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Quarta-feira, 29 de Maio de 1991

II Série-B - Número 32

DIÁRIO

da Assembleia da República

V LEGISLATURA

4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1990-1991)

SUMÁRIO

Volos (n.os 214/V a 216/V):

N.° 214/V — De congratulação pela assinatura formal dos acordos de paz para Angola no dia 31 de Maio, em Lisboa (apresentado pelos deputados independentes José Magalhães e Jorge Lemos) . ............ 120

N.° 215/V — De saudação pelo 30.° aniversário da

Amnistia Internacional (apresentado pelo PS)...... 120

N.° 216/V — De congratulação pelo 30." aniversário da Amnistia Internacional e pelos 10 anos da sua Secção Portuguesa (apresentado pelo PRD).......... 120

Interpelações (n.»" 20-A/V e 21/V):

N.° 20-A/V — Debate da política gerai centrado nas questões de política cultural (apresentado pelo PCP) 120

N.° 21/V — Debate sobre política geral visando o balanço e apreciação politica da actividade global do Governo (apresentado pelo PS)..................... 120

Inquérito parlamentar n.° 22/V (Constituição de nova comissão eventual de inquérito a actos administrativos na área do Ministério da Saúde) (a):

Relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos relativo às dúvidas suscitadas quanto à constituição de nova comissão eventual de inquérito, resultado da sua votação e parecer/informação n.° 8/91 da Assessoria Jurídica........................... 121

(o) O texto do relatório e parecer foi também publicado no n.° 30, de 16 de Maio de 1991.

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Voto n.° 214/V

De congratulação pela assinatura formal dos acordos de paz para Angola no dia 31 de Maio, em Lisboa

A assinatura formal dos acordos de paz para Angola, que terá lugar no próximo dia 31 de Maio, em Lisboa, constitui um notável acontecimento histórico. Marcando o fim de longos anos de guerra e abrindo uma auspiciosa perspectiva de transição pacífica para a democracia em Angola, os acordos são duplo motivo de regozijo para os Portugueses:

Pelo que significam para o povo angolano, flagelado por anos de sofrimento;

Pela nova era de relacionamento com Portugal, su-peradora de traumas do passado, agora ensejada, na sequência do assinalável êxito da mediação portuguesa, reconhecido e saudado generalizadamente pela comunidade internacional.

Nesta ocasião solene, a Assembleia da República, enquanto Assembleia representativa de todos os portugueses:

1) Congratula-se com o fim das hostilidades e com as medidas tendentes à consolidação da paz em Angola.

2) Saúda o povo angolano, por intermédio dos presidentes José Eduardo dos Santos e Jonas Savimbi, bem como dos representantes de todas as correntes de opinião cuja afirmação está em curso na sociedade angolana.

3) Reafirma o seu empenhamento na concretização de uma política nacional, institucionalmente concertada, de estreitamento e aprofundamento dos laços de amizade e cooperação entre Portugal e Angola.

Palácio de São Bento, 28 de Maio de 1991. — Os Deputados Independentes: José Magalhães — Jorge Lemos.

Voto n.° 215/V

De saudação pelo 30.° aniversário da Amnistia Internacional

Completam-se hoje 30 anos sobre a fundação da Amnistia Internacional, organismo bem conhecido pela coragem com que denuncia as violações dos direitos humanos em todos os países do mundo.

O papel de consciência crítica dos cidadãos e dos Estados em matéria de defesa das liberdades tem vindo a ser exercido pela Amnistia Internacional com inegável vigor e com uma determinação proporcional às dificuldades e obstáculos que à sua missão se colocam.

Nessa medida, a Assembleia da República saúda a Amnistia Internacional, por ocasião da passagem do seu trigésimo aniversário, reconhecendo o insubstituível papel que aquela organização tem desempenhado na implantação da democracia à escala planetária e na promoção do respeito pela vida e pela liberdade.

Assembleia da República, 28 de Maio de 1991. — Os Deputados do PS: Laurentino Dias — João Rui de Almeida.

Voto n.° 216/V

De congratulação pelo 30.° aniversário da Amnistia Internacional e pelos 10 anos da sua Secção Portuguesa

Celebra-se hoje o 30.° aniversário da fundação da Aministia Internacional, organização não governamental de defesa e promoção dos direitos humanos. A sua Secção Portuguesa foi instituída há cerca de 10 anos, no dia 23 de Maio de 1981, tendo na época sido recebido e unanimemente aplaudido nesta casa o seu então secretário-geral, Thomas Hammarberg.

Durante 30 anos a Amnistia Internacional tornou-se respeitada pelo seu vigor, objectividade, imparcialidade e independência, vindo a obter posição destacada junto das organizações internacionais e regionais, governos e outras entidades, bem como da opinião pública, e em particular junto das inúmeras vítimas de violações dos direitos humanos.

Considerando a importância da solidariedade e a necessidade da promoção dos direitos humanos na nossa sociedade, bem como a relevância da intervenção da Amnistia Internacional para um mundo mais justo, a Assembleia da República aprova um voto de congratulação à Amnistia Internacional e à sua Secção Portuguesa.

Assembleia da República, 28 de Maio de 1991. — Os Deputados do PRD: Carlos Lilaia — Humberto Sertório — Isabel Espada.

Interpelação n.° 20-A/V

Debate de politica geral centrado nas questões da politica cultural

Ao abrigo do disposto no artigo 183.°, n.° 2, alínea c), da Constituição da República e dos artigos 240.° e 241.° do Regimento da Assembleia da República, o Grupo Parlamenatar do PCP propõe, por meio de interpelação ao Governo, a realização de um debate de política geral centrado nas questões da política cultural.

Assembleia da República, 23 de Abril de 1991. — O Presidente do Grupo Parlamentar do PCP, Carlos Brito.

Interpelação n.° 21IV

Debate sobre politica geral visando o balanço e apreciação politica da actividade global do Governo

Encarrega-me o presidente do Grupo Parlamentar do PS de comunicar a V. Ex.a que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista pretende exercer o direito de interpelação ao Governo sobre política geral visando o balanço e apreciação política da actividade global do Governo, nos termos da alínea c) do n.° 2 do artigo 183.° da Constituição e dos artigos 240.° e 241.° do Regimento da Assembleia da República.

