem, sendo preferencialmente aplicado quando houvesse previsão de reintegração familiar ou, se

não fosse possível, para preparar o jovem para a autonomia. Além disso, foi estabelecido que o acolhimento

familiar seria a medida preferencial para crianças até aos seis anos, salvo em situações excecionais em que o

acolhimento residencial fosse considerado mais adequado.

O Decreto-Lei n.º 11/2008 foi parcialmente revogado pelo Decreto-Lei n.º 139/2019, de 3 de abril, que

introduziu um novo regime de execução do acolhimento familiar, com o objetivo de promover os direitos e a

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28

proteção das crianças e jovens em perigo. Este regime foi resultado do trabalho de um grupo que incluiu o

Instituto da Segurança Social, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e a Casa Pia de Lisboa. O artigo 2.º

deste diploma reafirmou que o objetivo principal do acolhimento familiar é a reintegração da criança na sua

família de origem, ou, quando isso não seja possível, a sua inserção num meio natural de vida com um familiar

ou uma pessoa considerada idónea, capaz de estabelecer uma relação afetiva com a criança.

Face ao último relatório de caracterização anual da situação de acolhimento das crianças e jovens

(relatório CASA) relativo ao ano de 2022, das 6347 crianças que se encontravam em situação de acolhimento,

apenas 3,6 % destas estavam integradas em famílias de acolhimento, sendo que 58 % estavam num lar de

infância e juventude e 27 % num centro de acolhimento temporário.

O PAN pretende, com a presente iniciativa, retirar a limitação prevista na lei que impede uma família

candidata a acolhimento familiar de ser também candidata a adoção. Isto porque, ainda que se entenda que o

ratio para essa limitação se prenda com a ideia de que essa restrição previne que o acolhimento familiar seja

utilizado como uma forma de contornar as regras da adoção, sempre se entenderá que a existência de laços

sólidos entre a criança e a família e a possibilidade de estabelecerem um vínculo definitivo através da adoção

respeitarão o superior interesse da criança, uma vez que tem de ser esse princípio salvaguardado pela lei.

Ainda que o acolhimento familiar mantenha a sua natureza transitória e a reintegração familiar da criança

continue a ser o seu objetivo primário, em situações em que isso se mostre inviável, a possibilidade de adoção

pela família de acolhimento surge como um caminho natural e benéfico. Especialmente nos casos em que se

desenvolvam laços afetivos profundos e estruturantes, esta medida pode evitar o impacto emocional negativo

associado à transferência sucessiva da criança para diferentes contextos familiares. Por conseguinte, a

presente iniciativa procura conciliar a transitoriedade do acolhimento com a estabilidade e o bem-estar da

criança, assegurando sempre que o seu superior interesse seja a prioridade absoluta.

Por fim, e tal como refere o Conselho Superior do Ministério Público, importa compatibilizar esta solução

com o segredo da identidade do adotante, previsto no artigo 1985.º do Código Civil, uma vez que é dever da

família de acolhimento facilitar e promover as condições para o fortalecimento das relações da criança ou

jovem com a família de origem, de acordo com o estabelecido no acordo de promoção e proteção ou na

decisão judicial.

Pelo exposto, e ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, a Deputada do Partido

Pessoas-Animais-Natureza apresenta o seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei procede à alteração:

a) Ao Código Civil, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 47 344, de 25 de novembro de 1966;

b) Ao regime de execução do acolhimento familiar, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 139/2019, de 16 de

setembro; e

c) À Portaria n.º 278-A/2020, de 4 de dezembro, que define os termos, condições e procedimentos do

processo de candidatura, seleção, formação e avaliação das famílias de acolhimento, bem como o respetivo

reconhecimento.

Artigo 2.º

Alteração ao Código Civil

É alterado o artigo 1985.º do Código Civil, que passa a ter a seguinte redação:

«Artigo 1985.º

[…]

1 – […]

2 – […]

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29

3 – Entende-se que não se opõem à revelação expressa no n.º 1 do presente artigo, a família de

acolhimento que se candidate à adoção.»

Artigo 3.º

Alteração ao regime de execução do acolhimento familiar

São alterados os artigos 12.º e 14.º do Decreto-Lei n.º 139/2019, de 16 de setembro, que estabelece o

regime de execução do acolhimento familiar, medida de promoção dos direitos e de proteção das crianças e

jovens em perigo, que passam a ter a seguinte redação:

«Artigo 12.º

[…]

1 – […]

a) […]

b) […]

c) […]

2 – […]

3 – (Revogado.)

Artigo 14.º

[…]

1 – […]

a) […]

b) (Revogado.)

c) […]

d) […]

e) […]

f) […]

g) […]

2 – […]»

Artigo 4.º

Alteração à Portaria n.º 278-A/2020, de 4 de dezembro

É alterado o artigo 2.º da Portaria n.º 278-A/2020, de 4 de dezembro, que define os termos, condições e

procedimentos do processo de candidatura, seleção, formação e avaliação das famílias de acolhimento, bem

como o respetivo reconhecimento, que passará a ter a seguinte redação:

«Artigo 2.º

[…]

1 – […]

2 – […]

3 – […]

a) […]

b) […]

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c) […]

d) […]

e) […]

f) […]

g) (Revogado.)

h) […]

4 – […]

5 – […]

6 – […]»

Artigo 5.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor com o Orçamento do Estado subsequente à data da sua aprovação.

Palácio de São Bento, 22 de novembro de 2024.

A Deputada do PAN, Inês de Sousa Real.

———

PROJETO DE LEI N.º 358/XVI/1.ª

ALTERA O REGIME JURÍDICO DO DECRETO-LEI N.º 139/2019, DE FORMA A INCLUIR E PRIORIZAR

NOS PROCESSOS DE ADOÇÃO AS FAMÍLIAS DE ACOLHIMENTO

Exposição de motivos

Conforme dispõe a Lei n.º 142/2015, de 8 de setembro, uma das medidas de proteção de crianças e

menores, com vista à realização do interesse superior da criança, é o acolhimento familiar. Este consiste na

entrega de uma criança a uma pessoa singular ou a uma família selecionada para o efeito, proporcionando-lhe

ambiente familiar, a prestação de cuidados necessários ao seu bem-estar físico e emocional, assegurando a

sua educação e o seu normal desenvolvimento com vista à sua reintegração na família de origem ou no caso

de não ser possível, com intuito de preparar a criança ou jovem para uma vida autónoma ou com vista à sua

adoção (artigo 46.º LPCJP).

É exatamente neste aspeto, no âmbito do processo de adoção no meio da família de acolhimento, que

surge a presente proposta, pois de acordo com o regime que prevê o processo de adoção (Lei n.º 143/2015,

de 8 de setembro) e conforme dispõe o Decreto-Lei n.º 139/2019, de 16 de setembro, regime de execução do

acolhimento familiar, enquanto medida de promoção dos direitos e de proteção de crianças e jovens em perigo

, estas famílias não podem ser candidatas à adoção, o que parece ser contrário à prossecução do interesse

superior da criança ou jovem.

Os sistemas de acolhimento de crianças estruturam-se normalmente tendo por base o acolhimento

residencial, que se traduz na colocação da criança ou jovem aos cuidados de uma entidade que disponha de

instalações, equipamento de acolhimento e recursos humanos permanentes; e no acolhimento familiar, ou

foster family care, que consiste na atribuição da confiança da criança ou do jovem a uma pessoa singular ou a

uma família, habilitada para o efeito, proporcionando a sua integração em meio família.

Quando essa colocação ocorre junto de acolhedores com os quais a criança partilha laços de parentesco

ou sob a guarda de uma pessoa que, não pertencendo à sua família, com eles tenha estabelecido uma relação

de afetividade recíproca, denomina-se Kinship Care, ou colocação na família alargada, que a lei portuguesa

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define como Apoio junto de outro familiar, no primeiro caso, e Confiança à pessoa idónea, no segundo caso.

Portugal contraria a tendência de priorizar a colocação familiar, uma vez que apresenta uma das mais altas

taxas de colocação de crianças em acolhimento residencial, no contexto europeu (Ainsworth; June, 2014; Del

Valle; Bravo, 2013). Os últimos dados disponíveis revelam uma colocação de crianças em acolhimento familiar

de cerca de 3 % (Instituto da Segurança Social, 2018). Em 2017, das 7553 crianças acolhidas em Portugal,

apenas 246 se encontravam em famílias de acolhimento. Além disso, deve-se notar que apenas 18 das 885

crianças acolhidas com menos de 6 anos de idade estavam em acolhimento familiar, representando apenas

2 % dessa faixa etária (Instituto da Segurança Social, 2018).

Nos últimos dez anos, de 2008 a 2017, apesar de uma redução de quase 25 % no número total de crianças

acolhidas, de 9956 para 7553, a institucionalização aumentou em termos relativos, uma vez que passou de

91 % para 97 %, quando comparada com o acolhimento familiar, que passou de 9 % para 3 % (Instituto da

Segurança Social, 2018). Essa realidade contraria, inclusive, a evolução verificada nos países onde o

acolhimento residencial permanece maioritário, como a Bélgica, a Alemanha ou Israel, onde se assistiu a um

crescimento relativo do acolhimento familiar (Ainsworth; June, 2014). Em Espanha, com quem Portugal

partilha, para além da fronteira, uma cultura, religião e estrutura social semelhante, os últimos dados oficiais

relativos a crianças acolhidas são os seguintes: 40,2 % em cuidados residenciais, 38,1 % em cuidados de

parentesco e 21,7 % em cuidados de não parentesco (Ministerio de Sanidad, Serviços Sociais e Igualdad,

2017).

Portugal apresenta-se como uma sociedade moderna e aberta, com políticas sociais avançadas em muitos

domínios, apresenta uma estrutura social assente na família e nos cuidados de proximidade entre as relações

de parentesco e familiares, não se entendendo a restrição que o atual regime faz ao excluir dos processos de

adoção das crianças e menores em risco, as famílias de acolhimento, as quais deveriam ser priorizadas nas

vagas existentes para adoção, face aos casos de sucesso de integração destes menores, no âmbito da

medida de proteção de acolhimento familiar.

Pelo exposto, e ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados do Grupo

Parlamentar do Chega apresentam o seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei visa incluir e priorizar nos processos de adoção de crianças e menores as famílias de

acolhimento, alterando o previsto no regime jurídico do Decreto-Lei n.º 139/2019, de 16 de setembro, alterado

pela Lei n.º 13/2023, de 3 de abril.

Artigo 2.º

Alterações ao Decreto-Lei n.º 139/2019, de 16 de setembro

São alterados os artigos 12.º, 13.º e 14.º da Lei n.º 139/2019, de 16 de setembro, e posteriores alterações,

os quais passam a ter a seguinte redação:

«Artigo 12.º

[…]

1 – […]

2 – […]

3 – (Revogado.)

Artigo 13.º

[…]

1 – […]

2 – […]

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32

3 – A família de acolhimento pode, a título excecional, acolher um número superior de crianças e jovens em

simultâneo, nomeadamente nas situações de fratrias ou outros graus de parentesco,apadrinhamento civil,

ou outras em que já existam relações de afeto que o justifiquem.

Artigo 14.º

[…]

1 – […]

a) […]

b) (Revogado.)

c) […]

d) […]

e) […]

f) […]

g) […]

2 – […]»

Artigo 4.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

Palácio de São Bento, 22 de novembro de 2024.

Os Deputados do CH: Pedro Pinto — Cristina Rodrigues — Vanessa Barata — Madalena Cordeiro —

Manuel Magno.

———

PROJETO DE LEI N.º 359/XVI/1.ª

INTENSIFICA A PROTEÇÃO DOS ANIMAIS DE COMPANHIA, ALTERANDO O DECRETO-LEI

N.º 276/2001, DE 17 DE OUTUBRO, O CÓDIGO PENAL E O DECRETO-LEI N.º 314/2003, DE 17 DE

DEZEMBRO

Exposição de motivos

O tema da proteção de animais de companhia tem vindo a evoluir, tanto no âmbito legislativo como na

forma como a sociedade se comporta em relação a estes seres. Apesar dos progressos evidentes, os maus-

tratos persistem, assumindo diversas formas, seja por atos deliberados ou pela negligência e falta de cuidados

básicos.

Em Portugal, a Lei n.º 8/2017, de 3 de março, veio reforçar a proteção jurídica conferida aos animais,

reconhecendo-os como seres vivos dotados de sensibilidade, nos termos do artigo 201.º-B do Código Civil.

Por sua vez, o crime de maus-tratos a animais de companhia encontra-se previsto no artigo 387.º do Código

Penal, sendo de frisar o n.º 3, que determina que: «quem, sem motivo legítimo, infligir dor, sofrimento ou

quaisquer maus-tratos físicos a um animal de companhia é punido com pena de prisão de 6 meses a 1 ano ou

com pena de multa de 60 a 120 dias». Caso os maus-tratos resultem na morte do animal, e não exista uma

justificação válida, a pena aumenta, podendo variar entre 6 meses e 2 anos de prisão, ou com pena de multa

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22 DE NOVEMBRO DE 2024

33

de 60 a 240 dias, salvo se pena mais grave. Ademais, a Lei n.º 92/95, de 12 de setembro, reforça a proteção

dos animais, proibindo todas as violências injustificadas contra animais, considerando como tal os

comportamentos que, sem necessidade, causem a morte, sofrimento cruel e prolongado, ou provoquem

lesões graves a um animal.

A condição natural dos animais torna-os especialmente suscetíveis a situações de risco, tanto por

agressões físicas como por omissões, que muitas vezes implicam a violação de um dever jurídico de proteção.

Devido às características inerentes à sua espécie, os animais não são autossuficientes, necessitando de

cuidados essenciais, como assistência médico-veterinária, alimentação, acesso à água potável e proteção

contra condições climáticas adversas, seja em casos de temperaturas extremas ou intempéries.

Ora, apesar de este tema já ter sido amplamente debatido em diversas instâncias judiciais, merece

destaque o Acórdão n.º 867/2021, de 10 de novembro de 2021, do Tribunal Constitucional, que inicialmente

questionou a aplicação da norma prevista no artigo 387.º do Código Penal, alegando a sua eventual

inconstitucionalidade por violação dos artigos 27.º e 18.º, n.º 2, da Constituição, no entanto, tal questão foi

subsequentemente esclarecida. Após um pedido de fiscalização abstrata sucessiva formulado pelo Ministério

Público, o tema foi analisado em plenário do Tribunal Constitucional, a 23 de janeiro de 2024. Neste contexto,

foi decidido não declarar a inconstitucionalidade da norma, reafirmando a criminalização dos maus-tratos e do

abandono de animais de companhia. A maioria dos juízes votou em sentido favorável, uns que consideraram

proteção através do artigo 1.º, enquanto os restantes do artigo 66.º da Constituição da República Portuguesa.

Perante este entendimento, conclui-se positivamente pela legitimidade e pela necessidade de uma resposta

jurídica firme face a estas condutas ilícitas.

Sucede que, embora existam normas e esforços para prevenir os maus-tratos e o abandono animal, estas

práticas continuam a ser recorrentes. Assim, torna-se imprescindível uma resposta eficaz para prevenir tais

situações, colmatando as lacunas existentes e fortalecendo de forma robusta as disposições legais destinadas

à proteção dos animais.

Portanto, não podemos concordar com a maioria das penas que têm vindo a ser aplicadas, que

permanecem desalinhadas com a evolução da proteção dos animais de companhia. Estas penas que, na sua

maioria, resultam em multas desproporcionais ao sofrimento físico e mental infligido, frequentemente sem

qualquer motivo legítimo e marcadas por extrema crueldade, covardia e perversidade. Torna-se, assim,

imprescindível promover não apenas o reforço das disposições legais, mas também a revisão da Constituição

da República Portuguesa, integrando princípios que consolidem os fundamentos mencionados em sede

judicial, assegurando uma aplicação inequívoca da justiça.

Pelo exposto, urge uma revisão da tutela dos animais de companhia, intensificando a sua proteção. O

presente projeto de lei pretende alterar o Decreto-Lei n.º 276/2001, de 17 de outubro, que prevê como

contraordenação grave tais práticas ilícitas, mas cujas coimas associadas são insuficientes face às práticas,

pelo que se propõe, por isso, o seu aumento para o dobro. Importa igualmente destacar e enquadrar de forma

firme o papel crucial dos médicos veterinários municipais no controlo da população animal e na promoção do

bem-estar dos animais, bem como no combate ao abandono e aos maus-tratos, pelo que a presença de um

profissional em cada município, assegura uma resposta mais eficiente a estas problemáticas.

Adicionalmente, acrescenta-se e sublinha-se a necessidade de aplicar molduras penais adequadas

conforme a gravidade dos crimes, pelo que é de rever a punição criminal, aumentando o quadro das molduras

penais previstas no Código Penal dos crimes de maus-tratos e abandono, à semelhança do alcançado por

outros Estados-Membros da União Europeia.

Por fim, mas não menos importante, sendo todos os mecanismos importantes, é crucial rever o Decreto-Lei

n.º 314/2023, de 17 de dezembro, que aprovou o Programa Nacional da Luta e Vigilância Epidemiológica da

Raiva, com o objetivo de reforçar a sua eficácia na proteção e bem-estar animal.

Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados do Grupo Parlamentar do Chega

apresentam o seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º

Objeto

O presente diploma procede à décima primeira alteração do Decreto-Lei n.º 276/2001, de 17 de outubro, e

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à sexagésima quarta alteração do Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de março, e à

quarta alteração do Decreto-Lei n.º 314/2003, de 17 de dezembro, reforçando a proteção dos animais de

companhia.

Artigo 2.º

Alteração do Decreto-Lei n.º 276/2001, de 17 de outubro

São alterados os artigos 21.º, 68.º e 69.º do Decreto-Lei n.º 276/2001, de 17 de outubro, e posteriores

alterações, os quais passam a ter a seguinte redação:

«Artigo 21.º

[…]

As câmaras municipais devem, sempre que necessário e sob a responsabilidade do médico veterinário

municipal, ou através da celebração de protocolos com centros de atendimento médico veterinários

privados ou com a Ordem dos Médicos Veterinários, incentivar e promover o controlo da reprodução de

animais, nomeadamente de cães e gatos vadios ou errantes, o qual deve ser efetuado por métodos

contracetivos preferencialmentecirúrgicos, que causam o mínimo sofrimento aos animais.

Artigo 68.º

[…]

1 – […]

2 – Constitui contraordenação económica muito grave, punível nos termos do RJCE, sendo elevadas para

o dobro as coimas lá previstas:

a) […]

b) […]

c) […]

d) […]

e) […]

f) […]

g) […]

h) […]

3 – […]

4 – (Revogado.)

5 – (Revogado.)

6 – […]

Artigo 69.º

[…]

Consoante a gravidade da contraordenação e a culpa do agente, poderão ser aplicadas, simultaneamente

com a coima, as seguintes sanções acessórias:

a) […]

b) […]

c) […]

d) […]

e) […]

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f) […]

g) Privação do direito de detenção de animais de companhia pelo período máximo de 6 anos.»

Artigo 3.º

Aditamento ao Decreto-Lei n.º 276/2001, de 17 de outubro

É aditado o artigo 4.º-A ao Decreto-Lei n.º 276/2001, de 17 de outubro, e posteriores alterações, com a

seguinte redação:

«Artigo 4.º-A

Médico veterinário municipal

1 – O médico veterinário municipal é a autoridade sanitária veterinária concelhia, a nível da respetiva área

geográfica de atuação, quando no exercício das atribuições que lhe estão legalmente cometidas.

2 – É obrigação de cada município contratar pelo menos um médico veterinário municipal ou ter um

nomeado pelo Ministério da Agricultura.»

Artigo 4.º

Alteração ao Código Penal

São alterados os artigos 387.º e 388.º Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de março,

que passam a ter a seguinte redação:

«Artigo 387.º

[…]

1 – Quem, sem motivo legítimo, matar um animal de companhia é punido com pena de prisão de 9 meses

a 3 anos ou com pena de multa de 120 a 360 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra

disposição legal.

2 – […]

3 – Quem, sem motivo legítimo infligir dor, sofrimento ou quaisquer outros maus-tratos a um animal é

punido com pena e prisão de 9 meses a 2 anos com pena de multa de 120 a 360 dias.

4 – Se dos fatos previstos no número anterior resultar a morte do animal, a privação de importante órgão o

membro ou a afetação gr ave perramente da sua capacidade de locomoção, ou se o crime for praticado em

circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade, o agente é punido cm pena de prisão de

9 meses a 3 anos ou com pena de multa de 120 a 360 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de

outra disposição legal.

5 – […]

a) […]

b) […]

c) […]

Artigo 388.º

[…]

1 – Quem, tendo o dever de guardar, vigiar ou assistir animal, o abandonar, pondo desse modo em perigo

a sua alimentação e a prestação de cuidados que lhe são devidos, é punido com pena de prisão até nove

meses ou com pena de multa até 90 dias.

2 – […]»

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Artigo 5.º

Alteração ao Decreto-Lei n.º 314/2003, de 17 de dezembro

É alterado o artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 314/2003, de 17 de dezembro, e posteriores alterações, o qual

passa a ter a seguinte redação:

«Artigo 3.º

[…]

1 – […]

2 – […]

3 – […]

4 – […]

5 – Em caso de não cumprimento do disposto nos números anteriores, as câmaras municipais ou órgãos

de polícia criminal, após vistoria conjunta do delegado de saúde e do médico veterinário municipal, notificam

o detentor para retirar o ou os animais para o canil ou gatil municipal no prazo estabelecido por aquelas

entidades, caso o detentor não opte por outro destino que reúna as condições estabelecidas pelo presente

diploma, devendo, no entanto, informar aquelas entidades da nova morada em que o animal se

encontra, bem como atualizar toda a informação no Sistema de Informação de Animais de Companhia

(SIAC).

6 – No caso de criação de obstáculos ou impedimentos à remoção de animais que se encontrem em

desrespeito ao previsto no presente artigo, o presidente da câmara municipal, os órgãos de polícia criminal

ou o Presidente do ICNF, podem solicitar a emissão de mandado judicial que lhes permitam aceder ao local

onde estes se encontram e à sua remoção.»

Artigo 6.º

Aditamento ao Decreto-Lei n.º 314/2003, de 17 de dezembro

É aditado o artigo 3.º-A ao Decreto-Lei n.º 314/2003, de 17 de dezembro, e posteriores alterações com a

seguinte redação:

«Artigo 3.º-A

Ações de formação e sensibilização

De forma a garantir o êxito das ações de fiscalização, o Governo em articulação com os órgãos de polícia

criminal, com as autarquias locais e com a Ordem dos Médicos Veterinários, assegura ações de formação dos

órgãos de polícia criminal, dos médicos-veterinários municipais e dos delegados de saúde periodicamente.»

Artigo 7.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor após a publicação em Diário da República.

Palácio de São Bento, 22 de novembro de 2024.

Os Deputados do CH: Pedro Pinto — Cristina Rodrigues — Vanessa Barata — Rodrigo Alves Taxa —

Manuel Magno — Pedro dos Santos Frazão.

———

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PROJETO DE LEI N.º 360/XVI/1.ª

POSSIBILITA QUE FAMILIARES E PESSOAS CANDIDATAS À ADOÇÃO POSSAM SER FAMÍLIAS DE

ACOLHIMENTO

Exposição de motivos

A segurança, o bem-estar e a estabilidade das crianças e jovens deve ser uma prioridade do sistema de

acolhimento em Portugal e por isso a aposta nos próximos anos na desinstitucionalização e nas famílias de

acolhimento. Mas há ainda alguns obstáculos legislativos que impedem, em casos concretos, que a melhor

solução seja encontrada para cada criança ou jovem. Por isso, o Livre apresenta esta alteração legislativa

para que deixe de haver impedimento de a pessoa candidata a ser família de acolhimento ter algum grau de

parentesco com a criança a acolher ou de ser candidata à adoção.

De acordo com os dados do relatório CASA 20231, existiam 6446 crianças e jovens em situação de

acolhimento a 1 de novembro de 2023, tendo existido um aumento, face a 2022, de crianças e jovens em

apartamentos de autonomização (22 %) e em famílias de acolhimento (16 %). No entanto, apenas 11 % das

crianças até aos 6 anos estão em famílias de acolhimento e apenas 6 % de jovens a partir dos 15 anos é que

estão em apartamentos de autonomização. Aliás, segundo declarações recentes da Secretária de Estado da

Ação Social e da Inclusão, à imprensa, existem 388 famílias disponíveis para acolher uma criança e 356

crianças numa família de acolhimento a nível nacional, aqui se incluindo as Regiões Autónomas da Madeira e

dos Açores.

Com efeito, e de acordo com uma entrevista publicada no jornal Público2, Charles H. Zeanah, psiquiatra e

especialista internacional em contextos de privação parental e de acolhimento familiar, afirmou

inequivocamente que «o cuidado prestado nas famílias é melhor do que nas instituições» e que «quanto mais

cedo uma criança consegue ser acolhida numa família, melhor». O especialista diz ainda que «as crianças

aprendem com base naquilo que são as suas experiências com as pessoas que estão a cuidar delas: se as

pessoas querem saber delas, se percebem que são importantes e têm valor, e se podem contar com as

pessoas para estarem lá quando precisam. Esse é um processo de aprendizagem. Se a criança está num

ambiente onde uma pessoa é paga para cuidar dela, durante oito horas e depois ir para casa, e depois voltar,

mas tendo sempre pessoas a rodar, pessoas diferentes todos os dias, não é bom. É muito difícil uma

instituição proporcionar o tipo de envolvimento afetivo que uma família proporciona».

Ora, tendo em junho de 2023, e aquando do lançamento das Bases para a Qualificação do Sistema de

Acolhimento de Crianças e Jovens, sido avançado que, entre outras medidas, a meta é reduzir para 1200 o

número de crianças e jovens em acolhimento residencial até 20303, o que corresponderia a uma taxa de

desinstitucionalização de 80 %, é importante alargar os critérios de elegibilidade das famílias de acolhimento,

nomeadamente para remoção do impedimento de a pessoa candidata ter algum grau de parentesco com a

criança a acolher ou de ser candidata à adoção.

Assim, e ecoando o repto do próprio Instituto da Segurança Social, «as famílias de acolhimento são vistas

como um elemento de apoio ao Estado no garante da proteção das crianças e jovens em perigo, constituindo

o ato de acolher um ato de solidariedade e, sobretudo, de amor e, mais do que uma resposta social, é uma

opção, um projeto que estas famílias assumem nas suas vidas e que se manterá enquanto for sentido desta

forma», pelo que, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do

Livre apresenta o seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei procede à:

a) Alteração à lei de proteção de crianças e jovens em perigo, aprovada pela Lei n.º 147/99, de 1 de

1 Relatório CASA 2023 2 «O Parlamento pode aprovar leis que obriguem a ter menos crianças em instituições» – Entrevista – Público (publico.pt). 3 Apresentadas as Bases para a Qualificação do Sistema de Acolhimento de Crianças e Jovens – XXIII Governo – República Portuguesa.

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setembro, na sua redação atual, incorporando os termos para a eventual ajuda económica, previstos pelo

Decreto-Lei n.º 139/2019, de 16 de setembro, a atribuir a outros familiares ou a pessoa idónea;

b) Terceira alteração ao Decreto-Lei n.º 139/2019, de 16 de setembro, que estabelece o regime de

execução do acolhimento familiar, medida de promoção dos direitos e de proteção das crianças e jovens em

perigo, revogando a impossibilidade de haver grau de parentesco e candidatura à adoção para os critérios de

elegibilidade a família de acolhimento.

Artigo 2.º

Alteração à Lei n.º 147/99

Os artigos 40.º e 43.º da Lei n.º 147/99, de 1 de setembro, na sua redação atual, passam a ter a seguinte

redação:

«Artigo 40.º

[…]

A medida de apoio junto de outro familiar consiste na colocação da criança ou do jovem sob a guarda de

um familiar com quem resida ou a quem seja entregue, acompanhada de apoio de natureza psicopedagógica

e social e, quando necessário, ajuda económica, prevista no artigo 30.º do Decreto-Lei n.º 139/2019, de 16

de setembro.

Artigo 43.º

[…]

1 – […]

2 – A medida pode ser acompanhada de apoio de natureza psicopedagógica e social e, quando

necessário, de ajuda económica, prevista no artigo 30.º do Decreto-Lei n.º 139/2019, de 16 de setembro.»

Artigo 3.º

Alteração ao Decreto-Lei n.º 139/2019

Os artigos 12.º e 14.º do Decreto-Lei n.º 139/2019, de 16 de setembro, na sua redação atual, passam a ter

a seguinte redação:

«Artigo 12.º

[…]

1 – […]

2 – […]

3 – (Revogado.)

Artigo 14.º

[…]

1 – Pode candidatar-se a responsável pelo acolhimento familiar quem, além dos requisitos referidos no

artigo 12.º, reúna as seguintes condições:

a) […]

b) (Revogado.)

c) […]

d) […]

e) […]

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39

f) […]

g) […]

2 – O disposto nas alínease) a g) do número anterior aplica-se, igualmente, a quem coabite com o

responsável pelo acolhimento familiar.»

Artigo 4.º

Candidatura a família de acolhimento

O Governo altera a Portaria n.º 278-A/2020, de 4 de dezembro, que define os termos, condições e

procedimentos do processo de candidatura, seleção, formação e avaliação das famílias de acolhimento, para

possibilitar que pessoas ou famílias candidatas à adoção possam ser candidatas a família de acolhimento.

Artigo 5.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte à sua publicação.

Assembleia da República, 22 de novembro de 2024.

Os Deputados do L: Isabel Mendes Lopes — Filipa Pinto — Paulo Muacho — Rui Tavares.

———

PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 8/XVI/1.ª(*)

AUMENTO DO SALÁRIO MÍNIMO NACIONAL

A população empregada a receber o salário mínimo nacional correspondia, no final de 2023, a cerca de

20 % do total, segundo os dados disponibilizados pelo Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança

Social.

Portugal é dos 14 países da União Europeia onde a retribuição mínima ainda está abaixo dos mil euros

mensais, segundo os dados do Eurostat e continua a ser um dos países da União Europeia com maior

desigualdade salarial, quando comparamos o decil dos salários mais altos e o decil dos salários mais baixos. A

este facto está associada uma tendência preocupante: esta desigualdade não tem parado de crescer. Perante

o desequilíbrio e a estagnação da contratação coletiva, o salário mínimo vem-se transformando numa espécie

de «salário nacional» em vários setores. Na outra ponta da pirâmide, multiplicam-se os salários milionários de

gestores.

A distribuição da riqueza produzida continua a ser profundamente desigual. A parte do rendimento nacional

composta pelos salários é claramente minoritária: cerca de 46 % em 2023. Essa percentagem já foi de mais de

60 %. Aumentar o peso dos salários no PIB, equilibrando-o face ao capital, tem de ser uma prioridade.

Os dados continuam a indicar que existem cerca de 10 % de trabalhadores em risco de pobreza e não

conseguem aceder a um conjunto de bens que o trabalho deveria garantir como a habitação, aquecimento,

outros bens essenciais.

O aumento e atualização do salário mínimo nacional em linha com o custo de vida é uma decisão com

efeitos positivos, quer enquanto política de combate às desigualdades e de uma distribuição menos

desequilibrada de rendimento, quer enquanto instrumento macroeconómico, capaz de estimular a procura

interna.

O Bloco de Esquerda considera fundamental continuar a garantir que o salário mínimo nacional, por via da

sua atualização e do aumento do seu valor, possa contribuir para diminuir as desigualdades e promover a

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justiça social.

Assim, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do Bloco

de Esquerda propõe que a Assembleia da República recomende ao Governo que:

– Aumente o salário mínimo nacional para 1000 euros em 2025, de forma faseada, com aumento para 950

em 1 de janeiro de 2025 e para 1000 euros a partir de 1 de julho de 2025.

Assembleia da República, 22 de novembro de 2024.

Os Deputados do BE: José Moura Soeiro —Fabian Figueiredo — Mariana Mortágua — Joana Mortágua —

Marisa Matias.

(*) O título e o texto iniciais da iniciativa foram publicados no DAR II Série-A n.º 1 (2024.03.26) e substituídos, a pedido do autor, em

22 de novembro de 2024.

———

PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 446/XVI/1.ª

RECOMENDA A CRIAÇÃO DA CARREIRA DE MÉDICO DENTISTA NAS ENTIDADES PÚBLICAS

EMPRESARIAIS INTEGRADAS NO SERVIÇO NACIONAL DE SAÚDE

A saúde oral é uma componente essencial da saúde, com reflexos inquestionáveis na qualidade de vida e

no bem-estar da população, razão pela qual a Organização Mundial de Saúde considera que «a saúde oral é

um direito humano fundamental».

Uma saúde oral de baixo índice é, sabe-se há tempo, um franco contributo para diversas doenças

evitáveis. A maior consciencialização desta realidade, de que a saúde oral é parte integrante da saúde geral,

tem levado a que, no passado mais recente, tenha vindo a ocorrer uma valorização acrescida dos serviços

nesta área. No trajeto da implementação de respostas em saúde oral no Serviço Nacional de Saúde (SNS)

contam-se diversos momentos importantes. Destaca-se, em 2009, o início da utilização do cheque-dentista e

da referenciação para consultas de higiene oral nos centros de saúde. Mais tarde, em 2016, as experiências-

piloto nos cuidados primários com apostas faseadas em medicina dentária resultaram em mais de 85 mil

consultas e sedimentaram a decisão de, em 2018, alargar e tornar universal a cobertura nos cuidados

primários. De facto, só poderá ser alcançado um acesso equitativo a cuidados de saúde oral, designadamente

pelas populações mais vulneráveis, expandindo e melhorando a capacidade de resposta da rede dos cuidados

de saúde primários, nomeadamente através da ampliação da cobertura do SNS nesta área.

De notar que o Programa Nacional de Promoção da Saúde Oral (PNPSO) para o período 2021-2025, dá

continuidade às estratégias que têm vindo a ser implementadas, no âmbito da promoção da saúde, da

prevenção e do tratamento precoce das doenças orais.

É crucial continuar este caminho de reforço da resposta do SNS no âmbito da saúde oral, aprofundando e

consolidando a estratégia de promoção ao longo da vida e a tendência para a universalidade. De facto, a

saúde oral não se esgota nos cuidados primários e deve ser alargada a todos os níveis de cuidados,

especialmente num contexto em que o SNS passou a estar, a partir de janeiro de 2024, totalmente organizado

em unidades locais de saúde (ULS) com o estatuto de entidades públicas empresariais (EPE).

Para o efeito, é necessário dotar o SNS dos meios materiais e humanos adequados. No que respeita a

equipamentos, note-se que o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) reforça o investimento na melhoria

do acesso à saúde oral no SNS, instituindo a meta de criação de mais de uma centena (129, segundo

informação de 2023) de gabinetes de saúde oral no território nacional, a juntar aos 170 já existentes, de

acordo com os dados de 30 de abril de 2023, provenientes das administrações regionais de saúde.

Neste contexto, revela-se necessário acompanhar os investimentos já efetuados nas instalações e

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equipamentos, com a devida dotação de recursos humanos, devendo estes estar integrados em carreiras

atrativas que permitam a normal evolução profissional, para garantir a continuidade na prestação de cuidados,

no que à saúde oral diz respeito.

No relatório do Grupo de Trabalho Saúde Oral 2.0 elaborado no Ministério da Saúde em 2023,

relativamente a acesso a cuidados de saúde oral, é referido que «eram 142 médicos dentistas a prestar

cuidados de saúde oral nos cuidados de saúde primários, a 31 de dezembro de 2022, sendo que destes, 119

(84 %) eram contratados como prestadores de serviços. Os médicos dentistas com vínculo à função pública

estão inseridos na carreira geral dos técnicos superiores».

O trabalho realizado nestas condições, em regime de prestação de serviços ou com a integração dos

profissionais na carreira de técnico superior, não assegura o tratamento digno dos médicos dentistas e não

garante a sua progressão profissional e a continuidade de cuidados aos utentes. Pode-se aceitar que tenha

sido necessário, de forma transitória, no lançamento do programa. Mas, face ao percurso já realizado, é

imperioso garantir que os médicos dentistas das instituições de saúde no âmbito do SNS possam dispor de um

percurso comum de progressão profissional e de diferenciação técnico-científica, pelo que instituir uma

carreira de médico dentista nas entidades públicas empresariais integradas no SNS é o passo que se deve

seguir.

A prossecução do reforço da oferta de cuidados de saúde oral de proximidade não é dissociada da criação

da carreira de medicina dentária no SNS, concretamente nas unidades locais de saúde, EPE, e do aumento

dos seus efetivos.

Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, as Deputadas e Deputados abaixo assinados

do Grupo Parlamentar do Partido Socialista apresentam o seguinte projeto de resolução:

A Assembleia da República resolve, nos termos do disposto do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da

República Portuguesa, recomendar ao Governo que promova, no prazo máximo de 120 dias, a criação da

carreira de médico dentista nas entidades públicas empresariais integradas no Serviço Nacional de Saúde.

Palácio de São Bento, 22 de novembro de 2024.

Os Deputados do PS: Alexandra Leitão — Eurídice Pereira — Mariana Vieira da Silva —, João Paulo

Correia — Susana Correia — Elza Pais — Fátima Correia Pinto — Ana Abrunhosa — Irene Costa — Manuel

Pizarro — Jorge Botelho.

———

PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 447/XVI/1.ª

RECOMENDA AO GOVERNO O FIM DOS APOIOS PÚBLICOS A ESPETÁCULOS QUE INFLIJAM

SOFRIMENTO A ANIMAIS E AUMENTE A IDADE PARA TRABALHAR E ASSISTIR A ESSES

ESPETÁCULOS

O relatório de setembro de 2019 do Comité dos Direitos da Criança das Nações Unidas, que agrega o

grupo de peritos internacionais em proteção infantil, insta Portugal a proteger as crianças e os adolescentes da

violência perpetrada nos eventos tauromáquicos: «o Comité recomenda que o Estado Parte estabeleça a

idade mínima para participação e assistência em touradas e largadas de touros, inclusive em escolas de

toureio, em 18 anos, sem exceção, e sensibilize os funcionários do Estado, a imprensa e a população em geral

sobre efeitos negativos nas crianças, inclusive como espectadores, da violência associada às touradas e

largadas».

Já a lei que estabelece a proteção dos animais (Lei n.º 92/95, de 12 de setembro) estabelece no artigo 1.º

que «são proibidas todas as violências injustificadas contra animais, considerando-se como tais os atos

consistentes em, sem necessidade, se infligir a morte, o sofrimento cruel e prolongado ou graves lesões a um

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animal». E no artigo 3.º esclarece que é dada a exceção às touradas, o que é como uma admissão que

nesses espetáculos existe a tal violência injustificada.

A evolução da ciência, que reconhece que os animais sencientes são seres capazes de sentir prazer ou

sofrimento, e a evolução da opinião popular em relação a esse facto têm caminhado para a evolução das leis

no sentido de proteger os animais de sofrimento. Assim, consideramos que o apoio institucional ou logístico

por parte de entidades públicas não se coaduna com valores importantes a salvaguardar, nomeadamente o

bem-estar animal e, como tal, devem findar.

No que respeita à idade para assistir e participar em espetáculos tauromáquicos, o referido relatório das

Nações Unidas fez o Governo português iniciar a alteração legislativa em 2021, concretamente no Conselho

de Ministros de 14 de outubro desse ano, que aumentou a idade mínima para assistir a espetáculos

tauromáquicos de 12 para 16 anos. No entanto, essa alteração acabou por nunca ver a luz do dia em

resultado da marcação de eleições antecipadas e pelo facto de o Governo seguinte, de maioria absoluta,

recusar voltar a elaborar essa alteração.

Acresce que os menores de idade podem trabalhar nos espetáculos tauromáquicos em todas as categorias

de artistas (cavaleiro, cavaleiro praticante, novilheiro, novilheiro praticante, forcado, toureiro cómico,

bandarilheiro, bandarilheiro praticante) e de auxiliares (moço de espada, campino, embolador), ao abrigo da

Lei n.º 31/2015, de 23 de abril. No entanto, esta norma contraria o disposto no n.º 2 do artigo 2.º da Lei

n.º 105/2009, de 14 de setembro, relativa ao Código do Trabalho no qual se determina que as atividades

permitidas a menores não podem «envolver contacto com animal, substância ou atividade perigosa que possa

constituir risco para a segurança ou a saúde do menor».

A situação é agravada porque, na prática, quer a idade mínima de 12 anos para assistir quer a de 16 anos

para trabalhar nos espetáculos tauromáquicos não é aplicada. Não existe uma devida verificação das idades

na entrada para assistir. E, em atividades amadoras – pelo seu carácter não profissional –, é permitida a

participação a menores de 16 anos. Trata-se de uma situação grave já que a exposição de menores de idade

a eventos de extrema violência, como os espetáculos tauromáquicos, pode provocar efeitos negativos na

saúde mental de crianças.

Assim, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do Bloco

de Esquerda propõe que a Assembleia da República recomende ao Governo que:

1 – Não confira qualquer apoio institucional, qualquer cedência de recursos públicos, qualquer atribuição

de subsídio ou qualquer isenção de taxa para a realização de espetáculos com animais onde ocorram atos

que inflijam sofrimento físico ou psíquico, lesionem ou provoquem a morte a animais.

2 – Introduza normas que alarguem o exposto no número anterior a todas as entidades públicas.

3 – Aumente para 18 anos a idade para trabalhar ou participar em espetáculos onde ocorram atos que

inflijam sofrimento físico ou psíquico, lesionem ou provoquem a morte a animais, independentemente de se

trate de atividade profissional ou amadora.

4 – Aumente para 18 anos a idade para assistir a espetáculos onde ocorram atos que inflijam sofrimento

físico ou psíquico, lesionem ou provoquem a morte do animal.

Assembleia da República, 22 de novembro de 2024.

Os Deputados do BE: Fabian Figueiredo — Marisa Matias — Joana Mortágua — José Moura Soeiro —

Mariana Mortágua.

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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 448/XVI/1.ª

RECOMENDA AO GOVERNO O REFORÇO DA PREPARAÇÃO DAS CRIANÇAS E JOVENS EM

ACOLHIMENTO PARA A VIDA INDEPENDENTE E DAS VERBAS PARA A CONTRATAÇÃO E

FORMAÇÃO DE TÉCNICOS DAS CASAS DE ACOLHIMENTO

Uma das falhas apontadas de forma consistente ao sistema de acolhimento de crianças e jovens em

Portugal prende-se com a preparação para a vida independente e com o apoio pós-acolhimento, muito por via

da insuficiência permanente de recursos humanos nesta área, bem como pela falta de formação e capacitação

dos técnicos para formar e apoiar estas crianças e jovens.

Vários estudos atestam que a transição do acolhimento para uma vida adulta autónoma apresenta falhas

crónicas, sendo apontada, desde logo, uma insuficiente preparação para a saída do acolhimento e para fazer

face aos desafios adicionais que os jovens sob acolhimento enfrentam em comparação com a maioria dos

jovens da população em geral. As dificuldades e desafios que estes jovens especificamente enfrentam

prendem-se, maioritariamente, com o acesso a emprego e habitação, problemas de saúde física e mental e

relacionados com a solidão e sensação de abandono, fracos desempenhos académicos que limitam o

prosseguimento de estudos, dificuldades financeiras decorrentes de trabalhos precários, monoparentalidade,

abuso de droga e álcool, falta de retaguarda familiar e falta de apoio social específico.

Perante estas conclusões, e a par do objetivo de desinstitucionalização, mostra-se urgente atuar nesta área

e dar resposta às necessidades que estes jovens enfrentam diariamente, promovendo a autonomia dos jovens

em acolhimento.

Favorecer a vida independente e a integração social destes jovens passa por um trabalho efetivo de

preparação para a autonomização que deve começar não apenas quando se avizinha a saída da casa de

acolhimento, mas sim desde o momento do seu ingresso. Com efeito, a saída do acolhimento não constitui

apenas um momento na vida destes jovens, mas deve ser, sim, o culminar de um processo de preparação, no

qual é desenvolvida a capacidade de autonomia e trabalhadas competências que permitam a estes jovens

uma melhor integração dentro e fora da casa de acolhimento, na escola, no trabalho, na família. A participação

das crianças e jovens na gestão das rotinas das casas de acolhimento, a participação regular na tomada de

decisões que dizem respeito à sua própria vida e desenvolvimento de uma rede de suporte social que possa

ser mobilizada após sair da casa de acolhimento são exemplos de medidas essenciais ao sucesso da

transição para a vida independente e autónoma destas crianças e jovens.

Para tanto, é imperativo, por um lado, que o número de cuidadores (técnicos ou educadores) nas casas de

acolhimento seja suficiente e adequado ao número e às necessidades das crianças acolhidas, o que não é de

todo a realidade do nosso país. Por outro, impõe-se que estes técnicos sejam detentores de uma formação de

base específica e especializada e que frequentem periodicamente ações de formação contínua em temas

como trauma, vinculação, desenvolvimento infantojuvenil, promoção da autonomia, qualidade do acolhimento,

educação para a sexualidade, promoção de competências de parentalidade, entre outros. Nesse sentido, é

necessário reforçar financeiramente os protocolos de cooperação celebrados com associações detentoras de

equipamentos de acolhimento por forma a permitir a formação e contratação de novos técnicos.

Paralelamente, e dada a grave carência de apartamentos de autonomização, deve ser criada uma bolsa de

apartamentos de habitação pública destinada a jovens em acolhimento, fazendo a devida articulação entre

organismos estatais como o Instituto da Segurança Social, o Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana, IP,

e os municípios.

O acolhimento residencial só cumprirá verdadeiramente o seu desígnio se possibilitar às crianças e jovens

acolhidos um futuro e uma vida de inclusão e de participação cívica, pelo que é urgente a tomada de medidas

que permitam de forma efetiva o seu cabal cumprimento.

Assim, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do Bloco

de Esquerda propõe que a Assembleia da República recomende ao Governo:

1 – Desenvolva programas de formação para crianças e jovens em situação de acolhimento com vista a

capacitá-las para a vida independente, para a autonomia e para a integração social.

2 – Desenvolva programas de formação inicial e contínua especializada para técnicos e educadores de

casas de acolhimento, nomeadamente em temas como trauma, vinculação, desenvolvimento infantojuvenil,

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promoção da autonomia, qualidade do acolhimento, educação para a sexualidade, promoção de competências

de parentalidade, entre outros.

3 – Reforce financeiramente os protocolos de cooperação celebrados com associações detentoras de

equipamentos de acolhimento por forma a permitir a formação e contratação de novos técnicos.

4 – Crie uma bolsa de apartamentos de habitação pública destinada a jovens em acolhimento, fazendo a

devida articulação entre organismos estatais como o Instituto da Segurança Social, o Instituto da Habitação e

Reabilitação Urbana, IP, e os municípios.

Assembleia da República, 22 de novembro de 2024.

Os Deputados do BE: Fabian Figueiredo — Marisa Matias — José Moura Soeiro — Joana Mortágua —

Mariana Mortágua.

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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 449/XVI/1.ª

RECOMENDA AO GOVERNO A IMPLEMENTAÇÃO DE FORMAÇÃO ESPECÍFICA DE FAMÍLIAS DE

ACOLHIMENTO E DE CANDIDATOS A ADOÇÃO COM VISTA À SENSIBILIZAÇÃO E CAPACITAÇÃO

PARA A ADOÇÃO DE CRIANÇAS MAIS VELHAS

A aprovação, na Legislatura passada, do projeto de lei do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda que

aumentou a idade máxima do adotando para os 18 anos de idade foi um passo necessário e justo. Porém,

outras medidas são necessárias para operacionalizar esta alteração e para que, de facto, possa desfazer

preconceitos, remover obstáculos e importar mudanças significativas nas vidas das crianças e jovens

confiados para a adoção.

De acordo com os relatórios CASA de 2021, 2022 e 2023, cerca de 70 % das crianças e jovens em

situação de acolhimento têm mais de 12 anos de idade.

Em 2021, do número total de crianças e jovens em acolhimento, 96,5 % encontram-se em acolhimento

residencial e 3,5 % estão integrados em famílias de acolhimento. Em 2022, das 6347 de crianças e jovens em

acolhimento a 1 de novembro de 2022, 84 % estão em casas de acolhimento, seguindo-se 3,6 % em famílias

de acolhimento. Já em 2023, das 6446 crianças e jovens em situação de acolhimento a 1 de novembro de

2023, 5409 (83,9 %) encontram-se em casas de acolhimento, 88 (1,4 %) em casas de acolhimento

especializado, 41 (0,6 %) em casas de acolhimento especializado para crianças e jovens estrangeiros não

acompanhados, 200 (3,1 %) em apartamentos de autonomização, 263 (4,1 %) em acolhimento familiar e 445

(6,9 %) em outras respostas de acolhimento (por exemplo centros de apoio à vida, colégios de ensino

especial, lar residencial, lar de apoio, comunidade terapêutica).

Significa que, quer da parte das famílias de acolhimento, quer da parte dos candidatos a adoção há uma

menor disponibilidade para acolher e adotar crianças mais velhas.

Esta realidade advém, por um lado, da pouca flexibilidade das pretensões dos candidatos a adoção, e, por

outro, da ideia ainda enraizada na sociedade de que é mais fácil a criação de laços quando as crianças são

mais jovens, o que constitui um pré-conceito que não podemos generalizar e que deve ser combatido. Estes

fatores, para além de levarem a que muitas crianças não sejam adotadas, fazem com que o período de espera

para adoção seja ainda mais alargado, com prejuízo para crianças, jovens e candidatos a adoção.

Sendo certo que a adoção de crianças mais velhas se reveste de características próprias e requer desafios

específicos, também não é menos certo que alterar esta realidade depende, em grande medida, da mudança

de mentalidades e da capacitação das famílias de acolhimento e dos candidatos a adoção para o acolhimento

e adoção de crianças mais velhas.

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Entende o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda que é imperativo que se reduza o número de crianças

institucionalizadas, quer aumentando a integração em famílias de acolhimento, quer promovendo a adoção de

crianças mais velhas.

Para tanto, impõe-se que sejam disponibilizados a estes candidatos as ferramentas e a formação

necessárias para esse efeito, formação esta que deve ser multidisciplinar e que deve ser integrada nos planos

de formação para adoção e na formação inicial e contínua das famílias de acolhimento.

Deve, ainda, ser clara e amplamente divulgado entre os candidatos que, para além do acompanhamento

ao longo do processo de adoção, existe a possibilidade de obter acompanhamento pós-adoção até aos 21

anos de idade do jovem adotado, que se traduz em aconselhamento e apoio na superação de dificuldades

decorrentes da filiação e parentalidade adotivas, robustecendo assim a confiança dos candidatos a adoção.

Para alcançar os objetivos propostos, impõe-se não só apostar na formação dos técnicos de adoção nesta

matéria, como reforçar o número de técnicos disponíveis, dada a crónica falta de meios humanos na

Segurança Social, nomeadamente no acompanhamento pós-adoção.

Assim, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do Bloco

de Esquerda propõe que a Assembleia da República recomende ao Governo:

1 – A implementação de formação de carácter multidisciplinar das famílias de acolhimento e dos candidatos

a adoção com vista à sensibilização e capacitação para o acolhimento e adoção de crianças mais velhas,

devendo ser integrada nos planos de formação para adoção e na formação inicial e contínua das famílias de

acolhimento, bem como uma maior divulgação do acompanhamento prestado pelo Estado a adotantes e

adotados durante e após o processo de adoção.

2 – O recrutamento de técnicos de adoção em número adequado a permitir um efetivo acompanhamento a

adotantes e adotados durante e após o processo de adoção, bem como o reforço da sua formação

relativamente ao acolhimento e adoção de crianças mais velhas.

Assembleia da República, 22 de novembro de 2024.

Os Deputados do BE: Fabian Figueiredo — Marisa Matias — Joana Mortágua — José Moura Soeiro —

Mariana Mortágua.

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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 450/XVI/1.ª

RECOMENDA AO GOVERNO A CRIAÇÃO DO PROGRAMA NACIONAL PARA A PREVENÇÃO DOS

MAUS-TRATOS NA INFÂNCIA

A violência contra crianças e jovens é um fenómeno reconhecido como sendo um problema de saúde

pública que afeta milhões de crianças em todo o mundo e que pode assumir diversas formas, como o abuso

físico, a negligência, o abuso emocional ou o abuso sexual. O reconhecimento público de que esta realidade

constitui uma violação dos mais elementares direitos e necessidades de crianças e jovens, que compromete a

sua segurança, dignidade e desenvolvimento pleno, é um passo importante e que tem sido acompanhado pelo

nosso ordenamento jurídico. No entanto, o certo é que a violência contra crianças tem persistido em Portugal

com números verdadeiramente alarmantes. Diga-se, aliás, quealgumas destas formas de violência são pouco

percetíveis e outras, apesar de terem já sido criminalizadas, continuam a ser social e culturalmente toleradas,

como a aplicação de castigos corporais.

Segundo o Relatório Anual de Avaliação da Atividade das CPCJ de 2022, realizado pela Comissão

Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens (CNPDPCJ), no ano de 2021, as CPCJ

movimentaram 73 241 processos de promoção e proteção, o segundo número mais alto dos nove anos

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anteriores, sendo que 31 143 transitaram de anos anteriores e 42 098 processos foram iniciados em 2021.

Destes, 33 937 dizem respeito a crianças em relação às quais a CPCJ interveio pela primeira vez e 8161

correspondem a crianças que tiveram o seu processo anterior reaberto.

Já em 2023, as CPCJ movimentaram 84 196 processos de promoção e proteção (PPP), o que representa

um aumento de 7,70 % relativamente aos valores apurados no ano 2022. Destes, 32 432 são processos que

transitaram do ano 2022 e 51 764 são processos que iniciaram no ano 2023. Relativamente aos processos

que se iniciaram no ano 2023, 9142 resultaram de reaberturas de PPP e 42 622 constituem novos processos

(crianças que não tiveram antes um PPP ou que tiveram um PPP no tribunal ou noutra CPCJ, entretanto

arquivados).

De acordo com o relatório CASA – Caracterização Anual da Situação de Acolhimento das Crianças e

Jovens relativo ao ano de 2021, entre as quase 15 mil situações de perigo identificadas, há mais de 10 mil

casos de negligência, 1522 situações de maus-tratos psicológicos, 570 casos de maus-tratos físicos e 413

situações referentes a violência sexual. Já os dados relativos a 2022 indicam que, das 14 139 situações de

perigo identificadas, há 9739 casos de negligência, 585 de maus-tratos físicos, 1559 de maus-tratos

psicológicos e 392 de violência sexual.

O relatório CASA relativo a 2023 destaca, tal como nos anos anteriores, as situações de negligência,

(67 %) como aquelas que fundamentam a maioria dos acolhimentos. Porém, cumpre salientar que 19 % das

situações se referem a maus-tratos psicológicos (12 %), maus-tratos físicos (4 %) e violência sexual (3 %).

Recorde-se que raramente uma destas situações de perigo surge isolada, encontrando-se, na maioria das

vezes, associadas umas às outras.

De salientar que os dados reais serão seguramente superiores aos conhecidos, uma vez que devido à

multiplicidade de processos e de organismos que atuam na área da infância, torna-se particularmente

complexo agregar os números provenientes de diferentes fontes (CPCJ, OPC, ONG, tribunais, sistema de

saúde) e também porque frequentemente estas situações não são reportadas pelas próprias vítimas,

sobretudo quando acontecem no contexto familiar.

Como é sabido, as consequências dos maus-tratos persistem na vida das crianças por muito tempo,

abalam o seu desenvolvimento, o seu bem-estar físico, psicológico e emocional e torna-as um grupo de risco

para problemas de saúde mental. Além disso, a exposição das crianças a maus-tratos potencia a reprodução

deste tipo de comportamentos na sua vida adulta, o que acarreta um custo exponencial para a sociedade

enquanto um todo. Ora, o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda entende que este problema exige uma

abordagem abrangente, integrada e articulada e que o sistema de promoção e proteção de crianças e jovens

deve enfatizar não apenas a proteção das crianças e jovens, mas também apostar na prevenção e na

promoção dos direitos das crianças.

O Conselho da União Europeia nas suas conclusões relativas à estratégia da UE sobre os direitos da

criança, veio precisamente exortar os Estados-Membros para intensificarem os esforços para prevenir e

combater todas as formas de violência contra as crianças, nomeadamente, promovendo a cooperação entre

os serviços de apoio e fomentando uma resposta holística à violência, proibindo os castigos corporais em

todos os contextos e reforçando os serviços integrados de apoio à criança e às famílias, adotando medidas

adequadas para prevenir e combater os maus-tratos e a violência doméstica e outras práticas prejudiciais e

formas de violência contra as crianças, reforçando a prevenção da violência e da reincidência através da

criação de programas de prevenção e reabilitação adequados e orientados para os autores de atos de

violência.

Cabe, assim, ao Estado gizar uma estratégia de combate e prevenção dos maus-tratos na infância, criando

condições para que se possa prevenir, sinalizar e intervir de forma precoce neste problema e garantindo uma

melhor articulação entre os vários organismos públicos que atuam nesta área, as escolas, as polícias, os

hospitais e centros de saúde e a sociedade civil.

As medidas de prevenção devem passar não só por campanhas de informação e sensibilização contra os

maus-tratos e abusos de crianças e jovens e de divulgação dos direitos das crianças, como por programas de

luta contra a pobreza infantil, programas de apoio às crianças e às suas famílias, programas de formação dos

profissionais que lidam com as crianças para a deteção precoce dos maus-tratos e de promoção de

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competências parentais, campanhas de incentivo à denúncia por parte da sociedade, bem como pela criação

de condições para que as respostas por parte dos serviços de justiça e dos serviços sociais sejam mais

céleres, atempadas e eficazes.

Impõe-se, ainda, um trabalho de sensibilização pública acerca dos direitos das crianças e jovens, alertando

para os perigos e efeitos, tanto imediatos como a longo prazo, dos maus-tratos e dos abusos contra as

crianças, bem como para a importância do papel que toda a comunidade deve exercer ao estar alerta e

assumir responsabilidades na monitorização e acompanhamento das crianças e jovens e das suas famílias.

De forma a poder ser feita uma análise realista do fenómeno da violência contra crianças e jovens, é

também necessário que os dados recolhidos sejam fidedignos e de fácil consulta, pelo que se impõe que seja

criada uma base de dados única que agregue os dados provenientes das diversas fontes (CPCJ, OPC, ONG,

tribunais, sistema de saúde).

É, ainda, fundamental, a constituição, formação e treino de equipas especializadas, de proximidade e em

número suficiente para que, no terreno, de forma continuada, possa ser feito o acompanhamento e

desenvolvimento de formações junto das crianças e das famílias em prevenção da violência contra crianças e

jovens.

Assim, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do Bloco

de Esquerda propõe que a Assembleia da República recomende ao Governo:

1 – A criação do programa nacional para a prevenção dos maus-tratos na infância com enfoque na

prevenção da violência contra crianças e jovens e na promoção dos direitos das crianças, e que permita que

se possa prevenir, sinalizar e intervir de forma precoce mediante uma melhor articulação entre os vários

organismos públicos que atuam nesta área, as escolas, as polícias, os hospitais e centros de saúde e a

sociedade civil.

2 – A implementação de campanhas de informação e sensibilização contra os maus-tratos e abusos de

crianças e jovens e de divulgação dos direitos das crianças.

3 – O desenvolvimento de programas de luta contra a pobreza infantil, de apoio às crianças e às suas

famílias.

4 – O desenvolvimento de programas de formação dos profissionais que lidam com as crianças para a

deteção precoce dos maus-tratos e de promoção de competências parentais.

5 – A implementação de campanhas de incentivo à denúncia por parte da sociedade, bem como pela

criação de condições para que as respostas por parte dos serviços de justiça e dos serviços sociais sejam

mais céleres, atempadas e eficazes.

6 – Realização de campanhas de sensibilização pública acerca dos direitos das crianças e jovens,

alertando para os perigos e efeitos dos maus-tratos e dos abusos contra as crianças, bem como de incentivo

às denúncias.

7 – Criação de uma base de dados única que agregue os dados relativos à violência contra crianças e

jovens provenientes das diversas fontes (CPCJ, OPC, ONG, tribunais, sistema de saúde).

8 – A constituição, formação e treino de equipas especializadas, de proximidade e em número suficiente

para que, no terreno, de forma continuada, possa ser feito o acompanhamento e desenvolvimento de

formações junto das crianças e das famílias em prevenção da violência contra crianças e jovens.

Assembleia da República, 22 de novembro de 2024.

Os Deputados do BE: Fabian Figueiredo — Marisa Matias — Joana Mortágua — José Moura Soeiro —

Mariana Mortágua.

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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 451/XVI/1.ª

ASSUNÇÃO DE PODERES DE REVISÃO CONSTITUCIONAL EXTRAORDINÁRIA PELA ASSEMBLEIA

DA REPÚBLICA PARA ASSEGURAR A CONSAGRAÇÃO DA PROTEÇÃO DOS ANIMAIS NA

CONSTITUIÇÃO

A assunção de poderes de revisão constitucional extraordinária, conforme explicam Gomes Canotilho e

Vital Moreira1, permite que a Assembleia da República, em casos em que tal «se torne imprescindível e

inadiável» e mediante uma maioria especialmente agravada, despolete um processo de revisão constitucional

«totalmente independente das revisões ordinárias», que «não interrompe a contagem do quinquénio iniciado

com a revisão ordinária precedente» e que determina que não comece «a contar-se novo prazo para efeitos

de nova revisão ordinária».

Este instrumento consagrado no artigo 284.º, n.º 2, da Constituição constitui, pois, o meio idóneo para

introduzir, no texto constitucional, alterações com carácter de urgência imperiosa que tornem a revisão

constitucional imprescindível e inadiável, embora possa não se cingir a esse âmbito material de revisão. Foi

isso mesmo que sucedeu no âmbito da quinta revisão constitucional, ocorrida em 2001, para assegurar a

ratificação do Tratado de Roma que criara o Tribunal Penal Internacional, ou no âmbito da sétima (e última)

revisão constitucional, ocorrida em 2005, que previu a realização de referendo sobre a aprovação de tratado

que vise a construção e o aprofundamento da União Europeia.

Ainda que, de acordo com Jorge Miranda e Rui Medeiros2 e à luz da Constituição, não seja necessário

identificar o âmbito material de revisão constitucional a operar na sequência da assunção de poderes de

revisão constitucional extraordinária, por razões de transparência o PAN considera que deverá clarificar os

termos e os fundamentos da consagração constitucional que pretende que seja feita com a presente iniciativa,

nomeada e exclusivamente a consagração da sua proteção dos animais, tal como acontece em países como a

Alemanha e a Suíça, considerando assim o seu valor intrínseco e estatuto próprio, em harmonia até com o

Código Civil português que reconhece que «os animais são seres vivos dotados de sensibilidade» (artigo

201.º-B).

A presente iniciativa propõe assim a assunção de poderes de revisão constitucional extraordinária por parte

da Assembleia da República, com vista à consagração na Constituição da proteção animal.

E fá-lo, desde logo, pelo facto de no início do presente mês se terem completado nove anos desde que a

Lei n.º 69/2014, de 29 de agosto, entrou em vigor e introduziu no Código Penal os crimes de maus-tratos e de

abandono de animais de companhia. Uma lei que teve origem numa petição de cidadãos que recolheu mais de

40 mil assinaturas, tendo sido aprovada pela quase unanimidade de votos parlamentares, demonstrativo da

importância do tema em questão e do consenso em torno do mesmo.

Com esta lei, Portugal integrou o grupo maioritário de Estados-Membros da União Europeia que

criminalizam os maus-tratos contra animais.

Acontece, porém, que este avanço significativo, que mereceu alargado suporte parlamentar e se baseia

num indubitável clamor social, se encontra em sério risco de enfrentar um enorme retrocesso civilizacional e

enfrenta já uma incompreensível inaplicabilidade, como adiante melhor se irá expor.

Tal acontece, precisamente porque, no final de 2021, um acórdão da 3.ª Secção do Tribunal Constitucional,

em sede de fiscalização concreta, julgou, pela primeira vez, inconstitucional a norma que prevê e pune o crime

de maus-tratos a animal de companhia (artigo 387.º do Código Penal). Ora, pese embora, e com o devido

respeito, o PAN não acompanhe tal entendimento, o tribunal considerou «inevitável concluir pela inexistência

de fundamento constitucional para a criminalização dos maus-tratos a animais de companhia, previstos e

punidos no artigo 387.º do Código Penal». Em causa, a decisão sobre o recurso da pena de prisão de 16

meses de prisão efetiva pela prática de quatro crimes de maus-tratos a animais de companhia agravados, e na

pena acessória de privação do direito de detenção de animais de companhia pelo período máximo de 5 anos,

aplicada a um antigo enfermeiro que esventrou a cadela Pantufa, a sangue-frio, deixando-a em grande

sofrimento, a morrer, sem qualquer assistência médico-veterinária e ainda tendo colocado as suas crias no

lixo, que acabaram igualmente por morrer. Um crime de elevada crueldade e censurabilidade social, à qual o

1 Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. II, 4.ª edição, Coimbra Editora, 2010, páginas 997 e 998. 2 Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra Editora, Dezembro de 2007, página 898.

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direito penal não pode nem deve ficar alheio.

Na altura da prolação da sentença de primeira instância, que aplicou ao arguido a pena de 16 meses de

prisão efetiva, o juiz a quo declarou o seguinte: «não sou fundamentalista dos animais. Sou fundamentalista

contra a crueldade», acrescentando «este homem tem de estar na cadeia. Se a cadeia não serve para a

crueldade, serve para quê?»3.

Face a mais de cinco decisões sobre a mais recente versão da lei e seis sobre a versão original em sede

de fiscalização concreta, o Ministério Público desencadeou o processo destinado a declarar a

inconstitucionalidade geral e abstrata da lei em apreço.

A 23 de janeiro de 2024, por acórdão aprovado em sessão do plenário do Tribunal Constitucional, foi

decidido não declarar a inconstitucionalidade da norma que prevê a incriminação de maus-tratos de animais

de companhia. O plenário analisou os fundamentos que estiveram na base de diversas decisões anteriores

que julgaram o tipo de crime de maus-tratos de animais de companhia inconstitucional (fiscalização concreta).

«À questão de saber se existe ou não um bem jurídico na Constituição que habilite (ou permita) a incriminação

deste tipo de crime, a maioria dos juízes votou em sentido afirmativo. Assim, afirma-se na decisão tomada pelo

Plenário que a tutela da defesa do bem-estar animal faz parte da Constituição material e integra o conjunto de

valores com reflexo na Lei Fundamental. Quanto à violação do princípio da legalidade criminal, no sentido de

saber se a lei é certa na enunciação dos elementos que descrevem a conduta punida e o respetivo objeto

(animal de companhia, maus-tratos), o Plenário pronunciou-se também pela não inconstitucionalidade,

contando com o voto de qualidade do Presidente do Tribunal Constitucional»4 (sublinhado nosso).

Para Ribeiro de Almeida, Procurador do Ministério Público no Tribunal Constitucional, a questão do

princípio constitucional que poderá justificar a criminalização dos maus-tratos não é nem o princípio

constitucional da dignidade humana, nem da proteção do meio ambiente, conforme entende alguma doutrina,

que igualmente considera a conformidade do diploma com a Lei Fundamental, mas do artigo 1.º da

Constituição da República Portuguesa, segundo a qual Portugal é uma República «empenhada na construção

de uma sociedade livre, justa e solidária».

Para o Procurador «não estão em causa, ao menos imediatamente, os valores constitucionais da dignidade

da pessoa humana e a tarefa estadual da proteção do ambiente, mas um valor socialmente construído,

consubstanciado numa responsabilidade reconhecida pela comunidade dos cidadãos como integrante dos

princípios fundamentais da solidariedade e da justiça perante os animais de companhia».

Acrescentando que tal implica que as leis vigentes acolham «as novas conceções sociais e jurídicas em

matéria de proteção e do bem-estar animal». A possibilidade teórica de alguém que maltrata um animal

cumprir pena de cadeia efetiva – o que ainda nunca aconteceu em Portugal – tem, para o autor, um efeito

dissuasor da prática deste tipo de crime que não é de menosprezar.

No mesmo sentido do que vai exposto, mais de 70 renomados juristas e académicos subscreveram um

manifesto em nome do progresso civilizacional já alcançado pela ordem jurídica portuguesa e, bem assim, da

sua estabilidade e conformidade constitucional5.

Também a sociedade civil se manifestou pela defesa da lei que criminaliza os maus-tratos a animais,

apresentando, na Assembleia da República, uma petição6, que recolheu a assinatura de mais de 90 mil

subscritores, em menos de 3 meses, para que o valor intrínseco dos animais fosse incluído na Constituição da

República Portuguesa, pela manutenção da tutela penal de criminalização dos maus-tratos e abandono de

animais de companhia e ainda e mais recentemente, foi igualmente entregue na Assembleia da República,

uma petição com vista à inclusão expressa dos animais na Constituição que recolheu mais de 30 mil

assinaturas7.

Ainda que o plenário do Tribunal Constitucional tenha decidido pela não inconstitucionalidade da norma

que criminaliza os maus-tratos a animais, mostra-se, ainda assim, clara a necessidade de clarificar o bem

jurídico constitucionalmente protegido, centrado no valor intrínseco do animal, pela inclusão necessária em

sede de revisão constitucional, bem como, por outro lado, a necessidade de clarificar, igualmente, as normas

penais em apreço.

3 Cf. https://www.publico.pt/2018/10/31/local/noticia/condenado-pena-prisao-efectiva-esventrar-cadela-1849483. 4 TC > Comunicados > Arquivo. 5 Manifesto – A tutela penal dos animais não é inconstitucional (Wordpress.com). 6 Em defesa da lei que criminaliza os maus-tratos a animais – Maltratar um animal tem de ser crime em Portugal: Petição pública (peticaopublica.com). 7 Pela inclusão da proteção dos animais na Constituição da República Portuguesa : Petição pública (peticaopublica.com).

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Para o PAN, uma tal inclusão na nossa Lei Fundamental prende-se com um imperativo civilizacional e ético

de consideração moral pelos animais.

Com efeito, é indubitável que a proteção dos animais e, consequentemente, o seu valor intrínseco,

enquanto seres sencientes devem ter proteção explícita na nossa Constituição, tal como já o fazem diversos

outros ordenamentos jurídicos, esclarecendo e afastando qualquer risco de uma eventual declaração de

inconstitucionalidade com força obrigatória geral e acompanhando o passo civilizacional já dado por outros

países.

A Alemanha desenvolveu normativos de índole constitucional em torno da proteção animal, quando, em

2002, introduziu na sua Constituição da República Federal o artigo 20a, com consagração expressa de

deveres do Estado para com a proteção dos animais. Dispõe o referido artigo que, «na responsabilidade pelas

futuras gerações, o Estado protege também os fundamentos naturais da vida e os animais, de acordo com os

preceitos da ordem constitucional, através de legislação e de acordo com a lei e o direito, através do seupleno

poder e jurisdição».

Também a Suíça dispõe, nos artigos 80 e 120 da Constituição da Confederação Helvética e Lei de 4 de

outubro de 2002, a proteção expressa dos animais.

Segundo o exemplo da Alemanha, que consagrou de forma expressa os deveres do Estado para com a

proteção dos animais, no entender do PAN também na nossa Constituição deve constar expressamente a

proteção dos animais como tarefa fundamental do Estado (concretamente no seu artigo 9.º) e/ou ainda com

consagração da proteção e o bem-estar animal, tal como expressa para o ambiente, no artigo 66.º da nossa

Lei Fundamental, sem prejuízo das demais normas constitucionais que o legislador constitucional entenda

adequadas.

Veja-se também que o artigo 13.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE)8, com

antecedentes no Protocolo n.º 13 do Tratado de Amesterdão (1997), na redação introduzida pelo Tratado de

Lisboa, veio reconhecer um dever de proteção por parte dos Estados-Membros aos animais, enquanto seres

«sensíveis», a saber:

«Na definição e aplicação das políticas da União nos domínios da agricultura, da pesca, dos transportes, do

mercado interno, da investigação e desenvolvimento tecnológico e do espaço, a União e os Estados-

Membros terão plenamente em conta as exigências em matéria de bem-estar dos animais, enquanto

seres sensíveis (…)» (destacado nosso).

E, no sentido da senciência dos animais, a 7 de julho de 2012, um grupo de renomados neurocientistas

proclamaram na Declaração de Cambridge sobre a Consciência (The Cambridge Declaration on

Consciousness), onde reconheceram o seguinte:

«(…) A ausência de um neocórtex não parece impedir que um organismo experimente estados afetivos.

Evidências convergentes indicam que animais não humanos têm os substratos neuroanatômicos,

neuroquímicos e neurofisiológicos de estados de consciência juntamente com a capacidade de exibir

comportamentos intencionais. Consequentemente, o peso das evidências indica que os humanos não são os

únicos a possuir os substratos neurológicos que geram a consciência. Animais não humanos, incluindo todos

os mamíferos e as aves, e muitas outras criaturas, incluindo polvos, também possuem esses substratos

neurológicos».

Muito antes, e já entre nós, António Damásio sustentava que algumas das faculdades tipicamente

atribuídas aos seres humanos são, na verdade, comuns a outras espécies9. O prestigiado neurocientista João

Malva declarou que «está por provar que somos mais inteligentes do que os animais». E ainda: «[S]ei que nós

tivemos ao longo da História muita tendência de desvalorizar o outro, até o outro humano quanto mais o outro

animal não humano. Não somos assim tão diferentes dos outros animais, temos claramente uma linguagem

muito sofisticada que nos permite construir uma cultura, temos mãos que são uma vantagem evolutiva. E

juntando a mão a um cérebro robusto construímos uma sociedade. Do nosso ponto de vista somos mais

8 http://europa.eu/pol/pdf/consolidated-treaties_pt.pdf. 9 António DAMÁSIO, Looking for Spinoza, Random House, Londres, 2003, pg 86 e pp. 144-152.

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evoluídos e na verdade somos animais de sucesso no mundo. Agora não estou convencido de que outros

animais sejam incapazes ou não tenham emoções»10.

Ainda assim, o risco para a proteção animal é indubitável e tem tido já as suas consequências concretas

em diversos casos de maus-tratos a animais. Em tribunais de primeira instância e em tribunais superiores têm-

se somado absolvições e arquivamentos de processos de maus-tratos a animais de companhia com o

fundamento na inconstitucionalidade da norma criminalizadora, ignorando que as decisões de

inconstitucionalidade foram proferidas em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade, ou seja, para

casos concretos, não revestindo ainda qualquer força obrigatória geral. Ou seja, não deveriam servir como

fundamento para o arquivamento de casos concretos distintos dos apreciados pelo Tribunal Constitucional.

Neste âmbito, vejam-se alguns exemplos, reunidos, apresentados e distribuídos pelo Colectivo Animal, um

movimento que reúne um conjunto de associações de proteção animal, em sede de audição da petição «Pela

Defesa da Lei que Criminaliza os Maus Tratos a Animais», que recolheu a assinatura de mais de 90 mil

subscritores, na respetiva comissão parlamentar, de casos jurisprudenciais concretos onde foram absolvidos

os e arquivados os respetivos processos com fundamento em inconstitucionalidade da norma em apreço:

«Processo: 296/19.4GAVGS – Processo comum (tribunal singular) Acusação: crime de abandono de

animais de companhia; Decisão: absolvido em segunda instância por inconstitucionalidade;

Processo: 10/20.1GEVFR.P1; Acusação: Morte e maus-tratos de animal de companhia; Decisão: absolvido

em segunda instância por inconstitucionalidade;

Processo: 387/21; Acusação: crime de maus-tratos a animais de companhia; Decisão: absolvido em

segunda instância por inconstitucionalidade;

Processo: 397/21.9PAOVR.P1; Acusação: crime de maus-tratos a animais de companhia; Decisão:

absolvido em segunda instância por inconstitucionalidade

Processo: 614/21.5PIPRT.P1; Acusação: crime de maus-tratos a animais de companhia; Decisão:

absolvido por inconstitucionalidade com um voto de vencido;

Processo: 306/22; Acusação: crime de maus-tratos a animal de companhia; Decisão: recusada a

suspensão do processo, ou seja, arguido com inquérito arquivado por inconstitucionalidade da norma;

Processo: 472/2022; Acusação: crime de maus-tratos a animais de companhia; Decisão: absolvido em

segunda instância por inconstitucionalidade;

Processo: 630/2022; Acusação: crime de maus-tratos a animal de companhia; Decisão: absolvido em

segunda instância por inconstitucionalidade;

Processo: 190/20.6T9SEI.C1; Acusação: crime de maus-tratos a animais de companhia; Decisão:

absolvido em segunda instância por inconstitucionalidade;

Processo: 5/20.5GBSTB.E1; Acusação: crime de maus-tratos a animais de companhia; Decisão: absolvida

em segunda instância por inconstitucionalidade;

Processo: 90/16.4GFSTB; Acusação: crime de maus-tratos a animais de companhia; Decisão: absolvido

em segunda instância por inconstitucionalidade;

Processo: 76/21.7GAVMS.G1; Acusação: crime de morte e maus-tratos de animal de companhia; Decisão:

absolvido em segunda instância por inconstitucionalidade;

(…)».

Os animais têm direitos naturais, independentemente do seu reconhecimento ou não pelo direito positivo,

os quais decorrem da sua condição e necessidades e cujo relevo deve ser respeitado pela ordem jurídica.

E, apesar de entendermos que existe bem jurídico protegido por força de uma interpretação atualista da Lei

Fundamental, desde a sua fundação que o PAN defende que o dever de proteção e bem-estar animal deve ser

introduzido expressamente na Constituição da República Portuguesa.

A assunção da inclusão da proteção dos animais na Constituição reveste-se de carácter fundamental para

uma maior segurança jurídica e para a atribuição de dignidade constitucional aos demais seres vivos com

10 Cf. entrevista disponível para consulta em http://ionline.sapo.pt/266147.

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quem partilhamos o planeta, não só pela questão do risco que correm atualmente as normas criminalizadoras

dos maus-tratos a animais, conforme exposto, mas como imperativo ético essencial numa sociedade moderna.

São vários os distintos autores que acompanham tal entendimento, como Menezes Cordeiro11 que entende

que existe um fundo ético-humanista, «que se estende a toda a forma de vida, particularmente à sensível. O

ser humano sabe que o animal pode sofrer, sabe fazê-lo sofrer, sabe evitar fazê-lo. A sabedoria dá-lhe

responsabilidade. Nada disso o deixará indiferente – ou teremos uma anomalia, em termos sociais e culturais,

dado o paralelismo com todos os valores humanos».

Bem como Fernando Araújo, para quem «não se humaniza a espécie humana reduzindo as demais

espécies à irrelevância moral, tornando-as ornamentos de uma mundivisão auto-complacente ou

«consoladora», e ignorando-as em tudo o resto»12.

Também a jurisprudência, até antes do legislador ter consagrado um estatuto jurídico próprio dos animais

no Código Civil, viria a considerar que o estatuto jurídico dos animais deveria ser diferenciado do regime

previsto no Código Civil para as coisas, denotando a necessária sensibilidade para a sua natureza própria e

reconhecendo o seu valor intrínseco.

Nesta senda, veja-se o entendimento dos desembargadores que votaram o Acórdão da Relação do Porto,

de 19 de fevereiro de 2015, proferido no âmbito do Processo n.º 1813/12:

«Constitui um dado civilizacional adquirido nas sociedades europeias modernas o respeito pelos direitos

dos animais. A aceitação de que os animais são seres vivos carecidos de atenção, cuidados e proteção do

homem, e não coisas de que o homem possa dispor a seu bel-prazer, designadamente sujeitando-os a maus-

tratos ou a atos cruéis, tem implícito o reconhecimento das vantagens da relação do homem com os animais

de companhia, tanto para o homem como para os animais, e subjacente a necessidade de um mínimo de

tutela jurídica dessa relação, de que são exemplo a punição criminal dos maus-tratos a animais e controle

administrativo das condições em que esses animais são detidos.

Por conseguinte, a relação do homem com os seus animais de companhia possui hoje já um relevo à face

da ordem jurídica que não pode ser desprezado (…)»13.

Assim, e seguindo os bons exemplos de outros ordenamentos jurídicos, também a Lei Fundamental

portuguesa deverá prever, de forma expressa, o dever de proteção animal e o reconhecimento do seu valor

intrínseco enquanto seres vivos dotados de sensibilidade.

Ao fazê-lo garante-se que, como defende Luís Greco, «a proteção de animais não é meramente a proteção

do meio ambiente», devendo a tutela penal dos animais ser considerada «não em função do ser humano, mas

em si mesmos», pelo que os animais «têm de possuir valor intrínseco».

Apesar do acórdão do plenário do Tribunal Constitucional, os riscos inerentes a arquivamentos dos

processos-crime, conforme indicada supra, justificam que a Assembleia da República delibere no sentido de

assumir imediatamente poderes de revisão constitucional extraordinária para suprir estes riscos por via da

consagração constitucional do valor intrínseco dos animais e do dever de proteção do Estado, sem prejuízo da

clarificação e aperfeiçoamento da legislação penal em vigor. Para que tal possa suceder é necessário que a

Assembleia da República aprove uma resolução que determine a assunção de tais poderes, algo que o PAN

propõe que seja feito por via da presente resolução.

Tomando de empréstimo as palavras da filósofa norte-americana Martha Nussbaum «os animais não

humanos são capazes de uma existência condigna. É difícil precisar o que a frase pode significar, mas é

relativamente claro o que não significa (…) O facto de os humanos actuarem de uma forma que nega essa

existência condigna aparenta ser uma questão de justiça, e uma questão urgente»14 (sublinhado nosso).

Nestes termos, a abaixo assinada Deputada do Pessoas-Animais-Natureza, ao abrigo das disposições

constitucionais e regimentais aplicáveis, propõe que a Assembleia da República adote a seguinte resolução:

A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º e do n.º 2 do artigo 284.º da

Constituição da República Portuguesa, assumir, de imediato, poderes de revisão extraordinária da

11Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, Vol. I, Tomo II, p. 214, ed. Livraria Almedina. 12 A Hora dos Direitos dos Animais, 2003. 13 Disponível para consulta em: https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/3c0d5d98d088fab880257dfc00556bd1? OpenDocument 14 Martha Nussbaum, Frontiers of Justice, 2007.

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Constituição, tendo em vista exclusivamente a consagração constitucional da proteção dos animais.

A presente resolução entra em vigor no dia imediato ao da sua publicação.

Assembleia da República, 23 de novembro de 2024.

A Deputada do PAN, Inês de Sousa Real.

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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 452/XVI/1.ª

PELA CRIAÇÃO DO PRIMEIRO CENTRO DE INVESTIGAÇÃO EM PORTUGAL COM RECURSO A

MODELOS ALTERNATIVOS AOS ANIMAIS UTILIZADOS PARA FINS CIENTÍFICOS E PELA

TRANSPARÊNCIA E DIVULGAÇÃO DA INFORMAÇÃO DA INVESTIGAÇÃO E UTILIZAÇÃO DE ANIMAIS

PARA FINS CIENTÍFICOS

No dia 8 de maio de 2015, um grupo de cientistas, veterinários, eticistas e legisladores reuniram-se em

Lisboa, para avaliar os custos e benefícios da experimentação animal. Com base na revisão da evidência

científica disponível fizeram a seguinte declaração:

«A experimentação animal tem sido um método tradicional de investigação biomédica, porém, tem-se

tornado claro que o retorno deste investimento tem vindo progressivamente a diminuir. Assumindo que este

tipo de investigação irá continuar, é a nossa recomendação que o mesmo seja realizado sob um escrutínio

mais realista e baseado na evidência científica. Só assim é possível garantir uma avaliação dos custos e

benefícios dos protocolos propostos. Essa avaliação deverá ser feita por certas instituições, comités de ética

independentes, entidades financiadoras e autoridades legais, coletivamente denominados por «As Partes

Interessadas». Os animais utilizados para as experiências deverão ser filmados permanentemente e as

«Partes Interessadas» devem ter acesso livre às filmagens sempre que o desejarem, para garantir que os

protocolos autorizados e financiados estão a ser escrupulosamente seguidos, maximizando assim não só o

bem-estar animal, mas também o retorno do investimento feito pela sociedade neste tipo de investigação»1.

Em 2017, a União Europeia (UE) usou mais de nove milhões de animais em laboratório, usados «em

investigações científicas, médicas e veterinárias». Na sua maioria ratos (92 %), peixes e pássaros, mas

também, embora numa percentagem muito pequena (0,25 %), cães, gatos e macacos.

No mesmo ano, os laboratórios portugueses usaram 40 998 animais, num total de 52 983 procedimentos

para investigação, testes, educação e produção em série, correspondendo a 0,4 % dos números da UE. Estes

são os dados estatísticos revelados pela UE sobre experimentação animal no que se refere ser o «relatório

mais transparente» de sempre, divulgado pela Comissão Europeia.

Foram igualmente contabilizados, para o respetivo ano, os animais que foram criados para experiências

laboratoriais, mas que não chegaram a sofrer qualquer intervenção, acabando depois por ser mortos. Com

esta contabilização o número de animais ascendeu a 12 597 816 em toda a UE2.

A associação ANIMAL refere-nos, a propósito da coligação europeia para o fim da experimentação animal,

que, «nesta indústria, um animal morre a cada 3 segundos num laboratório europeu; a cada 2 segundos num

laboratório japonês; a cada segundo num laboratório norte-americano. Só no Reino Unido quase 3 milhões de

animais são mortos anualmente em laboratórios. Em Portugal, o uso de animais em experiências é, na

verdade, uma realidade por controlar»3.

1 A Declaração de Lisboa foi iniciada e escrita pelo Dr. Philip Low, editada pelo Dr. Andrew Knight, Dr. João Barroso e Dr. Philip Low e foi ratificada na II Conferência Internacional de Alternativas à Experimentação Animal em Lisboa, Portugal, no dia 8 de maio de 2015. 2 Num ano, UE usou mais de nove milhões de animais em laboratório – foram 41 mil em Portugal – Investigação científica – Público (publico.pt) 3 Experimentação animal – Em defesa dos direitos de todos os animais.

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A sociedade civil, aliada a investigadores e academia, bem como a associações nacionais e internacionais

ligadas à ética e à defesa dos direitos dos animais, tem vindo a debater-se por metodologias de investigação e

ensino mais responsáveis pelo bem-estar dos animais e pela possibilidade da sua substituição por modelos

alternativos, em muitas áreas da ciência.

Desde 1986, a UE passou a ter legislação específica sobre o uso de animais para fins científicos. Em 22 de

setembro de 2010 foi adotada a Diretiva 2010/63/UE, que atualizou e substituiu a Diretiva 86/609/CEE, relativa

à proteção destes animais. Com entrada em vigor a 1 de janeiro de 2013, a diretiva veio reforçar a legislação e

a garantia de melhoria do bem-estar dos animais que ainda são utilizados, ancorando firmemente o princípio

dos 3R no uso de animais para fins científicos – substituir, reduzir e refinar.

De acordo com esta diretiva, a Comissão Europeia e os Estados-Membros têm por obrigação contribuir

para o desenvolvimento e validação de abordagens alternativas ao uso de animais para fins científicos,

tomando as medidas necessárias para incentivar a pesquisa nesta área ao nível de cada país. Devem os

Estados-Membros proporcionar a transparência de informação e proceder à divulgação objetiva da

investigação nesta área, bem como das alternativas existentes.

Atualmente, existem modelos inovadores de ensino (manequins, simuladores, organóides) que potenciam a

substituição ou diminuição em larga escala do recurso a animais e garantem as necessidades de formação e

atualização dos docentes e alunos. O investimento no desenvolvimento e implementação destas novas

tecnologias e metodologias resultará numa mudança de paradigma em relação à utilização de animais e à

formação de uma nova geração de investigadores mais conscientes e responsáveis em relação à forma como

utilizamos a vida dos animais nas ciências biomédicas.

Para o PAN o caminho deverá ser feito no sentido da utilização de métodos de investigação éticos e

inovadores. Nesse sentido, o PAN tem apresentado diversas iniciativas que promovem os modelos

alternativos ao uso de animais para fins científicos. Desde o Projeto de Lei n.º 189/XIV/1.ª, que visava alterar o

Decreto-Lei n.º 113/2013, de 7 de agosto, reforçando as regras de proteção e bem-estar animal na

investigação científica4, o Projeto de Resolução n.º 208/XIV/1.ª, que visava reforçar os meios e mecanismos

necessários ao cumprimento da Diretiva 2010/63/UE em Portugal, reforçando e qualificando os recursos

humanos da Direção-Geral da Alimentação e Veterinária (DGAV) responsáveis pela avaliação e fiscalização

de projetos de investigação com recurso a animais5.

Para além disso, o PAN conseguiu que ficasse vertido no artigo 265.º da Lei n.º 12/2022, de 27 de junho,

que aprova o Orçamento do Estado para 2022, o investimento necessário tendente à criação do primeiro

centro de investigação em Portugal com recurso a modelos alternativos aos dos animais utilizados para fins

científicos, com a dotação de uma de verba de 4 000 000 (euro). O Governo está, desta forma, obrigado a

criar um centro responsável pelo desenvolvimento e validação de alternativas à experimentação animal e pela

promoção da política dos 3R – replacement (substituição), reduction (redução), refinement (refinamento).

Contudo, até à data, não são conhecidas as diligências prosseguidas na execução da medida referida.

Por tal, com a presente iniciativa, o PAN pretende, em primeira linha, que seja assegurado o

prosseguimento da medida prevista no Orçamento do Estado para 2022 e da sua efetiva execução, pois as

políticas públicas devem optar por investir nestes centros por oposição à construção de mais biotérios.

É essencial, para além da própria criação deste centro, que se invista na substituição dos atuais modelos

de investigação animal por modelos que recorrem a metodologias alternativas, cativando uma parte do

orçamento público de cada universidade para efeitos de investigação na criação e melhoria destas alternativas

éticas, bem como na alocação e capacitação de recursos humanos afetos à avaliação e fiscalização dos

projetos de investigação com recurso à utilização de animais. É igualmente importante que os projetos que

utilizem animais se pugnem pela transparência e se dê a conhecer, publicamente, os dados relativos aos

números de animais e recursos utilizados.

Em Portugal, em 2018, 16 universidades e centros de investigação nacionais que utilizam animais em

investigação fundamental e biomédica assinaram um acordo de transparência sobre a investigação animal em

Portugal, comprometendo-se os signatários a partilhar mais informações sobre a utilização de animais na

investigação e as suas justificações científicas e éticas.

4 Detalhe iniciativa (parlamento.pt). 5 Detalhe iniciativa (parlamento.pt).

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A Associação Europeia de Investigação Animal (EARA, sigla em inglês) avaliou em junho de 2019 os sites

institucionais de entidades públicas e privadas, entre universidades e empresas farmacêuticas, e divulgou que

apenas 26 % das instituições que realizam estudos com animais possuem uma declaração oficial nos seus

portais que explica a utilização de animais nas suas investigações e ainda as normas de bem-estar utilizadas,

o que se mostra manifestamente insuficiente.

Acreditamos que uma investigação ética, sem a utilização de animais, está próxima. Modelos de

organóides humanos e sistemas OOC avançados podem ser combinados com abordagens in silico. Tais

abordagens complementadas por estudos clínicos e epidemiológicos oferecem um portefólio de pesquisa

capaz de investigar de forma confiável questões humanas relevantes relacionadas à saúde e à doença.

Finalmente, as experiências em animais precisam de terminar para se abrir um caminho para uma nova era

científica – em prol da segurança humana e do progresso médico6.

Demonstrativo da importância deste tema na sociedade civil é a existência de duas petições pela

«substituição da experimentação animal por alternativas»7 e para a «criação de um conselho nacional de

experimentação animal»8.

As políticas públicas devem optar por investir nestes centros por oposição à construção de mais biotérios.

Queremos que Portugal e as universidades portuguesas sejam reconhecidas por estarem viradas para o

futuro, entendendo que a ciência deve estar ao serviço do progresso, mas com bem-estar de todos.

Nestes termos, a abaixo assinada Deputada do Pessoas-Animais-Natureza, ao abrigo das disposições

constitucionais e regimentais aplicáveis, propõe que a Assembleia da República recomende ao Governo que:

1 – Em cumprimento do disposto no artigo 265.º da Lei n.º 12/2022, de 27 de junho, que aprova o

Orçamento do Estado para 2022, garanta, durante o ano de 2023, a criação do primeiro centro de investigação

em Portugal com recurso a modelos alternativos aos animais utilizados para fins científicos; e

2 – Promova ativamente a transparência de informação e a divulgação objetiva da investigação nesta área,

nomeadamente do número de animais utilizados e métodos utilizados, bem como das alternativas existentes,

por parte das universidades e centros de investigação nacionais que utilizam animais em investigação;

3 – Incentive, em articulação com as instituições do ensino superior, a aquisição de modelos alternativos

aos animais.

Palácio de São Bento, 21 de novembro de 2024.

A Deputada do PAN, Inês de Sousa Real.

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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 453/XVI/1.ª

PELA ADAPTAÇÃO DE MONUMENTOS E PATRIMÓNIO HISTÓRICO E CULTURAL ÀS ALTERAÇÕES

CLIMÁTICAS

As alterações climáticas representam uma das maiores ameaças globais, impactando o ambiente, a saúde

humana e animal, bem como o património histórico e cultural. Desta forma, monumentos emblemáticos,

patrimónios culturais e arqueológicos, que resistiram ao tempo durante séculos, encontram-se agora

vulneráveis aos efeitos das alterações climáticas, com consequências potencialmente irreversíveis se medidas

adequadas de adaptação e proteção não forem implementadas.

6 ECEAE. 7 Petição pela substituição da experimentação animal por alternativas : Petição pública (peticaopublica.com). 8 Pela criação de um conselho nacional de experimentação animal – em defesa de todos os animais: Petição pública (peticaopublica.com).

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As Nações Unidas dizem que as alterações climáticas estão a pôr em risco um terço dos locais

considerados património natural da Humanidade e um sexto do património cultural mundial. A ONU diz que as

mudanças no clima estão a destruir a natureza e os monumentos a um ritmo nunca visto1.

Países como Grécia e Itália, com vastos patrimónios históricos, têm vindo a demonstrar preocupação com

a degradação do património face às alterações climáticas, entendendo que, se nada for feito, muitos objetos

da sua herança histórica e cultural poderão desaparecer até ao final do século2.

A degradação do património devido às alterações climáticas inclui desde eventos globais, como o aumento

das temperaturas e das precipitações, até processos microscópicos, como a erosão e a fragilização dos

materiais. Estes danos ameaçam não apenas a integridade física dos monumentos mas também a sua

relevância cultural, turística e económica.

Em Itália, a cidade de Gubbio, concretamente o Palácio de Consoli, do Século XIV, encontra-se já a sofrer

com o aparecimento de fissuras e o enfraquecimento das suas fundações devido a eventos climáticos

extremos, como chuvas intensas. Esta cidade, conhecida pelo seu património construído em pedra, integra o

projeto europeu Héracles, que visa estudar o impacto das alterações climáticas nos monumentos antigos.

Usando métodos como a monitorização por satélite e a tomografia eletromagnética, cientistas de toda a União

Europeia recolhem dados para compreender os riscos que ameaçam a preservação deste património. A

conservação de monumentos como o Palácio de Consoli é vista como uma prioridade para as autoridades

locais, com o Presidente da Câmara de Gubbio, Filippo Mario Stirati, sublinhando a importância de preservar a

pedra, um elemento essencial da identidade cultural da cidade3.

Na Grécia, assistimos a uma situação semelhante. A ilha de Creta, com a sua herança arqueológica,

enfrenta a erosão causada pela alteração dos padrões das ondas e dos ventos, que afeta, por exemplo, a

fortaleza veneziana de Heraclião. O uso de tecnologia sonar para monitorizar as fortificações submersas

revela cavidades criadas pela ação das ondas, expondo o monumento a uma deterioração acelerada. A

análise dos efeitos do mar, incluindo a acumulação de sal nas paredes, demonstra como o ambiente marinho

está a alterar a estrutura química das pedras e a acelerar o processo de degradação.

Em Portugal, a ameaça é igualmente grave, com monumentos icónicos como o Mosteiro dos Jerónimos e a

Torre de Belém a enfrentarem os efeitos crescentes das alterações climáticas. Chuvas torrenciais e ondas de

calor extremo dificultam a gestão dos visitantes e põem à prova os sistemas de segurança e eletricidade. Além

disso, a subida do nível do mar e a força das ondas estão a causar danos estruturais na Torre de Belém, uma

das mais reconhecidas fortificações portuguesas. Um relatório recente revela que a ação erosiva das marés e

o aumento das temperaturas estão a deteriorar as fundações destas construções históricas, exigindo

intervenções urgentes4.

A arquiteta Barbara Judy, do Serviço Nacional de Parques dos EUA, que coordenou um estudo conjunto

entre Portugal e os Estados Unidos, defende que a monitorização contínua e o planeamento de longo prazo

são essenciais para mitigar os riscos climáticos que afetam estes locais. A investigação aponta, por exemplo,

para a necessidade de adoção de estratégias de «atenuação da onda», que visam reduzir a força do impacto

das marés nas fundações da Torre de Belém através de processos de engenharia costeira5.

As lições aprendidas com estes exemplos internacionais devem ser integradas no contexto nacional,

através de uma estratégia coordenada que envolva a comunidade científica, os decisores políticos e as

autoridades locais e regionais.

A Estratégia Nacional de Adaptação às Alterações Climáticas (ENAAC), que foi prorrogada até 2025,

estabelece o quadro necessário para a implementação de soluções de adaptação nos diversos sectores

poderá e deverá incluir o património cultural. É imperativo que se promova a integração das medidas de

adaptação nas políticas de planeamento territorial e nas intervenções de conservação e restauro dos

monumentos. O objetivo deve ser melhorar o conhecimento sobre os impactos climáticos nos monumentos e

demais património histórico e cultural, alicerçando as ações numa base técnico-científica que envolva as

melhores práticas internacionais e o desenvolvimento de novas tecnologias e materiais adaptados às

condições ambientais futuras.

1 Unesco alerta: alterações climáticas estão a destruir natureza e monumentos a um ritmo nunca antes visto – Agroportal 2 O impacto das alterações climáticas nos monumentos – Euronews. 3 Idem.4 Mosteiro dos Jerónimos e Torre de Belém vulneráveis às alterações climáticas – Património – Público. 5 Estudo avalia impacto da crise climática no Mosteiro dos Jerónimos e Torre de Belém – Património – Público.

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Neste sentido, o património cultural e histórico deve ser tratado como um setor na implementação da

ENAAC, dado o seu valor para a identidade nacional, para o turismo e para a economia. A urgência de

preservar e adaptar o património ao contexto de mudanças climáticas é inegável, uma vez que a sua

degradação representaria uma perda irreparável para a história e cultura portuguesas e mundiais.

Nestes termos, a abaixo assinada Deputada do Pessoas-Animais-Natureza, ao abrigo das disposições

constitucionais e regimentais aplicáveis, propõe que a Assembleia da República recomende ao Governo que:

1 – Inclua o património histórico e cultural na Estratégia Nacional de Adaptação às Alterações Climáticas

(ENAAC), desenvolvendo políticas específicas de proteção e adaptação dos monumentos e património

histórico e cultural às alterações climáticas;

2 – Desenvolva um projeto-piloto inspirado em iniciativas internacionais e o uso de tecnologias de

monitorização avançadas para monitorizar e adaptar os monumentos mais expostos às alterações climáticas,

como a Torre de Belém e o Mosteiro dos Jerónimos;

3 – Apoie o desenvolvimento e a utilização de novas tecnologias para adaptação do património histórico e

cultural e estabeleça sistemas de monitorização contínua, com recurso a tecnologias, para acompanhar o

impacto das alterações climáticas nas estruturas físicas dos monumentos e demais património;

4 – Em conjunto com as autarquias locais, proceda à recolha e análise de dados sobre as condições

climáticas locais, como a subida do nível do mar e a ação das marés, de modo a antecipar possíveis danos ao

património;

5 – Capacite os técnicos de restauro e conservação do património com formações especializadas nas

melhores práticas de adaptação e mitigação dos efeitos das alterações climáticas.

Palácio de São Bento, 21 de novembro de 2024.

A Deputada do PAN, Inês de Sousa Real.

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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 454/XVI/1.ª

PELA CRIAÇÃO DA CARREIRA DE MÉDICO DENTISTA NAS ENTIDADES PÚBLICAS EMPRESARIAIS

INTEGRADAS NO SERVIÇO NACIONAL DE SAÚDE

Exposição de motivos

A Organização Mundial de Saúde considera a saúde oral um direito humano fundamental e uma

componente essencial do direito à saúde.

Em Portugal cerca de 25 % das pessoas afirma não ter dinheiro para usufruir de uma consulta de medicina

dentária, o que demonstra que o País está longe de garantir plenamente este direito aos seus cidadãos e

deverá investir no aumento do número de gabinetes de saúde oral no SNS.

Contudo, e apesar do exposto no relatório do Grupo de Trabalho Saúde Oral 2.0, elaborado no Ministério

da Saúde em 2023, relativamente a acesso a cuidados de saúde oral, constata-se que atualmente não existe

em Portugal uma carreira especial de medicina dentária, o que empurra os médicos dentistas a trabalhar no

SNS para uma situação de precariedade, seja com falsos recibos verdes (em cerca de 84 % dos casos) ou

com contratos na carreira de técnico superior do regime geral (onde foram colocados, erradamente, os

médicos dentistas que estão no SNS há mais de 15, 20 ou mesmo 30 anos).

O trabalho realizado nestas condições não assegura o tratamento digno dos médico-dentistas e não

garante a sua progressão profissional e a continuidade de cuidados aos utentes, dificultando o alargamento

dos cuidados de saúde oral no SNS.

Por isso mesmo, com a presente iniciativa pretende-se garantir que os médicos dentistas das instituições

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de saúde no âmbito do SNS possam dispor de um percurso comum de progressão profissional e de

diferenciação técnico-científica, através da criação da carreira de médico dentista nas entidades públicas

empresariais integradas no Serviço Nacional de Saúde.

Nestes termos, a abaixo assinada Deputada do Pessoas-Animais-Natureza, ao abrigo das disposições

constitucionais e regimentais aplicáveis, propõe que a Assembleia da República adote a seguinte resolução:

A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República

Portuguesa, recomendar ao Governo que, em articulação com as organizações representativas dos médicos

dentistas e com a Direção Executiva do Serviço Nacional de Saúde, proceda à criação da carreira de médico

dentista nas entidades públicas empresariais integradas no Serviço Nacional de Saúde.

Palácio de São Bento, 22 de novembro de 2024.

A Deputada do PAN, Inês de Sousa Real.

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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 455/XVI/1.ª

RECOMENDA AO GOVERNO QUE PROCEDA À ALTERAÇÃO À LEI POR FORMA A PERMITIR QUE

FAMÍLIAS DE ACOLHIMENTO SEJAM CANDIDATAS À ADOÇÃO

Exposição de motivos

Portugal tem quase seis mil e quinhentas crianças carentes do cuidado e do amor de uma família.

Os dados do relatório CASA 2023 (Caracterização Anual da Situação de Acolhimento das Crianças e

Jovens) revelam que, à data, estariam em famílias de acolhimento apenas 4,1 % do total de crianças

institucionalizadas. A maioria restante, estaria acolhida em regime institucional com cuidados formais

residenciais como casas de acolhimento, centros de apoio à vida, lares residenciais ou colégios de educação

especial.

As famílias de acolhimento desempenham um papel essencial, oferecendo às crianças a possibilidade de

crescerem num ambiente familiar, embora de forma temporária.

Contudo, a legislação vigente impede que estas famílias, que já criaram laços afetivos e vínculos de

confiança com as crianças que acolhem, possam dar o passo seguinte: a adoção. Este impedimento perpetua

uma injustiça tanto para as crianças, que permanecem numa situação vulnerável e instável, quanto para as

famílias de acolhimento, que veem os seus laços emocionais travados por barreiras legais.

Esta alteração legal seria um passo decisivo para:

– Garantir o superior interesse da criança: permitindo que crianças em acolhimento familiar possam ser

adotadas por quem já provou ser capaz de lhes proporcionar segurança, amor e estabilidade.

– Incentivar o acolhimento familiar: tornando-o mais atrativo, ao reconhecer o potencial de uma transição

para a adoção, caso exista essa vontade e condições adequadas.

É fundamental agir com celeridade e responsabilidade, promovendo uma legislação que priorize o bem-

estar emocional e o direito de cada criança a uma vida em família.

O CDS-PP entende que é urgente proceder à alteração desta limitação legal e permitir que estas crianças

possam ser adotadas por quem as acolheu previamente e que tão bem cuidou de si.

Nestes termos, o Grupo Parlamentar do CDS-PP, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais

aplicáveis, propõe que a Assembleia da República recomende ao Governo que proceda à alteração da lei,

permitindo que famílias de acolhimento sejam elegíveis para adotar as crianças que acolhem, sempre que tal

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corresponda ao superior interesse da criança.

Palácio de São Bento, 22 de novembro de 2024.

Os Deputados do CDS-PP: Paulo Núncio — João Pinho de Almeida.

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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 456/XVI/1.ª

RECOMENDA AO GOVERNO QUE AVALIE O ATUAL ACESSO À PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS A

MENORES

O Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores (FGADM) foi criado com o objetivo de assegurar a

prestação de alimentos aos menores quando o progenitor ou responsável judicialmente obrigado a fazê-lo não

cumpre essa obrigação. Este mecanismo constitui uma importante ferramenta de proteção social e de defesa

dos direitos das crianças, garantindo que as necessidades básicas do menor sejam satisfeitas em situações

de incumprimento.

Contudo, verifica-se que a legislação atualmente em vigor apresenta limitações que comprometem a

eficácia do FGADM.

A elegibilidade do menor ao FGADM depende de o rendimento ilíquido do próprio não exceder o valor do

indexante dos apoios sociais (IAS), atualmente fixado em 509,26 euros, bem como de não beneficiar de

rendimentos equivalentes por parte do agregado familiar em que se insere. Na prática, tal significa que,

quando o rendimento global do agregado familiar supera este valor, o menor deixa de ser elegível,

independentemente das suas reais necessidades.

A legislação base que rege o FGADM data de 1998 e 1999, tendo sido concebida num contexto

socioeconómico distinto. Importa referir que, em anos anteriores, o critério de elegibilidade era mais

abrangente, baseando-se no valor do salário mínimo nacional, que atualmente é superior ao IAS. Esta

desatualização do critério de rendimento desvirtua o propósito do FGADM, limitando o alcance da proteção

social oferecida pelo fundo.

Assim, torna-se evidente que o modelo atual de funcionamento do FGADM carece de uma atualização

urgente, com vista a torná-lo mais justo, equitativo e adequado às condições socioeconómicas vigentes,

assegurando que cumpra efetivamente o seu objetivo principal: garantir a proteção dos menores em situações

de carência alimentar.

Nestes termos, o Grupo Parlamentar do CDS-PP, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais

aplicáveis, propõe que a Assembleia da República recomende ao Governo que:

– Reavalie os critérios de elegibilidade: Atualize o critério de rendimento aplicado para a elegibilidade ao

FGADM, considerando um limiar mais adequado à realidade atual, nomeadamente substituindo o IAS

por uma referência mais ajustada, como o salário mínimo nacional.

– Ajuste o modelo de cálculo: Promova uma revisão do método de aferição do rendimento, assegurando

que o mesmo reflete com maior precisão a situação económica do menor alimentado e do seu agregado

familiar, sem penalizar desproporcionalmente famílias em situações de vulnerabilidade económica.

Palácio de São Bento, 22 de novembro de 2024.

Os Deputados do CDS-PP: Paulo Núncio — João Pinho de Almeida.

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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 457/XVI/1.ª

RECOMENDA A CRIAÇÃO DA CARREIRA DE MÉDICO DENTISTA NO SERVIÇO NACIONAL DE

SAÚDE

Exposição de motivos

A saúde oral é parte integrante da saúde do indivíduo, estando relacionada com funções essenciais como a

alimentação, a comunicação oral ou a função respiratória. A ausência de saúde oral é indutora de um conjunto

de patologias e causa de agravamento de outras condições de saúde. A ausência de saúde oral tem

igualmente um impacto muito significativo no plano psicossocial, na capacidade de socialização, na

empregabilidade e em geral na autoconfiança do ser humano.

A situação do acesso à saúde oral no nosso País é particularmente grave. 32 % da população nunca foi, ou

apenas vai em emergências, a uma consulta com um médico dentista. Entre os menores de seis anos, mais

de 65 % nunca foi a uma consulta.

A situação da falta de acesso aos cuidados de saúde oral no nosso País está intrinsecamente ligada à

exígua resposta do Serviço Nacional de Saúde (SNS) nesta área, confirmando que, também nesta matéria, é

um instrumento indispensável à concretização do direito à saúde.

Não só o acesso aos cuidados de saúde oral é amplamente insuficiente como aquele que existe se faz

sobretudo através da prestação de cuidados privados, o que significa que existem sérias limitações e

discriminações de carácter socioeconómico na sua concretização. Portugal é o terceiro país da OCDE em que

a população enfrenta mais barreiras no acesso à saúde oral. Segundo o Relatório 2023 – Acesso aos

cuidados de saúde oral no SNS/ Saúde Oral 2.0, «Existe um forte gradiente social na prevalência das doenças

orais».

A resposta em saúde oral no SNS tem, no fundamental, estado assente em iniciativas de âmbito bastante

limitado, de reduzido alcance e muitas vezes dependendo da mobilização das autarquias locais para o

investimento em equipamentos, matéria que não estava no quadro das suas competências. O investimento de

mais de 350 milhões de euros nos programas de «cheque-dentista», aliás com pouca monitorização ou

fiscalização, não se traduziu em efetivas melhorias nos indicadores de saúde oral, sendo que 40 % dos

cidadãos que recebem o cheque não o utilizam.

Na realidade, a ausência de cobertura das necessidades de saúde oral ao nível dos cuidados de saúde

primários, apesar de sucessivos anúncios, é a razão mais significativa da falta de acesso. Seja por carência de

instalações, seja sobretudo pela não contratação de profissionais, para a maior parte da população os centros

de saúde não proporcionam estes cuidados.

Entretanto, está previsto no Plano de Recuperação e Resiliência um investimento de mais de 8,5 milhões

de euros para investimento em gabinetes de medicina dentária nos cuidados de saúde primários, para a

implantação de 176 destas unidades. Para além da garantia da sua concretização, importa assegurar as

condições para a manutenção e renovação destes equipamentos ao longo dos anos, bem como garantir que a

totalidade da população e do território são abrangidos por esta rede.

Contudo, é decisivo que a este investimento correspondam os meios humanos necessários para que ele

seja de facto colocado ao serviço das populações e não se traduza, em muitos locais, num gabinete fechado

com equipamento sem utilização. É por isso necessário, para além do aumento do número de higienistas orais

e de assistentes dentários, garantir a existência de médicos dentista em número adequado.

O número hoje existente de médicos dentistas a trabalhar no SNS é muito insuficiente para as

necessidades da população. Nas escassas contratações existentes campeiam os contratos de prestação de

serviços, sendo escassos os médicos dentistas vinculados ao Serviço Nacional de Saúde (SNS). Segundo o já

referido Relatório 2023 – Saúde Oral 2.0, dos 140 médicos dentistas a exercer no SNS, 118 estão contratados

de forma precária, designadamente a recibo verde.

Há todas as condições para contratar mais profissionais e para vincular e valorizar os que estão ou que

venham a estar nos serviços públicos, tendo como referência o objetivo futuro de um rácio de 1 profissional

por cada 2000 utentes.

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Nesse campo a criação da carreira especial de médico dentista é, desde há muito, uma necessidade

imperiosa, tratando-se um instrumento decisivo para aumentar o número de médicos dentistas nas unidades

do Serviço Nacional de Saúde. Esta medida é, aliás, preconizada, a par de medidas semelhantes para outras

profissões da saúde, no Plano de Recursos Humanos na Saúde 2030, recentemente divulgado pela ACSS, tal

como no Saúde Oral 2.0. Também a Provedoria de Justiça tem vindo a recomendar a criação da carreira de

médico dentista no SNS. Esta decisão permitiria regularizar a situação dos que hoje estão contratados de

forma precária e seria um forte instrumento para cativar muitos outros profissionais para trabalharem no SNS.

A criação desta carreira é tanto mais necessária quanto a carreira de técnico superior de saúde, regulada

pelo Decreto-Lei n.º 414/91, de 22 de outubro, na sua versão atual, não comporta, nos ramos de atividade aí

previstos, a atividade de médicos dentistas, o que significa que não há neste momento inserção adequada

para a contratação destes profissionais.

O PCP tem vindo a apresentar sucessivamente propostas de criação da carreira especial de médico

dentista, o que voltou a fazer na discussão do Orçamento do Estado para 2025, respeitando naturalmente os

direitos de negociação coletiva, que não têm obtido acolhimento na Assembleia da República e por sucessivos

governos, num total desrespeito por estes trabalhadores e desprezando as necessidades das populações.

Assim, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do

Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a

seguinte

Resolução

A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, recomendar ao

Governo que crie a carreira de médico dentista no Serviço Nacional de Saúde, respeitando o processo de

negociação coletiva com as organizações representativas dos trabalhadores, e proceda à contratação de

médicos dentistas para assegurar a valência de saúde oral nos cuidados de saúde primários em todo o

território.

Assembleia da República, 22 de novembro de 2024.

Os Deputados do PCP: Paula Santos — António Filipe — Paulo Raimundo — Alfredo Maia.

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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 458/XVI/1.ª

RECOMENDA AO GOVERNO QUE PROCEDA A UMA ANÁLISE E LEVANTAMENTO DAS

LIMITAÇÕES DO REGIME JURÍDICO VIGENTE E DA ORGANIZAÇÃO DA RESPOSTA DO SISTEMA EM

MATÉRIA DE MAUS-TRATOS E ABANDONO DE ANIMAIS

Exposição de motivos

A defesa dos direitos dos animais por um Estado é indicadora do estado de maturação da sua democracia

e da consciência de que a forma como tratamos e protegemos os animais, sejam ou não de companhia, diz

muito da nossa humanidade e das prioridades da nossa sociedade.

Discute-se atualmente em alguns países – e Portugal não é exceção – se é pertinente incluir a menção ao

«bem-estar animal» nas suas leis fundamentais. Tal discussão parece ser indicadora do crescente grau de

sensibilização da sociedade para as questões relacionadas com o bem-estar e a proteção animal. Em

Portugal, a Constituição não inclui esta menção, mas em países como a Alemanha, a Áustria, a Índia, a Itália

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ou a Suíça isso é já uma realidade1.

Em Portugal, a Lei n.º 92/95, de 12 de setembro, definiu medidas gerais de proteção aos animais e

estabeleceu limites quanto à utilização de animais para alguns fins. No entanto, apenas em 2014 se

criminalizaram os maus-tratos e abandono de animais de companhia com a publicação da Lei n.º 69/2014, de

29 de agosto. Esta era uma medida há muito reclamada por vários setores da sociedade civil, de entre os

quais se destacam as associações zoófilas e de defesa dos direitos dos animais. Segundo o Censo Nacional

dos Animais Errantes 20232, o número de animais errantes em Portugal ultrapassa os 830 mil e, apesar de

nem todos terem sofrido abandono, o censo identifica que as sanções ao abandono obtêm grande apoio de

entre as medidas propostas para prevenir o aumento das populações de errantes. Em 2015, por outro lado,

estabeleceu-se o quadro de penas acessórias aplicáveis aos crimes contra animais de companhia, com a

quadragésima alteração ao Código Penal, que ficou plasmado na Lei n.º 110/2015, de 26 de agosto.

Avaliar e aprofundar o regime jurídico em vigor, nomeadamente não o cingindo apenas a animais de

companhia, parece ser o passo óbvio para o caminho progressista e humanista que se tem feito nesta matéria

em Portugal.

Esta necessidade de avaliação advém também das questões sobre a constitucionalidade da Lei

n.º 69/2014, de 29 de agosto, tendo mesmo o Tribunal Constitucional anulado onze condenações com o

argumento de que a lei que criminalizou estas práticas não tinha cobertura constitucional3. Não obstante, e

fruto desta maturação democrática e da sensibilização social para estas matérias, já em 2024, o Tribunal

Constitucional decidiu finalmente não declarar a inconstitucionalidade da norma que prevê a criminalização de

maus-tratos de animais de companhia4.

Aliás, com o objetivo de apoiar e informar os trabalhos da Comissão Eventual de Revisão Constitucional

criada em 2022, a Divisão de Informação Legislativa e Parlamentar da Assembleia da República preparou um

conjunto de estudos, de âmbito constitucional, integrados num produto informativo denominado «Série

especial: Comissão Eventual para a Revisão Constitucional – 2022», sendo importante aqui destacar o estudo

respeitante ao bem-estar animal, que balizou o seu âmbito pelo teor do artigo 66.º da Constituição da

República Portuguesa, relativo a «Ambiente e qualidade de vida», e das propostas apresentadas pelos autores

dos diversos projetos de revisão constitucional sobre a matéria5. Este trabalho de direito comparado incluiu a

análise da proteção jurídica nesta matéria nos seguintes países: Alemanha, Áustria, Espanha, França, Índia,

Itália e Suíça, defendendo o Livre que deve ser aproveitado e tido em conta na avaliação do enquadramento

jurídico existente em Portugal e na identificação das respetivas limitações.

Os dados demonstram que, entre 2018 e 2022, foram cometidos quase dez mil crimes por abandono e

maus-tratos de animais e que 17 pessoas foram detidas por abandono ou maus-tratos a animais de

companhia no mesmo período6.

Outros passos têm sido dados não só no sentido de dar mais dignidade e melhor tratamento aos animais,

mas também no sentido de apoiar as famílias a cuidar dos seus animais de companhia. Para isso, o Livre

propôs, em sede de Orçamento do Estado, a redução do IVA para alimentação destinada a este fim e dos atos

médico-veterinários. No entanto, importa que a proteção dos animais e o seu direito a uma vida livre de

sofrimento não fique por aqui. Para tal, de forma a densificar e aprofundar o regime que regula os maus-tratos

e abandono de animais de companhia, e no sentido de acompanhar a legislação mais progressista que existe

na matéria, importa compreender as opções legislativas que estão a ser feitas noutros países, identificar as

fraquezas do atual regime português e melhorá-lo.

Assim, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do Livre

propõe à Assembleia da República que, através do presente projeto de resolução, delibere recomendar ao

Governo que:

1 Série especial: Comissão Eventual para a Revisão Constitucional – Bem-Estar Animal; Divisão de Informação Legislativa e Parlamentar da Assembleia da República. 2 Censo Nacional de Animais Errantes 2023, pág. 92. 3 Maus-tratos a animais: perto 10 000 crimes e 17 detidos em 5 anos – SIC Notícias. 4 TC > Comunicados > Arquivo – Comunicado – Acórdão n.º 70/2024. 5 Série especial: Comissão Eventual para a Revisão Constitucional – Bem Estar Animal; Divisão de Informação Legislativa e Parlamentar da Assembleia da República. 6 Quase dez mil crimes por abandono e maus-tratos de animais em cinco anos – Animais – Público.

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1 – Proceda à análise e levantamento das limitações do regime jurídico vigente e organização da resposta

do sistema em matéria de maus-tratos e abandono de animais, designadamente por comparação com outras

práticas nacionais e ordenamentos jurídicos de matriz semelhante;

2 – Na análise referida no número anterior, inclua a auscultação de, nomeadamente, associações da

sociedade civil locais e nacionais de defesa dos direitos dos animais, forças de segurança, entidades

governamentais, municípios e instituições académicas e científicas, com o objetivo de identificar limitações e

sensibilizar a própria administração pública e entidades com competências na matéria para as fragilidades do

sistema;

3 – Partilhe com a Assembleia da República os resultados e conclusões da análise e levantamento a que

se refere o n.º 1.

Assembleia da República, 22 de novembro de 2024.

Os Deputados do L: Isabel Mendes Lopes — Filipa Pinto — Paulo Muacho — Rui Tavares.

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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 459/XVI/1.ª

RECOMENDA O AUMENTO DO SALÁRIO MÍNIMO NACIONAL PARA 2025

Exposição de motivos

O artigo 273.º do Código do Trabalho (Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, na redação atual) estabelece a

retribuição mínima mensal garantida. Segundo dados governamentais, no segundo trimestre de 2023, 20,3 %

dos trabalhadores auferiam o salário mínimo nacional (SMN)1 e um quinto dos trabalhadores recebia o SMN, o

que expressa uma opção política de sucessivos Governos, assente em atividades económicas de baixos

salários. Estas escolhas políticas comprometem o poder de compra dos trabalhadores e a competitividade da

economia nacional.

Nos últimos anos, a elevada inflação tem exercido uma pressão adicional sobre os salários dos

trabalhadores e os rendimentos das pessoas. O inquérito às condições de vida e rendimento, realizado pelo

Instituto Nacional de Estatística, revela que 17 % das pessoas estavam em risco de pobreza em 2022, com um

aumento de mais de 2 % entre os menores de 18 anos, mantendo-se em 10 % nos adultos em idade ativa2.

O acordo tripartido 2025-2028 sobre a valorização salarial e o crescimento económico, assinado entre o

Governo, confederações patronais e sindicatos, prevê aumentos anuais do salário mínimo até 20283. A

proposta do Governo estabelece um salário mínimo nacional de 870 euros em 2025, partindo dos 820 euros

em 2024. Contudo, face à inflação registada nos últimos anos (5,3 % em 2023 e 2,6 % previstos pelo Banco

de Portugal para 20244) e ao aumento das despesas com a habitação, arrendada ou adquirida com recursos

ao crédito à habitação, este aumento revela-se insuficiente.

Historicamente, o salário mínimo nacional tem-se situado a cerca de 80 % do salário mínimo espanhol. Nos

últimos anos, esta relação tem-se alterado com prejuízo para Portugal. Atualmente, o SMN português é cerca

de 72 % do equivalente espanhol, que, em 2024, se situa em 1134 euros em 14 meses.

Por todos estes indicadores é necessário melhorar os salários dos trabalhadores. O Livre defende uma

estratégia robusta com prioridade para a economia do conhecimento, de elevado valor acrescentado,

1 Peso do salário mínimo no nível mais baixo dos últimos sete anos, Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social do XXIII Governo, 25 de agosto de 2023. 2 Inquérito às condições de vida e rendimento, Instituto Nacional de Estatística, 27 de novembro de 2023. 3 Governo assina acordo com parceiros sociais para aumentar salários, de 1 de outubro de 2024. 4 BoletimEconómico — outubro 2024, Banco de Portugal.

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alavancada na ciência e investigação científica, permitindo a valorização salarial, o aumento dos rendimentos

dos trabalhadores e o combate à pobreza. Mas não podemos esperar pelos resultados económicos para

concretizar os aumentos salariais. Nesse sentido, o Livre defende o aumento dos rendimentos através de um

compromisso de subida do salário mínimo nacional ao longo da legislatura até aos 1150 euros, em 2028,

reforçando o valor do trabalho enquanto componente produtiva fundamental para a economia.

É urgente aumentar os salários, mínimo e médio, valorizar as carreiras e profissões, e elevar o salário

mínimo nacional para melhorar as condições de vida das pessoas, permitir uma distribuição mais equitativa da

riqueza gerada no País pelos trabalhadores e empresas, reforçar as contribuições para a segurança social,

reduzir a desvalorização dos salários verificado nas últimas décadas e recuperar o poder de compra perdido

devido à inflação elevada.

Pelo exposto, o Livre defende um aumento do salário mínimo nacional mais consistente e substancial do

que o proposto pelo Governo, no caminho para a recuperação do equilíbrio histórico entre os salários mínimos

português e espanhol. Assim, propõe-se um aumento do salário mínimo nacional para 950 euros já em 2025

no caminho para alcançar o objetivo de um SMN de 1150 euros em 2028.

Assim, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do Livre

propõe à Assembleia da República que, através do presente projeto de resolução, delibere recomendar ao

Governo o aumento do salário mínimo nacional para 950 euros, a 1 de janeiro de 2025, com vista a atingir, em

2028, o salário mínimo nacional de 1150 euros.

Assembleia da República, 22 de novembro de 2024.

Os Deputados do L: Isabel Mendes Lopes — Filipa Pinto — Paulo Muacho — Rui Tavares.

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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 460/XVI/1.ª

RECOMENDA AO GOVERNO QUE PROCEDA À CRIAÇÃO DA CARREIRA ESPECIAL DE MÉDICO

DENTISTA NO SERVIÇO NACIONAL DE SAÚDE

Exposição de motivos

Portugal é o terceiro país da OCDE onde os cidadãos têm maior dificuldade de acesso a cuidados de

saúde oral1. Conforme dados do VII Barómetro da Saúde Oral2, acima de um terço da população não vai a

uma consulta há mais de um ano, sendo o principal motivo indicado as condições financeiras.

A saúde oral é um elemento integral e indissociável da saúde e do bem-estar da população. Não obstante a

qualidade de formação médico-dentária em Portugal, nas últimas duas décadas assistimos à degradação das

condições de prestação de cuidados à população devido, em grande parte, à falta de médicos dentistas no

Serviço Nacional de Saúde (SNS). Apenas 150 dos quase 13 000 médicos dentistas que exercem em Portugal

estão a trabalhar no SNS, o que representa pouco mais de 1 % destes profissionais3. Os médicos dentistas

são, todavia, atores essenciais da promoção integral da saúde e é deste modo muito importante que sejam

integrados em equipas pluridisciplinares nos cuidados de saúde primários e hospitalares e em atividades de

promoção da literacia em saúde.

Em 2017, foi dado parecer favorável do Ministério da Saúde a uma proposta de carreira especial resultante

1 Manifesto nacional dos médicos dentistas, Sindicato dos médicos Dentistas (SMD). 2 Barómetro da Saúde Oral, Ordem dos Médicos Dentistas, https://www.omd.pt/2022/11/barometro-saude-2022/. 3 Os números da Ordem 2023, Ordem dos Médicos Dentistas, https://www.omd.pt/content/uploads/2023/12/numeros-ordem-2023-pt.pdf.

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das conclusões do grupo de trabalho criado através do Despacho n.º 4326/2017, de 19 de maio4, cujos

objetivos se focaram na análise do enquadramento da atividade de médico dentista no âmbito do Serviço

Nacional de Saúde. Foi proposta de seguida a criação de uma carreira especial pelo Ministério da Saúde ao

Ministério das Finanças, mas nunca mais houve qualquer desenvolvimento sobre este assunto.

Atualmente, dos 150 médicos dentistas que exercem no Serviço Nacional de Saúde, 20 % estão

contratados como técnicos superiores do regime geral, uma carreira que não lhes permite o exercício pleno

das suas funções, e 80 % trabalha a recibos verdes através de empresas de trabalho temporário5. Estas

condições não valorizam o seu trabalho, nem permitem atrair estes profissionais para o SNS. De acordo com

dados revelados pelo Sindicato Nacional dos Médicos Dentistas, estes contratos de trabalho temporário

tiveram um custo de 1 576 000 euros em 2019, quando a criação da carreira especial de médico dentista teria

um custo de 263 000 euros anuais6.

No início de agosto de 2024, por outro lado, havia 32 gabinetes dentários do Serviço Nacional de Saúde

fechados7 devido à não contratação de profissionais. Esta situação arrasta-se desde janeiro de 2024, e

representa já um desperdício de mais de 30 000 consultas. Declarações do Bastonário da Ordem dos Médicos

Dentista alertam que «as unidades locais de saúde sentem-se limitadas por não haver carreira de médico

dentista no SNS. Sem carreira, torna-se difícil contratar»8.

À luz destes dados, e considerando que a saúde oral foi destacada como área de intervenção prioritária

para a prevenção da doença e promoção da saúde no Relatório do Orçamento do Estado para 20259, o Livre

entende como prioritária a criação de uma carreira especial de médico dentista, permitindo a estes

profissionais poderem exercer plenamente, e com reconhecimento, no Serviço Nacional de Saúde, e as

populações ter acesso, sem custos adicionais, a serviços de saúde oral de qualidade.

Assim, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do Livre

propõe à Assembleia da República que, através do presente projeto de resolução, delibere recomendar ao

Governo que:

1 – Crie, no prazo de 90 dias, a carreira especial de médico dentista no Serviço Nacional de Saúde,

reconhecendo a complexidade e especialidade desta profissão e desenvolvendo um plano de progressão na

carreira que valorize a experiência e a formação contínua destes profissionais;

2 – Garanta a integração na carreira de todos os médicos dentistas atualmente em funções no Serviço

Nacional de Saúde, independentemente do seu vínculo de trabalho;

3 – Crie mecanismos de integração dos médicos dentistas em equipas multidisciplinares, tanto nos

cuidados de saúde primários como a nível hospitalar;

4 – Implemente um programa de incentivos para fixação de médicos dentistas em áreas geográficas com

maior carência destes cuidados e profissionais, garantindo o acesso equitativo aos cuidados de saúde oral

para toda a população.

Assembleia da República, 22 de novembro de 2024.

Os Deputados do L: Isabel Mendes Lopes — Filipa Pinto — Paulo Muacho — Rui Tavares.

———

4 Despacho n.º 4326/2017 – DiáriodaRepública. 5 Https://www.publico.pt/2022/08/19/sociedade/reportagem/oito-dez-dentistas-centros-saude-trabalham-recibos-verdes-2017544. 6 Manifesto nacional dos médicos dentistas, Sindicato dos médicos Dentistas (SMD). 7 Mais de 30 consultórios dentários parados no SNS. Verbas do PRR «desperdiçadas» – Saúde – Público. 8 Mais de 30 consultórios dentários parados no SNS. Verbas do PRR «desperdiçadas» – Saúde – Público. 9 Relatório do Orçamento do Estado para 2025, pág. 271.

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II SÉRIE-A — NÚMERO 133

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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 461/XVI/1.ª

RECOMENDA A RECOLHA DE DADOS SOBRE CRIANÇAS E JOVENS EXCLUÍDOS DE ACESSO AO

FUNDO DE GARANTIA DOS ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES

Exposição de motivos

O Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores (FGADM), criado em 19991, é um mecanismo que

assegura o pagamento das prestações de alimentos a menores quando há incumprimento por parte do pai ou

mãe responsável2, visando assegurar a subsistência da criança ou jovem até aos 18 anos e considerando

necessidades de sustento, habitação, vestuário e educação.

Com efeito, e de acordo com dados disponibilizados pelo Público3, o Estado assumiu o pagamento desta

prestação a 14 022 crianças, havendo um decréscimo de cerca de 30 % desde 2017. Embora à partida isto

possa parecer significar um avanço, quer do ponto de vista do cumprimento das obrigações por parte das

figuras parentais, quer do ponto de vista da eficácia da cobrança, o certo é que se impõe questionar se

efetivamente há menos pedidos de apoio ao FGADM ou se há menos hipóteses de acesso, principalmente

para as crianças e famílias mais vulneráveis.

Vejamos: para que se possa beneficiar do pagamento desta prestação, a capitação de rendimentos do

respetivo agregado familiar não pode ser superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) e o valor

máximo da prestação paga pelo FGADM não pode exceder mensalmente o montante de 1 IAS por cada

devedor, independentemente do número de filhos. Basta que a pessoa responsável pela criança receba o

salário mínimo para não poder aceder ao FGADM. Além disso, não está prevista a hipótese de atualização

anual das prestações a cargo do FGADM (ao contrário das prestações definidas para as figuras parentais), o

que significa que estaremos frequentemente a falar de prestações desatualizadas face ao custo de vida e

necessidades reais e específicas da criança.

Ora, se há dados relativos a 2023 que indicam que existem 2 milhões e cem mil pessoas em Portugal em

risco de pobreza e exclusão social4, e sabendo-se também que, infelizmente, o aumento da pobreza abrangeu

de forma mais significativa as crianças e os jovens até aos 18 anos5, entende o Livre que é imperativo obter

informação sobre quem fica excluído do acesso ao FGADM e quais as razões dessa exclusão/indeferimento

para que as decisões legislativas e sobre políticas a adotar nesta área, com o objetivo de assegurar o superior

interesse da criança, sejam decisões informadas, esclarecidas e promotoras de mais direitos para estas

crianças e jovens.

Assim, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do Livre

propõe à Assembleia da República que, através do presente projeto de resolução, delibere recomendar ao

Governo que:

1 – Recolha dados sobre:

a) O número de indeferimentos de pedidos de acesso ao FGADM;

b) Os motivos do indeferimento;

c) O número de crianças e jovens cuja figura parental incumpre o pagamento das prestações de alimentos

a menores e que não cumpre os critérios de acesso ao FGADM;

d) O número de jovens que deixa de beneficiar do FGADM por atingir o limite da maioridade legal e de

entre esses quais os que ainda se encontram a estudar;

e) O número de crianças e jovens que beneficia do FGADM, mas cujo montante da prestação fixado

judicialmente não está adequado às necessidades reais da criança/jovem;

f) A percentagem de reembolso da figura parental devedora.

1 Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de maio. 2 Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores – seg-social.pt. 3 Https://www.publico.pt/2024/03/26/sociedade/noticia/recurso-estado-garantir-pensoes-alimentos-menores-baixou-30-sete-anos-2084168. 4 Https://sicnoticias.pt/pais/2024-06-14-video-ha-mais-criancas-em-situacao-de-pobreza-76c1f5c5. 5 INE – Inquérito às condições de vida e rendimento.

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22 DE NOVEMBRO DE 2024

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2 – Os dados recolhidos no número anterior devem ser objeto de compilação em sede de relatório com

avaliação de recomendações para mitigação do risco de pobreza infantil.

3 – O relatório referido no número anterior deve ser apresentado à Assembleia da República.

Assembleia da República, 22 de novembro de 2024.

Os Deputados do L: Isabel Mendes Lopes — Filipa Pinto — Paulo Muacho — Rui Tavares.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO.

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