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Segunda-feira, 21 de novembro de 2022 II Série-B — Número 46
XV LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2022-2023)
S U M Á R I O
Inquérito Parlamentar n.º 4/XV/1.ª (CH):
Comissão eventual de inquérito parlamentar para avaliação da gestão da pandemia por COVID-19:
— Texto inicial. — Alteração do texto inicial do inquérito parlamentar. — Segunda alteração do texto inicial do inquérito parlamentar.
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INQUÉRITO PARLAMENTAR N.º 4/XV/1.ª
COMISSÃO EVENTUAL DE INQUÉRITO PARLAMENTAR PARA AVALIAÇÃO DA GESTÃO DA
PANDEMIA POR COVID-19
[Texto inicial]
Exposição de motivos
Em 31 de dezembro de 2019, a Organização Mundial da Saúde (OMS) foi alertada sobre vários casos de
pneumonia na cidade de Wuhan, província de Hubei, na República Popular da China. Tratava-se de um novo
tipo de coronavírus que não havia sido identificada antes em seres humanos.
Uma semana depois, a 7 de janeiro de 2020, as autoridades chinesas confirmaram que haviam identificado
um novo tipo de coronavírus. Os coronavírus estão por toda a parte e são a segunda principal causa de gripe
comum (após rinovírus) e, até às últimas décadas, raramente causavam doenças mais graves em humanos do
que uma gripe comum.
Ao todo, sete coronavírus humanos (HCoV) já foram identificados: HCoV-229E, HCoV-OC43, HCoV-NL63,
HCoV-HKU1, SARS-CoV (que causa síndrome respiratória aguda grave), MERS-CoV (que causa síndrome
respiratória do Médio Oriente) e o, mais recente, novo coronavírus (que no início foi temporariamente nomeado
2019-nCoV e, em 11 de fevereiro de 2020, recebeu o nome de SARS-CoV-2), sendo então o responsável por
causar a COVID-19.
A 30 de janeiro de 2020, a OMS declarou que o surto do novo coronavírus constituía uma emergência de
saúde pública de importância internacional (ESPII) – o mais alto nível de alerta da organização, conforme
previsto no Regulamento Sanitário Internacional. Essa decisão teve como objetivo agilizar a coordenação, a
cooperação e a solidariedade global para interromper a propagação do vírus.
Em Portugal, a pandemia de COVID-19 teve início, oficialmente, a 2 de março de 2020, quando foi reportado
que dois homens, um médico de 60 anos que esteve de férias no norte de Itália e um homem de 33 anos que
esteve em Espanha em trabalho, testaram positivo ao SARS-CoV-2. E foi também a 2 de março de 2020 que o
Governo português divulgou um despacho a ordenar aos serviços públicos que elaborassem planos de
contingência para o surto de COVID-191.
Segundo dados oficiais2, desce o início da pandemia em Portugal registaram-se 3 413 013 casos confirmados
e 21 342 mortes.
No dia 18 de março de 2020, a Assembleia da República debateu e aprovou a Resolução n.º 15-A/2020,
através da qual autorizou o Presidente da República a declarar o estado de emergência em Portugal – o que
sucedeu, com a publicação do Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020 –, com fundamento na
verificação de uma situação de calamidade pública.
Em sequência, o Governo regulamentou a aplicação do estado de emergência, através do Decreto n.º 2-
A/2020 (retificado pela Declaração de Retificação n.º 11-D/2020), que entrou em vigor às 00h do dia 22 de
março.
Estes diplomas prorrogados por diversas vezes, incluíam, entre outras, normas relativas ao confinamento
obrigatório, à circulação de pessoas, à abertura de estabelecimentos comerciais e ao funcionamento dos
serviços públicos3.
Com isto foram também postas em causa as liberdades e garantias dos cidadãos, não só com a
obrigatoriedade de confinamento e circulação de pessoas, que viram a sua mobilidade controlada e restrita a
determinados horários, ou com a posterior obrigatoriedade de utilização de máscara mesmo sem os indivíduos
estarem infetados. É importante apurar até que ponto o estado de emergência podia/pode limitar um direito
constitucional.
A pandemia gerou uma crise económica sem precedentes num curto espaço de tempo. Serviços e comércio
fechados, escolas fechadas com alunos em aulas zoom, muitos sem acesso a computador ou Internet não
1 Veja a cronologia dos principais acontecimentos desde o início da pandemia de coronavírus – Sociedade – Correio da Manhã (cmjornal.pt). 2 Página inicial – COVID-19 estamos ON. 3 Estado de emergência (parlamento.pt).
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tiveram contacto com o professor até ao final do ano letivo, hospitais exclusivamente dedicados ao atendimento
de doentes COVID, faltou tudo mas faltou principalmente planeamento atempado e muitas fragilidades foram
postas a descoberto.
O Governo regulamentou a aplicação do estado de emergência, definindo as atividades que,
obrigatoriamente, se encontravam suspensas e as que podiam ou deviam manter-se em funcionamento pelo
facto de prestarem serviços de primeira necessidade ou outros serviços considerados essenciais.
O Governo aprovou ainda, entre outras, uma medida de apoio extraordinária à manutenção dos contratos de
trabalho em empresas em situação de crise empresarial: 2/3 da retribuição ilíquida do trabalhador, sendo 70%
assegurado pela Segurança Social e 30% assegurado pelo empregador (layoff simplificado). No entanto, esta
medida apenas era aplicável às empresas que procedessem à paragem total da atividade da empresa ou
estabelecimento em virtude da interrupção das cadeias de abastecimento globais, da suspensão ou
cancelamento de encomendas, e que tivessem uma quebra abrupta e acentuada de, pelo menos, 40% da
faturação, nos 60 dias anteriores ao pedido junto da Segurança Social com referência ao período homólogo.
Igualmente, o Governo aplicou o referido regime também às empresas que foram obrigadas a suspender a
atividade por decisão legislativa ou administrativa.
Todas as restantes empresas que se dedicam às atividades que o próprio Governo declarou como de
primeira necessidade ou outros serviços considerados essenciais, como por exemplo, supermercados,
farmácias, serviços médicos e de saúde ou postos de abastecimento de combustível teriam de ter, igualmente,
um prejuízo de pelo menos 40% da sua faturação para poderem recorrer aos benefícios do layoff simplificado.
Acresce que, o apoio financeiro a concedido pelo estado não teve, em muitas das situações, qualquer utilidade
prática, tendo em conta que uma parte significativa das empresas já se encontrava, aquando da concessão do
benefício, numa situação economicamente inviável, o que teve graves consequências ao nível do desemprego,
como explicado abaixo.
De acordo com um documento do Governo entregue aos parceiros sociais na reunião da Comissão
Permanente de Concertação Social (CPCS) de 17 de fevereiro, o layoff simplificado de 2020 abrangeu 897 mil
trabalhadores e 110 mil empresas.
Na mesma ocasião, foi conhecido que a Segurança Social recebeu 261 mil pedidos de apoios sociais
extraordinários em janeiro e fevereiro, período durante o qual foram pedidos apoios ao emprego que abrangeram
431 mil trabalhadores e 83 mil empresas.
Segundo disse a Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ana Mendes Godinho, em 10 de
março estavam a ser atribuídos apoios a 74 000 empresas com o objetivo de assegurar a manutenção do
emprego, tanto através do layoff simplificado como do apoio à retoma da atividade.
Quanto ao layoff tradicional, previsto no Código do Trabalho, em janeiro, o número de empresas abrangidas
era de 249, correspondendo a 4758 trabalhadores, segundo estatísticas da Segurança Social.
Comparando com janeiro de 2020, ainda antes da pandemia, houve um acréscimo de 406,5% no total de
processamentos de layoff tradicional, ou seja, mais 3818 prestações.
O medo do desconhecido levou a uma retração por parte dos consumidores, sem precedentes. As pessoas,
impedidas pelo confinamento obrigatório, e não sabendo o que lhes esperava no futuro, reduziram ao máximo
o consumo e mesmo as empresas consideradas essências sofreram quebras avultadas.
A suspensão ou restrição de atividade em variados setores, como restauração, comércio, turismo e cultura,
entre outros, elevou o número de falências em Portugal, agravou situações de precariedade e provocou assim
o aumento do desemprego.
O segundo trimestre de 2020 observou a maior quebra do produto interno bruto (PIB) desde que há registo
em Portugal, devido à paralisação quase total da atividade económica durante a vigência do primeiro estado de
emergência, entre 19 de março e 2 de maio, e às limitações impostas à maioria dos setores da sociedade. Entre
1 de abril e 30 de junho de 2020, a economia portuguesa contraiu 16,3% face ao registado no mesmo período
de 2019, e relativamente ao primeiro trimestre, o último sem pandemia de COVID-19, a quebra do PIB foi de
13,9%, de acordo com números do Instituto Nacional de Estatística (INE)4.
No conjunto do ano, o PIB caiu 7,6% em 2020, registando a contração «mais intensa» da atual série de
Contas Nacionais do INE, «refletindo o efeito negativo extraordinário da pandemia COVID-19 na atividade
económica».
4 A pandemia e os trágicos números da economia portuguesa (dn.pt).
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De acordo com o INE, «a procura interna foi particularmente afetada» em 2020, registando uma redução de
4,7% em termos reais (após ter aumentado 2,8% no ano anterior), passando de um contributo para a variação
anual do PIB de +2,8 pontos percentuais em 2019 para -4,6 pontos percentuais em 2020».
De acordo com dados preliminares do INE, «os estabelecimentos de alojamento turístico registaram 10,5
milhões de hóspedes e 26,0 milhões de dormidas, -61,3% e -63,0%, respetivamente», face a 2019, ano em que
tinham registado subidas respetivas de 7,9% e 4,6%.
As dormidas de residentes corresponderam a 13,6 milhões, o número mais baixo desde 2013, e 12,3 milhões
de não residentes, o valor mais baixo desde 1984.
Em abril de 2020, segundo o INE, registou-se uma «expressão praticamente nula» da atividade turística, com
variações homólogas de -97,4% e -97,0% em termos do número de hóspedes e dormidas.
Registo similar ocorreu em maio, mês em que foram albergados 149,8 mil hóspedes e registadas 307 mil
dormidas, variações de -94,2% e -95,3% face ao mesmo mês de 2019.
A taxa de desemprego subiu de 6,5% em 2019 para 6,8% em 2020, de acordo com os números divulgados
pelo INE.
A taxa de subutilização do trabalho para o conjunto do ano de 2020 – indicador que agrega a população
desempregada, o subemprego de trabalhadores a tempo parcial, os inativos à procura de emprego, mas não
disponíveis e os inativos disponíveis, mas que não procuram emprego – foi estimada em 13,9%, ou seja, 1,2
pontos percentuais acima da do ano anterior.
A população empregada, por sua vez, foi estimada em 4814,1 mil pessoas, o que representa a redução de
99 mil empregos em relação ao ano anterior.
Já a população desempregada, 350,9 mil pessoas, aumentou 3,4% (11,4 mil) em relação àquele período.
A taxa de desemprego de jovens (15 a 24 anos) no conjunto do ano situou-se em 22,6%, 4,3 pontos
percentuais acima do estimado para o ano anterior.
O índice de volume de negócios no comércio a retalho, publicado pelo INE, diminuiu 4,3% no conjunto do
ano de 2020, o que compara com o crescimento de 4,3% verificado em 2019.
Em termos mensais, a maior quebra verificou-se em abril de 2020, com uma descida de 21,6%, seguindo-se
maio (-13,1%) e janeiro de 2021 (-10,9%).
Em dezembro de 2020, existiam em Portugal 98 899 famílias e 211 540 beneficiários com processamento de
rendimento social de inserção (RSI), de acordo com os números do Gabinete de Estratégia e Planeamento do
Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social. No mesmo mês de 2019, havia 94 627 famílias e 203
273 beneficiários com processamento de RSI.
Em dezembro do ano passado, 68 411 dos beneficiários tinham menos de 18 anos, número que diminuiu
para 65 792 no mesmo mês de 2020.
A par das empresas e das famílias, a saúde foi, obviamente, das áreas mais afetadas.
A pandemia mostrou uma planificação insuficiente na saúde e organização antiquada (dados do Relatório de
primavera 2022 do Observatório Português dos Sistemas de Saúde – OPSS)5, não houve distribuição eficiente,
equitativa e inteligente dos recursos humanos pelo espaço geográfico.
Em 2020 ficaram por fazer milhares de cirurgias, consultas e exames de diagnóstico complementar, um défice
de 25 milhões de exames. Houve um impacto muito grande no rastreio de doenças oncológicas, que se manteve
em 2021. Houve um impacto muito grande nos novos diagnósticos. Quando em 2021 o Ministério da Saúde
anunciou que já tínhamos recuperado os números, não tínhamos recuperado os números, o que estava a
acontecer era termos números semelhantes a 2019, uma atividade habitual em número de cirurgias e consultas,
mas foram milhares as cirurgias, consultas e exames que não se fizeram em 2020.
Da mortalidade em excesso nem toda pode ser explicada pelas mortes por COVID-19. Parte dessas mortes
podem ser na verdade mortes por COVID-19 em pessoas não diagnosticadas com SARS-CoV-2.
Outra explicação para o excesso de mortalidade está na alteração da intensidade e qualidade do acesso a
cuidados de saúde. As alterações a que os sistemas de saúde foram sujeitos durante a pandemia levaram a
quebras da quantidade e possivelmente da qualidade dos serviços de saúde prestados.
Durante o ano de 2020, foram identificados pela DGS seis picos de mortalidade, no entanto, apenas dois
deles estão identificados com a COVID-19.
5 Relatório de primavera 2022 – OPSS (opssaude.pt).
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A principal conclusão do relatório «Mortalidade Geral e por Grandes Grupos de Causas» da Direção-Geral
de Saúde, descarta assim a COVID-19 como foco de toda a mortalidade nesse ano.
De acordo com os dados deste relatório, em 2020 houve mais 14% de mortes face à média dos seis anos
anteriores, mas a COVID-19 foi apenas a quarta causa de morte mais frequente (5,9% de todas as mortes).
Os seis picos de mortalidade são justificados no relatório da seguinte forma:
1.º Início da pandemia COVID;
2.º Frio e atividade gripal;
3.º Onda de calor;
4.º Temperaturas altas;
5.º Não foram encontradas justificações para este pico;
6.º COVID.
O relatório identifica ainda que em 2020 houve mais óbitos por doenças do aparelho circulatório, como AVC
– mais 1618 do que o esperado – e mais 45% de mortes por doenças hipertensivas não havendo explicações
para este fundamento.
Segundo o OPSS a pandemia deixou ainda a descoberto a «real ausência de uma estratégia de saúde
escolar e planos não avulsos de intervenção nas escolas». A ansiedade em crianças devido ao isolamento
aumentou drasticamente e isso refletiu-se no seu desempenho escolar. Desde 15 de março de 2020 e em 2021,
praticamente todo o período escolar foi passada dentro de quatro paredes.
Outra questão que importa abordar e que atá à data não foi objeto de explicação tem a ver com os
ventiladores que nunca chegaram aos hospitais portugueses.
Segundo dados do Ministério de Saúde, o número de ventiladores nos hospitais do Serviço Nacional de
Saúde (SNS) cresceu 72% desde o início da pandemia. Contudo, o número de aparelhos é inferior ao que o
Estado contava, já que mais de uma centena nunca chegou a estar operacional (as instruções de utilização
inscritas nos próprios ventiladores estavam escrita em mandarim)6 e muitos outros não chegaram ao País por
incumprimento de contratos.
Afigura-se também pertinente dissecar, o relatório de acompanhamento dos contratos abrangidos pelo
Regime de Exceção Previsto na Lei n.º 1-A/2020, incluindo os isentos de fiscalização prévia – ou seja,
denominados contratos «COVID-19», feito pelo Tribunal de Contas (TdC).
No arranque da auditoria segundo o TdC «Um dos impactos da pandemia de COVID-19 ocorre na área da
contratação pública, com a aprovação de um regime legal excecional (Decreto-Lei n.º 10-A/2020 ratificado pela
Lei n.º 1-A/2020) que permite a outorga de contratos por ajuste direto por motivos de urgência, a dispensa das
regras do Código dos Contratos Públicos, um regime excecional de autorização de despesas, a produção de
efeitos logo após a adjudicação e a isenção de fiscalização prévia do Tribunal de Contas (TdC)». Concluiu que
janeiro de 2021 foi o mês com mais contratos (3398), diminuindo o volume de compras até outubro de 2021,
altura em que voltou a subir ligeiramente. Por outro lado, março de 2022 foi o mês em que se atingiu o montante
mais elevado de despesa: 302,8 milhões de euros.
A auditoria revela que o Portal Base continha, até março deste ano, 22 134 contratos, no montante total de
cerca de 1973 milhões de euros, dos quais 700 (3,16%) são contratos isentos de fiscalização prévia que, com
cerca de 1746 milhões, representam 88,5% daquele montante. O maior valor contratado e que ficou isento de
visto ficou-se nos 148,9 milhões.
O TdC constata que a administração central é «verdadeiramente absorvente» no montante da contratação
em apreciação, com o Ministério da Saúde responsável por 90,1% (1777 milhões) do montante total.
O mesmo relatório aponta insuficiências na «publicitação e na comunicação dos contratos (publicitados no
Portal Base, mas não comunicados ao Tribunal e vice-versa)», já antes identificadas nos relatórios anteriores.
O relatório constata ainda que nem todos os campos disponíveis no formulário de comunicação do Portal
Base estavam completos ou apropriadamente preenchidos, referindo-se que, além do objeto contratual e do
prazo de execução, a maioria dos contratos (84,5%) não evidenciava o concreto local de execução, estando
apenas indicado «Portugal».
Mas esta não é a única deficiência apontada. «Em alguns casos, a fundamentação de facto foi insuficiente,
6 Ventiladores chineses chegam com instruções em (…) mandarim – Portugal – Sábado (sabado.pt)
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nomeadamente no que respeita aos requisitos da “urgência imperiosa” e/ou da “estrita necessidade” ou ainda
quanto à enumeração dos factos justificativos da “escolha efetuada”», conclui o relatório, acusando que «em
dois procedimentos não se detetou a existência de convite nem de caderno de encargos, o que impossibilitou
aferir da existência de critérios técnicos prévios para avaliação das propostas e de especificações para os bens
a adquirir».
Ainda na lista de «apontamentos», os auditores escrevem que «invocando-se a situação pandémica», a
avaliação das necessidades de contratação foi feita, em alguns casos, de forma organizada e adequada, mas
insuficiente noutros. «Em alguns procedimentos analisados, a avaliação das necessidades de contratação não
foi refletida nas peças procedimentais, não se evidenciando nas mesmas um racional subjacente à fixação das
quantidades adquiridas».
Acresce ainda que, o Tribunal de Contas (TdC) encontrou nove contratos no valor de 26 milhões de euros
para comprar material para os cuidados intensivos que não estavam publicitados no portal oficial do Estado
(portal Base). O TdC recebeu informações sobre 17 adjudicações dos Serviços Partilhados do Ministério da
Saúde (SPMS) na área dos cuidados intensivos (sobretudo ventiladores), no valor de 40 milhões de euros, mas
mais de metade, nove, no valor de 26 milhões, não tinham sido publicitadas no portal Base, contrariando as
regras inscritas no decreto-lei do Governo que define o regime excecional de compras públicas para responder,
numa situação de emergência, à COVID-19.
Ao todo, para além dos casos não publicitados no portal, neste relatório o TdC encontrou no Base um total
de 5673 contratos assinados por entidades públicas entre 21 de março e 31 de maio no âmbito da resposta à
pandemia no valor global de 375 milhões de euros.
O Ministério da Saúde foi responsável por quase metade dos contratos e pela quase totalidade do montante
contratado – 82%, ou seja, 307 milhões de euros. Finalmente, foram encontradas grandes diferenças nos preços
de alguns produtos para produtos similares. O TdC dá exemplos: «o preço unitário de aquisição das “máscaras
cirúrgicas” variou entre 0,49 e 2,5 euros e o das viseiras entre 2,5 e 7,5 euros», factos que poderão ser avaliados,
mais tarde, numa nova auditoria7.
Quanto aos testes à COVID-19, os principais quatro laboratórios do País realizaram 78 contratos, segundo o
portal Base. Alguns contratos, embora raros, referem-se ainda à vacinação. No topo da lista, com 38 contratos
assinados, num valor que ultrapassa os 6,57 milhões de euros, está o Centro de Medicina Laboratorial Germano
de Sousa. Já em segundo lugar, com 20 contratos no valor de 5,33 milhões de euros, encontra-se a Unilabs. A
este laboratório faltam somar contratos que ainda não foram publicados pela Câmara Municipal de Lisboa.
Segue-se, com uma dúzia de contratos cuja soma dá 4,79 milhões de euros, a Joaquim Chaves Saúde. Por
último, com oito contratos, e um total de 3,29 milhões de euros, está a Synlab.
De acordo com os dados do Ministério das Finanças, o Estado gastou 318 milhões de euros em testes. No
total, a administração central gastou 277,8 milhões: A nível regional os gastos foram de 33,8 milhões e as
autarquias gastaram 6,6 mil milhões.
Outra questão a escrutinar tem a ver com a compra de vacinas. A Comissão Europeia vê-se a braços para
apurar como foram negociados os contratos, e porque são os Países-Membros da Europa, nomeadamente o
processo em torno da compra de vacinas da farmacêutica Pfizer.
Em abril de 2021, a presidente da Comissão Europeia afirmou, numa entrevista ao New York Times, que
trocou mensagens de texto (SMS) e telefonemas com o Presidente-Executivo da Pfizer, Albert Bourla, durante
um mês, numa altura em que estava a ser negociado um grande contrato com a farmacêutica.
O contrato efetuado naquela altura tornou a União Europeia o maior cliente da Pfizer até então. Em causa
estava a compra de 1,8 mil milhões de doses da nova vacina desenvolvida pela Pfizer em conjunto com a alemã
BioNTech.
Ao abrigo da lei de acesso à informação foi pedido o pediu o acesso às SMS mas a Comissão Europeia
indicou que já não tinha as mensagens.
Outro desenvolvimento importante no caso da compra das vacinas à Pfizer ocorreu no mês passado. O
Tribunal de Contas Europeu publicou um relatório onde afirmou que a Comissão Europeia também recusou
divulgar detalhes do papel de Ursula von der Leyen nas negociações com a Pfizer.
O Tribunal de Contas descobriu que o contrato gigantesco com a Pfizer, assinado em maio de 2021, foi feito
7 Relatorio-oac-2020-06.pdf (tcontas.pt).
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à revelia dos procedimentos habituais. Para os restantes contratos de compras de vacinas com as outras
farmacêuticas, o procedimento foi seguido.
Estranhamente, no caso do grande contrato feito com a Pfizer, foi a própria Ursula von der Leyen que levou
a cabo as negociações iniciais, em março de 2021. No mês seguinte, ela levou os resultados das negociações
ao conselho diretor. Uma reunião planeada para 2022, que iria reunir assessores científicos para debater a
estratégia de vacinas da União Europeia, nunca aconteceu, segundo o relatório do Tribunal de Contas.
Também contrariando os procedimentos habituais, a Comissão Europeia recusou fornecer documentos e
informações sobre as negociações com a Pfizer, como atas de reuniões e condições negociadas, algo altamente
incomum.
Há mais de um ano que Eurodeputados, instituições europeias e membros da sociedade civil pedem o acesso
aos contratos secretos negociados com a Pfizer mas até à data nada foi disponibilizado.
Muitas questões estão por explicar, nomeadamente o aumento em 4 €, ou seja, passaram de 15,5 € para
19,5 € por unidade de vacina, na assinatura do último contrato. Acresce a perplexão pelo CEO da Pfizer Albert
Bourla ter abandonado a audição no Parlamento Europeu na Comissão Especial sobre a COVID-19 na passada
semana sem ter prestado quaisquer esclarecimentos deixando a Presidente dos Mercados Internacionais da
Pfizer, Janine Small, a responder sozinha perante a comissão.
Não podemos falar em gestão da pandemia sem falar do importante papel do poder local, onde autarquias e
principalmente freguesias se substituíram ao Estado no apoio e socorro das populações, nunca fecharam
serviços, apesar de algumas dificuldades devido ao aumento dos pedidos de apoio. Até à data apresentaram
mais de 40 milhões de euros de despesas que ainda não foram ressarcidas, após compromisso do Governo em
compensar municípios e freguesias por despesas assumidas durante o combate à pandemia, contudo a tutela
não admite este compromisso do Governo: «no que concerne às despesas reclamadas no âmbito das despesas
COVID pelas freguesias não temos aferida qualquer verba, uma vez que não assumimos qualquer compromisso,
pelo quer, não existem valores a ressarcir às freguesias, no âmbito das despesas COVID»8.
A Assembleia da República não pode alhear-se da questão da gestão de todo o «processo COVID».
Em primeiro lugar, por toda a implicação económica e social que não se findou com o levantamento de
restrições.
Em segundo lugar, os contratos realizados no âmbito COVID, por se tratar de dinheiros públicos, cuja
utilização pode e deve ser fiscalizada pela Assembleia da República.
Em terceiro lugar, porque não podem deixar de estar em causa as decisões e a atuação dos vários membros
do Governo implicados nas tomadas de decisão durante o período de pandemia.
Assim:
– Considerando que compete ao Parlamento escrutinar os atos do Governo e da administração e que as
comissões parlamentares de inquérito são o instrumento mais adequado para esse fim;
– Considerando que os Deputados têm o dever de procurar a verdade e os portugueses têm o direito de a
conhecer;
– Considerando que o escrutínio dos atos do Governo e da administração é um direito inalienável e um dever
dos Deputados.
Os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do Chega requerem, ao abrigo do disposto na alínea
a) do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 5/93, de 1 de março, republicada pela Lei n.º 15/2007, de 3 de abril, a
constituição imediata de uma comissão parlamentar de inquérito, que deverá funcionar pelo prazo de 120 dias,
com o seguinte objeto:
– Avaliar todo o processo de gestão da pandemia por COVID-19;
– Avaliar a afetação de recursos económicos e humanos;
– Avaliar todos os contratos públicos nacionais e internacionais feitos ao abrigo dos denominados contratos
«COVID-19»;
– Avaliar o contrato feito pela União Europeia e a farmacêutica Pfizer que obriga os Países-Membros a
comprar vacinas que cobrem várias vezes as necessidades;
8 AP.
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– Avaliar os compromissos assumidos pelo Governo e não cumpridos até à data.
Palácio de São Bento, 1 de novembro de 2022.
[Texto substituído a pedido do autor]
Exposição de motivos
Em 31 de dezembro de 2019, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recebeu o primeiro alerta sobre vários
casos de pneumonia na cidade de Wuhan, província de Hubei, na República Popular da China1. Uma semana
depois, as autoridades chinesas confirmaram a identificação um novo tipo de coronavírus2. Ao todo, tinham sido
já identificados sete coronavírus humanos (HCoV): HCoV-229E, HCoV-OC43, HCoV-NL63, HCoV-HKU1,
SARS-CoV (que causa síndrome respiratória aguda grave), MERS-CoV (que causa síndrome respiratória do
Médio Oriente) e o, mais recente, novo coronavírus (que no início foi temporariamente nomeado 2019-nCoV e,
em 11 de fevereiro de 2020, recebeu o nome de SARS-CoV-2, responsável por causar a COVID-193.
A 30 de janeiro de 2020, a OMS declarou «que o surto do novo coronavírus constituía uma emergência de
saúde pública de importância internacional (ESPII) – o mais alto nível de alerta da organização, conforme
previsto no Regulamento Sanitário Internacional»4, com o objetivo agilizar a coordenação, a cooperação e a
solidariedade global para interromper a propagação do vírus.
Em Portugal a pandemia de COVID-19 teve início oficialmente a 2 de março de 2020, quando foi reportado
que dois homens, um médico de 60 anos que esteve de férias no norte de Itália e um homem de 33 anos que
esteve em Espanha em trabalho, testaram positivo ao SARS-CoV-2. E foi também a 2 de março de 2020 que o
Governo português divulgou um despacho a ordenar aos serviços públicos que elaborassem planos de
contingência para o surto de COVID-195. Segundo dados oficiais, desce o início da pandemia em Portugal
registaram-se 3 413 013 casos confirmados e 21 342 mortes6.
No dia 18 de março de 2020, a Assembleia da República debateu e aprovou a Resolução n.º 15-A/2020,
através da qual autorizou o Presidente da República a declarar o estado de emergência em Portugal – o que
sucedeu, com a publicação do Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020 –, com fundamento na
verificação de uma situação de calamidade pública.
Em sequência, o Governo regulamentou a aplicação do estado de emergência, através do Decreto n.º 2-
A/2020 (retificado pela Declaração de Retificação n.º 11-D/2020), que entrou em vigor às 00h do dia 22 de
março. Estes diplomas prorrogados por diversas vezes, incluíam, entre outras, normas relativas ao confinamento
obrigatório, à circulação de pessoas, à abertura de estabelecimentos comerciais e ao funcionamento dos
serviços públicos7.
Com isto foram também postas em causa as liberdades e garantias dos cidadãos, não só com a
obrigatoriedade de confinamento e circulação de pessoas, que viram a sua mobilidade controlada e restrita a
determinados horários, ou com a posterior obrigatoriedade de utilização de máscara mesmo sem os indivíduos
estarem infetados. É importante apurar até que ponto o estado de emergência podia/pode limitar um direito
constitucional.
Os impactos económicos provocados pela pandemia foram enormes e ocorreram num espaço de tempo
muito curto. Serviços e comércio fechados, escolas fechadas com alunos em aulas ministradas por
videoconferência, muitos sem acesso a computador ou Internet não tiveram contacto com o professor até ao
final do ano letivo, hospitais exclusivamente dedicados ao atendimento de doentes COVID, faltou tudo mas faltou
principalmente planeamento atempado (especialmente na saúde) e muitas fragilidades foram postas a
1 Histórico da pandemia de COVID-19 – OPAS/OMS – Organização Pan-Americana da Saúde (paho.org). 2 Ibidem. 3 Ibidem. 4 Ibidem. 5 Veja a cronologia dos principais acontecimentos desde o início da pandemia de coronavírus - Sociedade – Correio da Manhã (cmjornal.pt). 6 Página inicial – COVID-19 estamos ON. 7 Estado de emergência (parlamento.pt).
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9
descoberto.
O Governo regulamentou a aplicação do estado de emergência, definindo as atividades que,
obrigatoriamente, se encontravam suspensas e as que podiam ou deviam manter-se em funcionamento pelo
facto de prestarem serviços de primeira necessidade ou outros serviços considerados essenciais.
O Governo aprovou ainda, entre outras, uma medida de apoio extraordinária à manutenção dos contratos de
trabalho em empresas em situação de crise empresarial: 2/3 da retribuição ilíquida do trabalhador, sendo 70%
assegurado pela Segurança Social e 30% assegurado pelo empregador (layoff simplificado). No entanto, esta
medida apenas era aplicável às empresas que procedessem à paragem total da atividade da empresa ou
estabelecimento em virtude da interrupção das cadeias de abastecimento globais, da suspensão ou
cancelamento de encomendas, e que tivessem uma quebra abrupta e acentuada de, pelo menos, 40% da
faturação, nos 60 dias anteriores ao pedido junto da Segurança Social com referência ao período homólogo.
Igualmente, o Governo aplicou o referido regime também às empresas que foram obrigadas a suspender a
atividade por decisão legislativa ou administrativa8 9.
Todas as restantes empresas que se dedicam às atividades que o próprio Governo declarou como de
primeira necessidade ou outros serviços considerados essenciais, como por exemplo, supermercados,
farmácias, serviços médicos e de saúde ou postos de abastecimento de combustível teriam de ter, igualmente,
um prejuízo de pelo menos 40% da sua faturação para poderem recorrer aos benefícios do layoff simplificado.
Acresce que, o apoio financeiro a concedido pelo Estado não teve, em muitas das situações, qualquer utilidade
prática, tendo em conta que uma parte significativa das empresas já se encontrava, aquando da concessão do
benefício, numa situação economicamente inviável, o que teve graves consequências ao nível do desemprego,
como explicado abaixo.
De acordo com um documento do Governo entregue aos parceiros sociais na reunião da Comissão
Permanente de Concertação Social (CPCS) de 17 de fevereiro, o layoff simplificado de 2020 abrangeu 897 mil
trabalhadores e 110 mil empresas.
Ao mesmo tempo, ficou a saber-se que a Segurança Social recebeu 261 mil pedidos de apoios sociais
extraordinários em janeiro e fevereiro, período durante o qual foram pedidos apoios ao emprego que abrangeram
431 mil trabalhadores e 83 mil empresas10.
Segundo noticiado pelo Diário de Notícias, a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ana
Mendes Godinho, disse que «em 10 de março estavam a ser atribuídos apoios a 74 000 empresas com o objetivo
de assegurar a manutenção do emprego, tanto através do layoff simplificado como do apoio à retoma da
atividade»11. Tendo referido ainda que «Quanto ao layoff tradicional, previsto no Código do Trabalho, em janeiro,
o número de empresas abrangidas era de 249, correspondendo a 4758 trabalhadores, segundo estatísticas da
Segurança Social. Comparando com janeiro de 2020, ainda antes da pandemia, houve um acréscimo de 406,5%
no total de processamentos de layoff tradicional, ou seja, mais 3818 prestações».
O medo do desconhecido levou a uma retração por parte dos consumidores sem precedentes. As pessoas
impedidas pelo confinamento obrigatório, e não sabendo o que lhes esperava no futuro, reduziram ao máximo
o consumo e mesmo as empresas consideradas essenciais sofreram quebras avultadas.
A suspensão ou restrição de atividade em variados setores, como foi o caso da restauração, do comércio,
turismo e cultura, entre outros, aumentou o número de insolvências em Portugal, agravando situações de
precariedade e provocando assim o aumento do desemprego.
O INE, nos seus relatórios anuais, apresentou os dados importantes que nos dão um enquadramento dos
diversos setores pré e durante a pandemia. Nomeadamente e citando, no referido relatório é afirmado que «O
segundo trimestre de 2020 observou a maior quebra do produto interno bruto (PIB) desde que há registo em
Portugal, devido à paralisação quase total da atividade económica durante a vigência do primeiro estado de
emergência, entre 19 de março e 2 de maio, e às limitações impostas à maioria dos setores da sociedade. Entre
1 de abril e 30 de junho de 2020, a economia portuguesa contraiu 16,3% face ao registado no mesmo período
de 2019, e relativamente ao primeiro trimestre, o último sem pandemia de COVID-19, a quebra do PIB foi de
13,9%»12. No conjunto do ano, o PIB caiu 7,6% em 2020, registando a contração «mais intensa» da atual série
8 Governo alterou as regras do layoff simplificado. Saiba o que isto implica – Política – Correio da Manhã (cmjornal.pt). 9 Layoff simplificado à lupa: Tudo sobre o regime (...) em vias de ser prolongado – idealista/news 10 A pandemia e os trágicos números da economia portuguesa (dn.pt). 11 Ibidem. 12 A pandemia e os trágicos números da economia portuguesa (dn.pt).
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de Contas Nacionais do INE, «refletindo o efeito negativo extraordinário da pandemia COVID-19 na atividade
económica». Ao que acrescentou ainda que «A procura interna foi particularmente afetada em 2020, registando
uma redução de 4,7% em termos reais (após ter aumentado 2,8% no ano anterior), passando de um contributo
para a variação anual do PIB de +2,8 pontos percentuais em 2019 para -4,6 pontos percentuais em 2020».
No que ao turismo diz respeito, podemos ler que «os estabelecimentos de alojamento turístico registaram
10,5 milhões de hóspedes e 26,0 milhões de dormidas, -61,3% e -63,0%, respetivamente, face a 2019, ano em
que tinham registado subidas respetivas de 7,9% e 4,6%». E ainda, «As dormidas de residentes corresponderam
a 13,6 milhões, o número mais baixo desde 2013, e 12,3 milhões de não residentes, o valor mais baixo desde
1984».
Acabando por concluir que: Em abril de 2020, registou-se uma «expressão praticamente nula» da atividade
turística, com variações homólogas de -97,4% e -97,0% em termos do número de hóspedes e dormidas; em
maio, mês em que foram albergados 149,8 mil hóspedes e registadas 307 mil dormidas, variações de -94,2% e
-95,3% face ao mesmo mês de 2019.
Percebe-se, assim, que o setor do turismo, tão importante para a economia portuguesa foi amplamente
afetado. Lisboa, a cidade portuguesa que mais turistas recebe ficou praticamente vazia.
A taxa de desemprego subiu de 6,5% em 2019 para 6,8% em 2020. Ainda segundo o INE, «A taxa de
subutilização do trabalho para o conjunto do ano de 2020 – indicador que agrega a população desempregada,
o subemprego de trabalhadores a tempo parcial, os inativos à procura de emprego, mas não disponíveis e os
inativos disponíveis, mas que não procuram emprego – foi estimada em 13,9%, ou seja, 1,2 pontos percentuais
acima da do ano anterior»13. A população empregada em 2020, por sua vez, foi estimada em 4814,1 mil pessoas,
o que representa a redução de 99 mil empregos em relação ao ano anterior. Já a população desempregada,
350,9 mil pessoas, aumentou 3,4% (11,4 mil) em relação ao mesmo período. A taxa de desemprego de jovens
(15 a 24 anos) no conjunto do ano de 2020 situou-se em 22,6%, 4,3 pontos percentuais acima do estimado para
201914.
O índice de volume de negócios no comércio a retalho, publicado pelo INE, diminuiu 4,3% no conjunto do
ano de 2020, o que compara com o crescimento de 4,3% verificado em 2019. Em termos mensais, a maior
quebra verificou-se em abril de 2020, com uma descida de 21,6%, seguindo-se maio (-13,1%) e janeiro de 2021
(-10,9%)15. Também ao nível dos beneficiários do RSI se verificam aumentos, nomeadamente, «Em dezembro
de 2020, existiam em Portugal 98 899 famílias e 211 540 beneficiários com processamento do rendimento social
de inserção (RSI), de acordo com os números do Gabinete de Estratégia e Planeamento do Ministério do
Trabalho, Solidariedade e Segurança Social. No mesmo mês de 2019, havia 94 627 famílias e 203 273
beneficiários com processamento de RSI»16.
A par das empresas e das famílias, a saúde foi, obviamente, das áreas mais afetadas. A pandemia mostrou
uma planificação insuficiente na saúde e organização antiquada, verificou-se uma distribuição ineficiente e
desigual dos recursos humanos pelo espaço geográfico17.
Em 2020 ficaram por fazer milhares de cirurgias, consultas e exames de diagnóstico complementar, tendo
sido apontado um défice de 25 milhões de exames. Houve um impacto muito grande no rastreio de doenças
oncológicas que se manteve em 2021. Houve também um impacto muito grande nos novos diagnósticos.
Quando em 2021 o Ministério da Saúde anunciou que já tínhamos recuperado os números, isso não
correspondia à verdade. O que estava a acontecer era termos números semelhantes a 2019, uma atividade
habitual em número de cirurgias e consultas, mas foram milhares as cirurgias, consultas e exames que não se
fizeram em 2020.18
Da mortalidade em excesso nem toda pode ser explicada pelas mortes por COVID-19. Parte dessas mortes
podem ser na verdade mortes por COVID-19 em pessoas não diagnosticadas com SARS-CoV-2. Outra
explicação para o excesso de mortalidade pode ser a alteração da intensidade e qualidade do acesso a cuidados
de saúde. As alterações a que os sistemas de saúde foram sujeitos durante a pandemia levaram a quebras da
quantidade e possivelmente da qualidade dos serviços de saúde prestados.
13 INE – Estatísticas do emprego – GEE. 14 Ibidem. 15 INE – Índice de volume de negócios no comércio a retalho – GEE. 16 A pandemia e os trágicos números da economia portuguesa (dn.pt). 17 Relatório de primavera 2022 – Opss (opssaude.pt). 18 COVID não explica todo o excesso de mortalidade em 2020 – Observador
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11
Durante o ano de 2020, foram identificados pela DGS seis picos de mortalidade, no entanto, apenas dois
deles estão identificados com a COVID-19. A principal conclusão do relatório «Mortalidade Geral e por Grandes
Grupos de Causas» da Direção-Geral de Saúde, descarta assim a COVID-19 como foco de toda a mortalidade
nesse ano. De acordo com os dados deste relatório, em 2020 houve mais 14% de mortes face à média dos seis
anos anteriores, mas a COVID-19 foi apenas a quarta causa de morte mais frequente (5,9% de todas as mortes).
