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Sexta-feira, 4 de novembro de 2022 II Série-B — Número 43
XV LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2022-2023)
S U M Á R I O
Inquérito Parlamentar n.º 3/XV/1.ª (CH): Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar para avaliação do processo de reestruturação do Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança de Portugal (SIRESP), desde os incêndios de 2017 até ao presente.
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INQUÉRITO PARLAMENTAR N.º 3/XV/1.ª
COMISSÃO EVENTUAL DE INQUÉRITO PARLAMENTAR PARA AVALIAÇÃO DO PROCESSO DE
REESTRUTURAÇÃO DO SISTEMA INTEGRADO DE REDES DE EMERGÊNCIA E SEGURANÇA DE
PORTUGAL (SIRESP), DESDE OS INCÊNDIOS DE 2017 ATÉ AO PRESENTE
Exposição de motivos
No ano de 2022, os incêndios florestais consumiram mais de 38 mil hectares, cerca de 25 000 dos quais na
segunda semana de julho, segundo dados provisórios do Instituto da Conservação da Natureza e das
Florestas (ICNF), no que representa a maior área ardida desde 2017.
Destes 38 198 hectares de área ardida, 52% arderam em povoamentos florestais, 36% em matos e 11%
em área agrícola, pelo que, em comparação com o mesmo período do ano passado, a área ardida mais do
que triplicou em 2022.
Estes dados são fruto de 6118 incêndios rurais ocorridos durante o ano de 2022, o que significa que, em
comparação com o mesmo período de 2021, o número de incêndios aumentou 43% (mais 1855), constituindo
igualmente o mais elevado desde 2017.
Os incêndios rurais são uma realidade que se repete anualmente com consequências, por vezes, trágicas.
O nível de preparação e os meios disponíveis são aquilo que faz toda a diferença, e é neste ponto que o
governo de 2017 e o atual têm o mesmo problema por resolver, e esse problema chama-se SIRESP.
É importante que o País disponha de uma rede de comunicações de emergência funcional, prática e fiável,
em condições de garantir uma adequada utilização pelas polícias e pelos meios de socorro.
Nunca é demais realçar a enorme importância que a rede SIRESP tem para o funcionamento diário de
serviços críticos do Estado, suportando as comunicações a 40 000 utilizadores de 125 entidades, às quais
acrescem 433 corpos de bombeiros, assegurando em média cerca de três milhões de chamadas por mês.
Mas é principalmente durante a ocorrência de eventos especiais – como foi o caso dos incêndios de junho
e outubro de 2017 – que a fiabilidade do sistema de comunicações deve ser garantida.
Em maio de 2019, apresentou o seu relatório final um grupo de trabalho criado e coordenado pela
ANACOM para encontrar soluções que permitissem melhorar a proteção das redes de telecomunicações em
caso de incêndios florestais, no qual se propuseram ao Governo 27 medidas cuja implementação permitiria
minorar o impacto dos incêndios sobre as infraestruturas de telecomunicações. Vale a pena recordar que, na
sequência dos incêndios de 2017, as populações afetadas ficaram privadas de serviço de comunicações
telefónicas durante vários meses, em consequência dos danos e da destruição provocados, pelo que o
relatório propôs medidas destinadas a aumentar a proteção e a resiliência das infraestruturas de
telecomunicações.
De entre as medidas mais importantes que foram propostas destaca-se a de utilização de feixes hertzianos
como alternativa aos cabos aéreos – também, como forma de assegurar redundância na rede, a ativar em
caso de falha da rede por cabo – ou a de melhoria da cobertura na orla marítima, para as operações de
socorro e de segurança desenvolvidas na orla costeira.
Nada foi feito, pelo Governo, para implementar estas medidas.
Por outro lado, também no âmbito do Ministério da Administração Interna foi criado um grupo de trabalho,
destinado a apresentar as soluções tecnológicas para as comunicações de emergência em Portugal, a partir
de 1 de julho de 2021 (quando terminou o atual contrato), cujo relatório final recomendava que se fizessem
alterações de fundo no SIRESP, após ter concluído que a rede de comunicações de emergência já fora pior,
mas continuava a não ser segura, sobretudo em situações extraordinárias.
De entre as várias medidas propostas nesse relatório, contudo, apenas uma ínfima parte foi aplicada pelo
Governo de então, que se limitou a comprar 18 geradores a gasóleo móveis, a atualizar o software da
infraestrutura da rede SIRESP e a instalar 451 antenas de ligação via satélite que se destinam a funcionar
como redundância do sistema, muito embora só tenha adquirido espaço, no satélite, para 60 estações de
satélite a funcionar em simultâneo.
Medidas como o reforço da cobertura nos Açores e na Madeira, ou a aquisição de geradores para espalhar
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pelo País, por exemplo, foram propostas que caíram em saco roto.
Além disso, o conjunto das medidas propostas em ambos os relatórios pressupunham a elaboração, a
aprovação e a implementação de um novo quadro legal e administrativo que as robustecesse, incrementando
a fiabilidade e a resiliência do SIRESP, em geral, e face a situações de emergência, em particular.
Foi neste conspecto que o Ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, anunciou, na Comissão de
Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, a medida-bandeira do Governo para resolver o
problema do SIRESP: o Governo iria adquirir a maioria do capital social da SIRESP, S.A., chamando a si os
destinos da operadora de emergência nacional.
Sucede que a Altice Portugal exerceu o direito de preferência na compra das participações da Esegur e
Datacomp no SIRESP, passando a deter 52,1% do capital social do SIRESP. Quanto ao Estado português,
teve de se contentar com uma posição acionista de 33%, com direito a nomear dois membros do conselho de
administração, incluindo o presidente, e dois dos três membros da comissão executiva.
Quando foi questionado sobre a razão pela qual permitiu que tivesse acontecido exatamente o oposto do
que o Governo tinha definido, o PM, em entrevista ao Expresso de 11-08-2018, explicou que «O objetivo
fundamental do Governo era entrar no capital do SIRESP e ficar com uma posição maioritária para obrigar a
operadora a fazer um conjunto de investimentos, (enterramento de cabos, aquisição de antenas e satélites, e
outros). Ao longo deste ano, a Altice acordou com o Estado o enterramento de cerca de mil quilómetros de
cabo, dos quais 275 já estão realizados, procedeu à aquisição de mais de 400 antenas satélite. Tendo sido
realizado este conjunto de investimentos, a necessidade de ter a maioria do capital deixou de ser essencial».
A verdade é que o Governo nunca explicou cabalmente porque é que recuou, porque é que anunciou outra
medida que não a de aquisição da maioria do capital (54%) do SIRESP, agindo mais uma vez de forma pouco
transparente e sem dar explicações aos portugueses.
Ficou a dúvida quanto a saber se os investimentos foram feitos, ou não.
É certo que o Governo assegurou, no Plano Nacional de Reformas para 2019, que tinha sido conseguida
«a completa execução da medida relativa ao reforço da rede SIRESP, com a provisão de sistemas de
redundância e prontidão que garantem maior fiabilidade e mobilidade ao sistema», no decurso do ano de
2018.
No entanto, o Governo nunca explicou como é que esse investimento na redundância foi assegurado, em
2018, uma vez que o Tribunal de Contas chumbou por duas vezes a possibilidade de ser o Estado a pagar
esse custo devido à falta de documentação e de pareceres técnicos que o sustentassem, num processo que o
próprio Tribunal considerou de «grande opacidade», não justificável ainda que pela «inegável urgência» que
estaria por detrás de um tal aditamento ao contrato.
Tratou-se de um aditamento ao contrato do SIRESP, negociado entre o MAI e a Altice, para o reforço da
cobertura das redes de comunicações, negociação esta que resultou num encargo para o Estado fixado em
15,580 milhões de euros (acrescido de IVA), a pagar entre 2018 e 2021, montante esse que respeitava,
segundo a SG-MAI, à necessidade de remunerar a operadora SIRESP pelos serviços adicionais a
subcontratar por esta em desenvolvimento da solução de redundância da rede SIRESP, constituindo uma
forma de repor o equilíbrio financeiro do contrato inicial, ao abrigo da cláusula 25.7 do contrato SIRESP.
Em dezembro de 2019, o Estado viria a comprar a parte dos operadores privados (Altice e Motorola) no
SIRESP, por 7 milhões de euros, sendo atualmente detentora de 100% do capital da SIRESP, S.A.
Desde 1 de julho de 2021, contudo, está em vigor um modelo transitório de gestão deste sistema de
comunicações de emergência, com a duração de 18 meses, terminando a 31 de dezembro do ano de 2022.
Esse modelo transitório foi adjudicado por ajuste direto, dada a urgência em assegurar o funcionamento da
rede SIRESP após 1 de julho de 2021, mas foi alvo imediato das críticas do Tribunal Constitucional, que
expressamente advertiu para a necessidade de lançamento de um procedimento de contratação pública, em
tempo útil, para impedir a repetição das condições de urgência que levaram à realização do ajuste direto.
Em maio de 2022, o Governo lançou um concurso público internacional, avaliado em 75 milhões de euros,
tendo em vista a adjudicação da gestão e manutenção do Sistema Integrado de Redes de Emergência e de
Segurança de Portugal (SIRESP).
Ora, em 29 de junho de 2022, a Ex-Presidente da SIRESP, S.A., Sandra Perdigão Neves, afirmou que «o
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primeiro lote do concurso público internacional, lançado na passada semana pelo Governo, é uma adjudicação
direta à Motorola disfarçado de concurso público internacional», violando claramente, no seu entender, regras
elementares da concorrência, e afirmando igualmente que, «só a Motorola tem condições para concorrer e
ganhar este lote do concurso», uma vez que o sistema DIMETRA, sobre o qual está baseado o sistema que
está a concurso, é da propriedade da Motorola.
Afirmou igualmente que os prazos são de tal forma impossíveis de cumprir, que o concurso poderá terminar
com uma não-adjudicação, abrindo-se assim a porta a uma adjudicação direta ao único concorrente com a
tecnologia que satisfaz a pretensão do Estado português.
Afirmou ainda que a tecnologia na qual está baseado o SIRESP, a arquitetura TETRA, já se encontra
ultrapassada em no mínimo 10 anos, o que impossibilita a transmissão de imagem e vídeo, o que significa que
vamos continuar a apostar numa tecnologia com tantas limitações e com custos de manutenção superiores ao
atual padrão tecnológico, o sistema LTE.
Já referimos que o concurso público internacional lançado em junho passado tem um valor base de 75
milhões de euros. A estes, acrescem ainda:
̶ Um investimento de 36,5 milhões de euros, a financiar pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR);
̶ Uma verba, destinada ao funcionamento e permanente utilização do SIRESP, no valor de 38,5 milhões
de euros;
̶ Uma verba, no valor de 26 milhões de euros que o Governo vai transferir para a atual gestora da rede, a
SIRESP S.A., até ao final deste ano;
̶ Um novo investimento, anunciado em agosto, de 4,2 milhões de euros em equipamentos de redundância
para assegurar as comunicações via satélite em caso de falha dos circuitos terrestres, e, ainda, os 10,6
milhões de euros que estavam em dívida, em junho passado, aos fornecedores que fazem a operação e
manutenção da rede.
As afirmações da ex-Presidente da SIRESP, S.A. não podem nem devem ser tomadas de ânimo leve, no
entender do Chega: afinal de contas, o SIRESP vai (ainda) custar ao erário público cerca de 190 milhões de
euros, até 2028.
E a verdade é que está em curso uma investigação da Polícia Judiciária, a pedido do próprio Governo,
tendo sido efetuadas buscas na Secretaria-Geral da Administração Interna (que tutela a SIRESP, S.A.) e
noutras três empresas, uma das quais a Altice, com fundamento numa denúncia da ex-Ministra da
Administração Interna Francisca Van Dunem sobre suspeitas de favorecimento por parte de uma empresa
contratada pela Secretaria-Geral da Administração Interna para aconselhar sobre a rede de comunicações
SIRESP.
Estão em causa suspeitas de corrupção, tráfico de influência, recebimento ou oferta indevida de vantagem,
participação económica em negócio, abuso de poder e prevaricação.
A Assembleia da República não pode alhear-se desta questão.
Em primeiro lugar, porque se trata da rede de comunicações de emergência do Estado, cuja necessidade e
funcionalidade são da maior importância para o trabalho das instituições de saúde, das forças de segurança,
da proteção civil e dos bombeiros, entre outros.
Em segundo lugar, porque se trata de dinheiros públicos, cuja utilização pode e deve ser fiscalizada pela
Assembleia da República.
Em terceiro lugar, porque não podem deixar de estar em causa as decisões e a atuação dos vários
membros de vários governos constitucionais, que, desde 2017 em diante, têm tutelado o Sistema Integrado de
Redes de Emergência e Segurança de Portugal, que devem ser escrutinadas pela entidade à qual incumbe
fiscalizar o Governo.
Assim:
̶ Considerando que compete ao Parlamento escrutinar os atos do Governo e da Administração e que as
Comissões Parlamentares de Inquérito são o instrumento mais adequado para esse fim;
̶ Considerando que os Deputados têm o dever de procurar a verdade e os portugueses têm o direito de a
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conhecer;
̶ Considerando que o escrutínio dos atos do Governo e da Administração é um direito inalienável e um
dever dos Deputados;
Os Deputados abaixo-assinados do Grupo Parlamentar do Chega requerem, ao abrigo do disposto na
alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 5/93, de 1 de março, republicada pela Lei n.º 15/2007, de 3 de abril, a
constituição imediata de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, que deverá funcionar pelo prazo de 120
dias, com o seguinte objeto:
̶ Avaliar todo o processo de reestruturação do Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança
de Portugal, levado a efeito após os incêndios de 2017 por vários membros do Governo, e em vários
governos, incluindo nessa avaliação o aviso de abertura e as peças do concurso internacional para a
adjudicação da gestão e manutenção do Sistema Integrado de Redes de Emergência e de Segurança de
Portugal (SIRESP);
̶ Avaliar as decisões dos vários membros do Governo que, durante aquele período, tutelaram o Sistema
Integrado de Redes de Emergência e Segurança de Portugal, seja em relação com a gestão corrente deste
Sistema, seja em relação com o processo de reestruturação em curso.
Palácio de São Bento, 21 de outubro de 2022.
Os Deputados do CH: André Ventura — Bruno Nunes — Diogo Pacheco de Amorim — Filipe Melo —
Gabriel Mithá Ribeiro — Jorge Galveias — Pedro dos Santos Frazão — Pedro Pessanha — Pedro Pinto —
Rita Matias — Rui Afonso — Rui Paulo Sousa.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO.