Página 179
Quinta-feira, 22 de Setembro de 1994
II Série-C — Número 33
DIÁRIO
da Assembleia da República
VI LEGISLATURA
3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1993-1994)
SUMÁRIO
Provedor de Justiça:
Relatório do provedor de Justiça à Assembleia da República referente à actividade no ano de 1992.......... 180
Página 180
180
II SÉRIE-C — NÚMERO 33
RELATÓRIO DO PROVEDOR DE JUSTIÇA À ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA -1992
Em cumprimento do disposto no artigo 23.°, n.° 1 da Lei n.° 9/91, de 9 de Abril, tenho a honra de apresentar à Assembleia da República o relatório da actividade do provedor de Justiça referente ao ano de 1992. Releve-se o atraso com que o faço e que ficará explicado, se não justificado, com o què adiante se aponta.
O Provedor de Justiça, José Meneres Pimentel. SUMÁRIO
Introdução
Parte I — Da instituição:
1 — Diagnóstico da situação na Provedoria de Justiça.
1.1 — Problemas infra-estruturais.
1.2 — Problemas estruturais.
2 — Medidas tomadas e resultados conseguidos.
Parte II — Da actividade:
1 — Actividade processual.
1.1 — Dados estatísticos.
1.1.1 — Comentário aos dados estatísticos.
1.2 — Pedidos de declaração de inconstitucionalidade.
1.2.1 —Casos em que se decidiu não pedir a fiscalização da constitucionalidade.
1.3 — Recomendações legislativas — genéricas.
1.4 — Resumos de processos anotados.
2 — Actividade extraprocessual.
2.1 — Seminário sobre CPA.
2.2 — Seminário «Menores em Risco Numa Sociedade em Mudança».
2.3 — Participação do provedor em reuniões internacionais.
3 — Anexo — Discursos e intervenções do provedor de Justiça.
Introdução
O provedor de Justiça foi designado pela Assembleia da República no dia 14 de Janeiro de 1992, nos termos do artigo 5.°, n.° 1, da Lei n.° 9/91, de 9 Abril. A designação do
novo provedor ocorreu em circunstância de alguma anormalidade na vida da instituição: o meu ilustre antecessor, Dr. Mário Raposo, renunciara ao cargo em 21 de Dezembro de 1991. As razões que a tal o levaram, e que a comunicação social veiculou, induziram na opinião pública a ideia de que o órgão de Estado «provedor de Justiça» estaria em crise, nomeadamente por não ter garantias de poder desenvolver, em termos satisfatórios, a sua actividade institucional. Aceitei, mesmo assim, o convite para me candidatar que em conjunto me foi dirigido pelos líderes parlamentares do PSD e PS. A eleição ocorreu na sessão plenária da Assembleia da República do dia 15 de Janeiro de 1992, e a cerimónia de posse teve lugar no dia 4 de Fevereiro de 1992, no Salão Nobre da Assembleia da República, Nela o Sr. Presidente da Assembleia da República proferiu o seguinte discurso:
1 — Por ter sido eleito para o cargo, acaba V. Ex.*, Sr. Conselheiro Meneres Pimentel, de assumir as funções de provedor de Justiça. Por consequência, doravante, terá V. Ex." por especial missão receber as queixas respeitantes a comportamentos dos poderes públicos atentatórios de direitos, liberdades, garantias e interesses legítimos dos cidadãos, dirigir recomenda-
ções com vista à correcção de actos ilegais ou injustos ou à melhoria dos serviços prestados pela Administração, assinalar as deficiências detectadas na legislação vigente e sugerir a adopção de legislação
nova, promover a divulgação do conteúdo de cada um dos direitos fundamentais e do papel da Provedoria de Justiça na sua protecção e defesa, integrar o Conselho de Estado, requerer ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade de normas e a apreciação e verificação de inconstitucionalidade por omissão, elaborar e enviar à Assembleia da República relatórios sobre a actividade da Provedoria de Justiça. Assim o dizem a Constituição, as leis e o Regimento da Assembleia da República, todos eles à uma inspirados na ideia escandinava que há muito se institucionalizou na figura do Ombudsman.
2 — A verdade é que o instituto do Ombudsman vem conhecendo uma rápida universalização atravessando hoje ordens jurídicas que estão muito longe da família escandinava. O fenómeno prende-se — como é sabido dos presentes — com as deficiências de que naturalmente sofre a protecção dos direitos e liberdades do cidadão nos Estados modernos, inclusive naqueles que se enquadram no tipo denominado «Estado de direito democrático».
Mesmo onde a accionabilidade dos poderes públicos perante os tribunais constitui uma característica nuclear do Estado —como é no Estado de direito democrático — a protecção jurídica do cidadão não pode deixar de ser limitada. A isso obriga um outro princípio essencial da estrutura democrática do Estado — o princípio da divisão de poderes. Por força dele e da sua expressão mais elementar — o princípio da competência —, as decisões públicas hão-de ser tomadas, sempre e só, pelo órgão a que estão cometidas pela ordem jurídica, não sendo legítimo a qualquer outro órgão ou poder substituir-se a esse. Daí que a protecção jurisdicional dos cidadãos perante as autoridades administrativas, além de dever ser por regra sucessiva (ex post), não possa ir ao ponto de transferir totalmente para as mãos dos juízes a responsabilidade pela decisão administrativa controlanda. O gouvemement des juges não é senão uma forma de despotismo — o despotismo judicial, se calhar o pior de todos os despotismos, como ensinavam os clássicos, a começar por Hamilton. O que significa que o poder jurisdicional não pode dispor da possibilidade de efectivamente tutelar toda a esfera jurídica dos cidadãos uti singuli perante as agressões, atropelos e omissões vindas do lado da Administração Pública.
Por outro lado, a protecção jurídica dispensada directamente pela Administração —seja ao longo do ciclo decisório, seja depois da tomada das decisões — depara com défices praticamente insuperáveis. Entre a proclamação constitucional do dever da imparcialidade e a prática efectiva deste interpor-se-á sempre um passo significativo, desde logo porque na dinâmica real o administrador é um decisor interessado e o seu interesse, ainda que legítimo, nem sempre coincide com o interesse do cidadão singular ou das classes específicas de cidadãos de que se trate. A «máquina administrativa», em suma, está condenada a segregar injustiças, num coeficiente maior ou menor, para aqueles
Página 181
22 DE SETEMBRO DE 1994
181
que a ela recorrem ou que ela arrasta no seu movimento.
Aqui, na intercepção destes dois défices da protecção jurídica conferida ao cidadão no Estado de direito democrático, é que se inscreve a figura do provedor de Justiça. Não estamos perante um órgão jurisdicional
nem perante uma autoridade administrativa decisória,
mas perante uma entidade nova «independente dos meios graciosos e contenciosos previstos na Constituição e nas leis», à qual cabe o poder de recomendar à Administração e ao legislativo tudo o que lhe parecer necessário para prevenir e reparar injustiças in casu ou em geral. O êxito prático desta missão depende, claro está, da capacidade, do talento e da discrição da pessoa que exercer o cargo de provedor para persuadir racionalmente legisladores ou administradores da excelência e justiça das medidas que preconiza. Da/ que a escolha do provedor esteja sujeita às exigências da eleição pela Assembleia da República por dois terços dos Deputados presentes e da comprovada reputação de integridade e independência da pessoa em causa.
3 — V. Ex.°, Sr. Conselheiro Meneres Pimentel, acaba de entrar na série das personalidades insignes, iniciada no âmbito da Constituição com a notável figura de jurista e cidadão de José Magalhães Godinho, às quais coube, desde meados da década de 70, a tarefa honrosa e prestigiada de exercer o alto cargo de provedor de Justiça.
Nesta oportunidade, gostaria de lhe exprimir o meu profundo contentamento pessoal pela distinção que a Assembleia da República lhe conferiu ao elegê-lo, e manifestar publicamente a minha certeza de que cumprirá com o maior proveito para as instituições democráticas esta nova missão que a República lhe exige. Para isso dispõe do melhor augúrio: à sagacidade e inteligência que revela em todos os seus actos, alia não só uma sólida cultura jurídica como uma diversificada e rica experiência no trato da causa pública — seja no Parlamento, seja no Governo, seja no Supremo Tribunal de Justiça.
E, decerto, de muito lhe valerá e à instituição que vai servir a sua experiência de legislador — pois, talvez, uma das dimensões marcantes da função do provedor de Justiça seja prospectiva e assente na ars inveniendi de descobrir caminhos novos para superar e vencer as injustiças da rotina administrativa em situação.
Sr. Conselheiro Meneres Pimentel: parabéns e felicidades.
Pela minha parte, respondi com as palavras que a seguir se transcrevem, e nas quais pretendi sintetizar as linhas programáticas da minha actuação como provedor, e, ao mesmo tempo, a avaliação pessoal que fazia das circunstâncias:
1 — A justiça dos homens resolve, ou esforça-se por resolver, os problemas concretos que interessam à pessoa e à sociedade; ela, para alcançar este objectivo, formula e impõe normas, cria organismos, prevê procedimentos para as questões suscitadas pela vida de cada dia. Só que estes problemas estão em continua
mudança, assim como o mesmo acontece com as normas, os procedimentos e os organismos criados para resolver aqueles. Tendo em conta esta permanente evolução, deverá fazer-se a interrogação sobre se existirá uma solução duradoura. De facto, o século prestes
a findar infelizmente mostrou a necessidade de uma luta permanente contra a opressão e a pobreza, desencadeando a imprescindibilidade de uma guerra a favor da liberdade e dignidade da pessoa humana, da justiça social e da coexistência pacífica entre as pessoas e os povos.
2 — Se o exposto é infelizmente válido para todas as épocas, a presente continua a reclamar o mesmo tipo de acções, conhecidas, como são, as grandes contradições deste século: enquanto se desenvolveram os ideais mais nobres de liberdade individual e da dignidade da pessoa humana, estabeleceram-se sistemas de opressão das pessoas, de grupos étnicos e mesmo de nações inteiras; por outro lado, observou-se o mais impressionante desenvolvimento da riqueza material, despertaram oportunidades de novas riquezas e de um novo bem-estar, mas simultaneamente viu-se e continua a assistir-se ao flagelo da miséria generalizada e devastadora.
3 — Se é exacto que no início do século existia alguma possibilidade de finalmente se viver unido e em paz, o certo é que, logo na sua primeira metade, se assistiu ao desolador espectáculo de duas guerras devastadoras para, logo de seguida, se ter mantido, durante 40 anos, um latente conflito que, a desencadear-se, resultaria na destruição do mundo em que vivemos. Contudo, os acontecimentos novos levam-nos a ter alguma esperança sobre a perenidade da paz e da concórdia entre os homens.
4 — Em plano mais concreto, episódios conhecidos, como o da ausência de regras normais de convivência social em países da Europa Central e do Leste, escândalos na Europa Ocidental, nas Américas, no continente asiático e com Timor Leste induzem a uma reflexão aprofundada sobre o que se pode denominar como um problema de «imoralidade» no direito. Guerras como as do Vietname, Irão, Afeganistão e outras fazem, por seu turno, pensar no mesmo problema de «imoralidade», agora centrado no terreno da política. Importa, assim, assegurar a liberdade, a justiça e a paz que continuam a ser os problemas fundamentais nesta época de transição para um mundo que se deseja menos desigual. A meu ver, a questão nuclear continua a ser a da opressão dos homens pelos poderes públicos. De facto, a democracia pluralista pode gerar efeitos perversos apesar de um conjunto de garantias formais como as da existência de constituições escritas e respectivo controlo das leis regulamentadoras daqueles textos fundamentais.
5 — Em épocas como a actual, grupos organizados (corporações económicas, sindicatos, associações profissionais, partidos políticos) são ou podem tornar--se mais perigosos ou mais inclinados a imiscuir-se na vida privada de todos nós do que os referidos órgãos políticos do Estado. E mesmo o fantástico e maravilhoso progresso verificado no domínio da tecnologia passou a constituir uma ameaça potencial à liberdade,
Página 182
182
II SÉRIE-C — NÚMERO 33
desde que ele permita tornar mais fácil o exercício da tirania. Nunca, como hoje, a pessoa humana sofreu
tanto a solidão no meio da multidão; na verdade, se-
gundo a generalidade dos pensadores contemporâneos, o sentimento da marginalização atingiu um grau tão elevado a ponto de constituir uma das doenças psicológicas mais constantes do homem actual.
6 — Consequentemente, o perigo mais sério do nosso século foi, sem dúvida, o do poder organizado das autoridades públicas do Estado. Os casos do fascismo, do nazismo e do comunismo totalitário são disto um exemplo muito cruel, mas a democracia pluralista, como disse, pode cavar um fosso muito grave entre quem governa e quem é governado. Daqui o aparecimento dos denominados «checks and balances», entre os quais se pode incluir a instituição do Ombudsman. Nesta perspectiva, a figura do provedor de Justiça é, como a imagem do próprio povo, a imagem do poder não exercido mas real. E é aí que reside a sua grandeza: uma grandeza feita da fragilidade saudável da própria democracia.
7 — Segundo a conceptualização moderna do provedor, expressa por Olof Palme, nas sociedades desenvolvidas a alienação é uma realidade, ainda que a alguns essa alienação satisfaça e adormeça. Como ele referiu em 1973, cada dia, nas pequenas coisas, complicamos a vida, espezinhamos os outros, transformamos a vida numa alienação ou num inferno. O provedor era, assim, para ele, a consciência democrática que nos alerta para que não há sucesso com vítimas ou injustiçados, obrigando-nos a introduzir e a querer mais justiça no quotidiano concreto das nossas vidas.
8 — Se é verdade que ao liberalismo se ficou a dever a democracia formal, cedo se verificou que o percurso dito democrático do Estado liberal podia mascarar um défice de democracia real, tomando meramente nominais os valores da liberdade e igualdade que, no entanto, lhe tinham servido de inspiração. O colectivismo foi a tentativa desastrada de cobrir esse défice de democracia real. Contrapondo esta à democracia formal acabou por eliminar ambas —e a recente derrocada dos impérios que construiu constitui a prova cabal de que fora contra o homem real que erguera a sua construção ideológica e sedimentara o seu modelo de sociedade. E nada do que é contra o homem pode reclamar-se de perenidade. Todavia, o problema que o colectivismo identificou, sem o resolver, persiste nas sociedades modernas onde a democracia plena é a meta de um caminho longo que todos somos convidados a percorrer. Atribuir ao provedor o papel de consciência crítica da sociedade e do Estado, pronto a identificar as emergências do défice democrático, e, mais do que isso, pronto a intervir no sentido de levar o Estado a colmatá-las, é a tentação que se me apresenta ao procurar definir para mim próprio a linha mestra que deverá, nessa qualidade, orientar a minha acção.
9 — Não penso que a acção do provedor de Justiça em face do Estado possa ser encarada em termos de poder e contrapoder. Considero redutora essa visão e, como tal, inexacta. Como não julgo exacta a representação do provedor como uma figura inerme e de-
samparada face à ampla panóplia de que dispõem os poderes legítimos, ainda quando ilegitimamente exercidos. É no povo que, em democracia, o verdadeiro Poder reside. Com efeito, é à vontade popular, expressa em eleições livres, que os poderes democráticos vão buscar a sua legitimidade. O que significa que em democracia não exerce o Poder quem realmente o tem: exercem-no, repartido, aqueles que a vontade popular indicou. É assim que, em democracia, o Poder, quando exercido, se pluraliza: há órgãos dotados de poderes, que exercem porque mandatados por aqueles que detêm o Poder.
Se houvéssemos de, nesta perspectiva, situar o provedor de Justiça, não o poderemos alinhar como mais um detentor de poderes entre outros que igualmente os detêm. E, sim, como a voz daquele que detém o Poder e dele se privou, junto daqueles em quem o delegou e que, no seu exercício concreto, podem arranhar as células do grande corpo em que o dito Poder se encarna.
10 — Qual deverá ser então, nesta perspectiva, a linha de actuação do provedor de Justiça?
Antes de mais, não gostaria que a Provedoria de Justiça fosse apenas um serviço público entre os demais, enfermando quiçá dos defeitos que os atingem, onde burocraticamente se desse andamento aos processos entrados. Sem deixar de responder às queixas concretas que lhe são apresentadas, deve o provedor induzir as acções necessárias para que sejam sanadas as causas que as provocam; de facto, as queixas são os sintomas e é a doença que importa combater.
Antevejo, pois, como saudável, o assumir uma atitude activa que tempere o passivismo configurado na hipótese que primeiro formulei.
Nesta linha de actuação, preconizarei uma maior intervenção no processo legislativo, sobretudo a nível do funcionalismo público, da actividade administrativa e, de uma maneira muito específica, no domínio das leis de processo, com vista à obtenção de razoável celeridade na administração judiciária.
Logo que bem definidos os sectores estratégicos de maior incidência na actividade da Provedoria, competir-lhe-á coadjuvar os cidadãos no acesso ao direito, à informação e consulta jurídica; no esclarecimento sobre o direito de resistência, no de efectivar a responsabilidade civil do Estado (incluída a derivada do exercício da função legislativa), no direito de petição, no exercício da acção popular e do direito de participação na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito no âmbito da actividade administrativa. Importa, outrossim, não esquecer o domínio dos chamados direitos do homem de «segunda geração», como sejam os relativos ao ambiente, à defesa dos cidadãos face à informática, os referentes aos consumidores, à defesa do património cultural, aos da condição feminina e dos menores, à tutela dos interesses difusos, e permitir a humanização nas relações entre o fisco e os contribuintes.
Para tornar possível esta e outras tarefas, julgo importante a rápida promulgação da nova lei orgânica dos serviços da Provedoria, assim como o alargamento das actuais instalações.
Página 183
22 DE SETEMBRO DE 1994
183
11 — Não deverei esquecer neste momento o que já por diversas vezes acentuei: se o provedor é o último dos cidadãos, ajudando estes a avançarem em direcção ao Estado (e não contra este), também eles deverão cooperar, por forma organizada, com a Provedoria. E é aqui que tem um papel fundamental a acção dos diversos meios de comunicação social, não só na denúncia de actos já consumados, como sobretudo na referência de situações potencialmente geradoras de alarme social pela clara injustiça que eventualmente lhes subjaz.
Parece decorrer do que já foi dito não dever ser o provedor um «mero funcionário de relações públicas» nem tão-pouco um «funcionário de simples orientação» na complexa máquina administrativa do País. Trata-se de algo mais: «de alguém que sem poder ordenar, mande e nem sempre em favor do cidadão que se queixa».
12 — Sublinho ter plena consciência de tomar posse deste cargo em situação difícil, decorrente de uma ruptura do mandato recebido por esta Assembleia. Para além das razões invocadas, que nada tiveram a ver com o Parlamento, creio importante sublinhar não ter sido posta em causa, pelo nosso tecido social, a instituição, que, como é sabido, tem dignidade constitucional reafirmada em duas revisões da Constituição e que, sob o impulso do Dr. Francisco Salgado Zenha, então Ministro da Justiça, já adquirira consagração legislativa, na fase pré-constitucional.
Igualmente não escondo a turbação recentemente verificada nas relações entre a Provedoria e as Forças Armadas. Por assim ser, procurarei restabelecer a normalidade, sem abdicar, como é natural, dos poderes conferidos pelo último Estatuto do Provedor.
Por tudo isto é que agradeço, na pessoa de V. Ex.", Sr. Presidente da Assembleia da República, a confiança em mim depositada para engrandecimento da Provedoria de Justiça. Poderão contar com a minha determinação, com o meu entusiasmo, com a imparcialidade daquele que foi o «menos partidário dos partidários» e que, com alguma imodéstia o diz, fez algo pelo actual regime democrático, quer antes, quer depois do 25 de Abril. Não posso, com efeito, esquecer ter sido, em 1976, um dos 250 fundadores desta Casa e que, com assiduidade e algum trabalho, ajudou à elaboração de algumas traves-mestras do edifício jurídico do nosso regime. Quer no governo provisório, quer nesta Assembleia e quer ainda em dois governos constitucionais, tive a oportunidade de exercitar algumas capacidades de tolerância e de bom relacionamento com todas as formações políticas.
Um agradecimento muito sincero aos meus colegas do Supremo Tribunal de Justiça, onde, durante mais de cinco anos, exercitei uma experiência nova com alguns resultados que outros poderão qualificar.
Oxalá continue o referido entendimento democrático para bem do regime, o que vale por dizer para dignificação da Provedoria, tal como aconteceu quando esta foi dirigida pelos meus ilustres antecessores coronel Costa Brás, conselheiros José Magalhães Godinho e Pamplona Corte-Real, assim como pelos Drs. Almeida Ribeiro e Mário Raposo.
PARTE I
Da instituição
1 — Diagnóstico da situação na Provedoria de Justiça
Em 5 de Junho de 1992 dirigi à Assembleia da República a carta da que me permito transcrever alguns excertos:
Tomei posse em 4 de Fevereiro próximo passado, tendo encontrado os serviços desta Provedoria num caos. Na verdade, em cima da minha mesa encontravam-se cerca de 800 processos para despacho final e à volta de 10000 pendentes. Por outro lado, a nova lei orgânica da Provedoria prometida no artigo 46.° do Estatuto do Provedor de Justiça (Lei n.° 9/91, de 9 de Abril) estava por fazer, pelo que tive necessidade de, em prazo muito curto, elaborar o respectivo projecto, entregue em 16 de Março próximo passado ao Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares. Existem carências no quadro de assessores e não as posso resolver enquanto não vir aumentado o mesmo.
Por outro lado, quatro dos assessores do quadro vigente foram para outras funções sem ocasionarem vagas. Acresce que não existe espaço para os assessores trabalharem, já que os subsistentes se encontram «amontoados» em pequenos cubículos, em grupos de três e quatro. Boa parte dos funcionários administrativos trabalham em anexos ao edifício principal, em compartimentos com condições inferiores às de várias celas prisionais. Estão em curso diligências para tentar resolver o que vem de ser exposto, mas nada mais, segundo suponho, é de exigir a quem há quatro meses está aqui.
Estas palavras ilustram parte do diagnóstico que já então pudera fazer por observação directa das realidades, e que julgo útil relembrar e completar. Com efeito, à data da minha posse, vários eram os problemas com que se debatia a Provedoria de Justiça e que, a não serem atalhados a tempo, poderiam provocar a médio prazo o colapso da sua actividade.
1.1 —Problemas infra-estruturais.
1.1.1 —Há que salientar, antes do mais, o problema das instalações. Desde o início que estas foram consideradas provisórias. O natural desenvolvimento dos serviços tornou-as também irrisórias. Diga-se apenas, para abreviar razões, que só o provedor possuía um gabinete digno desse nome. Os dois provedores-adjuntos, equiparados a subsecretários de Estado (cf. artigo 19.°, n.° 3, da Lei n.° 10/78, de 2 de Março), partilhavam um único gabinete; os dois coordenadores, equiparados a directores-gerais (artigo 10.° do Decreto Regulamentar n.° 36/90, de 27 de Novembro) partilhavam entre si, e com uma funcionária que os secretariava, um único e exíguo gabinete. Isto para não falar dos assessores e pessoal administrativo, todo ele a trabalhar em condições mais ou menos degradantes, sem mencionar os serviços de documentação e biblioteca, em parte instalados num corredor, ou do serviço de relações públicas, em que o atendimento de reclamantes era feito na presença dos que esperavam para ser atendidos.
1.1.2 — Também o sistema informático se encontrava no limite das suas capacidades, e dispondo de um único programa para acompanhar o manuseamento de processos. Não estava informatizado o serviço de documentação e bi-
Página 184
184
II SÉRIE-C — NÚMERO 33
blioteca, não havia acesso a bases de dados de natureza jurídica, e os senhores assessores manuscreviam os seus pareceres e demais intervenções nos processos, dificultando em medida que não é difícil imaginar o trabalho de quem a final tinha de decidir.
1.2 — Problemas estruturais. — Aos problemas infraestruturais que acabo de evocar juntavam-se graves problemas de estrutura. Com efeito, a Lei Orgânica da Provedoria data de 1978 (Lei n.° 10/78, de 2 de Março) e a sua inadequação às necessidades do serviço são patentes. O legislador reconhecera implicitamente essa inadequação ao cometer ao Governo, no artigo 46." da Lei n.° 9/91, de 9 de Abril, o encargo de proceder «por decreto-lei às alterações necessárias à Lei Orgânica no prazo de 180 dias». A verdade é que os 180 dias passaram e o Governo não cumpriu aquela disposição legal.
Das insuficiências orgânicas há que salientar: 1.2.1—O facto de o provedor ter de desempenhar também as funções de director-geral do serviço, com a consequente sobrecarga de trabalho e preocupações; quer dizer, o provedor era o apoio de si próprio.
1.2.2 — O facto de não se encontrarem criadas nem previstas subunidades orgânicas de apoio técnico à Provedoria, tão essenciais como a documentação e informação e relações públicas.
1.2.3 — O facto, decorrente aliás dos anteriores, de tarefas tão essenciais como a elaboração do relatório e a resposta escrita aos pedidos de informação dos reclamantes se encontrarem a cargo de ninguém.
1.2.4 — O facto de, tendo o quadro de assessores 20 lugares, se encontrar integralmente preenchido, mas privado de um quarto dos seus elementos que, funcionários públicos, beneficiaram das várias formas de mobilidade da função pública.
O recurso à requisição não seria adequado para suprir estas faltas: embora auferindo vencimentos aquém do que seria desejável, os assessores da Provedoria têm remuneração superior à da generalidade dos funcionários públicos, e os que viessem a ser requisitados venceriam pela tabela do lugar de origem.
1.2.5 — O facto de para um quadro de 20 assessores existirem apenas dois coordenadores—tantos quantos os provedores-adjuntos — o que, se por um lado atropela o princípio da organização em pirâmide, impossibilita, por outro, um desejável trabalho de equipa.
1.2.6 — O facto, finalmente, de o número de trabalhadores consentido pelo quadro ficar muito aquém das reais necessidades do serviço, mesmo sem alterações estruturais, facto bem patente aliás na circunstância de haver na Provedoria nada mais nada menos do que 10 contratados a termo certo para. assegurarem um serviço tão indispensável e permanente como o da dactilografia.
1.3 — Para além dos problemas já descritos, outros se poderiam apontar no próprio funcionamento dos serviços. Salvaguardadas a boa vontade e a dedicação da grande maioria dos funcionários, os métodos de trabalho no sector administrativo enfermavam de algum arcaísmo a impedir a exigível rendibilidade do trabalho. Também na tramitação
dos processos, e em atropelo de orientações estabelecidas pelos meus ilustres antecessores, se verificavam distorções que, além de induzirem a falta de celeridade notória na actuação do provedor, em alguns casos feriram a confiança que os cidadãos têm direito de depositar neste órgão do Estado.
2 — Medidas tomadas e resultados conseguidos
2.1 —A primeira medida que tomei para resolver os problemas encontrados e acima descritos foi promover a elaboração de um projecto de lei orgânica que tive oportunidade de apresentar ao Governo na pessoa do Sr. Ministro Adjunto no dia 14 de Março. Nesse projecto se vazava uma nova estrutura para os serviços da Provedoria, um novo índice remuneratório para os respectivos assessores, e se introduzia o princípio de vinculação precária à Administração Pública para coordenadores e assessores de modo que estes passassem a ser efectivamente da livre escolha do provedor, sem prejuízo evidentemente dos direitos adquiridos.
Dada a celeridade posta na entrega do projecto, julguei poder contar com o almejado diploma em Setembro de 1992. Seguiu-se, porém, um moroso processo negocial entre o provedor e a Secretária de Estado do Orçamento, que fez expirar o ano sem que a nova lei fosse promulgada.
2.2 — A segunda prioridade a que dediquei a minha atenção foi a renovação do sistema informático da Provedoria. Já vinham de trás diligências nesse sentido, desencadeadas pelos Srs. Provedores-Adjuntos que tinham nomeadamente escolhido o técnico em informática para assessorar a equipa da Provedoria que encontrei já constituída pelos Ex.mos Provedores-Adjuntos e Director de Serviços Administrativos. O processo de levantamento de necessidades, elaboração do caderno de encargos e concurso público foi levado a bom termo e em 29 de Outubro assinei com a empresa ICL o contrato de aquisição de hardware e software no valor de 32 685 081$, que permitirá informatizar a Provedoria nas áreas da gestão de processos, documentação e biblioteca, contabilidade, escritório electrónico, além de possibilitar a utilização das bases de dados jurídicas existentes.
2.3 — O magno problema das instalações da Provedoria também ficou resolvido em 1992. Tratava-se de um problema crónico que, como foi dito, vinha praticamente desde a criação do Provedor de Justiça, que ficou «provisoriamente» instalado numa vivenda arrendada na Avenida de 5 de Outubro. Havia seis anos (pelo menos) que, de modo mais ou menos informal, funcionava uma equipa com o objectivo de assegurar para a Provedoria instalações condignas. Nenhum resultado útil haviam conseguido os esforços desenvolvidos. Com efeito, não era tarefa fácil: tratava-se de conseguir um espaço com a dignidade e as dimensões exigidas pelo serviço a que se destinava, por um preço que não representasse dispêndio incomportável para o Estado. Julgo que a solução encontrada com a aquisição do conjunto de edifícios e jardim na Rua do Pau de Bandeira, 7 e 9, correspondem a esses desiderata A área total é de 1328 m2, suficiente, mesmo com as actuais divisões de espaço, para albergar os serviços e efectivos que venham a resultar da nova lei orgânica. O conjunto de edifícios apresentava, aliás, a vantagem adicional de consentir a instalação dos serviços sem necessidade de se realizarem grandes obras. Por outro lado, graças à indemnização conseguida do senhorio da Avenida de 5 de Outubro pela rescisão do contrato de arrendamento, pelas novas instalações, cujo preço se cifrou em 672 420 000$, o Estado apenas teve de pagar a quantia de 182420 000$. E foi assim que a partir do dia 14 de Dezembro de 1992 a Provedoria de Justiça passou a funcionar.
Página 185
22 DE SETEMBRO DE 1994
185
"VER DIÁRIO ORIGINAL"
Página 186
186
II SÉRIE-C — NÚMERO 33
"VER DIÁRIO ORIGINAL"
Página 187
22 DE SETEMBRO DE 1994
187
28) Urbanismo e obras:
Obras ilegais.............................................. 24
Licenciamento............................................ 52
Obras coercivas......................................... 5
Obras públicas........................................... 1
Questões diversas...................................... 45
Total............................... 127
29) Diversos............................................................ 203
30) Assunto incompreensível.................................. -
Total............................... 203
Total geral...................... 3460
QUADRO N.° 5 Entidades visadas nos processos
I — Administração central
Governo................................................................... 48
Primeiro-Ministro.................................................... • -
Presidência do Conselho de Ministros................... 7
Ministério da Administração Interna...................... 26
Ministério dos Assuntos Parlamentares..................
Ministério da Defesa Nacional............................... 57
Ministério dos Negócios Estrangeiros.................... 8
Ministério das Finanças.......................................... 452
Ministério do Planeamento e da Administração do
Território............................................................. 27
Ministério da Justiça............................................... 112
Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação ... 7
Ministério da Educação.......................................... 497
Ministério da Indústria e Energia...........................* 26
Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações ............................................................... 34
Ministério da Saúde................................................ 237
Ministério do Emprego e da Segurança Social...... 494
Ministério do Comércio e Turismo........................ 5
Ministério do Ambiente e Recursos Naturais......... 20
Ministério do Mar................................................... 7
Ministério da Agricultura........................................ 33
Ministro Adjunto e da Juventude........................... 1
Total..............................._20
Governo de Macau................................................. -
II — Administração regional
Governo Regional dos Açores................................ 4
Governo Regional da Madeira..............................._3_
Total..............................._7
10 — Administração local
Governo civis.......................................................... 14
Juntas distritais........................................................
Assembleias distritais.............................................. 1
Federações de municípios.......................................
Câmaras municipais................................................ 304
Assembleias municipais.......................................... 1
Serviços municipalizados........................................ 20
Juntas de freguesia.................................................. 22
Assembleias de freguesia........................................ 2
Juntas de turismo.................................................... -
Total............................... 364
TV — Empresas públicas, nacionalizadas e intervencionadas
Empresas públicas e nacionalizadas....................... 182
Empresas intervencionadas..................................... -
Total............................... 182
V — Outras entidades
Presidência da República........................................ -
Assembleia da República........................................ 4
Serviço do Provedor de Justiça.............................. -
Conselho Superior da Magistratura........................ 3
Tribunais................................................................. 362
Ministério Público...................................................
Forças Armadas...................................................... 14
Comissão Nacional de Eleições.............................. 1
Comissões de recenseamento.................................. -
Entidades estrangeiras.............................................
Entidades particulares............................................. 152
Associações públicas............................................... -
Outras...................................................................... 273
Total............................... 809
QUADRO N.° 6 Características das queixas
I-—Situação sòcio-profísslonal dos reclamantes 1 — Queixas Individuais
Agricultor................................................................ 26
Aposentado ou reformado....................................... 448
Comerciante............................................................ 59
Deficiente................................................................ 13
Desconhecido.......................................................... 629
Desempregado......................................................... 35
Doméstica................................................................ 24
Emigrante................................................................ 25
Estrangeiro.............................................................. -
Estudante................................................................. 33
Industrial.................................................................. 12
Militar...................................................................... 41
Profissão liberal....................................................... 188
Profissão não declarada.......................................... 53
Proprietário.............................................................. 24
Recluso.................................................................... 128
Sem profissão.......................................................... 10
Trabalhador da administração central..................... 1 010
Trabalhador da administração regional................... 15
Trabalhador da administração local........................ 63
Trabalhador deempresa pública ou nacionalizada ... 29
Trabalhador do sector privado................................ 134
Total............................... 2996
2 — Queixas colectivos
Associações profissionais........................................ 16
Comissões de moradores........................................ 50
Comissões de trabalhadores.................................... 11
Entidades públicas...............■................................... 26
Outros...................................................................... 185
Partidos políticos..................................................... 1
Sindicatos e associações sindicais.......................... 126
Sociedades............................................................... 49
Total............................... 464
Página 188
188
II SÉRIE-C — NÚMERO 33
II — Origem geográfica das queixas
1 — Distritos comine mala
Aveiro 179
Beja 30
Braga 145
Bragança 67
Castelo Branco 63
Coimbra 161
Évora 45
Faro 81
Guarda48
Leiria 71
Lisboa 1281
Portalegre 31
Porto 580
Santarém 148
Setúbal 238
Viana do Castelo 49
Vila Real47
Viseu 72
Total............................... 3 336
2 — Regiões Autónomas e território de Macau
Açores 29
Madeira 45
Macau_2
Total..............................._76
3 —Estrangeiro, s nfto Identificada
Estrangeiro 38
Não identificada10
Total..............................._48_
III — Sexo, entidades colectivas, não identificado
Feminino 998
Masculino 1719
Entidade colectiva 713
Não identificado......................................................
Total............................... 3 460
IV — Intermediário
Assembleia da República
Ministério Público...................................................
Total...............................
V — Interesse/natureza
Individual 2 724
De grupo 670
Geral_66
Total............................... 3 460
VI — Duração dos processos
Menos de 15 dias................................................... 49
1 mês 356
2 meses 97
3 meses.....................-.................' 120
4 meses....................................... 103
5 meses............................................ 125
6 meseS !2
7 meses...................... 8
8 meses..................... 92
9 meseS 90
10 meses 112
11 meses 140
12 meses 272
18 meses 130
24 meses ..' 91
30 meses 66
36 meses 43
42 meses 41
48 meses 11
54 meses 49
60 meses 39
66 meses 56
72 meses 43
78 meses 50
84 meses
90 meses 10
96 meses 38
102 meses 19
108 meses 5
114 meses 1
120 meses 1
126 meses
132 meses 5
138 meses
144 meses
150 meses_1£
Total geral...................... 2 478
1.1.1 — Comentário aos dados estatísticos
1 —O número total de processos abertos em 1992 foi de 3460.
2 — As queixas apresentadas por escrito foram 2986 e as verbais 478, sendo 67 os processos abertos por iniciativa do provedor.
3—Movimentaram-se ao todo 10 262 processos, tendo o número de processos que transitaram de anos anteriores sido de 1976 a 1987 de 1429, de 1988 de 608, de 1989 de 456, de 1990 de 888, de 1991 de 3408 e reabertos 13.
4 — Foram arquivados 2393 processos, tendo transitado 17 processos de 1976 a 1982, 44 de 1983, 30 de 1984, 74 de 1985, 92 de 1986, 66 de 1987, 54 de 1988, 107 de 1989, 252 de 1990 e 1019 de 1991.
5 — Dos processos organizados em 1992, foram terminados 598, o que representa 17,28 % do total dos processos organizados.
6 — Nos processos em que o provedor tomou posição sobre o mérito, observou-se que formulou 168 recomendações, sendo que cerca de 50 % destas foram feitas nos três últimos meses de 1992.
Das recomendações, 43 foram acatadas e 59 não acatadas, não havendo ainda resposta sobre as restantes no final do ano em análise.
Atento o facto de cerca de metade das recomendações terem sido formuladas no último trimestre, ainda a Administração ou não tinha excedido o prazo legal de resposta (60 dias) ou o excedera em apenas um mês. Por outro lado, o certo é que as respostas fundamentadas de não acatamento foram em número muito reduzido.
7 — O provedor apresentou três pedidos de declaração de inconstitucionalidade.
8 — Em 1992 alcançou-se solução favorável aos interessados, em virtude da intervenção do provedor, em 377 processos, o que corresponde a 16,02 % do total dos pro-
Página 189
22 DE SETEMBRO DE 1994
189
cessos arquivados. Somando a esses os resolvidos por via de recomendação acatada (43), a percentagem foi de 17,85 %.
9 — A taxa de estudo dos processos foi de 80,62 % — restando 19,38 %, que correspondem aos arquivamentos Umiuares—, sendo a taxa de resolução de 72,18 %, excluindo as improcedencias e os arquivamentos liminares (incompetência e manifesta improcedência).
A taxa de sucesso foi de 58,84 %, o que é significativo da eficácia da intervenção do provedor de Justiça (v. quadro n.° 3).
10 — As matérias mais tratadas foram, como antes tem sucedido-, trabalho (1151), com especial relevo para a administração pública central, regional e local; segurança social (475); administração da justiça (353); direitos fundamentais (219); habitação (150); urbanismo e obras públicas (127); contribuições e impostos (139), e queixas contra a polícia e GNR (92).
Referência especial merecem ainda os quantitativos relativos à administração local (68), saúde pública (67), educação e ensino (64), transportes e comunicações (43), regime prisional (37) e seguros (32).
Mostra-se reduzido o número de processos respeitantes a descolonização (3), comércio (13) e agricultura e pecuária (13) .
11 — Dentro das queixas respeitantes à administração central (2098), 497 foram dirigidas ao Ministério da Educação, 494 ao Ministério do Emprego e da Segurança Social, 452 ao Ministério das Finanças, 237 ao Ministério da Saúde e 112 ao Ministério da Justiça, repartindo-se as demais pelos restantes ministérios.
12 — Na administração local, as câmaras municipais foram as mais visadas com 304 processos, seguindo-se as juntas de freguesia com 22, os serviços municipalizados com 20, as assembleias de freguesia com 2 e as assembleias municipais com 1.
13 — A caracterização sócio-profissional predominante dos que se queixaram ao provedor de Justiça mostrou a predominância dos trabalhadores da administração central (1010), sendo seguidos dos aposentados ou reformados (448), dos profissionais liberais (188), dos trabalhadores do sector privado (134) e dos reclusos (128).
14 — De entre as queixas formuladas por entidades colectivas sobressaíram os sindicatos e associações sindicais com 126 queixas, seguidos das comissões de moradores (50), sociedades (49) e entidades públicas (26).
Houve ainda uma queixa formulada por um partido.
15 — A repartição geográfica das queixas, segundo os distritos de origem, mantém as tendências já detectadas anteriormente. Assim, os distritos que receberam mais queixas foram: Lisboa (1281), Porto (580), Setúbal (238), Aveiro (179), Coimbra (161), Braga (145) e Faro (81).
Em contraposição, os distritos que deram origem a menos queixas foram: Viana do Castelo (49), Vila Real (47), Guarda (48), Évora (45) e Beja (30).
Pouco elevados foram os quantitativos respeitantes aos Açores (29) e Madeira (45).
16 — Quanto à duração dos processos, verificou-se que 49 foram terminados em menos de 15 dias, 356 em menos de um mês, 97 em menos de dois meses e 120 em menos de três meses. Os processos que foram encerrados em menos de seis meses foram 125 e em menos de um ano 272.
17 — De entre as queixas individuais apresentadas, 1719 provieram do sexo feminino e 998 do sexo masculino.
As queixas apresentadas pior entidades colectivas foram 713.
18 — O peso das questões concernantes a interesses individuais foi o superior (2724), sendo seguido dos interesses de grupo (670) e geral (66).
1.2—Pedidos de declaração de inconstitucionalidade
O provedor de Justiça, no uso dos poderes que lhe são conferidos pela alínea d) do artigo 281.°, n.° 2, e nos termos do artigo 51.°, n.° 1, da Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro, requer ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral das normas constantes dos artigos 11." e 12.° do Decreto-Lei n.° 34-A/ 90, de 24 de Janeiro, das alíneas b) e c) do artigo 175." do Estatuto dos Militares das Forças Armadas, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 34-A/90, de 24 de Janeiro, e dos n.os 1 e 2 do artigo 17.° do Decreto-Lei n.° 57/90, de 14 de Fevereiro, tanto na versão originária, como na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.° 98/92, de 28 de Maio, por violação das normas e princípios constitucionais referidos na fundamentação que ora se expõe.
I — Introdução
I.° O Decreto-Lei n.° 34-A/90, de 24 de Janeiro, e o Estatuto dos Militares das Forças Armadas (EMFAR), bem como o Decreto-Lei n.° 57/90, de 14 de Fevereiro, inserem-se numa linha de desenvolvimento, por um lado, da Lei n.° 11/89, de 1 de Junho (Lei de Bases Gerais do Estatuto da Condição Militar), e, por outro, do novo regime retributivo e de gestão de pessoal da função pública, fundamentalmente assente nos Decretos-Leis n.os 184/89, de 2 de Junho, e 353-A/89, de 16 de Outubro.
2.° Tais diplomas alteram significativamente a situação jurídica dos militares actualmente na reserva, colocando-os numa posição desfavorável relativamente ao regime anterior, ao abrigo do qual foi efectuada a sua passagem.
II — As questões a) A reforma compulsiva
3.° Na verdade, à luz do Decreto-Lei n.°514/79, de 28 de Outubro, a passagem à situação de reforma só era compulsiva, em termos de idade, aos 70 anos, e a permanência na situação de reserva era, genericamente, ilimitada (cf. artigo 2.° do referido decreto-lei).
4." Com a entrada em vigor do Decreto-Lei n." 34-A/90, de 14 de Janeiro, tomou-se a passagem à reforma vinculada aos 65 anos de idade, não se admitindo, por seu turno, a permanência por mais de nove anos seguidos ou interpolados na situação de reserva.
5." Ficam, deste modo, muitos militares na reserva impedidos de se reformarem ao abrigo de um escalão remuneratório mais elevado.
6." E se é certo que foi estabelecido um regime transitório material pelos artigos 11.° e 12." do referido decreto-lei, que aprova o EMFAR, não deixa de ser verdade que tal regime fica longe de abranger todas as situações geradas no passado — mesmo num passado próximo — à luz das disposições, então, vigentes.
7.° As disposições transitórias constantes dos referidos artigos criam uma sequência gradual de passagem compulsiva à reforma, abrangendo, apenas e no limite, os militares na reserva com 62 anos à data da publicação do diçlomâ (impondo-lhes a reforma aos 66, em 1994) e fazendo diferir
Página 190
190
II SÉRIE-C — NÚMERO 33
a contagem do prazo dos nove anos para 1 de Janeiro de 1991.
8." Por outro, e visando obstar aos efeitos lesivos da reforma compulsiva, o legislador criou um abono a título de complemento de pensão para os militares cuja pensão de reforma «resulte inferior à remuneração da reserva» (artigo 12.° do Decreto-Lei n.° 34-A/90, de 14 de Janeiro).
9." Porém, restringe-a aos militares abrangidos pelos calendários de transição do artigo 11.°
B) Cálculo da remuneração
10.° O segundo aspecto que parece alterar desfavoravelmente a situação funcional do militares na reserva resulta da aplicação da norma constante do artigo 17.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 57/90, de 14 de Fevereiro, em virtude das alterações que introduz no modo de cálculo da remuneração na reserva, mesmo com a actual redacção dada pelo artigo 7.° do Decreto-Lei n.° 98/92, de 28 de Maio.
11." Face ao regime anterior, a remuneração dos militares na reserva era determinada em função do valor máximo da escala indiciária (artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 190/88, de 12 de Maio) e calculada de acordo com os critérios definidos pelos artigos 47.°, 48." e 6.° do Decreto-Lei n.° 498/72, de 9 de Dezembro, por via da extensão operada pelo Decreto-Lei n.°75-V/77, de 28 de Fevereiro, e a partir do disposto no Decreto-Lei n.° 498-E/74, de 30 de Setembro.
12.° Actualmente, com a vigência do Decreto-Lei n.° 57/90, de 14 de Fevereiro, o valor do vencimento dos militares na reserva é o produto de '/^ da remuneração base mensal do respectivo posto e de outras remunerações permanentes pelo número de anos de serviço contados para a reserva até ao limite de 36 (artigo 17.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 57/90, de 14 de Fevereiro, alterado pelo artigo 7.° do Decreto-Lei n.° 98/92, de 28 de Maio, o qual veio fazer incluir as remunerações abrangidas pelo artigo 47.° do Decreto-Lei n.° 498/72, de 9 de Dezembro, a par da base mensal do posto).
13.° A introdução desta alteração afectará mais sensivelmente, como bem se vê, os militares compulsivamente reformados. De outro modo, a sua passagem à reserva, quando voluntária, nos termos da anterior legislação, teria sido ponderada de forma diversa, tendo em conta a previsibilidade do montante da pensão de reforma a auferir.
O Suplemento de condição militar
14.° Por último, atente-se na base de atribuição do chamado suplemento de condição militar, nos termos do artigo i 7.°, n." 2, do Decreto-Lei n.° 57/90 (tanto na redacção originária como na actual redacção dada pelo Decreto-Lei n.° 98/92, de 28 de Maio).
15.° O Decreto-Lei n.° 190/88, de 28 de Maio, reunia num só o suplemento por comissão de serviço militar e o suplemento especial de serviço. Criou, então, o suplemento de condição militar (27,5 % do vencimento base de cada posto) e abonou-o genericamente a todos os militares.
16.° Não deixou o legislador, em 1988, de atribuir tal suplemento aos militares na reserva, nos termos da alínea c) do artigo 2.° do Decreto-Lei n.° 190/88, de 28 de Maio, por referência ao artigo 2." do Decreto-Lei n.° 75-V/77, de 28 de Fevereiro. ¡
17." O legislador reconheceu no preâmbulo do Decreto--Lei n.° 190/88, de 28 de Maio, que tal suplemento preten-
dia ser uma «compensação devida pelo ónus da função, designadamente as solicitações permanentes de disponibilidade e mobilidade». E, no mesmo preâmbulo, afirmaria ainda: «Deve realçar-se sobretudo que se trata de um complemento remuneratório inerente à própria condição militar, e não de uma remuneração de carácter acessório ou prémio de produtividade».
18." Contudo, o novo regime fixado pelo Decreto-Lei n.° 57/90, de 14 de Fevereiro, revogou o Decreto-Lei n.° 190/ 88, de 28 de Maio, e, nos termos do seu artigo 17.°, n.° 2, faz depender a sua atribuição — quanto aos militares reservistas fora da efectividade de serviço — da verificação de um dos quatro pressupostos descritos nas alíneas a) a d). Tais pressupostos prendem-se com o fundamento de passagem à reserva de cada militar e levam a excluir vários de entre aqueles.
19.° E isto é assim não só para os que foram abrangidos pelo anterior regime de passagem à reserva (artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 514/79, de 28 de Dezembro), como também para os destinatários do actual no que toca às condições daquela passagem (artigo 168.° do Estatuto dos Militares das Forças Armadas).
20.° O certo é que não deixou de ser justificada a atribuição de tal suplemento, nem desapareceram as razões que determinaram o artigo 2.°, n.° 2, alínea e), in fine, do Decreto-Lei n.° 190/88, de 28 de Maio.
21.° A situação de reserva, nos termos do EMFAR, não exclui a sujeição a restrições na esfera jurídica do militar. Assim e de acordo com razões de disponibilidade, o militar na reserva terá de apresentar-se ao serviço efectivo em caso de mobilização geral, de declaração de estado de sítio ou de guerra (artigo 172.° do EMFAR), bem como por decisão ou convocação do Tespectivo chefe de estado-maior (artigo 170.°).
Ill — Fundamentação
22.° Haverá, pois, que analisar a conformidade destas alterações introduzidas com as normas e os princípios constitucionais, nomeadamente a reserva de competência legislativa da Assembleia da República em matéria de direitos, liberdades e garantias [artigo 168.°, n.° 1, alínea b)], o princípio da igualdade de tratamento (artigo 13.°, entre outros) e o chamado princípio da confiança dos cidadãos na lei, enquanto corolário do princípio do Estado de direito (consagrado no artigo 2.°).
a) Violação da reserva relativa de competência legislativa parlamentar
23.° O artigo 175.° do EMFAR dispõe, como foi referido anteriormente, sobre a passagem compulsiva à reforma dos militares na situação de reserva.
24.° De acordo com esta norma, a transição da situação de trabalho para a situação de aposentadoria efectua-se vinculadamente, preenchido que seja um dos requisitos definidos pelos n.os 1) e 2) da alínea a) ou pelas alíneas b) e c), ou ainda nos termos da alínea a) do artigo 176.°
25." No seu vasto catálogo de direitos fundamentais, mais especificamente no âmbito dos direitos, liberdades e garantias, a Constituição fez incluir não apenas a liberdade
de escolha de profissão ou género de trabalho como também o direito de acesso em condições de igualdade e liberdade à função pública [artigo 47.° da Constituição da República Portuguesa (CRP)]. N
Página 191
22 DE SETEMBRO DE 1994
191
26.° Ora, este último direito fundamental não pode deixar de proteger, também, a manutenção ou permanência na profissão escolhida, dentro ou fora da função pública, sob pena de perder em grande medida o seu conteúdo e sentido útil.
27." Ao direito de acesso à função pública não pode Contrapor-se â ausência de quaisquer garantias relativamente aos modos de saída. De outra forma estaria frustrada a lógica interna do preceito e a ratio da consagração deste direito.
28° Não se julgue, porém, que, por ser assim, não possa haver lugar a restrições do conteúdo destas posições jurídicas subjectivas ou limitações do seu exercício.
29." Mas, seguramente, tais restrições e limitações ao exercício far-se-ão nos mesmos exactos termos que para os demais direitos, liberdades e garantias.
30° Tais termos passam necessariamente pela reserva orgânica que o texto constitucional conferiu ao Parlamento por via da alínea b) do n.° 1 do artigo 168.°
31.° Tratando-se aqui de uma restrição ou de uma limitação ao exercício, afectando os direitos e liberdades alicerçados no artigo 47.°, cai-se irremediavelmente na área protegida da alínea b) do n.° 1 do artigo 168.°
32." Claro esti que é perfeitamente admissível estabelecer ou modificar mecanismos de reforma compulsiva. No entanto, tal há-de ocorrer sob a forma de lei da Assembleia da República ou de decreto-lei autorizado, para além da obediência devida, quando seja caso disso, ao regime previsto pelo artigo 18.° da Constituição.
33.° As alíneas b) e c) do artigo 175.° do EMFAR padecem, pelo que atrás foi exposto, de um vício orgânico por violação do artigo 168.°, n.° I, alínea b), da Constituição, o qual determina a sua inconstitucionalidade.
34.° Na verdade, não existe qualquer autorização legislativa nesta matéria. E o Governo reconhece-o ao decretar estas normas ao abrigo da alínea c) do artigo 201.° da CRP.
35.° E registe-se, ainda, que tal inconstitucionalidade não é sanada pelo que a Assembleia da República introduziu no Estatuto através da Lei n.° 27/91, de 17 de Julho.
36.° Aliás, tais alterações em nada afectaram o preceituado no artigo 175.° do EMFAR.
37.° E, por outro lado, o facto de a Assembleia da República apreciar um decreto-lei para efeitos de alteração ou de recusa de ratificação que venha a ser vencida não faz suas as normas. Não se produz, de tal modo, uma renovação das normas, porquanto o instituto consagrado no artigo 172.°, não obstante a sua epígrafe — «Ratificação dos decretos-leis» —, contém, apenas, um meio de alterar ou recusar a ratificação de certos decretos-leis.
38." A este propósito escreveu Jorge Miranda:
A possibilidade de autorização legislativa em certas matérias não significa que a Assembleia da República possa dispor da sua competência legislativa dela abrindo mão, o que lhe permitiria a posteriori, por via de ratificação, obter um resultado perfeitamente semelhante. [Funções, Actos e Órgãos do Estado, FDL, Lisboa, 1990, p. 517.]
39.° E recusando expressamente a sanação, afirma o ilustre professor:
Tão-pouco a ratificação — ou, antes, a não recusa de ratificação— equivale a conformação, no sentido de tomar simplesmente insusceptível de arguição para o futuro a inconstitucionalidade orgânica. [Ob. cit., p.518.]
40." E de forma muito directamente ligada à situação em apreço não hesita em reconhecer:
Isto vale igualmente para lei emergente de alterações aprovadas. [...] Ora, se quanto as emendas aprovadas, obviamente não poderá haver confirmação, tão-
-pouco poderá ela dar-se quanto a disposições não alteradas (pelo menos, quanto àquelas não objecto de propostas de alteração), por não terem sido sequer objecto da decisão positiva da Assembleia da República. [Ob. cit., p. 520.]
B) Violação do princípio da igualdade
41.° Do princípio da igualdade, fundamentalmente consagrado pelo artigo 13.° da CRP, resulta não só a igualdade de todos perante a lei, no sentido de esta dever ser aplicada a todos de modo igual, como também um comando dirigido ao legislador, exigindo a igualdade da lei. .
42.° Este sentido consubstancia-se na proibição da discriminação, na criação de situações de vantagem para uns e desvantagem para outros de forma infundada e irrazoável.
43.° Nestes termos, não é o tratamento desigual, por si, que justifica a colisão com este princípio, mas sim a falta de fundamento de tal desigualdade.
44.° Tal fundamento terá, certamente, de radicar numa desigualdade de facto e de obter a cobertura de valores constitucionais, nomeadamente a própria igualdade na sua faceta positiva de igualdade material.
45.° Impõe-se, assim, ao legislador que reconheça as situações desiguais e que lhes dê o tratamento diferenciado que merecem, de modo a possibilitar a correcção da desigualdade.
46." Significa tudo isto, de modo muito claro, que ao legislador está vedada, então, a promoção da desigualdade.
47." A solução de regime transitório adoptada pelos artigos 11.° e 12." do Decreto-Lei n.°34-A/90 traz consigo a discriminação infundada.
48.° Onde se impunha um tratamento que obviasse à desigualdade criada pelo novo regime entre militares na reserva ainda abrangidos pelo novo regime e militares na reserva já fora do seu alcance a lei ficou aquém do que lhe era exigido pelas virtualidades do princípio da igualdade.
49.° Onde a diversidade não existia —entre militares ainda na reserva— criou o legislador um calendário de transição incompleto.
50.° E foi mais longe. Apenas os militares na reserva que transitem compulsivamente para a reforma no âmbito do calendário de transição terão direito ao complemento de pensão (artigo 12.°, n.° 1, do Decreto-Leí n." 34-A/90, de 24 de Janeiro) estruturado pelo Fundo de Pensão instituído pelo Decreto-Lei n.° 269/90, de 31 de Agosto.
51." A violação do princípio da igualdade repete-se, de forma tão ou mais intensa, na atribuição do suplemento de condição militar, nos termos do artigo 17.°, n.°2, do Decreto-Lei n.° 57/90, de 14 de Maio, e de forma ainda não satisfatória com a versão introduzida neste preceito pelo artigo 7." do Decreto-Lei n.° 98/92, de 28 de Maio.
52.° Se, por um lado, o Decreto-Lei n.° 98/92, de 28 de Maio, veio ampliar o leque de destinatários, pela introdução de um novo texto no n.° 3 do artigo 17.° (o qual transitou para um n.° 4), o certo é que, por outro lado, manteve a ausência de generalização de tal suplemento aos militares na reserva e fez desaparecer a a/íhea d) don." 2 da versão originária do artigo 17.° que atribuía este
Página 192
192
II SÉRIE-C —NÚMERO 33
suplemento a todos os militares, verificadas, porém, certas
condições de antiguidade e de pfoCêdlíTientO.
53.° Não se justifica o modo desigual na atribuição-do
suplemento de condição militar, pois não se está a conferir
um tratamento diferenciado e na proporção da diferença a situações desiguais.
54.° Se o suplemento referido pretende de algum modo compensar a sujeição sofrida pelos militares na sua esfera pessoal, se tais condicionantes são impostas à situação de reserva (artigos 9.° e seguintes, 170.°, n.os 1 e 2, e 172.°, todos eles do EMFAR), não se vê razão para atribuir de forma diferenciada o suplemento de condição militar, revogando a norma do Decreto-Lei n.° 190/88, de 28 de Maio [artigo 2.°, n.° 2, alínea c), que o efectivava indistintamente].
55." Nestes termos, ao cop.ferirem tratamento diferenciado, na ausência de distinção onde se possa fundar à luz dos valores constitucionais, os artigos 11." e 12." do Decreto-Lei n.° 34-A/90, de 24 de Janeiro, e o artigo 17.", no seu n.° 2 da versão originária e n.05* 2 e 3 da versão introduzida pelo Decreto-Lei n.° 98/92, de 28 de Maio, colidem com a proibição de discriminação e privilégio resultante do artigo 13.° da Constituição.
56.° E todo o exposto, estamos em crer, vai ao encontro da jurisprudência doutamente firmada pelo Tribunal Constitucional, cujo Acórdão n.° 44/84, de 22 de Maio — aqui referido a título de um exemplo entre tantos outros —, permite compreender muito nitidamente o enunciado desta face do princípio da igualdade: «há violações do princípio da igualdade quando o legislador estabelece distinções discriminatórias. Assim, é quando tais distinções são materialmente infundadas, quando assentam em motivos que não oferecem um carácter objectivo e razoável».
C) Violação de valores tutelados pelo princípio do Estado de direito
57.° As normas em apreço afectam situações constituídas ao abrigo de disposições legais ora revogadas.
58.° Como resulta do próprio conceito de revogação de acto legislativo, o acto revogado vê aniquilada a sua eficácia com a entrada em vigor da norma revogatória (cf. Marcelo Rebelo de Sousa, O Valor Jurídico do Acto Inconstitucional Lisboa, 1988, p. 154).
59." Por via da regra, o efeito dispositivo da lei revogatória limita-se ao futuro, salvaguardando as situações constituídas ou modificações sobre elas operadas na vigência da lei revogada (artigo 12." do Código Civil).
60.° Esta é, sem dúvida, uma exigência decorrente do próprio conceito de Estado de direito, o qual recebeu expressa consagração, entre nós, na revisão constitucional de 1982 operada sobre o artigo 2.°
61.° Levantam-se neste ponto, desde logo, dois problemas. Primeiro, é legítimo tentar observar que posições jurídicas subjectivas terão, eventualmente, surgido na esfera jurídica dos militares na reserva até à vigência dos De-cretos-Leis n.os 34-A/90, de 24 de Janeiro, e 57/90, de 14 de Fevereiro, alterado pelo Decreto-Lei n.° 98/92, de 28 de Maio.
62.° Em segundo lugar, suscita-se a questão de saber se, e em que medida, vigorará na ordem jurídica portuguesa um princípio de irretroactividade dos actos legislativos, para além do comando dirigido ao intérprete nos termos do supracitado artigo do Código Civil.
63.° Quanto ao primeiro aspecto haverá que distinguir fJliaS 5ÍtüaÇÕC5i' 3 reforma compulsiva nos termos das alíneas b) e c) do artigo 175.° do Decreto-Lei n.°34-AJ90, de 24 de Janeiro (EMFA) e a alteração do modo de cálculo da remuneração na reserva (artigo 17.°, n.° 1, do Decreto--Lei n." 57/90, de 14 de Fevereiro, com ou sem a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.° 98/92, de 28 de Maio). Isto, por um lado. Por outro, a perda de suplemento de condição militar por alguns reservistas (artigo 17.°, n.° 2, do Decreto-Lei n.° 34-A/90, de 24 de Janeiro, e n.os 2 e 3 com a redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.° 98/92, de 28 de Maio).
64.° E é importante, sem dúvida, começar por referir, quanto ao segundo caso, tratar-se inequivocamente da perda de direitos fundados na lei anterior.
65.° Trata-se, sem dúvida, de um direito subjectivo público, enquanto direito subjectivo atribuído por uma norma de direito público. A este propósito e referindo-se a Jellinek, escreve Jorge Miranda:
Cada direito subjectivo atesta a existência de um ordenamento jurídico pelo qual é criado, reconhecido e protegido. É , pois, o ordenamento objectivo de direito público que constitui o fundamento do direito subjectivo público. [Manual de Direito Constitucional, t. rv; Direitos Fundamentais, Coimbra Editora, 1988, p. 54.]
66.° Os conceitos de direito subjectivo público e de direito fundamental, muito embora tenham entre si uma vasta zona de intersecção, não se correspondem.
67." O direito a receber o suplemento de condição militar não pode encontrar-se, por si, ancorado em nenhum dos direitos, liberdades e garantias da lei fundamental, nem sequer por via da cláusula aberta do artigo 16.°, n.° 1. Não fora assim e a perda deste subsídio por alguns militares na reserva colidiria com o princípio de irretroactividade de normas restritivas daqueles direitos fundamentais.
68." Quanto ao aspecto de saber de eventuais posições subjectivas constituídas pelos militares na reserva e frustradas pela aprovação da recente legislação de 1990-1992, é decerto menos líquida a sua configuração como direitos subjectivos [«permissões normativas específicas de aproveitamento de um bem» (António Menezes Cordeiro, Teoria Geral do Direito Civil, 1.° vol., ed. AEFDL, Lisboa, 1987, p. 227)].
69.° Não deixarão, contudo, de revelar-se como expectativas jurídicas, isto é, como direitos embrionários, em formação.
70." E, muito embora possa ser difícil discernir em muitos casos onde situar a fronteira entre expectativa de facto e de direito, no caso vertente não podem deixar de reconhecer-se verdadeiras expectativas jurídicas.
71.° São-no, tanto quanto foram geradas na lei e a legitimidade que daí retiram confere-lhes alguma protecção.
72." Tal protecção há-de revelar-se mais intensa, na medida em que tal expectativa, pela opção de muitos militares no activo de passarem à reserva assentar na confiança e certeza na não precariedade da ordem jurídica oferecidas pela estabilidade das instituições e pela garantia do Estado de direito.
73.° No momento da opção pela situação de reserva, o militar que o fez antes da vigência dos Decretos-Leis n.os34-A/90, de 24 de Janeiro, e 57/90, de 14 de Fevereiro, teve presente a possibilidade de permanecer um certo número de anos que lhe permitissem, mais tarde, a reforma com determinados benefícios.
Página 193
22 DE SETEMBRO DE 1994
193
74." A frustração de tais expectativas ou, porventura, após a referida opção, de interesses legítimos, não pode ficar à mercê de alterações legislativas claramente desfavoráveis.
75.° Tais interesses não são apenas legalmente protegidos, como serão, também, merecedores da tutela constitucional.
76." Resta saber em que medida.
77.° Chegamos, então, ao segundo problema enunciado no anterior artigo 63.°: O de situar no quadro dos valores constitucionais o equilíbrio desejável entre as exigências de irretroactividade decorrentes do Estado de direito e a compreensível necessidade — muitas vezes por razões de justiça, inclusivamente— de fazer reportar ao passado a eficácia de certos actos legislativos.
78.° A irretroactividade das leis, como regra geral, não se encontra expressa na Constituição.
79.° Indiscutivelmente está expressa a proibição de retroactividade de lei penal mais desfavorável ao arguido (artigo 29.°, n.° 4) e de lei restritiva de direitos, liberdades e garantias (artigo 18.°, n.° 3). De modo discutível, afirmar-se-á um princípio de irretroactividade da lei fiscal assente nas regras de anualidade e plenitude de orçamentos (artigo 108.°).
80.° No entanto, recorrendo à declaração de voto do Dr. Vital Moreira no Acórdão 11/83 do Tribunal Constitucional (Diário da República, 1.° série. n.°242, de 20 de Outubro de 1983) não se pode deixar de reconhecer que, «[...] ainda que não possa afirmar-se que exista um princípio constitucional de irretroactividade da lei (e da lei fiscal em particular), nunca poderia, porém, afirmar-se que a questão da retroactividade é constitucionalmente irrelevante ou que perante a Constituição da República Portuguesa é indiferente que uma lei seja retroactiva ou não».
81." Do referido princípio do Estado de direito resulta um outro princípio já aludido — o princípio de protecção da confiança. Sobre a protecção da confiança do cidadão na lei vigente o Tribunal Constitucional e, já antes, a Comissão Constitucional, tiveram oportunidade de se pronunciar, reconhecendo-o, entre tantos outros, no Parecer da Comissão Constitucional n.° 14/82 e Acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 11/83 (Diário da República, I." série, n.° 242, de 20 de Outubro), 93/84 (Diário da República, 1." série, n.°266, de 16 de Novembro) e 303/ 90 (Diário da República, 1." série, n.°296, de 26 de Dezembro).
82.° Em todos eles, não hesitou o Tribunal Constitucional em extrair o referido princípio da ideia de Estado de direito, não querendo com isto admiti-lo em termos absolutos.
83.° E é forçoso que assim seja, porquanto em nome de exigências várias, nomeadamente para cumprimento de princípios e normas programáticas constitucionais, se torna por vezes imperioso fazer retroagir efeitos legais.
84.° Tal retroacção encontra limites absolutos, como pudemos verificar exemplificativamente. Poderíamos ainda acrescentar o limite constituído pelo caso julgado, sem dúvida, paradigmático — como resulta dos artigos 208.", n.°2, e 282.°, n.° 3 (1.* parte).
85.° A retroactividade possível há-de submeter-se a limites de razoabilidade autêntica, reportando-se a situações jurídicas encerradas no passado, como na forma de Rückwirkungsverbot, afectando situações que, embora criadas no passado, fazem subsistir a produção de efeitos mais ou menos duradouros no presente.
86.° Num caso ou noutro, os parâmetros de razoabilidade impostos pelo princípio do Estado de direito hão-de girar à volta dos seguintes aspectos: a necessidade da retroactividade como última ratio, a previsibilidade dos cidadãos simplesmente lesados ou afectados nas alterações da ordem jurídica e o carácter opressivo e desmesurado tlO bâlârlÇô entre as vantagens obtidas pelo interesse público ou outros valores constitucionais e o sacrifício infligido aos cidadãos que, neste caso, confiaram na permanência da essencialidade das suas situações jurídicas profissionais.
87.° A conformidade das referidas normas com a Constituição, no que toca ao princípio da confiança, ficará em boa medida dependente da sua compatibilidade com os parâmetros enunciados.
88.° Podemos distinguir nos referidos parâmetros um pressuposto e diversos requisitos.
89." O pressuposto será a protecção ou prossecução de outros valores constitucionais.
90.° Observando os diplomas legislativos onde se integram as normas de cuja constitucionalidade se requer a fiscalização, poucas conclusões se obterão de imediato.
91.° No entanto, da leitura dos seus preâmbulos em articulação com a Lei n.° 11/89, de 1 de Junho, e com o Decreto-Lei n.° 184/89, de 2 de Junho, poderão retirar-se os objectivos de actualização e sistematização das normas militares estatutárias desde a última reforma (nos anos 60 e 70), a racionalização dos recursos humanos e, muito especialmente, quanto à situação de reserva «proporcional um fluxo normal das carreiras» (conforme se lê no preâmbulo do Decreto-Lei n.° 34-A/90, de 24 de Janeiro), bem como «a funcionalidade das forças armadas e, por essa via, os superiores interesses nacionais» (como se lê, mais adiante, no mesmo preâmbulo). Os referidos diplomas pretendem, bem assim, «assegurar um conjunto de soluções coerentes, que, inserindo-se na disciplina geral das remunerações dos servidores do Estado tem igualmente em conta as características específicas da condição militan> (norma preambular do Decreto-Lei n.° 57/90, de 14 de Fevereiro).
92.° O pressuposto de prossecução de outros valores constitucionalmente tutelados pareceria, pois, verificado, mas não por via directa e imediata.
93." Os objectivos legislativos prendem-se muito mais nitidamente com a execução e desenvolvimento da Lei de Bases Gerais do Estatuto da Condição Militar (Lei n.° 11/ 89, de 1 de Junho) e do Decreto-Lei n.° 184/89, de 2 de Junho. É, pelo menos, duvidoso que se admita a justificação da retroactividade sobre situações jurídicas consolidadas no passado para uma prossecução mediatizada dos valores consagrados na lei fundamental.
94.° De outro modo, correr-se-ia, porventura, o risco de vir considerar que o interesse público, os superiores interesses nacionais, sem dúvida omnipresentes na Constituição, tudo justificariam.
95.° Analisado o pressuposto e suscitadas algumas dúvidas acerca da sua verificação, deverão ser observados os requisitos da necessidade, previsibilidade e razoabilidade ou tolerabilidade da retroacção.
96." E tudo isto, não perdendo de vista «a ideia de que o homem necessita de uma certa segurança para conduzir, planificar e conformar autónoma e responsavelmente a sua vida» (J. Gomes Canotilho, — Direito Constitucional, ed. Almedina, 5." ed., Coimbra, 1991, p. 375).
97.° Este reconhecimento exposto pe)o ilustre constitucionalista leva a chamar a atenção para outro aspecto ine-
Página 194
194
II SÉRIE-C — NÚMERO 33
rente à ideia de Estado de direito, o qual não pode perder-se de vista, particularmente, na análise das normas em questão.
98." E a este propósito escreveu o Dr. Jorge Novais:
Nesta perspectiva, rejeitamos a diluição no princípio do Estado Social e Democrático de Direito do primado da ideia de protecção da autonomia e realização da personalidade individual que, em nosso entender, constitui o núcleo fundamental e imprescindível de qualquer realização histórica do ideal de Estado de direito. [Contributo para Uma Teoria do Estado Social de Direito.}
100.° Em rigor, não é difícil admitir que uma solução transitória mais alargada fosse possível, o que, aliás, não deixa de ser exigido por razões de igualdade como referimos supra.
101.° A premência das modificações caberá ao legislador soberanamente conhecê-la, mas cingindo-se ao limite de introduzir na área de autonomia dos cidadãos e na confiança de que partem um mínimo de lesões.
102.° Relativamente à previsibilidade, haverá que ter em conta dois pontos de partida. Se, por um lado, compete ao legislador, legitimado pela vontade popular, determinar em cada momento as melhores opções, ele deve vincular-se, por outro, à regra de o cidadão ficar em condições de prever as intervenções que o Estado poderá levar a cabo sobre ele ou'perante ele e preparar-se para se adequar a elas (Acórdão n.° 17/86, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 2." vol., p. 375).
103.° Tais alterações não eram facilmente previsíveis.
104.° Primeiro, se é verdade que a ignorância da lei não
pode'beneficiar ninguém (artigo 6.° do Código Civil), é certo, também, que o cidadão não conhece, nem é obrigado a conhecer, os trabalhos preparatórios ou os projectos e propostas legislativas.
105.° E, mesmo que assim não fosse, o cidadão nada retiraria do Decreto-Lei n.° 1900/88, de 28 de Maio, nem do seu preâmbulo, sobre a precariedade de algumas das suas disposições.
106.° Surpreender-se-á, certamente, ao verificar pela leitura da nota preambular ao Decreto-Lei n.° 57/90, de 14 de Fevereiro, que o Decreto-Lei n.° 190/88, de 28 de Maio, forma uma experiência (conforme se poderá retirar do quarto parágrafo daquela exposição de motivos).
107.° Resta ainda considerar que, ao mesmo tempo da aprovação dos Decretos-Leis n.os 34-A/90, de 24 de Janeiro, e 57/90, de 14 de Fevereiro, alterados, respectivamente, pela Lei n.° 27/91, de 17 de Julho, e pelos Decretos-Leis n.05 307/ 91, de 17 de Agosto, e 98/92, de 28 de Maio, não houve qualquer modificação de vulto nas estruturas económicas, políticas e sociais da realidade portuguesa.
108." Por último, haverá que, de algum modo, proceder ao balanço entre o sacrifício que se faz sofrer aos militares na reserva que contavam com determinados elementos integradores da sua situação e da sua posterior aposentação e os «superiores interesses .nacionais» em questão, de modo a saber se estamos face a uma very oppressive retroactivity (expressão utilizada pelo direito norte-americano, à qual faz referencia o parecer n.° 14/82 da Comissão Constitucional).
109.° De facto, parece haver uma clara desproporção entre o sacrifício exigido aos militares que tinham efectuado a sua transição para a reserva e os interesses públicos assim contemplados.
110.° Seguindo de perto a doutrina expendida no douto Acórdão n.° 287/90 (Diário da República, 2." série, n.° 42,
de 20 de Fevereiro d6 ITO yer-se-á claramente a irrazoa-
bilidade de tal sacrifício face aos benefícios trazidos ao interesse público e não apenas ao erário público, como poderia entender-se):
Na falta de tal interesse do legislador ou da sua suficiente relevância segundo a Constituição, deve considerar-se arbitrário o sacrifício e excessiva a frustração de expectativas.
111.° Na verdade, tais militares não teriam, porventura, passado à reserva ou nela não teriam permanecido nas mesmas circunstâncias.
Que repercussões poderá a modificação ter nas suas vidas? São, talvez, incalculáveis, mas, seguramente, sofrem o prejuízo causado pela perda do suplemento de condição militar (se não estiverem ao abrigo dos n.os2 e 3 do artigo 17.° do Dec-Lei n.° 57/90, de 14 de Fevereiro) e auferirão uma pensão de reforma menos confortável que aquela com que podiam contar na passagem à reserva.
112.° Nestes termos, e concluindo, temos, pois, que tais disposições não se destinam directamente à prossecução de valores expressos na Constituição, não se revelam indispensáveis a tal objectivo, não se afiguravam razoavelmente previsíveis ao tempo da sua entrada em vigor e mostram--se desproporcionadas e arbitrárias.
113.° E tanto assim é que a existência de um regime transitório menos condicionante, salvaguardando o núcleo essencial de situações duradouras conexas com o cerne da autonomia e dignidade profissional de alguns cidadãos, evitaria a frustração das suas legítimas expectativas, dos seus direitos e de outros interesses legal e constitucionalmente protegidos.
IV — Conclusões
Nestes termos deve ser declarada a inconstitucionalidade com força obrigatória geral das normas contidas:
Nas alíneas b) e c) do artigo 175.° do Estatuto dos Militares das Forças Armadas aprovado pelo Decreto--Lei n.° 34-A/90, de 24 de Janeiro, por violação do princípio da segurança e confiança dos cidadãos na ordem jurídica, corolário do Estado de direito que o artigo 2.° da Constituição consagra, bem como por violação da reserva orgânica da Assembleia da República, nos termos dos artigos 168.°, n.° 1, alínea b), e 169.°, n.° 3;
Nos artigos 11.° e 12." do Decreto-Lei n.°34-AJ 90 de 24 de Janeiro, porquanto violam o princípio da igualdade contido no artigo 13.°, n.°2, da Constituição;
No n.° 1 do artigo 17.° do Decreto-Lei n.° 57/90, de 14 de Fevereiro, que viola o já enunciado princípio da confiança fundado no artigo 2." da CRP;
Nos n.os 2 e 3 da actual redacção do artigo 17." do Decreto-Lei n.° 57/90, de 14 de Fevereiro (bem como na versão originária), por atentarem contra o princípio da igualdade (artigo 13.° da CRP) e contra o princípio da confiança (artigo 2° da CRP).
O provedor de Justiça, no uso dos poderes que o artigo 281.°, n.° 2, alínea d), da Constituição lhe confere e de acordo com o artigo 51.°, n.° 1, da Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro, requer ao Tribunal Constitucional a
Página 195
22 DE SETEMBRO DE 1994
195
declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral da parte da norma que se encontra contida no artigo 11.°, n.° 1, alínea b), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 442-A/8, de 30 de Novembro, por violação das normas e princípios constitucionais referidos na fundamentação que ora se expõe:
I — As questões
1,° A reforma fiscal levada a cabo nos fins da passada década alargou de modo sensível a base tributável do rendimento pessoal.
2.° Tal alargamento foi obtido por duas vias: a par da incidência sobre outros factos, revogaram-se isenções fiscais de forma acentuadamente global e sistemática.
3.° O princípio de tributação do rendimento de acordo com a teoria do acréscimo patrimonial orientou e fundamentou, nesse campo, as alterações introduzidas com o imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (1RS).
4.° A opção pela tributação do rendimento — acréscimo reflecte a preocupação constitucional de utilizar o imposto sobre o rendimento pessoal como instrumento de correcção das desigualdades (artigo 107.°, n.° 1, da Constituição).
5.° E justifica-se compreensivelmente:
0 facto é que as desigualdades não só provêm de diferenças de salários e lucros, mas ainda de diferenças de m ais-vali as ou de heranças. Sendo assim, o imposto de rendimento pessoal, propondo-se a diminuição das desigualdades, deve incidir sobre o rendimento-acréscimo [Joaquim Teixeira Ribeiro A Reforma Fiscal, Coimbra, ed. 1989, p. 212].
6.° Deste modo — muito embora não necessariamente —, o 1RS não deixou de se fazer incidir sobre os rendimentos de pensões [artigos 1.° e 11.° do Código do 1RS (CIRS), aprovado pelo Decreto-Lei n.° 442-A/88, de 30 de Novembro].
7.° A tributação deste tipo de rendimentos (da categoria H), nos termos daquele Código, se é aparentemente linear na sua formulação e terminologia, não pode deixar de criar algumas perplexidades na sua aplicação.
8." A previsão normativa contida no artigo 11." do CIRS esconde, na sua simplicidade, problemas delicados quanto à determinação dos factos geradores da obrigação tributária.
9.° Exemplo paradigmático é, sem dúvida, o caso das chamadas «pensões de preço de sangue».
10.° O seu regime está hoje contido no Decreto-Lei n.° 404/82, de 24 de Setembro, alterado sucessivamente pelos Decretos-Leis n.os 140/87, de 20 de Março, 266/88, de 20 de Julho, e 136/92, de 16 de Julho.
11." As denominadas «pensões de preço de sangue» no ordenamento jurídico nacional são, de há muito, objecto de isenção tributária. Assim foi com o Decreto n.° 17335, de 20 de Setembro de 1929, e assim se manteve com o Decreto-Lei n.° 47084, de 9 de Julho de 1966. Em 1982 a publicação do Decreto-Lei n.° 404/82, de 24 de Setembro, em nada veio alterar este estado de coisas.
12.° Diz-se, com efeito, no artigo 9.° deste diploma:
1 — O quantitativo da pensão, isento de qualquer imposto, excepto o do selo, é igual a 70 % do vencimento do falecido ou do autor dos actos que a originaram, acrescido das remunerações acessórias
consideradas para efeito de aposentação, quando se trate de titulares a que se refere o n.° 1 do n.° 1 do artigo 4.°
13.° Contudo, a entrada em vigor do Estatuto dos Benefícios Fiscais (aprovado pelo Decreto-Lei n.° 215/89, de l de Julho) parece ter revogado aquela isenção.
14.° É parece assim porquanto apenas se mantêm os benefícios enunciados pelo Estatuto, sendo condido sine qua non para a sua manutenção a verificação de direitos adquiridos ao seu abrigo (artigo 2.° do Estatuto).
15.° O conceito de direitos adquiridos que recebeu consagração na lei ficou limitado por duas fronteiras: primeiro, quanto à fonte — benefícios de fonte negocial; segundo, quanto às características de temporalidade e condicionali-dade — benefícios temporários e ou condicionados.
16.° E ainda que viesse a admitir-se conter o artigo 9." do Decreto-Lei n.° 404/82, de 24 de Setembro, uma norma de exclusão da incidência tributária — apesar de ser empregue a expressão «isenta» — não deixaria de ver afectada a sua eficácia.
17." Em tal caso, a delimitação negativa operada sobre o tipo não sobreviveria à vigência do artigo 11.° do CIRS (aprovado pelo Decreto-Lei n.° 442-A/88, de 30 de Novembro)..
18." O problema está, pois, em saber qual o âmbito de aplicação do referido artigo 11.° do CIRS, não perdendo de vista o caso das pensões de preço de sangue, para o efeito de determinar se estão ou não sob a incidência tributária do ERS.
19.° Na eventualidade de não ser admissível uma resposta clara e consequente por parte do disposto no referido preceito tributário, ou acaso da sua interpretação possam resultar ambiguidades manifestas, é legítimo que se pretenda conhecer da sua conformidade com os princípios da segurança jurídica e da tipicidade da lei tributária decorrentes, respectivamente, do princípio do Estado de direito (artigo 2.° da CRP) e do princípio da legalidade tributária (artigo 106.°, n.° 2, da CRP).
20." Por outro lado, a ser aceite, por hipótese, que a categoria H do IRS, por via do artigo 11.° do Código, abrangia as pensões de preço de sangue, não deixarão de apontar-se incertezas quanto à constitucionalidade deste preceito, por outras razões.
21.° Haverá de analisar-se a tributação das referidas prestações à luz dos fins visados, por um lado, ao sistema fiscal (artigo 106.°, n.° 1) e por outro, mais especificamente, ao imposto sobre o rendimento pessoal (artigo 107.°, n.° 1), sendo certo que por ambos se encontra o legislador materialmente vinculado. E haverá de indagar--se sobre a sua conformidade com o princípio da não discriminação arbitrária do artigo 13.°, n.°2, da CRP.
II — Fundamentação a) Violação do princípio da legalidade tributária
22.° O princípio da legalidade em matéria tributária encontra-se indiscutivelmente consagrado na actual Constituição, quer através do enunciado no artigo 106.°, n.° 2, quer na reserva parlamentar quanto à criação de impostos e sistema fiscal [artigo 168.°, n.° 1, alínea í)].
23.° Este princípio da legalidade tributária é particularmente exigente. Não se trata apenas de uma proibição do costume e do regulamento coroo fontes em certas matérias
Página 196
196
II SÉRIE-C — NÚMERO 33
fiscais, nem tão só da necessidade de o acto tributário se fundar em lei anterior. 24.° «A lei fiscal dSYÇ ÇQlUvT não só o fundamento da
conduta da Administração, mas também os critérios das
decisões dos casos concretos, não dando margem a qualquer discricionariedade ou disponibilidade pela administração fiscal.» (Nuno Sá Gomes, Lições de Direito Fiscal, AAFDL, 1984, Lisboa.)
25.° Na verdade, esta exigência acrescida relativamente à incidência e taxa dos impostos, bem como aos benefícios fiscais e garantias dos contribuintes — elementos cuja determinação cabe exclusivamente à lei, nos termos do artigo 106.°, n.° 2—, aproxima o referido princípio da legalidade tributária muito mais da legalidade penal que do princípio da legalidade administrativa.
26." A Constituição de 1976 foi ainda mais longe e consagrou um princípio de tipicidade tributária, o qual pode ser entendido como corolário do referido princípio da legalidade fiscal óu pode ser considerado autonomamente.
27.° Embora a propósito da Constituição de 1933, não perdem razão de ser — antes pelo contrário — as palavras de Cardoso e Costa:
[...] não permite a Constituição, salvo em medida restrita, que as previsões legislativas aqui necessárias me deixem a possibilidade de definir as matérias indicadas no § 1.° do artigo 70.° por meio de regulamento ou lhe confiram faculdades discricionárias quanto às decisões a- praticar neste sector. [Curso de Direito Fiscal, 2." ed., actualizada. Livraria Almedina, Coimbra, 1972, p. 175.]
• 28.° E afirma o ilustre conselheiro, logo após, que no âmbito da incidência tributária, contudo, nem tal medida estrita é admissível:
A tributação de uma tal competência regulamentar autónoma ou delegada ou de tais poderes discricionários encontra-se inteiramente excluída no domínio de incidência dos impostos: há-de ser sempre a lei a determinar as pessoas, factos e situações a ela sujeitos, lidem.]
29.* E se este princípio se não retirasse da leitura do artigo 106.°, n.° 2, o n.° 3 do mesmo preceito dissiparia quaisquer dúvidas.
30.° A consagração do princípio de nullum tributum sine lege representa uma garantia notável do Estado de direito. Com ele, pretende não só assegurar-se a regra de quod omnes tanget..., como também afastar-se a imprevisibilidade e insegurança dos contribuintes.
31Compreende-se, pois, que a Constituição tenha ido além ao exigir um grau de determinabilidade nas normas tributárias impositivas que afaste, o mais possível, a intervenção de critérios valorativos e decisórios por parte da administração fiscal.
32° A utilização da expressão «determina», no artigo 106.°, n.° 2, não é inocente, nem se deve ao acaso.
33.° Ela importa a taxatividade da norma de incidência, convertendo-a num tipo fechado e, bem assim, impõe um grau elevado de dcasificação do conteúdo conceituai ao legislador fiscal.
34.° Como ensina Alberto Xavier, «no Direito Tributário Material não teriam foros de cidade as normas incompletas ou elásticas» (Conceito e Natureza do Acto Tributário, Ed. A\medina, Coimbra, 1972, p. 550). '
35." As normas de incidência submetem-se, pois, a princípios de legalidade, tipicidade e determinabilidade. 36.° Ora, o artigo lí.°, n.° 1, do CIRS (Decreto-Lei
n.6442-A/88, de 30 de Novembro), por acção"áâ Sua a\{-neat), revela uma falta de densificação tal qué não pode
deixar de considerar-se como norma incompleta, permitindo à administração fiscal que parcialmente se arrogue a determinar a incidência do IRS, no que toca à categoria H.
37.° O problema parece gravitar em torno do conceito de pensão. Este conceito está longe de ser unívoco, como muito bem se reconhece no Código do IRS, 2.* ed., anotada e comentada (Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, Lisboa, 1990, p. 125).
38." E apesar de o legislador ter tido a preocupação de enunciar na alínea a) do n.° 1 do artigo 11." um conjunto de prestações pecuniárias integrantes do conceito de pensão, abriu a porta à indeterminação ao fazer considerar pensões «as pensões e subvenções não compreendidas na alínea anterior» [cf. artigo 11.°, n.° 1, alínea b), do CIRS].
39.° O resultado deste expediente é tanto mais gravoso quanto o enunciado da alínea a) se limita a descrever aquilo que forma, sem dúvida, o cerne do conceito de pensão.
40." «A decomposição do conceito em cerne e auréola é própria da maioria dos conceitos jurídicos. O que caracteriza os conceitos indeterminados é que a auréola (Begriffshop) é invulgarmente extensa e difusa e o cerne (Begriffskern) é inusitadamente reduzido» (José Manuel Sérvulo Correia, Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos, Ed. Almedina, Coimbra, 1987, p. 120)
41." E discutível tratar-se, aqui, de um exemplo paradigmático de conceito vago e indeterminado. 42.° Contudo, é o mesmo autor quem reconhece que
«não existe uma fronteira nítida entre conceitos determinados e indeterminados, mas apenas uma maior ou menor determinação ou indeterminação» (ob. cit., idem).
43.° O conceito de pensão, para efeitos de tributação em IRS, sofre, seguramente, de alguma indeterminação — acrescida como vimos, pela válvula de abertura que a alínea b) do n.° 1 do artigo 11." introduziu.
44." É relativamente comum a atribuição de designações idênticas a realidades fácticas ou jurídicas substancialmente diferenciadas, potenciando as maiores ambiguidades.
45.° Sirva de exemplo o emprego do conceito de taxa pela lei e, inclusivamente, pela jurisprudência e doutrina. Assim ocorria com a taxa militar e assim se passa com a chamada taxa de radiodifusão .
46.° São verdadeiros impostos (cf. Nuno de Sá Gomes, ob. cit., pp. 93 e seguintes; Pedro Soares Martinez, Manual de Direito Fiscal, Ed. Almedina, Coimbra, 1983, p. 34; António Brás Teixeira, Princípios de Direito Fiscal, vol. i, 3.° ed., Ed. Almedina, Coimbra, 1985, p. 45) e, no entanto, onde ao legislador seriam exigidas particulares cautelas no rigor e precisão da terminologia surgem, por vezes, equívocos e contradições.
47." Tratando-se de uma norma de incidência tributária, como no caso Vertente, este défice de precisão e clareza não pode deixar de afectar a sua validade, por desconformidade com as exigências que decorrem do princípio da legalidade tributária.
48.° A lei enuncia duas áreas de pensões sujeitas à tributação em IRS — aquelas cuja natureza se funda em relações jurídicas de segurança social, às quais foi reconhecida uma natureza própria, e as pensões de alimentos [artigo 11.°, n.° 1, alínea a), do CIRS].
Página 197
22 DE SETEMBRO DE 1994
197
49.° Assim, caberão na alínea b), em princípio, aquelas que forem, de outra natureza. É neste ponto que reina a falta de clareza e a indeterminação.
50.° Se era dispensável enunciar as primeiras (no âmbito da segurança social) e, talvez, embora em menor grau, as segundas (pensão de alimentos), foi no vasto campo, extremamente heterogéneo, das pensões de outras naturezas e das subvenções que o legislador omitiu qualquer densificação. Por isso, se admitía supra (artigo 35.°) que o àéfice àe determinação estava precisamente na auréola e
não no núcleo do conceito.
51.° Potenciou-se, desta forma, a extensão do conceito a verdadeiras pensões em sentido impróprio.
52.° Repare-se, aliás, que da concatenação do corpo do n.° 1 do artigo 11." com a alínea b) resulta um estranho pleonasmo: «considera-se pensões [...] as pensões e subvenções não compreendidas na alínea anterion>.
53." Isto é, inclui-se o definido na definição, onde tal seria menos tolerável pelas exigências de tipicidade, determinabilidade e segurança jurídica.
54.° E a demonstração do que se afirma ficará, por certo, ilustrada pelo recurso à figura das pensões de preço de sangue.
55.° Na verdade, tais «pensões» têm um carácter indemnizatório, o que, se por um lado as afasta do conceito da pensão, também por outro nos permite situá-las à margem das «rendas» a que se refere a alínea c) do n.° 1 do mesmo artigo 11.°
56." O conceito de pensão tem na sua base uma ideia de necessidade sócio-económica de meios materiais, visando garantir a dignidade da vida humana em situações de insuficiência. Observe-se, a este propósito, quanto às pensões no âmbito da segurança social, o artigo 62.°, n.°4, da Constituição: «[...] em todas as outras situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho.» Relativamente às pensões de alimentos, resulta claro dos artigos 2003." e 2004.° do Código Civil o pressuposto da necessidade, de carência por parte de quem a elas tem direito.
57.° Por outro lado, no que toca às rendas referidas no alínea c) é bem visível o pressuposto de uma prévia alienação por parte de quem, mais tarde, venha a ser beneficiário.
58.° Assim, pode ler-se no artigo 1238." do Código Civil:
Contrato de renda vitalícia é aquele em que uma pessoa aliena em favor de outra certa soma de dinheiro [...] e a segunda se obriga a pagar [...] durante a vida do alienante ou de terceiro.
59." As pensões de preço de sangue são verdadeiras indemnizações. A sua atribuição pretende, de algum modo, compensar os familiares daqueles cujo sentido do dever para com o interesse nacional tenha levado ao sacrifício máximo da vida ou da integridade física.
60.° E foi na sequência desta ideia que o legislador revogou o artigo 10.° do Decreto-Lei n.° 404/82, de 24 de Setembro, através do Decreto-Lei n.° 140/87, de 20 de Março.
61.° As disposições de tal preceito efectuaram um ajustamento de quantitativos a auferir em função do grau de necessidade dos seus beneficiários.
62.° A natureza indemnizatória é, aliás, expressamente reconhecida no preâmbulo do Decreto-Lei n.° 266/88, de 28 de Julho:
Daí que a carência económica dos beneficiários tivesse sido sempre um dos requisitos da atribuição das pensões.
A exigência de um tal requisito não se coaduna, porém, com a natureza essencialmente indemnizatória que estas pensões devem assumir quando dos actos que lhes dão origem tenha resultado o falecimento ou a impossibilidade física do seu autor.
Nestes casos, a pensão será atribuída e paga independentemente da situação económica dos beneficiários.
63.° Vão ao encontro de tais propósitos as modificações
introduzidas pelo artigo 1,° do referido Decreto-Lei n.° 266/ 88, de 28 de Julho.
64." E não se afirme que tal indemnização, por ter a forma de renda à semelhança do que se dispõe no artigo 567.° do Código Civil, possa subsumir-se à alínea c) do artigo 11.°, n.° 1, do CIRS, porquanto a forma em nada atinge a natureza de tal obrigação ou a caracterização do seu conteúdo.
65.° Face ao exposto, não pode deixar de concluir-se que a alínea b) do artigo 11.°, n.° 1, do CIRS, introduz uma perturbação sensível na ordem jurídica.
66.° Tal perturbação não é admissível à luz do princípio da legalidade tributária. Este princípio exige, como observámos, a verificação da tipicidade das normas de incidência tributária num sistema de tipologia taxativa.
67." E a este propósito não será inusitado citar, mais uma vez, Alberto Xavier:'
A selecção quer dos factos quer dos efeitos exerce um duplo efeito: por um lado, a especificação do conceito geral a que o tipo se reporta, pela criação de uma pluralidade de modelos que representam todos eles expressões parciais de uma única realidade de que o conceito é a síntese; por outro lado, o preenchimento incompleto do mesmo conceito, pelo que a tipologia se distingue da classificação, ao deixar de fora do seu âmbito realidades que, se bem que aspectos do conceito geral, foram precisamente excluídas pela actividade selectiva do legislador. [Ob. c/r., p. 320.]
68.° E, mais adiante, o ilustre fiscalista não deixa de reconhecer um verdadeiro princípio de selecção dos factos tributáveis como corolário da tipicidade:
«O princípio da selecção inerente a qualquer tipologia contém em si um comando ao legislador, segundo o qual este deverá elaborar as normas tributárias por um método casuístico, isto é, circunscrevendo grupos pertinentes de casos na sua individualidade. [Idem, p. 321.]
69.° Afinal, foi precisamente isto que o legislador, no caso em apreço, não fez. A falta de densificação da norma, causada pela abertura da alínea b) do artigo 11.°, n.° 1, do CIRS, permite estender a incidência tributária a pensões em sentido impróprio cuja natureza jurídica é traída pela designação corrente.
70.° Foi tal falta de densificação que possibilitou à administração fiscal fazer aplicar a tributação em IRS às pensões de preço de sangue, permitindo confundir pensões e indemnizações, carência e dano.
71.° E prova evidente é o entendimento da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos (cf. documento n.° 1), sancionado por despacho do Subsecretário de Estado Adjunto da Secretária de Estado Adjunta e do Orçamento de 17 de Janeiro de 1992; por aqui já se vê ao que pode
Página 198
198
II SÉRIE-C — NÚMERO 33
dar lugar a aludida norma, cuja abertura viria, afinal, a dar os frutos indesejados.
72.° Com efeito, tal entendimento termina por admitir que as referidas pensões de preço de sangue são tributáveis
em IRS, na categoria H, po.r via do artigo 11.°, n.° 1, alínea fr), do CIRS.
B) Violação dos artigos 106.°, n.° 1, e 107.°, n.° 1, por desconformidade com os fins visados ao sistema fiscal e, especificamente, ao imposto sobre o rendimento pessoal.
73." Ainda que não viesse a ser acolhido o entendimento atrás perfilhado, estamos em crer, todavia, haver outras boas razões para admitir a inconstitucionalidade do preceito.
74.° Ou, dé outro modo, se não se entender que a norma em análise peca por defeito, pela falta de determinação e densificação dos elementos de incidência tributária, então, forçoso será reconhecer que é desconforme com a Constituição por excesso por comportar na área de incidência fiscal as pensões de preço de sangue.
75.° Se no passado pudemos conhecer concepções abso-lutizantes da soberania fiscal, os resultados alcançados pela evolução constitucional não se compadecem com estas no presente, nomeadamente o reforço das garantias do Estado de direito e da dignidade da pessoa humana. .
76.° Terá de compreender-se que a lei fiscal não pode tributar todos e quaisquer acréscimos patrimoniais, desinteressando-se da natureza jurídica que tenham e dos factos que lhes dão origem. Isto explica, aliás; a ausência de tributação dos actos ilícitos.
77." «Nem todas as situações da vida, abstractamente susceptíveis de desencadear efeitos tributários, podem ser escolhidas pelo legislador como factos tributáveis.» (Carlos Pamplona Corte-Real, A Reforma Fiscal e a Inerente Dignificação Científica do Direito Fiscal, Lisboa, 1983, p. 19.)
78.° O poder de tributar não reside mais numa soberania fiscal ilimitada, sob pena de se reconhecer como causa da obrigação tributária, apenas e somente, a vontade soberana do legislador. >
79.° Ora, como vimos, a pensão de preço de sangue tem a natureza de uma verdadeira indemnização compensatória pelo sacrifício infligido em nome das mais elevadas razões de interesse público em determinados interesses particulares.
80.° Sacrifício esse que em primeira linha envolve danos rião patrimoniais. .
81.° Não se apura, como tal, qualquer razão —senão numa ratione imperie — que leve à tributação de tais pensões.
82." Não se vê que.motivo imperioso exija um novo sacrifício daqueles mesmos interesses privados que as pensões de sangue pretendem compensar.
83.° Poderia contra-argumentar-se com o facto de, por meio do Decreto-Lei n.° 487/88, de 30 de Dezembro, ter sido efectuada uma majoração das referidas «pensões».
84.° No entanto, tal majoração é claramente insuficiente, tendo frustrado em muitos casos o objectivo de não fazer diminuir os montantes líquidos auferidos pelos beneficiários (artigos 3." e 4.° do Decreto-Lei n.° 487/88, de 30 de Dezembro, bem como as tabelas anexas ao mesmo diploma).
85.° A tributação das pensões de preço de sangue não pode deixar de colidir com os-fins visados ao sistema fiscal pelo artigo 166.°, n.° 1, da Constituição.
86." O sistema fiscal português fiá-de obedecer, nos termos daquele preceito, a duas coordenadas fundamentais, de forma cumulativa.
87.° Por um lado, as receitas provenientes da tributação hão-de ter como destino «a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas» (ar-
tigo 106.°, n.° 1, da CRP).
88.° Por outro, visará promover uma «repartição justa dos rendimentos e riqueza» (artigo 106.°, n.° l, infine, da CRP).
89." Pois bem. Não se vê como possa ser justa a repartição de uma compensação pelos danos morais que sofreram e sofrem os beneficiários de uma pensão de preço de sangue.
90." E a injustiça de tal solução será tão mais evidente quanto as lesões perpetradas nas esferas jurídicas de tais pessoas não focam, nem serão nunca repartidas entre todos, nem completamente ressarcidas.
91." Quanto ao artigo 107.°, n." 1, CRP, a desconformidade será, porventura, mais velada, mas não deixa de se fazer sentir.
92." Isto, porquanto o imposto sobre o rendimento pessoal é, no espírito e na letra da Constituição, úm instrumento privilegiado para alcançar a «diminuição das desigualdades».
93." E, mais que isso, a lei fiscal em matéria de imposto sobre o rendimento pessoal está vinculada nesse sentido.
94.° Ora, se ao artigo 11.°, n.° 1, alínea b), do CIRS for permitida a tributação das pensões de preço de sangue, estão parcialmente a desvirtuar-se estas mesmas pensões naquilo que elas pretendem obter.
95." O falecimento do «militar ao serviço da Nação» ou «do civil incorporado em serviço nas forças militares» [artigo 2.", n." 1, alíneas a) e b), do Decreto-Lei n.° 404/ 82, de 24 de Setembro] coloca as pessoas referidas no artigo 4°, n." 1, em situação de desigualdade pela perda irreparável sofrida.
96." O superior interesse nacional defendido em situação de guerra pelo militar ou pelo médico «no combate de quaisquer epidemias de moléstia infecciosa ou contagiosa contraída em serviço público de assistência sanitária» [artigo 2.°, n.° 1, alínea e), do Decreto-Lei n.° 404/82, de 24 de Setembro] onerou de modo igual a comunidade.
97." O interesse público terá feito pesar encargos a uns mais que a outros e, na medida do possível, pretende compensar os primeiros, atribuindo-lhes a referida pensão de sangue.
98.° Escapa ao bom entendimento — parece-nos — que tais pessoas tenham de contribuir, nessa parcela do seu património, para a satisfação das necessidades públicas e correcção das desigualdades.
99.° Estaria, aí, então, a visar-se a diminuição de algumas desigualdades pelo incremento injustificado de outras.
100 ." Tudo isto vai ao encontro —estamos em crer — das palavras de Gomes Canotilho e Vital Moreira, quando afirmam:
Quanto ao princípio da necessidade, parece ser cabido aplicar-lho, não sendo concebível um imposto arbitrário, um imposto pelo imposto, que não seja exigido pelos objectivos dos sistema fiscal. [Consumição da República Portuguesa Anotada, 2.' ed., Coimbra Editora, 1984, p. 464, anotação vn ao artigo 106.°]
101.° Assim sendo, por desrespeitar os objectivos enunciados ao sistema fiscal, nomeadamente «ajusta repartição
Página 199
22 DE SETEMBRO DE 1994
199
dos rendimentos e da riqueza» (artigo 106.°, n.° 1, da CRP) e por desvirtuar o fim da «diminuição das desigualdades» (artigo 107.°, n.° 1, da CRP) do imposto sobre o rendimento pessoal — a admitir-se a sua aplicabilidade às pensões de preço de sangue —, deverá considerar-se a alínea b) do n.° 1 do artigo 11.° do CIRS inconstitucional.
Q Violação do principio da igualdade
102.° A tributação do rendimento pessoal pretende-se desigual, como bem se vê, pela exigência de progressividade (artigo 107.°, n.° 1, da CRP).
103.° Tal desigualdade de tratamento visa promover a correcção de desigualdades sócio-económicas.
104.° Eis a razão pela qual se justifica tal tratamento à luz do princípio vertido no artigo 13." da Constituição.
105." Naturalmente, ninguém porá em dúvida que a proibição da discriminação infundada receba aplicação em matéria tributária.
106.° Nos mesmos termos em que outras discriminações sejam admitidas porque fundadas, o tratamento diferenciado em matéria fiscal só se compagina com a Constituição até onde vá a prossecução de outros valores constitucionais.
107.° Reportando-se a um recurso em sede de fiscalização concreta no domínio das expropriações por utilidade pública, e citando o Acórdão n.° 341/86 do Tribunal Constitucional, escreve José Casalta Nabais:
A norma sub judice, ao impor um critério de valorização não conducente a uma adequada restauração da lesão rwrrimonial pelos expropriados, determina para este uma onerosidade forçada e acrescida sem a tutela do princípio da igualdade, por inexistência da justificação material para a diferença valorativa. [Sublinha--se a parte em que é citado o referido acórdão, in Os Direitos Fundamentais na Jurisprudência do Tribunal Constitucional (separata do vol. lxi do BFDC, Coimbra, a 990, p. 50).]
108.° Também aqui, o critério subjacente a um conceito demasiado amplo acarreta uma discriminação.
109.° Isto, porque se está a discriminar dentro da tributação de indemnizações.
110.° Ao reconhecer-se nas referidas pensões uma verdadeira indemnização sob a forma —e apenas sob a forma — de rendas perpétuas ou vitalícias (recorrendo à terminologia privatística dos artigos 1231." e 1239.° do Código Civil), a discriminação residirá no facto de não haver uma tributação generalizada de indemnizações.
111,° A delimitação negativa da incidência, operada pelo artigo 14.°, n.° 1, do CIRS, considera como indemnizações sujeitas a IRS apenas as que correspondam a lucros crescentes ou «quando devam ser consideradas como proveitos para efeito de determinação do rendimento das actividades comerciais, industriais ou agrícolas».
112.° Esta norma admite, ainda, a tributação de indemnizações nos casos em que o Código disponha diferentemente. É o que se passa com aquelas que «sejam havidas como rendimento do trabalho independente por respeitarem à suspensão, redução ou mudança de local do exercício da respectiva actividade [v. artigo 3.°, n.° 5, alínea a)]» (A. M. Cardoso da Mota, A Tributação Unitária do Rendimento, Coimbra Editora, 1990, p. 79).
113.° A indemnização constituída pela pensão de preço de sangue não é, seguramente, por lucros cessantes («benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão», na acepção do artigo 564.°, n.° 1, do Código Civil), nem se integram em nenhum dos outros domínios de indemnizações tributáveis em IRS.
114.° Na verdade, trata-se na pensão de preço de sangue de uma indemnização por danos não patrimoniais, no sentido do artigo 495.° do Código Civil, o qual se toma por
referência.
115.° Ora, a não patrimonialidadé do dano não se com-pagina com conceito de lucro cessante.
116.° E não tendo o legislador fiscal deduzido excepção onde expressamente se referisse o artigo 11.°, n.° 1, alínea b), do CIRS, só a regra geral salvaguarda os valores constitucionais em questão:
O IRS não incide sobre as indemnizações recebidas ao abrigo do contrato de seguro ou decorridas a outro título. [Artigo 13.°, n.° 1, do CIRS.]
117.° Face ao exposto, admitir que a alínea b) do artigo 11.°, n.° 1, se estende a tais indemnizações levará —e é forçoso que se reconheça— a admitir a sua inconstitucionalidade, também por violação do artigo 13.°, n.° 2, da CRP.
Ill — Conclusões
Nestes termos, deve ser declarada a inconstitucionalidade com força obrigatória geral da parte da norma de incidência que está contida na alínea b) do n.° 1 do artigo 11.° do CIRS, aprovado, pelo Decreto-Lei n.° 442-A/88, de 30 de Novembro, porquanto:
1) Viola o princípio da determinabilidade, corolário do principio do Estado de direito (artigo 2.° da CRP) e da legalidade tributária [artigos 168.°, n.° 1, alínea i), e 106.°, n.° 2, quando se exige que a lei determine a incidência], admitindo-se que permite subsumir à sua previsão as pensões de preço de sangue (Decreto-Lei n.° 404/82, de 24 de Setembro);
2) É desconforme com os artigos 106.°, n.° 1, e 107.", n.° 1, da Constituição pela contradição entre o facto entendido como sujeito a tributo e os fins visados quer pelo sistema fiscal globalmente, quer pelo imposto sobre o rendimento pessoal, especificamente;
3) Atenta contra o princípio da igualdade na sua vertente de proibição da discriminação arbitrária (artigo 13.°, n.° 2, da CRP), se se considerar tratarem-se as pensões de preço de sangue como verdadeiras indemnizações, também por danos morais, na medida em que as indemnizações de natureza em tudo semelhante não são tributadas.
Processo: R-708/91.
O provedor de Justiça, no uso dos poderes que lhe são constitucionalmente conferidos pelo artigo 2%\.", n.° 2, alínea d), e ao abrigo do artigo 20.", n.° 3, da Lei n.° 9/91 (Estatuto do Provedor de Justiça), vem, nos termos do artigo 51n.° 1, da Lei h.° 28/82, de 15 de Novembro (Lei do Tribunal Constitucional), requerer a declaração de in-
Página 200
200
II SÉRIE-C — NÚMERO 33
constitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma ccontida no Acórdão n.°2/92 de 13 de Maio de 1992, do Supremo Tribunal de Justiça publicado no Diário da República, 1.a série, de 2 de Julho de 1992, por violar as
normas e princípios constitucionais apontados na fundamentação que ora se expõe:
I — Introdução
1,° O Acórdão n.° 2/92 do Supremo Tribunal de Justiça foi produzido ao abrigo dos artigos 437.° e seguintes do Código de Processo Penal (aprovado pelo Decreto-Lei n.° 78/87, de 17 de Fevereiro).
2." Foi, assim, proferido em sede de recurso extraordinário para fixação de jurisprudência.
3° Nele se interpreta, fixando jurisprudência obrigatória para os tribunais judiciais (artigo 445.°, n.° 1, do Código de Processo Penal), a norma contida no artigo 49.°, n.° 3, do Código de Processo Penal:
A queixa é apresentada pelo titular do direito respectivo ou por mandatário munido de poderes especiais.
4 Entende o Supremo Tribunal de Justiça no referido acórdão que:
Os poderes especiais a que se refere o n.° 3 do artigo 49." do Código de Processo Penal são poderes especiais especificados, e não simples poderes para a prática de uma classe ou categoria de actos.
5.° Anteriormente ao Acórdão n.°2/92 era correntemente admitida —tanto para os crimes semipúblicos (artigo 49." do Código de Processo Penal) como também para os crimes particulares' (artigo 50.°, n.° 3, do Código de Processo Penal) — a queixa apresentada por mandatário judicial munido de procuração forense em termos substancialmente idênticos aos do artigo 37.°, n.° 2, do Código de Processo Civil.
6.° Era esta a interpretação geralmente levada a cabo pelos tribunais e que se encontrava enraizada na comunidade jurídica.
7.° E tal entendimento — é forçoso reconhecê-lo — facilitava largamente o acesso aos tribunais (valor tutelado constitucionalmente, nos termos do artigo 20.°, n.° 1, da CRP) por parte das pessoas titulares do direito de queixa.
8.° Tal aspecto é particularmente importante para pessoas que, tendo sofrido várias ofensas penalmente relevantes nas suas esferas jurídicas, hajam de recorrer repetidamente aos meios da jurisdição criminal.
9." É o que se passa, nomeadamente e de modo muito especial, com grande parte dos ofendidos pelo crime de emissão de cheque sem provisão (previsto e punido pelo artigo 11.° do Decreto-Lei n.° 454/91, de 28 de Dezembro), na sua maioria comerciantes.
10.° A procuração forense com poderes especiais do artigo 49.° do Código de Processo Penal, nos mesmos termos que são descritos pelo artigo 37.°, n.° 2, do Código de Processo Civil, permitia às pessoas titulares do direito de queixa verem gerida a apresentação das queixas pelos respectivos advogados, em consonância com a sua vontade e determinação de representados.
Este entendimento tinha, entre outras vantagens, a de serem conhecidos e tidos em conta, por profissionais
forenses os prazos legalmente fixados para o exercício do direito de queixa.
12.° Tudo isto assenta, naturalmente, numa relação de confiança entre mandante e mandatário judicial garantida pela responsabilidade civil e disciplinar dos advogados, pelo carácter liberal da sua profissão e, particularmente, pela revogabilidade do mandato judicial (artigo 39.° do Código de Processo Civil) e pela possibilidade de desistência da queixa (artigo 51 ° do Código de Processo Penal e artigos 114° e 116° do Código Penal).
13.° Não pode deixar de salientar-se, também, como reforço da relação de confiança entre o advogado e o seu cliente, o dever de sigilo profissional [artigos 81.° e 83.°, n.° 1, alínea e), do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 84/84, de 16 de Março].
14° Confiando na interpretação declarativa que vinha comummente a ser feita pelos tribunais do artigo 49.°, n.° 3, do Código de Processo Penal, muitos processos pendentes contêm queixa apresentada por advogado munido de procuração com poderes especiais não especificados.
15." Tais processos podem, a partir do Acórdão n.° 2/ 92 do Supremo Tribuna) de Justiça, ser objecto de arquivamento (artigo 277.° do Código de Processo Penal), de despacho de não pronúncia (artigo 308.° do Código de Processo Penal) ou de despacho de não recebimento na fase de saneamento (artigo 311°, n.° 1, do Código de Processo Penal).
16.° Haverá de analisar-se, então, em que medida a norma contida no Acórdão n.°2/92, dé 13 de Maio, do Supremo Tribuna] de Justiça, atenta contra normas e princípios formalmente constitucionais.
17° Tal análise passará, nomeadamente, pelo confronto entre tal disposição e o princípio de tutela da confiança (ex vi artigo 2.° da CRP), as restrições ao direito de acesso aos tribunais e seu regime (artigos 20.° e 18° da CRP), as garantias constitucionalmente oferecidas no processo criminal (artigos 27.° e seguintes), nomeadamente para protecção de direitos fundamentais de conteúdo pessoal, como sejam a reserva de intimidade da vida privada (artigo 26.°, n.° 2), o direito ao bom nome e à reputação (artigo 26.°, n.° 1).
18.° Será, no entanto, útil começar por esclarecer um aspecto.
Trata-se da sindicabilidade das normas contidas em acórdãos para fixação de jurisprudência, proferidos nos termos dos artigos 437.° e seguintes do Código de Processo Penal.
II —Admissibilidade
19.° Os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça proferidos no âmbito e para os efeitos dos artigos 437° e seguintes do Código de Processo Penal constituem jurisprudência obrigatória para os tribunais judiciais (artigo 445.°, n.° 1, do Código de Processo Penal).
20° Tal como os assentos do mesmo Supremo Tribunal (artigos 2.° do Código Civil e 763.° e seguintes do Código de Processo Civil), constituem fonte de direito, no sentido de modos de formação e, revelação de regras jurídicas.
21.° Os assentos contêm normas jurídicas em tudo aptas a integrar o conceito constitucional de norma (um conceito misto — material e formal — de acordo com a jurisprudência firmada sobre este assunto no Acórdão n.° 26/85 do Tribunal Constitucional, publicado no Diário da República, 2.« série, de 26 de Abril de 1985).
22.° São, como tal, essas normas, potencial objecto de fiscalização da constitucionalidade, a qual incide genericamente sobre todas as normas emanadas de poderes públicos
Página 201
22 DE SETEMBRO DE 1994
201
(artigos 207.°, 227.°, n.° 1, e, no que toca à fiscalização sucessiva abstracta, artigo 281.°, n.° 1, alínea a) da CRP).
23.° As normas contidas em assentos podem caracterizar-se como comandos jurídicos de decisão dotados de abstracção e generalidade.
24." São/ inovadoras — pese embora o seu carácter interpretativo.— ou porque integram o conteúdo da norma interpretada (ele próprio inovador) ou porque lhe conferem um sentido dos vários admissíveis (e revelando-o, inovam) ou ainda porque integram uma lacuna.
25." Estão dotadas de garantia pela força obrigatória geral que lhes confere o artigo 2.° do Código Civil — o que não deixa de ser importante para quem entenda a garantia ou a virtualidade da garantia como caracterizadora do conceito de norma jurídica.
26.° «É à efectividade da norma que se liga a garantia, e a virtualidade que qualquer norma tem de a receber assenta na necessidade de observância (ou de um grau satisfatório de observância) sem o qual não tem razão de ser.» (Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, t. ii, 3.* ed., Coimbra Editora, 1991, p. 349.)
27." Assim, e admitindo uma pluralidade de critérios para a caracterização das normas jurídicas, caem sempre na extensão deste conceito os comandos contidos em assentos do Supremo Tribunal de Justiça.
28.° E o Tribunal Constitucional não hesitou, de há muito, em admitir a fiscalização da constitucionalidade das normas contidas em assentos, como pode observar-se em vasta jurisprudência (Acórdãos n.08 40/84, de 3 de Maio, Diário da República, 1." série, de 7 de Julho de 1984, 17/ 86, de 22 de Janeiro, in Diário da República, 2.' série, de 24 de Abril de 1986, 68/86, de 5 de Março, in Diário da República, 2.* série, de 7 de Junho 1986, 123/86, de 16 de Abril, in Diário da República, 2.* série, de 6 de Agosto de 1986, 210/86, de 18 de Junho, in Diário da República, 2.' série, de 5 de Novembro de 1986, 5/87, de 7 de Julho, in Diário da República, 2." série, de 31 de Março de 1987, 8/87, de 13 de Janeiro, in Diário da República, 1." série, de 9 de Fevereiro de 1987, 166/92, de 6 de Maio, in Diário da República, 2.° série, de 18 de Setembro de 1992).
29." E tanto assim é que teve oportunidade de afirmar claramente no Acórdão n.° 359/91 (Diário da República, 1.' série, 15 de Outubro de 1991) que:
[...] a fixação de doutrina com força obrigatória geral operada através dos assentos traduz a existência de uma norma jurídica com eficácia erga omnes, em termos de, quanto a ela, ser possível o accionamento do processo de fiscalização abstracta sucessiva de constitucionalidade.
30.° E aquilo que tem vindo a ser considerado quanto aos assentos não pode deixar de sê-lo também quanto aos acórdãos que constituam jurisprudência obrigatória nos termos dos artigos 437." e seguintes do Código de Processo Penal.
31." Deles se tem dito:
A este respeito convém desde já destacar que os acórdãos que resolvem o conflito e fixam jurisprudência só têm força obrigatória para os tribunais judiciais (artigo 445.°, n.° 1) e podem vir a ser reexaminados e modificados pelo plenário das secções criminais (artigo 447.°, n.° 2). Esses acórdãos, que têm sido designados de assentos, perdem assim a sua contestada força externa, de constitucionalidade
duvidosa, regressando à função que tinham na versão de 1939 do Código de Processo Civil.
Deixa, portanto, de, neste aspecto, vigorar o artigo 2.°, do Código Civil, que aos assentos atribui força obrigatória geral. [Manuel Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, Editora Almedina, 3.' ed., 1990, Coimbra, anotação ao artigo 437.°J
32." Não se vê, contudo, como possam vincular apenas os tribunais judiciais sem deixarem de possuir força externa geral, ainda que mediatizada.
33." É impossível esquecer a função criadora de direito, a produção de verdadeiras normas jurídicas levada a cabo pela jurisprudência, mesmo nos sistemas jurídicos da família romano-germânica. Tal criação normativa há-de efectuar-se dentro dos limites constitucionais — claro está.
34.° «Uma interpretação modificada pela jurisprudência não significa senão um desenvolvimento do direito. Isto acontece sempre que se possa admitir que a nova interpretação será mantida no futuro pela jurisprudência e, por isso, observada no tráfego jurídico. (Karl Larenz, Metodologia da Ciência do Direito, 2* ed., Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1989, p. 444.)
35.° O que importa, sim, é que tais acórdãos constituem jurisprudência obrigatória, consubstanciam-se em critérios de decisão dotados de generalidade e de abstracção, emanados de órgãos do poder estadual.
Tanto basta para se subsumirem a um conceito funcional de norma e ficarem, assim, sujeitos aos mecanismos de fiscalização da constitucionalidade [artigos 207.°, 277.°, n.° 1, 281.°, n.° 1, alínea a)].
36." E nem se invoque o artigo 447°, n.° 2, do Código de Processo Penal em abono do carácter não normativo de tal jurisprudência fixada. A sua modificabilidade, por recurso a interpor pelo Procurador-Geral da República, em nada diminui a obrigatoriedade de tais normas interpretativas, ou integrativas enquanto vigorarem.
Ill — Do carácter de restrição ao direito de acesso aos tribunais (artigo 20.« da CRP)
37.° Como pressuposto dos fundamentos que ora se expõem, embora não indispensável para que se conclua pela inconstitucionalidade da norma contida no Acórdão n.° 2/ 92 do Supremo Tribunal de Justiça, importa reconhecer a natureza restritiva de tais normas relativamente ao direito ao acesso aos tribunais e ao patrocínio judiciário e à tutela do acesso ao direito protegidos, respectivamente, pelos n." 1 e 2 do artigo 20.° da Constituição.
38.° Na verdade, aquilo que o Supremo Tribunal de Justiça manda que se exija às procurações forenses para apresentação de queixa criminal não pode deixar de significar uma amputação de tais direitos.
39.° Se é possível admitir-se que tais normas emanadas do Supremo Tribunal de Justiça signifiquem uma restrição ao exercício do direito de acesso aos tribunais, não pode deixar de reconhecer-se que é o conteúdo, porventura o conteúdo essencial, do direito ao patrocínio judiciário (artigo 20.°, n.° 2, in fine, da CRP) que é afectado.
40.° E tal afectação é restritiva no sentido de restrição para efeitos do artigo 18." da CRP:
A restrição tem de ver com o direito em si, com a sua extensão objectiva; [...] A restrição afecta certo direito, envolvendo a sua compressão ou, doutro prisma, a amputação de faculdades que a priori esta,-
Página 202
202
II SÉRIE-C — NÚMERO 33
riam nele compreendidas» [Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, t. ii, Coimbra Editora, 1988, p. 300.]
41.° O direito ao patrocínio judiciário não pode, seguramente, deixar de envolver a faculdade de o ofendido confiar a advogado o exercício do direito de queixa.
42.° A assistência por mandatário judicial para a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos há-de entender-se extensiva a todos os actos 'processuais ou necessários ao processo.
43.° Está o advogado habilitado a fazê-lo melhor que ninguém, quer pelo seu distanciamento pessoa) relativamente aos factos e interesses em questão, quer pelos conhecimentos técnicos e científicos que possui.'
44 .° As normas contidas no referido acórdão exigem à procuração tanto ou mais que os requisitos da própria queixa em si.
45.° Assim diz-se no acórdão em questão que:
É preciso, realmente, que os poderes especiais se concretizem em condições de permitirem a conclusão de que o titular do direito de queixa deseja procedimento criminal pelo delito concretamente denunciado e, se possível, com a indicação da pessoa ou das pessoas contra quem se visa a instauração de um processo de índole penal.
46.° Neste ponto, não haverá dúvidas em afirmar que o patrocínio judiciário fica esvaziado de conteúdo útil, e lógico será concluir pelo carácter restritivo da norma fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça.
47." A exigência de na procuração se apontar o delito concretamente denunciado vai mais longe que as exigências quanto à queixa:
Deve ter-se, porém, em conta que na queixa não é ainda obrigatória a qualificação jurídica dos factos que dela são objecto [...]. Pode aliás suceder que no momento da apresentação da queixa o queixoso não disponha ainda de elementos suficientes para qualificar os factos. [Germano Marques da Silva, Do Processo Penal Preliminar, Editorial Minerva, 1990, Lisboa, p. 192.]
48.° Torna-se, assim, tão ou mais onerosa para o ofendido a representação no exercício do direito de queixa do que o seu exercício pelo próprio titular.
49.° Trata-se de uma restrição ao direito ao patrocínio judiciário, a qual, como se verá, padece de inconstitucionalidade.
50° Por outro lado, e como foi salientado, afecta-se restritivamente o acesso ao direito e aos tribunais.
51.° Tratando-se de crimes particulares e crimes semi-públicos, nos quais se equacionam interesses não exclusivamente públicos, limita-se a promoção do processo penal pelo Ministério Público, condicionando-a à apresentação de queixa. Trata-se, pois, de uma condição de procedi-bilidade.
' 52.° Em face de crimes de natureza particular ou semi-pública fica vedado ao ofendido o acesso à jurisdição criminal caso não apresente a queixa legítima e tempestivamente.
55.° Acrescer o condicionamento do exercício deste direito (o qual não é tão pessoal como possa aparentar, porquanto se transmite mortis causa nos termos do artigo 111.°, n.° 2, do Código Penal) é restringir, pois, também o n.° 1 do artigo20° dò texto constitucional.
54.° E isto assim é por duas vias. Primeiro, porque se dificulta o acesso dos ofendidos aos tribunais. Segundo, porque se apaga a função do advogado enquanto garantia do acesso ao direito.
55.° Quanto a este segundo aspecto, cita-se Jorge Miranda:
A Constituição não contém nenhuma norma sobre advogados, bem como sobre solicitadores .[...] Mas a independência da advocacia e o carácter privado ou liberal da profissão, sobre assentarem numa bem longa tradição, têm-se revelado garantias insubstituíveis de protecção livre dos direitos das pessoas, sobretudo frente ao Estado. [Ob. cit., p. 252.]
56.° E mais adiante afirma aquele autor:
Os advogados colaboram na administração da justiça, exercem de forma exclusiva, com as excepções previstas na lei, o patrocínio das partes e podem requerer, para a defesa de direitos e garantias individuais, a intervenção dos órgãos jurisdicionais competentes. [Ob cit., p. 252.]
57.° Chegou mesmo a propor-se a inclusão no texto originário da Constituição a consagração explícita da advocacia [Diário da Assembleia Constituinte, n.° 100, reunião de 6 de Janeiro de 1976, pp. 3248 e seguintes].
Ill — Oa inconstitucionalidade das restrições ao artigo 20.°, n.°* 1 e 2
58.° Verificando-se o carácter restritivo da norma contida no Acórdão n.° 2/92 do Supremo Tribunal de Justiça, expõem-se, de seguida, as razões que apontam para a inconstitucionalidade de tais restrições.
59.° Quanto às restrições ao direito ao patrocínio judiciário deve entender-se que estão feridas de inconstitucionalidade por atingirem o conteúdo essencial deste direito, dimi-' nuindo a sua extensão e alcance, pelo que violam o artigo 18.°, n.° 3, in fine, da Constituição.
60.° Como oportunamente foi referido, o patrocínio judiciário assenta e depende de uma relação de confiança entre patrono e patrocinado.
61.° A formulação de exigências acrescidas para a procuração forense do artigo 49.°, n.° 3, do Código de Processo Penal, deixa marcas indeléveis em tal relação e cerceia o âmbito técnico e profissional do patrocínio exercido por advogado.
62.° Não fora o contexto em que se insere, bem como as demais razões que fundamentam a decisão do Supremo Tribunal de Justiça, pareceria este trecho revelador de alguma inquietação por parte da comunidade jurídica na independência da advocacia:
De resto a procuração que confira simples poderes para «fazer participação crime» deixa ao mandatário a faculdade de apresentar as queixas que quiser, por crimes de todos os tipos, contra as pessoas que ele próprio indicar [...] Em termos tais que a referida procuração significa ou pode conduzir ao absurdo de a vontade do representante se substituir ou poder sobrepor à vontade do representado.
63.° No que toca às restrições do direito de acesso à justiça, há-de admitir-se serem inconstitucionais porque
Página 203
22 DE SETEMBRO DE 1994
203
desproporcionadas à salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, violando o n.° 2 do artigo 18.° da Constituição.
64.° Esta ofensa é tanto mais sensível quanto se reconheça que o direito de acesso aos meios jurisdicionais funciona como uma garantia de todos os outros direitos fundamentais, pelo menos na sua faceta negativa. Razão pela qual o seu conteúdo e o seu exercício têm uma fronteira indefinida ente si.
65.° O carácter restritivo das restrições a direitos, liberdades e garantias exige, entre outras coisas, uma relação
de proporcionalidade entre aquelas e os direitos e interesses
tutelados pela Constituição que fundamentem tais restrições.
66." Procurando identificar no acórdão em apreço os interesses norteadores da restrição operada, evidenciam-se a garantia de o exercício do direito de queixa corresponder à vontade do seu titular (ou de quem o represente legalmente ou ainda de quem tenha recebido tal posição jurídica por morte do seu titular, nos termos dos n.os 2 e 3 do artigo 111.° do Código Penal) e a protecção da intimidade e decoro dos ofendidos, particularmente nos crimes sexuais.
67.° O primeiro desses interesses não é protegido directamente pela Constituição. Esta confiou na liberdade e na autonomia privada das pessoas e confiou aos meios próprios do direito civil e do direito processual a tutela da boa fé e da confiança dos intervenientes no tráfego jurídico.
68.° A própria ideia de autonomia privada, também ela implícita mas difusa por todo o catálogo de direitos fundamentais, transparece claramente do direito à capacidade civil (artigo 26.°, n.° 1), do direito à liberdade (artigo 27.°, n.° 1), da liberdade de iniciativa económica privada (artigo 61.°, n.° 1) e, fundamentalmente, do princípio basilar da dignidade da pessoa humana (artigo 1.°).
69.° Não pode deixar de observar-se que a relação de mandato judicial se funda nessa mesma autonomia e que, quanto ao aspecto que aqui importa — o exercício do direito de queixa-crime —, as garantias da livre vontade do seu titular se encontram já garantidas infra-consütucional-mente.
70.° Demonstram-no não só a possibilidade de desistência da queixa (artigo 114." do Código Penal), como também a revogabilidade do mandato nos termos gerais do artigo 1170." do Código Civil.
71° Ora, nestes termos, não se compreende como possam ser necessárias as restrições efectuadas pela norma que exige densificação semelhante para a procuração e para a queixa. Embora possa ser adequada, não é seguramente necessária, pelo que se viola o principio da proporcionalidade das restrições a direitos, liberdades e garantias (artigo 18.°, n.° 2, parte final) na sua vertente de necessidade.
72.° Atendendo, agora, à protecção do decoro e intimidade do ofendido, que a mera procuração com poderes especiais poderia potenciar, aliada à inconfidência do mandatário judicial, observar-se-á mais adiante que é a própria especificação dos poderes mandatados que coloca em perigo ou prejudica efectivamente não só o bom nome como a intimidade quer do ofendido quer do arguido, até.
73.° É que, como se verá, a procuração fica fora do âmbito do segredo de justiça, enquanto o advogado está vinculado ao segredo profissional.
74.° Na verdade, se é grande o dano para a honra e bom nome das pessoas visadas por investigação criminal infundadamente ou, hipoteticamente, contra a vontade do
ofendido, maior é, sem dúvida, o dano causado pela revelação — lícita em amplos termos — do conteúdo da procuração que preencha os requisitos exigidos pelo Acórdão n.° 2/92 do Supremo Tribunal de Justiça.
75.° Também neste aspecto se verifica uma ofensa à regra do artigo 18.°, n.° 2, da Constituição. A defesa da intimidade e decoro do ofendido não requerem proporcionalmente tal restrição, não apenas porque desnecessária como também porque inadequada.
76." Exigir do ofendido uma procuração tão especificada, dificulta-lhe em muitos casos o acesso à justiça, particularmente no caso de pessoas ofendidas plurimamente e, como tal, titulares de vários direitos de queixa, e bem assim em situações de nível sócio-cultural pouco elevado:
The higher the socio-economic status of the injured person, the more likely he is to make a claim and the more likely he is to press the claim by himself rather than through a lawyer. [R. Hunting e outro, Who sues in New York City?, p. 130, Nova Iorque, Columbia Univ. Press, 1962.]
IV — Da violação do princípio da confiança (artigo 2.» da CRP)
77." Da regra contida no artigo 13." do Código Civil e da natureza dos assentos se tem concluído merecerem estes integração na norma que interpretam.
78.° Isto tem, desde logo, como consequência fazer situar a eficácia temporal de tais normas interpretativas no momento do início da vigência das normas interpretadas até ao limite do caso julgado ou de outras situações que o legislador equiparou nos termos do n.° 1 daquele preceito.
79.° É certo que o nosso ordenamento constitucional não consagra nenhuma regra geral de irretroactividade de normas, salvo quanto ao caso julgado (proibição da retroactividade forte, compreendida no artigo 208.°, n.° 2, da CRP).
80." Apenas protegeu expressamente as pessoas da re-troacção da lei penal, ressalvando, muito embora, o tratamento mais favorável ao arguido dado pela lei nova (artigo 29.°, n.° 4) e, estamos em crer, o contribuinte contra normas impositivas de tributação que operassem retroactivamente (em nome do princípio da anualidade e da unidade orçamental — artigo 108.°, n.os 2 e 3).
81.° Temos, por outro lado, que a retroactivade é também expressamente vedada às lei restritivas de direitos, liberdades e garantias (artigo 18.°, n.° 3)e, por maioria de razão, às normas interpretativas restritivas da mesma espécie de direitos. Isto, admitindo apenas por agora não ter o Acórdão n.°2/92, de 13 de Maio, excedido o âmbito interpretativo.
82.° Poderia aduzir-se, então, em defesa da sua constitucionalidade, que não está em causa uma situação de retroactividade porquanto se trataria de norma interpretativa ou que não estão em causa restrições a direitos, liberdades e garantias.
83.° Admita-se, apenas hipoteticamente, não estarem em causa restrições e admita-se, provisoriamente, o carácter meramente interpretativo da norma contida naquele acórdão.
84." Ainda assim a aplicação ex tunc levaria à violação dos princípios da certeza e da confiança na ordem jurídica, na medida em que, nos processos pendentes (dependentes de queixa) desde a entrada em vigor do Código de Processo Pena) (J de Janeiro òe 1988) até à vigência uniformizadora do Acórdão n.°2/92, de 13 de Maio, os
Página 204
204
II SÉRIE-C — NÚMERO 33
titulares do direito de queixa e os seus mandatários teriam confiado na interpretação declarativa, baseada no elemento literal do artigo 49.°, n.° 3, do Código de Processo Penal.
85.° E tais processos ficariam inquinados pela ausência de condição de procedibilidade, conduzindo quase inevitavelmente ao arquivamento, ao não recebimento das acusações ou à absolvição da instância penal.
86.* Tal afectação é\ por certo, violadora do princípio do Estado de direito (artigo 2." da CRP):
O princípio do Estado de direito, densificado pelos princípios da segurança e da confiança jurídica, implica, por um lado, como elemento objectivo da ordem jurídica, a durabilidade e permanência da própria ordem jurídico-social e das situações jurídicas; por outro lado, como elemento jurídico-subjectivo dos cidadãos, na confiança na permanência das respectivas situações jurídicas. Daqui uma certa medida de confiança na actuação dos entes públicos dentro das leis vigentes [...] [J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional, Ed. Almedina, 1991, Coimbra, pp. 378 e 379.]
87.° Tal norma importou, pois, àqueles que não previram a decisão tomada em 13 de Maio de 1992 pelo Supremo Tribunal de Justiça, nem razoavelmente o podiam prever, bem como aos seus mandatários munidos de procuração com poderes especiais tout court, a frustração das suas expectativas geradas em torno da aceitação generalizada daqueles mandatos pela jurisdição penal e a lesão do seu direito de queixa, em muitos casos inexercível irremediavelmente pelo prazo prescricional do artigo 112.° do Código Penal.
88." E não se legitima a inconformidade gerada com o princípio do Estado de direito, pela possibilidade de aplicação do artigo 40." do Código de Processo Civil, porquanto tal em nada sana a invalidade de que a norma padece.
V — Da violação de garantias do processo penal (artigo 32»)
89.° A actual Constituição não podia deixar de consagrar específicas garantias em matéria de processo penal, não apenas por razões de justiça formal, como também para protecção de outros direitos fundamentais.
90.° Na verdade, desde cedo na história do direito e das instituições se tem compreendido a especial delicadeza deste ramo processual pelas lesões ou pelo perigo de lesões nas esferas jurídicas dos seus intervenientes.
91.° Assim se justifica que entre as primeiras preocupações do movimento constitucionalista estivessem as garantias do processo penal.
92.° A liberdade, o bom nome e reputação, a intimidade e a segurança das pessoas poderão ser facilmente atingidas sem especiais cautelas que salvaguardem tais valores, eregi-dos, eles também, em direitos fundamentais constitucionalmente protegidos.
93° A exigência densificadora da procuração a que se refere o artigo49°, n.° 3, afronta nitidamente uma dessas garantias:
Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação [...) ' [Artigo31.*! n.° 1, l." parte, da CRP.}
94° E colide também com o n.° 1 do mesmo artigo 32.°:
O processo criminal assegurará todas as garantias de defesa.
95." Haverá que pensar, no que toca ao artigo 32.°, n.° 1, não apenas nas garantias do arguido, como também nas da vítima (do ofendido). Nada o exclui e são nesse sentido as preocupações de certas organizações internacionais das quais Portugal é membro, como se exprime na Recomendação n.° (85)11 do Conselho da Europa:
En même temps, il parait nécessaire de proteger la victime — aussi bien que le délinquant — contre toute atteinte à sa vie privée et à sa dignité.
96.° Relativamente à presunção de inocência do arguido fica ela afectada, inclusivamente, antes de este se constituir como tal.
97." A procuração cuja assinatura pode ser reconhecida notarialmente, nos termos do artigo 35° do Código de Processo Civil, do artigo 127." do Código do Notariado e do n.° 1 do artigo único do Decreto-Lei n.° 21/87, de 12 de Janeiro, apesar do segredo profissional a que estão vinculados notários e seus ajudantes, exibirá, quase publicamente, «o delito concretamente denunciado e, se possível, com a indicação da pessoa ou das pessoas contra quem se visa a instauração de um processo de índole penal».
98.° Recorde-se que não se encontra a procuração, pelo menos ab initio, ao abrigo do segredo de justiça (artigo 86.° do Código de Processo Penal), porquanto o processo ainda não está instaurado.
99.° Referindo-se a essa fase pré-processual afirma Figueiredo Dias:
[...] não se vê então como possa subtrair-se toda esta actividade ao controle das garantias próprias do processo penal sem com isso sofrerem inadmissivelmente os direitos, as liberdades e garantias individuais. [«Sobre os sujeitos processuais no novo Código de Processo Penal», in Jornadas de Direito Processual Penal, Lisboa, 1988, p. 8.]
100.° E afirma o mesmo autor logo após:
É claro, por outro lado, que a substância das coisas em nada se modifica com a afirmação farisaica — subsidiará de uma manipulação teórica e terminológica— de que nesta fase, no fim de contas, o processo já se teria iniciado mas a acção penal não teria ainda sido exercida. [Ob. cit., p. 11.]
101.° Escapando à tutela do segredo de justiça não é salvaguardado um aspecto essencial sublinhado por Germano Marques da Silva:
O dano para a honorabilidade das pessoas que são objecto de investigação, resultante da divulgação de factos ainda não suficientemente indiciados e sobre-. tudo antes de o arguido deles se poder defender. [Ob. cit., p. 456.]
102." Temos, pois, que os requisitos da procuração para apresentar queixa atentam de modo muito sensível contra a presunção de inocência do arguido (artigo 32.°, n.° 2) e contra as garantias de defesa que devem ser asseguradas em processo penal (artigo 32.°, n.° I), colocando o arguido numa situação da qual não se pode, eventualmente, defender por nem sequer ter dela conhecimento.
103.° Na verdade está como que a processualizar-se este momento sem lhe oferecer as garantias que o Código de Processo Penal oferece aos actos do processo.
Página 205
22 DE SETEMBRO DE 1994
205
VI — Violação dos direitos ao bom nome, a reputação e à reserva da intimidade da vida privada e familiar (artigo 26.*, n.° 1, da CRP) daquele que é visado pela queixa e do direito à segurança do ofendido (artigo 27.», n.» 1).
104.° Em estreita correlação com o que ficou dito a propósito da presunção de inocência do arguido e das garantias de defesa no processo criminal, ver-se-á que se potenciam danos nos direitos ao bom nome, reputação e reserva da intimidade privada, todos consagrados no artigo 26.°, n.° 1, da CRP.
105." Tais danos serão tanto mais lamentáveis quanto se venha a concluir pela inocência do arguido ou não venha, sequer, a ser apresentada queixa-crime.
106." Mas, ainda que verdadeiros os factos imputados pelo ofendido ao visado na queixa — os quais transparecem no «modelo» de procuração ora exigido —, a perturbação na esfera jurídica deste último, em momento pré-processual, é intolerável constitucionalmente.
107.° «De referir ainda a absoluta inadmissibilidade da exceptio veritatis, isto é, a irrelevância, como causa justificativa, da verdade dos factos da vida privada a que diz respeito a violação.» (Cf. Rita Amaral Cabral, O Direito à Intimidade da Vida Privada, separata do BFDL, 1988, p. 18.)
108.° A exigência de densificação da procuração, desnecessária — como se pode ver — em relação aos interesses visados, atenta seriamente contra a segurança do ofendido.
109.° A possibilidade do conhecimento do seu conteúdo por todos quantos se não encontrem vinculados'por segredo profissional constitui, sem dúvida, forte ameaça à segurança do ofendido, o qual não deixará de temer as represálias daquele contra quem a queixa se dirigirá.
110.° Conclui-se, assim, que em cumulação àsincons-titucionalidades apontadas, viola o Acórdão n.°2/92, de 13 de Maio, do Supremo Tribunal de Justiça, os artigos 26.°, n.° 1, e 27.°, n.° 1, da Constituição.
VII — Da violação do principio da separação de poderes (artigo 114.a, n.° 1) e da tipicidade dos actos normativos, nomeadamente quanto ao artigo 115.°, n.8 4.
111.° Diz-se em abono da conformidade dos assentos com a Constituição, que se trata de normas interpretativas:
Na verdade, o assento seria lei complementar, não inova livremente dentro das fontes existentes, como faz a lei solene, antes se baseia justamente nessas fontes [...] Mesmo quando integra uma lacuna das leis solenes o assento seria assim uma lei complementar; opera uma criação dentro do sistema legal. [José de Oliveira Ascenção, O Direito — Introdução e Teoria Geral, Livraria Almedina, 6." ed., 1991, p. 305.]
112." E mais se diz em defesa da sua constitucionalidade que são actos normativos da função jurisdicional, pelo que não colidem com os actos normativos previstos pelo artigo 115.° da Constituição, os quais são legislativos e regulamentares.
113.° Trata-se, aqui, de acórdãos vinculativos dos tribunais judiciais e não de assentos com força obrigatória geral. Não deixam, como vimos, de possuir o carácter de verdadeiras normas, porquanto são aplicadas pelos tribunais nas decisões dos feitos submetidos a juízo.
114.° Tal norma jurisprudencial exorbita, no entanto, a natureza interpretativa que lhe estaria reservada.
115.° E, se se entende que «só a inovação ou a criação autónomas de regras foram constitucionalmente reservadas» (José de Oliveira Ascenção, ob. cit., p. 305), não se pode deixar de reconhecer uma verdadeira modificação do artigo 49.°, n.° 3, do Código de Processo Penal no seu sentido e conteúdo.
116.° Com efeito diz-se no aresto em análise:
Não decorre, ademais, qualquer prejuízo do facto de a lei se referir a poderes especiais, e não a poderes especialíssimos. Na verdade, os poderes especialíssimos não deixam de ser poderes especiais.
117." Ora, se é certo que, então, se poderia entender que todos os poderes especialíssimos são especiais, lógico será reconhecer igualmente que nem todos os poderes especiais terão de ser especialíssimos.
118.° E ubi lex voluit, dixit; ub voluit tacuit.
119.° Interpretar é revelar o sentido da lei, «é fornecer ao jurista ò conteúdo e alcance (extensão) dos conceitos jurídicos» (Karl Engisch, Introdução ao Pensamento Jurídico, Fundação Calouste Gulbenkian, 6." ed., Lisboa, 1988, p. 126).
120.° A interpretação levada a cabo pelo Supremo Tribunal de Justiça deixa de o ser, porquanto destrói o reduto literal do preceito processual penal.
121.° Algumas tendências da hermenêutica jurídica têm reduzido consideravelmente o peso do elemento literal na tarefa de interpretação:
A chamada teoria da alusão (Andentungstheorie) reduz, na verdade, a importância do sentido literal, mas exige que este seja pelo menos respeitado como limite da interpretação: o sentido a obter através desta deve por qualquer forma ser ainda compatível com o teor literal da lei, ler por qualquer modo expressão na lei. [Karl Engisch, ob. cit., p. 146.]
122." Se a procuração especial (a que mandata para a prática de uma classe ou categoria de actos) pode deixar de o ser para ter de conferir poderes para actos especificamente individualizados, perde-se, por completo, a distinção entre os dois conceitos numa relação de género e espécie que entre eles há-de existir.
123." Por tudo isto, e não passando à margem da questão atinente à constitucionalidade das normas jurisprudenciais vinculativas, não pode deixar de reconhecer-se que tal norma é organicamente inconstitucional, por extravasar o seu papel interpretativo.
124.° Conferindo sentido profundamente diverso daquele que resultaria da letra da lei, indo mesmo além do que seria admissível obter como resultado de uma interpretação restritiva, não havendo qualquer lacuna merecedora de integração, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça invadiu a esfera dos poderes legislativos (conferidos exclusivamente ao Parlamento, ao Governo e a governos regionais), atentando contra o artigo 114.°, n.° 1.
125.° E fê-lo, não por produzir jurisprudência vinculativa, mas por na jurisprudência fixada modificar norma contida em diploma aprovado por decreto-lei autorizado (o Código de Processo Penal).
126.° Viola, assim, também o artigo 115.°, n.° 5, ao modificar preceitos contidos em actos legislativos, ao exorbitar a função cometida aos acórdãos de jurisprudência obrigatória pelos artigos 437.° e seguintes do Código de Processo Penal.
Página 206
206
II SÉR1E-C — NÚMERO 33
VII — Conclusões •
Nestes termos, deve ser declarada a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral da norma contida no Acórdão n.° 2/92, de 13 de Maio, do Supremo Tribunal de Justiça, publicado no Diário da República, 1.* série, de 2 de Junho de 1992, por:
1) Constituir uma restrição ao direito de acesso aos tribunais (artigo 20.°, n.° 1). violadora da irretroactividade das leis restritivas de direitos, liberdades e garantias (artigo 18.°, n.° 3) e da proporcionalidade exigida às restrições a direitos, liberdades e garantias em nome de outros interesses (artigo 18.°, n.° 2);
2) Constituir uma restrição ao direito ao patrocínio judiciário (artigo 20.°, n.° 2) violadora da irretroactividade das leis restritivas de direitos, liberdades e garantias (artigo 18.°, n.° 3) e do conteúdo essencial quanto à sua extensão e alcance (artigo 18.°, n.° 3);
3) Ferir o princípio da certeza e confiança dos cidadãos na ordem jurídica, retirado como corolário do princípio geral de Estado de direito
' (artigo 2.°);
4) Atentar ou permitir que se atente contra a presunção de inocência do arguido (artigo 32.°, n.° 2), ainda antes de este se constituir como tal, e contra o princípio da plenitude das garantias de defesa em processo criminal (artigo 32.°, n.° 1), na medida em que nesta ultimação esvazia algumas pré-processualmente;
• 5) Potenciar graves lesões ao direito à segurança do ofendido (artigo 27.°, n.° 1), o que não deixa de o pressionar no sentido de evitar o acesso à jurisdição;
6) Dispor contra os direitos ao bom nome, à reputação e à reserva de intimidade da vida privada e familiar (artigo 26.°, n.° 1) pela densificação
exigida à procuração e pelo facto de não ficar
protegida ab initio pelo segredo de justiça;
7) Violar o princípio da separação de poderes (artigo 114.°, n.° 1), ingressando no exercício da função legislativa ao modificar ,o conteúdo e
•,' sentido de uma norma contida em acto legislativo;
8) Modificar, com eficácia externa, preceitos legais contra o disposto no artigo 115.°, n.° 5. Se a lei não pode criar actos de outra natureza modificativos dos seus preceitos, parece evidente que o acórdão em referência também não o poderá fazer. - , .
Processo. R-2564/92 — DI.49
1.2.1 — Casos em que se decidiu não pedir a fiscalização da constitucionalidade t
R-l 152/91 — DI.27 / •
Defende-se na reclamação que deu origem ao presente processo a mcorASütutionaíulacle. da norma contida no artigo 58°, n.° 5, da Lei n.° 47/86, de 15 de Outubro (Lei Orgânica do Ministério Público), alterada pelas Leis n.M 21 90, de 20 de laneiro, e 23/92, de 20 de Agosto.
Pretende-se, como tal, o exercício dos poderes de iniciativa àe fiscalização da constitucionalidade que competem
ao provedor de Justiça, nos termos da Constituição [artigo 281°, n.° 2, alínea d)] e do respectivo Estatuto (Lei 9/91, de 9 de Abril, artigo 20.°, n.° 3).
De acordo com o entendimento do reclamante, a disposição em causa violaria a liberdade de expressão e de informação (artigo 37.°, n.os I e 2, da CRP), a liberdade de consciência (artigo 41.°, n.os 1 e 2, da CRP), o direito à objecção de consciência (artigo 41.", n.° 6, da CRP), o direito de petição (artigo 52.°, n.° 1, da CRP) e, ainda, as regras constitucionais sobre direitos, liberdades e garantias, no que toca ao artigo 18.°, n.° 2, da lei fundamental.
É de acolher a conclusão propugnada pelo Sr. Assessor, pois não se observa indício algum da violação de normas ou princípios constitucionais que justificasse, razoavelmente, o desencadeamento dos meios de fiscalização.
Esta decisão baseia-se, essencialmente, nas seguintes considerações:
1)0 Ministério Público estrutura-se de acordo com um modelo hierárquico de organização, nos termos do artigo 221.°, n.° 3, da Constituição: «Os agentes do Ministério Público são magistrados responsáveis, hierarquicamente subordinados [...]»;
2) A hierarquia traduz-se, nuclearmente, num dever de obediência e num poder de direcção que assistem, co-respectivamente, ao funcionário ou agente subalterno e ao superior hierárquico (aplicável), com as devidas adaptações terminológicas, aos magistrados do Ministério Público);
3) O dever de obediência hierárquica encontra limites na Constituição, inclusivamente limites expressos. Com efeito, o artigo 271°, n.° 3, faz cessar o dever de obediência dos funcionários e agentes do Estado, bem como das demais entidades públicas, sempre que o seu comportamento dê lugar à prática de um crime.
4) A Lei n.° 74/86, de 15 de Outubro, Lei Orgânica do Ministério Público (LOMP) vai mais longe. No seu artigo 58.°, n.° 1, o referido diploma vincula os magistrados do Ministério Público ao não cumprimento de actos ilegais do poder de direcção. Isto, por um lado. Por outro, permite a recusa de cumprimento do dever de obediência com fundamento em grave violação da consciência jurídica do subalterno;
5) A ilicitude do incumprimento vê-se, assim, excluída nestes casos, desde que fora do alcance das excepções do artigo58°, n.° 4;
6) O exercício da faculdade — e, por vezes, dever— de recusar obediência subordina-se à exigência de forma escrita e é-lhe exigida fundamentação (artigo 58.°, n.° 2);
7) É aqui que se chega ao cerne da questão, pois é de acordo com o n.° 2 que o n.° 5 do mesmo artigo 58.° deve ser lido e interpretado;
8) A falta disciplinar é comunicada ao magistrado que exerça sem justificação a faculdade de recusa e não quando o faça por ilegalidade da directiva, instrução ou ordem superior;
9) Recai sobre aquele que, invocando embora uma grave violação da sua consciência jurídica ou não o fazendo sequer, recusar obediência sem cumprir os requisitos do exercício da tal faculdade;
Página 207
22 DE SETEMBRO DE 1994
207
10) Requisitos esses que são três:
a) Formal — fazê-lo por escrito;
b) Material — fundamentando as razões que levam à recusa;
c) Temporal — antes de recusar a obediência devida;
11) Encontrar-se o magistrado no exercício de urna faculdade é pressuposto de tudo isto. Sempre que o magistrado do Ministério Público recusar a obediência devida pela hierarquia, fora dos casos de ilegalidade ou de grave violação da sua consciência jurídica, mais do que exercer injustificadamente uma faculdade ele estará a exorbitar dessa mesma faculdade colocando-se à margem da lei;
12) Concluir-se-á, então, tratar-se de uma condição de exercício, de uma limitação, aquilo a que se refere o n.° 2 do artigo 58.° e cujo desrespeito gera responsabilidade disciplinar;
13) Não se configura como restrição a um direito, pelo que, desde logo, parece afastada a hipotética violação do artigo 18.°, n.° 2, da CRP;
14) Aliás, terá de observar-se também o facto de não estar em causa, tão pouco, um direito fundamental;
15) A situação prevista no artigo 58.°, n.° 5, da LOMP não colide com a liberdade de expressão nem com o direito de informação protegidos nos n.os 1 e 2 do artigo 37." da Constituição;
16) Trata-se de recusar o cumprimento de um dever e não de exprimir uma ideia ou um pensamento ou de dar a conhecer factos ou situações;
17) Depois, é importante concluir, ainda, não estarem em causa os valores tutelados pelo artigo 52.°, n.° 1, do texto constitucional;
18) O magistrado não é, por este meio, inibido no exercício dos direitos de petição, representação, reclamação ou queixa;
19) Estas são formas de protecção graciosa de direitos e interesses, as quais implicam um comportamento activo por parte de quem as exerça.
Nada têm que ver, necessariamente, com a omissão do cumprimento de um dever;
20) Exclui-se facilmente a semelhança com a petição, cujo objecto é uma sugestão e cuja natureza é a de um direito de participação;
21) Como ensina Freitas do Amaral, trata-se de «um pedido dirigido a uma autoridade para que tome determinadas decisões ou providências que fazem falta para a defesa de um direito ou interesse do peticionário, quer para a defesa da legalidade ou dos interesse colectivos» (Conceito e Natureza do Recurso Hierárquico, vol. i, Ed. Aüântida, Coimbra, 1981, p. 88);
22) O direito de queixa também não se encontra em causa. Como bem se vê, a queixa tem por fim promover a punição de alguém que cometeu uma infracção. Não implica da parte de quem a realiza que se exima ao cumprimento de um dever;
23) A faculdade a que o artigo 58.°, n.° 5, se refere também não se identifica com o direito de reclamação. Este tem uma natureza impugnatória do acto;
24) Quando o magistrado do Ministério Público se recusa a cumprir um dever resultante de uma relação hierárquica por atentar contra a sua consciência jurídica, não está, em rigor, a impugnar o acto do superior. Entende que o acto que viria a resultar do seu cumprimento, embora legal, afectar-lhe-ia valores de consciência. Ele não contesta o acto em si, nem a ordem, directiva ou instrução do superior hierárquico. Apenas pretende que o procedimento seja avocado ou redistribuído;
25) Em último lugar, ainda no plano destas distinções conceptuais, é necessário distinguir a faculdade de recusa do direito de representação. Com este «não se pretende obter uma decisão, que já existe ou a sua modificação: apenas se demora a respectiva execução para esclarecer melhor o autor do acto, obter deste uma con-
. firmação e salvaguardar a responsabilidade própria face à decisão alheia» (Freitas do Amaral, ob. cit., p. 92);
26) É o exercício deste direito de representação que, precisamente, exclui a responsabilidade do funcionário ou agente que o pratique (cf. artigo 271.°, n.° 2, da Constituição);
27) Todavia, nada permite afirmar, antes pelo contrário, que o exercício do direito de reclamação ou do direito de representação isentem o subalterno do dever de obediência a que se encontra adstrito;
28) Relativamente à liberdade de consciência e ao direito à objecção de consciência, não se descortinam quaisquer ofensas por parte do artigo 58.°, n.° 4, da Lei n.° 47/86, de 15 de Outubro;
29) Primeiro, repare-se que nos termos do artigo 41.°, n.° 2, da CRP não é admitida a isenção de uma obrigação por causa de convicções pessoais;
30) Garante-se, contudo, o direito à objecção de consciência no mesmo artigo 41.°, mas no seu n.° 6;
31) Não é despropositado lembrar que o direito à objecção de consciência não significa a generalização do direito de objecção de consciência;
32) Aliás, aquele direito há-de ver os seus contornos definidos por via legal (artigo 41.°, n.° 6, in fine, da CRP);
33) Ora, a Lei n.° 47/86 de 15 de Outubro vem, precisamente, conferir um direito de objecção de consciência, o qual se pode definir, de acordo com Gomes Canotilho e Vital Moreira, como «o direito de não cumprir obrigações ou não praticar actos que conflituem essencialmente com os ditames da consciência de cada um» (Constituição Portuguesa Anotada, 2." ed., Coimbra Editora, 1984, pp. 252 e 253);
34) Assim, fora dos casos ou à margem dos termos em que a lei admita objecção de consciência, não fica afastada a ilicitude do incumprimento: «A acção ditada por imperativos de consciência pode implicar para o agente a diminuição, em certos casos, da censurabilidade, no plano da culpa, mas não ficará afastada a ilicitude» (Maria da Assunção Esteves, A Constitucionali-zação do Direito de Resistência, ed. AAFDL, Lisboa, 1989, p. 142);
Página 208
208
II SÉRIE-C — NÚMERO 33
35) Recorde-se, então, que é o exercício injustificado da faculdade de recusa que é cominado como falta disciplinar (artigo 58.°, n.° 5, da LOMP) e, nunca, o exercício em si; 36): De outro modo poderia vulnerabilizar-se a '..hierarquia e autonomia do Ministério Público, ., princípios que são legal e constitucionalmente prezados;
37) Nestes termos, resta concluir tratar-se de uma
limitação ao exercício do direito de objecção de consciência que legalmente assiste aos magistrados do Ministério Público (artigo 58.°, n.° 1, da LOMP). A pena disciplinar não inviabiliza o seu exercício. Apenas visa que ele seja . . exercido de acordo com certos requisitos (os do artigo 58.°, n.° 2, da LOMP);
38) Tal direito não pode deixar de ser harmonizado com o dever de obediência hierárquica (aliás, dever fundamental), fundado nos artigos. 221.°, n.° 3, e 271.°, n.os 2 e 3, da CRP, a contrario sensu.
São, pois, estas razões segundo as quais não deve ser suscitada a fiscalização da constitucionalidade da norma contida no artigo 58, n.° 5, da Lei n.° 47/86, de 15 de Outubro, devendo, consequentemente, ser arquivado o processo em curso.
I
1 — É objecto deste processo a Portaria n.° 734-A/90, de 24 de Agosto, relativamente à qual se pretende que este órgão do Estado requeira a fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade.
2 — Tal portaria tem natureza administrativa regulamentar e executa o disposto no artigo 4.° do Decreto-Lei n.° 258/90 de 16 de Agosto.
3 — Este decreto-lei criou formalmente a suplemento de serviço aéreo, a qual remontava, pelo menos, ao Decreto-Lei n.°39 184, de 22 de Abril de 1953.
4 — Da exposição oferecida pelos peticionários resulta entenderem estes ter sido violada a Constituição e lesadas as suas esferas jurídicas pessoais, através da sucessão de regimes que o Decreto-Lei n.° 258/90 de 16 de Agosto, e a Portaria n.° 734-A/90, de 24 de Agosto, operaram.
5 — Necessário é, pois, começar por observar o quadro de referências normativas em que se fundava o regime anterior:
a) O Decreto-Lei n.° 41 511 de 23 de Janeiro de 1958;
b) O Regulamento de Serviço Aéreo [RFA 351-1(A)];
c) O Decreto-Lei n.° 253-A/79 de 27 de Julho.
6 — O primeiro destes diplomas vem definir as condições de atribuição da GSA (gratificação de serviço aéreo). Com efeito, diz-se no artigo 4." que tem direito a ser abonado «o pessoal navegante permanente e temporário» desde que perfaça um programa mínimo de horas de treino. Programa esse que começou por ser definido no artigo 5.° do mesmo diploma.
7 — A verificação desta condição num semestre gerava tios mm\aies abrangidos o direto, em cada mês do semestre seguinte, a auferirem a GSA.
8 — Para tanto, este mesmo decreto-lei delimita os conceitos de pessoal navegante e de serviço aéreo, assim como define a extensão do pessoal navegante permanente e do pessoal navegante temporário.
9 — O Regulamento de Serviço Aéreo [RFA 351-1(A)] releva nesta matéria pelo conteúdo dos seus parágrafos 103 e 704, nos quais, respectivamente, se define pessoal navegante temporário e permanente e se estabelecem as
condições de atribuição da GSA.
10 —Quanto ao Decreto-Lei n.° 253-A/79, de 27 de Julho, fixa-se no seu artigo 4." a percentagem a partir do vencimento base do posto de capitão em funções das categorias, para efeitos de cálculo da GSA.
11 — Observe-se, então, que alterações veio introduzir
o Decretõ-Lei n.° 258/90, de 16 de Agosto, e, com ele, a Portaria n.° 734-A/90, de 24 de Agosto.
12 — Na sequência, por um lado do Decreto-Lei n.° 184/89 e, por outro, do Decreto-Lei n.° 57/90 foi extinta a gratificação do serviço aéreo e criado, em seu lugar, o suplemento de serviço aéreo.
13 — Trata-se de um abono que mantém basicamente as mesmas características. Visa compensar o pessoal navegante da Força Aérea («aquele cujo exercício da sua especialidade tem fundamentalmente lugar através do desempenho de serviço aéreo», conforme se lê no artigo 3." do Decreto-Lei n.° 41 511, de 23 de Janeiro de 1958) pelo desgaste físico e psicológico causado pelo serviço aéreo (aquele que é «executado a bordo de aeronaves em cumprimento de disposições gerais e regulamentares ou por ordem de entidade competente», nos termos do artigo do mesmo diploma).
14 — Pode, aliás, com rigor, afirmar-se que o Decreto-Lei n.°258/ 90, de 16 de Agosto, apenas criou o SSA (suplemento de serviço aéreo) num sentido puramente formal, porquanto substancialmente a sua disciplina em tudo se manteve idêntica.
15 — Alteração sensível sofreu, no entanto, a definição das percentagens sobre o vencimento base de capitão em função das categorias de pessoal.
16 — Esta foi operada pela Portaria n.° 734-A/90, de 24 de Agosto. Da sua comparação com o artigo 4." do Decreto-Lei n.° 258/90, de 16 de Agosto, podem enumerar--se facilmente algumas conclusões.
17 — Primeiro, é visível um aumento generalizado das referidas percentagens.
18 — Segundo, subsiste uma diferenciação entre pessoal navegante permanente e pessoal navegante temporário, sendo certo que pode falar-se numa clivagem mais acentuada com a Portaria n.° 734-A/90, de 24 de Agosto.
19 — Em terceiro lugar, os sargentos do pessoal navegante— os quais auferiam como GSA 21 % do vencimento base de capitão, a par dos oficiais e sargentos do pessoal navegante temporário, deixam de figurar no pessoal navegante permanente, transitando para o pessoal navegante temporário com um suplemento de 25% sobre o vencimento base de capitão.
20 — Verifica-se, pois, que enquanto tenentes e segundos-tenentes, por um lado, e alferes e guardas-marinha, por outro, situados no PNP ou PNT, tinham direito a 21 % à luz do Decreto-Lei n.°253-A/79, de 27 de Julho, passam a receber 45 % e 35 %, respectivamente, os sargentos, por seu turno, são remetidos globalmente para o PNT e de 21 % passam apenas a 25 %.
n
21 —É perante esta situação que cumpre analisar a Portaria n.° 734-A/90, de 24 de Agosto, para os efeitos de a considerar, ou não, conforme com as normas e princípios constitucionais.
Página 209
22 DE SETEMBRO DE 1994
209
22 — No decurso do processo foram suscitadas dúvidas quanto à conformidade da referida portaria com o princípio da hierarquia das leis (artigo 115.° da CRP) e com o princípio da igualdade — este último, tanto na sua formulação geral de proibição do tratamento infundadamente discricionário (artigo 13.° da CRP) como no princípio específico de atribuição a trabalho igual de salário igual {artigo 59.°, n.° l, alínea a) da CRP].
IB
23 — Afirma o Ex.™ Sr. Assessor (fl. 104) que a Portaria n.°734-A/90, de 24 de Agosto, é ilegal por ofender o disposto no Decreto-Lei n.° 258/90, de 16 de Agosto — o qual pretende executar—, e o Decreto-Lei n.°41 511, de 23 de Janeiro de 1958, nomeadamente nos seus artigos 3." e 4.°
24 — E assim é, na verdade, porquanto, onde no decreto-lei não se efectuaram distinções nos montantes a atribuir, nem muito menos se forneciam critérios de justiça material que habilitassem o poder regulamentar a fazê-lo, veio a Portaria n.° 733-A/90, de 24 de Agosto, dispor de forma absolutamente inovadora.
25 — Com efeito, diz-se no artigo 4.° do Decreto-Lei n.° 258/90, de 16 de Agosto:
O montante mensal do suplemento de serviço aéreo é fixado por portaria conjunta dos Ministros da Defesa Nacional e das Finanças, percentualmente ao escalão 1 da remuneração base de capitão, arredondado para a centena de escudos imediatamente superior.
26 — Seria admissível, quando muito, um aumento proporcional em todas as categorias de pessoal por referência ao quadro retributivo vigente com o Decreto-Lei n.° 253-A/79, de 27 de Julho.
27 — Não seria permitido ao poder regulamentar, contudo, reagrupar as categorias de pessoal no PNP e no PNT, justificando, desse modo, uma percentagem acentuadamente diferenciada, tendo em conta, muito embora, a transitoriedade da prestação de serviço aéreo por parte do PNT.
28 — E se é correcto, como se faz sublinhar na exposição de motivos, que, na prática, o PNT tem prestado serviço aéreo nos mesmo termos que o PNP, não deixa de ser certo, porém, que não se trata de um problema concernente à justiça constitucional. Trata-se, sim, de dar cumprimento ao Decreto-Lei n.° 41 511, de 23 de Janeiro de 1958, e não mais que isso.
29 — Temos, pois, que a Portaria n.° 734-A/90, de 24 de Agosto, ao arrepio do princípio da legalidade da actividade administrativa (artigo 266.°, n.° 2, da CRP) e da consequente subordinação dos actos regulamentares aos actos legislativos (artigo 115.°, n.os 5, 6 e 7, da CRP), viola, em primeira linha, o Decreto-Lei n.° 258/90, de 16 de Agosto, e, depois, também o Decreto-Lei n.° 41 511, de 23 de Janeiro de 1958.
30 — Contudo, estamos em crer não se tratar de uma inconstitucionalidade (ou inconstitucionalidade directa, pelo menos), mas tão-só de uma ilegalidade.
31 —Ilegalidade essa cuja impugnação ou fiscalização não cabe, segundo o nosso entendimento, na competência do Tribunal Constitucional.
32 — Nos termos da Constituição e da Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro (com a redacção dada pela Lei n.° 85/89,
de 7 de Setembro), não é admissível o controlo jurisdicional de toda e qualquer ilegalidade regulamentar pelo Tribunal Constitucional.
33 — Repare-se que se em matéria de inconstitucionalidade de normas o Tribunal é competente sem limitações [artigo 281.°, n.° 1, alínea a), e artigo 277.°, n.° 1, em geral], o mesmo não se poderá afirmar no domínio da ilegalidade.
34 — No âmbito da fiscalização abstracta sucessiva o conhecimento da ilegalidade pelo Tribunal Constitucional é taxativamente fixado nas alíneas b), c) e d) do artigo 281.° da CRP e em nenhuma delas se prevê a fiscalização regulamentar no domínio da violação de lei tout court.
35 — Trata-se, por excelência, de área pertencente ao contencioso administrativo [artigos 26.°, n.° 1, alínea 0, e 51.°, n.° 1, alínea c), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e artigos 63.° a 68.° da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos] — impugnação directa e declaração de ilegalidade de normas regulamentares.
36 — Em sede de fiscalização da legalidade abstracta sucessiva a competência do Tribunal Constitucional no domínio regulamentar ficou cingida aos regulamentos regionais, por violação de estatuto regional ou de lei geral da República, bem como aos regulamentos nacionais atentatórios da autonomia político-administrativa das Regiões Autónomas.
37 — E será oportuno, pensamos, completar o que atrás dissemos acerca da ausência de inconstitucionalidade, apesar de violada a hierarquia normativa.
38 — «São inconstitucionais as normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados» — diz-nos o artigo 277.°, n.° 1, da CRP. Uma leitura menos atenta desta norma propiciaria, com relativa facilidade, o entendimento segundo o qual à relação de inconstitucionalidade entre duas normas bastará uma ligação, ainda que interposta, com o texto constitucional.
39 — Todavia, não é nem poderia ser assim. A relação de inconstitucionalidade envolve, necessariamente, uma norma ou um princípio constitucional, mesmo implícito.
40 — É inconstitucional a norma que colida com a Constituição nos seus princípios ou nas suas normas e não a norma que apenas colida com outra norma ou princípio interpostos entre si e a Constituição formal (da qual parte, aliás, o conceito de inconstitucionalidade).
41 —Este é, e tem sido, o entendimento mais frequente na doutrina e na jurisprudência, exigindo à noção de inconstitucionalidade a violação directa e imediata de uma norma ou princípio formalmente constitucional:
À partida, não é de excluir que qualquer acto jurídico-público — qualquer acto de exercício de uma função do Estado (política, administrativa, jurisdicional) —, qualquer acto de poder público, desde que sujeito a uma norma constitucional sobre qualquer aspecto —pressuposto, elemento requisito— venha infringi-la. Na prática, e até por definição (tendo em conta o papel da Constituição), a inconstitucionalidade tende a cingir-se aos actos jurídico- constitucionais, aos actos cujo estatuto pertence, a título principal, ao Direito Constitucional, aos actos regulados (não apenas previstos, embora não sucessivamente regulados até ao fim) por normas da Constituição, a actos provenientes de órgãos constitucionais e com a sua formação dependente de normas constitucionais. [Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, t. ti, Coimbra
Editora, 1991, p. 315.]
Página 210
210
II SÉRIE-C — NÚMERO 33
42 — E o mesmo autor afirma, peremptoriamente, logo após: «Inconstitucionalidade verdadeira e própria só pode ser inconstitucionalidade específica ou directa» (idem).
43 — É certo que a fiscalização sucessiva incide sobre todas as normas, inclusivamente normas regulamentares. Mas não é isso que está em questão.
44 — O problema não reside, aqui, no objecto da fiscalização, mas num pressuposto relacional.
45 — De outro modo, não teria sentido útil a consagração de mecanismos de fiscalização da legalidade. Toda a legalidade redundaria sempre — ou quase sempre — em inconstitucionalidade.
46 — E, na verdade, esta asserção seria correcta se admitíssemos que toda a ilegalidade redunda sempre numa inconstitucionalidade indirecta, num desrespeito pelo quadro intersistemático (e não necessariamente hierárquico) das normas, e tanto bastasse para reconhecermos uma situação de inconstitucionalidade em sentido próprio.
47 — A resolução deste tipo de problemas nem sempre é simples, pois, casos há em que perante uma situação de ilegalidade se assiste concomitantemente à violação directa de uma norma ou princípio constitucional.
48 — Critério seguro na distinção entre inconstitucionalidade e ilegalidade será, porventura, o de observarmos qual a norma de cujo conteúdo nos temos de socorrer como parâmetro para aferir da validade ou eficácia de certa outra norma inconstitucional.
49 — Bastando a norma ou princípio constitucional haverá, eventualmente, inconstitucionalidade. Não sendo dispensável o recurso à compreensão do conteúdo e extensão de certa norma ou princípio legal ou convencional haverá ilegalidade ou ilegalidade sui generis.
50 — Retomando o caso em apreciação, se precisarmos de conhecer o que dispõe o Decreto-Lei n.° 258/90, de 16 de Agosto, necessariamente, para ajuizar sobre a validade da Portaria n.° 734-A/90, de 24 de Agosto,.não estaremos, seguramente, no domínio da inconstitucionalidade em sentido estrito, mas tão-só no domínio da ilegalidade.
51 — Pode dar-se o caso de simultaneamente ocorrer uma violação da Constituição pela portaria e pelo decreto-lei, na medida em que ambos estejam, em consonância.
A norma regulamentar é legal e a norma legal é inconstitucional. A inconstitucionalidade do regulamento não será, também aí, directa e imediata. Será consequentemente ou consequencial, como se preferir.
52 — Recorrendo mais uma vez a Jorge Miranda: «É que o sistema jurídico não está organizado de forma circular, com a Constituição no centro e todos os actos amarrados a ela, a igual distância. Comina, antes, como bem se sabe, uma estrutura hierarquizada, em que cada acto jurídico-públicó tem de assentar formal e materialmente num preceito determinado, que, por seu turno, se funda noutro de grau superior.» (Ob. cif., ibidem.)
53 — A violação do princípio da legalidade administrativa pela Portaria n.° 734-Ä/90,- de 24 de Agosto, envolve indíspensavelmente o conhecimento do «direito da lei» (na acepção que lhe dá Gomes Canotilho, in Direito Constitucional).
54 — E o mesmo se passa com o afloramento deste princípio na sua vertente de supremacia da lei sobre o regulamento (artigo 115.°, n.os 5, e 7, da CRP).
55—Violam directamente a Constituição os actos legislativos que permitam fenómenos de deslegalização como os descritos na proibição do artigo 115.°, n.° 5, e não os regulamentos que sejam, eventualmente, produzidos ao seu abrigo.
56 — 0 artigo 4.° do Decreto-Lei n.° 258/90, de 16 de Agosto, não colide com esta proibição. É a Portaria n.° 734-A/90 que colide com aquele preceito. É esta que o pretende modificar, bem como ao Decreto-Lei n.° 41 511, de 23 de Janeiro de 1958.
57 — E ainda que se adoptasse uma concepção menos estrita da relação de inconstitucionalidade, não podia deixar de reconhecer-se, à semelhança do Tribunal Constitucional (no Acórdão n.° 304/85, 1* Secção), que «está-se, pois, perante uma situação em que o vício da ilegalidade consumiu o concorrente vício da inconstitucionalidade».
58 — Com este entendimento fica aberta a porta ao não reconhecimento de situações de inconstitucionalidade de regulamentos de execução?
59 — Por certo que não. Tal como no desenvolvimento legislativo de bases gerais o legislador não deixa de se colocar sob o princípio da constitucionalidade —e não apenas na vinculação exercida pelo acto legislativo a desenvolver—, também no exercício da actividade regulamentar não deixa a Administração de ficar directamente sujeita à Constituição.
60 — E outra coisa não poderia resultar do que se dispõe no artigo 3°, n.° 3, da CRP:
A validade das leis e dos demais actos do Estado, das Regiões Autónomas e do poder local depende da sua conformidade com a Constituição.
61 —Na tarefa de regulamentação levada a cabo pela Administração, esta não pode colocar-se à margem da Constituição.
62 — Significa isto que na execução de actos legislativos o poder regulamentar está também submetido à Constituição e, quando ofenda esta sem atingir as normas que em princípio executa, abrem-se duas possibilidades: ou as normas em execução são, também elas, inconstitucionais ou o regulamento, executando praeter legem é directamente inconstitucional (e ainda que execute secundum legem pode, por hipótese, ser também directamente inconstitucional, na medida em que desobedeça a normas e princípios constitucionais aos quais a lei executada também se submeteria, caso fosse mais densificada).
63 — No presente caso, e sem duvidar da constitucionalidade do Decreto-Lei n.° 258/90, de 16 de Agosto, poderá haver, então, inconstitucionalidade e não apenas ilegalidade da Portaria n.° 734-A/90, de 24 de Agosto.
rv
64 — Não deixa, portanto, de ser necessário saber da conformidade da Portaria n.° 734-A/90, de 24 de Agosto, com as normas e os princípios constitucionais.
65 — Desde logo porque a referida portaria consagra um tratamento diferenciado na atribuição do suplemento de serviço aéreo no PNP em detrimento do PNT, quando não existiriam diferenças significativas entre os conjuntos em presença.
66 — Na verdade, tal tratamento diferenciado já ocorria no regime anterior — da gratificação de serviço aéreo — em função da pertença a cada um dos quatro grupos mencionados no artigo 4.° do Decreto-Lei n.° 253-A/79, de 27 de Julho, e, dentro destes, em função das categorias de pessoal.
67 — Afirmam os reclamantes que, em termos reais, participando os elementos do PNT em diversas missões a
Página 211
22 DE SETEMBRO DE 1994
211
bordo, também eles sofrem do desgaste físico consequente. Sujeitam-se a esforço idêntico, provocando-lhes, para além de um processo de desgaste contínuo, um envelhecimento focal sistemático.
68 — Analise-se, então, se e em que medida atentam as disposições regulamentares em foco contra o princípio da igualdade de tratamento (artigo 13.° da CRP).
69 — Princípio este, ao qual a Administração se encontra especificamente vinculada, nos termos do artigo 266.°, n.° 2, da CRP — logicamente também na actividade regulamentar de execução.
70 — Não nos parece haver uma violação do princípio da igualdade geradora de inconstitucionalidade.
71 — A portaria em questão estabelece um tratamento diferenciado na fixação das percentagens a atribuir, em função das categorias de pessoal (artigo I.° da Portaria n.° 734-A/90, de 24 de Agosto).
72 — Este diferente tratamento justifica-se, a nosso ver, face ao artigo 13.°, bem como ao artigo 59.°, n.° 1, alínea a), ambos da CRP.
73 — Pois bem, as distinções dentro do pessoal navegante, por um lado, em temporário e permanente e, por outro, nas diversas categorias da hierarquia, fundamentam — ou chegam mesmo a exigir — um tratamento diferenciado.
74 — Justifica-se que aqueles que prestam serviço aéreo temporariamente aufiram um menor quantitativo do suplemento, por comparação com aqueles que o prestam de modo permanente.
75 — Justifica-se também que o referido suplemento seja progressivamente mais elevado de acordo com a categoria a que pertence quem o recebe.
76 — Aliás, o que vai ao encontro do artigo 59.°, n.° 1, alínea a), da Constituição, porquanto, aí se estabelece «salário igual para trabalho igual» e o trabalho não é igual em todas as categorias como, por certo, se compreenderá.
77 — No comentário à alínea a) do n." 1 do artigo 59.°, Gomes Canotilho e Vital Moreira reconhecem como primeiro princípio ao qual deve obedecer a retribuição o de que esta «deve ser conforme à quantidade de trabalho» (i. e., à sua duração e intensidade), «à natureza do trabalho» (i. e., tendo em conta a sua dificuldade, penosidade ou perigosidade) «e à qualidade do trabalho» (i. e., de acordo com as exigências em conhecimentos, prática e capacidade); cf. Constituição da República Portuguesa Anotada, 2.' ed., Coimbra Editora, 1984, p. 319.
78 — O princípio da atribuição de salário igual a trabalho igual parte, pois, da verificação do pressuposto de se tratar de trabalho na mesma quantidade, tal como da mesma natureza e qualidade [cf. artigo 59.°, n.° 1, alínea a), da Constituição].
79 — Relativamente à justiça material das variações entre as percentagens a atribuir a cada conjunto, cabe ao legislador ou à Administração —de acordo com os critérios legais fixados — avaliá-la. Trata-se inequivocamente de uma área de livre conformação — no sentido que é dado a esta expressão na doutrina alemã.
80 — «O Tribunal fará uma apreciação das normas tentando, numa palavra, surpreender o arbítrio sem deixar de ter em conta os motivos e as intenções expressas pelo legislador. Tem de aceitar, na expressão de Bachof, os prognósticos do legislador, se eles não forem manifestamente erróneos.» (João Martins Claro, «O princípio da igualdade», in Nos Dez Anos da Constituição, INCM, 1986, p. 31.)
81 — As variações não se mostram aqui manifestamente erróneas, pois não se verificam atropelos às diferentes
posições, nelas se reconhece um critério distributivo e as diferenças entre as percentagens a atribuir são razoáveis, muito embora o aumento levado a cabo (relativamente ao Decreto-Lei n.° 253-A/79, de 27 de Julho) não seja proporcionalmente igual para todas.
82 — Recorde-se que o princípio da igualdade funciona no ordenamento jurídico-constitucional como verdadeiro princípio de controlo, como limite negativo externo à actividade conformadora normativa.
83 — Quanto ao facto de os sargentos que se situaram no PNP transitarem globalmente para o PNT, ficando assim lesados nas posições das quais gozavam à luz do anterior regime — muito embora continuem a exercer funções nos mesmos termos —, o problema faz-nos regressar, mais uma vez, ao domínio estrito da legalidade.
84 — Não fica ofendido nenhum preceito constitucional por via directa e imediata sem que não tenha de passar-se pela interposição da lei.
85 — Surge novamente a questão do confronto entre tais normas regularmente e os Decretos-Leis n.os 258/90, de 16 de Agosto, e 41 511, de 23 de Janeiro de 1958.
86 — Tal matéria poderia ser disciplinada regularmente em execução de acto legislativo. Não há qualquer reserva de lei neste domínio.
87 — A reclassificação do pessoal, na parte em que surge como inovadora, estabelece critérios sem suporte no Decreto-Lei n.° 258/90, de 16 de Agosto, e em colisão com o Decreto-Lei n.° 41 511, de 23 de Janeiro de 1958, ofendendo, deste, a hierarquia da lei sobre o regulamento.
88 — E mais uma vez se constata estarmos diante de uma portaria ilegal, mas não inconstitucional.
89 — O Tribunal Constitucional já por vários vezes apreciou actos regulamentares, mas não considerou nunca que a mera violação da lei pelo regulamento gerasse inconstitucionalidade:
Acórdão n.° 203/86 (Diário da República, 2.' série, de 26 de Julho de 1986) —regulamentos de execução e princípio da igualdade; admite-se a inconstitucionalidade directa de norma regularmente de execução por ofensa ao princípio da igualdade;
Acórdão n.° 304/85 (Diário da República, 2." série, de 10 de Abril de 1986) — ilegalidade e inconstitucionalidade; primazia do direito internacional e competência regulamentar;
Acórdão n.° 209/87 (Diário da República, 1.* série, de 9 de Julho de 1987) — portarias de governo regional/leis de bases; inconstitucionalidade por ser feito desenvolvimento na ausência de mediação legislativa entre a lei de bases e o regulamento regional;
Acórdão n.° 280/90 (Diário da República, 1." série-A, de 2 de Janeiro de 1991) — decreto regulamentar regional; ilegalidade consequente em razão da ilegalidade de decreto legislativo regional;
Acórdãos n.os 74/84 (Diário da República, 1.* série, de 11 de Setembro de 1984) e 248/86 (Diário da República, 1.' série, de 15 de Setembro de 1986) —reserva de lei e regulamentos autónomos.
Entendo, pois, que não devem ser por mim desencadeados os meios de fiscalização junto do Tribunal Constitucional.
Será mais eficaz o uso da recomendação ao Ministério da Defesa Nacional e ao Estado-Maior da Força Aérea no sentido de procederem a alterações na Portaria n." 734-A/
Página 212
212
II SÉRIE-C — NÚMERO 33
90, de forma a obterem a sua compatibilidade com o Decreto-Lei n.° 258/90, de 16 de Agosto.
Aos reclamantes restará sempre, claro está, o recurso aos meios do contencioso administrativo, nos termos da alínea i) do artigo 26." do Decreto-Lei n.° 129/84, de 27. de Abril (ETAF).
Despacho
R-2728/90.
1
1 — Os despachos em anátise (Despacho SEVC n.° 91 89-XI, de 6 de Julho, publicado no Diário da República, 2." série, de 19 de Julho de 1989, e o Despacho SEOP n.° 29/91, de 23 de Maio, publicado no Diário da República, 2° série, de 17 de Junho de 1991, o qual revoga o primeiro) têm natureza administrativa e não legislativa, inserindo-se no exercício da competência regulamentar do Governo [artigo 202.°, alínea c), da CRP].
2 — Neste sentido, são verdadeiros actos normativos, na medida em que, consentem a generalidade e abstracção. Neste sentido, são também, porque no exercício da função administrativa e em razão da forma que os reveste, actos administrativos em sentido amplo.
3 — Serão, em rigor, actos administrativos na sua qualidade de «comandos jurídicos unilaterais emitidos por um órgão da Administração no exercício de um poder público de autoridade» (Diogo Freitas do Amaral, Direito Administrativo, vol. in, lições policopiadas, 1985, Lisboa, p. 39).
4 — Serão também actos normativos enquanto dotados de generalidade e abstracção. Como tal, distinguem-se dos actos administrativos em sentido estrito (e comum).
5 — A simplicidade da distinção entre, por um lado, aquilo que é geral e abstracto e, por outro, o qüe se considere individual e concreto não deixa de ser aparente, razão pela qual a marcação da fronteira entre o acto normativo e o acto não normativo nem sempre se mostra tarefa fácil.
6 — Inclusivamente não é absurdo admitir a existência de normas gerais e não abstractas, de tal modo que há quem considere apenas a generalidade como característica da norma jurídica (José de Oliveira Ascensão, O Direito — Introdução e Teoria Geral, Livraria Almedina, 6." ed., Coimbra, 1991, p. 516).
7—A ambos os despachos em análise não falta o carácter normativo, porquanto contêm regras gerais e abstractas: •'
8 — Gerais porque se dirigem a um universo relativamente indeterminado de destinatários, ou melhor, sem um destinatário ou destinatários a priori individualizáveis — aqueles que pretendam explorar postos de abastecimento de combustível e áreas de serviço.
9 — Abstractas por visarem um domínio quantitativamente indefinido de casos ou situações.
10 — Os Despachos SEVC n.° 9/89-XI e SEOP n.° 29/ 91 contêm, portanto, verdadeiras normas regulamentares.
U
11 — A fiscalização da constitucionalidade, entre nós, incide sobre normas — actos normativos emanados de órgãos do poder público que violam normas ou princípios consuVwcionais (cf. artigo 277.", n.° 1, da CRP).
12 — E sublinhe-se que o conceito de norma que tem sido adoptado pela jurisprudência constitucional é bastante extenso.
13 — Não fica, de modo algum, cingido às normas legislativas. Compreende, também, as normas regulamentares: «Onde, porém, um acto público for mais do que isso e contiver uma regra de conduta para os particulares ou para a Administração, ou um critério de decisão para esta última ou para o juiz, aí estaremos perante um acto normativo cujas injunções ficam sujeitas ao controlo da constitucionalidade (Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 26/85, Diário da República, 2." série, de 26 de Abril de 1985).»
14 — Até aqui parece, pois, encontrar-se objecto adequado à fiscalização da constitucionalidade.
15 — E ficará afectada esta asserção pela tese que a Administração pretende fazer valer no sentido de que tais actos são meramente internos e, além disso, indicativos e recomendatorios ?
16 — Primeiro, não é certo que tal hipótese afastasse a fiscalização da constitucionalidade de tais normas.
17 — Depois, também não se pode admitir que tais normas sejam eficazes apenas na ordem interna da Administração ou que a sua eficácia seja simplesmente indicativa ou recomendatoria.
18 — Relativamente ao primeiro aspecto, afirma Gomes Canotilho:
Os casos normativos editados pela Administração no exercício de funções administrativas podem constituir o objecto de controlo de constitucionalidade.
Incluem-se aqui todos os actos regulamentares típicos [...], bem como os actos pararregulamentares (resoluções, instruções, directivas, despachos), desde que preencham as características de norma jurídica [...] [Direito Constitucional, Livraria Almedina, Coimbra, 1991, 5.a ed., p. 1011.]
19 — Nada aponta na Constituição ou na lei para a exclusão dos chamados regulamentos internos do catálogo de actos sujeitos à fiscalização da constitucionalidade.
20 — A fiscalização da constitucionalidade, talvez a maior garantia de unidade do sistema configurado pela ordem jurídica, visa, antes de mais, o controlo do poder público.
21 —Não se vê, pois, o que pudesse afastar a priori a jurisdição constitucional do conhecimento dessa parte do sistema, fundamentalmente na área da fiscalização abstracta.
22 — Os regulamentos internos fazem levantar, como se antevê, problemas complexos:
Saber quais os âmbitos de actuação dos regulamentos administrativos internos, se são normas jurídicas, se têm de fundar-se em preceitos legais, se admitem. ser impugnados contenciosamente — são alguns dos problemas que têm implicado respostas divergentes. [Jorge Manuel Coutinho de Abreu, Sobre os Regulamentos Administrativos e o Principio da Legalidade, Livraria Almedina, Coimbra, 1987, p.93.]
23 — Verdadeiros regulamentos internos serão apenas os que não produzirem quaisquer efeitos sobre as esferas jurídicas dos particulares. Pelo contrário, ainda que sejam regulamentos organizatórios, desde que se reflictam nas posições subjectivas, serão regulamentos externos.
Página 213
22 DE SETEMBRO DE 1994
213
24 — Marcelo Caetano distingue claramente regulamentos processuais e regulamentos internos:
Os primeiros contêm normas relativas às relações entre os serviços e o público, regulando o modo como òs particulares podem fazer valer os seus direitos perante a Administração ou obter desta as prestações que lhes são devidas. [Manual de Direito Administrativo, vol. 1, Ed. Almedina, 10." ed., Coimbra, 1982, p. 100.]
25 — Quanto aos segundos, escreveu o ilustre professor:
Os regulamentos internos limitam-se a traçar o âmbito de cada subunidade dentro de um serviço e as tarefas de cada agente e a regular as relações entre agentes, dos agentes com os órgãos de que dependem, ou até o funcionamento de um órgão colegial. [Idem.]
26 — Pois bem, é por demais evidente que os regulamentos em questão não são meros regulamentos internos: desde a localização à instalação, da concessão aos licenciamentos, tudo se prevê sobre o acesso à actividade de abastecimento de combustíveis ao público em estações de serviço ou simples bombas de gasolina e gasóleo.
27 — Neles se define o modo como os particulares deverão actuar para a obtenção de determinado resultado. Neles se criam ónus e deveres para os particulares e se estabelecem, por outro lado, algumas situações jurídicas activas. As suas normas possibilitam, perfeitamente, nelas fazer ancorar interesses legítimos dos particulares.
28 — Encontram-se ainda preenchidos os pressupostos relativos ao objecto para a fiscalização pelo Tribunal Constitucional.
29 — Não pode esquecer-se, porém, que se trata da fiscalização da constitucionalidade de normas.
30 — Na verdade, diz-se no artigo 281.°, n.° 1, alínea a), da Constituição que:
O Tribunal Constitucional aprecia e declara, com força obrigatória geral:
a) A inconstitucionalidade de quaisquer normas;
31 — A infracção de normas ou princípios constitucionais não pode ser a infracção de normas ou princípios colocados entre a Constituição e as normas visadas; não pode ser a simples afectação de normas que a Constituição faz pressupor como condição de validade das normas visadas.
32 — Não fosse esse entendimento correcto, e não se compreenderia a razão de ser de mecanismos de fiscalização da legalidade.
33 — Não se contra-argumente que a simples violação do princípio da hierarquia das normas gera inconstitucionalidade. Primeiro, porque o princípio da hierarquia normativa não é só em si mesmo um princípio constitucional. Ele é pressuposto da própria ideia de Constituição em sentido formal e de inconstitucional. Tal princípio exprime a ideia de que há normas que prevalecem sobre outras normas, assegurando a harmonia do sistema, fazendo afectar a existência e validade das normas tidas por inferiores que colidam com as normas de grau superior.
34 — Logo, deve entender-se haver inconstitucionalidade quando se viola directamente uma norma ou princípio
constitucional e não por se contrariar o princípio segundo o qual há normas superiores e normas inferiores e por se ofender essa cadeia hierárquica sem atingir a Constituição.
35 — Será inconstitucional, sim, por exemplo, a norma que altere a hierarquia normativa configurada pela Constituição.
36 — Observe-se a demonstração pelo absurdo, levando até às últimas consequências a ideia contrária, com a ilustração do exemplo de um acto administrativo que viole um regulamento de grau inferior em colisão com outro de grau superior.
37 — Não é de admitir nestas situações, como bem se vê, que haja uma relação de inconstitucionalidade.
38 — «È que o sistema jurídico não está organizado de forma circular, com a Constituição no centro e todos os actos amarrados a ela, a igual distância.» (Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, t. 11, Coimbra Editora, 1991, p. 315.)
39 — E, sublinhe-se, não fora assim e perderiam sentido útil, quer os mecanismos de fiscalização da legalidade pelo Tribunal Constitucional, quer outros meios, como é o caso da impugnação contenciosa de actos regulamentares, nos termos da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (Decreto-Lei n.° 267/85, de 16 de Julho, nos seus artigos 63." e seguintes).
40 — Sendo assim, não deve nem pode ser descurado um aspecto fundamental — saber da existência de mediação legislativa entre as normas dos Despachos SEVC n.°9/89-XI e SEOP n.° 29/91 e as normas e princípios constitucionais.
41 —Isto porque, se não houver tal mediação, em obediência ao princípio da legalidade administrativa [artigos 115.°, n.M 6 e 7, 202.°, alínea c), 242.° e 266.°, n.° 2, da CRP], tudo leva a crer na inconstitucionalidade formal de tais despachos.
42 — Por outro lado, se tal mediação existir, ela haverá de ser tida em conta, porque apenas a relação directa com a Constituição permite gerar a inconstitucionalidade de uma norma (regulamentos independentes, autónomos ou em situação praeter legem, necessariamente).
43 — A isto acresce o facto de a fiscalização constitucional da legalidade não ser uma categoria genérica.
44 — Não pode ser esquecido que a fiscalização da legalidade não incide sobre quaisquer normas, sem mais.
45 — No que toca a normas regulamentares, a fiscalização abstracta sucessiva da legalidade confina-se, exclusivamente, às alíneas c) e d) do artigo 281.°, n.° 1, da Constituição: regulamento regional violador de estatuto político-administrativo ou de lei geral da República e regulamentos nacionais por colisão com direitos regionais estatutariamente reconhecidos.
46 — Bem se vê, pois, que a fiscalização da legalidade pelo Tribunal Constitucional de normas regulamentares tem por ratio a salvaguarda dos limites da unidade do Estado face às autonomias regionais, bem como fazer respeitar aos órgãos de soberania as garantias das regiões insulares.
47 — Diga-se, antes de mais, que as normas em causa padecem de inconstitucionalidade, mas por razões e em plano totalmente diversos dos focados pelos Srs. Provedor-- Adjunto e Assessor.
48 — Assim, trata-se, de inconstitucionalidade formal, total e antecedente.
49 —Do artigo 115.°, n.05 5, 6 e 7, resulta claramente que o regulamento pressupõe a lei como condição da sua validade.
Página 214
214
II SÉRIE-C — NÚMERO 33
50 — O regulamento serve, prima facie, para executar a lei. Outra coisa não podia resultar do princípio da legalidade, ao qual se submete todo o exercício da função administrativa, nos termos do artigo 266.°, n.° 2, do texto constitucional.
51—0 Despacho SEVC n.°9/89-XI e o seu sucessor na ordem jurídica, o Despacho SEOP n.° 29/91, executam o Decreto-Lei n.° 13/71. de 23 de Janeiro, o qual estabelece o regime administrativo a.que se sujeitam as zonas de estrada e as zonas de protecção à estrada.
52 — Quanto a estas últimas zonas, disciplina as proibições em faixas com servidão non aedificandi e as permissões condicionadas nas chamadas faixas de respeito (artigo 3.° do citado diploma).
53 — Este diploma condiciona, nomeadamente, os acessos à zona de estrada (artigo 7.° ) e, em especial, para o que aqui importa, proíbe nos termos do artigo 8.° «a construção, estabelecimento, implantação ou produção de:
d) Edifícios a menos de 20 m, 15 m, 12 m ou 10 m do limite da plataforma da estrada, consoante esta for, respectivamente, internacional, de 1.', de 2." ou de 3* classes, ou dentro da zona de visibilidade;
e) Instalações de carácter industrial, nomeadamente fábricas, garagens, armazéns, restaurantes, hotéis e congéneres [...] a menos de 70 m e 50 m do limite da plataforma da estrada, consoante esta seja ou não estrada internacional, ou dentro das zonas de visibilidade.»
54 — E, ainda mais especificamente faz depender sempre de aprovação ou licença da Junta Autónoma de Estradas o estabelecimento de postos de abastecimento de combustíveis ou as obras neles a realizar [artigo 10.°, n.° 1, alínea c), do Decreto-Lei n.° 13/71, de 23 de Janeiro].
55 — A lei confere poderes discricionários à Administração, nesta matéria. A Administração autovincula-se por meio da regulamentação aprovada.
56 — A legitimidade desta autovinculação é discutida na doutrina nacional e estrangeira (v. por todos, sobre este assunto, José Manuel Sérvulo Correia, Legalidade e Autonomia Constitucional nos Contratos Administrativos, Ed. Almedina, Coimbra, 1987, pp. 480 e. segs.).
57—A vinculação por via regulamentar até ao limite de densificação que salvaguarde um mínimo razoável de especificidade da situação individual e concreta (razão pela qual se conferem poderes discricionários) é a opção mais consentânea com os princípios de igualdade, e imparcialidade e proporcionalidade a que há-de submeter-se a actividade da Administração Publica (artigo 266.°, n.° 2).
58 — Assim, a regulamentação operada pelos Despachos SEVC.n.°9/89-XI e SEOP_n.° 29/91 parece, mesmo, desejável à luz da Constituição.
59 — No entanto, as normas que contêm tais despachos estão feridas de inconstitucionalidade, na medida em que não indicam expressamente a lei que regulamentam nem
apontam .para nenhuma norma habilitante de competência regulamentar.
60— Há, deste modo, uma violação do artigo 115.°, 1, da Constituição.
61 —E acrescente-se tratar-se de inconstitucionalidade directa, pese embora a interposição do Decreto-Lei n.° 13/71, àe 23 de Janeiro.
62 — É que neste ponto os actos regulamentares encontram-se disciplinados na Constituição.
63 — A parametricidade para aferir da validade do acto,
quanto a este aspecto, reside na Constituição e não na lei.
64 — «À partida, não é de excluir que qualquer acto jurídico-público — qualquer acto de exercício de uma função do Estado (política, administrativa, jurisdicional) — qualquer acto de poder público, desde que sujeito a uma norma constitucional sobre qualquer aspecto — pressuposto, elemento, requisito— venha a infringi-la.» (Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, t n, Coimbra Editora, 3.' ed., 1991, p. 315.)
65 — Ainda que se entenda tratar-se de regulamentos
independentes, os Despachos SEVC n.° 9/89-XI e SEOP n.° 29/91 estão feridos de inconstitucionalidade formal.
66 — E é assim, ou por não indicarem a norma habilitante (nos termos do artigo 115.°, n.° 7, parte final) ou porque, pura e simplesmente, não receberam a forma de decreto regulamentar (de acordo com a exigência do artigo 115.°, n.° 6, in fine).
67 — Refira-se, ainda, que não merece ser discutida, sequer, a questão da submissão ou não dos regulamentos internos ao princípio da legalidade.
68 — Há, na verdade, quem entre nós sustente a existência de uma reserva de poder regulamentar interno (Jorge M. Coutinho de Abreu, op. cit., pp. 100 e segs.), à semelhança do que ocorre generalizadamente na doutrina espanhola.
69 — Os regulamentos internos de organização escapariam, segundo esse entendimento, à relação comum entre, lei e acto regulamentar, a começar pela regra da necessária precedência legislativa.
70 — Contudo, como foi já oportunamente esclarecido (v. supra, n.M 22 e segs.), os despachos ministeriais em questão não podem, de modo algum, ser qualificados como regulamentos internos.
71 —Seguramente, os regulamentos são, pois, inconstitucionais por atentarem directamente contra o artigo 115.°, n.° 7, da Constituição, mas não pelas razões apontadas pelo mandatário do reclamante e pelos Ex.""" Srs. Assessor e Provedor-Adjunto.
72 — Atente-se, seguidamente, nas razões da discordância com as posições sustentadas, as quais vêem nos Despachos SEVC n.°9/89-XI e SEOP n.° 29/91 uma violação dos artigos 61.", n.° l, 62.", n.°2, 18.°, n.° 2, 266.°, n.° 2, e 82.°, todos da Constituição.
73 — Relativamente à Uberdade de iniciativa económica privada, ninguém hesitará, hoje, em reconhecer-lhe a natureza dos direitos, liberdades e garantias, ou, em bom rigor, de direito fundamental de natureza análoga à destes, para efeitos do artigo 17.° do texto constitucional.
74 — O texto inicial da Constituição fazia situá-la no artigo 85.° (parte n, concernente à organização económica).
75 — Com a revisão constitucional de 1982 receberia acolhimento na parte i, ingressando no catálogo formal dos direitos fundamentais e, dentro destes, no título m, referente aos direitos e deveres económicos, sociais e culturais.
76 — A mesma revisão deu-lhe redacção diversa da originária, mas manteve a funcionalização da iniciativa privada ao progresso colectivo e a sua limitação expressa pela Constituição.
77 — A revisão de 1989 suprimiria a instrumentalização desta liberdade ao progresso colectivo sublinhando, simplesmente, o interesse geral ao qual deve estar subordinado o seu exercício.
78 — Ainda no sentido da sua valorização como direito fundamental (que nunca deixara de ser), substitui-se a expressão «pode exercer-se» por «exerce-se».
Página 215
22 DE SETEMBRO DE 1994
215
79 — Esta evolução no passado recente do constitucionalismo português não permite a conclusão de ser este um direito superprotegido no sistema.
80 — Ora, se é certo que as restrições ao conteúdo dos direitos, liberdades e garantias têm de encontrar justificação expressa no quadro dos valores constitucionais (artigo 18.°, n.° 2), não pode deixar de observar-se que é a própria redacção do artigo 61.°, n.° 1, que obriga a ter em conta o interesse geral.
81 —Esta subordinação ao interesse geral é acrescida à limitação pela Constituição e pela lei.
82 — Repare-se que é a iniciativa privada a ser exercida livremente onde e como a Constituição, a lei e o interesse geral o permitirem.
83 — Outra coisa não pode resultar do artigo 61.°, n.° 1, senão que a iniciativa económica privada se submete ao mesmo regime de restrições que qualquer outro direito do título ii ou de natureza análoga. Por outro lado, consagraram-se regras próprias quanto às suas limitações.
84 — E forçoso será ter presente a distinção que normalmente se efectua entre restrições e limitações ou entre restrições ao conteúdo e restrições ao exercício dos direitos, liberdades e garantias.
85 — «A restrição tem que ver com o direito em si, com a sua extensão objectiva; o limite ao exercício de direitos contende com a sua manifestação, com o modo de se exteriorizar através da prática do seu titular [...] O limite pode desembocar ou traduzir-se qualificadamente em condicionamento.» (Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, t. n, Coimbra Editora, 1988, pp. 300-301.)
86 — Ou, noutra perspectiva apontada, podem distinguir-se as restrições quanto ao objecto, ao conteúdo e ao exercício de direitos fundamentais, como faz Marcelo Rebelo de Sousa:.
Objecto corresponde ao bem juridicamente tutelado, o conteúdo ao feixe de faculdades ou poderes em que se traduz essa tutela, o exercício à implementação dessas faculdades. [O Valor Jurídico do Acto Inconstitucional, Lisboa, 1988, p. 173.]
87 — E, a partir do que ficou dito, duas coisas se podem concluir. A primeira é que o artigo 61." da Constituição trata de limitações ao exercício da iniciativa privada (ou restrições ao exercício) e não de restrições tout court (cujo regime é confiado ao artigo 18.° da CRP).
88 — A segunda conclusão é a de os regulamentos em apreço tratarem da limitação ao exercício da actividade económica privada (abastecimento de combustíveis a particulares segundo critérios empresariais): instalação, construção, licenciamento, concessão, classificação e funcionamento dos postos de abastecimento e estações de serviço.
89 — Tais limitações justificam-se plenamente à luz de valores a que não é alheia a Constituição e de modo a obter a sua salvaguarda:
«[...] assegurar um correcto ordenamento do território» [artigo 9.°, alínea e), parte final].
«[...] direitos dos consumidores» (artigo 60.°, n.° 1);
«[...] ordenar e promover o ordenamento do território, tendo em vista uma correcta localização das actividades» [artigo 66.°, n.° 2, alínea b)];
«[...] objectivos da política comercial» (artigo 102.°).
90 — Regressando ao artigo 61.°, n.° 1, parece verifícar--se, pois, a conformidade destes dois despachos com aquilo
que nele se dispõe, nomeadamente quanto ao exercício da liberdade de empresa nos quadros definidos pela Constituição.
91 — Este mesmo preceito não pode deixar de ser lido a par do artigo 87.°, n.° 1: «O Estado fiscaliza o respeito da Constituição e da lei pelas empresas privadas [...]»
92 — O acesso à actividade económica (pressuposto do seu exercício) de abastecimento e combustíveis e outras actividades próprias das estações de serviço ficam condicionados ao preenchimento de certos requisitos; a definição dos quadros do seu exercício pela Constituição (v. supra, n.° 89), pela lei (o Decreto-Lei n.° 13/71, de 23 de Janeiro) e a sua subordinação, individual e concretamente, ao interesse geral, verificada pela Administração Pública no exercício das suas funções de assegurar «em nome da colectividade a satisfação regular e contínua das necessidades colectivas de segurança, cultura e bem-estar» Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. 1, Livraria Almedina, Coimbra, 1986, pp. 36 e segs.).
93 — E para não correr o risco de cair numa visão demasiado administrativista da análise, citar-se-ia, ainda Sousa Franco, quando afirma:
A iniciativa económica privada (que tomaremos como prototípica) é pois um direito que consiste em tomar todas as iniciativas que sejam conformes com o ordenamento (a Constituição e a lei) para produzir bens e serviços. [Noções de Direito da Economia, 1.° vol., reimp., ed. AAFDL, Lisboa, 1982-1983, p. 228.]
94 — Ainda quanto à livre iniciativa económica privada diga-se, por último, que a invocação do artigo 52.8 do Tratado de Roma não se revela adequada.
95 — Isto, porquanto o Tribunal Constitucional, ao qual compete, de forma única e exclusiva, declarar a inconstitucionalidade de uma norma com força obrigatória geral (artigos 225." e 282." da CRP), não toma em caso algum o direito comunitário como parâmetro de aferição da validade de uma norma.
96 — Nada permite, antes pelo contrário, que os preceitos constitucionais sejam interpretados pelos órgãos nacionais à luz das disposições comunitárias, sob pena de ser esquecido que as próprias normas do Tratado de Roma e das convenções que o alteram estão, elas próprias, dependentes, na suà eficácia, da conformidade com a Constituição.
97 — Outro entendimento propiciaria uma recepção formal das normas convencionais comunitárias que a nossa Constituição apenas consentiu relativamente à Declaração Universal dos Direitos do Homem, nos termos do artigo 16.°, n.° 2.
98 — Propõe-se, seguidamente, a abordagem do problema das expropriações de que se fala no n.c 7.2 do Despacho SEVC n.° 9/89-XI (embora actualmente já substituído pelo de 13 de Maio de 1991), apontado pelo reclamante como ofensivo do artigo 62.°, n.° 2, da CRP.
99 — Tal despacho, ora revogado, não exige, não impõe, nem efectua a expropriação de imóveis para a instalação de estações de serviço.
100 — A referência ao recurso à expropriação como regra geral deve ser entendida como regra de subsidiariedade, ou seja, quando não for possível acordo com os expropriados.
101 — É que não podem ficar à margem de tudo isto as consequências do princípio da legalidade sobre os actos da Administração, ainda que regulamentares.
Página 216
216
II SÉRIE-C — NÚMERO 33
102 — São os regulamentos que devem ser interpretados à luz da lei, e não a lei a ser interpretada de acordo com aqueles.
103 — Por aqui se pode concluir que, embora o despacho nada esclarecesse neste ponto, podiam vir a ser expropriados terrenos para o fim em causa, desde que observada a lei, observando esta a Constituição, nomeadamente os artigos 18.°, n.° 2, e 62.°, n.° 2.
104 — Retirar daquele preceito que a expropriação seria o meio de aquisição em primeira análise conduziria ó intérprete ao seguinte resultado absurdo: apenas quando não fosse possível expropriar se recorreria a outros modos.
105 — A expressão «regTa geral» implica uma alternatividade com outro meio de aquisição. Logicamente, na alternativa regra/excepção, verifica-se sempre a existência da situação excepcional, em primeiro lugar. Só a sua não verificação permite a aplicação de uma regra geral.
106 — E recorde-se que deve o intérprete presumir «que ó legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados».
107 — Mesmo que exigida regulamentarmente a expropriação, não teria de assim ser.
108 — Na verdade, o novo Código das Expropriações — o qual não pode deixar de moldar a interpretação da norma em análise— é tributário da ideia de última ratio no uso dos mecanismos expropriativos (Decreto-Lei n.° 438/91, de 9 de Novembro).
109 — No seu artigo 2.°, n.° 1, afirma-se nitidamente um princípio de necessidade e de subsidiariedade na expropriação por utilidade pública, o que aliás está em consonância com as intenções manifestadas no preâmbulo:
Num Estado de direito, a expropriação de bens imóveis dos cidadãos por motivos de utilidade pública só deverá ter lugar quando não existir qualquer possibilidade de aquisição amigável.
110 — A regra geral a que se alude no n.° 7.2 do Despacho SEVC n.° 9/89-XI teria, pois, de ser entendida a esta luz, se tal despacho ainda vigorasse. O próprio conceito constitucional de expropriação não autorizaria outra leitura.
111 — De todo o modo, com a entrada em vigor do novo Código das Expropriações, o problema, passaria a ser de legalidade regulamentar, cujo conhecimento compete, como se sabe, ao Contencioso Administrativo. Antes dele, seria, eventualmente, de inconstitucionalidade (se o preceito fosse interpretado literalmente, note-se). Contudo, seria de inconstitucionalidade meramente consequente, à sombra do Decreto-Lei n.° 845/76, de 11 de Dezembro.
112 — Com isto, parece desnecessário fazer referência ao princípio de apropriação colectiva de meios de produção e solos [artigo 80.°, alínea c), da CRP].
113. — A solução trazida pelo vigente Despacho SEOP n.° 29/91 tem vantagens técnicas e de clareza assinaláveis.
114 — Nele se afirma que «a instalação de áreas de serviço feita em terrenos do Estado» (1.2) e apenas quanto aos itinerários principais (IP) e complementares (IC), aos quais- acrescem «as estradas existentes em que estes venham a sobrepor-se».
115 — Com efeito, o conceito de terrenos do Estado permite melhor visualizar as outras formas de aquisição de propriedade pública, nomeadamente no âmbito do direito privado.
116 — Não se vê, portanto, como possa ser violado o princípio da proporcionalidade pelas disposições em causa.
117 — Este princípio oferece, no domínio em análise, duas áreas de controlo: a proporcionalidade nas normas de procedimento de expropriação por utilidade pública (sindicáveis pelo Tribunal Constitucional, a começa? pelo Código das Expropriações); o controlo da proporcionalidade das expropriações levadas a cabo pela Administração Pública na sua tríplice vertente de necessidade, adequação e razoabilidade, ou proporcionalidade stricto sensu (por comparação à utilidade pública concreta retirada da aquisição de certo bem imóvel pelo sector público de propriedade). O controlo desta última vertente pertence ao domínio do contencioso administrativo, a menos que se trate de acto; formalmente normativo no sentido de norma que é dado pelo Acórdão n.° 26/85, de 26 de Abril, do Tribunal Constitucional.
118 — Também não pode deixar de observar-se que as normas dos despachos em questão não ofendem o direito de propriedade privada garantido nos termos dò artigo 62.°, n.° 1, da Constituição.
119 — A este respeito, o Acórdão n.° 341/86, de 10 de Dezembro, do Tribunal Constitucional, esclareceu nestes termos:
No direito de propriedade constitucionalmente consagrado contém-se o poder de gozo do bem objecto do direito, sendo certo que não,;se tutela ali expressamente um jus aediíicandi, um direito à edificação como elemento necessário e natural do direito fundiário. [Diário da República, 2." série, n.°65, de 19 de Março de 1987.]
120 — Por fim, não pode deixar de referir-se a pretensa violação do artigo 82." sustentada pelo reclamante.
121 —A invocação de tal preceito é aqui, infundada.
122 — O artigo 82." visa garantir um modelo estático que a Constituição quer parcialmente preservar, ou seja, o pluralismo na organização económica.
123 — Subjaz-lhe uma certa ideia de limitação do poder pelo poder — do poder económico privado pela preservação da propriedade pública.
124 — A coexistência de três sectores não inviabiliza o recurso à expropriação nem a sujeição ou condicionamento a licença para a instalação de áreas e postos de serviço.
125 — Antes significa um imperativo dirigido as orientações de política económica no sentido de salvaguardar razoavelmente uma diversidade de apropriação.
126 — E, se é certo que neste princípio se alicerça uma defesa da propriedade privada contra uma hipotética estatização da propriedade dos meios de produção e solos, não é menos verdadeiro que garanta, bem assim, a salvaguarda de um núcleo.
127 — Nestes termos nunca poderiam ser as razões invocadas pelos Srs. Provedor-Adjunto e Assessor que fundamentariam um eventual pedido de declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, mas sim as concernentes ao desrespeito pela regra do artigo 115.°, n.° 7, da Constituição. Isto tanto para o despacho revogado, como também para o vigente.
128 — No entanto, só utilizarei este poder se o Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações não acatar, em prazo razoável, recomendação no sentido de corrigir o despacho vigente com a menção da lei que visou regulamentar (Decreto-Lei n.° 13/71, de 23 de Janeiro).
Nota. — Este despacho foi enviado a S. Ex* o Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, a titulo de recomendação que foi acatada.
Página 217
22 DE SETEMBRO DE 1994
217
Processo: R-2093/85 — DI. 78.
1 — Em primeiro lugar, forçoso será efectuar algumas considerações, quanto à necessidade de consentimento de ambos os cônjuges para a alienação ou oneração de bens próprios de cada um.
Ao contrário do que possa resultar da reclamação, não existe no direito da família nacional qualquer imposição geral de consentimento comum sobre a alienação de bens que pertençam exclusivamente a um dos cônjuges.
Com efeito; aquilo a que o artigo 1682.°, n.° 1, do Código Civil se refere é, tão-só, aos bens móveis comuns cuja administração compita a ambos os cônjuges. Logo, ficam excluídos do âmbito deste preceito todos os bens próprios cuja, administração esteja a cargo do seu titular e ainda todos os bens comuns que estejam sujeitos a um regime de administração disjunta, assente nas alíneas a) a f) do artigo 1678.°, n.° 2, do Código Civil .
Isto resulta do espírito que norteou tal solução legislativa. No preâmbulo do Decreto-Lei n.° 496/77, de 22 de Novembro, pelo qual, como é sabido, se procurou adaptar o Código Civil às vicissitudes constitucionais de 1976, afirma-se:
[...] procurou-se fazer coincidir, em regra, a legitimidade-para a prática de actos de alienação de móveis com a legitimidade para administrar esses bens (artigo 1682.°, n.051 e 2).
2 — Resulta, portanto, do Código Civil que os bens móveis próprios são alienados por quem os administra. Ora, a administração de bens próprios é confiada aos respectivos titulares (artigo 1678.°, n.° 1, do Código Civil).
A este quadro genérico haverá que acrescentar três excepções:
a) Bens próprios cuja administração não seja levada a cabo pelo próprio titular (artigo 1678.°, n.° 2);
b) Bens móveis referidos no artigo 1682.°, n.° 3;
c) Bens imóveis e estabelecimentos comerciais, sejam próprios ou comuns (artigo 1682.°-A).
Pode concluir-se que a alienação ou oneração de bens próprios exige o consentimento do outro cônjuge, apenas excepcionalmente. E repare-se, também, que a regra de fazer coincidir a administração com a legitimidade para alienar não é levada longe de mais. Mesmo que a administração de um bem próprio não seja exercida pelo seu titular, este terá sempre de prestar o seu consentimento.
3 — A necessidade do consentimento de ambos os cônjuges nos casos apontados parece justificar-se plenamente à luz das normas e princípios constitucionais.
É certo que o princípio da autonomia privada enunciado no artigo 405.° do Código Civil não encontra expressa consagração na Constituição de 1976. Ele não deixa, contudo, de integrar o quadro de valores da lei fundamental, tanto na sua dimensão objectiva de princípio de organização da sociedade e da economia, como na dimensão subjectiva de posições jurídicas atribuídas às pessoas como direitos fundamentais ou figuras de natureza congénere.
É o que resulta — primeiro plano — da garantia de um sector privado da economia em coexistência com os demais [artigos 80.°, alínea 6), e 82.°, n.°» 1 e 3, da CRP], das incumbências do Estado em matéria de concorrência e monopólios [artigo 81.°, alíneas e) tf)], bem como das limitações à actuação pública sobre empresas privadas
(artigo 87.° da CRP). Estes preceitos pressupõem o mercado e com ele a livre iniciativa económica privada.
No segundo plano — isto é, no âmbito dos direitos fundamentais — a autonomia privada é induzida da chamada liberdade de comércio e indústria (artigo 61.°, n.° 1, da CRP), da liberdade de escolha de profissão (artigo 47.°, n.° 1), assim como da liberdade de transmissão do direito de propriedade privada (artigo 62.°, n.° 1).
A sua consagração implícita tão-pouco diminui a extensão e alcance do princípio:
A faculdade de contratar constitui a óbvia manifestação da maior parte dos direitos fundamentais, e não surge portanto como carecedora de expressa menção ou disciplina quando se declara um ou outro destes. [Spagnulo Vigorita, L'iniziativa económica privata nel diritto pubblico, Nápoles, 1959, p. 226.]
4 — Haverá, todavia, de observar-se que tal princípio não é absoluto no ordenamento jurídico. Ele há-de conviver com outros princípios, com outros direitos, com outras garantias. Cabe ao intérprete proceder à harmonização necessária, de modo a obter o máximo proveito da coexistência da liberdade negocial com outros valores.
No que ao assunto em análise interessa terá de começar por ser feita a compatibilização da livre disponibilidade de cada um sobre os seus bens com as garantias institucionais que a Constituição confere ao casamento (artigo 36.° da CRP) e à família (artigo 67.°).
5 — O casamento, numa perspectiva jurídico-institu-cional, como comunidade pessoal (no sentido da «plena comunhão de vida» a que se reporta o artigo 1577." do Código Civil, fazendo eco da cultura juriscanonística e, em geral, dos valores judaico-cristãos), admite, porém, a separação de patrimónios entre os cônjuges. Eis a razão de ser da liberdade convencional antenupcial (artigo 1698° do Código Civil) e da supletividade do regime de comunhão de adquiridos (artigo 1717.°).
A separação de patrimónios — total ou parcial — não implica necessariamente uma plena disponibilidade sobre os bens próprios quando tal atinja ou possa atingir a estabilidade e segurança familiar, «a manutenção e educação dos filhos», (artigo 36.°, n.° 3, in fine, da CRP) ou a realização pessoal dos seus membros.
É este um sentido possível da função social da propriedade a que o artigo 61.°, n.° 1, do texto constitucional faz referência.
É, pois, como salvaguarda de outros interesses constitucionalmente protegidos que não poderá deixar de admitir-se um conjunto de limitações à livre disposição sobre certos bens — a começar pela casa de morada da família (artigo 1682.°-A, n.°2, do Código Civil).
6 — Se forem correctamente observadas as situações para as quais a lei requer o consentimento comum sobre bens próprios, ver-se-á que são em todos os casos justificadas.
São, quase sempre, bens que, muito embora pertencendo ao património reservado de um dos cônjuges, estão correlacionados com a comunidade matrimonial e familiar — utilização comum na vida do lar, instrumento comum de trabalho [artigo 1682.°, n.° 3, alínea a)], e administração pelo cônjuge a quem não pertencem [artigo 1682.°, n.°3, alínea b)}.
E quando assim não é estamos perante o caso de bens que, pe)a função quê desempenham na economia doméstica, requerem uma vontade conjunta para a sua
Página 218
218
II SÉRIE-C — NÚMERO 33
alienação. Trata-se dos imóveis e estabelecimentos comerciais a que o artigo 1682.°-A do Código Civil se refere.
7 — Deve ainda observar-se, como faz o Sr. Assessor, à luz dos ensinamentos de Vital Moreira e Gomes Canotilho, que estas limitações ficam arredadas do domínio da inconstitucionalidade, pois em nada comprimem as faculdades inerentes aos direitos dos seus titulares. São parciais e apenas condicionam o seu exercício. Não o restringem, sequer.
Por um lado, não são todos os bens próprios e, por outro, a falta de consentimento pode ser judicialmente suprida, havendo «injusta recusa, ou impossibilidade, por qualquer causa, de o prestar» (artigo 1684.°, n.° 3, do Código Civil).
8 — Não se encontra, como tal, o mínimo necessário de dúvida quanto à conformidade constitucional dos aludidos preceitos que leve a serem desencadeados os mecanismos de fiscalização da constitucionalidade.
A limitação introduzida pelos artigos 1682.°, n.°3, e 1682.°-A do Código Civil é menor do que poderia parecer. É justa e proporcionada de modo a obter tutela adequada a outros valores e interesses constitucionalmente protegidos — os aspectos institucionais do casamento e a família.
Processo: R-9/87 — DI. 2.
Assunto: Inconstitucionalidade da tributação sobre as gratificações dos empregados de salas de jogo do bingo, através do Decreto Regulamentar n.° 41/82, de 16 de Julho.
Pretendem os reclamantes, neste processo, que o provedor de Justiça obtenha, pelas vias que constitucionalmente lhe assistem, a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral da norma contida no artigo 24.*, n.° 4, do Decreto Regulamentar n.° 41/82, de 16 de Julho, por violação da reserva parlamentar de competência legislativa [artigo 168.°, n.° 1, alínea i), da CRP, anteriormente na versão originária, com o mesmo conteúdo, no artigo 167.°, alínea o)].
Analisada a questão, importa formular as seguintes considerações:
1) De modo bastante nítido, a referida norma cria um imposto sobre as gratificações auferidas pelo pessoal das salas de jogo do bingo:
Quando autorizadas as gratificações, serão os valores das mesmas repartidos da seguinte forma: 25 % para o Fundo do Turismo e 75 % para o pessoal afecto ao jogo.
2) Segundo entendimento dá Secretaria de Estado do Turismo (ofício n.° 800, de 25 de Março 1987), reproduzido a fl. 13, tal regulamento estaria habilitado a criar a prestação a favor do Fundo do Turismo, porquanto era o mesmo diploma que autorizava a prática das gratificações. Consequentemente, quem autorizou o pessoal daquelas saüas de jogo a aviferv-las tsria competência para exigir a entrega de parte delas ao organismo referido;
S) A fragilidade desta argumentação é, por si, evidente, não permitindo deixar de considerar ter sido violada não apenas a reserva parlamentar
legislativa [artigo 168.°, n.° 1, alínea /), e artigo 167.°, alínea o), da versão originária], como também a reserva de lei em matéria de criação
de impostos (artigo 106.°, n.° 2, da CRP, sem alterações nas versões subsequentes);
4) As características de definitividade e unilateralidade da prestação em causa afastam, decisivamente, a qualificação como taxa;
5) Taxas são «prestações estabelecidas pela lei a favor de uma pessoa colectiva de direito público, como retribuição de serviços individualmente prestados, da utilização de bens do domínio público ou da remoção de um limite jurídico à actividade dos particulares» (António Braz Teixeira, Princípios de Direito Fiscal, vol. i, 3." ed., p. 43.);
6) Estando em causa, pois, um verdadeiro imposto, há-de concluir-se pela inconstitucionalidade orgânica da norma em apreço, por violação dos artigos 168.°, n.° 1, alínea i) —anteriormente artigo 167.°, alínea o) —, e 106.°, n.° 2, da Constituição;
7) Veio, no entanto, a norma impositiva a ser objecto de revogação, pouco tempo após ter sido recebida a queixa analisada;
8) Com efeito, o Decreto Regulamentar n." 76/86, de 31 de Dezembro, fez cessar a vigência de tal disposição.
Nada obsta à declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, de normas já revogadas. Por terem sido objecto de revogação, em nada viram afectada a sua validade nem os efeitos produzidos durante a sua vigência. A revogação opera ex nunc, atingindo a eficácia da norma revogada apenas a partir do momento da entrada em vigor da norma revogatória.
Não deverá, contudo, ser requerida a fiscalização da constitucionalidade da norma em causa.
No momento em que nos situamos, decorridos que são quase seis anos após a revogação do imposto tido por inconstitucional, causaria graves perturbações à administração financeira do Estado proceder à reparação dos prejuízos.
De acordo com princípios de proporcionalidade e razoabilidade que não podem deixar de servir como parâmetro à acção do provedor de Justiça, entende-se que os benefícios retirados pelos lesados ficariam muito aquém das dificuldades que adviriam à Fazenda Pública.
Além do mais, em grande parte dos casos, seria muito difícil individualizar os titulares do direito que lhes assistiria, na hipótese de ter provimento o pedido de declaração de inconstitucionalidade.
Atendendo, porém, à necessidade de prevenir a existência de situações do mesmo género, cujos efeitos lesivos nos particulares tornam difícil o ressarcimento pelo decurso do tempo, entendo justificar-se o recurso aos poderes enunciados no artigo 33.° da Lei n.°9/91, de 9 de Abril.
1.3 —Recomendações legislativas — genéricas
A S. Ex." o Ministro da Saúde.
24 de Abril de 1992. Processo: IP. 115/80.
Assunto: Contagem do tempo de serviço prestado por religiosos nos estabelecimentos hospitalares ou outros serviços públicos.
Página 219
22 DE SETEMBRO DE 1994
219
Recomendação
[Lei n.° 9/91, de 9 de Abril, artigo 20.°, n.° 1, alínea a)]
1 — Vários processos pendentes na Provedoria de Justiça, alguns desde 1980, evidenciam que, nos termos da regulamentação em vigor, se vem entendendo (ou se entendia) que não existia uma relação de emprego entre a Administração e os enfermeiros religiosos que, integrados nas suas congregações, prestavam serviço em instituições hospitalares e assistenciais, não havendo, assim, possibilidade de lhes ser contado, para quaisquer efeitos, tal tempo de serviço.
2 — Apesar de se considerar que os termos dos contratos celebrados com as instituições religiosas permitiam o entendimento referido, verificou-se que, na maioria dos casos, seria possível reconstituir o tempo de serviço e a categoria funcional dos religiosos, assim como a remuneração que, a titulo de gratificação, era entregue àquelas instituições, uma vez que tais prestações pecuniárias eram determinadas em função de cada religioso e das remunerações correspondentes da função pública.
3 — Pareceu justo a alguns dos meus antecessores no cargo que fossem tomadas medidas adequadas, porventura de ordem legislativa, que viessem a permitir que o tempo de serviço prestado pelos enfermeiros ou outros profissionais religiosos em instituições públicas pudesse ser tido em conta, quer para efeitos de antiguidade na carreira quer de aposentação, especialmente quando hajam continuado a exercer a actividade profissional.
4 — Sobre o assunto, ter-se-á chegado a elaborar um projecto de diploma que não teve até hoje consagração, continuando o problema em aberto.
5 — Mantenho integralmente a posição já antes preconizada pelos meus antecessores.
Nestes termos, ao abrigo do disposto nos artigos 20." e 38.° da Lei n.°9/91, de 9 de Abril, recomendo a V. Ex." a elaboração de diploma legislativo no sentido de relevar para todos os efeitos, designadamente aposentação e carreira, o serviço realizado em hospitais ou outras instituições públicas por religiosos ou ex-religiosos formalmente vinculados às respectivas congregações e não ao Estado.
A S. Ex.* o Primeiro Ministro.
24 de Abril de 1992. Processo: IP. 23/92.
Recomendação
(Lei n.' 9/91, de 9 de Abril, artigo 20.°, n.° 1, alínea a)]
Tem esta Provedoria participado em vários colóquios realizados para estudo e análise do Código do Procedimento Administrativo que, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 442/91, de 15 de Novembro, entrará em vigor no próximo dia 16 de Maio.
Nas várias sessões em que representantes desta Provedoria têm participado, verificou-se haver reconhecimento dos inconvenientes resultantes da discrepância entre o «quórum de funcionamento» dos órgãos colegiais previstos nos artigos 22.°, n.° 2, do Código do Procedimento Administrativo e 119.°, n.°2, da CRP.
Podendo discutir-se o campo da aplicação do disposto no artigo 119.°, n.° 2, da lei fundamenta], isto é, se abrange
no seu âmbito apenas órgãos colegiais das estruturas do sistema político (órgãos de soberania, Regiões Autónomas e órgãos do poder local), deixando de fora os órgãos colegiais da Administração Pública, face à autonomização desta última em relação à organização do poder político, a verdade é que em certos casos se podem confundir eventualmente os órgãos colegiais enquanto poder político e enquanto órgão da Administração Pública.
Se se entender que o artigo 22.°, n.° 2, do Código do Procedimento Administrativo viola o princípio constitucional previsto no citado preceito, a eventual inconstitucionalidade não determina a cessação da vigência do disposto no artigo 22.°, n.° 2, do Código do Procedimento Administrativo enquanto aquela inconstitucionalidade não for declarada pelo Tribunal Constitucional, processo este que, por razões processuais, é sempre moroso.
Do que se acaba de expor resultará necessariamente que, após a entrada em vigor do Código do Procedimento Administrativo, se vão suscitar juízos contraditórios sobre a validade das deliberações dos órgãos colegiais tomados em obediência ao disposto na lei ordinária.
Porque se me afigura não haver razões suficientemente fortes que legitimem e justifiquem o sistema estabelecido na lei ordinária em matéria de «quórum de funcionamento» de órgãos colegiais e porque é de toda a conveniência haver tratamento legislativo igual para situações ditadas pela mesma ordem de interesses, tenho por bem formular a V. Ex." recomendação no sentido de o artigo 22.°, n.° 2, do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 442/91, ser alterado para se harmonizar com o disposto no artigo 119.°, n.° 2, da Constituição.
A S. Ex.* o Ministro da Agricultura.
16 de Março de 1992. Processo: R-125/90.
Recomendação [Artigo 20.°, n.° 1, alínea a), da Lei n.° 9/91, de 9 de Abril]
I — Tendo-me sido suscitada a questão do exercício do direito da caça por um titular de terreno submetido a regime cinegético especial na modalidade de zona de caça turística (ZCT), por força de uma agregação forçada nos termos do artigo 28." da Lei da Caça, sugere-me a mesma as seguintes considerações:
Questão prévia relativa a condição jurídica da caça
Concretamente pretende-se apurar se o exercício daquele acto venatorio se inclui (ou não) nos poderes de fruição usuais e habitualmente contidos no direito de propriedade em geral.
Não cabendo agora apreciar ou tomar posição quanto às concepções romanistas ou germanistas sobre o assunto, pode-se seguramente afirmar que, com a publicitação dessas matérias, a sua regulamentação legal tem vindo paulatinamente a subordinar-se a interesses eminentemente colectivos, cabendo agora ao Estado não só zelar pelo património cinegético nacional como também dirigir e orientar o exercício dessa mesma actividade (v. artigo 4." da Lei n.° 30/86, de 27 de Agosto) — isto sem prejuízo, como é óbvio, das limitações impostas pelos interesses
Página 220
220
II SÉRIE-C — NÚMERO 33
particulares reconhecidos por aquela mesma lei, como mais adiante veremos. Daí que seja hoje pacífico o entendimento de que as limitações impostas pelo legislador àqueles direitos reais de gozo resultam das (legítimas) restrições do direito real maior que lhe está subjacente, i.e„ do próprio direito de propriedade tout court. Assim se compreende que o exercício da caça se encontre, hoje em dia, condicionado por uma série de restrições legais e requisitos.formais (v. artigos 4.° e seguintes do Decreto-Lei n.° 274-A/88, de 3 de Agosto); e que os próprios terrenos de caça se encontrem subordinados a diferentes regimes cinegéticos, gerais ou especiais, cujo escopo se prende exactamente com a própria organização da actividade venatoria e de ordenamento do património cinegético nacional, pelo que se poderá, em conclusão, dizer que o direito de caça não é mais sinónimo de liberdade absoluta de caçar (concepção romanista) e também não é algo estritamente integrado no direito de propriedade (concepção germanista). Generáliza-se, portanto, a fixação por parte do Estado de zonas de caça, quer sob o regime de administração directa (as ZCN e ZCS) quer sob o regime de concessão da sua exploração a outras entidades (as ZCA e ZCT).
II — Concluída esta introdução, e passando agora à análise da legislação que lhe é própria, verifica-se o seguinte:
1 — Relativamente aos regimes cinegéticos especiais prevê expressamente o artigo 21.°, n.° 1, da mencionada Lei n.° 30/86, de 27 de Agosto, que «o estabelecimento de uma zona de regime cinegético especial carece de prévios acordos da entidade ou entidades titulares e gestores dos terrenos a serem submetidos àquele regime, nomeadamente no que respeita à entidade que acede ao direito de caça e terrenos de caça que a eles respeitam».
2 — Em face de tal exigência, o artigo 65.°, n.os 3 e 4, do Decreto-Lei n.° 274-A/88, de 3 de Agosto, veio regulamentar tal matéria nos seguintes termos, respectivamente:
Quando não for possível fazer intervir no acordo todos os proprietários e gestores dos terrenos envolvidos, constitui documento bastante a acta da reunião [...] e da qual constem todos os elementos essenciais do acordo.
Para a reunião referida no número anterior devem ser convocados os proprietários e gestores dos teirenos a submeter a regime cinegético especial, com pelo menos 30 dias de antecedência, por edital afixado [...], e o acordo resultante da reunião considera-se válido para o início dá instrução do processo de concessão, desde que tenha obtido os votos favoráveis da maioria dos presentes.
3 — Regulada, portanto, a situação dos proprietários e gestores dos terrenos que deram o seu aval à constituição das referidas zonas de caça, resta saber qual a posição dos não aderentes, qualquer que seja a posição que adoptarem em relação àquele acordo; quer tenham adoptado conscientemente uma atitude passiva, quer se tenham oposto ao mesmo, quer ainda porque, pura e simplesmente', desconheciam a realização daquela reunião.
Em tais casos, e havendo que salvaguardar os seus legítimos interesses, os n.os 6 e 1 daquele mesmo preceito vieram estatuir o seguinte:
[Os não aderentes] [...] poderão apresentar reclamação ao director-geral das Florestas, no prazo de 90 dias a contar da data de afixação, [...], dos editais a anunciar a entrada do pedido de concessão.
A Direcção-Geral das Florestas excluirá do pedido de concessão os terrenos cujos titulares ou gestores tenham apresentado reclamação nos termos do número anterior.
4 — A contrario sensu, afinal, consagra-se uma forma de consentimento tácito a tal acordo por parte daqueles que não tenham apresentado qualquer reclamação, tudo se passando como se o tivessem aprovado tal como foi vertido na acta, pelo que se lhes aplicará, mutatis mutandis, o regime estipulado pelos próprios celebrantes.
5 — No entanto e apesar desta aparentemente segura ressalva dos direitos dos reclamantes, verifica-se, dizia, que aquela primeira lei supra-referenciada veio permitir, no seu artigo 28.°, que, mesmo na ausência de acordo, previsto naquele seu artigo 21.°, «as entidades a quem tenham sido concedidos direitos de explorações de zonas de caça em regime cinegético especial poderão solicitar [...] a agregação de terrenos do regime cinegético geral que constituem enclaves na sua zona de caça, desde que a superfície destes não exceda 10 % da superfície resultante dessa agregação».
6 — Assim, e desde que observados tais condicionalismos, poderão (aqueles titulares ou gestores), ser compelidos a submeterem-se àquele novo ordenamento cinegético sem que para tal tenham dado o seu assentimento tácito ou expresso, sendo para mais privados daquele seu direito de caça que primitivamente detinham enquanto enquadrados no regime cinegético geral. Tal solução apresenta-se-me incongruente, sabendo-se, como se sabe, que, na criação de tais zonas especiais, os interesses estritamente particulares dos entes que as exploram não são, de forma alguma, despiciendos — eles poderão até ser dominantes consoante os objectivos essenciais pugnados, em cada momento, pela lei (cf. artigo 27.° da Lei da Caça).
7 —Reconhecendo o próprio legislador que tal constituiria uma atitude demasiado violenta para os sujeitos àquela injunção legal, apressou-se a ressalvar, no n.° 3 daquele mesmo artigo, que «no caso de despacho favorável, não havendo acordo entre as partes, as condições dessa agregação serão fixadas pelos serviços competentes do MAPA».
8 — Ora, apesar do período de tempo entretanto decorrido desde a publicação do diploma que rectificou a Portaria n.° 62/ 89, de 30 de Janeiro (que criou aquela zona de caça ora em apreço), i. é, a Portaria n.° 566/89, de 21 de Julho, a qual veio, exactamente, englobar tais terrenos tidos por enclaves naquela zona, até ao momento actual, ainda não foram, que se saiba, estabelecidas as condições referidas naquele número.
III — Pelo que urge regular a situação dos assim designados «titulares ou gestores dos terrenos» que se encontrem nas condições previstas no artigo 28.° da Lei da Caça, de forma, que, clara e inequivocamente, se consagre aquele direito de caça nos domínios afectos àquelas zonas cinegéticas especiais, sem prejuízo do dever de observar as demais restrições legais e convencionais próprias daquela actividade e sem prescindirem dos restantes direitos de que sejam, porventura, titulares.
É o que recomendo ao Sr. Ministro da Agricultura.
A S. Ex.0 o Ministro do Comércio e Turismo.
13 de Março de 1992. Processo: R-426/89.
Página 221
22 DE SETEMBRO DE 1994
221
Recomendação
[Artigo 20.°, n.° 1, alinea *), da Leí n.° 9/91, de 9 de Abril]
Alguns funcionarios do quadro da Direcção-Geral de Inspecção Económica, abrangidos pelo disposto no artigo 4.° do Decreto-Lei n.° 27/89, de 21 de Janeiro, que vedou as funções inspectivas aos funcionários com mais de 60 anos de idade, solicitaram intervenção do provedor de Justiça, por terem, inesperadamente, visto frustradas as suas expectativas de promoção e de melhoria de estatuto, ao serem (ou se verem na iminência de sê-lo) relegados para o quadro de efectivos interdepartamentais ou para a aposentação.
Analisado o assunto e compreendendo embora que o Governo entenda que os elementos com mais de 60 anos possam não estar, em regra, em condições de exercer bem as funções inspectivas em questão, não pode deixar de me merecer sérias reservas o disposto na referida disposição, quer numa perspectiva de estrita constitucionalidade e legalidade quer de justiça social.
Com efeito, o Decreto-Lei n.° 43/84, de 3 de Fevereiro, que prevê, no artigo 2.°, a constituição de excedentes por medidas de racionalização global ou parcial das estruturas e dos quadros ou efectivos dos organismos públicos, foi publicado ao abrigo de uma autorização legislativa, por ter a ver com a definição de bases gerais da função pública. Ora, o Decreto-Lei n.° 27/89, sem prévia autorização legislativa, acrescentou novas situações geradoras de transição para o quadro de efectivos interdepartamentais (QEI), naquele não previstas (uma vez que se não pode considerar medida global de racionalização de efectivos a passagem individual ao QEI de cada funcionário que atinja os 60 anos), utilizando critérios diametralmente opostos aos naquele estabelecidos, que são a menor antiguidade, sucessivamente, na categoria, na carreira e na função pública.
Afigura-se, assim, inconstitucional o disposto no n.°2 do artigo 4.° do Decreto-Lei n.° 27/89, de 21 de Janeiro, na parte respeitante à transição para o QEI, por violação do preceituado na alínea u) do artigo 168.° da CRP.
Não pode ainda deixar de se realçar a situação de injustiça criada á funcionários que, de um momento para o outro, vêem goradas as suas últimas esperanças de promoção (terão aguardado anos o alargamento dos quadros), reduzidos, na prática, à inactividade e sem possibilidade de atingir o tempo de serviço necessário para a concessão de pensão completa.
Acresce que tais funcionários também se veriam desprovidos da gratificação especial por serviço de inspecção.
Assinala-se que, quando o Decreto-Lei n.° 364/77, de 2 de Setembro, fixou o limite de idade de 60 anos para os inspectores da Polícia Judiciária, determinou, no n.° 3 do artigo 147.°, que os então actuais inspectores continuassem ao serviço até atingirem o limite de idade, nos termos da lei geral, pelo período de tempo necessário à percepção da pensão de aposentação completa.
Nestes termos, entendo dever recomendar a V. Ex.* a revisão do regime previsto nas disposições em causa, por forma que os funcionários em questão não resultem prejudicados, em termos de carreira, de remuneração e de aposentação.
Mais recomendo que, entretanto, não seja dada execução prática à norma em questão, obstando-se assim à transição de tais funcionários para o QEI.
A não se verificar tal revisão (o início do processo legislativo não deverá ultrapassar 10 dias) formularei o pedido de declaração de inconstitucionalidade da norma em causa.
Agradeço que V. Ex.* me informe da sequência que esta recomendação venha a ter.
A S. Ex.* o Ministro da Defesa Nacional.
13 de Novembro de 1992. Processo: R-93/92.
Recomendação [Lei n.° 9/91, de 9 de Abril, artigo 20.% n.° 1, alínea a)]
1 — 78 militares da Força Aérea Portuguesa, em queixas que me foram dirigidas, solicitaram que fosse requerida a fiscalização abstracta e sucessiva, da constitucionalidade da Portaria n." 734-A/90, de 24 de Agosto, pelo Tribunal Constitucional, porquanto, no seu entender, haver sido violada a Constituição e lesadas as suas esferas jurídicas pessoais, através da sucessão de regimes que o Decreto-Lei n.° 258/90, de 16 de Agosto, e a Portaria n.° 734-A/90, de 24 de Agosto, operaram.
2 — Alegam, fundamentalmente, os queixosos, em apoio da pretensa inconstitucionalidade da Portaria n.° 734-A/90, de 24 de Agosto:
a) Afronta o princípio constitucional da igualdade, quando estabelece, sem fundamento material bastante, valores diferentes para o suplemento do serviço;
b) Viola o princípio constitucional, consagrado no artigo 59.° da Constituição, «salário igual para trabalho igual», atendendo a que o mencionado suplemento constitui a contrapartida do desgaste físico e psíquico sofrido com igual intensidade por todo o pessoal navegante (preâmbulo do Decreto-Lei n.° 258/90, de 16 de Agosto);
c) Ofende o princípio constitucional da hierarquia das leis, já que a portaria questionada contraria o disposto no artigo 4.° do Decreto-Lei n.° 258/90, o qual preceitua no sentido de o montante mensal do suplemento ser fixado por «portaria», e não que os montantes do «suplemento de serviço aéreo» serão fixados nos quantitativos mensais, que variam em função da categoria-posto do militar.
d) Enfim, não se estabelecendo no Decreto-Lei n.° 258/90 qualquer distinção entre pessoal navegante permanente e temporário, a norma regulamentar respectiva é manifestamente inconstitucional.
3 — A questão colocada insere-se no seguinte quadro de referências normativas:
a) No regime anterior ao Decreto-Lei n.° 258/90, de 16 de Agosto, e à subsequente Portaria n.° 734-A/ 90, de 24 de Agosto, posta em crise, o Decreto--Lei n.°41 511, de 23 de Janeiro d&l 958. veio definir as condições de atribuição da «gratificação de serviço aéreo» ao pessoal; navegante e temporário, desde que perfaça um programa m/nímo de horas de treino (artigos 4.° e 5." do citado diploma legal);
Página 222
222
II SÉRIE-C — NÚMERO 33
b) A verificação desta condição num semestre gerava nos militares abrangidos o direito em cada mês do semestre seguinte a auferirem a «gratificação de serviço aéreo», delimitando-se, no mencionado decreto-lei, os conceitos de pessoal navegante e de serviço aéreo, matéria também disciplinada, mais em pormenor no Regulamento de Serviço Aéreo [RFA-351-1 (A)];
c) Por sua vez, no Decreto-Lei n.° 253-A/79, de 27 de Julho, fixou-se, no artigo 4.°, a percentagem a partir do vencimento base do posto de capitão, em função das categorias, para efeitos de cálculo da «gratificação de serviço aéreo»;
d) Posteriormente, porém, na sequência, por um lado, do Decreto-Lei n.° 184/89, e, por outro, do Decreto-Lei n.° 57/90, foi extinta a gratificação do serviço aéreo e criado em seu lugar o suplemento do serviço aéreo, abono que manteve, no entanto, as características essenciais daquele outro, visando, no fundo, compensar o desgaste físico e psicológico causado pelo serviço aéreo;
e) E nesta conformidade pode asseverar-se, com rigor, que o Decreto-Lei n.° 258/90, de 16 de Agosto, apenas criou o «suplemento do serviço aéreo», num sentido puramente formal, mantendo substancialmente a sua disciplina;
f) Alteração sensível, veio, contudo, a verificar-se com a publicação da Portaria n.° 734-A/90, de 24 de Agosto, a qual modificou a definição das percentagens sobre o vencimento base de capitão, em função das categorias de pessoal e, bem assim, introduziu um generalizado aumento das mencionadas «percentagens»;
, g) Por outra parte, os sargentos de pessoal navegante permanente — que auferiam como gratificação de serviço aéreo 21% do vencimento base de capitão, a par dos oficiais e sargentos do,pessoal navegante temporário — deixaram de figurar no pessoal navegante permanente, transitando para o pessoal navegante temporário, com um suplemento de 25 % sobre o vencimento base de capitão.
4 — No despacho que proferi, no processo instaurado com base nas aludidas gueixas, tive oportunidade de ponderar a questão colocada, numa perspectiva, a uni tempo jurídico-constitucional e de fiscalização da legalidade, operando o confronto prescritivo-normátivo entre as normas regulamentares da Portaria n.° 734-A/90, de 24 de Agosto, posta em causa, com o disposto nos Decretos--Leis n.°s 258/90, de 16 de Agosto, e 41 5Í1, de 23 de Janeiro de 1958, pelo que me dispensarei de o fazer aqui, em pormenor, remetendo para o despacho, xerocopiado em anexo, do qual tão-sómente se destacam, neste lugar, as suas conclusões essenciais.
5 — Em primeiro lugar, admitindo que no desenvolvimento legislativo de bases gerais o legislador não deixa de se colocar sob o princípio de constitucionalidade e que no exercício da actividade regulamentar não deixa a Administração de ficar sujeita à Constituição, no caso presente, poderia existir, por hipótese, inconstitucionalidade da Portaria n.° 734-A/90, de 24 de Agosto, mesmo a despeito da conformidade à Constituição do Decreto-Lei n.° 258/ 90 de 16 de Agosto.
6 — Deverá, desde logo, aquiescer-se em que a portaria posta em crise estabelece um tratamento diferenciado na fixação das percentagens a atribuir em função das categorias de pessoal (artigo 1.°).
7 — Todavia, as distinções dentro do pessoal navegante, por um lado, em temporário e permanente e, por outro, nas diversas categorias de hierarquia, fundamentam-se, material e objectivamente, já que aqueles que prestam serviço aéreo temporariamente devem auferir um menor quantitativo do suplemento por comparação com aqueles que o prestam de modo permanente, pelo que não sai afrontado o princípio da igualdade.
8 — E, por outra parte, justifica-se também que o referido suplemento seja progressivamente mais elevado, de acordo com a categoria de quem o recebe, pelo que não sai violado o invocado artigo 59.° da Constituição — salário igual para trabalho igual — já que o trabalho e nível de responsabilidade não são iguais em relação a todas as categorias.
9 — No que respeita às variações entre as percentagens a atribuir a cada conjunto — matéria inserida na área da «livre conformação do legislador» —, não se revelam também injustas ou erróneas segundo um critério de razoabilidade e de justiça relativa.
10 — E não resultando ofendido nenhum preceito constitucional por via directa e imediata, impor-se-á confronto entre as normas regulamentares da portaria, posta em causa, com o Decreto-Lei n.° 258/90 de 16 de Agosto, que desenvolveu e também, em certa medida, com o Decreto--Lei n.° 41 511, de 23 de Janeiro de 1958.
11 — Ora, náo posso deixar de reconhecer — tal como deixei expresso no despacho que subscrevi, xerocopiado em anexo —, que a reclassificação do pessoal, na parte surgida como «inovadora», estabelece critérios sem suporte no Decreto-Lei n." 258/90, de 16 de Agosto, e em colisão com o Decreto-Lei n.° 41 511 de 23 de Janeiro de 1958, ofendendo, deste modo, a hierarquia entre a lei e o regulamento.
12 — Nesta conformidade, haverá de concluir-se que a portaria questionada é uma portaria ilegal, mas não inconstitucional, sendo certo que o Tribunal Constitucional já por várias vezes apreciou actos regulamentares, mas nunca considerou que a mera violação da lei, pelo regulamento, gerasse vício de inconstitucionalidade.
13 — Na linha das considerações expostas e sem prejuízo dos meios adequados do contencioso administrativo, tenho por conveniente recomendar, ao abrigo do disposto na alinea b) do n.° 1 do artigo 20.° da Lei n.° 9/91, de 9 de Abril:
Que a Portaria n.6 734-A/90 de 24 de Agosto, seja harmonizada, nas suas disposições regulamentares, com o conteúdo prescritivo do Decreto-Lei n.° 258/90 de 16 de Agosto, expurgando as suas estatuições inovadoras, designadamente as respeitantes à reclassificação do pessoal navegante aéreo e aos critérios estabelecidos sem suporte naquele diploma legal.
14 — Agradeço a V. Ex.° se digne informar-me do andamento que vier a ser dado à presente recomendação.
A S. Ex.* o Primeiro-Ministro.
30 de Setembro de 1992. Processo: JP 6/89.
Assunto: Legislação sobre o direito a subsídio de Natal por parte dos trabalhadores contratados a termo na função pública.
Página 223
22 DE SETEMBRO DE 1994
223
Recomendação [Lei n.° 9/91, de 9 de Abril, artigo 20.°, n.° 1, alínea a)]
O problema de saber se os contratados a prazo na função pública têm ou não direito a subsídio de Natal tem sido objecto de diferentes processos abertos na Provedoria de Justiça, designadamente o processo R. 878/88, no âmbito do qual se solicitaram esclarecimentos ao Ex.mo Sr. Director-Geral da Administração Pública, através do ofício n.° 6614, de \ de Junho de 1988, tendo recebido como resposta o ofício n.° 513, de 30 de Junho de 1988, cujas fotocópias, bem como dos documentos que lhe são anexos, se juntam.
Dado o teor dos documentos acima citados, bem como o estudo do referido processo, conclui-se que a legislação dos contratos a termo na função pública remete para o regime de contratos a prazo no sector privado. E, contrariamente ao que sucede no tocante ao subsídio de férias, a lei geral do trabalho não se ocupa do subsídio de Natal, tudo dependendo de o mesmo ser ou não consagrado através dos contratos colectivos de trabalho aplicáveis.
Como, no âmbito da função pública, não existem tais contratos colectivos, a concessão ou não de subsídio de Natal aos contratados a prazo tem dependido, caso a caso, da sua consagração ou não em cada um desses contratos individuais.
Com base nas anteriores conclusões, e por iniciativa do provedor de Justiça, procedeu-se à abertura do processo em epígrafe, no âmbito do qual se pediram informações a S. Ex." a Secretária de Estado do Orçamento, pelo ofício n.° 4428, de 24 de Abril de 1989, acerca da possibilidade de elaboração de medidas legislativas uniformes na matéria em causa, o qual foi respondido através do ofício n.° 3352, de 28 de Junho de 1989, dos quais junto fotocópias, bem como do parecer da Secretaria de Estado do Orçamento, anexo ao último.
Compulsando os últimos documentos, designadamente o parecer da Secretaria de Estado do Orçamento, pode-se afirmar que a unidade aí referida acaba por ser formal: ela significa que os contratos a termo no sector público seguiriam o regime de direito privado. Só que, neste, e conforme já referido, a uniformização das situações similares é proporcionada pela negociação colectiva.
E, não existindo esta no sector público, acabam por verificar-se, na realidade, as situações que a Provedoria de Justiça detectou e que se traduzem numa diversidade de soluções, inclusive no âmbito do mesmo Ministério.
Nestes termos, e pelo exposto, entendo, no uso da competência que a lei me atribui, dever recomendar a V. Ex.° que se digne providenciar no sentido de publicação de diploma legal regulador do subsídio de Natal aplicável aos contratados a termo, por forma a obviar à apontada disparidade de situações, geradoras de injustiças relativas.
A S. Ex.° o Secretário de Estado do Tesouro.
9 de Junho de 1992. Processo: R-17/91.
Recomendação
[Lei n.° 9/91, de 9 de Abril, artigo 20.°, n.° 1, alínea a)]
Através de diversas reclamações recebidas na Provedoria de Justiça, verificou-se que os pensionistas por acidentes
de trabalho ocorridos no sector privado e, bem assim, aqueles cujos acidentes tiveram lugar ao serviço de empresas públicas (como seja, por exemplo, a dos Caminhos de Ferro Portugueses), não beneficiam do 14.° mês.
Considerando profundamente injusta a negação de tal regalia, sobretudo tendo em atenção que, no âmbito de outras situações, os pensionistas já fruem desse abono, formulo a seguinte recomendação:
Que, com a brevidade possível, seja emanada a medida que esse Departamento entenda necessária para efeito de vir a ser atribuído o 14.° mês a todos os pensionistas por acidentes de trabalho, inclusivamente os titulares de pensões de sobrevivência.
A S. Ex." o Primeiro-Ministro.
15 de Junho de 1992. Processo: R-488/89.
Assunto: Reclamação da Escola Superior de Educação de Viseu.
Recomendação [Lei n.° 9/91, de 9 de Abril, artigo 20.°, n.° 1, alínea a)]
Em 3 de Março de 1989, deu entrada na Provedoria de Justiça a reclamação cuja fotocópia junto.
Tendo solicitado esclarecimentos à Direcção-Geral do Ensino Superior do Ministério da Educação, através do ofício n.° 3950, de 14 de Abril de 1989 (cuja fotocópia segue também anexa), recebi em resposta o ofício n.° 3230, de 18 de Maio de 1989 (cuja fotocópia junto também, bem como das informações e pareceres que lhe são anexos).
Compulsando os documentos constantes do processo (designadamente os já acima citados) concluí que:
Foi elaborado um projecto de decreto-lei que visava revalorizar as carreiras do pessoal não docente dos organismos e serviços dependentes da Direcção-Geral do Ensino Superior e que regularia, adequadamente, a situação destes elementos;
Porém, sobre esse projecto, foram emitidos pareceres desfavoráveis da Direcção-Geral da Administração Pública e da Direcção-Geral da Contabilidade Pública, e, em concordância com estes, exarado despacho de S. Ex.° o Secretário de Estado do Orçamento.
A verdade, porém, é que, com a publicação do Decreto-Lei n.° 223/87, de 30 de Maio, se gerou entre o pessoal não docente das escolas não superiores e superiores, uma situação de disparidade:
Tal situação pode ser exemplificada com o facto de que, enquanto algumas categorias, nomeadamente as de chefe dos Serviços de Administração Escolar e de Pessoal de Apoio Educativo, foram revalorizadas nas escolas não superiores, tal não sucedeu em relação às correspondentes categorias tas escolas superiores;
E é especialmente flagrante, no caso das ex-escolas do magistério primário, transformadas em escolas superiores de educação, e do pessoa) que transitou das primeiras para as segundas.
Página 224
224
II SÉRIE-C — NÚMERO 33
Nestes termos e pelo exposto, porque não vislumbro razões que justifiquem que o pessoal não docente das escolas superiores tenham regime profissional e situação remuneratória inferiores aos do semelhante pessoal das escolas preparatórias e secundárias, entendo, no uso da competência que a lei me atribui, dever recomendar a V. Ex.* que se digne providenciar para que seja encontrada uma solução justa para o enquadramento funcional do pessoal em causa — se necessário, mediante estudo conjunto do Ministério da Educação e Ministério das Finanças, seguido da publicação de diploma legal adequado.
A S. Ex.' a Secretária de Estado Adjunta e do Orçamento.
23 de Junho de 1992. Processo: R-1470/90.
Recomendação [Lei n.° 9/91, de 9 de Abril, artigo 20.°, n.° 1, alínea o)J
1 — Como é do conhecimento de V. Ex.*, pende na Provedoria de Justiça um processo relacionado com uma queixa, da qual oportunamente enviei fotocópia e na qual são suscitadas algumas questões relativamente à figura de interinidade.
2 — Tendo sido solicitados esclarecimentos ao Gabinete de V. Ex." foi-me enviado o ofício n.° 4385, de 10 de Dezembro de 1990, que se junta por fotocópia e que, a meu ver, não responde às questões colocadas, designadamente ao que se refere à abolição da interinidade.
3 — Analisado o Decreto-Lei n.° 427/89, de 7 de Dezembro, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo Decreto-Lei n.° 407/91, de 17 de Outubro, na parte que respeita às situações de interinidade (artigo 36.°), concluí que:
a) A figura da interinidade, como forma de nomeação precária e transitória que era, foi abolida, subsistindo, apenas, as nomeações interinas existentes à data da entrada em vigor do Decreto--Lei n.° 427/89 e até que se verifique uma das seguintes causas de extinção e só estas:
Termo do seu prazo;
Regresso do titular do lugar com reocupação deste;
b) O tempo de serviço prestado em situação de nomeação interina desde que seguida de nomeação definitiva no lugar e desde que sem interrupção de funções ou com interrupção inferior a 60 dias releva para efeitos de antiguidade na categoria e na carreira;
c) A realização do estágio nos casos em que legalmente é exigido não se considera interrupção de funções, pelo que o tempo de interinidade prestado antes do seu início conta para efeitos de antiguidade na categoria em que o funcionário estava provido interinamente, se o mesmo vier a ser nela definitivamente nomeado;
d) Durante o estágio o funcionário provido interinamente na categoria a que o mesmo se destina pode optar pela remuneração correspondente ao cargo que desempenhava em regime de interinidade;
e) Não é dispensada a realização do estágio aos indivíduos que já vinham desempenhando em regime de interinidade as funções da categoria a que o estágio se destina.
4 — Verifica-se, assim, que a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.° 407/91, de 17 de Outubro, apenas solucionou a questão da remuneração durante o período de estágio.
Não acautelou, porém, um outro aspecto — também de fundo e tão importante quanto aquele — qual seja o da dispensa total ou parcial (conforme o tempo na situação de interinidade) do estágio para quem já vem desempenhando as funções da categoria a que aquele se destina.
5 — O regime vigente não deixa de suscitar algumas reservas, além do mais por não ser curial a realização de um estágio para uma determinada categoria por parte de quem vem desempenhando as funções próprias dessa categoria, há algum tempo (que pode ser de anos), e que até, eventualmente, já foi classificado pelo exercício das mesmas.
6 — E é também injusto, se se tiver em consideração que o estágio nas carreiras para quem o mesmo é legalmente exigido foi dispensado ao pessoal que à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 427/89, se encontrava em situação irregular (cf. artigo 38.°, n.° 4).
Se a razão de ser desta dispensa para o pessoal em situação irregular assentou, eventualmente, no facto de já ter três anos no exercício das funções, idêntica exigência poderia ter sido imposta aos funcionários que se encontrassem nomeados interinamente em categorias para as quais é legalmente exigido estágio.
E não pode invocar-se, contra a adopção de idêntica medida para os funcionários providos interinamente, o argumento de que aquelas situações irregulares se esgotaram com o Decreto-Lei n.° 427/89. É que as situações de interinidade, atenta a abolição desta do regime da função publica, tendem também a esgotar-se a curto prazo.
7 — Por estas razões, afigura-se ser deficiente a actual legislação relativa às situações de interinidade, pelo que se torna necessário proceder à sua alteração, o que impõe a publicação de medida legislativa adequada.
8 — Nestes termos e ao abrigo da alínea b) do n.° 1 do artigo 20.° da Lei n.° 9/91, de 9 de Abril formulo a V. Ex.* a seguinte recomendação:
Que seja elaborada medida legislativa adequada, com vista a dispensar da realização do estágio (total ou parcialmente, consoante o tempo de interinidade) os funcionários que, providos interinamente em categorias para cujo ingresso seja exigido estágio, venham a ser nestas definitivamente nomeados.
9 — Agradeço a V. Ex.° se digne transmitir-me o seguimento que a presente recomendação vier a merecer.
A S. Ex.* o Presidente da Assembleia da República.
23 de Junho de 1992. Processo: R-999/84.
Página 225
22 DE SETEMBRO DE 1994
225
Recomendação [Artigo 20.°, n.° 1.° alínea a), da Lei n.° 9/91, de 9 de Abril]
1 — Conquanto o provedor de Justiça deva enviar, anualmente, à Assembleia da República, um relatório da sua actividade, ao abrigo do disposto no n.° 1 do artigo 23." da Lei n.° 9/91, de 9 de Abril, a sua lei estatutária permite (n.° 5 do artigo 38.°) que exponha fundamentadamente ao órgão de soberania ao qual mais estreitamente está ligado, numa perspectiva institucional, as suas tomadas de posição acerca de assuntos relevantes, quando os mesmos não hajam sido acolhidos pelas entidades públicas a quem foram transmitidos.
E o que sucede em relação à presente exposição, merecedora, ao que parece, de atenção especial.
2 — Em várias queixas dirigidas à Provedoria de Justiça — a primeira das quais remonta a 1978 e deu lugar à instauração do processo n.° 78-R.1879 e a última a 1986, (processo R. 2737/86) —, aduziram, essencialmente, os redamantes, funcionários da antiga administração ultramarina, em Angola, não lhes ter sido considerado relevante, logo não contado, para efeitos de antiguidade, aposentação, direito a vencimentos ou outros, o tempo de serviço efectivo prestado no período posterior à independência daquele território (11 de Novembro de 1975), ao abrigo de Acordo de Pré-Cooperação, emanado do governo de transição de Angola (publicado no Boletim Oficial de Angola, 1." série, n.° 224, de 25 de Setembro de 1975) até ao regresso a Portugal e posterior ingresso no extinto quadro geral de adidos, ou desligamento do activo da função publica, para efeitos de aposentação.
3 — Não chegou, contudo, a ser efectivamente celebrado e ratificado acordo de cooperação entre o Estado sucessor (República Popular de Angola) e Portugal, por vicissitudes políticas e diplomáticas conjunturais, motivadas pela independência do novo Estado de Angola e pelo período pós-revolucionário a Abril de 1974, acordo que visava, primacialmente, a protecção dos cidadãos portugueses que preferissem, por razões pessoais ou familiares, continuar a trabalhar no território de Angola após a proclamação da independência.
4 — Nesse período conturbado, o Estado Português tão--somente prestou protecção aos funcionários portugueses que se encontravam nos territórios das ex-colónias à data da independência dos novos Estados, concedendo-lhes a faculdade de, ao abrigo dos Decretos-Leis n.os 23/75, de 22 de Janeiro, e 294/76, de 24 de Abril, ingressar no quadro geral de adidos, uma vez que viessem a residir posteriormente em Portugal.
5 — E só muito mais tarde, já em 9 de Fevereiro de Í979, a Lei n.° 6/79 aprovou, para ratificação, o Acordo Geral de Cooperação, em 26 de Junho de 1978, entre a República Portuguesa e a República Popular de Angola, o qual, como se mostra legalmente adequado, apenas resultou aplicável às relações de trabalho de nacionais dos dois países signatários que, na data de celebração do Acordo, se encontrassem a exercer a respectiva actividade profissional, que não em data anterior.
6 — Diversamente, porém, se passaram as coisas em Moçambique, onde foi prestada a devida tutela jurídica aos funcionários nacionais, primeiramente através do Acordo celebrado entre o Estado Português e a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), assinado em 7 de Maio de 1975, e depois pelo Acordo Geral de Cooperação, aprovado pelo Decreto n.° 692/75, de 12 de
Dezembro, assinado em Lourenço Marques, em 2 de Outubro de 1975.
7 — No desenvolvimento da instrução dos processos instaurados neste órgão do Estado, foi feito valer junto da administração responsável — Secretaria de Estado da Reforma Administrativa, Administração Pública; Orçamento e Ministério dos Negócios Estrangeiros — o entendimento de que, embora não existisse qualquer disposição legal que previsse e regulasse a situação em causa, deveria, em consequência, ser emitida providência legislativa no sentido de salvaguardar os interesses dos cidadãos portugueses que efectivamente exerceram funções em Angola após a independência, designadamente no que diz respeito à contagem de tempo de serviço aí exercido, para efeitos de aposentação, desde que estes tenham vindo a ingressar no quadro geral de adidos.
8 — Tal entendimento estribou-se, fundamentalmente, nas seguintes razões factuais e jurídicas:
a) O Acordo de Pré-Cooperação, ou Protocolo de Acordo do Cooperante, de 25 de Setembro de 1975, previu no artigo 3." que o mesmo viesse a ser assinado pelo Governo de Angola na data da independência e posteriormente ratificado pelos órgãos competentes;
b) Os funcionários portugueses que trabalhavam em Angola, à data da independência, foram repetidamente instados a permanecer no novo Estado, com a promessa de futura concessão de «estatuto» e regalias de cooperantes;
c) Tais expectativas, nas quais os funcionários ultramarinos legitimamente confiaram, na sequência da publicação do Acordo de Pré-Cooperação, são merecedoras de protecção jurídica (artigo 266.° da Constituição), razão por que o Estado Português, para as não defraudar ilegitimamente, haveria de ter celebrado, no momento temporalmente adequado, Acordo de Cooperação com a República Popular de Angola, à melhança do que ocorreu em relação ao Estado sucessor de Moçambique.
9 — Com base nesta lógica argumentativa, chegou a ser emitida, formalmente, recomendação pelo provedor de Justiça, em 25 de Outubro de 1979, ao então Secretário de Estado da Administração Pública, o qual, por despacho de 20 de Março de 1980, veio a anuir àquela recomendação, visando a finalidade já atrás relevada, no sentido da emissão de providência legislativa adequada no caso.
10 — Ulteriormente, a Secretaria de Estado da Administração Pública procedeu, em conjunto com outras instituições, designadamente, a Caixa Geral de Aposentações e Ministério dos Negócios Estrangeiros, aos estudos preliminares preparatórios da providência legislativa predicada, estudos que se prolongaram por vários anos, sem qualquer resultado positivo ou conclusivo.
11 — Mais recentemente, após várias e sucessivas insistências junto da Secretaria de Estado do Orçamento, com tutela da função pública, no sentido do desbloqueamento da situação, veio aquela Secretaria de Estado, em «nota» elaborada a propósito, questionar a pretendida «medida legislativa», fundamentando-se, maiormente, nas seguintes razões:
a) A permanência dos funcionários nas ex-colónias, após a sua independência, traduzíu-se em acto voluntário dos mesmos, livremente assumido;
Página 226
226
II SÉRIE-C — NÚMERO 33
< b) A pretendida contagem de tempo de serviço, na antiguidade dos funcionários destinatários da medida, não tem subjacente qualquer expectativa
dos interessados de que o inverso se verificasse; c) Enfim, é desconhecido o universo a abranger por tal medida, logo é imprevisível o montante dos encargos financeiros decorrentes.
12 — A mencionada «nota», sobre a qual recaiu despacho de concordância de S. Ex.* a Secretária de Estado do Orçamento de 10 de Setembro de 1990, não se mostra lógica e juridicamente aceitável, quer em relação aos fundamentos em que assentou quer à conclusão a que conduziu.
13 — Com efeito, não pode ser escamoteada a circunstância, positiva, de haver sido celebrado acordo de pré-cooperação, que criou expectativas, legitimamente fundadas, de que o Acordo de Cooperação deveria ser posteriormente celebrado, dando cobertura legal à actividade profissional dos cooperantes no período pós-independência.
14 — Por outro lado, noutra perspectiva, as razões práticas não devem prevalecer sobre as substanciais, sendo certo que, no caso em apreço, pode ser mensurável o universo dos funcionários «cooperantes» destinatários da pretendida medida (certamente não muito amplo em termos numéricos) e, por outro lado, não devem resultar muito expressivos os encargos financeiros respectivos, atinentes a período temporalmente reduzido.
15 — Na linha das considerações expostas, continuo a julgar pertinente e adequada, nas circunstâncias descritas, a emissão de «providência legislativa» que reconheça, para todos os efeitos legais, o tempo de serviço prestado em Angola, após a independência e até à integração no extinto quadro geral de adidos para funcionários vinculados ao Estado Português.
É o que tenho a honra de levar à consideração de V. Ex.°, para os efeitos convenientes.
A S. Ex.a ó Ministro da Saúde.
18 de Maio de 1992 Processo: R-736/88.
. Recomendação
[Lei n.° 9/91, de 9 de Abril, artigo 20.°, n.° 1, alínea a)]
1 — Imediatamente após a publicação do Decreto-Lei n.° 90/88, de 10 de Março, vários organismos representativos da classe médica solicitaram intervenção ao provedor de Justiça relativamente à aplicação desse diploma aos médicos que tinham iniciado o internato complementar a partir de 1 de Janeiro.
2 — Estabelecendo o artigo 3.° desse decreto-lei a respectiva aplicação mesmo aos internos do internato complementar que iniciem ou hajam iniciado o internato a partir de 1 de Janeiro de 1988, não foram respeitadas as expectativas, existentes até à publicação, de manutenção do regime anterior, do qual decorria, designadamente, a garantia de colocação constante dos n.°* 5 e 6 do artigo 33.° do Decreto-Lei n.° 310/82, de 3 de Agosto.
3 — Tem entendido a jurisprudência, nomeadamente expressa em acórdãos do Tribunal Constitucional, que o
princípio da confiança é uma das bases do Estado de direito democrático, dele resultando deverem considerar-se fundadas as expectativas dos cidadãos resultantes do direito em vigor, na medida em que o seu desconhecimento
envolva particular onerosidade para estes.
Ora, é isso que, em meu entender, sucede no caso presente. Os médicos em questão confiaram, ao ingressar no internato complementar, na garantia de colocação constante da lei vigente quando o iniciaram.
E é decerto especialmente onerosa, para eles, a perda dessa garantia de colocação.
Nestes termos — e independentemente da posição que possa vir a tomar acerca do problema da possível inconstitucionalidade da norma em causa — entendo dever recomendar a V. Ex.°, ao abrigo do disposto nos artigos 20."
e 38.° da Lei n.° 9/91, de 9 de Abril, a publicação de
legislação que altere o artigo 3." do Decreto-Lei n.° 90/88, de 10 de Março, de modo que o mesmo só abranja os internos do internato complementar que iniciaram o internato a partir de 15 de Março de 1988 (data da sua entrada em vigor).
1.4. Resumos de processos anotados
Processo n.° R-954/93
Assunto: Trabalho na função pública. Objecto: Reintegração no quadro de militar dele afastado. Decisão: Foi emitida recomendação. A recomendação foi acatada. O processo foi arquivado.
Síntese
1 — O reclamante, capitão piloto aviador, e após os acontecimentos de 25 de Novembro de 1975, constituiu--se em deserção, pelo que foi abatido aos quadros permanentes conjuntamente com outros camaradas seus.
2 — Todos os seus camaradas foram reintegrados, à excepção do reclamante.
3 — Após várias insistências junto da Força Aérea e do Ministério da Defesa, foi emitida recomendação ao Ministério da Defesa Nacional, o qual a acatou.
Processo n.a R-2699/87
Assunto: Segurança social. Acidente de serviço. Cálculo da pensão.
Objecto: Momento a que se deve atender para a contagem
de tempo para a aposentação. Decisão: Foi emitida recomendação. A recomendação foi
acatada.
1 — A direcção regional de Lisboa do Sindicato dos Trabalhadores da Administração Local, com base num caso concreto, colocou a questão do cálculo da pensão de aposentação extraordinária, por acidente de serviço com base no artigo 54.° do Estatuto de Aposentação, no sentido do cálculo se reportar à data do acidente e não à data do pedido de pensão.
2 — Formulada recomendação ao Secretário de Estado do Orçamento, este acatou a referida recomendação no sentido de que ela deveria ser tida em conta quando se proceder ao ajustamento do Estatuto da Aposentação, o processo foi arquivado.
Processo n.9R-1053/88
Assunto: Trabalho na função pública.
Página 227
22 DE SETEMBRO DE 1994
227
Objecto: Tratamento igualitário aos vários funcionários na
apreciação da mesma situação. Decisão: Recomendação emitida e acatada. O processo foi
arquivado.
Síntese
1 — Ao reclamante funcionário dos CTT foi aplicada uma pena de multa por não obediência a um seu superior. De tal decisão interpôs recurso hierárquico a que não foi dado provimento.
2 — Em pena idêntica e por igual motivo foi condenado um seu colega. Tendo este interposto recurso hierárquico, foi este atendido.
3 — Face a esta dualidade de critérios, pretende o reclamante ver revogada a sua pena.
4 — Após várias diligências o Sr. Provedor de Justiça emitiu recomendação ao Secretário de Estado das Obras Públicas, Transportes e Comunicações.
5 — A recomendação foi aceite.
Processo n.oIP-20/88
Assunto: Violência policial. Objecto: Maus tratos infringidos por agente da PSP. Decisão: A intervenção foi procedente. O processo foi arquivado.
Síntese
1 — Por denúncia do jornal Tal & Qual sobre a morte de um cidadão por um agente da PSP na esquadra da Nazaré, o Sr. Provedor de Justiça mandou instaurar inquérito.
2 — O agente veio a ser condenado a pena de prisão efectiva pelos tribunais judiciais e à pena de suspensão decorrente de processo disciplinar.
Processo n.a R-2530/88
Assunto: Circulação rodoviária. Estrada em mau estado. Objecto: Estrada em mau estado devido a obras aí realizadas.
Decisão: Após insistência do Sr. Provedor de Justiça a Junta Autónoma de Estradas (JAE) efectuou o pagamento dos danos. O processo foi arquivado.
Síntese
1 — O reclamante sofreu um acidente de viação, em virtude de um buraco existente na estrada e resultante de obras aí realizadas.
2 — Primeiramente a JAE não assumiu a responsabilidade, vindo no entanto por diligência do Sr. Provedor de Justiça a pagar os danos que foram provocados.
Processo n.° R-2958/88
Assunto: Função pública. Concurso. Professores. Objecto: Exclusão da habilitação própria em concurso para professores.
Decisão: Reclamação procedente. Processo arquivado.
Síntese
1 — No exercício de funções docentes foi à reclamante reconhecida habilitação própria.
1 — Em concurso para professores do ensino secundário foi a reclamante deste excluído.
3 — Face a insistências da Provedoria de Justiça e com base num acórdão do Supremo Tribunal Administrativo foi o pedido da reclamante atendido.
Processo n.° R-2997Í88
Assunto: Trabalho na função pública. Objecto: Greve na função pública. Piquetes de greve. Objecto: Foi emitida recomendação. A recomendação foi acatada. O processo foi arquivado.
Síntese
1 — SJTEMA — Sindicato dos Técnicos de Manutenção de Aeronaves queixou-se a esta Provedoria de Justiça de que o conselho de gerência da TAP-Air Portugal não respeitou a Lei da Greve ao emitir uma circular ilegal, em que não se permitia aos grevistas permanecerem nos seus locais de trabalho (excepto os dirigentes), tendo recorrido a outros trabalhadores para substituir os grevistas.
2 — Após diligências foi emitida recomendação com vista a possibilitar aos grevistas permanência nos seus locais de trabalho. A recomendação foi acatada. 0 processo foi arquivado.
Processo n.BR-1618/B9
Assunto: Atribuição de casas económicas. Objecto: Irregularidade no concurso de atribuição de casas económicas.
Decisão: Foi formulada recomendação. A recomendação não foi acatada. O processo foi arquivado.
Síntese
1 —O reclamante foi participante no concurso para atribuição.
2 — Das casas em questão, algumas foram atribuídas fora das regras e do prazo do concurso.
3 — Emitida recomendação tal não foi acatada em virtude de o Governo Regional da Madeira não ir atribuir mais casas em virtude das obras de ampliação do Aeroporto do Funchal.
Processo n.8R-2052/89
Assunto: Trabalho eventual na função pública.
Objecto: Actualização da remuneração pela prestação de serviços efectuada.
Decisão: A decisão foi procedente. O processo foi arquivado.
Síntese
1 — O médico em causa não via a sua remuneração actualizada há três anos e descontava para a Caixa Geral de Aposentações (CGA), tendo já descontado para a segurança social.
2 — Face à intervenção da Provedoria de Justiça a sua remuneração foi actualizada com efeitos retroactivos. Igualmente cessaram os seus descontos para a CGA, tendo-lhe sido restituídas as anteriores quotas pagas.
Processo n.°R-208S/39
Assunto: Urbanismo e obras. Objecto: Obras ilegais.
Decisão: O assunto foi resolvido. O processo foi arquivado.
Síntese
l — A Junta de Freguesia do Forte da Casa veio queixar-se de que um morador continua a construir ilegalmente, apesar de as obras terem sido embargadas.
Página 228
228
II SÉRIE-C — NÚMERO 33
2—Após insistência a Câmara Municipal de Vila Franca de Xira informou que a situação já se encontra resolvida. O processo foi arquivado.
Processo n.» 2376789
Assunto: Direitos fundamentais. Ambiente. Objecto: Construção de exploração suinícola junto a casa de habitação.
Decisão: A reclamação foi aceite. O processo foi arquivado.
Síntese
1 — Construída uma exploração suinícola junto à casa da reclamante, foi por esta pedido o encerramento da mesma por motivos de saúde.
2 — Após várias insistências foi a referida exploração definitivamente encerrada.
Processo n.9 R-2391/B9
Assunto: Trabalhador da administração local. Contrato a prazo.
Objecto: Pagamento a funcionário da administração local
de acordo com a categoria profissional. Decisão: Foi emitida recomendação. A recomendação foi
acatada. O processo foi arquivado.
Síntese
1 — O reclamante comprou uma fracção autónoma correspondente a um lugar de garagem. Os Serviços Municipalizados de Aveiro cobraram ao proprietário uma taxa de esgotos, não havendo assim nenhuma prestação de serviço público.
2 — Foi emitida recomendação no sentido de ser posto termo à cobrança da taxa de conservação e de serem restituídas todas as importâncias ilegalmente arrecadadas.
3 — A recomendação foi acatada. Não foram devolvidas as importâncias, em virtude de o reclamante não querer tal reposição. O processo foi arquivado.
Processo n.*R-2753/91
Assunto: Actividade bancária.
Objecto: Reclamação contra actividade bancária
Decisão: O pedido procedeu. O processo foi arquivado.
Síntese
1 — O queixoso reclamou da Caixa Geral de Depósitos, em virtude de esta não se ter feito representar na celebração de uma escritura.
2 — Após diligências da Provedoria da Justiça, a Caixa Geral de Depósitos reembolsou o queixoso da quantia por este dispendida.
Processo n.» R-2844/91
Assunto: Segurança social. Pensão de sobrevivência.
Objecto: Atribuição de pensão de sobrevivência, com base em alteração legislativa.
Decisão: Reclamação procedente. A recomendação foi acatada.
Síntese
1 — O queixoso requereu, por morte da sua esposa, uma pensão de sobrevivência. A pensão foi-lhe denegada. Face a posterior alteração legislativa, o queixoso pretende ver recuperar o seu pedido.
2 —: Foi feita recomendação ao Sr. Primeiro-Ministro no sentido de, em idênticas situações futuras, dever ficar
expressa a recuperação oficiosa dos pedidos anteriormente apresentados.
3 — A referida pensão já foi atribuída ao queixoso. A recomendação foi acatada.
Processo n.° R-3668/91
Assunto: Administração Pública. Objecto: Infracção à lei da caça. Amnistia. Decisão: A reclamação foi procedente. O processo foi arquivado.
Síntese
1 — Por infracção à lei da caça foram os reclamantes condenados em processo judicial.
2 — Em virtude da Lei da Amnistia (Lei n.° 16/86), vieram os reclamantes requerer todos os seus documentos de caça. O Tribunal da Relação deu-lhes razão.
3 — Por intervenção do Sr. Provedor de Justiça a Direc-ção-Geral das Florestas atendeu o pedido dos reclamantes.
Processo n.»R-479/91
Assunto: Acidente de trabalho. Pensão de acidente. Objecto: Actualização de pensões resultantes de acidente de trabalho.
Decisão: Reclamação procedente. Situação não regularizada. O processo foi arquivado.
Síntese
1 — A reclamante ficou sem o polegar direito durante o trabalho. A sua desvalorização foi inferior a 30%.
2 — Face à actual legislação nada há a fazer no tocante à sua possível actualização.
3 — Foi recomendado ao Governo a revisão do sistema legal.
Processo n.° R-902/91
Assunto: Negociação salarial. Sindicato. Objecto: Ruptura das negociações sindicais referente a negociação salarial. Decisão: Pedido procedente. O processo foi arquivado.
Síntese
1 — O Sindicato dos Técnicos de Informação e Comunicações Aeronáuticas veio reclamar da ANA-EP, em virtude de esta não ter procedido ao aumento salarial dos
trabalhadores seus associados.
2 — Do referido aumento salarial só beneficiaram os trabalhadores dos outros sindicatos.
3 — Entende o referido Sindicato ter sido violado pela ANA-EP, os princípios da igualdade, o da não ingerência na actividade sindical, e o da boa fé negocial.
4 — Após diligências da Provedoria de Justiça, a ANA-EP, decidiu aplicar a todo o pessoal as alterações remuneratórias, incluindo os membros do SINTICA.
Processo n.*R-578/91
Assunto: Administração Pública. Atendimento público.
Objecto: Exigência por parte dos TLP da retenção do bilhete de identidade dos visitantes enquanto permanecessem nas instalações da empresa
Decisão: Reclamação procedente. Situação regularizada. Síntese
1 — Um cidadão reclamou junto do provedor de Justiça contra os Telefones de Lisboa e Porto, E. P., pelo facto
Página 229
22 DE SETEMBRO DE 1994
229
de lhe ter sido retido o bilhete de identidade durante a permanência, como visitante, nas suas instalações.
2 — Contactada a empresa, escusou-se ela com os seus normativos internos, bem como com a geral actuação no mesmo sentido de organismos oficiais.
3 — Confrontada com o teor do artigo 3.° do Decreto-Lei n.° 64/76, de 24 de Janeiro, que proíbe a qualquer entidade pública ou privada a retenção de bilhete de identidade válido, veio a empresa pública em questão excluir expressamente o bilhete de identidade dos documentos sujeitos a retenção.
4 — Solucionada a situação geradora da queixa, foi determinado o arquivamento do processo.
Processo n.» R-2371/90
Assunto: Administração local. Responsabilidade civil. Objecto: Reparação dos danos causados em propriedade
privada pela TELECOM. Decisão: Reclamação procedente. Situação regularizada.
Síntese
1 — Um cidadão residente em Odivelas apresentou queixa ao provedor de Justiça pelo facto de funcionários da TELECOM, ao procederem a trabalhos nas instalações telefónicas, terem penetrado numa propriedade sua, sita em Pedrógão Grande, destruindo as culturas que aí tinha. Já tinha apresentado reclamação à empresa, oferecendo-lhe esta a compensação de 1000$, como contra-proposta à de 20 000$ apresentada pelo reclamante.
2 — Contactado o departamento responsável da TELECOM, veio o conselho de administração desta empresa apresentar as explicações oportunas, referindo ter sido autorizada a realização dos trabalhos por familiares do reclamante e comprometendo-se a alcançar um acordo aceitável para ambas as partes.
3 — Finalmente veio o reclamante a informar ter-lhe sido paga a quantia de 18 000$, após negociação com representantes da TELECOM. Em vista de tal, foi determinado o arquivamento do processo.
Processo n.BR-713/91
Assunto: Segurança social. Desemprego. Subsídio de desemprego. Reposição.
Objecto: Reposição do subsídio de desemprego alegada e indevidamente recebido por o beneficiário continuar colectado como trabalhador independente.
Decisão: Reclamação procedente. Situação regularizada, embora por ordem de motivos diversa da alegada pelo provedor de Justiça.
Síntese
1 — Um cidadão reclamou junto do provedor de Justiça contra a exigência de reposição de 435 600$, relativos a subsídio de desemprego alegadamente indevido, feita pelo Centro Regional de Segurança Social de Setúbal. Queixava-se ainda da falta de resposta desta entidade a exposição que lhe tinha dirigido.
2 — 0 reclamante era trabalhador por conta de outrem, tendo-se despedido em Maio de 1986, ao abrigo do artigo 3." do Decreto-Lei n.° 7-A/86, de 14 de Janeiro. Recebeu o subsídio de desemprego desde Julho daquele ano a Outubro de 1987.
3 — Em Março de 1988, o Centro Regional de Segurança Social de Setúbal enviou-lhe uma guia de reposição dos valores recebidos, sem qualquer fundamentação.
4 — Entregue uma exposição na entidade referida, solicitando uma explicação, só seis meses depois foi justificada a reposição por o beneficiário ser trabalhador independente desde Janeiro de 1985.
5 — Na verdade, o reclamante tinha iniciado, complementarmente à sua situação de trabalhador por conta de outrem, a actividade de mediação de seguros, como tal sendo colectado. No entanto tal actividade foi sempre de carácter esporádico, tendo sempre auferido baixíssimos valores anuais em comissões (30 189$ eml986 e 36 412$ em 1987).
6 — Após a análise da situação, o provedor de Justiça dirigiu recomendação à entidade visada, no sentido de ser anulada a ordem de reposição, por a actividade do queixoso como mediador de seguros não preencher o conceito de profissionalidade, atentos aliás, os seus fracos proveitos, demonstrativos da falta de habitualidade, pelo que tal actividade seria esporádica e acidental, não afectando o escopo do subsídio de desemprego.
7 — A Direcção-Geral dos Regimes de Segurança Social entendeu não ser de acolher tal entendimento, exigindo a lei, a seu ver, uma situação de desemprego total e não parcial, independentemente dos montantes auferidos. No entanto, face ao disposto no artigo 41.°, n.°3, da Lei n.° 28/84, de 14 de Agosto, e no artigo 28.°, n.° 1, alínea c), do Decreto-Lei n.° 267/85, de 16 de Julho, dado ter-se já cumprido um ano sobre o recebimento das prestações em causa, entendeu-se ser de anular a ordem de reposição.
8 — Resolvida a situação concreta, foi determinado o arquivamento do processo, não sem antes se fazer notar à Direcção-Geral em causa a bondade da solução genérica defendida pelo provedor de Justiça.
Processo n.» R-748/92
Assunto: Habitação. Fornecimento. Electricidade. Objecto: Forma de pagamento de uma factura de elevado
valor, resultante da ausência de leitura dos consumos
durante vários anos. Decisão: Situação regularizada.
Síntese
1 — Uma senhora, empregada doméstica, apresentou reclamação contra a EDP, por esta lhe ter apresentado a pagamento uma factura de electricidade de 200 000$.
2 — Não contesta o valor da dívida já que, tendo-se dirigido aos serviços da empresa em causa, foi-lhe informado derivar tal da acumulação do consumo de cinco anos.
3 — Porém, atendendo à sua fraca condição económica, tendo um filho a cargo, é-lhe impossível satisfazer tal compromisso, pelo que lhe foram cortados os fornecimentos de gás e electricidade.
4 — A reclamante oportunamente solicitou o pagamento em prestações, o que lhe foi negado.
5 — Contactado o departamento comercial da EDP, foi--lhe representada a situação da reclamante, com expressa menção das dificuldades económicas da mesma.
6 — A EDP prontamente acolheu a sugestão de fraccionamento dos pagamentos, desde que cada prestação não fosse inferior a 25 000$, sendo restabelecido o fornecimento de electricidade no momento do primeiro pagamento.
7 — Resolvida a situação que o justificava, foi determinado o arquivamento do processo.
Processo n.9R-573/92
Assunto: Segurança social. Pensão de aposentação. Cálculo.
Página 230
230
II SÉRIE-C — NÚMERO 33
Objecto: Não contagem do tempo de serviço prestado na situação de reserva para o cálculo da pensão de aposentação.
Decisão: Reclamação procedente por motivos diversos do alegado pelo reclamante. Situação regularizada.
Síntese
1 — Um militar apresentou reclamação por não ter sido contado o tempo de 11 anos na situação de reserva, o que lhe parecia injusto, dado ter descontado, durante esse período, para a Caixa Geral de Aposentações.
2 — Mais informava ter sofrido um acidente em serviço, pelo qual foi considerado incapaz para todo o serviço militar.
3 — Questionada a Caixa Geral de Aposentações quanto a inclusão deste último elemento no cálculo da pensão, veio esta a informar ter procedido à alteração do montante da pensão, com retroactivos, tomando em consideração o referido acidente em serviço.
4 — Em face de tal, foi determinado o arquivamento do processo.
Processo n.9R-435/92
Assunto: Comunicações. Telefones. Instalações. Cancelamento.
Objecto: Retirada de instalações da TELECOM, servindo moradias vizinhas, da residência do reclamante.
Decisão: Reclamação procedente. Situação regularizada pela TELECOM.
Síntese
1 — Um cidadão residente em Benavente queixou-se ao Provedor de Justiça de, tendo-se queixado à TELECOM dos incómodos causados por frequentes intrusões na sua residência por motivo de reparações e manutenção de instalações telefónicas de vizinhos seus, não ter obtido desta empresa qualquer resposta, decorridos que iam três meses.
2 — Da residência do reclamante partiam as linhas telefónicas que serviam sete vizinhos seus. Para reparação das avarias ocorridas nessas linhas, os funcionários da TELECOM violavam repetida e frequentemente a privacidade do reclamante.
3 — Oficiada a empresa, através do seu provedor do cliente, veio a ser satisfeita a pretensão do reclamante, com a retirada das instalações telefónicas em causa, motivo pelo qual o processo foi arquivado.
Processo n." R-3003/92
Assunto: Trabalhadores da função pública. Direitos sindicais.
Objecto: Não disponibilização, por parte da administração do Hospital de São Francisco Xavier, de local para funcionamento de assembleia de voto de sindicato representativo de trabalhadores da função pública.
Decisão: Reclamação procedente. A situação foi regularizada por mediação do provedor de Justiça.
Síntese
1 — O Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública do Sul e Açores queixou-se ao provedor de Justiça da recusa do conselho de administração do Hospital de São Francisco Xavier em disponibilizar um local para funcionamento de uma mesa de voto para as eleições dos seus corpos gerentes, a 26 de Novembro de 1992.
2—Alegava o Hospital serem as suas instalações exíguas, estando, além do mais, sobreocupadas com acções de formação e concursos de provimento. Contrapunha o Sindicato que pelo menos dois espaços adequados podiam ser disponibilizados.
3 — O provedor de Justiça dirigiu-se ao conselho de administração do Hospital de São Francisco Xavier, lembrando a necessidade de garantir o exercício dos direitos sindicais na função pública, de acordo com os imperativos constitucionais.
4 — Em resposta, o conselho de administração esclareceu ser verdadeiro o facto da disponibilidade de um dos espaços apontados pelo Sindicato, fazendo notar que, sendo um átrio de grande movimento, podia não possuir a dignidade necessária ao funcionamento da assembleia eleitoral.
5 — No seguimento desta correspondência, através de diligência directa do provedor-adjunto, foi obtida a concordância das duas partes para a realização do acto eleitoral no local em questão.
6 — Resolvida a questão a contento de ambas as partes, foi determinado o arquivamento do processo.
Processo n.9 R-368/92
Assunto: Caça e pesca. Reserva. Objecto: Destruição de culturas agrícolas por animais provenientes de reserva de caça. Decisão: Reclamação procedente. Situação regularizada.
Síntese
1 — Um rendeiro do Estado, com uma pequena exploração agrícola e ovícola, apresentou reclamação contra a existência de uma reserva de caça turística em terrenos confinantes, argumentando que os animais de caça lhe invadiam a sua exploração, causando prejuízos graves.
2 — Contactado o Gabinete de S. Ex.* o Ministro da Agricultura, veio este a informar ter contactado a autarquia municipal da área em causa, bem como a empresa cinegética exploradora da reserva, tendo esta procedido ao pagamento de uma indemnização ao reclamante.
3 — Regularizada a situação, foi determinado o arquivamento do processo.
Processo n.9 R-1914/91
Assunto: Contribuições e impostos. IRS. Devolução. Objecto: Excessiva demora na apreciação de reclamação
graciosa e devolução de IRS cobrado em excesso. Decisão: Reclamação procedente. Situação regularizada.
Síntese
1 — Uma empresa de consultadoria apresentou queixa contra a administração fiscal pela não devolução oportuna do excesso cobrado em sede de IRS, relativo a 1989, retido na fonte a uma sua prestadora de serviços.
2 — Por lapso da empresa em causa, foi preenchido o valor de 256 000$ onde devia estar escrito 25 600$, causando um excesso de cobrança no montante de 230400$.
3 — Feita a competente reclamação, em meados de 1990, foram confirmados os factos alegados por inspecção efectuada através do 14." Bairro Fiscal.
4 — Em 13 de Julho de 1992, nada tendo recebido, a reclamante queixou-se ao provedor de Justiça.
Página 231
22 DE SETEMBRO DE 1994
231
5 — Contactado o chefe de Repartição de Finanças do 14.° Bairro Fiscal de Lisboa, veio a apurar-se, após diligências pessoais junto do Departamento de Justiça Fiscal da Direcção Distrital de Finanças de Lisboa, ter esta Direcção concluído o exame do processo, dando ordem, em 10 de Novembro de 1992, ao SALR/DSCOB para a emissão do cheque à ordem do reclamante.
6 — Em menos de seis meses deu-se cabal satisfação à justa pretensão da reclamante, sendo determinado o arquivamento do processo.
Processo n." R-1193/92
Assunto: Contribuições e impostos. Processo de contribuições e impostos.
Objecto: Falta de resposta atempada da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos a pedido de esclarecimento vinculativo.
Decisão: Reclamação procedente. Situação regularizada.
Síntese
1 — Um gerente comercial apresentou reclamação ao provedor de Justiça por ausência de resposta, no prazo legalmente fixado, da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos a um pedido de esclarecimento vinculativo que lhe tinha dirigido.
2 — Esse pedido incidia sobre a sua responsabilidade subsidiária pelas dívidas fiscais da sociedade de que era gerente, sendo certo que deixaria de o ser em breve, com a consequente perda de controlo sobre o património da sociedade.
3 — Oficiada a Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, veio esta a comunicar ter, então, oito meses passados sobre o pedido de esclarecimento, transmitido ao reclamante o despacho do Ex."10 Sr. Director-Geral que tinha sido proferido a seu respeito.
4 — Solucionada a situação que lhe dera origem, foi determinado o arquivamento do processo.
Processo n.° R-730/91
Assunto: Trabalhador da função pública. Quadro de efectivos interdepartamentais. Ingresso. Professor.
Objecto: Integração de um professor universitário de nomeação provisória no quadro de efectivos interdepartamentais, para além do requerido pelo mesmo.
Decisão: Reclamação procedente. Situação regularizada.
Síntese
1 — Um professor catedrático de nomeação provisória apresentou reclamação ao provedor de Justiça pela sua integração no quadro de efectivos interdepartamentais, a seu ver ilegítima.
2 — Após um procedimento em que se discutia a sua nomeação por um novo biénio, procedimento esse que também mereceu a atenção do provedor de Justiça, o reclamante viu decidido a seu favor o recurso hierárquico necessário que tinha interposto, vendo garantida a sua manutenção na sua instituição de ensino.
3 — Por precaução, tinha também formulado pedido de integração no quadro de efectivos interdepartamentais, pedido esse que tinha ficado sujeito à condição resolutiva de provimento do recurso referido.
4 — Era, pois, com espanto que se via, simultaneamente, integrado no quadro de efectivos interdepartamentais e confirmado por mais um biénio na sua faculdade.
5 — Pedia a intervenção do provedor de Justiça, no sentido de ser revogada a sua integração no quadro de efectivos interdepartamentais.
6 — Oficiado o Secretário de Estado do Ensino Superior, veio o assunto a ser resolvido por despacho ministerial, dando satisfação ao pretendido pelo reclamante.
7 — Termos em que foi determinado o arquivamento do processo.
Processo n.° R-53/91
Assunto: Direitos fundamentais. Liberdades.
Objecto: Interdição de acesso a locais de jogo sem audição dos visados.
Decisão: Reclamação parcialmente procedente. Recomendação acatada.
Síntese
1 — Em 8 de Janeiro de 1991 foi formulada uma reclamação por parte de 62 pessoas alvo de medida impeditiva de frequência de determinado casino, por parte da Inspecção-Geral de Jogos.
2 — Alegavam os reclamantes a possível violação dos seus direitos fundamentais, por entenderem não terem violado o artigo 29.°, n.° 2, do Decreto-Lei n.° 422/89 (que especifica os casos de não admissão), bem como terem sido preteridas formalidades essenciais, como seja a audição prévia e a notificação da sanção aplicada.
3 — Contactado o Sr. Secretário de Estado do Turismo, veio este a apresentar informação da Inspecção-Geral de Jogos, contendo uma carta da administração do casino em questão, solicitando fundamentadamente a medida em causa por um ano. Mais constava da informação cópia de comunicação ao principal reclamante, em 22 de Janeiro, dando-lhe conta da possibilidade de consultar o processo ou dele requerer certidões.
4 — De novo se dirigiu ofício ao Sr. Secretário de Estado, indagando das razões da não audição prévia e da não notificação da sanção aos punidos.
5 — De imediato chegou a resposta desta entidade, esclarecendo ter-se julgado desnecessária a audição dos visados, atendendo ao facto da lei não prever qualquer formalismo e se tratar de medida profiláctica. Quanto à notificação, entendeu-se que a forma verbal seria suficiente, atendendo que de imediato foi dito aos queixosos que qualquer esclarecimento lhes seria prestado pela Inspecção-Geral de Jogos.
6 — A questão foi analisada nas duas vertentes da licitude material e formal da sanção aplicada.
7 — Quanto à primeira questão, não ficam dúvidas que a medida podia ter sido aplicada no caso concreto, não ferindo dispositivos constitucionais, atenta a especificidade da relação pretendida e do tipo de local cujo acesso ficava vedado.
8 — Quanto ao problema da regularidade formal, concluiu-se pela exigência constitucional de uma efectiva possibilidade de defesa no próprio procedimento, corroborada pelos Pareceres n.M 26/82, e 29/82, da Comissão Constitucional, e pelo Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, 1.* Secção, de 30 de Maio de 1975 (AD, xrv, p. 1510). Tal exigência terá cobertura constitucional nos artigos 32.° e 269°, n.° 3, da Constituição, como afirmado peio Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.° 142/85, com a expressa ressalva de não ser possível es-
Página 232
232
II SERIE-C — NÚMERO 33
tender tal protecção a todos e quaisquer actos desfavoráveis aos administrados. Finalmente, verificou-se que a forma de «notificação» aplicada não preenche os requisitos do artigo 268.°, n.° 3, da Lei fundamental.
9 — Em conformidade, foi dirigida, em 27 de Abril de 1992, recomendação ao Sr. Inspector-Geral de Jogos, fazendo censura à actuação seguida e recomendando que, em futuros casos, se dessem aos arguidos as necessárias garantias de defesa prévias à aplicação da medida, bem como que se notificasse adequadamente esta.
10— A recomendação foi acatada, de acordo com comunicação do seu destinatário de 5 de Maio de 1992, pelo que foi determinado o arquivamento.
Processo n.º R-510791
Assunto: Segurança social. Pensão de reforma. Objecto: Não pagamento de pensão de invalidez por
compensação com indemnização percebida por danos
materiais.
Decisão: Reclamação improcedente face à lei. Situação regularizada por razões de justiça social.
Síntese
1 — Um cidadão, incapaz de angariar meios de subsistência por acidente de viação, queixou-se ao provedor de Justiça da má situação económica em que se encontrava, fruto do esgotamento da indemnização recebida e da recusa do Centro Nacional de Pensões em proceder ao pagamento da pensão de invalidez já concedida.
2 — Oficiado aquele Centro, veio este a alegar com o disposto no artigo 16.° da Lei n.° 28/84, ficando o pagamento da pensão suspenso até se perfazer o montante da indemnização percebida pelo reclamante a título de danos patrimoniais, i. e., 2 000 000$, numa aplicação do critério casuístico retirado do foro nacional, de presumir dois terços da indemnização como relativos a danos daquele tipo.
3 — No entanto, mais referiu o Centro Nacional de Pensões não ser insensível a critérios de justiça social, razão pela qual iria proceder, através dos serviços da área de residência do reclamante, a um inquérito sobre as suas condições económico-sociais.
,4 — Após várias diligências, o centro regional de segurança social da área em questão veio informar ir o Centro Nacional de Pensões proceder de imediato ao início do pagamento da pensão.
5 — Sobrelevando assim as razões de justiça e de solidariedade sobre as da legalidade estrita, foi determinado o arquivamento do processo, após a devida e completa elucidação do reclamante.
Processo n.B R-2852/91
Assunto: Contribuições e impostos. Imposto complementar.
Cobrança. Anulação. Objecto: Não restituição de imposto indevidamente pago
e retenção de conhecimento de cobrança de imposto
complementar.
Decisão: Reclamação procedente. Situação regularizada.
Síntese
1 — Um contribuinte apresentou uma reclamação contra a. Tesouraria do 8.° Bairro Fiscal de Lisboa, por não ter procedido ao pagamento de um título de anulação de
imposto complementar, requerendo a apresentação do conhecimento de cobrança. Apresentado este, o reclamante queixou-se da sua retenção pela referida Tesouraria sem
qualquer recibo.
2 — Contactada a Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, após insistência, veio esta a informar ter enviado fotocópia autenticada do conhecimento em causa.
3 — Solucionada a situação sub judicio, foi determinado o arquivamento do processo.
Processo n.« R-2401/91
Assunto: Serviço militar. Amparo de família. Objecto: Concessão de dispensa do serviço militar obrigatório por motivo de amparo. Decisão: Reclamação improcedente. Situação regularizada.
Síntese
1 — Um cidadão a cumprir o serviço militar obrigatório queixou-se ao provedor de Justiça de lhe ter sido negado o benefício de amparo familiar.
2 — O reclamante viveu sempre na companhia de sua avó.
3 — No momento em que o reclamante foi sujeito à inspecção militar, entendeu o Exército não haver lugar ao amparo, já que, apesar da avançada idade da avó do reclamante, esta ainda trabalhava.
4 — Por via de agravamento da situação de saúde daquela, o reclamante voltou a requerer o benefício em causa, sucessivamente negado com o argumento de que não tinha ficado provada a data a partir da qual a incapacidade se
tinha tornado permanente.
5 — Contactado o chefe do Distrito de Recrutamento e Mobilização do Porto, veio o chefe de gabinete do General CEME a esclarecer a situação.
6 — Assim, o reclamante não tinha requerido o amparo no prazo fixado no artigo 7.°, alínea a), da Portaria n.° 94/ 90. Após o termo desse prazo, veio o reclamante apresentar requerimento extemporâneo.
7 — Para a viabilidade dessa pretensão, necessária seria a prova da superveniencia dos factos justificativos, prova essa que não resultava dos documentos apresentados.
8 — Contudo, tendo em atenção a intervenção de S. Ex.° o Provedor de Justiça, bem como os aspectos sociais melindrosos em causa, o Estado-Maior do Exército comprometeu-se a rever todo o processo, procurando dos elementos apresentados extrair a prova exigida pela portaria acima citada.
9 — Em vias de se solucionar a questão apresentada perante este órgão do Estado, foi determinado o arquivamento do processo.
Processo R-2767/91
Assunto: Habitação. Casa de Estado. Renda. Objecto: Anulação de despacho que reclamava o pagamento de rendas em atraso. Decisão: Reclamação procedente. Situação regularizada.
Síntese
1 — Um inquilino de habitação social propriedade do Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado queixou-se ao provedor de Justiça pelo facto de aquele Instituto pretender cobrar-lhe uma avultada
Página 233
22 DE SETEMBRO DE 1994
233
quantia, referente a alguns anos de rendas vencidas e não pagas, somada a penalização de 50 % do valor em divida.
2 — O reclamante baseou a sua reclamação no facto de as rendas em falta se reportarem a um período de tempo em que a casa estava atribuída à sua ex-companheira, encontrando-se o queixoso em situação de reclusão.
3 — Expostas as razões aduzidas, com as quais se concordara, ao Instituto acima referido, este veio a concordar com a ilegitimidade do reclamante, não lhe assacando qualquer responsabilidade, motivo pelo qual se procedeu ao arquivamento do processo.
Processo n.B R-1937/91
Assunto: Habitação. Telefone.
Objecto: Cobrança excessiva ao arrepio de benefício social auferido.
Decisão: Reclamação procedente. Situação regularizada.
Síntese
1 — Uma pensionista reclamou junto do provedor de Justiça contra os TLP, por estes, sem qualquer aviso, terem ignorado o benefício de 50 % de redução na taxa de aluguer, o que se traduziu num pagamento excessivo de 700$, já que a empresa exigiu o pagamento prévio a qualquer reexame do problema.
2 — A reclamante assegurou ter praticado pontualmente todos os actos condicionantes da atribuição do benefício em causa.
3 — Contactados os TLP, através do seu provedor do cliente, veio este, cinco meses depois, comunicar ter a empresa procedido ao crédito da importância indevidamente cobrada.
4 — Regularizada a situação que lhe subjazia, foi determinado o arquivamento do processo.
Processo n.9 R-1696/91
Assunto: Trabalhador da função pública. Horário. Terceiro--oficial.
Objecto: Concessão a reclamante do regime de horário de
trabalho em jornada contínua. Decisão: Reclamação procedente. Situação regularizada.
Síntese
1 —Uma funcionária terceiro-oficial apresentou uma queixa ao provedor de Justiça, alegando que tinha ingressado no quadro permanente civil do Exército em 1972, tendo ficado a prestar serviço na Repartição Geral/DSP/Estado--Maior do Exército e, mais tarde, transitado para a RPC.
2 — Entretanto passou a vigorar o horário rígido na Direcção do Serviço de Pessoal, contrariando o que tinha sido estabelecido em Janeiro de 1978, o que, na altura, dado ter uma filha de 3 anos de idade a frequentar o jardim-de--infância pertencente aos Serviços Sociais das Forças Armadas, cujo horário normal era das 8 horas e 30 minutos às 17 horas e 30 minutos e especial das 8 horas às 18 horas e 30 minutos, sendo este concedido a requerimento dos interessados mediante um agravamento na mensalidade de 10% pela manhã e de 10 % pela tarde, veio requerer ao RPC que lhe fosse autorizado optar pelo horário de trabalho em regime de jornada contínua, ao abrigo dos artigos 15." e 18.", n.° 2, do Decreto-Lei n.° 187/88, de 27 de Maio. Apenas lhe foi comunicado, verbalmente, que o seu requerimento tinha sido arquivado, sem mais.
3 — No seguimento das diligências efectuadas por este órgão do Estado, designadamente solicitando, por diversas vezes, esclarecimentos a S. Ex.* o Chefe do Estado-Maior do Exército sobre a possibilidade de concessão do referido regime de horário de trabalho em jornada contínua, dado estarem reunidos os seus pressupostos, esta entidade veio informar que tinha sido deferido o requerimento da reclamante, por tal regime de trabalho se adequar melhor à sua situação real.
4 — Perante tal posição do Estado-Maior, adequada à justa pretensão da reclamante, foi ordenado o arquivamento do processo.
Nota.—Os processos n" R-2335/91 e 2457/91 tratam de situações idênticas, com igual resolução.
Processo n.s R-1203/91
Assunto: Direitos fundamentais. Cultura. Bibliotecas e arquivos.
Objecto: Consulta de registos escolares de alunos da
Universidade de Coimbra nos séculos xvni e xix. Decisão: Situação regularizada.
Síntese
1 — Um investigador histórico solicitou a intervenção do provedor de Justiça face à ausência de resposta a um requerimento seu, feito ao reitor da Universidade de Coimbra, no sentido de lhe ser facultada cópia dos registos dos antigos alunos da Casa Pia de Lisboa que tivessem freqüentado a Universidade de Coimbra nos finais do século xvni e princípios do século xix.
2 — Após várias diligências escritas e telefónicas, foi sucessivamente alcançada a satisfação do pretendido pelo reclamante, primeiro quanto ao acesso aos documentos e depois quanto ao próprio tratamento da informação requerida .
3 — Estando a situação regularizada, foi determinado o arquivamento do processo.
Processo n.a R-120/91
Assunto: Trabalhado da função pública. Promoção. Actualização de vencimentos.
Objecto: Posicionamento de funcionários recém-promo-vidos na escala remuneratória.
Decisão: Reclamação procedente. Situação regularizada.
Síntese
1 — O Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública do Sul e Açores deu conhecimento ao provedor de Justiça de uma carta que tinha dirigido ao conselho de administração do Hospital de Horta, expondo a situação de três associados seus em situação irregular quanto ao posicionamento salarial.
2 — Esses três funcionários tinham sido recentemente promovidos a dietista de 1.* classe, técnico de car-diopneumografia de 1." classe e fisioterapeuta de 1." classe, respectivamente. Ora, a despeito de tal nomeação, tinham mantido o anterior índice remuneratório (100). Apontava--se como causa o não descongelamento de escalões, tendo como consequência a existência de funcionários a quem tinha sido aplicada solução diversa, consoante estivessem ou não integrados anteriormente no escalão 0.
Página 234
234
II SÉRIE-C — NÚMERO 33
3 — Contactado o Departamento de Recursos Humanos do Ministério da Saúde, veio este a informar ser do entendimento que os reclamantes deviam ser integrados no escalão 1, por aplicação do artigo 5.°, n.° 2, do Decreto-Lei n.° 203/90, de 20 de Junho.
4 — Transmitido o teor desta informação ao Secretário Regional da Administração Interna, veio a Administração Regional, através da Direcção Regional de Saúde, a comunicar ter reposicionado os funcionários em causa no escalão 1, índice 110.
5 — Solucionada a questão que lhe tinha dado origem, foi determinado o arquivamento do processo.
Processo n.9 R-1129/91
Assunto: Contribuições e impostos. Processo de contribuições e impostos. Penhora.
Objecto: A reclamante queixava-se de penhora de um terço do seu ordenado, por penhora da instituição credora de empréstimo para a aquisição da sua habitação.
Decisão: Situação regularizada.
Síntese
1 — Uma reclamante residente nos Açores expôs ao provedor de Justiça a situação aflitiva em que se encontrava, mercê do não pagamento atempado à Caixa Geral de Depósitos das prestações do empréstimo para a compra da sua habitação.
2 — Tendo comprado a habitação em causa, sita numa ribanceira junto ao mar, através do crédito hipotecário, a reclamante e o seu agregado familiar viram-se na contingência de a abandonar, em virtude de aluimentos na rocha que a suportava.
3 — A família da reclamante passou, então, a residir em habitação social.
4 — O marido estava desempregado e o salário da reclamante como funcionária de um lar sustentava ainda quatro filhos em idade escolar.
5 — Persuadida de que a ruína da habitação comprada com mútuo fazia desaparecer este, deixou de pagar as prestações devidas à Caixa Geral de Depósitos.
6 — Após alguns meses, através da sua entidade patronal, veio a saber da penhora de um terço do seu ordenado, para o pagamento de 780 000$ à Caixa Geral de Depósitos. Mais narrou a reclamante ter então sabido da execução da hipoteca sobre a sua anterior residência, que rendeu cerca de 5000$.
7 — Pretendia a reclamante o perdão da dívida ou, pelo menos, dos juros exigidos.
8 — Oficiou-se à Caixa Geral de Depósitos solicitando a melhor compreensão para a situação da reclamante, com um vencimento ilíquido de 56 000$ como único rendimento familiar, onde um desconto de um terço provocaria graves consequências.
9 — Finalmente, veio a Caixa Geral de Depósitos a perdoar os juros da dívida, considerando o empréstimo liquidado com o pagamento da quantia mutuada em singelo.
10 — Solucionada a situação a contento da reclamante, foi determinado o arquivamento do processo.
Processo n.9 R-2869/90
Assunto: Segurança social. Situações excepcionais. Subvenção mensal vitalícia.
Objecto: Recusa da Caixa Geral de Aposentações em aceitar a prova apresentada pelo reclamante para efeitos de atribuição da subvenção prevista na Lei n.° 26/89, de 22 de Agosto.
Decisão: Reclamação procedente. Situação regularizada.
Síntese
1 —Um cidadão participante na revolta do 18 de Janeiro de 1934 queixou-se ao Provedor de Justiça do facto da Caixa Geral de Aposentações lhe ter recusado a atribuição da subvenção vitalícia, criada pela Lei n.°26/ 89, de 22 de Agosto, para os intervenientes no movimento mencionado, sem a apresentação de documentos comprovativos. Alegava o reclamante ser tal prova muito difícil, quer por inexistência de documentos escritos, quer pela ausência da maior parte das testemunhas, entretanto falecidas. O único documento apresentado era o extracto da sua ficha na ex-PIDE/DGS, onde se fazia menção da sua detenção em finais de Janeiro de 1934 e da absolvição em Fevereiro seguinte. Mais constava dessa ficha um conjunto vário de prisões e condenações por actividades «subversivas».
2 — O argumento da Caixa Geral de Aposentações para recusar a atribuição da subvenção era o de a ficha policial em causa não conter expressa menção da participação no movimento do 18 de Fevereiro.
3 — Foi consultado o processo que tinha corrido termos contra o reclamante em tribunal militar especial, em Fevereiro de 1934, bem como realizada a audição de um conhecido participante no 18 de Fevereiro.
4 — De tais diligências apurou-se que o reclamante tinha sido absolvido por falta de provas. Entendeu-se ser compreensível que ele, à época, negasse a sua participação no movimento em causa, não deixando de ser certo ter estado preso, embora preventivamente e por curto espaço de tempo, em virtude do 18 de Janeiro de 1934. Toda a ficha da ex-PIDE/DGS apontava, aliás, no sentido de serem verdadeiros os factos alegados pela acusação no processo de Fevereiro de 1934.
5 — Também o participante nessa revolta, cuja actuação é pública e notória, assegurou que o reclamante tinha efectivamente tomado parte nessa acção.
6 — Em virtude de tais actos, oficiou-se à Caixa Geral de Aposentações, comunicando o que se tinha apurado e solicitando a revisão do processo.
7 — Em resposta, a entidade visada informou estar o assunto já regularizado por despacho governamental, tendo já sido iniciado o pagamento da subvenção em causa.
8 — Termos em que foi determinado o arquivamento do processo.
Processo n.° R-1956/91
Assunto: Segurança social. Deficiente. Deficiente das
Forças Armadas. Objecto: Indeferimento da promoção do reclamante ao
posto imediato, com base em deficiência contraída em
serviço.
Decisão: Reclamação procedente. Situação regularizada.
Síntese
1 — Foi apresentada reclamação por um militar da Armada pela sua não promoção ao posto imediato, verificados que estavam os seus pressupostos, com a justificação de ser deficiente físico, não sendo considerado deficiente das Forças Armadas.
Página 235
22 DE SETEMBRO DE 1994
235
2 — Tendo a deficiência em causa (ausência de um membro inferior) sido provocada em acto de serviço, entendia o reclamante não poder ser fonte de prejuízo para a sua situação militar.
3 — Exposta a situação ao Gabinete de S. Ex.* o Ministro da Defesa Nacional, veio este a informar ter-se reaberto o processo da promoção, visando a sua reanálise.
4 — Feita nova insistência, foi respondido ter o reclamante sido promovido ao posto imediato, com retroactividade ao momento em que a tal tinha direito.
5 — Satisfeita a pretensão do reclamante, foi determinado o arquivamento do processo.
Processo n.9 132/90
Sumário: Contribuições e impostos. Rendimento colectável. Objecto: Diversidade de avaliações de fracções autónomas,
mas exactamente iguais. Decisão: Reclamação procedente. Situação regularizada.
Síntese
1 — Foi recebida uma queixa nesta Provedoria contra a Repartição de Finanças de Santarém por ter efectuado duas avaliações de dois andares exactamente iguais, feitas em momentos quase coincidentes, com uma assimetria no cálculo do rendimento colectável atribuído em cerca de 50%.
2 — Foram solicitadas informações ao chefe da Repartição de Finanças de Santarém no sentido de apurar quais os critérios que estiveram na base da diversidade das avaliações das fracções, autónomas em causa, pois, após diligências várias, nomeadamente junto da Secretaria Notarial de Santarém, foi confirmado o exagero da 2.* avaliação.
3 — Não se tendo obtido resposta satisfatória daqueles serviços, foi pedido ao Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais que determinasse a revisão da avaliação do prédio em causa, ajustando-a a valores mais razoáveis e consentâneos com o objectivo da tributação real visado pelo Código da Contribuição Autárquica.
Em sequência, foi recebida informação de que por despacho do subdirector-geral da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, tinha sido determinado que fosse feita nova vistoria por um engenheiro da 8." Divisão de Serviços a fim de se corrigirem os valores de harmonia com o disposto no artigo 606.° do Código de Processo Civil.
Processo n.9 R-1513/91
Sumário: Trabalhador da função pública. Categoria. Aposentação.
Objecto: Equiparação de categorias, da qual resultou uma
categoria inferior à detida. Decisão: Reclamação procedente. Situação regularizada.
Síntese
1 — Um aposentado da Direcção dos Serviços de Trabalho e Segurança Social de Angola queixou-se ao provedor de Justiça por ter sido alvo de uma inferioriza-ção da categoria, resultante da equiparação derivada da Portaria n.° 334/85, de 1 de Junho, com a inerente diferença, para menos, no respeitante à pensão, solicitando que a mesma lhe fosse «rectificada».
2 — Foi solicitada à Direcção-Geral da Administração Pública informação relativa à pretendida «rectificação» da categoria que lhe foi entabelecida.
Após apreciação da questão colocada, veio aquele organismo a dar conta à Provedoria que a categoria de técnico superior-adjunto da direcção dos Serviços do Trabalho e Segurança Social de Angola iria ser equiparada, em cumprimento de orientação definida pelo Governo.
3 — Após insistências várias, veio, finalmente, a ser publicada a Portaria n.° 180/92, de 16 de Março, que equiparou efectivamente a categoria de técnico superior--adjunto à de técnico superior principal, regularizando casos como o do reclamante.
Verificando-se a satisfação da pretensão, foi determinado o arquivamento do processo.
Processo n.9 1538/90
Sumário: Trabalhador da função pública. Concurso. Vaga.
Objecto: Preterição ilegal num concurso interno condicionado para preenchimento de 16 vagas.
Decisão: Reclamação improcedente. Recomendação acatada.
Síntese
1 — Um agente fiscal apresentou em 3 de Julho de 1990 uma reclamação contra a Direcção-Geral de Inspecção Económica por entender ter sido preterido ilegalmente num concurso interno para preenchimento de 16 vagas na categoria de chefe de brigada, aberto por aviso publicado na Ordem de Serviço, n.° 34/89, de 31 de Outubro.
Quando da abertura do concurso o reclamante concorreu preferencialmente à vaga anunciada em Aveiro, não tendo prescindido de outras a ocupar.
Embora tendo obtido o 13." lugar na respectiva prova não foi colocado sem que tivesse sido consultado ou notificado.
2 — Ouvida a Direcção-Geral de Inspecção Económica, esta respondeu que considerava legal e correcta a não nomeação, dado que cada candidato só se candidatava aos locais de trabalho que indicasse no requerimento de admissão.
Para o lugar em causa foi nomeado um candidato posicionado em 4.° lugar.
3 — Verificou-se que improcedia a queixa apresentada, sem prejuízo de, atento o princípio da justiça, se reconhecer que nos casos como o do reclamante e antes de fazer o provimento do concorrente imediatamente a seguir na lista de classificação final, se deva consultar o interessado sobre se pretende qualquer outra localidade.
Por essa razão foi formulada uma recomendação no sentido de no «requerimento de admissão a concurso» ser substituída a fórmula «local de trabalho pretendido» por «local ou locais de trabalho pretendidos», com a menção de que devem ser indicados pela ordem decrescente de preferência.
A recomendação foi acatada por despacho de 10 de Fevereiro de 1991 do director-geral.
Processo n.9 R-1683/90
Sumário: Trabalhador da função pública. Provimento. Objecto: Retroacção na categoria de enfermeiro-chefe.
Atraso no procedimento. Decisão: Reelátnaçio procedente. Recomendação acatada.
Situação regularizada.
Página 236
236
II SÉRIE-C — NÚMERO 33
Síntese
1 — Em 18 de Agosto de 1990 foi apresentada uma reclamação contra a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa por uma enfermeira provida no lugar de enfermeira-chefe, que teria direito à retroacção na categoria, à semelhança de todas as subchefes de serviço de enfermagem regional e especificamente às da Santa Casa da Misericórdia, pelo que apresentou o competente requerimento para a contagem da antiguidade, que viria a ser determinada em sentido desfavorável à reclamante.
2 — Ouvida a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, esta respondeu que considerava legal e correcta a sua actuação, resultante da aplicação dos normativos legais ao caso aplicáveis.
3 — Compulsada e analisada a legislação referente à carreira de enfermagem, aplicável ao caso, foi àquela instituição dirigida uma recomendação para que fosse revista a situação da reclamante, de modo que a antiguidade na categoria lhe fosse contada a partir da data respectiva.
Em 30 de Março de 1992 foi comunicado que foi dado cumprimento à recomendação acerca da enfermeira em causa, pelo que, estando a situação resolvida, foi o processo arquivado.
Processo n.9 R-1774/89
Sumário: Segurança social. Pensão de velhice.
Objecto: Atraso no processo de atribuição de pensão de
invalidez, do qual resultou a substituição por pensão de
velhice.
Decisão: Reclamação procedente. Recomendação acatada. Situação regularizada.
Síntese
1 — Foi apresentada nesta Provedoria uma exposição onde a reclamante se queixa contra o atraso verificado no processo relativo à atribuição da pensão de invalidez que requereu junto do Centro Nacional de Pensões, do qual veio a resultar a substituição do pedido inicialmente formulado pela atribuição da pensão de velhice por ter atingido no entretanto a idade legal de reforma.
2 — Ouvida a comissão instaladora daquele Centro, considerou que o atraso se deveria imputar à beneficiária, dadas as diferentes moradas por esta indicadas, o que dificultou o seu contacto, provocando a demora na realização da junta médica.
Todavia, da análise do processo, cuja cópia foi enviada pelo Centro Nacional de Pensões, apenas constava informação da queixosa relativamente à sua mudança de residência.
Acresce que, em matéria de segurança social, sempre se deve dar mais relevância à verdade material do que a incidentes formais do processo.
3 —Em Agosto de 1992 foi formulada recomendação ao Secretário de Estado da Segurança Social no sentido de ser promovida a realização de uma comissão de verificação de incapacidades permanentes para que expressamente se pronuncie, perante os relatórios médicos constantes do processo clínico da beneficiária, e Qtttios elementos que considerar, sobre se a data da incapacidade não poderia ser reportada a momento anterior ao da inicial junta médica.
A recomendação foi acatada por despacho de 7 de Setembro de 1992 do Secretário de Estado da Segurança Social.
Processo n.9 R-1864/90
Sumário: Segurança social. Pensão provisória de reforma.
Objecto: Recusa de pagamento de pensão de reforma provisória. Dificuldade de interpretação dos artigos n.° 1, e 6.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 321/88, de 22 de Setembro.
Decisão: Reclamação procedente. Situação regularizada.
Síntese
1 — Uma professora de um estabelecimento de ensino particular dirigiu uma exposição a esta Provedoria, onde narrava o facto de após lhe ter sido concedida aposentação provisória a escola onde leccionava se recusou a fazer o seu pagamento, alegando que tal não lhe cabia, mas sim à Caixa Gera) de Aposentações. Por seu lado, a Caixa Geral de Aposentações sustentava que por aplicação do Decreto-Lei n.° 321/88, de 22 de Setembro, que aplica o Estatuto da Aposentação aos docentes do ensino particular e cooperativo, o pagamento da pensão provisória devia ser efectuado pelo estabelecimento de ensino em causa.
2 — Para esclarecimento do assunto foi pedido um parecer fundamentado ao Secretário de Estado do Orçamento.
A matéria foi alvo do Parecer n.° 122/90, do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, o qual foi homologado em 13 de Março de 1991, onde se concluiu do seguinte modo:
1) O regime instituído pelo Decreto-Lei n.° 321/88, de 22 de Setembro, relativamente ao «pessoal docente dos estabelecimentos de ensino não superior, particular ou cooperativo, devidamente legalizados», não comporta a situação de «desligado do serviço, ficando a aguardar aposentação» e a correspondente «pensão transitória de aposentação», a que se referem respectivamente os n.™ 2 e 3 do artigo 99.° do Estatuto da Aposentação;
2) O pessoal abrangido pelo Decreto-Lei n.° 321/88 tem direito a pensão de aposentação, a determinar e a pagar pela Caixa Geral de Aposentações, a partir do facto ou acto determinante da aludida aposentação, coincidente com o momento da cessação da relação de serviço.
3 — Em face das conclusões alcançadas foram solicitadas informações ao director-coordenador da Caixa Nacional de Aposentações, que informou ter regularizado todas as situações que se encontravam pendentes da resolução da questão em apreço, em cumprimento do parecer da Procuradoria-Geral.
Em 17 de Julho de 1992, é publicado o Decreto-Lei n.° 142/92, que veio resolver legislativamente situações deste tipo.
Processo n.» 1774/89
Sumário: Segurança social. Pensão de velhice.
Objecto: Atraso no processo de atribuição de pensão de
invalidez, do qual resultou a substituição por pensão de
velhice.
Decisão: Reclamação procedente. Recomendação acatada. Situação regularizada.
Síntese
1 —Foi apresentada nesta Provedoria uma exposição onde a reclamante se queixa contra o atraso verificado no
Página 237
22 DE SETEMBRO DE 1994
237
processo relativo à atribuição da pensão de invalidez que requereu junto do Centro Nacional de Pensões, do qual veio a resultar a substituição do pedido inicialmente formulado pela atribuição da pensão de velhice por ter atingido no entretanto a idade legal de reforma.
2 — Ouvida a comissão instaladora daquele Centro, considerou que o atraso se deveria imputar à beneficiária, dadas as diferentes moradas por esta indicadas, o que dificultou o seu contacto, provocando a demora na realização da junta médica.
Todavia, da análise do processo cuja cópia foi enviada peto Centro Nacional de Pensões, apenas constava informação da queixosa relativamente à sua mudança de residência.
Acresce que, em matéria de segurança social, sempre se deve dar mais relevância à verdade material do que a incidentes formais do processo.
3 — Em Agosto de 1992 foi formulada recomendação ao Secretário de Estado da Segurança Social no sentido de ser promovida a realização de uma comissão de verificação de incapacidades permanentes para que expressamente se pronuncie, perante os relatórios médicos constantes do processo clínico da beneficiária, e outros elementos que considerar, sobre se a data da incapacidade não poderia ser reportada a momento anterior ao da inicial junta médica.
A recomendação foi acatada por despacho de 7 de Setembro de 1992 do Secretário de Estado da Segurança Social.
Processo n.B 1864/90
Sumário: Segurança social. Pensão provisória de reforma.
Objecto: Recusa de pagamento de pensão de reforma provisória. Dificuldade de interpretação dos artigos n.° 1, e 6.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 321/88, de 22 de Setembro.
Decisão: Reclamação procedente. Situação regularizada.
Síntese
1 — Uma professora de um estabelecimento de ensino particular dirigiu uma exposição a esta Provedoria, onde narrava o facto de, após lhe ter sido concedida aposentação provisória a escola onde leccionava se ter recusado a fazer o seu pagamento, alegando que tal não lhe cabia, mas sim à Caixa Geral de Aposentações. Por seu lado, a Caixa Geral de Aposentações sustentava que, por aplicação do Decreto-Lei n.° 321/88, de 22 de Setembro, que aplica o Estatuto da Aposentação aos docentes do ensino particular e cooperativo, o pagamento da pensão provisória devia ser efectuado pelo estabelecimento de ensino em causa.
2 — Para esclarecimento do assunto foi pedido um parecer fundamentado ao Secretário de Estado do Orçamento.
A matéria foi alvo do parecer n° 122/90, do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, o qual foi homologado em 13 de Março de 1991, onde se concluiu do seguinte modo:
1) O regime instituído pelo Decreto-Lei n.° 321/88, de 22 de Setembro, relativamente ao «pessoal docente dos estabelecimentos de ensino não superior, particular ou cooperativo, devidamente legalizados», não comporta a situação de «desligado do serviço, ficando a aguardar aposentação» e a correspondente «pensão transitória de
aposentação», a que se referem respectivamente os n.05 2 e 3 do artigo 99° do Estatuto da Aposentação;
2) O pessoal abrangido pelo Decreto-Lei n.° 321/88 tem direito a pensão de aposentação, a determinar e a pagar pela Caixa Geral de Aposentações, a partir do facto ou acto determinante da aludida aposentação, coincidente com o momento da cessação da relação de serviço.
3 — Em face das conclusões alcançadas foram solicitadas informações ao director-coordenador da Caixa Nacional de Aposentações, que informou ter regularizado todas as situações que se encontravam pendentes da resolução da questão em apreço, em cumprimento do parecer da Procuradoria-Geral.
Em 17 de Julho de 1992 é publicado o Decreto-Lei n.° 142/92 que veio resolver legislativamente situações deste tipo.
Processo n.° R-2029/89
Sumário: Segurança social. Aposentação. Acumulação de pensão.
Objecto: Inviabilidade de acumulação da pensão abonada pela Caixa Geral de Aposentações, decorrente da administração ultramarina, com pensão resultante de aposentação da Caixa Geral de Depósitos.
Decisão: Reclamação procedente. Situação sanada.
Síntese
1 —Em 11 de Setembro de 1989 foi apresentada uma reclamação contra a Caixa Geral de Aposentações, por um aposentado dessa instituição, por esta não permitir a acumulação de uma pensão decorrente da Administração Ultramarina com uma pensão a ser atribuída pela Caixa Geral de Depósitos.
2 — A Caixa Geral de Depósitos informou que ao tempo do ingresso desconhecia a situação de pensionista do reclamante, encontrando-se a procurar proceder à regularização da sua situação jurídico-funcional, elaborando uma proposta ao abrigo dos artigos 78." e 79." do Estatuto de Aposentação.
3 — Não tendo sido atendido o disposto no artigo 79° do Estatuto de Aposentação, quanto às remunerações que foram fixadas ao aposentado, as quais integram em acumulação a pensão de aposentação com a remuneração correspondente ao cargo na Caixa Geral de Depósitos, a Provedoria de Justiça recomendou que fosse reposta a legalidade, em termos adequados ao caso.
Foi elaborada pelo Gabinete de S. Ex." o Ministro das Finanças uma proposta formal de regularização da situação em causa.
Tendo sido alcançada a regularização da situação, foi o processo arquivado.
Processo n.B R-2044/91
Sumário: Segurança social. Pensão de reforma. Acumulação de pensões. Reposição.
Objecto: Reposição de quantia referente a acumulação de pensão nacional e estrangeira.
Decisão: Reclamação procedente. Solução em função da intervenção do provedor.
Página 238
238
II SÉRIE-C — NÚMERO 33
Síntese
1 — Um advogado dirigiu, em nome da sua constituinte, uma queixa contra o Centro Nacional de Pensões, com base no facto de ter sido constituído um débito contra a interessada, cuja reposição lhe foi imposta.
2 — Ouvido o Centro Nacional de Pensões sobre qual a fundamentação do débito em causa, bem como dos
preceitos legais em que baseou a restituição dos quantitativos cujo pagamento se considerou indevido, e colhida a informação pertinente, foi pedida a revisão do referido processo.
3 — Aquele organismo informou que por despacho do Secretário de Estado da Segurança Social, de 10 de Março de 1992, tinha sido suspensa a reposição que vinha sendo efectuada.
Regularizada a situação, foi o processo arquivado. Processo n.° R-2045/91
Sumário: Agricultura e pecuária. Baldios. Assembleia de compartes.
Objecto: Recusa de convocação de assembleia de compartes.
Decisão: Reclamação procedente. Situação regularizada.
Síntese
1 — Foi apresentada uma reclamação contra a Junta de Freguesia de Chãs de Tavares por ter realizado um contrato de reflorestação que envolvia o baldio dos Tragos, sem ter sido efectuada a convocação da 1.* assembleia de compartes, nem elaborados e afixados os cadernos de recenseamento provisório dos compartes.
2 — Ouvida a Junta de Freguesia de Chãs de Tavares, esta respondeu que estava na convicção de que o baldio e sua administração pertenciam à Junta e por tal facto não foram efectuadas as diligências em causa.
3 — Foi elaborada e enviada uma informação, onde se explicitou que os baldios não pertencem às juntas de freguesia, sendo sim «terrenos comunitariamente usados e fruídos por moradores de determinada freguesia ou freguesias, ou parte delas» — os chamados compartes (Decreto-Lei n.° 39/76, de 19 de Janeiro)—, pelo que a Junta de Freguesia em causa devia promover o recenseamento dos compartes e respectiva assembleia para administrar o baldio em causa.
Após várias insistências, a Junta de Freguesia informou que se encontrava a proceder ao recenseamento da população para marcação da 1.* reunião de compartes.
Processo n.8 R-2077/91
Sumário: Administração local. Câmara municipal. Compra de terreno.
Objecto: Compra de um terreno a um particular. Falta de
pagamento integral do preço. Decisão: Reclamação procedente. Situação regularizada.
Síntese
1 —Um cidadão apresentou queixa contra a Câmara Municipal de Vila Real por ter celebrado um contrato--promessa de compra e venda de um terreno com esse município, estando o mesmo a ser utilizado pela Câmara sem pagamento do preço por ainda não ter sido efectuada a escritura, apesar de estarem já decorridos três anos.
2 — Foram solicitadas informações à Câmara Municipal de Vila Real, que respondeu dizendo que a escritura não tinha sido ainda realizada por faltarem alguns documentos.
3 — Após diligências da Provedoria, foi o processo regularizado e feito o pagamento integral do terreno.
Processo n.9 R-207/88
Sumário: Segurança social. Subsídio de desemprego. Objecto: Recusa na atribuição do subsídio de desemprego. Decisão: Reclamação procedente. Situação regularizada.
Síntese
1 —Em Janeiro de 1988 foi apresentada uma reclamação por F., que rescindiu o contrato de trabalho por justa causa, o que, segundo decisão do Centro Regional de Segurança Social de Lisboa, impediu a atribuição de subsídio de desemprego.
2 — Foram solicitadas informações ao Instituto do Emprego e Formação Profissional sobre quais os requisitos de prova exigíveis para a atribuição de subsídio de desemprego a trabalhadores que se tenham despedido por sua iniciativa, com alegação de justa causa, designadamente quando a causa invocada seja a falta de pagamento pontual de remuneração.
0 Instituto do Emprego e Formação Profissional informou que a justa causa deverá enquadrar-se em qualquer das situações tipificadas no artigo 25.° do Decreto-Lei n.°372-A/75, de 16 de Julho, e mesmo que o conteúdo da comunicação do trabalhador não corresponda na sua expressão literal a qualquer das situações legalmente tipificadas, deverá o Centro de Emprego aceitar o documento, sempre que do seu sentido ressaltar que a rescisão teve como fundamento a justa causa por parte do trabalhador, devendo prevalecer a informação por este veiculada. Reconheceu ainda este Instituto não haver fundamento para a posição adoptada pelo Centro Regional de Segurança Social de Lisboa, pelo que se impunha acatar a qualificação prévia de desemprego e conceder o subsídio.
Efectuadas diligências junto do Ministério do Emprego e da Segurança Social, foi por este sustentado o mesmo entendimento.
3 — Em face das posições descritas, nomeadamente pela posição do Ministério, foi solicitado ao Centro Regional de Segurança Social de Lisboa que ponderasse a situação alvo da reclamação.
Em Setembro de 1992 foi comunicado que o subsídio de desemprego está a ser devidamente regularizado, indo receber o beneficiário os valores a que tem direito.
Processo n.9R-2126788
Sumário: Trabalho. Administração regional. Transferência.
Objecto: Suspensão do regime de dedicação exclusiva e transferência de local de trabalho, contra a vontade do interessado, após divulgação de candidatura por partido político.
Decisão: Reclamação procedente. Recomendação não acatada. Reparo.
Síntese
1 — Em 1988 um médico apresentou queixa ao provedor de Justiça por ter sido deslocado do Centro de Saúde do Curral das Freiras para o de Câmara de Lobos, contra a sua vontade, e por lhe ter sido suspenso o regime de dedicação exclusiva, imediatamente após a divulgação
Página 239
22 DE SETEMBRO DE 1994
239
pública da sua candidatura pela CDU, as eleições para a Assembleia Regional.
2 — Tendo-se concluído, após análise dos esclarecimentos prestados, não existir acto adequado de revogação da resolução do Governo Regional, foi emitida recomendação em Março de 1990, no sentido de aquele acto ser declarado inexistente e recolocado o médico no local inicial, com indemnização correspondente aos prejuízos sofridos.
Apesar de várias insistências sobre a sequência dada à recomendação, nunca se logrou obter resposta escrita, apenas se conseguindo, por via telefónica, a informação de o assunto estar encerrado, a contento do reclamante.
3 — De todo o modo, o provedor considerou justificado formular reparo ao Secretário de Estado dos Assuntos Sociais, manifestando a estranheza pela actuação da Secretaria Regional dos Assuntos Sociais, nos seguintes termos:
a) ler havido uma mudança de local de trabalho, contra a vontade do interessado, sem fundamentação plausível;
b) Ter a mudança tido lugar em condições que podem levar a pressupor motivos de índole política;
c) Não ter a deslocação assumido a mesma forma utilizada para a concessão de dedicação exclusiva, com fixação em Curral das Freiras (Resolução do Governo Regional n.° 1148/87, publicada no Jornal Oficial, de 17 de Setembro de 1987);
d) Não ter havido resposta satisfatória a uma recomendação do provedor de Justiça.
Processo n.»R-2207/90
Sumário: Trabalhador da função pública. Trabalho extraordinário. Pagamento. Objecto: Recusa do pagamento de horas suplementares. Decisão: Reclamação procedente. Situação regularizada.
Síntese
1 —Em 28 de Setembro de 1990 foi apresentada uma reclamação contra o Hospital Distrital de Faro, por ter escalado o reclamante, médico, para trabalho extraordinário, no serviço de urgência, tendo-o posteriormente informado que apesar de ter concluído o internato geral, se mantinha com o mesmo regime jurídico, pelo que não deveria ter efectuado horas extraordinárias, o que impedia o pagamento das realizadas.
2 — Após diligências da Provedoria de Justiça junto do Hospital Distrital de Faro e da Direcçâò-Geral dos Hospitais, foi comunicado em 29 de Junho de 1992 pelo director de Serviços de Gestão Hospitalar que o médico em causa foi indemnizado pelo Hospital de Faro na quantia de 279 989$, quantia reputada correspondente ao trabalho extraordinário efectuado e não pago naquele estabelecimento.
3 — Alcançado que foi o objectivo da queixa, foi arquivado o processo.
Processo n.° R-220/91
Sumário: Segurança social. Junta médica. Fundamentação. Objecto: Acumulação de pensão de aposentação. Decisão: Reclamação procedente. Pretensão satisfeita.
Síntese
1 — Foi apresentada nesta Provedoria uma reclamação relativa a um ex-funcionário da Brigada Concelhia de
Agricultura de Vila Velha de Ródão, que, enquanto no activo, sofreu um acidente em serviço de que lhe resultou uma desvalorização de 55,6%, pelo que foi aposentado, com uma pensão de apenas 29 260$.
2 — Tratando-se de um funcionário eficiente e dada a sua carência económica, foi solicitado ao director Regional de Agricultura da Beira Interior que averiguasse da possibilidade de o interessado continuar a exercer a actividade ainda que em regime de tarefa ou contrato a termo, dado encontrar-se aposentado.
3 — Após várias diligências, aquela Direcção Regional informou que, por despacho do Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, tinha sido autorizado, a título excepcional, o exercício de funções públicas pelo aposentado.
Foi também celebrado um contrato em regime de prestação de serviço, pelo prazo de ano.
Processo n.°R-2256790
Sumário: Segurança social. Pensão de reforma. Objecto: Demora na decisão de atribuição de pensão. Decisão: Reclamação procedente. Situação regularizada. Reparo.
Síntese
1 —Em Outubro de 1990 foi apresentada uma reclamação contra o Centro Nacional de Pensões, por não dar qualquer resposta a um pedido de reforma formulado em 31 de Julho de 1986 por um indivíduo de 60 anos e com grave enfermidade, não conseguindo sequer o reclamante saber qual a localização e estado do processo.
2 — Após várias diligências junto da comissão instaladora do Centro Nacional de Pensões, apurou-se que o processo estava pendente de parecer da junta médica requisitado em 26 de Março de 1988 à Administração Regional de Saúde do Porto, e que já tinham sido feitas diversas insistências, tendo a última sido feita em 13 de Dezembro de 1990.
O processo foi dado como concluído pela Administração Regional de Saúde do Porto em 27 de Junho de 1991, tendo nessa data sido enviado ao Centro Nacional de Pensões.
Na sequência de novas diligências levadas a cabo por esta Provedoria, o Centro Nacional de Pensões informou em 27 de Julho de 1992 que o processo do reclamante foi concluído, estando o mesmo a receber pensão da segurança social, com efeitos desde 31 de Julho de 1986.
3 — Não obstante a resolução do caso, o provedor entendeu formular reparo ao presidente do conselho directivo da Administração Regional de Saúde do Porto, na medida em que a esta se deve a demora verificada nà atribuição da pensão de invalidez do reclamante.
De facto, o pedido formulado em 26 de Março de 1988 pelo Centro Nacional de Pensões, no sentido de ser elaborado o relatório médico, só em Julho de 1991 foi satisfeito, ficando o beneficiário durante esse período privado de qualquer protecção social e impossibilitado de prover à sua subsistência, devido à sua incapacidade física, que veio a ser reconhecida.
Processo n.9 2259/89
Sumário: Segurança social. Abono de família.
Objecto: Não atribuição de abono de família a estudante de 23 anos a estudar um curso médio.
Decisão: Reclamação procedente. Recomendação não acatada.
Página 240
240
II SÉRIE-c — NÚMERO 33
Síntese
1 — Apresentou um professor efectivo do ensino secundário, reclamação nesta Provedoria por não lhe ter a escola onde leccionava processado o abono de família referente à sua filha, com o fundamento de a mesma ter 23 anos de idade e estar a frequentar a Escola de Enfermagem de São João de Deus, em Évora, que ao tempo era considerado curso médio.
2 — Nos termos da redacção do artigo 6.° do Decreto-
-Lei n.° 197/77, de 17 de Maio, pode continuar a receber abono de família o descendente que estiver matriculado no ensino básico ou em curso equivalente até aos 18 anos. E poderá continuar a recebê-lo até aos 22, se estiver matriculado no ensino secundário ou em curso equivalente. No ensino superior poderá receber o abono até aos 25 anos.
Face a este esquema de sucessão, indiciador de que o legislador ao falar de ensino superior tem directamente em vista estabelecimentos cujo requisito de entrada seja o curso complementar dos liceus ou equivalente, e dado que antes da criação formal do ensino superior de enfermagem e da conversão oficial das escolas de enfermagem em superiores já a lei fixava para acesso a elas um sistema similar ao do ensino superior, foi sobre esta questão ouvida a Direcção-Geral da Contabilidade Pública, para que apreciasse a respectiva argumentação e sobre ela dissesse o que houvesse por conveniente.
Aquela Direcção-Geral, invocando parecer dos seus serviços de consultadoria jurídica, nada disse de relevante e manteve-se numa posição negativa relativamente ao tipo de situação em apreço.
3 — Considerando que as leis devem ser interpretadas de acordo com o seu espírito, e para além dos estreitos limites da sua letra, sempre que para tanto seja aduzida argumentação cabal, dirigiu o provedor de Justiça uma recomendação à Secretária de Estado do Orçamento para formular uma directiva no sentido de se considerar adoptada a interpretação segundo a qual o preceituado na alínea d) do n.° 1 do artigo 6.° do Decreto-Lei n.° 197/77, de 17 de Maio, deva considerar-se extensivo aos estudantes das escolas de enfermagem, mesmo antes da criação formal das mesmas em superiores.
A recomendação não foi acatada, com o fundamento de que o alargamento, por via interpretativa, do alcance da lei, conduziria ao processamento do abono de família a inúmeros casos até agora afastados sem que resulte com clareza a legalidade dos mesmos.
Processo n." R-2357/91
Sumário: Administração da justiça. Processo penal. Amnistia.
Objecto: Inconstitucionalidade da alínea ii) do artigo l.° da Lei n.° 23/91, de 4 de Julho (Lei de Amnistia), por violação do artigo 13.° da Constituição da República Portuguesa.
Decisão: Reclamação improcedente.
Síntese
1 — Um advogado dirigiu uma exposição ao provedor de Justiça, onde suscitou a inconstitucionalidade do disposto na alínea ii) do artigo 1.° da Lei n.° 23/91, de 4 de Julho (Lei de Amnistia), com o fundamento de haver sido afrontado o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.° da Constituição. Louvou-se, para tanto, na discriminação efectiva que o aludido preceito legal opera, ao não con-
templar, ou não tomar extensiva ao sector empresarial privado a amnistia das infracções disciplinares previstas, tãc--somente, para os trabalhadores das empresas públicas ou de capitais públicos.
2 — Ouvida a Assembleia da República e tramitado que foi o assunto, à consideração da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, foi deixado cair o entendimento de que o propósito foi o de «[...] equiparar ou aproximar os trabalhadores das
empresas de capitais públicos, dos funcionários públicos», e que, «a exclusão dos trabalhadores das empresas privadas, no âmbito da amnistia, não envolve discriminação, por se tratar de universo distinto».
3 — Foi elaborado parecer nestes serviços, e concluindo-se, em coincidência com a informação da Assembleia da República, pela improcedência da reclamação, foi o processo arquivado.
Processo n.» R-2448/89
Sumário: Contribuições e impostos. Contribuição predial. Objecto: Atraso nos averbamentos de mudança de proprietário.
Decisão: Reclamação procedente. Situação regularizada.
Síntese
1 —Uma empresa de construção civil apresentou uma reclamação contra a Repartição de Finanças da Amadora, por alegado atraso nos averbamentos de mudança de proprietário de fracções de prédios urbanos, o que vinha causando prejuízos à empresa, à qual continuou a ser exigido o pagamento da contribuição predial.
2 — Após sucessivas diligências junto da Repartição de Finanças e da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, foi a Provedoria informada que a situação se tinha regularizado e que foi autorizada a anulação da importância respeitante à contribuição predial em causa, bem como dos juros de mora e custas.
3 — Regularizada a situação alvo da reclamação, foi determinado o arquivamento do processo.
Processo n.9 R-2455/89
Sumário: Polícia de trânsito. Participação de acidente.
Objecto: Elaboração de auto de notícia e notificação para pagamento de multa, feitos por agente envolvido no acidente de viação.
Decisão: Reclamação procedente. Recomendação acatada.
Síntese
1 — Foi nesta Provedoria apresentada uma reclamação de um cidadão, pelo facto de ter recebido uma notificação para pagamento de uma multa por alegada infracção ao Código da Estrada, feita por um agente da PSP envolvido no acidente.
No acidente de viação foram partes o reclamante e um segundo-subchefe da Esquadra de Cruz de Pau, tendo a ocorrência sido anotada pela Guarda Nacional Republicana de Almada.
Apesar de elaborado o auto de ocorrência pela GNR, o interveniente segundo-subchefe, agindo como autuante, notificou o reclamante para pagamento de muita correspondente à eventual infracção por este cometida.
2 — O Comando-Geral da Polícia não considerou ter havido qualquer iraracção praticada pelo citado agente policial.
Página 241
22 DE SETEMBRO DE 1994
241
3 — Considerando que não pode aceitar-se que um elemento da PSP interveniente num acidente de viação se arvore em juiz da causa e impute ao outro condutor — através da elaboração do auto de notícia— uma contravenção estradai, o provedor de Justiça entendeu ser de recomendar ao comandante-geral da Polícia de Segurança Pública que diligenciasse junto dos elementos da instituição, no sentido dos agentes serem instruídos em ordem a nortear a sua actuação com total isenção e imparcialidade em casos em que sejam intervenientes e não ligados ao exercício das suas funções policiais, abstendo-se de qualquer atitude menos correcta, designadamente devendo sempre solicitar a intervenção de autoridade, de preferência de esquadra ou unidade distinta daquela a que
o interveniente pertença.
Por ofício do Comando-Geral da Polícia de Segurança Pública, foi comunicado que o assunto tinha sido alvo de apreciação em reunião decorrida no Comando-Geral, no sentido de constituir matéria de instrução, quer nos cursos de formação, quer ainda na instrução do quadro permanente da corporação.
Processo n.B 2515/89
Sumário: Trabalhador da função pública. Justificação de faltas.
Objecto: Não aceitação do motivo invocado para justificar uma falta dada por impossibilidade de deslocação para
0 serviço.
Decisão: Reclamação procedente. Reparo. Recomendação acatada.
Síntese
1 — Foi apresentada uma reclamação por uma funcionária do Centro de Identificação Civil e Criminal, por lhe ter sido marcada uma falta injustificada, apesar de a reclamante justificar a sua falta pela impossibilidade de se deslocar para o serviço em virtude de greve de transportes e do seu estado de saúde não permitir percursos a pé.
A reclamante justificou a sua falta ao abrigo do artigo 70.°, n.° 2, do Decreto-Lei n.° 497/88, de 30 de Dezembro, não tendo a sua pretensão sido aceite.
2 — Ouvido o Centro de Identificação Civil e Criminal, este respondeu ter sido adequado o despacho de não justificação da falta, por os argumentos apresentados não enquadrarem a situação do referido artigo 70."
A Direcção-Geral da Administração Pública, a solicitação da Provedoria, entendeu que no caso concreto a falta dada poderia ser justificada, nos termos do n.° 2 daquele artigo.
Em face do parecer da Direcção-Geral da Administração Pública foi solicitado que fosse reanalisada a situação alvo da reclamação, ao que o Centro de Identificação Civil e Criminal informou que se mantinha o despacho inicial.
3 — A pedido da reclamante foi o processo arquivado.
De todo o modo, o provedor entendeu formular um reparo ao Centro de Identificação Civil e Criminal, por este não ter aceite rever a sua posição face à posição da Direcção-Geral da Administração Pública, e uma recomendação no sentido de ser efectuada nova ordem de serviço, para obviar a casos semelhantes.
A recomendação foi acatada, conforme comunicação de Julho de 1992.
Processo n.fi 2605/89 Sumário: Função pública. Demissão. Bombeiros.
Objecto: Despedimento sem precedência de processo disciplinar.
Decisão: Reclamação procedente. Recomendação acatada. Síntese
1 — Um bombeiro da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Queluz queixou-se ao provedor de Justiça, alegando que, após período de doença, o Comando daquela Associação o demitira das suas funções, por ordem de serviço, sem precedência de processo disciplinar, no qual pudesse ter exercido o seu direito de defesa.
Deduzido recurso pelo bombeiro em causa para o conselho disciplinar da mencionada Associação, este órgão, sem qualquer fundamentação, manteve a decisão anteriormente firmada.
2 — Da instrução do processo, no qual foram ouvidos a Inspecção Regional dos Bombeiros de Lisboa e Vale do Tejo, a Associação dos Bombeiros Voluntários de Queluz e o respectivo conselho disciplinar, colheu-se, por forma clara e inequívoca, que fora, de facto, aplicada ao bombeiro voluntário queixoso pena de demissão, sem precedência de processo disciplinar; logo, sem audiência prévia do lesado.
3 — Embora o provedor de Justiça não possa discutir a actuação da Associação em causa, por esta ser uma entidade privada, entendeu, ponderando também a circunstância de existirem outras queixas de sentido paralelo, recomendar ao presidente do Serviço Nacional de Bombeiros que chamasse a atenção a todas as associações de bombeiros, por via genérica, da necessidade de prévia organização de processo disciplinar para aplicação de penas disciplinares previstas na lei e por forma a garantir o pleno exercício do direito de defesa.
0 Serviço Nacional de Bombeiros comunicou que tinha emitido uma circular a todos os presidentes de associações humanitárias e câmaras municipais que mantêm corpos de bombeiros, chamando a especial atenção para o estatuído em matéria disciplinar, nomeadamente no que respeita à garantia do exercício pleno do direito de defesa dos arguidos.
Processo n.e 2615/87
Sumário: Administração da justiça. Processo penal. Apreensão e restituição do bem ao legítimo proprietário.
Processo n.B R-2714/91
Sumário: Trabalhador da função pública. Tempo de serviço.
Objecto: Recusa na passagem de certidão.
Decisão: Reclamação procedente. Situação regularizada.
Síntese
1 —F., mecânico de 1.° classe nos Serviços Regionais de Estudo e Planeamento do Gabinete do Plano do Zambeze em Tete, ex-colónia de Moçambique, apresentou queixa neste órgão de Estado, por não conseguir obter certidão comprovativa dessas funções de molde a estas serem integradas no cômputo do tempo de serviço.
2 — A Provedoria de Justiça diligenciou por forma sucessiva e insistente junto do Ministério dos Negócios Estrangeiros no sentido da obtenção da certidão pretendida, respeitante ao tempo de serviço prestado no Gabinete em causa.
Página 242
242
II SÉRIE-C — NÚMERO 33
3 — Na sequência das diligências realizadas, inclusive com carácter directo e pessoal, concluiu-se que a certidão foi enviada ao reclamante.
Apesar da demora verificada, foi satisfeita a pretensão.
Processo n.fl R-286/89
Sumário: Segurança social. Retroactivos de reforma. Objecto: Tardia fixação da pensão de reforma por velhice.
Decisão: Reclamação procedente. Recomendação acatada.
Síntese
1 — Foi apresentada uma queixa contra o Centro Regional de Segurança Social de Leiria e o Centro Nacional de Pensões, pelo facto de, apesar de ter sido feita a entrega da documentação em 8 de Fevereiro de 1985, apenas se verificar a atribuição da pensão com início em 7 de Fevereiro de 1986.
2 — Apesar das diligências efectuadas junto do Centro Regional de Segurança Social de Leiria e do Centro Nacional de Pensões, foi sempre sustentado que não haveria qualquer alteração de posição em relação ao assunto, pelo facto de não ter sido exigido documento comprovativo da entrega de outro requerimento, para além do que serviu de base ao deferimento da pensão.
3 — Nesta conformidade e atendendo a que situações destas poderão ser evitadas desde que seja sempre entregue recibo comprovativo da entrega do requerimento, uma vez que a prova dessa entrega é decisiva para a fixação do momento a partir do qual são devidas as prestações, foi formulada uma recomendação, a S. Ex.* o Secretário de Estado da Segurança Social, no sentido de serem entregues aos seus beneficiários recibo ou outro documento comprovativo de entrega do requerimento das prestações a que têm direito.
A recomendação foi acatada por despacho de 22 de Junho de 1992.
Processo n.° R-3055/86
Sumário: Função pública. Concurso.
Objecto: Colocação em lugar diferente do indicado, tendo
classificação para tal. Não conhecimento de recurso
hierárquico. Decisão: Reclamação procedente. Reparo.
Síntese
1 —Em 15 de Dezembro de 1986 deu entrada nesta Provedoria uma reclamação de uma terceira-oficial por não ter sido correctamente colocada num concurso de classificação e colocação para segundos-oficiáis dos estabelecimentos de ensino, e por não ter sido aceite o seu recurso junto do Ministro da Educação.
2 — Tendo solicitado esclarecimentos sucessivos ao di-rector-geral de Pessoal do Ministério da Educação, este respondeu que a sua posição era legal e que das nomeações efectuadas não cabia qualquer recurso gracioso.
Compulsando os documentos constantes do processo, concluiu-se pela ilegalidade do despacho.de S. Ex.4 o Secretário de Estado da Administração Escolar, que rejeitou o recurso da queixosa por intempestivo, bem como do despacho do Ex.1"0 Sr. Dkector-Geral da Administração e Pessoal que o manteve.
Resultou claramente da queixa que a reclamante tinha direito ao lugar em causa e que reagiu tempestivamente.
3 — Embora não tenha sido possível a revogação do acto objecto da reclamação, entendeu o provedor de Justiça formular um reparo a S. Ex.* o Secretario de Estado dos Recursos Educativos.
Processo n.»R-3152/91
Sumário: Administração pública. Certidão. Objecto: Passagem de certidão. Recusa. Decisão: Reclamação improcedente.
Síntese
1 — Uma advogada apresentou uma reclamação contra o Centro Regional de Segurança Social de Lisboa, por este se ter recusado a passar uma certidão de teor do mapa de pessoal de um estabelecimento comercial, com base em suposto sigilo imposto por lei.
A reclamante apresentou ainda um parecer do conselho distrital da Ordem dos Advogados, onde se sustentava o repúdio pela recusa da passagem da referida certidão.
2 — Estudada a questão, o provedor de Justiça entendeu que a divulgação dos mapas de pessoal pelas instituições de segurança social infringe o disposto no artigo 43.° da Lei n.°28/ 84, de 14 de Agosto (Lei da Segurança Social)
Com efeito, estabelece-se nesse artigo que qualquer pessoa ou entidade tem direito a que os dados de natureza estritamente privada, quer pessoais, quer referentes à situação económico-financeira, não sejam indevidamente divulgados pelas instituições de segurança social, considerando-se que não há divulgação indevida sempre que o interessado dê a sua concordância ou haja obrigação legal de comunicação.
Ora, sendo os mapas de pessoal documentos onde constam, para além da identificação das empresas e de outros dados, a identificação dos seus trabalhadores e as remunerações por eles auferidas, não pode deixar de se concluir que eles se enquadram nos dados previstos no citado artigo 43.°, devendo ser reputados como tendo carácter reservado ou secreto.
Acresce que o acesso aos mapas em questão violaria também a regra 4.3 contida na Recomendação R(86)l, de 23 de Janeiro de 1986, do Comité dé Ministros do Conselho da Europa, relativa à protecção de dados em poder das instituições de segurança social.
3 — Verificado que foi a improcedência da queixa, foi o processo arquivado.
Processo n.°R-3164/91
Sumário: Contribuições e impostos. IRS. Devolução. Objecto: Erro de cálculo. Atraso na devolução. Decisão: Reclamação procedente. Situação regularizada.
Síntese
1 — Um juiz conselheiro, jubilado, apresentou uma reclamação nesta Provedoria de Justiça alegando ter havido um erro de liquidação e tributação sem fundamento, por parte da administração fiscal, pelo que tinha sido notificado para, de acordo com a liquidação referente ao IRS de 1989, pagar a quantia de 1 335 336$.
Para poder fazer a reclamação dentro do prazo, pagou o imposto em referencia solve et repete no 16.° Bairro Fiscal, sem que tal representasse conformação com o erro da liquidação, erro esse admitido pelo funcionário.
Página 243
22 DE SETEMBRO DE 1994
243
Contudo o tempo decorreu, sem que tivesse havido qualquer devolução ou despacho sobre o processo de reclamação.
2 — Foram solicitadas informações ao director do Serviço de Administração do Imposto sobre o Rendimento, designadamente sobre a data prevista para o reembolso.
3 — Após insistências, foi a Provedoria informada que o processo de reclamação tinha sido alvo de despacho de deferimento parcial, tendo sido mandada anular a importância de 537 746$.
Os procedimentos relativos ao reembolso foram também iniciados.
Satisfeita a pretensão do reclamante, foi determinado o arquivamento do processo.
Processo n.9 R-3787/91
Sumário: Administração Pública. Responsabilidade civil. Objecto: Perigo provocado por árvores de grandes dimensões.
Decisão: Reclamação procedente. Situação regularizada. Síntese
1 — Um cidadão queixou-se a esta Provedoria, pelo facto de existirem duas grandes árvores junto de sua casa, implantadas na barreira que margina a estrada nacional n.° 234, provocando um perigo iminente para a sua habitação. Pretende o reclamante o corte ou o desbaste das referidas árvores.
2 — Foram solicitadas informações à Junta Autónoma de Estradas, no sentido de se apurar qual o estado das árvores e das medidas a adoptar, caso fossem efectivamente fonte de perigo.
3 — A Junta Autónoma de Estradas informou que após exame das árvores, concluiu que estas se encontravam em boas condições de aspecto e segurança, sem quaisquer sinais de decrepitude.
Contudo, entendeu proceder à sua desramação, pois, da queda dos ramos, poderiam resultar danos para a casa em questão.
Processo n.9 R-3897/91
Sumário: Segurança social. Pensão de sobrevivência.
Subsídio por morte. Objecto: Erro na base de cálculo do salário médio. Decisão: Reclamação procedente. Situação regularizada.
Síntese
1 — Foi apresentada uma reclamação contra o Centro Nacional de Pensões, pela viúva de um beneficiário, pelo facto de o Centro Regional de Segurança Social de Lisboa ter apurado um salário médio de 2830$, a que veio a corresponder uma pensão de 12 000$ mensais, sendo que os valores que serviram de base ao cálculo do salário médio não correspondem à totalidade dos valores descontados.
Dos cálculos efectuados resultou um subsídio por morte, no montante de 18 900$.
2 — Foram pedidas informações ao Centro Regional de Segurança Social de Lisboa, dado que nem a carreira contributiva verificada ao longo de 17 anos, nem os salários correspondentes à respectiva categoria profissional justificariam aquele salário médio.
3 — Após insistências, o Centro Nacional de Pensões informou que tinha sido efectuada a revisão do cálculo das prestações e que da referida revisão resultou uma alteração do valor médio de 2830$ para 19 170$, não tendo sido alterado o valor da pensão.
Contudo, a revisão fez alterar o montante do subsídio por morte de 18 900$ para 167 490$.
Regularizada a situação, foi determinado o arquivamento do processo.
Processo n.fl R-4339/91
Sumário: Urbanização e obras. Obras de ampliação. Licença de construção.
Objecto: Concessão de licença de construção de ampliação de instalações de uma instituição privada de solidariedade social, pessoa colectiva de utilidade pública.
Decisão: Reclamação procedente. Situação resolvida.
Síntese
1 — O Presidente da direcção de uma fundação — um lar de cegos — solicitou a intervenção do provedor de Justiça relativamente à demora na concessão de uma licença de construção para ampliação das suas instalações.
2 — Em ofício dirigido à Câmara Municipal de Lisboa, solicitou-se informação sobre a matéria alvo da reclamação, designadamente quanto à demora na concessão da licença de construção para ampliação das instalações da fundação.
3 — Após essa diligência, a fundação vem agradecer ao provedor de Justiça pela sua intervenção, já que o caso tinha sido resolvido com a justiça a que julgava ter direito, dado que os serviços da Câmara tinham passado a respectiva licença.
Satisfeito, por forma adequada o objecto do processo, foi determinado o seu arquivamento.
Processo n.9 R-565/90
Sumário: Segurança social. Doença. Subsídio por doença.
Objecto: Suspensão de subsídio após visita de fiscalização, apesar da comprovação de consulta de urgência no Hospital. Ilegalidade da sanção aplicada.
Decisão: Reclamação procedente. Recomendação acatada. Situação regularizada.
Síntese
1 —Em 13 de Março de 1990 foi apresentada uma reclamação contra a Caixa de Previdência e Abono de Família dos Ferroviários por um dos seus beneficiários, por lhe ter sido suspendido o subsídio de doença, com fundamento no facto de os serviços de fiscalização, ao procederem a uma visita ao domicílio do reclamante, em 27 de Dezembro de 1989, terem verificado que dele estava ausente.
Alegou o interessado que no dia 26 de Dezembro foi forçado, pela doença do filho, a deslocar-se a uma consulta de urgência no Hospital de Abrantes. Em virtude das cheias que então se registaram, ficou impossibilitado de regressar no próprio dia, tendo só voltado a casa no dia seguinte.
2 — Ao analisar-se o caso, verificou-se que a referida penalidade foi aplicada ao beneficiário com base no Decreto Regulamentar n.° 45/82, de 29 de Julho, diploma que à data em que ocorreu o acto, punido com a sanção da suspensão do subsídio, já não vigorava, por já se encontrar revogado.
Ouvida a Caixa de Previdência e Abono de Família dos Ferroviários, esta respondeu que houve um lapso da parte dos serviços que utilizaram um impresso em desuso, o que em nada alterava o alcance da sanção, bem como tinha sido ponderado o motivo invocado pelo beneficiário para justificar a ausência do domicílio, mas não procedente.
3 — Em 6 de Fevereiro de 1991 foi elaborada recomendação no sentido de ser revogada a sanção imposta, visto não se ter contrariado as provas exibidas pelo reclamante para explicar as razoes da sua ausência.
A recomendação foi acatada em 20 de Dezembro de 1991.
Página 244
244
II SÉRIE-C — NÚMERO 33
Processo n.e R-783/89
Sumário: Contribuições e impostos. IRS. Residência.
Objecto: Aplicação do artigo 74.° do Código do IRS aos pensionistas e reformados timorenses residentes naquele território.
Decisão: Reclamação procedente. Recomendação acatada. Situação regularizada.
Síntese
1 — Foi apresentada uma reclamação por uma residente
em Timor Leste, acerca da tributação em IRS [taxa liberatória de 25% prevista na alínea d) do n.° 1 do artigo 74.° do CIRS] da pensão de sobrevivência mensalmente transferida pelo Banco Nacional Ultramarino para Díli.
2 — Atendendo à natureza específica da situação, ao princípio do mínimo de subsistência e à evidente injustiça decorrente da tributação em causa — redução de um quarto da pensão de sobrevivência de 30 000$ paga pelo Estado Português à viúva de um seu ex-funcionário morto durante as lutas ocorridas em Timor em 1975 — o provedor de Justiça formulou uma recomendação ao Ministro das Finanças, no sentido de que fosse determinada a revisão do caso em apreço e dos análogos ao mesmo.
Na resposta o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais não concordou com a posição assumida por esta Provedoria, baseando-se em parecer a propósito emitido pelo Centro de Estudos Fiscais da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos.
3 — Não obstante se reconhecerem alguns obstáculos jurídicos ao úpo de razões que a Provedoria avançou, o provedor de Justiça considerou justificar-se reiterar a recomendação, aduzindo-se novos elementos, no sentido de não ser tributada em IRS a pensão de sobrevivência em causa.
A recomendação foi acatada por despacho do Subsecretário de Estado Adjunto da Secretária de Estado Adjunta e do Orçamento, tendo sido emitido cheque a favor da reclamante por se ter reconhecido a indevida cobrança, acrescido dos juros compensatórios.
Processo n.9 IP-28/91
Sumário: Guarda Nacional Republicana (GNR). Violência policial.
Objecto: Espancamento em posto da GNR. Decisão: Instauração de procedimento criminal.
Síntese
1 — Tendo por base uma notícia publicada na edição de 21 de Junho de 1991 no jornal O Crime, sob o título «Brutalmente espancado numposto da guarda», foi aberto, por iniciativa do provedor, o-presente processo.
Mais concretamente, tal notícia relatava um caso de agressão policial, que consistia num espancamento de um jovem no posto da Guarda de Sacavém.
2 — Sobre o caso, abordou o provedor de Justiça o chefe de Eslado-Maior do Comando-Geral da Guarda Nacional Republicana, no sentido de este proceder a rigorosas averiguações para apurar das responsabilidades dos soldados alegadamente envolvidos. ,
3 — Aquele Comando-Geral, após as averiguações \e\adas a cabo, em cumprimento do solicitado pela Provedoria, informou que se tinham colhido indícios bastantes de que o indivíduo em causa foi efectivamente agredido no interior do posto da GNR de Sacavém, comprometendo directamente um cabo e dois soldados em prestação de serviço naquele posto.
Face ao exposto, o Comando-Geral deu participação da ocorrência à Direcção do Serviço de Polícia Judiciária Militar, por indiciada prática, pelos três militares, do crime de abuso de autoridade (violências desnecessárias).
Estando o assunto a ser tratado no local próprio e competente para o efeito, actuando correctamente a GNR
na punição das violências cometidas, foi determinado o arquivamento do processo.
Processo n.9 R-2530/88
Assunto: Circulação rodoviária . Estrada em mau estado.
Objecto: Estrada em mau estado devido a obras aí realizadas.
Decisão: Após insistência do Sr. Provedor a Junta Autónoma de Estadas (JAE) efectuou o pagamentos dos danos.
0 processo foi arquivado.
Síntese
1 — O reclamante sofreu um acidente de viação em virtude de um buraco existente na estrada e resultante de obras aí realizadas.
2 — Primeiramente a JAE não assumiu a responsabilidade, vindo no entanto por diligência do Sr. Provedor de Justiça a pagar os danos que foram provocados.
Processo n.9 R-1053/88
Assunto: Trabalho na função pública.
Objecto: Tratamento igualitário aos vários funcionários na
apreciação da mesma situação. Decisão: Recomendação emitida e acatada. O processo foi
arquivado.
Síntese
1 — Ao reclamante funcionário dos CTT foi aplicada uma pena de multa por não obediência a um seu superior. De tal decisão interpôs recurso hierárquico a que não foi dado provimento.
2 — A pena idêntica e por igual motivo foi condenado um seu colega. Tendo este interposto recurso hierárquico, foi este atendido.
3 — Face a esta dualidade de critérios, pretende o reclamante ver revogada a sua pena.
4 — Após várias diligências o Sr. Provedor de Justiça emitiu recomendação ao Secretário de Estado das Obras Transportes e Comunicações.
5 — A recomendação foi aceite.
Processo n.9 R-902/91
Assunto: Negociação salarial. Sindicato.
Objecto: Ruptura das negociações sindicais referente a
negociação salarial. Decisão: Pedido procedente. O processo foi arquivado.
Síntese
1 —O Sindicato dos Técnicos de Informação e Comunicações Aeronáuticas, veio reclamar da ANA, E. P., em virtude de esta não ter procedido ao aumento salarial dos trabalhadores seus associados.
2 — Do referido aumento salarial só beneficiaram os trabalhadores dos outros sindicatos.
3 — Entende o referido sindicato ter sido violado pela ANA, E.P., o princípio da igualdade, o da não ingerência na actividade sindical, e o da boa fé negocial.
Página 245
22 DE SETEMBRO DE 1994
245
4 — Após diligências da Provedoria de Justiça, a ANA, E.P., decidiu aplicar a todo o pessoal as alterações remuneratórias, incluindo aos membros do SINTICA.
Processo n.8 R-1157/90
Assunto: Contribuições e impostos. Taxa de conservação de saneamento.
Objecto: Cobrança ilegal de taxa de conservação de saneamento.
Decisão: Foi emitida recomendação. A recomendação foi acatada. O processo foi arquivado.
Síntese
1 — O reclamante comprou uma fracção autónoma correspondente a um lugar de garagem. Os Serviços Municipalizados de Aveiro cobraram ao proprietário uma taxa de conservação de saneamento, sem que a referida fracção possua algum sistema de esgotos, não havendo assim nenhuma prestação de serviço público.
2 —; Foi emitida recomendação no sentido de ser posto termo à cobrança da taxa de conservação e de serem restituídas todas as importâncias ilegalmente arrecadadas.
3 — A recomendação foi acatada. Não foram devolvidas as importâncias em virtude de o reclamante não querer tal reposição. O processo foi arquivado.
Processo n.» R-2052/89
Assunto: Trabalho eventual na função pública.
Objecto: Actualização da remuneração pela prestação de serviços efectuada.
Decisão: A decisão foi procedente. O processo foi arquivado.
Síntese
1 — O médico em causa não via a sua remuneração actualizada há três anos, e descontava para a Caixa Geral de Aposentações tendo já descontado para a segurança social.
2 — Face à intervenção da Provedoria de Justiça a sua remuneração foi actualizada com efeitos rectroactivos. Igualmente cessaram os seus descontos para a Caixa Geral de Aposentações tendo-lhe sido restituídas as anteriores
quotas pagas.
Processo n.' R-120/91
Assunto: Trabalho da função pública. Promoção. Actualização de vencimentos.
Objecto: Posicionamento de funcionários recém-promo-vidos na escala remuneratória.
Decisão: Reclamação procedente. Situação regularizada.
Síntese
1 —O Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública do Sul e Açores deu conhecimento ao provedor de Justiça de uma carta que. tinha dirigido ao conselho de administração do Hospital da Horta, expondo a situação de três associados seus em situação irregular quanto ao posicionamento salarial.
2 — Esses três funcionários tinham sido recentemente promovidos a dietista de 1," classe, técnico de cardio-pneumografia de 1.* classe e fisioterapeuta de 1." classe, respectivamente. Ora, a despeito de tal nomeação, tinham mantido o anterior índice remuneratório. Apontava-se como causa o não descongelamento de escalões, tendo como consequência a existência de funcionários a quem tinha sido aplicada solução diversa, consoante estivessem ou não integrados anteriormente no escalão 0.
3 — Contactado o Departamento de Recursos Humanos do Ministério da Saúde, veio este a informar ser do entendimento que os reclamantes deviam ser integrados no escalão 1, por aplicação do artigo 5.°, n.° 2, do Decreto--Lei n.° 203/90, de 20 de Junho.
4 — Transmitido o teor desta informação ao Secretário Regional da Administração Interna, veio a Administração Regional, através da Direcção Regional de Saúde, a comunicar ter reposicionado os funcionários em causa no escalão 1, índice 110.
5 — Solucionada a questão que lhe tinha dado origem, foi determinado o arquivamento do processo.
Processo n.< R-1203/91
Assunto: Direitos fundamentais. Cultura. Bibliotecas e arquivos.
Objecto: Consulta de registos escolares de alunos da
Universidade de Coimbra nos séculos xvin e xrx. Decisão: Situação normalizada.
Síntese
1 — Um investigador solicitou a intervenção do provedor de Justiça face à ausência de resposta a um requerimento seu, feito ao reitor da Universidade de Coimbra, no sentido de lhe ser facultada cópia dos registos dos antigos alunos da Casa Pia de Lisboa que tivessem frequentado a Universidade de Coimbra, nos finais do século xvin e princípios do século xix.
2 — Após várias diligências escritas e telefónicas, foi sucessivamente alcançada a satisfação do pretendido pelo reclamante, primeiro quanto ao acesso aos documentos e depois quanto ao próprio tratamento da informação requerida.
3 — Estando a situação regularizada, foi determinado o arquivamento do processo.
Processo n.° R- 2401/91
Assunto: Serviço militar. Amparo de família. Objecto: Concessão de dispensa do serviço militar obrigatório por motivo de amparo. Decisão: Situação improcedente. Situação regularizada.
Síntese
1 — Um cidadão a cumprir o serviço militar obrigatório queixou-se ao provedor de Justiça de lhe ter sido negado o benefício do amparo familiar.
2 — O reclamante viveu sempre na companhia de sua avó.
3 — No momento em que o reclamante foi sujeito à inspecção para o serviço militar, entendeu o Exército não haver lugar ao amparo, já que, apesar da avançada idade da avó do reclamante, esta ainda trabalhava.
4 — Por via do agravamento da situação daquela, o reclamante voltou a requerer o benefício em causa, sucessivamente negado com o argumento que não tinha ficado provada a data a partir da qual a incapacidade se tinha tomado permanente.
5 — Contactado o chefe do Distrito de Recrutamento e Mobilização do Porto, veio o chefe de gabinete do general Chefe do Estado-Maior do Exército a esclarecer a situação.
6 — Assim, o reclamante não, tinha requerido o amparo no prazo fixado no artigo 7.°, alínea a), da Portaria n.° 94/ 90. Após o termo desse prazo, veio o reclamante apresentar requerimento extemporâneo.
Página 246
246
II SÉRIE-C — NÚMERO 33
7 — Para a viabilidade dessa pretensão, necessária seria a prova da superveniencia' dos factos justificativos, prova essa que não resultava dos documentos apresentados.
8 — Contudo, tendo em atenção a intervenção de S. Ex.° o Provedor de Justiça, bem como os aspectos sociais melindrosos em causa, o Estado-Maior do Exército comprometeu-se a rever todo o processo, procurando dos elementos apresentados extrair a prova exigida pela portaria acima citada.
9 — Em vias de se solucionar a questão apresentada perante este órgão do Estado, foi determinado o arquivamento do processo.
Processo n.9 R-3003/92
Assunto: Trabalhadores da função pública. Direitos sindicais.
Objecto: Não disponibilização, por parte da administração do Hospital de São Francisco Xavier, de local para funcionamento de assembleia de voto de sindicato representativo de trabalhadores da função pública.
Decisão: Reclamação procedente. A situação foi regularizada por mediação do provedor de Justiça.
Síntese
1 — O Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública queixòu-se ao provedor de Justiça da recusa do conselho de administração do Hospital de São Francisco Xavier em disponibilizar um local para funcionamento de uma mesa de voto para as eleições dos seus corpos gerentes, a 26 de Novembro de 1993.
2 — Alegava o Hospital serem as suas instalações exíguas, estando, além do mais, sobreocupadas com acções de formação e concursos de provimento. Contrapunha o Sindicato que pelo menos dois espaços adequados podiam ser disponibilizados.
3 — O provedor de Justiça dirigiu-se ao conselho de administração do Hospital de São Francisco Xavier, lembrando a necessidade de garantir o exercício dos direitos sindicais na função pública, de acordo com os imperativos constitucionais.
4 — Em resposta, o conselho de administração esclareceu ser verdadeiro o facto da disponibilidade de um dos espaços apontados pelo sindicato, fazendo notar que, sendo um átrio de grande movimento, poder não possuir a dignidade necessária ao funcionamento da assembleia eleitoral.
5 — No seguimento desta correspondência, através de diligências directas do provedor-adjunto, foi obtida a concordância das duas partes para a realização do acto eleitoral no local em questão.
6 — Resolvida a questão a contento de ambas as partes, foi determinado o arquivamento do processo.
Processo n.9 R-2371/90
Assunto: Administração local. Responsabilidade civil. Objecto: Reparação dos danos causados em propriedade
privada pela TELECOM. Decisão: Reclamação procedente. Situação regularizada.
Síntese
1 — Um cidadão residente em Odivelas apresentou queixa ao provedor de Justiça pelo facto de funcionários da TELECOM, ao procederem a trabalhos nas instalações telefónicas, terem penetrado numa propriedade sua, sita em Pedrógão Grande, destruindo as culturas que aí tinha. Já
tinha apresentado reclamação à empresa, oferecendo-lhe esta a compensação de 1000$, como contraproposta à de 20000$, apresentada pelo reclamante.
2 — Contactado o departamento responsável da TELECOM, veio o conselho de administração desta empresa apresentar as explicações oportunas, referindo ter sido autorizada a realização dos trabalhos por familiares do reclamante e comprometendo-se a alcançar um acordo aceitável para ambas as partes.
3 — Finalmente veio o reclamante a informar ter-lhe sido paga a quantia de 18 000$, após negociação com representantes da TELECOM. Em vista de tal, foi determinado o arquivamento do processo.
2 — Actividade extra-processual
2.1 — Seminário sobre o Código do Procedimento Administrativo
O Código do Procedimento Administrativo foi promulgado em 29 de Outubro de 1991 e entrou em vigor a 16 de Maio de 1992. Consciente da importância do Código para a defesa dos direitos dos administrados, tomou o provedor de Justiça a iniciativa de promover o seu estudo aprofundado a nível da Provedoria de Justiça, com vista não apenas ao trabalho interno que nela se desenvolve como também à divulgação do conteúdo do Código e das suas implicações entre os agentes da Administração Pública.
Foi assim que, com a colaboração do Instituto Nacional de Administração para os aspectos organizativos e do apoio logístico, se levou a cabo nos dias 7 e 8 de Julho nas instalações do referido Instituto um seminário sobre o referido Código. O seminário encarava o «Código de Procedimento Administrativo na óptica do cidadão» e tinha como destinatários os dirigentes de Administração Pública, sendo certo que o número de participantes foi o máximo consentido pela entidade organizadora.
A orientação do seminário foi assegurada pelos coordenadores e assessores da Provedoria de Justiça, de acordo com o elenco temático que se segue:
«Âmbito de aplicação do Código do Procedimento Administrativo» — Dr.° Maria de Lourdes A. C. Leite Garcia, assessora principal da Provedoria de Justiça;
«Breves reflexões sobre o âmbito material do Código do Procedimento Administrativo e seu relacionamento com leis especiais» — Dr.* Maria Helena Valez Carvalho Fernandes, assessora principal da Provedoria de Justiça;
«Os princípios da justiça e da decisão no Código do Procedimento Administrativo» — desembargador António Luís Oliveira Guimarães, coordenador da Provedoria de Justiça;
«Eficácia do acto administrativo» — Dr." Maria Antonieta Cunha e Silva, assessora principal da Provedoria de Justiça;
«Direito à audiência. Direito de informação. Notificação» — Dr.* Maria Lídia Carvalho Soares, assessora principal da Provedoria de Justiça;
«Revogação no Código do Procedimento Administrativo» — Dr." Maria Madalena Diener de Oliveira, assessora principal da Provedoria de Justiça;
«Reflexões sobre a nulidade do acto administrativo no Código do Procedimento Administrativo» — Dr. José Tomás Porto, assessor principal da Provedoria de Justiça;
Página 247
22 DE SETEMBRO DE 1994
247
«Algumas reflexões sobre o Código do Procedimento Administrativo»—juiz Mário Gonçalves Pereira, coordenador da Provedoria de Justiça;
«Código do Procedimento Administrativo — Marcha do procedimento administrativo» — Dr. João Osório, assessor principal da Provedoria de Justiça;
«Código do Procedimento Administrativo — Os princípios gerais da actuação administrativa e sua repercussão no contencioso administrativo. Reforço da 'garantia da via judiciária'» — Dr. Carlos Alberto Carvalho Jordão, colaborador da Provedoria de Justiça;
«A produtividade na Administração Pública Portuguesa: perspectivas do seu aumento com a aplicação do Código do Procedimento Administrativo» — Dr. Reinaldo da Costa Fragoso, assessor principal da Provedoria de Justiça;
«Responsabilidade da Administração no âmbito do Código do Procedimento Administrativo» — Dr." Isaura Junqueiro, colaboradora da Provedoria de Justiça.
Para melhor conhecimento do espírito que animou este seminário e dos seus objectivos, transcreve-se o texto escrito pelo provedor de Justiça para acompanhar a publicação das intervenções que no mesmo foram produzidas:
0 provedor de Justiça e a Administração Pública
1 — Instituição de origem nórdica, «jovem de 200 anos», o Ombudsmen, também, designado por Médiateur em França, Protecteur des Citoyens no Quebeque, Difensore Civico em algumas regiões de Itália e Defensor dei Pueblo em Espanha — termos que reflectem, conforme o sentir dos diferentes povos, o conteúdo essencial da sua função—, tem vindo a desempenhar um papel de progressiva relevância independentemente dos locais do mundo e dos regimes políticos, desde que democráticos.
Hoje, data de novos desafios que acompanham um mundo sempre em mudança, é indiscutível tratar-se de uma figura de matriz universal, cuja essencialidade sem fronteiras é dominada pelas ideias de justiça e de bem, eternos desígnios humanos.
Aparecido em Portugal na sequência da instituição do regime democrático, o provedor de Justiça tem sido cada vez mais solicitado a intervir junto da Administração Pública, seja por via das queixas apresentadas pelos cidadãos, seja através das iniciativas por si tomadas.
Com agrado verifiquei recentemente, numa conferência internacional de Ombudsmen realizada na Áustria, que o provedor de Justiça português é, de entre os seus congéneres, aquele cujo leque de poderes é mais alargado. E costumo dizer, a propósito, a conhecida frase de Bruno Kreisky, proferida em 1984, na Suécia, mas plena de actualidade:
O Provedor é o único órgão do Estado que poderá exceder as suas competências.
2 — Na defesa e garantia da legalidade e justiça das decisões da Administração Pública central, regional e local do Estado, das Forças Armadas, dos institutos públicos e das empresas do Estado, o provedor recomenda, critica, comenta, promove, inspecciona e divulga, exercendo com independência e informalidade as funções de controlo dos actos praticados pelos órgãos da Administração, de mediador de
conflitos entre estes e os cidadãos, de promotor de reformas judiciais e administrativas e de representação político-democrática, reduzindo a distância que separa os cidadãos dos seus representantes, os governados e os governantes.
Considero que o facto de o provedor não ter poderes de decisão constitui, sem dúvida, o maior trunfo desta instituição. O provedor não ordena, não determina, não impõe. Mas recomenda e sugere. E parece-me ser desta ausência de compromisso com os órgãos que exercem os poderes que resulta o poder que é detido pelo provedor e que o aproxima e liga directamente aos cidadãos, fonte de toda a legitimidade política.
Não obstante o considerável número de queixas apresentadas ao provedor de Justiça — em 1992 ultrapassou as 3000 —, considero que este número se situa aquém do que se justificaria. Não só pelo facto de muitas das questões colocadas representarem meras amostragens de problemas genéricos, como também pelo facto de a nossa Administração Pública, não raro, adoptar procedimentos que se situam ainda longe do desejável e exigível num Estado de direito.
Mas existe ainda uma outra razão que explica este facto e que consiste no desconhecimento da própria instituição: muitos cidadãos ignoram a existência e a disponibilidade de um órgão que através da sua autoridade intervém no âmbito da actividade através do já denominado «direito benévolo».
3 — Não posso deixar de reconhecer que a Administração Pública tem, nos últimos anos, registado acentuadas melhorias na sua actuação. Mas todos sabemos, também, que o caminho a percorrer é ainda longo.
De entre os marcos mais relevantes desta evolução destacaria a parte das alterações introduzidas nos artigos 266.° e 268.° do texto constitucional, aquando da revisão de 1989, que vieram reforçar os princípios fundamentais por que se deve reger a Administração e os direitos e garantias dos administrados, designadamente quanto à fundamentação, notificação e recurso dos actos administrativos, com a consequente entrada em vigor, no ano passado, do Código do Procedimento Administrativo. Reunindo num único diploma muita da legislação então dispersa e acolhendo novas propostas da melhor doutrina administrativa, este Código constitui um documento de importância primordial na regulação jurídica do modo de proceder da Administração.
Dominado pela explicitação de princípios gerais tão importantes como os da igualdade, proporcionalidade, justiça, imparcialidade, participação, informação, decisão, colaboração da Administração com os particulares, desburocratização, eficiência e acesso à justiça define um modelo de administração aberta aos cidadãos e para os cidadãos.
Se é certo que muitas das queixas apresentadas ao provedor de Justiça tinham a ver com a inexistência da regulamentação de alguns destes princípios, também é verdade'que o surgimento do Código do Procedimento Administrativo não veio, por si só, resolver estas questões.
Se a actividade da Administração Pública passa a ser dominada por requisitos de maior exigência, ao provedor pede-se que seja ainda mais actuante na aferição do cumprimento desse legalidade.
Igualmente importante julgo ser, neste momento, a divulgação do conteúdo do diploma. Tenho verificado, através das muitas queixas recebidas, que nem
Página 248
248
II SÉRIE-C — NÚMERO 33
os órgãos da Administração dão execução a muitas das suas disposições, nem os cidadãos se têm
prevalecido da invocação dos seus direitos. A única
explicação, preocupante aliás, não pode ser outra que não o desconhecimento do diploma.
Também neste aspecto o provedor de Justiça tem o dever de exercer uma forte acção pedagógica de divulgação do seu conteúdo. A este propósito, a promoção pelo Instituto Nacional de Administração de um curso .sobre o Código do Procedimento Administrativo, sob a orientação' da Provedoria de Justiça, teve a maior importância por dar a conhecer a bondade do diploma aos cidadãos e a Administração, e procurar uma solução para todos os diferendos existentes.
4 -— A Provedoria de Justiça tem de ser a mesa à volta da qual todos se sentam para, informalmente, aproximar percursos que não podem deixar de conduzir a um fim comum.
Atento ao disposto no artigo 3.° do decreto-lei que aprova o Código e que impõe a sua revisão no prazo de três meses a contar da sua entrada em vigor, este limite constitui um apelo a todos os participantes no colóquio para que se empenhem em fazer chegar ao provedor de Justiça as alterações decorrentes da aplicação do diploma, que considerem justificadas.
Asseguro a todos que as portas da Provedoria de Justiça estarão sempre abertas.
5 — Antes de terminar, e para concretizar um pouco mais, não posso deixar de salientar todo o titulo ix da Constituição, com a epígrafe genérica de «Administração Pública» e com as diversas epígrafes específicas:
«Princípios fundamentais» (artigo 266.°); «Estrutura da Administração» (artigo 267.°); «Direitos e garantias dos administrados» (artigo 268.°);
«Regime da função pública» (artigo 269.°); «Restrições ao exercício de direitos» (artigo 270.°);
«Responsabilidade dos funcionários e agentes»
(artigo 271.°); «Polícia» (artigo 272.°).
Em cada um destes artigos encontramos a «institucionalização dos direitos dos cidadãos perante a Administração Pública. O Código do Procedimento Administrativo veio em boa parte, e especialmente no que se refere ao disposto no artigo 268.° da Constituição — «Direitos e garantias dos administrados» —, regulamentar aquelas disposições constitucionais.
Existe contudo uma excepção que não posso de maneira nenhuma deixar de assinalar e que se refere ao direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, ou seja, a chamada «administração aberta», regime este também de inspiração nórdica.
Dispõe o n.°2 do artigo 268.°:
Os cidadãos têm também o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas.
Conforme consta do n.°9 do preâmbulo do decreto-lei que aprova o Código, esta matéria veio ape-
nas a ser aflorada no artigo 65." do Código do Procedimento Administrativo, ao referir:
1 — Todas as pessoas têm direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, mesmo que não se encontre em curso qualquer procedimento que lhes diga directamente respeito, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas.
2 — O acesso aos arquivos e registos administrativos é regulado em diploma próprio.
Desta forma, o conteúdo deste direito, em vez de ter ficado desde logo expressamente consagrado no Código, é remetido para legislação especial.
Melhor teria sido regular desde logo o acesso aos arquivos e registos administrativos (em vez de se ter realizado esta remissão) conforme se dispunha, aliás, na redacção do projecto:
1 — Os particulares que demonstrarem interesse legítimo têm direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, mesmo que não se encontre em curso qualquer procedimento que lhes diga directamente respeito.
2 — O acesso aos arquivos e registos administrativos far-se-á em regra mediante a passagem de certidões ou fotocópias autenticadas dos elementos que os integram, sendo possível a consulta directa dos documentos arquivados ou
registados quando a lei o permita ou quando o órgão competente o autorize.
3 — O acesso aos arquivos e registos administrativos pode ser recusado, mediante decisão fundamentada, em matérias relativas às matérias, à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas.
4 — A consulta directa ou indirecta ou a passagem de certidões ou fotocópias devem ser asseguradas aos interessados no prazo máximo de 10 dias.
Mas também esta redacção continha uma grave lacuna ao omitir a entidade com competência para interditar o acesso aos arquivos e registos administrativos e os termos em que tal poderia vir a ser feito.
Se o problema se põe quando estão em causa matérias relativas à investigação criminal, já o mesmo se não pode dizer quanto às limitações decorrentes dos conceitos de segurança interna e externa e à reserva da intimidade das pessoas.
Por outro lado, o facto de o artigo 65.° do Código do Procedimento Administrativo não ter fixado um prazo máximo para a Administração responder aos pedidos de informação dos cidadãos sobre o andamento dos processos em que sejam directamente interessados, bem como para conhecer as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas, não pode deixar de merecer um reparo.
Todos os projectos que neste momento se encontram em discussão na Assembleia da República sobre o regime de acesso aos arquivos e registos administrativos apontam para a competência de uma comissão cuja composição é ainda tema de debate.
É exigível — diria mesmo que seria imperdoável que assim não acontecesse — que o provedor de Justiça, único órgão do Estado verdadeiramente independente dos partidos e que nem pela Assembleia da República pode ser destituído, venha a integrar essa futura comissão.
Página 249
22 DE SETEMBRO DE 1994
249
A concluir, digo que, sem a completa regulamentação do princípio da administração aberta, boa parte dos direitos conferidos aos cidadãos pelo generoso Código do Procedimento Administrativo ficam limitados de forma quase intolerável. Oxalá o prometido diploma especial não demore porque ele virá a constituir um poderoso instrumento legal para evitar a generalização do insidioso — e permanente — perigo de corrupção. A abertura da actividade administrativa a todos os cidadãos, independentemente de terem, ou não, legitimidade para o respectivo conhecimento de documentos ou arquivos, constitui uma das resposta essenciais à invenção, imaginação ou deturpação de factos importantes sobre a actuação dos poderes públicos.
6 — Com estas palavras de esperança, resta-me
referir que os três últimos trabalhos — da autoria da Dr.° Isaura Junqueiro e dos Drs. Carvalho Jordão e Reinaldo Fragoso— não foram objecto de debate por escassez de tempo. De qualquer forma, crê-se que o presente volume contendo reflexões sobre o Código do Procedimento Administrativo, menos de dois meses após o seu início de vigência — o seminário realizou-se em 7 e 8 de Julho de 1992 — , constitui iniciativa pioneira de um departamento do Estado a que incumbe a liderança na defesa dos direitos dos administrados.
2.2. Seminário «Menores em risco numa sociedade em mudança»
O seminário «Menores em risco numa sociedade em mudança» teve lugar nos dias 11, 12 e 13 de Novembro de 1992.
Tendo como objectivo proporcionar o debate dos grandes problemas que na sociedade portuguesa se colocam nas áreas da infância e da juventude, foi intenção do provedor que esse debate se fizesse através do diálogo entre as instituições emanadas da sociedade e as estruturas que na Administração Pública têm a seu cargo as respostas a esses problemas. Daí que as intervenções no seminário tenham sido confiadas quase exclusivamente a pessoas ou organismos da Administração Pública. Em face do conteúdo das sucessivas exposições, os participantes membros das instituições privadas poderiam, intervindo nos debates subsequentes, exprimir os seus pontos de vista e interpelar o Estado.
No programa do seminário avultam três temas: o social, a educação e a justiça. Dentro das limitações de tempo inevitáveis, não teria sido possível acolher outros de igual interesse. E nem a estes três se deu, como é óbvio, a profundidade de tratamento que indiscutivelmente mereciam.
Dir-se-á, à guisa de explicação, que a temática abordada foi objecto da ponderação conjunta da Provedoria e dos organismos da Administração, em reuniões de trabalho, plenárias ou parcelares, ao longo dos meses que levou a preparação do seminário. Não deixaram de se ouvir também as instituições privadas, infelizmente não tanto quanto seria desejável, mas o suficiente para que fizessem ouvir, mesmo na fase preparatória, as suas sugestões.
Como se poderá verificar pela leitura do respectivo programa, foi muito diminuta a intervenção da Provedoria durante o seminário, remetida que se quis às tarefas de assegurar o suporte organizativo e a moderação dos painéis. A opção por este modelo traduz a filosofia que se pretendeu subjacente à actuação do provedor como mediador activo, a promover o diálogo entre as forças
sociais, potenciando assim a sua eficácia no sentido da solução dos problemas de que se vai apercebendo na sociedade.
Como é evidente, o seminário não teria sido possível sem a participação empenhada de todos os intervenientes activos a quem se deixa aqui testemunho de público reconhecimento.
Reconhecimento que se estende por igual a todos os participantes em número superior a 300, vindos de todos os cantos do País. A sua participação activa nos painéis e nos debates foi decisiva para enriquecer o conteúdo do seminário.
Uma palavra de agradecimento é devida também ao Montepio Geral que desde o primeiro momento se dispôs a patrocinar o seminário. Fê-lo, disponibilizando para a sua realização o seu auditório da Rua do Ouro, em Lisboa, e suportando todas as despesas com o apoio logístico ao seminário, desde a realização dos impressos do programa, ao fornecimento de pastas e placas de identificação, impressão de documentos distribuídos durante o seminário e realização da medalha comemorativa do mesmo.
Finalmente, mas não por último, não ficaria bem deixar de assinalar o brilho que a esta realização do provedor de Justiça adveio da presença na sua sessão de abertura, de muitas personalidades ilustres. Atendo-nos apenas aos titulares de cargos públicos, é nosso dever mencionar SS. Ex* o Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República, o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, o Presidente do Tribunal Constitucional, o Procurador--Geral da República, o Ministro da Administração Interna em representação do Primeiro-Ministro, o Ministro do Emprego e da Segurança Social, o Ministro da Justiça, o Secretário de Estado da Saúde, o Secretário de Estado da Segurança Social, o Secretário de Estado da Juventude e o representante do Cardeal-Patriarca de Lisboa.
Foi o seguinte o programa do seminário:
Dia 11 de Novembro:
09.00 — Distribuição de documentação. 10.00 — Sessão de abertura:
«O porquê e o como deste seminário» — pelo
provedor de Justiça. Intervenção de S. Ex.° o Presidente da
República.
10.30:
«Metodologia do seminário» — pelo juiz desembargador Oliveira Guimarães, coordenador da Provedoria de Justiça.
«Política de família» — comunicação pela Dr." Maria Raquel Ribeiro, directora-geral da Família.
11.00 —Intervalo. 11.30:
«Riscos para os menores — Quais e porquê?» — introdução ao tema pelo Dr. João Seabra Diniz, assessor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.
Almoço livre. 14.30 —Painel I:
«Acção social — Olhar para agir» — moderador: Dr. José Tomaz Ferreira, chefe do Gabinete do Provedor de Justiça. Apresentação pe/a Dr.4 Maria Joaquina Madeira, directora-geral de Acção Social.
Página 250
250
II SÉRIE-C — NÚMERO 33
«Acções concretas/depoimentos» — Centro Regional de Segurança Social de Coimbra.
«A criança em risco uma responsabilidade de todos» — Casa Pia de Lisboa.
«A multiplicidade e a unidade de experiência educativa da Casa Pia de Lisboa» — Centro Regional de Segurança Social de Lisboa.
«O Centro Regional de Segurança Social de Lisboa face à problemática dos menores em risco».
16.00 —Intervalo.
16.30.
«Acções concretas/depoimentos» — Centro Regional de Segurança Social de Leiria. -
«Apresentação do Projecto Marrazes» — Centro Regional de Segurança Social de Braga.
«Experiências de reforço de socialização de crianças em internato» — Instituto de Apoio à Criança.
«Trabalho na rua, com as crianças da rua» — intervenção da Dr." Adelina Odete Marques, do Instituto de Apoio à Criança.
17.30 —Debate. 21.30:
Sessão de cinema na Cinemateca Portuguesa com a projecção do filme Pixote de Hector Babenco, Brasil, 1981.
Debate.
Dia 12 de Novembro: 09.30:
«Comunicação social e educação» — pela jornalista Maria José Mauperrin.
10.00:
«A escola integral» — introdução ao tema pelo Prof. Doutor Joaquim Coelho Rosa, presidente do Instituto de Inovação Educacional.
11.00 — Intervalo. 11.30 — Painel II:
«Por uma nova dinâmica educativa»—moderadora: Dr.* Maria José Iria, assessora principal do provedor de Justiça.
«O sucesso educativo como factor de prevenção» — comunicação pelo Dr. António Barroso, subdirector-geral do Ensino Básico e Secundário.
«Medicina pedagógica» -— intervenção pela Dr.* Ilda Neves, chefe de divisão do Instituto dos Assuntos Sociais Educativos.
«Acções concretas/depoimentos. Projecto Vida» — Direcção Regional de Educação do Norte e Direcção Regional de Educação do Algarve.
Almoço Livre. 14.30 —Painel DJ:
«Ensino e valorização profissional» — moderadora: 'Dr.* Maria José Iria, assessora principal do provedor de Justiça.
«O ensino recorrente — Uma proposta alternativa» — comunicação da Dr." Maria Helena Valente Rosa, directora-geral da Extensão Educativa.
«Escolas profissionais como instrumentos de prevenção» — comunicação da Dr." Célia Vouga, técnica superior do Gabinete de Educação Tecnológica, Artística e Profissional do Ministério da Educação.
16.00 — Intervalo. 16.30:
«Pré-aprendizagem profissional e transição para o emprego» — comunicação pelo Dr. José de Brito, presidente do Instituto do Emprego e Formação Profissional. «Acções concretas/depoimentos. Fórum Estudante» — Centro Universitário Padre António Vieira.
17.30 —Debate. 21.30:
Sessão de cinema da Cinemateca Portuguesa com a projecção do filme O Tempo dos Ciganos, de Emir Kusturica, Jugoslávia, 1989.
Dia 13 de Novembro: 09.30:
«O Papel preventivo da PSP» — comunicação pelo subcomissário da PSP Valente Gomes.
10.00:
«Fundamentos da justiça tutelar» — introdução ao tema pelo procurador da República Dr. Almiro Rodrigues, do Centro de Estudos Judiciários.
11.00 —Intervalo. 11.30 —Painel IV:
«Sentir para decidir» — moderador: juiz desembargador A. Oliveira Guimarães, coordenador da Provedoria de Justiça.
«Justiça de e para menores — Tribunais especializados ou juízes especializados» — Comunicação pelo procurador da República Dr. Rui Epifânio, do Centro de Estudos Judiciários.
«Marginalidade juvenil: um filme difícil» — comunicação pelo juiz de direito Dr. Renato Damas Barroso.
Acções concretas/Depoimentos.
«Projecto Jovem a Jovem».
«Prevenção de Toxicodependência».
«Projecto Bússola».
«Menores em risco nos estabelecimentos dependentes da Direcção-Geral dos Serviços Tutelares de Menores» — Comissão dos Direitos e Igualdade das Mulheres.
Almoço Livre. 14.30:
«Menores e intervenção social de justiça» — comunicação do Dr. Luís Miranda Pereira, presidente do Instituto de Reinserção Social e director-geral dos Serviços Tutelares de Menores.
. 16.00 —Intervalo. 16.30 —Debate.
Página 251
22 DE SETEMBRO DE 1994
251
17.30 — Encerramento. 18.00— Cocktail. 21.30:
Sessão de cinema na Cinemateca Portuguesa com a projecção do filme Fúria Sanguinária, de Raoul Walsh, Estados Unidos da América, 1949.
Na cerimónia de abertura o provedor de Justiça proferiu o discurso que se transcreve:
O porquê e o como deste seminário
Pretende constituir o seminário «Menores em Risco Numa Sociedade em Mudança» uma abordagem social séria e consciente de uma problemática que, no fundo, diz respeito a todos os menores e à sociedade em geral.
São três as vertentes deste seminário e que, em essência, exprimem o seu porquê e o seu como e explicam a lógica da sua cronologia: a acção social, a acção educativa e a justiça tutelar.
Conseguir-se uma análise integrada de tais vertentes através da participação de entidades oficiais e privadas, particularizando as questões específicas que lhes são próprias, mas buscando também abranger o que têm de comum e definir o que devem ter de comum, na perspectiva do objectivo final que é o de evitar, tanto quanto possível, a existência de menores em risco, pela eliminação e atenuação desse risco, será o propósito fundamental deste encontro.
Ao provedor de Justiça cabe importante papel na obtenção desse propósito; por isso deu alma a este projecto esperando agora a colaboração de todos para que lhe seja dada voz.
1 —Em 1991 tomou a Provedoria de Justiça a iniciativa de mandar fazer uma inspecção aos estabelecimentos geridos pela Direcção-Geral dos Serviços Tutelares de Menores. Dessa inspecção resultou um relatório que veio a público em Julho desse mesmo ano e do qual tomei naturalmente conhecimento após ter assumido as funções que desempenho.
O relatório constituía uma abordagem muito limitada, mas no tempo do grande universo dos menores em risco, e a problemática que estes constituem está naturalmente dele arredada. Com efeito, para começar, apenas foi observada uma parte da faixa de menores, dos quais, por alguma forma, a justiça teve de se ocupar. E,- ainda assim, objecto de análise foram, não tanto os riscos que os levaram àqueles estabelecimentos de reeducação, mas sim a resposta que neles encontraram.
2 — Achei que aquela reflexão parcelar poderia e deveria ser alargada. Para tanto me motivaram razões de ordem institucional como de ordem pessoal. Não me esqueci dos tempos em que, magistrado em início de carreira, ensaiava, em terras da Beira, por minha conta e risco, e à margem das normas vigentes, experiências de reinserção social com reclusos jovens, numa abordagem da criminalidade que preludiava já, no início desses longínquos anos 50, as soluções a que havia de dar forma institucional quando investido de responsabilidades governativas, como Ministro da Justiça. E pese a esterilidade relativa que as marcou (fruto das circunstâncias do tempo), considero emblemático ter sido como Secretário de Estado da Recuperação Social que me estreei em tarefas de governo. Até porque já desde há muito vinha dedicando
a um movimento para a formação de juventude — o escutismo — os magros ócios de uma vida profissional em extremo absorvente.
3 — A estas razões de ordem pessoal, que com alguma imodéstia me atrevi a invocar diante de vós, juntaram-se, e com peso acrescido, razões de ordem funcional. Compete ao provedor de Justiça a defesa e a preservação dos direitos dos cidadãos e dos seus interesses legítimos. E, se para todos os que vêem postos em causa os seus direitos se encontram abertas as portas da sua actuação, ninguém estranhará que com redobrada atenção ele se debruce sobre os mais
indefesos. Entre estes se encontram necessariamente as crianças e os jovens — os menores, na expressão que a lei consagrou, e que, sendo porventura infeliz quando interpretada como iniciando uma capitis im-minutio, vem muito a propósito para ilustrar o que pretendo. Menores porque mais pequenos, menores porque aquém do desenvolvimento pleno, menores porque diminuídos na razão da força de que não dispõem, as crianças, os adolescentes e os jovens constituem toda uma faixa de cidadãos que, além dos direitos fundamentais de todos os outros, são sujeitos de direitos específicos. Direitos que subsistem, mas que não sabem fazer valer; direitos que muitas vezes ignoram e que, por isso mesmo, se encontram impossibilitados de reivindicar; direitos que induzem nos outros, e nomeadamente na sociedade, outros tantos deveres, tantas vezes ignorados, tantas vezes desrespeitados.
4 — Não são muitas as queixas que chegam à Provedoria sobre atropelos a esses direitos, e o mais que se tem feito ou nasceu de iniciativas do Provedor ou a este chegou por adulto interposto. O que, aliás, vem apenas ilustrar o estado de carência em que se encontram os visados — tão pobres e diminuídos que nem sabem quiçá que uma porta existe onde podem bater com a certeza de serem atendidos. Mas não é preciso que este ou aquele aponte o dedo para casos concretos de violação desses direitos. Quem escutar com atenção o marulhar do mundo, nele distinguirá, sem grande esforço, o coro dos inocentes que gritam para que se respeite o seu direito a uma vida digna no presente e no futuro, o seu direito a um crescimento equilibrado, o seu direito a que lhes sejam dadas condições para que desabroche neles a dimensão plena da pessoa humana que cada um deles já é. A estes direitos acrescentaria para a criança o direito a ser criança, para o jovem o direito a sê-lo e a viver como tal.
5 — Não me caberá neste momento enumerar os riscos para os menores presentes neste mundo em que vivemos e, em muitos casos, dele decorrentes. Será essa uma das tarefas deste seminário em que foi meu propósito colocar frente a frente organismos oficiais que se ocupam desta problemática e as inúmeras organizações e obras privadas que, na nobre missão de obviar aos riscos que ameaçam os menores, representam o empenhamento da sociedade civil. A tarefa é tão vasta que nenhum esforço se pode dispensar. E sabendo que todos somos poucos para tão grande empresa, há que potenciar os meios existentes e maximizar o resultado dos esforços despendidos. Achei que uma das maneiras de o conseguir seria promover este espaço de diálogo e de reflexão em comum, onde serenamente se pudessem confrontar ideias e trocar experiências, de modo que o saber de cada um pudesse enriquecer-se com o saber dos outros. Não é por se tratar de um
Página 252
252
II SÉRTE-C — NÚMERO 33
lugar-comum que deixarei de dizer que o Portugal do futuro vive já hoje nas crianças e nos jovens seus filhos.
É uma verdade elementar. Por isso também elementar se afigura a evidência de que o mais rendível investimento que um país pode fazer a longo prazo é o que tem como objecto os seus recursos humanos de amanhã. Sei que qualquer economista me acompanharia nesta asserção, que não desejo todavia seja entendida num sentido meramente económico. Porque o que está em causa, do ponto de vista em que me coloco, é a sociedade de amanhã como comunidade de homens livres, felizes quanto o consinta a condição humana, uma sociedade em que, para além da legalidade, a justiça se afirma em todas as suas dimensões.
6 — Falei atrás dos riscos que para os menores decorrem do próprio modo de ser que afeiçoa o nosso mundo. Não quero com isso acolher a visão pessimista que marca a velhice de alguns espíritos com que não me identifico, e segundo a qual o amanhã será sempre tão pior que o hoje quanto o hoje é pior que o ontem. No tempo que Deus já me deu viver, tive oportunidade de testemunhar transformações muito positivas que me confortam na convicção de que a história dos homens não é uma caminhada absurda, mas tem um sentido positivo, que julgo poder identificar com a afirmação do próprio homem. Mas não embarco no optimismo tonto que vê em toda a mudança um salto de qualidade positiva. «Menores em risco numa sociedade em mudança» é o tema genérico proposto à vossa reflexão neste seminário. Porque os riscos para os menores nunca são abstractos, há que identificá-los no concreto de cada sociedade e que enquadrar' nesse concreto os remédios que se propõem para combater os males detectados. Não gostaria que deste seminário resultassem mais umas quantas abstracções, quiçá muito sabiamente formuladas. Desejaria, sim, mesmo sem jogar no imediatismo de soluções fáceis, que a vossa reflexão fosse fértil de ideias concretas e concretizáveis, para que, a partir delas, algo de verdadeiramente palpável acontecesse como achega real para a solução de um problema complexo, que só por abordagens múltiplas pode ser solucionado — se algum dia o for.
7 — Folheando a história, verifiquei que a atenção da sociedade para com os menores é despertada pelo problema dos «enjeitados». Para eles se criou a roda em que eram «expostos». Expostos; entenda-se, à caridade pública.
Mudaram os tempos e com eles os problemas. Aparentemente já não há «enjeitados» e, desaparecida a «roda», deixou de haver também «expostos». Por mim não estaria tão seguro disso. É sintomático que, para designar uma larga faixa de menores em risco, se fale de «crianças privadas de meio familiar normal». Se bem virmos, o enjeitado outra coisa não era que uma criança «privada de meio familiar». Parece, pelo menos numa primeira abordagem, que existe, entre o passado e o presente, um denominador comum que é a família ou a falta dela. E ao reflectir nas alterações que o nosso tempo impôs ao meio familiar, sou tentado a pensar como será difícil identificar um meio familiar «normal». Por mim defini--lo-ia como o meio capaz de garantir à criança as condições de um crescimento são e equilibrado, até
à dimensão plena de pessoa livre em que nos definimos como homens.
Mas são tantas as condicionantes negativas que
marcam o tempo em que vivemos, que não sei se alguma criança encontrará, para a receber, um meio familiar «normal» no sentido em que o defini. Mais: a globalização das relações e a multiplicidade de interacções que caracterizam o nosso mundo, aconselham talvez que se alargue a noção de meio
familiar, de modo a incluir todos aqueles que podem
condicionar o desenvolvimento ao menor. Assim, cada criança que vem ao mundo pode bem ser considerada um «exposto» a pedir a ajuda de todos. Porque, nesta aldeia global em que vivemos, todos somos responsáveis por todos.
8 — E, falando de expostos e de enjeitados, não posso deixar de evocar aqui, em singela homenagem, duas instituições, duas obras a quem o País muito deve, pelo muito que tem feito pelos menores em risco.
Refiro-me, em primeiro lugar, a essa instituição centenária que é a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Por Carta Régia de 1543 lhe foram confiados os enjeitados da capital. E, desde então, nunca o cuidado de menores esteve arredado da sua acção, o que a credita como instituição portuguesa com mais experiência neste domínio. Os tempos mudaram, como disse, e com eles os problemas. Mas, denotando uma enorme capacidade de rejuvenescimento, também aquela veneranda instituição soube adaptar as suas respostas aos novos tempos, nomeadamente através da reforma que levou a cabo na década de 50, e entre cujos artífices desejo destacar o malogrado Dr. Mello e Castro e a felizmente presente Dr.° Raquel Ribeiro, que nos dá a honra de intervir neste seminário.
Em segundo lugar refiro-me à Obra da Rua, concebida pela inteligência arguta e ditada pelo coração grande desse homem extraordinário que foi o Padre Américo. Sem cursos de pedagogia, nem diploma de psicólogo, ensinou-lhe a sua intuição de homem bom a evidência de que o que realmente se impunha era oferecer aos rejeitados do mundo um «meio familiar» onde pudessem fazer-se homens. Pai Américo era como os meninos da rua chamavam ao fundador da Obra que os acolheu e que baseou toda a sua pedagogia e a sua acção na ideia que expressamente formulou de que «aqueles que perderam os pais não perderam de maneira nenhuma o gosto de serem filhos».
Julgo não atentar contra a especificidade das várias obras aqui representadas se a todas apontar como referência o espírito do Padre Américo.
9 — É tempo de terminar. Como Martin Luther King, também eu tenho um sonho que vós partilhais comigo, o sonho que a todos aqui nos trouxe.
Eu sonho com um mundo de homens livres e dignos em cujos rostos se espelhe a imagem do Deus que os criou.
Eu sonho com um mundo em que a justiça e a paz se beijem, de modo que esta seja o fruto daquela.
Eu sonho com um mundo sem violência nem discriminações; onde ninguém tenha que sofrer por causa da cor da pele, da diferença religiosa ou da origem social; onde a opulência de alguns se não afirme como afronta à miséria dos outros; onde a todos sejam garantidos não apenas o direito, mas as condições concretas para ser homem e viver como homem.
" Eu sonho com um mundo liberto das grilhetas de todas as opressões: sem meninos a chorar com fome
ou vítimas de maus tratos; sem meninos que não brincam porque lhes roubaram a alegria de serem
Página 253
22 DE SETEMBRO DE 1994
253
crianças; sem adolescentes e jovens a procurar na droga o sentido para a vida que nós não lhes soubemos dar; sem bairros negros com meninos sujos vítimas da miséria, nem prédios ricos a esconder por detrás das suas fachadas elegantes infernos de solidão infantil, e de maus tratos ocultos.
Eu sonho com um mundo que seja realmente aquela nova terra onde a justiça habita.
Um sonho impossível, direis. Responder-vos-ei citando o Padre Américo:
Ele poderá haver no mundo um povo sem tribunais, sem cadeias, sem força armada; chaves na porta, janelas abertas, gente de braço dado? Poderá? Não pode. Porquê? Por via do pecado original. Então, quê: tudo perdido? De maneira nenhuma.
Menos tribunais, menos cadeias, menos traumas, menos crimes, onde reine o Evangelho. Venha a nós o vosso reino. Não sei se me faço compreender. Quisera que todos compreendessem.
2.3. — Participação em reuniões internacionais
Jornadas de Ombudsman
O provedor de Justiça participou, em representação de Portugal, nas Jornadas de Ombudsman, que tiveram lugar em Madrid de 28 a 30 de Maio de 1992, organizadas pelo Defensor dei Pueblo de Espanha em colaboração com a Conferência para a Segurança e a Cooperação na Europa a cujos países membros se dirigia.
Foram os seguintes os países participantes ou através do respectivo Ombudsman ou através de organismos do Estado (nomeadamente comissões parlamentares) vocacionados para a defesa dos direitos humanos:
Albânia;
Alemanha;
Argentina;
Ausüia;
Bélgica;
Canadá;
Croácia;
Chipre;
Checoslováquia;
Dinamarca;
Eslovénia;
Espanha;
Federação Russa;
Finlândia;
França;
Grécia;
Hungria;
Islândia;
Itália;
Lituânia;
Luxemburgo;
Malta;
Noruega;
Países Baixos;
Polónia;
Portugal;
Reino Unido;
Roménia;
Santa Sé;
Suíça;
Turquia.
Além destes países estavam ainda representados:
Parlamento Europeu, Conselho da Europa;
Conferência para a Segurança e a Cooperação na Europa;
Comissão Europeia para a Democracia pelo Direito (Concelho da Europa).
As sessões das jornadas tiveram lugar na Sala do Senado do Parlamento Espanhol e versaram dois grandes temas:
1." Os mecanismos de protecção não jurisdicional dos direitos fundamentais da pessoa;
2.° O conceito de estrangeiro e o direito de livre circulação.
Da discussão destes temas, resultaram as seguintes conclusões:
1.» tema
1 — O conceito de Ombudsman é um dos mecanismos importantes para a protecção dos direitos humanos.
2 — A instituição Ombudsman desenvolveu-se e está-se a desenvolver a diferentes velocidades nos países da Europa desde a sua feliz criação na Escandinávia. Por isso, tem sido importante, quer nos países com uma grande tradição de democracia parlamentar, quer nos países que emergem de um período histórico recente de ausência de democracia.
3 — Existem várias espécies de garantias para proteger e realizar os direitos humanos e corrigir as injustiças administrativas. Essas garantias podem ser agrupadas de diversas maneiras; mas, dentro desses grupos, cada mecanismo apenas reflecte as tradições e as formas de democracia existentes no país em que se aplica. Existem também muitas outras instituições que, normalmente, actuam não competindo com o Ombudsman ou com a Comissão de Petições do Parlamento, mas complementando o seu trabalho.
4 — Em todos os países, é importante o seguinte:
a) A instituição Ombudsman deve estar ligada à democracia parlamentar;
b) Os seus serviços devem ser gratuitos para os cidadãos que desejam apresentar queixa contra a sua administração ou contra a violação dos direitos humanos;
c) As suas funções devem ter o suporte de uma sólida base legal e constitucional;
d) Deve ser completamente independente da administração;
e) As suas decisões e recomendações devem ser tratadas com o máximo respeito e devem ser respondidas;
f) Em princípio, nenhuma área da administração deve ficar fora da jurisdição do Ombudsman.
5 —Embora o primeiro objectivo deva ser investigar e remediar as queixas justificadas, a actuação do Ombudsman deve orientar-se também no sentido de corrigir ou melhorar os sistemas de administração que tornaram possível a injustiça, para que os erros e as injustiças se não repitam. O Ombudsman pode sugerir alterações legislativas, mas compete ao Governo e ao Parlamento realizar essas alterações através do processo parlamentar. De igua/ modo, quando
Página 254
254
II SÉRIE-C — NÚMERO 33
o Ombudsman recomenda soluções, compete à Administração que criou a situação de injustiça, remediar essas situações.
6 — Os serviços do Ombudsman devem dispor dos recursos necessários para o desempenho das suas funções e para dar resposta a todas as queixas que lhe sejam apresentadas.
7 — O Ombudsman deve ser suficientemente conhecido pelos cidadãos, de modo que estes possam recorrer a ele pedindo a sua ajuda. A imprensa e os meios de comunicação social serão um auxílio eficaz para o Ombudsman, tal como o devem ser o Governo e o Parlamento.
8 — Com o tempo, deve ser dada ao Ombudsman a possibilidade de estimular os governos no sentido de levarem aos cidadãos o conhecimento dos direitos que lhes assistem.nas várias áreas gerais e particulares, o conhecimento dos níveis de serviço que podem solicitar e o modo como se devem queixar quando esses níveis não têm um funcionamento adequado.
9 — O trabalho do Ombudsman é um trabalho solitário. É importante que os Ombudsmen se reúnam entre si, troquem impressões, e, assim, aprendam uns com os outros. Aplaudimos as iniciativas que têm vindo a ser tomadas para desenvolver as relações internacionais na Europa e recentemente na América Latina, através do Instituto Latino-Americano do Ombudsman, para a criação de novos Ombudsmen nacionais.
10 — A conferência pensa que existe um campo de actuação adequado para o novo Ombudsman europeu, em coordenação e sem prejuízo das competências dos Ombudsmen nacionais dos países da CEE, e aguarda com interesse o desenvolvimento desse conceito.
2.» tema .
1 — O exercício da liberdade de circulação em todo o mundo e o direito a escolher o local da própria residência estão condicionados pelo conceito de estrangeiro definido na legislação de cada país.
A uberdade de circulação baseia-se no respeito pela dignidade humana e na garantia das condições necessárias para o desenvolvimento da pessoa humana que inclui não apenas a possibilidade de conhecer culturas diferentes e de se relacionar com elas, mas também o desenvolvimento e a melhoria das condições de vida.
As restrições à liberdade de circulação daqueles que estão legalmente num determinado país só podem ser estabelecidas com base em norma legal, e esta não pode ser tão ampla que permita, de facto, a arbitrariedade na sua aplicação.
O exercício da liberdade de circulação não pode ser restringido através de decisões administrativas arbitrárias na concessão dos documentos pessoais necessários para viagens internacionais.
2 — Em muitos países europeus existem tendências claramente xenófobas e discriminatórias para os imigrantes que esta Conferência rejeita com a maior energia.
A Conferência entende que se deve incrementar eficazmente a solidariedade e a ajuda económica aos países onde têm origem as correntes migratórias, com
o objectivo de diminuir a proporção dos seus cidadãos que se vêem obrigados a emigrar.
Manifesta igualmente a sua preocupação pelas
tendências restritivas que se observam em algumas legislações sobre estrangeiros, que tendem a dificultar a entrada nos países desenvolvidos da Europa.
Apesar de estar consciente dos sérios problemas com que se defrontam estes países nas suas oportunidades de trabalho e da dificuldade acrescida que pode representar a integração de um número crescente de imigrantes, pensa que se devem criar condições que tornem possível o consenso com os países em vias de desenvolvimento para adequar de maneira ordenada o fluxo migratório. Tudo isso como objectivo de dar cumprimento eficaz ao princípio da solidariedade humana que deve ser o fundamento das relações entre os países.
Por último, a Conferência deseja expressar a sua especial preocupação com os refugiados, cujo número está a aumentar na actual situação europeia.
V Conferência Internacional do Ombudsman
O provedor de Justiça é membro com direito a voto do Instituto Internacional de Ombudsman, e nessa qualidade participou na V Conferência Internacional do Ombudsman que teve lugar em Viena de 11 a 16 de Outubro de 1992, preparada e organizada pelo Serviço do Ombudsman da Áustria.
Participaram nesta Conferência, acompanhados ou não de membros do seu staff, Ombudsmen do mundo inteiro, sendo de notar, por exemplo, que, por Portugal, além do provedor de Justiça, se encontravam presentes alguns membros da Alta Autoridade para a Comunicação Social. É a seguinte a lista dos países representados:
Alemanha;
Argentina;
Austrália;
Áustria;
Brasil;
Canadá;
Checoslováquia; Chipre; Dinamarca; Espanha;
Estados Unidos da América;
Finlândia;
França;
Guatemala;
Holanda;
Hong-Kong;
Hungria;
Ilhas Fiji;
Ilhas Maurícias;
Dhas Salomão;
índia;
Irlanda;
Islândia;
Israel;
Itália;
Japão;
Jugoslávia;
Luxemburgo;
México;
Página 255
22 DE SETEMBRO DE 1994
255
Nigéria; Noruega; Nova Zelândia; Panamá;
Papua-Nova Guiné;
Paquistão;
Polónia;
Portugal;
Reino Unido;
República Popular da China;
Rússia;
São Salvador;
Senegal;
Sri Lanka;
Suécia;
Suíça;
Tailândia;
Tanzânia;
Trindade e Tobago; Uganda; Venezuela; Zâmbia.
Para além destes países, estiveram também representados:
Instituto Internacional do Ombudsman; Instituto Europeu do Ombudsman Instituto Sul-Africano do Ombudsman; Associação Ibero-Americana do Ombudsman.
O tema proposto para a Conferência foi «O Ombudsman — Ideias e realidades», e o seu desenvolvimento processou-se através de intervenções de fundo apresentadas por oradores previamente designados, e trabalho de grupos para discutir as ideias apresentadas naquelas intervenções. Para uma melhor ideia do que realmente foi tratado na Conferência, transcreve-se a lista das intervenções de fundo e respectivos autores:
«Introdução» — Viktor Pickl (Instituto Europeu de
Ombudsman); «Organização» — William K. Reid (Reino Unido); «Jurisdição» — Adolfo de Castro (Estados Unidos); «Procedimento» — Marten Oosting (Holanda); «O papel do Ombudsman* — Alvaro Gil Robles
(Espanha);
«O Ombudsman e outras culturas» — Roberta
Jamieson (Canadá); «O Ombudsman — Análise e previsão» — Dennis
Pearce (Austrália); «Organização» — Evelyn Messner e Adelheid Pacher
(Austria);
«A Comissão de Petições do Parlamento Alemão» —
Gero Pfennig (Alemanha); «O papel do Ombudsman* — Herbert Kohlmaier
(Áustria);
«O papel do Ombudsman* — Jacques Pelletier (França);
«O papel do Ombudsman* — Mario O. Origani (Itália);
«Liberdade de informação» — Eugen Muhr (Áustria); «Os Ombudsmen Locais e regionais» — Gerhard
Peternell (Áustria); «A experiência do Ombudsman em Israel» — Miriam
Ben-Porat (Israel);
«O Ombudsman no contexto africano» — Augustine
Ruzindana (Uganda); «Um Ombudsman para a América» — Adolfo de
Castro (Estados Unidos).
As intervenções do provedor de Justiça de Portugal foram produzidas ao nível da discussão dos temas, e podem ser consultadas no Relatório Oficial publicado pelos respectivos organizadores. Esta Conferência não produziu quaisquer conclusões.
3 — Anexo — Discursos e intervenções do provedor de Justiça
Discurso proferido pelo Sr. Provedor de Justiça na Escola Secundária de Santa Maria (Sintra) em 10 de Dezembro de 1992.
Gostaria de aproveitar a minha presença nesta Escola para vos transmitir algumas ideias que julgo importantes, relacionando o dia que hoje se comemora — O Dia dos Direitos do Homem (e da mulher, entenda-se!) — com as funções que desempenho como provedor de Justiça.
Á relação é bem notória se tivermos em conta que uma das actividades para as quais fui nomeado é a de proteger os direitos do homem. E, deixem-me dizer-vos, é talvez a que mais me agrada no quadro das minhas competências.
Não quero, no entanto, aborrecê-los com muitas palavras. Prometo-vos, pois, que serei breve e sucinto. Todos temos o direito de almoçar e embora esse direito não venha escrito na Declaração Universal dos Direitos do Homem, ninguém vos deve privar dele.
Desde 1950 que se comemora o dia de hoje como dia dos direitos do homem. Isto é assim, porque em 1948, no dia 10 de Dezembro, a Assembleia Geral das Nações Unidas (que é o principal órgão da ONU) aprovou um documento fundamental nesta matéria.
Foi a primeira vez na história que se proclamaram direitos a todos os homens e mulheres do mundo. Direitos que o ser humano tem, simplesmente, por nascer e existir. Direitos que são seus, independentemente da língua em que fale, do Deus a quem reze, das ideias que defenda ou do país onde viva.
Declarações de direitos havia já algumas, mas esta foi a primeira declaração universal.
O mundo tinha acabado de sair de uma guerra devastadora à escala do planeta, de uma guerra onde a violência foi desencadeada de uma forma, até então, nunca vista, tanto nos campos de Auschwitz como na brutalidade esmagadora dos bombardeamentos de Hiroshima.
Em 1948, os países que se faziam representar nas Nações Unidas —e que eram ainda muito poucos se compararmos os cerca de 170 que hoje lá estão representados— resolveram declarar solenemente um mínimo de direitos, uma espécie de mínimo denominador comum: a igualdade de todos os homens e mulheres; a proibição da escravatura, das torturas, das prisões arbitrárias; a liberdade de cada um circular dentro e fora do seu país, de exprimir os seus pensamentos (já que a liberdade de pensar, felizmente, nos foi garantida pela natureza); a liberdade de professar qualquer religião; os direitos especiais das mães e das crianças; o direito a não sofrer intromissões na vida privada, a ninguém ver violada a sua correspondência, a não ver devassada a intimidade da sua casa. E, por fim, mas não por último, o direito à liberdade, âo máximo de liberdade de cada um.
Página 256
256
II SÉRIE-C — NÚMERO 33
Portugal, em 1976, conferiu um papel muito especial à' Declaração Universal dos Direitos do Homem. Afirmam os especialistas no estudo comparado das constituições de todo o mundo que a nossa constituição de 1976, revista em 1982, em 1989 e, agora, em 1992, é das mais generosas no elenco de direitos que consagra. Contudo, para além do extremo catálogo de direitos que nos estão garantidos, optou-se por incluir a Declaração Universal na nossa Constituição.
Lê-se, no artigo 16.°, n.° 2:
Os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem.
A declaração adquire, assim, uma dupla importância. Primeiro, pelo seu carácter universal, depois, por integrar a nossa Constituição.
Ora, quando se diz, então, que ao provedor de Justiça cabe defender os direitos dos cidadãos contra os abusos do Poder, estão também a ser defendidos os direitos contidos na Declaração.
A criação do provedor de Justiça é bastante mais recente que a Declaração Universal, pelo menos, entre nós. Têm em comum a circunstância de serem consagrados em Portugal, ao nível constitucional, pela primeira vez em 1976.
Trata-se de uma instituição que surgiu na Suécia há mais de 200 anos, com o nome de Ombudsman. Em Portugal, ao que parece, terá existido na Idade Média, ao nível local, uma figura com algumas semelhanças — o almotacé.
Durante este século, os provedores de Justiça, um pouco por toda a parte, embora com designações diferentes: o médiateur em França; o protecteur des citoyens no Quebeque; o difensore cívico em algumas regiões de Itália; o defensor dei pueblo aqui ao lado, em Espanha. Verifiquei, com agrado, recentemente, num congresso em que participei na Áustria, que já há alguns países africanos e asiáticos com instituições semelhantes.
Quase imediatamente, ao falar-se em direitos, fazemos a relação com os tribunais. À primeira vista, somos tentados a pensar que os nossos direitos são apenas defendidos em tribunal, por advogados que falem muito e bem, como os das séries americanas de televisão, em processos muito complexos e demorados e perante juízes muito sisudos.
Pois bem, o provedor de Justiça surge como um meio complementar de defender os nossos direitos. Não sé pretende acabar com os tribunais mas resolver problemas que eles dificilmente podem resolver ou tratar de assuntos de uma forma diversa.
Como vocês sabem, no tribunal o queixoso e o réu sentam-se cada um de seu lado, com os seus advogados e, no meio estão os juízes. Cada parte faz o que pode, e às vezes o que não pode, para convencer o tribunal de que é ela que tem razão.
Na Provedoria não há julgamentos, nem sequer há autor e réu. Nós investigamos, vamos aos locais, falamos com as pessoas ou as pessoas vêm falar connosco e, depois, tiramos as nossas conclusões. Nas suas queixas contra o Estado, o cidadão, obviamente, nem sempre tem razão, mas quando entendemos que sim, procuramos obter uma solução através da mediação e, fundamentalmente, de recomendações.
Em traços muito largos, pode caracterizar-se a actuação do provedor de Justiça a partir de cinco aspectos:
a) Independência;
b) Informalidade;
c) Ausência de poderes de decisão;
d) Gratuitidade;
e) Observação de critérios de equidade. Passarei a explicar melhor.
A independência em relação ao poder significa que o provedor — e isso posso garantir-vos — não recebe instruções, nem ordens do Estado. Embora seja um órgão do Estado é independente dele. No entanto, esta característica e também é dos tribunais.
Em segundo lugar, referi-me à informalidade. Esta, sim, é uma característica própria e inovadora. O provedor recebe queixas e reclamações sem formalismos, por carta ou oralmente, sem impressos e sem carimbos, sem guichets de funcionários escondidos.
Temos, depois, a ausência de poderes de decisão. Por estranho que vos possa parecer, este é o maior trunfo do provedor. O provedor recomenda, critica, comenta, promove, inspecciona, divulga. O provedor não ordena, não manda prender ninguém, não impõe. As suas decisões são respeitadas, precisamente, por não estarem comprometidas. Se o provedor não for ouvido, não são ouvidos os cidadãos e estes, quando forem chamados a votar, terão isso em linha de conta.
Em quarto lugar, os processos a que os cidadãos dão origem na Provedoria são gratuitos. Não há lugar ao pagamento de qualquer taxa ou emolumento, nem sequer de selos fiscais.
Por fim, o provedor de Justiça não se preocupa apenas em cumprir a lei. O cumprimento da lei é o mínimo que nós, cidadãos, podemos exigir dos governantes. Mas todos podemos e devemos exigir mais. Devemos exigir-lhes que governem bem — com justiça, com senso, com eficácia. E devemos exigir ao Poder que não se agarre ao rigor das leis e a jogos de palavras para esconder falhas, omissões e injustiças. Por isso, muitas vezes, o provedor tem de encontrar soluções de equidade e propô-las. Encontrar soluções nas quais o cumprimento da lei não faça esquecer os cidadãos.
E quando a razão de ser da iniquidade, da injustiça está na própria lei, então, cabe ao provedor recomendar à Assembleia da República e ao Governo que alterem essa lei neste ou naquele sentido.
Dentro destes parâmetros tenho orientado toda a minha actuação, quer a partir das queixas e reclamações que recebo diariamente —e que este ano ultrapassaram já as 3000—, quer através de iniciativas que entendo dever tomar.
No primeiro grupo, tivemos,.muito recentemente, exemplos com que vos posso ilustrar a minha actividade. Desde um processo em que alguém se queixa de agressões praticadas pela polícia militar até à célebre polémica que envolveu uma obra do escritor José Saramago, a qual terá sido preterida na nomeação para um prémio literário. Desde o cidadão que se queixa da inoperância dos serviços municipais na limpeza de fossas sanitárias, passando pelas taxas moderadoras dos hospitais até aos problemas que os cidadãos hemofílicos vêm sofrendo com a terrível ameaça da sida.
Como vêem, estão aqui em jogo direitos fundamentais das pessoas: o direito à segurança, a liberdade de criação cultura], o direito ao ambiente e à saúde.
Página 257
22 DE SETEMBRO DE 1994
257
O mesmo se passa com o direito a um tratamento igual que todos merecem. Para além das centenas de queixas que têm a ver com promoções que as pessoas consideram injustas nas suas carreiras, recebemos uma queixa muito interessante onde se dá conta da existência de um banco que, por meios discretos, tem vindo a contratar apenas pessoas do sexo masculino.
Temos também em mãos vários processos onde se verificam atentados contra os direitos dos contribuintes. Reparem, bem, na injustiça que é o facto de as viúvas e os filhos de militares mortos em combate terem de pagar IRS sobre as pensões que recebem do Estado, sobre as chamadas pensões de sangue.
Noutros casos, está em jogo o principal valor das pessoas que nos incumbe preservar: a sua liberdade. Foi a esse propósito que há bem pouco tempo intervim no caso daqueles cidadãos africanos que se encontravam desumanamente encarcerados num barco que esteve no porto de Leixões.
No âmbito das iniciativas próprias, e para terminar, gostava de vos referir três áreas que me preocupam particularmente: os menores em situação de risco, os idosos e o ambiente. Quanto aos menores em risco foi promovido, no mês passado, um seminário largamente participado onde se pretendeu fazer levantar à sociedade questões importantes e começar a responder-lhes. Isto partiu de inspecções realizadas em diversos estabelecimentos tutelares de menores. Quanto aos idosos e ao Ambiente estamos a programar acções muito específicas para o próximo ano, nomeadamente visitas e inspecções a hospitais e lares de terceira idade.
Para terminar, gostaria apenas de vos lembrar que todos podem recorrer ao provedor de Justiça, sempre que entendam que o poder público cometeu injustiças ou desleixa qualquer uma das suas competências. A maioridade não é condição de acesso ao provedor e todos podem fazê-lo individual ou colectivamente. O direito de apresentar queixas ao provedor de Justiça é um direito de todos, como se lê no artigo 23.° da Constituição.
Sempre que estejam em causa violações de direitos do homem, este direito transforma-se num dever.
Inclusivamente, por vezes, há que defender direitos das pessoas mesmo contra a sua vontade, especialmente quando está em causa a sua dignidade. Tempos atrás tive intervenção num caso que me pareceu chocante — um concurso de lançamento de pessoas anãs que ocorria em discotecas do Minho. Embora fossem os próprios anões a consenti-lo, entendi dever chamar a atenção das autoridades, pois estava ameaçada a sua própria dignidade como seres humanos.
Concluindo, permitam-me, então, que repita. Todos temos o dever — um dever cívico, note-se — de não permitir agressões aos direitos do homem. E fazêmo-lo através dos tribunais, do Ministério Público e da polícia, bem como, e espero que se lembrem disso, através do provedor de Justiça.
Discurso proferido pelo Sr. Provedor de Justiça na Ordem dos Advogados, em Lisboa, em 10 de Dezembro de 1992
Parece apropriado relembrar nesta sessão comemorativa da Declaração Universal dos Direitos do Homem a conhecida expressão latina que domina o Hofburg de Viena: lustitia. Regnorum. Fundamentam, Há bem pouco tempo, e durante uma semana, ela deparou-se-me diariamente na
altura em que naquela cidade se realizou a V Conferência Internacional do Ombudsman. Até por este último motivo, a inscrição tem sentido em ser destacada pelo provedor de Justiça português também aqui.
Com efeito, a não ser a justiça o fundamento do Poder, o limite da sua acção e uma das suas razões de ser, não vejo como possam ser respeitados os direitos do homem.
A Declaração Universal completa hoje 44 anos sobre a sua adopção pela Assembleia Geral das Nações Unidas. Dispenso-me de traçar a sua história, como fiz esta manhã aos jovens de uma escola secundária, em Sintra.
Contudo, gostaria de realçar o duplo significado que e)a tem para nós portugueses. Mais do que um código de conduta para as Nações Unidas, mais do que um denominador comum de direitos fundamentais de todos os homens, a Declaração é, desde 1976, património do constitucionalismo português, graças à recepção que dela é feita pelo artigo 16.°, n.° 2, da nossa Constituição.
Não creio que o catálogo tão generoso de direitos contidos na nossa lei fundamental, enriquecido pelas revisões de 1982 e 1989, tenha sido muito alargado por aquele texto das Nações. Unidas.
Curiosamente, da Declaração é frequentemente retirado pela doutrina um preceito que limita o exercício dos direitos fundamentais. Trata-se do artigo 29.°, o qual é sensivelmente diverso do artigo 18° da Constituição instrumental, uma vez que o teor do preceito do texto internacional estabelece limitações de conteúdo indeterminado (moral, ordem pública e bem estar) ao exercício dos referidos direitos fundamentais.
Todavia, a sua recepção tem o elevado sentido de nos fazer participar, ainda mais empenhadamente, na vida jurídica internacional, na luta pelos valores da liberdade e da dignidade da pessoa humana.
Por outro lado, não queria ainda deixar de notar que os países que em 1948 se abstiveram na votação, talvez hoje não procedessem de modo idêntico. É com agrado, pois, que observo na história recente mudanças de sinal positivo em favor dos direitos do homem.
Este sinal de esperança não nos deve, porém, fazer esquecer que o desafio que a Declaração nos propõe está longe de ser atingido. Muito de perto sentimos a angústia dos nossos irmãos timorenses. Muito de perto sentimos as atrocidades do conflito balcânico. E, quanto ao primeiro caso, não é a alteração súbita da posição de uma só pessoa, por mais notável que tenha sido a sua acção, a diminuir o sentimento de revolta da comunidade internacional perante o genocídio timorense, como também não serão as nossas culpas de 1974-1975 a justificarem esta prepotência permanente «garantida» pela passividade cúmplice das grandes potências: aquelas que têm poder material para inverter a situação e as que dispõem de uma autoridade moral que as credenciaria como voz da consciência da humanidade.
E mesmo a tranquilidade do nosso quotidiano europeu ocidental, esconde preocupações com os direitos do homem que entendo legítimas.
O reavivar da xenofobia e da intolerância étnica e religiosa, o desenvolvimento promissor mas também inquietante das ciências biogenéticas e o isolamento crescente a que a sociedade de consumo conduz alguns dos nossos cidadãos, recordam-nos que não é despiciendo evocar a Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Página 258
258
II SÉRIE-C — NÚMERO 33
Atendendo às mudanças sociais, económicas, culturais e políticas deste fim de século, umas mais perceptíveis que outras, gostaria de citar o ilustre constitucionalista Georges Burdeau:
Não está excluído que a prodigiosa mutação que afecta as sociedades contemporâneas por causa dos progressos da ciência e do desenvolvimento das
técnicas conduz a uma metamorfose do Estado [...]
Pensado por indivíduos integralmente socializados e cuja mentalidade é investida pelos imperativos da sociedade técnica, o Estado objectiva-se ao mesmo tempo que se despersonalizam os espíritos que o concebem.
Partindo destas palavras, não vou esconder uma preocupação que me tem surgido frequentemente no desempenho das minhas funções. Entendo que hoje, mais que no passado, temos de dar atenção aos direitos fundamentais violados, não só pelo poder público, como também pelas próprias pessoas.
O movimento das privatizações, a liberalização de muitos sectores e a confiança no mercado e na sua dinâmica vão-nos obrigar a reflectir sobre a tutela dos direitos do homem entre particulares, nas áreas onde os direitos de personalidade do Código Civil não se mostrem suficientemente acauteladores.
Estou ciente das possibilidades que, como provedor de Justiça, disponho para o fazer.
O artigo 2.° do Estatuto aprovado em 1991 deixou a porta aberta a tal tipo de intervenções e tenho para mim que serão, por certo, indiscutidas quanto a situações monopolistas ou quase monopolistas, assim como em circunstancias de relações especiais de .poder, ainda que entre particulares.
Noutra perspectiva, embora não muito diferente, os tempos mais próximos exigirão um trabalho acrescidamente árduo e responsável, tanto para mim, como para todos vós —legisladores, governantes, magistrados e advogados. Trata-se de abrir caminho à protecção dos novos direitos, dos direitos recém-chegados à família dos direitos fundamentais.
Refiro-me aos direitos que são de todos e não são de
ninguém, também eles frulo de uma sociedade cada vez
mais complexa: o direito ao ambiente, o direito à salubridade, os direitos dos consumidores, entre tantos outros. Difusos que estão pela comunidade, é preciso promover estruturas que lhes ofereçam voz e meios que lhes garantam uma defesa adequada.
O flagelo da sida, a poluição dos nossos rios, as fissuras da camada de ozono, a construção desenfreada sem preocupação de urbanismo, as agressões do consumismo e de uma publicidade cada dia mais sensacionalista, são ideias com as quais não podemos conviver imperturbáveis.
Tal missão torna-se tanto mais difícil, quanto não podemos descurar a consolidação dos direitos, liberdades e garantias individuais e dos direitos sociais. Nestes termos, a conhecida boutade de Bruno Kreisky, proferida no discurso de abertura da 3." Conferência Internacional do Ombudsman, realizada em 1984 na capital da Suécia, torna-se cada vez mais actual e indispensável, ou seja, o provedor é o único órgão do Estado que poderá exceder as suas competências.
Terminarei, por aqui, não sem deixar de felicitar a Ordem dos Advogados por esta louvável iniciativa e sem vos recordar, de novo, aquela inscrição latina do Hofburg de Viena: lustitia. Rignorum. Fundamentum.
A Divisão de Redacção e Apoio Audiovisual.
DIÁRIO
da Assembleia da República
Depósito legal n.° 8819/85
IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.
1 —Preço de página para venda avulso, 7$00+IVA.
2 — Para os novos assinantes do Diário da Assembleia da Republica, o período da assinatura será compreendido de Janeiro a Dezembro de cada ano. Os números publicados em Outubro, Novembro e Dezembro do ano anterior que completam a legislatura serão adquiridos ao preço de capa.
PREÇO DESTE NÚMERO 588$00 (IVA INCLUÍDO 5%)
"VER DIÁRIO ORIGINAL"