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Segunda-feira, 12 de junho de 2023 II Série-B — Número 88
XV LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2022-2023)
S U M Á R I O
Inquérito Parlamentar n.º 8/XV/1.ª [Comissão Eventual de Inquérito à Atuação do Serviço de Informações de Segurança (SIS)]: — Alteração do texto inicial do inquérito parlamentar.
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INQUÉRITO PARLAMENTAR N.º 8/XV/1.ª (*)
[COMISSÃO EVENTUAL DE INQUÉRITO À ATUAÇÃO DO SERVIÇO DE INFORMAÇÕES DE
SEGURANÇA (SIS)]
Exposição de Motivos
A Lei n.º 30/84, de 5 de setembro, que estabelece as bases gerais do Sistema de Informações da
República Portuguesa, prevê, no seu artigo 21.º, que «O Serviço de Informações de Segurança é o organismo
incumbido da produção de informações que contribuam para a salvaguarda da segurança interna e a
prevenção da sabotagem, do terrorismo, da espionagem e a prática de atos que, pela sua natureza, possam
alterar ou destruir o Estado de direito constitucionalmente estabelecido.», sendo que as atribuições em
concreto do Serviço de Informações de Segurança (SIS) vêm taxativamente descritas no artigo 33.º da Lei n.º
9/2007, de 19 de fevereiro, que estabelece a orgânica do Secretário-Geral do Sistema de Informações da
República Portuguesa, do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa e do Serviço de Informações de
Segurança e que preveem como competência do SIS «promover, por forma sistemática, a pesquisa, a análise
e o processamento de notícias e a difusão e arquivo das informações produzidas, devendo, nomeadamente:
a) Acionar os meios técnicos e humanos de que tenha sido dotado para a produção de informações,
desenvolvendo a sua atividade de acordo com as orientações fixadas pelo Primeiro-Ministro e no âmbito das
instruções e diretivas dimanadas do Secretário-Geral;
b) Elaborar os estudos e preparar os documentos que lhe forem determinados;
c) Difundir as informações produzidas, de forma pontual e sistemática, às entidades que lhe forem
indicadas;
d) Comunicar às entidades competentes para a investigação criminal e para o exercício da ação penal os
factos configuráveis como ilícitos criminais, salvaguardado o que na lei se dispõe sobre segredo de Estado;
e) Comunicar às entidades competentes, nos termos da lei, as notícias e informações de que tenha
conhecimento e respeitantes à segurança interna e à prevenção e repressão da criminalidade.»
Ainda nos termos do n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 30/84, de 5 de setembro, que publica a Lei-Quadro do
Sistema de Informações da República Portuguesa, «Os funcionários ou agentes, civis ou militares, dos
serviços de informações previstos na presente lei não podem exercer poderes, praticar atos ou desenvolver
atividades do âmbito ou competência específica dos tribunais ou das entidades com funções policiais.» e
segundo o n.º 2 do artigo 6.º da Lei n.º 9/2007, «Aos membros do Gabinete e aos funcionários e agentes
referidos no número anterior é vedado exercer poderes, praticar atos ou desenvolver atividades do âmbito ou
da competência específica dos tribunais, do Ministério Público ou das entidades com funções policiais.», o que
na prática equivale a dizer que o SIS não exerce funções policiais, que consistem na prevenção do perigo
concreto e no combate ao crime e à criminalidade e que a atuação do SIS, nos termos das leis referidas,
encontra-se limitada à pesquisa, análise e ao processamento de informações.
Os Serviços de Informações da República Portuguesa, de que é parte integrante o SIS, são uma linha
fundamental de defesa e salvaguarda da segurança e da independência nacionais ao atuarem como garante
do estado de direito democrático, aquém e além-fronteiras, identificando ameaças e oportunidades em
diversas vertentes – seja no quadro puramente securitário, no político, no social ou no económico.
Contudo, no último mês e meio, o Serviço de Informações de Segurança (SIS) tornou-se mediático pelo
alegado extravasar das suas competências e atribuições legalmente previstas.
A 26 de abril de 2023, o SIS esteve ativo e operacionalmente envolvido na recuperação do computador
profissional de Frederico Pinheiro, à data dos factos adjunto do Ministro das Infraestruturas, João Galamba.
O ex-adjunto do Ministro das Infraestruturas, Frederico Pinheiro, foi contactado nessa noite de 26 de abril
por um agente do SIS, que lhe transmitiu que tinha ordens «de cima» para recolher o aparelho.
De acordo com as declarações do Sr. Ministro das Infraestruturas, no dia 29 de abril de 2023, este declarou
ter contactado o Serviço de Informações de Segurança para recuperar um computador portátil na sequência
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de uma série de conversas tidas com membros do Governo.
Posteriormente, já em sede de Comissão Parlamentar de Inquérito à gestão da TAP, o Sr. Ministro das
Infraestruturas confirmou ter contactado nessa noite o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro, o
Sr. Ministro da Administração Interna e a Sr.ª Ministra da Justiça, sendo que o primeiro lhe terá dado
indicações para contactar os serviços de informações.
A atuação do SIS na noite de 26 de abril foi, entretanto, sindicada pelo Conselho de Fiscalização do
Sistema de Informações da República Portuguesa (CFSIRP) que, em comunicado emitido a 3 de maio de
2023, referiu que o computador foi entregue na via pública ao SIS, que atuou «numa lógica de prevenção de
riscos» e no qual se pode ler que «não existem indícios que sustentem ter sido adotada pelo SIS qualquer
medida de polícia aquando da recuperação do computador em causa».
Conclusão publicada pelo CFSIRP sem ouvir o visado pela atuação do SIS, Frederico Pinheiro, e ao
arrepio de qualquer princípio do contraditório, em violação dos deveres de zelo e imparcialidade a que está
obrigado o CFSIRP enquanto organismo responsável pela fiscalização da «atividade do Secretário-Geral e dos
serviços de informações, velando pelo cumprimento da Constituição e da lei, com particular incidência em
matéria de preservação de direitos, liberdades e garantias.»
Ademais, o CFSIRP não explicou no referido comunicado qual a base legal que suporta a atuação do SIS
neste caso concreto, adensando ainda mais as dúvidas sobre a independência do órgão e sobre a legalidade
da conduta dos serviços de informações.
Tanto assim o é que a atuação do SIS motivou a abertura de um inquérito penal, tendo a Procuradoria-
Geral da República confirmado que está a investigar a ação dos Serviços de Informações de Segurança na
recuperação do computador de Frederico Pinheiro, nomeadamente pela prática de um crime de abuso de
poder.
De facto, a atuação e o envolvimento do SIS na recolha do computador de Frederico Pinheiro só pode ser
qualificada como uma medida de polícia, na medida em que, existindo um crime, conforme foi admitido pelo
próprio Primeiro-Ministro, seja ele de furto, de roubo ou de abuso de confiança, a competência exclusiva de
atuação seria dos órgãos de polícia criminal e não dos serviços de informações a quem exclusivamente
compete, como a própria designação indica, a produção de informações estando mesmo obrigados a
comunicar às entidades competentes qualquer facto configurável como ilícito criminal.
Ainda que se entenda não ter ocorrido a prática de qualquer ilícito criminal, a atuação do SIS carece
igualmente de base legal uma vez que este Serviço de Informação se encontra adstrito ao princípio da
legalidade, tendo de atuar apenas e só ao abrigo das suas competências legalmente previstas, o que
manifestamente não aconteceu.
Em qualquer quadro governativo, mas em especial no atual contexto de instabilidade governativa, é
essencial garantir que a atuação do SIS se paute pelo estrito cumprimento da legalidade e que o SIS não seja
instrumentalizado pelo Governo em funções para seu proveito próprio, em atropelo à lei e aos direitos
fundamentais dos cidadãos, tal como afirmado e reiterado pelo Presidente da República em declarações à
comunicação social: «os serviços de informações são do Estado, não são de um governo, qualquer que ele
seja. Isto é uma questão de princípio.»
Até à data de hoje, o Primeiro-Ministro, que tem a responsabilidade legal de controlar, tutelar e orientar a
ação dos serviços de informações, não esclareceu cabalmente os portugueses, nem a Assembleia da
República, quanto à intervenção do SIS e da Secretária-Geral do SIRP.
A necessidade de esclarecimento cabal da atuação do Governo, do SIS e da Secretária-Geral do SIRP
nesta matéria impõe a constituição, por parte da Assembleia da República, de uma comissão eventual de
inquérito à atuação do Serviço de Informações de Segurança (SIS).
Assim, os Deputados abaixo assinados requerem, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º
da Lei n.º 5/93, de 1 de março, republicada pela Lei n.º 15/2007, de 3 de abril, a constituição imediata e
obrigatória de uma comissão parlamentar de inquérito à atuação do Serviço de Informações de Segurança
(SIS), que permita cumprir os seus objetivos, não ultrapassando os 90 dias, com o seguinte objeto:
1 – Apurar as responsabilidades políticas, operacionais e legais relativas à atuação do Serviço de
Informações de Segurança (SIS) na presente Legislatura, nomeadamente:
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a) Eventuais orientações, diretivas ou ordens emitidas que deram origem à atuação do SIS no sentido de
recuperação do computador portátil;
b) Apreciar a legalidade da atuação do SIS na noite de 26 de abril de 2023, designadamente qual a base
legal que a motiva e justifica.
2 – A prática e a relação do atual Governo para com os serviços de informações, nomeadamente sobre se
é habitual ou comum a emissão de orientações, ordens, indicações ou diretivas, para que estes pratiquem atos
próprios e exclusivos das entidades com funções policiais;
Palácio de São Bento, 9 de maio de 2023.
Os Deputados da IL: Rodrigo Saraiva — Bernardo Blanco — Carla Castro — Carlos Guimarães Pinto —
Joana Cordeiro — João Cotrim Figueiredo — Patrícia Gilvaz — Rui Rocha.
(*) O texto inicial da iniciativa foi publicado no DAR II Série-B n.º 86 (2023.06.05) e substituído, a pedido do autor, em 12 de junho de
2023.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO.