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Quinta-feira, 5 de Janeiro de 1995

II Série-B — Número 11

DIÁRIO

da Assembleia da República

VI LEGISLATURA

4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1994-1995)

SUMÁRIO

Inquérito parlamentar n.° 28/VI:

Para apuramento das responsabilidades pelas brutais cargas policiais sobre os trabalhadores da Manuel Pereira Roldão e sobre a população da Marinha Grande (apresentado pelo PCP).................................................................................... ' 54

Ratificação n.° 129/VI:

Requerimento do PCP solicitando a apreciação pela Assembleia da República do Decreto-Lei n.° 292/94, de 16 de Novembro............................................................... 58

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II SÉRIE-B — NÚMERO 11

INQUÉRITO PARLAMENTAR N.9 28A/I

PARA APURAMENTO DAS RESPONSABILIDADES PELAS BRUTAIS CARGAS POLICIAIS SOBRE OS TRABALHADORES DA MANUEL PEREIRA ROLDÃO E SOBRE A POPULAÇÃO DA MARINHA GRANDE

Face à luta dos trabalhadores da fábrica Manuel Pereira Roldão em defesa dos postos de trabalho e em defesa dos seus salários, as forças policiais desenvolveram duas violentíssimas cargas policiais, que provocaram a mais viva repulsa e indignação.

As forças policiais chegaram ao ponto de:

Invadir o edifício da Câmara Municipal, o edifício dos bombeiros municipais e vários estabelecimentos comerciais;

Carregar indiscriminadamente sobre trabalhadores, transeuntes, pessoas que se encontravam naqueles edifícios, jornalistas e até sobre crianças;

Provocar vários feridos, incluindo crianças.

O despropósito destas cargas é tal que, em relação à primeira, o governador civil de Leiria chegou a pedir públicas desculpas. Mas, em declarações posteriores, o Ministro da Administração Interna veio dar cobertura à carga policial do passado dia 21 de Dezembro, incentivando assim as forças de segurança à continuação do uso desproporcionado e despropositado da violência, como se veio a verificar em grau muito maior na carga policial do dia 27 de Dezembro.

Assim, ao abrigo das disposições constitucionais, legais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do PCP apresenta um pedido de inquérito parlamentar para apuramento das responsabilidades pelas brutais cargas policiais sobre os trabalhadores da Manuel Pereira Roldão e sobre a população da Marinha Grande.

O inquérito deverá ouvir, nomeadamente:

O Sr. Ministro da Administração Interna, os coman-' dantes-geral e distrital da PSP e os comandantes dos

corpos com actuação no terreno; Os elementos dos corpos de intervenção referenciados

pelos actos de violência cometidos; As vítimas desses actos de violência e as entidades

médicas onde receberam tratamento; As testemunhas dos actos, incluindo jornalistas; As entidades locais, incluindo o governador civil e

Câmara Municipal.

O inquérito deve estar concluído no prazo de 60 dias. Juntam-se recortes de jornais, que fazem parte integrante do presente pedido de inquérito.

Assembleia da República, 28 de Dezembro de 1994. — O Presidente do Grupo Parlamentar do PCP, Octávio Teixeira.

ANEXO N.° 1 Diário de Notícias. 11 de Dezembro de 1994.

Vidreiros da Marinha Grande paralisam centro da cidade Polícia actua à bastonada

Aos bastões da polícia ninguém escapa, nem que seja preciso invadir uma autarquia. Foi na Marinha Grande, em mais um capítulo da luta dos vidreiros.

A Brigada de Intervenção da PSP de Leiria invadiu ontem o edifício da Câmara da Marinha Grande, de onde desalojou, à bastonada, cerca de três dezenas de manifestantes que para ah' tinham corrido, a proteger-se da investida policial.

Os autarcas, que vão pedir uma explicação do sucedido à PSP antes de ser tomada uma posição formal sobre tudo o que aconteceu, criticam a acção violenta da polícia sobre os cidadãos, com a agravante, neste caso, de aquela ter sido efectuada no interior do município.

A presença das forças da ordem no centro da cidade — de cuja intervenção apenas uma pessoa teve de receber assistência no centro de saúde— surgiu na sequência do bloqueamento feito à agência da Caixa Geral de Depósitos e do corte da estrada que liga a Marinha Grande a Vieira de Leiria, por parte de cerca de uma centena de trabalhadores da fábrica de vidro Manuel Pereira Roldão.

Durante muito perto de duas horas, os vidreiros, em greve há 10 dias e desde terça-feira ameaçados de despedimento pela administração da empresa, paralisaram o centro da cidade, ao mesmo tempo que acusavam a CGD, enquanto «entidade fiscalizadora do processo de reestruturação» da fábrica, por esta não ter feito tudo o que podia para impedir a actual situação de crise.

Munidos de bandeiras pretas e de faixas a anunciar que «não morreremos à fome, lutaremos até ao fim», os manifestantes procuram salvar na rua aquilo que parece estar já perdido pela via do diálogo — a manutenção dos postos de trabalho e a garantia de recuperação da empresa e do respectivo processo de reestruturação.

Entretanto, enquanto a administração da empresa insiste na intenção de desactivar os fornos e de só retomar a laboração em meados de Janeiro com um reduzido número dos actuais 390 trabalhadores, estes começam a falar sobre a possibilidade de realizar uma vigília na fábrica, na noite de Natal.

Ao mesmo tempo, os delegados sindicais e a comissão de trabalhadores querem retomar a via negocial do conflito. Ontem, ao fim da tarde, estiveram reunidos em local desconhecido com o presidente do conselho de administração, Carlos Antero, e hoje serão recebidos pelo governador civil.

Enquanto isso, o presidente da Câmara, Álvaro Órfão, dando corpo a uma moção de solidariedade aprovada em reunião do executivo, terá conseguido um encontro com o Ministro do Emprego, após diligências falhadas no Ministério da Justiça.

Os vidreiros, organizados em piquetes, não abandonam, entretanto, as instalações da empresa, sendo sua intenção continuar a impedir que a administração leve por diante a anunciada desactivação dos fornos.—João Figueira.

ANEXO N.° 2 Público. 22 de Dezembro de 1994.

Vidreiros não aceitam despedimentos

Carga policial na Marinha Grande

Forças da PSP carregaram ontem sobre empregados da empresa vidreira Manuel Pereira Roldão, da Marinha Grande, chegando a entrar nos Paços do Concelho, onde agrediram os grevistas que aí se haviam refugiado. Ao início da noite, ficou decidido que a luta contra o desemprego continuaria hoje às portas da fábrica.

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Os trabalhadores haviam cortado a estrada que atravessa a cidade e barricado a entrada na Caixa Geral de Depósitos, no sentido de sensibilizar uma das entidades que integra o grupo de reestruturação do sector vidreiro.

Após mais de uma semana de paralisação para forçar a administração a pagar os salários de Novembro e uma parte dos subsídios de férias e de Natal em atraso, os empregados da empresa vidreira colocaram-se, pelas 10 horas e 20 minutos, em frente à agência bancária e barraram a estrada. Depois do meio-dia polícias, com bastões e escudos, retiraram à força os manifestantes que estavam defronte da CGD. Momentos depois, houve uma nova carga policial, apanhando pelo caminho grevistas e populares que ali passavam. A polícia entrou mesmo no edifício da Câmara. «Eu escondi-me, senão também comia», contou um funcionário do município. Duas trabalhadoras vidreiras receberam assistência médica, uma por se ter aleijado ao rugir por uma janela e a outra por ter sido agredida nas mãos quando protegia a cabeça. Os confrontos provocaram ferimentos na cara a um polícia.

Na ausência do presidente da Câmara, que se deslocou ontem a Lisboa aos Ministérios da Indústria e do Emprego para tentar encontrar uma solução para o problema, um seu adjunto apenas adiantou que a autarquia «vai pedir uma averiguação dos acontecimentos». Muito criticado foi o comandante da PSP da Marinha Grande, por estar na primeira linha das cargas policiais. O sócio gerente da empresa Carlos Antero voltou ontem a manifestar a intenção de desligar os fornos e despedir muitos dos trabalhadores, designadamente os «agitadores», que acusou de colocarem a empresa num beco sem saída.

