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Segunda-feira, 5 de dezembro de 2022 II Série-B — Número 50
XV LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2022-2023)
S U M Á R I O
Inquérito Parlamentar n.º 5/XV/1.ª (CH): Comissão eventual de inquérito parlamentar para apurar a eventual ingerência do Primeiro-Ministro na autonomia do Banco de Portugal para proteger a filha do Presidente de Angola.
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INQUÉRITO PARLAMENTAR N.º 5/XV/1.ª
COMISSÃO EVENTUAL DE INQUÉRITO PARLAMENTAR PARA APURAR A EVENTUAL INGERÊNCIA
DO PRIMEIRO-MINISTRO NA AUTONOMIA DO BANCO DE PORTUGAL PARA PROTEGER A FILHA DO
PRESIDENTE DE ANGOLA
Exposição de motivos
No dia 15 deste mês de novembro, com a publicação do livro «O Governador», da autoria do jornalista Luís
Rosa que, Dr. Carlos Costa – antigo Governador do Banco de Portugal –, foi tornado público que o Primeiro-
Ministro lhe teria ligado no dia 12 de abril de 2016 para transmitir que: «Não se pode tratar mal a filha do
presidente de um país amigo de Portugal.»1
Insere-se esta frase no contexto de uma reunião realizada no mesmo dia entre o Dr. Carlos Costa e os
acionistas do Banco BIC, Isabel dos Santos, filha do ex-Presidente de Angola, e Fernando Teles, sócio da filha
mais velha do mesmo ex-Presidente. Naquela reunião terá sido transmitido a Isabel dos Santos e Fernando
Teles que seria melhor que ambos se afastassem do Conselho de Administração do banco para evitar
qualquer relação entre a instituição financeira sediada em Portugal e o BIC Angola, sobretudo por causa dos
efeitos reputacionais que tal associação poderia provocar à imagem do banco no mercado.
Recorde-se que já na altura existiam indícios de favorecimento do governo angolano à filha do Presidente
do país, que acabaram por ser reforçados com o processo «Luanda Leaks», estando Isabel dos Santos
atualmente acusada de vários crimes.
Dando corpo a esses indícios, fruto da denúncia de vários eurodeputados ao Banco Central Europeu e à
Autoridade Bancária Europeia, sobre suspeitas relativas à formação da fortuna de Isabel dos Santos, o Banco
de Portugal já estava a recolher e a analisar informações sobre operações suspeitas de branqueamento de
capitais, encontrando-se os bancos a passar informações, quer ao supervisor, quer à Unidade de Investigação
e Ação Penal «sobre transferências suspeitas de Isabel dos Santos, dos seus irmãos e de outros
representantes da plutocracia de Luanda.»2
Foi, pois, neste contexto que se enquadrou a reunião e justificou a sugestão do Dr. Carlos Costa para que
Isabel dos Santos e Fernando Teles fossem substituídos, no Conselho de Administração do BIC, por
administradores independentes relativamente aos acionistas.
Segundo o mesmo livro, Isabel dos Santos não gostou da recomendação do Governador e «[…] puxou da
sua agenda telefónica e, com a ajuda dos seus conselheiros mais próximos […], acionou todos os canais de
comunicação com o poder político para denunciar o que entendia ser uma ilegalidade e uma discriminação do
Banco de Portugal.»3
É neste contexto que se insere o mencionado telefonema do Primeiro-Ministro ao então Governador do
Banco de Portugal. Importa ainda sublinhar a coincidência cronométrica das ocorrências e a associação
causa-efeito que resulta da sucessão dos acontecimentos, verificando-se que a reunião realizada entre o Dr.
Carlos Costa, Isabel dos Santos e Fernando Vale e o telefonema do Primeiro-Ministro ao Governador do
Banco de Portugal se realizaram no mesmo dia e sequencialmente.
