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Sábado, 24 de Maio de 2008 II Série-B — Número 105
X LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2007-2008)
SUMÁRIO Apreciações parlamentares [n.os 83 e 84/X(3.ª)]: N.º 83/X(3.ª) — Requerimento do PCP solicitando a apreciação pela Assembleia da República do Decreto-Lei n.º 75/2008, de 22 de Abril.
N.º 84/X(3.ª) — Requerimento do PCP solicitando a apreciação pela Assembleia da República do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril.
Petições [n.o 200/X(2.ª) e n.º 444/X(3.ª)]: N.º 200/X(2.ª) (Apresentada pelas comissões de saúde de Santo André, Cercal do Alentejo e Ermidas e pelas précomissões de utentes de Santiago do Cacém e de Alvalade, solicitando à Assembleia da República a colocação de mais médicos e a prestação de melhores cuidados de saúde primários e manifestando-se contra o encerramento do serviço de atendimento a doentes urgentes no concelho de Santiago do Cacém): — Relatório final da Comissão de Saúde.
N.º 444/X(3.ª) — Apresentada pela Federação Nacional de Professores – FENPROF, solicitando a revogação do Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de Janeiro, e a sua substituição por legislação que garanta o direito à educação, em igualdade de oportunidades, a todas as crianças e jovens com necessidades educativas especiais (NEE). (a) — Relatório final da Comissão de Educação e Ciência.
(a) A petição encontra-se publicada em anexo.
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APRECIAÇÃO PARLAMENTAR N.º 83/X(3.ª) DECRETO-LEI N.º 75/2008, DE 22 DE ABRIL, QUE «APROVA O REGIME DE AUTONOMIA, ADMINISTRAÇÃO E GESTÃO DOS ESTABELECIMENTOS PÚBLICOS DA EDUCAÇÃO PRÉESCOLAR E DOS ENSINOS BÁSICO E SECUNDÁRIO»
A publicação do Decreto-Lei n.º 75/2008, de 22 de Abril, que «Aprova o regime de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos públicos da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário», vem culminar um processo político promovido pelo Governo na sua senda contra a escola pública e materializar o já anunciado fim da gestão democrática nos estabelecimentos de ensino.
O Governo faz aprovar um diploma que despreza a experiência do conjunto dos estabelecimentos de ensino, bem como os diversos contributos de várias instituições, entre as quais muitas escolas, que em várias ocasiões se fizeram ouvir. O próprio Conselho Nacional de Educação, a Federação Nacional de Professores e muitas outras estruturas de dimensão assinalável, emitiram pareceres claramente desfavoráveis à implementação de um regime legal com a matriz que transporta o referido decreto-lei.
É um facto que, de todo o universo dos estabelecimentos de ensino, apenas uma minoria de 2% optou pela direcção unipessoal, o que revela bem a adequação das direcções colectivas às necessidades dos estabelecimentos de ensino. Mas revela, além disso, que o próprio regime legal em vigor até à data, o Decreto-Lei n.º 115-A/98, de 4 de Maio, permitia já a opção pelo órgão de direcção unipessoal.
Este é um decreto-lei que atenta contra os princípios mais elementares da participação democrática de todos os corpos na gestão das escolas, concentrando o poder decisivo e executivo numa só pessoa, atribuindo à gestão da escola pública um pendor fortemente administrativo e empresarial, ultrapassando os critérios e orientações pedagógicos que devem, a todo o momento, presidir às estratégias organizativas dos estabelecimentos de ensino público.
Os problemas fundamentais com que as escolas se cruzam não são, de forma alguma, resolvidos ou atenuados com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 75/2008. Bem pelo contrário. Na verdade, o Governo recusa-se a reconhecer as sistemáticas falhas políticas que têm provocado a degradação da qualidade do ensino público e que, de forma cumulativa, lhe vão impondo cada vez mais dificuldades para a prossecução dos seus objectivos, tal como constam na Constituição da República Portuguesa e na Lei de Bases do Sistema Educativo.
O Governo opta claramente por introduzir limitações à autonomia dos estabelecimentos de ensino, por lhes limitar as opções e por lhes vedar o caminho da participação democrática, preferindo fazer estender os tentáculos das suas políticas até à figura do director e transformar as escolas em palcos de contendas políticas e de desfiles de interesses que lhe deviam ser alheios. A fúria anti-democrática patente nesta obsessão pela empresarialização revela bem como o Governo preconiza a autonomia dos estabelecimentos de ensino, colocando em causa a participação da comunidade escolar, privilegiando a participação de agentes externos.
A escola deixa de ter uma relação dialéctica com a sociedade para passar a ser a incubadora de formação do sacralizado mercado que tudo dita e tudo decide.
Este é um decreto-lei que se afirma frontalmente à margem dos pressupostos dessa lei de bases.
Por isso, podemos afirmar que o Governo legisla através de um decreto-lei uma matéria que não tem acolhimento numa lei de bases. Isto significa que, da mesma forma que o Governo se recusou a ouvir e acolher os contributos dos agentes educativos, se recusou a discutir esta estratégia com a própria Assembleia da República. Com esta prática, o Governo introduz significativas alterações às orientações da lei de bases, sem assumir, no entanto, a responsabilidade política de lhe introduzir ou propor alterações. O Governo demonstra assim que tem bem presente a resistência que os professores, pais e estudantes, demonstrariam perante uma desfiguração da Lei de Bases do Sistema Educativo.
O presente decreto-lei não visa aprofundar experiências, nem tão pouco, introduzir aperfeiçoamentos no actual quadro legal. Antes visa introduzir mudanças radicais e rupturas de grande dimensão. Por si só, a dimensão e a significância das alterações agora vertidas no Decreto-Lei n.º 75/2008 justificariam a apresentação de uma proposta de lei ao invés de um decreto-lei. Por isso mesmo, o PCP instou a
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Comissão de Educação e Ciência a lançar esse desafio ao Governo e, também por isso, recolheu o apoio de todas as forças parlamentares com a excepção da maioria socialista que se manteve no seu pedestal de arrogância, defendendo a todo o custo o indefensável regime que este Governo apresentara, na altura como projecto de decreto-lei.
Por considerar que esta é uma matéria de importância nuclear para todo o sistema educativo e por assumir como prioritária a necessidade de reforço da vertente democrática da gestão e a própria autonomia dos estabelecimentos de ensino, o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, apresentou um projecto de lei sobre «Gestão democrática dos estabelecimentos de ensino».
Ao longo de todo o processo, o Governo manteve o seu rumo inalterado. Mesmo quando confrontado com a luta massiva dos professores e a luta dos estudantes um pouco por todo o País, o Governo insistiu em implementar as suas soluções.
Importa, pois, que esta Assembleia chame a si aquilo que o Governo quis dela arredar. A gestão e os princípios de autonomia que devem estar presentes na organização e na administração dos estabelecimentos de ensino, enquanto elementos da sociedade e não enquanto delegações do Governo.
Nestes termos, ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 162.º e do artigo 169.º da Constituição da República Portuguesa e ainda da alínea h) do n.º 1 do artigo 4.º e do artigo 189.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo assinados, do Grupo Parlamentar do PCP, vêm requerer a apreciação parlamentar do Decreto-Lei n.º 75/2008, de 22 de Abril, que «Aprova o regime de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos públicos da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário».
Assembleia da República, 14 de Maio de 2008.
Os Deputados do PCP: Miguel Tiago — António Filipe — Bernardino Soares — João Oliveira — Jorge Machado — Bruno Dias — José Soeiro — Agostinho Lopes — Honório Novo — Jerónimo de Sousa.
Nota: O Decreto-Lei n.º 75/2008, de 22 de Abril, encontra-se publicado no Diário da República, I Série, n.º 79, de 22 de Abril de 2008.
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APRECIAÇÃO PARLAMENTAR N.º 84/X(3.ª) DECRETO-LEI N.º 72/2008, DE 16 DE ABRIL, QUE «ESTABELECE O REGIME JURÍDICO DO CONTRATO DE SEGURO»
O Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril, que «estabelece o regime jurídico do contrato de seguro», vem estabelecer as normas segundo as quais se deverão reger os contratos de seguro celebrados a partir da sua entrada em vigor e aos que subsistam na vigência deste diploma, pretendendo a «adaptação das regras em vigor, procedendo à actualização e concatenação de conceitos de diversos diplomas e preenchendo certas lacunas» (vide preâmbulo do decreto-lei em causa).
Contudo, não obstante a existência de outras matérias passíveis de alteração posterior, este diploma vem legitimar uma reiterada e inaceitável prática de discriminação por parte das seguradoras, em violação da Lei n.º 46/2006, de 28 Agosto, que proíbe e pune a discriminação em razão da deficiência e de risco agravado de saúde.
De facto, o presente decreto-lei permite que, em determinadas circunstâncias, mediante a utilização de «práticas e técnicas de avaliação, selecção e aceitação de riscos», definidas segundo os critérios exclusivos das companhias de seguros se discriminem grupos de cidadãos mais vulneráveis. Com esta norma, o Governo PS legítima que as pessoas com deficiência ou risco agravado de saúde sejam fortemente penalizadas, quer no acesso aos contratos de seguro quer no pagamento de prémios mais elevados por força da sua condição ou estado de saúde.
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Ao mesmo tempo que o Governo do PS proclama políticas de igualdade, embandeirando propostas e projectos que simplesmente não concretiza — reforço das ajudas técnicas, apoio às associações de pessoas com deficiência, maior sensibilização — faz aprovar diplomas que apenas servem para criar mais desigualdade, mais discriminações, mais injustiça para estes cidadãos que são já fortemente penalizados com as políticas deste Governo.
Fica patente nas medidas deste Governo — educação especial, medidas fiscais, entre outras — não só a desistência do combate às discriminações em razão da sua deficiência, como o seu aprofundamento.
Nestes termos, ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 162.º e do artigo 169.º da Constituição da República Portuguesa e ainda da alínea h) do n.º 1 do artigo 4.º e do artigo 189.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo assinados, do Grupo Parlamentar do PCP, vêm requerer a apreciação parlamentar do Decreto-lei n.º 72 /2008, de 16 de Abril, que «Estabelece o regime jurídico do contrato de seguro».
Assembleia da República, 15 de Maio de 2008.
Os Deputados do PCP: Jorge Machado — Francisco Lopes — Jerónimo de Sousa — Agostinho Lopes — João Oliveira — Bernardino Soares — António Filipe — José Soeiro — Honório Novo — Miguel Tiago.
Nota: O Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril ,encontra-se publicado no Diário da República, I Série, n.º 75, de 16 de Abril de 2008.
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PETIÇÃO N.º 200/X(2.ª) (APRESENTADA PELAS COMISSÕES DE SAÚDE DE SANTO ANDRÉ, CERCAL DO ALENTEJO E ERMIDAS E PELAS PRÉ-COMISSÕES DE UTENTES DE SANTIAGO DO CACÉM E DE ALVALADE, SOLICITANDO À ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA A COLOCAÇÃO DE MAIS MÉDICOS E A PRESTAÇÃO DE MELHORES CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS E MANIFESTANDO-SE CONTRA O ENCERRAMENTO DO SERVIÇO DE ATENDIMENTO A DOENTES URGENTES NO CONCELHO DE SANTIAGO DO CACÉM)
Relatório final da Comissão de Saúde
1. Em 27 de Novembro de 2006 deu entrada na Assembleia da República uma petição, da iniciativa das comissões de saúde de Santo André, Cercal do Alentejo e Ermidas e pré-comissões de utentes de Santiago do Cacém e de Alvalade, subscrita por 6484 cidadãos, que baixou à Comissão de Saúde a 28 de Novembro, para efeitos de emissão do competente relatório e parecer.
2. Solicitavam os peticionários a colocação de mais médicos e a prestação de melhores cuidados de saúde primários, manifestando-se ainda contra o encerramento do Serviço de Atendimento a Doentes Urgentes (SADU) no concelho de Santiago do Cacém.
3. O objecto da petição está devidamente especificado e o texto é inteligível, encontrando-se o primeiro peticionário correctamente identificado e verificados os demais requisitos formais e de tramitação constantes da Lei de Exercício do Direito de Petição, aprovada pela Lei n.º 43/90, de 10 de Agosto, com as alterações que lhe foram introduzidas pelas Leis n.os 6/93, de 1 de Março, 15/2003, de 4 de Junho, e 45/2007, de 24 de Agosto.
4. Nos termos do disposto na alínea a) dos n.º 1 e n.º 2 do artigo 24.º da citada lei, tendo em conta o número de assinaturas que subscrevem a petição, esta carece de ser remetida ao Presidente da Assembleia da República para efeitos de agendamento e apreciação em Plenário.
5. Na análise da presente petição foram tidas em conta as informações prestadas pelo Ministério da Saúde que, em 23 de Abril de 2007, informou que «O Ministério da Saúde desactivou no dia 9 de Abril
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de 2007 o Serviço de Atendimento de Doentes Urgentes (SADU) do Centro de Saúde de Santiago do Cacém, permitindo desta forma aumentar a oferta de períodos de consulta nas diferentes extensões de saúde. A desactivação do SADU do Centro de Saúde do Cacém enquadra-se na reforma, em curso, dos cuidados de saúde primários, visando prestar melhores cuidados de saúde à população, tendo em conta, por um lado, as suas necessidades e, por outro lado, a rentabilização máxima possível dos meios existentes e a realidade específica de cada situação.» Refere-se ainda que «a desactivação do SADU do Centro de Saúde de Santiago do Cacém (que tem 10 extensões de saúde dispersas por uma grande área geográfica e com oferta de horas/médico por vezes muito deficiente) permitiu aumentar a resposta aos utentes sem médico de família, principalmente nas extensões mais distantes, nomeadamente nas extensões de saúde de Abela, Alvalade, Cercal, Santo André, Deixa-o-Resto e Ermidas do Sado, registando um aumento de mais 96 horas/médico disponibilizadas, que permitirá garantir verdadeiros cuidados de proximidade.» Já em 18 de Março de 2008, em resposta a um novo pedido de informação, o Ministério da Saúde veio «reafirmar a informação anteriormente enviada».
6. Foram igualmente tidas em conta as informações resultantes da audição a que o Relator procedeu, em 19 de Dezembro de 2007, ouvindo o primeiro peticionário e outros, em cumprimento do determinado no n.º 1 do artigo 21.º e da Lei de Exercício do Direito de Petição, na qual explicitaram o seguinte:
a) Reiteraram a necessidade de manutenção do Serviço de Atendimento de Doentes Urgentes (SADU) em Santiago do Cacém e a ainda a urgência na colocação de mais médicos no concelho, lembrando que, dos 33 000 habitantes, 15 000 não têm médico de família; b) Reforçaram também que no SADU os utentes pagavam menos de taxa moderadora (já que no hospital corresponde ao dobro), e era menor o tempo de espera para atendimento; c) Concluíram que é muito importante que haja renovação de médicos no concelho de Santiago do Cacém, o que não tem ocorrido, para que possa ser melhorada a prestação de cuidados de saúde a todos os utentes.
7 — Face a todo o exposto, a Comissão Parlamentar de Saúde é do seguinte
Parecer
a) De acordo com o disposto no n.º 8 do artigo 17.º da Lei de Exercício do Direito de Petição, aprovada pela Lei n.º 43/90, de 10 de Agosto, com as alterações que lhe foram introduzidas pelas Leis n.os 6/93, de 1 de Março, 15/2003, de 4 de Junho, e 45/2007, de 24 de Agosto, deverá este relatório final ser remetido ao Presidente da Assembleia da República; b) Considerando a alínea a) do n.º 1 do artigo 19.º, conjugado com a alínea a) do n.º 1 do artigo 24.º do mesmo diploma legal e tendo em conta o número de assinaturas que a petição reúne, necessita de ser agendada e apreciada em Plenário da Assembleia da República; c) Deve ser dado conhecimento aos peticionários do presente relatório final, bem como das providências adoptadas; d) Posteriormente, a petição deverá ser arquivada em Comissão, dando-se conhecimento desse facto aos peticionários, de acordo com o disposto na alínea m) do artigo 19.º do mesmo diploma.
Lisboa, 2 de Maio de 2008.
O Deputado Relator, José Raul dos Santos — A Presidente da Comissão, Maria de Belém Roseira.
Nota: O relatório final foi aprovado.
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PETIÇÃO N.º 444/X(3.ª) APRESENTADA PELA FEDERAÇÃO NACIONAL DE PROFESSORES – FENPROF, SOLICITANDO A REVOGAÇÃO DO DECRETO-LEI N.º 3/2008, DE 7 DE JANEIRO, E A SUA SUBSTITUIÇÃO POR LEGISLAÇÃO QUE GARANTA O DIREITO À EDUCAÇÃO, EM IGUALDADE DE OPORTUNIDADES, A TODAS AS CRIANÇAS E JOVENS COM NECESSIDADES EDUCATIVAS ESPECIAIS (NEE)
Relatório final da Comissão de Educação e Ciência
1 — Nota preliminar A presente petição foi entregue na Assembleia da República em 11 de Abril de 2008, tendo sido recebida na Comissão Parlamentar de Educação e Ciência, para apreciação no dia 17 de Abril.
Na reunião ordinária da Comissão, realizada a 29 de Abril, a petição foi definitivamente admitida e nomeada a signatária como sua relatora.
2 — Conteúdo e motivação da petição Os peticionários, mediante a petição em análise, solicitam a revogação Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de Janeiro, propondo a sua substituição por legislação que garanta o direito à educação, em igualdade de oportunidades, a todas as crianças e jovens com necessidades educativas especiais.
De acordo com os peticionários, o Ministério da Educação, com a nova legislação, pretende: (i) dirigir para o aluno e não para o contexto educativo os processos de intervenção/inovação; (ii) passar a educação para ambientes segregados (escolas de referência/unidades especializadas), em situação de afastamento das famílias e isolamento social; (iii) substituir o modelo pedagógico de intervenção por um modelo clínico; (iv) complexificar e burocratizar o processo de referenciação de necessidades educativas especiais, impondo a utilização da CIF (Classificação Internacional de Funcionalidade e Incapacidade); (v) encerrar instituições de educação especial e «despejar os seus alunos» na rede de escolas de referência/unidades especializadas.
3 — Enquadramento Assumindo como vértice fundamental da sua acção a promoção da igualdade de oportunidades, a valorização da educação e da qualidade do ensino, o Governo pretende «planear um sistema de educação flexível, pautado por uma política global integrada, que permita responder à diversidade das características e necessidades de todos os alunos».
As iniciativas do Governo inspiram-se, aliás, na Declaração de Salamanca (1994) que determina a apologia da afirmação da escola inclusiva, capaz de acolher e reter, no seu seio, grupo de crianças e jovens tradicionalmente excluídos, conforme expresso na exposição de motivos do Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de Janeiro.
Neste sentido, antecederam o novo regime do Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de Janeiro, diversas medidas tais como:
— A criação dos quadros de Educação Especial; — A criação de uma rede de agrupamentos de referência para o ensino bilingue de alunos surdos; — A criação de uma rede de escolas de referência para a educação de alunos cegos e com baixa visão; — A definição e criação de uma rede de agrupamentos de referência para a Intervenção Precoce (2007/2008); — O alargamento do número de unidades especializadas em multideficiência (2007/2008); — O alargamento do número de unidades especializadas em ensino estruturado para apoio a alunos com perturbações do espectro do autismo (2007/2008); — O aumento de técnicos especializados, de 153 em 2006/2007 para 269 no presente ano lectivo; — Criação de 13 Centros de Recursos TIC para a educação especial;
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— Elaboração de um Programa Curricular de Língua Gestual Portuguesa que entrará em vigor em 2008/2009; — Aumento da produção de manuais escolares em formatos acessíveis, com 18 000 volumes em braille e 1458 manuais escolares em formato digital.
É, pois, neste contexto que surge o Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de Janeiro, que, revogando o Decreto-Lei n.º 319/91, de 23 de Agosto, vem circunscrever a educação especial «aos alunos com limitações significativas ao nível da actividade e da participação num ou vários domínios da vida, decorrentes de alterações funcionais e estruturais, de carácter permanente, resultando em dificuldades continuadas ao nível da comunicação, aprendizagem, mobilidade e autonomia, relacionamento interpessoal e participação social», definindo novas medidas educativas de educação especial.
A especial necessidade de acautelar quaisquer efeitos indesejados decorrentes do processo de transição de regimes jurídicos justificou que, desde logo, em despacho de 10 de Janeiro de 2008, relativamente às cooperativas e associações de ensino especial, bem como os estabelecimentos de ensino particular de educação especial, o Sr. Secretário de Estado da Educação viesse assegurar «a manutenção e continuidade do percurso escolar dos alunos que actualmente frequentam aquelas instituições, de forma a não criar rupturas no seu processo de ensino-aprendizagem.» Acresce ainda que, do processo da apreciação parlamentar1, entretanto ocorrido, resultaram alterações ao Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de Janeiro, aprovadas por ampla maioria parlamentar, que permitiram clarificar e melhorar o diploma em diversos dos seus aspectos, nomeadamente, nas condições de concretização do processo de referenciação e respectiva avaliação. Após conclusão do respectivo processo legislativo, o diploma foi publicado no Diário da República, no dia 12 de Maio, como Lei n.º 21/2008.
O projecto de resolução apresentado pelo PCP no âmbito da respectiva apreciação parlamentar, que visava a cessação de vigência daquele decreto-lei pretendida pelos peticionários, foi rejeitado em votação realizada em 15 de Fevereiro de 2008.
4 — Audição dos peticionários Considerando que a petição tem 14 024 cidadãos subscritores, cumprindo o disposto no n.º 1 do artigo 21.º da Lei de Exercício do Direito de Petição (LDP), procedeu-se à audição obrigatória dos peticionários, em sede de reunião ordinária da Comissão de Educação e Ciência, no passado dia 6 de Maio.
Reiterando os argumentos expostos na petição, os representantes dos peticionários invocaram diversas questões inerentes à aplicação do novo regime alegando, nomeadamente, que o mesmo representa «um retrocesso cultural e humanista», promove «a segregação plena» e tem «a exclusão como finalidade».
5 — Conclusões 1. O objecto da petição é claro e está bem especificado, encontrando-se identificados os peticionários. Estão preenchidos os demais requisitos formais e de tramitação estabelecidos no artigo 9.º da LDP.
2. A petição tem 14 024 subscritores, pelo que reúne as assinaturas suficientes para ser apreciada em Plenário (artigo 24.º, n.º 1, alínea a) da LDP), para que fosse obrigatória a audição dos peticionários (artigo 21.º, n.º 1, da LDP) e bem assim a publicação em Diário da Assembleia da República (artigo 26.º, n.º 1, alínea a), da LDP).
3. No dia 6 de Maio de 2008, procedeu-se à audição obrigatória dos peticionários, em sede de reunião ordinária da Comissão de Educação e Ciência.
4. Os peticionários solicitam à Assembleia da República «a revogação do Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de Janeiro, e a sua substituição por legislação que garante o direito à educação, em igualdade de oportunidades, a todas as crianças e jovens com necessidades educativas especiais». 1 Apreciação parlamentar n.º 62/X (PSD), Apreciação parlamentar n.º 63/X (CDS-PP), Apreciação parlamentar n.º 64/X (PCP).
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5. De acordo com os peticionários, a nova legislação pretende: (i) dirigir para o aluno e não para o contexto educativo os processos de intervenção/inovação; (ii) passar a educação para ambientes segregados (escolas de referência/unidades especializadas), em situação de afastamento das famílias e isolamento social; (iii) substituir o modelo pedagógico de intervenção por um modelo clínico; (iv) complexificar e burocratizar o processo de referenciação de necessidades educativas especiais, impondo a utilização da CIF (Classificação Internacional de Funcionalidade e Incapacidade); (v) encerrar instituições de educação especial e «despejar os seus alunos» na rede de escolas de referência/unidades especializadas.
6. O processo da apreciação parlamentar, entretanto ocorrido, permitiu efectuar alterações ao Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de Janeiro, aprovadas por ampla maioria parlamentar.
7. No dia 15 de Fevereiro de 2008, foi rejeitado em sessão plenária da Assembleia da República, um projecto de resolução que solicitava a cessação da vigência do Decreto Lei n.º 3/2008.
Parecer
Face ao supra exposto, a Comissão de Educação e Ciência emite o seguinte parecer:
a) A presente petição deverá ser apreciada em Plenário da Assembleia da República, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 19.º2 e da alínea a) do n.º 1 do artigo 24.º3 da LDP.
b) O presente relatório deverá ser remetido ao Sr. Presidente da Assembleia da República, nos termos do n.º 8 do artigo 17.º4 e do n.º 2 do artigo 24.º5 da LDP.
c) A petição deve ser publicada na íntegra no Diário da Assembleia da República, conforme previsto na alínea a) do n.° 1 do artigo 26.º da LDP6.
Palácio de São Bento, 9 de Maio de 2008.
A Deputada Relatora, Rosalina Martins — O Presidente da Comissão, António José Seguro.
Nota: O relatório final foi aprovado por unanimidade.
Anexo
Texto da petição
PETIÇÃO N.º 444/X(3.ª) APRESENTADA PELA FEDERAÇÃO NACIONAL DE PROFESSORES – FENPROF, SOLICITANDO A REVOGAÇÃO DO DECRETO-LEI N.º 3/2008, DE 7 DE JANEIRO, E A SUA SUBSTITUIÇÃO POR LEGISLAÇÃO QUE GARANTA O DIREITO À EDUCAÇÃO, EM IGUALDADE DE OPORTUNIDADES, A TODAS AS CRIANÇAS E JOVENS COM NECESSIDADES EDUCATIVAS ESPECIAIS (NEE)
Foi publicado, recentemente, um novo regime jurídico para a Educação Especial (Decreto-Lei n.° 3/2008, de 7 de Janeiro), que revoga o Decreto-Lei n.º 319/91, de 23 de Agosto, e estabelece novas e prejudiciais regras para a educação de crianças e jovens com necessidades educativas especiais 2 «Do exame das petições e dos respectivos elementos de instrução feito pela comissão pode, nomeadamente, resultar: a) A sua apreciação pelo Plenário da Assembleia da República, nos termos do artigo 24.°; [»]».
3 «As petições são apreciadas em Plenário sempre que se verifique uma das condições seguintes: a) sejam subscritas por mais de 4000 cidadãos; [»]».
4 «Findo o exame da petição, é elaborado um relatório final, que deverá ser enviado ao Presidente da Assembleia da República, contendo as providências julgadas adequadas, nos termos do artigo 19.°».
5 «As petições que, nos termos do número anterior, estejam em condições de ser apreciadas pelo Plenário são enviadas ao Presidente da Assembleia da República, para agendamento, acompanhadas dos relatórios devidamente fundamentados e dos elementos instrutórios, se os houver.» 6 «São publicadas na íntegra no Diário da Assembleia da República as petições: a) Assinadas por um mínimo de 1000 cidadãos; [»]».
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(NEE). No entendimento da FENPROF, com esta «nova» organização da Educação Especial, o ME/Governo pretende:
1 — Dirigir para o aluno e não para o contexto educativo (turma, escola, currículo, ensino/aprendizagem) os processos de intervenção/inovação, sugerindo-se, com isso, a ideia de que os alunos com uma dada deficiência apresentam todos a mesma dificuldade e, portanto, devem ser categorizados e agrupados em unidades especializadas e ensinados à parte; 2 — Passar a educação que, até aqui, se realizava na escola da comunidade, para ambientes segregados (escolas de referência/unidades especializadas), em situações de afastamento das famílias e de maior isolamento social; 3 — Substituir o modelo pedagógico de intervenção por um modelo clínico (com subordinação de critérios pedagógicos a critérios médico-psicológicos), com a consequente desvalorização do papel da escola e dos docentes, em particular, de Educação Especial; 4 — Complexificar e burocratizar o processo de referenciação/avaliação das NEE, impondo a utilização da Classificação Internacional de Funcionalidade e Incapacidade (CIF 2001, OMS), completamente inadequada ao processo educativo, com o objectivo de afastar da Educação Especial milhares de alunos com necessidades educativas especiais, tidas por não permanentes; 5 — Encerrar as Instituições de Educação Especial e «despejar» os seus alunos na rede de escolas de referência/unidades especializadas, a funcionar em situações de autênticos «guetos» escolares e sociais, deixando muitas famílias em situação de completa desprotecção institucional e social.
Assim, os cidadãos abaixo assinados, no exercício do direito de petição legalmente consagrado, solicitam à Assembleia da República a revogação do Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de Janeiro, e a sua substituição por legislação que garanta o direito à educação, em igualdade de oportunidades, a todas as crianças e jovens com necessidades educativas especiais.
Lisboa, 16 de Abril de 2008.
O primeiro subscritor, Mário de Oliveira Nogueira.
Nota: — Desta petição foram subscritores 14 024 cidadãos.
A Divisão de Redacção e Apoio Audiovisual.