O Chefe de Gabinete, Luís Manuel Patrão.

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Relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos

A — Enunciação do problema:

Ao abrigo do disposto no n.° 2 do artigo 253.° do Regimento da Assembleia da República e por força do preceituado no n.° 4 do artigo 181.° da Constituição da República Portuguesa, um grupo de 50 deputados requereu a constituição de «uma nova comissão eventual de inquérito a actos administrativos na área do Ministério da Saúde».

O referido requerimento indica os fundamentos e o correspondente objecto.

Porém, S. Ex.a, o Presidente da Assembleia da República, não deu cumprimento, em tempo oportuno, ao que vem disposto no n.° 3 do artigo 153.° do Regimento, certamente porque o texto daquele requerimento lhe suscitou dúvidas.

Estas poder-se-ão consubstanciar na seguinte questão:

O que vem requerido estará em conformidade com as exigências formais e substantivas resultantes da Constituição, da lei e do Regimento para que se possa e deva constituir a consequente comissão de inquérito?

Para esclarecimento das referidas dúvidas, e certamente para obter resposta à questão que formulámos, S. Ex." entendeu por bem pedir parecer à Consultadoria Jurídica da Assembleia da República.

Esta produziu douto parecer, elaborado e subscrito pelo Ex.mo Sr. Dr. Morais Sarmento, que, de forma concisa e clara, nos dá conta das dúvidas suscitadas por aquele requerimento, bem como das dificuldades na solução dos problemas que levanta.

Na parte final daquele apreciado parecer sugere-se que as questões suscitadas sejam submetidas à Comissão de Regimento e Mandatos, ao abrigo do artigo 35.°, alínea/), e 288.°, n.° 1, do Regimento, visto que se trata «... de matéria omissa, situação que cabe no artigo 288.° do Regimento e de especial melindre e dificuldade, ...».

S. Ex.a devolveu o processo a esta Comissão, tal como fora sugerido.

Cumpre-nos, por isso, analisar as questões e dar parecer.

B — Análise das questões:

Daquele bem elaborado parecer retiramos as seguintes ilações:

1.° O direito consignado no n.° 4 do artigo 181.° da Constituição da República Portuguesa é um direito potestativo. Porém, para se verificar o seu exercício;

2.° Não basta a sua consagração constitucional. Torna-se necessário, em cada caso concreto, verificar se estão preenchidos os pressupostos e as exigências formais e substantivas que o justificam.

A Constituição, a lei e o Regimento não contemplam esta última questão. Trata-se, efectivamente, «de matéria omissa».

Mas ela tem uma importância decisiva para o exercício do direito invocado. Contudo, o seu exercício não se encontra suficientemente regulamentado, e de tal sorte que a omissão apontada poderá pôr em causa a sua efectivação concreta. Efectivamente, pensamos que a realização e a aplicação práticas do direito só são possíveis quando está legalmente estabelecido o processo do seu exercício.

É neste quadro de pensamento que nos propomos analisar aquelas questões.

É dado adquirido e incontestável que o requerimento em apreço foi formulado ao abrigo de um direito que tem a natureza de direito potestativo.

A consagração constitucional desse direito constitui uma aplaudida conquista da democracia.

Na verdade, o direito potestativo de constituir comissões de inquérito à revelia da vontade da maioria parlamentar traduz o reconhecimento do valor das minorias ou da oposição, no papel que lhes cabe no desenvolvimento e afirmação da democracia pluralista. - É que, como escreveu Karl Popper, «a essência da democracia não é o governo da maioria, mas o controlo sobre os governos».

Por virtude da consagração constitucional daquele direito, as oposições passaram a dispor de um especial e importante instrumento no quadro da competência fiscalizadora da Assembleia da República.

Com o reconhecimento de tal direito ganham os governos, ganha a Administração e ganha a democracia.

Foi certamente por estas e outras razões, que aqui não importa aflorar, que a consagração de tal direito fora o resultado de uma votação unânime aquando da 2.a revisão constitucional. Ele expressa um dos mais relevantes princípios em favor da verdade, da transparência e da responsabilidade com que deve ser desenvolvida a actividade dos agentes públicos e políticos.

É certo que, segundo pensamos, aquele consagrado direito está ainda muito limitado quanto ao seu conteúdo e respectivos efeitos.

Na verdade, como direito potestativo, ele circunscreve-se, tão-só, à iniciativa de requerer a constituição obrigatória de comissão de inquérito.

Tudo o mais, quer quanto à constituição da comissão, quer quanto à sua organização interna, desenvolvimento, processos e meios de actuação, está sujeito aos princípios regimentais que regulam as comissões de inquérito, que têm a sua fonte no reconhecimento de outras iniciativas.

Sucede, porém, que o referido direito é posterior à Lei n.° 43/77 e o Regimento não contemplou, nas suas revisões posteriores, a regulamentação daquele direito potestativo.

Estão por isso em aberto algumas questões de solução difícil e delicada, porque falta o suporte jurídico regulamentar para a conduzir.

É que, consagrado o princípio, fixado o direito, importava regulamentar a forma, modo e termos do seu exercício.

Efectivamente, não basta invocar princípios e direitos, quando se trata da sua realização concreta. O tempo, o modo, a forma e termos da sua realização concreta têm muito a ver com as situações reais da aplicação do direito, mesmo quando se trata de direitos potestativos.

E se o que deixo referido quanto ao exercício generalizado dos direitos tem alguma importância, cia é ver-

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dadeiramente relevante quando os normativos jurídicos têm particular incidência nos fenómenos políticos e respeitam aos órgãos que os produziram, designadamente à Assembleia da República.

Situamo-nos então no espaço que poderemos designar do «direito parlamentar».

Sendo este um direito muito flexível, porque sujeito a factores de ordem vária, onde o sentido da oportunidade e estratégias políticas, o peso dos interesses sociais que o envolvem, as complicadas perspectivas dos agentes políticos e as finalidades dos órgãos que o criaram, o fazem flutuar e tomar feições diversas, ao sabor, tantas vezes, dos interesses de conjuntura, a sua interpretação e aplicação adquire uma maior delicadeza e melindre.

Efectivamente, a análise dos normativos que preenchem aquele «direito parlamentar» implica uma série de factores que passam, designadamente, pelos de natureza política, social, cultural, jurídica, moral e ética. Daí uma dificuldade acrescida quando, para além da interpretação, se procura a realização concreta do referido direito.

No caso em apreço estamos em presença de um direito potestativo quanto à iniciativa parlamentar para a criação obrigatória «de uma nova comissão eventual de inquérito».

Trata-se portanto da iniciativa de constituição de uma «nova comissão», o que traz implícita a ideia de que outra existe ou existiu tendo como objecto os actos administrativos na área do Ministério da Saúde.

Em razão do que acima dissemos quanto à aplicação prática do direito potestativo invocado, surge-nos a seguinte questão: como viabilizar aquele direito potestativo:

1) Se os fundamentos do requerimento não estiverem em consonância com o objecto por ele indicado?

2) Se os fundamentos ou objecto, ou ambos, forem inconstitucionais ou ilegais?

3) Se existir já uma comissão, legitimamente constituída, com o mesmo ou idêntico objecto?

4) Se o objecto for o mesmo que ocupou outra comissão de inquérito cujo relatório final já foi apreciado pelo Plenário?

Pensamos que estas hipóteses, relacionadas com a criação obrigatória das comissões de inquérito, são questões que merecem ser analisados em obediência a razões e princípios que se inserem no quadro da dignidade, do prestígio, da seriedade e da transparência do trabalho parlamentar.

É de todo evidente que as hipóteses apontadas só poderão ter lugar em função da iniciativa para a criação de comissões de inquérito obrigatório. Nos outros ca-—sos, elas têm possibilidade de resposta, de harmonia com o disposto no n.° 2 do artigo 252.° e no artigo 254.°, ambos do Regimento.

O mesmo não acontece com a iniciativa prevista no n.° 2 do artigo 253.° do Regimento.

Esta impossibilidade resulta do facto de o n.° 2 e o n.° 3 do artigo 253.° do Regimento constituírem matéria nova, resultante da 2.a revisão constitucional, que não mereceu ainda a correspondente regulamentação, que julgamos necessária e que o requerimento agora apresentado tornou mais premente.

Na verdade, nem o Regimento nem a Lei n.° 43/77 possuem normativos expressos que nos dêm resposta às questões formuladas.

E esta resposta é importante, não só por força daqueles enunciados princípios, mas também em razão dos que devem assegurar a correcta dinâmica parlamentar quanto à actividade das comissões:

A economia de processo; A não repetição de casos já apreciados; A não concorrência paralela do trabalho de comissões criadas com o mesmo objecto.

Como já referimos, o Regimento nada dispõe quanto às questões que acima apontamos. Trata-se de matéria omissa que importa integrar para que o referido direito potestativo possa e deva exercitar-se, na forma e termos que correspondam às finalidades pelas quais foi constitucionalmente reconhecido.

Essa integração deve ser feita no respeito dos pressupostos que o justificam e sem prejudicar o carácter obrigatório que resulta da sua natureza, já que se trata de «um ter de ser» e não de «um dever ser».

Mas aquele «ter de ser» não é resultado de um arbítrio puro. No caso do exercício do direito potestativo, como no de qualquer direito, é necessário que respeite os formalismos e as razões que o justificam, sem prejuízo de outros direitos e interesses legítimos que informam a actividade parlamentar no quadro da criação de comissões de inquérito.

Para tanto há que considerar que:

1) Os inquéritos parlamentares têm, por natureza, carácter instrumental, pois a sua função não consiste em julgar, mas sim em habilitar a Assembleia da República com conhecimentos que podem eventualmente conduzir à tomada de medidas, legislativas ou outras;

2) Os inquéritos parlamentares estão particularmente vocacionados, como instrumento, para a função de fiscalização política (designadamente pela apreciação dos actos do Governo e da Administração) que compete à Assembleia da República;

3) O requerimento respeitante à iniciativa prevista no n.° 2 do artigo 253.° do Regimento deve indicar os seus fundamentos e delimitar o seu âmbito, de acordo com a Constituição, a lei e o Regimento;

4) Em nome do princípio da economia de processo e do da unidade de apreciação parlamentar, não é concebível a existência simultânea de duas ou mais comissões de inquérito que tenham por escopo o mesmo objecto (caso de litispendência);

5) Em obediência ao princípio da certeza das deliberações, não é aceitável a constituição de novas comissões de inquérito que tenham por objecto a mesma matéria que fora apreciada pelo Plenário, na sequência de relatório produzido por comissão extinta (caso julgado);

6) Em nome da dignidade, do prestígio, da seriedade e da transparência do trabalho político do Parlamento, deve evitar-se a prática de actos inúteis, inconsequentes ou repetidos, prefigurando o «abuso de direito».

Pensamos que os pressupostos e condições que deixamos expressos devem ser considerados numa apre-

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ciação preliminar necessária do requerimento para a constituição obrigatória de comissões de inquérito. E ela deve ser feita, a nosso ver, aquando da sua recepção.

Na verdade, aquele requerimento, além de conter os fundamentos e o objecto correspondente, deve respeitar as condições enunciadas, designadamente as referidas nos n.°s 3 a 6.

Se tal não acontecer, julgamos que o exercício do direito potestativo não tem viabilidade, porque ferido de inconstitucionalidade ou de vícios formais (casos previstos no n.° 3), ou porque ofende princípios gerais que informam a actividade política parlamentar (casos previstos nos n.os 4, 5 e 6 e que, no aproveitamento da linguagem civilística/jurídica, designamos por «economia de processo» litispendência, caso julgado e abuso de direito).

