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Terça-feira, 14 de Abril de 1992
II Série-C — Número 22
DIÁRIO
da Assembleia da República
VI LEGISLATURA
1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1991-1992)
SUPLEMENTO
SUMÁRIO
Grandes opções do conceito estratégico de defesa nacional:
Documento apresentado pelo PS com vista à concretização de um debate parlamentar........... 276-(2)
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II SÉRIE-C — NÚMERO 22
Revisão do conceito estratégico
de defesa nacional
1 — O conceito estratégico de defesa nacional que
se encontra em vigor foi aprovado pela Resolução do
Conselho de Ministros n.° 10/85 (Diário da República, l.a série, n.° 42, de 20 de Fevereiro de 1985), após debate sobre as grandes opções do conceito estratégico de defesa nacional realizado na Assembleia da República nas sessões de 11 e 13 de Dezembro de 1984 (Diário da Assembleia da República, l.a série, n.os 27 e 28, de 12 e 14 de Dezembro de 1984, respectivamente).
2 — O conceito estratégico de defesa nacional, de acordo com a Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas (Lei n.° 29/82, de 11 de Dezembro), integra a definição dos aspectos fundamentais da estratégica global do Estado adoptada para a consecução dos objectivos da política de defesa nacional.
Na sequência da definição do conceito estratégico de defesa nacional, foram aprovados:
O conceito estratégico militar; As missões das Forças Armadas; O sistema de forças; O dispositivo.
O conceito estratégico de defesa nacional constitui a peça central das definições legalmente previstas para a fixação da política de defesa nacional e a ele se subordinam todas as opções do sector, nomeadamente as contidas nas leis de programação militar e nas leis orçamentais.
3 — As grandes opções do conceito estratégico de defesa nacional são sempre objecto de debate na Assembleia da República, por iniciativa do Governo ou de um grupo parlamentar previamente à sua adopção pelo Conselho de Ministros, mediante proposta conjunta do Primeiro-Ministro e do Ministro da Defesa Nacional, ouvido o Conselho de Chefes de Estado-Maior e precedendo apreciação do Conselho Superior de Defesa Nacional.
4 — Muito embora não se tivesse concretizado até agora o debate parlamentar sobre o conceito estratégico de defesa nacional, a verdade é que, em 11 de Setembro de 1990, o PS anunciou um conjunto de iniciativas com vista à revisão daquele conceito, nomeadamente:
a) A realização de um debate na Comissão Parlamentar de Defesa;
b) A reorientação do debate promovido pelo MDN sobre questões de defesa nacional;
c) A própria apresentação na Assembleia da República do referido texto sobre as grandes opções do conceito estratégico de defesa nacional.
5 — O PS sente que cada vez mais se verifica a necessidade de rever tal conceito e, no sentido de concretizar as medidas anunciadas, o Grupo Parlamentar apresenta, de novo, as linhas gerais de uma revisão do conceito estratégico de defesa nacional a fim de suscitar o agendamento de um debate em torno do assunto.
6 — O actual conceito estratégico de defesa nacional, decorridos mais de cinco anos após a sua aprovação, apresenta evidentes sinais de desfasamento:
o) Não tem em conta a evolução da situação internacional, quer no respeitante às transforma-
ções verificadas no Leste, evidente nas conversações START e na CSCE, bem como na evo-
lução política registada no Centro e no Leste da Europa, quer ainda quanto à possibilidade
de ocorrência de uma nova tipologia de conflitos regionais e localizados;
b) É anterior às últimas revisões doutrinais da Aliança Atlântica, nomeadamente quanto aos conceitos de defesa e à partilha de responsabilidade entre aliados;
c) Não sublinha convenientemente o papel construtivo das organizações multilaterais na prossecução de uma política de segurança colectiva;
d) É omisso quanto à temática da identidade europeia nos domínios da defesa e da segurança, não tendo por isso em conta o debate no seio das Comunidades Europeias e da União Europeia Ocidental, organizações a que faz referência sumária (caso da CEE) ou que puramente ignora (caso da UEO) e muito menos os resultados da Cimeira de Maastricht;
e) Apresenta uma excessiva carga doutrinária construída em torno de ideias gerais, denotando uma concepção de Estado com alguns preconceitos culturalmente dirigistas;
J) É excessivamente uniformista quanto às modalidades de cumprimento de obrigações de defesa por parte dos cidadãos, as quais são reduzidas ao clássico serviço militar obrigatório;
g) Ao concentrar-se em matérias que são mais do domínio programático da política geral, com forte incursão na economia e na política externa, aborda superficialmente pontos de grande relevância para a dimensão militar do próprio conceito estratégico.
7 — Uma revisão do conceito estratégico de defesa nacional deverá, por isso, ter em consideração as seguintes orientações essenciais:
á) Incorporar os desenvolvimentos doutrinais mais salientes ocorridos nas organizações de defesa de que Portugal faz parte (Aliança Atlântica e UEO);
b) Ter em conta a participação plena de Portugal nas Comunidades Europeias e o debate em torno da construção da união política, nomeadamente no domínio da segurança;
c) Atender à evolução da situação internacional, muito em especial à que é expressa pelas reduções de armamento no âmbito da Conferência de Segurança e Cooperação Europeia;
d) Reter os mais recentes desenvolvimentos quanto à cooperação e segurança no Mediterrâneo Ocidental;
e) Ponderar uma nova filosofia de co--responsabilização do País em tarefas conjuntas de restabelecimento de legalidade internacional sob a égide da Organização das Nações Unidas;
j) Compatibilizar as vertentes dissuasão/negocia-ção e defesa/diplomacia numa política integrada de segurança e definir os eixos prioritários da formulação de propostas portuguesas nesse sentido;
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g) Reconsiderar as várias modalidades de cumprimento dos deveres de defesa por parte dos cidadãos, nomeadamente no que respeita à redução e modernização do serviço militar obrigatório e à reformulação das carreiras militares;
h) Viabilizar um conceito estratégico militar actualizado e, através deste, uma reestruturação das Forças Armadas (missões, sistema de forças, dispositivo);
0 Integrar a cooperação militar internacional no domínio das relações externas de defesa e estas nos objectivos da política externa do Estado;
J) Pautar-se pela adopção dos princípios constitucionais que dimanam da mais recente revisão do dipoma fundamental e enquadrar-se no quadro conceptual constante da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas.
8 — O PS, consciente das suas responsabilidades enquanto principal força política da oposição, apresenta à Assembleia da Repúbica, ao abrigo do n.° 4 do artigo 8.° da Lei 28/82, de 11 de Dezembro, as seguintes
Grandes opções do conceito estratégico de defesa nacional
I — A defesa nacional — que é obrigação do Estado assegurar — tem por objectivos garantir, no respeito da ordem constitucional, das instituições democráticas e das convenções internacionais, a independência nacional, a integridade do território e a liberdade e a segurança das populações contra qualquer agressão ou ameaça externas.
A política de defesa nacional rege-se por princípios fundamentais e objectivos permanentes, constantes da Constituição e da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, e abrange um conjunto de orientações e medidas que a concretizam.
A política de defesa nacional:
a) Tem carácter permanente, exercendo-se a todo o tempo e em qualquer lugar;
b) Tem natureza global, abrangendo uma componente militar e componentes não militares;
c) Tem âmbito internacional, cabendo a todos os órgãos e departamentos do Estado promover as condições indispensáveis à respectiva execução.
O carácter nacional da política de defesa decorre dos seguintes objectivos permanentes:
a) Garantir a independência nacional;
b) Assegurar a integridade do território;
c) Salvaguardar a liberdade e a segurança das populações, bem como a protecção dos seus bens, e do património nacional;
d) Garantir a liberdde de acção dos órgãos de soberania, o regular funcionamento das instituições democráticas e a possibilidade de realização das tarefas fundamentais do Estado;
é) Contribuir para o desenvolvimento das capacidades morais e materiais da comunidade nacional, de modo que possa prevenir ou reagir pelos meios adequados a qualquer agressão ou ameaça externas;
f) Assegurar a manutenção ou o restabelecimento da paz em condições que correspondam aos interesses nacionais.
li — o conceito estratégico de defesa nacional
adopta COftto aspectos fundamentais da estratégia global do Estado plenamente adequados à consecução dos objectivos da política de defesa nacional os seguintes:
1) Garantir a independência nacional e criar as condições políticas, económicas, sociais e culturais que promovam;
2) Garantir os direitos e liberdades fundamentais e respeito pelos princípios do Estado de direito democrático;
3) Defender a democracia política, assegurar e incentivar a participação democrática dos cidadãos na resolução dos problemas nacionais;
4) Promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real entre os Portugueses, bem como a efectivação dos direitos económicos, sociais e culturais, mediante a transformação e modernização das estruturas económicas e sociais;
5) Proteger e valorizar o património cultural do povo português, defender a natureza e o ambiente, preservar os recursos naturais e assegurar um correcto ordenamento do território;
6) Assegurar o ensino e a valorização permanente, defender o uso e promover a difusão internacional da língua portuguesa.
III — O conceito estratégico de defesa nacional aponta como linhas de acção essenciais para o Estado em matéria de defesa nacional as seguintes:
1) O reforço da coesão interna dos portugueses residentes nas várias partes do território nacional e no estrangeiro. Com esta finalidade, divulgar--se-á informação e estimular-se-á um debate plural com vista ao fortalecimento da consciência nacional e ao desenvolvimento dos valores políticos, culturais e morais que a fundamentem. É essencial a manutenção e o reforço da vontade nacional visando a independência de Portugal e a determinação dos Portugueses para defender a Pátria sempre que necessário;
2) A afirmação do primado da independência nacional nas relações externas, bem como do respeito dos direitos do homem, do direito dos povos à autodeterminação e à independência, da igualdade entre os Estados, da solução pacífica dos conflitos internacionais, da não ingerência nos assuntos internos dos outros Estados e da cooperação com todos os outros povos para a emancipação e o progresso da humanidade.
Neste sentido, e com vista à criação de uma ordem internacional capaz de assegurar a paz e a justiça nas relações entre os povos, Portugal participa em sistemas de segurança colectiva e subscreve tratados e acordos de defesa. Portugal mantém laços especiais de amizade e cooperação com os países de língua portuguesa e empenha-se no reforço da identidade europeia e no fortalecimento da acção dos Estados europeus a favor da paz, do progresso económico
e da justiça nas relações entre os povos.
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IY — §Çm prejuízo das respectivas especificidades, a
acautelar pelos seus responsáveis directos, o conceito
estratégico de defesa nacional sublinha a importância das seguintes grandes áreas não militares de intervenção do Estado em matéria de defesa nacional:
1) No plano político geral:
a) O estímulo ao desenvolvimento de uma opinião pública esclarecida e motivada em assuntos de defesa nacional;
b) A divulgação dos factos mais salientes sobre a identidade nacional dos Portugueses, bem como a sua história, contacto com outras civilizações e participação nos grandes acontecimentos da história universal;
c) O esclarecimento do País sobre as finalidades e as missões das suas Forças Armadas;
d) A implantação de um sistema de defesa civil;
2) No plano económico e social:
a) A promoção adequada dos sectores científicos, tecnológicos e industriais com relevância para a defesa nacional;
b) O fortalecimento do sistema interno e externo de transportes e comunicações;
c) A constituição de reservas estratégicas em áreas vitais como a energia, as matérias-primas e os bens alimentares;
3) No plano das relações internacionais:
o) A participação na Organização das Nações Unidas, na Conferência de Segurança e Cooperação e em outras instituições internacionais vocacionadas para o reforço da segurança global e regional;
b) A participação na Aliança Atlântica e na União Europeia Ocidental, organizações multilaterais vocacionadas para a dissuasão e a negociação no plano internacional;
c) A participação nas Comunidades Europeias, nomeadamente nos vectores económicos e diplomáticos da política de segurança comunitária, na cooperação política europeia e ainda na construção da união política, nos termos fixados no Tratado da União Europeia;
d) O estabelecimento de tratados e acordos bilaterais de defesa com outros países a que nos liguem laços especiais de amizade.
