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Segunda-feira, 5 de Julho de 1999

II Série-B — Número 36

DIÁRIO

da Assembleia da República

VII LEGISLATURA 4.a SESSÃO LEGISLATIVA (1998-1999)

SUMÁRIO

Inquérito parlamentar n.º 3/VII (VI Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar ao Desastre de Camarate:

Relatório final da Comissão Eventual de Inquérito...... 306

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INQUÉRITO PARLAMENTAR N.º 3/VII

Relatório Final VI Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar ao Desastre de Camarate

Capítulo I — Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar ao Desastre de Camarate.

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Capítulo II — Continuidade dos trabalhos das anteriores comissões de inquérito.

I — Conclusões da V Comissão Parlamentar de Inquérito ao

Desastre de Camarate. 2— Metodologia prosseguida pelo VI Comissão Parlamentar de

Inquérito ao Desastre de Camarate.

Capítulo III — Matéria probatória.

1 — Factualidade:

a) Antecedentes ao desastre.

b) Fundo de Defesa Militar do Ultramar.

. c) Telegrama recebido pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros.

d) Comprovação da existência de substâncias explosivas

em zonas do cockpit do avião sinistrado.

e) Existência de mais corpos estranhos no corpo do engenheiro Adelino Amaro Costa e comprovação da impossibilidade de os corpos estranhos de densidade metálica nos pés do piloto Jorge Albuquerque serem constituídos por alumínio.

2 — Dados relevantes para a investigação de presumíveis autores:

a) Declarações de Femando Farinha Simões.

b) Depoimentos relevantes da VI Comissão.

c) Declarações de Carlos Manuel Teixeira Miranda Gonçaíves.

d) Declarações de Elza de Oliveira Simões.

e) Declarações de José Fernando de Oliveira Leite.

f) Declarações do Prof. Diogo Freitas do Amaral.

Capítulo IV — Conclusões. Capítulo V — Projecto de resolução. Anexos.

CAPÍTULO I

Yl Comissão Parlamentar de Inquérito ao Desastre de Camarate

1 — Constituição

Foi apresentado o inquérito parlamentar n.° 3/VII, subscrito por Deputados do PSD, para constituição de uma

nova Comissão de Inquérito Parlamentar sobre o Desastre de Camarate (Diário da Assembleia da República, 2." série--B, n.° 21, de 9 de Maio de 1996).

Este inquérito parlamentar foi discutido e aprovado em Plenário (Diário da Assembleia da República, 1.° série, n.° 70, de 16 de Maio de 1996).

A Assembleia da República, pela Resolução n.° 16/96, publicada no Diário da Assembleia da República, 2.a série--A, n.° 40, de 9 de Maio de 1996, no Diário da República, 1.* série-A, n.° 116, de 18 de Maio de 1996, deliberou constituir a VI Comissão de Inquérito Parlamentar, em cujos trabalhos podiam participar, querendo, representantes dos familiares das vítimas, nos termos das normas legais aplicáveis e até ao número de dois por cada uma das vítimas do sinistro, com a seguinte distribuição pelas forças políticas representadas na AR:

Partido Socialista — 11 Deputados; Partido Social Democrata — 7 Deputados; Partido Popular — 2 Deputados; Partido Comunista Português — 2 Deputados; Partido Ecologista Os Verdes — 1 Deputado.

2 — Objecto

A VI CPIDC teve como objecto a verificação da forma e do grau em que foram atendidas as resoluções da Assembleia da República unanimemente expressas na Resolução da Assembleia da República n.° 34/95.

A VI Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar ao Desastre de Camarate foi competente ainda para, face a quaisquer elementos novos entretanto conhecidos ou que fossem trazidos ao seu conhecimento no curso do inquérito, reavaliar a matéria de facto anteriormente estabelecida em sede parlamentar a respeito do desastre de Camarate.

3 — Composição

Os respectivos grupos parlamentares indicaram, para integrar a Comissão, os seguintes Deputados:

António Braga (PS).

Afonso Candal (PS).

Artur Penedos (PS).

Carlos Luís (PS).

Fernando de Jesus (PS).

Francisco Assis (PS).

Joel Ferro (PS).

José Reis (PS).

José Saraiva (PS).

Nuno Baltazar Mendes (PS).

Maria do Rosário Carneiro (PS).

Duarte Pacheco (PSD).

João Carlos Duarte (PSD).

João Mota (PSD).

José Gama (PSD).

Manuela Aguiar (PSD).

Maria Eduarda Azevedo (PSD).

Pedro Roseta (PSD).

Manuel Silva Carvalho (CDS-PP).

Nuno Abecasis (CDS-PP).

António Filipe (PCP).

João Corregedor da Fonseca (PCP).

Heloísa Apolónia (PEV).

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Em 18 de Março de 1999 o Sr. Deputado Nuno Abecasis (CDS-PP) foi substituído pelo Sr. Deputado Sílvio Cervan.

Em 23 de Março de 1999 o Sr. Deputado Manuel Silva Carvalho (CDS-PP) foi substituído pelo Sr. Deputado Rui Pedrosa de Moura.

Em 31 de Março de 1999 o Sr. Deputado Afonso Candal (PS) foi substituído pelo Sr. Deputado Luís Martins.

Em 23 de Abril de 1999 o Sr. Deputado Francisco Assis (PS) foi substituído pelo Sr. Deputado Mota de Andrade.

Acresceram ainda à Comissão os representantes dos familiares das vítimas que, respectivamente, se indicam:

Vítima: Dr. Francisco Manuel Lumbrales Sá Carneiro. Representantes:

Dr. Jorge Xavier de Brito. Eng.° Alexandre Bettencourt.

Vítima: Engenheiro Adelino Manuel Lopes Amaro da Costa. Representante:

Dr. José Ribeiro e Castro.

Vítima: Dr.3 Maria Manuela Simões Vaz da Silva Pires Amaro da Costa. Representantes:

Dr. José Ribeiro e Castro.

Dr. José Luís Bonifácio Ramos.

Vítima: Dr. António Patrício Pinto Basto Gouveia. Representantes:

Dr. Miguel António Igrejas Horta e Costa. Dr. Alexandre Patrício Pinto Basto Gouveia.

Vítima: Jorge Manuel Moutinho de Albuquerque. Representantes:

Dr. Manuel Basílio de Castro. Sr. Augusto José Sobral Cid.

Vítima: Alfredo de Sousa. Representante:

Engenheiro Alexandre Bettencourt.

Desde 22 de Julho de 1996 até 24 de Outubro de 1996 o Dr. Alexandre Patrício Pinto Basto Gouveia foi substituído pelo, Dr. Nuno Rogeiro, retomando após esta data as mesmas funções.

4 — Tomada de posse e eleição da mesa

A 24 de Maio de 1996, foi, por S. Ex." o Presidente da Assembleia da República, conferida posse à Comissão, conforme consta do respectivo livro de registo de posse, fôndo a mesma reunido em 20 de Junho de 1996 para eleição da mesa, que passou a ter a seguinte composição:

Presidente — Deputado Pedro Roseta (PSD). Vice-presidente — Deputado António Braga (PS).

Secretário — Deputado Manuel da Silva Carvalho

(CDS-PP) Secretário:

Deputado João Corregedor da Fonseca (PCP)

5 — Regulamento

Iniciados os trabalhos, a Comissão aprovou o seu regulamento, que foi publicado no Diário da Assembleia da República, 2ã série-B, n.° 29, de 3 de Julho de 1996.

6 — Sigilo

No início dos trabalhos foram devidamente ajuramentados todos os membros da Comissão, os representantes dos familiares das vítimas e, bem assim, todos os funcionários da Assembleia da República que, por qualquer forma, iam prestar a sua colaboração, no sentido de guardarem absoluto sigilo sobre tudo quanto ocorresse no decurso dos trabalhos, já que o Regulamento da Comissão a isto os obrigava. A igual sigilo foram sujeitos e devidamente ajuramentados os depoentes na Comissão.

7 — Prazo de vigência

O prazo concedido à Comissão para conclusão dos seus trabalhos foi de 180 dias, prorrogado por 90 dias para trabalhos de investigação, elaboração e votação do relatório final, em conformidade com a Lei n.° 5/95, de 1 de Março, e com a Lei n.° 126/97, de 10 de Dezembro.

Este prazo foi suspenso entre 24 de Outubro de 1996 e 9 de Março de 1999, em virtude de o Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa e de a Procuradoria-Geral da República se recusarem a fornecer os elementos essenciais ao prosseguimento dos trabalhos da Comissão.

8 — Reuniões

A Comissão reuniu no decurso do prazo de 270 dias para efeitos de trabalhos de investigação, elaboração e votação do relatório final, tendo realizado 31 reuniões, todas elas registadas nas respectivas actas.

9 — Deslocações

A Comissão realizou as seguintes deslocações:

No dia 19 de Maio de 1999, deslocou-se um grupo de trabalho constituído pelos Srs. Deputados José Gama (PSD) e Luís Martins (PS) e pelo representante dos familiares das vítimas Dr. Ricardo Sá Fernandes ao Forte de São Julião da Barra, para recolher informações nos arquivos do Fundo de Defesa Militar do Ultramar (FDMU);

No dia 25 de Junho de 1999, deslocou-se um grupo de trabalho constituído pelos Srs. Deputados José Gama (PSD) e Luís Martins (PS) e pelo representante dos familiares das vítimas Dr. Ricardo Sá Fernandes" ao Ministério da Defesa Nacional para recolher informações nos arquivos do Fundo de Defesa Militar do Ultramar (FDMU).

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10 — Diligências empreendidas pela VI CPIDC 

No âmbito dos trabalhos desta Comissão foram desencadeadas as diligências cuja natureza e resultados constam ào quadro que se segue:

Descrição geral das diligências solicitadas pela VI Comissão

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19) D. Maria de Lourdes, da CVP;

20) D. Ricardina Abreu de Sousa;

21) Dr. Horácio Filipe;

22) Dr. José Ferreira e Silva;

23) Sr. Jaime Vaz de Sousa;

24) Sr. Comandante-Geral da GNR;

25) Sr. Prof. Doutor Diogo Freitas do Amaral;

26) Sr. Prof. José Cavalheiro;

27) Sr. Prof. Duarte Nuno;

28) Sr. Tenente José Fernando Oliveira Leite;

29) Sr. Jornalista Henrique Garcia;

30) Sr. José Antas;

31) Sr. Isaías Rodrigues;

32) D. Elza Simões;

33) Sr. Carlos Manuel T. Miranda Gonçalves;

34) Sr." Engenheira Maria Helena Carvalho, do INETI;

35) Prof. Luís Concheiro Carro, da Universidade de Santiago de Compostela;

36) Prof. Jack Crane, da Universidade de Belfast;

nas reuniões ocorridas, respectivamente, nos dias:

1) 10 de Julho de 1996;

2) 16 de Julho de 1996;

3) 23 de Julho e 25 de Setembro de 1996;

4) 23 de Julho de 1996;

5) 30 de Julho de 1996;

6) 3 de Setembro de 1996; 1) 3 de Setembro de 1996;

8) 3 de Setembro de 1996;

9) 3 de Setembro de 1996; 10) 3 de Setembro de 1996;

12) 11 de Setembro de 1996;

13) 11 de Setembro de 1996;

14) 11 de Setembro de 1996;

15) 11 e 25 de Setembro de 1996;

16) 11 de Setembro de 1996;

17) 12 de Setembro de 1996;

18) 12 de Setembro de 1996;

19) 12 de Setembro de 1996;

20) 18 de Setembro de 1996;

21) 18 de Setembro de 1996;

22) 18 de Setembro de 1996;

23) 25 de Setembro de 1996,

24) 2 de Outubro de 1996;

25) 10 de Outubro de 1996;

26) 17 de Março, 25 de Maio, 16, 18 e 29 de Junho de 1999;

27) 17 de Março de 1999;

28) 23 de Março de 1999;

29) 23 de Março de 1999;

30) 31 de Março de 1999;

31) 5 de Maio de 1999;

32) 12 de Maio de 1999;

33) 1 de Junho de 1999;

34) 16 de Junho de 1999;

35) 18 de Junho de 1999,

36) 29 de Junho de 1999.

12 —Fecho dos trabalhos da Comissão

A VI CPIDC promoveu as diligências requeridas pelos seus membros ou pelos representantes dos familiares das

vítimas dentro do prazo legal para os trabalhos. Encerrou os seus trabalhos de investigação, elaboração e votação do relatório final de acordo com a Lei n.° 5/93, de l de Março, e com a Lei n.° 126/97, de 10 de Dezembro. Para elaboração do relatório, a Comissão aprovou, por unanimidade, a indicação dos seguintes Deputados:

Carlos Luís (PS). Duarte Pacheco (PSD).

CAPÍTULO II

Continuidade dos trabalhos das anteriores comissões de inquérito

1 — Conclusões da V Comissão Parlamentar de Inquérito ao Desastre de Camarate

Reproduzem-se na íntegra as conclusões da V Comissão de Inquérito:

1 — De acordo com a matéria probatória apurada pela V CPIAC e depois de analisada toda a documentação relativa às audições efectuadas e diligências periciais empreendidas, esta Comissão salienta, antes de mais, o facto de se terem, pela primeira vez, reunido elementos que, pelo seu alcance probatório, ultrapassaram os resultados até agora conseguidos por outras instâncias oficiais, permitindo-lhe considerar provados os seguintes factos:

a) Existência de um incêndio em voo na aeronave Cessna, logo após a descolagem e na rota ascendente;

b) Libertação, em pleno voo, de um rasto de fragmentos queimados provenientes do seu interior;

c) Existência de partículas metálicas (óxido de ferro) apontadas como provenientes de aço não temperado na zona dos calcáneos do piloto Jorge Albuquerque;

d) Ausência de fracturas e de traumatismos internos potencialmente mortais e perecimento das vítimas;

e) Detecção de sulfato de bário em zonas do cockpit do avião sinistrado;

f) Verificação confirmada de novas substâncias explosivas na análise das amostras I e 2 do fragmento 7, nitroglicerina, dinitrotolueno e trinitrotolueno;

g) Comprovação, através de análises químicas realizadas por peritos nacionais, e posteriormente confirmadas em laboratórios estrangeiros, de que os produtos retirados do fragmento 7 apresentam uma constituição químico-mineralógica idêntica à das peças de fuselagem da aeronave sinistrada.

2 — Os factos atrás referidos permitem estabelecer a presunção de que o despenhamento da aeronave foi causado por um engenho explosivo, que visou a eliminação física de pessoas, lendo constituído, por isso, acção criminosa.

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2 — Metodologia prosseguida pela VI Comissão Parlamentar de Inquérito ao Desastre de Camarate

Ao ter sido criada, a VI Comissão de Inquérito Parlamentar ao Desastre de Camarate assumiu como seu o trabalho das anteriores comissões parlamentares de inquérito, tomando como ponto de partida as conclusões da V Comissão de Inquérito.

Assim, as diligências efectuadas foram desde o início no sentido de confirmarem e ou infirmarem as conclusões já obtidas e avançar nas áreas que, de algum modo já tendo sido abordadas anteriormente, ainda não tinham sido conclusivas. Todos os requerimentos apresentados na Comissão por Srs. Deputados e ou por representantes das famílias das vítimas mereceram a aprovação da Comissão, tendo-se diligenciado no sentido de os concretizar.

E necessário afirmar que entre o encerramento da V Comissão de Inquérito e o início da VI Comissão o Ministério Público decidiu pelo arquivamento do caso, entendendo dever ficar a aguardar melhor prova o processo relativamente ao desastre de Camarate, e as famílias das vítimas deduziram acusação particular contra quatro pessoas, a saber coronel Canto e Castro, a esposa Juanita Valderano, José António dos Santos Esteves e Sinan Lee Rodrigues, estando neste momento a decisão final quanto à pronúncia ou não pronúncia dependendo da decisão final

do Tribunal da Relação de Lisboa.

O despacho do Ministério Público que põe em causa as conclusões da V Comissão de Inquérito mereceu por parte do Prof. Diogo Freitas do Amaral uma «crítica severa ao modo como a investigação foi conduzida e as autoridades que a efectuaram: Procuradoria-Geral da República, Polícia Judiciária e Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa».

Transcreve-se do depoimento do Prof. Freitas do Amaral a parte em que são apontadas as deficiências metodológicas do despacho final do Ministério Público:

Em primeiro lugar, a quem ler desapaixonada, serena e friamente esse despacho final, desde logo ressalta uma conclusão: o despacho não é feito por quem tenha a atitude mental de procurar descobrir a verdade, mas por quem está convencido de que tem uma tese a defender, a tese de que não houve atentado, e que ajusta e acomoda as várias considerações que vai fazendo à necessidade que sente de defender essa tese, admitida a priori.

Em segundo lugar, e na decorrência desta atitude de base que encontro na leitura do despacho final, importa mencionar que, em vários passos, o despacho cita numerosos peritos nacionais e estrangeiros, mas nem todos são tratados da mesma maneira. Daqueles que emitem opiniões contrárias à tese do atentado, o despacho faz o elogio e evidencia as respectivas qualificações técnicas, experiência e respeitabilidade; dos outros, dos que emitem uma opinião favorável à tese do atentado ou que, pelo menos, admitem como possível essa tese, o despacho ou nada diz ou afirma que são pessoas sem qualificação técnica ou a competência profissional suficiente.

A maior parte dos peritos não são identificados. Não sabemos quem eles são, mas o despacho final diz-nos, de alguns, que as suas opiniões têm credibilidade e, de outros, que a não têm, sem justificar porquê. É o que sucede a p. 128, quando se consideram da maior credibilidade os peritos da Direcção-Geral da Aeronáutica Civil e se diz que não

têm qualquer credibilidade os professores do Instituto Superior Técnico que emitiram parecer sobre a mesma matéria.

Por outro lado, distingue-se, no despacho final, entre os peritos que observaram directamente os destroços do avião e os peritos que não observaram os destroços e só leram relatórios referentes a esses destroços. Curiosamente, destes peritos — os que observaram directamente os destroços —, os que emitem uma opinião contrária à lese do atentado são considerados credíveis, os outros não; dos peritos que só leram relatórios e que não viram directamente os destroços, aqueles que emitem uma opinião contrária à tese do atentado são considerados credíveis, mas os que emitem uma opinião favorável à tese do atentado são considerados sem qualquer credibilidade. E não se explica porquê.

Mas, o despacho final resume relatórios de peritos e respectivas conclusões, nunca reproduzindo os respectivos argumentos ou razões, nunca reproduzindo o encadeamento do raciocínio. De modo que o leitor não pode controlar as razões pelas quais o despacho final adere às conclusões desses peritos ou as rejeita.

Quanto ao tratamento das testemunhas, o critério

é ainda mais estranho — e refiro-me, nomeadamente, às testemunhas sobre o momento da deflagração do incêndio do avião (pp. 47 e seguintes). Não se faz, nunca, a menor avaliação sobre a credibilidade das testemunhas. A grande maioria das testemunhas são referidas pelo seu nome, sem se indicar a idade, nem a profissão, nem as habilitações literárias, nem qualquer elemento que nos permita avaliar da maior ou menor credibilidade de cada testemunho.

Confere-se credibilidade à tese da explosão no solo, com base numa convicção a priori e não uma avaliação ponderada e judiciosa das diversas testemunhas, que são bastante contraditórias. Aparecem testemunhas que dizem ter visto o avião explodir no ar e aparecem testemunhas que dizem ter visto o avião incendiar-se depois de bater no solo. O relatório nunca admite a hipótese de ter havido duas explosões: uma no ar e outra ao bater no solo. Esta hipótese, a meu ver, seria a única que permitiria compatibilizar os depoimentos de todas as testemunhas, porque a primeira explosão, a explosão no ar, teria sido vista por aquelas que afirmam ter visto uma explosão no ar; e a segunda, a explosão no solo, leria sido vista por aquelas que dizem só ter visto uma explosão no solo. A verdade é que não há nenhuma testemunha que diga — nem podia dizê-lo — que viu que não houve nenhuma explosão no ar. Parece-me que o relatório sobre as testemunhas é francamente deficiente.

Mas há mais. Existem, como é natural, várias contradições das declarações feitas no processo — contradições de um perito consigo próprio, contradições de testemunhas consigo próprias. Estas contradições são sempre tratadas de maneira diferente conforme avalizem ou não a tese oficial do despacho do Ministério Público. Se avalizam essa tese, a contradição é explicada como natural e desculpada pelo autor do relatório; se não avalizam e se, pelo contrário, entram em contradição, passando a sustentar que houve atentado, a contradição é sempre verberada e por vezes dá lugar à acusação de perjú-

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rio. Não encontrei um único caso, porém, em que se apontasse a acusação de perjúrio a uma testemunha que tivesse dito, primeiro, que tinha havido atentado e que, depois, tivesse mudado de opinião para não ler havido atentado.

Há, portanto, um preconceito permanente no tratamento das contradições dos peritos das testemunhas.

Finalmente, uma última observação, neste primeiro capitulo da minha exposição, diz respeito ao modo, a meu ver, desprimoroso como o despacho final do Ministério Público trata as comissões parlamentares de inquérito. Também aqui o preconceito é evidente. Se algumas passagens dos relatórios das comissões parlamentares de inquérito confirmam a tese do Ministério Público, ou são ignoradas ou são objecto de considerações sarcásticas, que não deviam ser toleradas por um Parlamento relativamente a meros órgãos da Administração Pública, tal como são a Procuradoria-Geral da República, o Ministério Público ou a Polícia Judiciária.

CAPÍTULO III Matéria probatória 1 — Factualidade a) Antecedentes ao desastre

Já antes do dia 4 de Dezembro o general Soares Carneiro afirma ter sido alertado por pessoas amigas que se «preparava um atentado contra mim».

Neste sentido, vai também a declaração do mesmo depoente, de que a um piloto teria sido dito para não tripular um avião em que ele seguisse, e as informações de que no Hospital da Cruz Vermelha foram recebidos telefonemas a perguntar se já tinha entrado o corpo do general Soares Carneiro, antes das 20 horas.

Nesse mesmo sentido, vão as declarações a' esta comissão do Dr. Roberto Carneiro e da Sr.° Maria Alice Pinto Machado, funcionária do Hospital da Cruz Vermelha.

Relevante é ainda a afirmação do Dr. Roberto Carneiro que eram várias as ameaças de morte que pendiam sobre o engenheiro Amaro da Costa.

b) Fundo de Defesa Militar do Ultramar

Por vários depoentes o Fundo de Defesa Militar do Ultramar é apontado como podendo ser uma das causas que provocou o eventual atentado.

O Prof. Diogo Freitas do Amaral confirmou que o engenheiro Amaro da Costa o informou que andava a «investigar esse Fundo e a procurar saber porque é que ele ainda não tinha sido extinto, apesar de já terem decorrido seis anos sobre o fim da guerra e de já não haver ultramar, bem como a procurar, saber que verbas movimentava, se tinha contas aprovadas ou não, se alguma entidade o fiscalizava, etc, porque suspeitava que houvesse irregularidade e alguns mistérios em redor desse Fundo», afirmando posteriormente o Prof. Freitas do Amaral:

Por mim, considero que o facto de o engenheiro Amaro da Costa estar pessoalmente envolvido nessas investigações pode estar ligado

a qualquer eventual tentativa de atentado que tivesse sido dirigida contra ele.

Um grupo de trabalho da VI Comissão desloca-se ao Ministério da Defesa Nacional para investigar o arquivo do Fundo de Defesa Militar do Ultramar, Fundo que, é bom frisar, movimentava dinheiro sem controlo do Tribunal de Contas ou do poder político, o que pode estar na base de atritos com o Ministro da Defesa da altura.

Da visita resultou desde logo a verificação que o Fundo funcionava à margem da lei, sendo os próprios funcionários que lá trabalhavam que o afirmam, em informações de despesas, as quais dizem saber não se encontrarem inscritas nas competências do Fundo, constatando-se ainda que eram realizadas operações suspeitas, pouco claras e sem controlo. Concluiu ainda o grupo de trabalho que, contendo o arquivo deste Fundo uma documentação considerável, mereceria .uma cuidadosa investigação.

c) Telegrama recebido pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros

No seu depoimento o Prof. Diogo Freitas do Amaral, Ministro dos Negócios Estrangeiros à altura do desastre, declara:

[...'] poucos dias depois do acidente de Camarate — era eu ainda Ministro dos Negócios Estrangeiros, além de Vice-Primeiro-Ministro, no exercício das funções de Primeiro-Ministro interino —, recebi, no meu Gabinete, nas Necessidades, das mãos do então secretário-geral do Ministério, embaixador Caldeira Coelho, um telegrama confidencial ou secreto do Sr. Embaixador de Portugal em Londres, embaixador Freitas Cruz, no qual me era referido que tinha sido procurado nesse dia por dois representantes da Scotland Yard, que tinha fortes suspeitas do Sr. Sinan Lee Rodrigues, relacionadas com Camarate, por ele ter sido visto no local da manutenção técnica dos aviões do Aeroporto de Lisboa, na altura do acidente de Camarate.

Dada a gravidade da informação e a credibilidade da fonte, imediatamente despachei, pelo meu punho, no canto superior direito desse telegrama, com «Muito urgente», «À Polícia Judiciária», tendo datado e assinado. Entreguei, cm mão, o telegrama ao secretário-geral do Ministério, incumbindo-o de, imediatamente, se deslocar à Polícia Judiciária para o entregar ao director da Polícia Judiciária.

Posso garantir à Comissão que estes factos ficaram presentes na minha memória e tenho-os presentes hoje como se se tivessem passado ontem, o que, aliás, não é de estranhar, dada a importância dos mesmos e dado que, ao longo deste anos, fui contando este episódio, várias vezes, a muitas pessoas com quem falei do caso de Camarate.

Estranhamente, o telegrama não aparece no processo. Não aparece nenhum telegrama do embaixador de Portugal em Londres para o Ministro dos Negócios Estrangeiros, não aparece nenhum telegrama despachado por mim para a Polícia Judiciária, como aquele foi; aparecem, sim, vários telegramas do Consulado de Portugal em Londres para a Dirccção-Gcral, gue se ocupava nessa altura dos consulados no Ministério dos Negócios Estrangeiros.

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Todos esses telegramas dizem mais ou menos a mesma coisa, mas a verdade é que nenhum deles é o telegrama que recebi. O que eu recebi não era do consulado para uma direcção-geral, era do embaixador Freitas Cruz para mim, que despachei, pessoalmente, e nenhum dos que constam do processo contém esse despacho.

Tenho, pois, de concluir que houve um telegrama do embaixador para o Ministro e outro, ou vários, do Consulado para a direcção-geral respectiva. Aliás, o objecto não era o mesmo, porque, no meu telegrama, do que se tratava era da diligência da Scotland Yard junto do embaixador para alertar das suspeitas que recaíam sobre o Sr. Sinan Lee Rodrigues, por ter sido visto no Aeroporto na altura do acidente. O primeiro telegrama do Consulado de Portugal em Londres para a direcção-geral respectiva era sobre um problema de passaportes, para saber se o passaporte português de Sinan Lee Rodrigues era verdadeiro ou falso.

Não posso duvidar, dada a categoria, o prestígio, a respeitabilidade e o comportamento, sempre zeloso e cumpridor, do embaixador Caldeira Coelho — infelizmente já falecido —, dc que ele cumpriu a minha ordem de entrega do telegrama à Polícia Judiciária. De resto, eu despachava com ele todos os dias no Ministério e se tivesse surgido alguma dificuldade no cumprimento da minha ordem, ele ter--me-ia posto ao corrente, nos dias seguintes, o que nunca fez.

Portanto, não tenho dúvidas de que o telegrama existiu, não tenho dúvidas de que foi entregue à Polícia Judiciária. O que parecia lógico era que, perante um telegrama daqueles, imediatamente a Polícia Judiciária se tivesse posto em contacto com a Scotland Yard para tentar esclarecer o assunto. Isso não aconteceu durante meses, o que, a meu ver, é um dos factos mais graves de má condução do processo de investigação sobre Camarate, que se regista em todo este caso.

Pior ainda, por três vezes, a Scotland Yard manifestou interesse em esclarecer a questão. Posso referir a VV. Ex.os que isto vem no despacho final do Ministério Público (a fls. 4858, 4861 e 4364). Por três vezes, insistem em contactar com a polícia portuguesa e, da última vez, em querer deslocar um agente a Lisboa, a fim de se ocupar do assunto directamente com as autoridades policiais portuguesas (fl. 4864). Da parte das autoridades portuguesas, não só não houve um interesse imediato em que esse contacto se fizesse mas houve uma resposta, que eu considero, no mínimo, reprovável, que foi a de se ter dito à Scotland Yard que contactassem as relações públicas da Polícia Judiciária para se tratar do assunto (fl. 4864).

Um outro aspecto, que me parece interessante sublinhar aqui, é que está provado, nos autos, que o Sr. Sinan Lee Rodrigues viajou de Londres para Lisboa no dia 3 dc Dezembro; ora, o desastre de Camarate foi no dia 4 de Dezembro. Se a polícia britânica comunica às autoridades portuguesas que tem fortes suspeitas sobre esta pessoa e se está provado que ela vem para Lisboa no dia 3 e foi vista no Aeroporto na altura do acidente, isto significa que só pode ter sido visto no Aeroporto ainda no próprio

dia 3 ou no dia 4. É evidente que se tivesse sido visto depois do dia 4 não levantaria qualquer suspeita, o acidente já se tinha dado.

Mais, tanto no relatório do inspector-chefe de Heathrow (fl. 4883) como no telegrama do nosso Consulado, de 7 de Janeiro de 1981 (fl. 4861), refere--se que Sinan Lee Rodrigues era considerado pela polícia britânica como um «indivíduo perigoso, que lidava com armas e explosivos». No entanto, esta referência é omitida no despacho final do Ministério Público, que o considera um criminoso vulgar, dedicado apenas a falsificação de passaportes e a outras actividades do tipo criminalidade não violenta. Não entendo como é que, na apreciação que se faz deste suspeito, se deixa cair a identificação mais importante que dele era dada pela polícia britânica e que era a de ser um «indivíduo perigo» que «lidava com armas e explosivos», e ainda que falava «em fazer contrabando de minas linfet», do tipo das que se ligam ao objecto a explodir (fl. 2067). As referências anteriores que fiz ao carácter perigoso e ao facto de Sinan Lee Rodrigues lidar com armas e explosivos encontram-se no despacho final do Ministério Público (a fis. 4883 e 4861).

Portanto, devo dizer a VV. Ex." que, para'mim, há aqui vários factos que me causam a maior estranheza e perplexidade.

Primeiro: como é que o telegrama desaparece — e desaparece tanto da Polícia Judiciária como dos arquivo do Ministério dos Negócios Estrangeiros?

Segundo: Como é que, perante telegramas mais ou menos semelhantes (que esses não desapareceram, constam do processo) que foram enviados pelo Consulado à direcção-geral respectiva do Ministério, a Polícia Judiciária não manifesta imediato interesse em se pôr em contacto com a Scotland Yard?

Terceiro: Como é que no despacho final do Ministério Público o carácter perigoso de indivíduo que lida com armas e explosivos desaparece da caracterização de Sinan Lee Rodrigues e só aparece um homem que lida com passaportes falsos e com droga? Este o problema do telegrama.

No mesmo depoimento o Prof. Diogo Freitas do Amaral, considera «totalmente destituída de fundamento ou de qualquer consistência» a tese do Ministério Público na qual teria sido uma funcionária do Consulado de Portugal em Londres quem elaborou o referido telegrama. Afirma ainda o Prof. Freitas do Amaral que «não é concebível que um funcionário de uma embaixada envie telegramas, sejam eles quais forem, especialmente telegramas oficiais do Consulado para a direcção-geral do Ministério, assinados pelo cônsul-geral, sem este saber e sem ter sido ele a fazê-los óu a mandá-los fazer. Não é concebível».

Estamos pois perante um facto de inegável importância que carece e já deveria ter merecido atenção e investigação das autoridades competentes.

d) Comprovação da existência de substâncias explosivas cm zonas do cockpit do avião sinistrado

A V Comissão de Inquérito considerou provada com base no depoimento de peritos a existência de substâncias explosivas nas amostras I e 2 do fragmento 7, nomeadamente nitroglicerina, dinitrotolueno e trinitrotolueno.

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Os peritos ingleses que analisaram a amostra em questão, escreveram que «os vestígios são compatíveis com os vestígios de uma pós-explosão».

. O Ministério Público, não conseguindo refutar esta prova, afirma no seu despacho que a existência de explosivos no fragmento 7 deve-se a contaminação.

Recorda-se que este debate já tinha absorvido muitas energias na V Comissão, tendo então o perito capitão-tenente João Bernardo afirmado que, «em relação ao aspecto da contaminação, os níveis permitem ajuizar, de alguma forma, que seria difícil uma contaminação recente com um "produto deste tipo, com um contacto manual. Inclusivamente, até com uma de explosivos, como o senhor referiu, teria valores diferentes. Dado que a persistência dos produtos é variável. No entanto, de facto, o que poderemos julgar é que uma contaminação recente não obteria certamente estes resultados, qualquer que fosse a sua origem, sujeita a explosão, quer por um contacto manual».

Posteriormente, o mesmo depoente, para avalizar a idade da assinatura de explosivos na peça, afirma:

Em alguns dos altos explosivos comerciais que têm estes dois componentes —a nitroglicerina e o dinitrotolueno —, a nitroglicerina vai aparecer numa composição em percentagens de 10%, 20%, 30%, e poderá mesmo ultrapassar essa percentagem, enquanto o dinitrotolueno aparece quase sempre numa percentagem bastante baixa. Se aguardar alguns .minutos, posso até dar aqui alguns exemplos de percentagens de 2 %, 3 % ou 5 %, uma quantidade bastante modesta. Um explosivo, o sismogelatina 3, fabrico da SPEL, que irá ser lançado ou já está a ser lançado no mercado, um produto recente, tem 30 e tal por cento, não de nitroglicerina, como é o nosso, caso,' mas, sim, de nitroglicol e 5 % do tal dinitrotolueno.

Ora, o que temos nas análises actuais é, de alguma forma, uma inversão destas quantidades, uma menor quantidade de nitroglicerina e uma maior quantidade de dinitrotolueno. Esta inversão da proporção dos . produtos é coerente com a maior volatilidade da nitroglicerina e com a passagem de um período bastante longo.

Inicialmente, haveria, com certeza, uma quanüdade '.mais importante de nitroglicerina, mas ao fim de um período prolongado, uma boa porção dessa nitrogli-cerina volatilizou-se e o dinitrotolueno, por ser menos volátil, aparece agora em maioria.

De qualquer forma, como mais provável que é, é lícito fazer-se este raciocínio de que a explosão ou contaminação foi, de facto, num período bastante recuado.

De facto, a possibilidade de contaminação, com todos aqueles materiais, propositada ou acidental, seria muito improvável. Infelizmente não conseguimos essa informação.

No entanto, face à insistência na tese da contaminação por.parte do Ministério Público, a VI Comissão de Inquérito decidiu ouvir a mesma equipa de peritos sobre este tema.

O Dr. Morais Anes, que exerce funções de especialista superior de polícia do Laboratório de Polícia Científica, confirma a tese já explanada, ou seja, que os vestígios encontrados são compatíveis com os vestígios de uma pds--explosão, considerando ainda que «a haver uma contami

nação ela seria antiga», dizendo ainda «que só por acaso e com uma probabilidade muito pequena é que a contaminação acidental consegue reproduzir exactamente os tais níveis — aliás, eles dizem isso no relatório e são muito explícitos, ao referirem que os níveis e as quantidades encontradas são consistentes com ... Portanto, só um acaso muito grande é que poderia reproduzir esses níveis num conjunto de explosivos quer qualitativa quer quantitativamente».

O Dr. Morais Anes recusa deste modo as hipóteses de contaminação recente, quer na hipótese de isso ter acontecido na recolha das peças, pois assim estavam todas as peças contaminadas e não só o fragmento 7, quer a hipótese de a contaminação ter decorrido no manuseamento laboratorial das peças, o que denotava uma «deficiente operação a nível de análise química e também eventualmente uma deficiente descontaminação do laboratório em termos de explosivos», hipóteses inaceitáveis até porque não se pode «chegar ao ponto de dizer que o Laboratório de Polícia CienuTica está todo contaminado de explosivos», aliás, diz ainda o perito «que se isso acontecesse, poria em causa todo o tipo de análises que teríamos feito ao longo destes anos todos e que foram bastantes, sobretudo no período das bombas das FP-25».

A hipótese de o fragmento 7 ter sido contaminado no local do Aeroporto onde estava armazenado também não é aceite pelo Dr. Morais Anes, que apresenta a baixa probabilidade de, se isso tivesse acontecido, só uma peça tenha sido contaminada, e ter sido logo essa a que foi tomada para amostra.

O Dr. Morais Anes reforça ainda a improbabilidade de uma contaminação que derive de um simples manuseamento, referindo que «essa situação não reproduz aquela quantidade relativa de explosivos em que a nitroglicerina existe em muito menor quantidade, porque aqueles explosivos que existem têm quantidades de nitroglicerina superiores e, portanto, isso não seria, de maneira alguma, reproduzido. Só eventualmente naqueles casos que têm uma probabilidade de 0,001% de acontecer».

Afirmando ainda que «o sulfato de bário também não é uma contaminação assim muito vulgar, mas digamos que é menos improvável acontecer uma contaminação por explosivos, por aquela mistura explosiva, a não sei, efectivamente, alguém que ande com as mãos cheias de explosivos, o que eventualmente, segundo alguns, acontece no Laboratório de Polícia Científica, em que toda a gente terá explosivos nas mãos ou nos fatos, mas mesmo assim, acho que é improvável».

Neste depoimento, foi salientado que no passado sempre o poder judicial aceitou as conclusões do Laboratório de Polícia Científica, nunca recorrendo a outros laboratórios, afirmando o Dr. Morais Anes que «todos os exames do laboratório nas diversas áreas, química, biologia, toxicologia, comparação de escrita manual, em todos esses exames, ao longo dos tempos — e, actualmente, a médv& é de 10 000 exames por ano—, nunca isso aconteceu».

Aliás, esta análise, não pode contradizer outras que o Laboratório já fizera em 1989, que fora feita «quer em roupas quer em pedaços de fuselagem. Contudo, o método, na altura, era como a ortografia em placa, mas não tão sensível como esta, já que esta é de alta performance e, como tal, muito mais sensível do que a anterior. Cerca de 100 vezes mais sensível. De qualquer modo, na altura, não deu resultados positivos».

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Restava ainda a hipótese de estarmos perante uma contaminação antiga, porventura devida ao facto de o avião poder ter transportado explosivos antes de 4 de Dezembro de 1980.

No entanto, a equipa da Cessna, localizou a peça como sendo parte de uma longarina no tecto do avião, localizada logo atrás da cadeira do piloto, ou seja, uma peça que está dentro do habitáculo. A haver transporte de explosivos que contaminassem a respectiva peça, só poderia acontecer em duas situações: avião carregado de explosivos até ao tecto, ou avião ter feito um looping, para usar uma expressão do Dr. Morais Anes.

A tese de contaminação é também na generalidade refutada pelos outros técnicos Dr.° Maria Ondina Figueiredo, engenheira Ana Cabral e engenheira Maria João Bastos e aceite pelo comandante João Bernardo, que entra em contradição, com os seus colegas de equipa e com as suas próprias declarações à V Comissão de Inquérito, apesar ,de aceitar essa hipótese como uma entre outra, ao afirmar que «num conjunto aparecer aquele bouquet, talvez não seja fácil, mas não será impossível». Salientando ainda que «mesmo pessoas que trabalham com explosivos terão dificuldades em contaminar com aquele conjunto, bouquet de explosivos numa composição química específica com que manipulamos, por exemplo o explosivo plástico ou outro produto explosivo normal, não é comum aparecerem esses produtos. Ainda menos naquele conjunto».

A Dr." Maria Alice Marques esclareceu que o surgimento por fases dos diversos explosivos é o resultado normal do método utilizado, o método de cromatografia em camada fina, afirmando que trabalhou na amostra «como faço, ou como fiz, durante todos estes anos no laboratório [...'] tudo foi realizado por mim e portanto dentro do máximo de boas condições de trabalho que tinha, sobretudo ainda que nunca se pôs em causa o trabalho do laboratório ou levantou-se qualquer dúvida sobre o trabalho dos exames laboratoriais».

A hipótese de contaminação macroscópica (cabelo, poeira) foi também refutada pela Dra. Maria Ondina Figueiredo, que afirma:

Tendo-se procedido a uma limpeza da peça da maneira que foi feita inicialmente, conforme descrito pela Sr.° Dr.' Maria Alice, aparentemente, qualquer contaminação macroscópica que significasse uma poeira teria sido eliminada nessa primeira limpeza. ' Diria, não. trabalho com produtos orgânicos, mas trabalho num laboratório onde se analisam subtraços de alguns elementos. E, nesse sentido, a eliminação de contaminações macroscópicas salvaguarda uma análise posterior, o que reduziu ao mínimo a probabilidade científica de a peça permanecer contaminada.

De igual modo considera estranha que, sendo o comandante Bernardo «que ajudou a recolher as peças, só contaminou aquela peça e porque é que aquela era justamente a peça curva e contracurva, quer dizer, côncavos, no interior dos quais foram detectadas exactamente as mesmas composições em termos de mistura que foram detectadas no fragmento 3 de uma anterior, já não sei se era a IV se era a III Comissão Parlamentar de inquérito», afirmando ainda que, no que respeita «à questão da lavagem e da eruição, não afirmei, é a tal questão da dúvida, há sempre uma probabilidade não nula, o que é estranho é que haja uma contaminação num fragmento de

uma peça não extensível às outras, só pela lei das probabilidades é que se pode, embora seja praticamente impossível».

A mesma técnica refuta sequer a possibilidade de o laboratório inglês poder falar em contaminação visto que o laboratório recebeu um soluto portador de todo o material que foi diluído ou retido da peça no Laboratório de Polícia Científica, afirmando:

Foi sobre esse material que fizeram a análise. Nessa altura eles nem podiam falar em contaminação, porquanto o que lhes pedia era que daquele soluto determinassem a existência de certo tipo de moléculas que indiciariam o tal bouquet que de facto foi encontrado naquele momento.

Desconheço o relatório ou aquilo que foi produzido posteriormente pelos peritos ingleses, mas a única coisa que o relatório inglês certifica é que naquele soluto, que foi analisado na nossa presença, existiam aqueles compostos nas proporções que foram estabelecidas no relatório.

Eles não podiam naquela altura manifestar-se com respeito a qualquer contaminação, porque não era isso que estava em causa.

Ficou, pois, claro que ninguém pôs em causa a existência de explosivos no fragmento 7, surgindo, no entanto, dúvidas quanto à sua origem. A tese de contaminação não é bem aceite pelos peritos, que no entanto não a excluem, pela lei das probabilidades.

No entanto, os peritos são contundentes quanto à rejeição de contaminação recente, quer porque trabalharam como sempre o fizeram no passado, quer pelas características do «bouquet» encontrado, quer pela lavagem que foi feita ao fragmento no início dos trabalhos.

A uma contaminação antiga não é atribuída uma forte probabilidade pelo facto de só aquela peça ter a~presença de explosivos e estar localizada numa área do avião de difícil contaminação decorrente do simples transporte de explosivos.

e) Existência de mais corpos estranhos no corpo do engenheiro Adelino Amaro da Costa e comprovação da impossibilidade de os corpos estranhos de densidade metálica nos pés do piloto Jorge Albuquerque serem constituídos por alumínio.

Em 1995, após o encerramento da V Comissão, foram efectuados novos exames autópticos, sob orientação do Tribunal de Instrução Criminal, concretamente para um novo exame da cabeça do piloto Jorge Albuquerque e dos corpos do Primeiro-Ministro e do Ministro da Defesa.

A VI Comissão de Inquérito teve acesso a estes exames, tendo promovido que o registo em vídeo destas novas autópsias, bem como as múltiplas radiografias e TAC efectuados aos corpos tivessem sido analisadas pelos Profs. Luís Concheiro e Jack Crane.

Ambos estes professores concordaram com o facto de o resultado do exame do corpo do Primeiro-Ministro não ter apresentado achados relevantes, bem como na existência de novos corpos estranhos de densidade metálica na face do piloto Jorge Albuquerque e no corpo do Ministro da Defesa.

No corpo do engenheiro Amaro da Costa, os fragmentos metálicos predominavam nas regiões laterais esquerdas do tronco, e sobretudo na axila e nas regiões adjacentes do

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tórax e do braço esquerdo. Outros fragmentos existiam também na anca e na coxa esquerda, embora em menor número, não tendo sido detectados corpos estranhos nas pernas ou nos pés.

Ambos os professores concordaram ainda com o facto de a detecção destes novos corpos estranhos observados no corpo do engenheiro Amaro da Costa constituírem achados da maior importância, ainda maior que aquela respeitante aos fragmentos anteriormente detectados nos pés do piloto.

Com efeito, tendo considerado as diversas hipóteses da origem daqueles corpos estranhos em diferentes fases de uma sequência de eventos, a saber:

Numa ocorrência anómala em voo;

Durante o trajecto posterior de descida do avião na

sua queda; Na colisão do avião; Como consequência do incêndio; e Numa contaminação posterior;

ambos foram peremptórios em afirmar que a origem dos fragmentos teria estado na referida ocorrência anómala em voo e em excluírem as restantes hipóteses.

Na avaliação dos corpos estranhos os Profs. Concheiro e Crane distinguiram as seguintes características: número, tamanho, morfologia, padrão de distribuição no seu conjunto, composição química e localização, quer quanto à sua localização anatómica, quer em superfície ou em profundidade. Consideraram também a importância da associação da sua observação em várias vítimas, tendo-se ainda referido a outras características físicas dos corpos estranhos passíveis de se poderem observar a nível microscópico (pitting e pequenas concavidades superficiais).

Da análise destas características dos fragmentos detectados no corpo do engenheiro Amaro da Costa, estabeleceram ambos ser o seu resultado como efeito da deflagração de um engenho exp/osivo a hipótese de maior probabilidade.

Com efeito afirmou o Prof. Concheiro que «nos achados encontrados nos cadáveres do Sr. Adelino Amaro da Costa e do piloto Albuquerque há algumas partículas que, pela sua morfologia, pela sua densidade, repito, e pela sua distribuição topográfica, penso que sugerem ou podem conduzir à confirmação da hipótese de uma deflagração próxima de um explosivo», e afirmou o Prof. Crane «que é de esperar observar as características dos novos corpos estranhos do engenheiro Amaro da Costa em alguém à esquerda de quem tenha explodido uma bomba».

Noutra ocasião o Prof. Crane afirmou que a «noção mais importante que pretende transmitir à Comissão consiste no facto de as características dos corpos estranhos em Amaro da Costa serem próprias da sua origem na deflagração de um engenho explosivo».

As características particulares dos fragmentos que permitiram estabelecer esta conclusão consistem: nas suas formas muito variáveis, na sua morfologia e tamanho muito irregulares essencialmente no seu padrão de distribuição e no tipo da sua localização.

Quanto a este último critério o Prof. Crane estabeleceu ser característico de corpos estranhos produzidos por bombas uma localização simultaneamente à superfície e na espessura das partes moles, nomeadamente em diferentes níveis de profundidade.

Ambos os professores de medicina legal estabeleceram também a grande importância da situação dos fragmentos em áreas anatómicas localizadas e próprias do carácter direccional de projécteis resultantes de explosão de bombas, sendo esta a característica mais relevante dos corpos estranhos detectados na região axilar esquerda.

Estabeleceu ainda o Prof. Crane que os mesmos aspectos dos corpos estranhos e especificamente o seu padrão de distribuição permitem excluir a hipótese de uma origem acidental na sua produção, tal como um hipotético erro do piloto ou uma falha mecânica do avião.

Pronunciaram-se ainda no sentido de uma explosão de uma bomba não ter que se associar à existência de fracturas. Com efeito estabeleceram não ser a existência de fracturas um pré-reqúisito para afirmar que houve uma explosão. O Prof. Crane adiantou ter recentemente demonstrado este aspecto num trabalho científico já publicado sobre uma revisão de 100 casos de vítimas de explosões.

Mais adiantaram que quando sobrevêm fracturas estas não são produzidos por projécteis, mas sim pela onda de choque (blast), bem como só ocorrerem em corpos de localização muito próxima da deflagração dos engenhos explosivos.

Por outro lado afirmaram poderem os projécteis, na sua penetração variável, alojar-se em ossos, mas sem produção de fracturas.

Desde 1982 que o conhecimento da análise química dos corpos estranhos detectados nos pés do piloto suscitou alguma polémica. Nesse ano, a determinação da composição química desses corpos estranhos, feita por microscópio electrónico de varrimento, revelou serem constituídos por alumínio.

Foi expresso por vários radiologistas a impossibilidade de um material desta composição química ter a elevada densidade com que se observavam nas radiografias, e posteriormente outras análises detectaram também a existência de ferro na constituição daqueles corpos estranhos.

Não obstante estes últimos resultados, a existência daquela discordância entre a densidade radiográfica dos fragmentos e a sua composição química prevaleceu frequentemente, tendo sido dada uma valorização à composição química dos fragmentos e concretamente ao facto de a sua natureza ser idêntica à da liga usada em aeronaves (liga de alumínio).

O Prof. José Cavalheiro, do Departamento de Engenharia Metalúrgica e Materiais da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, apresentou à Comissão a possibilidade de a correlação existente entre a dimensão de um corpo, a sua composição e a sua densidade numa película onde for feito o seu registo radiográfico permitir, com razoável aproximação, que a determinação da sua constituição, e quanto ao seu número atómico médio, poder ser pesquisada pela análise densitométrica da sua imagem radiográfica.

Nesta sequência foi efectuada esta análise radiográfica conforme se descreve no relatório em anexo.

Como daí se transcreve, nos resultados deste trabalho científico observou-se a existência de duas classes distintas de densidades radiográficas dos corpos estranhos visíveis nas radiografias, para além de uma outra de densidade mais baixa correspondente a tecidos moles. Por sua vez as duas classes de diferente densidade dos corpos estranhos Correspondem a materiais de um número atómico médio distintos, estando aquele de maior valor em retaçáo com

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óxido de ferro, e o de valor inferior em relação com a liga de alumínio.

Em conclusão, verificou-se que os materiais de maior número atómico correspondiam aos corpos estranhos descritos com densidade metálica, os quais não são assim constituídos pela liga aeronáutica.

O valor deste estudo experimental foi corroborado por pareceres expressos e emitidos por outros dois professores de Engenharia, o Prof. Manuel Vieira e o Prof. Acácio Lima, bem como pela engenheira Maria Helena Carvalho, do LNETI, que foi co-autora da primeira análise química dos corpos estranhos. Conforme o seu depoimento feito à Comissão:

A experiência que o Prof. Cavalheiro tem com radiografias tem muito a ver com o tema que, há uns anos, ele tem vindo a estudar, e, tanto quanto sei, não há mais ninguém no País a estudá-lo, que é uma conjugação de trabalho que implica metalurgia e medicina. Ele tem andado a estudar biomatérias, e não me parece que haja mais alguém que tenha esse estilo de experiência, pelo que eu teria de recomeçar um estudo que ele deve estar a fazer há meia dúzia de anos, ou mais.

2 — Dados relevantes para a investigação de presumíveis autores

a) Declarações de Fernando Farinha Simões

No decurso das anteriores comissões parlamentares foram ouvidas várias pessoas que se referiram a factos que tinham a ver com a eventual autoria material do presumível crime de Camarate.

Uma dessas pessoas — Fernando Farinha Simões — veio a produzir um documento em que confessa uma participação directa em factos contemporâneos do presumível atentado, o qual veio a ser confirmado pelo próprio perante o juiz de instrução criminal.

Fernando Farinha Simões era amigo há vários anos (desde os tempos de Angola) de José António dos Santos Esteves, tendo ambos ligações à chamada rede bombista, que actuou em Portugal a partir de 1975, e que fazia parte dos CODECO (Comandos de Defesa da Civilização Ocidental).

Este depoenie confessou ter tido conhecimento da colocação por parte de José António dos Santos Esteves de várias bombas, em diferentes locais, nomeadamente na casa do Prof. Freitas do Amaral, afirmando ainda que acompanhou regularmente José António dos Santos Esteves durante o ano de 1980 e que este algum lempo antes de 4 de Dezembro de 1980 lhe comunicou que estava envolvido numa operação em grande, que iria mudar toda a situação político-partidaria em Portugal.

Das afirmações de Fernando Simões resulta ainda que José António dos Santos Esteves manteve, durante o final de 1980, intensos contactos com meios ligados ao tráfico de armas, tendo sido Bernardo Canto e Castro uma das pessoas contactadas nesse âmbito. De igual modo José Awtómo dos Santos Esteves mantinha contactos frequentes

com Lencastre Bernardo e Otelo Saraiva de Carvalho, a quem parecia ter facilidade de acesso, e encontrou-se, pouco tempo antes do presumível atentado, no café Galeto com uma pessoa que Fernando Farinha Simões mais tarde lòenúftcou como sendo Sinan Lee Rodrigues.

Fernando Farinha Simões afirmou ainda que José António dos Santos Esteves numa das deslocações que fez antes de 4 de Dezembro, confidenciou-lhe que esta continha documentos relativos a vendas de armas, mas que depois lhe veio a confessar ser material para confeccionar uma bomba.

Dois ou três dias antes do presumível alentado, Fernando Farinha Simões confessa ter visto José António dos Santos Esteves trabalhar na confecção de uma bomba, na varanda da sua casa onde habitualmente as confeccionava, o que aquele lhe disse que aquela «ia fazer um estrondo enorme e ia dar que falar», e que poucos dias antes do atentado, assistiu ainda a diligências de José António dos Santos Esteves no sentido de obter um cartão que desse acesso ao Aeroporto, que mais tarde soube que se destinava a permitir a circulação de Sinan Lee Rodrigues.

Fernando Farinha Simões afirmou que no dia 3 de Dezembro à noite levou José António dos Santos Esteves ao Aeroporto, tendo-lhe este pedido para estacionar e aguardar algum tempo, pois tinha de ir entregar uma coisas, que ele transportava dentro de um saco plástico, a alguém que estava no Aeroporto, o que mais tarde Fernando Farinha Simões veio a saber ser o artefacto que se destinava a ser entregue a Sinan Lee Rodrigues e que iria provocar a queda do avião que se veio a despenhar em Camarate.

Fernando Farinha Simões declarou ainda que no dia 4 de Dezembro, à noite, José António dos Santos Esteves o procurou, pedindo-lhe para ficar uns dias em sua casa e tendo-lhe narrado, muito transtornado, o que se tinha passado, isto é, que a bomba que dias antes tinha feito se destinava ao avião que caíra em Camarate e que a deslocação na véspera ao Aeroporto tinha servido para a ir entregar. José António dos Santos Esteves disse então a Fernando Farinha Simões que linha sido enganado, que não sabia que Amaro da Costa ia no avião e que julgava que a bomba se destinava a Soares Carneiro, ficando então 15 a 20 dias em sua casa.

Fernando Farinha Simões declara ainda ter estado com José António dos Santos Esteves no Brasil em 1986, altura em que voltavam a falar das circunstâncias em que tinha montado a bomba destinada ao avião de Camarate, que José António dos Santos Esteves havia montado e entregara no dia 3 de Dezembro a Sinan Lee Rodrigues.

b) Depoimentos relevantes da VI Comissão

No âmbito das diligências destinadas a verificar a veracidade das declarações de Fernando Farinha Simões, a VI Comissão ouviu várias pessoas, sendo especialmente relevantes os depoimentos prestados (quer oralmente, quer pór esc.rito) por Carlos Manuel Teixeira Miranda Gonçalves, Elza de Oliveira Simões, José Fernando Oliveira Leite e Diogo Freitas do Amaral.

c) Declarações de Carlos Manuel Teixeira Miranda Gonçalves

O depoente Carlos Miranda Gonçalves afirmou ter conhecido José António dos Santos Esteves em Angola, de onde ambos vieram após terem mihiado nas fileiras da FNLA, tendo mantido uma ligação desde 1975 até aos anos 1982-1983.

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Carlos Gonçalves afirmou ainda que fez parte com José António dos Santos Esteves dos CODECO, participando ambos nas acções da chamada rede bombista. Nesta situação, assistiu ao fabrico e colocação de muitos engenhos explosivos por parte de José António dos Santos Esteves. Declarou ainda que poucos dias antes do desastre de Camarate esteve na casa de José António dos Santos Esteves, tendo visto numa bancada da marquise vários componentes normalmente usados no fabrico de engenhos explosivos, entre eles detonadores eléctricos e uma quantidade de um explosivo por ambos muito usado no âmbito dos CODECO denominado nitrocelulose. José António dos Santos Esteves teria então afirmado que «algo de grande estava em preparação».

Carlos Gonçalves apercebeu-se de que, na época, José António dos Santos Esteves e Fernando Farinha Simões andavam frequentemente juntos, e poucos dias antes do presumível atentado José António dos Santos Esteves perguntou-lhe-o que é que ele pensava de Sinan Lee Rodrigues e «se era de confiança», tendo-lhe ainda perguntado se havia maneira de arranjar um livre trânsito de acesso às placas do Aeroporto e que tinha muita urgência nisso.

E ainda referido por Carlos Gonçalves que no dia 4 de Dezembro, à noite, José António dos Santos Esteves esteve com ele no Saldanha, mostrando-se muito alterado e referindo-se que o avião que se despenhara em Camarate tinha sido objecto de um atentado provocado por uma bomba, o que logo levou Carlos Gonçalves a suspeitar do envolvimento de José António dos Santos Esteves.

No dia 5 ou no dia 6 voltou a estar com José António dos Santos Esteves em casa de Fernando Farinha Simões, onde também se encontrava a mulher e a filha de Fernando Farinha Simões, tendo-lhe este dito que José António dós Santos Esteves lá se encontrava porque estava envolvido no atentado do avião caído em Camarate e que lhe tinha pedido para lá ficar uns dias.

O depoente confessa ainda que nessa altura o próprio José António dos Santos Esteves acabou por lhe confessar que fora ele que montara o engenho explosivo, o qual fora colocado por Sinan Lee Rodrigues, mas que se sentia traído porque a bomba não era para Sá Carneiro. Algum tempo depois, Fernando Farinha Simões confidenciou a Carlos Gonçalves que tinha sido ele a conduzir José António dos Santos Esteves ao Aeroporto na véspera do ' atentado, o que teria servido para transportar a bomba que provocou a queda do avião.

Carlos Gonçalves afirma ainda que várias vezes referiu a indivíduos da Polícia Judiciária que tinha elementos em relação ao processo de Camarate, mas nunca foi ouvido, e que cm 1995, algum, tempo depois de a imprensa ter relatado as declarações de Fernando Farinha Simões, apareceram-lhe, ho Estabelecimento Prisional de Coimbra, duas pessoas para falarem consigo sobre Camarate, as quais procuraram fazer alguma pressão para obter informações que desacreditassem Fernando Farinha Simões e ainda no sentido que ele (Carlos Gonçalves) não prestasse declarações sobre Camarate.

d) Declarações de Elza de Oliveira Simões

A depoente Elza Simões, esposa de Fernando Farinha Simões, complementou o seu depoimento com a entrega

de um documento onde sintetiza as informações relevantes que trouxe à VI Comissão. Dada a sua relevância, este documento será anexo ao presente relatório.

E importante realçar que a Sr.° Elza Simões confirmou que conhecia José António dos Santos Esteves desde 1977, e que este «cerca de duas semanas antes de 4 de Dezembro de 1980, referiu, entre outros assuntos, estar a tratar de algumas acções operacionais com um cidadão estrangeiro, denominado Sinan Lee Rodrigues, que era mecânico de aviões, piloto aviador e especialista em explosivos».

Afirmou ainda que no próprio dia 4 de Dezembro de 1980 foi procurada pelo José António dos Santos Esteves, que posteriormente jantaram em sua casa, onde ele terá ficado uns dias.

É ao longo dessa estada que José António dos Santos Esteves terá confessado que tinha ido ao Aeroporto da Portela levar a bomba a Sinan Lee Rodrigues e que este a colocara no avião que caíra usando documentos furtados que tinham facilitado a sua circulação na pista do Aeroporto.

O mesmo José António dos Santos Esteves terá solicitado à sua namorada, Gina, que fosse à sua casa no Cacém para limpar qualquer vestígio de matérias utilizadas na montagem da bomba, procurando, logo na noite do dia 4, falar telefonicamente com o tenente-coronel Lencastre Bernardo para tratar da sua protecção pessoal.

A depoente Elza Simões afirma ainda ter estado de novo com José António dos Santos Esteves em 1986, no Brasil, onde este lhe fala novamente de Camarate, referindo que tinha medo de ser preso por causa das investigações que estavam a ser feitas.

e) Declarações de José Fernando de Oliveira Leite

O depoente José Fernando de Oliveira Leite afirmou à Comissão que conheceu José António dos Santos Esteves em Luanda, no Hotel de Turismo, e que este lhe confessou estar ali porque «linha construído várias bombas que eram iguais às de Camarate».

O depoente afirmou mais tarde, já em Lisboa, que voltou a ouvir falar de Camarate num almoço com pessoas relacionadas com Angola, em que uma outra pessoa, de nome José Antas, lhe lerá confirmado que José António dos Santos Esteves esteve ligado ao fabrico da bomba de Camarate e que Sinan Lee Rodrigues fez o procedimento da colocação da bomba no Cessna, tudo sob ordens do tenente-coronel Bernardo Canto e Castro.

O Sr. José Fernando de Oliveira Leite afirmou ainda à Comissão que tem conversado sobre Camarate com várias pessoas da Polícia Judiciária, e que essas pessoas dizem «que não têm dúvidas de que foi um atentado, de que foi bomba, e de que foi por causa do Fundo, do 'saco azul' militar, por causa do negócio de armas ligado com Africa, com tráfico de armas».

f) Declarações do Prof. Diogo Freitas do Amaral

Ao longo do seu depoimento, o Prof. Freitas do Amaral fez considerações sobre José António dos Santos Esteves, pessoa que conhecia bem, que pela sua importância se reproduzem:

José António dos Santos Esteves nasceu em Luanda em 1954; foi oficial das forças militares da FNLA durante a guerra; era especia/isfa em expio-

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sivos, tendo tirado um curso de especialização no estrangeiro, não me recordo onde; veio para Portugal a seguir à independência de Angoía, em Novembro de 1974, com a mulher e uma filha; sem dinheiro e

sem emprego, procurou desesperadamente uma fonte de subsistência; encontrou-a, como tantos outros retornados de Angola nessa altura; no CDS; foi contratado para os serviços de segurança do partido e foi colocado no início de 1975 como seu motorista, função em que se manteve cerca de seis meses; nunca foi meu guarda-costas como, por vezes, se diz na imprensa, foi sim meu motorista, conduzia a minha viatura particular, uma vez que eu não tinha, ao tempo, viatura oficial do partido. Devo dizer que, como meu motorista, foi sempre um profissional competente e respeitador, tanto para comigo como para a minha mulher e os meus filhos; privei com ele durante cerca de seis meses, todos os dias; era um rapaz de 20 anos, esperto, conversador, extrovertido, que gostava de contar e recontar a sua vida — disse-me tudo sobre as suas actividades militares, o seu espírito de guerreiro e combatente, a sua vocação para a luta armada, única actividade em que se sentia plenamente realizado; narrou-me inúmeras acções militares em que participou ou que comandou em Angola, incluindo numerosas acções violentas, luta à mão armada, utilização de metralhadoras, granadas de mão, rebentamento de explosivos, etc, as suas conversas eram autênticos filmes de aventuras que faziam as delícias dos meus dois filhos, então com 8 e 7 anos. Procurei fazer junto dele alguma pedagogia democrática; sempre me respondeu que «isso é bom para os senhores, não para mim» — advogava e preferia a acção violenta. Comecei a pensar que não poderia mantê-lo por muito tempo mais no CDS.

Aí por Abril de 1975, fui informado de que o Esteves, que ficava com o meu carro durante os fins-de-semana, estava a utilizar a viatura indevidamente passeando-se nela aos domingos com várias mulheres e em grande galhofa — não reagi. Mas, pouco depois, vieram dizer-me que o Esteves andava metido com conspirações golpistas e entrara para o MDLP ou mesmo para o ELP — aí, entendi que devia mandar averiguar imediatamente. O resultado das averiguações não foi claro quanto à pertença a essas organizações mas apurou-se que o Esteves transportava, na mala de trás do meu carro, frequentemente, armas de guerra, munições e explosivos. Interrogado por mim, confessou. Foi imediatamente despedido do CDS. Estávamos em meados de 1975. Não sei se andou ou não envolvido nas redes bombistas que actuaram do lado da extrema-direita no Verão quente de 1975 —imagino que pode ter andado, dadas as suas ideias, temperamento, antecedentes e gosto pela acção directa. O seu nome apareceu pela primeira vez nos jornais em 21 de Novembro de 1975, num comunicado da Região Militar de Centro que dava conta da sua prisão quatro dias antes em Souse, onde foi surpreendido pela GNR na posse de armas de guerra — isto vem nos jornais da época. Ignoro quanto tempo esteve preso e se foi ou não julgado.

Em data que não posso precisar, o José António fos Santos Esteves fundou, não sei se sozinho ou com mais pessoas, os CODECO — Comandos

Operacionais de Defesa da Civilização Ocidental, dos quais foi pelo menos elemento do destacamento de operações especiais, conforme também veio na imprensa. E, em 1976 ou 1977, já não me recordo bem, rebentou uma bomba na minha casa da Alameda de D. Afonso Henriques, em Lisboa, pelas 17 ou 18 horas; a bomba não teve consequências graves, embora tivesse feito saltar a porta de serviço e tivesse quebrado vários vidros, janelas e outros objectos: os meus filhos tinham acabado de chegar da escola, caíram ao chão e ficaram muito assustados e a chorar de medo — fui imediatamente avisado para o partido e voltei para casa. No dia seguinte, um vizinho meu, que eu conhecia bem, descreveu-me uma pessoa que tinha visto a sair do portão de serviço do meu prédio e a fugir pela Alameda de D. Afonso Henriques acima, imediatamente a seguir à explosão; os traços da descrição correspondiam, ponto por ponto, aos do José António dos Santos Esteves. Vários elementos da segurança do CDS transmitiram-me a informação, nessa altura, de que teria sido o Esteves quem tinha posto a bomba. Embora esta bomba tivesse sido noticiada na imprensa e tivesse dado lugar a um voto de solidariedade para comigo aqui, na Assembleia da República, a verdade é que a Polícia Judiciária não se deu ao trabalho de investigar — eu nunca fui ouvido nem ninguém da minha família ou da minha segurança sobre o caso.

Cerca de um ano depois, rebentou outra bomba, desta vez na minha casa da Marinha, às 2 da madrugada; a bomba explodiu com grande estrondo no jardim, embora sem fazer estragos materiais; chamei, pelo telefone, a PSP de Cascais, que chegou tarde e não encontrou ninguém. Novamente, um voto de solidariedade na Assembleia da República para comigo; novamente a Polícia Judiciária não actuou — nunca fui ouvido nem ninguém que me fosse próximo, sobre o acontecimento —, de novo entre os homens de segurança do CDS, foi citado o José António dos Santos Esteves como presumível autor do atentado, juntamente ou em alternativa com o de outro retornado seu amigo, de nome Mário, mas nada lhes aconteceu.

Por estas duas bombas, de facto, o José António dos Santos Esteves teve alguma coisa a ver com elas, fiquei a saber que ele e os seus amigos de luta não se orientavam por critérios • ideológicos; tanto colocavam bombas à esquerda como à direita; o que os movia não era o combate direita/esquerda — tanto incendiavam sedes do PCP como punham bombas em casa do presidente do CDS. Eram pessoas que, possivelmente, seriam movidas apenas por dinheiro.

Em 4 de Dezembro de 1980 dá-se o acidente de Camarate. Mais tarde, o nome de José António dos Santos Esteves é citado por várias pessoas como possível autor do atentado numa altura em que ninguém o conhecia, era totalmente desconhecido da opinião pública. Há aqui um mistério a desvendar. Por que é que tantas pessoas aparecem a citar o nome de José António dos Santos Esteves numa altura em que ele c totalmente desconhecido da opinião pública e como é que um bombista de extrema-direita se presta a matar um ou vários líderes da direita finalmente chegada ao poder?

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Por mim já sei que o Esteves tanto ataca à esquerda como à direita e de novo me interrogo se será por dinheiro.

Em Dezembro de 1981-Janeiro de 1982, quando sou Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional do Governo do Dr. Francisco Balsemão, recebe-se no meu Gabinete, na Rua de Gomes

Teixeira, um telefonema do José António dos Santos Esteves, aflito com falta de dinheiro, que pede umas centenas de contos. Recuso. Dois dias depois José António dos Santos Esteves volta a telefonar. Se não lhe arranjar de imediato o dinheiro ou um emprego, ele fará um escândalo nos jornais, contra mim. Mando responder que não cedo a ameaças.

No dia 25 de Janeiro de 1982, o jornal O Diário publica uma extensa notícia, em grandes parangonas, acusando-me de ter sido eu que mandei incendiar a Casa de Angola, que tinha ardido tempos antes. Fonte única da notícia: o Sr. José António dos Santos Esteves, que faz declarações, acusa, dá pormenores, inventa calúnias. Diz mal de mim e do CDS, que o expulsámos por ser bombista e partidário da luta armada, e põe na nossa boca as conversas que ele tinha na altura em que esteve no CDS. «Põe-se uma bomba aqui, quando é que se faz uma bomba ali», eram estas as conversas democráticas que havia diariamente dentro daquele partido, quem o diz é José António dos Santos Esteves na reportagem do jornal O Diário.

Afinal, o Esteves calunia por dinheiro. Será que põe bombas por dinheiro? Será que um dia matou ou matará por dinheiro?

Desta vez decido-me a recorrer à justiça e peço ao meu colega e amigo Dr. Rui Pena para processar O Diário. O processo chega ao seu termo e o jornal é condenado. O tribunal considera não provado que eu tinha tido qualquer influência no incêndio da Casa de Angola.

Ano de 1982, prosseguem as investigações sobre o caso Camarate. A Direcção-Geral da Aeronáutica Civil e a Polícia Judiciária haviam já concluído que não havia nenhum crime na origem do desastre. Eis senão quando, em 1982, uma organização clandestina, denominada CODECO — isio diz o despacho final do Ministério Público, a p. 266— informou em comunicado que o avião havia sido sabotado por meio de estrangulamento das tubagens de combustível e que um tal José António dos Santos Esteves teria informações relevantes sobre o assunto. O Ministério Público afasta rapidamente esta pista porque terá averiguado que as tubagens de combustível estavam intactas e sem quaisquer obstruções (p. 266). Mas afirma, coisa estranha, que não foi possível apurar qualquer ligação entre os CODECO e José António dos Santos Esteves quando já se declarara ao jornal O Diário que era o chefe do destacamento de operações especiais dos CODECO. Como é que o Ministério Público pode vir dizer que não consegue apurar nenhuma ligação entre o José António dos Santos Esteves e os CODECO é também para mim motivo de grande surpresa. Admito perfeitamente que o tal aspecto técnico das tubagens não se tivesse revelado ser verdadeiro, mas o comunicado continha um elemento precioso, era a notícia, suponho que pela primeira vez, depois haveria muitas mais, de que um tal José

António dos Santos Esteves sabia tudo sobre Camarate.

Duas hipóteses, a meu ver, se podem admitir aqui. Ou alguém dos CODECO quis implicar José António dos Santos Esteves ou, como me parece mais provável pelos termos do comunicado, o próprio José António dos Santos Esteves quis começar a falar sobre Camarate. De facto, começou a falar sobre Camarate nessa altura e nunca mais se calou até hoje. Talvez fosse a necessidade psicológica de começar a confessar o crime ou uma tentativa de arranjar mais dinheiro à custa de revelações e de ameaças bem doseadas.

Como reconhece o autor do despacho final do Ministério Público, é neste comunicado dos CODECO que o nome de José António dos Santos Esteves aparece ligado ao desastre de Camarate. Primeiro, ele é o homem que sabe tudo. Depois, é expressamente acusado de ter sido autor ou co-autor do atentado (depoimentos de Farinha Simões e de João Murias, pp. 318-321). Curiosamente, segundo um dos depoimentos, em 1985. é o próprio José António dos Santos Esteves que numa casa de amigos confessa que foi ele o autor do crime e até diz a mando de quem. Haverá muita fantasia, mentira, megalomania, nessas declarações? E possível que sim, mas não posso deixar de verificar que desde 1982 o pobre do José António dos Santos Esteves anda a querer confessar o que fez ou o que sabe sobre Camarate e ninguém o leva a sério. Tenho que concluir que é um infeliz!

Uma última nota: lamentavelmente, de novo se nota no despacho final do Ministério Público sobre José António dos Santos Esteves o mesmo erro grave que atrás sublinhei a propósito da análise do suspeito Sinan Lee Rodrigues. Com efeito, ao concluir pela inverdade do principal depoimento que acusa José António dos Santos Esteves do crime de Camarate, o Ministério Pública afirma o seguinte: «Essas acusações vieram a revelar-se totalmente falsas.» E porquê? «Pelos depoimentos convergentes de José António dos Santos Esteves e das três pessoas que, segundo Murias, terão ouvido as alegadas revelações do primeiro, constata-se que a confissão do José António dos Santos Esteves não passou de uma invenção do próprio Murias. De resto, mesmo que tivesse existido tal confissão, ela teria sido desmentida por todas as pessoas alegadamente envolvidas no pretenso atentado.» (pp. 300-301.)

Peço licença à Comissão para repetir esta passagem. O Ministério Público considera que José António dos Santos Esteves não tem responsabilidades no atentado de Camarate, no possível atentado de Camarate, primeiro, por que ele o desmente, segundo, porque isso foi desmentido por todas as pessoas alegadamente envolvidas no pretenso atentado. Ou seja, segundo o Ministério Público, as acusações feitas contra José António dos SarAra Esteves são falsas porque, primeiro, o próprio Esteves diz que é inocente, segundo, os seus amigos íntimos dizem que ele é inocente e, terceiro, todas as pessoas alegadamente envolvidas no pretenso atentado dizem que ele é inocente e também que elas são inocentes! E é com base nisto que o Ministério Público conclui que José António dos Santos Esteves é inocente! Ou seja, parece que, cie acordo com o Ministério

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Público, basta agora aos suspeitos da prática de um crime, às suas famílias e aos seus amigos mais próximos negarem a autoria para que as autoridades

devam concluir, «sem qualquer margem para

dúvidas», que as acusações feitas são totalmente

falsas. Recuso-me acreditar que se aceite e

confirme esta metodologia de investigação criminal

no nosso país.

Face a tudo o que foi exposto, é incompreensível que José António dos Santos Esteves quando ouvido no âmbito da instrução preparatória, já após o conhecimento das declarações de Fernando Farinha Simões, tenha sido interrogado como suspeito e não como arguido, o que veio a suscitar uma questão processual delicada quanto a uma eventual prescrição do procedimento criminal.

CAPÍTULO rv Conclusões

Considerando toda a matéria probatória apurada pela VI Comissão Parlamentar de Inquérito ao Desastre de Camarate e após analisar toda a documentação relativa às audições efectuadas e diligências periciais empreendidas, esta Comissão de Inquérito Parlamentar:

1) Confirma todas as conclusões da V Comissão de Inquérito, nomeadamente a presunção de que o despenhamento da aeronave foi causado por um engenho explosivo que visou a eliminação física de pessoas, tendo constituído, por isso, acção criminosa;

2) Considera verificada a existência de substâncias explosivas na análise das amostras 1 e 2 do fragmento 7, nitroglicerina, dinitrotolueno e trinitrotolueno, e colheu depoimentos que contrariam a tese da contaminação;

3) Considera verificada a existência de mais corpos estranhos no corpo do Ministro da Defesa, Amaro da Costa, que, segundo parecer de peritos, apresentam características conformes à deflagração de um engenho explosivo, consistente com outros indícios no mesmo sentido;

4) Colheu novos pareceres que corroboraram a verificação de corpos estranhos de densidade metálica detectados nos pés do piloto Jorge Albuquerque não constituídos pela liga de alumínio da aeronave, mas por um outro material com constituição próxima de óxido de ferro, o que também é consistente com a deflagração de um engenho explosivo;

5) Recolheu novos testemunhos que corroboraram denúncias anteriores já existentes no processo e reforçam a importância de estabelecer definitivamente, em tribunal, seguindo-sé o processo legalmente adequado, as responsabilidades criminais que ao caso caibam, designadamente as aventadas quanto a Jbsé António dos Santos Esteves e Sinan Lee Rodrigues;

6) Considera imprescindível que, ante todos estes factos, o processo judicial siga o seu curso, designadamente até julgamento, por forma que, em contraditório e com todas as garantias de acusação e de defesa, se faça luz plena sobre

todos os factos de Camarate, vindo o tribunal a

decidir em definitivo;

7) Recomenda uma investigação profunda a todo o arquivo do Fundo de Defesa Militar do Ultramar, que era «gado dJSÇriçjonarjarnenie, 5m qu2)qU0T

controlo, efectuando. despesas que por Jci Jhc

estavam vedadas, existindo vários depoimentos

que o associam ao móbil de um eventual atentado

em Camarate.

CAPÍTULO v Projecto de resolução

A Assembleia da República resolve, nos termos do artigo 169.°, n.° 5, da Constituição, o seguinte:

1 — Dar total publicidade ao processo, nos termos das normas legais aplicáveis.

2 — Facultá-lo, de imediato e integralmente, ao Tribunal da Relação de Lisboa e à Procuradoria-Geral da República, na convicção de que contém elementos úteis à apreciação em curso.

3 — Expressar a confiança de que as autoridades judiciais possam atingir a verdade, nomeadamente explorando os elementos constantes neste relatório, actas, depoimentos e audições, exprimindo o seu entendimento que o processo judicial em curso deve prosseguir, designadamente até julgamento, por forma a que, em contraditório e com todas as garantias de acusação e de defesa, se faça luz plena sobre todos os factos de Camarate, vindo o tribunal a decidir em definitivo.

Notas

0 relatório foi aprovado por unanimidade. Conclusões:

Preâmbulo — aprovado por unanimidade;

Pontos 1, 5 e 6 — aprovados, com a abstenção dos Deputados António Filipe e João Corregedor da Fonseca e com os votos a favor de todos os outros Srs. Deputados presentes;

Pontos 2, 3, 4 e 7 — aprovados por unanimidade.

Projecto de resolução:

Preâmbulo e pontos 1 e 2 — aprovados por unanimidade;

Ponto 3 — aprovado, com a abstenção dos Srs. Deputados António Filipe e João Corregedor da Fonseca e com os votos a favor de todos os outros Srs. Deputados presentes.

Declaração de voto

1 —Considero que as conclusões da VI Comissão Parlamentar de Inquérito ao Acidente de Camarate devam incluir referência expressa ao procedimento do Ministério Público, por um parecer claro, que ao longo da investigação não fez uso da totalidade dos elementos recolhidos pelas diversas comissões parlamentares de inquérito.

2 — Considero, no entanto, de maior importância a obtenção do maior consenso possível quanto à presunção da natureza criminosa do desastre e a indiciação de presumíveis responsáveis como forma de garantir o efectivo desenvolvimento de investigação judicial sequente e a realização do respectivo julgamento.

I de Julho de 1999. — Maria do Rosário Carneiro.

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RELATÓRIO N.° I

Análise aos processos elaborados pelos Tribunais de Instrução Criminal de Lisboa e de Loures e do relatório da V Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar ao chamado acidente de Camarate elaborada a pedido da VI Comissão Parlamentar.

Uma análise atenta da investigação oficia! do caso Camarate permite concluir que a atitude dos responsáveis pela condução e apreciação dos processos — Ministério

Público do Tribunal de Instrução Criminal de Loures e Juízo do TIC de Lisboa— apresenta uma singularidade curiosa: todos os testemunhos, depoimentos e pareceres que de alguma forma contradizem a tese de um acidente são vigorosamente rebatidos, procurando-se encontrar falhas, contradições ou reduzi-los a testemunhos isolados ou pouco credíveis.

E assim feito em relação aos depoimentos de várias testemunhas oculares que declararam ler observado uma explosão ou incêndio durante a fase ascensional do voo, seguida da queda em Camarate.

E assim feito em relação aos depoimentos dos radiologistas que observaram radiografias dos pés dos pilotos e afirmaram que os vestígios de fragmentos estranhos não podiam apenas ser provenientes de ligas de alumínio, constituinte maioritário da estrutura do avião.

É assim feito em relação aos depoimentos de professores do Instituto Superior Técnico que coligem as informações disponíveis sobre vestígios dc materiais queimados provenientes do aparelho espalhados entre a pista e o local da queda e concluem que o avião já se encontrava a libertar fragmentos em voo; o Procurador da República do Tribunal de Instrução Criminal de Loures dedica-se a uma laboriosa série de raciocínios ao largo de 12 páginas do processo (pp. 145-157), procurando encontrar discrepância nos elementos de base, recolhidos pela Polícia Judiciária e pela Direcção-Geral da Aeronáutica. Civil.

É assim feito pelo juiz do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, que vai ainda mais longe, pois tenta contraditar o parecer técnico dos professores do Instituto Superior Técnico com o relato de uma testemunha visual que afirma ter observado uma «bola de fogo e grande explosão» quando o avião ainda sobrevoava a pista. Diz o juiz do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa:

Afigura-se-nos difícil [...] a sua interligação com a prova testemunhal, [...] pois a dimensão do fenómeno traduzida em tais expressões não é compatível, parece-nos, com a libertação de objectos constituídos exclusivamente por papel queimado e fragmentos de têxteis.

Trata-se assim de contraditar um parecer técnico com base num implícito dimensionamento da «bola de fogo» referido pela testemunha, a mesma que anteriormente, para efeitos de indício da existência de incêndio antes da queda em Camarate, é pouco valorizada pelo mesmo juiz, que dele concluiu:

A prova testemunhal lavrada para os autos não permite que se julgue, com o mínimo de certeza e segurança indiciada, qualquer deflagração e ou visualização de incêndio no avião em qualquer fase do seu voo.

Assim, um testemunho visual que não serve para indiciar suspeita de acto criminoso serve já para rebater os cálculos dos professores de Aerodinâmica e Combustão do IST!

Mais grave ainda é que para além destas testemunhas existem, segundo o relatório da V Comissão Parlamentar, mais 10 que afirmam terem visto o avião em chamas antes de atingir o solo. Este facto por si só seria suficiente para

anular a tese de falha mecânica como causa para a cjueda do avião.

Os pareceres que apontam para a hipótese de acidente, em grande parte fundamentada no facto de não terem sido encontrados vestígios físicos de explosão a bordo, merecem a rápida aceitação das autoridades conforme abundantemente se pode demonstrar pela consulta dos autos.

A pesquisa de vestígios físicos ou químicos de alguma explosão constituem o objectivo prioritário dos processos.

Dadas as circunstâncias de ter havido um grande incêndio que destruiu o cockpit, carbonizou as vítimas c terá chegado mesmo a fundir alguma chapa de liga de alumínio, a probabilidade de existência de vestígios químicos de eventuais produtos resultantes da deflagração de um engenho explosivo seria decerto uma hipótese bastante remota.

Apesar de difícil de detectar, a presença de um traço de natureza química (orgânica ou inorgânica), se for encontrada, então ela deveria ser seriamente tomada em consideração. Ora acontece que tais vestígios, embora escassos, foram efectivamente encontrados. Referimo-nos à presença dè sulfato de bário primeiramente e de traços de nitroglicerina e nitrocclulose já em 1995.

Estes vestígios químicos são sempre susceptíveis de serem postos em causa, havendo vontade para isso: basta levantar a hipótese de terem resultado do transporte anterior das respectivas substâncias pelo avião, ou de a sua eventual presença ser o resultado da decomposição de constituintes de alguma parte do aparelho.

A explicação dada para não considerar relevante a presença de sulfato de bário nos destroços do aparelho, se fosse generalizada pelos investigadores, eliminaria grande parte das provas materiais encontradas em qualquer processo de investigação:

[...] Não sendo o sulfato de bário um composto específico de engenhos explosivos, incendiários ou mistos, a detecção desse composto numa única amostra não é conclusiva quanto à sua origem. Apesar do incêndio, pretende o juiz, sem qualquer fundamento, que o produto químico «suspeito» devia estar espalhado por outras peças. No entanto o bário aparece noutras amostras, como é referido no processo, e o facto de não ser associado ao anião sulfato pode apenas resultar de o método de análise usado não o ter permitido detectar. (Este seria um aspecto a verificar, isto é, se os indícios encontrados de Ba não associados ao sulfato resultam deste elemento estar combinado com outra substância, ou de simplesmente o processo de análise não ter sido dirigido à identificação do anião sulfato).

Apesar disso o juiz consegue daqui retirar ilações seguras. Existem, contudo, pistas mais difíceis de eliminar ou de serem postas em causa.

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Referimo-nos aos fragmentos metálicos detectados para radiografia, inicialmente apenas no corpo exumado do piloto.

O estudo que foi feito destes vestígios metálicos

começou pela sua identificação nas radiografias sem contudo haver o cuidado de tentar identificar correctamente

a sua posição, isto é, avaliar tridimensionalmente a sua posição no corpo da vítima. Foi feita uma ou mais radiografias, no mesmo plano e depois raspagem da mesma e a análise das amostras assim obtidas. Uma raspagem de um corpo carbonizado é incompatível com uma determinação exacta da profundidade a que a amostra se encontrava da superfície, mas irá decerto arrastar sempre o material mais superficial.

Essas radiografias foram observadas por radiologistas experientes como o Prof. Jorge Saldanha, que afirmará (Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, pp. 54-55):

a) Pode-se excluir com inteira segurança (pelo seu número atómico elevado), que fossem constituídas por alumínio ou liga de alumínio...

b) Pelo seu pequeno tamanho não é admissível que resultassem da fragmentação por impacte de qualquer peça metálica do avião.

c) Por apresentarem arestas vivas, é de afastar liminarmente a hipótese de puderem resultar da fusão de qualquer elemento metálico.

d) A pronunciada fragmentação das partículas e a sua dispersão revelam que as mesmas vinham animadas de elevada energia cinética, suficiente para vencer a resistência do calçado e penetrar profundamente nas partes moles dos pés.

e) Pelo seu grau de dispersão (antepé, calcâneo e terço inferior da perna), pela inexistência de fracturas traumáticas dos ossos vizinhos e pelo que atrás se disse nas alíneas a), b), c) e d), é minha íntima convicção que as partículas acima referenciadas são estilhaços provenientes do rebentamento nas proximidades de um engenho térmico de fraco teor fracturante (de fl. 2470 a fl. 2472).

Foram também observadas pelo Prof. Luís Aires de Sousa (Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, p. 56) que considerou que «radiologicamente é possível excluir que sejam de liga de alumínio igual à da fuselagem da aeronave, mas não é possível determinar qual o metal».

Perante tão embaraçantes declarações, o que fazem os investigadores? Socorrendo-se de uma declaração do Prof. Mason citada pelo Tribunal de Instrução Criminal de Loures (p. 116) concluem que uma simples radiografia não permite determinar a composição química de uma amostra, pelo que passam a concentrar as atenções nos relatórios de análise.

Vejamos como pretendem ser afastadas as dúvidas levantadas pelos peritos em radiologia sobre a presença de fragmentos metálicos de elementos com número atómico mais elevado do que o do alumínio: «Enquanto o LNETI caracteriza a questão como material não metálico com incrustações metálicas, o RARDE afirma a existência de áreas ricas em alumínio.»'

Como as amostras analisadas foram raspadas do pé do piloto, não resulta evidente poder concluir-se que estas estavam cravadas no corpo, podendo ser uma contaminação resultante do contacto com o metal após o incêndio. Nada permhe concluir que as análises digam respeito aos mesmos vestígios, e se não se conhece a profundidade a

que estavam as partículas de maior contraste radiológico, conforme todos os peritos são unânimes em reconhecer em virtude de se terem executado todas as radiografias segundo o mesmo plano, também não se poderá concluir

que as mesmas possam ter sido removidas pela raspagem efecluada. Como se demonstrará, efectivamente as análises

dizem respeito a partículas que nunca foram referidas pelos radiologistas nos depoimentos atrás citados.

É evidente que a presença de um metal em fragmentos pequenos só pode resultar, nas circunstâncias deste desastre aéreo, de duas causas: ou a liga metálica é dúctil, isto é. admite alguma deformação antes da rotura, e nesse cado será necessário utilizar uma grande energia para a fragmentar, ou então o material é frágil e a divisão em pequenos pedaços poderá ocorrer desde que a energia do choque seja elevada.

Nenhuma destas hipóteses se coaduna com a tese oficial!

Vejamos porquê.

As ligas de alumínio utilizadas na construção aeronáutica admitem sempre alguma deformação antes da rotura. A situação de fragmentação nunca ocorreria em resultado do choque, pois a queda deu-se a baixa velocidade, pois, segundo as peritagens efectuadas, nem sequer causou a morte das vítimas, tendo ocasionado apenas algumas fracturas em duas delas. O mesmo raciocínio será aplicável a outros materiais metálicos mais frágeis como por exemplo um aço de mola, cabos de comando dos ailerons, etc. O choque resultante da queda não poderia fragmentar finamente materiais metálicos utilizados como aplicações mecanicamente resistentes.

A presença de fragmentos metálicos, independentemente da sua composição, só poderá neste caso ser explicada de duas formas: por fusão ou por contacto com uma fonte de elevada energia que não pode ser associada ao impacte da queda, pelas razões já apontadas.

O facto de os corpos terem ficado carbonizados com exposição nalguns casos do próprio tecido ósseo pode originar grande confusão quanto ao significado e posição dos fragmentos encontrados.

Na verdade, tendo resultado do incêndio verificado após a queda uma grande quantidade de cinzas e provavelmente pedaços de metal fundido (liga de alumínio), estes podem ter-se depositado sobre os corpos que se encontravam fissurados a nível da pele e dos tecidos moles, conforme se pode observar .nas fotografias das vítimas apensas ao processo.

Poderiam assim ter ficado alojadas nos corpos partículas metálicas ou óxidos metálicos.

A sua forma poderá testemunhar a origem e natureza. Se forem metálicos e provenientes do incêndio, terão formas arredondadas (pingo de liga de alumínio 2024 fundindo no intervalo 555°C-650°C), ou se forem cinzas metálicas, isto é, óxidos metálicos, além de menor densidade radiológica, deverão apresentar uma estrutura interna bastante heterogénea.

Se pelo contrário se apresentarem na forma de pedaços irregulares, com arestas vivas, então serão certamente resultado de uma deflagração, pelas razões atrás apontadas.

Poderemos assim ter três causas totalmente diferentes para o aparecimento de vestígios metálicos (na forma de metal ou de óxido metálico) nos corpos:

1) Partículas homogéneas e de arestas vivas, estilhaços, alojados no corpo depois de projectados a grande velocidade, com elevado

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contraste radiológico se provenientes de materiais com elevado número atómico médio, como sucede, por exemplo, nos aços ligados;

2) Partículas heterogéneas de pequena dimensão constituídas por cinzas metálicas de liga aeronáutica de alumínio produzidas no incendio, que tivessem caído sobre os corpos e alojado nas fissuras de tecido carbonizado, e que terão um baixo contraste radiológico visto que o número atómico médio baixo da liga 14), vai ainda descer devido à presença do oxigénio contido no

óxido (número atómico 8);

3) Partículas pequenas, de forma arredondada, mais homogéneas que as cinzas metálicas, resultantes da fusão do cockpit.

A presença de cinzas e pingos metálicos é muito provável. A sua identificação nos corpos não representa qualquer esclarecimento positivo para a investigação pois nada acrescenta aos factos conhecidos e amplamente comprovados: a existência de um incêndio que destruiu a cabina do aparelho. Significa isto também que a existência comprovada de fragmentos do tipo 2 ou 3 não contradita a possibilidade e a relevância da existência de fragmentos do tipo 1 (estilhaços).

A indicação da presença de alumínio e, em particular, a opinião de que o relatório do RARDE confirmou «que a mesma continha pequenos fragmentos metálicos de composição idêntica à da liga usada em aeronave» leva a que «as conclusões do relatório do médico radiologista Dr. Jorge Saldanha se mostram infundadas» encontra-se ferida de um vício de raciocínio. A existência de partículas contendo alumínio na superfície dos corpos era de esperar e não permite de forma alguma pôr em causa a análise radiológica na medida em que não há a mínima garantia que o produto raspado corresponda ao que originou as imagens mais contrastadas. Pelo contrário pode afirmar--se com absoluta certeza de que a grande maioria das análises químicas não correspondem às partículas que foram objecto de apreciação pelos peritos radiologistas.

Com efeito, só na remota hipótese de todas as partículas de liga de alumínio terem uma elevada secção, isto é, de serem lâminas metálicas dispostas exactamente na posição perpendicular ao plano radiográfico, é que seria admissível obter tais contrastes. Nessa hipótese, porém, continuaria por explicar, no quadro da versão oficial da queda por entrada em perda do avião, como é que essas lâminas se teriam formado a partir de uma liga metálica relativamente dúctil, e como teriam adquirido nesse caso a energia para se cravarem perpendicularmente à superfície do pé, tendo atravessado a sola do sapato.

A juntar à irrefutável evidência físico-química anteriormente expressa, encontram-se nos processos indícios seguros que confirmam que de facto as análises e as radiografias se referem a materiais distintos. Nas análises feitas ao material raspado constantes do relatório do RARDE datado de Novembro dc 1989 referem-se de facto os resultados de análise dc 12 minúsculos fragmentos de dimensão variável entre 100 u.m e 200 u.m (relatório da V Comissão Parlamentar, p. 176). Ora estes fragmentos têm dimensões 10 a 20 vezes inferiores aos que estão referidos pelos peritos de radiologia. Não seria normal que a análise de radiografias observadas à vista desarmada pudessem valorizar partículas da ordem do décimo de milímetro. Explicitamente o depoimento do Prof. Vilaça Ramos (a p. 177 do mesmo documento) refere «número múltiplo,

estando dispersos em ambos os membros inferiores, tendo pequenas dimensões, inferiores a 10 mm, tendo na sua maioria menos de 5 mm, e tendo uma morfologia muito irregular, evidenciando a maioria deles arestas vivas». Portanto, trata-se de materiais totalmente diferentes com dimensões da ordem de alguns milímetros, e. não de décimas ou centésimas de milímetro, que nunca poderiam merecer tais considerações por observação a olho nu, nem sequer estando dentro da escala de representação de uma radiografia.

Os investigadores dos Tribunal de Instrução Criminai demonstram manifesta falta de sensibilidade para relacionarem resultados de análise obtidos por observação em microscopia electrónica de varrimento. Com efeito, quem tenha alguma prática de lidar com esta técnica sabe que é possível encontrar numa amostra contaminada pelo contacto com resíduos diversos, como será o caso de um corpo recolhido após um incêndio e posteriormente inumado, uma infinidade de partículas de composição muito variada que não fornecem qualquer informação relevante. O que se encontrou, e está hipervalorizado pela instrução do processo, é apenas o resultado esperado: vestígios de metal oxidado devido ao incêndio e nada mais. Nenhuma das partículas analisadas em microscopia electrónica de varrimento pode dimensionalmente ser correlacionada com as referidas pelos radiologistas, e portanto delas tirar a ilação de que as afirmações dos radiologistas estava errada é um completo contra-senso. Portanto, quer a dimensão quer o contraste radiológico inerente ao alumínio anulam totalmente a hipótese de correlacionamento dos resultados como se pretendeu fazer nos processos.

Nos processos do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa e do Tribunal de Instrução Criminal de Loures não figuram outros resultados de análise química às partículas metálicas que refiram partículas diferentes das correspondentes a uma liga de alumínio. Espantosamente, porém, a V Comissão Parlamentar de Inquérito, após mais de um ano de litígio com o Tribunal, consegue obter uma cópia integral do relatório dos ingleses.

E que lemos no relatório dessa Comissão?

Nada mais nada menos do que a referência à existência de «pequenos fragmentos dc aço temperado, sem protecção contra a corrosão, que se deteriorou subsequentemente no ambiente corrosivo associado com o tecido humano» (relatório da V Comissão Parlamentar, p. 181), precisamente na mesmíssima amostra que o juiz e o procurador da República diziam corresponder aos fragmentos exclusivamente constituídos por alumínio.

Importará, contudo, verificar se mesmo esta amostra não será apenas uma contaminação irrelevante, para o que seria necessário ter acesso aos documentos originais.

Afinal o Dr. Jorge Saldanha e o Prof. Aires de Sousa não estavam enganados! A omissão de algumas linhas do relatório inglês permitem ao Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa minimizar a importância dos depoimentos dos radiologistas e continuar a sustentar a tese inicial. Existiam afinal fragmentos analisados com um número atómico muito mais elevado do que o número atómico médio da liga aeronáutica do avião, cuja imagem radiológica apresenta unr altíssimo contraste nas películas radiografias!

Há portanto conclusões sólidas e relevantes obtidas pela análise das radiografias e referentes a partículas macroscópicas e várias análises químicas irrelevantes referentes a partículas microscópicas que aparentemente se referem apenas a produtos de contaminação resultantes do incêndio'

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A marca de um atentado está nas partículas inicialmente radiografadas. A marca de um incêndio está nas conclusões do relatório do RARDE.

Ambas as conclusões estão correctas quando correlacionadas com os respectivos universos de referência. Bastará agora comparar as dimensões e a forma das

partículas radiografadas com as descritas nos relatórios de análise química para esclarecer a confusão: não há qualquer contradição entre a peritagem radiológica e a peritagem química como pretende erradamente o representante da Procuradoria-Geral da República. Só que dizem respeito a dois universos diferentes!

O sistemático recurso a peritos de áreas diferentes executando trabalhos isolados impediu qualquer articulação credível e interpretação coerente dos resultados produzidos.

A não aceitação dos pareceres médicos que valorizam o significado da presença de fragmentos metálicos carece, pois, de qualquer consistência,- e a omissão da referência da detecção de partículas de ferro abona pouco a favor do tratamento de dados feito pelos instrutores do processo, confirmando uma análise tendenciosa que já se evidenciara no tratamento de outros vestígios materiais.

Estas ilações resultam apenas do estudo dos autos, e eventualmente o acesso aos originais dos relatórios e pareceres técnicos poderá revelar mais erros crassos como os aqui referidos.

Face ao exposto, concluímos que o representante do procurador da República não é competente para correlacionar a matéria do processo, pelo que este deverá ser analisado por alguém com conhecimentos suficientes para produzir conclusões consistentes e credíveis.

Porto, 5 de Maio de 1999. — José Cavalheiro, professor associado da Faculdade de Engenharia, da Universidade do Porto, investigador responsável do INEB — Instituto de Engenharia Biomédica.

RELATÓRIO N.° 2

Análise densitométrica de corpos estranhos identificados em radiografias do corpo exumado de Jorge Albuquerque e correlação com materiais de origem metálica.

1—Introdução

A correlação existente entre a dimensão de um corpo radiografado (secção), a sua composição e a densidade da película onde é feito o registo permitem com razoável aproximação estimar a possibilidade de uma mancha radiográfica ter sido produzida por um corpo constituído por elementos de determinado número atómico médio.

A propriedade aditiva do registo radiográfico permite eliminar o efeito de fundo, quando houver dois corpos sobrepostos. No caso em estudo, as radiografias feitas a corpos estranhos (CE) apresentam como fundo o tecido ósseo do corpo e as partes moles existentes na mesma secção.

Tomando como valor médio da densidade do fundo os valores encontrados na vizinhança do CE poderemos obter com boa aproximação:

\IDCE = \/DF+ \IDRCE, em que DF é a densidade do fundo, DCE é a densidade determinada e DRCE é a densidade do corpo estranho.

O valor de DF pode ser tomado como exacto na medida em que a dimensão dos CE estudados é pequena, e pela anatomia dos locais é possível com segurança afirmar que não haverá sobreposição eventual de outra parte anatómica que pudesse falsear a determinação.

Da teoria da propagação dos raios X, sabe-se que, sendo um corpo atingido por uma radiação de intensidade [o, o corpo absorverá parte dessa radiação, que passará a ter o valor à saída do corpo.

/ = lo e em que u. é o coeficiente de absorção linear do corpo para a radiação utilizada e x a espessura desse corpo.

O coeficiente u. é expresso em cm"1 é por vezes substituído pelos valores tabelados de pp, ou seja, do coeficiente de absorção por unidade da massa, que se exprime em cm2g'- A relação entre os dois será: u. = u.p, p cm;' em que p é a massa específica da substância observada.

O valor do coeficiente de absorção ou de atenuação para uma dada substância depende do comprimento de onda X da radiação incidente. No caso dos raios X o valor de X dependerá da tensão de aceleração usada na ampola de raios X.

Não tendo disponíveis, de momento, as condições de obtenção de cada radiografia, foram tomados como valor de referência os coeficientes de absorção pp, calculados pelo programa PHOTCOEF disponíveis na Internei em http://WWW.fotocoef.com, tomando como valor uma tensão de aceleração de 50 kV e as densidades para os materiais a seguir indicados.

Na película radiográfica, a densidade D é definida como a relação logarítmica: D = log /,//2 em que ./, é a intensidade da luz incidente de observação (dada pelo negatoscópio) e /2 é a intensidade de radiação à saída da película.

Como se disse, será possível, utilizando os valores das densidades, efectuar a subtracção dos efeitos de corpos sobrepostos, desde que as densidades se encontrem dentro do domínio linear da escala de densidades da película usada, isto é, entre os valores de densidade nem muito baixos (próximos de 0) nem muito elevados (próximos de 3).

Para estabelecer uma correlação entre as radiografias que nos permite inferir conclusões sobre a natureza química dos corpos observados é necessário que os valores de D sejam determinados com precisão, para o que será necessário dispor de um densitómetro calibrado.

Sendo a densidade radiográfica o inverso da opacidade, isto é, tanto maior quanto menos perturbado seja o feixe inicial de raios X, podemos finalmente determinar o valor de p a partir de D, estimando um valor aproximado para a secção da peça observada, isto é, o valor de x medido na perpendicular ao plano da película.

2 — Material e métodos

As películas observadas encontravam-se guardadas nos cofres da CGD à guarda do Tribunal da Relação de Lisboa. Todas as medições foram efectuadas na presença dos funcionários do Tribunal.

A selecção das chapas a analisar foi feita pelo médico radiologista Dr. Xavier de Brito, a quem coube a identificação das peças anatómicas observadas.

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3 — Equipamento

Foi utilizado um densitómetro marca X-Rite, modelo 301, ao qual foi adaptado um colimador com um diâmetro de 0,8 mm, para permitir a leitura de objectos de dimensão inferior a i mm.

Para calibração do aparelho foi utilizado um padrão da marca Kodak com 10 níveis de densidade diferentes, obedecendo às normas ISSO 5-3-1995 e ANSÍ PH2.18. Para cada nível foi registado o valor de leitura efectuado e o valor do padrão fornecido pelo fabricante, devidamente certificado e obedecendo às normas.

Os valores encontrados, após calibração do aparelho,

encontiam-se no quadro i em anexo, verificando-se uma

boa concordância com os valores nominais.

Foi verificada a constância desses valores durante a realização do trabalho.

Foram realizados croquis para localização dos objectos nas radiografias, sendo as mesmas copiadas e reproduzidas por um sistema de scanner digital. As referências dos pontos analisados correspondem aos desenhos, em anexo.

4 — Critérios dimensionais e densitométricos

Sendo necessário estimar a secção dos CE observados, foi adoptado o critério de lhes atribuir como limites a dimensão máxima e mínima determinada no plano radiográfico.

Admitiu-se assim que uma distribuição aleatória de partículas irregulares deve originar uma projecção segundo um plano de dimensões idênticas, em média, às observadas segundo qualquer outro plano, nomeadamente o plano perpendicular ao de observação.

Quando os fragmentos de pequena dimensão apresentam alguma dispersão de densidades tomou-se o valor da menor densidade encontrada, visto que é provável que algumas medidas incluíssem a fronteira da partícula, sendo nesse caso o valor determinado nesse ponto mais elevado que o valor real.

Pela forma, podemos concluir que grande parte dos CE observados devem ser considerados como provavelmente resultantes da fragmentação de produtos metálicos.

Tomaram-se como ponto de partida os coeficientes de atenuação do ferro, do óxido de ferro, do alumínio, do chumbo e do carbono, este último representativo, aproximadamente, da matéria orgânica superficial, que sabemos ter sido carbonizada pelos relatórios de autópsia iniciais.

Os coeficientes de atenuação por unidade de massa u-p para os elementos referidos, observados com raios X obtidos com uma tensão -de 50 kV são os indicados a seguir; indicam-se também as massas específicas r utilizadas por cálculo de m.

"VER DIÁRIO ORIGINAL"

Como se pode verificar, para as condições indicadas, os efeitos radiográficos de um CE de ferro com 1 mm de secção serão equivalentes aos de cerca de 16 mm de alumínio puro.

A liga aeronáutica utilizada no fabrico da fuselagem do Cessna (liga de alumínio AISI 2024), contendo 4,4 % de Cu, 0,5 % de Mg e 0,6 % de Mn possui um u. que, por cruzamento dos valores indicados para o Al com os tabelados no Metal Handbook, vol. 9, p. 311, será aproximadamente de 2,1 cm1. Neste caso, a equivalência entre 1 mm de espessura de Fe será a de 7,3 mm de liga 2024. Por aqui se pode inferir que os erros de estimativa da secção das partículas que facilmente poderão atingir percentagens muito significativas (mais de 50%) estão contudo muito longe do erro de 700 % necessário para confundir uma imagem de liga alumínio com uma de ferro.

Resultados

São indicados os valores da densidade do fundo DF sobre o qual estava localizado o CE. A partir da densidade medida no corpo estranho DC£ é calculada a DRCE densidade real do CE: com base em DRCE e tomando como limites para o cálculo de u a dimensão máxima e mínima do CE são apresentados estes dois valores (il e (0.2, depois comparados com o metal ou óxido indicado em cada caso, e que mais se aproximam do intervalo de valores determinados.

Podemos assim afirmar com segurança que se para cada corpo estranho individualmente não será garantida a correlação com um tipo de material, já para um conjunto de partículas essa conclusão será possível com elevada probabilidade, visto que uma distribuição aleatória dos corpos estranhos não poderia ocasionar senão uma distribuição aleatória dos erros na estimativa das respectivas secções.

No nosso caso acresce à evidência encontrada nos resultados apresentados o facto muito relevante que resulta da morfologia das partículas de número atómico mais elevado corresponder normalmente a fragmentos de arestas agudas e formas angulosas, em contraste com os materiais de número atómico mais baixo.

Os valores determinados e outros que poderão ser ainda avaliados vêm confirmar de forma peremptória o que alguns dos radiologistas já tinham afirmado:

1) As partículas de arestas vivas não são de liga aeronáutica;

2) As partículas de arestas vivas são de material de número atómico mais elevado do que as que se encontram com aspecto arredondado e podem ter resultado de um processo de fusão;

3) As partículas de arestas vivas podem ser relacionadas com alguns dos resultados de análise feitas pelo laboratório inglês RARDE em 1989 efectuados à amostra H obtida por raspagem da zona representada na radiografia xiu. Nesse relatório pode ler-se (p. 8) que foi verificada a existência de óxidos de ferro originalmente jmall mild steel fragments witk no corrosión protection. ou seja, fragmentos de óxido' de um aço ao carbono sem protecção contra a corrosão. Note--se que todas as partículas referidas neste relatório, incluindo as que sc referem a ligas de alumínio, têm apenas 0,1 mm a 0,2 mm, enquanto as do quadro i são 10 a 50 vezes maiores;

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4) A fragmentação do aço e a sua incrustação no pé do piloto não pode nunca ser explicada pelo resultado do choque, que reconhecidamente ocorreu a baixa velocidade (não ocasionando sequer fracturas à maioria das vítimas).

Deve aqui referir-se que alguns aços de elevado carbono (elemento não detectável na versão do equipamento de EDS usada pelo RARDE em 1989) podem apresentar um

comportamento bastante frágil, mas nunca compatível com

um choque que nem sequer fracturou o osso do pé do piloto.

O Ministério Público procurou contraditar a opinião dos médicos radiologistas comparando-a com os resultados das análises feitas em 1989 no RARDE, chegando mesmo a

omitir as análises que permitiram identificar aço nos fragmentos raspados no pé do piloto. A argumentação do Ministério Público encontra-se totalmente destruída face aos actuais resultados.

Efectivamente não só se encontram inequivocamente materiais que não são liga aeronáutica como não se encontra qualquer razão plausível para a sua forma, dimensão, localização e distribuição se utilizarmos a explicação de uma queda acidental do avião Cessna.

A explicação para estes factos terá de ser diferente da

compatível com uma queda a baixa velocidade.

Porto, 24 de Maio de 1999. — José Cavalheiro, professor associado da FEUP, investigador responsável do INEB.

QUADRO I

"VER DIÁRIO ORIGINAL"

Discussão dos resultados

Como se pode observar, os corpos medidos encontram--se distribuídos por três classes de densidades radiográficas: partículas bastante opacas aos raios X (6-12), partículas de média (2-3) e de baixa densidade (0,2-0,5).

Verifica-se que as partículas mais opacas correspondem em quase todas as situações a fragmentos de forma irregular e arestas vivas, contrastando com as outras duas, que se apresentam de contornos arredondados e por vezes difusos.

Os valores limites encontrados para os valores de u. correspondem nalguns casos a intervalos bastante grandes, pois foi adoptado um critério uniforme para estimativa da secção, isto é, considerou-se sempre a máxima e a mínima dimensão das partículas no plano de observação. Em muitos casos, em particular nas partículas alongadas, é evidente que será muito improvável que a partícula tivesse uma grande secção e estivesse exactamente na perpendicular ao plano radiográfico. Como se pode verificar nesses casos a menor dimensão corresponde a uma boa aproximação "dá secção da partícula, originando valores próximos do coeficiente de absorção típico de cada

material referenciado.

As diferenças encontradas são bastante inferiores às

existentes entre classes.

RELATÓRIO N.° 3

Análise das provas materiais e reconstituição das possíveis causas de queda de um avião em Camarate em Dezembro de 1980.

SUMÁRIO

1 — Antecedentes do despenhamento tomado como base para

interpretação dos factos e reconstituição da queda do aparelho Cessna YV 314-P.

2 — Aplicação de conceitos de ciência dos materiais ao estudo dos

elementos de prova produzidos na investigação das causas de queda.

3 — Definição dc um modelo de explicação compatível com os

antecedentes e com as conclusões sobre os elementos de prova material.

4 — Reconstituição da queda.

5 — Bibliografia.

Introdução

O relatório n.° 3 deve ter em conta o texto dos nossos relatórios n.os I e 2, que aqui se consideram reproduzidos.

A base material utilizada na elaboração deste relatório encontra-se nos documentos consultados, devidamente numerados, referidos na bibliografia, e resulta também de alguns ensaios realizados para comprovação de algumas hipóteses.

Alguns aspectos de pormenor poderão vir a ser completados não só pelo estudo de algumas peças do

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processo que não houve oportunidade de consultar, bem como da realização de uma observação dos destroços e medições complementares das radiografias actualmente existentes.

O relacionamento no texto dos factos com as fontes bibliográficas foi feito com base no seguinte critério: factos repetidamente testemunhados e referidos de forma concordante ao longo dos vários documentos são citados sem referência; elementos específicos, tais como resultados analíticos, opiniões de técnicos ou depoimentos de testemunhas são referenciados com a indicação do número do documento seguido da página onde a informação se encontra, como, por exemplo, 10p5, que se encontraria no documento 10 referido na bibliografia e na página n.° 5.

Quando os originais são em inglês preferiu-se remeter

para o documento nesta língua, em detrimento da respectiva tradução, sem que com isto se ponha em causa a qualidade dessa tradução.

O relatório n.° 1 foi feito apenas com base na consulta dos documentos n.os 1, 2, 3 e 4.

A medição densitométrica por nós efectuada no Tribunal da Relação de Lisboa, em Março de 1999, e o cálculo dos coeficientes de absorção linear da radiação X de corpos estranhos encontrados nos corpos exumados permitiu a distribuição por classes das partículas observadas. Esses resultados, e o acesso ao relatório do RARDE e do LNET1, documentos n.os 8 e 5, respectivamente, permitiram encontrar e fundamentar algumas conclusões essenciais que se encontram no relatório n.° 2.

Finalmente o acesso à restante documentação referida no capítulo 4 permitiu não só demonstrar todos os erros técnicos que permitiram a substituição das teses oficiais como esboçar um quadro geral para a explicação da queda do aparelho.

1 — Antecedentes do despenhamento e descrição dos destroços e resultados da autópsia, tomados como base para a interpretação dos factos e reconstituição da queda do aparelho Cessna YV 314-P.

O aparelho levava como passageiro o Ministro da Defesa engenheiro Adelino A. da Costa.

O Ministro da Defesa considerou existir perigo para a sua segurança pessoal, poucos dias antes da sua morte, motivo por que requisitou pela primeira vez uma arma de defesa pessoal (13p659).

O avião Cessna tinha viajado no dia anterior e o piloto tinha então sido obrigado a transferir gasolina para o motor esquerdo (I3p336).

O depósito do motor esquerdo deveria ter cerca de um terço da gasolina enquanto o direito estava quase cheio, conforme testemunhou Mário Henrique A. Santos David que viajou na madrugada do dia 4 (13p336).

A situação de desigual distribuição do combustível nos depósitos origina algum desequilíbrio aerodinâmico no aparelho.

A gasolina do motor esquerdo pode provir do depósito principal desse lado, do depósito auxiliar esquerdo ou do depósito principal do motor direito por comutação de uma válvula (crossfeed), instalada entre o assento do piloto e do co-piloto (I3p517).

O avião aterrou às 3 horas e 12 minutos do dia 3 de Dezembro de 1980 (13p504), transportando o Ministro da Defesa, que combinou com o piloto o voo para o Porto para o fim da tarde do dia 4 de Dezembro (13p337). Assim, a deslocação no Cessna do Ministro da Defesa foi

definida com um intervalo de mais de dezasseis horas em relação à hora de descolagem.

A decisão do Primeiro-Ministro de utilizar o mesmo voo só terá sido tomada pelas 12 horas e 20 minutos do dia 4 de Dezembro (13p353) ou pelas 14 horas do mesmo dia (13p356).

O piloto teve grandes dificuldades em pôr a trabalhar o motor esquerdo, sendo necessário requisitar uma fonte externa de corrente.

A pista utilizada tem uma orientação de sul para norte. O azimute magnético que une o fim da pista com o ponto de queda no Bairro das Fontainhas, em Camarate é de 341°.

O vento que soprava na noite de 4 de Dezembro era

fraco, soprando a 340/06, ou seja, coincidente com a

direcção de voo.

O avião levantou voo, e a uma altitude baixa, estimada em cerca de 5pm (13p519), iniciou a descida para o Bairro de Camarate fazendo os motores um ruído estranho (conforme depoimento de várias testemunhas habitantes do local e habituadas ao ruído dos motores das aeronaves (13p411, 13p438 e 13p437).

O avião, ainda no ar, apresentava uma grande luminosidade interior, segundo uma testemunha (13p436), ou encontrando-se mesmo a arder (13p438), Ou tendo exibido uma bola de fogo no ar (13p400), ou ainda descrito como estando a arder no ar (13p425).

Os testemunhos de pelo menos três pessoas são concordantes e correspondem a testemunhas localizadas fora do Bairro das Fontainhas.

Os moradores do bairro apenas se apercebem da presença do aparelho a partir do momento em que este começa a embater em diversos obstáculos.

A PJ e a DGAC procederam ao levantamento de materiais queimados provenientes do aparelho. Embora utilizando processos de referenciação no terreno diferentes, os respectivos depoimentos são coincidentes.

A PJ, que inspeccionou o terreno a partir do extremo da pista, encontra um rasto que se inicia a cerca de 50 m depois do fim da pista. Este trabalho, da responsabilidade do inspector Pedro Amaral, foi executado no dia seguinte à queda do aparelho.

Os vestígios queimados, nos quais se incluem fragmentos do manual de bordo, estrutura de favo ou ninho de abelha queimada, pedaços de esponja de estofos e fios eléctricos, distribuem-se numa faixa de cerca de 8 m-10 m de largura (I3p461 a p467), em alguns sítios atingindo 30m-40m (13p468) entre o ponto de queda e o fim da pista.

O depoimento de Pedro Amaral é corroborado com algumas diferenças pelo subinspector Manuel F. Sousa, agente Estêvão Capela, José Barra da Costa e Artur Matos.

Professores do IST analisaram a hipótese do rasto ser proveniente de uma perfuração da cabina durante a fase inicial do voo.

«A libertação de fragmentos durante a fase de voo da aeronave podia ter originado um rasto de geometria e natureza próximas da do rasto detectado.» (Ipl43.)

«O rasto de fragmentos no solo não poderia ter sido perceptivelmente alterado pelo vento atmosférico.» (Idem.)

A partir destas três conclusões foi extraída a seguinte conclusão final:

«Os dados de trabalho disponíveis, embora não completos, pouco precisos e nem sempre concordantes, permitem concluir que, de entre os mecanismos considerados de indução do rasto de fragmentos, o único

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capaz de produzir um rasto com uma configuração geral próxima da do assinalado no solo é o da libertação dos fragmentos durante a fase de voo da aeronave.»

A velocidade de queda do aparelho foi pequena, inferior

a 120 mph, segundo a DGAC, tendo sido amortecida pelos sucessivos choques com cabos eléctricos, um poste, a rede do Aeroporto, um estendal de roupa e o telhado e chaminé de vivendas do Bairro das Fontainhas (13p85).

A baixa velocidade da queda é evidenciada pelo facto de em sete vítimas só duas exibirem pequenas fracturas

de costelas (7, 9, 10, 13).

As vítimas encontravam-se vivas após a queda, tendo morrido por causa do incêndio do aparelho e ou devido à inalação de elevados teores de monóxido de carbono (13p92).

Os teores de carboxi-hemaglobina no sangue (indiciadores do envenenamento por CO) (13p9l) são de 53 % a 58 % na maioria dos passageiros, com excepção de Patrício Gouveia (62 %) e do piloto, com valores significativamente inferiores, de 40 %.

Apesar de não estarem gravemente lesionados, os passageiros do avião aparentemente não conseguiram tentar a fuga do aparelho, estando apenas dois cintos de segurança desapertados.

• Nenhuma das testemunhas residentes em Camarate refere ter ouvido qualquer pedido de socorro ou gemido proveniente do aparelho. Note-se que estas testemunhas estavam em alguns casos na própria casa onde o avião se imobilizou e o bairro deverá ter ficado momentaneamente silencioso devido ao corte geral de energia ocasionado pelo desastre.

O piloto apresentava uma hemorragia epidural, segundo a opinião do Prof. Mason (I3p56l).

Devido ao incêndio «a fuselagem, com excepção da estrutura central de fixação das asas, foi totalmente desagregada.» (I3p513.)

«A secção interior da asa direita e o respectivo fuso motor evidenciavam uma zona localizada de fusão intensa de materiais metálicos do revestimento e da estrutura resistente, com origem no depósito de combustível instalado naquele fuso.» (13p513).

O trem de aterragem estava totalmente recolhido;

Os painéis de instrumentos, os comandos de voo e do trem localizados na zona destinada à tripulação encontravam-se totalmente destruídos pelo fogo <>?3p5)3).

O incêndio originou-se quando o avião estava com o nariz para baixo, quase na vertical (13p514).

O motor esquerdo separou-se do conjunto e não foi atingido pelo fogo (13p5ll).

Parle da asa esquerda e o depósito principal da mesma ficaram na Vivenda Paulos (13p5U).

O motor esquerdo não apresentava indícios de existências de falhas mecânicas (/3p514).

A válvula de ligação da gasolina do motor esquerdo não estava fechada (I3p5l6).

O sistema de alimentação do motor esquerdo (tubagem, bomba) estava sem gasolina.

Embora tenha sido considerado como provado que não havia qualquer combustível no depósito principal do lado esquerdo, a verdade é que tal contradiz o depoimento do passageiro que viajou no dia anterior e afirma que o depósito teria cerca de um terço de gasolina.

Dos depoimentos de dois bombeiros verificamos que a asa e o depósito esquerdo permaneceram até ao fim das operações do rescaldo do incêndio em cima do telhado de

uma casa. Ao retirarem a asa (e o depósito) os bombeiros Armando R. Caldeira e José Lebre verificaram que deste pingava gasolina (13p455, 13p456).

Mesmo que toda a gasolina existente no depósito fosse

consumida, deveriam restar no fundo 193.189,3 (13p507) utilizáveis, ou seja, cerca de 3 1 a 4 1. Por onde estes saíram, saíram também os restantes 501 ou 601 durante o tempo em que a asa permaneceu esquecida sobre um telhado, que, contudo, ao fim desse tempo ainda cheirava a gasolina.

O incêndio foi inicialmente atacado com extintor de pó

e depois espuma.

As causas do acidente foram atribuídas à falta de combustível do motor esquerdo devido à falta de gasolina nos depósitos desse lado e a uma errada manobra de operação com a torneira que permitiria a transferência do depósito direito para o motor esquerdo.

Só em 1982 foi feita a primeira radiografia de um dos corpos das vítimas, a do piloto J. Albuquerque.

Nessas radiografias foram encontrados vestígios de corpos estranhos considerados por alguns médicos radiologistas como sendo constituídos por um metal de número atómico mais alto do que o correspondente a liga aeronáutica. Diz o professor catedrático de radiologia da Universidade de Coimbra:

Os pedaços metálicos contidos nas partes moles nas zonas assinaladas têm densidade elevada, arestas vivas e não são — na sua generalidade — seguramente provenientes da fusão de metal. Radiologicamente é possível excluir que sejam da liga de alumínio igual à da fuselagem da aeronave, mas não é possível detectar qual o metal. (Ipl 16.)

O procurador da República não aceitou como válidos os depoimentos de outros radiologistas como o Dr. Saldanha Sanches e fundamentou a rejeição das suas conclusões — existência de fragmentos metálicos diferentes dos provenientes da liga de alumínio do avião indiciadores de uma deflagração perto dos pés do piloto — e passou a valorizar os relatórios de microanálise feitos com microscopia electrónica de varrimento, em particular as conclusões do laboratório inglês do RARDE.

2 — Aplicação dc conceitos dc ciência dos materiais ao estudo dos elementos de prova produzidos na investigação das causas dc queda.

2.1 — Correlação entre radiografias e análise química

A radiografia dos pés do piloto (RXIII) exibe fragmentos de densidade elevada com dois tipos de morfologia: formas irregulares, com arestas vivas (AV), e formas arredondadas de contorno mais difuso (R). A densidade radiológica do grupo AV é superior ao grupo R.

Considerando a secção média de partículas aleatoriamente distribuídas como não sendo superior à máxima dimensão determinada no plano da radiografia e inferior à sua menor dimensão, foi possível calcular por densitometria que as referidas partículas pertencem a dois grupos quimicamente distintos: as partículas R apresentam um intervalo para o coeficiente de absorção compatível com o valor calculado para a liga de alumínio ou com uma liga leve, e as partículas angulosas AV, com um valor muito mais elevado, situam-se num intervalo compatível com a presença de óxido de ferro ou de elementos metálicos de número atómico próximos dos do ferro.

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A forma como tal foi determinado encontra-se detalhadamente descrito no relatório n.° 2 e foi considerada como coerente por peritos da área da radiología industrial e controlo de qualidade (v. parecer da Rinave em anexo).

Estes resultados, isto é, a existencia de duas classes distintas de materiais metálicos de número atómico diferente encontra-se em concordancia com os resultados apresentados no relatório do RARDE (8).

Para além de alguns componentes estruturais em aço, com formas reconhecíveis, foram identificadas na amostra H obtida por raspagem do calcáneo do piloto partículas de muito pequena dimensão.

Dessas partículas, num total de 12, 4 foram identificadas como sendo provavelmente fragmentos corridos de aço ao carbono de baixa liga (mild steel) (8 pq), sendo 8 de liga de alumínio.

Note-se que o sistema de análise por dispersão de energia utilizada pelo RARDE não poderá detectar a presença do carbono, essencial para distinguir um aço mais macio e dúctil de um aço mais duro eventualmente mais frágil.

E importante sublinhar que, embora haja concordância com os resultados da avaliação densitométrica das radiografias por nós efectuada e os resultados do RARDE, a verdade é que as partículas submetidas a análise química, de dimensão microscópica com 100 mieras a 200 mieras, ou seja um ou dois décimos de milímetro, não correspondem às observadas à vista desarmada nas radiografias. Com efeito, as partículas medidas têm dimensões superiores a I mm, frequentemente alguns milímetros.

Verifica-se assim que a análise do RARDE diz respeito a partículas com dimensões que podem ser 100 vezes inferiores às observadas e avaliadas pelos médicos já referidos.

Não seria portanto possível, apenas com base nestas análises, contraditar ou confirmar as afirmações feitas por vários médicos radiologistas que observaram a imagem RXIÜ dos pés do piloto e desde logo concluíram que as partículas angulosas eram de material diferente das maiores arredondadas e deveriam ser de material que não correspondia à liga aeronáutica.

A diferença de tamanho das partículas descritas nas radiografias e as analisadas quimicamente elimina liminarmente, sem qualquer margem de dúvida, os fundamentos apresentados nos despachos dos Tribunais de Lisboa e Loures (I, 2, 3 e 13). Por exemplo o Tribunal de Loures conclui sobre esta matéria:

(...] segundo lugar, as imagens radiográficas dos fragmentos .dos pés do piloto de modo nenhum podem pôr em causa a conclusão pericialmente estabelecida, por meios técnico-analíticos mais rigorosos e conclusivos do que simples radiografias, e que tais fragmentos não apresentavam características típicas sugestivas de explosivos.

E mais adiante:

[...] é que elas são inteiramente coincidentes com os resultados a que o LNETI e Newton haviam chegado, isto é [...]

Os resultados referentes a todas as amostras acima referidas não puseram em evidência quaisquer sinais associados com exposição e explosão. Esta conclusão baseia-se nos resultados obtidos em muitas investigações anteriores e em experiências feitas no RARDE (fls.3101, V).

No que em especial respeita à amosura H. confirmou-se que a mesma continha pequenos fragmentos metálicos de composição idêntica à da liga usada em aeronaves (fls. 3096 e 3100 do relatório do RARDE) — o que corrobora a análise feita pelo LNETI, dissipando dúvidas que ainda houvesse quanto a um eventual extravio da dita amostra, visto que Pla revelpu-se precisamente igual nas duas análises laboratoriais, a do LNETI e a do RARDE.

Em face da categórica convergência das duas perícias efectuadas às amostras recolhidas do corpo do piloto Jorge Albuquerque e do sentido amplamente convergente dos vários pareceres obtidos acerca da interpretação das imagens radiográficas, é, pois, possível estabelecer com toda a segurança que as conclusões do relatório do médico radiologista Dr. Jorge Saldanha se mostram infundadas na parte em que atribuem — ainda que em mera «convicção» — a sua origem «ao rebentamento nas proximidades [dos pés do piloto] de um engenho térmico de fraco teor fracturante» (fl. 2472).

Assim se verifica que uma das pedras angulares da rejeição da hipótese da existência de vestígios de materiais incompatíveis com a tese de um acidente nos anos 90, 91, 92 e 98 se baseia num repetido equívoco em que se julgou que o que se tinha observado correspondia ao que fora objecto de análise química.

Este facto é incontornável e fundamental, na medida em que toda a fundamentação do Ministério Público até 1995 se baseou neste relatório do RARDE.

A validação quantitativa das radiografias veio confirmar, com elevado grau de probabilidade, as afirmações feitas por vários peritos de radiologia adiante referidos.

Deve ainda sublinhar-se que sistematicamente se procurou desvalorizar os testemunhos do Dr. Saldanha Sanches, Prof. Aires de Sousa, Dr. Xavier de Brito c Prof. Crane, recorrendo a testemunhos de outros especialistas a quem erradamente se informou que as análises químicas só indicavam materiais correspondentes a ligas de alumínio, para além de alguns componentes estruturais (parafusos, etc.)

Esse facto é, por exemplo, comprovado pelas declarações do Prof. Gama Afonso, que se declara pronunciar pela «não deflagração em virtude dos elementos metalúrgicos e metalomecânicos e não radiográficos» (17p55).

A tese da existência exclusiva de ligas aeronáuticas (para além dos elementos estruturais reconhecíveis) e a negação de estilhaços de aço faz parte das conclusões repetidamente sustentadas pelo procurador da República e consta ainda do despacho do Tribunal de Loures de 1998 onde expressamente se diz sobre a amostra H:

Verificou-se que a sua microstrutura e composição eram idênticos à liga usada em aeronaves, fundida e solidificada. [13pl00.]

Face ao exposto no relatório n.°2 e ao anteriormente referido, podemos afirmar com elevado grau de probabilidade que fragmentos metálicos de um material que não é liga aeronáutica foram encontrados no material raspado no pé do piloto J. Albuquerque na exumação feita em 1982.

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2.2 — Proveniência dos fragmentos metálicos macroscópicos

2.2.1 — Fragmentos de arestas vivas. — A existência de partículas angulosas com toda a probabilidade constituídas por ferro (eventualmente aço com qualquer teor de carbono) situadas na parte inferior do corpo do piloto coloca quatro problemas:

a) A que profundidade se encontram cravadas nos pés;

b) Qual a sua proveniência;

c) Como foram produzidas;

d) Como chegaram ao contacto com o corpo do piloto (protegido com um sapato?).

a) A primeira questão foi já objecto de largas controvérsias pouco conclusivas, dada a inexistência de uma radiografia obtida num plano perpendicular ao da radiografia RXIII; não abordaremos portanto esta questão. Parece contudo inequívoco pelos documentos consultados que o material estaria no mínimo num plano subcutâneo, visto não ter sido observado externamente nem ter sido detectado nas análises da superfície da amostra feitas pelo LNETI (9).

b) Quanto à proveniência, parece lícito concluir-se que resultou da fragmentação de um pedaço de aço não pertencente ao aparelho, ou então de hidróxido de ferro de alguma estrutura da casa atingida na queda. O impacte da queda nunca teria podido fragmentar em pequenos pedaços um material como o aço, a menos que este estivesse já totalmente corroído na forma de hidróxido, vulgo ferrugem.

No caso de uma contaminação externa, parece pouco plausível que ela se localizasse num lugar particularmente protegido e que a presença desses eventuais pedaços de ferrugem apresentasse uma distribuição tão localizada; esta situação seria em nosso entender apenas compatível com uma ocorrência esporádica, como a do pedaço de tijolo que aparece referenciado no relatório do RARDE.

0 aço apenas entra na zona de fuselagem na constituição dos bancos de passageiros, nos cabos de comando das asas e no fabrico de componentes (parafusos, pinos e porcas).

Não tendo os bancos sofrido qualquer destruição significativa segundo os documentos consultados, resta-nos «O que diz respeito aos materiais do avião a hipótese dos cabos de aço.

Estes componentes multifiliares apresentariam, caso fragmentados, uma morfologia totalmente diferente da verificada no raio X, isto é, um pedaço cilíndrico do componente do cabo. Por exclusão teremos de considerar as partículas não pertencentes ao aparelho.

c) A remoção dos corpos foi feita com o recurso a machados e tesouras mecânicas (13p452).

Esles instrumentos de corte não produzem ümalhas como sucederia se tivessem sido utilizadas serras manuais ou discos de corte.

A explicação plausível para a forma de produção de esquírolas de aço é assim a existência de uma deflagração, ""necessariamente muito localizada, visto não haver ferimentos relevantes nos ocupantes do avião.

d) A quarta e última questão, como teriam os fragmentos metálicos penetrado (pouco ou muito) no pé do piloto, atravessando necessariamente um sapato, é compatível com.uma projecção a elevada velocidade, consistente com uma explosão a curta distância.

Em alternativa a penetração nos pés já depois da combustão do sapato voltaria a pôr a questão da existência de uma deflagração, agora de menor energia, após um lapso de tempo suficiente para a destruição do sapato.

Uma pequena deflagração de algum componente (lâmpada, circuito hidráulico ...) não seria contudo suficiente para fragmentar tão finamente o metal.

Em resumo, a existência de fragmentos metálicos não é compatível com a tese oficial do acidente, isto é, um choque amortecido seguido de incêndio.

2.2.2 — Fragmentos macroscópicos de forma arredondada. — Para além destas partículas de arestas vivas observam-se também manchas macroscópicas de forma arredondada com uma densidade muito menor do que as partículas angulosas já referidas. Os coeficientes de absorção calculados no nosso relatório n.° 2 apresentam valores compatíveis com os de uma liga aeronáutica da série 2000, sendo esse coeficiente cerca de cinco vezes inferior ao das partículas angulosas.

Estes pedaços de metal foram repetidamente encontrados não só nas exumações de 1982 como nas de 1995 e a sua composição química corresponde à do material que constitui a fuselagem do avião (5, 8 e 11).

A forma da liga de alumínio evidencia-se como manchas macroscópicas, corresponde à solidificação de pingos de metal fundido que caíram sobre fissuras abertas nos corpos pela elevada temperatura do incêndio. É indiciadora de temperaturas de pelo menos 510°C, pois a fusão incipiente da liga 2024 dá-se exactamente a esta temperatura (15).

Do ponto de vista metalográfico e de análise química pontual (EDS), estes pingos de alumínio apresentam caracteres totalmente distintos da chapa de liga de alumínio no seu estado original.

Os grãos cristalinos da chapa original apresentam um alongamento preferencial na direcção de laminagem. Esta estrutura é associada a um aumento dãs propriedades mecânicas, que em conjunto com um tratamento térmico adequado (geralmente T6) permite optimizar o desempenho do material.

O que podemos observar nas micrografias presentes no relatório do RARDE e se encontra descrito no relatório do LNETI é uma estrutura totalmente diferente, com grãos equiaxiais, isto é, sem alongamento preferencial numa direcção.

Podemos compreender bem este facto observando as micrografias representadas nas figuras representativas das amostras A e B (8p(3) na figura 8a do relatório do RARDE. Aqui se pode ver que a deformação plástica original resultante do trabalho de laminagem foi anulada, obtendo-se uma nova estrutura totalmente diferente dita recristalizada, em que ós vestígios da deformação desapareceram.

Deste facto, inequívoco para qualquer metalúrgico ou especialista em ciências dos materiais, resulta evidente que a pesquisa de qualquer deformação anterior ao aquecimento a alta temperatura é desprovida de sentido.

Ora da leitura dos relatórios do RARDE (8) correspondente à análise do. material recolhido no corpo do piloto em 1982 ou de grande parte dos 40 fragmentos encontrados nos três corpos exumados em 1995, presentes no relatório do FEL(11) resulta evidente que se continua a afirmar que nessas amostras não se encontram vestígios de assinatura de explosivos.

A «assinatura» referida traduz-se, para além de fenómenos superficiais (formação de pequenas crateras),

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no aparecimento de macias de deformação plástica (tweening).

O aquecimento a alta temperatura de uma liga metálica, com início de fusão, anula os vestígios dc deformação plástica, isto é, vai provocar fenómenos de recristalização ou eventualmente mesmo de liquação. Assim neste caso conclui-se que carece de qualquer sentido a pesquisa desses vestígios nos pedaços de metal parcialmente fundido.

Independentemente de eles terem ou não existido antes do incêndio, podemos afirmar com segurança que estas macias e vestígios de deformação terão sempre desaparecido depois do processo fusão/solidificação do metal.

Grande parte da zona do habitáculo foi destruída pelo incêndio, verificando-se em particular na frente do habitáculo uma grande destruição com o aparecimento de alumínio derretido conforme se relata no documento americano do NTSB (I3p553). No resumo de prova, no volume ii do despacho do Tribunal dc Loures a p. 544 pode ler-se: «O escorrer do alumínio derretido indica que a fuselagem se encontrava de nariz para baixo e invertida [...]»

Esclarecem os peritos ingleses Feraday e Todd: «Quanto ao fenómeno de pitting: 6 invulgar que os objectos projectados tenham pitting» (I3p615). Quer isto dizer que a presença de marcas de deformação nos pedaços de metal seria difícil de encontrar mesmo sem a existência posierior de um incêndio.

Se tivesse havido qualquer explosão, esta teria de ter um efeito muito localizado dada a ausência de ferimentos graves nas vítimas.

Tendo havido um incêndio que apagou qualquer marca de deformação no alumínio pelas razões já expostas, poderá então perguntar-se: qual o sentido de procurar nas amostras de alumínio os vestígios de uma explosão, ainda por cima necessariamente pequena?

Podemos assim concluir, com segurança, que outra das bases para a conclusão da inexistência de uma explosão — ausência de vestígios físicos nos melais recolhidos nos corpos ou na cabina do avião — carece de qualquer valor.

Nas circunstâncias verificadas procurar um acontecimento de probabilidade baixa (vestígios físicos em corpos projectados) originados por uma hipotética explosão de baixa potência em vestígios de metal parcialmente fundido é um perfeito contra-senso.

Já a posição assumida pelo LNETI (15) c perfeitamente aceitável: foram procuradas assinaturas de explosão nas amostras de aço, em particular num grampo de aço (amostra D) (5pl4) tendo sido identificadas as amostras A, B, excepto B-5, I e J como ligas dc alumínio no estado «tal qual solidificado».

De facto, sujeito a temperaturas da ordem dos 500°C--600°C apenas durante alguns minutos o aço conservaria as tais macias de deformação.

Todavia a presença de pedaços de alumínio nas superfícies dessas amostras de aço, referenciada pelo LNETI, é indicativa de que esses componentes se desprenderam da estrutura durante o incêndio, devido à cedência das estruturas de alumínio. Assim sendo, trata--se de elementos caídos após o incêndio e nunca projectados por qualquer explosão.

Verifica-se que a Procuradoria da República sustentou grande parte da sua argumentação nesta inexistência de vestígios físicos.

Podemos agora concluir que esta base de raciocínio é insustentável em face do anteriormente exposto, isto é,

grande parte do ambiente que rodeia os corpos, ou seja, a estrutura de alumínio da frente do cockpit, foi sujeita a temperaturas tão elevadas que necessariamente teriam apagado toda a história de deformação plástica anterior. Dizer que não se encontram aqui vestígios de tweening é, pois, uma redundância.

2.2.3 — Partículas microscópicas de forma arredondada. — A observação atenta de algumas radiografias com recurso a uma lupa mostra a existência de um ponteado de forma arredondada de muito pequena dimensão. Foi a este tipo de fragmentos que um radiologista (Prof. Gama Afonso) se referiu repetidamente como «poalha metálica» (17p85).

Estas partículas têm um significado muito particular, que será adiante discutido.

O alumínio fundido é um metal de elevada viscosidade. A formação superficial de alumina, isto é, Al20-$, torna particularmente elevada a tensão superficial. Para obtenção de peças por fundição é geralmente adicionado o Si em percentagens que podem atingir os 13 %, tendo o Si um efeito benéfico sobre a fluidez da liga.

No caso da liga 2024, destinada à obtenção de produtos laminados, a fluidez é baixa e a tensão superficial é alta.

Uma gota de liga totalmente fundida, a uma temperatura de 650°C superior à linha de liquidus (15p76), terá tendência em ocupar o menor volume possível por acção da tensão superficial. Ao chocar contra um obstáculo a gota metálica será deformada e eventualmente fragmentada. A elevada tensão superficial e viscosidade impedirão a sua fácil divisão em pequenas gotículas como sucede com outros líquidos, como por exemplo água.

Esta afirmação foi por nós verificada experimentalmente ao deixar cair alumínio líquido a 750°C e liga aeronáutica a 700°C, portanto totalmente fundidos, de uma altura de 2 m sobre uma superfície de papel e observando posteriormente a dimensão das gotículas formadas. Excepto no ponto de impacte, onde pequenos pedaços de metal ficam agarrados, verificou-se que as partículas mais pequenas tinham dimensões sempre superiores a 2 mm, normalmente 5 mm ou mais.

Se observarmos atentamente algumas das análises efectuadas pelo RARDE, representadas na tabela 2 do respectivo relatório, encontraremos concentrações muito elevadas para o cobre e para o ferro em várias zonas das amostras A. B e L, em que estes elementos apresentam valores que podem atingir os 45,9 % e 8,1 %, respectivamente, quando não deveriam ultrapassar os 4,9 % e 0,5 %, respectivamente.

Esta concentração de elementos residuais ou de liga é típica de um processo de fusão parcial e traduz-se normalmente numa acumulação destes elementos nas fronteiras de grão, fenómeno denominado liquação.

Na figura 8-A referente à amostra H podemos observar fenómeno idêntico, aqui patenteado peia morfo\og\a das fronteiras de grão.

O significado metalúrgico desies factos é que a temperatura atingida não foi suficiente para fundir totalmente a liga que se desmoronou por fusão incipiente e localizada nas fronteiras de grão (liquação), conforme se pode bem verificar na foto da amostra A (canto superior direito).

Podemos concluir face ao exposto que o metal da fuselagem (liga de alumínio) se foi desprendendo durante o incêndio antes de atingir um estado de fusão completa.

Ocorrendo o início de fusão incipiente desta liga aos 510°C e havendo ainda muito metal sólido aos 554°C

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(linha de solidas), podemos afirmar que as gotas de metal só parcialmente estavam fundidas quando caíram sobre os corpos. Para a gama de temperaturas indicada a fragmentação da liga em gotículas é extremamente difícil, exigindo uma elevada energia.

Da nossa experiência pessoal em trabalhos de investigação envolvendo a atomização de ligas aeronáuticas com atomizadores de água e dos ensaios agora efectuados, podemos afirmar que a produção de gotículas metálicas de muito pequena dimensão não seria possível com uma energia correspondente à da queda entre cotas inferiores a 1 m-2 m (espaço entre o tecto e os passageiros caídos).

Assim, a presença de gotículas microscópicas de metal só pode resultar de dois fenómenos: ou fusão associada a uma fonte de alta energia da chapa da fuselagem ou fragmentação prévia da mesma em pedaços sólidos minúsculos que posteriormente sujeitos a elevada temperatura fundiram, adquirindo formas arredondadas.

Estes vestígios encontram-se em várias radiografias observadas à lupa e foram objecto de alguma perplexidade por parte de alguns perjtos médicos, como já se referiu.

Na figura 9, referente à amostra H, e na figura 11 podemos observar gotículas de formas arredondadas que, por comparação com as barras de escala de 100 micras e 200 micras, podemos concluir serem de dimensões muito pequenas.

Estas minúsculas gotículas são em nosso entender a prova da existência de um processo de deflagração que projectou nos corpos, com elevada energia, pequeníssimos fragmentos de metal que ulteriormente fundiram devido ao incêndio.

A existência destes vestígios foi objecto do olhar experiente de um perito com larga experiência, na observação de vítimas de explosões, o Prof. Crane, que considerou que existiam fragmentos fundidos demasiado pequenos para serem simplesmente provenientes de um incêndio (13p597).

- Estamos assim, em nosso entender, em face de uma abundante e bem caracterizada prova material da existência de uma deflagração antes do incêndio, documentada a nível radiográfico e de microscopia electrónica de varrimento.

3 — Outros vestígios radiológicos e perda da informação química devido ao tratamento não adequado das amostras

Na exumação dos corpos feita em 1995 procedeu-se ao exame radiológico detalhado das vítimas.

Foram detectados numerosos pedaços de material radiopaco que foram devidamente assinalados e depois recolhidos para análise.

As amostras foram enviadas para o laboratório inglês do FEL (sucessor do RARDE), e aqui novamente a pesquisa foi orientada no sentido de possível identificação de assinatura física de uma explosão.

Conforme se pode ler no relatório (FEL, p. 2), a acção de dissolução dos resíduos orgânicos que envolviam o material biológico «also cleaned any metallic fragments çontained therein sufficienüy to allow their examination and analysis by SEM coupled to an X-ray eriergy analyser (EDAX). However this solvent treatment negated any possibility of carrying oüt any form of chemical analysis for explosions residus upon lhe recovered fragments and hence none was attemped [...]

In some instances after the removal of the biological materiais did not reveal any metallic fragments at their centre [...J

Thus the examination were limited to SEM microscopic examination for symptons irtdicative of an explosive event».

Do cruzamento dos relatórios da autópsia (Vilaça Ramos, Luís Aires Sousa, Gama Afonso) com os resultados do FEL verificase que as amostras A9, AIO e Ai2 identificadas por quatro especialistas em radiologia e medicina legal como contendo corpos opacos foram' considerados como matéria orgânica.

A confusão entre matéria orgânica e material de número atómico feita por quatro especialistas não é possível, tanto mais que foi feita a posterior verificação da remoção dessas amostras através de nova radiografia do respectivo recipiente de transporte.

Pode concluir-se facilmente que haveria vestígios de elevado número atómico que se desagregaram durante a operação de limpeza.

Ora esses vestígios poderiam proporcionar informações muito relevantes para orientar a investigação num sentido diferente das duas únicas alternativas à hipótese de acidente proposta pela investigação: bomba de alto poder ou bomba incendiária.

Vejamos como poderiam ter sido encaradas outras alternativas igualmente eficazes para a destruição de um pequeno avião.

3.1 — Armas e dispositivos de guerra

Da consulta do índice do manual da NATO FM 8-285 encontramos os seguintes capítulos:

Capítulo II, «Agentes sobre os nervos»;

Capítulo III, «Agentes incapacitantes»;

Capítulo IV, «Agentes vesicantes»;

Capítulo V, «Agentes de choque (produzindo danos

nos pulmões)»; Capítulo VI, «Agentes sobre o sangue»; Capítulo VII, «Agentes irritatívos e indutores do

vómito»; Capítulo VLH, «Fumos»; Capítulo IX, «Agentes incendiários»; Capítulo X, «Agentes tóxicos».

Em cada capítulo são descritos os produtos utilizados para obter cada efeito e as consequências nefastas do seu uso. Como se poderá facilmente perceber, muitos destes dispositivos ou produtos militares podem originar em muito pouco tempo a perda das faculdades de um piloto, com consequências quase certamente falais se tal ocorrer num momento crítico do voo como é uma operação de descolagem.

Podemos verificar que para a produção de fumos são utilizados produtos contendo fósforo, óxido de tinco e muitas veies tetracloreto de titânio associados a materiais orgânicos, tais como óleos especiais, gasóleo, borracha, etc.

Artesanalmente uma bomba de fumo pode ser eficazmente construída com açúcar, serrim e outros produtos de fácil obtenção.

No referido manual pode ler-se que uma alta concentração de fumo num. ambiente fechado é extremamente perigosa, podendo ser fatal.

Podemos ainda verificar que o tetracloreto de titânio, produtor de um denso fumo branco, pode ser dispersado

" por um avião ou utilizando um explosivo.

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Da consulta de qualquer brochura elementar sobre explosivos podemos verificar que há explosivos de baixa velocidade tal como a pólvora de caça (contendo nitrocelulose) em que a velocidade não ultrapassa os 400 m/s. Velocidades muito superiores de deflagração, podendo atingir os 8500 m/s. podem ser encontradas nos altos explosivos tais como TNT, RDX C4, etc.

Enquanto materiais como a pólvora de caça servem de propulsores, os explosivos de alta velocidade provocam a

fragmentação dos materiais. É a estes últimos que estão

associadas as tais assinaturas de tweening e pitting.

Do exposto resulta que toda a investigação foi localizada apenas numa pequeníssima parte das hipóteses existentes para de maneira relativamente eficaz e discreta originar um «acidente» com uma pequena aeronave.

Voltando à informação perdida, resultado da diligente pesquisa pelo RARDE e pelo FEL de uma das dezenas de hipóteses possíveis, verificamos que, para elucidar as hipóteses anteriores, nomeadamente a do uso de um engenho fumígeno, seria muito mais relevante a informação química do que a informação física. No entanto, a primeira foi sacrificada em favor da segunda, nomeadamente no tratamento analítico das amostras recolhidas em 1995.

Definamos um modelo de hipótese e testemos a sua validade face aos vestígios materiais e testemunhais conhecidos e sumariados no n.° I.

Se tivesse sido utilizado um agente fumígeno, este deveria ter sido associado a um pequeno engenho explosivo que garantisse uma dispersão muito rápida do produto. Só assim se poderia garantir que a tripulação não conseguiria eliminar a sua fonte.

Neste quadro o recurso a engenhos artesanais mecanicamente accionados pode ser facilmenie conseguido com um vulgar cartucho de caça.

Uma associação, por exemplo, de um detonador de mola, um cartucho de caça, uma granada defensiva e de uma embalagem fumígena que resultados produziria dentro de uma cabina de um avião?

A nível de vestígios físicos, quase nada, dados os reduzidos traços resultantes da detonação da nitrocelulose. Seria de esperar a produção de pequenos fragmentos de aço da granada, com efeitos punctiformes e o eventual alojamento dos produtos utilizados em conjunto com alguns fragmentos da aeronave.

Algum chumbo poderia atingir as vítimas, e no caso de um incêndio esse chumbo ficaria fundido no meio dos tecidos, sendo inevitavelmente removido se fosse utilizada a metodologia seguida pelo FEL.

Vestígios de titânio e fósforo poderiam permanecer em pequenas quantidades, se bem que o fósforo após um incêndio seria facilmente consumido, restando na forma de óxido.

O chumbo ou o titânio associados a algum alumínio poderiam justificar grandes densidades dos corpos estranhos nalguma parte do espaço envolvente, mas pouco mais.

Estamos portanto com um quadro de vestígios necessariamente escassos, tanto mais que seriam mascarados fortemente após um incêndio. No entanto, apesar de métodos de investigação utilizados, ainda assim conseguimos identificar indícios importantes que validam a hipótese anterior.

3.2 — Alguns vestígios que apontam para hipóteses alternativas à de uma bomba

Em primeiro lugar, as finas partículas de liga de alumínio de dimensões microscópicas profusamente espalhadas nos pés e pernas do piloto para as quais a única explicação plausível é uma explosão.

Em segundo lugar, a existência de partículas de elevado número atómico, que, como demonstrámos no relatório n.°2, são compatíveis com a classificação do aço.

A espiral de fragmentação de uma granada defensiva

não deverá afastar-se, segundo cremos, do quadro dos pequenos fragmentos observados, nomeadamente na radiografia RXIII.

Em terceiro lugar o espectro n.c 13 do relatório do RARDE, correspondente à amostra M obtida pela raspagem do calcanhar do piloto feita por E. Newton.

No espectro de EDS podemos muito claramente observar três picos correspondentes ao chumbo e um pico correspondente ao Ti sem qualquer associação ao alumínio, notando-se ainda a presença de cálcio (usado na inumação em urna fechada).

Este espectro está legendado como matéria orgânica, o que significa provavelmente que os elementos Pb e Ti estarão dispersos no tecido, tal como previsivelmente aconteceria nas condições anteriormente aventadas.

Para além disto, encontrámos imagens extraordinariamente radiopacas na axila de A. A. C, que parecem não corresponder a liga aeronáutica, mas poderiam ser projecções de chumbo (posteriormente fundido e disperso), ou de titânio arrastado pelos gases de uma deflagração localizada (blast).

A presença de três pequenos fragmentos circunscritos no raio X das vísceras de Sá Carneiro foi associada a projécteis (chumbos) de caça no relatório de John Mason e Jack Crane de Outubro de 1995. Estes chumbos, profundamente alojados no corpo do PM, não poderiam fundir, como sucederia se se encontrassem superficialmente, mas seriam coerentes com a elevada radiodensidade verificada no braço de A. A. Costa e com a análise de chumbo feita pelo RARDE.

Na hipótese que parece subjacente à pouca importância atribuída à presença de projécteis de caça nas vísceras de Sá Carneiro, isto é, a eventualidade de o PM ter comido caça eter engolido três chumbos, pergunta-se: seria provável que após um processo digestivo esses chumbos se situassem ainda próximos uns dos outros no «espaço circunscrito» referido no relatório?

Continuando a seguir esta hipótese, poderíamos eventualmente encontrar um vestígio residual dos explosivos usados, isto é, de algo correlacionável com uma munição de caça e de algo correlacionável com um dispositivo militar.

Tudo isto, apesar do tempo e da existência de um incêndio, foi encontrado!

Podemos verificar que foram efectuadas análises em Portugal (13pl05, 13pl08), posteriormente confirmadas com outras feitas no Reino Unido, onde na amostra 7 foram encontrados vestígios de nitrocelulose (compatível com uma munição de caça), TNT, RDX e DNT (compatíveis com explosivos militares).

Note-se que esta amostra não permaneceu solidária com a fuselagem, visto estar recolhida num caixote.

Trata-se de uma peça estrutural de alumínio situada no tecto do aparelho junto ao lugar onde viaja A. A. Costa.

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Foi ainda encontrado vestígio de sulfato de bário, outro componente associável a explosivos militares.

3.3 — Efeitos possíveis da acção de um agente fumígeno disperso por acção de uma pequena carga explosiva

0 choque provocado nos pés do piloto pelos fragmentos

metálicos aí encontrados, bem como eventuais ferimentos na cara sugeridos pelos relatórios da autópsia e pela observação da radiografia da cabeça do piloto, provocariam decerto um estado doloroso intenso pouco compatível com as manobras de pilotagem.

A eventual deflagração deverá ter ocorrido de baixo para cima, visto que os vestígios são mais abundantes nos pés. Por acção da força do impacte o piloto poderia ter sofrido uma concussão, como se assinala no relatório Mason (13p562). A situação é compatível com a hemorragia craniana assinalada [hemorragia epidural (13p561)J, que originaria uma rápida perda da capacidade de pilotagem.

A invasão instantânea da cabina por fitmo, associada aos gases da explosão, tornaria a atmosfera irrespirável em poucos segundos. O consumo rápido do oxigénio resultante da fina divisão dos componentes de um engenho fumígeno tomam-no altamente perigoso como refere o manual da NATO.

A produção rápida de monóxido de carbono origina para concentrações da ordem de 10 % no ar e a morte em cerca de um minuto (18).

Neste quadro o piloto poderá ter perdido mais rapidamente a consciência do que os restantes passageiros, o que é concordante com a mais baixa taxa de carboxi--hemoglobina (40 %) contra os 52 %-62 % das restantes vítimas.

4 — Reconstituição dos acontecimentos

O piloto tenta arrancar o motor esquerdo, sem êxito. O motor está ligado através da válvula situada no chão, junto do seu assento, ao depósito do lado direito, quase completamente cheio.

O piloto opta. por esta configuração de "abastecimento por dois motivos: o indicador do depósito esquerdo apresenta alguma anomalia (entre metade e a posição de cheio) e no dia anterior este depósito foi só parcialmente cheio na viagem de regresso.

Para equilíbrio da aeronave é necessário consumir primeiro o combustível do lado direito.

Após uma prolongada demora o avião descola.

No momento em que recolhe o trem de aterragem dá--se a deflagração de um pequeno engenho explosivo, situado algures na frente, na parte debaixo do cockpit.

f\ caouva. é inundada por -fumo e o circuito de transferência da gasolina do lado direito para o esquerdo é atingido, incendiando-se. Através de um pequeno rombo resultante da explosão, ou através de um vidro partido, alguns materiais queimados começam a cair, a cerca de 50 m do fim da pista.

O piloto ferido, nos pés e na cara, possivelmente também numa vista, tenta manter o comando do aparelho. Para tentar evitar a propagação do incêndio o piloto ou o co-piloto fecham o acesso da gasolina, rodando a torneira para a posição de off. Só assim será possível evitar a continuação do derrame do combustível que atravessa a cabina aspirado pe)o motor esquerdo.

Este continua a trabalhar até esgotar totalmente o combustível começando a falhar ruidosamente. Para

compensar a perda de potência o piloto acelera ao máximo

o motor direito.

Neste momento, o avião começa a ser travado a bombordo pela acção da hélice que não está embandeirada.

Vítima do choque e do fumo o piloto fica inconsciente, deixa de respirar de forma ansiosa, inalando menos CO, e acabará por falecer devido ao calor com um índice muito mais baixo de carboxi-hemoglobina.

Os passageiros, em pânico, tentam respirar o ar saturado de monóxido de carbono, enquanto o co-piloto tenta compensar o aparelho.

Este despenha-se, embatendo sucessivamente em vários obstáculos.

Quando se imobiliza, a cabina está cheia de fumo, o aparelho está invertido e com a cauda virada para o ar.

Os passageiros, profundamente intoxicados com o monóxido de carbono, nem sequer conseguem gritar. O foco de incêndio alastra agora a partir do cockpit.

Entretanto, a gasolina do motor esquerdo escorre pelo exterior do telhado da vivenda, esgotando inclusive os últimos litros, que nunca poderiam ser bombeados, visto habitualmente conterem água de condensação.

Os bombeiros apagam o incêndio. Os bombeiros removem a asa esquerda ainda a pingar gasolina e des-positam-na no chão.

0 relatório oficial é simples: acidente por falta de gasolina no motor esquerdo.

5 — Bibliografia

1 — Despacho do Tribunal de Instrução Criminal da Comarca de Loures assinado pelo Procurador da República Boaventura Marques da Costa em 8 de Maio de 1990.

2 —Processo n.° 1020/90 do 3." Juízo de Instrução Criminal do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa assinado pelo Procurador da República Boaventura Marques da Costa em 11 de Outubro de 1991.

3 — O despacho do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, processo n.° 1020/90 do 3.° Juízo assinado pelo juiz Fernando Vaz Ventura em 20 de Janeiro de 1992.

4 — Relatório final da Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar ao Acidente de Camarate, Diário da Assembleia da República. 2° série-B, n.° 34, de 16 de Junho de 1995.

5 — Relatório do Laboratório Nacional de Engenharia e Tecnologia Industrial, M. Helena Carvalho, H. Carvalhinhos e A. d'01iveira Sampaio de 23 de Dezembro de 1982.

6 — Relatório sobre o acidente de avião Cessna 421, YV-314P, Eric Newton RTP, Dezembro de 1982.

7 — Relatório dos novos exames efectuados nos restos mortais de Alfredo de Sousa e Jorge M. M. Albuquerque, Instituto de Medicina Legal de Lisboa, Prof. Doutor José M. G. Vieira, José Gama Afonso, Francisco M. M. Costa Santos.

8 — Report of the examination of samples and trials in connection with the loss of Cessna 421-A, RARDE, November 1989.

9 — Relatório de exames médicos legais feitos a pedido do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, John K. Mason, Jack Crane, 28 de Outubro de 1995.

10 — Relatórios dos exames periciais realizados nos cadáveres de Jorge Albuquerque, Adelino Amaro da Costa e Francisco M. L. de Sá Carneiro, Prof. Vilaça Ramos, Luís Aires de Sousa, Prof. José R. F. F. da Gama Afonso, Francisco M. M. da Costa Santos, 21 de Outubro de 1985.

11 — Report on the examination of lhe post-mortem

samples arising from some victims of the crash of a Cessna aircraft in Lisbon on 4th Dec, 10 May 1995.

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12 —Radiografias RI, RVIII, RXI, RXH, RXIII de J. Albuquerque e braço esquerdo de Adelino A. Costa.

13 — Despacho do juiz do Tribunal de Loures, livro i e livro li, juíza Maria Margarida Ramos de Almeida, Abril de 1998.

14 —Manual NATO FM8-285.

15 — Metals Handbook, 11, ASM, Nova Iorque.

16 — Coeficiente de absorção linear, programa PHOTCOEF, Internet.

17—Transcrição de cassettes vídeo relativas a diligências realizadas no Hospital de Santa Maria e Polícia Judiciária, 9-10 de Agosto de 1995.

18 — Carbon Monoxide Poisoning, «Carbon Monoxide

Concentrations»: Table, author: Thomas H. Greiner, Extension Agricultural Engineer, Departament of Agricultura! and Biosystems Engineering, Iowa State University. August, 1997.

Conclusões

1 — A medição da densidade dos corpos estranhos observáveis na radiografia dos pés do piloto J. Albuquerque permitiu distinguir duas classes de materiais: uma compatível com coeficiente de absorção do óxido de ferro pelos raios X, 50 Kv, e outra compatível com o coeficiente de absorção da liga aeronáutica 2024. Estes resultados reforçam a posição dos peritos médicos Drs. Saldanha Sanches, Xavier de Brito e Aires de Sousa.

2 — A correlação entre as ilações tiradas por médicos radiologistas e as análises químicas feitas por EDS pelo RARDE na amostra H não é possível, visto que as partículas, objecto de apreciação médica, são macroscópicas, enquanto as partículas analisadas quimicamente são microscópicas. A prevalência da informação analítica sobre a radiológica, como sempre pretendeu o procurador da República, é neste caso insustentável.

3 — Na generalidade dos constituintes da liga aeronáutica que tombaram sobre os corpos, bem como nos componentes de alumínio da frente do cockpit, não seria possível encontrar vestígios de deformação plástica anterior, nomeadamente fenómenos de maclagem (piiting). em virtude da recristalização ou mesmo fusão incipiente (liquação) desses materiais.

Assim, o argumento de que não foram encontrados vestígios físicos de explosão é inaplicável à grande parte dos materiais metálicos do cockpit, visto que se alguma vez tivessem existido teriam obrigatoriamente desaparecido durante o incêndio.

4 — Não se encontrou nenhuma explicação plausível para o aparecimento de fragmentos metálicos, provavelmente de aço, nos pés do piloto a não ser no caso de ter havido uma deflagração localizada.

5 — O aparecimento de numerosas partículas da liga de alumínio microscópicas, referenciadas pelo Dr. Gama Afonso e identificadas por observação SEM efectuada pelo RARDE, é incompatível com a elevada viscosidade e tensão superficial da liga aeronáutica fundida e com a baixa energia potencial disponível no caso de desmoronamento do cockpit após a sua imobilização.

6 — Ensaios efectuados no Departamento de Metalurgia da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto demonstraram que a formação de vestígios metálicos microscópicos apenas pode ocorrer de forma circunscrita no local de impacte da gota, se houver contacto com uma superfície que origine a formação de um ressalto dessa gota.

7 — À luz da ciência dos materiais, não se encontram explicações para os diferentes fenómenos observados, dos quais restaram provas materiais, a não ser admitindo ter--se verificado uma deflagração localizada, eventualmente de baixa potência, na proximidade do lugar do piloto.

8 — Os alegados fundamentos para a rejeição da hipótese de uma causa não acidental da queda do avião Cessna em 4 de Dezembro de 1980 revelaram-se incoerentes e cientificamente insustentáveis.

Porto e FEUP, 15 de Junho de 1999.— José Cavalheiro, professor associado.

Parecer

Os fenómenos de liquação (fusão parcial) e ressolidificação de materiais metálicos podem originar uma desagregação do material e removem os vestígios anteriores de deformação plástica, tais como maclagem (twinning) e estruturas de deslocações.

A forma de gotas de material resultante deste processo de fusão pode também modificar toda a estrutura superficial do material.

Uma amostra fundida e ressolidificada (molten and resolidified) apresenta uma estrutura de solidificação nova que substitui completamente a estrutura anterior ao processo de fusão.

Porto e FEUP, 14 de Junho de 1999. — Manuel F. G. Vieira, professor auxiliar.

RINAVE

Assunto: Análise densitométrica.

Prof. Cavalheiro:

Em relação a relatório n.° 2, versando sobre análise densitométrica de corpos estranhos identificados em radiografias a corpo exumado, e correlação com materiais de origem metálica, é minha opinião que o raciocínio

elaborado é coerente.

Em radiografia industrial a análise de contraste (diferença de densidades fotográficas) é usada para distinguir e caracterizar materiais não metálicos c metálicos entre si, tais como inclusões gasosas, inclusões de óxidos ou escórias (não metais), inclusões metálicas mais ou menos densas (de número atómico significativamente diferente) e o material de base, que pode ser metálico ou não.

Cumprimentos.

O Director, Acácio Lima.

RELATÓRIO SÍNTESE

Análise das provas materiais e reconstituição das possíveis causas de queda de um avião em Camarate em Dezembro de 1980.

SUMÁRIO

I — Medições radiográficas e aplicação de conceitos de ciência dos materiais ao estudo dos elementos de prova p/oài/zidos na investigação das causas de queda.

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2— Outros vestígios radiológicos e perda da informação química devido ao tratamento não adequado das amostras. Hipóteses alternativas suscitadas pelos vestígios materiais.

3 — Conclusões.

Bibliografía.

Introdução

A base material utilizada na elaboração deste relatório encontra-se nos documentos consultados, devidamente

numerados, referidos na bibliografia, e resulta também de

alguns ensaios realizados para comprovação de algumas

hipóteses.

Alguns aspectos de pormenor poderão vir a ser completados não só pelo estudo de algumas peças do processo que não houve oportunidade de consultar, bem como da realização de uma observação dos destroços e medições complementares das radiografias actualmente existentes.

O relacionamento no texto dos factos com as fontes bibliográficas foi feito com base no seguinte critério: factos repetidamente testemunhados e referidos de forma concordante ao longo dos vários documentos são citados sem referência; elementos específicos, tais como resultados analíticos, opiniões de técnicos ou depoimentos de testemunhas, são referenciados com a indicação do número do documento seguido da página onde a informação se encontra, como por exemplo, 10p3, que se encontraria no documento n.° 10. referido na bibliografia e na página 5.

Quando os originais são em inglês, preferiu-se remeter para o documento nesta língua, em detrimento da respectiva tradução, sem que com isto se ponha em causa a qualidade dessa tradução.

A medição densitométrica por nós efectuada no Tribunal da Relação de Lisboa em Março de 1999 e o cálculo dos coeficientes de absorção linear da radiação X de corpos estranhos encontrados nos corpos exumados permitiu a distribuição por classes das partículas observadas. Esses resultados, e o acesso ao relatório do RARDE e do LNETI, documentos n.os 8 e 5, respectivamente, permitiram encontrar e fundamentar algumas conclusões essenciais que

se encontram no relatório n.° 2.

Finalmente o acesso à restante documentação referida no capítulo 4 permitiu não só demonstrar todos os erros técnicos que permitiram a substituição das teses oficiais como esboçar um quadro geral para a explicação da queda do aparelho.

1 — Aplicação de conceitos de ciência dos materiais ao estudo dos elementos de prova produzidos na Investigação das causas de queda.

1.1 — Correlação entre radiografias e análise química

A radiografia dos pés do piloto (RXTJJ.) exibe fragmentos de densidade elevada com dois tipos de morfologia: formas irregulares, com arestas vivas (AV), e formas arredondadas de contorno mais difuso (R). A densidade radiológica do grupo AV é superior ao grupo R.

Considerando a secção média de partículas aleatoriamente distribuídas como não sendo superior à máxima dimensão determinada no plano da radiografia e inferior à sua menor dimensão, foi possível calcular por densitometria (v. relatório n.° 2 em anexo), que as referidas partículas pertencem a dois grupos quimicamente distintos: ^^lífttoÁasfc. apresentam intervalo para o coeficiente de absorção compatível com o valor calculado para a liga de alumínio ou com uma liga leve e as partículas

angulosas AV, com um valor muito mais elevado, situam--se num intervalo compatível com a presença de óxido de

ferro ou de elementos metálicos de número atómico

próximos dos do ferro.

A forma como tal foi determinado encontra-se detalhadamente descrita no relatório n.°2 e foi considerada como coerente por peritos da área da radiologia industrial e controlo de qualidade (v. parecer da RINAVE em anexo).

Estes resultados, isto é, a existência de duas classes distintas de materiais metálicos de número atómico diferente, encontram-se em concordância com os resultados apresentados no relatório do RARDE (8).

Para além de alguns componentes estruturais em aço, com formas reconhecíveis, foram identificadas na-amostra H obtida por raspagem do calcáneo do piloto partículas de muito pequena dimensão.

Dessas partículas, num total de I2, 4 foram identificadas como sendo provavelmente fragmentos corridos de aço ao carbono de baixa liga (mild steel) (8pq), sendo 8 de liga de alumínio.

Nõte-se que o sistema de análise por dispersão de energia utilizado pelo RARDE não poderá detectar a presença do carbono essencial para distinguir um aço mais macio e dúctil de um aço mais duro eventualmente mais frágil.

É importante sublinhar que embora haja concordância com os resultados da avaliação densitométrica das radiografias por nós efectuada e os resultados do RARDE, a verdade é que as partículas submetidas a análise química, de dimensão microscópica com 100 mieras a 200 mieras, ou seja, um ou dois décimos de milímetro, não correspondem às observadas à vista desarmada nas radiografias. Com efeito, as partículas medidas têm dimensões superiores a 1 mm, frequentemente alguns milímetros.

Verifica-se assim que a análise do RARDE diz respeito a partículas com dimensões que podem ser 100 vezes inferiores às observadas e avaliadas pelos médicos já referidos.

Não seria portanto possível, apenas com base nestas análises, contraditar ou confirmar as afirmações feitas por vários médicos radiologistas que observaram a imagem RXIII dos pés do piloto e desde logo concluíram que as partículas angulosas eram de material diferente das maiores arredondadas e deveriam ser de material que não correspondia à liga aeronáutica.

A diferença de tamanho das partículas descritas nas radiografias e as analisadas quimicamente elimina liminarmente, sem qualquer margem de dúvida, os fundamentos apresentados nos despachos dos Tribunais de Lisboa e Loures (1, 2, 3 e 13). Por exemplo o Tribunal de Loures conclui sobre esta matéria:

[...] segundo lugar, as imagens radiográficas dos fragmentos dos pés do piloto de modo nenhum podem pôr em causa a conclusão pericialmente estabelecida, por meios técnico-analíticos mais rigorosos e conclusivos do que simples radiografias, e que tais fragmentos não apresentavam características típicas sugestivas- de explosivos.

E mais adiante:

[...] é que elas são inteiramente coincidentes com os resultados a que o LNETI e Newton haviam . chegado, isto é, [...]

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Os resultados referentes a todas as amostras acima referidas não puseram em evidencia quaisquer sinais associados com exposição a explosão. Esta conclusão baseia-se nos resultados obtidos em muitas investigações anteriores e em experiências feitas no RARDE (fls. 3101, V).

No que em especial respeita à amostra H, confirmou-se que a mesma continha pequenos fragmentos metálicos de composição idêntica à dá liga usada em aeronaves (fls. 3096 e 3100 do relatório do RARDE) — o que corrobora a análise feita pelo LNETI, dissipando dúvidas que ainda houvesse quanto a um eventual extravio da dita amostra, visto que Pla revelou-se precisamente igual nas duas análises laboratoriais, a do LNETI e a do RARDE

Em face da categórica convergência das duas perícias efectuadas às amostras recolhidas do corpo do piloto. Jorge Albuquerque e do sentido amplamente convergente dos vários pareceres obtidos acerca da interpretação das imagens radiográficas, é, pois, possível estabelecer com toda a segurança que as conclusões do relatório do médico radiologista Dr. Jorge Saldanha se mostram infundadas na parte em que atribuem — ainda que em mera «convicção» — a sua origem «ao rebentamento nas proximidades (dos pés do piloto) de um engenho térmico de fraco teor fracturante» (fl. 2472).

Assim se verifica que uma das pedras angulares da rejeição da hipótese da existência de vestígios de materiais incompatíveis com a tese de um acidente nos anos 90, 91, 92 e 98 se baseia num repetido equívoco em que se julgou que o que se tinha observado correspondia ao que fora objecto de análise química.

Este facto é incontornável e fundamental, na medida em que toda a fundamentação do Ministério Público até 1995 se baseou neste relatório do RARDE.

A validação quantitativa das radiografias veio confirmar, com elevado grau de probabilidade, as afirmações feitas por vários peritos de radiologia adiante referidos.

Deve ainda sublinhar-se que sistematicamente se procurou desvalorizar os testemunhos do Dr. Saldanha Sanches, Prof. Aires de Sousa, Dr. Xavier de Brito e Prof. Crane, recorrendo a testemunhos de outros especialistas a quem erradamente se informou que as análises químicas só indicavam materiais correspondentes a ligas de alumínio, para além de alguns componentes estruturais (parafusos, etc).

Esse facto é, por exemplo, comprovado pelas declarações do' Prof. Gama Afonso, que se declara pronunciar pela «não deflagração em virtude dos elementos metalúrgicos e metalomecânicos e não radiográficos» (17p55).

A tese da existência exclusiva de ligas aeronáuticas (para além dos elementos estruturais reconhecíveis) e a negação de estilhaços de aço faz parte das conclusões repetidamente sustentados pelo procurador da República e consta ainda do despacho do Tribunal de Loures de 1998 onde expressamente se diz sobre a amostra H:

Verificou-se que a sua microstrutura e composição eram idênticos à liga usada em aeronaves, fundida e solidificada. [13pl00.]

Face ao exposto no relatório n.° 2 e ao anteriormente referido, podemos afirmar com elevado grau de probabilidade que fragmentos metálicos de um material que não é liga aeronáutica foram encontrados nos fragmentos raspados do pé do piloto J. Albuquerque na exumação feita em 1982.

1.2 — Proveniência dos fragmentos metálicos macroscópicos

1.2.1 — Fragmentos de arestas vivas. — A existência de partículas angulosas com toda a probabilidade constituídas por ferro (eventualmente aço com qualquer teor de carbono) situadas na parte inferior do corpo do piloto coloca quatro problemas:

a) A que profundidade se encontram cravadas nos pés;

b) Qual a sua proveniência;

c) Como foram produzidas;

d) Como chegaram ao contacto com o corpo do piloto (protegido com um sapato?).

a) A primeira questão, foi já objecto de largas controvérsias pouco conclusivas, dada a inexistência de uma radiografia obtida num plano perpendicular ao da radiografia RXIII; não abordaremos portanto esta questão. Parece contudo inequívoco pelos documentos consultados que o material estaria no mínimo num plano subcutâneo, visto não ter sido observado externamente nem ter sido detectado nas análises da superfície da amostra feitas pelo LNETI (9).

b) Quanto à proveniência, parece lícito concluir-se que resultou da fragmentação de um pedaço de aço não pertencente ao aparelho, ou então de hidróxido de ferro de alguma estrutura da casa atingida na queda. O impacte da queda nunca teria podido fragmentar em pequenos pedaços um material como o aço, a menos que este estivesse já totalmente corroído na forma de hidróxido, vulgo ferrugem.

No caso de uma contaminação externa devida à fragmentação de metal corroído parece pouco plausível que ela se localizasse num lugar particularmente protegido como é a base dos pés, e que a presença desses eventuais pedaços de ferrugem apresentasse uma distribuição tão localizada; esta situação seria em nosso entender apenas compatível com uma ocorrência esporádica, como a do pedaço de tijolo que aparece referenciado no relatório do RARDE.

O aço apenas entra na zona de fuselagem na constituição dos bancos de passageiros, nos cabos de comando das asas e no fabrico de componentes (parafusos, pinos e porcas).

Não tendo os bancos sofrido qualquer destruição significativa segundo os documentos consultados, resta-nos no que diz respeito aos materiais do avião a hipótese dos cabos de aço.

Estes componentes multifiliares apresentariam, caso fragmentados, uma morfologia totalmente diferente da verificada no raio X, isto é, um pedaço cilíndrico do componente do cabo. Por exclusão teremos de considerar as partículas não pertencentes ao aparelho.

c) A remoção dos corpos fpj feila com o recurso 3 machados e tesouras mecânicas (13p452).

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Estes instrumentos de corte não produzem timalhas como sucederia se tivessem sido utilizadas serras manuais ou discos de corte.

A explicação plausível para a forma de produção de esquírolas de aço é assim a existência de uma deflagração, necessariamente muito localizada, visto não haver ferimentos relevantes nos ocupantes do avião.

d) A quarta e última questão, como teriam os fragmentos metálicos penetrado (pouco ou muito) no pé do piloto, atravessando necessariamente um sapato, é compatível com uma projecção a elevada velocidade, consistente com uma explosão a curta distância.

A sua distribuição é também muito significativa: encontram-se na zona do calcanhar e na extremidade dos dedos, estando ausentes da zona central de ambos os pés. Na hipótese dos pés estarem pousados sobre os pedais, haveria da parte destes um efeito de ecrã de protecção que evitaria a penetração das partículas justamente onde elas não existem.

Em alternativa a esta hipótese, ou seja a penetração nos pés já depois da combustão do sapato voltaria a pôr a questão da existência de uma deflagração, agora de menor energia, após um lapso de tempo suficiente para a destruição do sapato.

Uma pequena deflagração de algum componente (lâmpada, circuito hidráulico ...) não seria contudo suficiente para fragmentar tão finamente o metal.

Em resumo, a existência de fragmentos metálicos, a sua natureza e localização não são compatíveis com a tese oficial do acidente, isto é, um choque amortecido seguido de incêndio. A única explicação que se afigura plausível é a da existência de uma deflagração que fragmentou e projectou as partículas ferrosas. Esta explicação vai também coincidir com a forma, dimensão, distribuição de fragmentos de liga de alumínio, que adiante será analisada.

1.2.2 — Fragmentos macroscópicos de forma arredondada. — Para além destas partículas de arestas vivas observam-se também manchas macroscópicas de forma arredondada com uma densidade muito menor do que as partículas angulosas já referidas. Os coeficientes de absorção calculados no nosso relatório n.° 2 apresentam valores compatíveis com os de uma liga aeronáutica da série 2000, sendo esse coeficiente cerca de cinco vezes inferior ao das partículas angulosas.

Estes pedaços de metal foram repetidamente encontrados não só nas exumações de 1982 como nas de 1995 e a sua composição química corresponde à do material que constitui a fuselagem do avião (5, 8 e 11). •

A forma da liga de alumínio evidencia-se como manchas macroscópicas, corresponde à solidificação de pingos de metal fundido que caíram sobre fissuras abertas nos corpos pela elevada temperatura' do incêndio. E indiciadora de temperaturas de pelo menos 510°C, pois a fusão incipiente da liga 2024 dá-se exactamente a esta temperatura (15). .

Do ponto de vista metalográfico e de análise química -pontual (EDS), estes pingos de alumínio apresentam caracteres totalmente distintos da chapa de liga de alumínio no seu estado original.

Os fctãs» cristalinos da chapa original apresentam um alongamento preferencial na direcção de laminagem. Esta estrutura é associada a um aumento das propriedades mecânicas, que em conjunto com um tratamento térmico adequado (geralmente T6) permite optimizar o desempenho Âo material.

O que pudemos observar nas micrografias presentes no relatório do RARDE e se encontra descrito no relatório do LNETI é uma estrutura totalmente diferente, com grãos equiaxiais, isto é, sem alongamento preferencial numa direcção.

Podemos compreender bem este facio observando as micrografias representadas nas figuras representativas das amostras A e B (8pl3) na fig. 8a do relatório do RARDE. Aqui se pode ver que a deformação plástica original resultante do trabalho de laminagem foi anulada obtendo--se uma nova estrutura totalmente diferente dita recristalizada, em que os vestígios da deformação desapareceram.

Deste facto, inequívoco para qualquer metalúrgico ou especialista em ciências dos materiais, resulta evidente que a pesquisa de qualquer deformação anterior ao aquecimento a alta temperatura é desprovida de sentido.

Ora da leitura dos relatórios do RARDE (8) correspondente à análise do material recolhido no corpo do piloto em 1982 ou de grande parte dos 40 fragmentos encontrados nos três corpos exumados em 1995, presentes no relatório do FEL(11) resulta evidente que se continua a afirmar que nessas amostras não se encontram vestígios de assinatura de explosivos.

A «assinatura» referida traduz-se, para além de fenómenos superficiais (formação de pequenas crateras), no aparecimento de macias de deformação plástica (tweening).

O aquecimento a alta temperatura de uma liga metálica, com início de fusão, anula os vestígios de deformação plástica, isto é, vai provocar fenómenos de recristalização ou eventualmente mesmo de liquação. Assim neste caso conclui-se que carece de qualquer sentido a pesquisa desses vestígios nos pedaços de metal parcialmente fundido.

Independentemente de eles terem ou não existido antes do incêndio podemos afirmar com segurança que estas macias e vestígios de deformação terão sempre desaparecido depois do processo fusão/solidificação do metal.

Grande parte da zona do habitáculo foi destruída pelo incêndio, verificando-se em particular na frente do habitáculo uma grande destruição com o aparecimento de alumínio derretido conforme se relata no documento americano do NTSB (13p553). No resumo de prova, no u volume do despacho do Tribunal de Loures a p. 544 pode ler-se: «O escorrer do alumínio derretido indica que a fuselagem se encontrava de nariz para baixo e invertida [...]»

Esclarecem os peritos ingleses Feraday e Todd: «Quanto ao fenómeno de pitting: é invulgar que os objectos projectados tenham pitting» (13p615).

Quer isto dizer que a presença de marcas de deformação nos pedaços de metal seria difícil de encontrar mesmo sem a existência posterior dè um incêndio.

Se tivesse havido qualquer explosão, esta teria de ter um efeito muito localizado dada a ausência de ferimentos graves nas vítimas.

Tendo havido um incêndio que apagou qualquer marca de deformação no alumínio pelas razões já expostas, poderá então perguntar-se: qual o sentido de procurar nas amostras de alumínio os vestígios de uma explosão, ainda por cima necessariamente pequena?

Podemos assim concluir, com segurança, que outra das bases para a conclusão da inexistência de uma explosão — ausência de vestígios físicos nos metais recolhidos nos corpos ou na cabina do avião — carece de qualquer valor.

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Nas circunstâncias verificadas procurar um acontecimento de probabilidade baixa (vestígios físicos em corpos projectados) originados por uma hipotética explosão de baixa potência em vestígios de metal parcialmente fundido é um perfeito contra-senso.

Já a posição assumida pelo LNETI (15) é perfeitamente aceitável: foram procuradas assinaturas de explosão nas amostras de aço, em particular num grampo de aço (amostra D) (5pl4) tendo sido identificadas as amostras A, B, excepto B-5, I e J como ligas de alumínio no estado «tal qual solidificado».

De facto, sujeito a temperaturas da ordem dos 500°C--600°C apenas durante alguns minutos o aço conservaria as tais macias de deformação.

Todavia, a presença de pedaços de alumínio nas superfícies nessas amostras de aço, referenciada pelo LNETI, é indicativa dc que esses componentes se desprenderam da estrutura durante o incêndio, devido à cedência das estruturas de alumínio. Assim sendo, trata--se de elementos caídos após o incêndio e nunca projectados por qualquer explosão.

Verifica-se que a Procuradoria da República sustentou grande parte da sua argumentação nesta inexistência de vestígios físicos.

Podemos agora concluir que esta base de raciocínio é insustentável em face do anteriormente exposto, isto é, grande parte do ambiente que rodeia os corpos, ou seja, a estrutura de alumínio da frente do cockpit, foi sujeito a temperaturas tão elevadas que necessariamente teriam apagado toda a história de deformação plástica anterior. Dizer que não se encontram aqui vestígios de macias (tweening), é pois uma redundância.

1.2.3 — Partículas microscópicas de forma arredondada. — A observação atenta de algumas radiografias com recurso a uma lupa mostra a existência de um ponteado de forma arredondada de muito pequena dimensão.

Foi a este tipo de fragmentos que um radiologista (Prof. Gama Afonso) se referiu repetidamente como «poalha metálica» (17p85).

Estas partículas têm um significado muito particular, constituindo uma assinatura de explosão, que será adiante discutida.

O alumínio fundido é um metal de elevada viscosidade. A formação superficial de alumina, isto é, Al2Oy torna particularmente elevada a tensão superficial. Para obtenção de peças por fundição é geralmente adicionado o Si em percentagens que podem atingir os 13 %, tendo o Si um efeito benéfico sobre a fluidez da liga.

No caso da liga 2024, destinada à obtenção de produtos laminados, a fluidez é baixa e a tensão superficial 'é alta.

Uma gota de liga totalmente fundida, a uma temperatura de 650°C superior à linha de liquidus (15p76), terá tendência em ocupar o menor volume possível por acção da tensão superficial. Ao chocar contra um obstáculo a gota metálica será deformada e eventualmente fragmentada. A elevada tensão superficial e viscosidade impedirão a sua fácil divisão em pequenas gotículas, como sucede com outros líquidos, como por exemplo água.

Esta afirmação foi por nós verificada experimentalmente ao deixar cair alumínio líquido a 750°C e liga aeronáutica a 700°C, portanto totalmente fundidos, de uma altura de 2 m sobre uma superfície de papel e observando posteriormente a dimensão das gotículas formadas. Excepto no ponto de impacte, onde pequenos pedaços de metal ficam agarrados, verificou-se que as partículas mais

pequenas tinham dimensões sempre superiores a 2 mm, normalmente 5 mm ou mais.

Se observarmos atentamente algumas das análises efectuadas pelo RARDE, representadas na tabela 2 do respectivo relatório, encontraremos concentrações muito elevadas para o cobre e para o ferro em várias zonas das amostras A, B, I, em que estes elementos apresentam valores que podem atingir os 45,9% e 8,1%, respectivamente, quando não deveriam ultrapassar os 4,9 % e 0,5 %, respectivamente.

Esta concentração de elementos residuais ou de liga é típica de um processo de fusão parcial e traduz-se normalmente numa acumulação destes elementos nas fronteiras de grão, fenómeno denominado «liquação».

Na fig. 8-A, referente à amostra H, podemos observar fenómeno idêntico, aqui patenteado pela morfologia das fronteiras de grão.

O significado metalúrgico destes factos é que a temperatura atingida não foi suficiente para fundir totalmente a liga que se desmoronou por fusão incipiente e localizada nas fronteiras de grão (liquação), conforme se pode bem verificar na foto da amostra A (canto superior direito).

Podemos concluir face ao exposto que o metal da fuselagem (liga de alumínio) se foi desprendendo durante o incêndio antes de atingir um estado de fusão completa.

Ocorrendo o início de fusão incipiente desta liga aos 510°C e havendo ainda muito metal sólido aos 554°C (linha de solidus), podemos afirmar que as gotas de metal só parcialmente estavam fundidas quando caíram sobre os corpos.

Para a gama de temperaturas indicada, a fragmentação da liga em gotículas é extremamente difícil, exigindo uma elevada energia.

Da nossa experiência pessoal em trabalhos de investigação envolvendo a atomização de ligas aeronáuticas com atomizadores de água, c dos ensaios agora efectuados, podemos afirmar que a produção de gotículas metálicas de muito pequena dimensão não seria possível com uma energia correspondente à da queda entre cotas inferiores a 2 m (espaço entre o tecto e os passageiros caídos).

Assim, a presença de gotículas microscópicas de metal só pode resultar de dois fenómenos: ou fusão associada a uma fonte de alta energia da chapa da fuselagem, ou fragmentação prévia da mesma em pedaços sólidos minúsculos que, posteriormente sujeitos a elevada temperatura, fundiram, adquirindo formas arredondadas.

Estes vestígios encontram-se em várias radiografias observadas à lupa e foram objecto de alguma perplexidade por parte de alguns peritos médicos, como já se referiu.

Na fig. 9, referente à amostra H, e na fig. 11 podemos observar gotículas de formas arredondadas que por comparação com as barras de escala de WOmicras e 200 micras podemos concluir serem de dimensões muito pequenas.

Estas minúsculas gotículas são em nosso entender a prova da existência de um processo de deflagração que projectou nos corpos, com elevada energia, pequeníssimos fragmentos de metal que ulteriormente fundiram devido ao incêndio.

A existência destes vestígios foi objecto do olhar experiente de um perito com larga experiência na observação de vítimas de explosões, o Prof. Crane, que considerou que existiam fragmentos fundidos demasiado pequenos para serem simplesmente provenientes de um incêndio (I3p597).

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Estamos assim, em nosso entender, em face de uma abundante e bem caracterizada prova material da existência de uma deflagração antes do incêndio, documentada a nível radiográfico e de microscopia electrónica de varrimento.

2 — Outros vestígios radiológicos e perda da informação química devido ao tratamento não adequado das amostras. Hipóteses alternativas suscitadas pelos vestígios materiais.

2.1 — Perda da informação química

Na exumação dos corpos feita em 1995 procedeu-se ao exame radiológico detalhado das vítimas.

Foram detectados numerosos pedaços de material radiopaco que foram devidamente assinalados e depois recolhidos para análise.

As amostras foram enviadas para o laboratório inglês do FEL (sucessor do RARDE), e aqui novamente a pesquisa foi orientada no sentido de possível identificação de assinatura física de uma explosão.

Conforme se pode ler no relatório (FEL, p. 2) a acção de dissolução dos resíduos orgânicos que envolviam o material biológico «also cleaned any metallic fragments contained therein sufficintly to allow their examination and analysis by SEM coupled to an X-ray energy analyser (EDAX). However this solvent treatment negated any possibility of carrying out any form of chemical analysis for explosions residus upon the recovered fragments and hence none was attempted [...]

In some instances after removal of the biological materials did nol reveal any metalic fragments at their centre [...]

Thus the examination were limited to SEM microscopic examination for symptons indicative of an explosive event».

Do cruzamento dos relatórios da autópsia (Vilaça Ramos, Luís Aires Sousa, Gama Afonso) com os resultados do FEL verifica-se que as amostras A9, AJO e AJ2 identificadas por quatro especialistas em radiologia e medicina legal como contendo corpos opacos foram considerados como matéria orgânica.

A confusão entre matéria orgânica e material de número atómico feita por quatro especialistas não é possível, tanto mais que foi feita a posterior verificação da remoção dessas amostras através de nova radiografia do respectivo recipiente de transporte.

Pode concluir-se facilmente que haveria vestígios de elevado número atómico que se desagregaram durante a operação de limpeza.

Ora esses vestígios poderiam proporcionar informações muito relevantes para orientar a investigação num sentido diferente das duas únicas alternativas à hipótese de acidente propostas pela investigação: bomba de alto poder ou bomba incendiária.

Vejamos como poderiam ter sido encaradas outras alternativas igualmente eficazes para a destruição de um pequeno avião, compatíveis com os vestígios materiais conhecidos.

2.2 — Armas e dispositivos de guerra

Da consulta do índice do manual da NATO FM 8-285 encontramos os seguintes capítulos:

Capítulo II, «Agentes sobre os nervos»; Capítulo III, «Agentes incapacitantes»; Capítulo IV, «Agentes vesicantes»:

Capítulo V, «Agentes de choque (produzindo danos

nos pulmões)»; Capítulo VI, «Agentes sobre o sangue»; Capítulo VII, «Agentes irritativos e indutores do

vómito»; Capítulo VIII, «Fumos»; Capítulo IX, «Agentes incendiários»; Capítulo X, «Agentes tóxicos».

Em cada capítulo são descritos os produtos utilizados para obter cada efeito e as consequências nefastas do seu uso. Como se poderá facilmente perceber, muitos destes dispositivos, ou produtos militares, podem originar em muito pouco tempo a perda das faculdades de um piloto, com consequências quase certamente fatais se tal ocorrer num momento crítico do voo como é uma operação de descolagem.

Podemos verificar que para a produção de fumos são utilizados produtos contendo fósforo, óxido de zinco e muitas vezes tetracloreto de titânio associados a materiais orgânicos, tais como óleos especiais, gasóleo, borracha, etc.

Artesanalmente uma bomba de fumo pode ser eficazmente construída com açúcar, serrim e outros produtos de fácil obtenção.

No referido manual pode ler-se que uma alta concentração de fumo num ambiente fechado é extremamente perigosa, podendo ser fatal.

Podemos ainda verificar que o tetracloreto de titânio, produtor de um denso fumo branco, pode ser dispersado por um avião ou utilizando um explosivo.

Da consulta de qualquer brochura elementar sobre explosivos podemos verificar que há explosivos de baixa velocidade tal como a pólvora de caça (contendo nitrocelulose) em que a velocidade não ultrapassa os 400 m/s. Velocidades muito superiores de deflagração, podendo atingir os 8500 m/s, podem ser encontradas nos altos explosivos tais como TNT, RDX C4, etc.

Enquanto materiais como a pólvora de caça servem de propulsores, os explosivos de alta velocidade provocam a fragmentação dos materiais. E a estes últimos que estão associadas as tais assinaturas de tweening e pitting.

Do exposto resulta que toda a investigação foi focalizada apenas numa pequeníssima parte das hipóteses existentes para de maneira relativamente eficaz e discreta originar um «acidente» com uma pequena aeronave.

Voltando à informação perdida, resultado da diligente pesquisa pelo RARDE e pela FEL de uma das dezenas de hipóteses possíveis, verificamos que para elucidar as hipóteses anteriores, nomeadamente a do uso de um engenho fumígeno, seria muito mais relevante a informação química do que a informação física. No entanto, a primeira foi sacrificada em favor da segunda, nomeadamente no tratamento analítico das amostras recolhidas em 1995.

Definamos um modelo de hipótese c testemos a sua validade face aos vestígios materiais e testemunhais conhecidos.

Se tivesse sido utilizado um agente fumígeno, este deveria ter sido associado a um pequeno engenho explosivo que garantisse uma dispersão muito rápida do produto. Só assim se poderia garantir que a tripulação não conseguiria eliminar a sua fonte.

Neste quadro o recurso a engenhos artesanais mecanicamente accionados pode ser facilmente conseguido com um vulgar cartucho de caça.

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Uma associação, por exemplo de um detonador de mola, um cartucho de caça, uma granada defensiva e de uma embalagem fumígena que resultados produziria dentro de uma cabina de um avião?

A nível de vestígios físicos quase nada, dados os reduzidos traços resultantes da detonação da nitrocelulose. Seria de esperar a produção de pequenos fragmentos de aço da granada, com efeitos punctiformes c o eventual alojamento dos produtos utilizados em conjunto com alguns fragmentos da aeronave.

Algum chumbo poderia atingir as vítimas, e no caso de um incêndio esse chumbo ficaria fundido no meio dos tecidos, sendo inevitavelmente removido se fosse utilizada a metodologia seguida pelo FEL.

Vestígios de titânio e fósforo poderiam permanecer em pequenas quantidades, se bem que o fósforo após um incêndio seria facilmente consumido, restando na forma de óxido.

O chumbo ou o titânio associados a algum alumínio poderiam justificar grandes densidades dos corpos estranhos nalguma parte do espaço envolvente, mas pouco mais.

Estamos, portanto, com um quadro de vestígios necessariamente escassos, tanto mais que seriam mascarados fortemente após um incêndio. No entanto, apesar de métodos de investigação utilizados, ainda assim conseguimos identificar indícios importantes que validam a hipótese anterior.

2.3 — Alguns vestígios que apontam para hipóteses alternativas à de uma bomba

2.3.1 —Alumínio finamente fragmentado. — Em primeiro lugar, as finas partículas de liga de alumínio de dimensões microscópicas profusamente espalhadas nos pés e pernas do piloto, para as quais a única explicação plausível é uma explosão, mas não necessariamente um engenho de alta potência.

2.3.2 — Aço fragmentado. — Em segundo lugar, a existência de partículas de elevado número atómico que como demonstrámos no relatório n.° 2 são compatíveis com a classificação do aço alojadas nas áreas não protegidas (pelos pedais) dos pés do piloto. Estes vestígios são compatíveis com uma granada defensiva, não propriamente com uma bomba de alto poder destrutivo.

A espiral de fragmentação de aço ao carbono de uma granada defensiva pré-reticulada fabricada na altura pela INDEP não deverá afastar-se. segundo cremos, do quadro dos pequenos fragmentos observados, nomeadamente na radiografia RXID.

2.3.3 — Vestígios de elementos pesados. — Em terceiro lugar, o espectro n.° 13 do relatório do RARDE, correspondente à amostra M obtida pela raspagem do calcanhar do piloto feita por E. Newton.

No espectro de EDS podemos muito claramente observar três picos correspondentes ao chumbo (Pb) e um pico correspondente ao titânio (Ti) sem qualquer associação ao alumínio, notando-se ainda a presença de cálcio (usado no enterramento em urna fechada).

Este espectro está legendado como matéria orgânica, o que significa provavelmente que os elementos Pb e Ti estarão dispersos no tecido, tal como previsivelmente aconteceria nas condições anteriormente aventadas.

Para além disto, encontramos imagens extraordinariamente radiopacas na axila de A. A. C, que parecem não corresponder a liga aeronáutica mas poderiam ser

projecções de chumbo (posteriormente fundido e disperso), ou de titânio arrastado pelos gases duma deflagração localizada (blast).

Outro facto, a presença de três pequenos fragmentos circunscritos na radiografia das vísceras de Sá Carneiro identificados como projécteis (chumbos) de caça no relatório de John Mason e Jack Crane de Outubro de 1995, deveria também ter sido considerado. Esles chumbos, profundamente alojados no corpo do PM, não poderiam fundir, como sucederia se se encontrassem superficialmente, mas seriam coerentes com a elevada radiodensidade verificada no braço de A. A. Costa e com a análise de chumbo feita pelo RARDE.

Na hipótese que parece subjacente à pouca importância atribuída à presença de projécteis de caça nas vísceras de Sá Carneiro, isto é, a eventualidade de o PM ter comido caça e ter engolido três chumbos pergunta-se: seria provável que após um processo digestivo esses chumbos se situassem ainda próximos uns dos outros, em particular dois deles, que aparecem praticamente encostados no «espaço circunscrito» referido no relatório? Segundo a opinião abalizada do Dr. Conchero, a hipótese de tal acontecer é praticamente nula.

Continuando a seguir esta hipótese, poderíamos eventualmente encontrar um vestígio residual dos explosivos usados, isto é, de algo correlacionável com uma munição de caça e de vestígios correlacionáveis com um dispositivo militar.

Tudo isto, apesar do tempo e da existência de um incêndio, foi encontrado!

2.3.4 — Explosivos e rastos de sopro de explosão. — Podemos verificar que foram efectuadas análises em Portugal (13pl05, I3pl08), posteriormente confirmadas com outras feitas no Reino Unido onde na amostra 7 foram encontrados vestígios de nitrocelulose (compatível com uma munição de caça), TNT, RDX e DNT compatíveis com explosivos militares, sendo o TNT e o RDX parte da mistura B utilizada pela SPEL (Sociedade Portuguesa de Explosivos) para carregar as granadas com espiral de fragmentação produzida pela INDEP.

Note-se que esta amostra 7 não permaneceu solidária com a fuselagem, visto estar recolhida num caixote, podendo, pois, ter uma história térmica bem diferente da restante fuselagem do aparelho.

Trata-se de uma peça estrutural de alumínio situada no tecto do aparelho junto ao lugar onde viajava A. A. Costa.

Foi ainda encontrado vestígio de sulfato de bário, outro componente associável a explosivos militares.

Um dos lados do corpo de Adelino A. Costa, visível nas radiografias, precisamente no lado esquerdo, e só desse lado, apresenta uma enorme quantidade de pedaços de metal não só na axila já referida como na anca e tronco.

Estando esta vítima sentada de costas para o piloto, conclui-se que o corpo deste podia ser um ecrã de protecção contra qualquer deflagração vinda de baixo, ficando apenas exposto parcialmente o lado esquerdo de Amaro da Costa.

Assim, não só a natureza como a localização dos fragmentos metálicos permitem traçar uma recta que une os pés do piíofo ao braço de Amaro da Costa e se dirige para um ponto situado à direita da sua cabeça na parte superior lateral esquerda do avião. Ora o que encontramos nos autos (13p307): «Assim, o local onde se situava tal amostra» — a n.° 7 — «encontrava-se â direita do engenheiro Amaro da Cosia. E por cima da sua cabeça f...] «entre as duas janelas do lado esquerdo da cabina de passageiros».

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Unindo os pés do piloto a partir da zona central da cabina com o corpo de costas de Amaro da Costa parcialmente encoberto, teríamos um local para existir uma forte concentração de material arrastado pelos gases de uma deflagração: justamente a axila esquerda de A. Costa, que constitui uma zona de retenção natural para fragmentos projectados de baixo para cima.

Parte desses fragmentos vão continuar em linha recta e salpicar justamente a peça 7, entre as janelas, dando-lhe o aspecto de ter fundido parcialmente visto ter recebido partículas projectadas contra a sua superfície. Será o lugar lógico para restar algo relacionável quimicamente com uma deflagração. Ora é aí justamente e só aí que vão ser encontrados vestígios de explosivos e logicamente não serão encontrados na cabina por uma razão simples: a peça 7 não estava na cabina quando esta foi sujeita a alta temperatura, originando a decomposição das moléculas orgânicas dos explosivos.

O arrastamento pelo efeito de sopro de tal quantidade de pedaços de alumínio parece coerente com a explicação de parte desse material metálico estar situada entre o foco da deflagração e o corpo de Amaro da Costa, isto é, com grande probabilidade, o engenho estar do lado de fora do aparelho. Em termos de colocação, esta parece também a opção mais lógica, pois a entrada forçada no avião, para colocar dentro qualquer engenho, levantaria suspeitas à tripulação, podendo levar à sua descoberta.

2.4 — Efeitos possíveis da acção de um agente fumígeno disperso por acção de uma pequena carga explosiva

O choque provocado nos pés do piloto pelos fragmentos metálicos aí encontrados, bem como eventuais ferimentos na cara sugeridos pelos relatórios da autópsia e pela observação das radiografias da cabeça, provocariam decerto um estado doloroso intenso pouco compatível com as manobras de pilotagem.

A eventual deflagração deverá ter ocorrido de baixo para cima, visto que os vestígios são mais abundantes nos pés. Por acção da força do impacte o piloto poderia ter sofrido uma concussão, como se assinala no relatório Mason (\"ip562). A situação é compatível com a hemorragia craniana assinalada [hemorragia epidual (13p561 ]; se esta não for de origem térmica, deve ser um elemento a ter em conta como possível indiciador de um choque violento que pode ter afectado as condições de pilotagem.

A invasão instantânea da cabina por fumo, associada aos gases da explosão, tornaria a atmosfera irrespirável em poucos segundos. O consumo rápido do oxigénio resultante da fina divisão dos componentes de um engenho fumígeno tornam-no altamente perigoso, como refere o manual da NATO.

A produção rápida de monóxido de carbono causa, para concentrações da ordem de 10 % no ar, a morte em cerca de um minuto (18).

Neste quadro o piloto poderá ter perdido mais rapidamente a consciência do que os restantes passageiros, o que é concordante com a mais baixa taxa de carboxi-hemo-globina (40 %) conua OS 52 %-62 % das restantes vítimas.

3 — Conclusões

1 — A medição da densidade dos corpos estranhos observáveis na radiografia dos pés do piloto J. Albuquerque permitiu distinguir duas classes de meteríais: —uma compatível com coeficiente de absorção do óxido de

ferro pelos raios X, 50 KV, e outra compatível com o coeficiente de absorção da liga aeronáutica 2024. Estes resultados reforçam a posição dos peritos médicos Drs. Saldanha Sanches, Xavier de Brito e Aires de Sousa,

2 — A correlação entre as ilações tiradas por médicos radiologistas e as análises químicas feitas por EDS pelo RARDE na amostra H não é possível, visto que as partículas, objecto de apreciação médica, são macroscópicas, enquanto as partículas analisadas quimicamente são microscópicas. A prevalência da informação analítica sobre a radiológica, como sempre pretendeu o procurador da República é neste caso insustentável.

3 — Na generalidade dos constituintes da liga aeronáutica que tombaram sobre os corpos, bem como nos componentes de alumínio da frente do cockpit, não seria possível encontrar vestígios de deformação plástica anterior, nomeadamente fenómenos de maclagem (pitting), em virtude da recrístalização ou mesmo fusão incipiente (liquação) desses materiais.

Assim, o argumento de que não foram encontrados vestígios físicos de explosão é inaplicável à grande parte dos materiais metálicos do cockpit, visto que se alguma vez tivessem existido teriam obrigatoriamente desaparecido durante o incêndio.

4 — Não se encontrou nenhuma explicação plausível para o aparecimento de fragmentos metálicos, provavelmente de aço, nos pés do piloto a não ser no caso de ter havido uma deflagração localizada.

5 — O aparecimento de numerosas partículas da liga de alumínio microscópicas, referenciadas nas radiografias e identificadas por observação em microscopia electrónica efectuadas pelo RARDE, é incompatível com a elevada viscosidade e tensão superficial da liga aeronáutica fundida e com a baixa energia potencial disponível no caso de desmoronamento do cockpit após a sua imobilização. Ensaios efectuados no Departamento de Metalurgia da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto demonstraram que a formação de vestígios metálicos microscópicos apenas pode ocorrer de forma circunscrita no local de impacte da gota, se houver contacto com uma superfície que origine a formação de um ressalto dessa gota.

A sua presença não é explicável partindo da tese de acidente seguido de incêndio.

6 — A luz da ciência dos materiais não se encontram explicações para os diferentes fenómenos observados, dos quais restaram provas materiais, a não ser admitindo ter--se verificado uma deflagração localizada, eventualmente de baixa potência, na proximidade do lugar do piloto, provavelmente do lado de fora da cabina.

7 — Unindo as provas materiais, é possível traçar uma trajectória coerente para uma deflagração de pequena potência vinda de baixo para cima: fragmentos nos pés do piloto (excepto na zona protegida pelos pedais); lado esquerdo de A. Costa com fragmentos metálicos em grande quantidade, em particular na axila desse lado; elemento estrutural destacado do aparelho situado mais acima e na mesma trajectória onde se encontraram vestígios de explosivos.

8 — Os alegados fundamentos oficiais para a rejeição de hipótese de uma causa não acidental da queda do avião Cessna em 4 de Dezembro de 1980 revelaram-se incoerentes e cientificamente insustentáveis. Em nosso entender apenas parte dos vestígios encontrados bastaria para indiciar uma deflagração como a causa que originou a queda do aparelho.

Porto e FEUP, 22 de Junho de 1999. — José Cavalheiro, professor associado.

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BIBLIOGRAFIA

I — Despacho do Tribunal de Instrução Criminal da Comarca de Loures assinado pelo procurador da República Boaventura Marques da Costa em 8 dc Maio de 1990.

2— Processo n.° 1020/90 do 3." Juízo de Instrução Criminal do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa assinado pelo Procurador da República Boaventura Marques da Costa em 11 de Outubro de 1991.

3 —- Despacho do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, processo

n.° 1020/90 do 3.° Juízo, assinado pelo juiz Fernando Vaz Ventura em 20 de Janeiro de 1992.

4 — Relatório final da Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar ao

Acidente de Camarate, Diário da Assembleia da República. 2." série-B, n.° 34. de 16 dc Junho de 1995.

5 — Relatório do Laboratório Nacional de Engenharia e Tecnologia

Industrial, M. Helena Carvalho, H. Carvalhinhos de A. d'Oliveira Sampaio de 23 de Dezembro de 1982. 6— Relatório sobre o acidente de avião Cessna 421. YV-3I4P, Eric Newton RTP, Dezembro de 1982.

7 — Relatório dos novos exames efectuados nos restos mortais de

Alfredo de Sousa e Jorge M. M. Albuquerque, Instituto de Medicina Legal de Lisboa, Prof. Doutor José M. G. Vieira, José Gama Afonso, Francisco M. M. Costa Santos.

8 — Rcport.of the examination of samples and trials in connection with

the loss of Cessna 421-A. RARDE, November 1989.

9 — Relatório de exames médicos legais feitos a pedido do Tribunal

de Instrução Criminal de Lisboa, John K. Mason, Jack Crane. 28 de Outubro de 1995. 10— Relatórios dos exames periciais realizados nos cadáveres de Jorge Albuquerque, Adelino Amaro da Costa e Francisco M. L. de Sá Carneiro, Prof. Vilaça Ramos, Luís Aires de Sousa, Prof. José R. F. F. da Gama Afonso, Francisco M. M. da Costa Santos. 21 dc Outubro de 1985.

11 — Report on the examination of the post-mortem samples arising

from some victims of the crash of a Cessna aireraft in Lisbon on

4th Dec, 10 May 1995. 12— Radiografias RI. RVII1, RXI, RXI1. RXIII de J. Albuquerque e

braço esquerdo de Adelino A. Costa. 13 — Despacho do juiz do Tribunal de Loures, livro i e livro n. juíza

Maria Margarida Ramos de Almeida, Abril de 1998.

14— Manual NATO FM8-2s5.

15— Metals Handbook, II. ASM Nova Iorque.

16— Coeficiente de absorção linear, programa PHOTCOEF. Internet. 17 — Transcrição de casseaes vídeo relativas a diligências realizadas no Hospital

de Santa Maria e Polícia Judiciária, 9-10 de Agosto de 1995. 18— Carbon Monoxide Poisoning. «Carbon Monoxide Concentrations». Table. author: Thomas H. Greiner, Extension Agricultural Engineer, Department of Agricultural and Biosystems Engineering, lowa State University, August, 1997

Caso Camarate

Em relação ao caso Camarate, que ocorreu em 1980,. passarei a relatar todos os factos de que me recordo, apesar de terem sucedido há quase 20 anos. Gostaria também de referir que apenas relato agora estes factos, uma vez que antes da VI Comissão de Inquérito Parlamentar ao Desastre de Camarate, nenhuma autoridade policial ou judicial me pediu para contar o que sabia, o que devo dizer sempre me surpreendeu. Por outro lado não tomei a iniciativa de contactar nenhuma destas duas autoridades para relatar os factos a seguir transcritos porque sinceramente receei que, se o fizesse, colocasse em risco a minha integridade física. Contudo agora, perante a oportunidade proporcionada pela VI Comissão de Inquérito Parlamentar do Desastre de Camarate, entendi ter chegado o momento de contar o que sabia sobre o caso Camarate.

Devo começar por referir que o Sr. José António dos Santos Esteves passava frequentemente por minha casa a partir de meados de 1977, altura em que o conheci, por ser amigo do meu marido, Fernando Simões. Visitava a minha casa para almoçar, para jantar, ou apenas por uma ou duas horas para conversar, relatando nomeadamente operações por si realizadas em Portugal com a colocação de bombas.

Cerca de duas semanas antes de 4 de Dezembro de 1980, o Sr. José Esteves referiu, entre outros assuntos, estar a tratar de algumas acções operacionais com um cidadão estrangeiro, denominado Lee Rodrigues, que era mecânico dc aviões, piloto aviador e especialista em explosivos.

O Sr. José António dos Santos Esteves apareceu no meu local de trabalho no Centro Comercial de Alvalade no Cabeleireiro Baeta, na Praça de Alvalade em Lisboa, no dia 4 de Dezembro de 1980, pouco tempo depois do atentado, ou seja, pelas 21 horas, perguntando pelo meu marido. Mostrava-se muito nervoso e preocupado edisse--me que queria falar com o meu marido. Em face disto, telefonei para casa dos pais do meu marido e pedi que lhe dessem o recado que o Sr. José Esteves estava no Centro Comercial de Alvalade à espera dele. O Sr. José Esteves pediu-me entretanto uma moeda, que eu lhe dei, para ele fazer um telefonema dos telefones públicos existentes nesse Centro Comercial. Disse-me então que estava nervoso e que um avião tinha «rebentado» em Camarate, onde estava o Sá Carneiro e outros políticos, que tinham virado «churrasco». Ao falar comigo estava muito agitado, olhando para várias direcções. Lembro-me perfeitamente bem desse dia^ pois havia várias senhoras no Cabeleireiro Baeta arranjando o cabelo e as mãos para irem a uma reunião política que iria ocorrer no Hotel Sheraton, em Lisboa, no dia seguinte, pelas 10 horas da manhã, com o Dr. Sá Carneiro. Entre estas senhoras encontravam-se a Sr.a Rita Costa Lima, a Sr.a Leonor Alvim e a Sr." Graça. Ao terem conhecimento da notícia de Camarate por volta das 21 horas e 15 minutos, saíram todas do Cabeleireiro em conjunto e muito agitadas. Por volta das 21 horas e 45 minutos chegou o meu marido com a minha filha de 3 anos, bem como a Gina, que era então a companheira de José Esteves, tendo-nos encontrado os quatro à porta do meu emprego, ou seja, no Cabeleireiro Baeta.

Por volta das 22 horas e 30 minutos saíram comigo do Centro Comercial de Alvalade o meu marido, a minha filha, o Sr. José Esteves e a Gina, no carro marca Fiat

600 branco, que pertencia ao meu marido. O carro foi conduzido pelo meu marido e fomos em seguida para a minha casa em Odivelas.

Chegámos a minha casa por volta das 23 horas. A minha filha de 3 anos foi logo para a cama. Eu e a Gina preparámos imediatamente o jantar, que consistiu em iscas, batatas fritas e salada de alface.

Jantámos os quatro pelas 23 horas e 30 minutos, e o Sr. José Esteves pediu então ao meu marido para ficai durante alguns dias a dormir na minha casa, pois tinha medo de voltar para sua casa por receio que estivessem pessoas à sua espera, por o relacionarem com o atentado de Camarate. Durante o jantar o Sr. José António dos Santos Esteves, manteve sempre o seu estado de grande nervosismo e ansiedade, tendo acabado por referir que ao ir ao Aeroporto na véspera, ou seja no dia 4 de Dezembro, entregou a bomba ao Sr. Lee Rodrigues para este a colocar no avião que caiu. Ó Sr. José Esteves referiu também que tinha' entrado no Aeroporto da Portela e que uma farda e documentos de um piloto de aviação, furtados pelo Sr. João Pedro Neves Dias por seu mando, foram utilizados para facilitar a circulação do Sr. Lee Rodrigues na pista do aeroporto. Contudo tinham-lhe dito que a bomba era para o general Soares Carneiro e que nunca lhe passou pela cabeça que sc destinasse ao Sá Carneiro ou ao Adelino Amaro da Costa.

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No final do jantar pediu à sua companheira, Gina, que fosse à casa onde vivia no Cacém, ou seja, num apartamento que pertencia à irmão da Gina, limpar a sala de quaisquer vestígios de materiais ou instrumentos utilizados

na montagem e preparação da bomba que ele fabricou para

o atentado de Camarate, uma vez que a mulher-a-dias ia

trabalhar lá no dia seguinte. Referiu concretamente ter

fabricado esta bomba alguns dias antes do atentado de Camarate e que alguns dos materiais que utilizou para esse efeito foram adquiridos por si numa drogaria próxima de sua casa no Cacém. A Gina aceitou executar essa tarefa de limpeza, tendo ido lá a casa sozinha limpar a sala, embora tenha apenas saído mais tarde de minha casa em companhia do Sr. José Esteves. A Gina não voltou depois a minha casa nessa noite, tendo, segundo creio, ido dormir a casa da mãe dela. O José Esteves pediu ainda à Gina que, nos dias seguintes, verificasse se havia polícias, pessoas ou carros desconhecidos junto à sua casa, que, como se referiu, se situava no Cacém. Com efeito, José Esteves justificou este pedido, referindo que estava com medo de que a polícia o procurasse pelo seu envolvimento no atentado de Camarate.

Por outro lado, e várias vezes durante essa noite, o Sr. José Esteves tentou de minha casa telefonar para o Sr. Tenente-Coronel Lencastre Bernardo. Durante as primeiras três tentativas, atendeu uma senhora que disse que o Sr. Tenente-Coronel Lencastre Bernardo não estava, ao que o José Esteves respondeu dizendo que precisava urgentemente de falar com ele, uma vez que, em face do que se tinha passado em Camarate, precisava de receber protecção e de tratar da sua segurança pessoal. Ao terminar estes telefonemas, o Sr. José Esteves referiu-nos ter a certeza de que o tenente-coronel Lencastre Bernardo estava, mas que não queria falar com ele em face das notícias que já circulavam por todo o País sobre o desastre

de Camarate.

Pelas 12 horas e 45 minutos o José Esteves fez o quarto telefonema para o tenente-coronel e disse à referida senhora que, se dentro de quarenta minutos o tenente--cOTonel Lencastre Bernardo não lhe atendesse o telefone para tratar da sua (José Esteves) protecção pessoal, o (enente-coronel Lencastre Bernardo teria de aguentar com as consequências, e que ele, José Esteves, iria contar tudo sobre o atentado de Camarate. Referiu concretamente que não estava disposto a ser o único a pagar pelas mortes que haviam ocorrido nessa noite em Camarate.

Passados cerca de trinta minutos, ou seja, cerca da 1 hora e 15 minutos da manhã, o Sr. José Esteves, que continuava muito atento às notícias sobre Camarate, na televisão e na rádio, voltou a telefonar para a mesma pessoa. Dessa vez, quer o telefone tenha sido novamente atentido pela referida senhora, ou já pelo tenente-coronel Lencastre Bernardo, o certo é que o José Esteves conseguiu logo começar a falar com o tenente-coronel Lencastre Bernardo. Perante uma pergunta que terá sido formulada pelo Sr. Tenente-Coronel Lencastre Bernardo, o José Esteves respondeu que estava em casa de um familiar, mas que naquele momento podia falar à vontade porque estava sozinho. Esta afirmação não correspondia à verdade, pois estivamos os quatro na mesma sala e ouvimos a conversa. Em seguida o José Esteves disse-lhe que estava com medo de ser preso por causa do atentado de Camarate e que o tenente-coronel Lencastre Bernardo tinha de lhe resolver a Sua situação. Exigiu também que se encontrassem nessa mesma noite.

Em face destes argumentos, o tenente-coronel Lencastre Bernardo concordou encontrar-se com ele nessa noite. Fiquei com a impressão de que, perante os diversos pedidos e receios apresentados pelo Sr. José Esteves nesse telefonema, o tenente-coronel Lencastre Bernardo preferiu

encontrar-se com ele nessa noite, em vez de prolongar essa conversa telefónica. Fiquei também de tal maneira

apavorada e enojada com todas estas conversas que fui ao meu quarto conversar com o meu marido e disse que não queria o Sr. Esteves em minha casa, pois poderíamos ser prejudicados com isso, ao que ele me respondeu que era só por alguns dias.

Terminado o referido telefonema e passados cerca de dez minutos, o Sr. José Esteves saiu de minha casa acompanhado pela Gina, com o intuito de ir ao referido encontro. O meu marido utilizou novamente o Fiat 600 para levar a Gina e o José Esteves até casa deste no Cacém. Sei, por intermédio do meu marido, que o Sr. José Esteves e a Gina só saíram do carro Fiat 600 depois de no carro terem rodeado várias vezes a casa do José Esteves e se terem certificado de que não havia carros ou pessoas estranhas nas redondezas. O meu marido regressou imediatamente à minha casa sozinho, tendo chegado por volta das 2 horas e 30 minutos. O Sr. José Esteves voltou algumas horas mais tarde, quando eu já estava no meu quarto a dormir, tendo, contudo, acordado quando ele chegou. Eram sensivelmente 5 horas e 30 minutos da manhã.

Passados uns dias o José Esteves confirmou ter estado nessa noite com o tenente-coronel Lencastre Bernardo, com quem falou acerca da sua segurança pessoal. A partir, portanto, do dia 5 de Dezembro, o José Esteves passou a estar mais calmo e menos nervoso, uma vez que as suas preocupações não tinham a ver com o que havia sucedido às pessoas que morreram no atentado de Camarate, mas sim com a possibilidade de ele, José Esteves, ser preso pelo

seu envolvimento nesse atentado.

O Sr. José Esteves permaneceu alguns dias em minha casa, não posso precisar quantos. O que me contrariou bastante, pois eu nunca simpatizei com o Sr. Esteves e do qual até tinha algum receio devido às conversas que ele tinha, vangloriando-se de alguns atentados que tinha feito anteriormente, tais como os efectuados ao Dr. Freitas do Amaral e ao engenheiro Lopes Cardoso, entre outros.

Durante essa permanência em minha casa numa determinada noite, estando eu na cozinha, ouvi então o José Esteves comentar com o meu marido na sala que confirmava o atentado ao Sá Carneiro, lamentando não ter sabido que o engenheiro Adelino Amaro da Costa iria nesse voo, pois nesse caso nunca teria preparado a bomba para ser colocada no avião. Referiu também que era muito amigo do engenheiro Amaro da Costa, a quem devia inclusivamente vários favores durante a sua permanência no CDS, mas que tinha sido enganado, na medida em que lhe tinham dito que a bomba era para o general Soares Carneiro.

Quero também acrescentar que, antes deste atentado, durante aproximadamente dois ou três meses, o Sr. José Esteves andou frequentemente com o meu marido, a quem pedia para o acompanhar a diversos locais, sendo apenas do meu conhecimento que um desses locais, por conversas que ouvi lá em casa, foi o Aeroporto da Portela, em Lisboa. Também ouvi falar várias vezes de um tal Canto e Castro, que fiquei mais tarde a saber que era um militar.

Já no Brasil, em 1986, durante um mês de férias, o Sr. JOsé Esteves apareceu em casa da minha mãe, na Rua

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do Campo Grande, no Rio de Janeiro, acompanhado pelo meu marido. Fez algumas chamadas lá de cada para Portugal, uma vez que, segundo o próprio José Esteves referiu, o que se estava a dizer e a apurar em Portugal sobre o caso Camarate estava-lhe a causar grandes preocupações, e precisava por isso de falar com algumas pessoas em Portugal, a quem ia pedir ajuda. Com efeito e em face, nomeadamente, dos trabalhos das diversas comissões parlamentares de inquérito ao caso Camarate e

de diversas notícias que iam surgindo em vários jornais, o Sr. José Esteves voltou a ter medo de vir a ser preso.

Isto é o que me lembro sobre o caso Camarate. Estarei, contudo, à disposição da VI Comissão de Inquérito Parlamentar ao Desastre de Camarate para quaisquer esclarecimentos adicionais que entenda útil eu prestar.

Lisboa, 21 de Maio de 1999. — Elza de Oliveira Simões.

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II SÉRIE-B — NÚMERO 36

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