Não aceitamos a ideia de que o Presidente da Assembleia da República promova as diligências previstas no n.° 3 do artigo 253.° do Regimento sem se assegurar de que as mesmas correspondem à licitude constitucional, legal e regimental e de que estão respeitados os princípios gerais que condicionam e presidem a toda a actividade política parlamentar.

É certo, como já referimos, que nem a lei nem o Regimento referem expressamente aqueles pressupostos no caso em análise. Por outro lado, e consequentemente, nada referem sobre aquela valoração preliminar.

São dois aspectos omissos pelas razões que já apontámos.

Porque entendemos que a existência daqueles pressupostos ou condições são essenciais para o exercício do direito potestativo em causa, para lhe assegurar os legítimos e correspondentes efeitos, julgamos ser necessário integrar as anunciadas omissões, o que pode e deve ser realizado ao abrigo do disposto no n.° 1 do artigo 288.° do Regimento, já que é à Mesa que compete interpretar o Regimento e integrar as respectivas lacunas.

Na sequência do que vem exposto, importa analisar o problema de saber quem deve ter a competência e obrigação de apreciar e valorar o requerimento referido, como acto preliminar à sua viabilidade.

Ao contrário do que fora sugerido pelo Sr. Consultor Jurídico, Dr. Morais Sarmento, no parecer citado, entendemos que tal competência não deve ser cometida à comissão de inquérito, cuja composição resulta do disposto no n.° 3 do artigo 253.° do Regimento, pelas seguintes razões:

a) O exercício do direito potestativo, quanto à iniciativa do inquérito, não deve estar dependente da vontade da maioria. Por outro lado, o principio que preside à constituição das comissões de inquérito é o de que deve reflectir o leque parlamentar. Deste modo, seria a maioria, na respectiva comissão, a pronunciar-se sobre a viabilidade do seu objecto. Assim, concedia-se à maioria a possibilidade que lhe fora subtraída pelo disposto no n.° 4 do artigo 181.° da Constituição da República Portuguesa, reproduzido no n.° 2 do artigo 253.° do Regimento. Dava--se-lhe pela janela o que se lhe negou pela porta;

b) As comissões de inquérito só são constituídas porque lhes foi fixado o correspondente objecto. É em função dele que elas têm justifica-

ção. Por isso só têm que actuar no âmbito dos seus limites, não para o valorar, salvo casos excepcionais, mas para produzirem trabalho que o Plenário aprecie, analise e discuta.

Por tais motivos, somos de parecer que a competência para conhecer daqueles pressupostos ou condições de viabilidade deve ser cometida ao Presidente da Assembleia da República.

O Presidente é a figura cimeira da Assembleia da República que, por dever de função e responsabilidade do cargo, é Presidente de todos os deputados e grupos parlamentares.

Esta caracterização traz implícita a certeza da sua isenção, independência, justeza e justiça das suas decisões.

Ele representa a Assembleia da República, dirige e coordena os seus trabalhos (artigo 12.° do Regimento); verifica a regularidade regimental das iniciativas parlamentares [projectos e propostas de lei, de resoluções, de deliberações e dos requerimentos, artigo 16.°, alínea c), do Regimento]; assegura o cumprimento do Regimento (artigo 16.°, alínea p)\ e, além do mais, tem competência para rejeitar qualquer requerimento para a realização de um inquérito (n.° 2 do artigo 252.° do Regimento).

O acervo das competências do Presidente da Assembleia da República, regimentalmente estabelecidas, autoriza-nos a reconhecer e a concluir que lhe deve ser cometida a de se pronunciar, em despacho preliminar, quanto à verificação dos referidos pressupostos ou condições de viabilidade do referido requerimento para tomar «as providências necessárias» previstas no n.° 3 do artigo 253.° do Regimento, se aquele não estiver inquinado de vício substancial (inconstitucionalidade, litispendência, caso julgado, abuso de direito), ou formal (número de identidade dos deputados, fundamentos e objecto mal formulados). Se as primeiras conduzem à rejeição, as segundas podem e devem ser passíveis de reformulação pelos requerentes. Neste caso, sanados os vícios, importa dar cumprimento às diligências previstas no n.° 3 do artigo 253.° do Regimento.

C — Outras questões:

Para além das que já referimos, outras podem surgir na sequência do exercício do direito potestativo em análise.

Estas referem-se ainda ao seu objecto e podem ser traduzidas nas seguintes questões:

1) A delimitação do seu objecto pode abranger matéria que foi incluída no de outra comissão de inquérito?

2) O seu objecto pode ter por conteúdo factos novos que tiveram lugar na mesma área ou sector da governação ou da Administração sobre o qual incidiu ou incide trabalho de outra comissão de inquérito?

Cada uma das questões agora avançadas constitui um problema cuja solução não dispõe, também, de normativo expresso, quer no Regimento quer naléi, através do qual se possa fazer o respectivo enquadramento.

Trata-se, por isso, de matéria omissa no Regimento.

Por tal motivo há que fazer um esforço em busca da resposta necessária às questões apontadas.

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Para tanto, e na linha de pensamento que já definimos, há que invocar os princípios gerais que apontámos e as normas que regulamentam os casos da constituição de comissões de inquérito que não resultam do exercício daquele direito potestativo.

Assim, quanto aos problemas resultantes das questões postas, há que distinguir duas situações:

a) A de estar legitimamente constituída e em função uma comissão de inquérito com o mesmo ou idêntico objecto;

b) A de ter existido uma comissão com o mesmo objecto e cujo relatório final fora apreciado pelo Plenário.

Pensamos que, em qualquer das situações indicadas, não deverá ser constituída uma nova comissão de inquérito se o objecto for o mesmo que provocou a constituição da primeira. Quer esta tenha terminado os seus trabalhos, quer esteja ainda em funções.

Esta posição resultaria da ratio que ressalta do expressamente manifestado no n.° 1 do artigo 145.° do Regimento e em consideração dos princípios que não permitem a repetição do processo (princípio do caso julgado) ou da concorrência de comissões quanto ao objecto (princípio da litispendência) para garantir e assegurar o sentido de unidade de deliberações da Assembleia da República.

Em função das razões invocadas, encontramos, segundo julgamos, a solução para a questão enunciada no n.° 1 acima indicado.

Quanto à questão enunciada no n.° 2, haverá que distinguir duas situações:

a) Se a primeira comissão de inquérito ainda estiver em funções, ela deve assumi-los, para os integrar no seu objecto em razão do princípio da economia processual, já que aqueles factos, apesar de novos, se inserem na área da sua inquirição;

b) Se a primeira comissão já foi extinta, então nada obsta a que tenha lugar a criação de uma nova comissão de inquérito.

Como é óbvio, as questões levantadas e as dúvidas que nos preocupam inserem-se na problemática do exercício do falado direito potestativo e cuja regulamentação não se encontra expressamente definida no Regimento nem na lei.

À luz do que dissemos e propomos, analisemos agora:

D — O caso concreto do requerimento apresentado:

O requerimento foi subscrito por 50 deputados, como o determina o n.° 2 do artigo 253.° do Regimento (corresponde a V5 dos deputados em efectividade de funções); explicita os seus fundamentos e define o seu objecto — n.° 2 do artigo 252.° do Regimento.

Formalmente, o requerimento em análise preencheu os requisitos regimentais e invocou as disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, ainda que as não tivesse referido expressamente. Mas elas são facilmente intuídas. Trata-se do já citado n.° 4 do artigo 181.° da Constituição da República Portuguesa e dos n.os 2 e 3 do artigo 253.° do Regimento.

Em razão das dúvidas que apontamos e das questões que o exercício daquele direito levanta, analisemos

os dois elementos essenciais e necessários do requerimento para a constituição da correspondente comissão:

a) Os fundamentos;

b) O objecto.

a) Quanto aos fundamentos, esta componente do requerimento desdobra-se por três alíneas:

A primeira aduz razões políticas e alega factos que respeitam ao processo de desenvolvimento dos trabalhos da comissão de inquérito que estão em funções, criticando comportamentos que nela refere;

Sem cuidar da bondade daquelas razões nem da justeza destes comportamentos, entendemos que

o que vem alegado não constitui fundamento para o exercício do direito pretendido. As comissões de inquérito não podem ter como fundamento, segundo pensamos, a apreciação e valoração das decisões e comportamentos que se verificam durante a actividade de outra comissão de inquérito; As outras duas alíneas referem e anunciam «novos factos que são relevantes para a apreciação política das matérias e das responsabilidades a apurar neste inquérito». Estas duas alíneas poderiam ter interesse como fundamento para a constituição «de uma nova comissão eventual de inquérito a actos administrativos na área do Ministério da Saúde». Porém, a alegação de novos factos só por si não justifica a criação de uma nova comissão, se eles podem ser subsu-midos no objecto da comissão de inquérito já existente, visto que ele se define pela apreciação dos actos administrativos «na área do Ministério da Saúde», como expressamente refere o artigo 1.° do regimento daquela comissão.

b) Quanto ao objecto:

Este elemento, fundamental para a criação de uma comissão de inquérito, suscita-nos, no requerimento em análise, algumas dúvidas e fortes reservas;

Pensamos que nele se confunde o conceito de objecto da comissão com as diligências a realizar para o seu esclarecimento e apreciação;

O artigo 252.° do Regimento refere que «os inquéritos parlamentares têm por objecto o cumprimento da Constituição e das leis e a apreciação dos actos do Governo e da Administração»;

Assim sendo, os meios a utilizar e as diligências a efectuar para se apreciar o referido objecto não fazem parte dele, antes são vias a prosseguir depois do mesmo fixado;

Deste modo, não se compreende, salvo melhor opinião, que do objecto enunciado no requerimento faça parte o desejo de «apreciar toda a documentação já recebida ou requerida pela comissão eventual de inquérito a actos administrativos na área do Ministério da Saúde»;

Além disso, é de supor, muito legitimamente, que esta comissão os tenha apreciado ou os venha a apreciar, pelo que, sendo a sua actividade instrumental do Plenário, seria insólito e estranho que este viesse a confrontar-se com possíveis apreciações contraditórias;

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Pensamos que não é aceitável propiciar tal situação por poder conduzir a juízos menos ajustados à seriedade e dignidade do trabalho das comissões.

Aceitar-se como objecto o que vem apontado seria desde logo reconhecer-se que a comissão eventual de inquérito detentora da documentação em causa a não apreciou como deve e lhe compete. Além disso, se esta componente do citado objecto fosse entendida como razão para justificar a constituição de uma nova comissão, cairíamos no erro grave de repetir, inutilmente, comportamentos e deliberações que já foram legitimamente tomados e apreciados. Uma segunda apreciação seria uma censura implícita ao trabalho da primeira comissão.

Sabemos que hoje os parlamentos são muito mais um conjunto de grupos parlamentares do que de deputados.

São os grupos parlamentares que designam os deputados que integram as comissões. Por tal motivo, para a nova comissão poderão ser designados os mesmos que integraram a primeira. Assim sendo, não compreendemos como seria possível conseguir na segunda o que na primeira se não obteve.

Por outro lado, e partindo do conceito definido na disposição legal citada, não se concebe que a inquirição ou audição de pessoas possa fazer parte do seu objecto.

Se assim fosse, estaríamos confrontados com uma gravíssima consequência, que seria a do «abuso do poder»: realizar um inquérito não para prosseguir o objecto regimentalmente definido (artigo 252.° do Regui-mento) e legalmente fixado no artigo 1.° da Lei 43/77, mas para ouvir pessoas.

Seria uma grave desconformidade entre o que se pretende e o que legalmente está fixado. Por isso, pensamos que não será de aceitar o que vem referido no n.° 2 da parte iii do requerimento em causa por não ser passível de integrar o conceito de objecto que a lei e o Regimento definem.

Um outro aspecto, que julgamos menos consentâneo com o conceito de objecto, é o que vem referido no n.° 3 daquela parte iit. Na verdade, em obediência ao principio da «separação de poderes», entendemos que a sua aceitação poderia constituir grave ingerência na esfera do poder judicial.