V — Em relação às componentes militares da defesa, o conceito estratégico de defesa nacional realça a necessidade de serem prosseguidas as seguintes orientações com vista a assegurar uma capacidade dissuasora autónoma e credível:
a) Adopção de um conceito estratégico militar que, tendo em conta a dispersão das várias parcelas do território nacional e a falta de profundidade do território continental, permita exercer em plenitude as missões de defesa aérea e
patrulhamento naval no espaço interterritorial e assegurar as capacidades de reforço e intervenção rápida em qualquer ponto do mesmo;
b) Modernização das Forças Armadas e adequação do seu sistema de forças, do séu áispflSÍ-tivo e do seu equipamento à natureza e localização do território nacional e à evolução das potenciais ameaças e da situação internacional;
c) Exitêncía de Forças Armadas baseadas no serviço militar profissional, voluntário e obrigatório, este último entendido como modalidade de prestação de um serviço nacional dos jovens à comunidade, tendo em vista preparar a resistência do País para a eventualidade de qualquer agressão que justifique a mobilização de reservas;
d) Articulação entre a defesa militar e a defesa civil com vista à plena mobilização dos recursos nacionais em situações de crise ou conflito;
e) Desenvolvimento, na indústria nacional, de capacidades com efectivo valor para a defesa do País.
VI — No que respeita às relações externas de defesa, que se inserem nos grandes objectivos da política externa do País, o conceito estratégico de defesa nacional evidencia a importância e o significado dos seguintes pontos:
a) A transformação da situação internacional e o fim do Pacto de Varsóvia.
Hoje as Forças Armadas na Europa estão a ser reduzidas por negociação para níveis iguais e verificáveis, minimamente consistentes com as necessidades de segurança e com os recursos orçamentais disponíveis. Os esforços de defesa podem e devem ser adaptados às necessidades de um mundo em evolução para padrões de relacionamento menos confrontacionais e baseados em maior cooperação e diálogo. As doutrinas militares devem reflectir essa mutação;
b) A integração do controlo de armamentos nas políticas de segurança permite adoptar estratégias não agressivas e claramente defensivas, com recurso à noção de dissuasão mínima, apropriada e flexível.
A nova situação da segurança europeia permite caminhar para uma diminuição da prontidão operacional, para uma redução do número de exercícios, para uma limitação dos efectivos e da duração das obrigações militares, para uma melhor distribuição de tarefas no interior das alianças, graças à possibilidade de criação de forças multinacionais e a uma maiot utilização do pré-posicionamento dos equipamentos e do reforço rápido. É igualmente possível garantir a afectação de um maior número de recursos civis a finalidades e missões de defesa e controlar os níveis de crescimento da despesa militar;
c) A eclosão de novos conflitos periféricos, bem como do tráfico ilícito de armas e de drogas, o terrorismo internacional, o crescimento demográfico desordenado e o surto de fundamentalismo, nacionalismo, racismo e xenofobia justificam a manutenção de dispositivos adequados para salvaguarda da soberania dos Estados e de forças preparadas para impedir os conflitos, evitar a guerra e assegurar a autodefesa.
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A criação de uma ordem justa e duradoura de paz na Europa — caracterizada pela cooperação, pela confiança e pela competição pacífica — deve ser acompanhada por idêntico esforço em relação a outras áreas tendo por objectivo alargar o âmbito da segurança mútua ao maior número possível de países e áreas regionais;
d) Portuga) dará um contributo construtivo às políticas de controlo e limitação de armamentos e de desarmamento no âmbito da ONU e da CSCE e, através da participação na Aliança Atlântica e na União Europeia Ocidental, apoiará evolução das respectivas estratégicas e doutrinas. Deverá ainda estimular o reforço da identidade europeia em matéria de segurança — no-
meadamente das Comunidades Europeias — no quadro da solidariedade atlântica e em plena consonância com o carácter euro-atlântico do seu posicionamento estratégico. Portugal favorecerá uma melhoria das relações externas de defesa com os países vizinhos e a consolidação de esquemas adequados de segurança regional
para a sua área confinante. Serão incrementados laços especiais neste domínio com os países de expressão portuguesa, no contexto das grandes prioridades externas do Estado.
Os Deputados do PS na Comissão Parlamentar de Defesa: Jaime Gama — Miranda Calha — José Lello — Eduardo Pereira — Eurico Figueiredo — Fernando de Sousa.
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