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Sábado, 3 de Abril de 1993

II Série-B — Número 21

DIÁRIO

da Assembleia da República

VI LEGISLATURA

2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1992-1993)

SUMÁRIO

Votos (n.- 74/VI á 78/VD:

N.° 74/VI — Exprimindo respeito e consideração pelos jornalistas parlamentares, solicitando t suspensão do Regulamento que condiciona a circulação dos mesmos e pronundando-se pela criação de um grupo de trabalho

(apresentado pelo PCP).................................................... 80

N.° 75/VI — De saudação e respeito ao Sr. Presidente da Assembleia da República, repudiando os ataques que lhe têm sido dirigidos a propósito do Regulamento de Acesso, Circulação e Permanência no Palácio de Sio Bento (apresentado pelo PSD).................................................... 80

N.° 76/VI — De pesar pelo falecimento do conde de Barcelona, D. Juan de Borbón y Battenberg (apresentado

pelo PSD).......................................................................... 81

N.° 77/VI — De pesar pelo falecimento do ex-Deputado

Di. Adio e Silva (apresentado pelo PSD)...................... 81

N.° 78/VI — De pesar pelo falecimento do conde de Barcelona (apresentado pelo PS)..................................... 81

Audição parlamentar d.' 12/VI:

Proposta de reestruturação do sector da industria naval (apresentada pelo Deputado independente Mário Tome) 81

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VOTO N.º 74/VI

EXPRIMINDO RESPEITO E CONSIDERAÇÃO PELOS JORNALISTAS PARLAMENTARES, SOLICITANDO A SUSPENSÃO DO REGULAMENTO QUE CONDICIONA A CIRCULAÇÃO DOS MESMOS E PRONUNCIANDO-SE PELA CRIAÇÃO DE UM GRUPO DE TRABALHO.

É grave situação de crise que se vive boje na Assembleia da República, particularmente quanto ao relacionamento com os jornalistas parlamentares.

Na origem próxima desta crise está a norma aditada ao «regulamento de segurança» através da qual se estabelece um condicionamento da circulação dos jornalistas em determinados espaços de São Bento, designadamente nos corredores envolventes do Hemiciclo.

Desde a sua apresentação que tal norma foi objecto de forte polémica. Não figurando no projecto de regulamento de segurança aprovado há mais de um ano pelo Conselho de Administração (e que nunca chegou a entrar em vigor, por ter faltado decisão do Presidente da Assembleia nesse sentido), essa norma é incluída num outro projecto, apresentado, não ao órgão de gestão administrativa da Assembleia (Conselho de Admimstração), mas a um órgão eminentemente político (a Conferência de Líderes).

Esta «politização» da questão foi justificada pelos defensores da norma com argumentos, relativos aos jornalistas e ao seu trabalho, que não podiam deixar de ter graves consequências no relacionamento da Assembleia com os jornalistas.

A partir dessa altura, o processo de debate foi marcado por uma assumida incapacidade de diálogo, que conduziu inexoravelmente à actual situação de crise.

No grupo de trabalho constituído pela Conferência de Líderes as posições extremaram-se: a norma só foi defendida por um Partido (o PSD) e teve a oposição dos restantes. Na própria Conferência de Líderes e no Conselho de Administração passou-se o mesmo.

Por outro lado, obstruiu-se completamente a via de diálogo com os jornalistas que os partidos que se opunham àquela norma sempre propuseram.

Marginalizados do processo de debate e atingidos por uma norma que não podem deixar de considerar lesiva dos seus direitos como profissionais da informação (e ainda por cima objecto de chocantes «actuações de segurança»), os jornalistas reagiram e decidiram o bloqueio da informação sobre a Assembleia da República ou com ela relacionada

Face a esta grave crise, é fundamental encontrar vias de saída que permitam restabelecer o clima de confiança e colaboração entre a Assembleia e os jornalistas parlamentares.

É necessário contrariar de imediato o ambiente de crispação que se continua a viver com a vigência daquela norma proibitiva.

Evidentemente que todas as partes devem contribuir para isso, e é o que se espera que suceda

Mas, seguramente que não há solução para a questão se não houver completa abertura para reconsiderar o «regulamento de segurança», particularmente a norma questionada

Aos Deputados, grupos parlamentares e órgão de gestão sk> Assembleia caberá assumir com frontalidade essa vontade de diálogo, para busca de uma solução aceitável e justa

É um desafio que é feito a todos, incluindo, e prirtcipal-mente, os que propuseram e votaram a norma

Assim, o Grupo Parlamentar do PCP apresenta o seguinte voto:

A Assembleia da República

Exprime publicamente o respeito e consideração que lhe merecem os jornalistas parlamentares e o trabalho que aqui desenvolvem, como componente essencial da vida e da eficácia da Assembleia da República.

Manifesta a sua vontade de trabalhar para a busca de uma solução justa e adequada para a actual crise.

Solicita aos órgãos de gestão da Assembleia (Presidente da Assembleia e Conselho de Administração) a imediata suspensão da norma questionada rio regulamento de segurança

Pronuncia-se pela criação de um grupo de trabalho consumido por representantes dos órgãos de gestão da Assembleia e representantes da Associação dos Jornalistas Parlamentares, tendo em vista a análise dos problemas e eventual elaboração de normas de procedimento que garantam os direitos das partes.

Assembleia da República 31 de Março de 1993.—Os Deputados do PCP: Octávio Teixeira, João Amaral, Lino de Carvalho, Maia Nunes de Almeida.

VOTO N.a 75/VI

DE SAUDAÇÃO E RESPEITO AO SR. PRESIDENTE DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA, REPUDIANDO OS ATAQUES QUE LHE TÊM SIDO DIRIGIDOS A PROPÓSITO DO REGULAMENTO DE ACESSO, CIRCULAÇÃO E PERMANENCIA NO PALÁCIO DE SÃO BENTO.

Para o PSD o Parlamento é, em democracia a sede privilegiada do debate político, onde tem lugar a representação nacional num órgão de soberania que cabe a todos os democratas valorizar e dignificar.

O trabalho de todos quantos colaboram para melhorar a sua qualidade e eficácia ou asseguram que o eco dos seus debates e resoluções seja do cotihecimento dos Portugueses, nomeadamente, os representantes da comunicação social, merece o respeito e apoio do PSD.

A polémica travada a propósito do Regulamento de Acesso, Circulação e Permanência no Palacio de São Bento, aprovado pelo Presidente da Assembleia da República após parecer favorável do Conselho de Administração e da Conferência de Líderes, tem gerado equívocos diversos, que em nada contribuem para o funcionamento da Assembleia da República

Para o PSD é claro que não está em causa, nem podia estar, a Uberdade de informação ou o acesso às fontes de informação por parte dos jornalistas. Se tal resultasse desse Regulamento, o Grupo Parlamentar do PSD seria seguramente a primeira força política a opor-se à sua aprovação.

Os próprios relatos que alguns jornais têm produzido nos últimos dias, expressando, inclusive, opiniões de Deputados do PSD que contestaram os termos do Regulamento de Acesso, são a prova mais evidente de que se mantém na íntegra o direito à informação e o livre acesso às suas fontes.

Acaba mesmo por ser ridículo animar que a definição de uma zona exclusiva para os Deputados — que continua a ser exígua—, e que implica apenas a atribuição adicional

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de 30 m de corredor, possa ser confundida com a violação das liberdades essenciais ao cumprimento dos deveres e dos direitos dos profissionais da comunicação social.

Este Regulamento não limita, nem poderia limitar, a actividade dos jornalistas. Mas os representantes dos órgãos de comunicação social não podem, também, com a sua atitude, pretender limitar a esfera de actuação do segundo órgão de soberania do Estado, ao definir regras internas que só a ele dizem respeito.

Como não faz sentido que, por essa razão, os partidos da oposição se auto-silenciem, diminuindo a importância do debate na Assembleia da República, prejudicando a instituição e furtando-se à maior responsabilidade que legitima a sua presença no Parlamento, que é a de representar e fazer ouvir, em todos os momentos, o povo que neles confiou.

O PSD crê que nenhum deputado quererá fugir a essa responsabilidade de representação do eleitorado perante o qual responde no final do seu mandato e propõe o seguinte voto:

A Assembleia da República, reunida a 31 de Março de 1993, aprova um voto de saudação e respeito ao Sr. Presidente da Assembleia da República, Prof. Barbosa de Melo, pela forma digna e elevada como que tem exercido as suas funções e repudia os ataques soezes que, a propósito do exercício de competências da Assembleia da República na gestão do seu próprio espaço, lhe têm sido injustamente dirigidas.

Palácio de São Bento, 31 de Março de 1993. — Os Deputados do PSD: Duarte Lima —Carlos Coelho —Fernandes Marques — Silva Marques—José Puig—Antunes da Silva — Rui Carp — Rui Gomes da Silva — Conceição Monteiro—João Poças Santos, e mais dois signatários.

VOTO N.2 76WI

DE PESAR PELO FALECIMENTO DO CONDE DE BARCELONA, D. JUAN DE BORBÓN Y BATTENBERG

Faleceu, após prolongada doença, o conde de Barcelona, pai do Rei D. Juan Carlos I de Espanha.

Exilado durante várias décadas em Portugal, soube D. Juan de Borbón y Battenberg, revestido da representação dinástica que indiscutivelmente lhe cabia, defender, de forma digna e patriótica, a sua oposição a Francisco Franco e à ditadura por ele institucionalizada e prolongada.

Teve a felicidade de voltar à sua Espanha democrática e livre e de ver o filho, no qual declinou expressamente a legitimidade dinástica, fazendo-a coincidir com a vontade soberana e livremente expressa do povo espanhol, defender, como lhe cabia, a liberdade e a democracia, ameaçadas que estiveram pelo extremismo saudosista de alguns.

k memória do grande homem que foi S. A. R. o Conde de Barcelona presta, nesta ocasião, a Assembleia da República a sua homenagem.

A Sua Majestade o Rei de Espanha apresenta o Parlamento Português as suas sentidas condolências.

Assembleia da República, 2 de Abril de 1993. — Os Deputados do PSD: Sousa Lara — Mário Maciel — João Salgado.

VOTO N.º 77/VI

DE PESAR PELO FALECIMENTO DO EX-DEPUTADO DR. ADÃO E SILVA

Acabámos de ter conhecimento da morte do Dr. Adão e Silva, que foi membro desta Assembleia.

O Dr. Adão e Silva foi um cidadão exemplar, de cujo convívio guardo uma admiração e um respeito e, já, uma saudade intensas. Quando comecei a minha actividade como advogado e, antes disso, como magistrado do Ministério Público, tive o prazer de intervir em vários actos forenses com o Dr. Adão e Silva e de observar a forma sempre cuidada como preparava as suas intervenções nos processos e o trato impecável que tinha para com todos os colegas e magistrados.

Como cidadão, o Dr. Adão e Silva foi um lutador constante pelas liberdades e um democrata autêntico. Como membro desta Assembleia, integrou o grupo reformador, e essa posição política era até reveladora da sua personalidade, da sua postura em relação aos demais cidadãos e da sua posição moderada, equilibrada, tolerante e dialogante.

A sua morte constitui, sem dúvida, uma perda para a comunidade nacional, para a comunidade política e para a classe dos advogados, que via nele um exemplo que as novas gerações de advogados, que hoje se debatem com graves problemas na sua formação, no estágio e no acesso à profissão, devem seguir, olhando para a carreira do Dr. Adão e Silva como uma referência geral do advogado, do político e do cidadão.

O Deputado do PSD, Guilherme Silva.

VOTO N.fi 787VI

DE PESAR PELO FALECIMENTO DO CONDE DE BARCELONA

Lembrando a entrevista concedida ao jornal República na Vila Girai da do Estoril, apresento a Vossa Majestade sentidos pêsames pela morte do conde de Barcelona.

O Deputado do PS, Raul Rêgo.

AUDIÇÃO PARLAMENTAR N.B 12/VI

PROPOSTA DE REESTRUTURAÇÃO DO SECTOR DA INDÚSTRIA NAVAL

Em 8 de Fevereiro de 1993 apresentei na Mesa da Assembleia da República um requerimento solicitando ao Governo diversas informações sobre o trabalho desenvolvido pelo grupo de trabalho interministerial criado em 12 de Janeiro de 1993 por despacho conjunto dos Ministros das Finanças, do Planeamento e da Administração do Território, da Indústria e Energia, do Emprego e da Segurança Social e do Mar para estudar uma proposta apresentada pela LISNAVE para a reestruturação do sector da reparação naval.

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O facto de até hoje não ter recebido qualquer resposta, apesar de o documento «LISNAVE — relatório executivo para uma estratégia de recuperação» ter sido elaborado com a participação do Governo, que acompanhou todo o processo, e ser já do domínio público, atesta bem quanto os preceitos constitucionais de respeito pela Assembleia da República

merecem a atenção do Governo.

Para que não haja dúvidas sobre o que afirmo, tal do-

cumento refere logo na sua apresentação:

Este relatório executivo procura sistematizar e sintetizar os trabalhos desenvolvidos com o grupo interministerial que teve por missão analisar a versão inicial do programa estratégico proposto pela LISNAVE para a recuperação do sector da reparação naval em Portugal. [P. 2.]

É necessário sublinhar nesta oportunidade a importância que teve, na evolução e aperfeiçoamento da proposta inicial, a boa colaboração estabelecida com o grupo interministerial, sem a qual não teria sido possível esclarecer pontos e posições de todas as partes envolvidas, ao mesmo tempo que se consolidava a linha geral de orientação estratégica Este pode mesmo ser considerado como um dos resultados práticos significativos atingidos, mostrando como pode ser frutuoso, rápido e eficaz o trabalho conjunto entre elementos das entidades privadas e das entidades públicas, indispensável para o sucesso das estratégias empresariais em economias abertas e competitivas. [P. 2.]

Tal documento conclui pelo encerramento dos estaleiros da Margueira e pela reestruturação dos estaleiros da Mitrena, onde se concentraria a reparação naval ficando, no entanto, com apenas 2500 trabalhadores. Citando o documento:

A redução da capacidade física instalada com o encerramento do estaleiro da Margueira tem como complemento natural a redução de capacidade no factor humano, com o objectivo adicional de promover o rejuvenescimento da população activa no sector. [P. 24.]

Os dois parâmetros quantitativos a respeitar são a estrutura viável do estaleiro da Mitrena e o montante de recursos disponíveis para o funcionamento desta redução de capacidade no factor humano. Em relação ao primeiro parâmetro, o valor de referência é 2500 trabalhadores (a que se deverão adicionar cerca de 300 na eventualidade de o estaleiro da Rocha continuar em actividade). [P. 34.]

A fórmula definitiva para o dispositivo de redução de capacidade no factor humano depende do entendimento que for possível estabelecer entre a LISNAVE e a SETENAVE para a aplicação conjunta do mesmo tipo de procedimentos, na medida em que é de responsabilidade do Estado a resolução dos 1200 trabalhadores da SETENAVE que estavam afectos à actividade de construção e que cessa em Março. [P. SI.]

Como se chega a estas conclusões? Argumenta-se com critérios de mercado:

A opção pela redução de capacidade impõe-se com a evidência do que é inevitável: mesmo que a empresa não o quisesse fazer ou fosse disso impedida por qualquer regulamentação política, o mercado encarregar-se-ia de provocar o mesmo efeito, mas então sem deixar qualquer possibilidade de recuperação. A repara-

ção naval existe num mercado mundial que determina as condições de competitividade e de viabilidade, não está sujeita a regulamentações nacionais que possam distorcer de modo duradouro as condições de viabilidade das empresas. [P. 15.]

A necessidade de redução de capacidade do factor

humano é imposta por razoes de mercado. Essas mesmas razoes de mercado justificam que haja uma redução de oferta, com o encerramento da sua unidade na Margueira, com reconversão do estaleiro da Mitrena e com a reestruturação geral da empresa [Pp. 29 e 30.]

Até porque, sempre segundo o mesmo documento explicando os seus critérios de mercado, «o sucesso da empresa moderna gera, espontânea e necessariamente, desequilíbrios, sociais, com prejuízo dos menos preparados e dos menos competitivos em relação aos índices de produtividade», já que «a competição empresarial é hoje idêntica à alta competição dos atletas: é a preparação permanente que permite suportar, sem rupturas os momentos de maior esforço» (p. 64), uma vez que «um dos mais notórios obstáculos à flexibilidade da gestão da reparação naval em Portugal é uma idade média muito avançada dos trabalhadores» (p. 12).

Qual o caminho apontado? «Tanto o nível de idades como os seus índices de produtividade tornam essencial a decisão de uma redução muito significativa do factor humano no sector da reparação naval.» [P. 13.]

Isto apesar de 1990 (um dos três máximos de venda a seguir a 1981 e 1973, ainda que 1990 seja o menor deles) ser o maior dos máximos de produtividade. Como afirma o relatório em relação a 1990:

Embora tenha havido uma degradação do mercado, houve uma melhoria dos resultados da empresa por efeito de uma diminuição do numero de trabalhadores sem que tenha havido um aumento correspondente dos serviços de terceiros. [P. 6.]

Mas a LISNAVE não tem «pressupostos ou preconceitos formados no passado, que tomam difícil, ou mesmo impossível, para muitas empresas, o recurso à redução de capacidade no factor humano» (p. 28).

No entanto há uma questão decisiva, que está escamoteada em todo o documento: a eliminação do sector da construção naval em Portugal.

E é exactamente a eliminação do sector da construção naval, associada também a uma diminuição da capacidade global da reparação naval em Portugal, que permitem o recurso a auxílios avultados da CEE ao abrigo da VII Directiva (90/6&4/CEE, de 21 de Dezembro de 1990), o que sem dúvida alguma se toma o objectivo fundamental de toda a estratégia do monopolista José Manuel de Mello, que com esses fundos quer reconstruir o seu império.

Senão vejamos.

Os Despachos conjuntos A-140/90-XI e A-141/90-XI, dos Ministros das Finanças e da Indústria e Energia, atribuíram à SOLISNOR cerca de 10 milhões de contos em «subsídios não reembolsáveis» para apoio à construção de quatro navios petroleiros e duas construções de cascos frigoríficos.

Tirou a SOLISNOR todo o proveito desses subsídios como seria de esperar caso a sua estratégia fosse bater-se, como era natural, pela manutenção da sua actividade? Não!

A SOLISNOR preferiu interromper a construção desses navios prescindindo de parte desses subsídios.

É caso para perguntar, em troca de quê?

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O documento responde confirmando o que dissemos anteriormente:

As matérias com maior relevância para a estratégia de redução de capacidade e de reestruturação da LISNAVE estão contidas no capítulo , «Auxílios à reestruturação», com especial relevo para o artigo 7." «Auxílios ao encerramento» e artigo 6.° «Auxílio ao investimento».

Do artigo 7.° extrai-se que «os auxílios destinados a cobrir os custos normais ocasionados pelo encerramento total ou parcial de estaleiros de construção ou de reparações navais podem ser considerados compatíveis com o mercado comum desde que a redução de capacidade resultante de tais auxílios seja real e irreversível».

[...] Do n.° 2 deste mesmo artigo 7.° extrai-se que «os custos susceptíveis de conferir direito a esses auxílios são, nomeadamente:

As indemnizações a pagar aos trabalhadores despedidos ou reformados antes da idade legal da reforma;

Os custos dos serviços de consultadoria para trabalhadores despedidos ou reformados antes da idade legal de reforma, incluindo os pagamentos efectuados por estaleiros para facilitar a criação de pequenas empresas;

Os pagamentos efectuados a trabalhadores para a sua reciclagem profissional;

As despesas decorrentes da reconversão do estaleiro, dos seus edifícios, instalações e infra--estruturas, para uma utilização diferente da especificada nas alíneas a), b) e c) do artigo 1.° Y a) construção naval; b) transformação naval; e c) reparação naval'].

No caso de encerramento total de um estaleiro, o valor contabilístico residual das suas instalações, sem ter em conta a parte relativa a qualquer reavaliação ocorrida depois de 1 de Janeiro de 1982 que exceda a taxa de inflação nacional.»

[...] Para além deste primeiro aspecto directamente relacionado com a redução de capacidade, a VU Directiva também define de modo claro as condições em que pode haver apoio de um Estado membro ao investimento. É uma definição de tipo negativo, identificando o que não pode ser feito, como se vê no artigo 6.°:

Os auxílios ao investimento, quer sejam específicos quer não, não podem ser concedidos para a criação de novos estaleiros navais nem para investimentos em estaleiros existentes, a menos que se encontrem relacionados com um plano de reestruturação que não implique nenhum aumento da capacidade de construção naval desse estaleiro ou, em caso de expansão, que se encontrem directamente relacionados com uma redução irreversível correspondente da capacidade de outros estaleiros do mesmo Estado membro durante o mesmo período. Tais auxílios não podem ser concedidos aos estaleiros de reparação naval, a não ser que estejam associados a um plano de reestruturação do qual resulte uma redução da capacidade global de reparação naval do Estado membro em causa

Estas são, portanto, as linhas delimitadoras do quadro de apoios que o Estado Português está autorizado a colocar à disposição de uma estratégia de reestruturação neste sector. Sendo autorizações, são, também, verdadeiras recomendações, na medida em que esta directiva resulta de estudos realizados com a finalidade de sistematizar a experiência europeia e dela retirar as linhas estratégicas adequadas. Neste sentido, estas são também as linhas seguidas no programa apresentado pela LISNAVE. [Pp. 17, 18 e 19.]

Podemos pois afirmar que a partir daqui se passa a uma autêntica «caça aos fundos», dando pleno eco àquilo que já hoje os trabalhadores da indústria naval chamam a esta proposta: «ganhar milhões para despedir milhares».

Mas vejamos mais urna vez o próprio texto:

Para a concretização dos objectivos considerados neste quadro hd duas condições básicas a realizar: a utilização das recomendações contidas na V77 Directiva da Comunidade Europeia e a possibilidade de alienação do terreno da Margueira. [P. 16.]

Deve-se sublinhar, em qualquer caso, que as condições de compra do terreno são especialmente favoráveis, pois o montante necessário (30 Mc) é inferior ao seu valor potencial e o seu pagamento pode ser feito por fases (são necessários 10 Mc a pronto para pagamento das responsabilidades por indemnização das rescisões de contratos de trabalho, podendo os restantes Mc ser pagos a prazo e aplicados na absorção do actual passivo bancário da LISNAVE). [P. 22.]

Não admira pois que no documento todas as hipóteses sejam esmiuçadas e que todas as áreas através das quais seja possível obter fundos sejam ponderadas. Os casos já sobejamente conhecidos de aproveitamento ínvio de fundos e que ultimamente têm sido divulgados falam por si. Citamos mais uma vez:

Apesar do contributo considerável que é gerado pela venda do terreno da Margueira (que absorve os desequilíbrios do passado e uma parte significativa dos encargos com a redução de capacidade do factor humano), este programa não se poderia realizar sem o contributo de apoios do Estado — aliás, como é permitido e, portanto, recomendado pela VII Directiva da Comunidade Europeia, ao reconhecer a este sector da construção e da reparação naval uma excepção às regras do mercado comum. [P. 53.]

Por outro lado, não só os fluxos financeiros na perspectiva do Estado são acautelados, pois tanto os outros credores como todos os detentores de acções da LISNAVE têm os seus interesses protegidos neste programa, sem que lhes tenha de ser solicitado qualquer sacrifício especial.

Este resultado favorável só é possível porque se pode utilizar o valor gerado pela alienação do terreno da Margueira. [P. 54.]

A possibilidade de utilizar as receitas provenientes da alienação do terreno da Margueira é uma condição instrumental vital para a realização da estratégia de recuperação do sector de reparação naval em Portugal. Por outro lado, é também esta condição que permite reduzir significativamente o esforço financeiro pedido ao Estado Português e que este estaria autorizado a conceder ao abrigo da VII Directiva. Finalmente, esta

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é também uma condição estratégica essencial, pois não teria sentido que a LISNAVE aceitasse sacrificar o seu estaleiro da Margueira se não estivesse segura de que ele não poderia voltar a ser utilizado na actividade de reparação naval, reabrindo-se uma oportunidade de concorrência local que degradaria ainda mais os condicionalismos impostos por um mercado mundial depressivo. [P. 20.]

Aliás, não fora exactamente essa «voragem» pelos fundos fabulosos a que a LISNAVE poderá ter acesso com a destruição da Margueira, não se compreenderia como, inclusivamente, tentam iludir a população de Almada com projectos fabulosos que nunca serão para a sua esmagadora maioria usufruir, numa clara tentativa de deixar isolados os trabalhadores da indústria naval:

É aqui que se articula uma terceira perspectiva a da valorização de todo o espaço urbano de Almada, possibilitando a sua evolução de um espaço periférico em relação a Lisboa para um estatuto de espaço central dentro da rede regional que articula as duas margens do Tejo. Este é um ponto essencial para a avaliação dos interesses locais envolvidos: a integração do terreno da Margueira no espaço urbano de Almada permite o estabelecimento de uma rede urbana regional que só aqui, e por este modo de utilização, pode ter a sua base de sustentação. Não se trata portanto, de uma mera oportunidade circunscrita à utilização de 50 ha, trata-se de fazer dessa superfície o ponto de ancoragem que estabelece a relação, «virtual» mas permanente, entre dois espaços urbanos separados pelo rio— beneficiando mais, comparativamente, aquele que estava menos valorizado. [Pp. 22 e 23.]

Há, no entanto, um elemento de pormenor sobre o qual importa chamar a atenção. Em diferentes aspectos, estes programas de utilização futura do terreno da Margueira e das infra-estruturas que nele estão instaladas são susceptíveis de ter comparticipação de fundos comunitários que o Governo Português pode organizar. [P. 23.]

Aliás há uma lição que José Manuel de Mello parece não ter esquecido: a luta dos trabalhadores pode muito1. Por isso o documenta realça:

As mudanças nas sociedades não ocorrem de acordo com planos detalhados. Os processos concretos de modernização acontecem por incrementos sucessivos, cada um dos quais cria novas realidades, novas condições, a que todas as estruturas da sociedade têm de se adaptar. Nem todas essas estruturas poderão subsistir e, certamente, poucas poderão manter as suas formas anteriores. Em alguns casos, as resistências serão fortes, noutros casos essas resistências são compensadas por vantagens evidentes que facilitam ou promovem uma adaptação mais rápida. Mas haverá sempre posições sociais ameaçadas, incertezas e perplexidades perante a inviabilização de hábitos e procedimentos estabelecidos. Neste sentido, parte significativa de uma estratégia de modernização terá de ser dedicada à protecção desses sacrifícios sociais, para que o processo de mudança não venha a ser acompanhado por acentuada instabilidade social que poderia mesmo pôr em causa a linha evolutiva de modernização. [Pp. 57 e 58.]

A utilização do factor da idade de reforma é especialmente potente porque o actual envelhecimento desta

população activa no sector da reparação naval passa a funcionar como um acelerador de renovação. E tem a vantagem essencial de permitir reduzir o peso das rescisões de contratos de trabalho, na medida em que as saídas por reforma, apoiadas por um complemento de compensação, permitem atingir o mesmo parâmetro futuro dos 2500 trabalhadores de modo natural e sem aumentar a estatística dos desempregados. [P. 37.] [...] Quanto à escolha do que deve ser a base operacional, ela não pode ser feita independentemente do juízo político do valor da oportunidade e da possibilidade de ela gerar precedentes que possam ser usados noutras estratégias de reestruturação de outros sectores. Em termos de plano social, o sector de reparação naval oferece a vantagem, em relação a outros sectores, de poder promover, com beneficio estratégico, a formação de pequenas empresas, complementares ou suplementares da sua actividade. Por outro lado, a estrutura etária do seu factor humano recomenda a utilização de algum dispositivo de antecipação das reformas — isso facilita a sua renovação rápida e tem um peso menor sobre os encargos do Estado com pensões antecipadas, na medida em que é uma população que já está próxima da idade de reforma

Mas não fora José Manuel de Mello José Manuel de Mello.

Despedir, reformar, para quê? Vejamos o que diz o documento:

O equilíbrio de uma empresa de reparação naval está directamente dependente do tipo de serviços que puder contratar no mercado e há mesmo funções dentro das actividades correntes de reparação que têm de ser subcontratadas.

[...] Para este objectivo empresarial estratégico, a possibilidade de promover a formação de empresas certificadas para funções de subcontratação é um modo de acelerar o que seria o processo natural de maturação industrial na economia portuguesa, com gradual adensamento do seu tecido industrial. Mas também pode ser visto como o recurso actual a que se tem de lançar mão para compensar o efeito de bloqueamento criado pelo excesso de rigidez na gestão do factor humano — e de que é ilustração o perfil etário da população activa no sector. A promoção destas empresas de subcontratação, como opção aberta aos u^balhadores dispensados e como complemento dos valores que recebem sob a forma de indemnizações por rescisão voluntária dos contratos de trabalho, corresponde, de facto, a fazer agora o que se teria feito ao longo dos anos se não existissem os factores de rigidez na gestão do factor humano que caracterizaram a economia portuguesa durante um longo período. [Pp. 24 e 35.]

Sempre a mesma solução: «os subempreiteiros». E empresas de subempreitadas, diga-se o que se disser, de quem? Não se iludam os trabalhadores.

O documento, mais uma vez, dá a resposta:

Este último ponto, o da promoção de pequenas empresas com os trabalhadores que entretanto rescindiram os seus contratos por efeito da estratégia de reestruturação, é um daqueles em que a LISNAVE tem especial vocação e importantes potencialidades. Pela própria característica da actividade de reparação

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naval, é possível organizar uma rede de serviços industriais com autonomia e para os quais os equipamentos básicos já existem, podendo ser transferidos para essas pequenas empresas a preços simbólicos. E a existência desta rede de serviços industriais permite responder com rapidez a flutuações do mercado, constituindo um segundo círculo de flexibilidade que reforça a flexibilidade interna da empresa. (P. 78.]

Eis então, mais uma vez, a confirmação daquilo que afirmámos atrás: o velho império LISNAVE — subempresas, já tão bem conhecido nos seus objectivos e nos seus métodos de antes do 25 de Abril.

Feita esta exposição, é essencial colocar ao Governo várias questões.

Considerando que:

A VII Directiva da CEE, de 21 de Dezembro de 1990, contém um conjunto de cláusulas de protecção específicas para a Espanha e para a Grécia (capítulo iv);

A Directiva n.° 92/68/CEE, do Conselho, de 20 de Julho de 1992, que altera a Directiva n.° 90/684/ CEE (a VII Directiva), cria novas cláusulas específicas de protecção para a Espanha, Grécia e território da antiga República Democrática Alemã;

O Governo Português não negociou nenhuma cláusula específica de protecção para Portugal;

Logo em Fevereiro de 1991 começou a ser posta em causa a construção pela SOLISNOR dos quatro navios petroleiros subsidiados;

A proposta da LISNAVE para a reestruturação do sector foi entregue ao Governo no último trimestre de 1992;

toma-se necessário interrogar

Será que o Governo Português não negociou, tal como o Governo Espanhol, o Grego e posteriormente o Alemão, nenhumas cláusulas específicas para Portugal já em consonância com o monopolista José

Manuel de Mello, estando assim manifestamente a favorecer a reconstrução do seu império, assistindo-se a mais um caso de favoritismo declarado na actuação do Governo?

Estando hoje Portugal a viver uma crise industrial e agrícola e sendo o crescimento do desemprego já hoje uma realidade, como poderá o Governo apoiar todo um plano, que destrói um sector industrial — a construção naval, hoje essencial para o desenvolvimento económico e social de qualquer país e para o qual Portugal está particularmente vocacionado e dando origem a mais 4000 desempregados?

É esta estratégia de desindustrialização aquela que se identifica com a política do Governo?

É ela que corresponde ao «modelo económico» pretendido pelo Governo para o desenvolvimento de Portugal?

Como pode o Governo Português dar o aval a um plano que aponta uma série de medidas sem cobertura legal no quadro legislativo actual?

Não será necessário averiguar se neste processo não haverá indícios de corrupção?

Assim, proponho a realização de uma audição parlamentar ao processo em curso.

A Comissão de Trabalho, Segurança Social e Família ouvirá designadamente:

O Ministro das Finanças;

O Ministro do Planeamento e da Administração do

Território; O Ministro da Indústria e Energia; O Ministro do Emprego e da Segurança Social; O Ministro do Mar, A admninistração da LISNAVE; A administração da SOLISNOR.

Assembleia da República, 31 de Março de 1993.—O Deputado Independente, Mário Tomé.

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DIÁRIO

da Assembleia da República

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