A apreciação dos «dados disponíveis na acusação deduzida pelo Ministério Público contra o engenheiro Costa Freire e outros» deve ser da competência exclusiva dos tribunais, sob risco de grave ingerência na esfera de competência de outro poder soberano.

E essa ingerência poderia ganhar uma maior acuidade quando é certo que se trata de processo em curso. Esta seria uma razão acrescida para não aceitar esta pretensão como integrando o conceito do objecto da nova comissão.

Por último, e com referência ao n.° 4 daquela citada parte ui do requerimento em causa, somos a concluir que o objecto enunciado não reúne, em termos jurídico--políticos, as exigências que integram o conceito legal de objecto das comissões de inquérito.

Por outro lado, parece que não há objecto válido, pois, no enunciado no n.° 4 daquela parte in, se refere expressamente:

4 — Com base nas informações recolhidas nos números anteriores (1, 2 e 3) averiguar:

Ora, tal preocupação conduz-nos à ideia de que será em «resultado das informações recolhidas» que se procura o objecto em causa.

Sem pretender fazer caricatura, penso que se não parte de um objecto conhecido, mas à busca de um objecto a formular na sequência das averiguações a realizar.

Tal desiderato não é compatível com as razões e motivações que justificam e informam o conceito de objecto das comissões de inquérito. Só se constituem comissões porque previamente lhes foi fixado o correspondente objecto.

Quanto ao que vem referido na alínea b) da mesma citada parte Hl do requerimento em apreço, verificamos que é a reprodução do n.° 2 do artigo 2.° do regimento da comissão de inquérito existente, nele apontado como elemento integrador do seu objecto.

Deste modo, é de concluir que o que se requer representa uma repetição evidente da matéria que constitui o objecto da comissão existente. Pelas razões que indicámos (caso de litispendência), entendemos que também nesta parte o requerimento não deve ter viabilidade.

O mesmo sucede, mutatis mutandis, com o que vem indicado nas alíneas C, D e E da citada parte III, que é a reprodução exacta do que vem inscrito, respectivamente, nos n.os 3, 4 e 5 do artigo 2.° do citado regimento, que enuncia, pormenorizadamente, o objecto da comissão.

Por isso valem para estes casos os comentários acima produzidos.

O que deixamos exposto leva-nos à conclusão de que o objecto formulado no requerimento em apreço ou abrange situações que àquele não dizem respeito ou são a repetição de parte dos elementos que constituem o objecto que justificou a comissão eventual de inquérito existente, e todas da área do Ministério da Saúde.

Ressalva-se, no entanto, o que respeita ao Hospital de Faro. Este elemento poderia, porventura, justificar a constituição não de uma nova comissão, como se requer, mas de uma comissão de inquérito, que, em razão do seu objecto, não estaria relacionada com a existente. Porém, como o objecto definido no citado requerimento tem de ser apreciado na sua globalidade, entendemos que nem os fundamentos apresentados o justificam nem ele se apresenta limpo de vícios que permitam a constituição da comissão de inquérito, sob pena de se ferirem princípios que informam e iluminam a actividade parlamentar em matéria de inquéritos: o princípio da não repetição do que foi já apreciado (caso julgado); o princípio da unidade de deliberação do Parlamento (uniformidade de critérios).

Por todo o exposto, e considerando:

1.° Que o princípio consagrado no n.° 4 do artigo 181.° da Constituição da República Portuguesa não está suficientemente regulamentado;

2.° Que o disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 253.° do Regimento não, previne nem prevê matéria importante no que respeita à efectivação prática daquele princípio e direito — direito potestativo;

3.° Que a actividade parlamentar deve desenvolver-se em obediência ao Regimento e princípios gerais que o informam;

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4.° Que entre estes se deve contar, em matéria de inquéritos, com os que respeitam à constituição das respectivas comissões e desenvolvimento da sua acção, designadamente:

O da não repetição do objecto, quando o mesmo já foi apreciado em Plenário (caso julgado);

O da não criação de comissões que, com o mesmo objecto, estejam em função simultânea e concorrente (caso de litispen-dência);

O da não repetição de actos inúteis (economia de processo);

O da unidade de deliberações do Plenário, para evitar contradições sobre uma mesma matéria;

5.° Que não basta invocar o direito potestativo para que tenha realização concreta pela constituição obrigatória das comissões de inquérito;

6.° Que a sua constituição depende da indicação dos seus fundamentos e delimitação do seu âmbito (objecto);

7.° Que o seu objecto tem de ser traçado em conformidade com o preceituado no artigo 252." do Regimento;

8.° Que a aceitação do requerimento apresentado ao abrigo do n.° 2 do artigo 253.° do Regimento tem necessariamente de ser sujeito à correspondente valoração para se verificar se o requerido tem um objecto consentâneo com a Constituição, a lei e o Regimento e, ainda, que não vem ferido de nenhum vício que ponha em causa os princípios acima enunciados;

9.° Que o Regimento não tem disposições expressas que regulamentem o exercício daquele direito;

10.° Que a falta desse regulamento, quanto à efectivação concreta do referido direito, nos confronta com matéria omissa ao Regimento;

11.° Que é à Mesa da Assembleia que compete interpretar o Regimento e integrar as respectivas lacunas (artigo 288.° do Regimento),

sugerimos que a Mesa da Assembleia proceda à integração das lacunas do Regimento, nos termos do artigo 288.° do Regimento.

Para tanto propomos que o requerimento para a realização de um inquérito obrigatório seja submetido à apreciação do Presidente da Assembleia da República para verificar:

a) Se o respectivo objecto está em conformidade com o disposto no artigo 252.° do Regimento;

b) Se aquele se identifica com outro que tivesse sido apreciado pelo Plenário;

c) Se o objecto indicado é o mesmo que respeita a outra comissão de inquérito em funções;

d) Se dele fazem parte factos novos que possam ser subsumidos pela comissão em funções, se eles se inserirem ria área do objecto desta.

Pensamos que deste modo se integrariam, salvo melhor opinião, as lacunas que apontámos. O seu preenchimento é fundamental, em nosso critério, para que o invocado direito potestativo possa ser minimamente

exercido, até que seja alterada a Lei n.° 43/77 ou produzida nova lei que contemple as omissões apontadas. É que, como dissemos, não basta invocar o direito para que ele possa ter realização prática. A realização ou concretização do direito exige que o mesmo seja regulamentado. O processo de aplicação do direito é um elemento indispensável àquela concretização.

Assim, na sequência do que deixamos exposto, somos a tirar as seguintes

Conclusões

A — Quanto aos pressupostos do exercício do direito de constituir comissões de inquérito, ao abrigo do disposto no n.° 2 do artigo 253.° do Regimento:

1.° O exercício do direito potestativo respeitante à constituição obrigatória das comissões de inquérito não está suficientemente regulamentado;

2.° O regimento e a lei são omissos quanto à forma, modo, termos e competência para resolver as questões fundamentais para o seu exercício;

3." As correspondentes lacunas devem ser integradas pela Mesa da Assembeia da República (artigo 288.° do Regimento);

4.° O exercício daquele direito pressupõe a verificação de condições essenciais quanto ao objecto:

a) A sua conformidade com o disposto no artigo 252." do Regimento;

b) A sua não repetição, se ele já foi apreciado pelo Plenário em resultado do relatório apresentado por uma comissão de inquérito anterior;

c) A sua não repetição, se existe em funções uma comissão de inquérito justificada pelo mesmo ou idêntico objecto.

5.° A verificação daqueles pressupostos deve constar de despacho liminar aquando da recepção do respectivo requerimento.

B — Quanto à análise do requerimento apresentado, somos a concluir o seguinte:

1) Quanto aos fundamentos:

a) Parte dos fundamentos expendidos não se integram no espaço desta componente: faz críticas e censuras ao trabalho da comissão de inquérito existente, o que, seguramente, não constitui fundamento para a criação de uma nova comissão;

b) A parte restante pode considerar-se como preenchendo a figura política e jurídica do fundamento.

2) Quanto ao objecto:

a) Ele não corresponde, em parte, ao quadro legal previsto no artigo 252.° do Regimento, que expressamente refere, no seu n.° I, que «os inquéritos parlamentares têm por objecto o cumprimento da Constituição e das leis e a apreciação dos actos do Governo e da Administração»;

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29 DE MAIO DE 1991

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b) Ele integra diligências que estão para além dos contornos que legalmente o definem, tais como

c) A apreciação de documentos que estão na

posse de outra comissão de inquérito que

tem aquela especial competência — n.° 1 da parte in do requerimento;

d) A audição de pessoas — n.° 2 da mesma indicada parte. Esta audição não faz parte do objecto. As comissões de inquérito —como no caso presente— podem promover aquelas diligências, mas estas não são parte do seu objecto. Aquelas poderão suceder na sequência e por causa do objecto que fora fixado, mas não integram o seu conteúdo.

Por outro lado, e verificando os actos integradores do objecto enunciados nas alíneas A, B, C, D e E referidos na parte m do requerimento, verifica-se que são a reprodução textual dos actos que também preenchem o objecto da comissão de inquérito existente (confrontar aquelas alíneas com o objecto descrito no artigo 2.° do regimento desta comissão). O objecto indicado no requerimento é, nesta parte, a repetição daquele.

Em razão de todo o exposto, somos a emitir o seguinte

Parecer

O requerimento apresentado por 50 deputados, ao abrigo do disposto no n.° 2 do artigo 253.° do Regimento da Assembleia da República, para o exercício do direito de constituição obrigatória de uma «nova comissão eventual de inquérito a actos administrativos na área do Ministério da Saúde» não pode conduzir ao cumprimento do que vem disposto no n.° 3 da disposição citada, pelas seguintes razões:

1) O direito consignado no n.° 4 do artigo 181.° da Constituição da República Portuguesa não está suficientemente regulamentado. A respectiva regulamentação é condição necessária à concretização do referido direito.

Além disso verifica-se que:

2) O objecto indicado para a constituição da correspondente comissão:

a) Contém matéria que não cabe no quadro do conceito legal previsto no artigo 252.° do Regimento e, por outro lado,

b) Repete, em larga extensão, a matéria que constitui o objecto da comissão eventual de inquérito já existente.

Assim, considerando a falta de regulamentação do direito invocado, os vícios do objecto indicado e ainda que não devem existir duas ou mais comissões de inquérito em simultaneidade de funções com o mesmo objecto, entendemos que o que fora requerido não tem condições de procedência.

Palácio de São Bento, 6 de Maio de 1991. — O Deputado Relator, Fernando Amaral.

Nota. — Este relatório c parecer foi aprovado com voios a favor do PSD c do PRD. votos contra do PS e do PCP. registando-se a ausência do CDS.

Parecer/informação n.° 8/91

Para S. Ex.a o Presidente da Assembleia da República:

Assunto: constituição de uma comissão eventual de inquérito a actos administrativos na área do Ministério da Saúde, ao abrigo do artigo I8l.°, n.° 4, da Constituição e do artigo 253.°, n.° 2, do Regimento.

1 — «Ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis» 50 Srs. Deputados requereram «a constituição de uma nova comissão eventual de inquérito a actos administrativos na área do Ministério da Saúde».

Por sua vez, o Grupo Parlamentar do Partido Social--Democrata chamou a atenção do Sr. Presidente da Assembleia da República para «a gravidade do desrespeito das normas reguladoras da Assembleia» que esse acto representa.

Tendo em atenção esta representação, o Sr. Presidente da Assembleia da República determina que a Assessoria Jurídica emita parecer sobre «a legitimidade de constituição da comissão eventual de inquérito a actos administrativos na área do Ministério da Saúde».

2 — A constituição da comissão de inquérito em causa foi requerida por 50 Srs. Deputados «ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis», ou seja ao abrigo do artigo 181.°, n.° 4, da Constituição e do artigo 253.°, n.° 2, do Regimento.

Ambas estas normas estipulam a obrigatoriedade da constituição de comissões parlamentares de inquérito quando requeridas «por um quinto dos deputados em efectividade de funções, até ao limite de uma por deputado e por sessão legislativa».

Ora o requerimento em causa cumpre a condição referida na primeira parte das normas citadas e não se encontra abrangido pela limitação enunciada na parte final dessas normas.

Tem, pois, de entender-se que o requerimento preenche as condições para o exercício de um direito com as características do direito potestativo. É inevitável e automática a produção dos efeitos que se destina a produzir, ou seja, neste caso, a obrigatoriedade da constituição da comissão parlamentar de inquérito.

3 — Na sua representação ao Sr. Presidente da Assembleia da República, o Grupo Parlamentar do PSD também admite o carácter potestativo do direito exercido pelos 50 signatários do requerimento de constituição da comissão em causa.

Não deixa, contudo, de chamar a atenção para o «desrespeito das normas reguladoras da Assembleia», que, em seu entender, esse acto constitui.

4 — O documento do Grupo Parlamentar não especifica quais as normas que são desrespeitadas nem em que consiste esse desrespeito.

Mas pode concluir-se com alguma segurança que, no entender do Grupo Parlamentar, esse desrespeito resulta do seguinte: a) haver «uma comissão a funcionar com plena legitimidade parlamentar e segundo as respectivas regras», b) ser «o objecto da nova comissão proposta pelas oposições perfeitamente igual ao da comissão existente» e c) ser objecto da nova comissão «a inquirição de pessoas e não a averiguação de factos».

A invocação destes factos faz apelo tácito ao principio da não repetição das causas, que se projecta no

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artigo 145.° do Regimento, e aos artigos 252.°, n.° 1.

do Regimento e 1.°, n.° 1, da Lei n.° 43/77, de 18 de Junho, inquéritos parlamentares, que definem como objecto das comissões parlamentares de inquérito «[...] a apreciação dos actos do Governo e da Administração».

5 — Aquele primeiro princípio foi já invocado a propósito do projecto de resolução n.° 14/V de constituição de nova comissão de inquérito sobre o acidente de Camarate, para se declarar da sua não violação pelo referido projecto de resolução.

Com efeito, o Sr. Deputado Narana Coissoró disse, na sequência de um pedido de esclarecimento:

[...] se o anterior inquérito tivesse sido concluído, não o teríamos solicitado de novo, já que, nesse caso, se verificaria a existência de um caso julgado [...]

Existem, pois, três razões para voltar a apresentar o pedido de inquérito: primeiro, [...]; segundo, porque o inquérito feito na anterior legislatura concluiu que determinados aspectos técnicos não estavam suficientemente apurados; em terceiro lugar, porque surgiram dados novos.

No caso, estas últimas razões parece terem correspondido a factos consensualmente aceites, embora o último diferentemente valorado.

Contudo, embora subjacente no espírito dos autores do projecto de resolução n.° 14/V, o certo é que o princípio do respeito pelo caso julgado (ou caso resolvido, visto não se tratar aqui de um julgamento) não está consagrado em matéria de inquérito.

6 — Os signatários do requerimento em análise, embora também aleguem factos novos, parece que fazem coincidir parcialmente o objecto da nova comissão com o da comissão já constituída, pois que de algum modo pretendem que a nova comissão se substitua à existente. Veja-se, a este propósito, o fundamento da alínea a) do requerimento.

É uma situação semelhante à da litisdependência, que, no plano dos princípios, conduz ao mesmo resultado do caso julgado: proibição da repetição em causa.

7 — Nem a Constituição nem o Regimento prevêem qualquer tipo de controlo sobre os requerimentos de constituições de comissões parlamentares de inquérito apresentados ao abrigo dos artigos 181.°, n.° 4, da Constituição e 253.°, n.° 2, do Regimento.

Mas parece evidente que não basta o direito potestativo para que possa prosseguir-se um inquérito de objecto inconstitucional, por exemplo, como será o

caso do presente, se, como se alega no documento do Grupo Parlamentar do PSD, tem como objecto «a inquirição de pessoas e não a averiguação de factos», ou averiguações que se traduzam na invasão do poder judicial.

E também parece que não poderão ser objecto de apreciação situações idênticas às de caso julgado e de litispendência, por razões semelhantes às do processo civil: não repetição inútil ou contraditória do processo, embora seja aceite que o inquérito parlamentar é político e não judicial.

Quer dizer: podem suscitar-se à volta do objecto de um inquérito parlamentar algumas questões que devem ser resolvidas.

O problema é saber por quem.

8 — Três soluções podem ser encaradas: o Presidente da Assembleia da República, o Plenário e a própria comissão a constituir.

A natureza potestativa do direito em causa parece excluir que o Presidente da Assembleia da República possa exercer qualquer controlo sobre o objecto do inquérito.

O Plenário talvez possa fazer esse controlo, visto o disposto no artigo 254.°, n.° 1, do Regimento, mas esta norma, que é anterior à consagração do direito potestativo de constituição de comissões de inquérito, parece contraditória com a do artigo 253.°, n.° 3, considerados os respectivos prazos. Por outro lado, o poder potestativo em causa substitui-se à vontade do Plenário, obtida por uma maioria, e foge ao controlo desta maioria, pelo que não parece muito adequado que seja essa maioria a apreciar essas questões.

Finalmente, relativamente à própria comissão de inquérito, pode objectar-se que o objecto do inquérito lhe chega fixado no requerimento, pelo que ela nada pode fazer nessa matéria.

9 — Das três soluções previstas, a opção pela da comissão parece a mais razoável, pois que a sua acção sempre terá como limites a Constituição, as leis e o Regimento.

Por isso é neste sentido o meu parecer.

Trata-se, contudo, de matéria omissa, situação que cabe no artigo 298.° do Regimento, e de especial melindre e dificuldade, pelo que poderia ser submetida à Comissão de Regimento e Mandatos, ao abrigo do artigo 35.°, alínea f), e 288.°, n.° 1, do Regimento.

É este o parecer que submeto à elevada consideração de V. Ex.a

Lisboa, 18 de Março de 1991. — O Consultor Jurídico, Augusto de Moraes Sarmento.

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