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Quarta-feira, 7 de Dezembro de 1988
II Série-C — Número 6
DIÁRIO
da Assembleia da República
V LEGISLATURA
2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1988-1989)
COMISSÃO DE ECONOMIA. FINANÇAS E PLANO Acta da reunião de 6 de Dezembro de 1988
SUMÁRIO
Acta da reunião de 6 de Dezembro de 1988: continuação do debate, na especialidade, das propostas de lei n." 74/V — Orçamento do Estado para 1989 — e 75/V — Grandes Opções do Plano para ¡989/1992 e Grandes Opções do Plano para 1989 — [Ministérios da Justiça e da Agricultura, Pescas e Alimentação, Secretaria de Estado da Cultura (1.' parte) e Encargos Gerais da Nação].
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O Sr. Presidente (Octávio Teixeira): — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.
Eram 10 horas e 35 minutos.
Gostaria de começar por agradecer a presença do Sr. Ministro da Presidência e da Justiça e dos Srs. Secretários de Estado. Embora não estejam aqui presentes todos os grupos parlamentares, julgo que já são horas para começarmos a nossa reunião. De qualquer forma, temos quórum necessário para o fazer.
Gostaria de perguntar ao Sr. Ministro da Justiça se pretende fazer uma pequena intervenção inicial de apresentação ou se quer aguardar, pura e simplesmente, que sejam colocadas questões.
Tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência e da Justiça.
O Sr. Ministro da Presidência e da Justiça (Fernando Nogueira): — Sr. Presidente, uma vez que já houve um debate no seio da 1." Comissão e dado que consta do seu relatório as principais linhas de força do Orçamento, eu preferiria responder apenas a questões que me fossem colocadas.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, estão abertas as inscrições.
Pausa.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça: Com efeito nós já tivemos oportunidade de, em sede de 1.a Comissão, proceder à abordagem na generalidade do orçamento de Estado da justiça e de, a partir da mesma, elaborar uma leitura minimamente esteiada, de acordo com os pontos de vista de cada partido politico, sobre o que ele representa no quadro das necessidades e das possibilidades no Portugal de 1989.
Tivemos oportunidade de deixar escrito, sob a forma de declaração de voto, em texto que vem anexo ao relatório da 1.a Comissão, um conjunto de preocupações, às quais eu esperaria que o Sr. Ministro começasse por responder no início desta reunião. Como não o fez, vai obrigar-me a reiterá-las, mas agora por via oral e, eventualmente, não todas, embora acrescentando algumas outras, de resto capitosas, uma vez que vamos no segundo dia da greve dos magistrados judiciais, questão que não pode, de forma nenhuma, estar ausente de um debate de verbas como este que aqui estamos a realizar.
Por exemplo, quem abrir hoje o Diário de Notícias constatará duas coisas aparente ou realmente antinómicas e que são as seguintes: por um lado, o arrolamento do catálogo de iniciativas do Sr. Ministro da Justiça e, por outro lado, a afirmação, a meu ver credível, da insuficiência das consignações orçamentais para levar a cargo um programa capaz de alterar, de forma justificada e até se possível radical, o panorama, que é de precaridade, com que nos defrontamos.
Direi que há uma questão de partida, que é a que tem a ver com a imagem que cada um de nós tem do que é hoje a justiça em Portugal e daquilo que é imperioso fazer. Nós, PCP, nunca vimos o quadro presente — como, aliás, nunca vimos o quadro passado — em função de juízos prévios de carácter denegatorio,
mas, sem dúvida alguma, vimo-lo sempre como extremamente escuro, carenciado, apelativo de medidas enérgicas em várias frentes e conjugadamente. Pensamos que nos últimos anos o Ministério da Justiça se tem caracterizado por uma mera gestão da crise, melhor ou pior consoante os casos, frequentemente apenas plana,
Usa, sem inventiva. Suponho que se tivermos em conta, por exemplo, que as reivindicações dos magistrados judiciais são justas e que a forma de lhes dar resposta passará pelo estudo de medidas normativas adequadas, deveremos, do mesmo modo, perguntarmo-nos: «Que verbas virão a ser afectadas para aquilo que se afigura absolutamente indiscutível e inadiável, que é a reformulação do estatuto remuneratório da magistratura judicial portuguesa? A esta pergunta, que é dianteira, poderiam seguir-se outras, subsumidamente, como a de saber que critérios vão orientar esse aumento para podermos, de certa forma, verificar se as dotações previstas são ou não as necessárias.
Deixando por momentos a questão — e a ela voltaremos quando e se tivermos que referenciar mais pertinentemente o que se passa com o mundo judiciário —, acontece que nós pensamos que o Ministério da Justiça peca neste orçamento, de modo significativo, por uma grande ausência de arrojo. Os novos projectos são poucos. Os tais 26 novos projectos de que fala o Diário de Notícias não são mais, em grande parte, do que o represtinar de um catálogo que vem de trás. Portanto, não são 26 projectos ex novo. Por outro lado, as carências que se fazem sentir neste campo, e que vêm sendo radiografadas ano após ano, levariam a acções bastante mais profundas no rastrear, no pis-tar de dificuldades e na propositura dos meios para lhes dar resposta. A nossa caracterização é a seguinte: não existem significativos novos projectos e o Ministério mantém uma mera gestão da penúria, da precariedade, da insuficiência. O Sr. Ministro e o Sr. Secretário de Estado escolherão certamente o qualificativo que lhes aprouver, mas é sempre sobre este paradigma que o nosso discurso se potencializa.
O mesmo se dirá relativamente a outras áreas nevrálgicas. Está previsto o arranque das obras relativas à cadeia do Funchal. Se peias burocráticas não vierem a interpor-se, como normalmente acontece, isto significará que a obra estará concluída quando? Com que montantes? Pela leitura que fizemos, e que já pudemos expressar em declaração de voto, a política nesta esfera pauta-se pela simples manutenção do que está ou pela simples reposição do que se previa alterar em anos anteriores, uma vez que — e é altura de o dizer —, segundo o nosso ponto de vista, os níveis de execução orçamental indicados pelo Sr. Ministro, em reunião que tivemos a propósito do debate na generalidade, quer os níveis de realização contabilística quer mesmo os níveis de realização financeira, são, efectivamente, muito baixos. Há um pouco a ideia de que o controle da efectivação dos diferentes projectos foge das mãos do Ministério e que, contrariamente àquilo que seria desejável, vão continuando, de forma mais ou menos inerte, no PIDDAC obras que dele deveriam desaparecer progressivamente.
Há casos pontuais, gritantes. O caso do Tribunal Judicial de Braga, com toda a reacção que já provocou, é apenas um deles e talvez não seja sequer o mais ilustrativo, mas perdoar-se-me-á que fale dele. Outros há que respondem pela negativa àquilo que tem vindo a
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ser pressuposto e efectivado de então para cá. E nem sequer se pode dizer que o Ministério da Justiça é um ministério particularmente carente de verbas. Os números apontados pelo Sr. Ministro, em reunião da 1.a Comissão, como saldo dos cofres do ano que passou são seguramente inferiores aos números reais. Os cálculos que fazemos — e o meu camarada José Magalhães irá referir-se a isto de forma detalhada — apontam para muito mais do que os 4 milhões de contos que foram referidos na sessão de trabalho de há duas ou três semanas atrás. Em primeiro lugar, isto explicita um aumento da matéria insindicável pela Assembleia da República, na prática uma real fuga ao controle parlamentar, na prática um não à orcamentalização dos cofres, não o que vinha sendo a menina dos olhos do Sr. Ministro Mário Raposo e que depois continuou sendo no discurso do Sr. Ministro Fernando Nogueira, mas o inverso disso.
Se'tivermos em conta que a lei orgânica está para sair, mas não sai, se tivermos em conta que os quantitativos sem fiscalização abundam, podemos ficar com uma imagem extremamente degradada, que é esta: os cofres estão cheios de dinheiro, muito do qual é derivado da subida das custas judiciais, a troco de uma justiça mais distante, mais ineficiente e, como é natural, mais injusta. O Sr. Ministro terá oportunidade de provar que não é assim, mas a nossa leitura, depois de muito ponderada, não se afasta um milímetro da linha que acabo de expender.
Do mesmo modo, tivemos oportunidade de colocar várias questões que ficaram sem uma resposta suficientemente aclaradora. Em matéria de implantação territorial da Polícia Judiciária no âmbito do novo Código de Processo Penal, em matéria de incremento das acções da Polícia Judiciária no âmbito geral do combate a deliquência, em matéria de envolvimento na vertente repressiva ou, se se preferir, profiláctica-repressiva sob a égide do Ministério da Justiça em tudo o que concerne à droga, aquilo de que dispomos é de uma dis-cursata que não quantifica, não especifica, não nos permite uma leitura avaliadora, minimamente concreta.
Aliás, este orçamento está elaborado por forma que se torna impossível fazer uma comparação rigorosa com aquela que era a evolução das verbas de anos transactos, porque as alterações orgânicas e as mudanças de inserção temática e capitular levam a tais desconformidades com o que era praxe fazer-se que se avoluma, de maneira muito rotunda, a margem de insindicabili-dade.
Depois de tudo o que fica enunciado restarão algumas considerações, que ainda poderei produzir numa fase posterior.
Por uma questão de ordem lógica, deixo estas considerações de carácter inicial ao Sr. Ministro e ao Sr. Secretário de Estado. O meu camarada José Magalhães irá certamente, de imediato, colocar vários outros problemas à vossa consideração e, depois de uma primeira abordagem, teremos oportunidade de regressar com várias outras questões.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): — Sr. Presidente, não havendo outras inscrições exerceria o direito ao uso de palavra ...
O Sr. Presidente: — Peço desculpa, Sr. Deputado José Magalhães, mas vou ter de o interromper.
Esqueci-me de perguntar ao Sr. Ministro da Justiça se queria responder de imediato às questões colocadas pelo Sr. Deputado José Manuel Mendes.
Tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência e da Justiça.
O Sr. Ministro da Presidência e da Justiça: —
Sr. Presidente, creio que talvez seja preferível esgotar esta primeira ronda de perguntas.
O Sr. Presidente: — Com certeza, Sr. Ministro. Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça: Nesta sede gostaria de abordar um aspecto que nos preocupa particularmente e que diz respeito à vida financeira e à transparência das finanças do Ministério da Justiça. Este é um ponto saliente na apreciação que temos vindo a fazer sobre a situação da justiça em Portugal. Sabemos que todos os anos o Orçamento é sempre melhor e que a justiça é sempre pior. Esta correlação malévola não tem sido quebrada e creio que, lamentavelmente, este ano também não o será. A situação que se vive, neste momento, no mundo judicial é talvez um sinal, um atestado disso.
Como o meu camarada José Manuel Mendes sublinhou, não há falta de dinheiro, mas é evidente que há falta de dinheiro, uma vez que todos desejaríamos, seguramente, que as várias coisas que estão em atraso, por razões que conhecemos, pudessem ser aceleradas. Nesse sentido, é evidente que a há, mas, fazendo uma análise, com os dados disponíveis, das verbas que é legítimo admitir que existem, o primeiro juízo que se pode fazer sobre elas é que, lamentavelmente, não sabemos a quanto montam! E é significativo que o próprio relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias — aprovado, de resto, só com os votos do PSD — tenha tido que sublinhar que «a Comissão não dispõe de elementos informativos, sob forma de mapa-resumo do orçamento geral do Gabinete de Gestão Financeira, apenso ao orçamento do Ministério, que habilita a conhecer as transferências a operar para cada um dos respectivos serviços, tornando-se impossível a formulação de uma apreciação em conjunto sobre a política de justiça e os vários componentes e variedades.» Isto é verdade e creio que não pode continuar a ser verdade, desde logo porque é constitucionalmente ilegítimo que assim suceda.
O Tribunal Constitucional acabou de declarar inconstitucional o Orçamento do Estado do ano transacto e no acórdão que pronunciou sobre essa matéria um dos pontos avaliados é precisamente o regime dos serviços e fundos autónomos. A ilação que se extrai do acórdão quanto a esse ponto é a de que — e foi esse o pressuposto fundamental da análise do Tribunal nessa matéria — a Assembleia da República tem que aprovar os grandes agregados dos orçamentos desses serviços e fundos autónomos, não podendo o Governo ter os poderes que tem ou, melhor, que tem entendido ter. Isto tem consequências graves em relação a todos os orçamentos anexos ao mapa respectivo que o Governo enviou a título indicativo e que terá agora que ter tí-
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tulo deliberativo, aprovativo, pela Assembleia da República, sob pena de inconstitucionalidade relapsa e reiterada e tem implicações, portanto, no caso do Ministério da Justiça.
O Ministério da Justiça apresenta-nos, tradicional e ordinariamente, orçamentos dos cofres «feitos a olho», sem ofensa para quem os faz, elaborados com um grau de precisão diminuto. Sabe-se bem que a seguir àquele orçamento terá de haver um orçamento suplementar, outro orçamento suplementar, quiçá ainda outro orçamento suplementar! E todos sabemos que apesar dos passos positivos dados nesse campo, coisa que aqui gostaria de sublinhar porque foi obtido na sequência de um esforço consensual aqui feito na Assembleia da República, que passou pela aprovação de uma norma do Orçamento do Estado de um dos anos transactos, que creio que foi positivo para a própria regularização da situação financeira do Ministério da Justiça em Portugal, a verdade é que hoje, 1988, continuamos a não poder dizer ao País, à Assembleia da República, exactamente em que ponto é que estão os fundos sem fundo do Ministério da Justiça! Creio que isso é absolutamente absurdo!
Sabemos que no artigo 14.° da proposta do Orçamento, o Governo prevê uma norma que está tendencialmente dirigida à alteração dessa situação. Também sabemos que a resolução do Conselho de Ministros n.° 44/88 obrigava a inscrever o valor bruto nas receitas e despesas nos respectivos orçamentos, incluindo as dos cofres. E a específica menção que consta do ofício n.° 7807 do Ministério das Finanças, que foi dirigido à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, sublinha «dirige-se esta resolução a um conjunto de serviços com fundos privativos, normalmente com a designação de cofres, que têm gerido um volume considerável de receitas à margem do instituto orçamental. Trata-se de uma situação com longos anos de existência, mas a sua gradual correcção começa a produzir efeitos já no Orçamento do Estado para 1989, artigo 14.° da proposta de lei». Como diz o Sr. Ministro das Finanças neste documento, é à margem do instituto orçamental, mas, ao que agora importa, também é à margem da própria possibilidade de decisão orçamental sobre esta matéria e da transparência.
Se atentarmos nos números, creio que é evidente a disparidade colossal entre os dados transmitidos à Assembleia da República, como previsão, e os dados efectivos. Se aditarmos a isto o facto de o Ministério estar isento, nos termos do artigo 13.° do Decreto-Lei n.° 67/88, da obrigação de reposição de saldos de gerência, veremos que ele tem mais recursos do que aqueles que ele confessa — como é óbvio, tome-se o confessar em termos políticos.
Analisando os documentos que foram enviados, os mapas trimestrais acumulados a que se refere o artigo 1».° do Decre«o-Lei n.° 459/82, de 26 de Novembro, e a Portaria n.° 171/77, de 12 de Março, remetidos, nos termos da lei, à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, verifica-se que só a análise das receitas cobradas de Janeiro a Setembro de 1988 dá qualquer coisa como 20 626 693 contos. Ora, aquilo que estava previsto no Orçamento «a cttca de 15 465 677 contos. Com o Código das Custas, com os outros elementos de oneração da justiça de Janeiro a Dezembro teremos, seguramente,
um saldo superior, a não ser que o Sr. Ministro da Justiça tenha possibilidade de, no interior, nestes poucos dias, alterar ou atenuar essa situação, o que suponho que não desejará, dado que está de acordo com a política do seu ministério, que é a de fazer, a todo o custo, esse aumento forçado de receitas.
O grande problema é que nós não sabemos para onde é que as verbas vão, como é que que vão ser geridas. Nesse ponto, a Assembleia da República está numa situação não só de incidência mas também de não discussão da afectação desses montantes.
Esta possibilidade de os governos fazerem surpresas agradáveis — e digo «agradáveis» porque a construção de um tribunal é sempre, para todos nós, uma surpresa muito boa e só nos podemos congratular com isso — à revelia do plano anunciado, lançando sempre no ar a suspeição de que se trata de coisas regidas por outros critérios, designadamente por aquilo que tem em vista o próprio mapa eleitoral ou por interesses ad hoc de favorecimento deste ou daquele sector, parece-nos uma das piores pestes na gestão das coisas da justiça em Portugal.
Sr. Ministro da Justiça, creio que esse é um ponto fulcral, em relação ao qual seria útil que o Governo tomasse aqui uma posição muito clara, porque o Governo diz não, por exemplo, aos magistrados. Os magistrados que hoje fazem greve têm, entre outras coisas, também reivindicações de cunho pecuniário, mas não só. E nessa matéria o Governo é inteiramente circunspecto, diria mesmo que ele é inteiramente negativo, só consegue adiantar o verbo promissório, não uma verba concreta. Creio que quando se alega que não há verba ou que uma determinada reinvindicação deste ou daquele sector dos trabalhadores da justiça é incomportável, deve-se provar. Tenho esperança que o Sr. Ministro da Justiça prove hoje, aqui — que é uma boa ocasião —, que não há verba ou que não há vontade política. Se assim o fizer, teremos todos feito uma boa clarificação.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência e da Justiça.
O Sr. Ministro da Presidência e da Justiça: — Sr. Presidente, devo dizer, em primeiro lugar, que parte das preocupações reveladas até agora pelos Srs. Deputados intervenientes são partilhadas pelo próprio Ministério da Justiça. Ninguém se sente mais incomodado do que eu por não haver uma transparência total na orçamentação das receitas e das despesas do Ministério da Justiça. Na l.a Comissão já tive ocasião de dizer que uma das prioridades do Ministério que me está confiado é a de elaborar a legislação que permita uma perfeita integração no Orçamento do Estado e uma clarificação total da gestão das verbas arrecadadas pelos cofres do Ministério da Justiça.
A declaração de voto do Partido Comunista Português, que li atentamente, expressa mesmo essa minha preocupação, na medida em que reproduz uma afirmação por mim produzida na l.a Comissão no sentido de que durante o 1.° trimestre de 1989 penso poder colocar à consideração do governo a aprovação da lei orgânica do Gabinete de Gestão Financeira, que irá alterar radicalmente este estado de coisas.
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O Governo, no seu conjunto, tem também esta preocupação, que é expressa no n.° 2 do artigo 14.° da proposta de lei do Orçamento do Estado.
No entanto, os cofres do Ministério da Justiça têm uma história complexa e uma pluralidade de legislação avulsa, que determina que a sua gestão seja extremamente difícil e nós estamos a tentar conciliar a transparência com a eficácia.
Como sabem, há muitas receitas que estão consignadas. O Ministério da Justiça tem imensas unidades autónomas espalhadas por todo o país, pois cada tribunal constitui uma unidade autónoma e tem um orçamento privativo, cada conservatória e cada cartório tem um orçamento privativo, e tem receitas consignadas às respectivas despesas. Dai que seja necessário um diploma complexo, que exige grande reflexão, grande estudo, mas o trabalho técnico está praticamente concluído.
Aproveitámos um estudo feito por diversas entidades, que passo a indicar: Direcção-Geral da Contabilidade Pública, a Inspecção-Geral de Finanças e o Gabinete de Gestão Financeira. Estas entidades apresentaram ao Governo propostas possíveis do modelo a escolher para a lei orgânica do Gabinete de Gestão Financeira. O Ministério já fez uma opção e ainda antes do fim do ano vai pôr à discussão esse diploma junto das suas próprias direcções-gerais, porque tudo está articulado e não posso fazer a lei orgânica do Gabinete de Gestão Financeira sem, por exemplo, simultaneamente, rever a lei orgânica da Direcção-Geral dos Registos e do Notariado. É algo que toca em vários aspectos ligados ao Ministério e que tem de ser feito sem perturbação do funcionamento normal dos serviços, dada a delicadeza dos serviços a que se vai aplicar a nova regulamentação orçamental; trata-se de tribunais, de conservatórias e de cartórios notariais e daí que tenhamos que fazer uma transição que não provoque um bloqueamento dos serviços, que não provoque uma paragem ou situações de ruptura, que são de todo indesejáveis.
Os Srs. Deputados podem estar descansados porque, oportunamente, no seio da 1." Comissão, poderemos expor as ideias que temos a esse propósito e dar-vos conta daquilo que estamos a pensar fazer.
Em relação às reivindicações que foram referidas, em particular as dos magistrados judiciais, gostaria de dizer o seguinte: o Ministério tem tido um relacionamento que posso considerar positivo — e que não é negado pela própria Associação Sindical dos Magistrados Judiciais — com os magistrados judiciais. Contrariamente àquilo que poderia resultar das palavras do Sr. Deputado José Magalhães, nunca invoquei falta de verba para não haver actualização de vencimentos dos magistrados judiciais. Não o fiz nem em conversas no meu gabinete nem em intervenções públicas, que de resto, me tenho abstido de fazer porque entendo que não se deve, pelo respeito e consideração que nos merece a magistratura portuguesa, polemizar à volta das reivindicações dos magistrados judiciais.
No entanto, como os Srs. Deputados sabem, porque para isso contribuíram, existem indexações aos vencimentos dos magistrados judiciais que tornam complexa uma decisão no imediato. Se não houvesse essas indexações, talvez a solução do problema tivesse sido mais fácil. Não sei qual foi o propósito de promover a indexação a três categorias profissionais, mas houve um
efeito lateral, porventura perverso, porque não desejado pelos magistrados, e se actualizássemos agora o vencimento dos magistrados, actualizávamos automa-ticamene o vencimento dos professores catedráticos, dos investigadores, etc. Ora, isso, sim, poderia ter problemas de natureza orçamental.
Como é do vosso conhecimento, o Governo tem em curso uma revisão global do sistema remuneratório da função pública, considerada esta em sentido amplo. Os magistrados judiciais entendem que o seu vencimento, uma vez que foi actualizado o dos cargos políticos, deveria também ter sido actualizado. Simplesmente, nunca a Assembleia da República juntou estas duas coisas, ou seja, a actualização de vencimentos de cargos políticos com a actualização de vencimentos dos magistrados judiciais. Ora, o Governo pensa que não há razão nenhuma para actualizar o vencimento dos magistrados judiciais concomitantemente com o dos cargos políticos. Não foi assim no passado e não vemos razões para modificar o comportamento no presente.
No entanto, há um compromisso de honra do Governo para com os magistrados judiciais de que haverá uma actualização dos vencimentos, que os magistrados judiciais serão considerados um corpo autónomo, que ficarão à margem e a eles não se aplicará as regras que hão-de vigorar para os funcionários públicos em geral e para os chamados corpos especiais. Como sabem, tratando-se de magistrados judiciais, a competência para a actualização de vencimentos é da Assembleia da República e o Governo pensa apresentar, durante o 1.° semestre de 1989, uma proposta concreta à Assembleia da República no que concerne à actualização dos vencimentos dos magistrados judiciais.
Uma das conclusões do Relatório Sousa Franco é precisamente a quebra de qualquer tipo de indexação de vencimentos. Mas o Governo entende que não deve quebrar imediatamente essa indexação ao vencimento dos professores sem o próprio Ministério da Educação estar munido dos critérios que podem determinar a reclassificação ou reapreciação dos vencimentos dos mesmos.
Daí que não há problema de verbas. Há um timing definido, há o reconhecimento de que os magistrados judiciais devem ter um tratamento autónomo, de que a competência para legislar sobre essa matéria é da Assembleia da República e o Governo já anunciou que, em princípio, se tudo correr com a normalidade esperada, durante o 1.° semestre de 1989 haverá uma proposta na Assembleia da República para actualização dos vencimentos dos magistrados judiciais.
Queria também comunicar à Comissão de Economia, Finanças e Plano que se tentou encontrar uma fórmula através da qual não houvesse lugar à aplicação do princípio da indexação, criando uma nova figura, a subvenção de função, para os magistrados judiciais. Essa subvenção de função seria transitória, até à revisão global do sistema, cujos quantitativos chegámos a adiantar aos magistrados judiciais e que seria variável entre 7 % e 11 a que acresceria o aumento de vencimento da função pública. Essa solução não foi desejada pelos magistrados judiciais e o Governo entendeu que não deveria forçar os mesmos a aceitar uma solução que não era do seu agrado.
Em relação a outras questões que foram aqui colocadas, gostaria de dizer o seguinte: o discurso dos Srs. Deputados parece-me, com o devido respeito e com
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a devida vénia, inadequado no tempo. Penso que o Ministério e o próprio Ministro têm reconhecido que são insatisfatórias as condições em que muitas vezes é gerida e aplicada a justiça e nunca tracei um quadro idílico da situação dos tribunais em Portugal, antes pelo contrário. Pela minha voz tem sido referido, nas poucas ocasiões em que considerei oportunas, que é pre-cido fazer um grande esforço de modernização e modificação do status quo.
E quero dizer aos Srs. Deputados que sinto a minha conciência tranquila, porque, em relação ao que estava feito e ao que temos projectado, há um avanço qualitativo e quantitativo inegável. Isso mesmo é reconhecido por altos responsáveis da magistratura e mesmo pelos próprios magistrados, que, embora denunciando situações de grave carência ainda existentes, reconhecem que hoje há perspectivas animadoras no sentido da melhoria em particular do parque judiciário em Portugal.
Desejo também dizer-lhes que, desde a última vez que conversámos, ou seja, na 1." Comissão até aos dias de hoje, o Ministério já adquiriu dois novos edifícios para tribunais. De facto, adquiriu, por resolução do Conselho de Ministros de há três semanas, algo que já estava projectado e que já lhes tinha anunciado como projecto, mas que, agora, é uma realidade. Refiro-me, pois, a um edifício do Banco Nacional Ultramarino, em Lisboa, para instalação dos tribunais correccionais. Só esse edifício custou 510 000 contos, o que significa que se, em 1987, se despenderam apenas 402 000 contos em novos tribunais, só a aquisição deste novo edifício ultrapassou aquilo que se tinha feito nesse ano.
Mas na última semana foi também adquirido um edifício, no Porto, à Aliança Seguradora, E. P., por 410 000 contos. Trata-se de um edifício sito na Rua de Bulhão, perto da Avenida de Sá da Bandeira, logo, extremamente bem situado, que permitirá a instalação dos tribunais correccionais no Porto. Portanto, só com estas duas situações foram despendidos cerca de 900 000 contos.
Na verdade, estas aquisições deveram-se naturalmente ao grande esforço e empenho dos serviços do Ministério, porque as cautelas e o rigor imposto pela gestão dos dinheiros públicos determinam a intervenção de diferentes entidades, o que torna o processo moroso e exige a prévia avaliação, muito embora as ditas aquisições tenham sido feitas a empresas públicas. Logo, foi um processo burocrático complexo, que só a diligência constante do Ministério permitiu que se realizassem atempadamente, de modo a, em 1988, termos já estas aquisições como um dado e uma certeza.
Gostaria, já agora, porque a isso me obrigam as intervenções produzidas pelos Srs. Deputados José Magalhães e José Manuel Mendes, de vos dizer o seguinte: entre 1975 e 1987, ou seja, num período de treze anos, em Portugal concluíram-se trinta e três novos tribunais, o que dá aproximadamente uma média de dois e meio a três tribunais por ano. No que se refere a 1988, é verdade, Sr. Deputado José Manuel Mendes, que isto pode ser repescagem de projectos que já há muito tempo figuravam no PIDDAC, mas as coisas não arrancavam, o que não acontece agora. É essa, pois, a diferença. Acontecia, de facto, que essas medidas eram
consideradas prioridades e elencavam-se, mas, depois,
as coisas não avançavam. A diferença, repito, é que agora estão a avançar.
Assim, em 1988, abrimos quinze concursos para novos palácios de justiça, isto é, quinze novos tribunais. Comparando este número com os trinta e três tribunais que foram lançados e construídos num espaço de treze anos, diria que é quase metade o que se fez nesse período, em termos de abertura de concursos.
Posteriormente, contratou-se a elaboração de dezanove novos projectos para a construção dos novos tribunais. A propósito disto, devo dizer que, às vezes, verbera-se o Ministério — e isso consta das declarações de voto quer do PCP quer do PS —, dizendo-se que as estruturas dos edifícios não estão preparadas para instalar tribunais, pelo que não é a solução ideal! Reconheço, de facto, que é verdade e, por isso, só em desespero de causa é que avançamos para aquisições. Contudo, enquanto que a aquisição de um edifício permite instalar tribunais num ano, quando o Ministério decide avançar com a construção raiz de um tribunal tem de esperar três anos ou três anos e meio. E há situações em que é incomportável esperar durante esse tempo, como é o caso dos grandes centros urbanos, Lisboa e Porto, e por isso é que nos abalançamos nas soluções que são conjunturais, mas que têm de resolver problemas que, se não forem solucionados, determinam a desautorização e a indignificação do exercício da justiça. Quanto às soluções de prazo, definitivas ou estruturais, elas levam o seu tempo de gestação.
Mas dizia eu que abrimos quinze novos concursos
para tribunais e contratámos dezanove projectos para
a construção de novos tribunais, porque para se construir um tribunal é preciso contratar um arquitecto de modo a elaborar o projecto de tribunal, é preciso definir quais são as necessidades do tribunal, ou sejam quantas salas de audiência, quantos gabinetes para juízes, qual o espaço de que carecem os oficiais de justiça e as testemunhas, etc, e tudo isto leva o seu tempo!...
VV. Ex." reparem o que é o esforço do Ministério, no ano de 1988, com o mesmo pessoal disponível na Secretaria-Geral ... E digo isto porque há, neste aspecto, uma grande dificuldade, uma vez que não temos serviços regionais, os tribunais estão espalhados por todo o País e, mesmo assim, conseguimos abrir quinze concursos para novos tribunais e contratámos dezanove projectos para novos tribunais. Ora, estes dezanove novos projectos significaram um esforço do Ministério para planificar aquilo que deve ser a construção e os novos edifícios dos tribunais.
Para além disso, continuámos a construção de dezassete tribunais já em execução e contratámos a construção de onze novos tribunais. Assim, realizámos obras praticamente em todo o País e, para terem uma medida do trabalho desenvolvido, refiro que se, em 1987, o Ministério despendeu apenas 402 000 contos, em 1988, poderemos gastar, e vamos fazê-lo, até ao final do ano, 3 milhões de contos para tribunais, conservatórias e cartórios.
Mais: a breve prazo remeterei aos Srs. Deputados da 1." Comissão — terei muito gosto nisso — o Plano de Actividades da Secretaria-Geral do Ministério da Justiça para 1989, onde consta, de forma discriminada, aquilo que se faz em 1988 e o que está projectado para
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1989. Isto é suportado por uma dupla fonte de financiamento, ou seja, pelo PIDDAC e pelos próprios cofres do Ministério da Justiça.
O Sr. Deputado José Manuel Mendes abordou o caso do Tribunal Judicial de Braga. Trata-se de uma aspiração já com uma ou duas dezenas de anos e quanto ao Tribunal Judicial de Gaia é uma aspiração que tinha quase a minha idade, assim como o de Setúbal. Desloquei-me quer a Braga, quer a Setúbal, quer a Vila Nova de Gaia, onde adquirimos definitivamente os terrenos, chegámos a acordo e celebrámos os contratos de projecto, pelo que a construção do Tribunal Judicial de Braga pode arrancar em 1989. Agora, o Ministro da Justiça não se pode substituir ao arquitecto, pois não tem capacidade para fazer o trabalho técnico. De facto, se pudesse ter hoje o projecto pronto, amanhã começaríamos a tratar do concurso para a realização da obra do Tribunal Judicial de Braga. Porém, isso não posso fazer, tenho feito muitas coisas mas, repito, não tenho competência técnica para me substituir aos técnicos com os quais se contrata a realização de projectos.
Este ano adquirimos também instalações para a Polícia Judiciária em Lisboa, que era, do mesmo modo, uma velha aspiração, libertando espaço para o Ministério Público.
Na verdade, o Ministério Público viu, de uma assentada e num só ano, os seus serviços beneficiados com aquisições nos três principais centros urbanos do País. De facto, tem novas instalações no Porto, compradas pelo Ministério, dispõe de novas instalações em Coimbra, compradas pelo Ministério, e, igualmente, em Lisboa. E todo este dinamismo e esta capacidade de realização, que é ainda insuficiente — eu próprio não estou satisfeito —, apenas com os mesmos funcionários de que dispúnhamos, com o mesmo quadro de técnicos que tínhamos nos anos anteriores. Portanto, considero que não posso exigir mais aos serviços do que aquilo que eles me têm dado.
As perspectivas para o próximo ano são igualmente animadoras, porque temos uma programação, sabemos o que vamos fazer e terei muito gosto, como já anunciei, em comunicar aos Srs. Deputados da 1." Comissão as prioridades estabelecidas.
Repudio veementemente que haja qualquer atitude discricionária do Ministério em favorecer esta ou aquela localidade. Procuramos sempre acudir, em primeiro lugar, às dificuldades mais permentes. E a prova disso está em que VV. Ex.85 não serão capazes de adiantar um tribunal que tenha graves carências, qualquer que seja a coloração politica do espaço local ou autárquico em que ele está inserido, a que o Ministério não tenha lançado mãos e não tenha procurado resolver a respectiva situação.
O Sr. José Magalhães (PCP): — Por exemplo, o Tribunal de Família do Porto!
O Sr. Ministro da Presidência e da Justiça: — O Tribunal de Família do Porto está inaugurado, Sr. Deputado!
O Sr. José Magalhães (PCP): — O Tribunal Administrativo do Porto!
O Sr. Ministro da Presidência e da Justiça: — Para esse está adquirida uma casa, Sr. Deputado!
O Sr. José Magalhães (PCP): — Há quantos anos?!
O Sr. Ministro da Presidência e da Justiça: — Não, Sr. Deputado, a casa foi adquirida no ano passado, já por mim, o seu projecto estará até ao fim do ano e as obras vão acabar nos seis primeiros meses de 1989.
Se V. Ex.a quer dar mais algum exemplo, faça favor.
O Sr. José Magalhães (PCP): — São muitos, Sr. Ministro! Vamos ao PIDDAC! ...
O Orador: — Pois são, Sr. Deputado, mas repare que sou capaz de lhe responder a todos!
O Sr. José Magalhães (PCP): — Sr. Ministro, façamos um debate! Aliás, vou inscrever-me para intervir!
O Orador: — Quero também referir-lhes aspectos que quase me custa mencionar, mas devo fazê-lo porque estou a falar para os Srs. Deputados, como, por exemplo, o facto de este ano — e isto é uma coisa quase mesquinha ou lateral mas que também tem o seu significado — termos adquiridos 103 fotocopiadoras para tribunais e 511 máquinas de escrever, o que significa algo que nunca se fez. Portanto, se conseguirmos manter este ritmo em 1989, os tribunais ficarão completamente equipados nestes bens de equipamento, que são insignificantes mas que determinam a operacionalidade e a funcionalidade do sistema. Se W. Ex.™ quiserem saber o que é que se passou em termos de mobiliário, posso dizer-lhes que gastámos, em 1988, 71 000 contos. Poderão dizer que é pouco, mas o certo é que, em 1986, tínhamos gasto somente 35 000 contos. Despendemos, pois, em 1988, o dobro daquilo que tínhamos gasto em 1986, com concursos públicos e problemas de adjudicação e de fornecimentos.
Em termos de recursos humanos para os tribunais, nomeadamente oficiais de justiça, de 1987 para 1988 os quadros dos tribunais foram aumentados em 11 %. E pergunto se há outro serviço público em que se tenha feito um aumento de quadros de 11%. Em 1986 e 1987 foram admitidos 275 novos funcionários para os tribunais. Em 1988, descongelámos a admissão de 759 oficiais de justiça, ou seja, quase o triplo do que se fez em 1986 e 1987.
Mas as carências são tão grandes e gritantes que não é possível num só ano fazer a reparação dos atrasos verificados, atrasos esses que têm a ver com muitas coisas, pois não estou a dizer que, anteriormente, nada se fez. De facto, esses atrasos têm a ver, nomeadamente, com uma quebra de receitas que houve no Ministério da Justiça, visto que o ano de 1986 foi um período com saldo negativo; têm também a ver com opções do próprio regime, justificáveis, como tive já ocasião de expressar aos Srs. Deputados, e esta minha opinião não tem mais valor do que uma opinião ... Havia, de facto, necessidades básicas a satisfazer e o novo regime político foi ao encontro delas, esquecendo um pouco as necessidades de Estado, o que é legítimo e razoável. Mas estamos agora a criar uma onda que permitirá dar aos tribunais portugueses a dignidade que todos esperamos que eles possam ter.
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Quero também dizer-lhes que a grande fonte de receitas do Ministério da Justiça não são as custas judiciais. As receitas arrecadadas pelos tribunais, por via das custas judiciais, significarão 20 % das receitas totais do Ministério da Justiça. É uma ilusão pensar que é daí que resulta o grande aumento de receitas. Na verdade, o grande aumento de receitas resulta, por exemplo, da procura de automóveis, que teve um acréscimo de 50 %, dado que estes pagam emolumentos; portanto, é daí que vêm as receitas para os cofres do Ministério da Justiça e o seu grande aumento.
Temos igualmente tido uma preocupação de desburocratizar a vida nos tribunais. Trata-se de uma matéria muito delicada, pelo que não podemos tomar medidas para os tribunais como se fossem umas simples repartições públicas. De facto, os tribunais exigem-nos uma ponderação e uma análise muito cuidada, para que se mantenha um mínimo de segurança e certeza jurídica na acção dos tribunais. Está constituída uma comissão de desburocratização, no âmbito do Ministério da Justiça, ao abrigo de uma resolução do Conselho de Ministros, e posso, aliás, referir-lhes que estão previstas medidas que deverão ocorrer, pelo menos algumas delas, no 1.° trimestre do próximo ano, medidas essas que, na sua aparência, podem não ter grande significado, mas que, do nosso ponto de vista, vão produzir óptimos resultados.
Por exemplo, vamos instituir a utilização do envelo-pe-janela, o que impede ou evita que se escreva duas vezes o destinatário e o nome da pessoa — uma no envelope, outra no próprio ofício; vamos substituir a cozedura dos processos; é algo que está a ser analisado, mas temos de substituir o sistema por um outro igualmente cuidadoso, que não permita o truncar ou trocar de folhas no próprio processo com facilidade; vamos fazer a recolha e a normalização de todos os impressos utilizados nas secretarias judiciais; temos um programa para instalar em todos os tribunais criminais telefones directos destinados aos magistrados; vamos montar um sistema de segurança no Tribunal Criminal da Boa Hora; vamos colocar telexes nos tribunais de maior movimento; vamos permitir a utilização de cheques não visados como forma de pagamento; vamos informatizar os arquivos e a distribuição dos processos e neste momento estão já para publicação no Diário da República dois despachos, um estabelecendo horário continuo de atendimento ao público, a título experimental, no Tribunal de Polícia de Lisboa, para o que já temos o acordo dos magistrados e dos oficiais de justiça, e outro possibilitando a flexibilização do horário dos tribunais. Por outro lado, temos o plano de informatização dos tribunais em curso, que, aliás, é uma tarefa difícil.
Como VV. Ex.85 sabem, até porque muitos de vós têm formação jurídica, os homens de Direito são um pouco aversos à informática, embora haja quem o não seja, e, portanto, há que fazer uma campanha de persuasão, pelo que estamos a ministrar cursos de formação no Centro de Estudos Judiciários. Temos lançado acções, que serão necessariamente experimentais, pois temos primeiramente de ganhar simpatia de todos os profissionais do foro para a informatização dos tribunais, mas consideramos que é a única solução para conseguir celeridade na justiça.
Em relação à cadeia do Funchal comunico-lhes que
está já adjudicada a obra, que é cara mas absolutamente necessária. De facto, é da ordem dos 2 600 000 contos. Está feita a programação financeira, através de portaria aprovada pelo Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, pelo Ministro das Finanças e por mim próprio, e penso que vamos ter, dentro de três anos, a nova cadeia do Funchal.
Está também em curso a expropriação de um terreno em Faro para ser construída uma nova cadeia e entrou em funcionamento a cadeia de Caxias.
Pergunto aos Srs. Deputados há quanto tempo é que não havia uma cadeia nova em Portugal. Lembram-se quando é que se construiu a última? Pessoalmente, não me recordo! Aliás, penso que foi por volta de 1960. Portanto, simultaneamente, colocámos uma nova cadeia ao serviço do sistema penitenciário português, adjudicámos uma outra no Funchal e iremos brevemente fazer o mesmo em relação à de Faro. Entretanto, o que não podemos fazer é dez cadeias ao mesmo tempo e considero que é positivo termos avançado por este caminho.
Quanto à Polícia Judiciária, devo dizer, e faço-o com algum orgulho e esclarecendo também que o mérito não me pertence, que ela funciona bem. É, de facto, uma boa polícia e está muito razoavelmente bem equipada. É reconhecido o seu mérito no seio das organizações internacionais, desde a Interpol ou a TREVI, tem resultados espectaculares em termos de combate à droga, embora não tenha comigo os elementos de quantificação, este ano foi apreendida muitíssima mais droga do que nos anos anteriores. Em matéria de combate ao crime organizado, nomeadamente no respeitante ao contrabando, quando é que houve um desencadear de uma operação como a referente à rede de Aveiro ou à rede de contrabando de gado? Perguntaria aos Srs. Deputados se têm memória de uma operação da dimensão da do raia seca, com incidência no contrabando de gado, em que há quinze funcionários públicos envolvidos e detidos? Não se pode fazer tudo, mas outras ocasiões surgirão! Simplesmente, como os Srs. Deputados entenderão, quando se desencadeia uma operação da do tipo de Aveiro, ainda que outras pudessem ser desencadeadas, são os próprios criminosos a tomar cautelas e durante algum tempo a estarem mais sossegados.
Não penso, portanto, que haja lugar a uma visão pessimista ou céptica sobre o evoluir da investigação criminal em Portugal. Os homicídios verificados em Portugal têm um grande número de investigações bem sucedidas. Ainda há pouco tempo — não sei de VV. Ex.M se aperceberam —, a propósito daquele agente económico espanhol que simulou uma vinda a Portugal, a polícia espanhola fez os maiores elogios à sua congénere portuguesa, porque desmacarou uma situação que, em princípio, não seria fácil de desmascarar. Somos respeitados em termos internacionais, pois à Polícia Judiciária é-lhe reconhecido o seu mérito.
Portanto, Srs. Deputados, é verdade que há muito a fazer no campo da justiça, mas perguntava-lhes se será que pode ser feito tudo ao mesmo tempo. Com os olhos nos olhos, frontalmente, devo dizer que penso que temos feito muita coisa.
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O Sr. Presidente: — Julgo que nesta altura não intervirá mais nenhum Sr. Membro do Governo.
Pausa.
O Sr. José Magalhães (PCP): — Sr. Presidente, se não houver outros grupos parlamentares que desejem usar da palavra, interviria de imediato. Caso contrário, inscrevia-me.
O Sr. Presidente: — Penso que o Sr. Deputado Nogueira de Brito deseja usar da palavra. Faça favor Sr. Deputado.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): — Sr. Ministro, tenho pena de não ter ouvido toda a sua exposição, que, ainda por cima, terá sido conjunturalmente valiosa, porque V. Ex.a e o seu Ministério estão na ordem do dia neste momento no País.
No entanto, ouvi-lhe a exposição sobre os estabelecimentos prisionais, na qual V. Ex.a disse que colocou a cadeia de Caxias ao serviço do sistema prisional, que tem adjudicada uma cadeia no Funchal e estará também nessa fase a cadeia de Faro. Não vão muitos anos passados que não tenha ouvido um membro do seu partido, que ocupou igualmente as funções de ministro da Justiça, pronunciar-se publicamente a respeito do sistema prisional português no sentido de criticar aqueles que preconizavam um aumento do parque penitenciário e colocando todos os seus «ovos», fazendo toda a sua aposta, no cesto e no sistema da reinserção social.
Assim, Sr. Ministro, pergunto-lhe o seguinte*, o que é que significa este «regresso às cadeias»? Será que significa que o sistema de reinserção e a respectiva direcção-geral, etc, falharam nos seus objectivos, que, se alcançados, permitiriam diminuir o número de cadeias e as repercussões que existem em matéria orçamental? Aliás, não será esta a vertente mais importante aqui, mas, sim, a que respeita a um verdadeiro e eficaz combate à criminalidade.
Será que V. Ex.a considera que as duas coisas vão de par e são ambas necessárias nessa perspectiva?
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência e da Justiça.
O Sr. Ministro da Presidência e da Justiça: — Sr. Deputado Nogueira de Brito, agradeço-lhe a oportunidade que me faculta de referir um outro aspecto que considero prioritário na política do Ministério e em relação ao qual posso adiantar dados concretos.
Temos uma concepção global da política criminal. Existe, pois, uma Polícia Judiciária eficaz, actuante, que serve até de prevenção aos criminosos, que sabem que, mais tarde ou mais cedo, cairão nas malhas da lei. Por outro lado, temos uma grande preocupação em matéria de reinserção social. Acreditamos no homem, somos humanistas e cremos que as pessoas podem ser recuperadas. Portanto, a circunstância de estarmos a construir cadeias não significa que tenhamos desistido de tentar recuperar os reclusos, os delinquentes ou os que têm comportamentos desviantes em relação à sociedade.
Entretanto, Sr. Deputado Nogueira de Brito, não sei se V. Ex.a conhece o Estabelecimento Prisional do Funchal. De facto, as condições são extremamente degra-
dantes e a cadeia hoje existente não comporta, de modo nenhum, os reclusos que vivem na Madeira. Ora, uma forma de reinserir socialmente as pessoas é procurar que, quando, como última medida, as pessoas estejam na cadeia, elas se encontrem o mais próximo possível das suas famílias, porque não tem sentido nenhum um preso do Funchal estar, por exemplo, em Vale de Judeus, porque não pode beneficiar do acompanhamento da sua família. Estamos, pois, a agravar o desequilíbrio emocional e psicológico deste preso e temos obrigação de procurar que, quando uma pessoa tem de ser detida, esteja o mais próximo possível do seu espaço social natural e normal.
Quanto à cadeia de Faro também é um pouco isso, pois procura servir o sul do País. No entanto, e apesar de tudo, o número de células em relação ao número de presos ainda não é um número ideal e, por isso, perseguiremos com a construção de novas cadeias.
Quanto à reinserção social, posso-lhe dizer o seguinte: em 1987 gastou-se 336 945 contos com o Instituto de Reinserção Social, enquanto que em 1988 gastámos 526 848 contos, ou seja, verificou-se um aumento orçamental de 56,4 °7o. Em 1989, o orçamento do Instituto de Reinserção Social será de 786 874 contos, correspondendo, assim, a um aumento orçamental de 49,4 Dificilmente o Sr. Deputado encontrará no Orçamento do Estado outro serviço público que tenha um crescimento desta natureza em termos orçamentais.
Posso dizer-lhe, Sr. Deputado, que só, em 1988, isto é, no ano em curso —e isto para ver que é uma prioridade do Ministério—, num conjunto total de 45 equipas de reinserção social junto dos estabelecimentos prisionais centrais ou dos tribunais de círculo, o Ministério colocou 18 novas equipas, com a admissão de 110 novos técnicos de reinserção social. É um esforço que considero extremamente positivo e estou, aliás, muito contente com os resultados obtidos.
No respeitante aos círculos judiciais, devo dizer-lhe que 50 % deles estão directamente cobertos por equipas de reinserção social, ou seja, as equipas localizadas na própria sede do tribunal de círculo e é meu propósito instalar em cada tribunal de círculo uma equipa de reinserção social, porque a ideia deste tipo de tribunais pode ser óptima — e pensamos que sim — desde que consigamos fazer uma justiça diferente. Ora, para fazer uma justiça diferente, por exemplo, em processo crime, é conseguir ter equipas pluridisciplinares junto dos tribunais de círculo, para efeitos de reinserção social — aliás, o Ministério está a desenvolver acções neste sentido — e é preciso procurar ter secções de atendimento ao público, o que vamos procurar incrementar.
Ainda sobre a mesma temática, devo dizer que estão a decorrer experiências-piloto no País — nomeadamente em Oliveira de Azeméis, em vale de Cambra — de acolhimento de menores, em colaboração com as autarquias, procuramos envolver toda a gente, de modo a encaminharmos os menores que têm comportamentos desviantes para uma inserção social positiva.
Neste sentido, fizemos um protocolo de formação profissional com o Ministério do Emprego e da Segurança Social, através do qual os serviços do Instituto de Reinserção Social, da Direcção-Geral Tutelar de Menores, da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais e do Gabinete do Combate à Droga desenvolverão esforços
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conjuntos nas acções de formação profissional — e são muitas as que já estão em curso e as que queremos desenvolver —, as quais terão como base este Centro Protocolar de Formação Profissional, sendo que 20 % das despesas de funcionamento caberão ao Ministério da Justiça e 80 °7o ao Instituto do Emprego e Formação Profissional. Isto permitirá quintuplicar as acções de formação profissional que fazemos até agora com o mesmo dinheiro, ou seja, o Ministério da Justiça afectará os mesmos recursos e haverá um acréscimo de 80 % vindo do Instituto do Emprego e Formação Profissional.
De facto, e repito, acreditamos na reinserção das pessoas, pois temos estabelecido relações privilegiadas com visitadores de cadeias. Queremos, pois, chamar a sociedade civil para nos ajudar nesta finalidade e vamos fazer, com uma instituição interessante, constituída por alunos de Direito da Universidade Católica de Lisboa, um centro de acolhimento em Oeiras. Essa associação chama-se «O Companheiro» e gostávamos que os civis pudessem colaborar, visitando os presos que não têm visitas e procurando conhecer os problemas deles. Portanto, creio que os números falam por si!...
Assim, devo dizer-lhe que estamos a diversificar as acções, pelo que nos situamos num campo experimental, logo, a ver o que é que dá mais resultado. Na verdade, ainda há pouco tempo o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça se deslocou a Oliveira de Azeméis e a Vale de Cambra, com o Sr. Secretário de Estado da Segurança Social.
Temos um projecto em estudo neste momento no Ministério de prevenção da delinquência a nível do País, de modo a fazer uma estrutura a partir dos organismos existentes que possa dirigir conselhos, campanhas de informação, aos jovens, para não terem comportamentos criminosos.
No entanto, não há uma medida radical. Estamos a diversificar a nossa actividade de modo a tentar galvanizar a sociedade civil para nos ajudar a manter aquilo que julgo de que nos podemos orgulhar, que é o mais baixo índice de criminalidade da Europa comunitária. Julgo que este é o único aspecto em que não deveremos imitar a Europa, ou seja, deveremos manter um nível de criminalidade muito inferior às médias europeias, e vamos lutar por isso.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Nogueira de Brito, inscrevi-o novamente. Cómõ me pareceu que não lhe bastaria uma simples interrupção, parti do princípio que pretenderia fazer uma nova intervenção e inscrevi-o de novo. No entanto, o Sr. Deputado José Magalhães está inscrito em primeiro lugar.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): — Se o Sr. Deputado José Magalhães não se importasse, falaria agora. A minha intervenção é curta e è fundamentalmente de interrogação ao Sr. Ministro; todavia, submeto-me à disciplina da Comissão, como é meu timbre.
O Sr. José Magalhães (PCP): — Não vejo qualquer inconveniente.
O Sr. Presidente: — Como o Sr. Deputado José Magalhães não vê inconveniente nisso, tenho muito gosto em dar-lhe a palavra de novo, Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): — Sr. Ministro, congratulo-me com a sua exposição. Verifico que V. Ex.a dá uma atenção, porventura, especial, ou melhor, qualificada, ao problema prisional. Suponho que há um progresso nítido desde o início do seu consulado até ao momento em que nos encontramos e isso é positivo. Essa combinação que o Sr. Ministro faz entre a atenção dada ao papel da reinserção social e simultaneamente à existência e modernização dos estabelecimentos prisionais parece-me uma perspectiva realista, com a qual também me congratulo.
No entanto, Sr. Ministro, gostaria de lhe dizer o seguinte: nesta discussão do Orçamento do Estado temos um vezo que é o de apreciar as coisas um pouco numa perspectiva predominantemente quantitativa, confundindo, portanto, os resultados das acções programadas com os meios nelas envolvidos. Temos esta tendência ... Por exemplo, há um acréscimo no Orçamento do Estado de jc % e obviamente estou contente com isso, etc.
Sr. Ministro, pergunto-lhe o seguinte: a acção de reinserção tem tido efectivamente resultados positivos medidos, por exemplo, por uma real e efectiva diminuição das taxas de reincidência em matéria de criminalidade? De facto, é necessário medir a eficácia destes novos serviços, muito embora não duvidemos, de forma nenhuma, da preocupação da humanidade e do papel muito positivo que eles sem dúvida representam. Mas o que é que realmente podemos ter neste momento como resultados?
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.
O Sr. Ministro da Presidência e da Justiça: —
Sr. Deputado, muito honestamente digo-lhe que não há dados acerca dessa matéria, mas ainda que os houvesse não penso que pudéssemos ter já resultados.
De facto, só em 1988 instalámos 18 novas equipas e admitimos 110 novos técnicos de reinserção social, naturalmente que foi feito todo um esforço no sentido de vencer as barreiras burocráticas e arranjar instalações para estas equipas, pois todas elas precisam de um espaço minimamente razoável para se instalarem. Assim, eu diria que a esse nível os resultados podem surgir daqui a uns dois ou três anos. Neste momento não creio que possa haver resultados, pois trata-se de um serviço novo e agora ê que está a montar as suas estruturas.
No entanto, pode haver resultados a mais curto prazo com a campanha que estamos a fazer junto das autarquias locais; trata-se de um esforço conjunto do Ministério da Justiça, do Ministério da Segurança Social, das autarquias locais e do Ministério Público, no sentido de ir ao encontro dos jovens em risco. Por exemplo, estamos a pensar criar, conjuntamente com a Procuradoria-Geral da República, equipas móveis, em Lisboa, que andem pelas ruas, que vejam os jovens que estão a mendigar ou a esmolar e que estabeleçam um diálogo com eles, acompanhadas por uma assistente social, no sentido de ver o que eles precisam e o que se pode fazer por eles. Mas tudo isto consiste num projecto cujos resultados obviamente que não podem ser avaliados no momento imediato.
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O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Creio que quem ler esta acta ou quem assistir a este debate ficará inevitavelmente com uma interrogação angustiante no espírito. O rol de realizações exibido pelo Sr. Ministro, ponto por ponto, apresenta-se com um tom de tal forma risonho, optimista, portador de algum orgulho accionista, isto é, orgulho na acção, que as pessoas ficarão sem perceber verdadeiramente por que é que o mundo judicial está em convulsão. São todos eles absolutamente falhos de mérito e inteiramente insensatos e V. Ex.a está cheio de sensatez e de realizações, ou é o contrário? Temos para nós que é o contrário.
Este não será seguramente o ano de entrada dos envelopes com janela nos tribunais, como marca histórica. O que vai marcar este ano é seguramente o facto de haver um movimento grevista com a dimensão que este tem, pelas razões que são do conhecimento de todos, incluindo do Ministério. É um facto! Este não será o ano das 503 máquinas de escrever nos tribunais — elas são bem vindas, e até são necessárias em maior número, novas e adequadas, e também que se soubesse mexer nelas, etc. —, será, sim, o ano em que o Ministério da Justiça, depois de ter andado a fazer negociações, fez promessas todos os meses que no mês seguinte adiava, em que prometeu aos trabalhadores judiciais, designadamente no quadro de uma negociação que depois foi rompida e na qual eles estavam com boa-fé, determinadas coisas que posteriormente de forma alguma concedeu e em que o Ministério da Justiça foi confrontado com a rejeição da sua política. Isto marcará o ano em causa, e não seguramente a introdução de 103 fotocopiadoras, que são benvindas e que certamente fazem falta. Pena é que de vez em quando não haja as tomadas eléctricas necessárias, que os tribunais caiam aos bocados e a fotocopiadora, coitada, possa ter uma telha em cima! Esse é o problema com que estamos confrontados.
Creio que a análise que o Sr. Ministro fez decorre daquilo que é a marca actual da politica do Ministério. O Ministro da Justiça corre atrás da sombra de Fontes Pereira de Melo, no mínimo, e nestas corridas atrás da sombra de Fontes ficam de lado as pessoas e designadamente outra ou outras das componentes da política do Ministério, que obviamente não vêm roladas na lista que o Sr. Ministro aqui nos trouxe.
Na lista trazida pelo Sr. Ministro não vem obviamente a menção ao impacte das custas judiciais no acesso à justiça. Não pode vir porque isso estragaria a pintura! Em Portugal, este ano foram dados passos para trás no acesso ao direito. E o aumento das custas, que foi rejeitado pelas classes profissionais que estão ligadas ao mundo judicial e seguramente pelos cidadãos, está aí como facto marcante deste ano. É isto que marca este ano e que está a ameaçar marcar o próximo ano.
Este também é o ano primeiro da vigência do Código de Processo Penal e acerca disso o Sr. Ministro não disse nada, prudentemente, porque sabe tão bem como nós que o primeiro ano de aplicação daquele código é um pandemônio, ou seja, os requisitos da lei não foram cumpridos, a formação dos magistrados não se fez, etc. A compra de um edificiozinho para os ma-
gistrados do Ministério Público na Polícia Judiciária lá se fez, mas quem é que ousa hoje verdadeiramente dizer que o Ministério Público controla os processos entrados na PJ? Suponho que ninguém! É uma ficção!
O quadro do Ministério Público é o que se sabe. Os serviços vivem de esmolas dos judiciais. Aliás, alertamos para o seguinte: os orçamentos dos tribunais não foram apresentados ao Gabinete da Gestão Financeira e não há circular para o cumprimento do Decreto-Lei n.° 112/88. Entre outras coisas, as secretarias do Ministério Público não vão poder funcionar, como é óbvio nesse caso, por duodécimos em 1989 e, portanto, vão estar sujeitas a viver de esmolas se o Governo não tomar alguma medida durante este período.
Além disso, continua a haver atrasos clamorosos no processamento de tudo o que diz respeito aos ajustamentos dos tribunais e situações caricatas de juízes a terem de pagar do seu bolso os dinheiros para fazer expedições postais e notificações, o que é inteiramente inaceitável!
Por outro lado, em relação às regras para garantir a boa aplicação do Código de Processo Penal, o que é difícil dada a sua natureza, devo sublinhar que a situação existente é francamente alarmante. Estamos em quadro de pré-policialização e instrução preparatória, se é que já não estamos no coração dessa policializa-ção em Portugal.
O Sr. Ministro não falou disto, tal como não falou das consequências da aprovação da nova Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, porque ai o Governo fez aprovar, na Assembleia da República, o lançamento de encargos para cima das autarquias locais e optou pela distância das populações em relação aos tribunais.
Quando o Sr. Ministro fala com satisfação da existência futura de serviços de atendimento ao público nas sedes dos círculos judiciais, está a dar, de forma sorridente, o quadro daquilo que é grave e bastante triste para as populações: é que entre os círculos e as populações há distâncias inaceitáveis e, portanto, as populações que chegarem aos respectivos círculos serão os sobreviventes da caminhada. Isto é, aquilo que se criou com esse mecanismo é uma maior distância para o atendimento, e não um atendimento mais próximo.
Obviamente que isto não vem no discurso e nas grinaldas da política propagandística do Ministério. Não vale a pena estarmos a analisar sector a sector, mas seria útil que nos pudesse explicar, por omissões particularmente chocantes, que em matéria prisional o Sr. Ministro diga «Finalmente Caxias»!». Bom, Sr. Ministro, «finalmente Caxias», dizemos nós, porque bem nos batemos, designadamente na 1.a Comissão, para que «finalmente Caxias». Mas a questão é que também nos batemos para que finalmente Monsanto e neste caso nada! E, assim, o inferno de Monsanto, que neste momento, para quem lá esteja empilhado, é o frigorífico de Monsanto, continua. E creio que hoje, nesta sala, que é razoavelmente fria, saberemos todos que não é tão fria como o inferno de Monsanto.
Penso que isto exigiria medidas urgentes que continuam por adoptar. Prisões não se constroem sem milhões: esta é a triste realidade, isto é sabido. Mas no caso concreto do sistema prisional português, velho, velhíssimo, e a pergunta do Sr. Ministro, ou o lembrete, a memória, é correcta — digam-nos à quantos anos é que se construiu a última prisão — e revela que o sistema está podre, decadente e cheio de pessoas. Ora,
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em relação a essas pessoas o Ministério não pode invocar o caso do fontismo. Descontado o caso do Funchal, que lá virá indicado no Orçamento — talvez, logo se verá, e esperemos que sim, pois é absolutamente urgente —, e descontado o caso de Caxias, que é um rearranjo, uma reafectação e, portanto, não é uma prisão ex novo, como todos sabemos, e uma vez que aqui o Governo não pode comprar prédios à Aliança Seguradora ou a outra entidade para meter presos, qual é a solução para dar resposta às questões urgentes? Não há!
Entretanto, Portugal ocupa nos níveis europeus um índice carcerário lamentável. Aí, nas nossas estatísticas, como um recente estudo internacional veio sublinhar, são lamentáveis, e creio que isso deveria ser assumido. O Governo não tem uma razão forte para ter qualquer orgulho nessa matéria.
Por outro lado, e em relação às medidas médicas, foram anunciadas medidas de activação de apoio psiquiátrico. Muito bem! O problema é que os anexos psiquiátricos foram encerrados há uma série de anos e não há perspectiva de os reabrir. Além disso, a modéstia das equipas previstas é mais do que modesta, é tímida, propedêutica e iniciatória. Façamos votos para que engrosse ...
Quanto à questão sanitária, creio que o Governo está a procurar não fazer alarme em relação à questão do SIDA nas prisões. Mas julgo que ou é aprovado rapidamente um plano de combate ao SIDA nas prisões, assumido como tal, aplicado com firmeza, eficácia e também com respeito pelos direitos humanos, ou então, Sr. Ministro, Portugal enfrentará nesse ponto, por incúrias sucessivas, pela necessidade de procurar não provocar ondas de choque na opinião pública e por aquilo que é a tradicional incúria nessas esferas, um lugar extremamente alarmante no quadro do SIDA no sistema prisional.
Creio que sobre essa matéria o Sr. Ministro também não exibe coisa nenhuma, a não ser um inquérito que foi feito em tempos, com uma despistagem que conduziu à denúncia de alguns números que quanto a nós não traduzem a realidade porque temos profundas dúvidas que a realidade se esgote aí.
Finalmente, creio que o Ministério da Justiça não se notabilizou por um dos seus triunfos mais proclamados. Neste momento, a informatização deste Ministério é o «dádá» do Ministro da Justiça; por outras palavras, é a realização de estima feita num quadro em que os computadores existem num terreno em que faltam as coisas mais elementares e são encarados como um elemento de exibição pública daquilo que verdadeiramente não existe, com casos perfeitamente caricatos. Por exemplo, no Tribunal-de Polícia o computador serve para fazer impressos, que depois são preenchidos à máquina. O computador produz o impresso e depois o funcionário dactilografa à máquina aquilo que lá se escreve. Portanto, o computador é apenas um fabricante de impressos, não regista os dados, por exemplo, dos mandatos de captura, eles não ficam em memória e, assim, os computadores não servem para o que era suposto servirem. Este é um exemplo!
Noutros casos a utilização dos computadores é preocupante, nomeadamente no caso da Procuiadoria-Geral da República. Quais são os limites? Como é que eles estão enquadrados? Obviamente somos a favor do tra-
tamento informático dos pareceres, que somos a favor da racionalização e da utilização da informática, mas com as devidas regras.
Em todo o caso, não se diga, por favor, que a informática é o alfa e o ómega, que os tribunais portugueses entraram agora na área da informática, pois os tribunais portugueses bem precisam, coitados, de sair
da era da cozedura dos processos!
Por exemplo, os trabalhadores judiciais, no seu primeiro congresso, ocorrido em Março deste ano, apresentaram interessantíssimas reflexões, a que o Sr. Ministro não pôde assistir, mas que seguramente lhe foram transmitidas. De facto, elas são do maior interesse para se saber até que ponto é que é possível ultrapassar tudo isto.
A última observação que gostaria de fazer prendere com a questão do tratamento das classes profissionais que existem na órbita do Ministério. Sr. Ministro, creio que aqui o principal problema é o tratamento desigual, porque ele existe. Registamos a promessa feita em relação à situação remuneratória dos magistrados, que V. Ex." ainda terá uma palavra a dizer relativamente às razões pelas quais o Ministério quebrou as negociações com os trabalhadores judiciais, o que eles entendem como uma violação das mais elementares regras de boa-fé, e que saibamos ficaram sem resposta pedidos insistentes para que essas negociações fossem reatadas. De qualquer modo, há discrepâncias no tratamento, por exemplo, em relação aos guardas prisionais. Consideramos muito bem que se resolvam situações remuneratórias e de justiça relativas aos quadros da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais e da própria Polícia Judiciária, ainda que aí, como se sabe, haja também problemas em discussão neste momento e o Ministério não tinha dado satisfação a reivindicações que têm insistentemente sido feitas.
Agora, o problema está em que isso introduz discrepâncias no tratamento dos magistrados judiciais, do Ministério Público e dos trabalhadores judiciais. Por outro lado, sabemos que o Ministério da Justiça tem discrepâncias ele próprio em relação a outros Ministérios, como, por exemplo, o das Finanças, em que os respectivos trabalhadores têm regalias de outro tipo. E isso provoca uma situação de inconformação dos trabalhadores, bem como uma situação de mal-estar e uma situação que dificulta a mobilização dos trabalhadores para a própria batalha da democratização da justiça em Portugal, que exige imperativamente esse envolvimento. Sem isso o Sr. Ministro não fará política nenhuma, porque contra os trabalhadores do sector em peso, como hoje se verifica exuberantemente, não é possível levar à prática uma política democrática e eficaz de justiça.
Esta é a interrogação última e basilar: se os magistrados judiciais de Portugal não ensandeceram, o discurso do Sr. Ministro é um discurso triunfalista e sem uma base mínima de sustentação e nesse sentido é perigoso.
Cremos que os trabalhadores e os magistrados em particular têm nesta matéria uma visão equilibrada, sensata e que deveria ser devidamente apreciada pelo Ministério. Não o está a ser e o facto de o Sr. Mirñstto reunir com A ou com B, de ter diálogos de extremo charme com C, D e F, face a este Orçamento, face à política efectiva do Ministério, face ao caos da justiça processual civil, face ao caos da justiça administrativa
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— o caos da justiça fiscal será um problema do Sr. Ministro Cadilhe —, não conduzirá ao obnubilamento da gravidade da situação existente no País. No próximo Orçamento se verá. Em todo o caso, temos esperança de que ainda neste Orçamento o Sr. Ministro possa completar as observações que fez.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Presidente da Comissão de Economia, Finanças e Plano, Rui Machete.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.
O Sr. Ministro da Presidência e da Justiça: —
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado José Magalhães referiu que fiz um discurso optimista. Limitei-me a dar conta das realizações do Ministério e essas o Sr. Deputado não consegue negar. Portanto, o Sr. Deputado não é capaz de dizer que não montámos dezoito equipas de reinserção social, que não abrimos quinze novos concursos, que não contratámos dezanove novos projectos, que a cadeia do Funchal não está adjudicada, que Caxias finalmente ... porque o que interessa, glosando um tipo de afirmação bem conhecida, são os «finalmente». Sr. Deputado, a minha obrigação é conduzir as coisas para os «finalmente» e é por isso que mostro alguma satisfação, ou seja, porque temos realizado aquilo que estava por realizar e toda a gente pugnava para que fosse realizado.
O meu discurso não é optimista, mas, sim, realista. Respondi às perguntas que me foram colocadas e não a outras. Estou aqui para responder às perguntas dos Srs. Deputados e tive ocasião de dar o ponto de vista do Minstério acerca daquilo que o Sr. Deputado e o seu colega, o Sr. Deputado José Manuel Mendes, me tinham questionado. Não inventei nada e não falei de coisas relativamente às quais não me formularam perguntas.
De todo o modo, Sr. Deputado, se o meu discurso é optimista, o seu está nos antípodas, no cepticismo. Se calhar, o Sr. Deputado confunde desejo com realidades e traça o quadro que gostaria que existisse. Mas o quadro actual não é esse!
De facto, há neste momento nervosismo e um clima emocional no âmbito das classes profissionais que desenvolvem a sua actividade nos tribunais. No entanto, gostaria de fazer notar que a generalidade esmagadora dessas movimentações têm a ver com um aspecto, e praticamente só com esse, o do estatuto remuneratório. Excepciona-se o caso dos oficiais de justiça, os quais compuseram as suas reivindicações alertando para as coisas que todos nós conhecemos e que o Ministro da Justiça é o primeiro a lamentar.
O Sr. José Magalhães (PCP): — Sr. Ministro, permita-me que o interrompa?
O Orador: — Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): — O Sr. Ministro não é rigoroso. V. Ex.a tem a obrigação de conhecer
— qualquer leitor de jornais as conhece — as reivindicações dos magistrados judiciais.
O Orador: — Quais são, Sr. Deputado?
O Sr. José Magalhães (PCP): — Os magistrados judiciais colocam, além da reivindicação de carácter pecuniário, outras relacionadas com os sectores que estão em crise neste momento na administração da justiça, ou seja, todos de alfa à última das letras do alfabeto cirílico.
O Orador: — Sr. Deputado, importa-se de me dizer quais são as reivindicações dos magistrados judiciais e dos juízes que são aqueles que estão hoje em greve? Conhece-as?
O Sr. José Magalhães (PCP): — Sr. Ministro, se me permite, vou buscar o respectivo documento lá dentro. Na verdade, presumi-as tão óbvias que não seria necessário lê-las uma a uma, mas se V. Ex." pretende que fiquem expressas na acta assim será.
O Orador: — As razões que me foram comunicadas pela Associação dos Magistrados Judiciais para fundamentar a presente greve é o facto de pretenderem a equiparação aos titulares dos órgãos de soberania. É somente esta! Não conheço outra! Foi esta reivindicação que me foi comunicada oficialmente.
O Sr. José Magalhães (PCP): — Sr. Ministro, está tudo compreendido. Esta greve é um equívoco. Se V. Ex.a conhecesse as reivindicações talvez não houvesse greve.
O Orador: — Sr. Deputado, se quiser ir buscar as outras reivindicações dos juízes, faça favor.
Como eu dizia, trata-se aqui do problema do estatuto remuneratório, que é um problema que merece, obviamente, a melhor atenção do Ministro da Justiça. Não sou indiferente às reivindicações das classes profissionais, em matéria de estatuto remuneratório dos magistrados judiciais.
Mas, Sr. Deputado, eu nunca disse que não deveria haver uma actualização de vencimentos. Pelo contrário, já propus uma actualização de vencimentos, ainda que transitória, até à revisão do regime global. O grande problema que está a sofrer neste momento o Ministério da Justiça deriva do facto de o Governo ter decidido proceder à revisão global do sistema remuneratório de toda a função pública e há regras que ainda não estão definidas e pelas quais temos de aguardar.
E porquê o Ministério da Justiça? Porquê a onda de reivindicações neste Ministério? Porque é o que tem mais especificidades em termos de estatuto remumera-tório. Apenas por isso, por mais nada! Ora, como integro um governo e um governo é um órgão colegial, não posso olhar para a justiça como se ela fosse o único sector da actividade governamental. Há directivas, orientações definidas pelo Governo e elas determinam um compasso de espera.
Ninguém negou uma eventual actualização de vencimentos. Vai haver essa actualização, mas não neste momento, porque ainda não há orientações governamentais nesse sentido. No entanto, já foi anunciado aos magistrados judicias e aos magistrados do Ministério Público que, até final do primeiro semestre de 1989, o Governo tomará uma iniciativa legislativa para actualizar os respectivos vencimentos.
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Para além disso, gostaria também de dizer ao Sr. Deputado que não faltei a compromisso nenhum para com os oficiais de justiça. O Sr. Deputado apenas toma em consideração — porventura por simpatias que compreendemos — aquilo que diz o Sindicato dos Oficiais de Justiça. Mas há duas associações representativas dos oficiais de justiça: há a Associação dos Oficiais de Justiça e o Sindicato dos Oficiais de Justiça. Ora, os comunicados dessa associação dizem expressa e explicitamente que o Ministério da Justiça não faltou a nenhum compromisso. O referido Sindicato diz que o Ministro faltou à palavra e que mentiu, mas não é essa a visão do Ministro da Justiça.
O que eu disse ao Sindicato dos Oficiais de Justiça foi sempre o seguinte: se o Relatório Sousa Franco não fosse publicado até ao final do primeiro semestre do corrente ano, eu tornava a receber aquele Sindicato para conversarmos sobre aspectos remuneratórios. A verdade é que se verificou o pressuposto, isto é, esse relatório foi divulgado antes do final do primeiro semestre e o Executivo tomou orientações com base nele. A partir desse momento, eu não estava comprometido a falar, no imediato, com o Sindicato dos Oficiais de Justiça sobre a revisão do respectivo estatuto remuneratório. Note-se, aliás, que mais nenhuma outra organização sindical — e são muitas no Ministério da Justiça, são nove — afirma que o Ministro da Justiça prometeu o que não podia dar. Nem uma! a única é o Sindicato dos Oficiais de Justiça e há este ponto de divergência. O Sr. Deputado acreditará em quem quer e eu sei bem o que disse. O Sr. Deputado não acredita em mim e eu não o posso obrigar a tal. De qualquer modo, está enganado, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): — Sr. Ministro, para que não fique dúvida nenhuma, a Comissão de Assuntos Constitucionais recebeu, no dia 23 a Comissão Executiva Nacional do Sindicato dos Trabalhadores Judiciais, que entregaram, de resto, um volumoso dossier, e nessa reunião estiveram presentes representantes de todos os grupos parlamentares, incluindo do PSD. Aquilo que tem sido publicamente afirmado ...
O Orador: — Sim, sim, Sr. Deputado, mas eu referi isso. Disse que há uns comunicados do Sindicato dos Oficiais de Justiça que me chamam mentiroso e que dizem que faltei à minha palavra. O que lhe posso dizer é que não faltei à palavra dada!
O Sr. José Magalhães (PCP): — Essa não era a questão que iria colocar, Sr. Ministro. A questão que colocaria não era a de saber se V. Ex.a tem o aplauso de algum grupo de trabalhadores judiciais mas, sim, a de saber se entende que não foram violadas as regras de boa-fé negocial, a tal ponto que neste momento estejam perfeitamente realizadas as obrigações do Ministério e que o passo seguinte esteja a dar-se de acordo com a lei. Está a dar-se de acordo com a lei?
O Orador: — Com certeza. As regras não foram violadas, até porque houve uma actualização de vencimentos dos oficiais de justiça em Dezembro de 1987 e houve actualização da participação emolumentar. Aliás, o diploma das secretarias judiciais e do Estatuto dos Oficiais de Justiça refere, no seu preâmbulo, o seguinte: «Mexeu-se o mínimo possível nos aspectos remunera-
tórios, porque o problema será reequacionado aquando da revisão global do sistema retributivo da função pública.» É isso que está escrito! Isso é que é a lei!
Ora, não nego aos oficiais de justiça diálogo, quando tiver orientações do Governo — para o que o Executivo até pede uma autorização legislativa, na Proposta de Lei do Orçamento do Estado, à Assembleia da República — quando estiver munido de indicadores e critérios; nessa altura voltarei a falar com eles sobre aspectos remuneratórios. É isso que irei fazer.
Entretanto, há uma deficiente interpretação e pode ter havido um equívoco, por parte dos Srs. Oficiais de Justiça do Sindicato dos Oficiais de Justiça e não da Associação dos Oficiais de Justiça. De facto, eles entenderam que terei dito, segundo percebo dos seus comunicados, que, assim que fosse publicado o Relatório Sousa Franco, dialogaria com eles e iríamos imediatamente começar a trabalhar em termos de remunerações. Normalmente nunca estou só nas reuniões com o Sindicato dos Oficiais de Justiça — embora às vezes esteja só com os sindicatos, pois não tenho medo de me encontrar sozinho com as organizações de classes — e tive o cuidado de perguntar às pessoas que eu acompanharam o que é que se passou nessas reuniões. Assim, não ficaram dúvidas que o que eu sempre disse foi o seguinte: «Se não for publicado o Relatório Sousa Franco até final do 1.° semestre de 1988, voltarei a falar convosco sobre sistemas remuneratórios!» Entretanto, o dito relatório foi publicado, há directivas emanadas do Governo e, por isso, só posso falar com os oficiais de justiça, em termos de remunerações, a partir do momento em que houver orientações do Governo para a revisão global do sistema retributivo da função pública. Portanto, é apenas isso!
Sr. Deputado, desejo ainda dizer-lhe que, contrariamente ao que V. Ex." afirmou, estive presente no Congresso dos Oficiais de Justiça, em Março.
O Sr. José Magalhães (PCP): — Exacto, Sr. Ministro, esteve presente na abertura dos trabalhos, mas depois ausentou-se e eu estava a referir-me à parte do debate!... Porém, isso tem a importância que tem!
O Orador: — Não, tem sempre importância repor a verdade! Aliás, tenho conhecimento das conclusões do referido Congresso.
De facto, remeti essas conclusões para a Direcção--Geral dos Serviços Judiciários, mandei que se analisassem e algumas delas estão a ser estudadas pela Comissão de Desburocratização que neste momento funciona no Ministério e que já tem duas acções concretas para publicação em Diário da República. Alias, como tive ocasião de anunciar ao Sr. Deputado, iremos implementar outro tipo de medidas de simplificação processual já no 1.° trimestre do próximo ano.
O Sr. José Magalhães (PCP): — Desculpe interrompê-lo, Sr. Ministro, mas em relação à questão dos trabalhadores judiciais e para que não fique qualquer equívoco, quero ainda dizer-lhe o seguinte: os trabalhadores suspenderam o processo de luta a certa altura para que o Ministério da Justiça não pudesse alegar que havia pressão. Creio que tudo aquilo que V. Ex." acaba de dizer torna compreensível e justa essa posição. De resto, ela foi autonomamente assumida.
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Sucede que pediram audiência, que desejam, explícita e claramente, diálogo, mas não obtiveram resposta para isso. Não desespero de que possamos saber se V. Ex.a pretende remeter para o próximo ano, depois da aprovação pelo Conselho de Ministros de toda a complexa legislação que referiu, esse reatar de negociação ou se entende que ele será possível no mais curto prazo, tendo em conta que é do interesse da justiça em Portugal que essa situação se resolva.
O Orador: — Sr. Deputado, evidentemente que é do interesse da justiça em Portugal que essa situação se resolva. No entanto, o Sindicato dos Oficiais de Justiça anunciou publicamente que me dava uma semana para que me pronunciasse e para o receber. Ora, devo dizer que tenho uma actividade intensa no Ministério da Justiça — trabalho de manhã à noite — e não tive oportunidade de o receber no decurso dessa semana. Note-se que o Sindicato dos Oficiais de Justiça anunciou também que, se eu não o recebesse, entraria em greve de zelo e que faria uma nova greve, tendo mandado, também, uma carta ao Ministério a retirar todos os seus representantes nos grupos de trabalho que estão a desenvolver e a preparar acções legislativas que interessam aos tribunais, porque não lhe interessava mais colaborar com o Ministério.
Como já referi, o Ministro da Justiça, entendeu que, naquela semana, não os devia receber, mas se o Sindicato dos Oficiais de Justiça formular outro pedido de audiência, analisá-lo-ei e certamente que os receberei. É isto o que lhe posso dizer, Sr. Deputado.
Relativamente a outras questões que colocou, é interessante verificar que o Sr. Deputado, quando lhe convém, diga que estão os tectos e as telhas a cair, mas depois acuse o Ministério de fontismo. Pergunto como é que se resolve o problema dos tectos a cair e das telhas sem fontismo! A não ser que o Sr. Deputado tenha uma varinha de condão para resolver esses problemas sem fontismo!
Quanto ao facto da «menina dos meus olhos» se a informatização, devo dizer que essa é a «menina dos meus olhos» como o são muitas outras. Para este efeito tenho muitos olhos — tenho catorze direcções-gerais — e, por conseguinte, tenho de olhar para muitos lados ao mesmo tempo, que é o que estou a procurar fazer. Agora, que a informatização é um instrumento importante, não o poderá negar, pois a informatização dos tribunais é algo sem o qual a celeridade processual nunca chegará a ser aquilo que desejamos que seja.
Em matéria de cadeias, devo dizer-lhe que recuperámos já duas alas do Estabelecimento Prisional de Lisboa e estão obras adjudicadas e já em curso nas Mortiças — cadeia que os Srs. Deputados visitaram e que também carecia de reparações —, mas não podemos fazer tudo ao mesmo tempo. E pergunto: há quanto tempo é que a Cadeia das Mónicas reclamava obras? Há quanto tempo é que se deviam ter recuperado as alas do Estabelecimento Prisional de Lisboa? Devo dizer que, quando findar o meu mandato como Ministro da Justiça, penso ter o Estabelecimento Prisional de Lisboa completamente recuperado. Caxias finalmente «passou», mas só aconteceu agora. Foi adjudicada a obra do Funchal e em Faro estamos e expropriar o terreno. Penso que, se desde 1966, ...