Os seis picos de mortalidade são justificados no relatório da seguinte forma:
1.º Início da pandemia COVID;
2.º Frio e atividade gripal;
3.º Onda de calor;
4.º Temperaturas altas;
5.º Não foram encontradas justificações para este pico;
6.º COVID.
O relatório identifica ainda que em 2020 houve mais óbitos por doenças do aparelho circulatório, como AVC
– mais 1618 do que o esperado – e mais 45% de mortes por doenças hipertensivas não havendo explicações
para este fundamento. Segundo o OPSS a pandemia deixou ainda a descoberto a «real ausência de uma
estratégia de saúde escolar e planos não avulsos de intervenção nas escolas»19. A ansiedade em crianças
devido ao isolamento aumentou drasticamente e isso refletiu-se no seu desempenho escolar. Desde 15 de
março de 2020 e em 2021, praticamente todo o período escolar foi passada dentro de quatro paredes.
Outra questão que importa abordar e que atá à data não foi objeto de explicação tem a ver com os
ventiladores que nunca chegaram aos hospitais portugueses.
Segundo dados do Ministério de Saúde, o número de ventiladores nos hospitais do Serviço Nacional de
Saúde (SNS) cresceu 72% desde o início da pandemia. Contudo, o número de aparelhos é inferior ao que o
Estado contava, já que mais de uma centena nunca chegou a estar operacional (as instruções de utilização
inscritas nos próprios ventiladores estavam escritas em mandarim)20 e muitos outros não chegaram ao País por
incumprimento de contratos.
Afigura-se também pertinente dissecar, o relatório de acompanhamento dos contratos abrangidos pelo
Regime de Exceção Previsto na Lei n.º 1-A/2020, incluindo os isentos de fiscalização prévia – ou seja,
denominados contratos «COVID-19», feito pelo Tribunal de Contas (TdC)21.
No arranque da auditoria segundo o TdC «Um dos impactos da pandemia de COVID-19 ocorre na área da
contratação pública, com a aprovação de um regime legal excecional (Decreto-Lei n.º 10-A/2020 ratificado pela
Lei n.º 1-A/2020) que permite a outorga de contratos por ajuste direto por motivos de urgência, a dispensa das
regras do Código dos Contratos Públicos, um regime excecional de autorização de despesas, a produção de
efeitos logo após a adjudicação e a isenção de fiscalização prévia do Tribunal de Contas (TdC)». O relatório
concluiu que janeiro de 2021 foi o mês com mais contratos (3398), diminuindo o volume de compras até outubro
de 2021, altura em que voltou a subir ligeiramente. Por outro lado, março de 2022 foi o mês em que se atingiu
o montante mais elevado de despesa: 302,8 milhões de euros.
A auditoria revela que o Portal Base continha, até março deste ano, 22 134 contratos, no montante total de
cerca de 1973 milhões de euros, dos quais 700 (3,16%) são contratos isentos de fiscalização prévia que, com
cerca de 1746 milhões, representam 88,5% daquele montante. O maior valor contratado e que ficou isento de
visto ficou-se nos 148,9 milhões.
O TdC constata ainda que a administração central é «verdadeiramente absorvente» no montante da
contratação em apreciação, com o Ministério da Saúde responsável por 90,1% (1777 milhões) do montante total,
curiosamente o mesmo ministério que é apontado como o que traz maior desperdício para administração pública.
São apontadas insuficiências na «publicitação e na comunicação dos contratos (publicitados no portal Base,
mas não comunicados ao tribunal e vice-versa)», já antes identificadas nos relatórios anteriores.
Segundo o mesmo relatório é possível aferir que nem todos os campos disponíveis no formulário de
comunicação do Portal Base estavam completos ou apropriadamente preenchidos, referindo-se que, além do
19 https://www.dn.pt/sociedade/pandemia-mostrou-planificacao-insuficiente-e-organizacao-antiquada-na-saude-14955441.html. 20 Ventiladores chineses chegam com instruções em (…) mandarim – Portugal – Sábado (sabado.pt) 21 Contratação pública no regime de exceção, de junho a setembro: Saúde com os valores mais significativos (tcontas.pt).
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12
objeto contratual e do prazo de execução, a maioria dos contratos (84,5%) não evidenciava o concreto local de
execução, estando apenas indicado «Portugal», sendo contudo recomendado no relatório que «As entidades
adjudicantes devem preencher com maior rigor os campos disponíveis no formulário de comunicação de
contratos ao Portal Base, nomeadamente no que se refere ao objeto contratual, ao prazo de execução e ao local
de execução, concretizando-o, pelo menos, ao nível do concelho»22.
É ainda referido que «Em alguns casos, a fundamentação de facto foi insuficiente, nomeadamente no que
respeita aos requisitos da “urgência imperiosa” e/ou da “estrita necessidade” ou ainda quanto à enumeração dos
factos justificativos da “escolha efetuada”», conclui o relatório, referindo que «em dois procedimentos não se
detetou a existência de convite nem de caderno de encargos, o que impossibilitou aferir da existência de critérios
técnicos prévios para avaliação das propostas e de especificações para os bens a adquirir». É também apontado
que «Em alguns procedimentos analisados, a avaliação das necessidades de contratação não foi refletida nas
peças procedimentais, não se evidenciando nas mesmas um racional subjacente à fixação das quantidades
adquiridas».
Dos contratos analisados, pelo menos nove, no valor de 26 milhões de euros para comprar material para os
cuidados intensivos não estavam publicitados no portal oficial do Estado (portal Base), o que contraria as regras
inscritas no decreto-lei do Governo que define o regime excecional de compras públicas para responder, numa
situação de emergência, à COVID-19. Para além desses casos, o relatório o TdC não encontrou no Base um
total de 5673 contratos assinados por entidades públicas entre 21 de março e 31 de maio no âmbito da resposta
à pandemia no valor global de 375 milhões de euros. A este facto acresce que o Ministério da Saúde foi
responsável por quase metade dos contratos e pela quase totalidade do montante contratado, -82%, ou seja,
307 milhões de euros. Finalmente, foram encontradas grandes diferenças nos preços de alguns produtos para
produtos similares. O TdC dá exemplos: «o preço unitário de aquisição das "máscaras cirúrgicas" variou entre
0,49 e 2,5 euros e o das viseiras entre 2,5 e 7,5 euros», factos que poderão ser avaliados, mais tarde, numa
nova auditoria23 24.
Quanto aos testes à COVID-19 os principais quatro laboratórios do País realizaram 78 contratos, segundo o
portal Base, num total de 20 milhões de euros25. Alguns contratos, embora raros, referem-se ainda à vacinação.
Verificaram-se 38 contratos assinados, num valor que ultrapassa os 6,57 milhões de euros, está o Centro de
Medicina Laboratorial Germano de Sousa. Em segundo lugar, com 20 contratos no valor de 5,33 milhões de
euros, encontra-se a Unilabs, faltando ainda somar os contratos que ainda não foram publicados pela Câmara
Municipal de Lisboa. Segue-se, com 12 no valor de 4,79 milhões de euros, a Joaquim Chaves Saúde. Por último,
com oito contratos, e um total de 3,29 milhões de euros, está a Synlab26.
De acordo com os dados do Ministério das Finanças, foram gastos pelo Estado 318 milhões de euros em
testes. Tendo o total, a administração central gasto 277,8 milhões: A nível regional os gastos foram de 33,8
milhões e as autarquias gastaram 6,6 mil milhões27.
Outra questão a escrutinar tem a ver com a compra de vacinas. A Comissão Europeia vê-se a braços para
apurar como foram negociados os contratos, nomeadamente o processo em torno da compra de vacinas da
farmacêutica Pfizer, e porque são os países membros obrigados a comprar um número de vacinas que cobrem
várias vezes as necessidades.
Segundo foi noticiado, em abril de 2021, a presidente da Comissão Europeia afirmou que trocou mensagens
de texto e telefonemas com o Presidente-Executivo da Pfizer, Albert Bourla durante um mês. Recorde-se que
nessa altura estava a ser negociado um grande contrato com a farmacêutica, que na verdade acabou por fazer
da União Europeia o maior cliente da Pfizer até então. Com este negócio foi acordada a compra de 1,8 mil
milhões de doses da nova vacina desenvolvida pela Pfizer em conjunto com a alemã BioNTech28.
Posteriormente tentou-se ter acesso às referidas mensagens escritas, mas sem sucesso. O próprio Tribunal
de Contas Europeu publicou um relatório onde afirmou que a Comissão Europeia também recusou divulgar
detalhes do papel de Ursula von der Leyen nas negociações com a Pfizer, o que só por si levanta suspeita,
assim como recusou fornecer documentos e informações sobre as negociações com a Pfizer, como atas de
22 Relatorio-oac-2020-06.pdf (tcontas.pt). 23 Relatorio-oac-2020-06.pdf (tcontas.pt). 24 TdC. Contratos covid incompletos e sem justificações suficientes (sapo.pt). 25 Pandemia: Quatro laboratórios ganharam 20 milhões em contratos públicos – Coronavírus – JornaldeNegócios (jornaldenegocios.pt). 26 Expresso – Quatro maiores laboratórios do País realizaram 78 contratos com o Estado para efetuarem testes à COVID-19. 27 Expresso – Quatro maiores laboratórios do País realizaram 78 contratos com o Estado para efetuarem testes à COVID-19. 28 Contratos da Pfizer: Um nó (cada vez mais) górdio para a Comissão Europeia – Página um (paginaum.pt).
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reuniões e condições negociadas. Ainda assim o Tribunal de Contas veio a descobrir que o contrato assinado
com a Pfizer, em maio de 2021, não respeitou os procedimentos habituais, ao contrário do que aconteceu, por
exemplo com as outras farmacêuticas (Moderna e Janssen)29.
Muitas questões estão por explicar. Para além das supra expostas, fica por perceber a razão do aumento em
4 € das vacinas, ou seja, passaram de 15,5 € para 19,5 € por unidade de vacina, na assinatura do último contrato.
Acresce a perplexão pelo CEO da Pfizer Albert Bourla ter abandonado a audição no Parlamento Europeu na
Comissão Especial sobre a COVID-19 na passada semana sem ter prestado quaisquer esclarecimentos
deixando a Presidente dos Mercados Internacionais da Pfizer, Janine Small, a responder sozinha perante a
comissão30.
Não podemos falar em gestão da pandemia sem falar do importante papel do poder local, onde autarquias e
principalmente freguesias se substituíram ao Estado no apoio e socorro das populações, nunca fecharam
serviços, apesar de algumas dificuldades devido ao aumento dos pedidos de apoio. Até à data apresentaram
mais de 40 milhões de euros de despesas que ainda não foram ressarcidas31. Após compromisso do Governo
em compensar municípios e freguesias pelas despesas assumidas durante o combate à pandemia, a tutela não
assume o referido compromisso dizendo mesmo que «no que concerne às despesas reclamadas no âmbito das
despesas COVID pelas freguesias não temos aferida qualquer verba, uma vez que não assumimos qualquer
compromisso, pelo que, não existem valores a ressarcir às freguesias, no âmbito das despesas COVID»32.
A Assembleia da República não pode alhear-se da questão da gestão de todo o «processo COVID». Em
primeiro lugar, por toda a implicação económica e social que não se findou com o levantamento de restrições.
Em segundo lugar, os contratos realizados no âmbito COVID, por se tratar de dinheiros públicos, cuja utilização
pode e deve ser fiscalizada pela Assembleia da República. Em terceiro lugar, porque não podem deixar de estar
em causa as decisões e a atuação dos vários membros do Governo implicados nas tomadas de decisão durante
o período de pandemia.
Assim:
1 – Considerando que compete ao Parlamento escrutinar os atos do Governo e da administração e que as
Comissões Parlamentares de Inquérito são o instrumento mais adequado para esse fim;
2 – Considerando que os Deputados têm o dever de procurar a verdade e os portugueses têm o direito de a
conhecer;
3 – Considerando que o escrutínio dos atos do Governo e da administração é um direito inalienável e um
dever dos Deputados.
Os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do Chega requerem, ao abrigo do disposto na alínea
a) do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 5/93, de 1 de março, republicada pela Lei n.º 15/2007, de 3 de abril, a
constituição imediata de uma comissão parlamentar de inquérito, que deverá funcionar pelo prazo de 120 dias,
com o seguinte objeto:
– Avaliar todo o processo de gestão da pandemia de COVID-19;
– Avaliar a afetação de recursos económicos e humanos;
– Avaliar todos os contratos públicos nacionais e internacionais feitos ao abrigo dos denominados contratos
«COVID-19»;
– Avaliar o contrato feito pela União Europeia e a farmacêutica Pfizer que obriga os países membros a
comprar vacinas que cobrem várias vezes as necessidades;
– Avaliar os compromissos assumidos pelo Governo e não cumpridos até à data.
Palácio de São Bento, 4 de novembro de 2022.
29 Ibidem. 30 (1092) CEO da Pfizer foge do Parlamento Europeu – Comissão de Imprensa Parlamento Europeu – YouTube. 31 Expresso – COVID-19: Freguesias apresentaram mais de 40 milhões de despesas que ainda não foram pagas. 32 AP.
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[Segunda substituição do texto a pedido do autor]
Exposição de motivos
Em 31 de dezembro de 2019, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recebeu o primeiro alerta sobre vários
casos de pneumonia na cidade de Wuhan, província de Hubei, na República Popular da China.1 Uma semana
depois, as autoridades chinesas confirmaram a identificação um novo tipo de coronavírus2. Ao todo, tinham sido
já identificados sete coronavírus humanos (HCoV): HCoV-229E, HCoV-OC43, HCoV-NL63, HCoV-HKU1,
SARS-CoV (que causa síndrome respiratória aguda grave), MERS-CoV (que causa síndrome respiratória do
Médio Oriente) e o, mais recente, novo coronavírus (que no início foi temporariamente nomeado 2019-nCoV e,
em 11 de fevereiro de 2020, recebeu o nome de SARS-CoV-2, responsável por causar a doença COVID-193.
A 30 de janeiro de 2020, a OMS declarou «que o surto do novo coronavírus constituía uma emergência de
saúde pública de importância internacional (ESPII) – o mais alto nível de alerta da organização, conforme
previsto no Regulamento Sanitário Internacional»4, com o objetivo agilizar a coordenação, a cooperação e a
solidariedade global para interromper a propagação do vírus.
Em Portugal a pandemia de COVID-19 teve início oficialmente a 2 de março de 2020, quando foi reportado
que dois homens, um médico de 60 anos que esteve de férias no norte de Itália e um homem de 33 anos que
esteve em Espanha em trabalho, testaram positivo ao SARS-CoV-2. E foi também a 2 de março de 2020 que o
Governo português divulgou um despacho a ordenar aos serviços públicos que elaborassem planos de
contingência para o surto de COVID-195. Segundo dados oficiais, desce o início da pandemia em Portugal
registaram-se 3 413 013 casos confirmados e 21 342 mortes6.
No dia 18 de março de 2020, a Assembleia da República debateu e aprovou a Resolução n.º 15-A/2020,
através da qual autorizou o Presidente da República a declarar o estado de emergência em Portugal – o que
sucedeu, com a publicação do Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020 –, com fundamento na
verificação de uma situação de calamidade pública.
Em sequência, o Governo regulamentou a aplicação do estado de emergência, através do Decreto n.º 2-
A/2020 (retificado pela Declaração de Retificação n.º 11-D/2020), que entrou em vigor às 00h do dia 22 de
março. Estes diplomas prorrogados por diversas vezes, incluíam, entre outras, normas relativas ao confinamento
obrigatório, à circulação de pessoas, à abertura de estabelecimentos comerciais e ao funcionamento dos
serviços públicos7.
Com isto foram também postas em causa as liberdades e garantias dos cidadãos, não só com a
obrigatoriedade de confinamento e circulação de pessoas, que viram a sua mobilidade controlada e restr ita a
determinados horários, ou com a posterior obrigatoriedade de utilização de máscara mesmo sem os indivíduos
estarem infetados. É importante apurar até que ponto o estado de emergência podia/pode limitar um direito
constitucional.
Os impactos económicos provocados pela pandemia foram enormes e ocorreram num espaço de tempo
muito curto. Serviços e comércio fechados, escolas fechadas com alunos em aulas ministradas por
videoconferência, muitos sem acesso a computador ou Internet não tiveram contacto com o professor até ao
final do ano letivo, hospitais exclusivamente dedicados ao atendimento de doentes COVID, faltou tudo mas faltou
principalmente planeamento atempado (especialmente na saúde) e muitas fragilidades foram postas a
descoberto.
O Governo regulamentou a aplicação do estado de emergência, definindo as atividades que,
obrigatoriamente, se encontravam suspensas e as que podiam ou deviam manter-se em funcionamento pelo
facto de prestarem serviços de primeira necessidade ou outros serviços considerados essenciais.
O Governo aprovou ainda, entre outras, uma medida de apoio extraordinária à manutenção dos contratos de
trabalho em empresas em situação de crise empresarial: 2/3 da retribuição ilíquida do trabalhador, sendo 70%
1 Histórico da pandemia de COVID-19 – OPAS/OMS – Organização Pan-Americana da Saúde (paho.org). 2 Ibidem. 3 Ibidem. 4 Ibidem. 5 Veja a cronologia dos principais acontecimentos desde o início da pandemia de coronavírus – Sociedade – Correio da Manhã (cmjornal.pt) 6 Página inicial – COVID-19 estamos ON. 7 Estado de emergência (parlamento.pt).
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assegurado pela Segurança Social e 30% assegurado pelo empregador (layoff simplificado). No entanto, esta
medida apenas era aplicável às empresas que procedessem à paragem total da atividade da empresa ou
estabelecimento em virtude da interrupção das cadeias de abastecimento globais, da suspensão ou
cancelamento de encomendas, e que tivessem uma quebra abrupta e acentuada de, pelo menos, 40% da
faturação, nos 60 dias anteriores ao pedido junto da segurança social com referência ao período homólogo.
Igualmente, o Governo aplicou o referido regime também às empresas que foram obrigadas a suspender a
atividade por decisão legislativa ou administrativa8 9.
Todas as restantes empresas que se dedicam às atividades que o próprio Governo declarou como de
primeira necessidade ou outros serviços considerados essenciais, como por exemplo, supermercados,
farmácias, serviços médicos e de saúde ou postos de abastecimento de combustível teriam de ter, igualmente,
um prejuízo de pelo menos 40% da sua faturação para poderem recorrer aos benefícios do layoff simplificado.
Acresce que, o apoio financeiro a concedido pelo estado não teve, em muitas das situações, qualquer utilidade
prática, tendo em conta que uma parte significativa das empresas já se encontrava, aquando da concessão do
benefício, numa situação economicamente inviável, o que teve graves consequências ao nível do desemprego,
como explicado abaixo.
De acordo com um documento do Governo entregue aos parceiros sociais na reunião da Comissão
Permanente de Concertação Social (CPCS) de 17 de fevereiro, o layoff simplificado de 2020 abrangeu 897 mil
trabalhadores e 110 mil empresas.
Ao mesmo tempo, ficou a saber-se que a Segurança Social recebeu 261 mil pedidos de apoios sociais
extraordinários em janeiro e fevereiro, período durante o qual foram pedidos apoios ao emprego que abrangeram
431 mil trabalhadores e 83 mil empresas10.
Segundo noticiado pelo Diário de Notícias, a Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ana
Mendes Godinho, disse que «em 10 de março estavam a ser atribuídos apoios a 74 000 empresas com o objetivo
de assegurar a manutenção do emprego, tanto através do layoff simplificado como do apoio à retoma da
atividade»11. Tendo referido ainda que «Quanto ao layoff tradicional, previsto no Código do Trabalho, em janeiro,
o número de empresas abrangidas era de 249, correspondendo a 4758 trabalhadores, segundo estatísticas da
Segurança Social. Comparando com janeiro de 2020, ainda antes da pandemia, houve um acréscimo de 406,5%
no total de processamentos de layoff tradicional, ou seja, mais 3818 prestações».
O medo do desconhecido levou a uma retração por parte dos consumidores sem precedentes. As pessoas
impedidas pelo confinamento obrigatório, e não sabendo o que lhes esperava no futuro, reduziram ao máximo
o consumo e mesmo as empresas consideradas essenciais sofreram quebras avultadas.
