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Sábado, 21 de Outubro de 1969
II Série-B — Número 1
DIÁRIO
da Assembleia da Republica
V LEGISLATURA
3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1989-1990)
SUMÁRIO
Voto n.° 82/V:
De pesar pelo elevado número de vítimas resultantes
do terramoto ocorrido em São Francisco.......... 2
Inquérito parlamentar n.° 14/V (com vista a apurar em toda a extensão a conduta dos serviços oficiais, designadamente da administração fiscal, intervenientes no processo de aquisição pelo Ministro das Finanças de apartamentos no Edifício Amoreiras e na Rua de Francisco Stromp, em Lisboa):
Relatório final e conclusões da Comissão Eventual de Inquérito....................................... 2
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II SÉRIE-B — NÚMERO 1
VOTO N.° 82/V
DE PESAR PELO ELEVADO NÚMERO DE VÍTIMAS RESULTANTES DO TERRAMOTO OCORRIDO EM SAO FRANCISCO
O terramoto ocorrido na noite passada na baía de São Francisco, nos Estados Unidos da América, vitimou um avultado número de pessoas, para além de ter provocado elevados danos materiais.
Esta dramática ocorrência suscitou natural emoção na Assembleia da República, dado o elevado número de vítimas.
A Assembleia da República tem também presente o facto de na região residir uma importante comunidade portuguesa emigrante.
Face a esta situação, a Assembleia da República manifesta o seu profundo pesar pelo elevado número de vítimas resultantes do terramoto ocorrido em São Francisco e expressa a sua solidariedade com o povo dos Estados Unidos da América, os habitantes da região sinistrada, os familiares das vítimas e, em particular, com a comunidade portuguesa emigrante aí residente.
Palácio de São Bento, 18 de Outubro de 1989. — Os Deputados: Fernando Conceição (PSD) — José Lello (PS) — Luísa Amorim (PCP) — Narana Coissoró (CDS) — André Martins (Os Verdes).
INQUÉRITO PARLAMENTAR N.° 14/V
COM VISTA A APURAR EM TODA A EXTENSÃO A CONDUTA DOS SERVIÇOS 0HC1AIS, DESIGNADAMENTE DA ADMINISTRAÇÃO RSCAL INTERVENIENTES NO PROCESSO DE AQUISIÇÃO PELO MINISTRO DAS RNANÇAS DE APARTAMENTOS NO EDIFÍCIO AMOREIRAS E NA RUA DE FRANCISCO STROMP. EM LISBOA.
COMISSÃO EVENTUAL DE INQUÉRITO Relatório
I
1 — A Comissão Eventual de Inquérito com vista «a apurar em toda a extensão a conduta dos serviços oficiais, designadamente da administração fiscal, intervenientes no processo de aquisição pelo Ministro das Finanças de apartamentos no Edifício Amoreiras e na Rua de Francisco Stromp, em Lisboa [...]», foi criada por força do disposto nos artigos 183.°, n.° 2, alínea é), da Constituição da República Portuguesa e 253.°, n.° 2, do Regimento da Assembleia da República, tendo tomado posse, perante o Presidente da Assembleia da República, no dia 9 de Maio de 1989, e sendo integrada pelos seguintes deputados:
Alberto Monteiro de Araújo; António de Carvalho Martins; António Domingues de Azevedo; António José Caeiro da Mota Veiga; António Magalhães da Silva;
António Manuel Lopes Tavares; Aristides Alves Nascimento Teixeira; Basílio Adolfo Mendonça Horta da Franca;
Carla Maria Tato Diogo;
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal;
Ercília Domingos Monteiro da Silva;
Fernando José Antunes Gomes Pereira;
Francisco Barbosa da Costa;
Humberto Pires Lopes;
João Granja Rodrigues da Fonseca;
João Soares Pinto Montenegro;
Joaquim Maria Fernandes Marques;
José Luís Campos Vieira de Castro;
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos;
José Manuel da Silva Torres;
Luís da Silva Carvalho;
Manuel António dos Santos;
Maria Amélia do Carmo Mota Santos;
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio;
Maria Odete Santos;
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva;
Octávio Augusto Teixeira;
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Ocorreram, entretanto, as seguintes substituições de deputados:
Em 7 de Setembro de 1989, de Maria Amélia do Carmo Mota Santos por André Valente Martins;
Em 19 de Setembro de 1989, de Humberto Pires Lopes e João Granja Rodrigues da Fonseca por Belarmino Henriques Correia e Eduardo Pereira da Silva.
2 — Em 18 de Maio de 1989 foi eleita a mesa da Comissão Eventual de Inquérito, que ficou composta pelos seguintes deputados:
Presidente — Joaquim Maria Fernandes Marques; Vice-presidente — Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio;
Secretários — Octávio Augusto Teixeira e Carla Maria Tato Diogo.
3 — A Comissão Eventual de Inquérito procedeu à audição dos senhores:
Leonel Corvelo de Freitas, técnico tributário da 4." Direcção de Serviços da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, em 7 de Junho de 1989;
Dr. Freire Dias, jurista da Consultadoria Jurídica da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, e Dr. Joaquim Silvério Dias Mateus, director de serviços da 4.8 Direcção de Serviços da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, em 14 de Junho de 1989;
Manuel Zeferino da Silva, supervisor tributário da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, em 28 de Junho de 1989;
Dr. Oliveira Pinto, administrador geral da Caixa Geral de Depósitos, e Dr. Tomás Correia, director da mesma instituição financeira, em 6 de Julho de 1989;
Dr. João Oliveira, presidente do conselho de gerência do Banco Português do Atlântico, e engenheiro Vítor Manuel da Silva Ribeiro, sócio gerente da sociedade Empreendimento Urbanístico da Torre das Amoreiras, em 11 de Julho de 1989;
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António Malaquias, chefe da Repartição de Finanças do 8.° Bairro Fiscal de Lisboa, em 18 de Julho de 1989;
Dr. Miguel José Ribeiro Cadilhe, Ministro das Finanças do XI Governo Constitucional, em 19 de Julho de 1989;
Dr. Emanuel de Sousa, advogado, em 26 de Julho de 1989;
Engenheiro Celso da Câmara Pestana, sócio gerente da sociedade SOCAFO — Sociedade de Construções, Administração e Fomento, Lda, em 6 de Setembro de 1989;
Engenheiro Almeida Henriques, administrador da sociedade Arena — Construções e Turismo, S. A., em 7 de Setembro de 1989.
4 — Em reunião efectuada em 19 de Setembro de 1989 a Comissão elegeu, por maioria, o deputado Miguel Macedo para elaborar a proposta de relatório e conclusões do presente inquérito.
II
A Comissão Eventual de Inquérito foi constituída nos termos do projecto de deliberação n.° 42/V da Assembleia da República, tendo o seguinte objecto: apurar em toda a extensão a conduta dos serviços oficiais, designadamente da administração fiscal, intervenientes no processo de aquisição pelo Ministro das Finanças de apartamentos no Edifício Amoreiras e na Rua de Francisco Stromp, em Lisboa, por forma a determinar as condições em que os negócios jurídicos foram celebrados e os actos e omissões praticados pelos serviços no tocante à aplicação das normas legais proibitivas de simulação de preços e evasão fiscal, bem como as condições em que o Ministro das Finanças fez uso, para fins alheios àqueles a que se destinam, de veículos e pessoas da Guarda Fiscal.
III
Na investigação a que a Comissão procedeu para o apuramento da conduta dos serviços oficiais, designadamente da administração fiscal, no processo de aquisição pelo Ministro das Finanças de apartamentos no Edifício Amoreiras e na Rua de Francisco Stromp, foram apurados os factos seguintes:
1 — Em 30 de Setembro de 1987 o Ministro das Finanças celebrou, como segundo outorgante, um con-trato-promessa de compra e venda e permuta com a sociedade Empreendimento Urbanístico das Torres das Amoreiras, L.da, adiante designada, de forma abreviada, por EUTA. Este contrato convencionava a permuta da fracção autónoma do prédio urbano na Rua de Francisco Stromp, 5, bloco 2, 2.°, E, em Lisboa, pela fracção autónoma, constituída sobre o direito de superfície perpétuo, implantado no lote 4, 4.°, esquerdo, A, do prédio urbano sito na Rua de Silva Carvalho e Rua das Amoreiras, em Lisboa — Empreendimento das Amoreiras.
2 — As condições convencionadas naquele contrato--promessa de permuta incluíam a atribuição do valor de 17 490 000$ à fracção autónoma das Amoreiras e do valor de 11 500 000$ à fracção autónoma da Rua de Francisco Stromp.
3 — Mais se convencionava que o pagamento da diferença, no montante de 5 990 000$, fosse efectuado da forma seguinte:
2 500 000$ a título de sinal e princípio de pagamento da diferença;
3 490 000$ com a assinatura da escritura de permuta.
4 — Como ficou visto, a diferença entre os valores declarados pelos promitentes permutantes cifrava-se em 5 990 000$, valor este inferior ao limite de isenção de pagamento do imposto de sisa, fixado no Decreto-Lei n.° 114-A/88, de 8 de Abril, em 10 000 000$ para «as transmissões de prédio ou fracção autónoma de prédio urbano destinado exclusivamente a habitação» (artigo 1.° do acima citado Decreto-Lei n.° 114-A/88).
5 — 0 Ministro das Finanças declarou que, apesar de as opiniões por si recolhidas serem no sentido de que o negócio em questão estava isento de pagamento do imposto de sisa, decidiu promover consulta prévia à Direcção-Geral das Contribuições e Impostos (DGCI).
6 — O Ministro das Finanças, tendo em conta a relevância do cargo político que desempenha, procurou garantir, com a máxima certeza jurídica, as implicações tributárias decorrentes daquela permuta.
7 — Para este efeito, solicitou a um jurista, o Dr. Mário Martins David, que formulasse e subscrevesse um pedido de parecer à DGCI. O Dr. Mário Martins David, utilizando o seu próprio nome, dirigiu à DGCI, em 26 de Abril de 1988, uma exposição em que ficavam descritas as condições da permuta constantes do contrato-promessa celebrado entre o Ministro das Finanças —não mencionado na referida consulta— e a EUTA, requerendo, ao abrigo do artigo 14.° do Código de Processo das Contribuições e Impostos, a prestação do «esclarecimento que permita, na questão levantada, actuar em cumprimento com o disposto nas leis tributárias» (citado parágrafo final do requerimento subscrito pelo Dr. Mário Martins David e dirigido ao director-geral das Contribuições e Impostos).
8 — A 4." Direcção de Serviços da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos distribuiu este processo ao Sr. Leonel Corvelo de Freitas, técnico tributário, que produziu a informação com o n.° 1454, de 17 de Junho de 1988, da qual nos permitimos transcrever a conclusão (p. 4 da supracitada informação):
Nestes termos, e em conclusão, sou de parecer que se poderá informar o consulente de que a aquisição que pretende efectuar, nos exactos termos em que a caracterizou, beneficia de isenção de sisa, nos termos do artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 114-A/88, de 8 de Abril.
Deve, contudo, chamar-se a atenção do consulente para o facto de que tal isenção poderá, eventualmente, não vir a manter-se se, em consequência da avaliação do prédio omisso na matriz, a operar-se por força do disposto no artigo 53.° do Código da Sisa, vier a resultar uma diferença de valores matriciais superior ao limite da isenção.
9 — Sobre a informação n.° 1454, subscrita pelo técnico tributário Sr. Leonel Corvelo de Freitas, recaiu o despacho, de 26 de Agosto de 1988, do director de serviços Dr. Joaquim Silvério Dias Mateus, que, embora
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confirmando aquela informação, levanta algumas dúvidas sobre a validade da solução preconizada com base no argumento de que «o artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 114-A/88, de 8 de Abril, na esteira de diplomas anteriores, parece apontar para o valor de cada imóvel que se transmite, fixando esse valor em determinado limite», termos em que conclui «[...] ouvir a Consultadoria Jurídica, que, com a profundidade habitual, não deixará de proceder a um estudo mais amplo da matéria».
10 — Em cumprimento do supracitado despacho proferido pelo director de serviços da 4." Direcção de Serviços da DGCI, a Consultadoria Jurídica emitiu parecer, datado de 26 de Setembro de 1988, subscrito pelo jurista Dr. Freire Dias, de cujo texto nos permitimos salientar que «à informação n.° 1454, de 14 de Junho de 1988, da 4.a Direcção de Serviços deve ser, inteira e integralmente, dada concordância, porque equaciona o problema com toda a correcção e sou de parecer que, juridicamente, oferece a melhor interpretação das disposições aplicáveis», para, de seguida, acrescentar que «a confirmação do director é, portanto, de tomar, expurgada da dúvida que levanta (e os termos dubitativos em que a formula indicam que se trata mais de uma chamada de atenção à sua possibilidade do que uma verdadeira hesitação), pois parece claro que tudo indica — a própria lógica do sistema — que o valor a ter em conta é o da diferença da parte do preço que excede o valor dos prédios permutados, o que vale tanto para a determinação do valor colectável pela sisa como também para o limite dentro do qual funciona a isenção».
11 — Esta foi a conclusão transmitida ao requerente, Dr. Mário Martins David, depois de obtido despacho concordante.
12 — Questão que não deixou de suscitar interrogações diversas por parte de alguns Srs. Deputados membros da Comissão de Inquérito prendia-se com a legalidade e a legitimidade do pedido de parecer produzido pelo Dr. Mário Martins David.
13 — A este propósito, apurou-se que a disposição legal aplicável —artigo 14.°, alínea b) do § 2.°— permite que qualquer cidadão solicite ao director-geral parecer vinculativo sobre determinada questão fiscal, sendo absolutamente irrelevante, para este efeito, que o requerente actue em nome próprio ou de outrem. Nada na lei proíbe este procedimento.
14 — Dos depoimentos prestados pelos Srs. Leonel Corvelo de Freitas, Dr. Freire Dias e Dr. Dias Mateus resultou inequívoco o desconhecimento da administração fiscal de que a situação exposta pelo Dr. Mário Martins David respeitava, afinal, ao contrato de permuta celebrado entre a EUTA e o Ministro das Finanças.
15 — A Comissão de Inquérito não deixou de investigar a existência de outras situações fiscais análogas, quer anteriores, quer posteriores —v. g., processo n.° 15/15, livro n.° 17/2020, de 22 de Maio de 1987, processo n.° 15/20, livro n.° 18/1536, informação n.° 2146, de 11 de Novembro de 1988, e processo n.° 15/10, livro n.° 18/1915, informação n.° 772, de 14 de Abril de 1989—, tendo-se concluído, pelos documentos que integram o processo e pelos depoimentos prestados, que outros casos de isenção de sisa em permutas mereceram parecer positivo da administração fiscal.
16 — No decorrer dos trabalhos foi por diversas vezes criticada a ausência de instruções aos serviços por parte da DGCI, consagrando o entendimento que recaiu sobre os processos acima citados. A este propósito apurou-se que o atraso verificado na emissão do respectivo ofício-circulado ficou a dever-se, exclusivamente, ao facto de o técnico encarregado da redacção do projecto —Sr. Leonel Corvelo de Freitas— haver sido incumbido de, naquele projecto, incluir o entendimento da administração relativo não apenas às transmissões operadas por permutas mas também à transmissão simultânea de diversos prédios ou fracções autónomas, à transmissão de figuras parcelares do direito de propriedade, à transmissão de partes indivisas de prédios, à transmissão de despensas e garagens, à destinação exclusiva a habitação, a outras transmissões específicas (artigo 8.°, n.os 13.°, 14.° e 15.°, do Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações), outros benefícios fiscais (Decreto-Lei n.° 540/76 — emigrantes), outros benefícios fiscais (artigo 11.°, n.° 21.°, e artigo 16.°-A do Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações) e, finalmente, a convolação de isenções e fiscalização.
O ofício-circulado com o entendimento da Administração sobre todas estas matérias foi emitido em 5 de Junho de 1989, com a referência «4.a DS, processo n.° 3/5, livro n.° 18/2990».
17 — Tudo visto, conclui-se pela regularidade e legalidade da actuação da administração fiscal.
IV
1 — Por ter assumido as funções de Ministro das Finanças do X Governo Constitucional, o Dr. Miguel Cadilhe decidiu adquirir uma residência em Lisboa. Para tanto celebrou com a SOCAFO — Sociedade de Construções, Administração e Fomento, L.da, um contrato--promessa de compra e venda, em 23 de Dezembro de 1985, do 2.° andar, letra E, bloco 2, do prédio sito em Lisboa, na Rua de Francisco Stromp.
2 — 0 preço da prometida venda foi fixado em 6 100 000$, tendo o promitente comprador pago, a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de 400 000$.
3 — No início de 1986, o promitente comprador decidiu mandar efectuar, de sua conta, obras de beneficiação no valor de 1 320 000$ e, em 31 de Julho daquele ano, passou a habitar o andar.
4 — Em Setembro de 1987, o Ministro das Finanças solicitou ao engenheiro Almeida Henriques, administrador da Sociedade de Construções Amadeu Gaudêncio, S. A., e da mediadora imobiliária Arena — Construções e Turismo, S. A., a sua colaboração para a procura de um outro andar em Lisboa, que pretendia adquirir por permuta com o andar da Stromp.
5 — No decurso de uma reunião do consórcio de empresas constituído para a execução de obras do aeroporto do Porto, o engenheiro Almeida Henriques perguntou ao engenheiro Vítor Ribeiro, sócio gerente da EUTA, se, no Empreendimento das Amoreiras, possuía algum apartamento para venda e qual o respectivo preço.
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A resposta do engenheiro Vítor Ribeiro foi afirmativa e informou ainda que o preço era de 110 000$ por metro quadrado para um apartamento com 159 m2 (cf. depoimento dos engenheiros Vítor Ribeiro e Almeida Henriques).
6 — Apenas no termo daquela reunião, e quando já havia sido fixado o preço de venda do andar, o engenheiro Almeida Henriques informou o engenheiro Vítor Ribeiro de que o interessado naquele apartamento era o Ministro das Finanças, que pretenderia fazer uma permuta com o andar que habitava na Rua de Francisco Stromp.
Esta proposta foi aceite pelo engenheiro Vítor Ribeiro, ficando «a mediadora Arena de vender esse andar da Francisco Stromp no máximo de 120 dias» (cf. depoimento do engenheiro Vítor Ribeiro de 11 de Julho de 1989, a p. 115).
7 — 0 administrador da Arena, engenheiro Almeida Henriques, propôs, em Março de 1988, ao Dr. Emanuel de Sousa, seu amigo pessoal, a venda do andar da Rua de Francisco Stromp pela importância de 11 500 000$, importância que o promitente comprador liquidou integralmente no dia 18 daquele mesmo mês através de cheque ao portador sobre a Caixa Económica Açoreana, S. A.
8 — 0 engenheiro Almeida Henriques, pelo seu punho, apôs no referido chefe a denominação da entidade beneficiária — EUTA, Lda
9 — Esta sociedade recebeu e contabilizou aquele cheque com o valor acordado como promitente vendedor.
10 — Em finais de 1988, a EUTA solicitou ao Dr. Emanuel de Sousa a indicação do nome da entidade a favor da qual devia ser emitido o documento de quitação da importância de 11 500 000$.
O Dr. Emanuel de Sousa deu instruções à EUTA no sentido de que aquele documento fosse passado em nome do então potencial interessado no andar, a sociedade Anro & Company, Ltd., com sede em Inglaterra.
11 — Ao que se apurou, a Anro, posteriormente, ter--se-á desinteressado da aquisição do andar, em virtude de terem surgido dificuldades de ordem registrai motivadas por alterações toponímicas da localização do prédio.
12 — A escritura de compra e venda do andar da Rua de Francisco Stromp, a ser outorgada pela EUTA e pelo Dr. Emanuel de Sousa, não ocorreu ainda por subsistência das dificuldades acima descritas.
13 — Uma das questões que a Comissão não deixou de debater prende-se com as dificuldades de ordem patrimonial e Financeira com que, a partir de determinado nomento, a SOCAFO se começou a debater.
Estas dificuldades impediam aquela empresa de solver as obrigações decorrentes dos empréstimos hipotecários que havia contraído junto da Caixa Geral de Depósitos e que se destinavam ao financiamento da construção do Edifício Stromp e das torres da Póvoa de Santa Iria.
14 — Negociações havidas entre a Caixa Geral de Depósitos e a SOCAFO conduziram a que o promitente vendedor dos apartamentos do Edifício Stromp propusesse aos promitentes compradores a revisão dos montantes vincendos a efectuar, de acordo com os contratos-promessa de compra e venda, no momento de outorga das escrituras.
15 — Instado pela SOCAFO, o Ministro das Finanças acedeu a fazer acrescer ao preço inicialmente acordado de 6 100 000$ uma importância equivalente aos juros de depósitos a prazo, líquidos de imposto de capitais, no montante de 1 370 000$.
16 — A SOCAFO, para distrate da hipoteca que onerava o 2.° andar, E, bloco 2, da Rua de Francisco Stromp, fez entrega à Caixa Geral de Depósitos, em 2 de Outubro de 1987, da quantia de 8 342 618$.
17 — A diferença existente entre o distrate e o preço por que veio, afinal, a realizar-se a venda daquela fracção autónoma — conforme consta da escritura de compra e venda outorgada entre a SOCAFO e o Ministro das Finanças em 22 de Outubro de 1987—, no montante de 872 618$, foi suportada pela SOCAFO, conforme declarações do Sr. Celso Pestana, sócio gerente daquela empresa.
18 — Com efeito, na audição a que a Comissão procedeu ao engenheiro Celso Pestana, em reunião de 6 de Setembro de 1989, este afirmou que «foi realmente a SOCAFO que suportou esses 900 contos», para, noutro passo do seu depoimento, acrescentar que «tudo o que fosse vender andares em que a SOCAFO não recebesse um tostão, mas que servisse para diminuir a dívida para com a Caixa Geral de Depósitos, fá-lo-íamos com todo o gosto».
19 — Em 20 de Janeiro de 1988 o Ministro das Finanças contraiu, na qualidade de quadro superior do Banco Português do Atlântico, um empréstimo no montante de 6 000 000$, ao abrigo do regime consagrado no contrato colectivo de trabalho dos bancários, destinado ao pagamento da diferença de valor dos andares da Rua de Francisco Stromp e do Empreendimento das Amoreiras que foram permutados.
20 — Aliás, como quadro superior do Banco Português do Atlântico, o Ministro das Finanças tinha direito, e foi-lhe proposto, a contrair este empréstimo em condições mais vantajosas —ao abrigo da denominada «modalidade de retenção de quadros»—, a que renunciou. A Comissão apurou ainda que alguns funcionários do Banco Português do Altântico usufruíram de empréstimos ao abrigo do regime de retenção de quadros apesar de exerecerem funções na Assembleia da República, em autarquias locais e em empresas públicas e até em situação de licença sem vencimento.
21 — Os andares da Rua de Francisco Stromp e do Empreendimento das Amoreiras beneficiaram da isenção do pagamento de sisa ao abrigo do Decreto-Lei n.° 108/87, de 10 de Março, e do artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 114-A/88, de 8 de Abril, respectivamente.
Todavia, sobre a aquisição das fracções autónomas correspondentes à garagem e arrecadação, adquiridas à EUTA por 2 184 950$, conforme escritura outorgada em 7 de Dezembro de 1988, incidiu o pagamento do imposto de sisa na importância de 218 495$.
22 — Ambos os andares foram ocupados em datas anteriores às outorgadas nas respectivas escrituras de compra e venda e de compra e venda e permuta, facto que suscitou discussão em torno das consequências tributárias decorrentes da tradição.
23 — A informação n.° 194, processo n.° 40/3, livro n.° 15/4302, de 8 de Março de 1983, consagra o princípio de que a verificação da tradição é relevante, quer para o reconhecimento da isenção, quer para a
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incidência da sisa, entendimento que foi acolhido, em 23 de Março de 1983, pela 4.a Direcção de Serviços da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos.
24 — A informação n.° 359, processo n.° 14/7, livro n.° 16/5712, de 11 de Abril de 1986, perfilha o anterior entendimento, por considerar que, «tendo a tradição, por força das disposições atrás citadas, relevância para efeitos de tributação em imposto de sisa, não poderá deixar de a ter também para efeitos do reconhecimento da sua isenção».
Porém, o director de serviços da 4.a Direcção de Serviços da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos expressou a opinião de que a resposta «deverá ser que a tradição das habitações impede o posterior reconhecimento da isenção, uma vez que o que se pretendeu favorecer foram as tradições efectivas de imóveis durante o ano de 1986 e não as simples promessas de compra e venda com tradição».
Este entendimento veio a ser confirmado, em 30 de Abril de 1986, pela jurista Dr.a Maria Aldina Margarido Moreira, da Consultadoria Jurídica da Direcção--Geral das Contribuições e Impostos.
A informação n.° 1136, processo n.° 19/7, livro n.° 18/36, de 17 de Maio de 1988, ao concluir que, «como tem vindo a ser entendido pela administração fiscal que a ocorrência de transmissão, segundo o conceito fiscal, antes da outorga da escritura de compra afasta definitivamente a possibilidade de reconhecimento da isenção da sisa», vem corroborar a doutrina inserta na já citada informação n.° 359, de 11 de Abril de 1986.
Todavia, na sequência de recurso apresentado pelo interessado naquele processo n.° 19/7, um técnico do Gabinete do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais propôs «que se considere não relevante face à realidade descrita o desfasamento temporal entre as datas de ocupação das lojas e a realização das escrituras, anulando-se, consequentemente, a liquidação das sisas [...]», proposta sobre a qual recaiu despacho favorável, em 6 de Junho de 1988, do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.
25 — A informação n.° 681, processo n.° 19/7, livro n.° 17/3303, de 11 de Março de 1988, retoma a doutrina consagrada na informação n.° 194, de 1983, descrita no ponto 22 deste relatório, podendo mesmo ler-se a dado passo:
Depara-se-nos, assim, uma situação algo caricata, consistente no seguinte: no mercado imobiliário existem milhares de habitações prometidas vender e comprar, mas os promitentes compradores, por razões sobejamente conhecidas, nomeadamente de ordem burocrática, não podem outorgar as escrituras de imediato, mas, para não perderem o direito à isenção, devem mantê-las desocupadas até àquela ocorrência.
Não se vê que, sendo assim, se fomente de qualquer forma o mercado de habitação.
A propósito desta informação, o jurista Dr. Norberto Severino, da Consultadoria Jurídica, concluiu, designadamente, que «a tradição de um prédio ou fracção do prédio destinada a habitação vale como transmissão para efeitos de tributação/não tributação».
O director-geral das Contribuições e Impostos manifestou, em despacho que submeteu à consideração do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, a sua concordância com o parecer do Dr. Norberto Severino,
«em consonância, aliás, com o entendimento firmado por despacho de 12 de Abril de 1983, proferido no processo n.° 40/3, livro n.° 15/14 302, e por despacho ministerial de 6 de Junho de 1988, proferido no processo n.° 19/7, livro n.° 18/36, [...]».
26 — Do que fica relatado ressalta que, no tocante às consequências tributárias decorrentes da tradição, não tem sido uniforme o entendimento da administração fiscal,, mas é inequívoco que a solução materialmente aceitável e justa é a que ficou consagrada nos despachos proferidos em 12 de AbriJ de 1983 e em 6 de Junho de 1988, nos processos n.os 40/33, livro n.° 15/4302, e 19/7, livro n.° 18/36, respectivamente. Ou seja, a verificação da tradição é relevante quer para o reconhecimento da isenção, quer para a incidência da sisa.
27 — No que concerne ao negócio jurídico de permuta do andar da Rua de Francisco Stromp pelo das Amoreiras, a Comissão não deixou de investigar e discutir a possibilidade de verificação de simulação.
28 — Da vasta documentação carreada para o processo e dos depoimentos dos engenheiros Vítor Ribeiro e Celso Pestana resulta claro que, relativamente aos andares da Rua de Francisco Stromp e do Empreendimento das Amoreiras, os preços de venda correspondem aos que foram praticados para todos os compradores.
29 — Particularmente confirmativos deste facto são os valores declarados nos termos de declaração para efeitos de sisa de adquirentes dos andares da torre 4 das Amoreiras, a tabela de preços de uma das mediadoras imobiliárias que comercializou aqueles andares e, relativamente aos andares da Rua de Francisco Stromp, a documentação que a Comissão requereu à Caixa Geral de Depósitos.
30 — A hipótese suscitada de alegada simulação de permuta dos andares da Rua de Francisco Stromp e do Empreendimento das Amoreiras não tem qualquer consistência face à produção de prova, designadamente o contrato-promessa de compra, venda e permuta de 30 de Setembro de 1987, a escritura pública de permuta e venda de 7 de Dezembro de 1988, celebrados entre a EUTA, L.da, e o Dr. Miguel Cadilhe, e ainda os depoimentos do Ministro das Finanças, do engenheiro Vítor Ribeiro e do engenheiro Almeida Henriques.
V
1 — A utilização de veículos e pessoas da Guarda Fiscal foi formalmente solicitada pelo Ministro das Finanças ao respectivo comandante-geral, entidade que deferiu aquela pretensão.
2 — 0 Ministro das Finanças procedeu ao pagamento das despesas que lhe foram apresentadas correspondentes à operação de mudança.
3 — Nos termos do Decreto-Lei n.° 373/85, de 20 de Setembro, a Guarda Fiscal depende orgânica, administrativa e disciplinarmente do Ministro das Finanças e compete-lhe, designadamente, garantir a segurança do Ministério.
VI
1 — A Comissão requereu à Direcção-Geral da Contabilidade Pública informação atinente à atribuição do subsídio de alojamento, previsto no Decreto-Lei n.° 72/80, de 15 de Abril, ao Ministro das Finanças.
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2 — Na sequência do pedido de parecer que lhe foi formulado, a Auditoria Jurídica do Ministério das Finanças, através do consultor jurídico Dr. João Valdrez, concluiu:
[... ] não nos merece qualquer reparo a atribuição e processamento ao Sr. Ministro das Finanças do subsídio de alojamento a que se faz referência nos n.os 1 e 2 do artigo 2.° do Decreto-Lei n.° 72/80, de 15 de Abril.
Assim:
VII Conclusões
1 — Ficou provado que a administração fiscal não agiu negligentemente em todo o processo objecto do presente inquérito.
2 — Ficou provado que não houve simulação de valores na permuta dos apartamentos da Rua de Francisco Stromp e do Empreendimento das Amoreiras.
3 — Ficou provado que não houve simulação, quanto à natureza do negocio, na transmissão por permuta dos apartamentos da Rua de Francisco Stromp e do Empreendimento das Amoreiras.
4 — Ficou provado que o Ministro das Finanças não beneficiou de tratamento fiscal ilegítimo e ou excepcional.
5 — Ficou provado que o Ministro das Finanças não beneficiou de quaisquer condições especiais de preço na aquisição dos andares da Rua de Francisco Stromp e do Empreendimento das Amoreiras que foram permutados.
6 — Ficou provado que, tendo obtido autorização do comandante-geral da Guarda Fiscal para a utilização de pessoas e veículos daquela instituição e pago as correspondentes despesas, o Ministro das Pinanças não teve intenção de lesar o Estado.
7 — Ficou provado que o Ministro das Finanças agiu em conformidade com as leis em vigor.
Palácio de São Bento, 13 de Outubro de 1989. — O Presidente da Comissão, Joaquim Maria Fernandes Marques. — O Deputado Relator, Miguel Macedo.
Nota. — A Comissão deliberou, na reunião de 3 de Outubro de 1989, que todos os documentos que integram o presente processo são passíveis de consulta por qualquer interessado que o requeira, por escrito e fundamentadamente, ao Presidente da Assembleia da República.
Anexos: Declarações de voto de deputados do PSD, do PS, do PCP e do deputado Basilio Horta, do CDS.
Declaração de voto do PSD
Os deputados abaixo assinados votaram favoravelmente o relatório e conclusões apresentados pelo deputado Miguel Macedo por:
a) Entenderem que o Ministro das Finanças, Dr. Miguel Cadilhe, agiu sempre de acorde com o quadro legal em vigor; . b) Entenderem que da análise de toda a documentação existente e das audições a que a Comissão Eventual de Inquérito procedeu foi possí-i
vel estabelecer claramente que a conduta do Ministro das Finanças nunca visou lesar o Estado nem subtrair-se ao cumprimento das suas obrigações fiscais;
c) Entenderem que os pareceres e despachos que recaíram sobre o pedido de parecer à Direcção--Geral das Contribuições e Impostos pelo Dr. Mário David apontaram, por parte do consulente, para uma situação de beneficio de isenção de sisa, nos termos do artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 114-A/88, de 8 de Abril;
d) Entenderem que a utilização de veículos e pessoas da Guarda Fiscal nunca facultou ao Ministro das Finanças um tratamento de excepção, tendo o mesmo procedido ao pagamento das despesas em causa;
e) Entenderem que a actuação da administração fiscal não foi negligente nos mais variados momentos, nomeadamente aquando da atribuição do subsídio de alojamento ao Ministro das Finanças, no âmbito do Decreto-Lei n.° 72/80, de 15 de Abril, conforme atesta o pedido de parecer à Auditoria Jurídica do Ministério;
J) Entenderem que o comportamento da oposição e a campanha movida pelos órgãos de comunicação social se revelaram despropositados, não obstante o clima de suspeição em redor da mesma.
A imagem do cidadão e do governante sai dignificada de um inquérito onde a transparência dos mecanismos parlamentares deram razão à máxima de que «quem não deve não teme».
Os Deputados do PSD: Ercília Silva — Carla Diogo — Vieira de Castro — Silva Torres — Alberto Araújo — Aristides Teixeira — António Tavares — Belarmino Correia — João Montenegro — Carvalho Martins — Fernando Pereira — Fernandes Marques.
Declaração de voto do PS
Não podemos aceitar quer o relatório elaborado, quer as conclusões nele apresentadas pelo deputado Miguel Macedo (PSD), por divergências essenciais quanto aos factos aí considerados provados e quanto ao direito aplicável e (consequentemente e sobretudo) quanto às ilações a tirar pela Comissão de Inquérito.
I
Quanto ao uso feito pelo Dr. Miguel Cadilhe de veículos e pessoal da Guarda Fiscal
1 — Em 1988, através dos respectivos Serviços Sociais, o Ministro das Finanças solicitou e obteve da Guarda Fiscal a mudança do mobiliário da sua residência na Rua de Francisco Stromp, ao Lumiar, para a sua nova habitação nas Amoreiras, em Lisboa, por uma viatura e com pessoal daquela instituição (em 30 de Julho), o transporte de mobiliário também seu do Porto para Lisboa, igualmente num veículo e com pessoal da Guarda Fiscal (em 28 e 29 de Dezembro), e ainda pequenos trabalhos de carpintaria por artífice(s)
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da mesma Guarda Fiscal (em 31 de Agosto e 10 de Dezembro) — pagando as contas que lhe foram apresentadas, num total de 16 351$.
2 — Apurou-se que o Ministro das Finanças não tinha direito aos serviços que lhe foram prestados.
3 — Porém, como hierarquia da Guarda Fiscal, o Dr. Miguel Cadilhe agiu sem consciência da ilicitude e sem dolo — não sendo assim o seu comportamento passível de responsabilização criminal.
4 — Tão-pouco se nos figura ter cabimento emitir no caso um juízo de censura político-social gravosa.
II
Quanto à conduta dos serviços oficiais, designadamente da administração fiscal, Intervenientes nos processos de aquisição pelo Ministro das Finanças de um apartamento na Rua de Francisco Stromp e, posteriormente, de um apartamento nas Amoreiras, em Lisboa.
1 — Para além das notas críticas pontuais que adiante se farão, os serviços oficiais não merecem censura a propósito das aquisições imobiliárias epigrafadas.
2 — No decurso do inquérito apurou-se, aliás, haver uma manifesta carência de pessoal a vários níveis da administração fiscal, designadamente nos serviços de fiscalização.
3 — Constatou-se também não existir ainda um sistema integrado de âmbito nacional que permita um controlo eficaz das eventuais concessões a cada contribuinte de isenções fiscais, particularmente no que se refere à sisa.
4 — Verificou-se ainda que a actual regra de a comunicação da feitura de escrituras (que envolvam transmissão de imóveis) ser feita pelos cartórios notariais à repartição de finanças com jurisdição sobre a respectiva sede —e não já à repartição da localização dos prédios transmitidos— prejudica a atempada fiscalização do cumprimento dos preceitos fiscais atinentes.
É assim que, por exemplo, tendo o Dr. Miguel Cadilhe adquirido o seu falado apartamento das Amoreiras em 7 de Dezembro de 1988, mediante escritura lavrada no 17.° Cartório Notarial de Lisboa, que é sito na Rua de Alexandre Herculano, resulta que a Repartição de Finanças do 8.° Bairro Fiscal desta cidade, com jurisdição sobre a zona das Amoreiras, ainda agora não tenha tido conhecimento oficial de tal transmissão, encontrando-se assim há muito ultrapassado o prazo legal de seis meses dentro do qual lhe seria possível promover (eventualmente) a respectiva avaliação fiscal.
III
Breves considerações sobre algumas questões técnico-Jurídicas de cunho fiscal
1 — Preliminarmente às análises e juízos de valor que adiante faremos, importa tecer algumas considerações e revelar as nossas opções —apoiadas nos textos legais e seguindo as doutrinas predominantes e as mais recentes decisões jurisprudenciais— sobre algumas questões tributárias relevantes, mais ou menos polémicas, afloradas no decurso do inquérito.
2 — Assim, e desde logo, quanto ao problema fiscal que se suscita quando a «tradição» para o adquirente de um imóvel (negociado em contrato-promessa) ocorre antes de outorgada a correlativa escritura de transmissão onerosa, entendemos que se verifica de imediato a situação tributária passível de sisa (ressalvadas as excepções legais, designadamente quando se trate de aquisição para «residência permanente» do próprio).
Todavia, temos como seguro que tal transmissão intitulada releva também para efeitos de isenção de sisa (se verificados os condicionalismos deste benefício).
3 — Depois, consigne-se que damos como certo ser possível, sem necessidade de rectificação da correlativa escritura de compra, a convolação da isenção de sisa obtida para um regime mais favorável aplicável.
4 — Seguidamente, importa sublinhar que defendíamos (e continuamos a defender — agora de jure cons-tituendo) ser a transmissão da propriedade superficiá-ria perpétua equiparável à transmissão da propriedade perfeita para efeitos da concessão de isenção de sisa na aquisição de prédios para habitação [sendo embora certo que —recentemente (em Junho de 1989)— a administração fiscal optou pela tese restritiva, em desfavor daquela figura parcelar do direito de propriedade].
5 — Quanto à permuta de imóveis com valores diferentes, entendemos que a sisa — e a sua eventual isenção— deve ser referida não ao valor do(s) prédio(s) mas ao diferencial daqueles valores.
Na verdade, o Código da Sisa reporta a tributação de imóveis ao dinheiro efectiva ou presuntivamente gasto na aquisição do prédio de maior valor permutado.
Em aparte se diga que aquele diploma, enjeitando claramente a «dupla tributação», se preocupa, todavia, com a cobrança de imposto sobre a totalidade das verbas despendidas (pelos adquirentes de bens imóveis), que justifiquem isenção ou excedam os limites deste benefício.
IV
Quanto à aquisição pelo Or. Miguel Cadilhe de um apartamento num prédio da Rua de Francisco Stromp, ao Lumiar, em Lisboa.
1 — Tendo assumido o cargo de Ministro das Finanças do X Governo em 6 de Novembro de 1985, o Dr. Miguel Cadilhe transfere-se então do Porto para Lisboa, por exigências da função assumida.
2 — E, em 23 de Dezembro de 1985, assina um contrato-promessa de compra de um apartamento habitacional no chamado «Edifício Stromp», nesta cidade, pagando um sinal de 400 000$ por conta do preço previsto de 6 100 000$.
3 — Tendo-lhe sido facultada pela empresa proprietária e promitente vendedora a possibilidade de aí efectuar obras, inicia-as em data imprecisa de Janeiro de 1986.
4 — E instala-se nesse apartamento em 31 de Julho de 1986.
5 — Porém, por razões que lhe são alheias, a respectiva escritura de compra só em 22 de Outubro de 1987 viria a ser outorgada, aí se consignando um preço actualizado de 7 470 000$, efectivamente pago pelo Dr. Miguel Cadilhe.
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6 — Na escritura ficou consignado que a casa transaccionada se destinava a residência permanente do comprador.
7 — Aí se regista também que a compra foi isenta de sisa, nos termos do artigo 3.° do Decreto-Lei n.° 108/87, de 10 de Março.
8 — Este preceito isentava de sisa durante o ano de 1987 a primeira transmissão de prédio ou fracção de prédio urbano (e era o caso) destinados exclusivamente a habitação (e foi o caso), «desde que o valor sobre que o imposto incida não ultrapasse 10 000 000$».
9 — Aliás, já anteriormente, em 1986, começara a vigorar este limite de tal isenção — quer para habitação em residência permanente do adquirente, na previsão do n.° 21 do artigo 11.° do Código da Sisa (por força do Decreto-Lei n.° 144/86, de 16 de Junho), quer para a primeira transmissão de prédio ou fracção autónoma de prédio urbano destinados exclusivamente a habitação (por força do Decreto-Lei n.° 5/86, de 6 de Janeiro).
10 — Resulta que a isenção de sisa de que o Dr. Miguel Cadilhe beneficiou na compra em apreço se afigura ter sido e ter-se mantido lídima — ainda que a tradição do imóvel haja antecedido a escritura e não tenha o Ministro chegado a instalar no imóvel comprado a sua residência permanente (contra o que afirmou ou previa na escritura).
11 — Na verdade, a «residência permanente» do Dr. Miguel Cadilhe era e ter-se-á mantido no Porto, num prédio da Rua do Tenente Valadim, que adquiriu à Sociedade de Construções William Graham, S. A. R. L., por permuta com a sua casa da Maia (onde anteriormente morava com a família), escriturada aos 17 de Fevereiro de 1986 — com isenção de sisa, por haverem sido atribuídos a ambos os imóveis valores iguais (7 150 000$ a cada um) e superiores aos respectivos valores matriciais.
12 — Nessa escritura foi consignado que o prédio adquirido pelo casal do Dr. Miguel Cadilhe se destinava à sua residência própria e permanente.
13 — Aliás, o Dr. Miguel Cadilhe já em Abril de 1985 se mudara da Maia para esta casa da Rua do Tenente Valadim, no Porto.
14 — E é esta manutenção de residência permanente no Porto que justifica que, desde que é Ministro das Finanças (ou seja, desde 6 de Novembro de 1985), o Dr. Miguel Cadilhe vinha recebendo o chamado «subsídio de alojamento», que o artigo 1.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 72/80, de 15 de Abril, confere «aos membros do Governo que, ao serem nomeados, não tenham residência permanente na cidade de Lisboa ou numa área circundante de 100 km».
V
Quanto è permuta do apartamento da Rua de Francisco Stromp pelo apartamento das Amoreiras, em Lisboa, efectuada pelo Dr. Miguel Cadilhe.
A
1 — Algum tempo antes de Setembro de 1987, o Dr. Miguel Cadilhe dispôs-se a adquirir à sociedade Empreendimento Urbanístico das Torres das Amoreiras, L.da (EUTA), um apartamento para sua habita-
ção, sito no lote 4 da chamada «urbanização das Amoreiras», e a alienar o seu mencionado apartamento da Rua de Francisco Stromp.
2 — Depois de diversas vicissitudes, veio a outorgar com aquela sociedade —em 7 de Dezembro de 1988 e no 17.° Cartório Notarial de Lisboa— uma escritura de permuta, recebendo da EUTA o pretendido apartamento nas Amoreiras, a que foi atribuído pelos outorgantes o valor de 17 490 000$, e dando formalmente em troca o apartamento da Rua de Francisco Stromp, a que foi atribuído pelos outorgantes o valor de 11 500 000$.
3 — A construção designada «por lote 4» da urbanização das Amoreiras —e, por conseguinte, também o apartamento aí adquirido pelo Dr. Miguel Cadilhe— não é em «propriedade perfeita» mas em «direito de superfície» perpétuo.
4 — O notário interveniente considerou tal permuta isenta de sisa («quanto à diferença de valores dos bens permutados»), fundando-se num parecer da Direcção--Geral das Contribuições e Impostos (4.a Direcção de Serviços), que havia sido pedido em seu nome pessoal pelo Dr. Mário Martins David, nos termos do artigo 14.° do Código de Processo das Contribuições e Impostos.
5 — Nessa consulta, o Dr. Mário Martins David [jurista que colaborou no(s) negócio(s) imobiliário(s) subjacente^) com o engenheiro Almeida Henriques, amigo e familiar do Dr. Miguel Cadilhe e seu intermediário na operação] não identifica os apartamentos a permutar nem diz quem sejam os verdadeiros outorgantes da alegada permuta em perspectiva.
6 — Mas refere os aludidos valores (17 490 000$ e 11 500 000$) e diz que o permutante do imóvel de menor valor «será o sujeito passivo da obrigação de pagar a sisa a liquidar nos termos definidos pela regra 7.a do § 3.° do artigo 19.°» do Código da Sisa, pelo que «haveria a pagar sisa sobre a matéria colectável de 5 990 000$ resultante da diferença entre os valores dos prédios permutados».
7 — Cita depois o artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 114-A/88, de 8 de Abril (que isentava de sisa durante 1988 as transmissões de prédios urbanos destinados exclusivamente a habitação, quando o valor a tributar não ultrapassasse os 10 000 000$).
8 — Preconizando haver lugar a isenção de sisa sobre os tais 5 990 000$, mas — diz — «verificando-se não ser pacífico» tal entendimento, requer «entendimento interpretativo» que conduza à pretendida isenção.
9 — O parecer pedido veio a ser-lhe dado no sentido pretendido — e aparecerá depois referido pelo notário na escritura.
10 — Acontece, porém, é que, ainda que a permuta em causa tivesse sido um negócio genuíno — e não foi (como adiante se dirá)—, o Dr. Miguel Cadilhe não tinha direito à isenção de que beneficiou.
11 — Realmente, tal parecer foi proferido «ao de leve» (sic) —como foi expressamente reconhecido perante a Comissão Parlamentar de Inquérito pelo técnico jurista da Consultadoria Jurídica da Direcção--Geral das Contribuições e Impostos nele interveniente— por causa da economia de análise a que
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aquela Consultadoria é forçada nas épocas em que se debate com «cargas de trabalhos muito grandes» (sic).
12 — Não tendo feito um estudo aprofundado do problema, tal parecer é fútil e a sua conclusão errónea.
13 — É bem verdade que, por esquecimento (ou ardilosamente?), o Dr. Mário David não prestou (ou escamoteou?) informações que eram indispensáveis a uma análise cabal do problema proposto.
14 — Desde logo, não esclareceu que o imóvel de maior valor dado em permuta não detinha uma propriedade perfeita (mas apenas integrava uma figura parcelar da propriedade — o direito de superfície), sendo que na administração fiscal se debatia, na época, a questão de ser ou não de conceder isenção de sisa a transmissões de figuras parcelares do direito de propriedade habitacional — polémica que veio recentemente a ser dilucidada no sentido restritivo (como acima já se disse).
15 — Sobretudo, na consulta omitia-se a informação decisiva de que o prédio de menor valor que iria ser dado em permuta fora adquirido em 22 de Outubro de 1987 por compra (pelo preço de 7 470 000$) e beneficiara de isenção de sisa.
16 — E, sendo assim, o dinheiro que iria ser efectivamente pago pela aquisição do prédio a permutar de maior valor não eram —de um ponto de vista fiscal, evidentemente— os referidos 5 990 000$, mas outrossim 10 020 000$ (17 490 — 7470).
17 — E esse valor era superior ao limite da isenção — num montante «mesquinho», mas suficiente para a impedir.
18 — Summum jus, summa injuria, dizia-se em situações desse género, que ocorriam com muita frequência, antes da entrada em vigor do equitativo regime do Decreto-Lei n.° 91/89, de 27 de Março — sugestivamente aprovado em Conselho de Ministros logo em 19 de Janeiro de 1989.
19 — A opção do imponderado parecer em crítica facultaria a escandalosa «espiral» de isenções de sisa, em sucessivas permutas de prédios com valores cada vez mais elevados, que a opinião pública logo divisou ser possível, assim que a comunicação social alertou para a já famosa «troca isenta» de apartamentos do Dr. Miguel Cadilhe.
20 — Espantar-se-ia, aliás, com a falta da sensibilidade fiscal mínima exigível a um Ministro das Finanças quem admitisse que aquele governante —se estivesse de boa fé— não tivesse detectado que algo de errado haveria nos alicerces de tão anómalo parecer.
21 — Uma última palavra para censurar benevolamente o notário que elaborou a dita escritura de troca, porquanto —cumprindo-lhe fiscalizar a observância dos preceitos fiscais nos actos tabeliónicos a seu cargo se acobertou acrítica e comodamente sob a «doutrina» do referenciado parecer, que não fora pedido por nenhum dos intervenientes na escritura e (como devia saber) não era de aplicabilidade genérica.
B
22 — Pior, todavia, é que a prova produzida convence que a alegada permuta foi um negócio simulado, encontrando-se cabalmente conformados todos os pressupostos dessa figura jurídica: divergência entre a von-
tade real e a declaração; conluio entre as partes; e intenção de enganar terceiros (no caso o Fisco — evitando o pagamento da sisa devida).
23 — Não é que o Dr. Miguel Cadilhe não tivesse pretendido dar a EUTA o seu apartamento do Edifício Stromp à troca do novo apartamento das Amoreiras, que desejava adquirir-lhe...
24 — Pelo contrário, estimulado pelo «êxito fiscal» (permita-se a expressão) da permuta que, ainda recentemente (em Fevereiro de 1986), efectuara no Porto —e cuja idoneidade não foi averiguada pela Comissão de Inquérito (por estar fora do seu âmbito) e é assim de presumir—, o Dr. Miguel Cadilhe quereria mesmo uma tal permuta.
25 — A sociedade Empreendimento Urbanístico das Torres das Amoreiras é que nunca quis realmente outra coisa que não fosse vender o apartamento que alienou!
26 — Entendendo nada ter a perder com isso, aceitou, porém, prestar-se à dissimulação de tal venda sob as vestes de uma troca com o apartamento da Stromp, que nunca chegou a entrar na sua esfera patrimonial (embora de um ponto de vista jurídico formal ainda agora seja sua propriedade...).
27 — Para pagamento do apartamento das Amoreiras, a EUTA nunca aceitou receber bens em espécie (outro apartamento); outrossim, sempre quis receber e recebeu apenas dinheiro.
28 — Foi o engenheiro Almeida Henriques quem se encarregou de vender a terceiros o imóvel da Stromp...
29 — E foi só depois de este intermediário do Dr. Miguel Cadilhe ter encontrado alguém — o Dr. Emanuel de Sousa (ao tempo ainda presidente da famigerada Caixa Económica Açoriana) — que lhe assegurou ser «capaz de ficar com o andar» (sic) por 11 500 000$ e fez consigo um «chamado acordo verbal» (sic) que veio a ser lavrado o contrato-promessa da pretensa permuta (em 30 de Setembro de 1987).
30 — Realmente, não houve nunca — nem aquando de tal contrato de promessa nem (muito menos) aquando da escritura que titulou a pseudotroca prometida — uma permuta de bens imobiliários ou sequer um arremedo de tal negócio.
31 — E, pelo menos à data da escritura (em 7 de Dezembro de 1988), o Dr. Miguel Cadilhe não podia ignorar —e não ignorava— que nenhuma permuta fora feita.
32 — Ora, se em Portugal uma fraude tributária de tal jaez praticada por qualquer vivaço é (ainda) susceptível de merecer a tolerância e até o elogio da opinião pública, uma simulação fiscal praticada por um membro do Governo (especialmente quando se trata do titular da pasta das Finanças) não pode deixar de —não se discutindo aqui se é ou não passível de procedimento criminal não prescrito— ser alvo da mais firme censura político-social!
33 — A favor do Dr. Miguel Cadilhe apenas relevará a hipótese de ter sido atraiçoado pela displicência ne-gocista do seu familiar e amigo engenheiro Almeida Henriques e pela pretensa habilidade técnica do intrometido jurista Dr. Mário David...
O que sempre lhe será pequena atenuante!
Os Deputados do PS: Carlos Candal — Domingues de Azevedo — Manuel dos Santos — Gameiro dos Santos — António Magalhães — Julieta Sampaio.
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Declaração de voto do PCP
O relatório da Comissão de Inquérito à forma como se realizaram os negócios jurídicos de aquisição, pelo Ministro das Finanças, de apartamentos no Lumiar e nas Amoreiras, em ambos os casos beneficiando de isenção de sisa — elaborado e aprovado exclusivamente pelos deputados do PSD—, é, manifesta e comprovadamente, uma deturpação consciente, voluntária e pedestre da matéria de facto e de direito provada na Comissão.
0 relatório omite matéria de facto (e de direito) decisiva para a cabal e séria apreciação da forma e dos métodos utilizados para que a administração fiscal fosse iludida e o Ministro das Finanças tivesse acesso a benefícios materiais excepcionais e ilegais.
Mas o relatório do PSD não se limita às omissões deturpadoras da verdade. Integra múltiplas falsidades gritantes, cala falsas declarações prestadas pelo Ministro à Comissão e pretende estabelecer doutrina fiscal para ilibar o Ministro, para o eximir da obrigação de pagar impostos que o cidadão comum, em igualdade de circunstâncias factuais, é obrigado a cumprir.
Inversamente àquilo que é o estrito dever (democrático, político e ético) de uma comissão de inquérito, qual seja o de promover a prova de facto e de direito, para dela retirar as respectivas conclusões, os deputados do PSD estabeleceram aprioristicamente as conclusões que pretendiam tirar, daí partindo para a elaboração de um relatório que despudoradamente lhes pudesse dar, ainda que de forma canhestra, alguma réstia de aparente suporte.
Com a sua actuação, os deputados do PSD presentes na Comissão terão prestado um bom serviço político ao Ministro das Finanças e ao Governo. Mas, in-desmentivelmente, prestaram um péssimo serviço às instituições democráticas e contribuem, voluntariamente, para denegrir a credibilidade e seriedade da Assembleia da República.
Os deputados do Grupo Parlamentar do PCP que integraram a Comissão de Inquérito votaram contra o relatório e as conclusões elaboradas e aprovadas pelos deputados do PSD porque —tal como clara e seriamente resulta da matéria provada, que se anexa à presente declaração de voto, dela fazendo parte integrante— consideram em consciência que a verdade não permite senão as seguintes conclusões:
1 — O Ministro das Finanças ocultou à administração fiscal que desde a data do contrato-promessa de compra e venda do andar do Lumiar (23 de Dezembro de 1985) passou a exercer sobre o mesmo os poderes de um verdadeiro proprietário, o qual por isso foi transmitido para a sua esfera jurídica —tradição—, com todas as consequências jurídicas.
No plano fiscal isso implicava o pagamento de sisa por o valor contratado ser superior ao limite de isenção então em vigor (5 000 000$). Furtou-se, assim, ao cumprimento das suas obrigações fiscais e ficou incurso na penalidade prevista no artigo 157.° do Código da Sisa.
2 — Quanto ao Edifício Amoreiras, o Ministro Cadilhe furtou-se, igualmente, ao dever de liquidar a dívida que era devida no prazo de 30 dias, a contar da data em que o mesmo lhe foi transmitido.
O Ministro não podia beneficiar de isenção, porquanto, designadamente:
A lei exclui tal possibilidade quanto às aquisições em mero direito de superfície, como o ocorrido no caso;
O Ministro Cadilhe não operou uma verdadeira permuta que, para efeitos fiscais, exige que ocorra tradição de imóveis para ambos os per-mutantes, o que, como o inquérito provou, não aconteceu.
3 — Ao recorrer aos serviços de administração fiscal para obter consulta para o seu caso, através de intermediário, o Ministro das Finanças viciou o quadro fáctico com base no qual a administração fiscal emitiu parecer sobre a suposta legalidade da operação projectada. Foram omitidos elementos informativos decisivos, dos quais decorreria conclusão contrária à que foi emitida, a saber: que a habitação das Amoreiras iria ser adquirida em mero direito de superfície e que a tradição do mesmo já ocorrera.
A circular n.° 10/89 da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, sancionada pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, aliás exemplificando com o caso exposto pelo Ministro das Finanças, confirma inequivocamente pela inexistência de isenção nos casos de aquisição em direito de superfície.
4 — O tratamento fiscal de que beneficiou o Ministro é tanto mais chocante quanto é certo que a administração fiscal, entre 1983 e 1988 (e ainda em 1989, na mesma torre das Amoreiras em que se situa o andar do Ministro) impôs o pagamento de sisa em situações similares à do Ministro.
5 — O Ministro das Finanças beneficia de condições excepcionalmente favoráveis na aquisição do apartamento do Lumiar (quanto ao preço inicialmente contratado —o mais baixo de todos para as fracções com idêntica área, e quanto ao sinal e reforços até à escritura— gritantemente mais baixo que quaisquer outros). Ocorreu mesmo que o Ministro Miguel Cadilhe foi o único condómino em que a empresa vendedora pagou à Caixa Geral de Depósitos parte do expurgo (por a fracção estar hipotecada) por esta exigida para desipotecar a fracção.
6 — Existe nos autos vasta prova indiciária de que o Ministro e os que com ele celebraram o negócio organizaram, executaram e procuraram dissimular a verdadeira natureza do negócio jurídico que permitiu a Miguel Cadilhe tornar-se detentor de um andar nas Amoreiras.
Os documentos e depoimentos indiciam que concatenaram e calendarizaram duas compras e vendas que, para efeitos fiscais, fizeram passar por permuta, o que, nos termos da lei, constitui simulação, infringindo a lei.
7 — Sendo certo que sete meses e meio após a escritura do apartamento das Amoreiras em benefício do Ministro das Finanças a Repartição de Finanças do 8.° Bairro Fiscal, anomalamente, continuava a desconhecer oficialmente aquela transmissão, ficou (por ter decorrido o prazo de seis meses para tal previsto) impossibilitada de apurar se o valor declarado pelo Ministro era inspirador de suspeitas fundadas sobre a sua veracidade.
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Não pode deixar de suscitar estranheza — mas motivou qualquer acção da administração fiscal— o facto de os preços de venda das fracções habitacionais das Amoreiras se terem mantido inalterados de 1985 a 1987, duplicando subitamente em 1988.
8 — O Ministro das Finanças utilizou abusivamente o pessoal e viaturas da Guarda Fiscal, em condições que integram os elementos típicos do crime de peculato de uso, sendo pouco concebível, e em qualquer caso inatendível, que não tivesse consciência de que tal conduta integra crime de responsabilidade.
9 — O Ministro das Finanças, tendo residência permanente em Lisboa (em casa própria), beneficiou ilegalmente de subsídio de apoio para membros do Governo carecidos de alojamento na capital. Tal situação anómala, para que se chamou a atenção no decurso das investigações da Comissão de Inquérito, não só não foi sanada como o Ministro sancionou e remeteu para a Comissão Parlamentar um parecer elaborado por serviços na sua dependência que, em grosseira violação das regras de interpretação legal, visam dar cobertura à irregularidade praticada.
Assembleia da República, 13 de Outubro de 1989. — Octávio Teixeira.
Anexo à declaração de voto
I — Aquisição, pelo Ministro das Finanças, Dr. Miguel Cadilhe, de um apartamento na Rua de Francisco Stromp, Lumiar, Lisboa.
1 — Os factos provados:
1.1 — Em 23 de Dezembro de 1985 o Ministro das Finanças celebra com a SOCAFO — Sociedade de Construções, Administração e Fomento, Lda, um contrato-promessa de compra e venda de um apartamento no Lumiar, com o preço declarado de 6 100 000$.
1.2 — Da cláusula 5.8 do contrato promessa consta:
O segundo outorgante [Ministro das Finanças] obriga-se a satisfazer a sisa inerente à transmissão, o preço de escritura de quaisquer registos e, bem assim, a pagar:
a) Quaisquer contribuições ou impostos, designadamente a contribuição predial e a taxa de esgotos, a partir da presente data, ainda que, proventura, exigidos à promitente vendedora (SOCAFO);
b) Quaisquer encargos de codomínio ou de conservação da fracção autónoma a partir da data em que se efective a ocupação do andar, ou se não se efectuar a ocupação, desde a data deste contrato.
1.3 — Em Dezembro de 1985 a SOCAFO tinha suspensas as vendas de apartamentos no Edifício Stromp, devido ao facto de não estarem definidas as condições de expurgo exigidas pela Caixa Geral de Depósitos.
A assinatura do contrato-promessa com o Ministro das Finanças foi uma excepção, porque, tendo sido cabalmente informado da situação, nomeadamente do desconhecimento da SOCAFO sobre o montante do expurgo que a Caixa Geral de Depósitos viria a exigir e que teria de ser suportado pelo promitente comprador, o Ministro das Finanças quis fazer o negócio.
1.4 — Das fracções autónomas para habitação no Edifício Stromp, com 136 m2 de área e com contrato--promessa de compra e venda assinado, o valor contratado mais baixo respeita ao apartamento adquirido pelo Ministro das Finanças, no montante de 6100 contos. As restantes 15 fracções autónomas apresentam valores compreendidos entre os 7000 e os 10 000 contos.
1.5 — Identicamente, dos montantes a título de «sinais e reforços» pagos pelos promitentes compradores à SOCAFO, o Ministro das Finanças foi o que menos pagou até à realização da escritura — apenas 400 contos (6,6% do valor do contrato-promessa). Para as restantes 15 fracções habitacionais esses montantes variaram entre 3875 contos e 7400 contos e as percentagens em relação aos preços dos contratos-promessa variaram entre os 50% e os 97,1%.
1.6 — A alteração dos critérios fixados pela Caixa Geral de Depósitos para efeitos de concessão do expurgo às referidas fracções habitacionais beneficiou objectivamente a fracção adquirida pelo Ministro das Finanças.
Assim.
No critério definido por despacho da Caixa Geral de Depósitos de 17 de Agosto de 1986, o expurgo da fracção adquirida pelo Ministro exigia um pagamento suplementar de 4700 contos, enquanto no critério estabelecido por despacho de 15 de Julho de 1987 esse montante baixou para 2604 contos;
Só em dois outros casos a alteração de critérios conduziu à redução do montante suplementar a pagar à Caixa Geral de Depósitos: num esse montante baixou de 3800 para 1497 contos e noutro de 3800 para 3674 contos; verifica-se, no entanto, que, no primeiro caso, dos 7000 contos inicialmente contratados o promitente comprador já havia pago 6800 contos (97,1% do preço contratado) e, no segundo caso, o promitente comprador já havia pago 5000 (71,4%) dos 7000 contos contratados.
1.7 — 0 montante pago à Caixa Geral de Depósitos pela SOCAFO para concessão do expurgo da fracção adquirida pelo Ministro das Finanças foi de
8 342 618$. Porém, a SOCAFO apenas recebeu do Ministro das Finanças 7 470 0005, tendo suportado por sua conta a diferença de 872 618S.
Conforme declaração do engenheiro Celso da Câmara Pestana, sócio gerente da empresa SOCAFO, foi este o único caso em que a SOCAFO suportou ém numerário parte do valor do expurgo pago à Caixa Geral de Depósitos (v. declaração na acta de 6 de Setembro de 1989, p. 19). Solicitado a informar a Comissão sobre outros casos em que parte do montante do expurgo tivesse eventualmente sido suportado «em géneros» pela SOCAFO, o engenheiro Celso Pestana nenhuma informação enviou à Comissão.
1.8 — No início de 1986 o Ministro das Finanças procede por sua conta a obras no andar do Lumiar e vai habitá-lo em 31 de Julho do mesmo ano.
1.9 — Em 30 de Setembro de 1987 o Ministro das Finanças promete permutar o apartamento do Lumiar por um apartamento nas Amoreiras.
1.10 — Em 22 de Outubro de 1987 o Ministro das Finanças outorga como comprador a escritura de compra e venda do apartamento do Lumiar, beneficiando
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de isenção de sisa com fundamento no Decreto-Lei n.° 108/87, de 10 de Março. Da escritura consta que o apartamento se destina a residência permanente do Ministro das Finanças. 2 — Questões de direito aplicáveis:
2.1 — Na altura da outorga do contrato-promessa (23 de Dezembro de 1985), o limite para efeitos de isenção de sisa era de 5000 contos.
2.2 — A tradição de um imóvel consiste, de acordo com pareceres que se encontram no processo n.° 19/7, enviado pela Direcção-Geral das Contribuições e Impostos à Comissão de Inquérito, no «abandono da fruição e do aproveitamento de certos bens a favor do promitente comprador, quer seja por expressa declaração de vontade ou através de actos que o revelem claramente, por forma a tornar possível ao promitente comprador agir como verdadeiro proprietário dos bens».
2.3 — Os factos indicados no n.° 1.2 revelam que a partir da data em que foi outorgado o contrato--promessa (23 de Dezembro de 1985) o Ministro das Finanças passou a agir como verdadeiro proprietário dos bens, pelo que naquela mesma data se deu a tradição para o promitente comprador do andar da Rua de Francisco Stromp.
2.4 — Nessa data —23 de Dezembro de 1985— o Sr. Ministro das Finanças apenas poderia beneficiar de isenção de sisa se o preço da compra nao ultrapassasse os 5000 contos. Na verdade, o n.° 21 do artigo 11.°, com a redacção então em vigor, fixada pela Portaria n.° 126/85, de 2 de Março, estabelecia a isenção de sisa na aquisição de habitação para residência permanente do adquirente, desde que o valor sobre que incidisse a sisa não ultrapassasse os 5000 contos.
2.5 — O artigo 115.°, n.° 4, do Código da Sisa estabelece que a sisa deve ser paga dentro de 30 dias contados da data da tradição nas promessas de compra e venda ou troca.
2.6 — Logo, o Sr. Ministro das Finanças, que não tinha direito à isenção de sisa porque o preço da venda —6100 contos— excedia o limite da isenção —5000 contos—, deveria ter pedido a liquidação da sisa no prazo de 30 dias a contar de 23 de Dezembro de 1985 (v. o artigo 116." do Código da Sisa).
2.7 — Não o tendo feito, cometeu uma infracção punida, nos termos do artigo 157.° do Código de Sisa, com multa igual ao dobro da sisa devida.
II — Aquisição pelo Ministro das Finanças de um apartamento no complexo das Amoreiras
1 — Os factos provados:
1.1 — Em 30 de Setembro de 1987 o Ministro das Finanças celebrou um contrato-promessa de compra e venda e permuta com a empresa Empreendimento Urbanístico das Torres das Amoreiras, L.da (EUTA), através do qual prometia permutar o apartamento da Rua de Francisco Stromp por um apartamento na torre 4 das Amoreiras.
Segundo tal contrato, era atribuído o valor de 17 490 000$ ao apartamento das Amoreiras e o valor de 11 500 000$ ao apartamento do Lumiar.
Nessa altura, o Ministro das Finanças não era ainda proprietário do apartamento do Lumiar, tendo, assim, prometido permutar um bem futuro.
1.2 — Nos termos do mesmo contrato, a escritura pública de permuta dos apartamentos deveria ser efectuada até 31 de Janeiro de 1988 (isto é, no prazo de 120 dias), sendo a sua marcação da responsabilidade do Ministro das Finanças.
1.3 — Imediatamente após a celebração do contrato--promessa de permuta (em 30 de Setembro de 1987), o Ministro das Finanças mandou efectuar obras, por sua conta, no apartamento das Amoreiras (v. acta de 7 de Setembro de 1989, a fls. 21 e 22).
1.4 — De acordo com as declarações do seu sócio gerente, engenheiro Vítor Ribeiro, a empresa EUTA:
a) Porque é política própria da empresa, nunca tinha vendido qualquer apartamento por permuta;
b) Apenas aceitou o contrato-promessa sob a figura jurídica de permuta porque o engenheiro Almeida Henriques lhe garantiu a venda do apartamento da Rua de Francisco Stromp, por 11 500 contos, no prazo de 120 dias;
c) Porque o apartamento da Stromp não foi vendido no referido prazo, a EUTA concedeu ao engenheiro Almeida Henriques um prazo suplementar de 60 dias para a concretização da referida venda;
d) A avaliação do apartamento da Stromp em 11 500 contos foi efectuada pelo engenheiro Almeida Henriques, através da sua empresa mediadora Arena.
1.5 — Da primeira vez que foi abordado pelo engenheiro Almeida Henriques para comprar o apartamento da Stromp, o Dr. Emanuel de Sousa (à data administrador da Caixa Económica Açoriana), de acordo com as suas próprias declarações, não lhe foi comunicado a quem pertencia o apartamento. O Dr. Emanuel de Sousa não se mostrou interessado.
Posteriormente, o engenheiro Almeida Henriques propôs de novo ao Dr. Emanuel de Sousa a compra do apartamento da Stromp e informou-o de que o referido imóvel pertencia ao Ministro das Finanças. Dessa vez, o Dr. Emanuel de Sousa, embora não precisasse do apartamento para si, decidiu-se a comprá-lo, fazendo-o, conforme declarou, por ser «amigo pessoal»
do engenheiro Almeida Henriques.
O Dr. Emanuel de Sousa não foi informado pelo engenheiro Almeida Henriques de que este agia na qualidade de mediador da Arena ou de que efectuava a venda por conta da EUTA, tendo o Dr. Emanuel de Sousa presumido que o efectivo vendedor era o Ministro das Finanças.
1.6 — Em 18 de Março de 1988, o Dr. Emanuel de Sousa emitiu um cheque ao portador, sobre a Caixa Económica Açoriana, no montante de 11 500 000$, que entregou ao engenheiro Almeida Henriques para pagamento do apartamento da Stromp.
Não foi elaborado qualquer contrato de compra e venda nem foi passado qualquer recibo comprovató-rio do pagamento efectuado.
Segundo declarou, o Dr. Emanuel de Sousa efectuou aquele pagamento «até porque» naquela altura apercebeu-se de que «havia uma certa urgência em fazer um pagamento», que mais tarde presumiu estar «ligado com outra casa em que eventualmente o Dr. Miguel Cadilhe estaria interessado», e, «por isso», pagou «a pronto os 11 500 contos».
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1.7 — 0 engenheiro Almeida Henriques, na posse do cheque ao portador que lhe foi passado pelo Dr. Emanuel de Sousa, preencheu-o com o nome da EUTA e entregou-o a esta empresa.
1.8 — Em declarações prestadas à Comissão, o Ministro das Finanças afirmou, peremptoriamente, que desconhecia que o apartamento da Stromp tivesse sido objecto de venda, a quem quer que fosse, enquanto este lhe pertenceu, isto é, até à data da escritura de compra e venda e permuta efectuada em 7 de Dezembro
de 1988.
1.9 — O engenheiro Almeida Henriques declarou, por seu turno, que o Ministro das Finanças soube que o apartamento havia sido vendido em Março de 1988, colocando mesmo ao engenheiro Almeida Henriques a hipótese de se mudar para um hotel de modo que o comprador (Dr. Emanuel de Sousa) pudesse tomar conta efectiva do imóvel, que já pagara.
1.10 — De acordo com declarações do engenheiro Almeida Henriques, colocado perante a situação, o Dr. Emanuel de Sousa não colocou qualquer obstáculo a que o Ministro das Finanças continuasse a residir no apartamento da Stromp até que pudesse mudar-se para as Amoreiras.
1.11 — Durante esse período, o Dr. Emanuel de Sousa deslocou-se duas vezes ao apartamento da Stromp, para o mostrar a potenciais compradores, tendo la encontrado, de uma vez, uma senhora, que presumiu ser a mãe do Ministro, e, da segunda vez, a esposa do Ministro das Finanças.
Das duas vezes os interessados desistiram da compra, porque o apartamento não estava disponível para ser por eles ocupado, já que o Ministro das Finanças continuava a manter ali a sua residência (com autorização do Dr. Emanuel de Sousa).
1.12 — Em todo este processo o engenheiro Almeida Henriques, administrador da Sociedade de Construções Amadeu Gaudêncio, sócio da mediadora Arena e ligado por laços familiares ao Ministro das Finanças, agiu, segundo as suas declarações, como pivot nas negociações entre o Ministro das Finanças, o engenheiro Vítor Ribeiro (EUTA) e o Dr. Emanuel de Sousa.
1.13 — O apartamento das Amoreiras foi completamente pago à EUTA até 18 de Março de 1988 (2500 contos na data da assinatura do contrato-promessa de compra e venda e permuta, em 30 de Setembro de 1987, mais 3490 contos pagos peio Ministro das Finanças em 27 de Janeiro de 1988 e, finalmente, os 11 500 contos pagos em 18 de Março de 1988 com o cheque do Dr. Emanuel de Sousa).
No entanto, não foi então efectuada a escritura respectiva.
O atraso na escritura ficou a dever-se, segundo declarou o engenheiro Vítor Ribeiro (EUTA), à «simples razão de o Dr. David, por parte da Arena, ter feito uma consulta à Direcção de Finanças por causa do problema da sisa» e «a escritura não foi feita enquanto não veio a resposta da Direcção de Finanças» (v. acta de 11 de Julho de 1989, a fls. 154 e 155).
1.14 — Em 26 de Abril de 1988 o Dr. Mário Martins David, identificando-se como proprietário de uma fracção autónoma, dirigiu à Direcção-Geral das Contribuições e Impostos uma exposição solicitando, nos termos do artigo 14.° do Código de Processo das Contribuições e Impostos, informação sobre se poderia beneficiar da isenção de sisa prevista no artigo 1.° do
Decreto-Lei n.° 114-A/88, de 8 de Abril, o contrato de permuta que ia fazer, dando um imóvel a que atribuía o valor de 11 500 contos e recebendo outro, igualmente destinado a habitação, com o valor de 17 490
contos. Em relação ao imóvel que iria receber, indicou, para além do valor, que se tratava de uma fracção autónoma de prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, destinado a habitação e que se encontrava omissa na matriz predial.
Como fundamento da consulta, alegava o Dr. Martins David não ser pacífico, por parte dos serviços competentes da repartição de finanças, o entendimento interpretativo do disposto no Decreto-Lei n.° 114-A/88, de 8 de Abril, e pretender «esclarecimento que permita, na questão levantada, actuar em cumprimento do disposto nas leis tributáveis».
1.15 —Na referida exposição não ficava descrita uma das condições da permuta constantes do contrato--promessa celebrado entre o Ministro das Finanças — não mencionado na referida consulta — e a EUTA. Concretamente, não se indicava que a fracção autónoma das Amoreiras está construída sobre o direito de superfície perpétuo, conforme consta da cláusula l.a do contrato-promessa.
1.16 — O técnico tributário Leonel Covelo de Freitas, da 4.8 Direcção de Serviços da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, em parecer posteriormente corroborado pelo consultor jurídico da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos Dr. Freire Dias, pelo director da 4.8 Direcção de Serviços da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, Dr. Dias Mateus, e pelo subdirector-geral das Contribuições e Impostos, concluiu poder informar-se «o consulente que a aquisição que pretende efectuar, nos exactos termos em que a caracterizou, beneficia de isenção de sisa, nos termos do artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 114-A/88, de 8 de Abril», chamando, contudo, «a atenção do consulente para o facto de que tal isenção poderá, eventualmente, não vir a manter-se, se, em consequência de avaliação do prédio omisso na matriz, a operar-se por força do disposto no artigo 53.° do Código da Sisa, vier a resultar uma
diferença de valores matriciais superior ao limite de isenção».
1.17 — Nos depoimentos prestados à Comissão os Srs. Leonel Corvelo de Freitas, Dr. Freire Dias e Dr. Dias Mateus declararam o seu absoluto desconhecimento de que a situação exposta pelo Dr. Mário Martins David se relacionava, afinal, com o contrato de permuta celebrado entre a EUTA e o Ministro das Finanças.
2 — Questões de direito aplicáveis.
2.1 — O artigo 2.°, § 1.°, n.° 2, do Código da Sisa afasta a hipótese de isenção de sisa nos casos em que se verifique a tradição do bem imóvel antes da escritura, pois que aos contratos de permuta se não aplica o disposto no § 3.° daquele artigo.
Esta leitura do Código foi confirmada perante a Comissão pelo Dr. Dias Mateus, director da 4.8 Direcção de Serviços da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos:
Não, a permuta não está lá. Quer dizer, a acolher algum critério que deva ser o mais próximo possível da lei, realmente o § 3.° do artigo 2.° não refere nada em relação às permutas. Dai que se deva entender que só em relação às situações de compra e venda é que o parágrafo é aplicável.
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2.2 — Conforme consta do n.° 5 da circular n.° 10/89, de 5 de Junho, da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, sancionada pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, «as transmissões por permuta poderão beneficiar do regime previsto no n.° 22 do artigo 11.° e no n.° 2 do artigo 33.° do citado Código [da Sisa], na redacção dada pelo Decreto-Lei n.° 91/89, desde que o sujeito passivo da sisa seja o adquirente do direito à propriedade plena do imóvel ou imóveis destinados exclusivamente a habitação, relevando, para o efeito, o valor sobre que incida a sisa, determinado, segundo as regras próprias previstas no mesmo Código».
O conteúdo do n.° 22 do artigo 11.°, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.° 91/89, é idêntico ao do artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 114-A/88.
De acordo com o técnico tributário Leonel Corvelo de Freitas, no estudo que sustentou a proposta da referida circular n.° 10/89, aquela doutrina vem «na linha da orientação estabelecida por despachos do Ex.mo Sr. Subdirector-Geral de 6 de Outubro de 1988 e de 28 de Abril de 1989 (este último referido ao regime instituído pelo Decreto-Lei n.° 91/89), proferidos no processo n.° 14/7, livro n.° 18/376, e no processo n.° 18/10, livro n.° 18/1915».
Aliás, o despacho de 6 de Outubro de 1988 recaiu sobre a consulta do Dr. Mário Martins David anteriormente referida, deixando inequívoco que a 4.8 Direcção de Serviços da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos analisou aquele processo no convencimento de que a permuta em questão correspondia à transmissão do direito de propriedade plena, e não apenas do direito de superfície.
Acresce que, no mesmo estudo que serviu de base à circular n.° 10/89, o técnico tributário Leonel Corvelo de Freitas não deixa quaisquer dúvidas sobre o não beneficio de isenção de sisa nas transmissões do direito de superfície:
Nesta ordem de ideias, parece-me de concluir que ao referir-se à «aquisição de prédio ou fracção autónoma de prédio urbano destinado exclusivamente a habitação», e ao estabelecer benefícios fiscais nessa área, o Decreto-Lei n.° 91/89, de 27 de Março, não contendo quaisquer referências a situações que não contemplem a transmissão de outros direitos que não o da propriedade plena da totalidade do imóvel, pretende abranger exactamente as situações que claramente enquadra, afigurando-se-me que do seu âmbito se encontram excluídas as transmissões de figuras parcelares de direito de propriedade (usufruto, nua-propriedade, direito de superfície, uso e habitação).
2.3 — A permuta de uma fracção autónoma para habilitações (6.° andar, direito, letra B, lote 4) na mesma torre do Edifício das Amoreiras em que se situa o apartamento adquirido pelo Ministro das Finanças, com uma diferença de valores declarados nula e uma diferença de valores matriciais de apenas 1 125 375$, foi objecto de tributação em sisa em 28 de Janeiro de 1989 pelo 8.° Bairro Fiscal de Lisboa.
2.4 — Isto é, face às condições concretas em que se realizou o alegado contrato de permuta entre a EUTA e o Ministro das Finanças, este sempre teria de pagar
sisa nos termos da legislação em vigor e da doutrina expressa da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos.
2.5 — A tradição do andar das Amoreiras ocorreu na data da outorga do contrato-promessa de permuta, pois a realização de obras de beneficiação, por conta do Ministro das Finanças, configura o exercício de actos de proprietário.
Não houve tradição do andar do Lumiar para a EUTA.
Verifica-se, pois, que em 30 de Setembro de 1987 ocorreu apenas um facto tributário — o da tradição do andar das Amoreiras —, e não o outro facto tributário — o da tradição do andar do Lumiar —, que daria origem, a verificar-se, à inexistência da obrigação de imposto.
O artigo 8.°, § 1.°, do Código da Sisa estabelece que sempre que se trate de promessa de troca com tradição dos bens apenas para um dos permutantes essa promessa é havida por compra e venda.
Assim, o contrato promessa de permuta celebrado pelo Sr. Ministro das Finanças tem de ser havido por compra e venda.
Pelo que o Sr. Ministro das Finanças deveria ter solicitado a liquidação da sisa no prazo de 30 dias a contar da data da tradição (v. os artigos 115.° e 116.° do Código da Sisa), imposto que deveria ter sido pago sobre o preço da aquisição do andar das Amoreiras.
3 — Quanto ao preço declarado.
De acordo com as declarações prestadas pelo engenheiro Vítor Ribeiro, sócio gerente da empresa Empreendimento Urbanístico da Torre das Amoreiras (EUTA), os apartamentos T3, de 159 m2, terão tido um preço de venda estável (17 490 contos) entre 1985 e 1987 (v. acta de 11 de Julho de 1989, pp. 122 e seguintes). Só em 1988, já depois da assinatura do contrato-promessa de permuta pelo Ministro das Finanças, os preços se alteram, passando para a ordem dos 40 000 contos (v. carta de 20 de Janeiro de 1989 da FENALU — Mediação de Imóveis, S. A.). Isto é, apesar das diferentes situações do mercado de habitação registadas entre 1985 e 1987 (como declarou o Ministro das Finanças, em 1985 o mercado de habitação «tinha batido no fundo» — acta de 19 de Julho de 1989, p. 35), os preços de venda dos apartamentos nas Amoreiras não teriam verificado alterações! Em contraste com o que se passou a nível nacional e, por exemplo, com o que se verificou com o apartamento no Edifício Stromp — em 1985 é adquirido pelo Ministro das Finanças por 6100 contos e em 1987 é avahado em 11 500 contos ( + 88,5%)!
4 — Sobre a veracidade do negócio jurídico da permuta.
As declarações produzidas perante a Comissão e alguns factos constatados através de documentos que lhe foram fornecidos suscitam dúvidas fundadas sobre a hipótese de simulação da permuta dos apartamentos.
Designadamente:
De acordo com as declarações do seu sócio gerente, engenheiro Vítor Ribeiro, a empresa EUTA nunca tinha vendido qualquer apartamento por permuta, por política da própria empresa:
Acontece fazerem-se permutas, mas nunca à nossa responsabilidade, pois é sempre a mediadora, a empresa que faz as vendas, que contrata isso.
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Nunca temos o compromisso de ficar com o outro [andar], isso não é normal. [(V. acta de 11 de Julho de 1989, p. 170).]
Terá, então, sido aberta pela EUTA uma excepção para o caso do Ministro das Finanças?
Conforme as declarações do engenheiro Vítor Ribeiro, a empresa EUTA apenas aceitou o contrato--promessa sob a figura jurídica da permuta porque o engenheiro Almeida Henriques (ligado por laços familiares ao Ministro das Finanças e pivô de todo o negócio) lhe garantiu a venda do andar da Stromp, por 11 500 contos, no prazo de 120 dias (v. acta de 11 de Julho de 1989, pp. 115, 116, 152, 157 e 158).
Donde poder deduzir-se que para a EUTA nunca se colocou a hipótese de vir a tomar posse do apartamento da Stromp, mas apenas, e tão-so, o valor de 17 490 contos em numerário. Dedução que aparece corroborada por diversos factos:
d) O prazo de 120 dias dado ao engenheiro Almeida Henriques para a venda do apartamento da Stromp coincide com o prazo limite constante do contrato-promessa para a efectivação da escritura pública (entre 30 de Setembro de 1987 e 31 de Janeiro de 1988). Isto é, a EUTA garantia, assim, que até à assinatura da escritura pública lhe fosse entregue a totalidade do preço em numerário;
b) Só assim se pode compreender que a EUTA tenha aceite que o valor a atribuir ao apartamento da Stromp fosse fixado pelo engenheiro Almeida Henriques, através de uma sua empresa mediadora, a Arena (v. acta de 11 de Julho de 1989, p. 116). À EUTA era indiferente que o apartamento «dado de permuta» fosse avaliado em 100 ou em 200 — a única situação de facto que para a EUTA estava em causa era a recepção dos 17 490 contos, em numerário, até à assinatura da escritura;
c) O acordado não foi cumprido, e nem o apartamento da Stromp foi vendido até 31 de Janeiro de 1988, nem a escritura pública foi assinada até essa data. Pelo que a EUTA concedeu um prazo adicional de 60 dias ao engenheiro Almeida Henriques para a venda do apartamento da Stromp.
E, de facto, em Março de 1988 o engenheiro Almeida Henriques «endossou» à EUTA um cheque no valor de 11 500 contos (passado ao portador pelo Dr. Emanuel de Sousa sobre a Caixa Económica Açoriana) para completar o pagamento dos 17 490 contos, valor de venda declarado para o apartamento das Amoreiras (v. acta de 11 de Julho de 1989, p. 118, e carta da EUTA à Comissão);
d) Mas se se estivesse perante um efectivo contrato-promessa de permuta, porquê a urgência do engenheiro Almeida Henriques, em representação do Ministro das Finanças, em completar o pagamento em numerário dos 17 490 contos vários meses antes da assinatura da escritura pública (v. declaração do engenheiro Almeida Henriques, em 1 de Setembro de 1989, p. 15)? Porquê essa urgência se o apartamento
das Amoreiras ainda não estava pronto para a mudança do Ministro das Finanças (idem, p. 23)?
Porquê a alteração da actuação do Ministro das Finanças entre o pagamento do apartamento da Stromp (sinal de apenas 6,6% durante quase dois anos, até à escritura) e o do
apartamento das Amoreiras (sinal e reforços de 100% meses antes da escritura)?
Qual a razão dessa urgência, que obrigou o Dr. Emanuel de Sousa a pagar a pronto, por 11 500 contos, o apartamento da Stromp quatro meses antes de poder tomar conta efectiva do apartamento adquirido e cerca de 18 meses antes de poder ser feita a respectiva escritura? (V. declarações do Dr. Emanuel de Sousa, em 26 de Julho de 1989, p. 13: «E paguei até porque — se não estou em erro — naquela altura [Março de 1988] penso que havia uma certa urgência em fazer um pagamento, enfim, mais tarde terei presumido que estava ligado com outra casa em que eventualmente o Dr. Miguel Cadilhe estaria interessado, e por isso paguei a pronto os 11 500 contos.»)
O Ministro das Finanças, em declarações prestadas na Comissão, afirmou, peremptoriamente, que desconhecia que o seu apartamento do Lumiar tivesse sido vendido, a quem quer que seja, antes da assinatura da escritura de permuta em 7 de Dezembro de 1988:
Não sei, não faço a menor ideia, nem me interessa nada, não sou chamado a essa matéria, não sei o que é que a firma da Empresa Alves Ribeiro, que me permutou o andar das Amoreiras, fez com o andar da Stromp.
[...]
Essa permuta foi consumada por escritura de Dezembro de 1988. Antes disso, o único proprietário do andar da Stromp era eu próprio, desde o momento em que fiz a escritura de compra e venda com o SACOFO. Se alguém fez promessa de venda de um andar de que ainda não era proprietário, o problema é dele e do promitente comprador. Não tenho nada a ver com isso.
[...]
O que poderá ter acontecido é que a firma Alves Ribeiro, ou a firma EUTA, ou a firma que me tomou em permuta o prédio da Stromp, se vendeu antes, vendeu algo que não era seu. Em Dezembro de 1988, por escritura de compra e venda, vendi o que era meu. [Acta de 19 de Julho de 1989, pp. 38, 67 e 68.]
Porém, este aparente desconhecimento, por parte do Ministro das Finanças, de que o seu apartamento da Stromp foi vendido em Março de 1988 pelo seu familiar engenheiro Almeida Henriques não parece ser real. O Ministro das Finanças de tal modo sabia que o apartamento havia sido vendido em Março que pôs mesmo a hipótese de se mudar para um hotel de forma que o comprador (Dr. Emanuel de Sousa) pudesse tomar conta efectiva do imóvel. É isso que afirma o engenheiro Almeida Henriques nas suas declarações à Comissão! (V. acta de 7 de Setembro de 1989, pp. 23, 24, 37 e 38.)
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Porquê tanta necessidade do Ministro das Finanças em negar que sabia que o apartamento do Lumiar já tinha sido vendido? Que terá levado o Ministro das Finanças a aceitar como boas as declarações do engenheiro Almeida Henriques, a ir ao ponto de prestar falsas declarações à Comissão?
5 — Sobre o negócio efectuado pelo Dr. Emanuel de Sousa.
No âmbito da análise do processo de «permuta» dos apartamentos das Amoreiras e da Stromp, a Comissão tomou conhecimento da aquisição deste último pelo Dr. Emanuel de Sousa, em Março de 1988, pelo preço de 11 500 contos. Vários factos relacionados com esta aquisição suscitam, no mínimo, interrogações e perplexidades:
O preço de compra pelo Dr. Emanuel de Sousa é exactamente igual ao valor declarado pelo Ministro das Finanças para efeitos de permuta;
Objectivamente, o Dr. Emanuel de Sousa só decidiu adquirir o apartamento depois de saber que pertencia ao Ministro das Finanças e só o fez por ser «amigo pessoal do engenheiro Almeida Henriques» (acta de 26 de Julho de 1989, p. 27);
Pagou o apartamento a pronto, por 11 500 contos, e não exigiu nenhum contrato-promessa nem qualquer recibo (idem, p. 11);
Permitiu que o Ministro das Finanças continuasse a residir no apartamento entre Março e Julho de 1988, apesar de «os prazos a que se comprometeram [serem] sucessivamente adiados» e de isso lhe ter custado a perda de dois clientes para a venda do apartamento (idem, pp. 11 e 12);
Cerca de 18 meses depois de ter feito o pagamento do apartamento (à data das declarações prestadas na Comissão), o Dr. Emanuel de Sousa continuava sem qualquer documento comprovativo desse factor;
O único recibo que existe do pagamento pelo Dr. Emanuel de Sousa, no valor de 11 500 contos, foi passado pela EUTA, em 29 de Dezembro de 1988, em nome da empresa Anro and Co., Ltd. (que nada teve a ver com esse pagamento), e em 14 de Setembro de 1989 ainda se encontrava na posse da EUTA. Isto é, o único documento comprovativo do pagamento de 11 500 contos é um recibo falso.
Ill — Utilização de pessoas, serviços e veículos da Guarda Fiscal
Do parecer elaborado pela Procuradoria-Geral da República e da documentação enviada à Comissão pelo comando da Guarda Fiscal resultam os seguintes aspectos essenciais:
a) Que a utilização, por parte do Ministro das Finanças, de veículos e pessoas da Guarda Fiscal para a realização da mudança de recheio das suas habitações no Porto e na Rua de Francisco Stromp para as Amoreiras se encontra provada;
b) Que igualmente se encontra provada a utilização de carpinteiros da Guarda Fiscal por um período global de 20 horas;
c) Que as referidas operações foram formalmente solicitadas pelo Ministro das Finanças ao comando da Guarda Fiscal e que por este foram indevidamente autorizadas por despachos não impugnados;
d) Que o Ministro das Finanças efectuou o pagamento das quantias que lhe foram solicitadas para custear as operações, num montante global de 16 434$ (por 843 km de transporte em viatura, pessoal para carga e descarga das viaturas e 20 horas de trabalho de carpintaria);
e) Que nem sequer se cumpriram, na íntegra, as normas de execução permanente aplicáveis, em casos idênticos, à generalidade dos subscritores dos serviços sociais, sendo irrecusável existir um débito do Ministro das Finanças à Guarda Fiscal;
f) Que foram preenchidos os elementos objectivos do ilícito criminal previstos no artigo 21.° da Lei n.° 34/87, de 16 de Julho, pois que o Ministro das Finanças cometeu factos ilícitos ao utilizar as viaturas e pessoas da Guarda Fiscal em proveito próprio;
g) Que, no entanto, o Ministro das Finanças terá actuado sem consciência da ilicitude dos factos, pelo que a Procuradoria-Geral da República conclui que os factos não são criminalmente puníveis dada a inexistência de dolo do arguido, elemento subjectivo indispensável à verificação do ilícito criminal do artigo 21.° da Lei n.° 34/87.
IV — Atribuição ilegal de subsidio de alojamento ao Ministro das Finanças
1 — A Comissão examinou documentos comprovativos de que o Ministro das Finanças tem beneficiado, de forma ilegal, de subsídio de alojamento, apesar de comprovadamente deter residência em Lisboa.
Escandalosamente, o Ministro despachou favoravelmente em seu favor um parecer (71/89/JV) da Auditoria Jurídica do Ministério de que é responsável, no qual se procura, inabilmente, dar cobertura à ilegalidade. No mesmo parecer remetido à Comissão pelo Ministro, por sua iniciativa, se fundou a Comissão de inquérito para concluir pela incensurabilidade da situação gerada.
2 — A peça em causa é lamentável juridicamente (pela indigência e incoerência intrínseca) e politicamente (pelo precedente que representa a tentativa de dar cobertura, a todo o custo, a privilégios ilegais, pelo facto de beneficiar governantes).
2.1 —Com efeito, o parecer:
Reconhece que «é obvio que [desde 1985] o Ministro das Finanças tem residência permanente em Lisboa por força do exercício das suas funções governativas» (p. 3);
Admite que, embora o Ministro não tenha vendido nem arrendado a sua casa no Porto, encontra--se «suspensa» a residência permanente que nela teve até 1985 (p. 6), sendo essa a situação que ocorria quando da sua segunda nomeação para o Governo (17 de Agosto de 1987).
2.2 — Face a estes pressupostos e prevendo a lei que o subsídio de alojamento só possa ser concedido a go-
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II SÉRIE-B — NÚMERO 1
vernantes que à data da nomeação não tenham residência permanente em Lisboa, impor-se-ia a conclusão
óbvia da inaplicabilidade do benefício ao Ministro Miguel Cadilhe.
2.3 — O parecer opta, contudo, por uma conclusão gritantemente contrária aos pressupostos, com base num único argumento:
Miguel Cadilhe cessou funções como ministro do X Governo no mesmo dia em que as assumiu no XI «sem hiato», sublinha-se insistentemente.
2.4 — O argumento padece de um duplo vício:
a) Assenta num absurdo lógico: porque quando foi pela primeira vez nomeado ministro não residia em Lisboa (6 de Novembro de 1985) e tinha nessa data direito a subsídio por então carecer de apoio para alojamento na capital, dois anos depois, residindo notoriamente em Lisboa, ao ser nomeado pela segunda vez, o Ministro Cadilhe (ministro com casa) teria direito ao subsidio de apoio reservado aos ministros sem casa;
b) Comete um grosseiro erro de direito: tendo o Ministro cessado as funções que exercia devido à primeira nomeação, com a segunda nomeação inicia novas funções (sendo indiferente que entre a primeira e a segunda nomeação tenham mediado segundos, horas, dias ou meses).
Só poderá beneficiar de subsídio de alojamento se à data de cada nomeação, à data do início de funções, não tiver residência em Lisboa, qualquer que fosse a sua situação em 1985, 1984, 1974 ou 1933.
E também é indiferente que o Ministro mantenha a propriedade e direito de uso da anterior habitação (ao invés do que se sustenta no lamentável parecer). Precisamente o que é relevante é que tenha residência em Lisboa. Nada na lei vincula o governante a não alienar casas da sua propriedade (ou a não comprar outras casas em qualquer parte do Mundo). Apenas lhe é vedado se querem manter o direito ao subsidio—residir permanentemente em casa própria em Lisboa.
Independentemente de no passado terem residido fora de Lisboa (ou mesmo de terem vários domicílios voluntarios e necessários e múltiplas residências em Portugal ou no estrangeiro), os ministros só poderão ser beneficiados de apoio para alojamento em Lisboa se concretamente, à data da nomeação, não tiverem residência permanente na capital.
Como sabe o mais modesto reformado, obrigado a fazer prova de vida periodicamente, o que foi verdade no passado não é obrigatoriamente verdade no futuro. Não estão libertos desta lei da variação dos factos os ministros.
Se não residiam em Lisboa e tinham direito a subsídio, passando a residir deixam de o ter — é insofismável.
Sendo certo que à data da sua segunda nomeação o Ministro Cadilhe tinha —como reconhece o parecer— residência em Lisboa, não poderia beneficiar de subsidio.
3 — É mesmo de ir mais longe e sustentar que se, por alguma razão, um ministro beneficiário de subsídio adquiriu, a suas expensas, por herança, boa sorte
ou por qualquer outro meio, casa própria ou aíoja-mento em Lisboa, cessa a razão pública que justifica o apoio previsto pelo Decreto-Lei n.° 72/80. É que o mesmo não tem o carácter de uma ajuda de custo, ou de üm abono para despesas de representação (cujo dispêndio não é obrigatório na proporção dos actos em que se participe e em função das necessidades concretas).
Se a lei conferisse tão genérica compensação monetária em casos em que não há carência, privilegiaria (eternamente, mesmo em segunda e terceira nomeação) membros do Governo, só por não serem oriundos de Lisboa. Penalizaria, correspondentemente, os que por opção ou acaso tivessem residência na capital à data da nomeação.
Não foi isso manifestamente que se visou com o Decreto-Lei n.° 72/80. Nem se conhecem mais casos similares ao do Ministro Cadilhe, tão aberrante é o sofisma em que assenta.
4 — Em qualquer caso, detectada tal situação, ainda que (como não ocorre no caso) se colocassem dúvidas legítimas quanto à legalidade da acumulação consentida ao Ministro Cadilhe, ponderadas as suas consequências politicamente inaceitáveis, o que se impunha seria clarificar, moralizar, mudar a lei, fazer cessar o privilégio.
Ao invés, o que o PSD faz, pervertendo a função das comissões parlamentares de inquérito, é consagrar um viciado entendimento da lei para dar cobertura à sua violação pelo Governo, dando aval político ao prosseguimento da imoralidade e da lesão do erário público.
V — Evolução do limite de Isenção de sisa
No âmbito da análise do regime de sisa aplicável à aquisição do apartamento das Amoreiras pelo Ministro das Finanças, a Comissão constatou coincidências objectivas entre os negócios imobiliários do Ministro das Finanças e as alterações nos valores limite para efeitos de isenção de sisa. Concretamente:
a) No dia 21 de Dezembro de 1985, o Conselho de Ministros aprovou o aumento do limite de isenção de 5000 contos para 10 000 contos (decreto-lei que veio a ser publicado, com o n.° 5/86, em Janeiro de 1986).
Dois dias depois, em 23 de Dezembro de 1985, o Ministro das Finanças assina um contrato-promessa de compra e venda de um apartamento em Lisboa, com o valor de 6100 contos (valor que ultrapassava o limite de 5000 contos então ainda em vigor, mas já aumentado pelo Conselho de Ministros);
b) Em 7 de Dezembro de 1988 o Ministro das Finanças celebra a escritura de permuta do apartamento das Amoreiras (com diferença de valores matriciais de 8 084 430$).
Em 27 de Março de 1989 é publicado o Decreto-Lei n.° 91/89, que baixa o limite de isenção de 10 000 contos para 5000 contos, conforme havia sido proposto pelo Ministro das Finanças, em Outubro de 1988, no Orçamento do Estado para 1989.
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21 DE OUTUBRO DE 1989
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Declaração de voto do deputado Basílio Horta, do CDS
0 signatário, representante do CDS na Comissão de Inquérito, votou contra o relatório pelas seguintes razões:
1 — O relatório é gravemente omisso na descrição de matéria de facto que ficou provada no decurso dos
trabalhos da Comissão.
2 — Assim, não constam do relatório os seguintes
elementos:
Os exactos termos da consulta solicitada em 26 de Abril de 1988 à Direcção-Geral das Contribuições e Impostos e que originou a informação n.° 1454, de 17 de Junho de 1988, com base na 'qual o Ministro das Finanças entendeu beneficiar de isenção de sisa, nos termos do artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 114-A/88, de 8 de Abril;
A existência de outros casos de permuta, nomeadamente no próprio Edifício Amoreiras, em que não se verificou isenção de sisa;
O facto de em Dezembro de 1985 se encontrarem suspensas as vendas de apartamentos no Edifício Stromp devido ao facto de não estarem definidas as condições de expurgo exigidas pela Caixa Geral de Depósitos, pelo que a assinatura do contrato-promessa com o Ministro das Finanças foi uma excepção;
O facto de a Caixa Geral de Depósitos ter alterado os critérios para efeito da concessão do expurgo aos referidos andares do Edifício Stromp, o que beneficiou objectivamente a fracção adquirida pelo Ministro das Finanças;
O facto de a empresa EUTA apenas ter aceite o contrato-promessa de venda do andar das Amo-
reiras sob a figura jurídica da permuta porque expressamente lhe foi garantida a venda do andar da Stromp, por 11 500 contos, no prazo de 120 dias, o que lhe assegurou o pagamento da totalidade do preço em numerário até à assinatura da escritura pública; O facto de o Dr. Emanuel de Sousa, ao tempo responsável pela Caixa Económica Açoriana, ter
pago em Março èe 1988, a pronto, pôr 11 Sflô contos, o apartamento da Stromp quatro meses antes de poder tomar posse do imóvel e cerca de 18 meses antes de poder ser feita a respectiva escritura e tê-lo feito sem qualquer documento, nem sequer um simples recibo;
O facto de constar do processo um recibo, no valor de 11 500 contos, passado pela EUTA, em 29 de Dezembro de 1988, em nome da empresa Anro and Co., Ltd., relativo ao andar da Stromp, que veio a provar-se ser um recibo falso, uma vez que esta empresa não pagou nada à EUTA;
O facto de ter havido coincidência objectiva entre os negócios imobiliários do Ministro das Finanças e as alterações nos valores limite para efeitos de isenção de sisa.
3 — Estas omissões estiveram na base de várias propostas de alteração ao relatório, as quais foram todas rejeitadas pelos deputados do PSD.
Em face do exposto, o signatário entende que o relatório não reproduz de forma completa e fiel a matéria de facto provada e pertinente ao objecto do inquérito, pelo que contra ele votou.
O Deputado do CDS, Basílio Horta.
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DIÁRIO
da Assembleia da República
Depósito legal n.º 8819/85
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