O Sr. José Magalhães (PCP): — E Monsanto?
O Orador: — Quanto a Monsanto, também está no nosso plano fazer aí obras de recuperação, só que, enquanto as fazemos na EPL e nas Mónicas, não as podemos fazer em Monsanto.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): — Mas, Sr. Ministro, que recuperação é possível fazer em Monsanto quando, ao que parece e com inteira clareza, haveria
uma unanimidade, por parte das diferentes Forças políticas, no sentido de, pura e simplesmente, acabar com
esse estabelecimento prisional?
O Orador: — Sr. Deputado, vamos desactivar Monsanto, mas as soluções do médio prazo — e tenho também esse problema — não dispensam soluções de curto prazo. Consequentemente, faremos a recuperação possível de Monsanto tendo em consideração que esse estabelecimento é para desactivar. Mas para desactivar Monsanto tenho de ter outras cadeias, e é disso que estamos a tratar.
Ainda em relação às cadeias portuguesas, posso dizer-lhe que, pela primeira vez, foi lançado um plano de segurança e que, neste momento, estão a decorrer fortes investimentos de modernização de alguns dos estabelecimentos prisionais, como Vale de Judeus, Paços de Ferreira, Coimbra e Caxias. Estamos a adquirir material electrónico para controle à distância das cadeias, estamos a melhorar a iluminação e a substituir o tipo de armas que era caricato. Este ano gastámos 250 000 contos neste plano, para o ano haveremos de gastar mais, só que as coisas têm de ser feitas passo a passo. Nós somos reformistas e não conseguimos mudar o mundo de um dia para o outro! Estamos, numa perspectiva gradualista, a tentar melhorar as coisas.
Em termos de guardas prisionais, constato a tristeza do Sr. Deputado! Se calhar dava jeito que os guardas prisionais também entrassem em greve, mas devo dizer--lhe que não vão entrar!
O Sr. José Magalhães (PCP): — Sr. Ministro, só nos pode alegar que não haja razões para isso. Mas há as razões de outro tipo: ainda continuam, obviamente, a arriscar a vida por falta de condições de segurança, têm horários de trabalho absolutamente brutais, têm problemas sociais irresolvidos e há problemas de conviven-cialidade —como alguém lhe chamaria— no próprio sistema prisional, que estão obviamente longe de estar resolvidos e relativamente aos quais esperamos que o Sr. Ministro tenha ouvidos de tísico em relação às reclamações do sindicato respectivo.
O Orador: — Sr. Deputado, devo dizer-lhe que tenho as melhores relações com o sindicato. Pode estar descansado! E posso dizer-lhe também que, em termos de guardas prisionais, pela primeira vez em 1988 — obra deste Ministério —, lhes começaram a ser pagas horas extraordinárias que até ai não eram pagas. Penso que isto é alguma coisa! Nunca tinham sido pagas e foi a primeira vez que o foram.
Em segundo lugar, foi criada uma escola de formação de guardas prisionais que está a funcionar, e bem. Estamos, portanto, a dar a formação adequada aos guardas prisionais, o que também foi feito em 1988!
Em terceiro lugar, estamos a melhorar o equipamento de defesa dos guardas prisionais, a substituir o armamento de que estes dispõem e a adquirir material
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antidistúrbio e anti-incêndio, ou seja, estamos a caminhar, a passos rápidos, para uma melhoria das condições de trabalho dos guardas prisionais. Só que, também aí, não podemos fazer tudo de uma vez. O que
fizemos, quer ô Sr. Deputado queira quer não, deter-
mina não que tenhamos um particular orgulho, mas
que tenhamos a consciência tranquila. Estamos a fazer o que podemos e julgo que temos feito bastante.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, pedia aos intervenientes que fossem o mais sucintos que fosse possível, pois já estamos um pouco atrasados e há ainda alguns Srs. Deputados inscritos para fazerem perguntas.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): — Serei breve, Sr. Presidente. Gostaria, apesar de tudo, neste ponto do debate, de colocar algumas questões que não foram ainda claramente esclarecidas.
Começaria por esta, relacionada com o sistema prisional, uma vez que me parece que alguns nós de blo-queamento do sistema continuam por resolver e que não vislumbro, nas verbas do Orçamento do Estado — a menos que «o fundo sem fundo» dos cofres venha depois a propiciar qualquer solução — os modelos de resolução que urgem. Sabemos que, no interior das cadeias portuguesas, há realidades que têm de ser, pronta e drasticamente, combatidas. Por exemplo, no que tem a ver com assistência médio-medicamentosa, sabemos que os gabinetes de psicologia são, em grande parte dos casos, uma quimera ou, então, uma tristíssima e escuríssima realidade; que as bibliotecas não existem e que a minha reiterada luta em favor da actualização das bibliotecas nos estabelecimentos prisionais não têm encontrado qualquer espécie de eco em qualquer Ministro da Justiça até ao presente, o que é lamentável. Sabemos também que, a existir, se pudéssemos analisar, caso a caso, o espólio e o material disponível para a população reclusa certamente que nos arrepiaríamos, não apenas pela desactualização, como sobretudo pela má qualidade de um ponto de vista ideológico e estético desses acervos.
O problema dos guardas prisionais, que suponho dever merecer uma atenção imediata, é o que tem a ver com o excesso do ritmo de trabalho que provoca níveis elevadíssimos de stress e que, naturalmente, enfermiça uma actuação —diria eu — mais humanista na vigilância e na relação com os detidos. A este nível, o Sr. Ministro da Justiça não nos anuncia nada e é pena, uma vez que esta é uma das reivindicações centrais do corpo de guardas prisionais.
Gostaria, entretanto, de o confrontar, em termos muito rápidos, com algumas outras problemáticas.
Em primeiro lugar, os 500 000 contos previstos para o acesso ao direito, tal como digo na declaração de voto que pude apresentar após o debate na generalidade junto ao parecer da 1.a Comissão, seguramente que não serão bastantes para pagar o patrocínio oficioso, quanto mais para proceder, no curto prazo, à extensão territorial dos gabinetes de consultadoria e à implementação das outras vertentes que a lei prevê, designadamente do ponto de vista da informação jurídica, e que estão inteiramente por desencadear. O que pergunto ao Sr. Ministro é se acha que 500 000 contos, dado o valor que conhecemos do gasto feito até aqui no Gabinete de Consultadoria na Avenida do Infante
Santo, chegarão para, durante o ano de 1989, fazer
mais do que a mera estapação de um projecto, quando
é certo que, em termos da vontade da Assembleia da República e de que o Governo pareceu compartilhar,
importaria ir muito mais longe.
Do mesmo modo, suponho haver qualquer coisa de
incongruente quando o Sr. Ministro nos fala em mais
de 70 000 contos gastos no ano passado em equipamento para tribunais e este ano nos aparece no Orçamento do Estado uma verba de 50 000 contos apenas. Sabemos que as exigências são muitas e que os 70 000 contos do ano passado não resolveram um décimo das necessidades e esta quantia é qualquer coisa de verdadeiramente inexplicável, a menos que o Sr. Ministro encontre qualquer razão que não nos tenha sido fornecida até ao momento.
Também não nos indicou os novos índices relativos aos dados da execução orçamental e aqueles que foram referidos na declaração de voto do meu partido
— anexa ao relatório da 1." Comissão — são insuficientes. Dissemo-lo e fizemo-lo com toda a clareza. Penso que o Sr. Ministro não nos faz mudar de posição depois das suas intervenções, tanto mais que nem sequer a essa questão se referiu.
Ainda uma questão: a relativa à realidade de as verbas globais serem, para 1989, em termos reais, inferiores àquelas que existiam para 1988, a menos que
— volto a dizê-lo — os cofres venham a hipertrofiar os volumes financeiros conhecidos e a dar-lhe uma dimensão que nós, neste momento, nem podemos contornar ou esboçar. Como é que o Sr. Ministro responde à objecção que formulo? Como é que é possível aceitarmos uma diminuição de verbas para uma realidade, no plano de justiça em Portugal, que exige justamente o contrário?
Finalmente, uma nota relativa àquilo que o Sr. Ministro qualificou como nervosismo e excesso de perturbação emocional na greve dos magistrados judiciais e na dos funcionários de justiça, e sobre a próxima greve do Ministério Público. Tenho aqui um calendário que suponho não o deixar muito tranquilo: greve de zelo dos juízes, entre 14 e 25 de Novembro, culmina nos dias 5, 6 e 7 com greve efectiva; o Ministério Público entra em greve nos dias 12, 13 e 14 de Dezembro; os funcionários jucidiais, depois de várias paralisações de zelo e outras formas de contestação, entraram em greve nos dias 16 e 17 e fá-lo-ão outra vez no dia 9 de Dezembro. A questão que se coloca é a de saber se o Sr. Ministro, perante isto, continua a considerar que estas são meras manifestações de nervosismo e de excesso de perturbação emocional por parte dos oficiais de justiça e dos magistrado judiciais. É que, efectivamente, julgo não ser possível, em termos políticos, dizer aos magistrados judiciais: «No 1." semestre de 1989 vamos resolver as dificuldades todas.» O diferendo está aí, está sobre brasas, e urge, é importantíssima a resposta política, a qual tem de ser dada muito mais cedo e, decerto, enquadrada no debate do Orçamento do Estado, uma vez que ele tem uma tradução de verbas que bem gostaríamos que ficasse aqui aclarada.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.
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O Sr. Ministro da Presidência e da Justiça: —
Sr. Deputado, muito obrigado pelas suas questões. Devo dizer-lhe que considero que há, efectivamente, um clima emocional, neste momento, nos tribunais, o que é normal e natural, pois sempre que as pessoas entendem que a forma de reivindicar os seus direitos é usar o direito à greve, naturalmente que o ambiente não é absolutamente tranquilo. Disse, portanto, emocional por oposição à tranquilidade do desenrolar normal dos serviços.
Queria dizer-lhe, também — e repetir —, que não há um problema de verbas em relação à actualização dos vencimentos dos profissionais do foro, em particular dos tribunais. Consequentemente, o problema não é um problema de dinheiro porque, ao contrário do que o Sr. Deputado diz, no Orçamento de 1987, a verba prevista era de 17,8 milhões de contos do próprio Orçamento do Estado mais 14,5 milhões de contos dos cofres do Gabinete de Gestão Financeira, o que dava um total de 32,3 milhões de contos. Este ano, a proposta de lei do Orçamento do Estado para 1989 diz que haverá 19,6 milhões de contos no Orçamento do Estado e 25 milhões de contos dos cofres do Ministério da Justiça. Por consequência, há um crescimento de 32 milhões de contos para 44 milhões de contos, o que é um crescimento real e significativo e nestes 25 milhões de contos, naturalmente, estão previstas verbas que podem contemplar a actualização dos vencimentos dos profissionais do foro.
Depois, queria dizer também ao Sr. Deputado que, no acesso ao direito, 500 000 contos são apenas para pagamento de honorários e que continua a existir uma verba — que agora não sei precisar — para consultadoria jurídica inscrita no meu Gabinete. Devo dizer--lhe ainda que já temos uma proposta de abertura de um gabinete de consultadoria jurídica no Porto para o qual estamos à espera de resposta do Conselho Distrital da Ordem dos Advogados.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): — Sr. Ministro, a questão que se coloca é a de saber se os 500 000 contos chegam.
O Orador: — Isso é imprevisível, Sr. Deputado. É imprevisível! É um valor estimado e só o funcionamento do sistema nos irá revelar se 500 000 contos chegam ou não para o ano de arranque.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): — E se não chegarem?
O Orador: — Temos de ter margem no Orçamento para compensar. Queria também dizer-lhe que há 50 000 contos inscritos no Orçamento do Estado para equipamento e que, quando há pouco falei em 71 000 contos, essa verba foi apenas destinada a mobiliário, pois gastámos mais 66 320 contos noutro tipo de equipamento, ou seja, nas tais fotocopiadoras, máquinas de escrever, máquinas de calcular, etc. Consequentemente, gastámos em equipamento para tribunais — praticamente o que é mais do dobro daquilo que se gastou em 1987 — 134 000 contos. Esta verba de 50 000 contos no Orçamento do Estado será reforçada, como o foi este ano, com verbas do Gabinete de Ges-
tão Financeira e, consequentemente, vamos manter o ritmo e, se possível, acelerá-lo, do fornecimento de equipamento para os tribunais.
Quanto ao índice de execução financeira do PID-DAC, devo dizer que este ano ele é, nesta altura do ano, praticamente o dobro do do ano anterior. Não tenho aqui os números precisos, mas o que lhe posso dizer é que todas as informações que recolhemos através do Gabinete de Estudos e Planeamente e nas constantes reuniões que tenho feito com as direcções-gerais para acompanhar a execução do PIDDAC — com a excepção da Direcção-Geral dos Registos e Notariada, por motivos particulares — me garantem que a execução contabilística é já da ordem dos 90 % a 100 %. Por conseguinte, a minha expectativa é a de que consigamos ter uma excelente excecução do PIDDAC durante o decurso deste ano.
E posso dar exemplos. Referi há pouco a aquisição do prédio ao BNU, aprovada há três semanas pelo Conselho de Ministros, onde é gasta uma verba de 510 000 contos. A despesa está feita, está autorizada e só ainda não foi desembolsado o dinheiro porque ainda não foi publicada a resolução. Quanto ao Estabelecimento Prisional do Funchal, vamos fazer pagamento antecipado de verbas que ainda estão inscritas no PIDDAC, pois, uma vez que a obra está já adjudicada, nos termos da lei, podemos fazê-lo. Por consequência, a realização do plano de investimentos vai ser incomensuravelmente superior à do ano anterior.
E penso ter respondido a todas as questões que o Sr. Deputado quis ter a bondade de me colocar.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Puig.
O Sr. José Puig (PSD): — Sr. Presidente, vou ser muito breve até porque boa parte das questões que queria colocar ao Sr. Ministro foram já largamente abordadas no decorrer deste debate. Assim, tecerei muito sucintamente, alguns comentários sobre o debate que aqui se processou.
Ouvi há pouco falar na diminuição das verbas disponíveis no Minstério da Justiça e o Sr. Ministro abordou agora — esclarecendo — esse tema sobre o qual eu estava, de facto, um pouco baralhado. Tenho aqui o relatório do orçamento do Ministério da Justiça deste ano e o do ano passado, feito na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e estava, perante o aumento que vejo aqui de um ano para o outro, um pouco baralhado. No entanto, penso que sobre isso o assunto está definitivamente esclarecido.
Julgo também que, neste debate, ficamos perfeitamente esclarecidos sobre qual o destino e quais os principais objectivos deste aumento de verbas. Um deles é o plano de informatização, sobre o qual já ouvi aqui dizer muita coisa, nomeadamente que os computadores não serviam para isto ou para aquilo e que não exerciam estas ou aquelas funções, o que estranho um pouco. Penso que o que teremos de clarificar sobre esse plano é o seguinte: estamos ou não de acordo com a realização deste objectivo? Em caso afirmativo e, se verificarmos os números, constatámos, por exemplo, que o investimento global em meios informáticos, apenas nos tribunais, previsto para 1989, ascende a 405 000
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contos. De facto, não vejo que haja, com nenhum orçamento dos anos anteriores, qualquer possibilidade de comparação e nem sequer — e isso é referido no relatório — é possível fazer um cálculo global das verbas deste plano em todo o sistema da justiça.
Depois, quanto à remodelação do parque prisional, julgo que também poderemos tecer duas ou três considerações. Ouvimos dizer na Comissão dos Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias que, o Ministério se preocupa excessivamente com um determinado fontismo neste problema do parque prisional. Antes de mais, devo dizer que o que ouvíamos há dois ou três anos já não tem razão de ser e que os historiadores — esses malandros! — andaram a enganar--nos durante muitos anos. É que, devo dizer, não percebo como é que se pode dizer isso com uma conotação negativa. E, sobre isto, queria registar ainda que, pela primeira vez, a Direcção-Geral dos Serviços Prisionais se mostrou satisfeita e concordante com o orçamento da justiça na parte que lhe é atribuída. Aliás, o Sr. Ministro abordou também este aspecto mas, porque participei nessa visita às Mónicas, não podia deixar de registar com o maior agrado o anúncio do início das obras de restauro nesse estabelecimento.
Há ainda duas pequenas questões que gostaria de colocar. O Sr. Ministro abordou agora os resultados da reinserção social e falou-se até no Centro Protocolar do Minstério da Justiça. De facto, o investimento na reinserção é bastante significativo e penso que poderemos abordar os resultados do trabalho do Ministério da Justiça e os índices da execução orçamental. É bom que este ponto fique registado — e o Sr. Ministro já o abordou — pois assume alguma importância.
A outra pequena questão que gostaria de colocar é relativa aos funcionários judiciais. Sabemos todos que uma das questões levantadas pelos funcionários judiciais tem a ver com a indexação dos seus salários aos dos magistrados a determinados níveis. Sobre isto, colocava uma pequena questão: no «Relatório Sousa Franco», do qual partirá o reajustamento global da função pública, está ou não estabelecido, como princípio geral para toda a função pública, o evitar destas indexações que hoje existem por todo o lado na função pública? Constata-se aí, ou não, o princípio de que se deve evitar esse tipo de indexação? Isto para se evitarem os problemas que ainda há pouco foram abordados e que têm a ver com o aumento dos magistrados judiciais.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, antes de dar a palavra ao Sr. Ministro da Justiça, gostaria de fazer três brevíssimas observações. A primeira, no sentido de dizer que compreendo as questões que foram postas pelo Sr. Deputado José Puig — aliás não o interrompi e penso que, naturalmente, ele sentiu necessidade de formular as perguntas da maneira que o fez, o que é um pouco como quando Kelvin transforma a teoria imperativa numa teoria condicional —, mas que gostaria que, nas perguntas subsequentes que vierem a ter lugar, tentássemos evitar exposições prolongadas porque ainda temos um longo caminho a percorrer e isso será complicado se o Fizermos neste termos.
A segunda obervação que gostaria de fazer é no sentido de que ficasse claramente entendido que a circunstância de se manter o silêncio nalgumas matérias por parte de alguns grupos parlamentares não significa con-
cordância com as perguntas e com as informações que foram feitas por intervenientes que antecederam ou que poderiam anteceder aqueles que formulariam as hipotéticas perguntas. Porque, de contrário, seríamos obrigados a fazer aqui um longo debate e, infelizmente, não temos tempo para isso.
Assim — repito — compreendo o sentido das observações feitas pelo Sr. Deputado José Puig e, de resto, não o interrompi e apreciei-as. Mas, para evitar mal--entendidos e, sobretudo, para que não se constitua um precedente para os trabalhos futuros, permito-me fazer estas observações. Em todo o caso, foram feitas algumas perguntas e, se o Sr. Ministro quiser ter a amabilidade de responder fazendo a tal transmutação kelviniana, muito lhe agradeço.
O Sr. Ministro da Presidência e da Justiça: —
Sr. Deputado, efectivamente, há um esforço grande para a informatização a que correspondem 400 000 contos e, depois, mais 65 000 contos. A informatização que está em curso tem duas vertentes: a informatização judicial e a documental. Vai prosseguir a informatização da Procuradoria-Geral da República, do Supremo Tribunal Administrativo, do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal de Justiça e, até finais de Fevereiro, estarão prontos os trabalhos preparatórios para se poderem informatizar os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça.
Em termos de informatização judicial, aquilo que se está a fazer no Tribunal de Polícia determina que, até meados deste mês de Dezembro, haverá a informatização de todos os impressos, o que evitará a sua dactilografia e implicará apenas o preenchimento em função de cada caso concreto.
Por outro lado, ainda em relação à admissão de pessoal nos serviços prisionais — e há pouco esqueci-me de referir isto —, gostaria de destacar que o Ministério da Justiça foi, depois do Ministério da Saúde, o que teve mais descongelamentos em 1988. Não houve apenas a admissão de 750 novos oficiais de justiça, mas também técnicos de reinserção social, psicólogos, enfermeiros e médicos para a Direcção-Geral dos Serviços Prisionais e 150 novos guardas prisionais. Uma das prioridades do Ministério para 1989 é admitir mais guardas prisionais, porque o índice da relação guardas--presos é realmente baixo e prefiro, em termos de segurança, que, em vez de haver mais horas extraordinárias, haja mais guardas que trabalhem o tempo normal de horas por dia, no sentido de eles próprios manterem a atenção e não lhes ser exigido um esforço excessivo.
Para além disso, também se alterou o sistema de turnos, o que, de algum modo, proporciona uma diminuição da carga de trabalho. Este é, portanto, um assunto a que damos uma atenção permanente.
Por último, em relação ao «Relatório Sousa Franco», devo dizer que há uma indicação ideal nesse relatório do termo de todas as indexações e, relativamente aos magistrados judicais, o Governo já se comprometeu a quebrar todas as indexações que existem neste momento. Uma das reivindicações dos oficiais de justiça era, realmente, a indexação aos magistrados judiciais, mas essa não é possível.
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O Sr. Presidente: — Sr. Ministro, quero agradecer a V. Ex." e ao Sr. Secretário de Estado a contribuição que deram a este debate e todos os esclarecimentos que quiseram ter a bondade de prestar.
Pausa.
Sis. Deputados, passamos agora ao Ministério da Indústria e Energia. Gostaria de perguntar ao Sr. Ministro se deseja fazer alguma explicação inicial acerca do seu orçamento.
Tem a palavra o Sr. Ministro da Indústria e Energia.
O Sr. Ministro da Indústria e Energia (Mira Amaral): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Devo dizer que para mim existe um problema de restrição de tempo, pois tenho também compromissos inadiáveis à tarde e terei de terminar este trabalho cerca das 13 horas e 30 minutos. No entanto, espero que compreendam a situação.
O Sr. Presidente: — Sejamos optimistas, Sr. Ministro!
O Sr. Ministro da Indústria e Energia: — Srs. Deputados, o Ministério da Indústria e Energia tem um orçamento corrente — que distribuí quando vim à Comissão há uns tempos atrás — que implica um esforço do Ministério, aliás de acordo com a política do Governo, no sentido de privilegiar o investimento e de fazer poupanças em termos de despesas correntes. Gostaria, apenas, de chamar a atenção para o facto de não serem lícitas, na nossa perspectiva, comparações entre 1988 e 1989, em termos de despesas correntes, porque no Orçamento de 1988 não estava incluída a totalidade das despesas de pessoal, devido ao imposto profissional. Em 1989 já está incluída nos orçamentos correntes essa totalidade de despesas de pessoal, que tem a ver com o imposto profissional também pago pelos funcionários públicos.
Em termos de orçamento de capital ou de PIDDAC nós, no Ministério da Indústria, podemos distinguir entre o PIDDAC tradicional e o PIDDAC apoios. Daquele ainda podemos ver o que é financiável pelo FE-DER/PED1P e o que não é financiável pelo FEDER/PEDIP. Isto significa que o Ministério da Indústria e Energia, chamado à execução do PEDIP, tem no seu orçamento, para 1989, um conjunto de infra-estruturas tecnológicas do PEDIP, que são financiadas pelo FEDER que está afecto ao PEDIP. Daí termos, para 1989, em alguns organismos do Ministério, um conjunto de infra-estruturas tecnológicas financiáveis pelo FEDER/PEDIP, dentro do âmbito do PIDDAC tradicional.
Temos outra parte, não financiável pelo FEDER, que é aquilo que tem de ser feito nos organismos, em termos de orçamento PIDDAC, mas que não tem financiamentos comunitários. Em termos de PIDDAC apoios temos, basicamente, os apoios provenientes do Sistema de Incentivos à Utilização Racional de Energia (SIURE) e os apoios provenientes da linha orçamental específica do PEDIP.
Não temos, no orçamento do Ministério, os apoios que vão ser geridos pelo Ministério da Indústria em termos do Sistema de Incentivos de Base Regional (SIBR), que está orçamentado no Ministério do Planeamento,
e que depois, à medida da sua execução, no Ministério da Indústria são transferidas para o IAPMEI as respectivas verbas.
Portanto, o que aqui está, no PIDDAC apoios, do Ministério da Indústria são, basicamente, as verbas para o SIURE e a linha orçamental específica do PEDIP,
que está incluída no PIDDAC apoios do IAPMEI.
Quando ele tem 7 250 000 contos, cerca de 6 milhões de contos deste PIDDAC apoios do IAPMEI, são, de facto, as contrapartidas portuguesas para a linha orçamental específica do PEDIP, e, em termos de 1989, entrarão em Portugal cerca de 80 milhões de ECUs. É esse valor, aproximadamente, que nós precisamos ter, como contrapartida, no Orçamento do Estado. É tudo Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Algum dos Srs. Deputados quer formular questões? Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): — Sr. Ministro, como nós discutimos aqui pura e simplesmente o Orçamento, temos alguma dificuldade em fazê-lo. E este não é apenas um problema do orçamento deste Ministério, verifica-se com o orçamento de todos os Ministérios, porque, cada vez mais, o essencial do orçamento, neste caso do Ministério da Indústria e Energia, deixa de passar pela Assembleia — mal ou bem, essa é outra questão, pois o problema põe-se também em termos de constitucionalidade que não vamos discutir agora. É que cerca de dois terços do Orçamento propriamente dito, no âmbito deste Ministério, passa-nos a latere, na medida em que são orçamentos que estão a cargo do IAPMEI, do LNETI, etc, cujos orçamentos nós não analisamos nem votamos. Esta é a primeira dificuldade que se nos levanta e, por conseguinte, em sede de mero orçamento, serão certamente diminutas as questões que teremos para apresentar.
De qualquer modo, não gostaria de deixar de lhe referir — e julgo que já tive oportunidade de o fazer noutra sede — que, apesar de tudo, nos preocupa um pouco a questão de o IAPMEI se transformar, cada vez mais, numa empresa parabancária. Esperamos e desejamos, embora tenhamos dúvidas sobre a questão, que o IAPMEI não deixe de ter o papel, para o qual foi inicialmente criado, de apoio técnico, de encaminhamento e de esclarecimento em relação às pequenas e médias empresas.
Por outro lado, quero levantar algumas dúvidas sobre o programa de engenharia financeira, nomeadamente no que respeita à criação das duas sociedades de capital de risco. Na medida em que elas não terão iniciativa própria; no sentido de analisarem autonomamente e avançarem no financiamento de projectos, a nossa perspectiva é que, ficando reconduzidas ao papel de co-financiar projectos e programas que lhe venham a ser propostos por outras sociedades de capital de risco, parece-nos que poderá ser perigoso, porque há sempre pressões, lobbies que poderão tender a dis-virtuar aquilo que se poderá pretender fazer com estas sociedades de capital de risco a criar no âmbito do programa de engenharia financeira.
Também algumas dúvidas se nos levantam a propósito da separação, quase total e completa entre a SIN-PEDIP e o SIBR. Pode-se compreender a filosofia do Ministéro da Indústria e Energia no sentido de que este
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Ministério tem a ver apenas com a parte industrial, não
podendo estar a analisar os problemas regionais; julgo,
de qualquer modo, que isso poderá ser perigoso, no
nosso ponto de vista tem inconvenientes e apresenta riscos, na medida em que a política industrial não pode estar completamente separada da política regional, em termos de um programa equilibrado, quer ao nível sectorial quer regional, de desenvolvimento económico do País.
A questão de o SINPED1P ficar, quase exclusivamente, indicado para as zonas 1 e 2 e o SIBR para a zona 3 poderá, do nosso ponto de vista, gerar riscos em termos de um desenvolvimento ainda mais assimétrico da estrutura produtiva portuguesa, até porque os fundos do SINPEDIP são substanciais.
A penúltima questão tem a ver, fundamentalmente, com o eixo-3, ou seja, com o financiamento do investimento produtivo, designadamente com o sistema de incentivos. A minha dúvida aqui, Sr. Ministro, pois não conheço os programas e não sei se já estarão disponíveis os programas definitivos, é se haverá prioridades sectoriais ou se o Ministério não tem isso em vista, isto é, o que pretendo saber é se depois de determinadas actividades, de determinadas funções, de determinados investimentos, que são ilegíveis para financiamentos pelo PEDIP, haverá prioridades sectoriais. A nós parece-nos importante que possa e deva haver prioridades sectoriais, ou seja, parece-nos importante saber se o próprio Governo tem ideia de quais os sectores ou segmentos de actividade que podem ou merecem ser desenvolvidos prioritariamente no País, dentro de uma concepção global de desenvolvimento económico. Reconhecemos a filosofia do Governo de não intervencionismo; contudo, esta não é uma questão de intervencionismo, mas, sim, de privilegiarmos este sector. Se o sector público ou outro qualquer quiser investir aqui sabe que o Governo dá prioridade? Parece-nos que isso não está previsto — de qualquer modo é uma interrogação que deixo — e se não estiver parece-nos que poderá sê-lo, sem inconvenientes.
Finalmente, uma questão exclusivamente numérica: existe um desfasamento de verbas, em termos de valores globais, e eu sinceramente não tive oportunidade de ver onde é que está a diferença. É que no mapa li do Orçamento do Estado que vamos votar aparece, no Ministério da Indústria e Energia, nos investimentos do Plano, uma verba global de 13 milhões cento e poucos mií contos e no mapa que nos foi fornecido pelo Sr. Ministro, relativo ao PIDDAC do Ministério, o valor global é de 12 884 000 contos. Há aqui uma diferença de duzentos e vinte e poucos mil contos que não consegui detectar. Se V. Ex.a pudesse explicá-la, ficar-lhe-ia grato.
O Sr. Presidente: — Não havendo mais pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Minstro para responder, se assim o desejar.
O Sr. Ministro da Indústria e Energia: — Em relação as questões que o Sr. Deputado Octávio Teixeira formulou começava por dizer que o IAPMEI não se vai tranformar, de modo algum, em empresa para-bancária. Sou totalmente contra essa afirmação do St. Deputado Octávio Tçixfiita; contudo, V. Ex." talvez diga isso porque o IAPMEI vai ser sócio das sociedades de capital de risco, mas trata-se de um meca-
nismo muito simples, pois o IAPMEI servirá apenas
de intermediário entre Bruxelas e a sociedade de capitai de risco. Porquê? Porque o dinheiro é do PEDIP,
isto é, não pode ser a Comunidade Económica Euro-paia a sócia, em Portugal, das sociedades de capital de risco; temos, portanto, que utilizar o IAPMEI como recebedor de fundos, sendo este organismo que entra como sócio, porque dá o capital a essas sociedades.
Nestes termos, o IAPMEI recebe o dinheiro da Comunidade Económica Europeia e é ele o accionista das sociedades de capital de risco, porque não podia ser a Comunidade, sendo a gestão destas sociedades completamente distinta da do IAPMEI. Portanto o IAPMEI não se vai transformar em sociedade parabancá-ria e, mais, como tive oportunidade de lhe dizer no decurso de outra reunião, o IAPMEI ou o Ministério da Indústria têm uma dotação, no âmbito da engenharia financeira, para apoiar alguns projectos de maior risco, de maior inovação tecnológica, mas também não é sequer o IAPMEI que irá gerir esses fundos. Estes são fundos consignados, será a sociedade de capital de riscos que os vai gerir, verificando-se, mais uma vez, nesses financiamentos de alto risco, que o IAPMEI é uma mera caixa de transmissão que, no fundo, vai atribuir essa verba à sociedade de capital de risco para que ela vá gerir esses fundos consignados, em termos de apoios, para projectos de maior risco.
Portanto, o IAPMEI não se transforma, nem pouco mais ou menos, em empresa parabancária, continuará a ser uma vertente importantíssima das PME e tem a vertente da gestão do sistema de incentivos, em que, sendo pequenas ou grandes empresas, o IAPMEI gere tudo.
E por que é que o IAPMEI tem de fazer isto no âmbito do Ministério da Indústria e Energia? É que, como o Sr. Deputado sabe tão bem ou melhor do que eu, os organismos sem autonomia administrativa e financeira não são os mais adequados para gerir os sistemas de incentivos. E porquê? Porque nos sistemas de incentivos, como o Sr. Deputado percebe, nós nunca podemos controlar o ritmo de pagamentos porque esse ritmo depende até da apresentação de facturas pelas próprias empresas e, portanto, uma coisa é cativar as verbas, outra é pagar as facturas.
Tudo isto porque o sistema de incentivos tem de ser gerido numa perspectiva plurianual, o que significa que, para serem geridos numa perspectiva plurianual, tem de haver transição de saldos, ou seja, dinheiro que ficou já comprometido mas não gasto nesse ano passa para o ano seguinte. Ora, só os organismos com autonomia administrativa e financeira é que estão em condições de fazer esta mecânica de transição de saldos de um ano para o outro, embora com a autorização, obviamente, do Ministério das Finanças.
Portanto, na minha perspectiva, a Direcção-Geral de Indústria e a Direcção-Geral de Energia têm dificuldade em gerir os sistemas de incentivos, logo, em termos de incentivos ao investimento industrial, e porque não fazia sentido dar autonomia administrativa e financeira a uma direcção-geral como a Direção-Geral da Indústria, o organismo naturalmente vocacionado para esta actividade é o IAPMEI, que vai gerir os sistemas de incentivos do PEDIP e do SIBR pelas razões de natureza orçamental que já referi.
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Assim, o IAPMEI tem a componente de gestão dos incentivos ao investimento para todas as empresas e continua com a componente de apoio às PME, até numa óptica superior à que tinha hoje, visto que abrimos o IAPMEI ao sector terciário, de acordo com aquilo que o Governo aprovou e em perfeito entendimento com o Ministério do Comércio e Turismo. Daí que no IAPMEI passsemos a falar não em pequenas e médias empresas não industriais, mas, sim, em pequenas e médias empresas do sector industrial e, já numa primeira fase, do sector de serviços mais ligados com a indústria. Como compreenderá, não se podia, de um dia para o outro, abrir a todos os serviços porque senão era uma avalanche sobre o IAPMEI. Vamos abrir gradualmente à medida que o IAPMEI tenha capacidade de resposta: primeiro abrimos aos serviços mais directamente relacionados com a indústria e depois abriremos a todo o sector do comércio, ao qual não se abre imediatamente por uma questão de prudência. O IAPMEI até ganha na componente das PME e o que tem é a gestão do sistema de incentivos.
Gostaria de dizer também que as sociedades de capital de risco se têm de ver na perspectiva do programa de engenharia financeira, que aliás o Sr. Deputado conhece porque eu lhe enviei uma cópia do projecto que tinha ido para Bruxelas e que já foi aí aprovado — e não o enviei formalmente à Assembleia da República, porque ele não havia ainda, na altura, sido aprovado em Bruxelas, mandei-lho a título particular, porque o Sr. Deputado mo pediu e, portanto, não fiz segredo, dado não haver nada a esconder. Ora, a pergunta que o Sr. Deputado fez sobre as sociedades de capital de risco tem precisamente de se ver nesta perpectiva. Quer dizer, nós não podemos e a Comunidade não deixava que nós fôssemos fazer uma sociedade de capital de riscos com financiamentos comunitários para depois distorcer a concorrência, porque aquela sociedade de capital de risco teria muito mais dinheiro que as sociedades de capital de risco que existem em Portugal e iria apoiar projectos com um poder e uma capacidade que não tinham as sociedades de capital de risco existentes em Portugal. A Comunidade não deixava, pois era óbvia a distorsão de concorrência.
Qual é, afinal, o mecanismo previsto? É que nós não queremos concorrer com as sociedades de capital de risco que existem, nós queremos ajudar a fazer uma rede de sociedades de capital de risco e queremos, no fundo, fazer em Portugal, com as sociedades de capital de risco, o que fez a Comunidade, em termos europeus, quando constituiu o esquema da Europeen Ven-ture Capital Association. E, em termos comunitários, que esquema é esse? É um esquema em que a Comunidade dinamiza ou sensabiliza para os maiores projectos de investimento industrial as sociedades de capital de risco a fazerem um sindicato de sociedades de capital de risco para concorrerem a esses projectos de investimento, porque, se forem todas elas em conjunto ou uma série delas em conjunto, a Comunidade até pode vir a pagar mais 20 °7b ou 30 ajudando com mais uma dotação de fundos de forma a complementar os fundos que as sociedades de capital de risco deram.
Este é o esquema, idêntico ao EVCA, que nós queremos implementar, em Portugal, com as sociedades de capital de risco para projectos que, pela sua dimensão suscitem dificuldades. As sociedades de capi-
tal de risco que existem têm de chamar a atenção para isso, pois podem ter dificuldades num projecto de maior envergadura e é para isso que as duas sociedades de capital de risco do PEDIP aparecem a ajudar esses projectos. Se houver algum projecto a que nenhuma sociedade de capital de risco queira ir, essa sociedade poderá fazê-lo, mas só depois das outras não quererem concorrer, não havendo assim fenómenos de distorção de concorrência.
Nós co-financiaremos projectos e programas em que as sociedades de capital de risco participem, mas apenas admitimos a hipótese de co-financiar sozinhos desde que reconheçamos que têm interesse e desde que as sociedades de capital de risco não queiram concorrer. De qualquer forma, neste caso, o projecto tem de ser sujeito a discussão pela Comunidade; há, pois, um mecanismo de notificação à Comunidade, que, automaticamente, só aceita a decisão tomada internamente desde que as outras sociedades de capital de risco já constem do projecto, porque assim não há distorção de concorrência, de contrário haveria distorção e a Comunidade não aceitaria. Portanto, repito, é sempre necessário fazer uma notificação à Comunidade e é nestes termos que o programa está perspectivado.
Quanto à questão que o Sr. Deputado Octávio Teixeira coloca de que dois terços do orçamento do Ministério não passam, o problema que existe é que aqui estão as verbas que o Orçamento do Estado transfere para o IAPMEI e para o LNETI: no IAPMEI são no montante de cerca de 200 000 contos, no LNETI 1 230 000 contos e o restante das verbas que estes organismos vão ter é autofinanciamento, é financiamento junto da comunidade empresarial, não se tratando de recursos públicos. Posso dizer-lhe, por exemplo, que, no caso do LNETI, este organismo vai ter de recorrer a um autofinanciamento da ordem dos 50 %, isto é,
0 LNETI vai arranjar receitas próprias da ordem de
1 300 000 contos. É um esforço muito grande que este organismo faz e tem a ver com a sua ligação à indústria e com os serviços, na área tecnológica, que executa para a indústria. Assim, o que consta do Orçamento são, justamente, os fundos públicos que estão afectos a esses organismos; as restantes verbas que vão ter são, no fundo, recursos provenientes de serviços prestados ao sector empresarial. Em todo o caso, Sr. Deputado, terei muito gosto em lhe enviar o orçamento que é possível fazer, à face do Orçamento do Estado, para o IAPMEI e o LNETI.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): — Agradeço, mas, de facto, trata-se de uma questão mais global, e nós teremos de a analisar noutra sede: é o problema dos fundos e serviços autónomos. De qualquer forma, agradeço a disponibilidade que mostrou.
O Sr. Ministro da Indústria e Energia: — Sr. Deputado, eu poderia pôr-me numa posição muito cómoda, mas não o faço, inclusivamente porque tenho de ajudar, nesta matéria (e estou perfeitamente de acordo com isso), o meu colega das Finanças. Posso pôr-me numa situação destas, ou seja: os organismos não se autofinanciam e o Orçamento do Estado paga; se não pagar o pessoal dos organismos vai-se embora e o problema resolve-se. Ponho-me nessa situação muito cómoda e no dia em que o Orçamento do Estado é aqui apresentado, também consigo apresentar um orçamento
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do 1APME1 e do LNETI. Mas pergunto se é este o tratamento que devemos dar a organismos destes, quer do ponto de vista dos próprios organismos, dos seus técnicos, quer do ponto de vista da indústria portuguesa. Se assumirmos essa posição, é muito simples, no dia em que o Orçamento do Estado é aqui apresentado, trazer-lhe os orçamentos do IAPMEI e do LNETI. Se não o trago nesse dia é porque estes organismos, de acordo com as nossas instruções, estão a desenvolver todos os esforços para terem autofinancia-mento, não tendo sido possível nesse dia fechar os seus orçamentos, pois estão a desenvolver uma estratégia de angariação de receitas noutras fontes, que não as receitas públicas. O problema é apenas este.
Assim, Sr. Deputado, devo dizer que se se caminhar para um esquema de tratamento dos organismos com autonomia administrativa e financeira idêntico ao das direcções-gerais (caso em que está tudo consagrado no Orçamento), penso que tal só poderá redundar em prejuízo para os organismos e para a própria actividade empresarial e industrial. Sem prejuízo de nada haver a esconder-lhe, posso dar-lhe o que é possível dos orçamentos neste momento existentes, mas expliquei-lhe, também claramente, não ser possível ter, no dia em que o Orçamento foi apresentado, um orçamento fechado e completo do IAPMEI e do LNETI.
Quanto à questão entre o SINPEDIP e o SIBR, que é importante, eu diria mesmo essencial em toda esta matéria do PEDIP, o Sr. Deputado referiu que a política industrial tem de estar inserida nas outras, mas eu dir-lhe-ei mais: a política industrial de desenvolvimento regional tem de estar inserida na política económica global, consequentemente não é a politica industrial na política de desenvolvimento regional, mas a política industrial e a política de desenvolvimento regional articuladas no âmbito da política económica global. É isso que se faz, e o que isso significa é que dentro desse sistema haverá óbvias interacções entre a política industrial e a política de desenvolvimento regional, e são essas interacções que estão subjacentes às articulações que fizemos entre o SIBR e o PEDIP.
Sr. Deputado, o SIBR arrancou em 1 de Janeiro de 1988 em Portugal e o PEDIP só agora e muito mais rapidamente do que todos pensávamos. De facto, o PEDIP arranca três meses depois da sua aprovação na Comunidade, o PIM grego arrancou um ano e nove meses depois. A rapidez com que conseguimos implementar o PEDIP é um sucesso em termos comunitários.
Falando concretamente no SIBR e no PEDIP, o que é que se passa? O SIBR tem uma estratégia de desenvolvimento regional feita com investimento industrial, o que é diferente de uma estratégia puramente industrial, se é que há estratégias puras industriais. Isso significa que o SIBR tinha uma componente regional de 25 Vo no interior, de 15 % no litoral e de 5 % em Lisboa e no Porto, à qual se somava uma componente industrial de 15 %, mais uma componente de emprego, depois os projectos eram hierarquizados pelo valor global do incentivo somando as três componentes. É assim óbvio que na hierarquização dos projectos, os do interior que levam 25 à cabeça, de componente regional, aparecem à freme dos do litoral, de Lisboa e Porto, que podem levar no máximo até 15 % de componente industrial, mas, pelo facto de os projectos do
interior levarem à partida 25 % do regional todos os projectos do interior apareceram à frente na classificação, em detrimento dos projectos do litoral, de Lisboa e do Porto.
O que é que isto confirma na prática? Que os projectos são hierarquizados mais pela sua inserção geográfica do que pela bondade ou valia industrial. Logo, o SIBR constitui uma estratégia de desenvolvimento regional feita com investimento industrial. O que é que isso significou? Face à distinção orçamental que temos, porque só havia 10 milhões de contos orçamentados para o SIBR, só há dinheiro no SIBR para financiar os projectos do interior e ficámos sem dinheiro para financiar, pelo SIBR, os projectos do litoral, de Lisboa e do Porto, onde existe — é bom não esquecermos — a maior parte das empresas industriais do nosso pais. É ainda bom não nos esquecermos que uma indústria forma-se e muda-se a partir do que tem — e também aqui nós somos reformistas, Sr. Deputado —, as transições são graduais e, portanto, é bom não esquecer a base industrial que temos.
Então o que é que se passou? Até a simples constatação da execução do SIBR mostrou-nos o caminho lógico da articulação nesta matéria entre o SIBR e o PEDIP. Nós pomos o SIBR, de acordo com a filosofia de desnvolvimento regional que tem, a apoiar os projectos no interior, nos concelhos menos industrializados, e o PEDIP entra a funcionar a apoiar os projectos de investimento na zona litoral, em Lisboa e no Porto.
Fazemos, assim, uma repartição perfeitamente lógica, em que a componente industrial dos dois é idêntica, porque o SIBR foi reformulado, passando a ter só 15 % de componente regional no interior e a componente industrial aumentou 40 % e o PEDIP no litoral, em Lisboa e no Porto só tem 40 % de componente industrial, não tem a componente regional.
Qual é, então, a diferença que passa a haver entre o SIBR e o PEDIP? É que a componente industrial é exactamente a mesma, mas o Governo, de acordo com a sua estratégia de desenvolvimento regional, dá mais um bónus, dá 15 % de componente regional, à cabeça, para quem queira fazer projectos no interior do País. Os sistemas, do ponto de vista de gestão do Ministério da Indústria, do IAPMEI, são idênticos. O que vamos classificar é a componente industrial; a componente regional é mecânica, é ver qual o concelho onde está implantado e avaliar se o projecto dá ou não dá direito à comparticipação. Não haverá aí dificuldades e os dois sistemas ficam articulados.
E o que é que isto mostra? É que nós temos, com isto, um esquema articulado e coerente de apoio ao investimento industrial. E como? Com o SIBR a apoiar o investimento nos concelhos menos industrializados do País e o PEDIP a apoiar os investimentos na base industrial que existe nos concelhos já mais industrializados do País. Assim, em termos estatísticos, nós podemos dizer que o PEDIP vai trabalhar, em grande maioria, na modernização das empresas que existem, visto que estes projectos no litoral, em Lisboa e no Porto, na maior parte, não serão projectos novos, são projectos de modernização daquilo que existe, ao passo que o SIBR vai apoiar o investimento em novas empresas, no interior do País, em zonas menos desenvolvidas.
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É um esquema que foi perfeitamente aceite pela Comunidade, perfeitamente coerente e em que as políticas industrial e de desenvolvimento regional trabalham articuladas numa perspectiva, como eu disse, de fazerem parte da política económica e global.
A afirmação do Sr. Deputado de que o interior vai ter pouco dinheiro com este esquema entre o SIBR e PEDIP não é verdadeira, pois será exactamente o contrário, e quem poderá fazer queixas é o litoral, Lisboa e Porto. E porquê? Porque o SIBR vai ter 10 milhões para a zona 3, o PEDIP vai ter cerca de 15 milhões de contos para as zonas 1 e 2. Como existem muitas mais empresas nas zonas 1 e 2 do que na zona 3, por mais projectos que apareçam no interior, se V. Ex.a vir os escudos por empresa, têm muito mais escudos por empresa no interior do que têm no litoral, em Lisboa e no Porto. Portanto, a conclusão que se tem de tirar é exactamente a contrária da exposta pelo Sr. Deputado, pois, por empresa, dada a densidade industrial ser muito maior no litoral, em Lisboa e no Porto, até os valores são menores, embora, em valores absolutos, o PEDIP tenha mais dinheiro que o SIBR.
Fala ainda o Sr. Deputado em prioridades sectoriais. Esta é uma questão de fundo, que impõe se faça a seguinte reflexão. Nós, a partir do momento em que entrámos na Europa Comunitária — já não estamos aqui a discutir se devíamos ou não ter entrado, é um dado adquirido e penso que o Sr. Deputado concordará que é irreversível —, temos de ser lógicos quanto ao processo de integração. O que é que está a acontecer na Europa Comunitária? É que as políticas industriais de cada país dependerão, cada vez mais, das estratégias empresariais. A política industrial é destinada a ajudar ou a fomentar as estratégias empresariais, de acordo com certas orientações que consideramos correctas, pois não vamos apoiar tudo o que apareça.
Se estamos numa integração europeia crescente, vai acontecer que as empresas portuguesas vão ter uma interligação crescente com empresas europeias, através de joint ventures, associações ou mesmo fusões, e inversamente, e portanto o raciocínio tem de estar relacionado com o espaço económico europeu global, não podemos estar aqui fechados, em termos de Portugal. Isto significa que nós, em termos ofensivos, não podemos ter a veleidade de, numa pequena economia aberta como a portuguesa, desenvolver estratégias sectoriais ofensivas pensando que estamos isolados, fechados, porque na realidade não o estamos, e tudo isto vai depender do jogo da concorrência e das estratégias empresariais no espaço comunitário. Decorre daí a nossa afirmação que a política industrial pode ser mais sectorial, em termos defensivos, nos sectores que temos — são os sectores industriais tradicionais — e tem de ser menos sectorial e mais horizontal em termos de posicionamento ofensivo.
Assim, em termos defensivos, nós temos uma estratégia sectorial clara, que é assumida pelos programas de estruturação sectorial, dos quais já está em vigor o dos lanifícios, que é tipicamente uma estratégia sectorial, que é pegar num sector industrial que temos, neste caso tradicional, e modernizá-lo em termos globais, não só de equipamentos mas também de recursos humanos, formação profissional, etc. Nesses sectores podemos ser perfeitamente sectoriais, porque sabemos o que temos, é pegar nos sectores que temos e modernizá-los. Em termos ofensivos, é mais difícil
numa pequena economia aberta fazer isto, porque, estando abertos para o exterior, o que se vai passar em Portugal depende também da estratégia das empresas europeias, não é só o Governo Português, numa estratégia voluntarista, que o pode fazer.
Por conseguinte, em termos ofensivos, temos de ser mais suaves, mas, em todo o caso, posso dizer-lhe que há uma preocupação, se quiser sectorial, através de três programas sectoriais ofensivos que desenvolvemos: o programa de valorização dos recursos naturais, o programa de tecnologias de informação electrónica e o programa de bens de equipamento. E porquê? Porque consideramos que há matérias-primas em Portugal que têm de ser melhor aproveitadas do ponto de vista industrial. É o caso das rochas ornamentais e dos mármores, onde devemos fazer um esforço para dar valor acrescentado e não apenas vender a baixo preço a matéria-prima. Justifica-se ainda um programa sectorial ofensivo em termos de tecnologia de informação electrónica, devido ao carácter horizontal que hoje em dia tem a electrónica em toda a actividade industrial e devido à importância que têm as tecnologias de informação no novo modelo de desenvolvimento industrial e em termos de bens de equipamento, porque é óbvio que nós temos uma grande carência estrutural em bens de equipamento; a percentagem de produção de bens de equipamento em relação à produção industrial total é muito pequena face ao que se passa nos países mais desenvolvidos da Europa. Portanto, nós temos também de estimular a produção de alguns bens de equipamento em Portugal. Aqui também temos de ser realistas: não vamos ter a veleidade de fazer tudo o que precisamos para a nossa indústria, porque temos de jogar num quadro de complementaridade com os outros países europeus, mais uma vez no quadro das estratégias empresariais a nível europeu. Só que há algo mais que pode ser feito, e é isso que vamos fazer.
E então como é que estes programas se articulam com o sistema de incentivos do PEDIP? São programas que vão majorar o sistema de incentivos; portanto, nós damos uma majoração aos projectos de investimento nestes programas que levam de facto, em termos de sistema de incentivos, mais dinheiro porque têm uma majoração que o projecto normal, que não está de acordo com as prioridades sectoriais aqui definidas, não tem. Portanto, em termos largos, temos três prioridades sectoriais ofensivas, que são estas. Mais do que isto, numa análise mais fina, nós consideramos que, com o nosso modelo de integração europeia, com uma pequena economia aberta como a portuguesa, não podemos ter a veleidade de, só por si, o Governo Português apoiar e desenvolver sectores industriais, até porque o que está a acontecer na Europa Comunitária é isto: as trocas são aí cada vez mais intra-industriais e não interindustriais. O que é que isto significa? É que a especialização industrial começa a ser cada vez mais ao nível do produto e das empresas e não ao nível dos sectores industriais, isto é, não há um pais europeu que se desenvolve num dado sector industrial e outro país europeu que se desenvolve num outro sector industrial. O que se verifica, cada vez mais, é existir num país uma empresa especializada num dado produto e existir noutro pais uma empresa especializada noutro produto, embora do mesmo sector, e, depois, esses dois países trocarem de produtos entre si operando complementaridades na produção integrada. É isto que cada
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vez mais se passa na Europa Comunitária e que, aliás, se reflecte no comércio externo, nestas trocas intra--industriais em detrimento das interindustriais, e é por isso que nós temos de ser realistas em termos de sistemas de incentivos e de prioridades industriais.
Julgo que, com isto, respondi a todas as perguntas que o Sr. Deputado Octávio Teixeira me formulou, embora algumas delas não tivessem, obviamente, a ver só com o Orçamento — tinham a ver com a estratégia do PEDIP.
O Sr. Presidente: — Há mais alguma questão que VV. Ex.as queiram formular?
Não havendo, resta-me agradecer a V. Ex.a, Sr. Ministro — que, de resto, já tinha tido a oportunidade de fazer longas exposições, quer na Comissão de Indústria, quer na Comissão de Economia, Finanças e Plano, e, portanto, agora foi de algum modo o retomar e o desenvolver de alguns pontos, embora muito importantes —, a sua presença e os seus esclarecimentos.
Vamos recomeçar os nossos trabalhos às 15 horas, de acordo com o programa estabelecido. Srs. Deputados, está suspensa a reunião.
Eram 13 horas e 7 minutos.
Após o intervalo para almoço assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente da Comissão de Economia, Finanças e Plano Octávio Teixeira.
O Sr. Presidente (Octávio Teixeira): — Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados: Vamos reiniciar a reunião.
Eram 15 horas e 7 minutos.
Vamos dar início à apreciação do orçamento do Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação sem prejuízo de os Srs. Deputados poderem colocar as questões que entenderem. Apenas solicitaria a vossa compreensão para o facto de a Comissão, esta tarde, ainda ter de debater mais dois departamentos estatais.
Em princípio, previmos terminar por volta das 17 horas, apenas como mera indicação, pelo que solicito aos Srs. Deputados que, tanto quanto possível, façam com que esta meta seja alcançada.
Entretanto, agradeço a presença do Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação e dos Srs. Secretários de Estado das Pescas e da Agricultura. Se o Sr. Secretário de Estado Adjunto desejar fazer uma intervenção inicial, concedo--lhe a palavra.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação (Arlindo Marques Cunha): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero, antes de mais, comunicar à Comissão a impossibilidade de o Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação estar presente nesta reunião por motivos imponderáveis de última hora.
Nós já viemos duas vezes à Comissão de Agricultura; já fizemos duas exposições acerca do conteúdo detalhado do Orçamento do Estado para 1989, no que se refere à agricultura e às pescas; enviámos para a Comissão de Agricultura um conjunto detalhado de ele-
mentos, incluindo um resumo de cada ficha do PID-DAC. Julgo que, nesta fase, não haverá muito mais a dizer a respeito do PIDDAC/Agricultura. De qualquer das formas, e porque estão aqui elementos da Comissão de Economia, Finanças e Plano que não estavam na Comissão de Agricultura, farei um brevíssimo «apanhado» da evolução das grandes linhas do PID-
DAC/Agrícultura, mas antes peço ao meu colega Secretário de Estado das Pescas que faça um resumo muito sintético do que se passa no seu sector.
O Sr. Secretário de Estado das Pescas (Jorge Godinho): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como disse o Sr. Secretário de Estado Adjunto, solicito, com a concordância deste e do Sr. Presidente da Comissão, que, começando pelas pescas, uma vez concluida a apreciação destas — e baseio-me um pouco no hábito da facilidade que sempre dão a este tema, porque as pescas e a agricultura são sectores, de facto, separados em linhas orçamentais e também em efeitos temáticos — me libertem da reunião.
Assim e no seguimento da linha que foi proposta para a apresentação dos orçamentos, gostaria de referir dois ou três pontos antes de me sujeitar às perguntas que me quiserem fazer sobre esta matéria.
Começando pelo PIDDAC tradicional, os objectivos prioritários da distribuição de recursos financeiros para 1989 privilegiam três grandes áreas. A primeira é a da investigação científica, que tem um aumento de recursos financeiros da ordem dos 50 %, que serão mobilizados especialmente a favor da prospecção dos recursos vivos na zona económica exclusiva nacional — esta é uma área que tem sido, já nos últimos anos, prioritária. Os resultados obtidos na prospecção de recursos, sobretudo fora da nossa plataforma continental, tendo em vista a reorientação do esforço de pesca para áreas mais afastadas da costa, serão aplicados para aliviar o esforço de pesca, por tradição situado excessivamente junto da costa e mesmo, em águas estuarinas e lagunares interiores, com a consequente e excessiva intensidade sobre recursos juvenis ou em crescimento. Assim, tem-se também em vista aproveitar recursos com maior maturidade em zonas mais afastadas da costa. Portanto, é alocada a um valor de 120 000 contos, valor este que tem também em vista reforçar, em particular, estes meios de prospecção de recursos, com a aquisição de novos meios marítimos (navios de investigação científica) para se poder reforçar a componente operacional, no mar, desta área. Existe também, pela primeira vez, a alocação de 30 000 contos para o início do projecto de um laboratório de tecnologia da pesca e tanque de ensaios de actos de pesca.
No estádio actual de desenvolvimento, a pesca era uma área que necessitava, e necessita, de ser preenchida e, de facto, tem havido um grande esforço —dentro deste grande objectivo de reorganização do esforço de pesca— para promover e proporcionar aos nossos pescadores melhores artes de pesca, artes mais selectivas, que, sem fazer um esforço tão grande sobre os recursos, possam aumentar a respectiva produtividade.
Cada vez mais se torna necessário fazer acompanhar esta promoção das novas tecnologias da pesca, de um apoio eficaz no desenho de novas artes da pesca — redes de arrasto, em particular, redes de emalhar, redes mesmo para a própria pesca artesanal e um laboratório de tecnologia de pesca munido de um tanque
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de ensaios de redes é absolutamente fundamental. A título meramente exemplificativo, posso dizer que, neste momento, estamos a utilizar instalações semelhantes, ao abrigo de convénios, na Dinamarca e em Inglaterra e, de facto, existe, nesta altura e segundo a nossa percepção, justificação suficiente para virmos a dispor de uma instalação deste tipo em Portugal.
O segundo objectivo prioritário (o primeiro era a investigação científica) tem a ver com a formação profissional. De facto, para acompanhar o grande desenvolvimento do investimento na renovação e modernização da nossa frota, torna-se necessário que também disponhamos de recursos humanos devidamente habilitados, formados e treinados para explorar eficientemente esses novos meios tecnológicos, nomeadamente os meios agora electrónicos, que, cada vez mais, passam a estar à disposição e têm estado à disposição da pesca. As unidades de pesca actualmente já não são, como no passado, unidades industriais simples; actualmente, e ao contrário, quaisquer unidades de pesca, mesmo as mais pequenas, já são unidades industriais complexas com sofisticadas tecnologias de navegação, sobretudo as de rastreio e detecção de recursos — a electrónica fez uma «invasão» enorme nos meios e métodos usados nas embarcações de pesca. Assim sendo, torna-se necessário para os profissionais já em actividade promover uma reciclagem e um aperfeiçoamento, sobretudo para os novos profissionais, em particular na carreira da mestrança, dada a falta que temos de mestres de pesca bem habilitados, dar-lhes um treino conveniente. Por isso mesmo, a Escola Portuguesa de Pesca tem-se vindo a apetrechar nesse sentido e a verba de 110 000 contos que aqui está prevista (verba esta que representa um aumento em relação ao ano anterior) tem justamente a ver com a realização de um convés de manobra de artes de pesca, com a ampliação das instalações e com a aquisição de meios de simulação, de detecção e de navegação (portanto, meios que permitam, em terra, fazer todo o treino por simulação).
Também gostava de fazer notar que se justifica plenamente a ampliação das instalações, dado o incremento na utilização da Escola. Há dois anos lectivos —e já citei este número, alguns dos Srs. Deputados já o devem ter ouvido— a Escola de Profissionais de Pesca tinha uma frequência de 80 alunos; neste momento tem uma frequência de 500 alunos; portanto, multiplicámos por seis a frequência da Escola de Pesca. Consequentemente, torna-se necessário dotá-la de melhores e mais funcionais instalações; temos tido alguma dificuldade, mas tem-se acomodado este grande aumento. No entanto, é imperiosa, neste momento, a ampliação das suas instalações, dotando-as de maior funcionalidade e espaço.
O terceiro grande objectivo da parte do PIDDAC tradicional tem a ver com o apoio à pesca artesanal. A pesca artesanal no passado —costumo dizer e é verdade— nunca foi, nem muito nem pouco, apoiada, porque nunca foi o que quer que fosse. Desde há dois anos para cá que também foi concebido um plano de apoio à modernização da pesca artesanal. Como sabem, os fundos comunitários apenas podem ser atribuídos a embarcações com mais de 9 m — portanto, as embarcações com menos de 9 m apenas podem esperar apoio por parte de fundos exclusivamente nacionais. Por isso mesmo foi estabelecido, e existe neste momento aprovado, um plano de apoio ao desenvolvi-
mento económico da pesca artesanal que mobiliza meios financeiros quer para o apoio, a fundo perdido, à modernização e renovação, portanto construção de novas embarcações por substituição de outras mais antigas, tendo em vista que as novas embarcações tenham melhores condições de segurança a bordo, melhores condições para acondicionamento do pescado a bordo e possam ir mais longe da costa (porque, dadas as melhores condições de segurança, podem navegar em águas mais afastadas da costa), quer para o apoio à aquisição de novas artes de pesca, mais selectivas, portanto menos predadoras. Isto está, aliás, em consonância com a entrada em vigor da nova regulamentação sobre o exercício da pesca, que estipula todo um conjunto de condicionamentos ao seu exercício, tendo justamente em vista acautelar a melhor conservação e gestão dos recursos. Nessas circunstâncias, e por isso, considera-se prioritário e extremamente importante que os pescadores da pesca artesanal possam ser apoiados na aquisição de novas artes de pesca, tendo em conta a entrada em vigor de toda essa nova regulamentação.
Estes são os três grandes objectivos do PIDDAC tradicional para 1989. Quanto ao PIDDAC comunitário, a estratégia continua a ser a de privilegiar a máxima absorção dos fundos comunitários. Como sabem, na pesca — eu não irei aqui repetir nada em pormenor, a menos que o considerem necessário — tem sido feito um excelente uso, por parte dos nossos agentes económicos da pesca, dos fundos comunitários do FEOGA. O investimento nos últimos três anos tem vindo a crescer a ritmos extremamente acentuados — são cerca de 15 milhões de contos, no conjunto de 1986, 1987 e 1988. Em 1988, cerca de 7,5 milhões de contos foram mobilizados para a renovação e modernização da frota.
A título indicativo — e porque muitas vezes os «milhões de contos», como é referido, já são um vocabulário um pouco gasto que pode já não dizer nada — posso referir que, em termos de unidades mandadas construir, a tonelagem de arqueação bruta das unidades de pesca autorizadas a construir nos últimos três anos (1986, 1987 e 1988) é vinte vezes a tonelagem de arqueação bruta, também, das embarcações mandadas construir nos três anos antes da nossa adesão (1983, 1984 e 1985). Assim sendo, estamos, neste momnento, em termos de realização concreta — mais do que em ecus, ou escudos, ou contos, investidos — em valores que, de facto, têm essa expressividade de vinte vezes em termos de realização física.
Quanto ao orçamento corrente, para além da exposição que já tinha sido feita, não se me oferece dizer nada de especial, a não ser que o orçamento do próximo ano do Ministério da Agriculura, Pescas e Alimentação, na parte que diz respeito aos organismos da Secretaria de Estado das Pescas, privilegia a linha de continuidade dos orçamentos anteriores (está, aliás, em perfeita linha de continuidade com o Orçamento de 1988), e tem em vista — e esse é o principal objectivo — dotar os serviços da administração pública das pescas de condições para poderem acompanhar no terreno, junto dos agentes económicos do sector, todo este dinamismo, toda esta maior actividade que se justifica em termos de incentivo ao investimento produtivo. Nesse sentido, um dos organismos, cujo orçamento, em comparação com os outros, tem um aumento substancial diz respeito à Direcção-Geral das Pescas, que é não só a entidade responsável pela ad-
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ministração do plano da pesca artesanal e de todas as acções que têm a ver com o incentivo à modernização da nossa pesca artesanal, mas também o organismo que, relativamente aos projectos candidatos ao FEOGA, tem por obrigação e responsabilidade a promoção do aproveitamento das oportunidades que se nos
abrem na Comunidade e a análise técnica de todas as candidaturas.
Relativamente à Escola de Pesca, o aumento da frequência dos alunos da Escola — uma vez que esta funciona em regime de internato, necessariamente é aumentada a frequência, gastando-se mais víveres, mais géneros, mais em alimentação, mais em serviços — tem, naturalmente, de ser traduzido em maiores dotações orçamentais.
Uma última referência à Inspecção-Geral das Pescas, que é um organismo novo que agora aparece recém--criado e que tem a ver com a necessidade sentida, por parte da Administração das Pescas, de termos, no plano civil, uma entidade que articule todos os esforços e todas as responsabilidades a nível da inspecção da actividade da pesca, portanto, em tudo o que diga respeito a actividades de inspecção e de fiscalização da actividade. Aqui, a Marinha, em especial, continuará a ter as suas atribuições tal como elas estão definidas, mas existe todo um conjunto de responsabilidades de articulação dos vários meios disponíveis para a fiscalização e, sobretudo, toda uma área de responsabilidades que tem a ver com a fiscalização, quer do pescado, quer das tecnologias usadas na pesca em terra, especialmente nas zonas portuárias em que não havia uma autoridade devidamente responsabilizada para preencher essas responsabilidades.
A Inspecção-Geral das Pescas foi criada, neste momento está dotada da respectiva lei orgânica, está em funcionamento e, em consequência, tem de passar a dispor de um orçamento para fazer funcionar os seus
serviços.
Em termos sintéticos, é o que se me oferece dizer sobre a parte correspondente aos organismos da Secretaria de Estado das Pescas.
O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rogério Brito.
O Sr. Rogério Brito (PCP): — Sr. Secretário de Estado, muito rapidamente direi — depois de tê-lo ouvido agora e também no seguimento dos esclarecimentos que nos tinha prestado no âmbito da Comisssão da Agricultura e Mar — que, em formação profissional, sim; na investigação científica, nem por isso; na legislação cautelar, nada; na renovação e alargamento da nossa frota, muitas dúvidas.
E muitas dúvidas porquê? Em primeiro lugar, porque desconhecemos qual o grau efectivo de realização em matéria de modernização da frota e de novas construções. Sabemos o que há de matéria de projectos aprovados, mas não temos qualquer informação sobre a construção efectiva realizada e tão-pouco a temos quanto ao tipo de orientação a que se está a destinar a política de incentivos à construção naval em matéria de «para que tipo de capturas».
Uma outra questão: é evidente que em matéria de projectos aprovados nós verificamos que há uma subida gradual dos montantes de 1986 para cá; no entanto, em termos de projectos apresentados, portanto
em termos de procura dos financiamentos à disposição dos armadores, o que nós verificamos é que está a haver um decréscimo da procura destes investimentos. Nós temos aqui os dados até Outubro do presente ano e verificamos que, por exemplo em 1988, em matéria de pesca/indústrias, em Outubro, estamos a menos de metade dos projectos apresentados no ano transacto — penso que isto não é despiciendo. Se formos ao âmbito do Regulamento n.° 4028/Construções, verificamos que, em matéria de frota, em Outubro de 1988, o grau de procura de financiamento — projectos apresentados — está cerca de um terço dos que se verificaram em 1987 — penso que isto importa ter presente! Mas também nos projectos aprovados, o que verificamos é que há uma subida do montante, mas que essa subida não corresponde a novas unidades em construção; corresponde, sim, a um maior investimento por unidade, o que poderá, de algum modo, reflectir uma orientação qualitativa que não posso dizer se é boa ou má pelo simples facto de não conhecer quais são as unidades em construção.
O que verifico é que há, aqui, uma alteração que é, de qualquer modo, qualitativa — um menor número de unidades a serem construídas a um custo mais elevado (isto em 1988 em relação a 1987) —, o que nos deixa muitas dúvidas. A terminar, recordaria que estas preocupações são legítimas, dado que, em anteriores oportunidades que tivemos de diálogo com o Sr. Secretário de Estado, sempre nos foram apresentadas, perante alguma dúvidas nossas, respostas optimistas. Recordo-me de que, quando apresentámos, por exemplo, a questão da indústria de conservas, a primeira reacção do Governo foi «isto não tem a importância que lhe estão a dar», para, no fim de contas, passados três ou quatro meses lhe darem toda essa importância — portanto, tinha importância!
Apresentámos a questão em matéria de legislação cautelar de interesses legítimos nacionais, designadamente quanto à possibilidade de os nossos vizinhos espanhóis se estarem a aproveitar das nossas licença de pesca e dos nossos navios para pescarem para eles e não para nós. Foi apresentada a questão e foi-nos dito: «Sobre isso, não há nada a fazer.» Posteriormente, o problema acabou por despontar com toda a força e o Governo reconheceu que teria de tomar medidas. De qualquer modo, o que importa ainda reter é que a balança comercial de pescas está a degradar-se de uma forma extremamente grave e tem de encontrar-se uma justificação para isto. Se começarmos a olhar, estamos a desenvolver a formação profissional, a investigação científica «vai de vento em popa», a construção está a ir «na ponta de unha», os nossos acordos, em matéria de águas, de pesca, etc, também. Então, nós perguntamos: «— o que é que vai mal para que a nossa balança comercial, o nosso défice de pescas esteja a assumir as proporções tão graves que está a assumir?» Há aqui qualquer coisa! Estou aqui a raciocinar e posso concluir que se come mais, mas julgo que não é essa razão. As alterações qualitativas per capita, infelizmente, não são assim tão significativas como isso. Portanto, ficava por aqui, mas penso que isto é matéria mais do que suficiente para termos dúvidas.
Finalmente quereria referir que o montante previsto no PIDDAC para investimento na frota é inferior às. previsões do ano de 1988 — não me refiro às execuções, refiro-me às previsões, dado que 1989 também
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é uma previsão, com maior ou menor grau de cumprimento. Em matéria previsional, considerando 1989 em relação a 1988, há uma quebra significativa do montante do investimento previsto.
O Sr. Presidente: — Sr. Secretário de Estado, tenho aqui mais uma inscrição. Não sei se quererá responder no fim, ou se quer responder já.
O Sr. Secretário de Estado das Pescas: — No fim.
O Sr. Presidente: — Assim será, Sr. Secretário de Estado.
Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Avelino.
O Sr. Alberto Avelino (PS): — Duas pequenas questões, Sr. Secretário de Estado.
É com agrado que registo o sextuplicar do número de alunos da Escola de Pesca, mas ponho uma dúvida que, creio, no ano passado já levantei: vejo sérias dificuldades em colmatar o problema das instalações, da parte física da escola, embora o Sr. Secretário de Estado também o reconheça. Mas uma coisa é reconhecer, outra coisa é como dar resposta a este sextuplicar de alunos. Se são alunos ab initio ou se também sé consideram alunos os das reciclagens e, neste caso, as reciclagens poderem dispersar-se nas zonas de maior influência de pesca.
A outra questão a que o Sr. Deputado Rogério Brito já fez referência é a do alargamento da nossa frota. Fala-se em números, os números são convidativos e, de facto, em termos publicitários são óptimos, mas não parece ver-se, no terreno ou no mar, a correspondente do número de elementos da nossa frota. Assim sendo, qual o resultado que, à distância, não foi apontado quanto à arqueação ou à tonelagem prevista? E nos investimentos começados em 1987, ou mesmo em 1988, e nos previstos, qual é o resultado, repito, em termos de percentagem de pescado a que isto possa levar? Porque é uma realidade que o Sr. Rogério Brito acrescentou: não é porque se consuma mais proteína animal ou proteína de peixe, não é por isso; há cada vez mais escassez de peixe — veja-se que não é por acaso que há muito maior venda de carne, porque o peixe, como existe pouco, é muitíssimo caro. Por outro lado, creio que há pouca ousadia da parte dos nossos armadores. A quem se deve esta situação? Não será a nós, deputados? Creio que o incentivo monetário não é o suficiente. Há qualquer coisa que nos falha neste sector e creio que é falta de oudadia por parte dos pescadores ou dos armadores, talvez!...
O Sr. Presidente: — Como não há mais inscrições, se o Sr. Secretário de Estado das Pescas desejar responder, tem a palavra.
O Sr. Secretário de Estado das Pescas: — Vou então responder as perguntas que me foram colocadas.
Quanto à formação profissional, penso que — e referindo-me à intervenção do Sr. Deputado Rogério Brito — não há dúvida de que os números falam por si e os resultados também. Em qualquer dos casos devo esclarecer — e aqui incluo também a observação feita pelo Sr. Deputado Alberto Avelino — que a formação profissional na Escola Portuguesa de Pesca, neste momento, está a vocacionar-se (e, neste momento, já está
maioritariamente vocacionada, ao contrário do que acontecia no passado) para o ensino das classes mais graduadas da carreira da pesca. Portanto, o ensino das classes mais graduadas da carreira da pesca — e foi a isso que me referi quando falei na mestrança — é feito na Escola centralizamente. E não pode ser de outra maneira, porque requer meios humanos a nivel de professores, de monitores e meios tecnológicos a nível de equipamentos que não se podem descentralizar.
Quanto às carreiras iniciais e a reciclagem profissional, essas estão descentralizadas. Não falei aqui nisso porque não consta dos orçamentos, já que é por intermédio do FOR/Pescas que é uma entidade participada pela Escola de Pesca e pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional. E temos, neste momento, dez centros de formação profissionais a funcionar, desde Viana do Castelo a Olhão, por onde contamos irem passar, até ao final deste ano, mais de 2000 profissionais da pesca. Penso"que, com isto, respondi suficientemente à questão da formação profissional.
Quanto à investigação científica não estamos de acordo — se foi essa a interpretação correcta que estou a dar ao que o Sr. Deputado Rogério Brito disse — que não seja importante; pelo contrário, é importantíssima! E havia todo um conjunto de carências no passado que tem de ser o mais rapidamente colmatadas. O que acontecia era que o Instituto de Investigação Científica — o INIC, no passado — tinha a sua actividade — isso agora é bem retratado nos planos de actividade do Instituto Nacional de Investigação das Pescas (INIP) que, neste momento, são públicos e cujos centros económicos são, todos eles, discutidos — mais voltada para a investigação fundamental.
Ora, um instituto com as características do INIP não pode fazer — pelo menos como prioridade — investigação fundamental. Deve, isso sim servir-se da investigação fundamental feita por outros, deve fazer apenas aquela investigação fundamental que mais ninguém faz e que é estritamente necessária ao apoio do desenvolvimento aplicado.
O que o INIP está a fazer é justamente uma reorientação da sua actividade para o desenvolvimento tecnológico, para a investigação aplicada.
Nesse sentido, de facto, torna-se importantíssimo aumentar o número de cruzeiros no mar; torna-se importantíssimo aumentar as possibilidades de que dispõe para navios de investigação; torna-se fundamental possuir um laboratório de tecnologia da pesca; torna-se fundamental ter instalações de demonstração no domínio da aquacultura, que dêem apoio tecnológico aos nossos aquacultores.
É tudo isso que temos vindo a fazer.
Quanto ao alargamento da frota e ao seu grau de realização, penso que esses números são conhecidos. Eu, pelo menos, já os forneci. No entanto, tenho comigo uma cópia desses documentos, que posso dar-lhes, onde os números falam por si.
Relativamente aos projectos aprovados em 1986, por exemplo, relembro que a sua aprovação ocorreu em Dezembro de 1986. A aprovação teve realmente lugar durante o ano de 1986 mas apenas em Dezembro desse ano. Também a aprovação de muitos projectos de 1987 só ocorreu em Dezembro de 1987. Esse, aliás, é o prazo previsto para que, na Comunidade, a respectiva Comissão se pronuncie sobre eles.
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No que se refere aos projectos de 1986 — menciono--os a título de exemplo, mas, se quiserem, posso dar--lhes o respectivo quadro —, da totalidade dos investimentos aprovados para esse ano — que foram, exclusivamente para a frota, no montante de 3 150 000 contos — tínhamos concluídos, em 8 de Novembro de 1988 — que é o último apanhado que aqui tenho —, 69 dos investimentos, em curso de execução estavam 18 % e encontravam-se por concluir apenas 13 °7o.
Como sabem, os candidatos têm dois anos para iniciar os seus projectos e depois têm mais três anos para os concluir. São também estes os prazos estipulados pela Comunidade.
Relembro os Srs. Deputados que as embarcações de pesca não são propriamente bens de equipamento como, por exemplo, os automóveis ou os tractores, que, uma vez decidido comprá-los, se vai à loja, adquirem-se e, no dia seguinte,, estão na estrada.
Um barco de pesca não está nos stands. A construção de um barco de pesca, dos mais simples, demora, no mínimo, desde a elaboração do projecto até ao seu acabamento, 12 meses. Quanto aos barcos mais complexos, o seu prazo de construção é alargado para de 24 a 36 meses. São esses os prazos de entrega dos nossos estaleiros para barcos de pesca de média tonelagem.
Devo referir que temos vindo a construir todas as nossas embarcações em estaleiros portugueses, os quais têm, neste momento, uma carteira de encomendas como nunca tiveram nos últimos vinte anos. Os seus prazos de entrega situam-se entre os 12 meses e os 36 meses, o que dá um prazo médio de 24 meses.
Se nos recordarmos de que os primeiros investimentos nesta área foram decididos em Dezembro de 1986 e que, de então até agora, Dezembro de 1988, apenas decorreram dois anos — durante os quais foi preciso encomendá-los, foi preciso construí-los para depois poderem ir pescar —, compreender-se-á que é natural que a influência do resultado da sua actividade só se sinta a prazo. Era ilusório estar aqui a dizer aos Srs. Deputados que tínhamos tido milagres nas capturas por causa dos investimentos feitos. Dir-me-iam certamente que, tecnicamente, não podia ser verdade. E não podia! ...
Penso que devo também realçar que o grosso dos investimentos — não todos — que temos feito até à data foram investimentos de substituição e não investimentos de expansão!... Se assim não fosse a nossa frota tinha «batido no fundo»!... São conhecidos os «voos» característicos da idade média da nossa frota!... A nossa frota do largo tem 37 anos de idade média!... 371... O último barco da nossa frota dó largo a ser lançado à água foi-o em 1976!... Há doze anos!... Em doze anos não se construiu um único barco!...
Isto é significativo da situação da nossa frota pesqueira e, por isso, como não podia deixar de ser, a prioridade das prioridades dos investimentos no sector foi para a sua renovação. Por isso também é que se tem falado insistentemente na renovação e modernização da frota. Ninguém aparece aqui — nem o Governo nem eu próprio — a dizer que a nossa grande finalidade é, de imediato, expandir a nossa frota, duplicar a sua capacidade!... Não ê esse, de facto, o objectivo! O objectivo é renová-la, modernizá-la, diminuir
o esforço de pesca em certos segmentos que estão demasiado explorados e diversificá-los para outros segmentos. É isso que tem estado a ser feito. Na pesca do espadarte, por exemplo, há três anos
não tínhamos frota de palangreiros. Neste momento temos uma frota constituída por mais de doze palangreiros, que são barcos que possuem à volta de 1801/200 t de arqueação bruta. São barcos que andam no Atlântico Norte, nas zonas internacionais e também na nossa zona económica exclusiva (ZEE) — nos Acores, etc. — a pescar espadarte com long Une, uma moderna tecnologia que tem linhas de anzóis com 79 km de comprimento. Começámos a utilizar esta tecnologia quando nem sequer os nossos vizinhos de Espanha — dita potência pesqueira, e é-o — a dominavam. Nesse aspecto, felizmente, os nossos pescadores têm demonstrado uma ousadia digna de elogios. E têm-na demonstrado quer no ritmo do investimento feito quer no alto grau de realização desenvolvido, quer na prática da nova tecnologia que estão a trazer para Portugal. Só há pouco tempo os espanhóis começaram a construir os palangreiros, só agora estão a lançar os primeiros à água!... Nós já temos doze palangreiros a operar!... Isso é extremamente importante e os factos são perfeitamente comprováveis!... Se os Srs. Deputados quiserem podem ir verificar a existência destas unidades.
O Sr. Alberto Avelino (PS): — E o peixe pescado?
O Orador: — Quanto ao aludido decréscimo da procura do investimento por parte dos nossos armadores, isso não é verdade. O que naturalmente aconteceu — e vai acontecer no futuro — foi que entrámos num patamar de estabilidade. Isso está a acontecer em 1988 e acontecerá no futuro.
As nossas carências ao nível de construções para a nossa frota eram enormes. Naturalmente que, quando se abriu a perspectiva de apoio da Comunidade Económica Europeia aos investimentos nessa área, houve um fluxo muito intenso de candidaturas. Isso ocorreu durante os anos de 1986 e de 1987, embora muitas das candidaturas então apresentadas não tivessem sido imediatamente aprovadas, por falta de fundos financeiros da Comunidade. O facto de não terem sido aprovadas não quer dizer que tivessem sido rejeitadas mas, sim, que ficaram pendentes para as tranches seguintes. Por isso têm transitado de um ano para o outro, garantindo-nos uma carteira de projectos que tem permitido um ritmo crescente de aprovações nos últimos anos.
Posso, por exemplo, citar, só relativamente à frota pesqueira, um investimento de 3 milhões de contos em 1986, de 4 400 000 contos em 1987 e de 5 500 000 contos em 1988, até agora.
Estamos, portanto, num ritmo crescente de investimento. Naturalmente que não vamos poder continuar a crescer indefinidamente!...
Em minha opinião, estamos neste momento a entrar no patamar de estabilidade, a atingir o ritmo de cruzeiro, o que é perfeitamente compreensível e justificado.
Quanto ao maior investimento, por unidade, no ano de 1988, isso tecnicamente é explicável de forma muito simples: de facto começaram a ser aprovadas em especial, pela Comunidade, as grandes unidades da nossa frota de largo. Relativamente a esse tipo de unidades foram aprovados dois grandes projectos, representando,
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cada um deles, um investimento de 1 300 000 contos. É esse o custo actual de um barco de pesca de largo, devidamente equipado, com processamento a bordo, etc. Dois projectos destes, aprovados, dá logo um montante de 2 600 000 contos!
A modificação quantitativa no investimento por unidade tem nisso, portanto, a sua justificação.
Naturalmente que também necessitávamos — até pelas razões que há pouco citei — de navios da nossa pesca de largo rapidamente modernizados.
Não concordo que os espanhóis — e já aqui me referi a isso em pormenor — se estejam a aproveitar da nossa frota. Antes pelo contrário!... Não é isso o que se está a passar, não tenho conhecimento de quaisquer situações que sejam lesivas dos nossos interesses nesse domínio.
Quanto ao desiquilíbrio da nossa balança comercial, como os Srs. Deputados devem saber se têm aferido a balança comercial pelos dados do Instituto Nacional de Estatística, esse desequilíbrio diz respeito ao bacalhau.
De facto, o que acontece é que os portugueses estão a viver muito melhor, felizmente! Como sabem, o bacalhau é um bem muito apetecido da dieta alimentar dos portugueses. Naturalmente que os portugueses, assim que passaram a viver melhor, foram comprar mais carros — os Srs. Deputados sabem também que a aquisição de carros, nos últimos tempos, em Portugal, aumentou explosivamente — e passaram a comer mais bacalhau. A explicação é tão simples como isto!... Vejam que, neste momento, não se raciona o bacalhau como se racionou há cinco ou há dez anos atrás.
Os portugueses têm a possibilidade de comer o bacalhau de boa qualidade que entenderem e a um preço até perfeitamente razoável, podendo escolher entre vários tipos de boa qualidade.
Tudo o que acontece é que a componente bacalhau aumentou enormemente na dieta alimentar dos portugueses! ...
Quanto àquilo que disse o Sr. Deputado Alberto Avelino, relativamente à Escola, penso que já respondi, como respondi também ao problema de a reciclagem ser descentralizada.
Quanto à questão do incentivo monetário, da falta de ousadia dos nossos pescadores penso, francamente, que se dá exactamente o oposto. Como referi, acho que os nossos armadores e os nossos pescadores têm sido extremamente ousados — os números falam por si — e até devem ser elogiados por isso mesmo. Temos estado a ter valores de investimento, traduzidos em resultados, que não têm qualquer paralelo com o passado. Felizmente, estamos a aproveitar bem as potencialidades que tínhamos na nossa pesca.
O Sr. Presidente: — Antes de conceder a palavra ao Sr. Deputado Rogério Brito, apelo, uma vez mais, para a capacidade que todos terão de sintetizar as questões.
O Sr. Rogério Brito (PCP): — Vou ser muito rápido, Sr. Presidente.
Sr. Secretário de Estado das Pescas, em relação à investigação científica e para que não restem dúvidas, provavelmente a única diferença que poderá haver entre nós reside na graduação que fazemos — e, se calhar, nem sequer fazemos uma graduação diversa da sua importância! ... É evidente que toda a importân-
cia é para ela. Por isso é que,.em termos daquilo que o orçamento sugere, eu terei dito inicialmente «nem por isso». Ou seja, penso que continuamos muito longe das necessidades do esforço de investigação que é necessário fazer, incluindo do da investigação aplicada. Segunda questão: Sr. Secretário de Estado, referi-me
à diferença entre as propostas de investimento apresentadas. Há nelas uma quebra que, penso, está longe de corresponder a uma entrada, digamos, na «velocidade de cruzeiro», como se costuma dizer, na sequência de uma procura demasiado grande nos dois primeiros anos.
Por outro lado, isso não pode, de maneira alguma, justificar sobretudo a quebra, em termos de dotação orçamental, das verbas previstas para investimento nas frotas, seja para a modernização, seja para a construção de novas unidades. Bastará termos presente que o grau de aprovação dos projectos não chega a 50 % do que foi apresentado.
Isto significa que sendo a capacidade de resposta por parte dos armadores tão boa como aquela que o Sr. Secretário de Estado sugere, isso só vem justificar a nossa apreensão. Perante essa capacidade de resposta a necessidade de investimento, em termos de realização, exige um esforço maior do Orçamento. É esse esforço que não tem correspondência. Há uma quebra real em termos previsionais em relação a 1988.
A verdade é que, para lá da procura do investimento e da capacidade de realização, nos encontramos, neste momento, em termos só de projectos aprovados, abaixo dos 50 % dos projectos apresentados. É, pois, de prever que o acumular do investimento seja uma realidade, o que pressupõe uma necessidade de reforço da componente do investimento. É essa que não se verifica! ... Falta aqui uma correspondência.
Finalmente, Sr. Secretário de Estado, não é certamente o bacalhau que justifica um agravamento das nossas importações de pescado superior a 70 % do ano passado para este ano e muito menos é o bacalhau que — e aqui não entraria em mais pormenores — pode justificar as previsões que foram feitas de capturas em 1988 e que todos nós sabemos como e com que finalidade foram feitas. Desejaria não entrar por aí! ...
Digo isto apenas para justificar que existem razões para as nossas apreensões e que o interesse nacional e o da frota pesqueira nacional impõem que, mais do que as palavras a ornamentar os resultados, haja a convicção de que existem dificuldades e de que temos de encará-las muito seriamente.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado António Campos.
O Sr. António Campos (PS): — Sr. Secretário de Estado das Pescas, costumo ouvi-lo com muita atenção, porque não estou muito dentro deste assunto das pescas, mas faz-me alguma confusão tudo isto.
V. Ex.a tem milhões a rodos .... tem empresários ousados, tem a modernização em flecha mas, quanto à pesca ..., cada vez se pesca menos, o que significa que há qualquer coisa que está errada. Assim, não vale a pena continuarmos a discutir uma política que não tem resultados práticos e em que, de facto, não vemos o mais pequeno resultado.
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O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado das Pescas, se assim o desejar.
O Sr. Secretário de Estado das Pescas: — Irei muito rapidamente responder às questões que me foram postas.
Sr. Deputado Rogério Brito, 80 °?o da nossa balança comercial diz respeito à importação de bacalhau. Portanto, mesmo sem dizer os números, o Sr. Deputado sabe que isto é verdade. Além disso, durante dois anos sucessivos, as importações de bacalhau aumentaram 30 % em cada ano. Assim, 30 % sobre 30 % ..., faça--lhe as contas do valor acumulado, do valor composto e veja quanto é que dá de aumento, em dois anos. Sugiro que fale com as pessoas, com pessoas anónimas, com os consumidores portugueses e veja o que é que eles lhe dizem sobre a questão do bacalhau.
Enfim, até pela nossa vivência própria, o Sr. Deputado sabe qual era a situação há meia dúzia de anos atrás e qual é a situação actual ao nível do consumo de bacalhau.
Como sabe, antes, o consumo de bacalhau até era gerido em termos de saber qual era a melhor altura para lançar o bacalhau no mercado, porque os portugueses não podem passar o Natal — e só me lembro disto por causa desta época de Natal — sem bacalhau. Neste momento, não há gestão, e V. Ex.a pode passar por qualquer supermercado onde encontrará bacalhau da melhor qualidade e bacalhau de todos os tipos à escolha.
Mas esta liberalização para dar aos portugueses todos os bens que eles gostam de consumir tem um preço.
O Sr. Rogério Brito (PCP): — Sr. Secretário de Estado, permite-me que o interrompa?
O Sr. Secretário de Estado das Pescas: — Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Rogério Brito (PCP): — Sr. Secretário de Estado, penso que estamos a ter uma visão integrada das coisas. Dir-lhe-ia que esta conversa sobre o bacalhau é muito interessante, pois eu também sou um dos consumidores e apreciadores do bacalhau. Mas não se trata apenas disso.
O Sr. Secretário de Estado não ignora, com certeza, que estão sendo diariamente lançados ao mar milhares e milhares de toneladas de pescado porque não há capacidade para o introduzir no mercado. Este é também outro factor que tem a ver, designadamente, com a industrialização.
Tudo isto é um processo interligado que tem a ver também com os desequilíbrios dos próprios tipos de capturas. Neste momento, estão, por exemplo, a ser lançados ao mar milhares de toneladas de sardinhas. E é isso que é preciso ter em conta.
Portanto, se quisermos ter uma visão global — e aqui há também os problemas da investigação aplicada, do tipo de orientação na definição dos tipos de capturas a que nos dedicamos — do desenvolvimento da indústria, não sabemos porque a indústria em vez de progredir cada ve2 está a falir mais. Basta olharmos para o Algarve e para a indústria conserveira que vai fechando e para outras zonas do País para vermos que é a mesma coisa.
Não existe aproveitamento de subprodutos, gastamos milhares de contos em importação de energia e de pro-tÇÍna alimentar e, por outro lado, deitamos pescado ao mar em vez de fazermos o seu aproveitamento para a indústria aumentar de animais, etc.
Bom, é toda uma visão global e integrada que é necessário ter. Não ponho em causa que haja um esforço, os resultados práticos é que não estão a demonstrar a eficácia desse esforço.
O Orador: — Sr. Deputado, quero, de facto, esclarecer essa situação que não é do meu conhecimento. E, se assim é, peço que mo indique, porque então ando completamente enganado. Além disso, desconheço que esteja a deitar-se pescado ao mar por não encontrar escoamento no nosso mercado.
Desculpe-me, Sr. Deputado, mas isso não é verdade! Pelo menos, não é do meu conhecimento. E peço-lhe, então, que me faça chegar a informação o mais depressa possível, porque, repito, não é do meu conhecimento que o pescado seja deitado ao mar, nomeadamente — como penso que estava a referir-se — o pescado da nossa frota de pesca de largo, de pescado congelado, etc, por não encontrar colocação no nosso mercado.
Com certeza, estamos de acordo — e os Srs. Deputados conhecem os objectivos e também os avanços que já se fizerem nessa matéria — em termos de desenvolvimento da nossa indústria transformadora de congelados. Por isso, fui o primeiro a afirmar que não há uma indústria transformadora ligada ao frio em Portugal. Estamos a tentar criá-la. Estão em curso vários entrepostos e várias fábricas de transformação de congelados: de filetes, de postagem, de embalagem, etc.
No entanto, temos uma frota ou temos armadores com imensas capacidades e uma grande tradição; temos um comércio de peixe extremamente activo, mas falta-nos algo que devia estar no meio, ou seja, falta--nos uma indústria transformadora que adapte as capturas, sobretudo das espécies menos valorizadas para o consumo directo em fresco, aos hábitos de consumo e até à reconversão que tem vindo a ser dada dos hábitos de consumo da sociedade e das famílias actuais. Como sabem, há vinte anos atrás, as famílias iam comprar peixe fresco ao mercado e a maior parte das famílias actuais já não o faz. Estamos perfeitamente de acordo.
Os Srs. Deputados conhecem as orientações quer nesse domínio — há pouco não o citei — quer em relação à frota de pesca. Eu próprio, e ja no anterior Governo, tive ocasião de discuti-las com alguns dos Srs. Deputados — se é que estão presentes —, quando apresentámos o nosso plano a cinco anos à Comunidade Económica Europeia. Foi um documento publicamente discutido e tornado público depois de aprovado pela Comunidade — aliás, foi publicado no Jornal Oficial da Comunidade.
Portanto, os Srs. Deputados conhecem as orientações que existem, quer ao nível do desenvolvimento da frota, quer ao nível da indústria transformadora, para os pró-ximos cinco anos. E não são objectivos que corram o risco de mudar daqui por seis meses ou daqui por um ano. Estão aprovados, quer pelo Governo português, quer pelas instâncias comunitárias até 1991, abarcando, portanto, o período de 1987-1991.
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Penso que existe aqui uma grande transparência e informação e que não há margem para dúvidas. Nessa base, não posso aceitar que refiram que há desconhecimento dos objectivos da frota, etc; peço-vos que leiam os documentos, pois é o mínimo que podem fazer.
Natutaintçnte — e aí estamos o mais possível de
acordo — que não se fez tudo. Sou o primeiro a ter consciência disso e o meu optimismo não é leviano. É um optimismo consciente de que os bons resultados que temos ate à data devem incentivar-nos a andar para a frente e, se possível, ainda mais depressa. Não é um optimismo que nos permita dizer que fizemos tudo, que podemos esfregar as mãos e ficar sentados porque temos todos os nossos problemas resolvidos. Não! Temos neste momento imensos desafios pela frente. Um deles — e aí também estamos de acordo e tenho-o referido insistentemente — é o da indústria transformadora.
Quanto à questão da sardinha, devo dizer que não está a deitar-se sardinha ao mar. Mas se o fazem, é porque são os próprios produtores, por intermédio das suas organizações, que regularizam a produção. E porquê? Porque, como os Srs. Deputados sabem, as trai-neiras não podem trazer mais do que uma certa quantidade de sardinha, porque senão estraga-se. Se num dia em que eles apanham muita sardinha trouxerem 80 cm ou 1 m de sardinha no porão, a que fica por baixo fica toda esmagada e perde valor. Os produtores têm vindo a aperceber-se de que são necessárias algumas medidas e nesse sentido agora as nossas trainei-ras tradicionais já começam a levar gelo para o mar, sobretudo no Verão, no meses de Julho, Agosto e Setembro, para gelar o peixe por forma a que ele chegue cá nas melhores condições, porque isso significa mais valor. E também sabem que às vezes vale mais pescar e trazer menos peixe, mas trazê-lo em melhores condições do que iludirem-se que trazem uma grande quantidade e depois ir todo para farinha de peixe ou nem para isso.
Ora, esta modificação de comportamento é extremamente salutar, mas não deve ser confundida com a questão de ser deitada sardinha ao mar.
Sr. Deputado António Campos, não compartilho da sua opinião de que temos «milhões a rodos». Não temos! Temos, no entanto, um grande progresso a nível do investimento — e ainda bem! —, embora estejamos ainda aquém daquilo que são as nossas necessidades. Vamos ter de continuar neste ritmo, como disse há pouco, e não vamos poder continuar a aumentar ilimitadamente. Estamos na emergência de ficar num patamar da «velocidade de cruzeiro», e ainda bem! Em três anos, depois da nossa adesão à CEE, podermos entrar no sector das pescas em regime de cruzeiro — quando em 1985, a maior parte das vozes ia no sentido de que a catástrofe seria neste sector — e estarmos todos nós a discutir alguns pormenores e não a viabilidade ou o futuro do sector das pescas é bem elucidativo de que ganhámos esta enorme aposta.
De facto, temos armadores ousados que, em minha opinião, estão — e deve ser-lhes endereçado o êxito por isso — a aproveitar muito bem as oportunidades de incentivo económico que a nossa adesão à Comunidade oferece, senão repare-se nos resultados das capturas. Tenho muito gosto em mandar-lhe as estatísticas para
poder verificar. De qualquer modo, refiro-lhe que não pode estar à espera — e eu também não estou — de encontrar grandes modificações nestes três anos.
Tal como lhe disse, os barcos de pesca não são propriamente bens que estejam num stand paia poderem ser adquiridos e começarem a operar no dia seguinte. PenSO que isso é Ao seu conhecimento, mesmo que não domine as questões técnicas da pesca.
Por outro lado, como também disse, a questão importante para a nossa pesca neste momento é racionalizar o esforço de pesca e, por isso, os investimentos que estão a ser feitos são investimentos sobretudo de expansão. Aliás, corríamos o risco, como muitas pessoas diziam, e bem, de ter um colapso no sector das pescas, e estivemos de facto nessa emergência. Felizmente que essa nuvem negra já passou, porque a idade média da nossa frota, a desactualização tecnológica, a falta de investimento, a desmoralização e o desânimo que estava a apossar-se da nossa pesca estavam a conduzir a esse colapso.
Ora bem, alterar essa situação de colapso, de catástrofe iminente, é que foi e tem sido, de facto, a grande aposta. Neste momento, estamos numa situação em que essas nuvens negras passaram e naturalmente os barcos vão começar a operar e vão ver-se os resultados. Mas... milagres ninguém os faz, Sr. Deputado.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, julgo que poderemos dar por concluída a discussão da matéria relativa ao sector das pescas.
Tem agora a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação: — Como disse no início, já tive oportunidade de, juntamente com os meus colegas Secretários de Estado da Alimentação e da Agricultura, vir a reuniões da Comissão Parlamentar de Agricultura e Pescas debater o Orçamento do Estado para 1989. No entanto, valeria a pena sintetizar em três ou quatro minutos as linhas essenciais da nossa proposta para o ano de 1989 e que constam, de resto, do material que foi entregue.
Como tiveram oportunidade de ver, o PIDDAC (capítulo 50) do Orçamento do Estado para 1989 é de 20,8 milhões de contos, que é um valor comparável com os do ano passado em cerca de 26 e cerca de 18 em 1986. Este valor de 20,8 milhões de contos para 1989 é um valor que, como já foi explicado na Comissão Parlamentar de Agricultura e Pescas, tem de ser analisado com o conjunto dos reembolsos e adiantamentos provenientes da Comunidade. O que sucede é que, a título de reembolso e de adiantamentos, virão 31 milhões de contos da Comunidade em 1989, o que faz com que o conjunto total dos meios afectos à agricultura para apoio ao investimento do próximo ano, tendo ainda em conta a parte que a Comunidade transferirá directamente para os beneficiários no caso da aplicação do Regulamento n.° 355, que, como se sabe, é uma medida directa, seja de 52,36 milhões de contos.
Portanto, o valor global que o Ministério tem para apoiar a agricultura e as agro-indústrias — e não estou a falar das pescas — para 1989 é de 52,36 milhões de contos. Deste montante total, 48,9 referem-se a esquemas de ajuda co-financiados pela Comunidade Eu-
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ropeia. Portanto, repito, hoje em dia, a nível do Ministério da Agricultura, na sua componente «agricultura, florestas e alimentação», cerca de 49 milhões dê contos em 52 são medidas co-financiadas pela Comunidade.
Como já explicámos no passado, há uma evolução no sentido de cada vez mais, à medida que entramos na «velocidade de cruzeiro», a componente do Orçamento do Estado — que no início teve de entrar a dois títulos, a título de co-financiamento em componente nacional e a título de servir de volante para reembolsos da Comunidade — estabilizar-se na sua função, digamos, normal, que é apenas a de entrar com a parte portuguesa. Por isso é que a componente Orçamento do Estado stricto sensu em termos de regulamentos comunitários está, hoje em dia, estabilizada na casa dos 17 milhões de contos no que tem a ver com a parte comunitária.
O ano passado, esse valor foi um pouco maior, foi de 19 milhões de contos, e já tive oportunidade de explicar na reunião da Comissão de Agricultura por que é que passámos de 19 milhões de contos do ano passado (capítulo 50) para 18 milhões de contos este ano. É que, de facto, há dois fenómenos que sobrevêm: em primeiro lugar, no PEDAP há um aumento da taxa de co-financiamento comunitário que passa para 75 °ío em todas as medidas e, fundamentalmente — é esta a principal razão —, verifica-se que, uma vez que estamos perto da «velocidade de cruzeiro», podemos sacar mais reembolsos e pedir mais adiantamentos. É essa a razão fundamental pela qual o Orçamento do Estado já pode começar a funcionar na sua vertente normal, ou seja, a de exclusivo fornecedor dos meios a cargo do Estado.
Por isso é que o reembolso e os adiantamentos da Comunidade que temos previstos para este ano são de 17 milhões de contos, enquanto para 1989 serão de 31 milhões de contos. Está aqui, pois, a justificação desta diferença, que foi, de resto, esclarecida na última reunião da Comissão de Agricultura e Pescas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Temos para 1989, em termos de valores, uma dotação global de apoio à agricultura e às agro-indústrias na casa dos 52,361 milhões de contos. Em termos de conteúdo destes valores, permitir-me-ia sublinhar que, como já disse, destes 52 milhões de contos, 49 são co-financiados pela Comunidade, ou seja, correspondem a instrumentos e medidas co-financiados pela Comunidade. E destes 49 milhões, 38 correspondem a um conjunto do PEDAP e do Regulamento n.° 797, ou seja, uma percentagem de mais de três quartos dos recursos aplicados em medidas co-financiadas pela Comunidade são aplicados quer em infra-estruturas no âmbito do PEDAP quer em investimento directamente produtivo no âmbito do Regulamento n.° 797, a que deveremos ainda adicionar 7 milhões de contos no âmbito do Regulamento n.° 355.
Portanto, dos 48 milhões de contos, 45 correspondem a três medidas, que são os Regulamentos Comunitários n.os 355 e 797 e o PEDAP. Os três restantes,
como jà verificaram, estão distribuídos por uma vasta
gama de medidas, que têm a ver com a sanidade animal, com os elementos produtores, com uma medida
nova que vamos iniciar no próximo ano e que respeita à cessação de actividade dos agricultores mais idosos.
No fundo, sào as grandes linhas das mcâiòâs âo
PEDAP para o próximo ano.
Permitir-me-ia sublinhar ainda que temos previstos no PEDAP 19 milhões de contos para o próximo ano. O ano passado, em 1987, que foi o primeiro ano efectivo de arranque real do PEDAP, já executámos uma despesa para um investimento de 8,5 milhões de contos, este ano vamos passar ligeiramente a previsão do Orçamento do Estado, que era de 12,8 milhões de contos, e chegaremos aos 13 milhões de contos, e no próximo ano teremos 19 milhões de contos. Portanto, o PEDAP encaminha-se, a passos largos, para a «velocidade de cruzeiro», que se cifrará na casa dos trinta e tal milhões de contos/ano, em termos de Comunidade.
Penso que será também de sublinhar que ainda em 1989 pensamos avançar com algumas componentes novas do PEDAP. Já citei uma, que é a cessação de actividade, ou seja, o pagamento das pré-reformas aos agricultores mais idosos, e há uma outra, que me parece fundamental destacar aqui, que é um programa que se irá chamar PROAGRI e que visa o robustecimento da capacidade técnica e de gestão das organizações agrícolas.
Este programa incluirá quatro principais componentes: por um lado, o co-financiamento de técnicos para as organizações de agricultores e, por outro lado, o co-financiamento de gestores para essas mesmas organizações, isto é, para as que têm uma dimensão económica e de equipamentos de gestão; a terceira componente é a formação destes quadros e a quarta será a continuação do PLIAAA em moldes selectivos. Portanto, serão equipamentos directa e indirectamente produtivos que não sejam, digamos, elegíveis noutros regulamentos comunitários.
Como deverão lembrar-se, a alteração do regulamento do PEDAP, que fizemos no início deste ano, permite-nos ter já a elasticidade suficiente para incluir estas medidas no âmbito do PEDAP.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estas são as medidas mais salientes, a que haverá de juntar-se mais uma, que é o facto de em 1989 esperarmos ter também um programa específico comunitário ou, pelo menos, uma linha específica comunitária, em termos de programa para combate à peste suína africana.
E já agora informo VV. Ex.*5 de que tivemos cá ontem o Sr. Director-Geral-Adjunto da Comunidade (a DGC) e combinámos uma série de medidas e de apoios financeiros para, em 1989 e 1990, erradicarmos a peste suína africana em Portugal.
Em termos de introdução e tendo em conta aquilo que já foi dito nas reuniões da Comissão especializada, dispenso-me de, por agora, aprofundar mais estas questões.
O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: De tanto ouvir o Sr. Secretário de Estado falar em «velocidade de cruzeiro», já me estava a ver numa bela auto-estrada
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como se a agricultura portuguesa estivesse a caminhar sem oscilações e sem perturbações, o que não corresponde à realidade nem sequer aos números e aos mapas que foram apresentados.
O Sr. Secretário de Estado, não esteira do Sr. Ministro, fala em muitos milhões. Aliás, imagino que o Sr. Deputado Soares da Costa deva estar a roer-se de inveja, porque quando foi ministro não teve estes milhões todos para ter orçamentos volumosos ...
Risos.
Mas a questão que se coloca é a de que os valores que o Sr. Secretário de Estado e o Sr. Ministro — que não está cá hoje — avançam não encontram depois correspondência nos mapas que nos são apresentados. Esta é uma primeira questão, que gostaria de aprofundar com o Sr. Secretário de Estado.
V. Ex." afirma, por outro lado, que a quebra do esforço do Orçamento do Estado em relação à agricultura — esforço que, ao contrário do que o Sr. Secretário de Estado disse, não baixa de 19 milhões de contos mas de 21,2 em relação ao esforço no plano dos regulamentos comunitários — resulta do aumento dos valores dos reembolsos e, portanto, da diminuição que necessariamente o Estado Português teve de fazer na fase inicial.
Contudo, Sr. Secretário de Estado, não sendo muitas vezes possível desdobrar isso, porque mesmo os mapas que nos foram entregues posteriormente não nos permitem aferir com toda a transparência desses valores, a verdade é que nós teremos de compulsar e comparar estes valores que V. Ex." apresenta com os valores dos graus de realização dos diversos programas para verificarmos se, de facto, em relação aos muitos milhões de que o Governo vem falando, isto tem correspondência e tradução na capacidade de execução e na realização dos respectivos programas.
O que nós verificamos — e esta é a questão que lhe coloco — é que no Orçamento do ano passado o Governo tinha previsto 20 600 000 contos ao abrigo do Regulamento n.° 797 e no Orçamento para 1989 essa verba baixa para 9 400 000 contos. Qual é a razão desta quebra tão grande? Por que é que, havendo no orçamento rectificado de 1988 uma previsão — e suponho que ele foi feito já no final do ano — para as operações de tesouraria para 1989 no valor de 20,7 milhões de contos, em 1989 há uma brutal quebra de valores orçamentados em 9,4 milhões de contos?
A questão que se coloca é esta: estamos ou não a assistir a uma derrapagem, a uma incapacidade de execução de programas nesta matéria? Penso que sim, e basta olhar para os respectivos mapas!...
Se verificarmos os mapas que VV. Ex.85 nos entregaram ao longo do debate na especialidade, constatamos que há, em relação ao que estava previsto para 1988, um grau de realização do Regulamento n.° 797 que não vai além dos 62,9 %.
Quando o Sr. Ministro — e é pena que não esteja aqui, mas o Sr. Secretário de Estado poderá responder — interveio no Plenário, afirmou em relação a este como a outros programas: «Isso não é verdade, porque os graus de realização são quase todos de 100 E, no final, fez o favor de me entregar este
mapa para demonstrar as afirmações que tinha feito e que aceitei como sendo boas. Só que fui verificar o mapa e constatei que nada tem a ver nem como o orçamento rectificado nem com o valor entretanto incorporado nas operações de tesouraria. Só tem a ver com as dotações iniciais, aliás deduzidas da dotação concorrencial.
Mas, então, o que é que foi feito das restantes verbas? Como é que foram aplicadas e executadas as restantes verbas em relação às operações de tesouraria?
É evidente que estes valores em que o Sr. Ministro baseou a intervenção que fez no Plenário não correspondem à realidade nem aos valores que nos foram apresentados. Podemos, pois, verificar por aqueles que nos foram apresentados que, em relação a programas fundamentais para a agricultura — e o Regulamento n.° 797 é um deles, o próprio Governo o afirma!... — estão a derrapar.
A questão que se coloca é a de saber por que é que isto é assim. Isto tem ou não a ver com o facto de o programa ser extremamente selectivo e, portanto, de uma fatia muito grande dos nossos agricultores estar impossibilitada de ter acesso ao Regulamento n.° 797?
Vamos aferir isto pela vida e pela realidade: façamos reuniões por esse País fora com os agricultores e ouçamo-los. Então, verificaremos que grande parte da nossa mancha de agricultores tem explorações na ordem dos 4 ha ou 5 ha, pelo que não tem possibilidades de acesso ao Regulamento n.° 797 nem às regiões nacionais — porque também aí encontrei dificuldades, sobretudo ao nível do crédito bancário.
Por isso, pergunto se é possível ou não — e nós estaríamos disponíveis para apresentar propostas de reforço dessa verba — fazer um esforço no sentido de alterar os critérios que seleccionam e afunilam a possibilidade de os agricultores terem acesso ao Regulamento n.° 797, alargando o esforço do Estado Português nesta área.
Falo no Regulamento n.° 797, mas quase poderia dizer o mesmo em relação a outros programas, como seja o PEDAP/incentivos. Porque mesmo dando de barato o facto de no PEDAP/incentivos ter havido um aumento de comparticipação das Comunidades, esse aumento, em termos das contas que fizemos, não ultrapassa 1,7 milhões de contos e a verdade é que a quebra é de cerca de 4 milhões de contos em relação ao que estava previsto.
Procurando pormenorizar isto, o que verificamos é que, ainda nesta área de programas, há outro tipo de programas que são fundamentais, como sejam os programas das regas, que estão a «patinar», estão a derrapar!
Nos regadios tradicionais verificamos que o grau de execução não vai além dos 4 %, isto é, cerca de 85 000 contos em relação ao que estava previsto. Mas verificamos mais: se há uma diminuição do esforço orçamental do Estado Português em resultado daquilo que ressaltou das explicações que o Secretário de Estado acabou de dar então — dizemos nós — vamos fazer um esforço e transferir parte dessas verbas para programas que não têm comparticipações comunitárias e procuremos nessas áreas dinamizar certos sectores. Mas isso também não se verifica! E o que nós perguntamos é por que é que essas verbas, que de algum modo são «poupadas» pelo Estado Português — usando a ex-
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pressão do Sr. Secretário de Estado —, seja pela entrada de programas de «velocidade de cruzeiro» seja pelo aumento das comparticipações comunitárias, não são aproveitadas, isto é, porque é que não se aproveitam as «poupanças» que advêm daí para procurar dinamizar e investir mais noutros programas.
O que nós verificamos é que também aí, sobretudo no PIDDAC sectorial tradicional, áreas-programas como o desenvolvimento das culturas de regadio na Região do Algarve, como o desenvolvimento agrícola do Baixo Vouga e outros, toda a instalação de perímetros de rega estão a ter verbas menores, as verbas estão a decair. É assim que a verba prevista para as culturas de regadio da Região do Algarve passa de 600 000 contos para 312 000 contos e a verba prevista para o desenvolvimento agrícola do Baixo Vouga passa de 117 000 contos para 69 000 contos — aliás, é também no sentido de alterar essas verbas que estamos a apresentar propostas.
Se o Estado Português, por razões diversas, tem possibilidade de ter um menor esforço financeiro como contrapartida aos fundos comunitários nós pensamos que era necessário e importante que esses valores pudessem ser aproveitados para investimentos noutros programas que não têm contrapartidas comunitárias, mas isto também não está a suceder. Claro que depois isso pode traduzir-se, como em nossa opinião se está a traduzir, num distanciamento cada vez maior do nível de crescimento da nossa agricultura em relação às agriculturas comunitárias.
Consultando os últimos indicadores estatísticos verificamos que mau grado os aumentos orçamentais e os valores decorrentes da nossa adesão à Comunidade, o nosso fosso em relação às agriculturas comunitárias é cada vez maior.
Uma outra questão que gostaríamos de levantar tem a ver com as intempéries de Maio/Junho passado e com os termporais ocorridos no Algarve, factos que não estão previstos no Orçamento, o que nos preocupa.
Para os agricultores prejudicados pelas chuvas de Maio/Junho saiu uma linha de crédito, mas a informação que nos tem chegado de muitos e muitos agricultores é a de que estão a encontrar grandes dificuldades no acesso a essas linhas de crédito em relação à banca, sobretudo os agricultores que não apresentam contratos de arrendamento, ceareiros, cujos contratos têm a duração de um ano, dois anos, que se viram prejudicados, e portanto renovam os contratos anuais (contratos de campanha) com os proprietários, e os agricultores autónomos e não têm possibilidade de ter acesso às linhas de crédito. Mas também as UCP e as cooperativas agrícolas estão a ter dificuldades porque é-lhes exigido pela banca, a partir das instruções do IFADAP, um título de posse de terra que eles não têm.
A questão que se coloca é esta: então os agricultores autónomos estão condenados a desaparecer? Estão condenados a não ser apoiados pelo Estado? Estão condenados a ser exterminados, a ser liquidados neste processo?
Nós pensamos que era necessário — isto agora especificamente em relação aos prejuízos provocados pelos temporais e agora, mais recentemente, às chuvas do Algarve — dotar o orçamento do Ministério de uma verba específica. Para isso estávamos a pensar na transferência da verba poupada pelo PEDAP/Incentivos
(cerca de 1,7 milhões de contos). A proposta que vamos fazer é no sentido de criar uma linha de apoio aos agricultores e explorações que não tenham acesso a essas linhas de crédito, criadas recentemente para apoio
às explorações vítimas das intempéries e que possuem elevado carácter selectivo.
Um outro grupo de questões que queria focar em função das propostas que vamos apresentar tem a ver com a ampliação dos perímetros de rega, enfim, das áreas de regadio do País. Nós vimos recentemente na imprensa, ontem ou anteontem, que tinha sido aprovado em Bruxelas um novo programa de regadios colectivos. A verdade é que, como já disse, os regadios tradicionais e a sua reconversão considerados no PIDDAC estão a ter um grau de realização muito baixo e grandes projectos de irrigação como o Alqueva — já tive oportunidade de colocar essa questão ao Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território mas não queria deixar de colocá-la agora ao Sr. Secretário de Estado, porque um dos vectores abrangidos pelo «Projecto Alqueva» é o da agricultura —, que é um grande projecto hidroagrícola de aproveitamento hidroeléctrico, continuam parados. O que é que o Ministério da Agricultura tem a dizer sobre isto, sabendo-se, como se sabe, que este porjecto é fundamental para o desenvolvimento agrícola, mas não só, de uma importantíssima região do País (cerca de um terço) que tem fortíssimas potencialidades?
Por que é que esse projecto continua parado, sabendo-se, como se sabe, que os últimos estudos feitos apontam para a sua rentabilidade, que há possibilidade de recorrer aos apoios comunitários e que todos os condicionamentos que tinham sido colocados anteriormente, inclusivamente pelo Sr. Primeiro--Ministro quando foi a Beja, parecem estar ultrapassados? Sendo isto fundamental, por que é que não se aproveitam os apoios comunitários para dinamizar este projecto?
O Sr. Presidente: — Sr. Secretário de Estado, deseja responder agora ou no fim?
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação: — Apesar de o Sr. Deputado ter feito cerca de uma dezena de perguntas o melhor é responder no fim. Depois, se for necessário, faremos uma segunda volta.
O Sr. Presidente: — Nesse caso, tem a palavra o Sr. Deputado António Campos.
O Sr. António Campos (PS): — Sr. Secretario de Estado, o Orçamento é um meio para executar uma política e, penso, todos nós somos unânimes em afirmar que o sector agrícola é um sector crítico nos próximos anos.
O Sr. Secretário de Estado, de facto, dispõe de muito dinheiro mas o que lhe ponho em causa é a política, isto é, a maneira como consome todo esse dinheiro que tem à sua disposição. A CEE tem ajudado o Ministério em larga escala; o esforço nacional não é tão grande mas, de facto, V. Ex.a dispõe de muitas dezenas de milhões de contos. Relativamente a isso gostava de
perguntar-lhe por que é que o Governo não vai mais longe na sua política.
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A partir de 1991 vamos estar confrontados com situações muito complicadas e não há qualquer política de reestruturação fundiária desenhada pelo Governo. O Sr. Secretário de Estado com certeza está de acordo comigo em que os pequenos e médios agricultores se vão todos embora, que as empresas agrícolas familiares não vão resistir e que este governo não tem qualquer política para suster o problema. Embora tenha anunciado uma política de cessação de actividade aos agricultores idosos, nós continuamos sem saber se a prioridade é para a venda das terras abandonadas se é para o arrendamento, se vai haver ajudas ou quaisquer incentivos nessa matéria para os pequenos e médios agricultores comprarem as terras dos que a abandonarem, ou se, de facto, continuamos só a ir buscar fundos comunitários para entregar a alguns e não para defender o sector na sua totalidade.
Por outro lado, não temos uma política de produção. O que vemos é que o Sr. Secretário de Estado tem uma política virada ao vinho, ao azeite, à floresta e ligada aos matadouros — penso que são estas quatro políticas que o Sr. Secretário de Estado e o Ministério têm desenhadas neste Orçamento —, o que quer dizer que a agricultura portuguesa está sem orientação porque também não tem qualquer estudo feito pelo Ministério sobre a capacidade competitiva da agricultura portuguesa com a agricultura da Europa. O Ministério da Agricultura não tem qualquer indicação nesse sentido. Por outro lado ainda, e na minha opinião, o Governo tem uma política de preços errada e o Sr. Secretário de Estado sabe que alguns produtos vão enfrentar graves problemas. Algumas zonas do País, que neste momento estão a produzir cereais ou milho, na grande maioria vão ter grandes problemas, pois não há qualquer verba definida neste Orçamento orientada no sentido de salvaguardar esses milhares e milhares de agricultores que hoje estão a fazer culturas, que a curto prazo serão impedidos de continuar a fazer.
Além disso, não há um plano de aproveitamento hídrico e a água é, de facto, uma grande riqueza nacional — e aí penso que o Ministério devia fazer um grande esforço — sem a qual não podemos competir com a Europa. Ora, uma grande quantidade dessa riqueza hídrica vai ter ao mar e nós continuamos a não ter qualquer plano apesar das ajudas de milhões e milhões de contos que nos são dadas pela CEE. Vi na imprensa portuguesa de anteontem um pequeno plano que é insignificante para as necessidades e para o momento em que vivemos, mas penso que o esforço feito nessa matéria é diminutíssimo em relação às necessidades.
Não temos também circuitos comerciais eficazes, não há qualquer empenhamento da parte do Governo no seu melhoramento e assim não é possível deixarmos de ter, como temos, uma estrutura fundiária dispersa por uma grande quantidade de pequenos agricultores. Mas os senhores continuam a não querer investir aí devidamente, principalmente nos mercados abastecedores e nos centros de recolha regionais. Por outro lado, continuamos a não ter uma situação definida sobre qual é o objectivo do Governo para a agricultura portuguesa em 1991. Isto parece uma grande «mercearia», parece um novo-riquismo ... A CEE atira milhões e milhões, estão a nadar neles, mas não sabem, de facto, qual é o sentido prioritário para a sua utilização. Então a agri-
cultura portuguesa é uma «mercearia» diversificada sem objectivos e sem determinação para 1991, resultando daí um problema grave, que é o de os pequenos e médios agricultores, na prática, não terem acesso a qualquer destes fundos ou destas ajudas comunitárias, acabando por ficar de fora e sendo «fuzilados» lentamente porque não lhes está a ser dada nem esperança nem alternativa de poderem resistir, a curto prazo, à politica que o Governo está a desenvolver.
Eu gostaria que o Sr. Secretário de Estado, dentro do conceito de política do Governo, conseguisse ordenar este Orçamento porque, de facto, 52 milhões de contos já são muitos milhões, mas só têm validade se houver objectivos e política para os empregar.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Rogério de Brito.
O Sr. Rogério de Brito (PCP): — A minha intervenção vai ser rápida e visa, sobretudo, justificar algumas das propostas que vamos fazer de alteração ao PID-DAC, depois de se ter falado tanto aqui em milhões.
A primeira questão que gostaria de colocar já foi abordada de algum modo, mas penso que valerá a pena que, em relação ao Regulamento n.° 797, reflictamos sobre este pormenor: as «aquisições de máquins e equipamentos» e as «construções» absorvem no orçamento do Ministério cerca de 70 °7o de todos os fundos destinados à modernização das explorações agrícolas. Penso que isto, acima de tudo, reflecte uma ineficácia nos objectivos da utilização destes fundos, tendo em vista a reconversão quer dos sistemas produtivos, quer dos métodos culturais, quer do próprio ordenamento agrícola do País. Penso que vale a pena reflectir sobre isto e perspectivar que é necessária uma alteração qualitativa nesta área.
Por outro lado, penso também que se torna evidente que, neste quadro, a distribuição espacial do investimento não está, objectivamente, a corresponder à necessidade de compensar, e de algum modo corrigir, as assimetrias regionais que se verificam no espaço continental português. E é bom que se tenha presente que quando refiro assimetrias falo nas desproporções, não ignorando, necessária e objectivamente, as diferenças em termos de recursos, etc, entre regiões !... Mas em termos proporcionais há uma profunda assimetria e a orientação dos investimentos está a acentuá-la ainda mais.
Em relação ao PEDAP, penso valer a pena também reflectir sobre isto: em termos de realização face ao investimento previsto para a região de Entre Douro e Minho não ultrapassa os 27 %; em Trás-os-Montes os 21 %; na Beira Litoral os 21 <%; na Beira Interior os 33 %; no Ribatejo e Oeste os 34 "Io; no Alentejo os 25 %; e no Algarve os 22 %. Penso que estes valores justificam que reflictamos um pouco.
A situação é mais complicada em termos dos programas integrados de desenvolvimento regional. Não nos enganemos! Eles são cada vez mais importantes como elemento aglutinador para possibilitar um desenvolvimento integral e integrado dos nossos recursos, quer naturais quer humanos, e o que se está a verificar é inadmissível. Em relação aos projectos concluídos em 1988 e face àquilo que era previsível estar concluído até 1988 o grau de realização efectiva em
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Trás-os-Montes é de 50 °7o; na Cova da Beira é de 19 <%; no Baixo Mondego é de 23 entre os rios Mira e Guadiana é de 45 no Nordeste Algarvio é de 7 na Ria Formosa é de 91 % — aqui ao que tudo indica vamos avançados.
Mas julgo que isto é extremamente importante, ainda por cima se tivermos presente o grau de realização até 1988. De facto, o que está realizado em relação aos investimentos totais previstos para Trás-os-Montes, e que era previsível estarem concluidos em 1989, é de 24 %; para a Cova da Beira, que era previsível estarem concluídos em 1991, é de 0,2 %; para o Baixo Mondego, que era previsível estarem concluídos em 1991, é de 1,3 %; para Entre Mira e Guadiana, que era previsível estarem concluídos em 1991, é de 25,2 %; para o Nordeste Algarvio, que era previsível estarem concluídos em 1992, é de 5,6 "7o, e na ria Formosa, que era previsível estarem concluídos em 1991, é de 4,7 %. Penso que isto justifica que reflictamos no sentido de encontrar formas de ultrapassar condicionamentos que mais do que estarem estritamente dependentes dos agricultores poderão ter a ver com a Administração Pública e aqui, enfim ..., sabemos que a máquina é pesada e que não cabem responsabilidades a este ou àquele. Mas é um facto, e importa ultrapassá-lo o mais rapidamente possível.
Em relação ao Regulamento n.° 355, creio que é importante alertarmos a Comunidade de que o total aprovado não ultrapassa os 40 % dos projectos apresentados na Comunidade Económica Europeia. É evidente, por um lado, que a Comunidade não tem tido dotações orçamentais para acompanhar exactamente a capacidade de resposta em termos de elaboração e apresentação de projectos; de qualquer modo, penso também que é necessário ter em conta que não conhecemos, com rigor, qual é o grau de realização dos projectos aprovados, e isso dificulta-nos uma apreciação mais completa do problema.
Posto isto, Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado e Srs. Deputados, vamos apresentar uma proposta de cativação de verbas para a reabilitação dos perímetros de rega em exploração no vale do Liz. Inexplicavelmente, as obras que estavam previstas para o vale do Liz a partir de 1987 deixaram de estar contempladas no Orçamento do Estado sem que tivessem sido realizadas. Pensamos que isto não tem justificação; daí o pensarmos fazer sentido cativar uma verba que não corresponde logicamente a nenhum agravamento orçamental.
Pausa.
Dizem-me aqui ao lado que já está contemplada; ora, se está, tanto melhor, é sinal de que estamos certos.
De qualquer modo apresentá-la-emos.
Em relação ao Programa de Lançamento de Infra--Estruturas de Apoio à Agricultura Associada (PLIAAA), vamos apresentar uma cativação de verbas no montante de 90 000 contos para arranque de medidas de apoio à implementação daquilo a que chamamos — e sem que signifique que seja necessariamente este o termo mas o sentido é este — uma «rede nacional de postos de concentração e primeira preparação de produtos agrícolas, frutas e legumes junto à produção». Com esta proposta repetimos, aliás, uma iniciativa que já havíamos tomado no ano transacto.
Pensamos que é inconcebível continuarmos a racio-cionar em termos de organização dos circuitos de mercado, na base estritamente dos mercados de origem, sem que resolvamos o problema da concentração local da produção e da sua colocação ao nível dos mercados regionais.
Julgamos que esta rede de postos de concentração e primeira preparação é extremamente importante e aqui cabe ao Estado um papel, de que não pode alhear--se, de dinamização e fomento do mesmo, sobretudo se tivermos em conta que estes postos são tão mais importantes quanto mais atrasadas forem as regiões do País e menos desenvolvido estiver o associativismo dos produtores.
Daqui o considerar-mos que esta iniciativa de incluí--lo no PLIAAA é extremamente importante e colocámo-lo no PLIAAA por não termos encontrado uma arrumação mais conveniente, sem prejuízo de a verba poder ser integrada em qualquer outro programa onde possa ter cabimento.
Apresentamos, ainda, uma proposta de cativação de verbas no PEDAP/Incentivos ao nível do Programa de Acção Florestal, cativação no montante de 130 000 contos para implantação de pomares intensivos de frutos secos no âmbito do ordenamento agro-florestal. Pensamos que tem perfeito cabimento o desenvolvimento dos pomares de frutos secos dentro de uma perspectiva de ordenamento agro-florestal e de uso múltiplo agro-florestal.
Julgo que estamos a perder muito tempo e que corremos o risco de, quando arrancarmos, os nossos vizinhos já estarem extremamente avançados, sendo o nosso espaço de manobra cada vez mais reduzido.
Pensamos também que são de relevar as acções previstas em termos de investigação e que estas também devem ter em conta os frutos secos. De resto, o problema não pode continuar a ser visto em termos de zo-nagem, até porque a zonagem do País está feita; o problema está na obtenção de material de propagação vegetativa, que não é feita, e também no estudo da adaptabilidade não das espécies mas das variedades e dos porta-enxertos mais convenientes. Daqui também esta intenção de cativação de verbas no sentido de complementar outras acções de investigação ao nivel da implantação de pomares.
Finalmente, ao nível da modernização das explorações agrícolas, temos uma cativação de verba de 230 000 contos para ajudas complementares, que consideramos indispensáveis, objectivando a ajuda aos agrupamentos de pequenos produtores que tiveram por objectivo a exploração em comum, numa perspectiva de associativismo de produção, e a utilização comum mais racional de material agrícola (esta designação corresponde à nomenclatura prevista no próprio Regulamento n.° 797).
Quando se está a avançar em medidas de incentivo à cessação da actividade agrícola, quando se constatam dificuldades no avanço do emparcelamento, mas também quando se tem a convicção da necessidade absoluta de melhorarmos a estrutura produtiva deste pais, é incompreensível que ainda não se tenha tomado uma medida minimamente eficaz de dinamização e apoio ao associativismo agrícola de produção.
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Daí que, sem agravar as dotações orçamentais, avancemos numa proposta de cativação que cabe no âmbito do programa de modernização das explorações agrícolas.
De acordo com o que o meu camarada Lino de Carvalho já disse quanto à viabilização das verbas que se podem considerar como tendo ficado libertas em resultado da necessidade de um menor esforço dos fundos nacionais por via do PEDAP, propomos o aproveitamento dessas verbas, por um lado, avançar na área de medidas de apoio às explorações agrícolas e aos pequenos agricultores que não têm possibilidade de ser abrangidos pelas linhas de crédito já anteriormente estabelecidas e, por outro lado, para avançarmos com medidas de dinamização ou de .aceleração dos empreendimentos hidráulicos ou hidroagrícolas do Funcho e do Beliche, mas também do aproveitamento de culturas regadas.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Soares Costa.
O Sr. Soares Costa (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Lino de Carvalho referiu-se a mim quando falou nos milhões de contos e nos recursos que o Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação dispõe hoje e não dispunha na altura em que fui Ministro da Agricultura. ,
Tal facto é verdadeiro e sou o primeiro a congratular-me com ele porque é a concretização de uma esperança que tivemos e de que, neste momento, a agricultura portuguesa beneficia. Ora, isso resulta de dois aspectos e de duas situações bem diversas daquelas que se verificavam na altura em que fui Ministro da Agricultura.
Na realidade, fui Ministro da Agricultura num governo de coligação com o Partido Socialista, num governo em que esse partido era maioritário, num governo em que tudo acontecia numa fase difícil da vida do País em termos de recursos financeiros para os orçamentos e para a actuação dos diversos ministérios. Hoje, felizmente, temos um governo do PSD, temos um Ministério das Finanças com o Sr. Ministro Miguel Cadilhe e não com o Sr. Dr. Hernâni Lopes e, apesar de reconhecer as dificuldades que este tinha na altura, esta é, de facto, uma grande diferença! Por isso, julgo que o comentário que o Sr. Deputado Lino de Carvalho fez, naturalmente que com um sentido que não é o que lhe dou, foi, apesar de tudo, oportuno e não quero deixar de referi-lo.
Uma outra questão que julgo ser bem importante é a de que antigamente lutávamos para, da melhor forma possível, negociar a nossa adesão na área do dossier agrícola às Comunidades Europeias, e hoje já estamos integrados; antigamente apenas podíamos beneficiar de algumas ajudas de pré-adesão, que eram pequenas, e daí a pouca importância que elas assumiam no orçamento do Ministério, mas hoje a situação é bem diversa.
Foi bom que o Sr. Deputado tenha referido tal facto porque deu oportunidade de recordar que uma das coisas a que me dediquei com grande afinco foi exactamente a de tentar negociar, da melhor forma possível, o dossier agrícola para Portugal. Aliás, o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministério da Agricultura,
que muito se dedica a estas questões, poderá reconhecer isso! Assim, embora com um sentido inverso daquele que dou, creio que foi útil a intervenção que fez o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
Gostaria de fazer um outro comentário que me é suscitado pela intervenção do Sr. Deputado António Campos, intervenção essa que não estava à espera de ouvir aqui porque o Sr. Deputado é uma pessoa em quem costumo ver sempre grande optimismo na maneira de se afirmar, não só como político mas também como técnico agrícola, e a verdade é que hoje o vi muito negativista.
É verdade que um orçamento é a expressão e o instrumento de uma política, mas é bem mais verdade que, na realidade, do que se trata é de levar à prática várias políticas nas actuações que temos de ter para com a agricultura portuguesa, temos de compor tudo isto por vários campos e várias áreas, pois trata-se de várias políticas! Ora, a diferença existe — e se calhar é bom que exista essa diferença — ao nível de prioridades do Sr. Deputado António Campos e do seu partido, pois elas podem não coincidir exactamente com as prioridades do Governo, e isso também temos de aceitar. Na realidade, é por isso que entendemos que é útil que haja diferenças entre as prioridades que cada uma das forças políticas tem.
O que é preciso avaliar é se em matéria de prioridades o Orçamento que o Governo nos apresenta — e se calhar nem tudo se pode realizar, aliás, o Governo seria o primeiro a querer realizar tudo aquilo que o Sr. Deputado António Campos também gostaria de ver realizado, mas a verdade é que nem tudo se pode fazer no mesmo momento e com o mesmo instrumento financeiro, que é o orçamento por um ano, e é bom que não se perca essa perspectiva — está ou não — e na minha perspectiva está — sintonizado com aquilo que é fundamental.
Ora, o fundamental é articular as nossas políticas com as políticas comunitárias naquilo que diz respeito à utilização dos recursos e, sobretudo, à nova abertura e mudança que há na própria política agrícola comunitária na área dos fundos estruturais, de ampliação de recursos nessa área e da aplicação que devemos fazer da forma mais cabal possível. Daí o esforço que o Governo, em termos do Orçamento do Estado, faz para poder compatibilizar a utilização dos fundos comunitários que são postos à nossa disposição nas diferentes áreas. Aí é que está a leitura que temos de fazer correctamente da filosofia que presidiu à orientação deste Orçamento, no sentido de saber se estamos ou não a utilizar aquilo que do lado comunitário é posto à nossa disposição, os recursos que, com o esforço que se faz, temos que mobilizar para os utilizar e cobrir aquelas áreas que são as mais prioritárias.
Não é totalmente verdade aquilo que o Sr. Deputado António Campos aqui disse, pois não se trata de deixar «fuzilar» os pequenos e médios agricultores.
Na realidade — e certamente que o Sr. Secretário de Estado não deixará de abortar esta questão —, não se deixou de contemplar, antes pelo contrário privilegiou--se, a possibilidade de os pequenos e médios agricultores modernizarem as suas explorações. Para isso está aberto não só o próprio Regulamento n.° 797 mas também algumas iniciativas que têm a ver com isso na área do PEDAP.
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No que diz respeito aos regadios, que tanto preocupam o Sr. Deputado António Campos, certamente que uma leitura mais atenta e menos negativista do Orçamento levaria o Sr. Deputado a considerar que também ai estão amplamente contempladas verbas que me parecem essenciais para beneficiar os regadios tradicionais, para a abertura que é feita ao programa dos regadios colectivos, para a sua negociação e cabal utilização e para a criação de novos regadios. Portanto, Sr. Deputado António Campos, não posso, de forma alguma, associar-me às palavras de tom tão negativista que aqui pronunciou.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Agricultura.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação: — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou responder às questões que me foram colocadas e em seguida usarão da palavra os restantes membros do Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação que aqui se encontram para exprimirem o seu ponto de vista e complementarem os aspectos que entenderem necessários.
Sr. Deputado Lino de Carvalho, fico a conhecer a sua aversão à «velocidade cruzeiro». Sabendo-se que a «velocidade cruzeiro» significa, no conceito em que a referi, uma aceleração, parece que o Sr. Deputado tem alguma aversão a andar depressa. Permita-me fazer este comentário porque não compreendi a sua aversão à «velocidade cruzeiro»?!
De facto, o Sr. Deputado esgrimiu números e colocou interrogações acerca dos números que utilizamos. Na verdade, V. Ex.a teve acesso a números oficiais, a números recentes de Outubro e Novembro. Portanto, o Sr. Deputado, tal como já tem formas superiores de democracia, também tem aqui formas superiores de verdade em relação a estatísticas. De facto, não consigo detectar as razões da verdade dos números que focou!
O Sr. Presidente: — Sr. Secretário de Estado, agradecia que se cingisse apenas à matéria orçamental que está em discussão, porque estamos atrasados e se entrarmos por outros campos podemos nunca mais daqui sair.
O Orador: — Certamente, Sr. Presidente.
Em relação ao Regulamento n.° 797, o Sr. Deputado Lino de Carvalho deu um exemplo de «derrocada» dos números que figuram em termos de apoio aos agricultores. Quis dar a entender que no Orçamento para 1989 há uma diminuição de apoios no âmbito do Regulamento n.° 797. Certamente, o Sr. Deputado teve acesso a um mapa que enviámos e terá verificado que o Orçamento do Estado, no que respeita ao Regulamento n.° 797, prevê (capitulo 50) 9,4 milhões de contos para 1989.
Ora, o Sr. Deputado deve comparar este número com 10 milhões de contos em 1988 e com 6,8 milhões de contos em 1987. Porém, a verdade é que o Sr. Deputado deve comparar isto com 19 000 contos, que foi o reembolso do Regulamento n.° 797 em 1987, porque em 1986 apenas se começou tardiamente. Ou seja, o Sr. Deputado compara 6,8 milhões do capítulo 50 do Orçamento do Estado para 1987, soma-lhe
19 000 contos que foi o montante do reembolso que veio da Comunidade em 1987, em virtude de em 1986 se ter começado tardiamente a aplicar esse Regulamento, e vem para 1988 e, quando compara os 10 milhões de contos do capítulo 50 do Orçamento do Estado, tem de ter em consideração que neste ano vieram do FEOGA 7 milhões de contos de reembolsos pelas despesas que realizámos o ano passado. Isto é, o Sr. Deputado tem de ter em consideração, quando fala em 10 milhões de contos, que 7 milhões de contos são de reembolso.
O Sr. Deputado tem esses dados e, se os não tem, peça-os ao IFADAP. Mas tem-nos, pois o Governo enviou-lhos!
Em terceiro lugar, o Sr. Deputado fez a comparação para o ano de 1989, considerando que será uma derrocada, pois baixamos para 9,4 milhões de contos. Sr. Deputado Lino de Carvalho, V. Ex.a tem de ter em consideração aquele mapa em que se prevêem os 9,4 milhões de contos, pois também lá estão os reembolsos da Comunidade em 1989 no valor de 10 milhões de contos. Assim, em 1989 teremos pelo Regulamento n.° 797 a verba de 9,4 milhões de contos e mais 10 milhões de contos, ou seja, 19 milhões de contos.
São estes números que temos de ler e é esta a interpretação que temos de fazer. Não há aqui meias verdades, nem garrafas meio cheias ou meio vazias. Dei--lhe todos os números, pelo que o Sr. Deputado pode querer criticar o Governo em muitas matérias, nas não o pode criticar por ter escondido elementos ou por não ter feito todos os esforços para lhe fornecer todos os elementos de que precisava para compreender isto.
Por isso é que é inaceitável que o Sr. Deputado venha insistir com a diminuição de apoios, olhando apenas para o capítulo 50, quando V. Ex.a está farto de saber que aos reembolsos do FEOGA acrescem os meios do IFADAP e ficam lá para complementar os apoios e apoiar a agricultura.
Deste modo, não faz sentido a observação que fez, se V. Ex.a me permite que assim fale.
Aliás, ainda este ano o dinheiro não vai chegar e teremos de ir mais uma vez ao mercado interbancário fazer um novo empréstimo para adiantamentos, por conta dos reembolsos que virão em Março do próximo ano.
É evidente que o Regulamento n.° 797 é selectivo. O Sr. Deputado Lino de Carvalho disse que ele não chega a todos os agricultores. Há aqui uma contradição entre o que o Sr. Deputado diz e o que quis dizer o Sr. Deputado António Campos, a quem responderei dentro em pouco com maior detalhe.
De facto, o Regulamento n.° 797 não é uma «árvore das patacas» que se possa abanar e dê ecus para todos. O Regulamento n.° 797 é um dispositivo que está traduzido em Portugal para um decreto-lei e várias portarias e despachos conjuntos, que estabelecem modalidades selectivas, critérios sectoriais, critérios de elegibilidade, etc. Mas o Regulamento n.° 797 aplicado em Portugal — e se o Sr. Deputado se der ao trabalho de ler toda a legislação verá que assim é — não é a pura tradução do regulamento base; nós desenvolvêmo-lo e aprofundámo-lo, utilizando a nossa margem de manobra para selectivizar a sua aplicação em Portugal. O Sr. Deputado tem disso exemplos muito recentes no que respeita aos investimentos no sector leiteiro, que, todavia, não é caso único. E o
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Sr. Deputado irá ter brevemente mais exemplos, quando for publicado o decreto-lei que irá rever em Portugal a aplicação do Regulamento n.° 797, introduzindo novas componentes e novas modalidades de apoio em termos de subsídios.
Portanto, Sr. Deputado Lino de Carvalho, sucede que até agora — e como sabe começámos a aplicar este regulamento em Setembro de 1986, pelo que tem apenas dois anos — aprovámos 9259 projectos até 30 de Setembro, o que correspondeu a um investimento de
48,7 milhões de contos e a um subsídio de 24,2 milhões de contos. O Sr. Deputado poderá dizer-me que isso não é nada, mas é alguma coisa; poderá dizer que temos em Portugal 9,4 milhões de contos e que temos 800 000 explorações agrícolas, mas nem todas, infelizmente, são empresas que vão investir, pois, como sabe, 38 °7o delas têm menos de 1 ha, pelo que não poderão viver da agricultura, a menos que lá tenham algo de muito especial.
Estes 24 milhões de contos de subsídios do Regulamento n.° 797 neste dois anos não traduzem um «fuzilamento», como disse, mas sim uma política e uma concessão de apoios à agricultura para investimento directamente produtivo nas explorações agrícolas. De facto, a nossa preocupação é a de progressivamente, sermos selectivos, «afinar» cada vez mais os instrumentos que temos para condicionar os apoios aos investimentos que nos garantam um acréscimo de produção, de rendimentos e de competitividade.
Em relação ao PEDAP, Sr. Deputado Lino de Carvalho, temos de fazer um exercício semelhante ao que fizemos para o Regulamento n.° 797. De facto, no PEDAP e noutros regulamentos não temos quaisquer problemas porque a gestão que o IFADAP fizer das verbas dos regulamentos comunitários é conjunta, embora condicionada por compromissos. Portanto, quando num dado ano não é afecta uma verba a um dado regulamento — como, por exemplo, com o Regulamento n.° 1035, que a Comunidade desbloqueou tardiamente — essa verba acresce à do ano seguinte, o dinheiro fica lá e a agricultura não o perdeu.
Assim, não nos preocupa que o programa dos regadios tradicionais vá ter uma baixa de execução inferior a 100 %, porque o Sr. Deputado verá que os de olivicultura passam a 100 %. Deste modo, o que nos interessa é que, pelo PEDAP, em 1988 utilizamos a 100 % os 8,5 milhões de contos e este ano vamos utilizar 13 milhões de contos, ou seja, ainda mais 200 000 contos do que o que está inscrito no Orçamento do Estado, tendo em conta os adiantamentos que recebemos este ano.
Portanto é uma rotunda falsidade afirmar que há no IFADAP quebras de apoios. O PEDAP passa de 8 milhões de contos em 1987 para 12,8 milhões de contos em 1988 e para 19 milhões de contos em 1989. Portanto, não percebo a sua afirmação, pelo que deve haver qualquer equívoco ou então o Sr. Deputado não leu os elementos que mandámos para complementar o mapa vu.
O Sr. Deputado Lino de Carvalho referiu-se a um conjunto de obras de regadio no Algarve, no Vouga, e sugeriu que verbas do PEDAP, que não estão a ser utilizadas, fossem destinadas a estas obras. Já disse que não há verbas no PEDAP que não estejam a ser utilizadas, na medida e que todas elas são utilizadas integralmente. Se, em relação a algum programa, não são
utilizadas naquele ano, sê-lo-ão no ano seguinte noutros programas. É assim que gerimos as verbas; é a chamada gestão flexível, que terei imenso gosto em explicar-lhe com mais pormenor e com elementos. De facto, não podemos transferir verbas porque não as temos disponíveis e por outro lado, as obras que referiu no Baixo Vouga, por exemplo, já estão a ser objecto de um programa do PEDAP. Ai está uma questão que o Sr. Deputado não tinha obrigação de saber, mas que fica a saber agora.
O Sr. Deputado, referindo-se às intempéries, falou das dificuldades de acesso ao crédito e fez uma proposta no sentido de transferir dinheiro do PEDAP para apoio aos agricultores. Recentemente, já tive oportunidade de esclarecer esta Assembleia, numa sessão de perguntas ao Governo, quando fiz um extenso relatório das medidas que o Goveno tinha em aplicação e que, na nossa óptica, são suficientes para minimizar as perdas sofridas pelos agricultores. Eu disse-lhe na altura que a situação não foi dramática — aliás, somos homens da política e esse facto deve, acima de tudo e em primeira linha, chamar-nos para uma posição de verdade e não de demagogia.
O Sr. Deputado tem elementos muito aproximados acerca das produções deste ano e sabe que o único caso mais dramático é, de facto, o da produção de vinho. É o único caso em que pode afirmar que houve uma quebra dramática da produção. Tive oportunidade de referir no hemiciclo, acerca de três semanas, que a nossa posição não é a de indemnizar os agricultores, um a um, pela perda dos rendimentos, pois pensamos que isso é uma demagogia rotunda, é uma perfeita impossibilidade. A nossa óptica é a de procurar criar condições aos agricultores para que estes possam repor investimentos e não abrandassem assim a sua capacidade de investir, ou seja, não houvesse afrouxamentos no ritmo de investimento e de modernização na agricultura portuguesa. Por isso é que foi criada uma linha de crédito — o grande instrumento — que nem sequer foi rateada, nem sequer foi «plafonada»; é uma linha de crédito aberta que terá as candidaturas que aparecerem. A nossa óptica foi a de dar meios, em condições vantajosas, para os agricultores poderem resolver os compromissos que assumiram ao investir e cujas produções não corresponderam às expectativas e investir no próximo ano, apesar de terem tido más receitas este ano. A nossa óptica foi essa. E ainda lhe disse mais: disse que tomámos medidas excepcionais no que respeita aos cereais e que na Comunidade estamos em bom ritmo para negociar um acréscimo das indemnizações compensatórias, a pagar no início do próximo ano.
Portanto, na nossa óptica não são necessários mais meios para acudir às intempéries, na medida em que pensamos que estão aqui as necessárias. O Governo fez o que era necessário fazer. Naturalmente vai ter grandes custos porque, eventualmente, terá de suportar as bonificações de uma linha de crédito, mas, de qualquer forma, ninguém pode pôr em causa que o Governo actuou bem.
Por outro lado, o Sr. Deputado sabe que quando se vai ao banco há sempre regras de jogo a cumprir. Portanto, os agricultores, seja qual for a forma de posse da terra, deverão apresentar esses elementos e, se eles cumprirem as regras do jogo, não há discriminações para acederem ao crédito.
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No que respeita ao Alqueva, naturalmente que o Sr. Deputado Lino de Carvalho conhece tão bem como eu o ponto da situação e, se colocou a questão ao Ministro do Planeamento, ele respondeu-lhe com certeza de uma forma global porque, como sabe, o problema
do Alqueva extravasa o sector da agricultura, pelo que
já obteve uma melhor resposta do que a que eu lhe poderia dar. O Governo está, pois, a analisar o problema. O Sr. Deputado pode considerar que já tem os elementos de que precisa, mas, felizmente, não é o senhor quem toma a decisão; é o Governo; de maneira que o Governo considera que ainda não tem esses elementos e se não tomou a decisão foi porque entendeu que ainda não a podia tomar.
Ao Sr. Deputado António Campos devo dizer que, em relação a intervenções feitas por si no passado, nunca fiquei tão perplexo como hoje — permita-me esta franqueza! O Sr. Deputado esteve vários anos no Governo e, de repente, parece que esqueceu tudo o que lá fez e aprendeu e se tornou num académico perfeito. De repente, mudou de profissão; saiu de governante e de político e há um académico puro, ou seja, pode falar nos termos em que o fez.
Sr. Deputado, dizer que o Governo tem milhões mas não tem politica — parafraseando um seu ex-líder — é pura demagogia, é um chavão que serve para fazer comício, mas que já não serve para discutir nesta sala, na generalidade, o Orçamento do Estado para 1989.
Se o Sr. Deputado olhar para o quadro, vai ver 52 milhões de contos para o próximo ano. Não é por acaso que há uma repartição de 19 milhões de contos para o PEDAP, de 19 milhões de contos para o Regulamento n.° 797, de 7 milhões de contos para o Regulamento n.° 355, de x para a vinha, etc. Isso não acontece por acaso; não deitámos ao ar um conjunto de moedas, cada uma delas numerada e com um regulamento. Não foi isso! O Sr. Deputado sabe que não foi isso! O quadro que aqui está e o mapa vu resultam de uma reflexão que fizemos sobre as nossas prioridades.
E mais, Sr. Deputado: há dezasseis programas no PEDAP, doze já em execução, três de regadio, drenagem e reabilitação, que agora foram aprovados, e um de estudos, e o elenco desses dezasseis programas não foi feito de uma forma arbitrária. Não se pôs a funcionar aquilo que calhava, mas, isso sim, os programas que pensamos ser os mais urgentes. De maneira que, Sr. Deputado António Campos, não posso compreender que, numa discussão como a que estamos a ter, tenhamos este tipo de expressões. Naturalmente, podemos ir muito mais longe e, se calhar, era isso que no íntimo queria dizer, mas, Sr. Deputado António Campos, o senhor sabe que estamos a melhorar a racionalidade da política agrícola e, ainda que tenha de dizer o contrário — o que é lamentável! —, também sabe que a política agrícola que estamos a aplicar em Portugal tem uma racionalidade; de contrário, teria de admitir que este quadro foi fruto de um lançamento de moeda ao ar.
O Sr. Deputado utilizou uma linguagem folclórica (para não chamar outra coisa) quando disse que isto era uma «mercearia». O Sr. Deputado sabe que não há política económica alguma que conste de uma única medida. Particularmente na agricultura, onde as diferentes debilidades estruturais são tantas e onde as razões desses problemas são tantas e tão diversas, o
Sr. Deputado tem de ter uma política agrícola multifacetada, altamente diversificada, por vezes com equilíbrios difíceis entre medidas quase antagónicas. O Sr. Deputado chama a isto «mercearia» e eu chamo «equilíbrio de medidas diversas», porque os problems
são multifacetados e as razões são diversas, Em ter-
mos de política agrícola, não encontro, no meu elenco,
essa palavra e, por isso, não posso chamar-lhe outra coisa senão uma linguagem folclórica, para não chamar outro nome.
O Sr. Deputado António Campos disse que o Governo não tem política de estrutura fundiária e que as pequenas explorações familiares vão para o descalabro, vão ser todas estranguladas. O Sr. Deputado sabe que, desde há muito tempo, se tem trabalhado nesta matéria; talvez ainda não se veja a ponta do iceberg, mas há muito trabalho feito, que convém referir. Já tive oportunidade de explicar no passado que, para analisarmos uma política de estrutura fundiária, há duas grandes ópticas: uma é ir pelas grandes operações colectivas de emparcelamento, muito queridas de algumas pessoas, que têm, porventura, alguma razão de ser, desde que as pessoas as aceitem e haja uma análise razoável dos custos-benefícios que justifique; outra é de, através daquilo que chamamos «medidas indirectas», ou seja, actuar, quer a montante quer a jusante das explorações agrícolas, no sentido de incentivar, por um lado, os jovens a entrarem e, por outro, os mais velhos a saírem e dar condições financeiras para que esta terra libertada seja explorada por agricultores que têm explorações contíguas, havendo operações indirectas de emparcelamento. É uma medida automática, facilmente fazível, autocontrolável, cujo único obstáculo poderá ser a grande despesa que tal medida pode comportar. Por que razão é que apenas neste momento estamos a lidar com esta medida? Por uma razão muito simples: é que a Comunidade Económica Europeia, depois de ter havido uma medida destas até 1985, retirou-a, voltando a aprová-la só em Julho deste ano. É por isso que temos o grupo de trabalho a analisar esta medida. O Sr. Deputado diz que não sabe o que é que vai ser feito na cessação de actividade, não se sabe qual é a ligação desta cessação com o emparcelamento ou com as medidas de estruturação fundiária. Posso dizer-lhe que haverá uma ligação directa entre quem sai da terra, quem a cede, e quem, a seguir, vai ocupá-la; haverá uma ligação directa entre a medida de incentivo à cessação de actividade por parte dos agricultores mais idosos e quem vai tomar essa terra, ou seja, há um critério manifesto que vai no sentido de, por um lado, favorecer uma operação de emparcelamento, isto é, favorecer uma exploração contígua, e, por outro, favorecer o jovem agricultor.
O Sr. António Campos (PS): — Não vejo isso!
O Orador: — Eu também não vejo. O grupo de trabalho tem quatro meses para realizar o seu trabalho. Com certeza que já viu o despacho, mas se o não viu tenho muito gosto em enviá-lo, não posso é antecipar coisas que irão ser feitas por um grupo de peritos. O que posso dizer-lhe é que há este nexo, que tanto o preocupou. Não sei se já saberá, mas também é opção do Governo, é nossa estratégia na estrutura fundiária actuar predominantemente através de medidas indirec-
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tas, automáticas que, de facto, funcionem entre dois agentes privados: um que sai e outro que entra; um que cede a outro, naturalmente dentro de regras que favoreçam esta perspectiva de estrutura fundiária.
Diz ainda o Sr. Deputado António Campos que não há um plano de aproveitamento hídrico. Também aqui o Sr. Deputado António Campos faz uma afirmação, não digo lamentável mas demagógica — para qualificar com maior rigor. Isto porque o Sr. Deputado sabe que há um plano de aproveitamento de regadios. Recentemente, enviámos para a Comunidade três programas: um, de novos regadios colectivos e que são cento e tal, se não estou em erro, são 130, regando cada um entre 200 ha e 800 ha, repare; outro, de drenagem da lezíria do Tejo e do Vouga; e ainda um outro, de reabilitação de regadios degradados, construídos há várias dezenas de anos, mas que neste momento estão a ser mal aproveitados por estarem degradados, entre outros o regadio do Liz, aqui citado pelo Partido Comunista.
Sr. Deputado António Campos, não percebo a razão de ser da sua afirmação. Então isto não é um plano de regadios? Naturalmente que sim! Sr. Deputado António Campos, estes três programas ascendem a 27 milhões de contos. Por um lado, diz que são milhões a mais e, por outro, diz que não há política mas há política. Não o percebo, permita-me que lho diga!
Diz-me também que não há política de comercialização. Não sei a que é que está a referir-se. Então não é verdade que, no Regulamento n.° 355, as maiores taxas de ajuda, exactamente 66 %, o que não é brincadeira ...
O Sr. António Campos (PS): — É o mercado abastecedor!
O Orador: — Então o mercado abastecedor não é um instrumento fundamental para a comercialização? O Governo não definiu, em tempos, uma rede de mercados abastecedores? Quer que o Governo o vá fazer? O Sr. Deputado António Campos sabe que os mercados abastecedores têm uma dimensão que extravasa a política agrícola e têm a ver com o abastecimento público. Se não sabe isso é porque não conhece as regras da Política Agrícola Comum e do FEOGA.
Penso que respondi às principais questões postas pelo Sr. Deputado António Campos. Se assim não foi, a seguir, interromper-me-á.
O Sr. Deputado Rogério Brito referiu-se à questão das assimetrias na repartição regional do PIDDAC. O Sr. Deputado sabe que temos tido a preocupação de conseguir um equilíbrio a nível das várias regiões agrícolas, o que não significa, de forma alguma, uma repartição igual, como quem parte um queijo em sete fatias iguais e essas sete fatias seriam as sete regiões agrárias portuguesas. Isto por várias razões: primeira, porque a dimensão da área agrícola não é a mesma; segunda, porque o número de empresários agrícolas não é o mesmo; terceira, porque a capacidade de iniciativa empresarial não é a mesma. De facto, temos essa preocupação. Como sabe, na política agrícola temos medidas discriminatórias no sentido de privilegiar os investimentos nas regiões desfavorecidas com apoios mais elevados nos investimentos — em regra, mais 10 % do que nas outras regiões — e temos medidas específicas que só serão aplicadas nas regiões desfavorecidas.
Há, portanto, uma política de apoio às regiões desfavorecidas, uma política de convergência regional e, mesmo dentro do PEDAP, temos a preocupação de ir curando dessa convergência regional. Isto não é, como eu disse, como quem corta um pedaço de queijo em sete partes iguais. É nossa preocupação que, no fim do período transitório, no que respeita, em particular, ao PEDAP — aquele grande instrumento que conseguiremos accionar em termos de um maior envolvimento da Administração Pública — haja, de facto, uma convergência regional na repartição do PEDAP, no cômputo geral dos dez anos da sua aplicação. Mas, naturalmente, nesta fase não estamos preocupados com o facto de umas regiões levarem mais e outras menos — aliás, haverá sempre umas que levam mais e outras que levam menos — mas, isso sim, que haja uma repartição equitativa no sentido de uma convergência regional.
O Sr. Deputado falou também do Regulamento n.° 355. O senhor conhece os números, ou seja, conhece a proporção entre os projectos entregues e os aprovados é de 2,5 para 1 — e isto resulta exclusivamente das dotações comunitárias, tal como o senhor referiu. No entanto, gostaria de dizer que nós temos uma opção que vamos aplicar a partir do próximo ano, que é a de reservar o Regulamento n.° 355 predominantemente para investimentos de comercialização no sector agro-industrial e de deixar os projectos de mera transformação principalmente para o SIBR e o SIN-PEDIP onde estes projectos são ilegíveis.
Portanto, a nossa óptica — e brevemente sairá um despacho conjunto sobre esta matéria — é a de privilegiarmos investimentos de comercialização e transformação no âmbito do Regulamento n.° 355 com apoios mais elevados e deixar a mera transformação para os instrumentos comunitários horizontais, como seja o caso do SIRB e do SINPEDIP (que é específico, mas é industrial) que podem financiar este tipo de investimentos.
Tivemos já reuniões com o IAPMEI e com a Direcção-Geral de Desenvolvimento Regional nesse sentido e está tudo concertado. Também aqui há um elemento importante de política de comercialização que tem a ver com a questão que há pouco o Sr. Deputado António Campos levantou.
O Sr. Deputado, citando várias propostas, referíu--se ao Liz que, tal como já lhe disse, está incluído no programa de reabilitação de regadios degradados e falou de uma rede nacional de postos de recolha e concentração. Vamos apreciar essas propostas, estamos abertos a elas, mas quero que saiba que a perspectiva do Governo não é a de tomar mais iniciativas como investidor, o Governo define as redes, a política, dá as orientações que julga necessárias, define os meios financeiros e a execução dos projectos cabe aos agentes económicos. O Governo que não se vai erigir em novo agente económico, não é essa a nossa opção!
Em relação ao PLIAAA devo dizer-lhe que ele tem um papel importante, vai ser continuado, ainda que numa óptica muito selectiva, em relação a pequenos equipamentos de associações que não têm dimensão suficiente para serem legíveis pelos fundos comunitários e, principalmente, pelo Regulamento n.° 355. Portanto, posso dizer-lhe que em Março este programa estará preparado juntamente com as restantes componentes do PROAGRIC a que há pouco me referi.
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Quanto à cativação de verbas no PAF para frutos secos, devo dizer-lhe que também aqui não precisamos de cativar verbas porque o PAF já apoia algumas espécies que têm a ver com frutos secos. Por outro lado,
neste momento, tal como expliquei numa recente reunião da Comissão, estamos a aguardar para analisar este problema do PAF em sintonia com as propostas comunitárias de apoio a frutos secos.
De facto, existe na Comunidade um pacote de medidas políticas de apoio aos frutos secos e nós queremo-lo equacionar com a nossa política interna neste sentido. Portanto, só quando tudo estiver definido e soubermos o que se vai ou não conseguir da Comunidade é que podemos tomar opções nesta matéria.
Por fim, o Sr. Deputado fez uma proposta no sentido de se cativarem verbas no Regulamento n.° 797 para medidas complementares, como sejam o apoio aos agrupamentos produtores para utilização e gestão de factores comuns, ou seja, para cativar verbas para ajudar, por exemplo, agrupamentos de produtores que utilizassem factores de produção comuns.
Ora, como o senhor sabe, não é preciso cativar verbas para este fim, porque esta medida está prevista no Regulamento n.° 797 e todos os dispositivos complementares de aplicação estão funcionais, portanto não há nenhuma razão para isto não funcionar.
Assim sendo, não compreendo a razão de ser da sua proposta, porque, tal como já disse, não é preciso cativar verbas, pois, como sabe, trata-se de um fundo sem fundo, digamos assim, é uma medida horizontal da Comunidade e, portanto, não tem havido nenhuma condicionante financeira.
Quando no Regulamento n.° 797 falamos de medidas de modernização das explorações agrícolas estamo--nos a referir aos investimentos e também às medidas complementares, como sejam os agrupamentos de produtores, agrupamentos de gestão, investimentos colectivos, etc. Ora, como o senhor sabe, tudo isto não precisa de nenhuma cativação especial, pois está previsto no Regulamento n.° 797, através da dotação global de 19 milhões de contos.
Penso que dei resposta às principais questões que me foram colocadas mas, em todo o caso, se for necessário voltarei a elas.
Se o Sr. Presidente der licença, o Sr. Secretário de Estado da Agricultura complementará algumas das minhas afirmações.
O Sr. Secretário de Estado da Agricultura (Álvaro Amaro): — Srs. Deputados, vou ser muito rápido; no entanto, há duas ou três questões que gostaria de complementar.
Não vou repetir aquilo que o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Agricultura disse em relação aos argumentos do Sr. Deputado Lino de Carvalho no que respeita à diminuição das verbas do Regulamento n.° 797, dizendo que o programa é selectivo e que nem todos os agricultores têm acesso a esse programa, pois é evidente que ele tem de ser selectivo, não pode abranger todos os agricultores (e penso que isso lhe foi demonstrado, ao contrário dos números que apresentou).
Não \ou, tão-pouco, fatal da proposta que apresentou no sentido de as verbas poupadas por via do aumento da comparticipação da Comunidade no PEDAP
serem desviadas para outros projectos. O Sr. Deputado citou o caso do Vouga mas devo dizer-lhe que também para este caso não é necessário cativar verbas, porque o Vouga já aparece num dos outros programas que agora foram aprovados pela Comunidade.
Mas, no que respeita às dificuldades que alguns agricultores, designadamente os agricultores autónomos e os próprios rendeiros, têm no acesso à linha de crédito que o Governo criou para minorar os efeitos da baixa de rendimento em relação às intempéries, vou informá-lo do seguinte: mesmo antes de o decreto-lei ter ido a Conselho de Ministros, eu próprio me informei sobre uma expressão que aparecia no decreto relativa aos títulos de posse que cada um dos potenciais utilizadores da linha de crédito tinha de apresentar.
Foi claramente definido que um título de posse tanto é da posse directa da propriedade como da posse enquanto arrendatário, ou seja, quando se fala do título que tem de ser apresentado, pode ser o título de posse do legitimo proprietário ou o título daquele que em determinada altura explora a terra. Assim, a dificuldade a que o Sr. Deputado se referiu é perfeitamente ultrapassável à luz da disposição do próprio diploma. Por isso, nunca os agricultores autónomos estiveram condenados, e não era pela linha de crédito que iam estar.
Sr. Deputado António Campos, em relação ao que disseram o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Agricultura e o Sr. Deputado Soares Costa, devo dizer que também eu me habituei, ao longo destas convivências democráticas, ao facto de o senhor ser o homem que na oposição — e deixe-me fazer-lhe esta justiça —, quer no hemiciclo, quer em comissão, levanta a bandeira, e muito bem, da irrigação e da rega em Portugal quando isso potencia a produtividade da agricultura.
Nestas circunstâncias, esperava que o Sr. Deputado não reflectisse pessimismo, que só posso compreender
se for de ordem política, mas que dissesse: «Bom, vocês, em reuniões anteriores, disseram que a política agrícola definida pelo Governo, no contexto em que o pode fazer e inserida na Comunidade ...» — aliás, o Sr. Secretário de Estado Adjunto acabou de lhe dizer que são mais 27 milhões de contos nos três subprogramas que foram aprovados na semana passada.
Mas, como estava a dizer, todos nós esperaríamos que o Sr. Deputado António Campos, hasteando a bandeira (como muito bem tem feito), pudesse dar parabéns ao Governo, pois, afinal, mais uma vez viu aprovado ...
Vozes inaudíveis.
O Orador: — Ó Sr. Deputado, são 27 milhões de contos em três subprogramas, nomeadamente o Vouga, o Lis e a recuperação dos perímetros de rega.
Pessoalmente, só posso interpretar o seu pessimismo como sendo de ordem política para não falar na linguagem «folclórica», como disse o Sr. Secretário de Estado Adjunto, e muito bem, quanto à sua, diria mesmo, falta de argumentos.
Um outro problema sobre o qual gostaria que me elucidasse é o seguinte: o senhor diz que, na nossa política (que, na sua linguagem, ora temos, ora não temos), as empresas familiares acabarão porque nós que-
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remos fazer a política agrícola apenas numa óptica capitalista. Ora, como eu não sei o que é que quer dizer, gostaria de ser elucidado.
Mas, já agora, gostaria de confrontar a sua posição com a do seu colega de bancada Almeida Santos aquando da discussão da proposta de lei do emparcelamento rural quando disse, e muito bem, que não era com a «agricultura de quintal» que Portugal se podia desenvolver em termos de co-produtividade agrícola. Ele disse, e eu acrescento, que não é com esse tipo de agricultura que Portugal se pode desenvolver — e ainda há pouco o Sr. Secratário de Estado Adjunto referiu a dificuldade da estrutura fundiária.
Mas o senhor tem-nos ouvido dizer, aliás está escrito e faz parte da nossa política, que beneficiaremos, de alguma maneira e sempre que possível, a instalação de empresas de tipo familiar, e se não é assim pergunto--Ihe como é que explica a nossa actuação em termos dos jovens agricultores e a nossa prioridade, por exemplo, em relação àquilo que recentemente fizemos em Mira, atribuindo 100 ha dos bons terrenos a jovens agricultores. Se isto não revela prioridade, então não percebo o que é a prioridade em relação às empresas familiares, e gostaria que me elucidasse.
Não compreendo, pois, como é que o senhor «fuzila» ou, melhor, diz que nós «fuzilamos» os pequenos e médios agricultores.
O Sr. Deputado Rogério de Brito referiu-se aos PIDR, e devo dizer-lhe que, dentro da política que seguimos — e que não vi ninguém contestar —, tentamos absorver o mais possível os recursos financeiros para que possamos, de alguma maneira, baixar as nossas contrapartidas nacionais, sem que isso signifique que dentro do chamado PIDDAC tradicional possamos incentivar medidas de apoio ao investimento por parte dos agricultores e das suas organizações e, por isso mesmo, desviar programas integrados para determinados investimentos que podem ter cabimento em subprogramas do PEDAP. Por exemplo, no âmbito dos PIDR há, este ano, um abaixamento em termos de dotação global da ordem dos 4% a 5 °/o. Este abaixamento tem a explicação que acabei de dar-lhe, para além de outra que é a de que há determinadas operações que começaram a cair em termos da sua execução.
O Sr. Deputado falou também de um aspecto particularmente importante que é o da propagação vegetativa. Devo dizer-lhe que, por exemplo, na Cova da Beira está prevista, em relação a material vegetativo, neste caso castanheiros e aveleiros, a instalação para a obtenção de porta-enxertos e a instalação de campo de pés-mães.
Em relação aos campos de investigação por parte do Instituto Nacional de Investigação Agrária, e particularmente da Direcção Regional do Algarve, no tal projecto luso-alemão da estação de propagação que eu próprio tive a satisfação de inaugurar, digamos assim, há cerca de um mês, posso dizer-lhe que as verbas previstas para esta produção de material de propagação vegetativa aumentam cerca de quatro vezes e meia, ou seja, de 14 000 para 65 000 contos, que é a verba prevista para este ano.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, estamos muito atrasados e não podemos, de modo algum, ultrapassar as 18 horas. Restam-nos, pois, apenas, nove minutos.
Dado estarem três Srs. Deputados inscritos e sendo natural que também o Governo queira usar da palavra, peço que sejam o mais sintéticos possível para que não tenha de cortar a palavra a ninguém.
Estão inscritos os Srs. Deputados Álvaro Brasileiro, Lino de Carvalho e António Campos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Brasileiro.
O Sr. Álvaro Brasileiro (PCP): — Tendo em conta que o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Agricultura continua a falar dos grandes investimentos e do dinheiro que será aplicado na agricultura, gostava de chamar-lhe a atenção para o seguinte: com certeza que todos estamos de acordo com a modernização da nossa agricultura, mas esta não poderá passar, apenas, pela profissionalização, pelas novas tecnologias e pelo aumento da produção.
Chamo-lhe a atenção para uma coisa que muitas vezes é esquecida e que tem a ver com os acessos aos campos; por exemplo, os caminhos rurais, as pontes e as rodovias. O Sr. Secretário de Estado poderá dizer que esta matéria pertence à Comissão de Agricultura mas as coisas estão sincronizadas, ligadas e, portanto, gostava de lhe citar alguns exemplos de pontes romanas: a ponte da Azambuja, onde a circulação de carros de grande tonelagem e de máquinas agrícolas é perigosa; a ponte de Santana do Mato; a de Reguengo do Alviela e outras que são um perigo para o aumento da produção e o acompanhamento das novas tecnologias.
Gostaria de chamar a atenção para este facto e de saber quais as soluções que o Sr. Secretário de Estado tem para este assunto.
Em relação à linha de crédito que foi criada para auxílio aos agricultores afectados pelas intempéries deste ano, gostaria de dizer-lhe, porque conheço o problema por dentro e por fora — aliás, já o levantámos muitas vezes, designadamente em relação ao que irá acontecer —, que, no actual momento, existem agricultores que não têm acesso à linha de crédito e que não poderão fazer os seus projectos porque não lhes são entregues pelos senhorios da terra os contratos de arrendamento de campanha, ou seja, os senhorios recusam-se a passar qualquer documento e, assim sendo, os agricultores não podem apresentar os documentos para formalizar os seus processos. Estou apenas a chamar a vossa atenção para que se tomem medidas.
Finalmente, gostaria de colocar uma questão que é a seguinte: está a chegar o momento em que temos de decidir sobre a abertura ou não da fábrica de beterraba. Pergunto, pois, como é que está este problema. Já está alguma coisa definida? Será que nos poderão adiantar alguns dados?
Eram estas as perguntas que gostaria de ver esclarecidas.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): — Não vou comentar a forma menos feliz e agressiva como o Sr. Secretário de Estado respondeu às questões que colocámos, mas sim afirmar, porque isso tem importância para as
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propostas que apresentaremos, que a nossa verdade é a verdade dos números que os senhores nos fornecem
e que não foram desmentidos.
Vou dar um ou dois exemplos, uma vez que não tenho tempo para mais. Em relação ao Regulamento n.° 797, e tendo em conta os números que os senhores nos apresentam nos mapas — e esta é a verdade do Orçamento que o Sr. Secretário de Estado pode ler — é que o Governo tinha prevista, até ao final do ano (e não até Junho), a verba de 8,5 milhões de contos para execução deste Regulamento.
O que estava previsto no ano passado era 13,5 milhões de contos; portanto, o grau de realização é da ordem dos 102,9 %. Esta é a verdade que o Governo nos forneceu.
Aliás, é curioso notar que em todos os programas e regulamentos comunitários os senhores não põem o n.° 7, isto é, o grau de realização, e só avançam com este grau nos programas do sectorial. Porquê? Será porque no programa sectorial o grau de realização, que é um problema de intervenção indirecta do Estado, está mais avançado e então não interessa colocá-lo nos outros programas? Ou será porque, de facto, os números reais são aqueles que demos e não aqueles que o Sr. Secretário de Estado avançou?
Mas mesmo com estes números verificamos que a verdade é a nossa e não a do Governo. Por exemplo, em relação ao emparcelamento do Baixo Vouga, o Governo diz na rubrica «Realização financeira para 1986/88» o seguinte: 1988, 59 800 033 contos, grau de realização de 100 °7o. Como é que pode ser de 100 % se estavam previstos 76 800 contos e o Governo apresenta um grau de realização de 59 000 contos, que difere, aliás, dos valores constantes do mapa vn? Mesmo com esses números o grau de realização não é de 100%.
Portanto, a verdade é a verdade dos números que aqui temos e a verdade da distribuição dos subsídios em relação ao Regulamento n.° 797 que, como o meu camarada Rogério de Brito revelou, está a provocar assimetrias regionais e sociais. Não é verdade que o Regulamento n.° 797; tal como está definido, permitiu que até ao momento só 2,9 % das explorações familiares é que tivessem acesso a esse regulamento? Quais são as alternativas que se colocam às explorações familiares em termos de competitividade com os problemas que se vão colocar à agricultura portuguesa?
Isto tem ou não repercussão, dependendo da taxa de cobertura? Ou seja, se a nossa taxa de cobertura da relação agro-alimentar desce de 44,7 °7« para 34,1 %, isso é ou não resultado do facto de haver cada vez mais distorções e de não estarmos a aproveitar integralmente as verbas que estão à nossa disposição, fazendo com que o fosso em relação à Comunidade seja cada vez maior?
Quanto à questão do prejuízo causado pelas intempéries — e o meu camarada Álvaro Brasileiro já se referiu a isso —, há determinadas pragas e doenças, como, por exemplo, no tomate e no melão, que não têm título algum que as integre nas linhas de crédito. Ora o que nós lemos no documento que o IFAPAD distribuiu é que quem quiser ter acesso à linha de crédito tem de apresentar uma folha de património fundiário próprio, caso contrário não tem acesso. Existem vários agricultores com os quais falámos que têm tido esta dificuldade quando recorrem à banca e a verdade
é que não se tratou só da vitivinicultura. Basta ler os mapas do INE para verificarmos que há quebras no centeio de 36 %, na aveia, de 29 %, na cevada, de 21 %, na batata de regadio, de 33 %, para além da vinha, que citou. São, portanto, várias culturas, muitas das quais abrangem pequenos agricultores autónomos, que não têm títulos de posse de terra e que estão impossibilitados de a eles ter acesso. Dai a razão e a justificação dos números que apresentámos e das propostas que procurámos entregar na especialidade.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado António Campos.
O Sr. António Campos (PS): — Sr. Secretário de Estado, eu fiz parte de governos, orgulho-me muito disso e até sinto que ajudei a orientar o País para o senhor poder ter dinheiro para fazer política.
Assim, orientámos a integração na CEE, cujo acordo o seu Sr. Primeiro-Ministro, à última da hora, nem queria subscrever, e que hoje dá milhões e milhões, e equilibrámos a balança de transacções correntes, que o seu Sr. Primeiro-Ministro ajudou a desequilibrar. Deixámos, pois, todos os acordos internacionais firmados de forma que o senhor agora possa fazer andar o País. O Sr. Secretário de Estado, porém, não me deu resposta a uma das questões que eu lhe coloquei, pela simples razão de que, sendo o Orçamento o meio político de executar uma política, não há uma politica definida no quadro do Orçamento, à excepção de três ou quatro questões que eu lhe referi.
Por exemplo, como o Sr. Secretário de Estado sabe, o milho tem uma cotação no mercado internacional à volta dos 25$ e o senhor está a pagá-lo a 50$; o trigo ronda, hoje, os 27$ ou 28$ no mesmo mercado e o senhor está a pagá-lo a cinquenta e tal escudos. O senhor não tem uma política de orientação da agricultura portuguesa de forma a, quando se «abrir a torneira», poder orientar os agricultores no sector produtivo. Não tem, pelo menos até agora não chegou ao meu conhecimento.
Outra questão a que me referi é que não há nenhuma orientação politica para a agricultura portuguesa numa perspectiva de integração. Não há e isto é, de facto, como que uma mercearia, até porque, na minha opinião, o «797» não está devidamente balizado com grandes prioridades nacionais, o que — repito — mantém isto como uma mercearia.
Contudo, gostaria de falar sobre as empresas familiares. E, ao fazê-lo, devo dizer-lhe, Sr. Secretário de Estado, que nunca consegui compreender se a prioridade da cessação de actividade vai para o arrendamento dos que abandonam a terra ou se vai para a compra. E se vai para a compra o mecanismo do «797», por si só, não dá para isso, tornando-se necessário muito mais para conseguir fazer qualquer coisa, até porque eu sou daqueles que nunca acreditaram muito no emparcelamento, mas acredito, sim, sobretudo, nas medidas indirectas para se conseguir fazer a reestruturação. E também não vejo neste Orçamento qualquer medida que dê garantia de que vai haver cessação de actividade e que vão ter prioridade os pequenos e médios agricultores para poderem sobreviver. Com tal objectivo não há nada definido em matéria financeira, e o «797», por si só, não é um mecanismo que permita
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atingir esses fins. A outra questão que coloquei é sobre o plano hídrico, que foi aprovado há dias, mas que é muito pequeno. Chamo-lhe a atenção para o facto de este governo estar a trabalhar sem planos; o único plano que está a executar com os dinheiros da CEE é o Plano Rodoviário Nacional, que, aliás, foi ainda
apWVaào POr Um gOVernô anterior. E o que eu queria ver contemplado neste orçamento — e sobre isso tenho vindo a insistir com o Governo — era a apresentação de um plano de aproveitamento hídrico, porque não é este miniplano que o Sr. Secretário de Estado fez aprovar agora na CEE que me dá a garantia de eu ter um plano com continuidade, com princípio, meio e fim. É um plano deste género que lhe venho pedindo, e que, aliás, o Sr. Secretário de Estado já o ano passado disse que nos ia apresentar. Penso, contudo, que esse plano não tem nada a ver com este miniplano de aproveitamento hídrico agora aprovado. E isto porque — e o Sr. Secretário de Estado tem, de certeza absoluta, esta mesma noção — a água é uma das maiores riquezas nacionais que nós estamos a desperdiçar. É que, para transformarmos a agricultura num sector produtivo e de competição, um dos factores a utilizar ao máximo é, de facto, o hídrico, sem o qual nós não teremos capacidade de concorrência.
Ora, quando me refiro ao plano hídrico, tenho em vista a função do Governo no sentido de nos dar uma perspectiva, a médio prazo, sobre o aproveitamento dos recursos hídricos. E se o Governo o pretendeu fazer com o plano que apresentou, terei de afirmar que o acho insuficiente, muito pequeno e que não passa de um miniplano, pois considero que o poderíamos programar desde já de molde a avançar muito mais no aproveitamento hídrico.
A outra questão a que o Sr. Secretário de Estado também não respondeu tem a ver com os mercados abastecedores. Devo dizer que não me preocupa o facto de os mercados abastecedores pertencerem ou não ao sector da agricultura. O que sei é que os terminais comerciais são decisivos para a agricultura. E o Sr. Secretário de Estado, que está no sector da agricultura, tem de vê-lo globalmente e tem de arranjar um mecanismo para que os mercados abastecedores rapidamente sejam criados em Portugal. Não se trata dos mercados de origem, cuja instalação nunca constestei.
Mas, Sr. Secretário de Estado, a questão mais importante é a falta de política do Governo para a produção nacional, porquanto nós temos um clima diferente do da maioria da Europa, temos recursos não aproveitados, que são os recursos hídricos, e V. Ex.a não tem um único estudo feito em Portugal de competição dessas possibilidades climatéricas e desses recursos, que não estão aproveitados, para poder orientar os agricultores com vista ao ano de 1991. Isto é dramático! E não pense que se trata de uma linguagem folclórica, porque é, de facto, aquilo que sinto: que isto é uma mercearia, em que não existe uma dimensão nacional dos problemas que vêm aí. E o senhor, mais tarde, vai ser acusado de ter gasto centenas de milhões de contos em proveito de um sector que podia estar mais bem orientado e melhor dinamizado e que terminará por ficar tudo na mesma e os pequenos e médios agricultores vão ser, de facto, mortos como produtores; porque os senhores não estão a cuidar deles nem a criar-lhes mecanismos para os defender.
O Sr. Presidente: — Há mais dois Srs. Deputados que pediram a palavra, mas, pelo motivo que há pouco referi, lamento não poder atender o pedido. Daria, portanto, a palavra ao Governo, solicitando a maior brevidade possível, com o limite máximo de cinco minutos, para não passarmos das 18 horas e 10 minutos.
É que já estamos muito atrasados e a Sr." Secretária de Estado da Cultura vai ter de sair, impreterivelmente, às 19 horas.
Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação.
Antes, porém, desejo dizer ao Sr. Deputado Soares Costa que o tempo destinado ao sector da agricultura, aceite por todos os grupos parlamentares, foi de duas horas, e já foi ultrapassado em trinta minutos. Por isso, lamento sinceramente não poder atender o seu pedido de uso da palavra e peço-lhe que compreenda.
O Sr. Soares Costa (PSD): — Mas só tinha pedido três segundos, Sr. Presidente!
Pausa.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação: — Sr. Presidente, eu dispenso três segundos ao Sr. Deputado Soares Costa.
O Sr. Presidente: — Então, faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Soares Costa (PSD): — Muito obrigado, Sr. Presidente e Sr. Secretário de Estado.
Desejava apenas dizer que não posso aceitar que o Sr. Deputado António Campos continue aqui a falar de mercearia. Na realidade, parece-me que a terminologia dele, do ponto de vista de venda, ficou em 1984. Hoje, na realidade, com este Orçamento, com a orientação que temos, com a sintonia que se está a procurar em relação à política comunitária para a agricultura portuguesa, a terminologia que deveríamos usar não é já de mercearia mas sim de hipermercado.
Risos.
Desculpe, Sr. Deputado António Campos, mas não posso aceitar que continue a falar nesses termos.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação: — Sr. Presidente, vou mais uma vez responder a questões que me colocaram e que, no fundo, são a repetição de coisas que há pouco referi, mas vou fazê-lo porque também repetiram as perguntas, à excepção do Sr. Deputado Álvaro Brasileiro, que já aqui não está, que colocou questões novas.
Em termos de caminhos rurais, temos, de facto, previsto, como sabe, um programa de caminhos rurais e agrícolas no PEDAP. Este ano tínhamos previsto executar obras no valor de 2,9 milhões de contos e vamos acabar por executar 3,2 milhões de contos. Sucede, portanto, que, nesta matéria, vamos exceder os 100 % em taxa de realização do PEDAP do programa dos ca-
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minhos rurais. Para 1989-1992 estamos a preparar um
novo programa que m orçar entre os 7 e os 1 o milhões de contos, c fazêmo-lo desde já uma vez que o
programa dos caminhos rurais do PEDAP expira em 1989.
O Sr. Deputado Álvaro Brasileiro falou também dos contratos de campanha que os senhorios não forneciam. Registo isso, mas, como sabem, essa é uma questão que tem de ser resolvida pelas partes e não estou a ver como é que, neste momento, o Governo pode substituir-se na resolução de um problema entre duas partes se, como é evidente, ele não ferir legalidades existentes.
Quanto à questão da Sucral, o Sr. Deputado também já sabe, com certeza, que o Governo já definiu o que tinha a definir nesta matéria, tendo conseguido a quota de 120 000 t de açúcar. A Sucral é uma sociedade que se constituiu para explorar esta quota, tem campanhas experimentais até 1991, está a trabalhar e, até agora, não temos alguma razão para pensar que o plano não se concretizará.
Sr. Deputado Lino de Carvalho reitero aquilo que já lhe disse em matéria de números: o senhor tem de ler todos os elementos que lhe fornecemos. Este é, de facto, um diálogo de surdos, mas não tenho culpa, nem vou coibir-me de, no próximo ano, lhe mandar os mesmos dados e ainda mais.
No que respeita ao «797» e às assimetrias, eu já disse que aquele diploma tem incorporados os necessários dispositivos de apoio às regiões mais desfavorecidas: são 10 % ou mais nos subsídios ao investimento, são indemnizações compensatórias que os agricultores de outras regiões não têm, são investimentos colectivos, são coisas diversas que, de facto, outras regiões favorecidas não têm. Portanto, não percebo como é que se continua a dizer que há um enviesamento no «797» em desfavor das regiões favorecidas! No fundo, V. Ex." até tem razão porque há, de facto, um enviesamento, mas é em favor das regiões desfavorecidas, na medida em que são favorecidas com taxas mais elevadas. Até parece que não é verdade!
O Sr. Rogério de Brito (PCP): — E não é verdade!
O Orador: — Então, se não é verdade, Sr. Deputado Rogério de Brito, desculpe, mas vá ler o decreto-lei pois parece que não leu.
O Sr. Rogério de Brito (PCP): — Li, li!
O Orador: — Então, eu desafio-o a citar e a registar aqui se leu ou não e se, de facto, são ou não maiores as taxas para as regiões desfavorecidas.
Tendo nós uma visão destas matérias que não é, como sabe, centralizadora, definimos as regras do jogo e, portanto, definimos apoios maiores para as regiões desfavorecidas, beneficiários candidatam-se e têm projectos dentro das regras ou não. Se têm, são aprovados, se não têm, deverão reconverter o seu projecto e fazer um melhor. É esta a nossa óptica e foi segundo ela que foram aprovados estes 9300 projectos que há pouco referi.
Quanto à taxa de cobertura a que o Sr. Deputado Lino de Carvalho fez referência, também saberá certamente que, em termos de produtos agrícolas, de para 1987 as importações agrícolas cresceram 12 % enquanto que as exportações creceram 15 %.
Falou seguidamente em questões que têm a ver com a baixa taxa de cobertura em termos dos projectos aprovados ao abrigo do «797».
Sobre issso, quero dizer-lhe que, de facto, são 9000.
0 senhor pode dizer que são apenas 2 %, todavia quando há meses dabatemos a integração europeia o seu colega Rogério Brito dizia, no hemiciclo, que era
1 Ora, como já vamos em 2 %, já não é mau. Sr. Deputado António Campos, não tenho muito
mais comentários a fazer àquilo que referiu porque, de facto, não posso aceitar a maneira como o senhor expõe o problema. Evidentemente que registo a sua benemerência de quando esteve no Governo ter preparado o caminho para nós, tal como São João Baptista fez quando veio para preparar as veredas. É louvável, é evidente que o senhor esteve no Governo para fazer alguma coisa de útil! Portanto, se naturalmente louvo isso, a verdade é que não percebo — e fico até bastante frustrado — porque é que o senhor não fez, na altura, todos esses estudos. Desculpe falar-lhe assim, mas o Sr. Deputado sabe, tem obrigação de saber, que nós não trabalhamos sobre um quadro electrónico. Nós temos elementos de referência, elementos de racionalidade, disse-lhe, com a máxima sinceridade e sob a minha honra, que o projecto de orçamento que apresentámos não foi feito lançando moedas ao ar mas sim tomando opções, reflectindo-as e utilizando experiências de três anos de trabalho, portanto não admito sequer que ponham em causa essa seriedade.
Quanto ao Sr. Deputado denegrir a «ridicularia» do programa dos regadios ... Bom, trata-se de uma ridicularia de 27 milhões de contos! É o máximo que posso dizer. Que mais comentários posso eu fazer? O senhor sabe que esses 27 milhões de contos não são tudo, isto é, os hectares que vão ser regados, reconvertidos ou drenados não são tudo, são uma percentagem pequena, ainda, dos nossos solos. Isso é um facto. Sabe que estamos a discutir o Orçamento para o próximo ano, pelo que não faço mais comentários ao que o Sr. Deputado António Campos referiu.
O Sr. Presidente: — Terminámos, assim, a discussão do orçamento para a agricultura. Lamento que a parte final tenha sido demasiado rápida, mas estávamos bastante atrasados.
Vamos, de seguida, iniciar a discussão do orçamento da Secretaria de Estado da Cultura.
Pausa.
Agradeço a presença da Sr.a Secretária de Estado e pergunto-lhe se deseja fazer alguma exposição inicial sobre o orçamento da sua Secretaria de Estado.
A Sr.a Secretária de Estado da Cultura (Teresa Gouveia): — Sr. Presidente, atendendo ao adiantado da hora e porque tenho uma reunião às 19 horas a que não posso de maneira nenhuma faltar — quando muito posso chegar quinze minutos ou meia hora atrasada —, preferia, para não perdermos tempo, que os Srs. Deputados, se quiserem, começassem por colocar as suas questões.
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O Sr. Presidente: — Muito bem, Sr.a Secretária de Estado.
Solicito, pois, aos Srs. Deputados que queiram intervir sobre o orçamento da Secretaria de Estado da Cultura o favor de se inscreverem.
Pausa.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): — Estava, de facto, a congratular-me com a possibilidade de outrem antes de mim intervir interpelando a Sr." Secretária de Estado, mas é com o mesmo gosto que inicio eu algumas observações em torno do orçamento da Secretaria de Estado da Cultura.
Tivemos oportunidade, em sede do debate na generalidade, de apreciar algumas das linhas motoras da política de cultura do Governo e da tradução que elas encontravam através da inscritibilidade de verbas no Orçamento do Estado, ou que, do nosso ponto de vista, não encontravam, como oportunamente tive também oportunidade de provar. Nesse debate, pudemos aclarar algumas obscenidades, que agora não recolocaria dada a exiguidade do tempo de que dispomos. De todo o modo, uma primeira nota importa sublinhar: a de que a consulta dos documentos que nos foram enviados pela Secretaria de Estado da Cultura não nos habilita, com muita facilidade, a um cotejo de rubricas e capítulos, dadas as novas inserções orgânicas, que dificultam uma leitura transversal e organizada do Orçamento.
Por outro lado, apesar de, intensamente, ter pedido nessa reunião que me fossem remetidos dados adicionais que pudessem fornecer alguma comparatividade, a verdade é que os não recebi. Foram, apenas, endereçadas à subcomissão algumas indicações sobre os projectos de cinema, mas nenhum desgarramento sectorial no interior da Secretaria de Estado da Cultura chegou às mãos dos Srs. Deputados e, portanto, não chegou também às minhas mãos o que, obviamente, lastimo, e esta é uma afirmação que gostaria de fazer desde já.
Assim sendo, a sindicabilidade parlamentar do Orçamento fica magnamente reduzida, ou seja, vemo-nos na contigência de referir apenas grandes rubricas e grandes regras, sem podermos talhar ao pormenor determinados aspectos pontuais de política.
A Sr.B Secretária de Estado da Cultura compreenderá que sem ter, por exemplo, um PIDDAC desenvolvido e onde estejam arrolados todos os projectos — os antigos, os que transitam, os que são novos —, não estaremos habilitados a um debate sério e qualificado do que é a actuação governamental nesta matéria. Não foram enviados, e sem eles não é possível proceder a um debate minimamente organizado. Por exemplo, ficamos sem saber se determinadas obras que vigoravam no PIDDAC do ano anterior, com carácter plurianual, mantêm essa plurianualidade, qual foi o grau de execução orçamental e do PIDDAC, que tipo de projectos transitou, que novos projectos foram incorporados.
Suponho que no escassíssimo tempo de que a Sr.a Secretária de Estado dispõe, uma vez que, tanto quanto julgo saber, teremos pouco mais de meia hora para nos confrontarmos nesta Sala, através dos nossos pontos de vista, não chegaremos de facto a gran-
des conclusões. Isto não me parece muito saudável e gostaria que a acta, com todo rigor, averbasse esta declaração peremptória, segundo a qual, assim, não se faz um debate do Orçamento do Estado.
Passando a outras questões, gostaria de, uma vez mais, colocar sobre a Mesa a consideração de alguns aspectos que se me afiguram essenciais.
É claro que a expressão orçamental que as políticas da cultura vêm encontrando no Orçamento pode por nós ser considerada suficiente ou insuficiente, tanto em função da audácia e do arrojo dos projectos que nós próprios entendemos ser necessários como em função de uma áurea mediocritas, que me parece ser aquela que tem, de alguma forma, gerido a Secretaria de Estado da Cultura.
Encontramos em áreas nevrálgicas verbas que, de forma muito clara, nos parecem insuficientes, áreas essas onde se imporia uma acção muito mais vigorosa, sejam elas as que têm a ver com a propagação da cultura portuguesa, no Mundo, e particularmente nos países africanos de expressão portuguesa, sejam as que têm a ver com o incremento da criatividade aos mais variados níveis, através dos apoios estaduais, e do plano dos chamados negócios correntes da Secretaria de Estado defrontamo-nos com a mera continuidade de uma gestão da precariedade, da penúria e da insuficiência. Ou seja, num período em que o cinema português ganha foros de qualidade aquém e além-fromeiras, em que a ficção narrativa e a poesia portuguesa se expandem pelo Mundo fora e em que há sinais de avidez pelo conhecimento do que produzimos, em que a nossa produção dramatúrgica parece, de alguma forma, também ressurgir após períodos de dificuldade, em que a actividade teatral se vem afirmando pela qualidade que é possível apludir irreticentemente através de vários grupos autónomos e independentes ou do Teatro Nacional, num período destes, aquilo a que assistimos não é ao fomento, ao incremento das acções que vêm merecendo esta aceitação, mas sim, bem pelo contrário, à manutenção de uma mesma política de horizontes bastante pardos e fechados.
Estive recentemente em França, integrando uma delegação de escritores, e foi com extrema pena, com extrema lástima, que pude constatar como de facto as coisas são diferentes no tratamento dos problemas reais por parte do nosso País e de outros países. Por exemplo, os escritores espanhóis encontravam-se, de uma forma geral, traduzidos a expensas da Secretaria de Estado da Cultura de Espanha, tanto os que ganharam como os que não ganharam prémios, enquanto que os escritores portugueses não se encontravam traduzidos e alguns deles viram mesmo projectos de tradução recusados pelas entidades oficiais. Obviamente, assim não se promove a cultura portuguesa em parte alguma. Assim, a discutir, na base dos critérios mínimos, aspectos de natureza essencial, não chegaremos a parte alguma. A propagação da literatura portuguesa em França continua a fazer-se, na grande parte dos casos, mercê de iniciativas individuais, altamente louváveis, mas de costas claramente voltadas para aquilo que é a acção do Estado.
O Instituto Português do Livro e da Leitura tem feito alguma coisa no sentido de apoiar um ou outro escritor — não vou agora definir aqui quais são os meus pontos de vista nem interrogar-me sobre os critérios que têm presidido a esse tipo de actuação —, o certo é que
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no ano em que Fernando Pessoa ganha as vitrinas, os escaparates, a leitura dos estrangeiros, nós continuamos apegados a um certo Fernando Pessoa mítico e residual e sem capacidade de fazer projectar para além das nossas fronteiras a cultura que estamos a produzir hoje. E essa cultura importa projectar porque é de qualidade extrema, e só por inacção do Estado é que continuamos quase de mãos atadas.
Poderá falar-se das belles étrangères e de outras iniciativas similares. O impacte em termos de mundanei-dade foi excelente. Todavia, quais foram as consequências em termos reais? A cultura portuguesa vai projectar-se a partir disso? Por que formas? Os contactos que estabeleci e as respostas que ouvi estão muito longe, mas deveras muito longe, de serem animadoras.
Outro tanto se dirá quanto àquilo que é elementar do ponto de vista da projecção do nosso país através de outras formas de cultura: o nosso folclore, o conjunto das nossas danças regionais, a actividade do nosso teatro, a animação cultural que se faz um pouco de ponta a ponta do País encontram os maiores entraves burocráticos para sair daqui e para se deslocarem a outras localidades além-fronteiras onde a nossa presença simbolizaria um pouco uma forma, inclusivamente, de miscigenação entre a pátria de origem e a de residência de muitos dos nossos emigrantes. O fenómeno é particularissimamente inquietante em França. Admito que a Sr." Secretária de Estado tenha algum conhecimento do que se passa, mas é de facto fundamental fazer um rastreio rigoroso da precariedade extrema das nossas acções e inverter esta lógica de abismo através de uma acção inteiramente ousada de pólo oposto e de sinal oposto.
Por outro lado, e independentemente de considerações que possam ser feitas num plano mais estrito, tive já oportunidade de, sectorialmente, chamar a atenção, aquando do debate que realizámos em Comissão, em sede de generalidade, para aspectos que se me afiguram particularmente sensíveis.
O problema do cinema, do adicional e da forma como se vai resolver foi na altura indiciada pela Sr." Secretária de Estado uma explicação de que se vêem apenas uns breves afloramentos no quotidiano, mas importaria que os retomássemos, sobretudo do ponto de vista do esclarecimento concreto das modalidades que permitirão obter uma maior capacidade de produção interna de cinema,, de um não encarecimento do acesso às salas de espectáculo e também de um favorecimento das condições de trabalho dos cineastas nacionais. Apesar de termos conhecimento de que as medidas ensejadas tenderiam a não altear o preço dos bilhetes, o problema continua candente e controverso. Ainda ontem pudemos ouvir algumas declarações, aliás extremamente importantes, do realizador Fonseca e Costa sobre esta matéria, e de facto toda a atenção e toda a acção se justifica neste domínio.
Uma das questões crónicas colocadas ano a ano tem a ver com os subsídios ao teatro. O fundo de teatro dispõe de verbas que, naturalmente, tenderão mais tarde a ser engrossadas com outras que sairão do Gabinete da Sr." Secretária de Estado, mas, de todo modo, há problemas que se nos suscitam e esta é a sede para os colocar.
Devemos Ficar muito impressionados quando, indo ver espectáculos como, por exemplo, «A Lisboa Monumental», com base num texto de Fialho de Almeida,
realizado pelo grupo de teatro «Maizum», sabemos, in loco e a seguir, que esse grupo não obteve da Secretaria de Estado da Cultura um mínimo de subsídio com carácter regular e quando ficamos a conhecer as respostas dadas e os critérios que nortearam a ausência desse subsídio — cito o grupo «Maizum», como poderia ter citado vários outros, é apenas um a título de exemplo —, sendo certo que a critica, toda ela, com raríssimas excepções, vem tecendo encómios bastante elevados e rigorosos ao trabalho que foi feito. Nem sequer estou a envolver a minha própria opinião pessoal, embora pense ser uma excelente realização estética e dramatúrgica. Admito que haja uma opinião contra esta, mas li a crítica na imprensa e ela é esmagadoramente favorável à grande qualidade do espectáculo. Todavia, sabemos que a Secretaria de Estado não subsidiou, de forma significativa, qualquer acção do grupo de teatro «Maizum» e que, bem pelo contrário, vem restringindo, ano após ano, as verbas que, a partir do aparelho de Estado, apoiam a realização de teatro, designadamente nas chamadas áreas do teatro independente.
Seria muito importante que, em vez de se proceder a uma mera gestão das dificuldades, se pudesse de facto, avançar, de forma significativa, para a ultrapassagem das precariedades e dos problemas mais eminentes e mais imediatos por forma a melhorar e a corresponder até àquele que é já um clima crescente de qualificação do que se vem produzindo entre nós.
Aquando do debate que realizámos noutra sede, pudemos falar do apoio da Secretaria de Estado da Cultura às comemorações dos Descobrimentos, questão que, de resto, depois foi indevida e incorrectamente tratada na comunicação social. Neste momento pediria á Sr." Secretária de Estado que explicitasse, uma vez que na altura também não foi inteiramente clara, se, para além do subsidio que se prevê para a edição de obras históricas sobre as conquistas portuguesas, tem outros projectos em mente e qual o grau real de participação da Secretaria de Estado da Cultura nos organismos de Estado que têm a seu cargo a realização de todo o vasto programa, ao que se pensa, de iniciativas por modo a celebrar esta data que nos é cara.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado José Manuel Mendes, se me permite ...
O Orador: — Com certeza, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — A Sr.a Secretária de Estado referiu, logo de início, que iríamos ter muito pouco tempo para a discussão do orçamento desta Secretaria de Estado. Por isso, solicito o maior poder de síntese possível, que o Sr. Deputado é com certeza capaz de fazer.
O Orador: — Sr. Presidente, estou a fazer um esforço quase gigantesco, até porque não estou em grandes condições físicas, para conseguir falar apenas de algumas questões. Era muito mais fácil um discurso corrente e fluente sobre todos os problemas, como normalmente costumo fazer, até neste debate.
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O Sr. António Barreto (PS): — Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Faça favor Sr. Deputado.
O Sr. António Barreto (PS): — Sr. Presidente, chegámos tarde, pelo menos três ou quatro pessoas que estavam comigo, porque estivemos uma hora e vinte minutos à espera do inicio do debate, portanto, a culpa não é nossa. Não sei o que é que se passou antes de o Sr. Deputado José Manuel Mendes ter falado, por isso estou surpreendido que me digam de chofre que não temos tempo ...
O Sr. Presidente: — Eu explico-lhe, Sr. Deputado António Barreto. De facto, a reunião começou bastante mais tarde do que estava previsto e a Sr." Secretária de Estado, segundo informou, tem compromissos e terá de sair por volta das 19 horas. Foi apenas por isso que pedi ao Sr. Deputado José Manuel Mendes o maior poder de síntese possível.
De qualquer modo, julgo que a Sr." Secretária de Estado também é capaz de fazer o esforço de nos conceder mais alguns minutos.
O Sr. António Barreto (PS): — Sr. Presidente, não é possível fazer a reunião noutra altura? Não quero pôr em causa a agenda pessoal e oficial da Sr.a Secretária de Estado, por amor de Deus, mas é um problema objectivo e não de pessoas, como é evidente.
A Sr.a Secretária de Estado da Cultura:—Sr. Deputado, lamento imenso mas preparava-me para começar esta reunião às 17 horas, como estava marcado, e tenho uma outra às 19 horas que não posso, de maneira alguma, faltar. Porém, estou disponível para cá voltar quando entenderem, mas de facto hoje tenho de sair.
O Sr. António Barreto (PS): — Não estou a interpelar a Secretária de Estado, porque penso que ela sofreu o mesmo que eu, que foi estar hora e meia á espera desta reunião, mas sim a Mesa.
Não será possível fazermos esta reunião noutra altura?
O Orador: — Em qualquer caso, pediria que a reunião se estendesse hoje ao limite máximo porque, por razões da minha vida pessoal e parlamentar, não participarei noutra.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, sugiro que prossigamos e entretanto podemos ir vendo quais são as hipóteses de corresponder à sugestão do Sr. Deputado António Barreto.
Faça favor de continuar, Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Orador: — Então de forma mitigada, o que é, de facto, deplorável — tenho estado inconsolado a dizer isto desde o início —, iria ainda abordar três ou quatro questões.
A primeira tem a ver com o início de um programa de recuperação do património arquivístico nacional, em relação ao qual não se conhece, em rigor, os planos nem, concomitantemente, as consignações orçamentais previstas.
A segunda tem a ver com o Centro Cultural de Belém. Quais os investimentos da Secretaria de Estado da Cultura nesse Centro Cultural e que tipo de animação prevê para ele? Qual o grau de intervenção da Secretaria de Estado da Cultura na vida biológica, corrente e quotidiana, que ai se realizar?
Por outro lado, que política em relação aos centros históricos?
O que verificamos na Secretaria de Estado da Administração Local e do Ordenamento do Território é uma bastante significativa ausência de verbas para os centros históricos. Ora, a política da Secretaria de Estado da Cultura no passado foi uma política de apoio ao restauro, à conservação e à vivificação dos centros históricos. Onde estão as verbas para isso? Que projectos, em termos de PIDDAC — a pergunta tem de ser feita desta forma exaustiva porque, repito, não tive acesso a qualquer material de estudo nem de trabalho? Projectos novos? Gostaria de saber quais são e, no mínimo, quais os projectos antigos que foram retirados do catálogo?
Por outro lado, quanto ao projecto Bibliópolis em que é que vamos ficar? As verbas programadas chegam para o espaço previsto e para o enriquecimento daquela que era uma das linhas fundamentais da intervenção da Secretaria de Estado ou, pelo contrário, são mais do que insuficientes e grandes problemas de ponta vão surgir a curto prazo?
Que acções de intercâmbio e interdepartamental foram previstas para as relações com os países africanos de língua oficial portuguesa, designadamente no âmbito dos protocolos com a Secretaria de Estado do Comércio Externo e também com o Ministério dos Negócios Estrangeiros?
Qual o grau de autonomia de que a Secretaria de Estado da Cultura desfruta no peso das relações do Estado Português em matéria cultural com outros Estados?
Creio que temos de pedir à Sr.a Secretária de Estado que, neste domínio, seja extremamente clara, porque o que verificamos é que os protocolos culturais, de uma forma ou de outra, continuam a não passar de mera reiteração dos discursos oficiais, sem praticamente terem consequências a qualquer nível.
Todos pudemos receber, nesta Assembleia, uma delegação oficial integrada pelo Vice-Ministro da Cultura da União Soviética que nos dizia, com grande amargura, legitimada, aliás, por todos os presentes e pela opinião que foram fazendo do depoimento e daquilo que já conheciam, que o Estado Português não reatava um protocolo cultural, tendo-se comprometido, pelo menos desde a viagem do Presidente da República, Mário Soares, a fazê-lo. Já lá vai muito tempo! Por que é que as coisas continuam inteiramente bloqueadas?
Do ponto de vista da difusão, através dos media, da nossa cultura dramatúrgica e literária, grosso sensu, gostaria de saber quais são os programas de acção, designadamente em termos de convénios, com a RTP?
Muitas das perguntas eram obviamente evitáveis se tivéssemos tido acesso aos tais materiais a que há pouco aludi.
Finalmente, e para concluir esta intervenção inicial, há uma coisa que me parece ser bastante importante.
A Sr.a Secretária de Estado, em outra oportunidade e em fins de Setembro, referiu-se a um valor na ordem dos 65,9 % para a execução orçamental, dizendo
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que, de alguma forma, cm relação ao PIDDAC a execução era mais baixa. Como considero estes valores inferiores ao desejável e como, entretanto, intercorreu algum tempo, o importante seria que pudesse dizer-nos quais são os valores apurados mais actuais da exexu-ção contabilística, por um lado, e, por outro, da execução financeira. Qual será o conjunto das verbas e dos programas previstos no PIDDAC que não puderam ser executados este ano e quais as razões por que isso aconteceu? Por agora, ficava-me por aqui.
O Sr. Vieira de Castro (PSD): — Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado.
O Sr. Vieira de Castro (PSD): — Sr. Presidente, penso que talvez consigamos gerir melhor o nosso tempo se nos ativermos exclusivamente àquilo que deve ser o objecto deste debate, que é, tão-somente, o orçamento da Secretaria de Estado da Cultura.
Dito isto, gostaria de dar uma explicação muito breve ao Sr. Deputado José Manuel Mendes, que certamente não esteve no Plenário quando foi debatida a proposta de lei n.° 67/V, que trata da questão do adicional sobre os bilhetes de cinema.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): — Eu ouvi o debate, mas esse problema ainda não está esclarecido.
O Orador: — Então, se ouviu, o Sr. Deputado não compreendeu.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): — Compreendi, sim.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, desta forma é que vamos perder tempo.
Faça favor de continuar, Sr. Deputado Vieira de Castro.
O Orador: — O adicional, que actualmente é de 15 %, vai ser reduzido para 10 % e não será eliminado.
Por outro lado, sobre os bilhetes de cinema vai incidir uma taxa de 8 % do IVA. Isto é, trata-se de adaptar ao modelo em vigor na Comunidade Económica Europeia —a 6.a Directiva— o modelo do regime do imposto sobre o valor acrescentado.
Não tendo sido este governo a negociar o Tratado de Adesão, não lhe pode ser imputada a responsabilidade de, porventura, não ter negociado as salvaguardas que seriam mais adequadas neste caso.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): — Sr. Deputado, se me permite, tenho uma observação muito simples a fazer-lhe. É que o Sr. Deputado não respondeu à questão que lhe coloquei: vão ou não subir os preços dos bilhetes de cinema?
É que o importante era ter respondido a isto porque o resto já eu sabia ...
0 Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado
José Manuel Mendes, certamente poderemos continuar mais tarde essa discussão.
Tem a palavra a Sr.a Deputada Natália Correia.
A Sr.a Natália Correia (PRD): — Começarei por dizer ao Sr. Deputado Vieira de Castro que não se pode separar a discussão do orçamento da responsabilidade que cabe à Secretaria de Estado da Cultura (SEC) nas actividades culturais. É absolutamente impossível reduzir isso a números porque estes representam precisamente aquilo que a SEC pode fazer.
Quanto a mim, há um desfasamento impressionante entre o nível orçamental da SEC e as ambições das GOP manifestadas num projecto nacional que tem, como essência, a nossa identidade cultural.
Que espécie de lógica explica a passividade da SEC perante a imposição de um orçamento que está muito longe de alcançar o mínimo desejável que possibilite a expansão da nossa cultura no espaço europeu?
No âmbito do projecto nacional defendido pelas GOP, a SEC não pode limitar-se a um exercício burocrático de certas incumbências e tem de mostrar o seu empenho e a sua intervenção onde quer que a cultura se exerça.
Por exemplo, a SEC não pode desculpar-se com tutelas que se exercem em áreas que são do seu domínio, como é o caso da comunicação social.
A este prepósito, dou o exemplo das orquestras da RDP que, como se sabe, estão num estado miserável. Não farei o historial destas orquestras por não querer gastar muito tempo, mas creio que a Sr." Secretária de Estado está ao corrente do que se passa.
De facto, houve um projecto inicial de uma régie cooperativa, concebida por Coimbra Martins, para a recuperação das orquestras da RDP. Entretanto, a Secretaria de Estado da Cultura transformou esse decreto, não transferindo as orquestras da RDP para a régie mas, sim, exigindo que alguns instrumentistas tivessem que se submeter a provas o que constitui uma exigência vexatória para homens com um currículo afirmado. O que é certo é que a Secretaria de Estado da Cultura se desinteressa deste problema, mas ele diz-lhe respeito.
No Orçamento do Estado a RDP tem sido contemplada com as indemnizações compensatórias mas estas destinam às orquestras verbas muito exíguas. Hoje, estas orquestras são inoperacionais, têm falta de instrumentistas e para darem concertos têm que contratar elementos de fora da própria orquestra. Enfim, trata-se de um espectáculo verdadeiramente degradante do qual a SEC não pode abstrair-se só pelo facto de as orquestras estaram sujeitas à tutela da comunicação social.
Eu tinha muito para dizer mas serei muito sintética e abordarei de imediato outro assunto.
Como sabe, o sector áudio-visual é considerado a prioridade das prioridades no âmbito comunitário europeu. De facto, a circulação dos bens e serviços culturais vai processar-se através dos meios áudio-visuais. Por isso, não se percebe que a Secretaria de Estado da Cultura não chame à sua competência a responsabilidade por este sector, na perspectiva da produção de filmes sérios e de programas nacionais, a fim de evitar que fiquemos esmagados pela hegemonia dos países culturalmente mais favorecidos em termos de competitividade.
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Tendo em vista a importância cultural no futuro da Europa do relevo de uma política integrada e coerente para o sector áudio-visual, a Secretaria de Estado da Cultura deve exigir que seja da sua competência a participação de Portugal no futuro da televisão da Europa. Ao que sabemos, na reunião de Estocolmo, o Secretário de Estado responsável pela comunicação social apenas se bateu pela compra indiscriminada de produtos de outros continentes sem que tenha havido directivas que imponham a participação dos canais na produção nacional e europeia.
Poderá a Secretaria de Estado da Cultura ficar indiferente a esta abdicação da nossa afirmação cultural num sector estratégico prioritário da empresa cultural europeia como é o áudio-visual? Penso que não, e temos aqui um problema orçamental porque, para se empenhar, a SEC precisa de verbas.
A questão da cultura popular, que foi aflorada pelo deputado José Manuel Mendes, parece-me particularmente importante. De facto, os grupos folclóricos encontram entraves terríveis à sua actuação como, por exemplo, no problema dos transportes — e não só em relação às deslocações para fora do País.
Hoje em dia, a cultura popular tem que ser especialmente incrementada como elemento diferenciador da nossa cultura que, no seu nível literário e artístico, se distingue menos dos produtos culturais europeus. Portanto, qual é o investimento da SEC neste sector?
Tinha ainda muito mais a dizer mas fico-me por aqui, dado haver outros deputados que querem intervir.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.a Deputada Edite Estrela.
A Sr.a Secretária de Estado da Cultura: — Sr. Presidente, posso interromper?
O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr.a Secretária de Estado.
A Sr.a Secretária de Estado da Cultura: — Sr.a Deputada, peço desculpa por a interromper mas queria dizer aos Srs. Deputados que me resta um escasso quarto de hora para responder a todas as questões que me foram postas. Assim, se for possível voltar a esta Comissão noutra ocasião, prefereria responder já às questões que me foram postas e, depois, se ainda sobrar tempo, os Srs. Deputados colocar-me-iam novas questões. Parece-me pareferível procedermos assim para que não fiquem por responder as questões que já foram postas durante esta sessão.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, acabaram de ouvir a questão posta pela Sr.3 Secretária de Estado. Assim, pergunto-vos muito claramente se estariam de acordo em que adiássemos o prolongamento desta reunião para a próxima segunda-feira, dia 12, pelas 11 horas. Se isto fosse possível, poderíamos continuar agora os nossos trabalhos com a ordem proposta pela Sr.a Secretária de Estado.
A Sr.a Natália Correia (PRD): — Não estarei disponível porque, nessa altura, estou em Espanha.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, se não podem comparecer na segunda-feira, que é a única data disponível, então julgo que seria preferível que a Sr.a Deputada Edite Estrela formulasse agora as questões que tem a pôr.
A Sr.a Edite Estrela (PS): — Sr. Presidente, pela nossa parte, estamos disponíveis para segunda-feira.
A Sr.a Maria Santos (Os Verdes): — Sr. Presidente, gostaria de saber se seria possível adiar a reunião para segunda-feira à tarde, dado que também me deslocarei para fora de Lisboa nos próximos dias.
O Sr. Presidente: — Não, Sr.a Deputada, só é possível o horário das 11 horas.
A Sr.a Maria Santos (Os Verdes): — Nesse caso, voltarei de Espanha mais cedo.
O Sr. Vieira de Castro (PSD): — Sr. Presidente, se me permite, gostaria de fazer uma sugestão. De facto, como alternativa, talvez pudéssemos efectuar a reunião hoje à noite, desde que a Sr.a Secretária de Estado também estivesse disponível.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, hoje à noite é capaz de ser muito difícil.
A Sr.a Secretária de Estado da Cultura: — Não sei
a que horas poderei vir hoje à noite.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, sendo assim, darei agora a palavra à Sr. Secretária de Estado que, no tempo que ainda lhe resta, tentaria responder às questões que lhe foram colocadas e fica, então, adiada a continuação desta reunião para segunda-feira, dia 12, às 11 horas.
A Sr." Secretária de Estado da Cultura: — O Sr. Deputado José Manuel Mendes começou por se referir à falta de elementos disponíveis para a análise do orçamento da Secretaria de Estado da Cultura.
Devo dizer-lhe que penso que foi enviado tudo o que tinha sido pedido na anterior reunião da Comissão Parlamentar de Educação e Cultura, nomeadamente elementos sobre o acordo cinematográfico com a televisão e elementos sobre as bibliotecas que foram apoiadas. Não foi suficiente, Sr. Deputado?
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): — (Voz inaudível.)
A Oradora: — Também foi enviado o P1DDAC sectorial por acções.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): — (Voz inaudível).
A Oradora: — Então, lamento, Sr. Deputado. Enviámos também um mapa comparativo das acções
dos diferentes departamentos relativamente ao atio de
1988, onde estavam indicadas as percentagens, etc.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): — (Voz inaudível).
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A Oradora: — Isso foi enviado de certeza.
De qualquer modo, penso que os Srs. Deputados têm em vosso poder o mapa n.° 7 onde constam os grandes programas de acção da Secretaria de Estado.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): — (Voz inaudível).
A Oradora: — O Sr. Deputado falou na insuficiência de verbas relativas às acções de projecção da cultura portuguesa no Mundo. Ora, do ponto de vista orçamental, esse é um capitulo que não tem ou que pode não ter limite.
Naturalmente que a Secretaria de Estado da Cultura concentra os recursos de que dispõe na promoção da criatividade e da vida cultural no País, porque é a partir dessa realidade que a «exportação cultural» poderá ser feita.
Portanto, penso que essa é uma discussão que dificilmente tem conclusão porque o Mundo é grande e certamente haverá sempre lugar à presença da cultura portuguesa ou à de qualquer outro país noutras partes do Mundo. Assim, teremos que gerir a atribuição dessas prioridades, bem como os orçamentos disponíveis entre o que é necessário fazer em Portugal e o que é prioritário que se realize no estrangeiro.
Relativamente à falta de apoio à criatividade referida pelo Sr. Deputado, penso que é longa demais a enumeração dos projectos da Secretaria de Estado para essa área. Em todo o caso, há alguns projectos que penso que devem ser referidos como, por exemplo, a criação de bolsas de estudo, que foi uma iniciativa nova que se destina a proporcionar aos criadores a possibilidade de se dedicarem em exclusivo à actividade da criação, tanto na área literária como musical, como plástica, etc. Neste momento, há cerca de dez bolsas atribuídas e, em Janeiro, vai abrir-se concurso para atribuição de novas bolsas.
Há também outros programas de apoio às primeiras exposições efectudas por jovens artistas; há apoios relativamente à produção de programas para a RTP; há apoios para a produção cinematográfica e, como sabe, realizaram-se acordos de cc-produção que permitem canalizar novas verbas para a produção cinematográfica e, ao mesmo tempo, garantir a expansão dessas obras no estrangeiro.
Eu poderia continuar a enumerar um grande número de acções nas quais está concretizado o apoio à criatividade. Portanto, se o Sr. Deputado não explicitar concretamente em que sector entende que falta esse apoio e se não quantificar essa falta, então, ou damos por finda esta discussão ou ...
O Sr. Deputado falou ainda nos apoios de que dis-frutam os escritores noutros países. Ora, penso que é difícil e delicado fazer comparações entre países porque as realidades são sempre diferentes. Há países que resolveram os seus problemas de fundo há mais tempo
do que nós e que, portanto, terão outras disponibilidades para afectar recursos a acções diferentes. De facto, acho que essa comparação não nos leva a lado nenhum.
Em todo o caso, digo-lhe que, no que respeita ao apoio à área da literatura e à promoção da leitura de obras portuguesas no estrangeiro, o Instituto Portugês do Livro e da Leitura, ao longo dos poucos anos da
sua existência, tem vindo a dar uma atenção especial â promoção da literatura portuguesa no estrangeiro
— terei muito gosto em enviar-lhe elementos concretos —, através do envio permanente de informação
— quer de jornais, quer de publicações — a um grande número de estudiosos da literatura portuguesa e de outras entidades relacionadas com o meio literário e editorial e, inclusivamente, tem vindo a apoiar traduções de obras que, depois, são editadas comercialmente. Justamente, queria referir o encontro que, há pouco tempo, teve lugar em França e que o Sr. Deputado classificou de «mundanidade» — naturalmente que sim, nalguns aspectos. Ora, essa «mundanidade» confundere com alguns aspectos de publicidade que também é necessária quando queremos dar projecção a alguma coisa. Por outro lado, o eco que teve no estrangeiro essa iniciativa e a presença lá de escritores portugueses deve-se, também, à acção continuada de apoio aos centros de estudo da literatura portuguesa, porque o público não se «arregimenta» de um dia para o outro, por muita publicidade que se faça. O resultado daquele apoio é que fez com que tivesse havido público em quase todas as sessões que se realizaram, e foram muitas.
Este foi apenas um exemplo pois, também neste domínio, nunca poderemos atingir os limites, mas, de facto, não temos descurado esta área.
No que respeita à promoção de outras modalidades da cultura portuguesa no estrangeiro referidas pelo Sr. Deputado, além dos aspectos literários, há projectos da Secretaria de Estado que tendem a conseguir essa projecção no domínio das artes plásticas. Por exemplo, há programas em colaboração com outras entidades, como fundações — Gulbenkian e Luso-Americana — que têm como objectivo promover a presença de pintores portugueses em feiras e galerias de arte estrangeiras e que têm tido um resultado já assinalável.
O Sr. Deputado referiu-se a Fernando Pessoa. Também nessa matéria há uma série de iniciativas promovidas pela Secretaria de Estado e apenas referirei a que me parece fundamental e que é a da promoção da edição crítica da obra completa de Fernando Pessoa.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): — (Voz inaudível).
A Oradora: — A verdade é que, para além da de Fernando Pessoa, há muitas outras obras por tratar e editar convenientemente.
O Instituto Português do Livro e da Leitura que, com a colaboração de vários estudiosos, já efectuou um primeiro levantamento do que poderia considerar-se uma listagem de obras fundamentais, que ou não se encontram editadas ou não estão disponíveis, tem intenção de lhes dar prioridade, quer no apoio subsidiário à investigação — esta não pode ser exclusivamente realizada no quadro da Secretaria de Estado da Cultura pois há outras instituições, como a universidade ...
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): — É o retorno ao projecto da biblioteca básica.
A Oradora: — Não é exactamente o projecto da biblioteca básica no sentido em que não vamos editar livros. Vamos é apoiar, subsidiariamente, a investigação
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e o trabalho crítico para a preparação de textos dessas obras. Naturalmente que as universidades e os centros de investigação terão que desempenhar um papel fundamental neste domínio. Nos planos de apoio à edição iremos dar prioridade aos editores que queiram apoiar essas obras, para além de querermos estabelecer contratos com a Imprensa Nacional.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): — Sr." Secretária de Estado, na prática corrente do IPLL, creio que essa prioridade já existe em relação aos clássicos.
A Oradora: — Existe, mas gostaríamos que fosse feita de uma maneira mais sistemática e que a Secretaria de Estado tivesse um papel mais interveniente no sentido de propor certas obras. Atendendo aos calendários, não sei até que ponto é possível fazê-lo já neste concurso de apoio à edição porque há prazos que já foram anunciados e, portanto, não se pode exigir condições retrospectivamente. No entanto, num próximo concurso, com certeza que isso será contemplado.
O Sr. Deputado falou igualmente em aspectos de animação cultural e em apoios às comunidades de emigrantes portugueses no estrangeiro. Como sabe, existe uma Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas e o Instituto de Apoio às Comunidades Portuguesas tem como atribuições específicas essas actividades.
Não pretendemos ser burocráticos nem ter uma óptica administrativa sobre estas questões, mas em boa verdade a afectação de recursos é feita por departamentos. Trata-se, com certeza, de um trabalho da maior importância que é executado por organismos especificamente vocacionados para ele.
Em relação à questão do adicional, o Sr. Deputado Vieira de Castro já deu alguns esclarecimentos sobre o novo regime que vai entrar em vigor.
Quanto aos bilhetes de cinema, tendo em atenção o caso mais grave em que a precentagem incide sobre os bilhetes mais caros de alguns cinemas de Lisboa que neste momento atingem os 325$, vão sofrer um aumento de 10$ como resultado da alteração do actual sistema. Não se pode considerar que seja um aumento excessivo.
Por outro lado, o Instituto Português de Cinema tem um programa de apoio à renovação das salas de espectáculo, ao nível do circuito da exibição, que mantém no PIDDAC para o próximo ano e que atinge o montante de 40 000 contos.
Em relação à questão dos subsídios concedidos ao teatro independente, gostaria de salientar que este ano atingiram os 210 000 contos que foram integralmente atribuídos pelo Fundo de Fomento Cultural.
Gostaria ainda de dizer que não estamos a restringir os apoios financeiros ao teatro mas, pelo contrário, eles têm vindo a aumentar e vão aumentar ainda mais este ano.
Para além do apoio directo à produção, a Secretaria de Estado da Cultura tem-se preocupado em atender a outros aspectos que contribuem para a promoção teatral, nomeadamente a renovação das salas de espectáculo que considero um dos aspectos mais importantes tendo em atenção o público que as utiliza.
Este ano foram também investidos cerca de 100 000 contos na renovação de espaços teatrais e no próximo ano a verba vai ser pelo menos igual.
Outras verbas têm sido canalizadas para os equipamentos de teatro. Foram instituídos prémios no sentido de dar publicidade e de promover as produções e a actividade teatral em geral.
Instituíram-se também prémios para a dramaturgia e através do protocolo assinado com a televisão tem--se procurado não só a divulgação de espetáculos em spots mas também a gravação de espetáculos teatrais.
Quanto à questão da Comissão dos Descobrimentos e ao envolvimento da Secretaria de Estado da Cultura em iniciativas do âmbito dessa Comissão a que o Sr. Deputado se referiu, julguei que tinha sido clara aquando da última reunião de Comissão de Educação e Cultura — e não estou a referir-me àquele equívoco difundido pelos órgãos de comunicação social — em que afirmei que o nosso envolvimento político existe e por isso o expressei nessa altura.
Uma das iniciativas em que a Secretaria de Estado da Cultura está envolvida é a do plano de edições, que em breve vai ser publicitado nos jornais. Também posso enviar esses elementos ao Sr. Deputado, onde poderá verificar o número de obras que foram apoiadas.
A Comissão dos Descobrimentos vai também anu-ciar o seu plano dentro de alguns dias e, desse modo, vão surgir áreas de colaboração com a Secretaria de Estado da Cultura.
Também já tive oportunidade de salientar que existem várias acções promovidas pela Secretaria de Estado da Cultura que se integram nessa comemoração que o Sr. Deputado designou «das conquistas portuguesas», mas penso que por lapso.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): — Foi obviamente lapso e não deve ter sido o único.
A Sr." Secretária de Estado da Cultura: — Penso que sim.
Risos.
Em matéria de programas, gostaria de referir ainda o programa da recuperação e da renovação dos arquivos portugueses, que entendo como um projecto que diz directamente respeito às comemorações históricas portuguesas porque é nelas que reside a memória histórica portuguesa e, em meu entender, é por aí que devemos começar se pretendemos reformar algumas instituições que são essenciais para a identidade e para o conhecimento da história portuguesa.
Existem ainda outros projectos que se ligam, de uma forma mais vísivel, à comemoração dos Descobrimentos como, por exemplo, os que se ligam a obras de recuperação patrimonial no Convento de Cristo, em Tomar, no Mosteiro dos Jerónimos e até o Centro Cultural de Belém se insere nessa perspectiva de recuperação.
Em Sagres também se promoveu um concurso para a recuperação e o reordenamento da zona do Promontório de Sagres.
Sr. Deputado, gostaria de responder a todas as questões que me colocou, mas estou a ficar um pouco limitada no tempo.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): — Sr.8 Secretária de Estado, «um orçamento é tão natural como uma árvore», na expressão de Álvaro de Campos — se o
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Sr. Deputado Vieira de Castro não se zangar por o chamar à colação — «e um parlamento tão belo como uma borboleta», se estou a citar bem.
No entanto, há uma questão que considero absolutamente elementar, e cue tem a ver com o esclarecimento em torno das novas obras do PIDDAC. Seria muito útil que a Sr.8 Secretária de Estado nos possibilitasse os materiais para consulta, em substituição das referências que aqui lhes pudesse fazer.
Uma outra questão, ainda, diz respeito aos níveis de execução orçamental, à dotação concorrencial negativa e ao relacionamento destas matérias com as dotações que a Secretaria de Estado da Cultura obteve em 1988 e as que vai obter em 1989.
A Oradora: — Em relação à dotação concorrencial negativa, devo dizer que optámos por distribuir essa dotação por alguns projectos de modo a não comprometer de forma crítica qualquer deles.
O conjunto da dotação concorrencial negativa atingiu a verba de 350 000 contos, que foi distribuída por projectos no âmbito do PIDDAC para não se comprometer gravemente qualquer dos projectos.
Quanto à execução orçamental para este ano, os índices que possuo são relativos ao fim do mês de Outubro —em breve, penso poder ter os de Dezembro — e demonstram que o grau de execução global da Secretaria de Estado da Cultura foi de 73,6 % e no PIDDAC foi de 67,4 %.
Os programas negativos, isto é, os projectos que tiveram uma execução baixa e que explicam o número que agora referi, correspondem a concursos que em alguns casos dizem respeito ao Instituto Português do Livro, pois constituem tranches dos projectos das bibliotecas, que serão executados até final do ano.
O mesmo acontece com os concursos organizados para o apoio a salas de exibição do Instituto Português de Cinema e de aquisição de instrumentos e de equipamentos de teatro na Direcção-Geral da Acção Cultural.
São estes os níveis baixos de execução que nestes projectos vão ser executados a níveis normais.
Gostaria agora de responder às questões colocadas pela Sr.8 Deputada Natália Correia, sem prejuízo das do Sr. Deputado José Manuel Mendes, a quem posso ainda dar esclarecimentos na próxima segunda-feira. No entanto, de uma maneira geral, penso que respondi às questões que me colocou.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): — Sr.a Secretária de Estado, seria muito útil que no âmbito das questões que coloquei, V. Ex.a enviasse os respectivos materiais para consulta.
A Oradora: — Sr.a Deputada Natália Correia, V. Ex.a referiu o exercício burocrático de incumbências da Secretaria de Estado da Cultura. Em meu entender, a cultura exerce-se de muitas maneiras, ela está presente em toda a parte, mas há necessidade de organizar administrativamente a intervenção do Estado, o que, de certo modo, tem de enquadrar financeiramente, e do ponto de vista das atribuições, a actividade da Secretaria de Estado da Cultura.
Em relação à questão da comunicação social e às orquestras da RDP, gostaria de lhe dizer que, neste momento, a Régie Sinfonia está constituída. Houve um
atraso por razões de vária ordem, nomeadamente algumas alterações ao decreto-lei que as instituiu e que se mostraram necessárias.
Neste momento, a Régie e a sua direcção estão constituídas.
Iniciaram-se, entretanto, vários contactos com a RDP no sentido de os músicos que lá exercem funções musicais virem a ser integrados nas novas orquestras a criar.
Quando consideramos a criação de orquestras sinfónicas portuguesas, não estamos a pensar em refazer as orquestras da RDP, mas pretendemos que se formem orquestras com padrões de qualidade ao nível das que existem na Europa.
Com efeito, não podemos pensar que, num futuro próximo, as orquestras portuguesas sejam exclusivamente constituídas por músicos nacionais. Isso não acontece nos outros países, onde as grandes orquestras integram músicos nacionais e estrangeiros. No entanto, devemos dar aos músicos portugueses a possibilidade de competir com os músicos de outro países e é nesse sentido que a Secretaria de Estado da Cultura orienta a sua actuação.
Por esta razão, o projecto Régie foi remodelado no sentido de conter em si uma vertente pedagógica muito importante.
Assim, há uma actividade de formação que a própria Régie tem de desenvolver e que irá consumir uma parte dos seus recursos e dos seus esforços.
Gostaria, no entanto, de salientar que os padrões que queremos para uma orquestra sinfónica em Portugal não podem assentar apenas numa transferência de músicos tal como eles se encontram e com as aptidões que têm nas orquestras da RDP. Tem de fazer-se uma aferição de capacidades e uma recolocação dos músicos de acordo com as respectivas competências, porque se assim não procedermos estamos apenas a transferir as orquestras no estado em que estão de uma tutela para outra.
Os músicos não vão ser compelidos a fazer exames de aferição, mas podem optar por se submeter ou não a eles com a mesma liberdade com que se submeteriam aos exames de admissão para qualquer orquestra, mas se se submeterem podem ser colocados de acordo com as suas capacidades. Apesar de tudo, haverá um esforço de formação que até agora nunca foi feito.
Por outro laido, não se pode dizer que a Secretaria de Estado da Cultura se desinteresse completamente desta questão, porque recentemente foram transferidos 400 000 contos; para a Régie e para o ano haverá dotações equivalentes de acordo com o projecto financeiro que nos foi apresentado.
Para além disso, a Secretaria de Estado da Cultura, através dos serviços de música da Direcção-Geral da Acção Cultural tem concentrado quase exclusivamente a sua actuação em acções de pedagogia musical.
Assim, penso que as questões da pedagogia e a existência de orquestras sinfónicas não podem ser analisadas desgarradamente.
A Sr.a Deputada referiu também a questão do apo\e> à produção cinematográfica e, a propósito, gostaria de lhe dizer que, para além os apoios do Instituto Português do Cinema à produção directa, assinámos alguns acordos com a produção que visam canalizar verbas e recursos financeiros para a produção cinematográfica.
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7 DE DEZEMBRO DE 1988
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Aliás, Portugal aderiu a um projecto europeu de apoio à produção áudio-visual que se designa EURI-MAGE, do qual fomos um dos fundadores, e já se realizaram algumas reuniões no sentido de se preparar a atribuição de verbas a projectos europeus.
A reunião de Estocolmo, a que a Sr." Deputada se referiu, foi uma reunião de ministros da comunicação social e não de ministros da cultura.
Estou certa de que o Sr. Secretário de Estado da Comunicação Social não se «bateu» —como V. Ex.a referiu — pela compra indiscriminada de programas estrangeiros. Não foi isso que o Sr. Secretário de Estado fez.
A Sr." Natália Correia (PRD): — São as notícias que nos chegam e que não foram desmentidas.
A Oradora: — Sr." Deputada, não me compete a mim desmentir essas notícias e se refiro esta questão não é por solidariedade política mas porque tenho informações de que isso não aconteceu.
Quanto à questão que a Sr.a Deputada me colocou, não sei se se quer referir ao problema das quotas europeias para o áudio-visual, mas V. Ex.a terá oportunidade de solicitar ao Sr. Secretário de Estado da Comunicação Social que a esclareça sobre o que se passou na citada reunião.
A Sr.a Natália Correia (PRD): — Sr.a Secretária de Estado, a questão que lhe coloquei não foi nesse sentido mas no de chamar à Secretaria de Estado da Cultura a competência na produção de séries, programas e filmes que lhe permitam competir com o nível do áudio-visual europeu.
Penso que não se pode delegar essa questão exclusivamente à Secretaria de Estado da Comunicação Social.
A Oradora: — Sr.a Deputada, nesse âmbito temos tomado algumas iniciativas mas no sentido de co--produzir com a televisão. Parece-nos um caminho positivo, por um lado, no sentido de canalizar recursos para a produção áudio-visual de interesse cultural e, por outro lado, no sentido, também, de tentar interferir positivamente nos recursos disponíveis para essa produção áudio-visual.
Penso que futuramente essa questão vai ser tratada. O panorama áudio-visual português vai com certeza sofrer alterações. Tratando-se de uma questão em aberto, considero ser um pouco prematuro abordá-la neste momento.
Contudo, em meu entender, a questão do áudio--visual tende a ser tratada de uma maneira integrada: cienema-televisão. É esta a realidade e, independentemente das tutelas, defendo, agora e sempre, que terá de existir uma integração e uma coordenação.
Srs. Deputados, apresento as minhas desculpas, mas preciso de me retirar e na próxima segunda-feira voltarei de novo a esta reunião para responder às questões que entenderem colocar-me.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, interrompemos neste momento o debate do orçamento da Secretaria de Estado da Cultura e retomá-lo-emos na próxima segunda-feira, dia 12, às 11 horas.
Pausa.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos agora passar ao debate do orçamento das várias rubricas dos Encargos Gerais da Nação.
Como é do conhecimento dos Srs. Deputados, já aqui foram discutidos alguns aspectos dessas rubricas, designadamente os relacionados com a pasta da juventude e a da cultura.
Vamos, pois, passar ao debate de outras matérias, para o qual contamos com a presença do Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, a quem dou a palavra para uma intevenção inicial.
O Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros (Marques Mendes): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Considero que talvez não haja necessidade de fazer uma intervenção inicial, colocando--me à disposição de W. Ex." para responder a todos os pedidos de esclarecimento que pretendam formular.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, estão abertas as inscrições.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): — Sr. Secretário de Estado, uma primeira questão prende-se com a verba estabelecida para o funcionamento e para a actividade corrente do Tribunal Constitucional; gostava de saber se foi esta a verba pedida pelo colectivo dos juízes e pela administração daquela instituição, em termos rigorosos, e se assim não foi, e pelo facto de não ter sido, não acabará por diminuir a frente de intervenção, designadamente jurisprudencial que o Tribunal tem vindo a desenvolver e que é de extrema importância para aquilatar da conflitualidade do nosso direito e das respectivas fontes.
O Sr. Presidente: — Sr. Secretário de Estado deseja responder já ou no final?
O Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros: — No fim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Há algum Sr. Deputado que se deseje inscrever?
Pausa.
Sr. Secretário de Estado, como não há mais inscrições, solicito a V. Ex.a que responda ao pedido de esclarecimento formulado.
O Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros: — Sr. Deputado José Manuel Mendes, quanto à questão da verba a atribuir ao Tribunal Constitucional tenho muito gosto em responder-lhe que a verba que está inscrita na proposta de lei do orçamento é de 174 000 contos e que deriva de um acordo com o Tribunal Constitucional, que muito me apraz explicar-lhe.
Na verdade, e com todo o rigor, o projecto de orçamento apresentado pelo Tribunal Constitucional apontava para 204 000 contos. Portanto, verifica-se uma redução de cerca de 30 000 contos.
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II SÉRIE-C — NÚMERO 6
Pergunta o Sr. Deputado por que é que e como ocorreu esta redução. Em primeiro lugar, a metodologia utilizada foi a adopção de conversações com o Tribunal Constitucional através do respectivo presidente, com quem eu próprio tive, aliás, duas reuniões.
Chegou-se assim, de facto, a esta solução, porquanto a verba de 30 000 contos, que, no fundo, se traduziu neste corte, era uma verba inserida no orçamento do Tribunal para acorrer a eventuais subsídios de reintegração de juízes que, esporadicamente, possam vir a abandonar o Tribunal Constitucional.
De facto, ao fim de alguns anos, tais juízes terão, nos termos da lei, direito a um subsídio que penso chamar--se exactamente subsídio de reintegração. Ora, acontece que essa compensação, esse pagamento, é, nos termos da lei, algo que pode ou não vir a acontecer —portanto, ocorrerá esse pagamento se e quando a ele houver lugar nos termos da lei. Por conseguinte, entendeu-se que essa era uma verba que seria perfeitamente satisfeita se, no momento adequado, houvesse lugar a esse pagamento e porque, naturalmente, não dexaríamos de cumprir a lei.
Trata-se assim de uma imposição perfeitamente legal, não havendo nenhuma garantia de que tal tenha de vir a ocorrer no ano de 1989. Portanto, o compromisso que se assumiu foi o de que, se essa eventualidade ocorrer, o Governo não deixará de, como é natural, satisfazer as obrigações dela decorrentes, uma vez que, aliás, se trata de um imperativo legal.
Nestes termos, o corte dessa dotação, neste momento do orçamento, não irá fazer perigar minimamente os projectos do Tribunal Constitucional, designadamente no que concerne às verbas relativas ao pessoal — que, segundo a proposta do Tribunal, não foram minimamente afectadas — e mesmo relativamente a algumas dotações que o Tribunal propunha para investimento. Aliás, há alguns investimentos que o presidente do Tribunal Constitucional teve o ensejo de me explicar, designadamente em colaboração com a Procuradoria-Geral da República.
Portanto, e em suma, não houve nenhum corte em matéria de verbas para o pessoal ou de investimentos, sendo por isso que há um aumento significativo relativamente ao ano em curso.
Quanto a esta dotação dos 30 000 contos, entendeu--se que nem sequer a ela deveria haver lugar, uma vez que, se se verificar a eventualidade que já atrás foquei, não deixará de, naturalmente, ser cumprido o disposto na lei. De resto, isto é aplicável ao Tribunal Constitucional como a outros órgãos de soberania. Aliás, quero dizer, com toda a franqueza, que foi com muita facilidade que rapidamente se chegou a um acordo com o Tribunal Constitucional no tocante a esta matéria.
Só sublinharia, a finalizar, que a metodologia utilizada para o Tribunal Constitucional foi a mesma utilizada, por exemplo, para a Presidência da República, em que também, em termos de convenção havida entre esta entidade e o Governo, se chegou rapidamente a um entendimento.
Foi, pois, numa base de pleno entendimento que tudo se passou e penso que, para o Tribunal Constitucional, esta dotação é considerada perfeitamente suficiente e razoável.
O Sr. Soão Amaral (PCP): — Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. João Amaral (PCP): — Sr. Secretário de Estado, iria colocar-lhe apenas três questões relativas às transferências financeiras para as regiões autónomas.
Quanto à primeira, gostaria de saber se o Sr. Secretário de Estado me poderia dar uma informação sobre a evolução das transferências para as Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores, reportada à situação do ano passado.
Em segundo lugar, solicitava a V. Ex.a uma informação sobre o estado de execução do protocolo financeiro com a Região Autónoma da Madeira.
Por último, gostaria de, relativamente à Região Autónoma dos Açores, ser informado acerca da evolução da aplicação dos acordos celebrados com os Estados Unidos no que toca aos chamados donativos deste país àquela Região Autónoma.
Em relação a esta matéria, colocou-se publicamente, a certa altura, a ideia de que haveria uma queda nessa transferência dos Estados Unidos para a Região Autónoma dos Açores — a qual decorre, aliás, com toda a justiça, dos encargos acrescidos que a Região tem com a aplicação do acordo —, embora, posteriormente, tenha havido a informação de que alguns diligentes membros do Governo Regional se teriam deslocado aos Estados Unidos e conseguido aquilo que o Governo Português não teria conseguido.
De qualquer forma, perguntava ao Sr. Secretário de Estado se se confirma que a certa altura houve queda, se esse problema foi resolvido e, no fundo, qual a transferência que vai ser realizada este ano nesse âmbito.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros.
O Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros: — Sr. Deputado João Amaral, não queria ser indelicado — de facto, não tenho minimamente essa intenção —, mas esta matéria atinente às transferências para as regiões autónomas consubstancia uma questão que, em princípio, seria tratada pelo Sr. Ministro das Finanças — penso que está já aprazada a sua vinda a esta Comissão —, porquanto esta matéria não
é da minha responsabilidade.
Por conseguinte, Sr. Deputado, peço-lhe desculpa, mas o que estava combinado era que seria o Sr. Ministro das Finanças a responder a essa questão, uma vez que, no tocante às regiões autónomas, aquilo que, em termos de coordenação, foi da minha responsabilidade, foi a questão das verbas relativas aos Gabinetes dos Ministros da República dos Açores e da Madeira, com excepção da questão das transferências regionais.
O Sr. João Amaral (PCP): — Dá-me licença que use da palavra, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. João Amaral (PCP): — Sr. Secretário de Estado, de forma nenhuma, dada a explicação que acaba de fornecer, consideraria indelicada a sua escusa.
Portanto, farei as mesmas perguntas ao Sr. Ministro das Finanças.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, em virtude de não haver mais inscrições, dou por encerrado o debate relativo aos Encargos Gerais da Nação, ao mesmo tempo que, igualmente, dou por encerrada esta reunião.
Eram 19 horas e 33 minutos.
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