A suspensão ou restrição de atividade em variados setores, como foi o caso da restauração, do comércio,
turismo e cultura, entre outros, aumentou o número de insolvências em Portugal, agravando situações de
precariedade e provocando assim o aumento do desemprego.
O INE, nos seus relatórios anuais, apresentou os dados importantes que nos dão um enquadramento dos
diversos setores pré e durante a pandemia. Nomeadamente, e citando, no referido relatório é afirmado que «O
segundo trimestre de 2020 observou a maior quebra do produto interno bruto (PIB) desde que há registo em
Portugal, devido à paralisação quase total da atividade económica durante a vigência do primeiro estado de
emergência, entre 19 de março e 2 de maio, e às limitações impostas à maioria dos setores da sociedade. Entre
1 de abril e 30 de junho de 2020, a economia portuguesa contraiu 16,3% face ao registado no mesmo período
de 2019, e relativamente ao primeiro trimestre, o último sem pandemia de COVID-19, a quebra do PIB foi de
13,9%»12. No conjunto do ano, o PIB caiu 7,6% em 2020, registando a contração «mais intensa» da atual série
de Contas Nacionais do INE, «refletindo o efeito negativo extraordinário da pandemia COVID-19 na atividade
económica». Ao que acrescentou ainda que «A procura interna foi particularmente afetada em 2020, registando
uma redução de 4,7% em termos reais (após ter aumentado 2,8% no ano anterior), passando de um contributo
para a variação anual do PIB de +2,8 pontos percentuais em 2019 para -4,6 pontos percentuais em 2020».
No que ao turismo diz respeito, podemos ler que «os estabelecimentos de alojamento turístico registaram
10,5 milhões de hóspedes e 26 milhões de dormidas, -61,3% e -63,0%, respetivamente, face a 2019, ano em
8 Governo alterou as regras do layoff simplificado. Saiba o que isto implica – Política – Correio da Manhã (cmjornal.pt). 9 Layoff simplificado à lupa: tudo sobre o regime (…) em vias de ser prolongado – Idealista/news. 10 A pandemia e os trágicos números da economia portuguesa (dn.pt). 11 Ibidem. 12 A pandemia e os trágicos números da economia portuguesa (dn.pt).
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que tinham registado subidas respetivas de 7,9% e 4,6%». E ainda, «As dormidas de residentes corresponderam
a 13,6 milhões, o número mais baixo desde 2013, e 12,3 milhões de não residentes, o valor mais baixo desde
1984».
Acabando por concluir que: em abril de 2020, registou-se uma «expressão praticamente nula» da atividade
turística, com variações homólogas de -97,4% e -97,0% em termos do número de hóspedes e dormidas; em
maio, mês em que foram albergados 149,8 mil hóspedes e registadas 307 mil dormidas, variações de -94,2% e
-95,3% face ao mesmo mês de 2019.
Percebe-se, assim, que o setor do turismo, tão importante para a economia portuguesa foi amplamente
afetado. Lisboa, a cidade portuguesa que mais turistas recebe, ficou praticamente vazia.
A taxa de desemprego subiu de 6,5%, em 2019, para 6,8%, em 2020. Ainda segundo o INE, «A taxa de
subutilização do trabalho para o conjunto do ano de 2020 – indicador que agrega a população desempregada,
o subemprego de trabalhadores a tempo parcial, os inativos à procura de emprego, mas não disponíveis, e os
inativos disponíveis, mas que não procuram emprego – foi estimada em 13,9%, ou seja, 1,2 pontos percentuais
acima da do ano anterior»13. A população empregada em 2020, por sua vez, foi estimada em 4814,1 mil pessoas,
o que representa a redução de 99 mil empregos em relação ao ano anterior. Já a população desempregada,
350,9 mil pessoas, aumentou 3,4% (11,4 mil) em relação ao mesmo período. A taxa de desemprego de jovens
(15 a 24 anos) no conjunto do ano de 2020 situou-se em 22,6%, 4,3 pontos percentuais acima do estimado para
201914.
O índice de volume de negócios no comércio a retalho, publicado pelo INE, diminuiu 4,3% no conjunto do
ano de 2020, o que compara com o crescimento de 4,3% verificado em 2019. Em termos mensais, a maior
quebra verificou-se em abril de 2020, com uma descida de 21,6%, seguindo-se maio (-13,1%) e janeiro de 2021
(-10,9%)15. Também ao nível dos beneficiários do RSI se verificam aumentos, nomeadamente, «Em dezembro
de 2020, existiam em Portugal 98 899 famílias e 211 540 beneficiários com processamento do rendimento social
de inserção (RSI), de acordo com os números do Gabinete de Estratégia e Planeamento do Ministério do
Trabalho, Solidariedade e Segurança Social. No mesmo mês de 2019, havia 94 627 famílias e 203 273
beneficiários com processamento de RSI»16.
A par das empresas e das famílias, a saúde foi, obviamente, das áreas mais afetadas. A pandemia mostrou
uma planificação insuficiente na saúde e organização antiquada, verificou-se uma distribuição ineficiente e
desigual dos recursos humanos pelo espaço geográfico17.
Em 2020 ficaram por fazer milhares de cirurgias, consultas e exames de diagnóstico complementar, tendo
sido apontado um défice de 25 milhões de exames. Houve um impacto muito grande no rastreio de doenças
oncológicas que se manteve em 2021. Houve também um impacto muito grande nos novos diagnósticos.
Quando em 2021 o Ministério da Saúde anunciou que já tínhamos recuperado os números, isso não
correspondia à verdade. O que estava a acontecer era termos números semelhantes a 2019, uma atividade
habitual em número de cirurgias e consultas, mas foram milhares as cirurgias, consultas e exames que não se
fizeram em 202018.
Da mortalidade em excesso nem toda pode ser explicada pelas mortes por COVID-19. Parte dessas mortes
podem ser na verdade mortes por COVID-19 em pessoas não diagnosticadas com SARS-CoV-2. Outra
explicação para o excesso de mortalidade pode ser a alteração da intensidade e qualidade do acesso a cuidados
de saúde. As alterações a que os sistemas de saúde foram sujeitos durante a pandemia levaram a quebras da
quantidade e possivelmente da qualidade dos serviços de saúde prestados.
Durante o ano de 2020, foram identificados pela DGS seis picos de mortalidade, no entanto, apenas dois
deles estão identificados com a COVID-19. A principal conclusão do relatório «Mortalidade Geral e por Grandes
Grupos de Causas» da Direção-Geral de Saúde, descarta assim a COVID-19 como foco de toda a mortalidade
nesse ano. De acordo com os dados deste relatório, em 2020 houve mais 14% de mortes face à média dos seis
anos anteriores, mas a COVID-19 foi apenas a quarta causa de morte mais frequente (5,9% de todas as mortes).
Os seis picos de mortalidade são justificados no relatório da seguinte forma:
13 INE – Estatísticas do emprego – GEE. 14 Ibidem. 15 INE – Índice de volume de negócios no comércio a retalho – GEE. 16 A pandemia e os trágicos números da economia portuguesa (dn.pt). 17 Relatório de primavera 2022 – OPSS (opssaude.pt). 18 COVID não explica todo o excesso de mortalidade em 2020 – Observador.
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1.º Início da pandemia COVID;
2.º Frio e atividade gripal;
3.º Onda de calor;
4.º Temperaturas altas;
5.º Não foram encontradas justificações para este pico;
6.º COVID.
O relatório identifica ainda que em 2020 houve mais óbitos por doenças do aparelho circulatório, como AVC
– mais 1618 do que o esperado – e mais 45% de mortes por doenças hipertensivas não havendo explicações
para este fundamento. Segundo o OPSS a pandemia deixou ainda a descoberto a «real ausência de uma
estratégia de saúde escolar e planos não avulsos de intervenção nas escolas»19. A ansiedade em crianças
devido ao isolamento aumentou drasticamente e isso refletiu-se no seu desempenho escolar. Desde 15 de
março de 2020 e em 2021, praticamente todo o período escolar foi passada dentro de quatro paredes.
Outra questão que importa abordar e que atá à data não foi objeto de explicação tem a ver com os
ventiladores que nunca chegaram aos hospitais portugueses.
Segundo dados do Ministério de Saúde, o número de ventiladores nos hospitais do Serviço Nacional de
Saúde (SNS) cresceu 72% desde o início da pandemia. Contudo, o número de aparelhos é inferior ao que o
Estado contava, já que mais de uma centena nunca chegou a estar operacional (as instruções de utilização
inscritas nos próprios ventiladores estavam escritas em mandarim)20 e muitos outros não chegaram ao País por
incumprimento de contratos.
Afigura-se também pertinente dissecar, o relatório de acompanhamento dos contratos abrangidos pelo
Regime de Exceção Previsto na Lei n.º 1-A/2020, incluindo os isentos de fiscalização prévia – ou seja,
denominados contratos «COVID-19», feito pelo Tribunal de Contas (TdC)21.
No arranque da auditoria segundo o TdC «Um dos impactos da pandemia de COVID-19 ocorre na área da
contratação pública, com a aprovação de um regime legal excecional (Decreto-Lei n.º 10-A/2020 ratificado
pela Lei n.º 1-A/2020) que permite a outorga de contratos por ajuste direto por motivos de urgência, a dispensa
das regras do Código dos Contratos Públicos, um regime excecional de autorização de despesas, a produção
de efeitos logo após a adjudicação e a isenção de fiscalização prévia do Tribunal de Contas (TdC)». O
relatório concluiu que janeiro de 2021 foi o mês com mais contratos (3398), diminuindo o volume de compras
até outubro de 2021, altura em que voltou a subir ligeiramente. Por outro lado, março de 2022 foi o mês em
que se atingiu o montante mais elevado de despesa: 302,8 milhões de euros.
A auditoria revela que o Portal Base continha, até março deste ano, 22 134 contratos, no montante total de
cerca de 1973 milhões de euros, dos quais 700 (3,16%) são contratos isentos de fiscalização prévia que, com
cerca de 1746 milhões, representam 88,5% daquele montante. O maior valor contratado e que ficou isento de
visto ficou-se nos 148,9 milhões.
O TdC constata ainda que a administração central é «verdadeiramente absorvente» no montante da
contratação em apreciação, com o Ministério da Saúde responsável por 90,1% (1777 milhões) do montante total,
curiosamente o mesmo ministério que é apontado como o que traz maior desperdício para administração pública.
São apontadas insuficiências na «publicitação e na comunicação dos contratos (publicitados no Portal Base,
mas não comunicados ao tribunal e vice-versa)», já antes identificadas nos relatórios anteriores.
Segundo o mesmo relatório é possível aferir que nem todos os campos disponíveis no formulário de
comunicação do portal Base estavam completos ou apropriadamente preenchidos, referindo-se que, além do
objeto contratual e do prazo de execução, a maioria dos contratos (84,5%) não evidenciava o concreto local de
execução, estando apenas indicado «Portugal», sendo contudo recomendado no relatório que «As entidades
adjudicantes devem preencher com maior rigor os campos disponíveis no formulário de comunicação de
contratos ao portal Base, nomeadamente no que se refere ao objeto contratual, ao prazo de execução e ao local
de execução, concretizando-o, pelo menos, ao nível do concelho»22.
É ainda referido que «Em alguns casos, a fundamentação de facto foi insuficiente, nomeadamente no que
19 https://www.dn.pt/sociedade/pandemia-mostrou-planificacao-insuficiente-e-organizacao-antiquada-na-saude-14955441.html. 20 Ventiladores chineses chegam com instruções em (…) mandarim – Portugal – Sábado (sabado.pt). 21 Contratação pública no regime de exceção, de junho a setembro: Saúde com os valores mais significativos (tcontas.pt). 22 Relatorio-oac-2020-06.pdf (tcontas.pt).
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respeita aos requisitos da “urgência imperiosa” e/ou da “estrita necessidade” ou ainda quanto à enumeração dos
factos justificativos da “escolha efetuada”», conclui o relatório, referindo que «em dois procedimentos não se
detetou a existência de convite nem de caderno de encargos, o que impossibilitou aferir da existência de critérios
técnicos prévios para avaliação das propostas e de especificações para os bens a adquirir». É também apontado
que «Em alguns procedimentos analisados, a avaliação das necessidades de contratação não foi refletida nas
peças procedimentais, não se evidenciando nas mesmas um racional subjacente à fixação das quantidades
adquiridas».
Dos contratos analisados, pelo menos nove, no valor de 26 milhões de euros para comprar material para os
cuidados intensivos não estavam publicitados no portal oficial do Estado (portal Base), o que contraria as regras
inscritas no decreto-lei do Governo que define o regime excecional de compras públicas para responder, numa
situação de emergência, à COVID-19. Para além desses casos, o relatório o TdC não encontrou no Base um
total de 5673 contratos assinados por entidades públicas entre 21 de março e 31 de maio no âmbito da resposta
à pandemia no valor global de 375 milhões de euros. A este facto acresce que o Ministério da Saúde foi
responsável por quase metade dos contratos e pela quase totalidade do montante contratado, -82%, ou seja,
307 milhões de euros. Finalmente, foram encontradas grandes diferenças nos preços de alguns produtos para
produtos similares. O TdC dá exemplos: «o preço unitário de aquisição das "máscaras cirúrgicas" variou entre
0,49 e 2,5 euros e o das viseiras entre 2,5 e 7,5 euros», factos que poderão ser avaliados, mais tarde, numa
nova auditoria23 24.
Quanto aos testes à COVID-19 os principais quatro laboratórios do País realizaram 78 contratos, segundo o
portal Base, num total de 20 milhões de euros25. Alguns contratos, embora raros, referem-se ainda à vacinação.
Verificaram-se 38 contratos assinados, num valor que ultrapassa os 6,57 milhões de euros, está o Centro de
Medicina Laboratorial Germano de Sousa. Em segundo lugar, com 20 contratos no valor de 5,33 milhões de
euros, encontra-se a Unilabs, faltando ainda somar os contratos que ainda não foram publicados pela Câmara
Municipal de Lisboa. Segue-se, com 12 no valor de 4,79 milhões de euros, a Joaquim Chaves Saúde. Por último,
com oito contratos, e um total de 3,29 milhões de euros, está a Synlab26.
De acordo com os dados do Ministério das Finanças, foram gastos pelo Estado 318 milhões de euros em
testes. Tendo o total, a administração central gasto 277,8 milhões: a nível regional os gastos foram de 33,8
milhões e as autarquias gastaram 6,6 mil milhões27.
Outra questão a escrutinar tem a ver com a compra de vacinas. A Comissão Europeia vê-se a braços para
apurar como foram negociados os contratos, nomeadamente o processo em torno da compra de vacinas da
farmacêutica Pfizer, e porque são os países membros obrigados a comprar um número de vacinas que cobrem
várias vezes as necessidades.
Segundo foi noticiado, em abril de 2021, a presidente da Comissão Europeia afirmou que trocou mensagens
de texto e telefonemas com o Presidente Executivo da Pfizer, Albert Bourla, durante um mês. Recorde-se que
nessa altura estava a ser negociado um grande contrato com a farmacêutica, que na verdade acabou por fazer
da União Europeia o maior cliente da Pfizer até então. Com este negócio foi acordada a compra de 1,8 mil
milhões de doses da nova vacina desenvolvida pela Pfizer em conjunto com a alemã BioNTech28.
Posteriormente tentou-se ter acesso às referidas mensagens escritas, mas sem sucesso. O próprio Tribunal
de Contas Europeu publicou um relatório onde afirmou que a Comissão Europeia também recusou divulgar
detalhes do papel de Ursula von der Leyen nas negociações com a Pfizer, o que só por si levanta suspeita,
assim como recusou fornecer documentos e informações sobre as negociações com a Pfizer, como atas de
reuniões e condições negociadas. Ainda assim o Tribunal de Contas veio a descobrir que o contrato assinado
com a Pfizer, em maio de 2021, não respeitou os procedimentos habituais, ao contrário do que aconteceu, por
exemplo com as outras farmacêuticas (Moderna e Janssen)29.
Muitas questões estão por explicar. Para além das supra-expostas, fica por perceber a razão do aumento em
4 € das vacinas, ou seja, passaram de 15,5 € para 19,5 € por unidade de vacina, na assinatura do último contrato.
23 Relatorio-oac-2020-06.pdf (tcontas.pt). 24 TdC. Contratos covid incompletos e sem justificações suficientes (sapo.pt). 25 Pandemia: Quatro laboratórios ganharam 20 milhões em contratos públicos – Coronavírus – Jornal de Negócios (jornaldenegocios.pt). 26 Expresso – Quatro maiores laboratórios do País realizaram 78 contratos com o Estado para efetuarem testes à COVID-19. 27 Expresso – Quatro maiores laboratórios do País realizaram 78 contratos com o Estado para efetuarem testes à COVID-19. 28 Contratos da Pfizer: Um nó (cada vez mais) górdio para a Comissão Europeia – Página um (paginaum.pt). 29 Ibidem.
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Acresce a perplexão pelo CEO da Pfizer Albert Bourla ter abandonado a audição no Parlamento Europeu na
Comissão Especial sobre a COVID-19 na passada semana sem ter prestado quaisquer esclarecimentos,
deixando a Presidente dos Mercados Internacionais da Pfizer, Janine Small, a responder sozinha perante a
comissão30.
Não podemos falar em gestão da pandemia sem falar do importante papel do poder local, onde autarquias e
principalmente freguesias se substituíram ao Estado no apoio e socorro das populações, nunca fecharam
serviços, apesar de algumas dificuldades devido ao aumento dos pedidos de apoio. Até à data apresentaram
mais de 40 milhões de euros de despesas que ainda não foram ressarcidas31. Após compromisso do Governo
em compensar municípios e freguesias pelas despesas assumidas durante o combate à pandemia, a tutela não
assume o referido compromisso, dizendo mesmo que «no que concerne às despesas reclamadas no âmbito das
despesas COVID pelas freguesias, não temos aferida qualquer verba, uma vez que não assumimos qualquer
compromisso, pelo que, não existem valores a ressarcir às freguesias, no âmbito das despesas COVID»32.
A Assembleia da República não pode alhear-se da questão da gestão de todo o «processo COVID». Em
primeiro lugar, por toda a implicação económica e social que não se findou com o levantamento de restrições.
Em segundo lugar, os contratos realizados no âmbito COVID, por se tratar de dinheiros públicos, cuja utilização
pode e deve ser fiscalizada pela Assembleia da República. Em terceiro lugar, porque não podem deixar de estar
em causa as decisões e a atuação dos vários membros do Governo implicados nas tomadas de decisão durante
o período de pandemia.
Assim:
1 – Considerando que compete ao Parlamento escrutinar os atos do Governo e da Administração e que as
comissões parlamentares de inquérito são o instrumento mais adequado para esse fim;
2 – Considerando que os Deputados têm o dever de procurar a verdade e os portugueses têm o direito de a
conhecer;
3 – Considerando que o escrutínio dos atos do Governo e da administração é um direito inalienável e um
dever dos Deputados.
Os Deputados abaixo assinados do Chega requerem, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo
2.º da Lei n.º 5/93, de 1 de março, republicada pela Lei n.º 15/2007, de 3 de abril, a constituição imediata de
uma comissão parlamentar de inquérito, que deverá funcionar pelo prazo de 120 dias, com o seguinte objeto:
– Avaliar todo o processo de gestão da pandemia por COVID-19;
– Avaliar a afetação de recursos económicos e humanos;
– Avaliar todos os contratos públicos nacionais e internacionais feitos ao abrigo dos denominados contratos
«COVID-19»;
– Avaliar os compromissos assumidos pelo Governo e não cumpridos até à data.
Palácio de São Bento, 10 de novembro de 2022.
Os Deputados do CH: André Ventura — Bruno Nunes — Diogo Pacheco de Amorim — Filipe Melo — Gabriel
Mithá Ribeiro — Jorge Galveias — Pedro Frazão — Pedro Pessanha — Pedro Pinto — Rita Matias — Rui Afonso
— Rui Paulo Sousa.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO.
30 (1092) CEO da Pfizer foge do Parlamento Europeu – Comissão de Imprensa Parlamento Europeu – YouTube. 31 Expresso – COVID-19: Freguesias apresentaram mais de 40 milhões de despesas que ainda não foram pagas. 32 AP.