«O agitador é a fome», afirmou um empregado, enquanto Deonilde Mendes, da comissão de trabalhadores, chamou a atenção para os problemas que os despedimentos provocarão, pois «mais de 50 % dos trabalhadores têm mais de um membro do agregado familiar a trabalhar na fábrica».

Depois de ter estado reunido com os responsáveis da empresa, Sérgio Moiteiro comunicou aos trabalhadores, ao final da tarde, a nova proposta da administração: cerca de 115 empregados ficariam a trabalhar na produção e outros 90 iriam fazer cursos de formação profissional no sector vidreiro. Apenas parte do forno ficaria a trabalhar. Ou seja, cerca de metade dos trabalhadores seriam despedidos, tendo já sido enviadas as cartas aos visados. A administração disse ao dirigente sindical que esta «solução» permitiria uma facturação mensal de 40 mil contos.

Os empregados decidiram continuar hoje a luta pelos lugares de trabalho, não arredando pé da fábrica. — L F. S.

ANEXO N.° 3

Público, 23 de Dezembro de 1994.

Governador civil de Leiria pede desculpas peia carga policial

Solução à vista na Marinha Grande

O conflito laboral na empresa vidreira Manuel Pereira Roldão, da Marinha Grande, viu ontem uma luz ao fundo do túnel, após um encontro em Leiria, onde apenas ficou por saber se as Secretarias de Estado do Emprego e da Indústria conseguiriam as verbas para o pagamento dos salários em atraso aos trabalhadores. E o Governo Civil de Leiria pediu desculpas pela carga policial do dia anterior.

Os trabalhadores da Manuel Pereira Roldão, que desde o dia 12 se encontram em greve pelo pagamento de salários

em atraso, preparavam-se ontem para mais uma «jornada de luta», mas no plenário da manhã aceitaram antecipar para antes do almoço uma reunião no Governo Civil de Leiria e tentar encontrar uma saída para a situação. O governador civil, Fernando Coutinho, e o presidente da Câmara da Marinha Grande, Álvaro Órfão, reuniram-se em separado primeiro com os trabalhadores e o Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Vidreira (STTV) e depois com a administração da empresa.

À saída da reunião, Carlos Antero, sócio gerente da firma, admitiu a existência de uma «proposta exequível» em negociação, assegurando a manutenção de todos os postos de trabalho antes do início da greve, a cessação dos processos disciplinares em curso aos «agitadores» eo pagamento do vencimento de Dezembro e do subsídio de Natal. O único problema residia em como seriam disponibilizadas as verbas necessárias, prevendo-se, no entanto, que a solução viesse a caber às Secretarias de Estado.

Ultrapassada essa questão — a decidir numa reunião, que apenas começou ao princípio da noite entre o presidente da Câmara, a administração da Roldão, a VTTROCRISTAL, empresa responsável pela reestruturação do sector vidreiro, e representantes do Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e ao Investimento — a laboração seria retomada em pleno, até à já prevista reestruturação da empresa, que levará à dispensa de trabalhadores, mas com as devidas compensações financeiras.

O presidente da autarquia da Marinha Grande adiantou que o governador civil de Leiria «pediu desculpas» pelas cargas das forças de intervenção da PSP, no dia anterior, em frente e dentro dos Paços do Concelho. Álvaro Órfão condenou a violência da «desproporcionada» actuação policial, pois, considerou, «é legítimo que os munícipes entrem na Câmara para se protegerem, mas não é legítimo que as forças policiais entrem para bater nas pessoas». O edil comunicou que aguarda um relatório do Comando Distrital da PSP para decidir se tomará qualquer medida em relação à intervenção policial. Quem não esperou foi o Deputado da UDP Mário Tomé, que solicitou ontem ao Presidente da Assembleia da República para que a comissão permanente aprecie o «desrespeito» de que diz ter sido alvo por parte do comandante das forças da PSP e delibere uma eventual convocação do Ministro da Administração Interna. O PS e o líder da CGTP-IN, Carvalho da Silva, que se deslocou à fábrica, também se juntaram à condenação das agressões.

«Foram dados passos positivos para que a situação seja desbloqueada», manifestou, por seu lado, Sérgio Moiteiro, do STTV, lamentando apenas que tenham sido precisas «movimentações muito duras para que se chegasse a uma solução». «Foi preciso que os trabalhadores levassem porrada para que se sentassem à volta de uma mesa», reforçou Leonilde Mendes, da comissão de trabalhadores, que sublinhou a satisfação com que a possibilidade de acordo foi recebida pelos trabalhadores da Roldão. Sobre o processo de reestruturação, esclareceu que apenas deverá ser analisado durante a primeira quinzena de Janeiro. — L F. S.

ANEXO N.° 4

Diário de Notícias, 28 de Dezembro de 1994.

Polida carrega sobre vidreiros e entra em estabelecimentos comerciais

Marinha Grande: estado de choque

Pessoas tiveram de ser assistidas no Hospital de Leiria após a actuação dos agentes das forças de segurança, na perseguição aos vidreiros até ao centro da Marinha Grande.

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A repressão verificou-se até no interior de estabelecimentos comerciais e do quartel dos bombeiros, atingindo à bastonada os presentes.

Soares telefonada Cavaco e Dias Loureiro explica situação.

ANEXO N.° 5

Diário de Notícias, 28 de Dezembro de 1994.

Mário Soares recebe hoje autarca depois das expticaoões 1 de Dias Loureiro

Carga policial volta à Marinha Grande

Em greve há duas semanas, os vidreiros da Manuel Pereira Roldão, na Marinha Grande, chumbaram nova proposta da administração da empresa. As reivindicações e os protestos — carga policial incluída — voltaram à ma.

Forte e feio. Foi assim que a polícia de choque carregou ontem sobre os vidreiros da Manuel Pereira Roldão, populares e jornalistas. Vários feridos, a estrada e a linha férrea do Oeste cortadas marcaram o dia na Marinha Grande.

Mais de 50 jipes, carrinhas e cerca de meio milhar de polícias armados, e numerosos cães, fizeram frente aos vidreiros da fábrica Manuel Pereira Roldão.

Os autarcas pediram à força de intervenção da GNR que não avançasse sobre a população, mas não foram ouvidos. Ninguém foi poupado.

Há casos de marido e mulher a trabalharem na fábrica, há dois meses, sem receber salário. São alguns dos mais dramáticos.

«Eu, quando vi os jipes e as carrinhas da polícia ainda pensei que trouxessem comida, para nos distribuir.» O vidreiro, de mãos nos bolsos, deixou escapar um sorriso tão triste como a sua ironia, enquanto se esquecia do olhar a meio da estrada, onde a polícia de choque «varria» os colegas da M. Pereira Roldão.

O major da GNR, que comandava a força de choque, não hesitava: «Quero tudo para trás, quem ficar aí leva.» De lado, encostados à parede de um café, seis ou sete pessoas, entre os quais jornalistas, observavam a polícia no meio da estrada. Contrariado o major chamou um militar com uma câmara de vídeo. «Filme aquela ala.»

Armando Constâncio, vereador da Marinha Grande, assistia a tudo estupefacto. «Isto é surrealista, o homem tem um comportamento fascista.» Mas não era só o vereador que assistia a tudo espantado. Os residentes no lugar da Amieirinha, onde se registaram os primeiros confrontos, estavam impedidos de se dirigirem às suas casas pela polícia. Nem o empregado da bomba de gasolina escapou. E de nada lhe valeu gritar «Eu trabalho aqui!»

«Houve um foguete que foi atirado para o pé do Corpo de Intervenção, mas nada justifica o que se está a passar», comentava o vereador, que, em vão, havia pedido ao major da GNR para não carregar sobre os trabalhadores. «Pedi-

-Ihe para não avançar, expliquei-lhe que os trabalhadores iam desmobilizar ao fim da tarde e que se não avançassem as pessoas também não avançariam. Foi o mesmo que nada.»

O vereador Constâncio, que com o presidente da autarquia tem acompanhado o processo da luta dos vidreiros, contou aos jornalistas que no diálogo que travou com o comandante distrital da GNR, major Geraldes, onde apelou à calma das forças policiais, este lhe respondeu: «Isto são actos terroristas iguais os que se vivem em Angola, que não se podem tolerar.»

A estrada e a linha férrea do Oeste, que estiveram cortadas pelos trabalhadores vidreiros durante várias horas passaram a estar cortadas pelos próprios agentes da autoridade. Após a primeira incursão da polícia os manifestantes recuaram, primeiro para a rotunda e depois para o centro da Marinha Grande. Foi já dentro da vila que se registaram os maiores confrontos. «A polícia perseguiu as pessoas até dentro dos cafés, batendo, inclusive, nas pessoas que estavam sentadas.»

Soares preocupado

Pelo menos uma dezena de pessoas, entre as quais duas crianças, tiveram de receber tratamento hospitalar, número a que se junta a irmã do próprio vereador Constâncio, que, na noite de segunda-feira, fora atingida com uma bala de borracha numa perna e ficara internada.

Álvaro Órfão, autarca da Marinha Grande, telefonou ontem ao Presidente da República, dando-lhe conta das suas preocupações. O autarca, soube o DN, será hoje recebido por Mário Soares, a quem transmitirá, pessoalmente, a sua proposta para a resolução deste conflito. Depois do contacto de Álvaro órfão, Mário Soares falou com o Primeiro--Ministro, que, a despeito de não estar ao corrente da situação, acabou por pedir ao Ministro Dias Loureiro que informasse, rapidamente, o Presidente da República sobre o evoluir dos acontecimentos na Marinha Grande. Após a audiência com Soares, o autarca encontrar-se-á com o Ministro Dias Loureiro.

A CGTP-IN fez saber que o seu coordenador, Manuel Carvalho da Silva, intervém amanhã na manifestação dos vidreiros da Pereira Roldão, convocada para o centro da Marinha Grande. — Paula Sanchez com João Figueira.

ANEXO N." 6

Público, 28 de Dezembro de 1994.

Marinha Grande: Soares falou com Cavaco e recebe hoje presidente da Câmara

Mário Soares recebe hoje o presidente da Câmara da Marinha Grande, Álvaro órfão, que lhe vai apresentar pessoalmente o seu protesto pelos incidentes que ontem envolveram forças policiais e trabalhadores da firma Manuel Pereira Roldão. O Presidente da República falou ontem com o Primeiro-Ministro e com o Ministro da Administração Interna, na sequência dum telefonema do mesmo autarca, e apesar das explicações de Dias Loureiro sobre os acontecimentos o PR decidiu conceder hoje a audiência que lhe foi solicitada.

Depois da conversa com o autarca, Soares telefonou a Cavaco que lhe disse não estar a par dos acontecimentos, mas se disponibilizou para pôr o ministro que tutela as polícias em contacto com o Presidente. Dias Loureiro falou de seguida para Belém, mas as teses do Ministro entravam em contradição com as do presidente da Câmara, e Mário Soares aguarda pela conversa mais detalhada que hoje decorrerá na Presidência para esclarecer o que se passou.

Segundo fontes sindicais, mais de quatro centenas de agentes das forças de intervenção da PSP e da GNR investiram ontem sobre populares e trabalhadores da vidreira Manuel Pereira Roldão, perseguindo-os, a partir das 18 horas e 30 minutos, pelas ruas da Marinha Grande. A investida

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ocorreu na sequência de mais um bloqueio da linha do Oeste e da Estrada Nacional n.° 242, na zona da Amieirinha, iniciado pelos operários às 15 horas e 50 minutos. O corte terminou pouco antes das 18 horas com a chegada da polícia que puxou dos bastões quando os

Marinhenses persistiram em bloquear o trânsito já no perímetro da cidade. 10 feridos, l em estado grave, era o balanço uma hora depois.

Após a primeira investida, seguiu-se uma verdadeira correria com os trabalhadores (perto de 400) e centenas de populares a fugirem dos agentes pelas ruas do centro da Marinha Grande. Armados de metralhadoras, escudos, bastões e gás lacrimogéneo, os polícias chegaram a entrar numa igreja e em cafés e nem as pessoas que lá se encontravam terão escapado às bastonadas, segundo o testemunho de Horácio Matos, da União dos Sindicatos de Leiria, «Isto está em estado de sítio. A polícia bate em tudo o que mexe e duas crianças já foram agredidas», relatava o sindicalista, eram 19 horas e 30 minutos. E nem os jornalistas terão escapado: um operador da TVI terá ficado com a câmara destruída e quatro profissionais desta estação e da imprensa local terão sido agredidos.

Cerca das 20 horas, os homens da PSP recolheram ao posto da Marinha Grande, onde Álvaro órfão se reuniu com o comandante da força. Pouco depois, os operários e populares dispersavam. Mas, assegurou Horácio Matos, a «luta vai continuar». «Amanhã [esta manhã], às 9 horas, os trabalhadores vão realizar outro plenário, e logo decidirão o que vão fazer».

Os operários da Pereira Roldão decidiram ontem voltar a bloquear a Linha do Oeste —já o haviam feito no dia anterior, levando à intervenção da GNR, que usou balas de borracha e gás lacrimogéneo — depois de um plenário que teve lugar na empresa durante toda a manhã. Aí rejeitaram uma proposta da administração, que previa a manutenção de 115 postos, o enquadramento de 90 operários em programas de formação profissional e a passagem dos restantes, num total de 390, para uma bolsa de emprego, no âmbito da qual perderiam, no entanto, o vínculo à empresa.

A administração já havia lançado uma proposta semelhante na semana passada, sendo a única diferença relativamente à actual o abandono da intenção de avançar com despedimentos com justa causa. «Não despedem, mas de qualquer modo os trabalhadores ficam sem vínculo e sem segurança de emprego», denunciou ontem ao Público Etelvina Rosa, delegada sindical na Pereira Roldão. Esta adiantou que o plenário mandatou o Sindicato para convocar uma reunião urgente com os credores e contactar o juiz da comarca que está a acompanhar o processo de reestruturação da empresa.

Os operários — que estão em luta desde o dia 12 deste mês pelo pagamento dos salários em atraso e pela manutenção dos postos de trabalho — insistem em que a empresa deve reiniciar a laboração com todos os trabalhadores, exigem o pagamento dos ordenados atrasados e que todos mantenham o vínculo laboral. «Só nesta base é que se poderá negociar», adiantou Sérgio Moiteiro, dirigente do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Vidreira (STTV). Para o preenchimento daquelas condições, o sindicalista considera indispensável a intervenção do Governo, no sentido de garantir os meios financeiros necessários ao pagamento dos salários.

A intervenção governamental foi já solicitada por Álvaro Órfão, que, na semana passada, enviou cartas relatando a situação ao Secretário de Estado da Indústria e ao

Ministério do Emprego e da Segurança Social, entre outras entidades. Também já na última quarta-feira um encontro no Governo Civil de Leiria, entre o Sindicato, o presidente da autarquia e a administração da empresa concluía pelo eventual pagamento dos ordenados de Dezembro

e do 13.° mês. O que se veio a revelar inexequível, segundo o STTV, por falta de interesse das entidades oficiais.

Entretanto, termina hoje o prazo para uma resposta à alternativa apresentada, na passada semana, pelo empresário dinamarquês Jorgen Mortensen, proprietário da Fábrica-Escola Irmãos Stephens, que se propôs a adquirir a empresa Roldão. Para isso, Mortensen pediu um acordo com todos os credores, incluindo o Estado, e exigiu a demissão dos administradores até ao final deste mês.

A administração foi, aliás, ontem acusada de má gestão por Mira Amaral, Ministro da Indústria, que afirmou que os administradores poderiam ter recorrido a fundos comunitários. Adiantou ainda o Ministro que a «indústria vidreira está em expansão». Uma opinião que não é partilhada pelo STTV, que anteontem classificava de «degradada» a situação do sector no concelho, prevendo o encerramento de outras empresas. Também Álvaro Órfão considera que o sector de cristalaria «continua a viver situações de dramáticas dificuldades». — Guilherme Paixão.

ANEXO N.° 7

Jornal de Notícias, 28 de Dezembro de 1994.

Polida cerca e persegue vidreiros à bastonada

Feridos manifestantes e Jornalistas

Os trabalhadores da Manuel Pereira Roldão bloquearam a circulação, pela segunda vez, na Estrada Nacional n.° 242. Cerca de 200 agentes da PSP e da GNR cercaram os operários, no centro da Marinha Grande, dispersando-os depois à bastonada.

ANEXO N.° 8

Jornal de Notícias, 28 de Dezembro de 1994.

Nova carga policial na Marinha Grande

Vidreiros foram cercados e perseguidos pela PSP e pela GNR, depois de terem bloqueado a Estrada Nacional n.B 242

Mário Soares vai protestar junto de Cavaco. — O Presidente da República vai fazer um protesto junto do Primei-ro-MJnistro, na sequência dos acontecimentos na Marinha Grande, revelou ontem à agência Lusa fonte camarária.

A fonte do gabinete do presidente da autarquia da Marinha Grande, Álvaro Órfão, adiantou que Mário Soares, num telefonema para se inteirar dos acontecimentos ocorridos, ontem, no centro da cidade, mostrou disponibilidade para receber hoje o autarca, a qualquer hora.

Mário Soares pretende discutir com o autarca a situação da indústria vidreira, em geral, e da Manuel Roldão, em particular, referiu a fonte.

Entretanto, Álvaro Órfão dirigiu-se à esquadra da PSP da Marinha Grande para se reunir com o comandante da força policial.

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Agentes do Corpo de Intervenção da PSP e da Brigada

de Intervenção da GNR cercaram, ontem, às 16 horas e 45

minutos, os vidreiros da Marinha Grande, que cortaram a circulação na Estrada Nacional n.° 242 e na linha ferroviária do Oeste, no lugar da Amieirinha. Depois, em pleno centro da cidade, foi a perseguição e a carga policial.

Os vidreiros da Manuel Pereira Roldão bloquearam aquelas vias de comunicação, às 15 horas e 45 minutos, em protesto contra o anunciado encerramento da empresa e consequente despedimento de 390 trabalhadores, acompanhados por centenas de populares. Ontem, a GNR utilizou gás lacrimogéneo para dispersar os manifestantes, mantendo-se, depois, ao longo da linha do Oeste, durante cerca de duas horas. Com os trabalhadores em fuga em direcção à Marinha Grande, a PSP montou um cerco no centro da cidade, operação que contou, mais tarde, com o apoio dos efectivos que haviam controlado a situação na Amieirinha, Ao todo, terão sido utilizados cerca de duas centenas de agentes.

Ao princípio da noite, os agentes policiais abriram caminho à bastonada por entre os vidreiros, tendo sido ouvidos alguns tiros, ao que tudo indica com balas de borracha. Segundo alguns relatos, a PSP terá entrado num café, durante a confusão gerada, carregando sobre os manifestantes que ali procuraram refúgio e os próprios clientes do estabelecimento. Situação semelhante terá ocorrido no quartel dos bombeiros.

A tensão gerada pela carga policial foi de tal ordem que o vice-presidente da Câmara Municipal da Marinha Grande, em declarações à TSF, chamou a atenção para o «desvio comportamental» do major da GNR responsável pela operação, que considerou «possuído da vontade de fazer sangue».

A actuação dos agentes das forças de segurança, na perseguição dos vidreiros até ao centro da Marinha Grande, provocou protestos da população contra a sua presença no local, com centenas de pessoas a ocuparem as ruas.

Diversos populares tiveram de ser assistidos no Hospital Distrital de Leiria, havendo ainda a registar ferimentos em diversos jornalistas e a destruição do equipamento de filmagem da equipa de reportagem da TVL

O vereador Armando Constâncio, da autarquia da Marinha Grande, considerou a intervenção policial como «vergonhosa e desproporcionada».

Entretanto, Sérgio Moiteiro, presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Vidreira (STTV), afirmou, ontem à tarde, que os vidreiros vão contactar o juiz que acompanha o processo de recuperação da empresa e os credores, numa tentativa para encontrar uma solução de futuro para a Manuel Roldão.

Ontem, os vidreiros recusaram, em plenário, a mais recente proposta da administração, que só garantia 115 dos 390 postos de trabalho.

Durante uma reunião, que decorreu, ontem de manhã, com o STTV e representantes da Câmara Municipal da Marinha Grande, os administradores propuseram-se reiniciar a laboração com 115 vidreiros da empresa, ao mesmo tempo que seria encerrado um dos fomos.

De acordo com o plano da administração, semelhante a um outro apresentado a semana passada, outros 90 trabalhadores passariam a frequentar cursos de formação profissional e os restantes seriam abrangidos por uma reciclagem

inter-sectorial, aó abrigo do processo de reestruturação da

fábrica, sendo-lhes garantidos os salários por um período de

cinco anos.

O administrador Carlos Antero disse aos dirigentes sindicais que se esta proposta fosse recusada não haveria outra alternativa, senão a de iniciar o processo de falência da empresa.

O plenário dos trabalhadores, reunido ao fim da manhã, considerou a proposta inaceitável — tanto mais que não garante o pagamento dos salários em atraso.

RATIFICAÇÃO N.s 129/VI

DECRETO-LEI N.» 292/94, DE 16 DE NOVEMBRO

O Decreto-Lei n.° 292/94, de 16 de Novembro, cria, na dependência do Ministro da Administração Interna, o Gabinete Nacional SIRENE — «Supplementary Information Required at the National Entries» — concretizando, assim, uma parte fundamental do Sistema de Informação Schengen.

O Gabinete Nacional SIRENE será, segundo este diploma, o único responsável pela ligação com os restantes Estado membros do Acordo de Schengen e da Convenção de Aplicação, através do qual serão transmitidos (e recebidos) todos os dados sobre pessoas, veículos e objectos constantes de ficheiros informatizados e necessários à cooperação policial prevista naquele Acordo e Convenção.

Com a criação deste Gabinete parecem, assim, estar cumpridas as condições para que Portugal participe na «europa de polícias» idealizada pelo Acordo de Schengen, de 14 de Junho de 1985, e a Convenção de Aplicação, de 19 de Junho de 1990. «Europa de polícias» que está a ser concebida e imposta à margem dos cidadãos e de um efectivo controlo democrático e com uma insuficiente participação e intervenção dos parlamentos nacionais.

O PCP considera que a Assembleia da República não pode deixar de debater, em sede de ratificação, uma matéria que, como esta, envolve direitos, liberdades e garantias individuais e onde, mais uma vez, razões de segurança parecem importar mais ao Governo do que a garantia de direitos individuais dos cidadãos. Tanto mais que mantêm plena actualidade as críticas e preocupações formuladas pelo Grupo Parlamentar do PCP relativamente aos mecanismos de controlo e fiscalização da parte nacional do Sistema de Informação Schengen, ao tempo da aprovação da Lei n.° 21 94, de 19 de Fevereiro.

Assim, ao abrigo do artigo 172." da Constituição da República Portuguesa e do artigo 5.°, n.° 1, alínea d), do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo assinados, do Grupo Parlamentar do PCP, requerem a apreciação, pelo Plenário da Assembleia da República, do Decreto-Lei n.° 292/94, de 16 de Novembro, publicado no Diário da República, 1.' série, n.° 265, que cria o Gabinete Nacional SIRENE.

Assembleia da República, 15 de Dezembro de 1994.— Os Deputados do PCP: João Amaral — Octávio Teixeira — Luís Sá — António Filipe — Lino de Carvalho—José Manuel Maia — Luís Peixoto — Paulo Rodrigues — Odete Santos—António Murteira.

A Divisão de Redacção e Apoio Audiovisual.

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