Sobre esta matéria o Primeiro-Ministro, logo após a pré-publicação do capítulo do livro O Governador4,
apressou-se a declarar que tinham sido «[…] proferidas declarações que são ofensivas do meu bom-nome, da
minha honra e consideração. Contatei o Dr. Carlos Costa, que não se retratou nem pediu desculpas e,
portanto, o meu advogado adotará os procedimentos legais adequados.» Neste sentido, no dia 15 de
novembro, o seu gabinete informou que: «O primeiro-ministro constituiu seu advogado Dr. Manuel Magalhães
e Silva para adotar os procedimentos legais adequados contra o Dr. Carlos Costa, tendo em conta as
declarações proferidas – que são ofensivas do seu bom nome, honra e consideração»5. Contudo, e
1 In p. 331; O Governador; Rosa, Luís; D. Quixote; novembro 2022; 1.ª Ed. 2 Idem; p. 329. 3 Ibidem; p. 331. 4 Observador; https://observador.pt/especiais/antonio-costa-pressionou-carlos-costa-para-nao-retirar-isabel-dos-santos-do-bic/; Visto em 2022-11-10. 5 In: https://cnnportugal.iol.pt/antonio-costa/carlos-costa/observador-revela-sms-em-que-antonio-costa-diz-ser-inoportuno-afastar-isabel-
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estranhamente, até agora, nem o Primeiro-Ministro, nem o seu gabinete ousaram desmentir formalmente os
fatos descritos no livro.
Pelo contrário, segundo noticiado no Observador: «Cerca de hora e meia após publicação de um capítulo
do livro «O Governador», primeiro-ministro enviou mensagem escrita a Carlos Costa que confirma telefonema
sobre Isabel dos Santos.»6 Segundo a mesma notícia: «O Primeiro-Ministro, António Costa, considerava
«inoportuno» o Banco de Portugal estar a tentar afastar Isabel dos Santos da administração do EuroBic,
quando estava em curso, em 2016, uma solução para a saída da filha do ex-Presidente angolano do capital do
BPI. É o próprio António Costa que o diz, segundo apurou o Observador, num SMSque enviou a Carlos Costa
cerca de hora e meia após a pré-publicação do primeiro excerto do livro «OGovernador» – uma mensagem
eletrónica onde desmente que tenha dito que não se podia «tratar mal» a filha do Presidente de um «país
amigo».
Refere o artigo 17.º da Lei Orgânica do Banco de Portugal que: «Compete ao Banco de Portugal exercer a
supervisão das instituições de crédito, sociedades financeiras e outras entidades que lhe estejam legalmente
sujeitas, nomeadamente estabelecendo diretivas para a sua atuação e para assegurar os serviços de
centralização de riscos de crédito, bem como aplicando-lhes medidas de intervenção preventiva e corretiva,
nos termos da legislação que rege a supervisão financeira; e participar, no quadro do Mecanismo Único de
Supervisão, na definição de princípios, normas e procedimentos de supervisão prudencial de instituições de
crédito, bem como exercer essa supervisão nos termos e com as especificidades previstas na legislação
aplicável.»
Refere ainda o n.º 1, do artigo 16.º-A da mesma lei, relativamente à política macroprudencial que:
«Enquanto autoridade macroprudencial nacional, compete ao Banco de Portugal definir e executar a política
macroprudencial, designadamente identificar, acompanhar e avaliar riscos sistémicos, bem como propor e
adotar medidas de prevenção, mitigação ou redução desses riscos, com vista a reforçar a resiliência do setor
financeiro.»
Sob esta perspetiva, o telefonema que o Primeiro-Ministro terá feito ao Governador do Banco de Portugal,
no dia 12 de abril de 2016, após este ter reunido com Isabel dos Santos e Fernando Vale, realizado com o
suposto intuito de defender os interesses da «filha do presidente de um país amigo», assim como o SMS que
o Dr. António Costa terá remetido ao Dr. Carlos Costa logo a seguir à pré-publicação do livro, com um texto
que supostamente confirma o facto de ter dito que era «inoportuno» afastar Isabel dos Santos da
administração do BIC, a verificarem-se verdadeiros, são indiciadores de uma ingerência inaceitável do poder
político na autonomia do Banco de Portugal.
Situação que alcança maior gravidade porquanto, havendo sido concretizados os seus intentos, poderia ter
ficado comprometida a recolha de informação crucial sobre eventuais crimes financeiros que já estavam a ser
investigados, além de que colocaria em causa a reputação do sistema financeiro português, em virtude,
nomeadamente, dos factos que posteriormente foram divulgados por via dos «Luanda Leaks».
Também no referido livro ficam plasmadas sérias dúvidas e suspeições sobre o processo de resolução do
Banif, quer no âmbito da informação transmitida pelo Governo da República às instâncias europeias, quer na
forma como foi conduzido o processo de «salvação» da instituição bancária.
Na verdade, parecem existir indícios suficientes de interferência política no processo de resolução do Banif
e na escolha do agente financeiro escolhido para adquirir o capital do mesmo, sustentando a possibilidade de
estarem em causa eventuais crimes de abuso de poder ou até prevaricação, entre outros.
Estes vários relatos, a serem objetivamente verdadeiros, configuram a existência de uma prática ilegal e
nefasta no âmbito das relações entre o Governo e o setor financeiro, mormente o regulador Banco de
Portugal: um processo de interferência abusiva e ilegítima, de forma contínua, sobre o regulador financeiro,
que deveria primar pela autonomia e racionalidade das suas decisões no âmbito do mercado financeiro.
O Parlamento não pode ser indiferente a este quadro de suspeição, sobretudo quando as decisões nele
operadas implicaram um real sacrifício sobre o dinheiro dos contribuintes e sobre a estabilidade da relação
entre instituições.
dos-santos/20221115/63738d180cf27230dc177d09; visto em 2022-11-15. 6 In: https://observador.pt/2022/11/15/era-inoportuno-afastar-isabel-dos-santos-primeiro-ministro-envia-sms-a-carlos-costa-que-confirma-telefonema-sobre-eurobic/; visto em 2022-11-15.
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Em razão destas suspeitas não pode a Assembleia da República alhear-se da sua competência para
analisar esta questão.
Em primeiro lugar, por toda a implicação política de que se reveste esta situação, nomeadamente, no que
diz respeito à ingerência do poder político sobre um organismo com competências autónomas como o Banco
de Portugal.
Em segundo lugar, porque esta atuação, a ter sido concretizada, poria irremediavelmente em causa a
recolha de informações sobre práticas ilícitas que já estavam a ser alvo de uma investigação, que desse modo
ficaria prejudicada.
Em terceiro lugar, porque é no Parlamento, perante os representantes de todos os portugueses, que em
primeiro lugar deve ser feito o esclarecimento cabal desta situação, que é eminentemente do foro político,
antes de ser do foro judicial, dado que foi supostamente praticada no período em que o Dr. António Costa, já
ocupava o cargo de membro máximo do Governo.
Assim:
̶ Considerando que compete ao Parlamento escrutinar os atos do Governo e que as Comissões
Parlamentares de Inquérito são o instrumento mais adequado para esse fim;
̶ Considerando que os Deputados têm o dever de procurar a verdade e os portugueses têm o direito de a
conhecer;
̶ Considerando que o escrutínio dos atos do Governo e da Administração é um direito inalienável e um
dever dos Deputados;
Os Deputados abaixo-assinados do Grupo Parlamentar do Chega requerem, ao abrigo do disposto na
alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 5/93, de 1 de março, republicada pela Lei n.º 15/2007, de 3 de abril, a
constituição imediata de uma comissão parlamentar de inquérito, que deverá funcionar pelo prazo de 120 dias,
com o seguinte objeto:
̶ Avaliar a eventual interferência política do Primeiro-Ministro sobre o antigo governador do Banco de
Portugal, quanto à posição da empresária Isabel dos Santos no BIC Português S.A., procurando apurar se
houve abuso de poder por parte do líder do governo com o intuito de salvaguardar objetivos ou interesses
externos à estabilidade do mercado financeiro português;
̶ Avaliar se o processo de resolução do Banif foi objeto de interferência abusiva, por parte do Governo,
quer no respetivo processo de negociação e informação com as instituições europeias, quer na escolha da
sociedade financeira que viria a adquirir o Banif.
Palácio de São Bento, 20 de novembro de 2022.
Os Deputados do CH: André Ventura — Bruno Nunes — Diogo Pacheco de Amorim — Filipe Melo —
Gabriel Mithá Ribeiro — Jorge Galveias — Pedro dos Santos Frazão — Pedro Pessanha — Pedro Pinto —
Rita Matias — Rui Afonso — Rui Paulo Sousa.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO.