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Segunda-feira, 11 de Março de 1996
II Série-C — Número 13
DIÁRIO
da Assembleia da República
VII LEGISLATURA
1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1995-1996)
4.° SUPLEMENTO
SUMÁRIO
COMISSÃO DE ECONOMIA, FINANÇAS E PLANO
Reunião de 8 de Março de 1996
Pelas 10 horas e 5 minutos, a Sr.º Presidente (Manuela Ferreira Leite) reabriu o debate, na especialidade, das propostas de lei n." 9/Vll — Grandes Opções do Plano para 1996 e 1 O/V 11 — Orçamento do Estado para 1996.
Sobre o orçamento do Ministério para a Qualificação e o Emprego intervieram, além da Sr.' Ministra (Maria João Rodrigues), os Srs. Deputados Helena Roseta (PS). José Costa Leite (PSD), José Junqueiro (PS), Rodeia Machado (PCP). António Rodrigues (PSD). Barbosa de Oliveira (PS), Nuno Correia da Silva (CDS-PP). Arménio Santos (PSD), Odete Samos (PCP), Henrique Neto (PS), Duarte Pacheco (PSD). António Galvão Lucas (CDS-PP). Elisa Damião (PS), Rui Namorado (PS), Filomena Bordalo, Carlos Pinto e Costa Pereira (PSD).
Sobre o orçamento do Ministério da Economia intervieram, além do Sr. Ministro (Daniel Bessa) e da Sr.' Secretária de Estado do Orçamento (Manuela Arcanjo), os Srs. Deputados Lino de Carvalho (PCP). Rui Rio (PSD), António Vairinhos (PSD), António Galvão Lucas (CDS-PP), José Lemos (PS), Joel Hasse Ferreira (PS) e Roleira Marinho (PSD).
Sobre o orçamento do Ministério do Ambiente intervieram, além da Sr.' Ministra (Maria Elisa Ferreira), os Srs. Deputados José Junqueiro (PS). Fernando Pedro Moutinho (PSD), José Calçada (PCP),
Isabel Castro (Os Verdes). Teresa Patrício Gouveia (PSD). Luís Sá (PCP), Rui Vieira (PS). António Galvão Lucas (CDS-PP). Jorge Roque Cunha (PSD). Jovita Matias (PS) e Falcão e Cunha (PSD).
Sobre o orçamento do Ministério da Educação intervieram, além do Sr. Ministro (Marçal Grilo) e dos Srs. Secretários de Estado da Administração Educativa (Guilherme d'Oliveira Martins) e do Ensino Superior (Jorge Silva), os Srs. Deputados Carlos Coelho (PSD). António Galvão Lucas (CDS-PP). Castro de Almeida (psd|. Fernando de Sousa (PS), Luísa Mesquita (PCP). José Calçada (PCP), António Braga (PS), Bernardino Soares (PCP). Isabel Sena Uno (PS), Maria Luísa Ferreira (PSD), Ricardo Castanheira (PS). Lalando Gonçalves (PSD). Maria Celeste Correia (PS). Manuel Moreira (PSD). Fernando Pereira Marques (PS), Carlos Lavrador (PS). Lemos Damião e Sérgio Vieira (PSD).
Sobre o orçamento do Ministério da Defesa Nacional e os Encargos Gerais da Nação intervieram, além do Sr. Ministro da Defesa Nacional e da Presidência (António Vitorino), os Srs. Deputados Cardoso Ferreira (PSD), Maria Carrilho (PS). João Amaral (PCP), Correia de Jesus (PSD). Marques Júnior (PS). Guilherme Silva (PSD) e Helena Roseta (PS).
O Sr. Presidente deu por encerrada a reunião eram 23 horas e 20 minutos.
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A Sr." Presidente: — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.
Eram 10 horas e 5 minutos.
Srs. Deputados, vou dar a palavra, para uma intervenção inicial, à Sr." Ministra para a Qualificação e o Emprego.
A Sr." Ministra para a Qualificação e o Emprego
(Maria João Rodrigues): — Sr." Presidente, Srs. Deputados: Vou fazer uma curta intervenção inicial para fornecer, desde já, uma base para a discussão desta manhã.
Como sabem, sou responsável pelo Ministério para a Qualificação e o Emprego e gostava de começar por dizer que um objectivo de primeira grandeza como este do emprego é entendido pelo Governo como sendo de resposta global. O objectivo emprego não é da exclusiva responsabilidade deste ministério mas é responsabilidade do Governo como um todo e é entendido como um objectivo prioritário. Isto quer dizer que a prossecução do objectivo emprego passa, em primeiro lugar, por uma correcta articulação entre a política macroeconómica, as políticas estruturais, como são, por exemplo, as políticas industrial, agrícola e de desenvolvimento regional, e em seguida, e as políticas específicas de emprego, havendo também que não esquecer a enorme importância que tem hoje a política de educação e formação profissional numa resposta cabal à questão do emprego.
Isto porque é muito claro, no caso português, que a sustentação do emprego com futuro depende, cada vez mais, de um investimento fortíssimo na qualificação da população portuguesa, o que se deve, de facto, aos problemas de emprego que temos serem, em grande parte, problemas de desemprego estrutural, ou seja, desemprego que decorre do desfasamento crescente entre as qualificações da população e as que são requeridas pela evolução da nossa economia.
Assim, a resolução do problema emprego passa, em primeiro lugar, pela capacidade de o País pôr de pé um padrão de crescimento mais rico em emprego. Para ser telegráfica e porque não quero tomar muito tempo, isto implica que a modernização das empresas portuguesas se traduza não só pela supressão de emprego por virtude da introdução de novo equipamento mas pelo recrutamento de mais pessoas para reforçarem o perfil competitivo dessas empresas.
Há dois outros aspectos chave que vão no sentido de crescimento rico em emprego: conseguirmos gerir as restruturações produtivas do País de forma mais organizada e, em simultâneo, explorar as possibilidades de criação de emprego nas zonas mais abrigadas em relação à concorrência internacional. Ora, isto remete para a importância das chamadas políticas de apoio ao desenvolvimento local e de apoio à criação de pequenas e médias empresas e ainda de promoção de um mercado social de emprego.
Este é o pano de fundo sobre o qual o meu ministério está a actuar e vai continuar a actuar, sendo que o ministério tem, para situar a discussão, três missões básicas. A primeira é promover o emprego na base de uma concepção renovada de políticas activas de emprego; a segunda consiste em reforçar o sistema de formação profissional, seja para jovens, seja para activos, e a terceira pôr de pé todo um processo de concertação estratégica, não só a nível nacional mas ao n/ve) regional e sectorial, que permita explorar as oportunidades de criação de emprego de maneira mais sistemática.
As opções subjacentes ao Orçamento que os Srs. Deputados têm presente, no que diz respeito à actuação específica deste ministério, têm um primeiro eixo de acção que vai centrar-se no apoio à modernização das empresas, no que toca a gestão de recursos humanos.
Há medidas que estão previstas para serem implementadas este ano e muitas no curto prazo, como sejam a criação de uma rede de consultores dirigida às pequenas e médias empresas, justamente para as ajudar a gerir a sua mão-de-obra de outra maneira, e também a criação de dispositivos de apoio à reconversão interna e externa de trabalhadores, exactamente no sentido de garantir uma gestão organizada das restruturações.
No que respeita ao eixo «apoio à criação de emprego», há algumas medidas que gostava de destacar, embora sejam apenas algumas delas, que têm a ver com um regime de incentivos ao recrutamento de jovens e desempregados de longa duração, com programas de apoio à criação e aos criadores de empresas.
Outra medida terá a ver com a organização dos circuitos de inserção dos jovens, o que passa pela difusão das chamadas «Univas», unidades de apoio à inserção na vida activa dos jovens, de apoio a estágios de formação em alternância e de reforço da orientação profissional; outra medida será o desenvolvimento do mercado social de emprego e outra diz respeito à reforma dos serviços públicos de emprego, nomeadamente, no sentido de pôr de pé um programa integrado de combate ao desemprego, com destaque para o emprego de longa duração.
Na área de formação profissional, este ministério tem, de algum modo, o papel de pólo ordenador do sistema de formação profissional mas tem a seu cargo determinadas instituições de formação. Nesse aspecto, gostava de destacar o papel do sistema de aprendizagem que vai ser objecto de uma revisão mas também de um reforço e, finalmente, os centros de gestão directa serão preparados para lidar sobretudo com a população mais desfavorecida e mais vulnerável, enquanto que os centros de gestão participada serão focalizados para servir convenientemente os seus sectores.
Estas são algumas prioridades que enformam o orçamento que os Srs. Deputados têm em mão. Como poderão ter verificado, o orçamento prevê um crescimento da despesa total consolidada de 12.6, para este ano, com um crescimento de 8.4 no que respeita a despesa de funcionamento.
Relativamente ao PIDDAC, capítulo 50, está previsto um crescimento de 19.3, se bem que isto não esgote as despesas de investimento do nosso ministério porque há uma outra parte importante desse investimento que é promovida por via do Instituto de Emprego e Formação Profissional, que é um serviço, autónomo.
De um ponto de vista mais concreto, este orçamento assenta nalgumas opções que passarei a enunciar. Nas despesas de funcionamento temos um reforço que permite uma melhoria de funcionamento da Direcção-Geral de Emprego e Formação Profissional, que é um órgão que deve ser reforçado, para o habilitar a desempenhar a sua função de órgão conceptor da política de emprego e formação; tivemos também a preocupação de assegurar um reforço da Inspecção-Geral de Trabalho, na medida em que está previsto o recrutamento de um contingente de inspectores de trabalho que serão formados e que permitirão um reforço importante da actuação deste órgão no terreno.
No que respeita às despesas de investimento, as prioridades foram para terminar a rede actual de centros de
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formação, bem como para alguns compromissos dos chamados núcleos de apoio à criação de empresas e, finalmente, houve também a preocupação de garantir que os processos de informatização dos serviços centrais sejam levados a bom porto, o que é indispensável numa óptica de reforma da Administração Pública.
Se nos reportarmos ao orçamento autónomo do IEFP, algumas grandes prioridades ressaltam. Assim, no domínio da formação inicial, continuará a aposta no sistema de aprendizagem, se bem que vá ser objecto de uma revisão, como disse há pouco. Há também uma quota importante deste orçamento aplicada em matéria de apoios ao emprego, numa óptica não só de apoios ao recrutamento por parte das empresas mas também muito de apoio à criação do próprio emprego, à criação da própria empresa.
Finalmente, no que respeita à formação, para além de compromissos assumidos em matéria de formação inicial e contínua, haverá uma reorientação no sentido de privilegiar a formação de população desempregada.
Temos pela frente um problema grave de desemprego, que exige uma actuação muitíssimo mais forte nesta matéria, a qual passará por oferecer à população desempregada todo um conjunto de serviços que vão desde uma orientação mais personalizada a programas de formação mais adequados às diferentes condições dos empregados, porque temos pessoas com fraquíssimos níveis de escolaridade e, portanto, exigem programas de formação que permitam, de algum modo, colmatar esse défice de qualificação escolar inicial.
Portanto, haverá um cuidado especial na montagem destes programas e, finalmente, um apoio activo à inserção da população desempregada, assim como haverá também o cuidado de implementar programas mais consistentes de formação de formadores.
São estas, Srs. Deputados, as prioridades subjacentes ao orçamento deste Ministério e a partir de agora estou à vossa disposição.
A Sr.° Presidente: — Muito obrigado, Sr.° Ministra. Tem a palavra a Sr.° Deputada Helena Roseta.
A Sr." Helena Roseta (PS): — Sr." Presidente, permita-me que, em primeiro lugar, felicite a Mesa. Sendo hoje o Dia Internacional da Mulher, termos uma Mesa com uma forte presença feminina é motivo de congratulação ao qual me associo.
Fui relatora na Comissão para a Paridade e Igualdade de Oportunidades sobre esta matéria relacionada com as Grandes Opções do Plano e Orçamento do Estado para 1996, onde tivemos uma reunião de grande debate com a Sr.a Ministra para a Qualificação e Emprego em que estes temas foram efectivamente bastante discutidos numa óptica de igualdade de oportunidades. Portanto, em toda a matérja relacionada com emprego, desemprego, formação profissional, encontrámos uma grande abertura da Sr." Ministra no sentido de explicitarmos este ponto de vista nos documentos das GOP e do OE.
Assim, nessa qualidade, queria entregar na Mesa uma cópia do nosso relatório em que claramente se diz — e isto foi aprovado por unanimidade de todos os partidos, que é uma coisa que não acontece todos os dias nesta Casa —, no ponto 9 «Recomenda-se que, em sede de especialidade, seja concretizada a explicitação de um programa ou projecto para a igualdade de oportunidades no âmbito do Ministério.para a Qualificação e o Emprego». Portanto, para dar conteúdo a esta recomendação, fui encarregue pela
Comissão, como relatora desta matéria, de propor aqui que seja aberta uma dotação de 40 000 contos, por desagregação e não por reforço de verba, no PIDDAC para 96, no âmbito do Ministério para a Qualificação e o Emprego, eventualmente no projecto que se intitula «Construção de
Centros de Formação Profissional e outras acções», que deverá ser destinada a um projecto especifico de promoção da igualdade de oportunidades entre mulheres e homens no âmbito da formação profissional e do acesso ao emprego.
E evidente que temos consciência de que é uma verba pequena, quase simbólica, mas é uma forma de abrir um projecto e de, durante o ano de 96, lhe vir a ser dado um conteúdo activo, por protocolos ou outra forma de relacionamento entre o Ministério para a Qualificação e o Emprego, a Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego, a Comissão para a Igualdade dos Direitos da Mulher, que depende da tutela do Ministro da Presidência, e em particular as organizações não governamentais de mulheres, representadas no Conselho Consultivo da CIDM e que foram reconhecidas por lei desta Assembleia da República, em 1988.
É, portanto, este o projecto que queria solicitar que ficasse expresso em PIDDAC, em sede de especialidade, e faço-o em nome da nossa Comissão.
A Sr." Presidente: — Srs. Deputados, espero inscrições. Pausa.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Costa Leite.
O Sr. José Costa Leite (PSD): — Sr." Ministra, esperava sinceramente que V. Ex." pudesse hoje sanar uma dúvida que paira entre todos aqueles que tiveram oportunidade de a ouvir na Comissão de Trabalho, Solidariedade, Segurança Social e Família, na apresentação do orçamento do ministério, dúvida essa que foi, de alguma forma, alimentada ainda mais por declarações de V. Ex.° prestadas poucos dias depois, numa reunião com, ao que suponho, chefias do seu ministério e a que a comunicação social deu enorme importância. Essa dúvida tem a ver com a questão do desemprego e isso é para nós fundamental.
Aliás, a Sr.° Ministra começou esta sua exposição justamente por abordar, em termos genéricos, a questão do emprego, dizendo que essa era uma responsabilidade do Governo no seu todo e, justamente por isso, parece-nos a nós que há aí algumas questões que têm de merecer uma forte crítica.
Não conseguimos entender como é que alguém que se mostrou durante larguíssimos meses muito preocupado com a questão do desemprego, alguém que se apresentou ao País como sendo o campeão da preocupação com o desemprego, de repente, aceite como objectivo — a Sr." Ministra teve ocasião de o dizer na Comissão de Trabalho, Solidariedade, Segurança Social e Família — fundamental do Governo não deixar agravar a taxa de desemprego, logo de seguida, venha dizer que a taxa de desemprego vai aumentar!
Para nós, isso é uma preocupação e tanto maior quanto, de facto, não pensamos que se tenha tratado de um lapsus linguae de V. Ex.", sendo antes uma política assumida pelo Governo. Isto é, a preocupação apresentada durante a pré-campanha e campanha eleitoral aos portugueses com o desemprego e com os desempregados, de repente, desaparece e passa a ser bastante para o Governo
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que a taxa de desemprego, porventura, não se agrave, mas avisando-se desde logo que a taxa de desemprego vai aumentar.
De facto, ela vai aumentar, não pode deixar de aumentar, com este tipo de orçamento que nos é presente!
E V.Ex.°, em vez de, como esperávamos nós e seguramente esperavam os portugueses, aqueles que a ouviram falar «à boca cheia» de preocupações com o desemprego, dar uma palavra de esperança sustentada em bases sólidas, como seja um orçamento que permitisse a esperança de que de facto o desemprego ia diminuir em Portugal e estabelecer medidas concretas para combater esse desemprego, aquilo que ouvimos foi muito pouco esperançoso e, antes pelo contrário, foi a confirmação do anterior.
Esse parece-nos ser o facto mais importante a registar, quer da intervenção de V. Ex.*, quer das intervenções que, sucessivamente, o Governo tem vindo a fazer nessa matéria e principalmente, como é óbvio, dos documentos que temos em apreço.
A Sr." Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Junqueiro.
O Sr. José Junqueiro (PS): — Sr.* Presidente, Srs. Deputados, gostaria de fazer algumas considerações, na medida em que me parece que este debate na especialidade requeria que fosse preciso e objectivo.
A minha intervenção decorre da anterior pois, de uma forma objectiva e séria, parece-me que estas coisas deveriam ser aqui colocadas nesse plano.
Ora bem, não me parece que depois do dia 1 de Outubro se possa pensar que tudo transitou em julgado e que, nesse dia, o que foi um somatório de políticas anteriores, ficou no ponto zero, não havendo consequências. Estamos todos a ver que há consequências disso e que, não havendo milagres, há, pela primeira vez, uma linguagem de verdade capaz de interpretar com realismo aquilo que aconteceu e aquilo que é consequência de políticas que foram seguidas até esta altura.
Gostaria também de lembrar que 10 anos são muitos anos; encontraram o País com cerca de 300 000 desempregados e, em matéria de oásis, de dinheiros comunitários, ao fim de 10 anos de maravilhas dos governos anteriores, a verdade é que o número de desempregados é de cerca de meio milhão! Ora, esta linguagem de realidade também deve ser aqui assumida por todos nós.
Por outro lado, às palavras de esperança — e eu tenho esperança que este Governo e V. Ex.* possam contribuir para modificar o panorama geral —, a esse discurso realista, objectivo e sério, não há uma proposta por parte de alguns partidos da oposição, no sentido de darem um contributo sério, positivo e determinado que pudesse contribuir para a melhoria daquilo que foram, e bem, as grandes opções deste Governo e a sua necessária tradução na proposta orçamental.
Creio também que quem foi incapaz de discutir este assunto em Plenário e o traz aqui a esta reunião — penso que de uma forma errada —, quem se predispôs antecipadamente a não votar favoravelmente este Orçamento, não será, através desta discussão e daqui até ao dia 16, capaz de modificar essa sua opinião.
Vozes do PSD:--Vamos todos embora!
A Sr." Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Rodeia Machado.
O Sr. Rodeia Machado (PCP): — Sr.a. Presidente, Sr.* Ministra: V. Ex.* já disse que o objectivo da criação de emprego é da responsabilidade de todo o Governo e eu coloco-lhe duas ou três questões que, nesta área, nos preocupam sobremaneira.
Entendemos nós que a questão das privatizações, que é objectivo deste Governo, não vai, naturalmente,- criar mais emprego. Antes pelo contrário, é sabido que a privatização das empresas tem levado à diminuição de postos de trabalho. Sendo assim, a pergunta que lhe coloco é a seguinte: como é que concilia a situação das privatizações que estão previstas, que levam ao desmembramento de empresas e diminuem os postos de trabalho, com a criação de postos de trabalho?
Neste momento, temos — e isso já aqui foi dito — cerca de meio milhão de desempregados, alguns deles de longa duração (quanto a mim, a maioria é de longa duração), em que apenas 1/3 recebe subsídio de desemprego. Como é que o Governo pretende conciliar esta situação e resolver o problema dos desempregados de longa duração, sabendo nós, como já disse, que cerca de 2/3 não recebem subsídio de desemprego, sabendo nós que a solução apresentada neste orçamento não é certamente a melhor para resolver este problema, pois não há, no nosso entender, incentivos à criação de empregos para poder debelar esta situação? Como é que vai debelar esta situação, Sr.* Ministra?!
Por outro lado, gostava de precisasse exactamente a questão do mercado social de emprego, do qual, através do Orçamento do Estado, não se tem uma leitura correcta do que seja, para quem se destina e a que se destina.
Também uma das nossas grandes preocupações e creio que será também a de toda a gente, é a questão dos jovens à procura do primeiro emprego. São milhares que estão nessa situação e não se vislumbra, através da leitura deste orçamento, que possa haver incentivos correctos e concretos em relação à criação de empregos para jovens. Que futuro é, então, o dos jovens que estão a ser formados, que estão a ser submetidos, neste momento, a uma formação profissional e não têm uma perspectiva de emprego?
A Sr.° Ministra afirmou na Comissão de Trabalho, Solidariedade, Segurança Sociaí e Família e já aqui foi dito também, que a meta do Governo era não deixar aumentar a taxa de desemprego. Mas como é possível que um Governo saído das eleições de Outubro, em que se propunha exactamente diminuir essa taxa, relegue esse objectivo?
A questão da formação profissional merece-nos alguns reparos e gostaria de dizer aqui que ela deve ser orientada no sentido da especificidade de cada zona onde se integra, isto é, não é possível estar a fazer formação profissional em zonas onde, à partida, a criação de emprego não se vislumbra.
Concretamente, no distrito de Beja, pelo qual fui eleito, a formação profissional tem-se orientado para áreas que não têm, na prática, qualquer resultado na criação de emprego, ou seja, a formação profissional no Alentejo em geral tido uma incorrecta aplicação no sentido da procura de emprego e da aplicação dessa formação num emprego rentável.
Outra chaga, neste momento, é o trabalho infantil e gostaria de saber o que é que este Governo vai fazer nessa área.
Quanto às iniciativas locais de emprego, gostaria que a Sr." Ministra explicitasse a forma de serem aceleradas e implementadas no terreno.
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Nas GOP refere-se como objectivo a melhoria da legislação laboral e gostava de saber o que entende por melhoria; Em nosso entender, não há melhoria nenhuma, há uma situação em concreto em que a apresentação pelo Governo do decreto-lei sobre as 40 horas — que na prática são 50, pois há 10 horas de trabalho por dia — é, em nosso entender, nefasto para os trabalhadores. A flexibilidade e a polivalência constantes desse decreto é uma regressão em termos de os trabalhadores não poderem e não saberem em concreto quando é que vão começar e quando é que vão acabar o trabalho, o que não permite, em termos familiares, orientar a vida no sentido correcto.
Por outro lado, quanto ao acordo social e na decorrência dele, a UGT já aprovou um acordo colectivo relativo à polivalência cujo único artigo estabelece a polivalência de uma forma absurda, incorrecta e que fere os mais elementares direitos dos trabalhadores. Em nosso entender, o decreto-lei apresentado pelo Governo ataca frontalmente o direitos dos trabalhadores que são desde há muito reconhecidos e, nesse sentido, entendemos que é inconstitucional.
Sr." Ministra, estas são, de momento, as questões que gostava de lhe colocar.
A Sr." Presidente: — Tem a palavra a Sr.° Ministra, para responder às questões que lhe forma colocadas.
A Sr." Ministra para a Qualificação e o Emprego: —
Srs. Deputados, agradeço as questões que me colocaram e que me vão permitir explicitar melhor as opções do Governo em matéria de programa para o emprego e das escolhas orçamentais que estão contempladas neste orçamento.
Quanto à primeira questão, levantada pelo Sr. Deputado do PSD, quero responder muito frontalmente. Toda a gente sabe que há todo um conjunto de factores neste país, e não só, que vão no sentido do agravamento do desemprego. Essa é a tendência de fundo, que no caso português é particularmente preocupante na medida em que o País, pelas políticas de emprego que foram desenvolvidas no passado, não está preparado para responder devidamente. Ora, isto remete para o facto de, no passado, não ter havido uma condução correcta da modernização das empresas portuguesas, não ter havido capacidade de levar por diante restruturações, de forma organizada, no sentido de atacar os problemas de emprego na sua raiz e também por não ter havido uma política mais sistemática de qualificação da população portuguesa.
O Governo, quando tomou posse, encontrou o País numa situação particularmente desprovida para fazer face à envergadura dos problemas de desemprego que temos pela frente. E os problemas de emprego não são só problemas de desemprego, são também problemas de qualidade de emprego e de subemprego, ou seja, de subaproveitamento da mão-de-obra nas empresas onde ela se encontra. O desemprego declarado é a ponta do iceberg e gostava de chamar a atenção para isso.
Assim, sendo estas as tendências, o que quero dizer é que tem de haver uma política particularmente eficaz de emprego para as travar, para ir contra a corrente, e é isso que eu e o Governo nos propomos fazer, ou seja, implementar uma política claramente mais eficaz de ataque à questão, para travar a tendência, porque, se não houver essa política, então, o agravamento aparece e aparece de forma grave. Se conseguirmos travar o crescimento do desemprego, essa vai ser uma boa prova da eficácia da política do emprego nesta matéria.
No entanto, raciocinar doutra maneira é, a meu ver, cair numa certa hipocrisia e, por isso, prefiro ter uma linguagem de verdade, comunicando ao País a gravidade dos problemas de emprego com os quais está confrontado. Todavia, atacar esses problemas pressupõe uma
mobilização da sociedade civil, porque também há responsabilidades a esse nível e, consequentemente, o Governo vai ter, nesta matéria, um programa bem mais eficaz.
Em que é que consiste esse programa bem mais eficaz? Em primeiro lugar, respeita à política macroeconómica. É sabido que temos uma envolvente internacional de abrandamento económico que não permite esperar, do lado das exportações, grandes efeitos de arrastamento e, portanto, essa componente da procura tem uma evolução relativamente incerta.
Em matéria de investimento privado este orçamento faz o que devia fazer, ou seja, cria um clima estável em termos de política financeira, de funcionamento de mercados financeiros, que é fundamental para propiciar uma descida da taxa de juro e um clima estimulante para o investimento privado. A partir daí, evidentemente, há uma parte de responsabilidade que terá a ver com o próprio comportamento das empresas.
Em matéria de investimento público, este orçamento prevê um claro crescimento real e isso foi claramente provado no debate na generalidade. Mas temos outra aposta forte do Governo, no sentido de garantir, mediante o acordo económico e social, o princípio de crescimento do salário real, em geral e para a Função Pública em particular.
Este orçamento cria, do ponto de vista macroeconómico, condições que, nas circunstâncias internacionais presentes, são as melhores que se podem garantir, de momento, para efeitos de crescimento de emprego.
Todavia, gostava de dizer que a resolução da questão do emprego passa, em grande parte, por uma actuação ao nível das políticas estruturais e das políticas específicas de emprego, educação e formação. Ora bem, ao nível das políticas estruturais, há uma reorientação do Governo, em matéria das políticas industrial e agrícola, no sentido de apoiar uma modernização não assente só na introdução de novos equipamentos, porque essa modernização tende a destruir emprego, mas focalizada na criação de valor acrescentado, ou seja, no enriquecimento funcional das empresas, no reforço das empresas no que respeita às funções de marketing, gestão da produção e qualidade, porque, essas sim, são criadoras de postos de trabalho e postos de trabalho qualificados. E esta viragem no tipo de modernização que se preconiza para Portugal é fundamental para garantir um crescimento mais rico de emprego.
Há outra política estrutural que desempenhará um papel chave no estímulo à criação de emprego, a política de apoio ao desenvolvimento local. É hoje sabido que grande parte das capacidades endógenas de criação de emprego dependem de uma animação do desenvolvimento local. Essa animação do desenvolvimento local exige um processo de regionalização, um processo de organização de sinergias ao nível local e regional, para o qual têm que concorrer autarquias, empresas, organismos de ID e parceiros sociais de um modo geral. São essas sinergias que o Governo se propõe organizar, num quadro de processo de regionalização que será em breve despoletado.
Outra vertente fundamental diz respeito às políticas activas de emprego. Estas vão assentar, por um lado, no apoio efectivo à modernização das empresas, no que diz respeito à sua gestão de recursos humanos, porque sabe-
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mos que, em grande parte, os problemas de emprego existem porque as empresas não estão apetrechadas para preveni-los com a devida antecedência. Portanto, têm que ser apoiadas na sua capacidade de gerir recursos humanos de maneira preventiva, sendo este um eixo fundamental e, a meu ver, profundamente inovador, da actuação deste Governo por comparação com governos anteriores.
Finalmente, no que diz respeito ao apoio directo à criação de postos de trabalho, para além de um regime de incentivos ao recrutamento das categorias mais vulneráveis no mercado de trabalho, que são os desempregados de longa duração e os jovens, o Governo dará grande ênfase às políticas de criação do próprio emprego e da própria empresa. Todas essas políticas serão afinadas por forma a garantir, digamos, um acompanhamento do criador de emprego desde a fase inicial, em que ele concebe o seu projecto, até à fase de formação adequada e de inserção e acompanhamento do lançamento da sua empresa, por forma a que esse projecto empresarial tenha a maior taxa de sucesso que for possível.
Outro aspecto que gostava de focar é o lançamento de um programa focalizado nos desempregados de longa duração que permitirá a este Governo ir ao centro da questão do emprego, ao núcleo duro formado pelos desempregados de longa duração e, em face deles, propor toda uma gama de soluções adequadas às suas diferentes condições, no sentido de os levar, dentro do possível, a situações de reinserção profissional efectiva.
Outro vector chave dessa política ambiciosa em matéria de emprego diz respeito ao reforço do sistema de formação profissional. Os problemas de qualificação com os quais o País está confrontado exigem que sejamos capaz de pôr de pé verdadeiros sistemas de educação e de formação que dêem reais oportunidades de formação ao longo da vida a qualquer cidadão português. Esse é o desafio, que é de grande actualidade em termos europeus mas que no nosso caso é particularmente importante, dado o défice de qualificação que temos e que está em grande parte na origem do nosso problema de desemprego.
Nessa matéria, o Governo propõe-se reorientar a política de financiamento público da formação por forma a dar prioridade à formação daquelas categorias mais vulneráveis do mercado de trabalho. E isso é uma reorientação profunda relativamente ao que se verificou no passado. Neste momento, os recursos públicos para a formação profissional são escassos em função da procura e, portanto, há que direccioná-los para essas prioridades em termos sociais e é isso que vamos fazer.
Estou convencida que esta reorientação profunda da política de emprego é indispensável para ir contra a corrente e para contrariar a tendência que referi no início, de agravamento do desemprego, que existe e que prefiro assumir como um facto porque prefiro olhar as coisas de frente do que meter um carapuço na cabeça.
Vou agora comentar as questões, que também agradeço, levantadas pelo Sr. Deputado do PCP.
Sr. Deputado, as privatizações são encaradas por este Governo tendo em vista vários objectivos, sendo um deles criar possibilidades a estas empresas de se adaptarem à sua envolvente de mercado e às imposições de modernização que são inevitáveis. Portanto, a restruturação tem de ser encarada também como uma oportunidade de modernização para as empresas que vão ser objecto dessas privatizações.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): — O Banco de Fomento e Exterior não está adaptado
A Oradora: — Sr. Deputado, este é um juízo genérico
e não vou particularizar cada caso.
Ora bem, um processo desse tipo, evidentemente, deve ser devidamente acompanhado por políticas de emprego e de formação, por forma a amortecer eventuais custos sociais, sendo este um caso muito claro em que se coloca a necessidade de uma política de acompanhamento das restruturações de forma a que elas sejam conduzidas de maneira organizada e de forma a minimizar problemas ao nível 'do emprego. Portanto, haverá um cuidado especial por parte do Governo no acompanhamento destes casos.
Gostava também de dizer, a propósito da questão que levantou sobre desemprego de longa duração, que, como eu disse há pouco, esse é o núcleo duro que exige uma atenção particular do nosso lado e tudo faremos para dar oportunidade a estas pessoas de uma reinserção profissional normal no mercado de trabalho.
Como disse há pouco, o Governo vai lançar um programa direccionado especificamente para desempregados de longa duração que começará por garantir a esses desempregados serviços de orientação profissional adequados e que permitam propor a cada indivíduo desempregado de longa duração uma solução adequada de educação, nalguns casos, de formação e de apoio à inserção profissional. Esses apoios distribuem-se entre á criação do próprio emprego, apoio ao lançamento de ILE, recrutamento em empresas, através de incentivos ao recrutamento e, nalguns casos também, as chamadas soluções de mercado social de emprego.
Em que é consiste o mercado social de emprego? Consiste em zonas dec criação de postos de trabalho que correspondem, a estas características, isto é, zonas que permitam satisfazer necessidades sociais evidentes nas regiões em que isto se vai verificar. São oportunidades de criação de emprego mas de emprego que não é sustentável numa base empresarial, ou seja, tem de haver algum apoio público à criação destes postos de trabalho, que vai surgir desde que esses postos de trabalho estejam direccionados à satisfação de necessidades sociais.
Vamos dar prioridade à satisfação de três tipos de necessidades. Por um lado; apoio à população idosa; por outro, uma política integrada de desenvolvimento da fileira florestal em Portugal, nomeadamente, na prevenção de incêndios e, finalmente, a vertente da recuperação do património cultural, urbanístico. Estas são três áreas em que há claras necessidades por parte do País e que podem propiciar zonas abrigadas de criação de emprego e de colocação desta população que pode não ter níveis muito elevados de qualificação.
A questão da população jovem tem de ser tratada em vários patamares, o primeiro dos quais é evitar a inserção precoce no mercado de trabalho. Essa é a primeira grande frente de batalha, ou seja, a luta contra o trabalho infantil numa óptica de actuação integrada, o que quer dizer que não chega a intervenção da Inspecção-Geral do Trabalho sendo fundamental uma intervenção da própria escola no sentido de reter o jovem na escola. Essa é, pois, a primeira frente.
Depois, segue-se uma outra, que consiste em garantir a cada jovem uma oportunidade de formação inicial que seja, de facto, qualificante. Gostávamos de direccionar o máximo de jovens para soluções consolidadas, como o ensino via geral, o ensino tecnológico, as escolas profissionais, o sistema de aprendizagem e só se, de todo em todo. estas vias não resultarem é que o jovem poderá ser encaminhado para uma solução de formação profissional, eventualmente mais pontual e mais limitada.
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Há outro aspecto fundamental para apoiar a inserção dos jovens, o de melhorar drasticamente o sistema de orientação profissional. Temos um sistema de orientação profissional incompleto, porque não cobre a totalidade das escolas dos ensinos básico e secundário e também porque a rede disponível nos centros de emprego não é ainda capaz de atingir a massa desses jovens.
Assim, temos de reforçar esta rede e dotá-la de uma informação efectivamente actualizada sobre o futuro das profissões. O jovem tem de poder escolher com pleno conhecimento da evolução das profissões e, porque essa
informação falha, vamos passar a produzi-la e a difundi-la.
Finalmente, outro aspecto fundamental relativo à inserção dos jovens é tudo o que se possa fazer mais a jusante, ou seja, do ponto de vista da política de oferta de estágios e de formação/emprego a jovens, uma vez que eles terminem a sua formação qualificante.
Essa é a sequência que vamos montar, no sentido de assegurar um canal mais estabilizado de inserção profissional para a população jovem, em Portugal.
O Sr. Deputado referiu também o Programa ILE. Como referi na anterior discussão na especialidade, em sede de comissão, o Ministério vai reactivar o Programa ILE e esta reactivação passa por um acompanhamento mais efectivo do criador da empresa, desde o momento em que ele concebe o seu projecto de empresa até ao momento em que ele se lança no mercado e ainda tem de ser apoiado durante um período posterior para que a sua empresa sobreviva no mercado. É esse acompanhamento no terreno que vamos organizar, no sentido de garantir uma maior taxa de sobrevivência das iniciativas locais de emprego.
Finalmente, não quero deixar de referir o último tema abordado pêlo Sr. Deputado, sobre o conteúdo do acordo económico-social, que deu agora origem a uma proposta de lei enviada pelo Governo à Assembleia da República.
Um dos pontos-chave deste acordo diz, de facto, respeito a princípios de adaptabilidade do tempo de trabalho e de polivalência, que foram introduzidos como forma de compensar um processo de redução do tempo de trabalho, que é importante e consagra um marco histórico em Portugal — e, aliás, em qualquer outro país —, que é o das 40 horas.
Conseguimos pôr a maioria dos parceiros sociais de acordo com este processo e gostava de dizer que a adaptabilidade do tempo de trabalho e a polivalência são compensações para a redução do tempo de trabalho, mas, a meu ver, também têm um mérito, como princípios de adaptabilidade no mercado de trabalho. E que aqui, também numa linguagem de verdade, gostaria de dizer-lhes, Srs. Deputados, que os problemas de emprego do País são de tal ordem que estamos perante uma encruzilhada histórica. Assim, das duas, uma: ou optamos por soluções de flexibilidade externa, no sentido de facilitar despedimentos e precarização, para que as empresas possam ter capacidade de resposta, ou vamos propiciar soluções de flexibilidade interna, que passam por estas, ou seja, adaptabilidade do tempo de trabalho e polivalência. Ou uma coisa, ou outra... E digo aqui claramente que a minha escolha, e a do meu Governo, é a de privilegiar as soluções de flexibilidade interna. Se nós não fizermos nada, posso garantir-vos que o que vai aparecer incontornavelmente são as soluções de flexibilidade externa, ou seja, mais despedimentos e mais precarização e nós gostávamos de evitar isso.
Portanto, estamos a seguir uma política responsável, de flexibilização interna das empresas portuguesas, justamente para prevenir esses fenómenos mais perversos e para poder criar condições de promoção do emprego e isto é algo que defendo em qualquer espaço e em qualquer tempo. Estou absolutamente convicta disto e, a meu ver, esta é uma opção histórica que este Governo está a fazer e para a qual gostava de ter o apoio deste Parlamento.
Para já, são estes os comentários que queria fazer.
A Sr*Presidente: — Terminada esta primeira ronda, peço aos Srs. Deputados que sejam mais breves nos seus pedidos de esclarecimento e à Sr.° Ministra que, tanto quanto possível, fosse também mais sintética nas suas respostas.
A Sr." Helena Roseta (PS): — Sr." Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
A Sr." Presidente: — Faça favor, Sr." Deputada.
A Sr." Helena Roseta (PS): — Sr." Presidente, a Sr." Ministra nada disse acerca da minha proposta e, já agora, gostaria de saber qual era a sua posição.
A Sr." Presidente: — Sr." Ministra, querendo-o, tem a palavra.
A Sr." Ministra para a Qualificação e o Emprego: —
Sr." Deputada, peço desculpa por não lhe ter respondido, ainda por cima no dia 8 de Março...
A esse respeito, gostava ainda de fazer um comentário preliminar, até porque hoje é o dia 8 de Março, dizendo, em primeiro lugar, que uma política de igualdade de oportunidades — e, em particular, na relação homem/mulher — é tão prioritária para este Governo que ele decidiu reorganizar-se de outra maneira para lhe fazer face. Isso passou pela criação, como é sabido, de uma alta comissária para esta matéria, que terá uma função de articulação transversal entre os ministérios.
Em qualquer caso, sem dúvida que este Ministério conservará uma responsabilidade particular em tudo o que diz respeito a este assunto nas áreas do emprego, da formação e do trabalho.
Portanto, nesse quadro, gostava de começar por dizer que essa preocupação estará presente na elaboração de qualquer política de emprego, formação e trabalho por parte do Ministério e que pude confirmar, na sequência da reunião com a Comissão em sede de especialidade, que é possível aceitar a proposta proveniente dessa Comissão, pelo que estou em condições de confirmar que ela será introduzida.
A Sr." Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado António Rodrigues.
O Sr. António Rodrigues (PSD): — Sr." Ministra, muito rapidamente, gostaria de colocar-lhe duas questões.
Julgo ter sido criada uma grande expectativa em relação ao seu Ministério, uma vez que ele passou a integrar na sua designação a expressão «qualificação». Portanto, constituem certamente uma preocupação da Sr." Ministra as questões relativas à qualificação.
E sabido que elevar o nível de qualificação dos trabalhadores portugueses não é algo que se faça de um dia
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para o outro e, naturalmente, terão de ser tomadas medidas estruturais.
A Sr.° Ministra já teve oportunidade de dizer — inclusivamente, respondendo a uma pergunta minha — que ia fazer algumas alterações, no âmbito do seu Ministério, em
relação a isso, nomeadamente criando novas estruturas para fazer levantamentos de necessidades de formação e de
orientação profissional, e manifestou a sua preocupação relativamente à certificação profissional.
O que lhe pergunto concretamente é se vai ou não criar uma nova estrutura, este ano, dentro do seu Ministério, para tratar destas questões e, no caso afirmativo, que montantes vão estar atribuídos a essa mesma estrutura, uma vez que do orçamento não consigo retirar uma indicação sobre dessa matéria.
A minha segunda questão tem a ver com o seguinte: é público — e a Sr." Ministra já o admitiu, hoje mesmo — que há reestruturações em curso no tecido empresarial ou económico português e que, necessariamente, um conjunto vasto de empresas vai ter problemas e, eventualmente, encerrar. Também é público que algumas dessas empresas estão, já neste momento, em situação económica difícil e que a primeira medida dos trabalhadores é virem para a rua.
Nestes termos, pergunto-lhe se, no âmbito do seu Ministério, vai adoptar algum tipo de políticas, nomeadamente a título preventivo, para evitar que o desemprego também possa aumentar por via das falências de empresas, que possam vir a surgir.
A Sr." Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Oliveira.
O Sr. Barbosa de Oliveira (PS): — Sr.' Presidente, Sr* Ministra, gostaria de assinalar o facto de este ser um Orçamento que gera emprego. E isto, na discussão que estamos a fazer, aliada também à discussão das Grandes Opções do Plano, que, gostaria de recordar aqui, foram objecto de discussão para parecer no Conselho Económico e Social, parecer esse que teve concretamente um voto favorável por unanimidade, significa que os parceiros sociais — e, porque estamos a falar de emprego, o emprego gera-se e vive-se ao nível dos parceiros sociais — consideraram, e consideram, as Grandes Opções do Plano satisfatórias, no mínimo. Ora, gostaria de assinalar isso.
Por outro lado, como estamos em sede de discussão na especialidade, gostaria também de assinalar que, durante a discussão efectuada na Comissão de Trabalho, Solidariedade, Segurança Social e Família a Sr.* Ministra teve a oportunidade, recordo-me, de dar as mesmas respostas às mesmas perguntas, as quais já então me satisfizeram e continuam a satisfazer-me. Porém, não sei se esse 6 o caso de quem voltou a fazer as mesmas perguntas...
Gostaria ainda de dizer que o relatório da Comissão de Trabalho, Solidariedade, Segurança Social e Família sobre as Grandes Opções do Plano e o Orçamento só teve, na sua votação, a abstenção do PCP e as declarações de voto andaram à volta ce mais ou menos adjectivos — se bouvesse tempo, uns colocariam mais adjectivos e outros tirá-los-iam do relatório. Porém, o resultado da votação foi esse.
Assim sendo, nesta discussão na especialidade, gostaria de me ter visto confrontado com propostas concretas, eventualmente, de aditamento ou de alteração. Não foi o caso, porque, como dissev ao que tenho vindo a assistir aqui é à repetição das mesmas perguntas e das mesmas respostas.
Por isso mesmo, cheguei a pensar se deveria intervir. No entanto, como ouvi aqui algumas coisas que merecem o meu comentário, vou adiantar o seguinte: sem querer antecipar a discussão da proposta de lei sobre a redução do tempo de trabalho, diria que, a meu ver, o «papão» que se tem vindo a criar e a desenvolver à volta da
polivalência e da flexibilidade não passa disso, na medida
em que a polivalência é hoje um meio de defesa dos trabalhadores.
Assim, diria à Sr. Ministra para a Qualificação — e sublinho qualificação — e o Emprego que, de facto, na questão do emprego e da polivalência, é importante que, no futuro, haja um maior empenho (e por que não um maior gasto) por parte quer do Ministério quer dos parceiros sociais, na formação profissional. É que não há polivalência sustentada sem formação profissional e a melhor forma de desmontar este «papão» é exactamente esse empenhamento na formação profissional.
Quanto à flexibilidade, julgo que a Sr.' Ministra disse tudo, com o que estou inteiramente de acordo. Por outro lado, no sector em que trabalho e sou dirigente sindical a flexibilidade diária já acontece há anos, por contratação colectiva. A flexibilidade semanal, essa, ainda não acontece, mas a flexibilidade diária já acontece há anos e não é um mal mas um benefício.
Por isso, gostaria de lhe deixar uma interrogação, relativa, exactamente, à questão da mobilização dos parceiros sociais. E porquê? Porque não basta, do meu ponto de vista, um acordo económico ou vários acordos sucessivos e estratégicos, é preciso que haja empenho e boa fé nisso. Porque o emprego, deixe-me dizer-lho e creio que concordará comigo, não se gera no seu Ministério, por muito que o queira e julgo que lhe sobra vontade para isso.
Em minha opinião — e penso que com o seu acordo —, o emprego gera-se na chamada sociedade civil e, assim, a minha grande interrogação é: como mobilizar a sociedade civil, como criar emprego, aí, a esse nível, e com que empenhos e apoios?
A Sr.* Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Correia da Silva.
O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): — Sr.* Presidente, Sr.* Ministra, queria colocar-lhe algumas questões, que, para mim, ainda não estão claras, e interrogá-la sobre algumas intenções, que gostava de ver devidamente explanadas. Por isso, a razão das minhas perguntas é não ter dito, na intervenção inicial, absolutamente nada sobre as questões que queria ver esclarecidas, mais do que propriamente as intenções.
A.* Ministra refere nas Grandes Opções do Plano — e penso que com toda a razão — que o País precisa de fazer um levantamento das necessidades. Penso sinceramente que o País vive uma crise existencial, não sabendo se é um país de agricultura, de serviços, de indústria, ou seja, onde devemos apostar. E este desnorte, naturalmente, traz consequências no investimento.
Todos nos recordamos dos apelos feitos, nomeadamente aos jovens portugueses, para que voltassem à terra, aos estímulos dados aos jovens agricultores para investirem na agricultura, os quais, depois, lhes foram retirados. Todos temos presente na memória vários estímulos dados e que, depois, disseram que, afinal, não era assim...
Portanto, gostaria de saber se o Ministério já tem uma linha de rumo, se já definiu quais os sectores de actividade onde o País mais se pode desenvolver.
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Penso que, quer pela nossa dimensão quer pela tradição e cultura portuguesas, seremos sempre um país de indústrias médias e tradicionais, as quais, julgo, têm sido, sobretudo, as vítimas do processo de adesão à União Europeia. Gostaria de saber quais os mecanismos de — não
digo protecção, porque, como deve calcular, é uma palavra que, de acordo com os minhas convicções ideológicas, me custa a reproduzir —, mas quais os apoios e os estímulos que as indústrias desta natureza poderão encontrar no seu Governo.
Por outro lado, quanto ao desemprego jovem e, nomeadamente, à procura do primeiro emprego, penso que é dramática a situação hoje vivida pelos jovens portugueses, que saem das universidades ou dos institutos superiores e que cumpriram com aquilo que lhes foi pedido. O País lançou-lhes um desafio, o da qualificação, eles aceitaram, têm uma formação técnica de elevada qualidade e o País, afinal, dispensa-os, porque não. lhes consegue encontrar colocação, não lhes dá espaço para eles afirmarem as suas qualificações e aptidões.
O maior drama dos jovens portugueses, neste momento, Sr.a Ministra, nomeadamente daqueles que procuram o primeiro emprego, é ter acesso à primeira experiência profissional, porque, pelas vias tradicionais, as respostas são sempre as mesmas.
Se quiser, Sr." Ministra, poderá fazer um ensaio — eu já o fiz. Tenho amigos meus, pessoas conhecidas, e tenho tido contacto com diversos jovens que terminaram a sua formação superior e que já se candidataram a centenas, se não a milhares, de concursos, constantes de anúncios de recrutamento, seja para instituições públicas seja para instituições privadas. E o grande problema é que nem sequer têm acesso à entrevista, nem sequer têm a oportunidade de provar aquilo que valem. Portanto, penso que este abismo que separa os jovens já formados do mercado de trabalho deve ser superado pelos poderes públicos e o Ministério para a Qualificação e o Emprego deve ter aí um papel a desempenhar. Serem colocados no mercado de trabalho é a principal aspiração dos jovens portugueses.
Acredite, Sr.° Ministra, que a maior parte dos jovens que, hoje, saem da faculdade não se importam de estar a estagiar três ou quatro meses ou, eventualmente, meio ano, sem qualquer remuneração, se sentirem que têm a oportunidade de provar, por um lado, aquilo que sabem e valem e, por outro, que, numa instituição económica, são capazes de ser úteis à sociedade e gerar riqueza. Isto, com certeza, será meio caminho andado para combater o desemprego juvenil.
Por outro lado, falámos, há pouco, do problema microeconómico que tem a ver com a falta de competitividade das nossas empresas. Mas convém fazer a destrinça. É verdade que, numa visão global e generalizada, as nossas empresas têm problemas estruturais — e têm-nos porque não conseguiram correr à mesma velocidade que as nossas congéneres europeias —, têm problemas quanto aos processos de gestão e de organização, não têm a sensibilidade, talvez desejável, em relação à agressividade que hoje é preciso ter em mercados tão concorrenciais como o da União Europeia.
Porém, Sr.° Ministra, às vezes, a tentação natural, humana, de quem tem responsabilidades da natureza das suas e do seu Ministério é dar protecção a empresas que já provaram não ser viáveis, a empresas cujos gestores já provaram não ser capazes de torná-las rentáveis, produtivas e úteis para o País, mas que continuam a receber apoios do Governo que lhes permitem prosseguir a má
gestão, que, ao fim e ao cabo, vai minar todo o tecido produtivo, vai, como um vírus, contagiar todo esse tecido produtivo.
Pergunto-lhe, muito objectivamente, Sr." Ministra, se concorda com o Decreto-Lei n.° 132/93, que aprova o
Código dos Processos Especiais de Recuperação de Empresas e de Falências. O que se passa, nomeadamente nas
indústrias têxteis e de calçado, é que também aí temos boas e más indústrias, boas e más empresas e, por vezes, as boas empresas sentem-se defraudadas no mercado, porque aqueles que continuamente praticam uma má gestão conseguem colocar os produtos no mercado a preços mais baixos, mais competitivos, apenas porque têm uma protecção legal, um subsídio sustentado pelo Orçamento do Estado, o que naturalmente vai prejudicar as empresas que vivem dos seus próprios rendimentos e investimentos.
É, pois, necessário fazer uma cirurgia na nossa economia, que passa, em primeiro lugar, por retirar do nosso tecido económico as empresas que não são capazes de ser produtivas e de gerar riqueza e, em segundo, pela alteração deste Decreto-Lei n.° 132793.
Não podemos continuar a proteger quem não é capaz de gerir, não podemos continuar a permitir que as más empresas funcionem como um vírus na nossa economia, que acaba por contagiar as boas empresas, as que, de facto, são produtivas e vivem para investir, para gerar riqueza e, por essa via, para criar emprego. Esta é a questão fundamental.
As minhas perguntas foram objectivas, pelo que gostaria de obter respostas igualmente objectivas.
A Sr." Presidente: — Afinal, o Sr. Deputado sempre queria fazer a tal intervenção inicial, o qué pode ter levado os seus restantes colegas a pensar que estava a dar-lhe um privilégio qualquer. Porém, não estava, porque o CDS--PP ainda não tinha feito a intervenção inicial.
Vou agora dar a palavra à Sr." Ministra, que pretende responder a este grupo de questões.
Tem a palavra, Sr." Ministra.
A Sr.° Ministra para a Qualificação e o Emprego: —
Sr." Presidente e Srs. Deputados, como fui informada de que há muitos Srs. Deputados inscritos para pedir esclarecimentos, vou dar respostas mais sintéticas do que gostaria às questões que me foram colocadas.
Em primeiro lugar, o Sr. Deputado António Rodrigues abordou um problema, que já tratámos noutras ocasiões e que tem a ver com isto: todos concordaremos que, para melhorar a qualidade da formação profissional neste País, há um conjunto de sistemas que deveria existir mas que ainda não existe, que consiste, basicamente, num sistema de levantamento de necessidades de formação profissional, num sistema de orientação profissional, num sistema de certificação da formação e num sistema de avaliação permanente da formação profissional. Este Governo dará a maior das prioridades à organização desses sistemas.
Quando o Sr. Deputado me pcigunia sc o Governo tenciona criar algum dispositivo para lançar todo este trabalho, diria que não só pensa como criou. E posso já dar essa notícia dizendo-lhe que o Conselho de Ministros, na sua reunião de ontem, criou justamente o dispositivo que lançará este conjunto de trabalhos, com prazos curtos de realização, porque consideramos isto da maior prioridade
A sustentação financeira destes trabalhos vai redundar num orçamento cujo volume preciso não posso ainda indicar-lhe, porque o orçamento, que está a ser feito neste
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momento passa por uma identificação dos contornos precisos destes trabalhos. Em qualquer caso, a base de financiamento será, por um lado, as chamadas medidas específicas contidas no Programa PESSOA, financiado pelo Fundo Social Europeu e, por outro, a medida da assistência técnica ao Fundo Social Europeu. São dois suportes onde estas despesas têm claro cabimento, quer em termos nacionais, quer em face dos regulamentos comunitários. Aliás, são verbas previstas exactamente para que estes trabalhos sejam feitos e nós vamos fazê-los.
Trata-se, portanto, de conduzir toda uma montagem de infra-estruturas de apoio à inovação na formação.
O Sr. Deputado colocou também um problema relativo ao acompanhamento das falências e das reestruturações. A este respeito, quero dizer o seguinte: o Governo dá a maior importância a esta questão, no sentido de garantir um acompanhamento organizado das reestruturações que permita reduzir o seu impacte social. Isso passa, por um lado, por pôr de pé planos sociais de apoio à reestruturação nas empresas com problemas, mas também, acima de tudo, por organizarmos o País no sentido de prevenir os problemas a tempo. A questão fundamental está aqui.
Logo, temos de conseguir organizarmo-nos ao nível sectorial e regional, de forma á identificar os problemas do emprego a tempo, de modo a que as políticas preventivas, nomeadamente as de formação profissional, de reconversão, possam minimizá-los.
O objectivo devia ser o de prever, em cada sector, quais são os perfis profissionais que se- vão expandir, os que se transformam, que, por isso, necessitam de um apoio em formação profissional, e quais os que vão regredir, onde vai haver redução de efectivos, o que implica a capacidade de reconverter esses trabalhadores para profissões com mais futuro. É esta gestão organizada das reestruturações que o País tem de conseguir fazer.
Ora bem, isto remete para o processo de concertação estratégica, que o Governo agora se propõe organizar e que vai ter como deseje-chave exactamente isso: organizar os esforços dos diferentes agentes, de modo a garantir essa gestão das reestruturações e da' modernização, por forma a promover emprego.
O Sr. Deputado Barbosa de Oliveira deu-me a oportunidade de retomar a questão da polivalência, que muito lhe agradeço.
Penso que o constante do Acordo Económico e Social, no que diz respeito ao princípio da polivalência e que foi agora vertido para a proposta de lei entregue pelo Governo, consagra uma formação inteiramente correcta deste princípio, porque delimita a aplicação da polivalência às tarefas afins da função principal do trabalhador e garante que esta não se traduz em desqualificação para o trabalhador, uma vez que prevê uma aplicação permanente entre polivalência e formação profissional, além de prever que quando o trabalhador exerce uma nova função, a partir de um certo período, tem direito a uma reclassificação profissional.
Portanto, penso que há aqui um conjunto de garantias no sentido de que o princípio da polivalência não vai ser um ataque aos direitos dos trabalhadores, muito pelo contrário, vai, isso sim, ser uma enorme oportunidade de qualificação dos trabalhadores portugueses. É um princípio formulado pela positiva, que, a meu ver, vai dar
um real contributo à qualificação dos trabalhadores portugueses. Não compreender isto é querer fazer andar para trás as «rodas da história». Gostaria que isto ficasse aqui claro.
Penso que é uni princípio formulado de modo inteiramente correcto. Assim, não posso estar mais de acocdo
com o comentário feito pelo Sr. deputado sobre esta matéria. É sempre bom voltarmos a isto, a fim de esclarecermos a opinião pública, porque, de facto, temos pela frente uma reforma inteiramente positiva e progressiva do mercado de trabalho português, em prol da qualificação da população portuguesa.
O Sr. Deputado Nuno Correia da Silva levantou toda uma série de questões, que vou percorrer de forma bastante sintética, tentando responder a todas elas.
O Sr. Deputado já tinha levantado, numa reunião anterior, a questão de saber em que áreas, em que sectores, é que o País tem possibilidades de criação de emprego. A isto diria que o fundamental é organizarmo-nos para essa prospecção permanente de oportunidade de criação de emprego. Esta é a questão-chave porque o contexto é muito mutável, em termos internacionais e nacionais. Assim, a chave da criação de emprego tem de ser essa capacidade de perfurar em permanência novos nichos de actividade. Não obstante, podemos dizer desde já que, no que respeita à agricultura, a promoção do emprego está eminentemente associada e dependente da nossa capacidade em ligar sector agrícola/desenvolvimento rural, o que está cada vez mais claro, e é nesse sentido que o Governo vai actuar.
No que diz respeito à indústria, é verdade que temos de conseguir potenciar as nossas indústrias tradicionais, mas isso passa justamente por modernizá-las, no sentido de lhes dar outra flexibilidade, outra resposta de produção em termos curtos, em séries curtas, para nichos de mercado não só no espaço europeu mas também no mundial. Este é um aspecto-chave, mas penso que não podemos ficar por aí, é fundamental reforçarmos a capacidade nacional em novos sectores, nomeadamente nos que habilitam o País a transitar, digamos assim, para um novo paradigma tecnológico, que, como é sabido, é marcado pelas tecnologias de informação. Mesmo que o País não possa, e não pode certamente, especializar-se em matéria de tecnologias de informação, tem de ter um domínio básico, sem o qual não poderá, inclusive, modernizar os seus sectores de especialização tradicional.
É, portanto, esta mistura, entre o moderno e o tradicional, que temos de conseguir fazer de maneira criativa, original e própria, porque é nela que está o segredo da promoção do emprego num país pequeno como Portugal. Este é, evidentemente, um exercício de criatividade para o qual a sociedade civil tem de ser chamada e onde terá certamente um papel-chave.
Finalmente, no domínio do terciário, devo dizer que este continua a ser o grande sector de criação de emprego em qualquer país. No nosso caso, essas potencialidades assentam sobretudo no chamado terciário moderno, com destaque para os serviços prestados às empresas e certamente também para os serviços pessoais, porque correspondem a necessidades sociais da nossa população que, em grande parte, continuam por satisfazer. Por isso, em qualquer caso será sempre o sector terciário que criará mais emprego em Portugal.
Mas, no que respeita à indústria, há um aspecto-chave que convém clarificar. A meu ver, seria errado pensar-se que estamos numa fase de mera regressão industrial. O que se está a viver em Portugal é um fenómeno de re-industrialização, ou seja, de substituição de empresas tradicionais por empresas mais modernizadas, eventualmente noutros segmentos, havendo, assim, uma renovação industrial
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que tem de ser apoiada com políticas activas ao nível tecnológico, científico, industrial e de formação profissional. É a chave para que Portugal possa ter indústria com futuro e emprego com futuro na indústria.
Quanto aos jovens portugueses, devo dizer, muito sinteticamente, que a questão se coloca assim: há realmente um salto muito difícil para dar, que é o salto da escola para o emprego. Muitas vezes, há um precipício entre uma coisa e outra, e a forma de o colmatar consiste em generalizar cada vez mais métodos de formação em alternância. Devemos estimular todos os sistemas de ensino a incorporarem formação em alternância, sob a forma de estágio, de visitas às empresas, de contactos com empresar rios. Todas estas pontes têm de ser reforçadas, para facilitar â transição para a área do emprego.
Mas há um outro aspecto que gostaria de sublinhar. A criação do emprego para os jovens também tem de ser colocada numa outra vertente, que é dizer-lhes que o grosso será recrutado como trabalhador por conta de outrem, mas deve-se estimular a iniciativa empresarial entre os jovens.
Em minha opinião, é fundamental, estimular a multiplicação de criadores de empresas em Portugal e a população jovem está particularmente habilitada a isso, se for apoiada. É muito importante actuar neste sentido, porque a criação da empresa tem sempre um efeito multiplicador muito maior sobre o emprego do que a criação do simples emprego individual. Assim, devemos potenciar este efeito multiplicador.
Uma última referência é para o problema das empresas em situação difícil e em risco de falência.
O Governo tem em curso a elaboração de uma política integrada de acompanhamento da situação destas empresas e uma das componentes dessa política passará certamente pela revisão do quadro regulamentar dos processos falimentares, sendo uma característica básica da posição do Governo nesta matéria a de que os gestores têm de ser responsabilizados. Portanto, o quadro regulamentar das empresas em situação difícil vai ser delineado por forma a ter também este ingrediente: o gestor tem de ser responsabilizado pela situação em que a sua empresa se encontra, e isto tem de ter consequências.
É o que, desde já, lhe posso avançar.
A St.' Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Arménio Santos.
O Sr. Arménio Santos (PSD): — Sr." Presidente, Sr.° Ministra para a Qualificação e o Emprego, penso que uma das preocupações fundamentais deste Orçamento consiste nas respostas tocantes ao combate ao desemprego e é exactamente no que toca ao emprego que vou colocar a minha questão.
As medidas anunciadas na sua exposição — desculpe que lho diga — são praticamente uma repetição das políticas que estavam em vigor no Governo anterior. Por exemplo, as iniciativas de desenvolvimento local e todo um conjunto de ideias que explanou não são políticas novas, como sabe.
Por outro lado, a Sr." Ministra reconheceu de facto que, de um momento para o outro, não se pode alterar o que, do seu ponto de vista, estava incorrecto. Ora, isto, sendo verdade, não deixa de ser uma forma de desculpar a ausência de adopção de soluções que tenham eficácia no tempo em que o próprio PS e o seu Governo se comprometeram.
O Sr. Primeiro-Ministro chega aqui e acusa a União Europeia pela falha no combate ao desemprego, por não ter políticas de combate ao desemprego; acusa a União Europeia pelo crescimento do desemprego no nosso país, mas, depois, constatamos que, no neste Orçamento, a nível interno, não há qualquer medida que faça a diferença em relação à União Europeia, que o Sr. Primeiro-Ministro critica. Ora, isto dá a sensação de que o Sr. Primeiro-Ministro sabe que a União Europeia não tem essas políticas e que é necessário acusá-la cá dentro, para justificar o crescimento desse flagelo.
Nas promessas eleitorais, o PS — não foi o PSD que as fez mas o PS — disse que com ele o desemprego iria ser reduzido drasticamente. No dia 1 de Outubro, o desemprego, como a Sr.° Ministra sabe muito bem, estava nos 6,9%; neste momento, pelo que parece, já vai em 7,6%, segundo o Instituto do Emprego e Formação Profissional, e todos os meses os números aumentam.
Portanto, quem se comprometeu a descer drasticamente o desemprego foi o PS, e por isso ganhou as eleições. Porquê? Porque as expectativas que criou nos portugueses, nos jovens que estão sem emprego, nos desempregados de longa duração, nas famílias, foram motivo para que as pessoas, no acto de votar, votassem naquele projecto, naquela força política, que se comprometia a dar resposta aos seus problemas. Uma opção compreensível e correcta. Mas o PS, pelos vistos, não está a actuar politicamente em consonância com esses compromissos.
Mais, Sr.* Ministra, há um mês e meio foi assinado o Acordo Económico e Social de Curto Prazo, onde está escrito que há o compromisso do Governo e dos celebrantes desse acordo de o emprego crescer 1%. E isto não aconteceu em Outubro de 1995 mas já em Fevereiro ou fins de Janeiro. Foi nesta altura que o Governo do nosso país, particularmente este por sér a entidade mais responsável por este processo, as confederações sindicais e as confederações patronais se comprometeram a aumentar o emprego em 1%.
Ora, o que se está a verificar neste momento é exactamente o contrário, Sr.* Ministra, e é em função desta realidade concreta que pergunto: acha que as medidas que aqui anunciou são satisfatórias para responder em coerência com os compromissos assumidos, quer na concertação social, quer nas declarações do Sr. Primeiro-Ministro, quer no Programa do Governo, quer no programa eleitoral do PS? Acha que o conjunto de iniciativas que aqui enunciou são satisfatórias para respeitar e cumprir tudo aquilo que foi prometido?
A Sr.° Presidente: — Tem a palavra a Sr.° Deputada Odete Santos.
A Sr." Odete Santos (PCP): — Sr." Presidente, a Sr." Ministra para a Qualificação e o Emprego referiu, na sua intervenção, a proposta de lei n.° 14/VII como um marco histórico. É a mesma linguagem do Vice-Presiden-te da CIP, só lhe faltava juntar a esse marco histórico um outro, que, por acaso, também é, lamentavelmente, do Governo socialista, também referido pelo Vice-Presidente da CIP, que é o da contratação a prazo, em 1976.
Em 1976, também a contratação a prazo, e a partir daí a precarização não cessou de aumentar, foi anunciada como uma forma de combater o desemprego. Não combateu, como é bem evidente! Antes, abriu a porta para uma outra série de medidas de precarização, da responsabilidade do PSD. E se há algo em que posso concordar com o
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Sr. Deputado Arménio Santos, qüe acabou de falar, é a coincidência de medidas nesta matéria entre o Governo do
PSD e o Governo do PS.
Devo dizer que a Sr." Ministra, na sua intervenção, confessou uma total incapacidade de combater as violações das leis de trabalho, confessou a incapacidade do Governo de combater os desrespeitos das leis dos despedimentos, que protegem, ainda assim, apesar das malfeitorias, os trabalhadores do despedimento, e confessou a sua incapacidade de fazer aplicar as poucas leis que temos que combatem a precarização. Estas foram as palavras da Sr." Ministra. E, em vez de melhorar a legislação sobre contratação a prazo, não é isso que o Governo nos vem propor. Em vez de, por exemplo, acabar com a contratação a prazo dos jovens à procura do primeiro emprego — isto é da autoria de um Governo do PSD —, não, senhor, não é isso que o Governo do PS quer fazer.
Para esclarecer algumas coisas' — pois algumas coisas foram aqui ditas de errado sobre a questão da polivalência e, a propósito disto, da flexibilização —, devo dizer que esta proposta de lei, de facto, é um marco histórico, mas não no sentido em que a Sr.° Ministra o disse. É um marco histórico no sentido de um enorme retrocesso na legislação, porque, em 1969, o Decreto n.° 49 408 demarca com grande rigor os momentos em que pode haver polivalência: apenas por estrita necessidade, e em casos extraordinários, da entidade patronal. Isto estava limitado. Por isso não me venha dizer que era preciso delimitar. Só se era preciso limitar para permitir uma maior polivalência de facto, para' permitir que os trabalhadores sejam obrigados a desempenhar outras funções, não se criando assim emprego algum, porque, deste modo, a entidade patronal não sente a necessidade de criar empregos, já que coloca os trabalhadores a desempenharem várias funções.
E este o marco, histórico? É isto que cria emprego?
Sr.° Ministra, em relação à questão da flexibilização, entendamo-nos, porque isto é também um enorme retrocesso! Nada tem a ver com o marco das 40 horas, porque, além do mais, o Governo do PS admite nesta proposta de lei um conceito de organização do horário de trabalho contrário à nossa Constituição, que é o de trabalho efectivo, o qual, por sua vez, é um conceito empresarial já existente na União Europeia. De facto, assistimos a isso na França. Este conceito torna possível que um trabalhador, que esteja inactivo na empresa, por exemplo, durante duas horas, estando assim ao dispor da entidade patronal, nesse dia não trabalha 10 horas mas, sim, 12. No entanto, essas duas horas não são contadas como trabalho efectivo, como lhe chamam.
Dc facto, com esta proposta de lei assistimos a um marco tristemente histórico, que é como ficará. Além disso, até a contratação colectiva é atacada na proposta de lei, porque se aniquila a contratação colectiva já obtida anteriormente sobre a redução de horário de trabalho, o que obriga a abertura de novas negociações, sob pena de ser imposta esta proposta de lei.
Pergunto, Sr.a Ministra: como é que quer que os trabalhadores portugueses acreditem nisso a que chamou prospecção permanente de oportunidades de criação de emprego? Como é que quer que os trabalhadores portugueses acreditem que com esta política se irá, de facto, criar empregos e não se assistirá, como está a acontecer, a um aumento contínuo do desemprego?
A Sr.3 Presidente: — Antes de mais, peço a todos os Srs. Deputados que tentem ser o mais concisos possível
nas questões qut çatocam.
Tem a palavra o Sr. Henrique Neto, e espero que dê 0 exemplo.
O Sr. Henrique Neto (PS): — Sr.' Presidente, certamente que sim.
Sr.* Ministra para a Qualificação e p Emprego, tenho consciência de que estamos a fazer uma discussão política sobre o emprego e não a falar do Orçamento do Estado. Confesso que não vou «corrigir o tiro» nesse aspecto, mas resolvi fazer também uma intervenção, ainda que curta, em reacção ao farisaísmo dos Srs. Deputados do PSD, que, tendo assistido ao fogo no palheiro durante 10 anos, vêm agora para a rua gritar que há fogo, e também para mostrar uma discordância em relação à bancada do PCP, ainda que creia que o PCP acredita naquilo que diz, ou seja, que a criação do emprego teria de ser toda feita ou principalmente realizada pelo Estado, que é algo que, como sabemos, em parte alguma foi feito com sucesso.
Começo por felicitar a Sr.° Ministra pelo notável realismo que tem revelado, embora o meu único problema não seja o de ser ou não realista mas, sim, o de saber se é suficientemente realista quanto à situação caótica do nosso sector produtivo, principalmente.
O meu problema, no que toca aos 10 anos de governação do PSD, foi o de o PSD nunca ter aceitado que os problemas existiam. Não sei como se pode resolver problemas que não se sabe ou não se acredita que existam. Esse era o grande problema. O PSD nunca resolveu problemas na área do emprego, porque não acreditava na sua existência. O PSD acreditava que havia o oásis, e, portanto, não atacou o problema. E isto c essencial da questão.
Por isso, não acreditou no sector produtivo e privilegiou o financeiro, prejudicando o País e a economia de duas maneiras diferentes: porque o sector financeiro cresceu à custa do sector produtivo e, mais, tornou-se incapaz o próprio sector financeiro, não participando hoje no financiamento do sector produtivo. Mais: não tem capacidade de fazer aquilo que em qualquer parte do mundo é feito, que é participar na reorganização do sector produtivo. O sector financeiro não quer ouvir falar do sector produtivo e o sector produtivo, naturalmente, tem hoje enormes dificuldades já não de criar emprego mas, sim, de sobreviver. Os Srs. Deputados que acreditam na actividade privada sabem disto.
O Sr. Arménio Santos (PSD): — Então, o senhor não conhecia o País!
O Orador: — Enquanto o Sr. Deputado falou, não o interrompi.
Por outro lado, foi o PSD que teve, durante 10 anos, uma política de bom aluno em relação à Comunidade, num momento em que se estavam a dar grandes transformações no mundo inteiro, em que a competição da nossa economia se alargava a lodos os países, sem. qualquer resposta, no âmbito da União Europeia, relativamente às grandes transformações que o nosso sector produtivo ia enfrentar.
De igual modo, aceitaram-se formas encobertas de desemprego, nomeadamente no sector do comércio. Todos sabemos que este sector tem crescido muito, mas que o seu crescimento é desemprego encoberto, que também há grandes «deseconomias» na área do comércio, o que adiou durante algum tempo os problemas do emprego. Mas, para não demorar muito tempo, dou-vos só dois ou três números.
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Srs. Deputados do PSD, os senhores deixaram 200 000 empresas ou entidades, se preferirem assim, com dívidas à segurança social, na ordem dos 425 milhões de contos. Gostaria que explicassem por que é que isto aconteceu. É porque a economia está forte, o oásis existe ou há um problema de crise?
Protestos do PSD.
Gostaria ainda que os Srs. Deputados explicassem como é que as dívidas das empresas, que na generalidade são do sector privado, como sabem, são de 600 milhões de contos ao fisco, ou seja, mais de 1000 milhões de contos na totalidade, o que representa 1,5 vezes o investimento do PIDDAC do País neste ano. Se isto não é uma situação de crise herdada pelo PS da governação do PSD, o que é, então, uma situação de crise?
Vozes do PS: — Muito bem!
O Orador: — Para terminar, espero que o Governo tenha suficiente consciência das dificuldades que o País enfrenta, que estão a traduzir-se numa grande dificuldade em criar empregos, visto que os empresários não estão optimistas a esse respeito, não por qualquer das decisões do Governo do PS mas, sim, por aquilo que herdaram destes 10 anos. Existem milhares de empresas portuguesas em situação de crise, cujos empresários não acreditam ainda na possibilidade de virem a criar emprego a curto prazo.
Isto é realismo, temos de o enfrentar e folgo que a Sr.° Ministra o faça.
A Sr.° Presidente: — Srs. Deputados, o Sr. Deputado Henrique Neto cumpriu as regras quanto ao tempo, e devo dizer que também penso que não devemos discutir aqui apenas o Orçamento, porque também estão em debate as Grandes Opções do Plano. Assim, como é evidente, tudo o que seja orientações de natureza política tem razão de ser nesta Comissão.
Há apenas um ponto em que gostaria de pôr um pouco de ordem. Estamos em Comissão, na discussão na especialidade, e quem tem de ser realmente questionado neste momento é a Sr.° Ministra, o Governo, e não propriamente as diferentes bancadas, porque, se assim fosse, não sairíamos daqui, já que teria de dar a palavra aos Srs. Deputados para responderem.
Tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Pacheco.
O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — Sr." Presidente, agradeço o seu esclarecimento, pois fiquei em dúvida se estaríamos numa sessão de perguntas ao Governo, a analisar o Orçamento do Estado ou numa fase de perguntas ao PSD, porque, nesse caso, teria todo o prazer em responder. Penso até que o Vice-Presidente da Comissão ficou um pouco confuso com a ordem de trabalhos desta manhã.
Em primeiro lugar, tendo em conta a intervenção do Sr. Deputado Henrique Neto, que mostrou uma crítica muito forte à página 153 do relatório do Orçamento do Estado, gostaria que a Sr." Ministra fizesse um comentário, visto não se ter dirigido a V. Ex.°. Vou induzir as suas declarações, porque na página 153 se diz que durante o ano de 1996 vai haver crescimento de emprego porque está criado um clima de melhoria das expectativas dos empresários, completamente contrário ao que disse o Sr. Depu-
tado Henrique Neto, que foi precisamente a existência de um clima de descrédito dos empresários na economia para o próximo ano.
Com base nestas palavras sábias do Sr. Deputado Henrique Neto e tendo em conta aquilo que, por exemplo, ontem numa conferência o próprio Ministro da Economia Daniel Bessa, o Presidente da Caixa Geral de Depósitos e o Presidente da AIP disseram, que não vai ser criado emprego este ano, gostaria também de utilizar o inquérito do Instituto Nacional de Estatística às 4000 empresas, saído recentemente, onde se mostra que os empresários não estão a pensar em investir este ano, o que obrigaria, se o Governo quisesse tomar de imediato uma atitude séria, a rever as suas perspectivas de investimento na formação bruta de capital fixo, não os tais 6,5%, mas muito menos, com consequências automáticas em termos de crescimento e, possivelmente também, de receitas fiscais.
Mas, Sr.° Ministra, não é esta a área em causa, é, concretamente, a do emprego. Se o Governo não toma estes dados em consideração e mantém o que está escrito no relatório do Orçamento, está a criar um clima de expectativas extremamente positivo de que vai haver forte investimento durante este ano.
Estamos.ambos de acordo em que existe um problema, o do desemprego. O combate ao desemprego foi considerado, pelo Dr. Fernando Nogueira, quando se candidatou, a primeira das prioridades do Partido Social Democrata, se fosse governo. Estamos todos de acordo também em que a situação tem vindo a agravar-se desde Outubro até hoje. Alguns Deputados já o disseram, mas só passaram quatro meses, pelo que dou isto de barato.
Agora, no fim do ano, em Dezembro, os senhores vão considerar que só passou um ano ou pensam que as vossas medidas, em concreto aquilo que preconizam para este país, vão fazer parar esta situação, tendo em conta que o que previam no acordo de concertação era a criação de 1% no emprego em Portugal?
A Sr.° Presidente: — Informo que a Mesa não aceita mais inscrições, porque já se encontram muitos Srs. Deputados inscritos, e que a Sr." Ministra responderá apenas no fim.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Galvão Lucas.
O Sr. António Galvão Lucas (CDS-PP): — Sr.a Presidente, Sr* Ministra para a Qualificação e o Emprego, vou tentar ser muito conciso e falar apenas sobre o Orçamento.
Ouvi a Sr.° Ministra enunciar um conjunto de princípios, na minha opinião correctos, e não considero que seja o Ministério para a Qualificação e o Emprego que tenha a responsabilidade única de resolver o problema do emprego neste país. Há muitas áreas e muitos aspectos que afectam o emprego e que, obviamente, transcendem a sua capacidade de intervenção.
No entanto, enunciou alguns princípios e algumas ideias que, a serem concretizados, seguramente contribuirão para atenuar os problemas do desemprego ou o seu crescimento, que poderá continuar por outras razões, as quais transcendem, como já disse, as responsabilidades do seu Ministério.
Portanto, não lhe peço, de forma alguma, que resolva o problema do desemprego ou que crie mais emprego mas, sim, dentro das áreas e dos princípios enunciados, que considero interessantes, que tenha a capacidade de passar
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dessa enunciação à acção, for forma a podermos ver postas em prática algumas das medidas e dos projectos que referiu.
A propósito da intervenção do meu colega de bancada, Nuno Correia da Silva, e de toda a problemática que decorre da aplicação do Decreto-Lei n.° 132/93, se cria ou não emprego, se promove ou não a concorrência desleal, a Sr.° Ministra referiu — e sei que é verdade — que está em preparação algo no sentido de criar todo um quadro de acompanhamento às empresas em situação difícil. Sobre isto, gostaria de ouvir a sua opinião, pois fala-se de algo como um observatório de empresas, ao qual os empresários ou donos das empresas anunciariam a situação da empresa em dificuldade. Considero isto extremamente negativo, pois seria a exposição da empresa, que implica tantos inconvenientes como os que, de alguma forma, decorrem da aplicação de uma legislação do tipo da que aqui foi analisada. Gostaria de ouvir de V. Ex.° um comentário sobre esse aspecto-.
A Sr." Presidente: — Tem a palavra a Sr.* Deputada Elisa Damião.
A Sr." Elisa Damião (PS): — Sr.* Presidente, a Sr.° Ministra para a Qualificação e o Emprego tem colocado, como é evidente, e é o que o País pretende, enorme enfoque nas questões do emprego e da formação profissional. Ora, fazendo apelo aos seus trabalhos anteriores, gostaria que precisasse um pouco mais as suas preocupações relativas ao desemprego — e, como as considero corajosas, gostaria de a apoiar — e que nos explicasse quais são as expectativas quanto a alguns sectores cuja reestruturação foi sistematicamente adiada ou simplesmente mantida à custa da formação/ocupação.
Sectores como o mineiro, o têxtil, o naval, o automóvel, o vidreiro, o comércio, etc, são aqueles onde há fortes contingentes de emprego ameaçados — e não é de hoje, já o estão há muito tempo —, cuja solução seria, há uns anos atrás, socialmente menos drástica do que hoje. Neste momento, essa reconversão já não pode ser tecnológica,
tem a ver com outros fenómenos que se foram entretanto degradando, como as perdas de oportunidade de mercado.
Por outro lado, o seu Governo prometeu-nos uma clarificação do diagnóstico sobre o mercado de trabalho, sobre o emprego e essa clarificação, só por si, vai tomar evidente o crescimento da taxa de desemprego. A Sr." Ministra comprometeu-se, e seguramente vai fazê-lo, a detectar o trabalho clandestino, a não esconder nas estatísticas o trabalho independente e precário e também a encontrar soluções para o trabalho no domicílio, fazendo o seu registo. Isso significa, de facto, uma outra visão do desemprego, sem pôr em causa o objectivo do Governo, que é o de criar 1 % de postos de trabalho, embora não vá resolver o problema das reestruturações industriais, como é evidente, mas uma coisa não é contraditória com a outra.
Esta coragem de assumir os problemas, também sob o ponto de vista orçamental, parece-me de evidenciar.
Outra questão, de que se fala aqui menos, mas que não me parece de menor importância, é a administração do trabalho. A Sr." Deputada Odete Santos, na sua perspectiva, já colocou o problema e a Sr.° Ministra já nos falou do reforço orçamental para a Inspecção-Geral do Trabalho, mas gostaria também que evidenciasse um reforço orçamental para a administração do trabalho, globalmente, sobretudo tendo em conta uma análise dos balanços
sociais e outros indicadores do mercado de trabalho, que nunca foi feita, pelo contrário.
Ora, sendo uma peça fundamenta), por exemplo, para uma gestão de carreiras ou para a modernização da formação profissional, que responde, de facto, aos problemas das empresas, introduzindo uma eficácia na formação profissional e, ao mesmo tempo, nas necessidades das empresas e nas opções dos jovens, gostaria que a Sr." Ministra nos falasse desta profunda reestruturação que é uma administração do trabalho transparente e acessível a todos os cidadãos, e aos trabalhadores em particular, no sentido de acompanhar toda a sua vida activa, de modo a que, por exemplo, os balanços sociais também tenham em conta a igualdade de oportunidades.
De facto, assistimos, durante 10 anos, à desistência, à negligência e até à manipulação das estatísticas, por razões diversas, o que provavelmente todos nós permitimos — a sociedade civil e o associativismo empresarial e sindical —, mas reconheço que este é um esforço notável de transparência que gostaria de' sublinhar.
A Sr.* Presidente: — Antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira, gostaria de colocar uma questão à Sr.° Ministra, que se relaciona com uma afirmação que fez e de que tomei nota. Mas admito que tenha entendido mal.
Entendi, Sr." Ministra, que o crescimento dos salários reais cria condições especiais de aumento de emprego. Pergunto-lhe se disse isto ou se fui eu que entendi mal, porque, se o disse, gostaria que me explicasse como, já que, pessoalmente, creio que, de acordo com a teoria económica, é rigorosamente o contrário.
Tem a palavra, Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): — Sr." Presidente, prescindo da palavra.
A Sr.* Presidente: — Então, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Namorado.
O Sr. Rui Namorado (PS): — Sr." Presidente, Sr.* Ministra, procurando ser breve, penso que os documentos em análise exprimem de uma maneira adequada uma abordagem que, por um lado, não esquece que a globalização da economia relativiza as decisões — embora não as dispense, relativiza o seu impacto — e, por outro, que o emprego se combate através de uma abordagem complexa. O paradigma dessa perspectiva está no sublinhado a grosso da importância da educação e da formação.
Por último, há um prudente não esquecimento da situação em que nos foi deixado o País pelos governos anteriores. Daí resulta, a meu ver, a possibilidade de o Orçamento do Estado e as Grandes Opções do Plano terem simultaneamente em conta, de modo realista, o presente e estarem abertos ao futuro.
Assim se compreende que os partidos que mais ferozmente atacaram estes documentos se tenham mostrado mais preocupados em afirmar o seu protagonismo político, em identificarem-se como oposição, em terem a noção da sua própria identidade, do que propriamente em estarem a responder a características das Grandes Opções do Plano e do Orçamento do Estado.
Por exemplo, o PSD, que durante anos andou à deriva da realidade económica, parece agora querer culpar o PS dessa mesma realidade, ou ainda, agarrando-se a frases
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desinseridas do contexto ou a pseudo-incongruências, quer deixar passar a sugestão de que este Governo não tem uma preocupação pela política de emprego muito mais consistente do que a prática anterior.
Por outro lado, o PCP traça uma caricatura das posições do Governo, para, depois, dizer que a realidade tem o «nariz grande», quando, no fundo, a pergunta que se teria de fazer ao PCP era a de saber se o modelo que corresponde às críticas que fazem teria maior capacidade de suscitar emprego e de proteger, na verdade, os direitos dos trabalhadores. Penso que esta é uma interrogação que podemos fazer retoricamente mas a que a realidade, de uma maneira dramática, já respondeu.
De qualquer modo, na sequência das preocupações que, em alguns casos, por ilusão, têm sido levantadas e têm assaltado muitos trabalhadores, gostaria de perguntar à Sr.° Ministra se, por parte do Governo, estão equacionadas medidas que possam impedir o abuso da flexibilidade pelos empresários ou se há sensibilidade para o fazer.
A Sr." Presidente: — Tem a palavra a Sr." Deputada Filomena Bordalo.
A Sr." Filomena Bordalo (PSD). — Sr." Presidente, Sr.* Ministra para a Qualificação e o Emprego, foi aqui falado em fogo e ele existe sempre que há um desempregado, sempre que há um jovem à procura de emprego, sempre que há um desempregado de longa duração, sempre que há subemprego ou desemprego oculto. Penso que sobre esta matéria não há um grupo parlamentar aqui presente que não esteja de acordo. O que nos torna diferentes é a forma e a prioridade de apagar esse fogo. Podemos apagá-lo com uma mangueira, com uma erva seca, para arder mais, ou a conta-gotas. E eu considero que este Orçamento é debalde para pagar este fogo, passe o trocadilho. -
Sr.° Ministra, vou colocar-lhe agora algumas questões concretas, até na sequência da reunião que tivemos na Comissão, pois estamos a fazer uma discussão na especialidade, pelo que peço que as respostas também o sejam.
O Conselho de Ministros aprovou, recentemente — li-o na comunicação social —, um regime de incentivos financeiros à contratação de jovens à procura do primeiro emprego e de desempregados de longa duração. Pergunto: exactamente, quais são os montantes previstos no Orçamento do Estado de redução de receitas, na medida em que, presumo, isto vai reduzir, necessariamente, a receita fiscal?
Por outro lado, na área da formação/ocupação, a Sr.° Ministra referiu hoje, e já o tinha feito, um conjunto de iniciativas de formação para jovens à procura do primeiro emprego e de formação/ocupação para desempregados de longa duração em três sectores concretos de actividade, ou seja, no apoio público para actividades que satisfaçam necessidades sociais, nomeadamente no apoio aos idosos, na área das florestas e do património cultural, se não estou em erro. Isto tem, necessariamente, impacto financeiro, porque são compromissos financeiros que são assumidos, pelo que a pergunta concreta que lhe ponho é esta: como se reflecte este encargo público em termos orçamentais? Está previsto no orçamento do Ministério que V. Ex." dirige ou em cada um dos ministérios especificados por estas áreas?
Para terminar, gostaria também de deixar aqui patente o efeito perverso, que conhecerá tão bem ou melhor do que eu, que têm os programas ocupação.
A Sr." Presidente: — Sr. Deputado José Junqueiro, como é a segunda vez que lhe dou a palavra, espero que seja breve.
O Sr. José Junqueiro (PS): — Sr.° Presidente, vou fazer os possíveis para corresponder a esse apelo. Quero apenas tecer quatro ou cinco considerações e fazer uma pergunta final.
A Sr.° Presidente: — Só a pergunta não seria pior.
O Orador: — Vou tentar responder adequadamente ao seu desejo. No entanto, antes de fazer a pergunta, gostaria apenas de sublinhar duas ou três coisas importantes.
Em primeiro lugar, está a decorrer um conjunto de negociações com os parceiros sociais e há um esquema aberto de cujo trabalho poderá resultar um clima de maior confiança ao nível das relações laborais.
Em segundo lugar, está em discussão o Orçamento do Estado e parece-me que é deste documento e da sua aprovação que poderá ou não resultar também um maior clima de confiança de todos os agentes económicos. Por isso, parece-me incongruente e até um pouco inconsequente que, na ausência de propostas concretas alternativas às que constam deste documento do Governo, o principal partido da oposição procure criar, como se vê, um clima de grande instabilidade, que mais não faz do que gerar receios nesses mesmos agentes económicos. É bom que esta inconsequência fique publicamente sublinhada.
Depois, ouvi o Presidente da Associação Industrial Portuguesa e o Dr. João Salgueiro, numa conferência realizada ontem à noite, e não quero deixar de sublinhar que o Dr. João Salgueiro disse algo importante na sua intervenção: o oásis destes anos não foi mais do que uma miragem e durante estes anos não existiu a coragem de falar uma política de verdade ao País.
O Sr. Carlos Pinto (PSD): — É muito suspeito!
O Orador: — Por outro lado, o Presidente da Associação Industrial mostrou-se confiante num conjunto de intenções e de medidas do actual Governo e considerou desadequado um conjunto de medidas e as políticas prosseguidas até agora pelo anterior governo.
São duas referências importantes, para podermos balizar bem as nossas apreciações.
Nesta matéria, estou absolutamente descansado quanto à argumentação política de um determinado dirigente sindical que muitas vezes se apresenta nesta Sala, porque o sucesso que tem na sua argumentação política é exactamente igual que tem tido na sua argumentação sindicai.
A pergunta que quero fazer é esta: no que toca à formação, que é algo que me preocupa profundamente, o que é que está previsto ao nível da avaliação da própria qualificação dos formadores e da avaliação dos resultados desse mesmo exercício de formação e de qualificação profissional?
A Sr.° Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Pinto.
O Sr. Carlos Pinto (PSD): — Sr.° Presidente, Sr.° Ministra para a Qualificação e o Emprego, não tencionava intervir até ao momento em que ouvi uma referência de um membro da Mesa, Deputado do Partido Socialista.
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Queria, a este propósito, tecer algumas considerações a respeito do que foi dito e de outras referências aqui feitas, designadamente à situação herdada do anterior governo.
Antes, porém, não posso deixar de referir algum deslizar de opinião, que tenho vindo a constatar, por parte da Sr." Ministra, depois de ter sido vertido no acordo económico com os parceiros sociais, o Acordo Económico e Social, o objectivo primeiro de atingir um crescimento de
)%> no emprego. Tenho vindo a observar que a Sr.6 Ministra, depois de fixado esse objectivo, já em diversos momentos, teve a oportunidade de se situar apenas na ambição contida de o desemprego não subir, para, numa última referência que ouvi na comunicação social, admitir, inclusive, que este poderá crescer, com o que todos estamos de acordo.
Isso parece-me realismo, mas, a meu ver, o Governo, nesta matéria, anda à deriva, porque os sinais que está a dar à economia, as expectativas que está a criar, não o situam com grande solidez de apreciação relativamente a uma matéria tão importante.
Obviamente, concordo que ninguém acredita que, por mero voluntarismo, o Governo seja capaz sequer de conter o emprego dentro dos limites em que se encontra, quanto mais de o fazer crescer, quando não foi capaz ainda de criar expectativas positivas na sociedade portuguesa, designadamente na sociedade empresarial portuguesa. É algo que o Governo, por muito intervencionista na economia que queira ser, não consegue objectivar decretando, pois as expectativas e a confiança não se decretam, resultam de um conjunto de circunstâncias envolventes da economia, e estou certo de que o Governo, nesta matéria, vai continuar, aqui e além, a contradizer-se a este propósito.
Ainda bem que chegou o Sr. Deputado que interveio há pouco sobre diversas questões envolventes, porque, assim, confesso-lhe que a sensação que tive quando o ouvi foi a de que estava a falar de um país diferente daquele que nos leva a reunir aqui. De facto, não é possível que, ao falar no país que o PSD e o anterior governo deixaram, com toda a caracterização negativista que fez, o senhor tenha estado a falar de Portugal, porque certamente esqueceu-se de que o país que o governo do PSD recebeu em 1985 tinha cerca de 20% de inflação; tinha, no sector financeiro, cerca de 30% de juros, que era o que os empresários teriam de pagar se queriam créditos, chegando aos 40%, com os juros à cabeça; tinha uma inflação de ¡4%; tinha cerca de 13% de desempregados e o sistema financeiro estava em descalabro, em desmoronamento.
Ora, quando V. Ex.° vem apoucar tudo aquilo que foi feito nestes 10 anos, certamente — perdoe-me que lhe diga— não está a falar seriamente sobre as condições envolventes que este governo deixou aos empresários, à economia em geral. Há problemas, é certo, mas pergunto-Ihe se é hoje mais difícil para os empresários trabalharem com taxas de juro de 10% do que há 10 anos, com juros de 40% à cabeça.
Pergunto-lhe se o sistema financeiro, hoje, é ou não mais flexível e se V. Ex.*, como empresário, tal como todos os empresários do país, não é verdade que tem oportunidades concorrenciais que não tinha há 10 anos. Pergunto a V. Ex." se, mesmo ao nível do financiamento externo não é possível, hoje, contar-se com alguma animação do mercado de valores, coisa que não existia em 1985.
A Sr.° Presidente: — Sr. Deputado, solicito-lhe que formule a sua pergunta, porque o tempo disponível para cada Deputado é apenas três minutos.
O Orador: — Vou terminar.
Não posso deixar de passar em claro esta tentativa de reescrever a história dos últimos 10 anos, vinda justamente de um Governo que, até agora, reduz e procura minimizar os quilómetros de estrada e de auto-estrada e
todas as infra-estruturas feitas, quando ainda não tem a seu crédito um quilómetro feito, procurando reduzir o esforço feito, nestes últimos 10 anos, de criação de emprego, de relançamento de novas empresas, quando não foi capaz de criar emprego nem de salvar empresas.
Quando o Sr. Deputado Henrique Neto aqui diz que transitaram cerca de 200 000 empresas com d/vidas à segurança social, com dívidas diversas,...
A Sr.* Presidente: — Queira terminar, Sr. Deputado.
O Orador: — Termino já, Sr." Presidente.
Relembro que ainda há 15 dias o Governo teve a tentação de intervir numa empresa com 400 empregos em risco, cujo problema essencial nem era o da segurança social. Pergunto como é que se admite que um Ministro deste Governo tenha tido «entradas de leão e saídas de sendeiro», com iniciativas que revelam justamente a tentativa de apoucar o que foi feito no passado mas sem imaginação e sem nada feito, até este momento.
A Sr." Presidente: — Sr. Deputado, faça o favor de concluir.
O Orador: — Termino já, Sr." Presidente. Daí que não possa deixar de demarcar-me claramente nem de passar em claro a intervenção que foi feita. Para terminar,...
A Sr." Presidente: — Sr. Deputado,...
O Orador: — É só para terminar, Sr." Presidente.
O próximo ano será o momento em que intervenções como a do Sr. Deputado aqui serão avaliadas e então veremos quem tinha razão.
A Sr." Presidente: — Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): — Em parte, a Sr." Presidente já resolveu o problema.
A questão é esta: quer ontem, quer hoje, a Sr." Presidente, uma vez mal, outra, não sei se bem, interrompeu Deputados do PS que estavam a fazer determinado tipo de considerações. Ora, não se pode querer evitar...
A Sr." Presidente: — Sr, Deputado, peço desculpa, mas vai dizer-me qual o Deputado que interrompi, porque não interrompi vez alguma. Nunca cortei a palavra a ninguém. Portanto, o senhor vai dizer-me que Deputado interrompi e vamos ouvir as gravações e ver as actas.
O Orador: — Ontem, quando intervim, a Sr." Presidente disse-me que estava a sair do assunto e que agradecia não sei quê. Mas isso não tem importância, não levo a mal.
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A Sr." Presidente: — Mas tirei-lhe a palavra?!
O Orador: — Não, não a tirou. Mas está a condicionar as intervenções.
A Sr.* Presidente: — O senhor não vai conseguir arranjar um exemplo em que eu tenha tirado a palavra a alguém, e, portanto, como não o fiz...
O Orador: — Está agora a interromper-me, não me deixando acabar a interpelação. Já está a interromper-me, Sr.* Presidente! Assim, não nos entendemos.
A Sr.* Presidente: — Faça o favor de continuar.
O Orador: — É que o Sr. Deputado Carlos Pinto, em primeiro lugar, esquece-se que o governo do bloco central incluía o PSD e, em segundo, pode perorar sobre o governo do bloco central enquanto nós não podemos falar sobre o governo do PSD.
Era apenas isso que queria dizer.
A Sr." Presidente: — O Sr. Joel Hasse Ferreira fez uma interpelação à Mesa. Penso que seria difícil fazer outra interpelação tão injusta quanto esta.
O problema de, na Comissão, se falar de assuntos que, efectivamente, não têm a ver com esta discussão é algo difícil de evitar, já que, mais uma vez o digo, não estamos a discutir apenas o Orçamento do Estado mas também as Grandes Opções do Plano. Portanto, quando eu retirar a palavra a alguém e depois não a retirar a outra pessoa, o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira terá motivos de registo.
Sr. Deputado Costa Pereira, prescinde da palavra ou mantém o pedido?
O Sr. Costa Pereira (PSD): — Mantenho o pedido de palavra, Sr." Presidente.
A Sr.° Presidente: — Então, faça favor.
O Sr. Costa Pereira (PSD): — Sr.' Presidente, vou ser sucinto.
Quanto à exposição da Sr.' Ministra para a Qualificação e o Emprego, tal como já tive ocasião de referir na Comissão, penso que continua sem nos trazer nada de novo. Isto é, a Sr.' Ministra limitou-se a fazer a apresentação de um plano muito geral, sem respostas muito concretas.
Contrariamente ao que a Sr.* Ministra diz, o seu projecto não é tão inovador como parece.
A Sr." Ministra diz ser necessário reactivar a orientação profissional quando sabemos que esse é um dos sectores que mais eficazmente actuava no Instituto do Emprego e'Formação Profissional e tinha um conjunto mais vasto e uma gama mais variada de documentos actualizados. Não sei como é que se pode actualizar ainda mais este sector.
Fala-me V. Ex.* que era necessário fazer o acompanhamento no novo programa que já existia e que vai relançar--se, chamado JLE, desde o princípio até à implementação no mercado do trabalho das ILE. A legislação que, na altura, existia sobre as ILE já dizia que a candidatura, desde o momento em que era apresentada no centro de emprego até à sua própria implementação, era obrigada a que fosse acompanhada pelos respectivos técnicos.
Falou no levantamento das necessidades profissionais, mas o próprio IEFP, ao que sei, várias vezes fez o levantamento das necessidades de formação profissional no País, pelo que também nada de novo nos traz sobre isso.
Mas, para ser breve, vou levantar uma questão concreta. Sr.* Ministra: qual é a verba que prevê para estes três programas em cada uma das cinco regiões em que o Instituto de Emprego e Formação Profissional tem implementado as JLE? Só assim é que, depois, poderei discutir as questões que me preocupam no mercado social de emprego e nos programas ocupacionais. Se tiver uma resposta a esta questão, poderei, depois, fazer algumas propostas de alteração relativamente a essas questões.
A Sr.* Presidente: — Muito obrigado, Sr. Deputado.
Para responder, tem a palavra a Sr." Ministra para a Qualificação e o Emprego. Penso que V. Ex." tem o discernimento suficiente para perceber o que é que, de entre as diferentes bancadas, foram perguntas e o que é que foi debate político, pelo que não tenho quaisquer dúvidas de que responderá às perguntas que lhe foram feitas e não irá levar muito tempo porque foram poucas.
A Sr.* Ministra para a Qualificação e o Emprego: — Sr.* Presidente, penso que, apesar de tudo, sou confrontada aqui com uma vasta gama de questões, às quais irei procurar responder de uma maneira muito sintética, porque a reunião já vai longa.
Começando pelas questões que me foram colocadas pelo Sr. Deputado Arménio Santos, gostava de dizer, em primeiro lugar, que a taxa de desemprego actual tem muito mais a ver com a política dos anteriores governos do que com a acção de um Governo qúe tem apenas quatro meses de vida. Isso parece-me óbvio! Qualquer especialista nesta matéria só pode confirmar isso, porque os efeitos em matéria de emprego são extremamente diferidos, pois têm a ver com o ciclo de investimento, de criação de empresas, de criação de emprego e de evolução da ocupação activa, o qual dá um determinado resultado em termos de taxa de desemprego.
Portanto, quando o PSD pretende criticar o Governo actual com base na taxa de desemprego, não compreende que está a «dar um tiro no pé», porque essa taxa de desemprego, neste momento, deve-se muito mais à actuação dos governos anteriores. Isto parece-me óbvio, se quisermos ter uma visão realista de como é que se gere o desemprego.
Mas gostava de começar por dizer o seguinte: o Sr. Deputado diz que não vê novidade no Programa do Governo e que lhe parece uma repetição do governo anterior. Vou salientar-lhe cinco ou seis aspectos em que me parece óbvio a existência de uma viragem, porque há
n pontos onde isso se verifica.
Primeiro aspecto: é muito claro que um processo sustentado de promoção de emprego passa por uma concertação estratégica organizada e esse é um «achado» da posição do Governo porque ele tem isso no seu Programa e vai lançá-lo muito em breve. A prova da capacidade deste Governo nessa matéria consiste na própria assinatura de um acordo de curto prazo, que foi assinado num prazo muito curto, como se viu, e que atesta a sua particular capacidade de concertação. Esta é, digamos, uma abordagem qué vamos intensificar e que nos parece chave para explorar, de forma sistemática, as oportunidades de criação de emprego e é uma alteração muito grande no estilo de fazer política e na forma de se relacionar com a
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sociedade civil. É, de facto, uma viragem muito importante.
Segundo aspecto: o problema das reestruturações. Não dizemos que não há problemas de reestruturações, dizemos que eles existem. Mais: dizemos que as reestruturações foram adiadas e que, agora, como é evidente, se elas não forem correctamente acompanhadas, podem ter consequências complicadas, justamente porque foram adiadas. Portanto, vamos assumir essa responsabilidade, ficando claro que grande parte das causas têm a ver com o que se passou em anos anteriores, porque houve um adiamento, uma fuga ao problema. Vamos fazer-lhe face, de cara virada para ele e vamos pôr de pé uma política de acompanhamento das reestruturações, porque a solução aqui não está em colocar uma pedra em cima do problema mas, sim, em enfrentá-lo com soluções mais eficazes. Esta é também uma grande diferença de postura.
Terceiro aspecto: o problema do desenvolvimento local. É verdade que o governo anterior dava alguma atenção ao desenvolvimento local, mas o que este Governo se propõe fazer é potenciar o desenvolvimento local e a promoção do emprego, com base num processo de regionalização e numa articulação de políticas ao nível local, sem as quais este desenvolvimento local não pode dar os efeitos pretendidos em matéria de promoção de emprego. Esta é também uma grande linha de viragem.
Quarto aspecto: estamos apostados em pôr de pé um real serviço público de emprego, com tudo o que isso quer dizer, ou seja, um serviço público capaz de atender a população desempregada em condições, com tudo o que isso exige, capaz de dialogar com o tecido empresarial envolvente e de animar o desenvolvimento local para, justamente, potenciar a criação de emprego. Esta é uma grande alteração do que tem sido o funcionamento do Instituto do Emprego e Formação Profissional, que nos propomos também levar a cabo.
Quinto aspecto: o Governo está, neste momento, a preparar o lançamento de um programa focalizado sobre o desemprego de longa duração, que vai atacar o núcleo da questão, ou seja, o desemprego mais difícil de absorver, e vamos concentrar forças aí, coisa que o Governo anterior também nunca fez.
Há, depois, uma área em que é óbvia a viragem, que diz respeito a tudo o que se prende com a política de formação profissional. Estamos a conduzir uma reforma da gestão do Fundo Social"Europeu, com a criação de outro quadro institucional e de outra gestão financeira e com a identificação de prioridades e de critérios de qualidade claros, e os resultados começam a estar à vista.
Esta semana estive em Bruxelas e, no fim da minha
passagem, o Comissário Flynn fez questão de comunicar
para a imprensa que, finalmente, podia dar crédito à política portuguesa nesta matéria. A própria Comissão reconhece, porque, de facto, a situação deixada pelo governo anterior era de profundo descrédito, e penso que com razões fundadas.
Estamos agora a conduzir toda uma série de reformas que estão a dar essas garantias e os seus efeitos já- começam a ser vistos. Estamos absolutamente apostados em ligar o financiamento público da formação a prioridades claramente identificadas e à exigência de qualidade. Posso garantir-lhe, Sr. Deputado, que, tal como o sistema funcionava, estes dois requisitos não eram respeitados, o que é gravíssimo, porque, de facto, havia uma situação de um certo desperdício organizado.- Estamos apostados em reorientar a política de formação e, muito em breve, iremos ver os resultados.
Portanto, Sr. Deputado, tem aqui alguns exemplos, podia dar-lhes muitos mais, no entanto, penso que estes serão suficientes.
Uma outra questão, que, aliás, também foi levantada por outros Srs. Deputados, prende-se com o enunciado do objectivo do Governo. Gostava de deixar aqui muito claro o seguinte: uma coisa é dizer-se que o objectivo é criar emprego — e o Governo diz isso em todos os seus documentos e diz mesmo no seu Programa Eleitoral que a promoção e a criação de emprego é prioridade central do Governo, e eu volto a reiterá-lo — e outra é assegurar criação líquida de emprego, o que é bem mais difícil, porque há um movimento permanente de destruição de postos de trabalho que deriva de todo um contexto de pressão competitiva crescente.
O problema que se põe, no meio dessas tendências de criação de postos de trabalho, é garantir um fluxo permanente de criação que, em saldo final, dê uma criação líquida de emprego. Este é que é o problema!
E verdade que, no acordo de curto prazo, foi assumido o objectivo de 1%, que deriva, enfim, dos referenciais que são fixados no acordo em matéria do crescimento do PIB e da produtividade. O objectivo de criação líquida de emprego em.1% será respeitado, mas condicionado, por um lado, pelo ritmo de crescimento do PIB e, por outro, pelo ritmo de crescimento da produtividade. São estes os parâmetros.
E verdade que sabemos que não é fácil sustentar o crescimento do PD3, tal como está aí enunciado. Mas, depois, temos um outro problema — e gostava de sublinhar isso, para que fique claro aqui em termos de compromissos assumidos — é que podemos ter criação líquida de emprego e, no entanto, termos agravamento da taxa de desemprego. Isto pode acontecer! Porquê? Porque a população activa continua a crescer. Portanto, o facto de se ter criação líquida de emprego não assegura, necessariamente, que haja redução da taxa de desemprego, pois1 essa é outra questão ainda. Gostava que as balizas deste problema ficassem bem claras aqui. Por isso digo que é realista definir como objectivo o travar o crescimento da taxa de desemprego nas circunstâncias actuais.
Gostava também de comentar as questões levantadas pela Sr."'Deputada Odete Santos e começaria por precisar o seguinte: Sr." Deputada Odete Santos, podemos ouvir de novo o que eu disse há pouco, porque está gravado. O que disse, quando empreguei a expressão «marco histórico» — e gostava de sublinhar isso mais uma vez —, re-portava-se às 40 horas, ao facto de o acordo de curto prazo e da proposta de lei entrada na Assembleia da República permitirem, finalmente, que as 40 horas sejam a referência do horário normal de trabalho neste país. É isto que eu considero um marco histórico! E a Sr.° Deputada sabe tão bem como eu que em qualquer história do movimento sindical, em qualquer país do mundo, 40 horas é um marco histórico e eu congratulo-me por nós termos isso acessível neste momento. Foi apenas nesta medida que empreguei a expressão.
No que se refere ao problema da polivalência, reafirmo também o que disse há pouco. O enunciado do princípio da polivalência, tal como está consignado na proposta de lei enviada pelo Governo à Assembleia, é inteiramente correcto, é progressivo e é a favor da população portuguesa. Trata-se de alargar a aplicação do princípio da polivalência, porque, de facto, ele não fica apenas restrito a situações extraordinárias — é verdade mas é rigorosamente definido como um princípio que não
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permite abusos e que exige uma ligação permanente à formação profissional e uma perspectiva de promoção.
Penso que contrariar o principio da polivalência é travar um processo extremamente benéfico para a qualificação dos trabalhadores portugueses, é querer ir contra a roda da história e, por isso, fazia um apelo à Sr.* Deputada para que pensasse nisto em pormenor e revisse bem o enunciado da proposta de lei, porque estou firmemente convicta disso.
Isto liga-se a outro problema, que talvez não tenha ficado claro na minha intervenção anterior, que é o seguinte: o que eu disse há pouco em matéria de despedimentos e precarização foi que o Governo quer travar esses processos, e, justamente, a forma de os travar é criar outras possibilidades de flexibilidade e de adaptabilidade por parte das empresas portuguesas, que são mais benignas e que passam pela gestão do tempo de trabalho e pela polivalência. E aqui a escolha é muito clara e é da nossa responsabilidade, porque ou queremos esses passos de flexibilidade mais benignos ou os mais complicados; as formas mais negativas e nocivas vão aparecer, mesmo que a lei o interdite e que a Inspecção-Geral de Trabalho reforce a sua actuação, porque todos nós conhecemos a quantidade de afastamentos das empresas que existem com a lei de despedimentos actual, por via do chamado mútuo acordo.
A lei interdita, mas o despedimento informal acontece e, portanto, o que está em causa é uma forma do mercado de trabalho que aumente a flexibilidade interna para impedir as formas mais negativas da selectividade externa. Gostava de deixar claro que esta é a opção do Governo e que ela ficasse bem compreendida.
O Sr; Deputado Duarte Pacheco referiu novamente o problema do crescimento do emprego, mas como já dei parte da resposta diria basicamente o seguinte: quanto ao balanço que se possa fazer à actuação deste Governo no fim do ano, o que lhe posso garantir é que estamos a accionar já um conjunto de medidas de efeito imediato para travar esta tendência de crescimento do desemprego, mas é evidente que a capacidade de o travar vai aumentar à medida que estas reformas prosseguirem.
Portanto, o compromisso que posso assumir aqui é o de que as políticas públicas de emprego e de formação
vão aumentar a capacidade de o País travar o crescimento do desemprego. Esse compromisso posso-o assumir e vamos ver no fim do ano.
O Sr. Deputado do Partido Popular levantou um problema preciso relativo ao dispositivo de acompanhamento das empresas em dificuldades. Quanto à ideia da criação de um observatório de empresas, basicamente diria o seguinte: a preocupação do Governo aqui é outra, é tirar partido de fontes que já existem e que permitem detectar os problemas a tempo. Há toda uma rotina de produção de relatórios dos centros de emprego, do Instituto do Emprego e Formação Profissional, que permitem detectar a situação de empresas em dificuldades, e também uma fonte chamada indicadores de alerta, que é produzida pelo Departamento de Estatística do meu Ministério. Portanto, não se trata de criar algo de novo, trata-se é de tirar partido das fontes que já existem nesta matéria.
A Sr.° Deputada Elisa Damião coloca-me também uma questão de fundo, a resposta a dar aos sectores em reestruturação. Sobre isto diria que temos duas situações distintas: aqueles que estão em regiões de mono-indústria e os que estão em regiões com maior diversidade sectorial. Nas regiões onde há maior diversidade sectorial penso que
as hipóteses são mais diversificadas, porque aí o problema é de reconversão desses trabalhadores para os sectores que estejam a criar emprego na região; nos sectores de mono-indústria, no caso" de os trabalhadores terem pouco qualificação, a questão-chave está em programas eficazes de formação profissional, que sejam qualificantes para eles, e, ao mesmo tempo, na exploração das soluções que estão previstas em matéria de mercado social de emprego ou criação do próprio emprego. Em alguns casos, terá de haver, eventualmente, algum apoio à mobilidade geográfica, se, de todo em todo, a região não puder oferecer alternativas credíveis.
Vou ter de ser muito sintética porque ainda tenho muitas questões para responder.
A Sr.* Presidente também me colocou uma questão em matéria de salário real, mas eu já disse, há pouco, que o facto de o Orçamento prever urn crescimento dos salários reais é benéfico para a criação de emprego. Volto a reafirmar o que disse, sustentada na própria teoria económica, porque o que ela nos diz nessa matéria é que o crescimento do salário real tem dois tipos de efeitos. Tem o efeito custos — custos de produção das empresas, e, nessa medida, pode dificultar a criação de emprego, mas esse problema está neutralizado, na medida em que se assegurou que o crescimento do salário real está aquém do crescimento da produtividade do trabalho — e o efeito chamado rendimento, que decorre do aumento dos salários reais, o qual é positivo, porque expande a procura interna e, ao fazê-lo, cria oportunidades de criação de emprego.
Portanto, Sr.° Presidente, apoiada na teoria económica, reitero rigorosamente o que disse há pouco, mas podemos prosseguir a discussão fora deste debate.
O Sr. Deputado Rui Namorado levantou a questão, que agradeço muito honestamente, de que o facto da proposta de lei em matéria das 40 horas definir com rigor a flexibilidade do tempo de trabalho e a polivalência não evita abusos por parte da entidade patronal. Estou perfeitamente de acordo consigo. Isso é uma coisa que vai jogar-se no terreno e que depende, sem dúvida, da eficácia da Ins: pecção-Geral de Trabalho, mas depende, acima de tudo, da participação social dos trabalhadores nas empresas e nos sectores. Essa é que é a questão-chave!
Desse ponto de vista, é pena — lamento-o — que nem todas as centrais sindicais tenham subscrito este acordo, porque deviam tê-lo feito e estar lá para defender no terreno a aplicação correcta do acordo, mas isso, infelizmente, não aconteceu.
Finalmente, Sr.* Deputada Filomena Bordalo, o regime de incentivos à contratação prevê incentivos definidos na base do equivalente salário mínimo e, portanto, não são incentivos fiscais, são subsídios a fundo perdido, que são concedidos em circunstâncias especiais, ou seja, nos casos de categorias sociais mais difíceis de empregar.
Portanto, o princípio subjacente a este regime de incentivos consiste em direccionar os recursos financeiros do Estado, que são escassos, como se sabe, para aquelas categorias que têm mais dificuldade em aceder ao emprego, que são os jovens e os empregados de longa duração. Houve o cuidado de definir esse regime de incentivos de maneira a assegurar rigorosamente que a entrada de um novo trabalhador numa empresa se traduza numa efectiva criação líquida de emprego, o que não sucedia com o regime de incentivos que funcionava no período anterior. E, portanto, há aqui também um sinal de viragem por parte do Governo e que vai pôr de pé um sistema de incentivos bem mais eficaz à criação líquida de postos de trabalho.
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Quanto ao financiamento do mercado social de emprego, quero dizer que ele vai apoiar-se, por um lado, nos
chamados incentivos ao emprego com base no Fundo Social Europeu, e, por outro, vai, certamente, contar com o orçamento de outros ministérios, justamente para criar a procura necessária na área da recuperação do património, do desenvolvimento florestal e do apoio à população idosa.
O Sr. Deputado José Junqueiro colocou um problema em matéria de avaliação e eu, a esse respeito, diria o seguinte: a avaliação da formação já está a ser organizada, há um conjunto de trabalhos que foram encomendados nesse sentido, mas gostava de frisar que a eficácia dela depende, em grande medida, de haver um enunciado claro das prioridades a atribuir em matéria de formação. É exactamente isso que o Governo vai agora consagrar e legitimar de uma forma redobrada, com base na concertação estratégica, porque gostávamos de envolver os parceiros sociais na afinação dessas prioridades. Isso é qualquer coisa que vai tomar também o nosso trabalho nos próximos meses.
Sr. Deputado Carlos Pinto, só gostava de lhe dizer, liminarmente, o seguinte: o Orçamento em apreciação neste Parlamento prevê todo um conjunto de condicionantes que, em minha opinião, permitem criar boas perspectivas para o investimento privado, as quais têm a ver com o referencial da inflação baixa, com condições de contenção do défice público, que propiciam uma animação dos mercados financeiros e uma descida progressiva da taxa de juro, com alguns incentivos fiscais e também com um impulso importante em matéria de investimento público.
Penso que estão criadas condições para o relançamento do investimento privado, mas é evidente que agora há uma parte da responsabilidade que não tem a ver com o Governo mas, sim, com as empresas. Julgo, no entanto, que o Governo, com este Orçamento, permitirá a estabilização de um bom quadro de base para o investimento privado è, portanto, para a criação de emprego.
Sr. Deputado Carlos Pinto, peço desculpa, não consegui perceber a última questão, mas diria o seguinte: vou convidá-lo, no fim do presente ano, a ver em que vão consistir as melhorias que vamos introduzir em matéria de orientação profissional e de informação profissional prestada aos jovens. Não temos de estar satisfeitos com a situação actual, porque, em minha opinião, é muito insuficiente, mas há todo um conjunto de trabalhos em curso que vão produzir resultados já no fim deste ano. Portanto, convido-o a ser testemunha disso e, no fim do ano, cá estaremos para verificar resultados.
A Sr.* Presidente: — Muito obrigada, Sr." Ministra. Foi uma reunião mais longa do que aquilo que se esperava, por isso lhe peço desculpa.
Pausa.
Srs. Deputados, vamos prosseguir a nossa reunião com a presença do Sr. Ministro da Economia, que prescinde de fazer qualquer intervenção inicial, uma vez que já aqui a fez em Comissão, reservando-se para as questões que forem levantadas, por isso agradecia que os Srs. Deputados que quisessem intervir se inscrevessem.
Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
O Sr. Lino de Carva)Üo (PCP): — Sr. Ministro da Economia, na última reunião que tivemos coloquei um
conjunto de questões que o Sr. Ministro ficou de ver em pormenor para, depois, poder avançar com algumas respostas, por isso vou aqui recordar algumas dessas questões que ficaram em aberto, precisando, num caso ou noutro, melhor os esclarecimentos que pretendo obter.
Uma das questões tinha a ver ainda com projecções macroeconómicas no âmbito das exportações.- Tínhamos perguntado qual era o contributo da Auto Europa para o valor global do aumento previsto de 11 % para as exportações e o Sr. Ministro ficou de ver.
Outra questão tinha a ver com o turismo e é a seguinte: a transferência que está proposta para as regiões de turismo é, se a memória não me falha, de um aumento de 3,7% em relação ao ano passado, isto é, acrescenta-se a taxa de inflação àquilo que tinha sido transferido o ano passado. Fui, entretanto, informado — e falo apenas porque fui informado — que, na sequência de uma reunião que tiveram com o Sr. Ministro ou com o Sr. Secretário de Estado do Turismo, não posso agora precisar, os presidentes das regiões de turismo teriam criado a expectativa de que as transferências para as regiões seriam de um montante equivalente à transferência que seria feita do FEF para as autarquias, portanto, na ordem do 9%.
Ora, essa expectativa está gorada no Orçamento e nós, enquanto Deputados da Comissão de Economia, estamos a ser solicitados por várias regiões de turismo para procurar esclarecer isso junto do Sr. Ministro e, eventualmente, virmos a fazer uma proposta de reforço de verba, tendo em conta as expectativas que terão sido criadas nessa reunião da tutela em relação a esta questão. Esta é uma questão que também gostava de ver esclarecida.
Outra questão tem a ver com a redução dos valores que constam do Orçamento para os seguros de crédito, isto é, para a transferência para a COSEC das garantias do Estado quanto às indemnizações a dar à COSEC por sinistros nos seguros de crédito, que baixa, como o Sr. Ministro sabe, cerca de 85%.
Fizemos a critica no Plenário de que estaríamos perante uma prática de desorçamentação, uma vez que nos parecia que essa diminuição, em sede de despesas excepcionais do
Estado, de transferências para a COSEC, aparecia, depois, em sede de d/vida pública. Gostaria, pois, que o Sr. Ministro esclarecesse isso e, concretamente, porquê esta quebra enorme no valor da transferência para a COSEC.
Uma outra questão tem a ver com a criação da nova taxa do IVA, de 12%, para um conjunto de produtos e não para outros. Gostava de ter uma resposta muito precisa à minha pergunta, porque da resposta dependerá, ou não, a possibilidade de o meu grupo parlamentar vir a apresentar uma proposta de alteração ao Orçamento, que tem a ver com o seguinte: como ficou patente na última reunião, a opção por um determinado grupo de produtos e não por outro tem a ver sobretudo com questões de receita fiscal — e não tanto, aliás, com uma lógica integrada de consideração desses produtos.
Há dois produtos que são particularmente sensíveis e que têm a ver com as bolachas e os sumos de frutas. Como sabe, as bolachas e os sumos de frutas faziam parte da taxa de 18%, da Tabela II, e, depois, quando desapareceu, passaram para a taxa de 17% e para a tabela correspondente.
A minha pergunta, muito precisa e para a qual queria obter uma resposta do Sr. Ministro, é esta: o eventual «regresso» dos sumos de frutas e bolachas, agora, à tabela dos 12% o que é que representa, designadamente quanto aos sumos de frutas, em termos de quebra de receita fiscal para o Estado?
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Gostava de saber se é possível o Sr. Ministro, ou o Sr. Secretário de Estado, dar uma resposta acerca da dimensão, do volume, da despesa fiscal ou da quebra de receita fiscal de urna eventual colocação dos sumos de frutas e das bolachas na nova tabela e não, como está actualmente, na tabela dos 17%.
A outra questão, Sr. Ministro, tem ainda a ver com a problemática dos mercados abastecedores. Na última reunião, quando o interroguei sobre esta matéria, o Sr. Ministro disse, a certa altura, que só se responsabilizava pelas afirmações que produzia e não pelas que outros pudessem reproduzir e que, da parte do Ministério, não haveria mais dinheiro, mas que eram assumidos os compromissos que estavam em curso.
Já depois da reunião com o Sr. Ministro, fui desagradavelmente surpreendido com uma entrevista dada pelo Sr. Secretário de Estado do Comércio, Manuel dos Santos, a uma revista dos hipermercados, chamada, penso,Hipersur, em que, a propósito dos mercados abastecedores e colocando-lhes certas reservas, ele diz o seguinte: «Só que já lá há milhões de contos investidos, há pressões políticas diabólicas e, para cúmulo, as câmaras querem é inaugurar coisas que, depois, não servem para nada...». E, mais à frente, referindo-se a outro ministério, diz assim: «Posso garantir-lhe que o Ministério da Agricultura estará contra a forma como o Mercado Abastecedor de Lisboa está definido e está contra o de Évora, em geral, já que não lhe reconhece utilidade».
Ora, isto coloca um problema, aliás, abordado pelo Sr. Ministro, que é o dos compromissos existentes neste momento, ou até talvez uma questão a montante desse, que é a da filosofia existente para a organização do mercado neste sector.
Evidentemente, como todos sabemos, os mercados abastecedores são um elo de um processo de comercialização e 'sozinhos poderão tornar-se obviamente — estou de acordo — em estruturas a que tem acesso não a produção nacional mas a importada, como sucede com o Mercado Abastecedor do Porto, que o Sr. Ministro deverá conhecer tão bem como eu.
Mas reconhecemos — aliás, o PS sempre reconheceu isso — que elas eram estruturas necessárias, de grossistas. Portanto, o problema não está em atacar esta estrutura mas em actuar a montante dela, reorientando a produção, criando zonas de concentração da oferta, criando as condições para que seja a produção nacional a ter acesso a isso. Portanto, não me parece que a solução justa seja a de parar com o que está — o redimensionamento, o redesenho, já é outra questão —, mas a de intervir a montante dela para reforçar circuitos de comercialização e, com isso, apoiar a produção nacional. Porque, se não o fazemos, então é que criamos vazios e os grandes importadores jogam nesses vazios.
Portanto, não percebo esta entrevista do Sr. Secretário de Estado. E não a percebo, sobretudo, na perspectiva, por exemplo, do Mercado Abastecedor de Évora, que conheço particularmente porque sou Deputado eleito pelo círculo eleitoral de Évora e até estive envolvido no seu lançamento, quando há associações de agricultores, associações cooperativas, associações de operadores, que se constituíram e que entraram com dezenas de milhares de contos de capital, e quando há já um concurso público internacional lançado. Então, como é? Isto vai para a frente, não vai, fica parado? No fundo, queremos saber qual é a política do Ministério em relação a isto. É aquilo que disse o Sr. Secretário de Estado do Comércio ou há uma
política que não corresponde a estas afirmações, que considero pouco oportunas?
Ainda em relação a esta área, há a questão do PROCOM. Fala-se na alteração do PROCOM e na facilitação do acesso do comércio tradicional ao PROCOM, como forma de procurar apoiar o comércio tradicional.
Há também a velha questão dos horários, a que não vamos voltar e que estamos à espera seja decidida. Porém, Sr. Ministro, quero dizer, desde já, que a nossa posição sobre isso é a do encerramento aos domingos, mas se houver alguma abertura que se criem as condições para que, na prática, não seja uma abertura de tal modo que fique tudo a funcionar como hoje. Pensamos que este é um problema importante, mas não único.
Há o problema do apoio ao comércio tradicional e, sobretudo, no âmbito do PROCOM. Assim, a minha pergunta concreta é esta: vai deixar de haver patamares mínimos de acesso ao PROCOM? O comércio tradicional não pode aceder, porque um investimento de 10 000 contos, muitas vezes, está para além das necessidades e até das possibilidades. Concretamente, que reformulações vão ser feitas nesse terreno que permitam intervir no apoio ao comércio tradicional?
A Sr.a Presidente: — Vou, agora, dar a palavra aos Srs. Deputados Rui Rio e António Vairinhos, que se inscreveram para intervir.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): — Sr.* Presidente, peço desculpa, mas esqueci-me colocar uma questão.
A Sr." Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): — A minha pergunta tem a ver com a tributação do imposto automóvel sobre os veículos de trabalho. Esta foi uma questão levantada, no ano passado, em sede de Orçamento. Houve um grande debate e procurou-se fazer alguns ajustamentos, que não corresponderam à questão. No fundo, ò problema é este: o imposto automóvel é para ser aplicado aos veículos ligeiros de passageiros, mistos, etc. e não aos veículos de trabalho. Entretanto, há aqui um conjunto de veículos de trabalho, como as carrinhas de oito lugares, que servem para o pequeno agricultor levar os produtos para o mercado e para o pequeno empreiteiro levar o pessoal para as obras da construção civil, e certos veículos de mercadorias derivados dos de passageiros que, desde que demonstrado que são para a actividade económica, são veículos de trabalho mas estão, neste momento, tributados em imposto automóvel.
Já no ano passado, se tinha colocado esta questão e a minha pergunta é esta: qual é a receptividade do Governo em relação à possibilidade de isentar de imposto automóvel os veículos de trabalho, uma vez que esta tributação não corresponde à filosofia do imposto automóvel, que é um imposto de veículos de passageiros, tendo até sido considerado que as carrinhas de oito lugares são de passageiros, quando, hoje, elas são, no essencial, carrinhas de trabalho.
A Sr.° Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Rio.
O Sr. Rui Rio (PSD): — Sr.° Presidente, vou utilizar apenas um minuto destes 10 minutos do PSD e não para
colocar qualquer questão ao Sr. Ministro da Economia mas,
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sim, para pedir à Sr." Secretária de Estado do Orçamento se poderia facultar à Comissão de Economia, Finanças e Plano a execução orçamental de Fevereiro, se a tiver, se não, a de Janeiro. Isto, porque vem hoje escrito no Diário de Notícias que houve uma quebra substancial das cobranças do IVA em Janeiro. Para lá disso, apesar de o Orçamento ser por duodécimos, pode sempre haver antecipação de duodécimos e, portanto, não nos é fácil conhecer o montante da despesa, só mesmo se nos puder facultar a execução orçamental de Fevereiro, o que seria o ideal. E este o pedido que lhe faço, em nome da bancada do PSD.
Agora, o meu colega, Deputado António Vairinhos, colocará as perguntas ao Sr. Ministro da Economia.
A Sr.° Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado António Vairinhos.
O Sr. António Vairinhos (PSD): — Sr." Presidente, vou centrar as minhas questões no sector do turismo, dado que algumas das que pretendia colocar noutras áreas já o foram pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho.
Sobre o turismo, a primeira pergunta que faço ao Sr. Ministro tem a ver com o seguinte: aconteceu, não nesta sala mas noutra ali ao lado, há bem pouco tempo, por proposta conjunta do PCP e do PS, a não ratificação da lei hoteleira. Este acto reveste-se de uma gravidade muito grande para o País e penso que o Sr. Ministro tem consciência disso.
Segundo julgo saber, houve alguns diferendos entre a bancada do PS e o próprio Goyerno nesta matéria. Caso contrário, não se justificaria que, três dias antes da não ratificação da lei, fossem publicadas as portarias, que, depois, tiveram de ser revogadas.
Porém, o mais importante em tudo isto é que foi reconhecido unanimemente por todos os partidos que a lei era muito melhor do que a legislação anterior, mas, mesmo assim e inexplicavelmente, ela não passou.
Acontece que o PS, na altura, foi claro ao dizer que, muito brevemente — e marcando um prazo, que seria, no tnáximo, o mês de Maio —, sairia a nova lei hoteleira.
. Sr, Ministro, seria de esperar que, eventualmente, na proposta de lei do Orçamento do Estado para 1996, aparecesse — já que não apareceu até agora — uma proposta de autorização legislativa sobre esta matéria, dado que a anterior caducou. Assim, a primeira pergunta que lhe faço é esta: o que é que se passa com a nova lei hoteleira? O que é que o Governo está a fazer?
E que colocam-se dois tipos de situações: os investidores nacionais — e aqui distingo os nacionais dos estrangeiros — vivem no caos, porque não sabem se se hão-de reger pelo decreto-lei não ratificado, presumindo que as alterações vão ser mínimas relativamente àquilo que estava proposto, se se regem pelo conjunto da legislação avulsa anteriormente existente ou se, eventualmente, terão de fazer alguma futurologia, imaginando o que poderá sair. O certo é que, por um lado, todos os projectos que estavam em andamento acabam por parar e, por outro, as pessoas estão muito confusas.
Se isto é preocupante relativamente ao investidor nacional, no que se refere ao investidor estrangeiro ainda é pior! Chega cá c nem desfaz as malas, porque, ao saber que o quadro legal é este, não sabe com o que pode contar e volta para o país de origem.
Sr. Ministro, isto é muito preocupante, se tivermos em conta o peso que o turismo tem no PIB e na economia nacional, muito mais do que nos países directamente con-
correntes, e.as dificuldades acrescidas que vamos tendo. O País não se compadece com um quadro indefinido nesta questão.
Isto prende-se com a primeira questão concreta que lhe vou colocar, que tem a ver com as promessas eleitorais do Governo, já um pouco na sequência do governo anterior, que baixou o IVA no alojamento. Havia, pois, uma promessa de baixa do IVA e, efectivamente, aparece uma proposta para o seu abaixamento, no que se refere à restauração.
Ora, aqui tem-se colocado uma questão, que é ambígua, ou seja, não se consegue perceber se aquilo que consta do Orçamento do Estado, para aditar ao actual Código do IVA uma lista II, abrangendo a prestação de serviços de restauração — e aí refere-se só restauração —, foi feito tendo por base a anterior lei da hotelaria, em que na definição de restauração se incluía alimentação e bebidas, abrangendo, nomeadamente, os CAE 551, 553 e 554 (e presumo que, na sua boa fé, o Governo estaria a trabalhar como se a lei estivesse em vigor, pois penso seria essa a sua vontade) e, então, incluiu restauração de acordo com o artigo 72.° do decreto-lei que não foi ratificado, o qual incluía na definição de restauração alimentação, bebidas e por aí fora.
Será que foi este lapso que se verificou? Será que o Governo trabalhou nesta proposta como se a lei tivesse sido ratificada, como era sua vontade, ou, efectivamente, pretende distinguir aqui a alimentação das bebidas? É que se isto se mantiver, com a legislação que está em vigor, é abrangida a parte da alimentação e não a parte das bebidas. Será na restauração, mas todo o conjunto de outro tipo,.como bares, etc, não sei como farão, mas, no caso de servirem uma pequena refeição leve — e mesmo no caso das pastelarias —, irão aplicar àquilo que é alimentação os 12% e, depois, aplicarão às bebidas 17%.
É inconcebível a prática de duas taxas no cálculo de uma factura que é apresentada ao cliente depois de ele comer dois pastéis e uma cerveja. Isto é ridículo, presumo que há qualquer coisa aqui que não está bem e, por isso, gostava que o Sr. Ministro me esclarecesse se efectivamente foi por lapso, tendo em conta a lei anterior e se o Governo ou a bancada socialista pensa proceder à correcção desta questão.
Para realçar um pouco este tipo de confusões, vamos ver o que vai acontecer pelo facto de se praticarem diferentes taxas, no caso, por exemplo, da hotelaria: 5% para o alojamento; se o alojamento incluir o pequeno almoço, paga 5%; se o pequeno almoço for à parte, paga 12%; depois, pelas bebidas, paga 17%... Ora, seja havia dificuldades tremendas com duas taxas, as de 5% e de 17%, agora, com três taxas, de 5%, 12% e 17%, ir-se-á criar uma confusão contabilística, o que certamente não será muito bom em termos de receitas fiscais, já que pode, depois, originar determinados cálculos menos correctos, que em nada vão beneficiar o Estado cm termos da receita, embora se preveja que o IVA turístico vai subi, embora baixando nesta componente, mas isso calcula-se que seja devido aos métodos indiciários.
Outra questão muito concreta é, prevendo que a lei hoteleira não será muito diferente se vier a sair conforme está, a racionalização dos serviços da DGT e a necessidade da criação do observatório nacional do turismo. Como é que o Sr. Ministro encara esta possibilidade? É que, em minha opinião, a DGT tem todas as condições para o fazer e é fundamental para apoio ao sector empresarial nesta área a criação de um observatório nacional do turismo.
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Quanto às questões do ICEP, também gostaria de dizer-lhe que, cada vez mais, o ICEP está a esquecer o sector do turismo — isto tem sido progressivo e continua —, o que se torna preocupante para a promoção externa do turismo, tendo em conta a crise internacional e o desemprego na Europa e, em Portugal, parece que a tendência também será de um aumento substancial e brusco, durante o próximo ano. Assim sendo, Sr. Ministro, o que se passa e o que pensa fazer nesta matéria?
Quero ainda referir-me ao Fundo de Turismo e ao SIFIT m. Foi aqui dito que estava pensada a revisão do PROCOM. O SIFIT m, tendencialmente, parece que irá ser utilizado para financiar empresas em dificuldades em vez de dar apoio concreto à dinamização e à melhoria da oferta turística. O Sr. Ministro pensa continuar neste ritmo, dado que o número de processos entrados é extremamente pequeno, ou pensa também, à semelhança do sucedido com o PROCOM, proceder a alterações muito concretas dp SIFIT HJ, que possam responder com mais eficácia às novas situações que se vão colocando dentro do sector?
A Sr." Presidente: — Sr. Deputado, agradecia que terminasse.
O Orador: — Vou terminar, Sr.° Presidente, com duas questões que julgo serem importantes.
Quanto à questão energética, o Sr. Ministro referiu, ainda ontem, no Algarve, que iria estudar o assunto.
Em relação às questões tarifárias para a hotelaria, à semelhança daquilo que existe para outros sectores, se tivermos em conta que a média de custos na estrutura de custos da hotelaria, em Portugal, é de 5.2 contra 2.7 na Comunidade, é evidente que é necessário proceder a um ajustamento e já havia estudos sobre esta matéria. Sr. Ministro, o que pensa fazer nesta matéria e qual é timing previsto?
Finalmente, e dirijo-me. muito claramente ao Sr. Ministro e, eventualmente, à Sr." Secretária de Estado do Orçamento, gostaria de saber se me podiam informar — e, certamente, poderão — sobre os valores cobrados, em 1995, em IVA turístico.
A Sr." Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado António Galvão Lucas.
O Sr. António Galvão Lucas (CDS-PP): — Sr." Presidente, Sr. Ministro, quero colocar três questões, das quais duas já o foram e uma parcialmente.
A primeira diz respeito aos mercados abastecedores, muito concretamente ao Mercado Abastecedor de Lisboa. Como V. Ex.° sabe, Sr. Ministro, o SIMAB, entidade envolvida neste processo, é, no caso do Mercado Abastecedor do Porto, por exemplo, accionista, e, no caso do Mercado Abastecedor de Lisboa não o é. No entanto, é uma entidade que gere os fundos que são canalizados para este tipo de investimentos.
Não somos, de modo algum, contra os mercados abastecedores — e, se alguma intervenção há a fazer, ela já foi, aliás, sugerida mas, no caso concreto de Lisboa, julgamos que o projecto actualmente em curso carece de ser revisto. É uma solução, a nosso ver, tecnicamente incorrecta, do ponto de vista quer da dimensão quer da localização, e há, pelo menos, uma alternativa, estudada e devidamente fundamentada, de, em vez de um só mercado ou de um só local, haver três locais que melhor abaste-
cessem a Grande Lisboa, solução essa que seria vários milhões de contos mais barata.
Aliás, o Mercado Abastecedor de Lisboa está dimensionado para uma movimentação anual de mercadorias que não chega a ser atingida em cidades que têm três vezes a população àquela que está prevista para o caso de Lisboa. Portanto, a minha pergunta é esta: qual é a opinião do Ministério sobre este projecto concreto, para além desse claro conflito de interesses que existe, sendo que quem gere as verbas não é accionista do Mercado Abastecedor de Lisboa e é-o do do Porto.
As outras duas questões já foram colocadas exactamente nos termos em que as colocaria. Portanto, limito-me a solicitar ao Sr. Ministro que nos dê a sua opinião muito concreta e muito clara sobre se é admissível e possível, tal como já entendemos em reuniões anteriores com o Sr. Ministro, que as bolachas e os sumos de frutas venham a beneficiar do tratamento que preconizamos para outro tipo de produtos e que o imposto automóvel sobre os veículos de trabalho seja, de facto, abolido.
A Sr" Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Lemos.
O Sr. José Lemos (PS): — Sr." Presidente, Sr. Ministro, dado o adiantado da hora, vou tentar ser sintético e colocar-lhe três questões, uma das quais de ordem global e outras duas mais específicas.
A primeira tem a ver com o seguinte: penso que, durante a discussão na generalidade deste Orçamento, a bancada do PS e o Governo tentaram demonstrar o impacte positivo que este Orçamento, em termos globais, vai ter para a actividade económica, como factor de estímulo para o crescimento económico. De qualquer maneira, gostava — até porque não tivemos o prazer de ouvir o Sr. Ministro nessa fase da discussão na generalidade — que, como Ministro da Economia, nos desse a sua opinião sobre o impacte na chamada economia real que espera deste Orçamento, ou seja, de que maneira ele é um incentivo e um estímulo para os agentes económicos e quais os seus reflexos no crescimento da nossa economia, que esperamos vir a ter algum significado.
Gostaria também que o Sr. Ministro nos dissesse algo relativamente a intervenções feitas publicamente e que têm sido atribuídas ao seu Ministério e à sua equipa, acerca de uma nova filosofia do Ministério da Economia relativamente às empresas em crise, nomeadamente às empresas que têm avultadas dívidas ao Estado, fiscais e outras.
Segundo entendemos, começa a ser conhecida uma nova orientação por parte do Ministério da Economia nesse domínio, designadamente que — e julgo que foram já palavras suas —, em alguns casos, o Estado estaria disponível para converter, os seus créditos em capital ou vendê-los a terceiras entidades, a empresas consideradas viáveis do ponto de vista económico.
Assim, Sr. Ministro, quais vão ser as traves-mestras da sua política, as grandes orientações do seu Ministério, em relação ao papel que o Estado vai ter e que esteve ausente no passado, nos governos do PSD, para a reabilitação e a reanimação do tecido produtivo e no apoio a empresas consideradas viáveis do ponto de vista económico?
Um terceiro aspecto, que, de algum modo, está relacionado com este, é o seguinte: do seu ponto de vista, Sr. Ministro, que papel deverá ter o IAPMEI nesse processo de reestruturação do nosso tecido empresarial e como contributo para a reanimação das nossas empresas e, portanto, para o reforço do nosso tecido produtivo?
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Pensamos, eu e a minha bancada, que o balanço dos governos PSD nessa matéria é francamente negativo, pois o IAPMEI, nos últimos anos, limitou-se a ser uma instituição burocrática e pouco mais, não tendo estado ao serviço da empresas nem dos empresários e não vou fazer outras considerações de ordem prática, porventura, de legalidade discutível, do próprio IAPMEI. Porém, basta falar com os empresários que com ele contactaram para saber que foi uma estrutura totalmente inoperante no apoio à modernização e à reestruturação das nossas empresas.
Gostaria, pois, que o Sr. Ministro referisse qual vai ser a nova orientação do IAPMEI e em que medida ele vai ser um instrumento ao serviço da modernização, do desenvolvimento e do crescimento económico, pelo seu impacto na economia real.
A Sr.° Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): — Sr." Presidente, Sr. Ministro da Economia, muito rapidamente, começo por saudar novamente a presença do Sr. Ministro, sempre bem-vindo, e referir que, de acordo com o Programa do Governo, com o Orçamento e as Grandes Opções do Plano, contamos, de facto, com um contributo sólido desta equipa de economia para reconverter o tecido económico completamente desestruturado, não só devido à globalização da economia como à incapacidade dos anteriores governos.
Gostaria de fazer um curto comentário sobre a questão das taxas. Obviamente, em termos do Grupo Parlamentar do PS, defendemos, e é nesse sentido que vão as propostas que já apresentámos e vamos apresentar, quaisquer modificações a este nível de tributação que não tenham apenas a ver com a óptica das receitas fiscais, como dizia o Sr. Deputado Lino de Carvalho, mas também com política económica.
Uma outra questão: em termos da melhoria do funcionamento das empresas e do tecido económico, tendo em conta as propostas que esperamos que surjam dentro de breves semanas da Comissão de Desenvolvimento da Reforma Fiscal, como é que o Sr. Ministro vê a prazo a questão das mexidas nos benefícios fiscais das empresas? Uns dizem que são poucos; outros dizem que são demais, outros ainda dizem que estão bem.
De facto, pensamos que há necessidade de serem mexidos de forma um pouco mais radical do que a que se fez neste Orçamento, mas compreendemos que não se podia ter ido longe por ainda faltarem os trabalhos da Comissão de Desenvolvimento da Reforma fiscal, e que se dever mexer globalmente no sistema. Sobre isto gostaria de ouvir um comentário do Sr. Ministro.
Já agora gostaria de deixar ficar clara a questão do gasóleo, porque, como é normal nestas reuniões de Comissão, há Deputados que hoje estão presentes mas que amanhã já não estão.
Quanto ao gasóleo agrícola, devo dizer que já está na Mesa uma proposta, relativa à própria fiscalização da utilização desse gasóleo na agricultura. Quanto à utilização do gasóleo nos transportes, já ontem foi anunciada a apresentação de uma proposta* que, entretanto, também deve ter dado entrada na Mesa. Isto, pegando no problema por outra via, pois o Sr. Deputado Lino de Carvalho pegou nas preocupações quanto ao imposto de automóvel, enquanto nós pegamos pela via da tributação do gasóleo.
A Sr." Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Roleira Marinho.
O Sr. Roleira Marinho (PSD): — Sr." Presidente, Sr. Ministro da Economia, quero apenas colocar duas questões, muito simples. Apesar de uma delas já ter sido colocada, gostaria de a reforçar.
Em primeiro lugar, que medidas poderão e deverão ser tomadas para que os hipermercados, as grandes superfícies, se mostrem disponíveis para a comercialização dos nossos produtos agrícolas em contraponto com os produtos importados, eventualmente, de menor preço? Porque se houver a possibilidade de os produtos portugueses poderem ser aí comercializados, estamos, desse modo, a ajudar a produção.
Em segundo lugar, e esta questão tem a ver também com a filosofia da instalação dos mercados abastecedores, sendo certo que, como foi dito, o Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas se mostrou crítico no que toca aos projectos em curso ou previstos, pergunto, muito concretamente: em que ficamos quanto à política a seguir neste sector?
Em terceiro lugar, no âmbito orçamental e no seguimento da proposta apresentada, prevê o Sr. Ministro o reforço dos meios de funcionamento das regiões de turismo, quer para o seu próprio funcionamento, quer para o investimento, quer para a prospecção dos mercados turísticos?
A Sr." Presidente: — Visto não haver mais inscrições, tem a palavra, para responder, o Sr. Ministro da Economia.
O Sr. Ministro da Economia (Daniel Bessa): — Sr." Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, a expressão de agrado e satisfação de estar aqui convosco a discutir este Orçamento e o agradecimento pelas questões que fizeram o favor de colocar.
Antes de começar a responder, gostaria de dizer que, se me dessem licença, seguiria um trajecto que iria das questões mais gerais para as mais pontuais. Não é a ordem por que foram apresentadas, mas seguiria esta sequência, que me parece lógica, tão rapidamente quanto possível para não ultrapassar o razoável em matéria de consumo de tempo.
As questões mais gerais foram as colocadas pelos Srs. Deputados Joel Hasse Ferreira e José Lemos e, em primeiro lugar, no que se refere ao impacte positivo deste Orçamento sobre a actividade económica, há um ponto sobre o qual, em meu entender, devíamos pôr-nos de acordo, devia haver um acordo alargado sobre ele, por ser suportado por razões objectivas que, a meu ver, não consentem divergência de opinião, que é o seguinte: num pequeno país, como Portugal, tão aberto, como Portugal, o contributo do Orçamento para a actividade económica não pode ser medido em termos de quanto mais despesa mais produto e mais emprego. Isto é objectivo, está provado e não consente divergência de opinião.
Assim, não podemos dizer que um Orçamento de rigor, nomeadamente em matéria de despesa, tenha, por isso, um contributo negativo para a actividade económica. É evidente que num Orçamento é sempre possível encontrar aspectos mais ou menos positivos e este não foge à regra. Assim, permito-me destacar alguns contributos positivos.
Este Orçamento prevê, em primeiro lugar, um aumento de investimento público, o que é positivo; em segundo
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lugar, um aumento, ainda que modesto, do rendimento real das famílias, sejam funcionários públicos, sejam pensionistas, o que é positivo; em terceiro lugar, uma redução do défice público, que reduz a pressão do fisco sobre os mercados financeiros e favorece a redução, das taxas de juro, o que é positivo.
Estes serão, do meu ponto de vista, os três grandes contributos positivos prestados pelo Orçamento para a animação da actividade económica. Naturalmente que outras pessoas, e eu próprio, detendo-se sobre ele, poderiam encontrar neste ou naquele aspecto outros contributos positivos, assim como num ou noutro aspecto contributos que não fossem tão positivos. Mas estes, a meu ver, são muito importantes: mais investimento público, um aumento real do rendimento das famílias e um contributo para a redução das taxas de juro.
Em segundo lugar, temos a questão das empresas em crise. Aqui, a objectividade não é tão grande e sou o primeiro a reconhecer que, com facilidade, chegamos a diferenças de opinião. Mas permitam-me começar pelo enunciado de que em Portugal há ainda, em nossa opinião, um cruzamento excessivo entre aquilo a que chamaríamos razões de actividade económica e razões políticas. Não é normal num país da União Europeia, como somos, que o problema das empresas em crise — e não é só o das empresas mas também o de cada empresa em crise — se transforme ipso facto num problema político. Em minha opinião, isso é certamente um resquício de um passado, e de um passado longo, contra o qual temos de lutar.
A vida das empresas tem de ser regulada por um qua- . dro normativo e não podemos fazer com que as empresas em crise se transformem em problemas imediatamente políticos. A vida das empresas é regulada por esse normativo e tem de haver uma legislação social de acolhimento e de protecção para as situações de incidências sociais gravosas. O que não me parece que deva aceitar--se é que toda e qualquer empresa em crise se transforme imediatamente num problema colocado ao Governo e ao Ministro da tutela.
Por isso, por haver aqui uma situação que nos propomos contrariar, é que temos dito que, no que se refere a este Governo, há um propósito de clarificação das regras de funcionamento das empresas e do relacionamento entre o Estado e as empresas.
Agora, aquilo a que não se pode escapar é que em algumas empresas em crise o Estado, quer queira quer não, esteja envolvido, pelo simples facto de ser credor. Não me refiro às situações das empresas em crise onde o Estado ou os institutos públicos são accionistas, onde há participações do NORPEDIP e do SULPEDIP, pois nestes casos o Estado aparece também como accionista. Mas é um número muito reduzido, muito limitado.
O Estado está envolvido nas empresas em crise pelo facto de ser credor e em algumas situações é-o em percentagens suficientemente elevadas, o que lhe dá um poder de disposição sobre o futuro dessas empresas.
A este respeito, a nossa posição é muito clara, tenho procurado deixá-la tão clara quanto possível, em, todas as ocasiões, e passa, no essencial, pelo seguinte: o Estado não pode perdoar os seus créditos. E não o pode fazer porque aqui, como em todas as outras matérias, temos de introduzir uma cultura de rigor, sendo o perdão dos créditos, de facto, do ponto de vista dos sinais que damos à economia, um péssimo sinal, porque se premeia aquilo a que eu chamaria um infractor objectivo.
Não estão em causa considerações subjectivas que justifiquem a situação, mas onde há um crédito do Estado
há uma infracção objectiva e o Estado não deve perdoar. Mas também não deve transformar os créditos em capital, porque isso subentenderia uma capacidade de gestão que o Estado não tem. O Estado não dispõe de um poot de gestores que lhe permitisse conduzir a vida das empresas em que os créditos públicos fossem transformados em capital.
Do que se trata, então, é de dar o apoio possível para a viabilização dessas empresas no quadro normativo que entendemos dever ser prosseguido. E qual é o apoio? O apoio é procurar, naturalmente, um empresário. E como é que o vamos procurar? Dispondo-nos a ceder os créditos públicos pela melhor oferta.
Esta disposição do Estado, a meu ver, é a que procura encontrar uma nova classe empresarial — como exemplo posso dizer que ontem mesmo, no meu Gabinete, eram os quadros da empresa que se dispunham a comprar os créditos do Estado —, dando, em alguns casos, um contributo importante porque se «limpa» o passivo das empresas.
As empresas são viáveis ou não muitas vezes em função dos passivos que apresentam. Uma Torralta, por exemplo, com um passivo de 30 milhões de contos, nunca será viável, mas com um passivo que decorra da alienação desses 30 milhões de contos por um valor muito mais reduzido já pode ser viabilizada.
Portanto, o Estado está disponível para alienar os créditos do Estado pelo valor de mercado. Isto exige, designadamente, alterações legislativas ao código de recuperação, porque é preciso dar a esses novos titulares a possibilidade de um acesso rápido à gestão. Estamos a trabalhar no sentido de introduzir algumas modificações, algumas delas muito em breve, muito rapidamente, no código de recuperação das empresas, para dar um acesso imediato à gestão a esses credores que se substituam ao Estado, o que exige também uma intervenção no domínio da legislação que regula a alienação dos créditos do Estado, nomeadamente dos créditos das contribuições e impostos e do tesouro.
Esta é a nossa linha e também aqui queremos contribuir para encontrar empresários, para encontrar uma classe empresarial, para encontrar as pessoas que conduzam as empresas.
Ainda muito rapidamente, no que se refere ao IAPMEI, tive oportunidade — e não escondo que considero que o lado mais negativo da actuação do IAPMEI se encontra na má imagem que tem perante a opinião pública e os destinatários da sua actividade — de dizer, e digo-o convictamente, que o IAPMEI é um mal-amado. As pessoas dirigem-se ao IAPMEI e normalmente apresentam um capital de queixa, porque é burocrático, porque demorou muito mais tempo do que o previsto, porque em torno do IAPMEI se criaram expectativas que não são satisfeitas.
Como é sabido, a minha primeira preocupação é ai de desfazer essa imagem negativa. Ora, para isso, foi nomeado um conselho de administração com o mandato claro de recuperar a imagem do IAPMEI, de fazer dele um instituto que responda a horas, menos burocrático, e que, em vez de gastar muito tempo na análise prévia de candidaturas, gaste o essencial do seu tempo no acompanhamento dos promotores e dos projectos.
É esta a orientação, mas, já agora, permitam-me mais uma nota.
Pensámos que a fusão do Ministério da Indústria e Energia com o Ministério do Comércio e Turismo permite a oportunidade de pôr a trabalhar sob a mesma tutela o IAPMEI e o ICEP. E, a título informativo, devo dizer que
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na próxima terça-feira tomará posse a administração do ICEP e o primeiro mandato que essa administração receberá é o de trabalhar com o IAPMEI na tentativa de encontrar linhas de actuação conjuntas dos dois institutos, IAPMEI e ICEP, fazendo apelo aos programas geridos pelos ex-Ministérios da Indústria e Energia e do Comércio e Turismo, sejam os do tipo PEDIP, sejam os de apoio à internacionalização que correm no ICEP, para juntamente com as associações empresariais desenhar linhas de intervenção integradas no sentido de apoiar as empresas dos sectores.
Finalmente, no que toca aos benefícios fiscais às empresas, já tive oportunidade de referir, quando aqui nos encontramos da outra vez, que a pressão, se assim se pode dizer, do Ministério da Economia sobre este Orçamento, nesta matéria, foi muito reduzida, porque guardamos o essencial do nosso esforço para uma revisão da fiscalidade sobre a actividade económica e sobre o investimento que faremos em sede de concertação económica e social a médio prazo.
Será em Conselho de Concertação Económico e Social, nos trabalhos que a partir daí forem desencadeados, que procuraremos pensar sobre uma fiscalidade mais incentivadora para as empresas — e está, sobretudo, previsto uma redução considerável do esforço fiscal que é pedido ao investimento nas regiões do interior —, cujas conclusões serão levadas à Comissão de Desenvolvimento da Reforma Fiscal. Por isso é que, em matéria de benefícios fiscais, este Orçamento não vai além de os manter no essencial como estavam previstos anteriormente.
Devo dizer que nem toda essa manutenção decorre desta proposta de lei, uma parte havia já sido assegurada na proposta de lei de Orçamento Suplementar, onde foi prevista a continuação, em 1996, dos benefícios fiscais que vigoraram em 1995.
Passando agora a questões não tão abstractas e gerais, começaria pela dos mercados abastecedores, e, aqui, permitam-me uma nota à observação feita pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho.
Não vou comentar as afirmações públicas produzidas pelo Sr. Secretário de Estado. Entendo que é uma expressão de opinião, que só me preocuparia se tivesse alguma incidência prática em matéria de governação. Ora, a opinião do Sr. Secretário de Estado, tal como se encontra expressa, que não comentarei, não tem incidência prática absolutamente alguma em matéria de governação, pelo que, em relação às suas palavras, ficar-me-ia por aqui.
Passando àquilo que é importante e que tem incidência em matéria de governação, diria o seguinte: em matéria de mercados abastecedores, tanto quanto sei, encontra-se disponibilizado um volume financeiro gerido pelo SIMAB que permitirá a participação nos custos de determinados projectos que se encontram perfeitamente identificados. Mas estes são projectos não governamentais. Portanto, os promotores desses projectos são outros, são promotores privados e institucionais, e em relação a isso o Governo não está em condições de configurar os projectos.
Sei que, aqui e ali, há críticas sobre a natureza dos projectos, mas penso que no lugar que ocupo me deveria abster delas e que o que há a fazer é assegurar os compromissos, os quais consistem na afectação de determinadas somas financeiras a determinados projectos com de-. terminadas localizações. Estes compromissos serão cumpridos, pelo que a minha principal preocupação foi a de dar o sinal de que o Governo não está disponível para alargar as comparticipações financeiras a esses projectos.
É isto que me parece fundamental e é, do meu ponto de vista, a resposta que deve ser dada, sobretudo se, como parece, aqui e ali há dúvidas sobre a eventual desmesura de alguns dos projectos. Isto é, aqui e ali surgem manifestações de que os projectos poderão ser desmedidos, de que poderão, enfim, ultrapassar aquilo que resulta de uma apreciação imediata das necessidades. A nossa disposição foi a de pôr um travão financeiro. São promotores exteriores ao Governo, decidem-se por motivações e considerações próprias. Há compromissos e serão respeitados. Se a vossa dúvida é esta, não alargaremos as somas financeiras afectas a esses empreendimentos, pelo que, se quiserem gastar mais do que o previsto, terão de encontrar outra forma de financiamento.
As indicações que dei ao Sr. Secretário de Estado a este respeito foram muito precisas: não haverá mais fundos públicos nem avales públicos a eventual endividamento contraído por esses promotores. Penso que é impossível ser mais claro.
Gostaria de fazer referências muito breves à questão das regiões de turismo. Tenho tido oportunidade de dizer que não me parece que a acção política deva ser, a cada momento, avaliada pelos montantes financeiros que comporta. Ou seja, recuso-me a uma lógica onde «bom» é aquilo em que se gasta mais e «mau» é aquilo em que, por esta ou aquela razão, se gasta menos.
Este Ministério enunciou a orientação muito clara de fazer das regiões de turismo parceiros privilegiados da acção governativa no sector do turismo, nomeadamente em dois domínios fundamentais: no da promoção do turismo interno e no do acolhimento, no interior, aos turistas que nos chegam dos mercados externos.
Temos também a orientação de fazer participar mais activamente o ICEP em todas as acções de promoção exterior conduzidas pelas regiões de turismo, se estas assim o quiserem, naturalmente, pois elas têm a sua autonomia. Mas foi dada essa orientação e vai ser dado um mandato muito preciso ao ICEP no sentido de colocar ao dispor das regiões de turismo aquilo que, em nossa opinião, é uma capacidade técnica superior que poderia qualificar a promoção externa conduzida pelas próprias regiões de turismo.
Em meu entender, coisas como estas são sinais da consideração que as regiões de turismo merecem a este Ministério e do papel que lhes atribuímos na política para o sector.
Em matéria de meios financeiros, a orientação foi a de manter o valor real das transferências do Estado para as regiões de turismo. Se foram criadas outras expectativas, não posso responder por elas; só posso responder por aquelas que eu próprio ou os membros do meu Gabinete criaram e, tanto quanto sei, não pode a ser imputada, pelo menos a mim não o pode ser, a qualquer membro do meu Gabinete a expectativa de haver uma transferência superior.
Portanto, as transferências aumentam de facto 3,7%, o que significa que mantêm o valor real do ano passado. As transferências para as autarquias foram aumentadas de acordo com o cumprimento da Lei das Finanças Locais. Não havia qualquer obrigação nem, tanto quanto sei, foi criada qualquer expectativa de fazer aumentar à mesma percentagem as transferências para as regiões de turismo.
Passaria rapidamente para algumas das questões que me foram colocadas pelo Sr. Deputado António Vairinhos.
Sr. Deputado, começo por dizer que algumas das questões, sobretudo as mais pontuais, em minha opinião, só
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podem ser respondidas pelos colegas do Ministério das Finanças. Haverá aqui uma reunião para tratar especificamente dessas questões, embora admita que, num ou noutro ponto, os Srs. Secretários de Estado aqui presentes possam dar uma ajuda. Porém, há aspectos muito pontuais do domínio do Ministério das Finanças, relativamente aos quais, como compreenderão, não me sinto autorizado a responder.
Sr. Deputado António Vairinhos, e seguindo talvez a ordem das questões que colocou,, gostaria de dizer-lhe que, de facto, não compartilho de uma visão tão catastrofista sobre as consequências de não ter sido ratificada a lei hoteleira. É evidente que todos compartilhámos a opinião de que, por razões de certeza e segurança, evidentemente, é preferível não haver uma situação, uma pendência como a que temos pela frente. Portanto, sobre isto o meu inteiro acordo à sua preocupação, mas quanto ao facto de a lei não ter sido ratificada não atribuiria, enfim, uma importância desmedida ou para além de determinados limites.
Tanto quanto sei, o Grupo Parlamentar do PS não ratificou a lei hoteleira por uma razão muito simples: entende que a lei precisa de melhorias pontuais, limitadas, para as quais o tempo de que dispunha, aquando do processo de ratificação, não era suficiente. E como os cinco dias não eram suficientes para lhe introduzir as modificações consideradas necessárias, entendeu-se não ratificar, fazendo-se regressar o processo ao princípio, para se introduzirem as tais modificações.
Quanto a isto, posso dizer que está, a partir do meu Gabinete, em curso um trabalho de contacto com as entidades do sector, no sentido de saber a sua opinião. É verdade que o sector considera positivos os passos dados com aquela lei hoteleira, que aqui não foi ratificada, e, como é natural, o que é positivo será mantido, porque o que estamos a fazer é ouvir as diversas entidades no sentido de ver se há ainda alguma modificação adicional que deva ser considerada. Há certamente e o próprio PS tem as suas ideias sobre o assunto.
Quanto à expressão «o PS desautorizou o Ministro», devo dizer-lhe que já a vi escrita, até recebi uma carta de uma associação hoteleira. Peço-lhe.o favor de considerar o seguinte: eu tenho sempre para com estas questões uma atitude de serenidade e de rigor.
A publicação da lei hoteleira subentendia a publicação de uma série de portarias que a poriam efectivamente em vigor. Portanto, a lei é publicada e depois, para ser implementada, necessita das portarias regulamentares. Sabia que estava pendente um processo de ratificação, no entanto, entendi que não me devia antecipar ao juízo desse processo de ratificação e que deveria cumprir o meu dever: publicar as portarias que poriam a lei efectivamente em vigor, se por acaso viesse a ser ratificada.
Portanto, isto decorre do entendimento do lugar e do papel de cada um. O que se espera do Ministro, aprovada a lei, 6 que publique as portarias que permitam a entrada da lei em vigor, se essa for a vontade dos Srs. Deputados. Foi isso o que fiz e, sinceramente, penso que fiz muito bem.
Uns dias depois, a bancada do meu partido e a bancada de um outro partido, entenderam que a lei não devia ser ratificada. Continua tudo. muito bem, do meu ponto de vista. Peço-lhe o favor de considerar que, do ponto de vista das relações entre o Governo e a Assembleia da República, não poderia ser de outra forma. Não fiquei em nada desautorizado por publicar as portarias que permitiriam pôr
em funcionamento uma lei que, no momento em que as publiquei, estava em vigor.
No que se refere à racionalização dos serviços da Direcção-Geral do Turismo, o Sr. Deputado colocou uma série de questões que, do meu ponto de vista, apenas tangencialmente tocam a questão orçamental; mesmo assim, procurarei não lhes fugir.
Quanto à racionalização dos serviços da DGT, Sr. Deputado António Vairinhos, o que é que o Ministro há-de dizer? «Sim, senhor!» No que se. refere à criação de um observatório nacional de turismo, com este ou outro nome, o Ministro diz: «sim, senhor!» Diria que é absolutamente desejável criar as condições de acompanhamento da actividade do sector e, com este ou outro nome, um observatório. Tem inteiro cabimento.
Não estou muito de acordo com a ideia de que o ICEP desconsiderou o turismo. Não estou de acordo, não há nada a fazer! Contrariamente ao que se passou com o IAPMEI, tenho sobre o ICEP uma imagem e uma análise global que não é tão negativa.
Em minha opinião, o ICEP cumpriu razoavelmente a sua missão, divulgou a imagem de Portugal no mundo e ao fazê-lo contribuiu também para promover o turismo português.
Portanto, não compartilho da apreciação negativa que faz a este respeito. Sem esquecer, e deixe-me dizer-lhe que estou inteiramente consciente disso, que há entre o ICEP e o turismo um problema não inteiramente resolvido, que resulta do facto de o turismo comparticipar em larga medida no financiamento do ICEP. As pessoas e os interesses ligados ao turismo talvez considerem que não há proporção entre a medida em que o turismo participa do financiamento e aquela em que participa da gestão. Nisso estou de acordo, isto é, reconheço a existência dessa crítica, mas não me reconheço na observação de que o ICEP não fez o que estava ao seu alcance pela promoção do turismo português.
Em relação ao tarifário da hotelaria, não posso assumir aqui qualquer compromisso. Mas posso deixar-lhe a indicação clara de que até onde me for possível defenderei a aplicação à hotelaria do tarifário eléctrico aplicado aos estabelecimentos industriais. Ou seja, se há uma diferença de tarifário entre o consumidor doméstico e o consumidor industrial, se essa diferença se justifica fundamentalmente 'por considerações de competitividade, entendo que o sector hoteleiro é um sector económico como outro qualquer, tem problemas de competitividade como outro qualquer, e farei tudo o que esteja ao meu alcance para aplicar ao sector hoteleiro o tarifário industrial.
No entanto, como compreenderá, há outras considerações a ter em conta, pelo que deve entender isto como a opinião e a vontade do Ministro, que será afirmada em todas as sedes em que o processo venha a ser discutido e decidido.
Tive também oportunidade de dizer que compartilho a preocupação de o Algarve, numa primeira fase, não ter sido contemplado com o gasoduto. Como sabe, o gás entra pelo sul do País, mas depois o gasoduto não atravessa a região algarvia. Já disse anteriormente que, em meu entender, mais importante do que ser ou não atravessado pelo gasoduto é ter acesso ao gás em condições similares às de outras regiões do País. A este respeito, o Governo enunciou a orientação de, a partir do momento em que houver gás natural, o gás propanado ter um preço idêntico, para garantir similitude nas condições de abastecimento e de custo.
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No que se refere ao IVA sobre a restauração, não sou um especialista nesta área, e talvez deva ser aqui penalizado por isso, cada um entenderá segundo o seu critério. Tanto quanto me ocorre, o que se entende por restauração, para efeitos de aplicação da legislação do IVA, não é o que se encontra prescrito na lei hoteleira. Penso que há uma classificação de actividades económicas, há um entendimento tendencialmente normalizado sobre essa classificação, e, como cidadão e como Ministro, ao tomar conhecimento de que foi reduzido o IVA sobre a restauração, o meu entendimento «sobre a restauração» é o que decorre da classificação das actividades económicas em uso no país e em sede comunitária. Em concreto, entendo o seguinte: os estabelecimento hoteleiros, no que se refere ao serviço de hotelaria propriamente dita, beneficiam ou mantêm uma taxa de IVA mais reduzida.
Portanto, sempre me vi confrontado com o facto de que, nos serviços prestados por um hotel, a dormida propriamente dita, e o pequeno almoço, quando englobado na dormida, beneficiava de uma taxa reduzida, o que não acontecia com as refeições nos hotéis. É claro que esta modificação a que procedemos se propõe dar resposta parcial a esse problema, ou seja, sobre as refeições servidas nos hotéis passa a incidir uma taxa de IVA de 12%. Responde-se, assim, parcialmente, à reivindicação de harmonização, de que decorreria um benefício em termos de competitividade.
Penso que são também abrangidos os estabelecimentos de restauração lato sensu e, portanto, também aí o argumento da competitividade se vê parcialmente satisfeito.
Peço desculpa, mas, neste momento, confrontado com um estabelecimento preciso, não saberia dizer-lhe se está ou não abrangido pela taxa de IVA de 12%. Creio haver aí aspectos de clarificação a que chamaria muito mais regulamentares e técnico-procedimentais do que políticos. Penso, isso sim, que se deve proceder a essa clarificação e chamarei a atenção dos serviços próprios para a necessidade a fazer. Julgo que dificilmente o Ministro, neste momento, poderia estar a dizer, estabelecimento a estabelecimento e serviço a serviço, se beneficia ou não da taxa intermédia.
Vou passar agora às questões que me foram colocadas pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho. Peço-lhe desculpa, porque foi o primeiro e acaba por ser o último a obter respostas,...
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): — Já respondeu a algumas!
O Orador: — Já, mas vou responder às outras. E não é certamente por menos consideração, como sabe.
Em primeiro lugar, a questão da AUTOEUROPA. A este respeito, Srs. Deputados, apelo de novo à objectividade e à racionalidade possíveis. Um projecto como o da AUTOEUROPA é, certamente, controverso. É ainda um projecto mais controverso quando sabemos os meios públicos que a ele foram afectados e os auxílios públicos que aí foram despendidos. Mas é inquestionável que um projecto como este traz um contributo muito significativo para o vaior acrescentado industrial e para as exportações. Não o traz, infelizmente, para o emprego, e essa é uma questão, seguramente, muito importante. Estes sectores têm uma capacidade de criação de postos de trabalho que não se compara à dos sectores tradicionais, mas, em termos de valor acrescentado e de exportações, são sectores muito consideráveis.
Tanto quanto é do meu conhecimento, a AUTOEUROPA propõe-se atingir, em 1996, a velocidade de cruzeiro. E isso que me é transmitido pela administração da AUTOEUROPA. O atingir dessa velocidade de cruzeiro deverá traduzir-se, em 1996, num incremento de facturação que não será inferior a 1,5% do produto interno bruto, ou seja, a AUTOEUROPA, por si só, contribuirá para um aumento das exportações portuguesas, em 1996, na ordem de 1,5% do PIB. Se as exportações andarem erh cerca de 50% do PIB — e não andarão muito longe disso —, tal significaria que a AUTOEUROPA, por si só, contribuirá para um aumento das exportações de cerca de 3%. É esse o efeito esperado da AUTOEUROPA, em torno dos 225 milhões de contos de facturação: 1,5% do PIB e 3% das exportações.
Quanto às questões sobre as regiões de turismo e os mercados abastecedores, já as respondi. Ficaram pendentes as questões do PROCOM, do imposto automóvel sobre os veículos de trabalho, da COSEC, das bolachas e dos sumos de fruta.
Em relação ao imposto automóvel sobre os veículos...
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): — Sr. Ministro, peço desculpa por o interromper, mas queria apenas encerrar a questão da AUTOEUROPA.
O Sr. Ministro fez esse cálculo a partir da facturação estimada de 225 milhões de contos.
O Orador: — Mais do que o ano passado. No ano passado, exportaram mais de 100 milhões de contos e aproximar-se-iam dos 350, penso eu.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): — Mas essa é a facturação bruta.
O Orador: — Sim, sim.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): — Há que deduzir as importações...
O Orador: — Sr. Deputado, o efeito que isto tem, em termos de valor acrescentado, é menor. O efeito que tem nas exportações mede-se pela facturação bruta, só que tem uma implicação nas importações. Fará subir as exportações cerca de 3%. Fará subir as importações na medida da componente importada. Mas eu gostaria de referir que a AUTOEUROPA está confrontada com um contrato de investimento segundo o qual os benefícios de que aproveitará, vindos do Governo português, dependerão da componente nacional. Portanto, o próprio contrato faz incidir sobre a AUTOEUROPA a pressão de, no mínimo, 60% da facturação corresponder a valor acrescentado nacional.
Eu diria que o aumento de 3% das exportações, decorrente do projecto em si, é um valor objectivo. Sobre o produto interno bruto, se a facturação é 1,5% do PIB, se 60% é valor acrescentado nacional, diria que a AUTOEUROPA contribuirá, por si só, para um crescimento de 0,9% do produto interno bruto deste ano.
Em relação ao imposto automóvel, do ponto de vista do Ministro da Economia, não pode haver outra resposta que não seja a de que um veículo de trabalho deve ser menos tributado. E ponto final! Este é o meu lugar e, visto daqui, acabaria aqui.
Sr. Deputado, penso que em áreas como estas, encontramos com facilidade situações que são tudo menos claras e se prestam a alguma dificuldade de aplicação de
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critérios que decorreriam linearmente de apreciações como a que fiz.
Tanto quanto julgo saber, todo o problema decorre da dificuldade em esclarecer onde acaba a utilização, eu diria, industrial e onde começa a utilização doméstica.
O Sr. Deputado cumpre o seu papel e eu cumpro o meu. Fez-me a pergunta muito bem, e acho que lhe respondi também muito bem. Agora, posta a questão assim,...
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): — Estamos os dois conscientes!
O Orador: — ... reconhecendo as razões do Sr. Deputado e fazendo o Sr. Deputado o favor de reconhecer as minhas, por-nos-íamos de acordo em que há uma dificuldade de aplicação que é iniludível. O Sr. Deputado sabe e eu também sei. Se a questão fosse assim tão clara, o imposto sobre os veículos automóveis usados em trabalho já teria sido reduzido. Por não ser tão clara é que ainda não o foi, Sr. Deputado.
Já agora, se me permite, esta é das questões que deveriam ser colocadas ao Ministério das Finanças, porque talvez tenha alguma coisa...
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): — Sr. Ministro, apresentámos já uma proposta nesse sentido, com uma redacção que poderá ajudar a encontrar uma solução de controle...
O Orador: — Creio que todas as ajudas que resolvam problemas colectivos não poderão deixar de ser bem-vindas. Portanto, não deixará de ser considerada a sua proposta.
A revisão que fizemos no PROCOM foi no sentido de incrementar os apoios e facilitar o acesso, não se tendo ido ao ponto de eliminar mínimos de acesso. Continuamos a pensar — pode estar mal, mas é a nossa apreciação e o nosso critério — que instrumentos como estes não devem ser reservados a operações abaixo de determinados mínimos críticos. Aliás, como sabe, o PROCOM subentende a intervenção do sistema bancário; uma parte dos incentivos ligados ao PROCOM consiste em bonificações de juros para operações de financiamento dos estabelecimentos comerciais no sistema bancário e penso que esta lógica aponta para mínimos críticos.
Portanto, há um abaixamento dos limiares de acesso, mas não há uma eliminação do...
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): — Mas para quando, . Sr. Ministro?
O Orador: — Sr. Deputado, não tenho aqui o valor, por isso, não posso responder-lhe.
Falta responder à questão da delimitação em definitivo de quais são os produtos a que se aplica a taxa de 12%.
Tanto quanto sei, encontra-se adquirida uma redução da taxa para as conservas de carne, as conservas de frutos e hortícolas, as flores e plantas ornamentais e os frutos secos. Julgo que a questão das bolachas e dos sumos de frutos poderia ser considerada na reunião especializada com o Ministério das Finanças.
Sr. Deputado não tenho qualquer dúvida de que são as considerações de equilíbrio global e a atenção que não pode deixar de se prestar ao aspecto de receita que os impostos têm que poderão limitar ou moderar a aplicação
desta taxa, porque, não fossem essas considerações, certamente o Governo teria ido mais longe, tanto no abaixamento da taxa como no alargamento da sua incidência.
No que se refere à questão da COSEC, já tive oportunidade de lhe dizer que é uma instituição que não tutelamos, pelo que não nos cabe a responsabilidade na elaboração desse orçamento. Assim, peço-lhe o favor de colocar a questão ao Sr. Ministro das Finanças.
Srs. Deputados, isto é o que se me oferece dizer. De facto, como disse no início à Sr.a Presidente, preferi que começassem por me colocar todas as perguntas, para poder responder globalmente, mas; por favor, por mim, não se sintam limitados. Caso pretendam algum esclarecimento adicional que eu possa prestar, e se a Sr.a Presidente o consentir, estou ao dispor.
A Sr." Presidente: — Sr. Ministro, como não tenho qualquer inscrição...
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): — Sr." Presidente, gostaria que a Sr." Secretária de Estado do Orçamento esclarecesse a questão precisa que coloquei sobre a queda eventual da receita fiscal, devido à incidência da taxa de 12%...
A Sr." Presidente: — Sr. Deputado Lino de Carvalho, ia exactamente dar a palavra à Sr." Secretária de Estado do Orçamento, para ela poder responder às questões que lhe foram colocadas.
A Sr.° Secretária de Estado do Orçamento (Manuela Arcanjo): — Solicitei a intervenção à Sr.a Presidente para responder a duas questões que me foram directamente colocadas há pouco.
A primeira foi uma solicitação do Deputado Rui Rio, manifestando o interesse de a Comissão ter informação sobre a execução do Orçamento de Janeiro/Fevereiro. Sr. Deputado, assim que tiver esses dados, disponibilizá-los-ei de imediato.
A outra questão que me foi colocada relaciona-se com o IVA turístico. Sr. Deputado, o valor de 1995 foi de 8,1 milhões de contos.
Relativamente a questões que o Sr. Ministro da Economia considerou — e muito bem — de matéria financeira ou fiscal, solicito ao Sr. Deputado Lino de Carvalho, ou a outros que também as colocaram, que as coloquem novamente na reunião a realizar no próximo dia 12 com o Ministério das Finanças, onde estará toda a equipa.
A Sr." Presidente: — Sr. Ministro da Economia, agradeço a sua presença nesta reunião.
Peço aos Srs. Deputados que façamos algum esforço para não recomeçarmos a reunião muito depois das 15 horas, pela simples razão de que os nossos trabalhos de hoje se prolongam pela noite.
Está suspensa a sessão.
Eram 13 horas e 55 minutos.
Srs. Deputados, está reaberta a sessão. Eram 15 horas e 40 minutos.
A Sr.a Ministra do Ambiente vai começar por fazer uma exposição inicial e depois seguir-se-ão as pergunta?.. Tem a palavra, Sr.° Ministra.
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A Sr." Ministra do Ambiente (Elisa Ferreira): — Sr.* Presidente, Srs. Deputados: Vou fazer uma breve apresentação de alguns dos pontos fundamentais do Orçamento do Estado e do PIDDAC quanto ao Ministério do Ambiente.
O ambiente é, de/facto, uma das áreas que, no contexto do presente Orçamento do Estado, apresenta alguma valorização qunto a média geral de crescimento das despesas, quer de funcionamento, quer de investimento. De facto, considerando a despesa do Estado nos seus valores globais, enquanto a média das despesas aumenta em 6%, o ambiente tem um acréscimo na ordem dos 23%. Relativamente ao Orçamento do Estado, sem incluir o PIDDAC, o aumento é da ordem dos 18%. Isto corresponde a um acréscimo de peso que, como se disse, na média global, será da ordem dos 23%, o que não quer dizer, na maior parte dos casos, que haja um acréscimo em termos de valor absoluto substancial.
No caso do ambiente, também em termos de valor absoluto, podemos considerar que há uma situação altamente favorável, na medida em que, de um orçamento na ordem dos 35 milhões de contos, neste momento, passamos para um de 43 milhões de contos, incluindo o orçamento quer de investimento quer de funcionamento.
Neste quadro de algum crescimento quanto aos valores médios de funcionamento da Administração, consideramos que o ambiente foi globalmente privilegiado, diria, embora se considere que, dadas as carências que temos devido aos problemas que há para resolver e as necessidades que se nos colocam, qualquer aumento seja insuficiente.
Gostaria também de realçar o facto de, à partida, no quadro geral das despesas públicas da Administração portuguesa, o peso do ambiente ser ainda muito reduzido.
Em relação à despesa total, o nosso peso é de menos de 1%. É nesse quadro que podemos falar de acréscimos de envolvimento, de participação, mas, de qualquer modo, o ambiente é, de facto, algo de muito marginal relativamente aos grandes consumidores de dinheiro em termos nacionais.
No que toca ao PIDDAC total, o peso do ambiente cresce, mas também aí a níveis muito reduzidos. Isto é, passa-se dos 3,8% para os 4,2%. É um acréscimo importante, no entanto, trata-se de uma verba que, de si, é ainda relativamente pequena.
Dito isto, gostaria também de sublinhar que nem todas as acções do Ministério do Ambiente passam por um reflexo directo em termos de Orçamento do Estado e PIDDAC, porque há uma quantidade de acções áo nível do ambiente, algumas delas bastante importantes, que bebe fundamentalmente dos fundos comunitários, quer do fundo de coesão, quer do programa operacional do ambiente, para os quais a contrapartida é muitas vezes autárquica, de privados, de associações de municípios, ou empresarial. Não se esgota no PIDDAC e no Orçamento do Estado a totalidade da intervenção do Ministério do Ambiente.
Outra nota que gostaria de deixar diz respeito ao facto de dentro deste quadro haver algumas alterações de rubricas que significam posturas diferentes e estratégicas do Ministério.
Algumas propostas de fundo foram apresentadas já no âmbito das Grandes Opções do Plano e de vários outros
textos que, entretanto, têm sido divulgados, apresentados e discutidos, mas acontece que no próprio quadro do Orçamento algumas opções, as que têm uma expressão mais de carácter financeiro, aparecem reflectidas, pelo que gostaria apenas de as realçar muito rapidamente.
Uma das linhas em que há um reforço substancial das apostas deste Ministério é na relacionada com o trabalho nas zonas costeiras e bacias hidrográficas. Comparando a estrutura de 1995 com a de 1996, notamos uma alteração bastante substancial do peso destas áreas.
Há a preocupação do lançamento dos conhecidos planos hidrológicos, tanto o nacional como os de bacia, e com todo o trabalho previsto na orla costeira nacional, que justifica este aumento e este reforço; há uma gestão de resíduos, que representa uma linha orçamental bastante pequena quanto ao que passava além dos projectos de incineradoras e que é uma linha nova de PIDDAC que está lançada.
Gostaria ainda de referir a continuação e o reforço dos investimentos relativos ao Instituto Nacional da Água, que em parte corresponde à continuação de grandes obras, algumas das quais já iniciadas no passado, e ao início de outras obras e comparticipações que também justificam este tipo de reforço.
Há a salientar também o reforço dos contratos-programa regionais, o que significa uma aposta. Nesta área o aumento é de 118%, é um aumento bastante substancial, que retrata a vontade de articular com os municípios, com os agentes locais, uma série de projectos e de acções de desenvolvimento ambiental.
A conservação da natureza é uma das áreas que se mantém em termos de valores globais, o que não quer dizer que não haja algumas subáreas revalorizadas, nomeadamente no que diz respeito ao litoral, como sempre, e aos estudos previstos de lançamento e primeira fase dos parques naturais do Douro internacional e do Tejo internacional, que não vão dar origem a grandes despesas no próximo ano porque ainda estão na fase preliminar, de estudos, mas, em anos seguintes, naturalmente, gerarão despesas importantes.
Genericamente, não tentei esgotar, de maneira alguma, o que se pode ler e inferir da informação disponível mas apenas traçar as grandes linhas aqui contidas e salientar três ou quatro pontos, sem a preocupação de os esgotar, que, como disse e repito, dizem respeito apenas às acções que geram despesas, sendo algumas delas muito vultosas, enquanto outras são pouco representativas.
Uma última nota que gostaria de deixar diz respeito à preocupação que o Ministério do Ambiente tem em reforçar, tal como aparecia referido no Programa do Governo e aparece depois nos textos subjacentes à preparação do PIDDAC e o Orçamento do Estado, as direcções regionais do Ministério e a sua estabilidade.
De facto, o Ministério tem uma rede dispersa pelas regiões, por todo o País, e é impossível intervir em termos ambientais a partir apenas dos centros de Lisboa. Assim, essas são também algumas das áreas ou rubricas que maior acréscimo recebem neste contexto, e que dizem respeito a uma tentativa de reforçar e melhorar a qualidade e de viabilizar a representação do Ministério do Ambiente ao nível das regiões, que está bastante depauperada.
Em termos gerais, deixo estes pontos como quadro de referência para uma conversa, estando, naturalmente, à vossa disposição para quaisquer esclarecimentos adicionais.
A Sr.* Presidente: — Srs. Deputados, antes de mais, quero referir que assiste aos trabalhos desta Comissão um grupo de alunos da Escola de Ensino Básico 2.3 José Sanches, de Alcains.
Para eles peço a vossa habitual saudação.
Aplausos gerais.
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Tem a palavra o Sr. Deputado José Junqueiro.
O Sr. José Junqueiro (PS): — Sr." Presidente, Sr." Ministra do Ambiente, quero fazer uma observação e três perguntas sobre os motivos que hoje nos reúnem nesta sessão de trabalho.
Uma primeira observação decorre da análise feita entre as propostas de lei n.os 9/VTi e 10/VTÍ, segundo a qual esta última traduz bem o conjunto de intenções enunciadas na primeira, formando um todo coerente, que se traduz num acréscimo muito significativo e inelutável do esforço do Governo relativamente a toda a política que tende a desenvolver para o ambiente.
A primeira questão tem a ver com a Associação de Municípios do Planalto Beirão e tem como objectivo saber concretamente qual é a situação em que se encontra, neste momento, o problema e se há ou não acréscimo de municípios nessa mesma associação, acréscimo esse que, eventualmente, se tenha registado nos últimos tempos.
A segunda questão relaciona-se com a lagoa de Óbidos. Ontem mesmo recebemos a Comissão SOS da lagoa de Óbidos, que nos entregou um conjunto de 23 000 assinaturas para pedir a intervenção urgente do Governo nesta matéria* Gostaria que a Sr.° Ministra nos desse algumas informações sobre o assunto, uma vez que fiquei de entregar este conjunto de assinaturas que foram recolhidas por esta comissão.
Terceira e última questão: atendendo à dinâmica que se pretende implementar no sector, qual é a perspectiva do Ministério relativamente ao pessoal que constitui toda a estrutura funcional e que se encontra nas regiões, sabendo-se que muito dele tem uma contratação no regime de recibo verde? Há ou não intenção do próprio Ministério de regularizar esta situação, por forma a dotar a estrutura de maior solidez e funcionalidade?
A Sr.° Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho.
O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD). — Sr ." Presidente, Sr.' Ministra e Srs. Secretários de Estado, quero colocar algumas questões relativas a estes documentos que estão aqui em apreço, em particular sobre alguns projectos de que V. Ex.° falou e que, nos últimos dias, têm vindo a ser referidos.
No que se refere às estações de tratamento de águas residuais, sei que a Junta Metropolitana de Lisboa fez uma proposta no sentido de incluir um conjunto amplo de estações de tratamento de águas residuais para apoio em termos de orçamento do Ministério do Ambiente ou através de fundos comunitários, do Fundo de Coesão ou mesmo do Programa Operacional do Ambiente. Sobre o assunto, já fiz, recentemente, um requerimento ao seu Ministério, não me tendo sido dada uma resposta concreta sobre tal aspecto, pois a resposta refere a estação de Frielas, mas não se aborda muito em concreto as possibilidades ou as expectativas de concretização de algumas dessas estações, por isso pergunto à Sr." Ministra se, dentro deste Orçamento, já há alguma capacidade para isso.
Por outro lado, queria que se pronunciasse sobre uma informação, recentemente vinda a público, sobre a construção da variante à estrada nacional n.° 10, que teria, eventualmente, sido embargada pelo Ministério do Ambiente — não sei se o foi ou não. Creio que esta questão está relacionada com a Expo 98 e com acordos com a Câmara Municipal de Loures e também com a estação de incineração de S. 3oão da Talha.
Porque se trata de uma questão complexa e delicada, tanto em termos ambientais como em termos de expectativas criadas, gostaria de saber qual é, de facto, a posição do Ministério do Ambiente. Era bom que nos esclarecesse para sabermos como é que esta situação irá evoluir no futuro próximo.
Uma terceira questão tem a ver com o que a Sr.° Ministra aqui disse, e que registei, sobre o reforço das direc-ções-gerais do Ministério do Ambiente. Este reforço, como a Sr." Ministra e todos nós sabemos, está associado às cinco regiões-plano do continente que estão em actividade, dependentes algumas do Ministério do Planeamento e da Administração do Território e outras do Ministério do Ambiente, e também a outras regionalizações deste género dependentes de outros Ministérios.
Como sabemos que há intenção do Partido Socialista de avançar com um projecto de regionalização do País, pergunto-lhe se isto não vem em contradição com esse projecto ou com outros que, eventualmente, virão a ser consensualizados com alguma outra força política e se isto não é ir andando para um lado e, depois, ter de repensar-se toda esta estrutura em função dessa evolução que a Sr." Ministra acabou de transmitir.
A Sr." Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Calçada.
O Sr. José Calçada (PCP): — Sr." Ministra, o Sr. Deputado José Junqueiro já abordou a questão, de qualquer modo, como também recebemos a Comissão SOS — é um nome dramático, mas é capaz de fazer sentido — para o Salvamento da Lagoa de Óbidos, gostaríamos de obter algumas informações adicionais.
O problema da lagoa de Óbidos arrasta-se há nada mais nada menos do que 500 anos. É evidente que vou poupar a Comissão a um historial desde as actas das cortes dessa época até este momento, sendo certo que, no plano imediato, só tive conhecimento disso em termos históricos há dois dias, portanto seria também estar aqui a arrogar-me uma cultura que não possuo sobre esse problema.
A lagoa de Óbidos, para além da sua valência de natureza económica ou social, uma vez que dela dependem directamente 300 famílias, que se dedicam à pesca e à piscicultura na área da lagoa, possui, ela mesma, em termos ambientais, um valor que, de todo em todo, deve ser preservado. A lagoa tem graves problemas de assoreamento, derivado da progressiva ocupação humana e industrial e também de se ter transformado com o tempo num autêntico vazadouro dos esgotos da área, particularmente de três concelhos. Mas, como sabe, além desse assoreamento interno, a lagoa tem um problema de ligação ao mar, que também é muito antigo.
Parece existir um dossier — e digo parece porque a Comissão que tivemos o gosto de receber diz que existe, mas ela própria não o conhece, pelo que aproveito para informar a Comissão de que, a pretexto disso, vamos solicitá-lo para saber se, afinal, existe ou não — que teria sido apresentado em Bruxelas, por iniciativa autárquica ou transautárquica da área, no sentido de serem recebidos alguns fundos, sempre os velhos fundos de Bruxelas, que, somados à fundos nacionais, pudessem contribuir para a acção decisiva de salvamento da lagoa de Óbidos e também da baía de S. Martinho do Porto.
Ora, pergunto à Sr." Ministra o que há, de facto, sobre esta matéria, se é que há alguma coisa, e se, por exemplo, esse fantasmático dossier não é apenas isso. Pedia-lhe que nos informasse do que se passa.
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Segunda questão: o^ue é que há em torno do tratamento dos lixos hospitalares em Lisboa e no Porto, uma vez que, com frequência, têm aparecido na imprensa referências a esse respeito, mas em termos concretos não vimos consignada em PIDDAC qualquer verba nesse sentido?
Finalmente, permitindo-me agora, já não no ámbito nacional mas no âmbito do distrito do Porto, como Deputado eleito pelo distrito, usar dessa possibilidade, pergunto à Sr." Ministra por que é que nada aparece — e quando digo nada é mesmo nada!
Vou fazer um parêntesis, se me permite. Não posso deixar de dar o benefício da dúvida à Sr.' Ministra num aspecto: é que se há ministério qué é transversal esse é, sem dúvida, o Ministério do Ambiente, portanto, admito que, por vezes, pode não ser tão simples assim a leitura dos investimentos nesse domínio, porque estes podem não aparecer compactados e isolados.
Mas já com essa margem, parece-me — e digo parece-me com algum cuidado — não existir nada em termos de PIDDAC no que se refere no Porto, à despoluição dos rios Douro, Leça, Sousa, Ferreira, Tinto e Torto. Enfim, Sr.° Ministra, já não falo do Leça, falo do próprio Douro! Qualquer dia o Douro só é bonito nas fotografias e enquanto a tecnologia não puser cheiro nas fotografias; quando isso acontecer, a ribeira do Porto deixa de poder ser, além de visitada, visualizada. Esperemos, portanto, que a tecnologia não chegue aí ou que, quando lá chegar, o Porto já esteja mais limpo, o Porto-rio!
Existe também o problema da defesa das serras de Santa Justa e de Pias e a protecção e reflorestação da Serra do Marão. A Sr.° Ministra sabe perfeitamente que o Marão foi severamente maltratado, há três anos atrás, em termos de incêndios florestais. A serra do Marão, ao contrário do que muita gente pensa, é quase toda ela artificialmente florestada, mas no bom sentido. Fez-se, há muitos anos atrás, um excelente trabalho na serra do Marão, que, em grande medida, foi queimado e, por isso, é importante recomeçá-lo, porque olhamos para o Marão e o mínimo que se pode dizer é que nos causa uma grande dor.
Por outro lado, também não se vê qualquer avanço concreto em termos de PIDDAC no que se refere à construção da ETAR em Rebordosa e ao Programa de Defesa do Litoral da Área Metropolitana do Porto, que também chegou a ser equacionado. Gostava, por isso, que me informasse sobre a situação destes projectos, tendo em conta a ressalva que tive o cuidado de introduzir no início da minha exposição.
A Sr.° Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr." Deputada Isabel Castro.
A Sr.° Isabel Castro (Os Verdes): — Sr." Presidente, Sr." Ministra do Ambiente, gostaria de ver esclarecidas algumas questões concretas.
Em relação à questão da lagoa de Óbidos, gostaria que a Sr." Ministra precisasse na sua resposta os exactos termos em que a intervenção vai ser feita, na medida em que estarão elaborados estudos caracterizadores e, não havendo expressão orçamental, o problema só será resolvido, eventualmente, pela via da aceitação de uma proposta, não sendo aceitável, digamos, dilatar mais no tempo esta situação.
Mas há ainda outras questões que os meus colegas não colocaram e que Os Verdes gostariam de ver melhor «aduzidas. Por exemplo, nas Grandes Opções fala-se ge-
nericamente na conservação da natureza, mas não vemos que, quer em relação às áreas protegidas no seu conjunto, quer à REN, exista a expressão dessa preocupação, antes pelo contrário.
Como a Sr.° Ministra referiu apenas a criação de novas áreas protegidas e aquilo que vemos em relação as existentes são cortes muito significativos no seu conjunto, particularmente em algumas do distrito de Lisboa e Setúbal, em que isso é óbvio, gostaríamos de saber como é que compatibiliza esse propósito com uma redução tão drástica a este nível.
Em relação a acções estruturantes no domínio do ambiente, designadamente a formação científica e o desenvolvimento tecnológico, que me parece uma questão importante, com o atraso enorme em que o nosso país se encontra, era suposto que esta fosse uma questão essencial. Se se pretende, como se diz, resolver o problema dos resíduos, designadamente fazer transformações ao nível dos processos produtivos e caminhar para a redução e para a poupança, havia que encontrar também tradução disto no domínio da investigação, o que não nos parece que esteja a ser feito.
Há outros aspectos que gostaríamos de ver clarificados e em relação aos quais há cortes significativos, tendo como base o Orçamento de 1995, que mantemos e que, como dizíamos no passado, é pobre, frouxo e que já, em si próprio, significava que o ambiente era uma área perfeitamente marginal nas preocupações ambientais e que, por falta de capacidade de concretização do anterior executivo em relação aos investimentos, ainda teve mais cortes em termos rectificativos. Ora, se estamos a comparar com uma base de partida já de si baixa, que mesmo assim não foi cumprida, como é que há descidas em termos de requalificação do litoral, em termos das intervenções também no litoral e como é que a protecção, conservação e valorização do património do domínio público hídrico tem uma outra expressão que não aquela que vinha do passado?
Penso que nesta fase do debate aquilo que poderia ter utilidade era não tanto repetir preocupações em relação às quais mais ou menos no essencial já todos tivemos possibilidades de nos expressarmos mas saber que alterações ê que nestes domínios o Governo está ou não na disposição de vir a aceitar.
Por último, uma informação em relação à despoluição da costa do Estoril, que não tem a ver exactamente com verbas. Do ponto de vista técnico, qual é a solução e o grau de tratamento que esta despoluição vai ter?
A Sr." Presidente: — Para responder a estas primeiras questões, tem a palavra a Sr." Ministra do Ambiente.
A Sr." Ministra do Ambiente: — Sr." Presidente, tenho aqui uma grande lista de questões, mas vou ver se consigo responder a todas, sendo que algumas são comuns, designadamente a que se refere à lagoa de Óbidos.
Esta é, de facto, uma das áreas de grande preocupação deste Ministério, por isso, neste momento, tenho em curso uma análise dos estudos técnicos feitos no passado sobre as soluções que foram preconizadas.
Não gostaria deixar de referir, no entanto, que a lagoa de Óbidos recebeu uma intervenção no ano passado da ordem dos 400 000 contos e, portanto, há, de facto, qualquer coisa que se fez, mas que, pelos vistos, não resultou. Isto significa que, antes de se fazer nova intervenção cara que a lagoa de Óbidos não se transforme num sorvedouro
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sistemático de dinheiro, que, pelos vistos, não é produtivo, é preciso avaliar por que razão a intervenção do passado não resultou. Se é uma questão técnica ou se aquilo foi uma intervenção de superfície e se este ano é preciso fazer outra, então, é preciso coordená-la ou integrá-la numa intervenção estrutural.
Como esta pergunta foi feita sobre vários cambiantes, desde o Sr. Deputado José Junqueiro, ao Sr. Deputado José Calçada e à Sr." Deputada Isabel Castro, a resposta para todos é que o assunto está a ser estudado tecnicamente, no que diz respeito sobretudo à abertura e manutenção das aberturas para o mar. Não é um assunto liminar, de decisão imediata, pois é preciso ver o que é que correu mal e qual é a modificação estruturante que se pode fazer nessa área.
No que diz respeito à situação da Associação de Municípios do Planalto Beirão, devo dizer que ela vai ter a questão dos resíduos sólidos tratada através de um aterro controlado. Pensamos que outros municípios poderão juntar-se a este processo e a esta solução. Estamos a financiar esse investimento através do Fundo de Coesão, por isso esperamos que a solução deve estar pronta a tempo de, no próximo ano, começar a funcionar.
No que diz respeito à questão colocada pelos Srs. Deputados José Junqueiro e Fernando Pedro Moutinho sobre as direcções regionais, devo dizer que, no que diz respeito à estrutura ou alcance regional de cada uma das direc-. ções regionais, naturalmente, num processo de regionalização, será esse próprio processo de regionalização que deverá originar alguma reestruturação espacial dos serviços de todos os ministérios, isto é, da desconcentração ministerial.
Neste momento, pensamos que o que temos deve funcionar melhor e estamos mais preocupados com isso do que em antecipar, enquanto não estiver devidamente traçado o quadro em que a regionalização vai ocorrer, que é da competência da Assembleia, como já foi várias vezes referido pelo meu colega do Planeamento. Portanto, à medida que o processo de regionalização se for operando, não só os serviços regionais deste Ministério mas também de todos os outros deverão, em função das competências delegadas ou não nas regiões, serem eles próprios reestruturados.
Penso que se trata de uma questão de fundo que precisa de ser pensada, mas à qual, neste momento, não posso responder, como é natural. Neste momento, aquilo que pretendo e que tentei sobretudo reproduzir no orçamento, porque, enfim, são despesas de funcionamento, é que o aumento de despesas inscritas no orçamento procure, para já, obviar a situações que já têm ocorrido no passado, que é as direcções regionais fecharem, isto, é, ficarem sem luz, sem água e sem telefones, por falta de pagamento. Estas coisas não podem acontecer e, por isso, estamos a tentar que não aconteçam, daí que seja com muitos bons olhos que reforçamos as verbas relativas a essas intervenções.
Há uma outra questão de fundo que foi colocada pelo Sr. Deputado José Junqueiro, que tem a ver com o exercício de funções de Estado, isto é, fiscalizações, concessões de licenciamento, autorizações, etc, que muitas vezes são feitas com o apoio excessivo, á nosso ver, de'funcioná-rios que estão a recibos verdes. Trata-se de um problema geral da Administração, mas em questões, como as ambientais, onde frequentemente há responsabilidades civis e criminais associadas, estas situações ganham um alcance adicional. Neste momento, o Ministério luta com o facto de ter mais de 400 funcionários a recibo verde para
o exercício das funções quase rotineiras e quotidianas, o que é altamente preocupante.
Relativamente à questão do tratamento de águas residuais, comecei a perceber a questão associada a Setúbal, mas não sei se dizia respeito a Setúbal se a Lisboa.
No que diz respeito a Lisboa e às áreas costeiras as soluções preconizadas têm apoio comunitário.
Mais a sul, na península de Setúbal — penso que é um assunto que foi tratado e alguns Deputados já o levantaram informal ou formalmente —, há, de facto, 23 propostas para estações de tratamento de águas residuais que nos foram apresentadas todas de repente. Pensamos que essa solução precisa de ser revista, por ser impossível que se espalhem tantas estações de tratamento. Aquilo que recomendamos — e a Associação de Municípios ficou de fazer uma proposta — é que se tome em conta não as necessidades teóricas de cada um dos concelhos mas um trabalho de coordenação e de articulação em torno dos veios de água, para se tentarem algumas economias de escala na solução técnica. A partir daí, há, naturalmente, que arranjar espaço para elas entre todos os outros processos que estão em curso, preferencialmente no Programa Operacional do Ambiente. Mas é um assunto que está a ser equacionado nestes termos.
No que diz respeito à estrada nacional n.° 10 e à situação que referiu, devo dizer que a alternativa é um assunto de grande preocupação. Precisamos de uma alternativa ali, isto é, precisamos de um acesso melhor à zona onde está a incineradora do que aquele que existe, mas não podemos permitir que tal solução vá violar objectivos ambientais, como sejam a salvaguarda da zona de sapal.
Já tinham sido detectadas algumas obras, nomeadamente feitas pela CP — e aí as competências misturam-se entre a JAE e a CP —, sem licenciamento e pensamos que isso é negativo sob todos os pontos de vista. Portanto, neste momento, já decorreram e continuam a decorrer trabalhos entre os Ministérios do Ambiente e do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território numa primeira fase. Naturalmente que a seguir serão consultadas as autarquias que têm relação com a questão e a Valorsul para se encontrarem soluções que cumpram os objectivos que se pretendem, sem violar a área protegida do sapal.
Pensamos que já chegámos a uma solução, apenas é preciso testá-la. Mas essa seria, de facto, a solução óptima para evitar que haja qualquer violação dos objectivos últimos de protecção ambiental, porque isso seria complicado e desagradável a todos os títulos.
A situação dos lixos hospitalares é preocupante e o processo passou por várias fases, desde a fase em que haveria alguma articulação entre os hospitais e as centrais incineradoras que estão neste momento em curso nas Areas Metropolitanas de Lisboa e Porto até à fase em que alguns dos novos hospitais que foram criados passaram a ignorar esse pré-acordo e a incluir grandes centrais de incineração dentro dos próprios projectos que estavam previstos para os hospitais.
Tem havido várias conversas e está em curso a solução entre os Ministérios do Ambiente e da Saúde, que vai muito no sentido de, dentro do possível, tentarmos transformar o grande volume de resíduos hospitalares em resíduos equiparáveis aos resíduos urbanos, que, por isso, podem ter uma solução urbana. Oú seja: há métodos, através de tratamentos em micro-ondas, que neutralizam a perigosidade desses resíduos e, portanto, não obrigam a que eles sejam objecto de queima necessariamente. Contudo, há outros tipos de resíduos, que andam na ordem
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dos 30% em termos de volume, mas que, segundo algumas estatísticas, até pode ser menos, que, esses sim, precisam de um tratamento por incineração especial da ordem dos 1200° ou 1300°, para os quais é preciso arranjar uma solução específica, que poderá ser articulada outra vez com os grandes projectos de incineração ou ser objecto de um tratamento específico em centrais específicas ligadas mesmo ao Ministério da Saúde. É um problema que requer uma solução técnica, que já está em curso. Estamos a tentar, dentro do possível, evitar a incineração maciça, fazendo este tipo de separação por tipologias de lixos hospitalares. Como isto está, de facto, em curso, não gostaria de avançar com qualquer solução definitiva.
No que se refere à questão da despoluição do rio Sousa, do rio Leça e de uma série de pequenos projectos existem grandes problemas. Estamos a continuar os investimentos iniciados no passado em grandes áreas, mas, neste momento, em termos de despoluição, o rio Trancão é uma das áreas em que estamos a apostar e a concentrar os nossos esforços. Também estamos a tratar o rio Ave, na sequência de trabalhos que vinham de trás, e continuamos a apoiar o Alviela naquilo que está em curso. É evidente que podemos e vamos continuar a fazer acções estruturantes em determinados rios, mas é preciso fazer escolhas entre várias alternativas.
Em todo o caso, parte destas soluções, nomeadamente as do rio Leça, do rio Sousa, etc. passam por intervenções ao nível dos esgotos camarários e dos esgotos das empresas. Ao nível das empresas estão, como sabe, a decorrer alguns protocolos sectoriais, que estão a ser revistos e reequacionados e, nos casos onde já houve intervenções específicas, está a acelerar-se a exigência sobre as empresas. Noutros casos, naturalmente, estão a decorrer as candidaturas das câmaras municipais ao programa operacional do ambiente e tentaremos dar um carácter integrado e de concentração e articulação à selecção dos projectos.
Portanto, neste momento estamos a tentar acabar as grandes intervenções em curso e, pelo menos nessas bacias, pôr as empresas a funcionar de outra maneira, cumprindo os normativos a fim de, a partir daí, reproduzir a experiência para outras bacias. Contudo, isto não quer dizer que esteja tudo parado até que o processo se inicie em torno dessas bacias hidrográficas.
Falou ainda o Sr. Deputado na reflorestação do Marão. O problema dás florestas é ambiental e é importantíssimo. No entanto, como deve saber, a competência sobre as florestas não está neste ministério mas no da Agricultura, Desenvolvimento Rural e das Pescas e é evidente que se trata de um problema transversal, pelo que o registo e citá-lo-ei junto do meu colega porque, de facto, estamos ...
O Sr. José Calçada (PCP): — Não me cite porque, se não, ele não aceita a ideia!
A Oradora: — Aceita, sim! Tenho a certeza que as boas ideias são aceites independentemente da sua origem.
De facto, para nós, esta é também uma prioridade e gostaríamos de ver o processo valorizado. Simplesmente, desde que acabou o PAF, terminou o projecto que estava em curso e, portanto, era importante que para aí fossem canalizadas verbas.
Devo dizer que uma das áreas onde gostaríamos de ter mais poder e mais competência é a da qualidade urbana, ou seja, a dos parques dentro das cidades. Nesta matéria,
temos recursos muito limitados e só os podemos aumentar à custa de outras acções de redução de intervenção ao nível daquilo que chamamos os tratamentos primários, como seja o saneamento básico, o abastecimento de água, etc.
Mesmo assim, há alguns financiamentos e apoios em curso; simplesmente é uma das coisas que precisávamos de articular porque temos o URBAN e outros programas relativos à qualidade do ambiente urbano e há uma abertura de princípio ao reforço da articulação. Mas, de facto, todas as áreas urbanas, nomeadamente cidades médias, precisam de uma aposta muito grande a nível ambiental e da requalificação urbana que, neste momento, ainda não conseguimos tratar a não ser marginalmente.
Relativamente às questões colocadas pela Sr.° Deputada Isabel Castro, a referente à lagoa de Óbidos já foi respondida e não sei se queria mais algum esclarecimento.
No que se refere à conservação da natureza, não confirmo aquilo que referiu. Em relação ao Orçamento do ano passado, a Preservação e Valorização do Património Natural das Areas Protegidas, por exemplo, tem um aumento de 24% e a Protecção e Recuperação nas Áreas do Litoral tem um aumento de 30%. Portanto, há um aumento substancial nessas áreas, assim como no que diz respeito aos processos de redução e poupança e aos processos industriais.
Acerca das questões industriais, há, neste momento, um aumento da ordem dos cerca de 20% e quanto ao ambiente urbano, mesmo assim, o aumento em intervenções urbanas é da ordem dos 25%, havendo algum reforço. Porém, penso que aquilo que falta em termos de redução e poupança é uma acção muito grande junto das empresas, do mercado. Podemos estimular e criar um quadro mas nem tudo pode ser feito à custa do Orçamento do Estado e penso que seria errado que ele tratasse da redução e da poupança em si, isto é, da reciclagem, da redução e da poupança. Esta não é uma questão de Estado mas de princípio, uma maneira de estar, é uma questão de atitude.
Relativamente à despoluição da Costa do Estoril, como sabe, é um processo que está em curso, sendo o financiamento muito vultoso, e, de facto, é um dos grandes projectos que está a ser continuado na linha do que vem de trás. Na primeira fase, já se gastaram cerca de 20 milhões de contos, o que é muito acima daquilo que estava orçamentado e previsto, sendo um dos projectos que disparou e está muito acima do que estava orçamentado no passado. Neste momento, está em curso a segunda fase, orçada em 14 milhões de contos, que se vem sobrepor a 23 milhões de contos que já lá estão «enterrados».
Portanto, esta nova fase está em arranque físico, digamos assim, e o tipo de tratamento, neste momento, é equivalente a secundário, embora se pretenda chegar a terciário. Na primeira fase, fez-se tratamento equivalente a primário, neste momento está em curso o secundário e para se chegar ao terciário temos de arrancar com uma terceira fase. Porém, temos de ter consciência que, neste momento, se esta segunda fase não se desregular em termos financeiros, já lá estão investidos cerca de 37 milhões de contos e começa a ser necessário que se tenha consciência nacional da repartição relativa de verbas de acordo com as zonas geográficas e os seus problemas.
Por último, teceu comentários relativos ao Orçamento para 1996 face ao de 1995. As taxas que lhe referi de aumento, de cerca de 23%, não estão calculadas sobre o executado mas sobre o previsto em 1995 e, portanto, em todos estes valores que referi no início da intervenção, de
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maneira nenhuma foi utilizado o valor executado, porque se o tivesse sido, então, os aumentos eram muitíssimo mais elevados.
Não tenho aqui o valor do aumento sobre o executado, mas tenho o valor relativo ao Orçamento e ao PIDDAC e as taxas que lhe referi de aumento, de 23%, são relativas aos dois valores somados em relação aos valores iniciais do ano passado e deste ano; não sei exactamente quanto vou executar em 1996, pelo que não comparo executado com executado, mas orçamentado com orçamentado.
É evidente que, no fim do ano passado, tínhamos a taxa de execução, o Orçamento inicial e o suplementar, mas também tivemos receitas suplementares, nomeadamente do ICN e das cobranças do INAG. Assim, não é sobre o valor final que calculo.a taxa mas sobre o equivalente no ano passado e neste momento não faço juízos sobre executar melhor ou pior, embora espere que seja melhor.
A Sr.° Presidente: — Tem a palavra a Sr.° Deputada Teresa Patrício Gouveia.
A Sr ° Teresa Patrício Gouveia (PSD): — Sr.° Ministra, no essencial, penso que as observações que tinha a fazer em relação ao orçamento deste ministério já foram feitas na outra reunião que tivemos e, também no inicial, não posso deixar de estar de acordo com os grandes projectos que são estruturantes da política ambiental porque, fundamentalmente, correspondem ao que estava previsto, no que diz respeito à afectação de verbas e ao próprio enunciado de políticas. Portanto, sobre isso, obviamente, não vou fazer críticas.
Em todo o caso e como nessa altura tive ocasião de dizer, por vezes, parece-me haver alguma ambiguidade na explicitação daquilo que é ou não a continuidade ou a inovação da política do Ministério do Ambiente.
Muitas vezes, a Sr.° Ministra refere, relativamente aos grandes projectos, a herança que temos de honrar, segundo palavras suas. Estamos a falar de grandes projectos que estão financiados, sobretudo pelo Fundo de Coesão, que são os de maior dimensão, como o abastecimento de água ao Porto e ao Algarve, os resíduos sólidos, o tratamento de efluentes, enfim, todos aqueles grandes projectos que estão em curso e que consomem grande parte das verbas do Ministério e gostaria de saber quais aqueles por que o Ministério do Ambiente gostaria de não ter optado, para que fiquemos com uma ideia clara daquilo que é, de facto, a política do Ministério do Ambiente deste Governo, dado que me parece haver sempre alguma ambiguidade relativamente àquilo que é o chamado peso do passado e aquilo que seriam as políticas alternativas deste Governo. Nas grandes linhas, efectivamente, não identifico as grandes inovações.
Por outro lado, pouco se diz em relação à opção que está tomada quanto ao regime jurídico do sector do saneamento e gostava de saber o que o Governo pensa sobre este modelo empresarial.
Sobre qual é a filosofia do Ministério do Ambiente relativamente ao seu relacionamento com a indústria também se diz muito pouco e fala-se em inovação referindo--se a revisão da lei dos impactes ambientais, que é, de facto, uma inovação, se for realizada, embora resulte de uma imposição comunitária.
Noutro dia, referiu-se aqui como inovação o projecto de origens de água, que já tinha sido publicamente anunciado no ano passado, aliás com grande entusiasmo das câmaras municipais envolvidas, porque se trata de com-
pensar a zona do interior do país com os grandes projectos de abastecimento de água já previstos através do Fundo de Coesão.
Também há pouco ouvi a Sr." Ministra referir que, a partir de agora, se iriam encontrar verbas para além daquilo que estava previsto, as relativas aos grandes projectos de incineração, no que diz respeito aos resíduos sólidos urbanos. Como a Sr." Ministra sabe mas talvez não se lembre, porque se não não teria referido esta questão deste modo, os grandes projectos das áreas metropolitanas em matéria de resíduos urbanos contêm, eles próprios, uma componente importante em matéria de reciclagem e, portanto, as verbas que aparecem para esses projectos implicam não só a componente reciclagem mas também o encerramento das lixeiras de todos os municípios abrangidos por esses projectos. Deste modo, não me parece muito certo referir essa ausência de verbas.
Relativamente a projectos inovadores, o Sr. Secretário de Estado tem referido em público, recentemente, alguns outros grandes projectos que já estavam previstos no âmbito do Fundo de Coesão e que não dizem respeito a incineradoras. Portanto, estavam previstas verbas para outras formas de lidar com esta questão dos resíduos, nomeadamente as que dizem respeito à região centro e aquelas que ainda há poucos dias o Sr. Secretário de Estado teve ocasião de referir relativamente ao Algarve e nada disso implica incineração; assim, havia também verbas para outros sistemas e fórmulas.
No que respeita a um projecto que, esse sim, é novo e que aparece no PIDDAC, para erradicação das lixeiras, parece-me que com os 50 000 contos previstos não iremos muito longe e certamente que não é com esta verba que o ministério vai encerrar todas as lixeiras do país, mesmo que seja numa primeira fase, até ao fim deste século.
Das outras questões que gostava de abordar, uma, que é a minha preocupação central, diz respeito à questão da diminuição de verbas para as áreas da conservação da natureza.
Confesso que não fiquei muito satisfeita com a resposta que obtive da equipa governamental na última reunião porque não compreendo, num contexto de subida de verbas do Ministério do Ambiente, como é que há não uma manutenção das verbas disponíveis para a conservação da natureza mas uma baixa clara desses recursos financeiros. O próprio PIDDAC do Instituto de Conservação da Natureza desce e há outras áreas e projectos concretos que são reduzidos, nomeadamente o do Parque Nacional do Gerês, como já tive ocasião de referir, e não vejo qualquer referência ao parque Natural do Vale do Guadiana, que entretanto foi criado.
Por outro lado, também vejo uma diminuição drástica de verbas para aquisição de terrenos por parte do Estado em zonas estratégicas para a conservação da natureza e, apesar daquilo que foi dito sobre as competências recíprocas entre Ministério do Ambiente e Ministério da Agricultura, há um ligeiro decréscimo para verbas destinadas a reflorestação. Ora, como a Sr.a Ministra muito bem sabe, o Ministério do Ambiente, apesar de tudo, tem algumas competências nesta área, de contrário esta rubrica também não estaria no PIDDAC do seu ministério.
Com a redução deste recursos financeiros, como é que se vai implementar o arranque de dois importantes projectos como são os do Tejo e do Douro internacionais?
Quando questionei a Sr." Ministra sobre todas estas matérias, a Sr.° Ministra respondeu-me que há muitas coi-
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sas e é impensável atender a todas as pretensões; porém, não me parece que estas sejam pretensões marginais, excêntricas ou exóticas. Quando se refere o investimento na qualidade de vida da população, nas áreas protegidas e, sobretudo, nalguns parques naturais, como são os grandes planos de investimento que estavam previstos para a Costa Vicentina e para o Gerês, não me parece que isto possa ser considerado marginal, não o considerando como central numa política de conservação da natureza, o mesmo se passando com a reflorestação, etc.
Mudando um pouco de assunto, gostaria de ter algumas informações acerca da questão da organização de funções que competem ao Estado nesta área. A Sr." Ministra referiu noutro dia a sua intenção de «espalhar» o Ministério territorialmente — expressão que tem uma certa ambiguidade e espero que não seja apenas metafórica — e gostaria de saber se isso vai ser feito à custa de aumento do número de funcionários. Reconheço que a questão que referiu dos recibos verdes tem sido uma fragilidade e certamente que é uma situação pouco desejável que considero que seria bom resolver, mas, apesar de tudo, há outros instrumentos de que o Ministério e o Estado dispõe, como seja a delegação de funções através de organismos acreditados para preencherem determinadas funções que o ministério lhes queira delegar. Penso que este seria um instrumento interessante e gostaria de saber se, neste momento, está a pensar-se nele no Ministério do Ambiente.
Tenho também ouvido dizer que o ministério não vai privilegiar a função repressiva em relação à poluição industrial. Parece-me que isto é correcto, mas nunca ouvi uma palavra sobre a questão dos acordos com os sectores industriais; alguns dos quais estão em vigor e outros estavam para assinatura. Gostaria de saber o que é que o ministério pensa nesta matéria e qual a política do Governo, se pretende concretizar esses acordos ou se tem alternativas e quais seriam.
Finalmente, noutro dia, fiquei um pouco perplexa porque ouvi aqui o Sr. Ministro do Planeamento referir a repartição do Fundo de Coesão entre ambiente e transportes. Essa questão tinha já sido referida aqui, noutra ocasião, e assumida pelo Ministério do Ambiente como sendo uma repartição de 50% para cada um, e penso até que o Sr. Deputado Ferreira do Amaral fez uma intervenção sobre aquilo que, na altura, ele desejava mas que nunca foi concretizado, ou seja, que os projectos de transportes ambientalmente positivos fossem contabilizados no sector ambiente, na repartição do Fundo de Coesão.
Foi esclarecido pelo Sr. Secretário de Estado como não sendo esse o caso mas, ontem, o Sr. Ministro do Planeamento, mais uma vez, veio dizer que essa repartição equitativa seria um objectivo que tendencialmente se obteria e voltou a retomar a ideia de que os projectos de transportes que tivessem impactes positivos sobre o ambiente poderiam, eventualmente, vir a ser considerados na quota do ambiente. Assim, gostaria de ser também esclarecida sobre esse aspecto.
A Sr.° Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): — Sr.* Ministra, estamos num debate na especialidade, há questões que já foram abordadas aquando do debate na generalidade e, portanto, ia referir algumas questões bastante concretas.
A primeira é relativa aos parques naturais e gostaria de saber se está nas intenções do ministério incluir o Parque Natural da Serra de Montejunto.
Quanto a uma empresa que julgo que deve ter um papel estratégico no sector da água, em particular na Área Metropolitana de Lisboa, a Empresa Portuguesa de Águas Livres, perguntava que intenções tem o ministério a respeito do estatuto da empresa.
Como é sabido, actualmente, esta é uma empresa privada de capitais integralmente públicos; a empresa antepassada desta, a Companhia de Águas Livres, foi criada no tempo de D. Maria II exactamente para impedir que o abastecimento de água a Lisboa fosse controlado por estrangeiros e esta é uma hipótese que se pode colocar agora, dado que este sector está altamente interessado em penetrar no mercado da água português e, portanto, gostaria de ser esclarecido sobre esta questão.
Ainda em relação à EPAL, faz parte do seu Plano Director, como também é sabido, um projecto de construção de uma grande conduta — o equivalente à CREL — que garanta o abastecimento de água particularmente à margem norte. Tanto quanto sei, não aparecem sinais de apoio por parte do Orçamento do Estado a este projecto e, naturalmente, pode haver alguma capacidade de autofinan-ciamento da empresa por outras vias. Assim, perguntava à Sr.* Ministra que intenções tem a respeito desta questão.
Ainda sobre projectos da EPAL, gostaria de saber que intenções tem em relação à sua extensão à margem sul do Tejo.
Outra questão, que não tem expressão financeira relevante mas que coloco devido à urgência que julgo ter uma intervenção por parte do Governo, é a relativa à lagoa de Santo André e ao traçado do gasoduto.
Chegaram-me notícias, de que não pude verificar a veracidade no local, de que o gasoduto estaria a ser construído com um traçado que se baseia num estudo de impacte ambiental que não foi previamente aprovado pelo Governo, que é contestado e pode trazer prejuízos à lagoa, pelo que coloco a questão de saber, exactamente, o que se passa nesta matéria.
Para terminar, gostaria de saber qual é a evolução em perspectiva em matéria de normas de qualidade da água. Tendo em conta que se prevê a alteração da directiva comunitária neste plano, qual a expressão financeira que o Govemo prevê para esta matéria e que apoio para que as normas de qualidade, actuais e futuras, sejam cumpridas?
Quanto aos objectivos em matéria de tratamento de efluentes, para o que também se prevê legislação que deve ser extremamente exigente do ponto de vista financeiro, também gostaria de saber quais as questões a colocar.
A Sr.* Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Vieira.
O Sr. Rui Vieira (PS): — Sr.° Ministra, desejava solicitar informações relativas ao ponto da situação do programa de despoluição das bacias do rios Lis e Lena.
Em segundo lugar, peço desculpa à Sr.* Ministra mas tenho de voltar ao tema da lagoa de Óbidos, que é, aliás, um tema recorrente nesta Assembleia e lembro que foi objecto de intervenções, no Plenário, por parte dos Srs. Deputados Manuel Alegre, Narana Coissoró, Lino de Carvalho e de um representante de Os Verdes, ou seja, todos os partidos fizeram variadas explanações sobre esta
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questão, para não falar das diversas intervenções que em sucessivos Orçamentos esta matéria mereceu.
Portanto, este problema constitui uma preocupação de todos os grupos parlamentares e, tanto quanto sei, ele já foi suficientemente estudado, havendo vários estudos que apontam para variadas soluções e daí a sua complexidade.
Não venho aqui pedir uma solução ou medidas imediatas à Sr.° Ministra, porque isso era, de certo modo, injusto. Se o governo do PSD teve 10 anos para estudar o problema e não o resolveu de forma consistente, não posso vir aqui exigi-lo agora, embora seja um dos 23 000 subscritores da petição que há pouco foi entregue pelo Sr. Deputado José Junqueiro ao Ministério de V. Ex.*, pelo que considero que não se lhe pode pedir já uma solução definitiva para esta questão.
Porém, se me permite, volto ao assunto, porque a Sr." Ministra fez uma declaração que não entendi, a qual se prende com o dispêndio que o Ministério do Ambiente fez no ano transacto, de 400 000 contos, em obra de superfície, como a Sr." Ministra disse. Ora, essa obra é inevitável, dada a situação da lagoa neste momento, que é seguinte: a aberta está a fechar e seguramente, com as marés vivas do início da Primavera, ela vai fechar em definitivo, pelo que as obras de dragagem são inevitáveis para que não haja uma mortandade de peixe como algumas que se registaram e para não pôr em risco o equilíbrio daquele ecossistema.
É uma decisão de curto prazo que penso que tem de ser tomada, no sentido de fixar, de uma forma definitiva, a aberta ao mar e resolver de vez o problema da ligação ao mar e o do assoreamento, que é o mais grave. Outra questão é da inevitabilidade da continuação das obras de dragagem, que se vai colocar já com uma acuidade muito grande, tanto quanto sei dentro de um mês, dado que a aberta está praticamente fechada.
A Sr." Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr." Ministra do Ambiente.
A Sr.° Ministra do Ambiente: — Sr.° Presidente, tentarei responder a estas últimas perguntas, mas a intervenção da Sr." Deputada Teresa Patrício Gouveia foi muito longa e não sei se conseguirei responder a tudo, até porque foram feitos alguns comentários e nem tudo foram propriamente perguntas. De qualquer modo, relativamente à questão, que é um pouco recorrente, de que há obras do passado e que, portanto, há que as respeitar, cumprir e continuar, gostaria de sair um pouco deste impasse permanente em que, como essas obras existem e são um facto, por um lado, sou permanentemente acusada de que este orçamento é uma mera continuação do passado e, por outro lado, de que não apresento nada de novo, dizendo-se, ao mesmo tempo, que não se pode deixar de cumprir e onde é que está a obra que foi iniciada. Eu gostaria de saber o que é que aconteceria se, agora, deixasse cair alguma destas obras que estão iniciadas!
Vamos aceitar, de uma vez por todas, que há de facto um conjunto de obras que vêm do passado e que, infelizmente para Portugal, nem todas elas são ajustáveis em função das posturas políticas dos vários partidos, porque também é verdade que, no fim de todos estes anos de fundos comunitários e de consistência na política ambiental, continuamos a ter de suprir as necessidades mais primárias do povo português. Ora, neste momento, é evidente que não podemos evitar fornecer água às pes-
soas e fazer saneamento básico, tal como não podemos evitar fazer uma série de outras coisas. As obras que estão previstas são realmente obras primárias, só que aparecem apenas no fim de um mandato. O que acho lamentável é que a nossa situação ambiental seja esta, com uma permanência do mesmo partido no governo que deu uma clara prioridade às obras de acessibilidades relativamente às intervenções de carácter ambiental e o resultado final que temos é este. Agora, não vou aqui dizer que não é prioritário fazer o abastecimento de água às Áreas Metropolitanas do Porto e de Lisboa ou ao Algarve. É evidente que é prioritário. O que é pena é estarmos em 1995 a fazer isso!
A Sr." Teresa Patrício Gouveia (PSD): — Sr." Ministra, dá-me licença que a interrompa?
A Sr." Ministra do Ambiente: — Faça favor, Sr." Deputada.
A Sr." Teresa Patrício Gouveia (PSD): — Sr." Ministra, como sabe, a grande quantidade de fundos comunitários para o ambiente começou neste II Quadro Comunitário de Apoio e, naturalmente, não se podem resolver em cinco, dez ou quinze, nem provavelmente vinte anos, problemas que se acumulam há dezenas dè anos.
A Sr." Ministra do Ambiente: — Sr." Deputada, não quero entrar em polémica, mas, como também sabe, nós aderimos à Comunidade em 1986 e, dois anos antes, começámos a receber e a poder aceder ao FEDER. Ora, esse programa, já na altura, podia _ser utilizado para infra-estruturas ou de carácter ambiental ou de carácter rodoviário ou outras e, portanto, foi, de facto, uma posição do governo português ter optado por investir mais em infra--estruturas de carácter rodoviário e menos em infra-estruturas de carácter ambiental. É evidente que o Fundo de Coesão veio mais recentemente, mas esse fundo, como ainda há pouco referiu, vem com muito dinheiro, repartido, e foi a Comunidade que veio valorizar o ambiente, porque, até agora, em termos de opções na distribuição dos fundos pré-existentes, nomeadamente do FEDER, que era a grande fonte de financiamento quer em termos de pré--adesão quer depois da adesão, a opção do governo da altura foi sempre, continuamente, no sentido de privilegiar as soluções de acessibilidades em relação ao ambiente. Foi uma opção, podemos discuti-la noutro espaço e noutro fórum, agora, não me venham perguntar, depois, por que é que grande parte do orçamento está condicionado por investimentos de ordem absolutamente primária. É um facto da vida!
Relativamente àquilo que eu teria feito — se a Sr." Deputada quer que entre nessa crítica, porque me puxou para esse campo —, devo dizer que não pretendo, de maneira nenhuma, entrar aqui em polémicas relativas ao passado, porque esse julgamento está feito e não me interessa absolutamente nada. Aquilo que eu, eventualmente, não teria feito seria orçamentar, em termos de fundos estruturais, montantes tão elevados, que agora nos confrontam, em termos de negociações com a Comunidade, com uma taxa de execução do passado da ordem dos 38% em termos de Fundo de Coesão — isso perturba-me e, portanto, certamente não teria orçamentado tanto, não tinha programado dessa maneira (espero fazer melhor e vamos ver se consigo), mas não tenho qualquer pretensão apriorística relativamente a isso — e, eventualmente tam-
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bém não teria optado por algumas soluções técnicas que foram avançadas, nomeadamente nalguns tipos de abastecimento, extraordinariamente massificados, mas, neste momento, não estou sequer em condições de o discutir e, portanto, tomo-os com um adquirido e tento executá-los o melhor possível.
Quanto às questões industriais e à indústria, que foi outro dos pontos que referiu, está já assinado um conjunto de protocolos. A ideia do protocolo é um ideia importante e positiva talvez seja o único quadro em que as coisas podem avançar, mas não posso deixar de referir que, na maior parte dos casos, a existência de protocolos é vista pelas empresas como um período em que estas podem relaxar porque não estão a ser objecto de fiscalização. Como Sinto essa realidade relativamente aos protocolos e, embora a figura em si seja interessante, entendo que é preciso reforçar todo o aspecto de acompanhamento e de exigência do cumprimento da calendarização associada ao protocolo, coisa que, penso, não tem corrido tão bem como podia, pois as empresas continuam a considerar o protocolo um pouco como um espaço para se relaxarem e só, mais tarde, quando, este termina, é que pensam na solução, que se arranjará para aquele tipo de situações.
Quanto à herança do passado, gostaria de dizer — dado que ma citou —, que, quando digo que há uma herança do passado,. não me estou a referir aos grandes projectos que foram iniciados, nem à opção de tratar as questões de cuidados primários. Aquilo a que me referi — e quando me citou gostava que tivesse feito este tipo de reparo — foi aos protocolos que foram assinados nos últimos quatro meses anteriores às eleições, que levaram as autarquias a perceber e a acreditar que tinham possibilidade de, no corrente ano, obterem financiamento para projectos que quase duplicavam o, que estava orçamentado em termos de programa operacional de ambiente para este ano. Aí, sim, deixou-me uma herança — é essa que não lhe agradeço e não a outra dos comprometimentos — que, neste momento, me faz ter o ónus de dizer a uma quantidade de autarquias que, de facto, é impossível financiar tudo o que estava previsto, porque, pelo menos neste ano, isso ultrapassaria em muito os fundos disponíveis. Portanto, a minha referência à herança diz respeito a isto e não a obras que são indispensáveis no caso português.
Colocou ainda uma questão relativa às origens de água e devo dizer que não me lembro de ter dito que a questão das origens de água é uma grande ideia minha. Referi, entre os programas que estão em curso, o financiamento, ao nível do Fundo de Coesão, das origens de água — elas não têm financiamento a esse nível e esse é um programa grande que já foi apresentado. Mas gostaria de lhe dizer ainda que, normalmente, sou suficientemente auto-con-Fianie e faço obra suficiente para não ter de me apropriar de obra alheia. O programa das origens de água não podia ser feito em quatro meses, desde que estou no Governo, portanto, referi-o entre os vários programas que estão em curso e nao como um programa de inovação.
A Sr." Teresa Patrício Gouveia (PSD): — Sr.* Ministra, posso interrompê-la?
A Sr.° Ministra do Ambiente: — Faça favor, Sr.1 Deputada.
A Sr." Teresa Patrício Gouveia (PSD): — Sr." Ministra, o Sr. Secretário de Estado Ricardo Magalhães, quando na reunião se falava daquilo que era continuidade e do
que era inovação, referiu este projecto como estando do lado da inovação. Ora, em contrapartida, não encontro aqui no PIDDAC qualquer rubrica que possa indiciar o seu arranque, nem que seja simbólico. Portanto, as palavras não foram suas, mas tiveram lugar.
A Sr.° Ministra do Ambiente: — Penso que, eventualmente, há aí um equívoco entre o arranque do programa em si e o seu arranque enquanto candidatura à Comissão das Comunidades no âmbito do Fundo de Coesão. De qualquer forma, não haveria qualquer interesse da nossa parte em dizer que o programa em si tinha sido arquitectado nesta legislatura porque ninguém acreditaria, dado ser um programa tecnicamente impossível de executar em quatro meses.
Relativamente à sua consagração financeira, chamo-lhe a atenção para o facto de o INAG ter apenas quatro rubricas, onde não há, de. facto, uma desagregação suficiente para incluir aqui, especificamente, cada um dos programas que contem, mas a sua dotação sobe 29% em termos orçamentais relativamente ao passado, havendo, por exemplo, protecção, conservação e valorização do domínio público hídrico, que é um conceito bastante alargado, e construção e reabilitação de infra-estruturas hidráulicas, em que a primeira sofre um aumento da ordem dos 73%. A gestão integrada dos recursos hídricos sobe 55%, havendo um reforço substancial da dotação do INAG, onde há uma série de programas que não aparecem com a desagregação suficiente, mas esse é um problema de elaboração do próprio PIDDAC e, no próximo ano, tentaremos fazê-lo mais desagregado. No entanto, como pode calcular, estão aí contidas estas e outras acções.
Quanto às questões que referiu sobre o ICN, já respondi a parte delas, mas se há uma caracterização que se pode fazer ela é a de que o ICN não aumenta a sua ponderação em termos percentuais, isto é, tem aproximadamente o mesmo aumento da média do Ministério. Ora, isto tem a ver com uma posição de princípio que assumimos, que foi a de, a curto prazo, não abrir mais parques importantes, a não ser o seu início de lançamento, pois esse não obriga a aquisições de terrenos, de imediato, mas mais a um trabalho preparatório, não dando, portanto, origem a um reflexo orçamental.
Isso não quer dizer — já o referi, mas penso que não terei sido suficientemente explícita — que não existam aumentos em áreas como as da preservação e valorização dos patrimónios naturais das áreas protegidas, que sofrem •um aumento de 24%. Portanto, daí não pode inferir-se que trataremos mal ou menos bem o Gerês ou a Costa Vicentina. Há, de facto, uma manutenção do perfil e do peso, uma manutenção em termos gerais, do ICN, com o reforço dessas áreas, o que permite fazer esse tipo de trabalhos, que não são totalmente vultosos em termos orçamentais específicos. A nossa manifestação de vontade vai nesse sentido.
Gostaria ainda de chamar a atenção para o facto de o aumento orçamental que temos ser razoável em termos de Ministério, embora não seja o aumento que gostaríamos de ter, pois, para reforçarmos e abrirmos programas, como o das origens de água, e continuarmos os protocolos camarários, etc, tem de se manter ou de reduzir noutros sítios. Neste caso, estamos a distribuir um aumento, e ainda bem que o conseguimos; simplesmente, se distribuirmos um aumento igual por todo o lado, não poderemos introduzir nada de novo nos processos. Portanto, politicamente, há um conjunto de compromissos que não dão origem
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a alterações orçamentais e que a Sr.° Deputada não vai encontrar aqui repercutidos no orçamento, como é o caso do início dos trabalhos para o lançamento de outros dois parques.
Sr. Deputado Luís Sá, para a protecção de áreas, vamos lançar o nível regional e mesmo o nível local. Ora, o Parque Natural de Montejunto — e peço aos meus colegas que depois completem o que vou dizer — é uma área^ que pensamos integrar no nível regional, pois, na nossa óptica, não tem carácter nacional, o que será feito através de protocolos ou com as futuras regiões que se venham a criar ou com associações de municípios ou até envolvendo aí, pelo menos nas áreas mais pequenas, alguns protocolos com organizações não governamentais.
Quanto à questão que colocou sobre o gaseoduto, devo dizer que esse é um processo relativamente ao qual está a decorrer um estudo de impacte ambiental e, portanto, neste momento, não queremos fazer qualquer avaliação antecipada sobre as suas conclusões. Tem havido vários casos de impacte ambientai em que temos manifestado a nossa intransigência relativamente à salvaguarda de valores ambientais que consideramos válidos e sobre isso gostaríamos de garantir desde já que estamos atentos e a acompanhar o processo e que vamos ser o mais rigorosos possível na decisão final. Agora, seria precipitado estarmos neste momento a avançar soluções.
O Sr. Luís Sá (PCP): — Sr." Ministra, dá-me licença que a interrompa?
A Sr.° Ministra do Ambiente: — Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Sá (PCP): — Sr." Ministra, a questão que quero colocar-lhe é a seguinte: independentemente do estudo de impacte ambiental, chegou-me a notícia de que estão a decorrer trabalhos antes e à margem da aprovação do estudo. É nesse sentido que apelo para a consideração urgente por parte dó Ministério.
A Sr.° Ministra do Ambiente: — Sr. Deputado, não tinha essa informação e agradeço-lhe o facto de me ter dado conta dela. Vamos investigar e ver o que é que se passa, pois, como se viu, isso aconteceu no caso da EN 10 e, portanto, é provável que aconteça neste caso. De qualquer forma, é do meu total desconhecimento e naturalmente será investigado.
Relativamente à conduta de água equivalente à CREL, houve já um compromisso público no sentido de continuar com todos os estudos preparatórios e complementares do projecto inicial, que é um projecto já um pouco desactualizado, mas isso não tem de ter expressão específica aqui no PIDDAC. No entanto, a EPAL está a trabalhar nisso, na sequência da inauguração que foi feita da nova conduta de abastecimento, que naturalmente conhece, e foi dada ordem para se continuarem os trabalhos, embora sem um compromisso de avanço antes de se reverem os valores e os trabalhos técnicos, porque, de facto, é um projecto um bocado pesado em termos de envolvimento financeiro. Portanto, os trabalhos preparatórios e de actualização estão a decorrer.
O Sr. Deputado colocou-me ainda uma outra questão, de fundo, sobre as normas de qualidade da água e devo dizer-lhe que, no final deste mês, vai ser iniciada a revisão do decreto respectivo.
Quanto à questão, mais estruturante, da EPAL, agradeço-lhe. que a tenha colocado. É uma questão quase de filosofia e, neste momento, há um quadro em curso que vem do passado e que estamos a avaliar. Em princípio, estamos a respeitá-lo, mas pensamos que é altura de introduzir algumas correcções no processo e, no caso específico da EPAL, gostaríamos muito de equacionar, nomeadamente, uma maior participação das autarquias na empresa, tal como acontece em todos os outros sistemas.
É que não faz muito sentido que, havendo uma posição de 51% da Administração Central e de 49% das câmaras municipais na composição do próprio capital tanto na Área Metropolitana do Porto, como no sistema do Cávado e no Barlavento e Sotavento, só a Área Metropolitana de Lisboa esteja completamente nas mãos da Administração Central, com 100%, repetidos, uma como IPE, outra como Administração Central.
O Sr. Luís Sá (PCP): —Sr." Ministra, posso interrompê--la novamente?
A Sr.° Ministra do Ambiente: — Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Sá (PCP): — Sr.° Ministra, a questão concreta que quero colocar é a seguinte: nos sistemas multimu-nicipais que referiu há uma posição de 41% da Administração Central, participando as autarquias locais, mas também algumas entidades privadas, e o que gostaria de saber é se a posição do Ministério é no sentido de apenas deverem entrar as autarquias locais, continuando o sistema integralmente público, ou de que, com as autarquias locais, devem também entrar entidades privadas.
A Sr ° Ministra do Ambiente: — Sr. Deputado, ao nível da água, para já, não há entidades privadas envolvidas no capital das empresas. No abastecimento em. alta não há empresas privadas, estando apenas envolvidas as autarquias e a Administração Central — o IPE e as autarquias. É essa a sua pergunta, Sr. Deputado?
O Sr. Luís Sá (PCP): — É isso. Mas, por exemplo, nos sistemas municipais do Algarve, Barlavento, Sotavento, etc, conjuntamente com a EPAL e as autarquias locais, actualmente, há capital privado, ou seja, está previsto e existe a perspectiva de vir a ser implementada essa medida.
A Sr.° Ministra do Ambiente: — Está previsto em termos legais; pode fazer-se, mas, neste momento, há apenas capital público — autarquias e Administração Central — e nenhum desses sistemas de água tem privados envolvidos. Penso que, a prazo, poderemos abri-los a privados, mas, para este ano, não está previsto que isso se faça.
Neste momento e neste ano, pensamos que o grande problema dessas empresas é, sem grandes alterações — e não me estou a referir à EPAL mas às outras —, lançar as obras e começar a executar aquilo a que se propuseram.
Por isso, nesta fase, entendemos não haver necessidade, urgência ou utilidade, em fazer alterações de capita]. Agora, no caso da EPAL, que é uma empresa lançada, estruturada e robusta, pensamos que é de equacionar, eventualmente para este ano, a hipótese de a abrir às autarquias. Se, a partir daí, se abrirá a privados ou não e com que
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calendário é um assunto que merece maior meditação e maior discussão, pelo que, neste momento, não vamos avançar nessa matéria.
O Sr. Deputado Rui Vieira levantou, outra vez, a questão da lagoa de Óbidos e penso que não valerá a pena voltar a responder-lhe a mesma coisa. Já lhe disse há pouco que será muito simples, para si ou para mim, dizer aqui que é uma solução imediata. Estiveram em causa 400 000 contos e vamos ver se este ano gastamos o mesmo, tal como no próximo ano, vamos ver qual é a solução de fundo.
Quanto à bacia do rio Lis, os estudos estão a decorrer, sendo, portanto, um processo que, neste momento, está em apreciação. Mas esse é um assunto que não é simples, pois, como sabe, estão em causa muitas questões de poluição, etc. No entanto, como disse, os estudos sobre essa matéria estão a decorrer, não havendo ainda conhecimentos suficientes para intervir.
A Sr." Presidente: — Sr." Ministra, muito obrigada.
Peço aos Srs. Deputados que, nas suas últimas intervenções, sejam breves nas questões que colocarem e certamente que a Sr." Ministra será também breve nas respostas. Abrirei apenas uma excepção à limitação do tempo da intervenção do Sr. Deputado António Galvão Lucas, uma vez que o seu grupo parlamentar ainda não interveio.
Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. António Galvão Lucas (CDS-PP): — Sr." Presidente, agradeço-lhe muito ter aberto esta excepção, mas ela não vai ser necessária, até porque vou intervir, basicamente, na sequência de uma afirmação que a Sr." Ministra fez há pouco e que considero merecer, no mínimo, uma reacção da minha parte.
Disse a Sr." Ministra que os protocolos que considera eventualmente instrumentos adequados têm sido ou poderão ser uma desculpa para as empresas ou uma boa razão para desleixo. Ora, tenho de dizer que tal não é exacto e não corresponde, de maneira nenhuma, àquilo que se pode entender como o resultado da aplicação desses protocolos. Eles têm sido seguidos, as empresas têm procurado cumpri-los, há objectivos calendarizados nesses protocolos e é uma matéria em que quer os empresários quer os trabalhadores estão de mãos dadas no sentido de atingir os respectivos objectivos.
Se alguma coisa há a fazer é o Governo melhorar a fiscalização, alterando o seu comportamento nesta matéria, para que não se possam fazer afirmações desse tipo, pois, com todo o respeito que tenho por V. Ex.*, Sr.° Ministra, não faz nenhum sentido dizer-se nesta Câmara que os protocolos não são um mau instrumento, mas, eventualmente, serão uma boa desculpa para as empresas se desleixarem e só começarem a trabalhar quando os prazos estão a chegar ao fim.
Como já disse, há que melhorar a fiscalização e, se me permite a sugestão, o que V. Ex" tem a fazer, nesta matéria, é criar as condições para que as empresas sejam fiscalizadas. Porque devo dizer que, em termos de cumprimento de algumas das metas e em termos de controlo de ambiente e de saúde dentro das empresas, ao abrigo da legislação em vigor, nós estamos, neste momento e em bastantes sectores, em situações muito mais avançadas do
que as de alguns países europeus nossos concorrentes. Se quiser, posso dar-lhe elementos concretos e refiro-lhe, por exemplo, casos como o espanhol e o inglês, em
que isso é claro.
Não sendo esta uma intervenção inicial, coloco-lhe uma questão muito concreta, no sentido de saber se o Governo tem a intenção de aumentar as multas ou as coimas ou tomar qualquer outra medida, para que, em conjunto com uma maior e mais eficiente fiscalização, se consiga um melhor ambiente, sem se refugiar neste tipo de processos de intenção que, de facto, não correspondem à realidade.
A existência de protocolos para que as empresas se possam desleixar e não cumprir com aquelas que são as exigências que têm vindo a ser feitas e que têm vindo a ser aceites quer por estas quer pelas associações em que se integram não é uma razão objectiva e não está a ser utilizada por nenhum sector industrial que eu conheça.
A Sr." Presidente: — Srs. Deputados, peço a todos que a partir de agora se mantenham dentro do limite de tempo de três minutos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Roque Cunha.
O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): — Sr. Presidente, Sr.* Ministra, Srs. Secretários de Estado, começaria por fazer uma afirmação geral e colocar quatro questões concretas. {
Em termos gerais, verificamos que aquilo que o Sr. Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, Engenheiro João Cravinho, tem vindo a dizer sobre a grande opção deste Governo em termos de rodovias e ferrovias vem, de alguma forma, contradizer o que a Sr." Ministra aqui referiu em relação à pouca atenção dada ao ambiente. Isto, porque a Sr." Ministra teve também oportunidade de dizer que o seu orçamento é limitado e que ainda pesa muito pouco em termos do orçamento global da despesa do Estado — aliás, julgo que haverá aqui alguma contradição.
Ficámos igualmente a saber que, em termos de verbas concretas no orçamento previsto para o chamado «ambiente urbano» e partindo do princípio de que este tem feito parte, e bem, do discurso político, objectivamente nada existe. Quanto a dizer-se que essas verbas estão incluídas no URBAN, também se deve referir que esse programa não nasceu agora — o que nasceu talvez agora foi a perspectiva de atribuição dessas verbas, em termos dos municípios, provavelmente devido à sua coloração política.
Em terceiro lugar e aproveitando o facto de o Sr. Secretário de Estado António Costa estar presente nesta reunião, gostaria de referir a questão do rio Trancão, que é, de facto, das situações mais calamitosas da Área Metropolitana de Lisboa. Gostaria de ser esclarecido quanto ao ritmo previsto para a sua despoluição nos tempos mais próximos.
Depois, quero ainda lembrar que é na prática que se vê a vontade política e a capacidade de intervenção por parte de um Ministério. E gostaria de saber como é que é possível a coima atribuída à Borealis, no valor de 10 000 contos, quando todos sabemos que, no máximo, poderia ir até 50 000 contos, e qual o seu comentário sobre essa questão, que integro na intervenção do Sr. Deputado Galvão Lucas. É que, de facto, é necessário haver uma melhor fiscalização e é bom que ela seja de tal forma dissuasora que não permita estes desvios — aliás, todos sabemos os prejuízos que essa descarga teve para os pescadores, pois isso foi evidente.
Finalmente e em relação ao meu círculo eleitoral, foi assinado no ano passado um protocolo, que não tem a ver com a circunstância de ser ou não ano eleitoral; é uma aspiração de íongos anos, com a Associação de Municí-
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pios da Bairrada/Vouga, onde estava prevista a despoluição do Sértima e da Pateira de Fermentelos.
Pela sua exposição inicial, fiquei a saber que as verbas previstas em termos de investimento no ambiente cresciam em todas as áreas, sendo este, em comparação com o anterior, um orçamento muito favorável. Também ouvi dizer que esses protocolos dificilmente poderão ser honrados.
A questão concreta que quero colocar em relação a este protocolo, sabendo que não é possível prever a dotação financeira total para um ano, é a de saber o que especificamente está a pensar fazer nos tempos mais próximos.
A Sr." Presidente: — Tem a palavra a Sr." Deputada Jovita Matias.
A Sr.a Jovita Matias (PS): — Sr." Presidente, Sr.° Ministra do Ambiente, vou colocar-lhe três questões muito concretas.
A primeira relaciona-se com o parque natural da costa vicentina e nordeste alentejano. Qual é o ponto da situação relativamente a este parque?
A segunda tem a ver com o parque natural do vale do Guadiana. Será que ele também nasceu no final de 1995, tal como o porto de recreio de Olhão, tendo sido assinado um protocolo em 28 de Setembro, com a respectiva autarquia?
A terceira refere-se ao parque natural da ria Formosa. Temos de ter em conta que a ria Formosa depende da extensão e do reforço do cordão dunar, das dragagens dos principais canais e da minimização das fontes de poluição. Aliás, um estudo feito em 1990 prevê o galgamente da ria Formosa, principalmente na península de Cacela e na ilha de Cabanas, pondo em causa as respectivas consequências a nível ecológico e a nível sócio-económi-co dos pescadores artesanais, para além do turismo cultural e ambiental.
A tempestade do final de Janeiro — e a Sr." Ministra tem conhecimento disso, porque tive oportunidade de a contactar — deu exemplos concretos extremamente graves, a nível económico e ecológico, da situação daquela zona. As dragagens feitas não foram suficientes, as políticas aplicadas nos últimos anos foram deficientes, apesar de as autarquias locais e as associações de ambiente e do património terem alertado para estes problemas do parque natural da ria Formosa.
Assim, quero perguntar à Sr." Ministra o que pretende fazer o Ministério do Ambiente para inverter este tipo de política.
A Sr." Presidente: — Tem a palavra a Sr." Deputada Isabel Castro.
A Sr." Isabel Castro (Os Verdes): — Sr." Presidente, Sr." Ministra do Ambiente, quero, rapidamente, colocar algumas questões e fazer alguns comentários em relação ao que a Sr.° Ministra disse.
A Sr." Presidente: — Sr.° Deputada, se não se importa, coloque apenas questões e não faça comentários.
A Oradora: — Lamentamos que em relação às Grandes Opções do Plano se fale de política horizontal e a horizontalidade não exista. O ambiente urbano é um dos exemplos e penso que já foi reforçada a ausência de propostas concretas que lhe dêem conteúdo, queT em matéria
de transportes, quer em política fiscal, e sobre esta questão nada ouvimos.
Sr.a Ministra, há algumas questões°que também me parecem contraditórias, tendo em conta a polémica aqui lançada.
Foi dito — e bem! — que o julgamento em matéria de política ambiental está feito e é por isso que não vemos como é que em termos de opções, de escolhas e de investimento nacional se reedita precisamente a mesma versão atrasada.
Há duas questões que não estão suficientemente claras: a dos incêndios e a da reflorestação. O Verão passado foi particularmente grave. Neste Orçamento, há uma descida de verba. Pergunto se o Governo está aberto para rever esta questão.
No que toca às áreas protegidas, não é apenas toda a zona de parques naturais que tem uma quebra grande. A Reserva Ecológica Nacional, que é muito importante — e isso é visível — num ano de cheias, tem uma quebra extremamente significativa em relação àquilo que para nós são as contas, isto é, em relação ao que em 1995 se previu, se fez e se projectou para o ano seguinte. E é em função dessas opções do ano passado sobre o que se projectou para este ano que há quebras que eu gostaria de ver explicadas.
A Sr." Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.° Ministra do Ambiente, a quem peço que resuma tanto quanto possível a sua resposta.
A Sr." Ministra do Ambiente: — Sr.a Presidente e Srs. Deputados, vou começar pela questão dos protocolos, referida, nomeadamente, pelo Sr. Deputado Jorge Roque Cunha.
Entendemos que os protocolos são importantes, são bons. Agora, têm de ser estabelecidos entre gente séria e com objectivos sérios. As diferenças sectoriais são imensas. Há sectores que cumprem e há sectores que não cumprem, o mesmo se passando com as empresas.
Portanto, aquilo que disse não foi que não haveria mais protocolos. Não é isso. Vamos continuar a estabelecer protocolos, mas vamos fazer neste momento — e estamos a fazê-lo — um ponto da situação, uma avaliação dos resultados dos protocolos passados, para podermos avaliar até que ponto as empresas levaram a sério o compromisso que assumiram ou o levaram como um protelamento no tempo das suas obrigações em termos ambientais.
Aproveito para referir que me parece um pouco estranho que, num caso como no da Borealis, onde num prazo de duas ou três semanas se identificou quem era o poluidor e a fonte, com várias hipóteses alternativas, se fez uma investigação dentro da empresa, inclusive andou a ver-se as contagens e a comparar os valores internos e externos do Ph, se lavrou o auto e se lançou a multa, o único comentário que tenha para fazer é o de que a multa é pequena e que 10 000 contos não são nada. Desculpe-me, mas 10 000 contos são alguma coisa! Eu sei que estamos aqui a discutir o Orçamento do Estado e a falar de milhões. Talvez não seja para si, mas, para a Borealis, acho que...
O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): — Permite-me que a interrompa?
A Oradora: — Faça o favor, Sr. Deputado.
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O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): — Sr.* Ministra, só chamei a atenção para o facto de o máximo da coima prevista para aquele dpo de crime poder atingir os 50 000 contos. E evidente que, se fossem 5000 contos, seria menos do que 1,0 000 contos, se fossem 20 000 contos, seria mais. Acho que o montante aplicado é pouco dissuasor. É apenas isso, Sr.° Ministra.
A Oradora: — É preciso haver um equilíbrio entre a penalização e a gravidade da situação, saber qual é o currículo da empresa e se esta é reincidente.
Mas, deixe que lhe diga que, em termos de apreciação sobre o processo, acho francamente pouco que tenha referido o assunto só para dizer isso.
Quanto à questão do rio Trancão, gostaria de referir que, neste momento, este é uma das grandes prioridades em termos nacionais. A ETAR de São João da Talha custa cerca de 1,4 milhões de contos, se não estou em erro, e a de Frielas custa perto de 10 milhões de contos, tudo isto com um financiamento comunitário que representa um montante substancial, 85% do investimento. Para além disso, como sabe, há um protocolo com a Expo, que custa 6 milhões de contos, para fazer a limpeza das lamas.
Portanto, neste momento, só em três projectos, some e veja quanto está a ser gasto no rio Trancão. De facto, é uma intervenção brutalmente cara, para além de outros investimentos previstos em termos de regularização do rio. Há ali uma grande aposta em termos de requalificação ambiental que, acho, merece uma referência.
No que toca aos comentários da Sr." Deputada Isabel Castro, francamente, já não sei o que lhe diga, porque vai saltando de um dossier para outro e já não sei o que hei-de dizer-lhe sobre as várias questões.
Sobre a floresta, já lhe disse que estamos a sensibilizar e a tentar criar no Ministério do Ambiente verbas para isso, que os cálculos feitos, em termos de verbas, são sobre o orçamento inicial e não sobre o orçamento executado e que o orçamento executado é bastante menos, sendo, nesse caso, em termos de orçamento comunitário, da ordem dos 38%, no Fundo de Coesão. Portanto, está a ver o salto que daria o meu orçamento deste ano se fosse calculado sobre o executado.
Essa foi uma crítica que foi lançada por alguns sectores, mas dirigida a determinadas pessoas, quando os ministros trouxeram uma comparação entre o que foi executado e o que estava programado. Como não trouxe esse estudo, fiquei com a ideia de que trazia a crítica feita antes de eu ter feito a intervenção inicial, porque, de facto, ela não cabe aqui.
A Sr.° Presidente: — Eu tinha considerado as inscrições fechadas, mas o Sr. Deputado Falcão e Cunha pediu a palavra. É para defesa da honra?
O Sr. Falcão e Cunha (PSD): — Sr.° Presidente, não é, com certeza, para defesa da honra, não vou invocar essa figura.
A Sr.° Presidente: — Se não é, não lhe daria a palavra.
O Sr. Falcão e Cunha (PSD): — Sr." Presidente, é que a Sr.° Ministra invocou afirmações que eu teria feito quando se fez a análise do Orçamento do Estado na generalidade e gostaria de esclarecer que não foi exactamente assim. E só. Se houver possibilidade...
A Sr.8 Presidente: — Peço desculpa, talvez tenha havido uma troca de nomes. A Sr." Ministra estava a responder ao Deputado Jorge Roque Cunha e talvez tenha trocado o nome e referido Falcão e Cunha.
A Sr." Ministra do Ambiente: — Na realidade, eu disse Jorge Roque Cunha e não Falcão e Cunha. E penso não ter ofendido a honra de nenhum dos dois.
A Sr." Presidente: — Esclarecido o assunto, dou por terminada esta reunião com a Sr." Ministra do Ambiente. Está suspensa a reunião.
Eram 17 horas e 30 minutos.
Está reaberta a reunião. Eram 17 horas e 40 minutos.
O Sr. Ministro da Educação vai começar por fazer uma intervenção inicial e depois darei a palavra aos Srs. Deputados para colocarem as questões que entenderem.
Tem a palavra o Sr. Ministro da Educação.
O Sr. Ministro da Educação (Marçal Grilo): — Sr." Presidente, Srs. Deputados: Tenho muito gosto em estar aqui e em dar os esclarecimentos que forem entendidos como necessários nesta discussão na especialidade do Orçamento do Estado para 1996.
Vou ser muito telegráfico nesta minha intervenção inicial e, ao contrário do que tenho vindo a fazer, vou basear-me sobretudo em números.
Gostaria de começar por sublinhar o que consideramos serem os pontos fortes deste Orçamento, para depois referir o que consideramos os seus pontos fracos. E os pontos fortes são três: o aumento em termos reais; o aumento em relação ao PEB; e o aumento em relação à percentagem da educação no Orçamento do Estado.
A primeira consideração que me parece importante, que é um pouco de índole qualitativa e constitui um dos pontos fortes deste Orçamento, é o reforço da componente dos recursos humanos. Este foi um tema muito debatido, sobretudo em Plenário, durante a discussão na generalidade e gostaria de referir aqui — e este não é um aspecto sobre o qual possamos passar por cima com alguma facilidade — que este Orçamento traduz dois acordos com grande significado para o funcionamento do sistema educativo português neste momento.
O primeiro refere-se ao ensino não superior e sobretudo ao acordo feito com todos os sindicatos representativos do ensino não superior e que teve como objectivo essencial acabar com o «engarrafamento» da candidatura ao 8.° escalão. Não se trata, como se disse impropriamente no Plenário, de abolir o 8.° escalão mas, sim, de acabar com o «engarrafamento» da candidatura ao 8.° escalão. Recordo que neste processo — e estão aqui pessoas, como a Sr.' Presidente, que o conhecem bem — havia cerca de 6000 casos em atraso em relação a essa candidatura. Isto, em si, tem alguma importância, sendo a maior a possibilidade de fazer uma revisão séria do estatuto.
Gostaria de assegurar à Câmara, à Comissão de Economia, Finanças e Plano e à de Educação, Ciência e Cultura que a revisão do estatuto será acompanhada do cálculo da respectiva factura. Não haverá negociação como a que se fez em 1989, em que se introduziu um conjunto de artigos não regulamentado, que, como sabem, nunca teve qualquer cálculo em termos financeiros e que, se vies-
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se a ser regulamentado, constituiria um peso enorme no orçamento do Ministério.
Em relação ao ensino superior, conseguiu-se um acordo que nos parece extremamente equilibrado, que nos permite dar um sinal evidente de que importa corrigir uma assimetria que se arrasta há quase sete anos. entre a carreira do ensino superior e a do ensino não superior e que tem a ver sobretudo com uma valorização e uma dignificação da carreira que nos parece absolutamente essencial para consolidar o ensino superior em Portugal.
E nada mais diria sobre o reforço da componente dos recursos humanos.
O segundo ponto forte do Orçamento são as escolas profissionais. Este é um dossier particularmente complexo, que não tem apenas a ver com os aspectos de ordem financeira. Diria até que estes são uma componente menor do problema que está por trás das escolas profissionais, sobretudo tendo em conta aquilo que deve ser a consolidação deste sistema, que, como sabem, não é propriamente um sistema mas, sim, um conjunto de escolas ou de protocolos que viabilizam acções de formação profissional. Aqui, foi necessário fazer um reforço extraordinário de cerca de 5 milhões de contos, comparando com os 3 milhões de contos do ano passado, ou seja, passámos a ter cerca de 8 milhões de contos, em 1996, para apoio as escolas profissionais.
A este respeito, gostaria de reforçar a importância atribuída ao aumento do apoio financeiro às cinco escolas públicas da parte agrícola — a da Lajeosa, a de Conde de São Bento, a da Paia, a de Fermil de Basto e a do Rodo — e a outras quatro escolas públicas, que, como sabem, estão integradas e são as únicas que têm verdadeiramente um estatuto.
Terceiro ponto forte é o aumento da percentagem das verbas de funcionamento em relação às de pessoal. Aqui, permito-me dar o primeiro conjunto de números. Este esforço situou-se, no ensino não superior, num crescimento de cerca de 15% das verbas de funcionamento, em comparação com as de pessoal, embora nestes 15% esteja englobado algum crescimento para obras de iniciativa das próprias escolas.
No ensino superior, houve um salto qualitativo que consideramos particularmente importante, dado que, quanto ao pessoal e em termos percentuais, as universidades, entre \995 e 1996, passam de 82,9% para 80,6% e, nos institutos politécnicos, passam de 86% para 80,9%. Em termos globais médios, o ensino superior passa a ter agora valores muito próximos do que consideramos ser uma situação de equilíbrio, ou seja, 80,7% para verbas de pessoal e 19,3% para verbas de funcionamento.
Quarto ponto forte é o do desporto escolar e dos pavilhões gimnodesportivos. Muito se tem dito a este respeito e eu gostaria de dizer o seguinte: em termos de desporto escolar e pavilhões gimnodesportivos, o Ministério investe, no ano de 1996, os seguintes números.
No DEPGEF está incluída uma rubrica para infra-estruturas de desporto escolar para cobrir a contrapartida nacional, onde se inclui não apenas a finalização do programa Desporto 2000, no qual se lançam este ano cinco pavilhões, e ainda se tem a contrapartida nacional para a construção de 14 pavilhões do programa da região Alentejo.
Em relação ao ensino superior, existe uma verba para contrapartida nacional de 720 000 contos e faz-se o arranque da construção da piscina do estádio universitário, onde estão 400 000 contos para a contrapartida nacional, faltando aqui a verba do FEDER adicional.
Quanto ao ensino superior, dado que este Orçamento tem sido criticado pela falta de investimento no aumento da capacidade, gostaria de referir que todos os empreendimentos em curso mantêm-se ao ritmo previsto e são ainda lançadas obras novas, das quais salientaria algumas.
Na Universidade dos Açores há dois novos projectos, um para Ponta Delgada e outro para o pólo de Angra do Heroísmo; no Instituto Politécnico de Aveiro vai proceder-se, através da aquisição, já prevista, do quartel de Agueda, às obras de readaptação para a Escola Superior de Tecnologia e Gestão da Beira Litoral; vai iniciar-se a delegação do Norte da Universidade Aberta; vai dar-se início à Escola Superior Agrária de Elvas; vai construir-se o pólo de Guimarães da Universidade do Minho; vai fazer-se a obra inicial da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, para a qual se alocaram 1,750 milhões de contos; vai arrancar o departamento de química do Instituto Superior Técnico, onde se investem 548 000 contos; vai fazer-se a obra na Faculdade de Economia, na ala Sul-Poente do Colégio de Campolide, estando previstos 242 000 contos; vai fazer-se a obra dos departamentos de química e engenharia civil da Universidade de Coimbra, onde vamos investir 934 700 contos; na Universidade de Évora vai fazer-se a obra da segunda fase no quartel, onde estão alocados 649 000 contos; e a lista poderia ser maior, mas não vou maçar os Srs. Deputados.
Relativamente ao ensino politécnico — peço desculpa por há pouco ter referido o Instituto Politécnico de Aveiro—, vou agora referir os principais investimentos nessa área.
No Instituto Politécnico do Porto, far-se-á o projecto e a aquisição dos terrenos para a obra da Escola Superior de Tecnologia e Gestão, estando previstos 183 000 contos; no Instituto Politécnico de Setúbal, arranca-se com a obra da Escola Superior de Ciências Empresariais, onde vamos colocar 568 000 contos; e depois há algumas verbas mais pequenas, nomeadamente para os Institutos Politécnicos de Leiria, Portalegre, Viseu e do Cávado e do Ave.
A acção social escolar, particularmente no ensino superior, foi um dos pontos que nos pareceu ter ressaltado muito da discussão na generalidade do Orçamento do Estado. Peço a quem tem os números que os possa corrigir neste sentido: ao contrário do que se pode inferir da leitura da página 17 do relatório que foi apresentado, onde parece haver um decréscimo significativo, quando incluída a componente do FEDER adicional, verifica-se haver um crescimento de cerca de 17,6%; ou seja, em 1995 tínhamos uma verba executada de 5 368 647 contos, em 1996 vamos ter, para a acção social escolar no ensino superior, 6 314 514 contos, incluindo a verba da componente nacional e o FEDER adicional. Isto vai permitir-nos, por exemplo no que toca a residências, iniciar em 1996 a construção de residências, num total de 2470 camas, com a seguinte distribuição: 132 em Aveiro, 206 em Beja, 454 em Braga, Guimarães e Barcelos, 100 em Bragança, 300 em Coimbra, 60 na Covilhã, 918 em Lisboa, 100 em Setúbal e 200 em Viana do Castelo.
Ainda no que respeita à acção social escolar no ensino superior, gostaria de referir, e se quiserem compulsar a página 28 poderão confirmar, a existência de uma verba de cerca de 1,3 milhões de contos, se não me falha a memória, da qual 670 000 contos são destinados ao alargamento de bolsas aos estudantes do ensino privado. Isto vai sobrepor-se ao que já vinha estipulado pelo Governo anterior, em relação ao chamado programa de subsídio de propinas, num total de 210 000 contos.
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Outra critica que nos tem sido feita e a respeito da qual penso que valeria a pena deixar umas notas tem a ver com as bibliotecas escolares. O programa das bibliotecas escolares necessita, sobretudo, de ser estudado, se me é permitido dizê-lo. Temos sido muito criticados, por vezes, por
estudar as coisas, mas habituei-me a estudar os problemas antes de decidir sobre eles. Nas bibliotecas escolares, criámos um grupo misto entre o Ministério da Educação e o da Cultura e temos já o primeiro relatório por ele apresentado, onde é feita uma proposta não apenas para apetrechamento das bibliotecas escolares mas também, e sobretudo, para a lógica de intervenção das bibliotecas e para a sua articulação com o programa de leitura pública, que, como sabem, pertence ao Ministério da Cultura.
É no âmbito e na sequência da preparação deste programa que iremos preparar outro, para apetrechamento das bibliotecas escolares. Como sabem, neste momento, não basta apenas comprar livros para os distribuir, pois algumas vezes segue-se uma lógica que poderá não ser a mais correcta, como não o seria, no caso de se terem tomado algumas decisões, como as que nos foram propostas, quanto à forma como as bibliotecas escolares poderiam ser apetrechadas, sendo, do nosso ponto de vista, muito mal apetrechadas.
Outra crítica que nos tem sido feita, e a que também sou sensível, por razões óbvias, tem a ver com o ensino pré-escolar. Este necessita igualmente de ter um programa, não basta prever dinheiro para o ensino pré-escolar, é necessário saber qual é o programa de expansão e consolidação deste modelo, dado que nós, aliás, à semelhança do que outros protagonistas pensam sobre a matéria, entendemos que importa que a rede pública do ensino pré--escolar não seja a rede estatal do ensino pré-escolar.
Assim, tem de se proceder a um reequacionamento desta forma de entender o ensino pré-escolar e sobretudo de contratualizar com os vários protagonistas o que deve ser a rede, com a sua lógica própria, e o papel de cada um dos protagonistas. Esta é uma matéria que já aqui apresentei, salvo erro, por duas vezes.
Consequentemente, o que temos previsto em termos financeiros destina-se apenas a cobrir o que será uma parte da expansão e da lógica de actuação deste Ministério nos últimos três meses do ano de 1996, ou seja, no início do ano lectivo de 1996/1997. Dispomos de uma verba para crescimento do sistema de 2,7 milhões de contos, tencionamos com ela satisfazer os contratos que vierem a ser estabelecidos ao abrigo do Decreto-Lei n.° 173/95, que conhecem bem, e vamos avançar para novos empreendimentos. Em relação a esses contratos, das propostas que foram apresentadas — esta é uma matéria que vem do Governo anterior, pelo que estou à vontade para referir estes números —, apenas 22 acabaram por ser consideradas como válidas, dado que as outras foram recusadas.
Nono aspecto que considero forte neste programa, que já aqui foi referido durante a discussão do Orçamento na generalidade, é o programa da segurança. Este programa, que o Governo anterior em boa hora lançou, foi, como sabem, inicialmente apadrinhado pelo próprio Parlamento.
De acordo com o nosso cálculo, deve ter-se despendido, em 1995, cerca de 300 000 contos — e não 200 000, como eu aqui referi durante a discussão na generalidade, embora, na altura, tivesse dito que não tinha esse número correcto e que era apenas uma avaliação inicial — e nós alocámos para esta rubrica de segurança 800 000 contos, ou seja, introduzimos aqui um crescimento com algum significado, para alargar, inclusivamente, o conceito de
segurança, de acordo, aliás, com o que aqui foi dito na reunião da discussão na generalidade.
Quanto aos pontos fracos, identifiquei três. O primeiro é que não conseguimos aumentar, tanto quanto queríamos,
as verbas de funcionamento das escolas. Ou seja. como
há pouco referi, no ensino não superior — e agora estou
a referir-me a este explicitamente — o crescimento está na casa dos 15%.
Como uma parte deáte crescimento é absorvida pelo crescimento do número de escolas, calculamos que, em termos de aumento efectivo percentual das verbas destinadas à melhoria da qualidade ou à parte de funcionamento que não tenha a ver com o pessoal, tal aumento não deverá ir além dos 5 ou 6%, o que consideramos ser limitativo do nosso interesse.
O segundo ponto fraco é o das verbas de apetrechamento. Consideramos que há uma diminuição no que respeita às verbas de apetrechamento, que tem, em certa medida, uma justificação quando olhamos para a evolução do apetrechamento, em particular dos recursos tecnológicos, que, como sabem, tem a seguinte evolução: entre 1990 e 1995, o investimento nos recursos tecnológicos teve um pico em 1994, tendo sido de 360 000 em 1990, 1,8 milhões em 1991, 740 000 em 1992, 2,25 milhões em 1993, 4,28 milhões em 1994, 2,4 em 1995 e, em 1996, temos uma verba prevista de 1,65 milhões de contos.
Aqui o que poderemos dizer é que a generalização do 10.° ano processou-se, como sabem, em 1993 e o pico no apetrechamento dá-se em 1994, e eu interrogo-me...
Pessoalmente não conheço todos os cursos tecnológicos, não tenho uma ideia de qual é a situação em todos eles. Gostaria de ter essa ideia, mas ainda não tive tempo para ver qual é a situação em que estão todos os equipamentos dos cursos tecnológicos. Trata-se de uma matéria que me é particularmente sensível pela minha formação de engenheiro mecânico, e por isso gostaria de perceber um pouco melhor até que ponto é que esta verba, que este ano é de 1,65 milhões de contos, é suficiente, porque sou informado que ela tem como objectivo consolidar a situação existente.
Portanto, consideramos que aqui poderemos ter um ponto fraco relativamente ao apetrechamento que gostaríamos de continuar a aumentar.
O terceiro ponto fraco é o das verbas de conservação. Há um decréscimo, embora muito pequeno, que é de 5%. Em 1995, tínhamos uma verba de 3 522 381 contos e, em 1996, temos uma verba de 3 350 000 contos. Esta verba, como sabem, desüna-se a grandes conservações, sobretudo dos edifícios mais clássicos, tem este ligeiro decréscimo, o que, no entanto, não nos limita para além do admissível, havendo um conjunto de grandes conservações que se vão fazer, das quais talvez a mais significativa em 1996 seja a reparação ou a conservação da Escola D. Pedro V, em Lisboa. Bem que gostaríamos que, nos próximos anos, de uma forma um pouco emblemática, pelo menos uma ou duas das grandes escolas mais antigas do sistema pudessem ser recuperadas com obras de conservação.
Como sabem, há aqui um problema que tem a ver com os calendários e com a dificuldade que há em bloquear, em certa medida, uma escola durante um período significativo e as obras terem de desenvolver-se sobretudo nos períodos não escolares, ou seja, nos três períodos de férias.
Sr.* Presidente, fui muito telegráfico, penso que não esgotei os 10 minutos que me foram concedidos, mas também era esse o meu objectivo.
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O Sr. Carlos Coelho (PSD): — Sr." Presidente, dá-me licença que faça um pedido de esclarecimento metodológico?
A Sr." Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado
O Sr. Carlos Coelho (PSD): — Sr." Presidente, julgava que tinha sido acordado, aliás por proposta de V. Ex.ª
A Sr." Presidente: — Não...
O Sr. Carlos Coelho (PSD): — Não?! Já sabe o que é que eu vou dizer?!
A Sr." Presidente: — Sei o que vai dizer, mas aquilo que ficou acordado foi que a primeira intervenção dos partidos seria de 10 minutos, desde que pedissem a palavra.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): — Está muito bem! Então...
A Sr.° Presidente: — Mas podem, inclusivamente, ser divididos. Pode haver uma de um minuto e outra de nove, como queiram. Mas não é obrigatório que seja dada a palavra a quem não a pediu.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): — Isso parece-me um bom critério, Sr." Presidente.
A Sr."Presidente: — Exactamente! É um critério elementar!
O Sr. Carlos Coelho (PSD): — E, além de elementar, é excelente, se me permite! Mas, sendo assim, a Sr." Deputada Maria Luísa Ferreira não se importaria de ser a segunda inscrição do PSD.
A Sr." Presidente: — Não percebi!
O Sr. Carlos Coelho (PSD): — Sendo assim, a Sr." Deputada Maria Luísa Ferreira não se importa de ser a segunda inscrição do PSD. Eu serei a terceira inscrição e a primeira será o Sr. Deputado Castro Almeida.
A Sr." Presidente: — Mas o Sr. Deputado Castro
Almeida ainda não estava inscrito, por isso não lhe podia dar a palavra.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): — Estava com a caneta ocupada e não a podia erguer no momento!
A Sr.° Presidente: — Ejitão, vou dar a palavra, em primeiro lugar, ao Sr. Deputado António Galvão Lucas, porque foi o primeiro que a pediu.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Galvão Lucas.
O Sr. António Galvão Lucas (CDS-PP): — Sr." Presidente, Sr. Ministro da Educação, é com o maior dos gostos que me dirijo a V. Ex." para, numa breve intervenção inicial, dizer o seguinte: ouvimos hoje aqui uma intervenção que, como teve o cuidado de referir, se baseou mais em números do que em conceitos, o que, no entanto, não nos permite concluir que, de alguma forma, este orçamento paia \996 condiciona o Orçamento de 1997.
Porquê? O Sr. Ministro assumiu, tanto no Parlamento como perante a comunicação social, que este orçamento privilegiaria a melhoria dos rendimentos dos professores em detrimento do equipamento, ou, pelo menos, não privilegiaria igualmente o equipamento, por impossibilidade óbvia. Chegou mesmo a dizer — aliás, é uma expressão sua — que era uma aposta nas pedras vivas.
Não vamos aqui voltar a fazer o debate sobre a qualidade e a quantidade, porque isso já foi feito em Plenário, ém sede de Comissão e até em sede do debate do Orçamento de 1995, com a Sr." Deputada, na altura Ministra, Manuela Ferreira Leite e a hoje Sr." Secretária de Estado Ana Benavente. Com certeza que se recorda disso.
O Sr. Ministro sabe, não tenho a minha dúvida, e está perfeitamente consciente que escolas equipadas sem professores motivados não funcionam como professores altamente motivados sem escolas equipadas ou sem escolas adequadas também não funcionam.
Portanto, nesta nossa primeira intervenção, a única coisa que queremos deixar claro é que, de facto, percebemos a opção e aceitamo-la, mas achamos que é, desde já, muito importante deixar claro que o orçamento para este ano impõe que o orçamento para 1997 seja substancialmente diferente e que, idealmente, os orçamentos deveriam ser mais equilibrados.
Portanto, com alguma benevolência, digamos que no caso se justifica olharmos este orçamento como úm orçamento para metade de um período de que fará parte integrante o orçamento para 1997.
No fundo, numa primeira análise à sua exposição e àquilo que é o orçamento do Ministério da Educação para 1996, era isto que se nos oferecia dizer.
A Sr." Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Castro Almeida.
O Sr. Castro Almeida (PSD): — Sr." Presidente, Sr. Ministro da Educação, creio que ficou hoje visível que, há medida que o tempo passa, V. Ex." vai esbatendo a euforia inicial com que foi apresentado este orçamento. Creio que o Sr. Ministro terá agora muita dificuldade em defender que este é o orçamento da paixão socialista, cm todo o caso não deixamos de elogiar a sua frontalidade ao reconhecer que este orçamento também tem pontos fracos. Ele tê-los-ia mesmo que os não reconhecesse, mas é justo salientar, no entanto, a frontalidade com que o reconhece.
Sr. Ministro, um pouco na linha do que disse o
Sr. Deputado António Galvão Lucas, temos perfeita consciência de que é decisivo para o bom funcionamento das nossas escolas que os professores estejam motivados, mas não nos parece claro que os professores tenham a visão mercantilista que o Ministério parece querer incutir-lhes. Não é, seguramente, com aumentos de vencimentos de 2% acima do que seria esperado que os professores vão ganhar a motivação que até aqui não tinham.
A avaliação que eu próprio fiz pela experiência que tenho nesta área demonstrou-me que os professores exigem, acima de tudo, condições de trabalho nas suas escolas e a grande maioria deles sente que o sucesso do seu desempenho passa pelas condições que tiverem na sua escola para o conseguir. Infelizmente, o Governo não entendeu assim ou...
O Sr. Ministro da Educação: — Quando refere o aumento de 2%, a que é que está a referir-se concretamente?
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O Orador: — Estou a referir-me, Sr. Ministro, a 2% de aumento extraordinário aos professores acima do aumento normal dos vencimentos da função pública.
O Sr. Ministro da Educação: — Está enganado, não é assim! Eu, depois, explico-lhe como é que esses valores...
O Orador: — Se o Sr. Ministro quiser dar já o seu ponto de vista, faça favor.
Os professores já beneficiaram, no passado, de aumentos substancialmente superiores àqueles que vão ter este ano e foi visível que não foi esse o estímulo suficiente e necessário para que eles se dedicassem ainda mais à sua função.
E essencial criar as condições na escola, mas nós compreendemos, Sr. Ministro, que o Ministério da Educação não possa criá-las de um ano para o outro. Seria insensato pedir uma coisa dessas, mas a nossa tese é esta: não era esperado que o Governo socialista investisse menos do que aquilo que investiram os governos anteriores.
O Sr. Ministro elencou aqui um conjunto de escolas superiores e um conjunto de acções que o Ministério da Educação iria desencadear no âmbito da acção social escolar no ensino superior. Mas nós nunca dissemos que o Ministério da Educação, este ano, ia parar as obras. E evidente que vai fazer obras! Tem, aliás, no seu orçamento, 50 milhões de contos para esse efeito e é óbvio que os vai gastar! O que não esperávamos e oque censuramos é que esteja dotado apenas com esta verba, que é inferior àquilo que foi gasto no ano passado por um governo que o Partido Socialista, na altura, dizia que não investia suficientemente na educação.
O PSD, quando esteve no Governo, investiu o que investiu e os senhores este .ano investem menos, pelo que a vossa critica não faz quajquer sentido. Não há coerência nem sentido de responsabilidade ou nas afirmações anteriores ou na prática que agora adoptam.
Sr. Ministro, não vou falar da questão do decréscimo da dotação para o apetrechamento das escolas e para despesas de conservação, porque V. Ex.° relativamente a isso
já se lamentou, mas deixe-me dizer-lhe que não me convenceu a argumentação que expendeu a propósito das bibliotecas escolares. O Sr. Ministro diz que é necessário estudar esta matéria, mas mesmo que o faça e tire conclusões muito interessantes, de nada lhe valem se não tiver dinheiro no Orçamento.
Não percebo porque é que não há uma dotação orçamental ainda este ano, porque quero acreditar que o estudo que encomendou ou vai encomendar irá dar-lhe orientações, indicações ou sugestões sobre a metodologia que há-de seguir, sobre a prioridade que há-de dar a estes ou àqueles volumes a dotar em cada escola e sobre os requisitos- mínimos da biblioteca de cada escola dos diferentes graus de ensino. Tudo isso é uma padronização que deve ser feita, mas não vai ser útil porque não tem dinheiro para a aplicar. Se o Ministério esüvesse decididamente empenhado em melhorar claramente a situação das bibliotecas nas escolas, então, teria previsto uma dotação financeira para utilizar de acordo com as recomendações que viessem a ser feitas no estudo que, seguramente, não há-de demorar um ano, como parece que vai acontecer.
O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): — É uma autocrítica!
O Orador: — Sr. Ministro, deixe-me ainda voltar à questão dos pavilhões desportivos. Ficámos agora a saber que o Ministério se propõe construir cinco pavilhões desportivos e eu presumo que é com uma dotação de 500 000 contos que está inscrita no DEPGEF. De facto, estão lá 500 000 e como vejo agora o Sr. Ministro falar em cinco pavilhões quer-me parecer que é isso.
Mas deixe-me dizer-lhe — e é apenas uma sugestão — que não deve aplicar esses 500 000 contos a construir cinco novos pavilhões desportivos, porque essa verba é necessária para apetrechar os 100 pavilhões construídos com material da disciplina de educação física. O Sr. Ministro precisa de 5000 contos por cada pavilhão para os apetrechar com o equipamento necessário à disciplina de educação física.
Portanto, Sr. Ministro, não desvie esses 500 000 — verba necessária para o apetrechamento dos pavilhões desportivos — para construir mais cinco pavilhões, porque não resolve o problema e fica com 100 pavilhões por equipar, passando a ser inúteis no plano da disciplina de educação física. Creio, portanto, que não é por este lado que o Sr. Ministro terá de resolver o problema da paralisação deste programa de construção dos pavilhões desportivos.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): — Muito bem!
O Orador: — Sr. Ministro, vou fazer-lhe algumas perguntas, porque sei que vai ter oportunidade de responder já de seguida.
V. Ex." disse aqui que se propunha abrir a discussão com os sindicatos, com vista à revisão do estatuto da carreira docente, mas que, desta vez, iria ter em atenção o valor da «factura» dessa revisão. Dando de barato que a discussão com os sindicatos não vai terminar em perda de direitos ou de regalias dos professores e, portanto, que o aumento de direitos e regalias há-de ter custos no orçamento da educação, pergunto-lhe quanto está na disposição de afectar para esta «factura».
O Sr. Ministro diz que vai negociar, mas vai querer saber quanto lhe custa, por isso pergunto-lhe, desde já,
quanto está na disposição de pagar, qual é a sua dotação
Orçamental para abrir negociações com os sindicatos? É bom que os parlamentares, tal como os sindicalistas que vão participar nesta discussão, saibam até onde o Sr. Ministro está na disposição de ir: E, já agora, diga-nos em que rubrica do Orçamento há reserva suficiente para pagar esta «factura». Ou será que se propõe negociar com os sindicatos para ter aplicação apenas nos próximos anos, ficando este ano tudo na mesma?!
Entretanto, tivemos notícia, através da comunicação social — e apenas através dela —, de que o Ministério estabeleceu acordos com outras organizações sindicais, designadamente no ensino superior. A ser assim, deixe-me dizer, Sr. Ministro, que não nos parece correcto que, depois de apresentado o Orçamento, o Ministério da Educação assuma compromissos de natureza financeira ou com repercussão financeira sem disso prevenir os Deputados.
Tenho de me fiar nas notícias da comunicação social, salvo se o Sr. Ministro as desmentir, e, a avaliar pelo que ela disse a propósito de negociações com os professores do ensino superior, vai haver um aumento geral de 4% sobre o índice 100 da escala salarial da tabela retributiva das carreiras docentes do ensino superior; um acréscimo especial de 1,5% a atribuir aos professores auxiliares sem agregação; a criação do 4.° escalão na categoria de pro-
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fessor catedrático, com o índice 330; a criação do 4.° escalão na categoria de professor adjunto, com o índice 225, e os sindicatos obtiveram também a garantia de que o Ministério da Educação vai proceder, até ao fim do próximo mês de Abril, à revisão dos estatutos da carreira docente.
O Sr. Ministro não nos tinha advertido, aquando da discussão do Orçamento na generalidade, que havia uma folga orçamental para este tipo de negociações. Em primeiro lugar, gostávamos de saber quanto é custam estas alterações que acordou com os sindicatos e, em segundo lugar queríamos ter a garantia de que há dotação orçamental suficiente para esta matéria.
Ainda a propósito da acção social do ensino superior e das novas construções em matéria de ensino superior, ou a pretexto disto, deixe-me cobcar-lhe uma questão, que muito nos preocupa e está agora na ordem do dia, a qual tem a ver com as regras de acesso ao ensino superior e com a célebre questão da existência ou não da nota mínima de acesso.
Sr. Ministro, a avaliação que, neste momento, fazemos sobre esta matéria é a seguinte: é visível — e V. Ex." há--de sentir isso também — que há uma grande angústia nos estudantes e nos pais porcausa das incertezas e da desorientação que existe em matéria de critérios no acesso ao ensino superior. Hoje, fala-se com os estudantes e com os seus pais e eles sentem uma grande angústia, porque não sabem que condições os seus filhos vão ou não ter na entrada na universidade, em que universidade devem ou não inscrever-se, quais são as cadeiras onde mais se deverão aplicar e como vai ser essa nota mínima de acesso ao ensino superior.
Sr. Ministro, penso que esta anunciada alteração das regras do acesso a meio do ano é causadora desta incerteza e desta desorientação que reina nos estudantes e nos seus pais. E digo-lhe mais: havendo este ano, pela primeira vez, um novo regime de avaliação dos estudantes do ensino secundário, através, de provas de exame nacionais, que nunca tinham sido feitas, e um regime de acesso que dispensa a realização da prova específica e da prova de aferição, não era, seguramente, este o ano para que o Ministério pensasse em introduzir uma nota mínima de acesso...
O Sr. Carlos Coelho (PSD): — Muito bem!
O Orador: — ... a meio do ano, sem que o Ministério tenha aferido os resultados dos exames que vão ser feitos no final do ano. Só de forma aleatória, o Ministério, ou alguém por ele, pode estabelecer uma nota mínima de acesso.
Portanto, Sr. Ministro, do nosso ponto de vista e com toda a clareza, pelo menos este ano, não se justifica a introdução de uma nota mínima de acesso, por isso apelamos-lhe para que repondere essa decisão e não insista em criar este ano qualquer nota mínima de acesso para os estudantes do ensino superior.
A Sr.° Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando de Sousa.
O Sr. Fernando de Sousa (PS): — Sr." Presidente, eu inscrevi-me depois da Sr.* Deputada Luísa Mesquita, do PCP.
A Sr. Presidente: — Mas eu estou a fazer uma gestão das inscrições de acordo com...
O Sr. Fernando de Sousa (PS): — A Sr.a Presidente faz sempre a gestão, mas já ontem também fez a gestão...
A Sr.' Presidente: — Mas, se o Sr. Deputado não quer falar já, dou a palavra a outro Sr. Deputado.
O Sr. Fernando de Sousa (PS): — Exactamente, porque me inscrevi depois da Sr.° Deputada do PCP.
A Sr.* Presidente: — Tem, então, a palavra a Sr.* Deputada Luísa Mesquita.
A Sr.° Luísa Mesquita (PCP): — Sr.a Presidente, Sr. Ministro, começaria por referir um dos pontos fortes, na perspectiva do Sr. Ministro, relativamente ao orçamento da educação, que é o investimento humano, porque penso que...
A Sr.° Presidente: — Sr.' Deputada, peço desculpa, mas as condições acústicas estão um pouco más, se pudesse falar mais junto ao microfone, agradecia-lhe.
A Oradora: — Começaria por referir a questão do investimento humano, porque é importante deixar claro que, para os professores, a questão do debilitado sistema educativo que possuímos não se resolve efectivamente, nem se resolve em primeiro lugar ou exclusivamente, com questões de natureza salarial, com o desbloqueamento do 8.° escalão ou com o desaparecimento da candidatura: Eu diria que, provavelmente, neste momento, os professores estarão perfeitamente satisfeitos com o facto de questões desta natureza, em termos salariais, poderem, de algum modo, assegurar o melhor funcionamento das escolas onde trabalham e o seu apetrechamento.
Por exemplo — e daria este exemplo porque o Sr. Ministro fez questão de dizer que era matéria que não conhecia muito bem —, nos cursos tecnológicos, os professores terão mais condições para comprar os reagentes do que têm necessidade para dar as aulas de técnicas laboratoriais; poderão pagar com pouco mais de liberdade, não pondo em causa a sua sobrevivência mensal, as fotocópias que dão aos alunos; poderão até, como acontece em algumas escolas, também com maior facilidade, pagar alguns almoços a alguns alunos que saem, em concelhos mais rurais, às 5 horas da manhã, para começarem as suas aulas às 8 horas e 30 minutos e saírem das escolas às 18'horas e 30 minutos, não ficando, efectivamente, com tempo para estudar e às vezes não tendo dinheiro para comer.
Portanto, penso que, nessa perspectiva, os professores devem estar satisfeitos, porque, de algum modo, esta resolução de investimentos humanos poderá ajudá-los em termos da melhoria do trabalho nas escolas.
No que se refere aos cursos tecnológicos, gostaria também de dizer que há escola»que, neste momento, em termos do ensino secundário — 10.°, II." e 12.° ano — embora existam disciplinas denominadas técnicas laboratoriais de química, de física e de biologia, não podem funcionar, porque as escolas não têm sequer têm espaços nem infra-estruturas para que estas disciplinas sejam dadas, nem apetrechamento de natureza técnica para que elas funcionem, apesar de a reforma estar cm execução, como nós sabemos.
Portanto, alunos que, por exemplo, querem entrar numa faculdade de medicina estão em escolas do ensino secundário onde não é possível ensinar técnicas laboratoriais de
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biologia, onde elas não existem, e escolas cujos projectos de antecipação até à própria reforma foram aceites pelo Ministério e que estão em funcionamento. Posso dar-lhe
até alguns exemplos de escolas nessas condições.
Passando à análise das propostas em discussão na especialidade, reafirmamos, à semelhança do que fizemos no Plenário e em Comissão, que as mesmas visualizam uma progressiva diluição dos princípios e estratégias que, inicialmente, em documentos do Governo e até durante a campanha eleitoral, foram apresentados -de forma mais detalhada e concreta.
Também gostaríamos de reafirmar, situação que não vimos ser alterada, que o texto das Grandes Opções do
Plano e o do Orçamento se caracterizam por um grande antagonismo: enquanto o primeiro é fundamentalmente um enunciado de vontades e ambições, o segundo é um enunciado da incapacidade para tornar reais essas vontades e ambições.
É positivo, no entanto — o que pretendemos deixar igualmente claro —, que o Sr. Ministro tenha reconhecido, pela primeira vez, os pontos fracos deste Orçamento. Ficámos de algum modo espantados pelo facto de, cem Plenário e mesmo em reunião de comissões, se ter exclusivamente falado de prioridades que estavam asseguradas, quer em termos das Grandes Opções do Plano, a nível teórico-político, quer do Orçamento do Estado. Hoje, o Sr. Ministro reflecte uma postura bem diferente ao reconhecer que existem pontos fracos, ou seja, que os chamados pontos fortes das Grandes Opções do Plano são simultaneamente, nalguns casos, pontos fracos em termos de versão orçamental.
Penso que, neste momento, na discussão na especialidade, o Governo está em excelentes condições de melhorar — e este é um bom passo — o debilitado sistema educativo com o reforço de algumas dotações nas áreas em que o Sr. Ministro reconhece existirem algumas fragilidades, porque negar essa realidade deixará, como também já o dissemos, intocável aquelas que eram as grandes debilidades do governo anterior em matéria educativa.
Importa, mais uma vez, chamar a atenção para a vertente do pré-escolar, a que o Sr. Ministro já se referiu, e para uma afirmação que nos deixou algumas preocupações. É que, partindo do princípio de que ainda não há qualquer alteração a nível do acordo ortográfico que nos permita encontrar uma significação diferente para rede pública e tendo o Sr. Ministro afirmado que rede pública não é rede estatal, provavelmente, o novo acordo Ortográfico dar-nos-á como sinónimo de rede pública/rede privada.
Gostaríamos de ouvir explicitar esta leitura do Sf. Ministro para, em seguida, podermos comentar o que nos pareceu ser uma aproximação ou identificação de princípios — o que nos deixa espantados mais uma vez — às medidas legislativas que todos sabemos terem sido sobejamente criticadas por todos os parceiros que o Sr. Ministro, neste momento, considera extremamente importantes para a execução do pacto educativo e refiro-me às medidas legislativas do anterior governo e da Sr.a Ministra Manuela Ferreira Leite, que foram criticadas seriamente no que tinham a ver com o ensino pré-escolar.
Por uma questão de ética, não quero criar pressupostos, mas gostava que o Sr. Ministro não se limitasse àquelas respostas que nos tem dado em matéria do pré-escolar. Não estão em causa aqueles que já contribuem mas o modo insuficiente daqueles que deveriam contribuir com mais e a forma como se posicionam perante o cumprimento da Lei de Bases do Sistema Educativo e da Constituição.
Quanto à existência de escolas sobrelotadas, o Sr. Ministro já deixou muito claro que reconhece este aspecto
como um ponto fraco, no que tem a ver com as escolas
do básico e do secundário. Mas, sabendo nós da situação tão grave que se vive desde a generalização da reforma e que, neste momento, se agravou com o 12." ano extensivo a todo o país, bem como com as avaliações já feitas, concretamente, em termos de provas globais, que contribuem para o caos em que estão as escolas sobrelotadas deste país a nível da parte final do básico e do ensino secundário, como é que o Sr. Ministro equaciona esta
questão com verbas tão reduzidas em termos de Orçamento
do Estado?
Não nos referimos à questão do ensino especial na nossa intervenção no Plenário, porque não houve condições para isso, mas gostaríamos que o Sr. Ministro deixasse muito clara a leitura que faz do ensino especial, a fim de sabermos se abarca o pré-escolar até ao secundário ou se não abarca todos os sectores do ensino. Por outro lado, abarcando todos os sectores de ensino, quais são as verbas hipoteticamente distribuídas por cada um deles?
A Sr.a Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Calçada.
O Sr. José Calçada (PCP): — Sr.= Presidente, Sr. Ministro da Educação, exactamente por não dispor de muito tempo, vou colocar-lhe questões muito concretas, sendo a primeira sobre a difusão da cultura e do ensino da língua portuguesa no estrangeiro.
Tem havido grandes equívocos a esse respeito, em virtude de uma «passagem de bola» sistemática, durante alguns anos, entre a educação, por um lado, e os negócios estrangeiros, por outro, a pretexto de que o outro é que deveria fazer. Ora, no orçamento de funcionamento do Ministério da Educação, verifico haver um aumento de 3%. Não queria reduzir esta questão apenas a uma discussão de números mas, tendo em conta que a taxa de inflação previsível é de 3,5%, se tudo correr bem (ou mal, depende da perspectiva), não se verifica um aumento real. E o Sr. Ministro certamente concordará que o nosso país não deve «impor-se» por meio de forças militares ou de multinacionais espalhadas por todo o mundo e que, se algum meio tem para legitimamente «impor-se», é através da língua. Daí a importância estratégica, para um país pequeno como o nosso — mas cuja língua é a quinta mais falada no mundo — que a cultura e o ensino da língua portuguesa assumem. Repito, não é uma questão de somenos, sê-lo-ia eventualmente num país como os Estados Unidos da América. Para nós, não é e, para eles, como sabe, também não, embora por outras razões.
A segunda questão é relativa à educação especial. O investimento do Plano apresenta uma quebra de 15,7%; aliás, nesse domínio, o Ministério da Educação sempre foi muito claro, apresentando um orçamento discriminando as acções previstas, o que nos facilita muito a vida, tradição que se mantém. Que leitura isso permite, Sr. Ministro? Que apoio vai ser dado às escolas ditas normais — devo dizer que não gosto da palavra — na política do chamado ensino integrado?
O Sr. Ministro sabe perfeitamente que se tem tratado de um mero cenário, porque não há verdadeira política de integração para as crianças com deficiências nas ditas escolas normais. É um facto, uma tragédia. Os professores fazem sacrifícios terríveis, as poucas equipas disponíveis, com deficientíssima formação, fazem milagres, coisas ver-
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dadeiramente incríveis, pagando do seu próprio bolso deslocações. Os resultados são, genericamente, nulos, porque não é possível fazer mais.
A terceira questão é dirigida especificamente ao Sr. Secretário de Estado Guilherme d'01iveira Martins, que terá dito no outro dia, ao Diário de Notícias — e vou citá-lo tendo em conta que nem sempre os jornalistas dizem a verdade e até tivemos um Primeiro-Ministro que teve o cuidado de chamar-nos a atenção para o facto de que 95% do que publicavam era mentira —, que ia haver um aligeiramento dos programas. O que é que isto quer dizer? Ninguém percebeu e espero que o próprio jornalista também não tenha percebido.
Finalmente, o problema da nota mínima nunca existiria se não houvesse um exame. Aí reside a questão radical, no sentido de ir à raiz das coisas, pois a existência deste exame constitui um absurdo. Aceite este pressuposto por nós, a questão que se põe a seguir é duplamente perversa: é que quem vem agora assumir-se democraticamente contra a nota mínima é o ensino privado. Não lhe parece que, para perversão, já é demais?
Vozes do PCP: — Muito bem!
A Sr.a Presidente: — Srs. Deputados do Partido Socialista, é ou não o momento oportuno para intervirem?
Risos do PSD e do PCP.
O Sr. Fernando de Sousa (PS): — Sr.a Presidente, de facto, este é o momento oportuno para intervirmos.
Gostava de, em primeiro lugar, lembrar que estamos a discutir o Orçamento na especialidade. No entanto, verificamos que alguns dos Srs. Deputados têm colocado as mais diversas perguntas ao Sr. Ministro, mesmo que tenham pouco a ver com o Orçamento. Isto quer dizer que, em sede de Comissão, o Sr. Ministro terá de mostrar disponibilidade pára discutir questões que não estão relacionadas com o Orçamento mas com política educativa, porque demonstra-se haver muita apetência pela discussão destes temas.
Estamos a discutir um Orçamento que constitui um instrumento das políticas definidas por um Governo. Um Orçamento pode ser um instrumento de política anual, quando se tem em consideração fundamentalmente aquilo que um Governo pretende fazer num ano, mas pode ser também entendido como um instrumento de política de médio prazo, neste caso, de legislatura. Ora, gostava de reforçar a ideia de que este orçamento da educação tem em consideração uma política de médio prazo, de legislatura, e que, portanto, deve ser entendido, antes de mais, por ter continuidade plurianual, como uni ponto de partida que irá ser desenvolvido ao longo da legislatura.
Nessa perspectiva, gostava de salientar, em primeiro' lugar, o esforço nacional desenvolvido para 1996, portanto, para este ano, com um aumento no PIDDAC, quando comparado com o executado no ano anterior, com o acréscimo da contrapartida nacional quanto às infra-estruturas, não esquecendo a acção social escolar do ensino superior, que, como o Sr. Ministro também já referiu, não regista um decréscimo, ao contrário do que foi por vezes referido e, se tivermos em atenção o FEDER adicional, regista mesmo um aumento de quase 18%.
Ficámos admirados com as dúvidas que se levantaram quanto ao. ensino superior e à valorização do estatuto remuneratório por pensarmos que o Sr. Ministro tinha
deixado bem claro, em sede de Comissão e mesmo na sua intervenção no Plenário, que este orçamento contemplava a valorização do estatuto remuneratório, tendo já expressão orçamental neste ano e continuidade plurianual.
As verbas para as escolas profissionais registam um acréscimo de cerca de 123%. Trata-se de um acréscimo muito forte, por boas e más razões. Por boas razões, porque este Governo aposta e pretende valorizar o ensino profissional e as escolas profissionais; por más razões, porque houve um subfinanciamento da parte do PRODEP. Entende o Sr. Ministro que este acréscimo de 123% vai ser suficiente para que a rede de escolas profissionais possa funcionar adequadamente ou não?
Registamos com apreço a afirmação da Sr.a Deputada Luísa Mesquita de que os professores estão mais satisfeitos do que anteriormente. Decerto não o estarão totalmente, mas sem dúvida que os professores, este ano, se encontram mais satisfeitos no que nos últimos anos. Registamos igualmente o mérito do Sr. Ministro por, ao introduzir uma nova prática na apresentação dos orçamentos, ter a originalidade e a coragem de chamar a atenção para os pontos fracos, ao contrário da prática seguida durante muitos anos pelos anteriores ministros da Educação.
Finalmente, Sr.a Deputada Luísa Mesquita, a designação de rede pública do pré-escolar não significa que esta seja estatal, se bem que também não seja privada, mas estou certo de que o Sr. Ministro responder-lhe-á sobre essa matéria.
Passo agora a palavra ao Sr. Deputado António Braga para esgotar os 10 minutos iniciais.atribuídos ao Partido Socialista.
O Sr. António Braga (PS): — Sr.a Presidente, Sr. Ministro da Educação, começo por referir a ideia que, para nós, é clara de que um sistema educativo que não valoriza o factor humano é inviável, por não responder aos problemas da sociedade. Aliás, o exemplo do passado demonstra-o: passámos anos a discutir a falta de pessoal auxiliar, por exemplo, nò pré-escolar, com pura perda de tempo e desperdício de dinheiro e de meios, o que foi prejudicial. Logo, entendemos que esta vertente de investimento no factor humano é uma opção. Quem governa tem de fazer opções, o Orçamento tem os meios que tem e a opção no investimento humano, para nós, é claramente uma paixão, até porque a paixão começa, em primeiro lugar, pelas pessoas.
Nesse sentido, no caso concreto, penso que são as pessoas que produzem ou não a eficiência do sistema educativo. Também temos consciência de que as condições materiais da escola constituem um factor importante e decisivo, simplesmente, dadas as condições orçamentais que temos, é necessário fazer opções.
Finalmente, como dizia Maria no Frei Luís de Sousa, gostava de dizer que o PCP demonstra ter papéis, no sentido de memória, porque no discurso que tem produzido sobre a educação...
A Sr.a Presidente: — Sr. Deputado, peço desculpa pela interrupção mas, se lhe for possível — não estou a impor nada como é evidente —, estando presente o Sr. Ministro da Educação e; respectivos Secretários de Estado, solicito que o seu pedido de esclarecimentos seja dirigido aos Membros do Governo presentes, deixando o debate entre as bancadas para outro momento.
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O Orador: — Sr.a Presidente, agradeço as suas sugestões mas vou tentar seguir o meu raciocínio. Aliás, as regras dos debates não são estabelecidas inteiramente por nós, têm sido desvirtuadas no caso do Orçamento e, em minha opinião, também temos de saber responder quando discordamos de algo.
Estava a lembrar ao PCP que, finalmente, descobriu os papéis, porque no discurso produzido nunca tinha dado importância à ideia da valorização dos professores consagrada por este orçamento. Foi sempre uma bandeira do passado e só hoje ouvi falar, e bem, finalmente desse
contentamento. Agregam-no depois a outra ideia, o que compreendemos, mas era muito estranho para nós que não se lembrassem disso.
Esse é um factor decisivo porque defendemos a alteração do padrão da qualidade do sistema educativo, a qual tem de começar, como dizia há pouco, pelos professores na procura de novas respostas. Esta é necessariamente uma nova resposta: queremos que a escola esteja ao serviço do desafio da mudança, ao serviço do desenvolvimento do país e, por isso, para procurarmos novas respostas, temos de entusiasmar e motivar os professores e os agentes educativos. Fica dado este sinal com a sua consagração neste orçamento, pelo que estou particularmente satisfeito.
Gostava também de salientar que ressalta deste orçamento a ideia da colaboração e contrátualização com o ensino particular e cooperativo. Pode ser entendido que este Governo ou este orçamento têm um privilégio excessivo em relação ao sistema particular cooperativo comparativamente com o sistema público. Como essa ideia é errada, na minha opinião, gostava que o Sr. Ministro pudesse esclarecer, designadamente, se o aumento da verba com aplicação no particular e cooperativo é inferior ou superior a 1995, e refiro-me ao que resulta directamente do esforço do orçamento do Ministério da Educação.
O ensino pré-escolar é também uma aposta fundamental. Foi sempre uma prioridade e congratulo-me especialmente por estar consagrado neste orçamento. Temos consciência de que, mesmo que definíssemos ainda este ano uma nova forma de intervir na criação e implementação da rede pré-escolar, ela não teria eficácia do ponto de vista do seu funcionamento neste ano lectivo e, portanto, em lermos da despesa deste orçamento, ainda aí não seria vertida.
Aliás, o governo anterior até tinha disposto uma verba razoável, que não chegou a concretizar justamente na ausência de capacidade de intervir no sistema, para ampliar a resposta do pré-escolar.
Gostava igualmente que o Sr. Ministro pudesse explicitar a articulação da montagem de uma rede pré-escolar pública e não estatal, quer contratualizando com as associações que intervêm no sector, quer com as autarquias. Por exemplo, como será resolvida, em termos de orçamento, a questão do pessoal auxiliar e do restante pessoal, bem como a das instalações? Qual o esforço financeiro necessário e quando poderá o mesmo ser previsto, a nível do orçamento, justamente para que fique explicitada a ideia de que o pré-escolar continua a ser, para nós, uma prioridade, que, simplesmente, não é organizável no imediato?
Nesse sentido, a possível inscrição de verbas neste orçamento seria absolutamente ineficaz, porque não haveria condições de realizá-la, tal como no passado aconteceu em relação ao Orçamento para 1995, apresentado pelo governo anterior.
Finalmente, o Sr. Ministro disse que o funcionamento das escolas era um dos pontos fracos deste orçamento. Estou tentado a concordar que o funcionamento das escolas, em termos de orçamento, tem sucessivamente diminuído nos últimos anos, registando cortes na ordem dos 10 e 20% anualmente. Ou seja, além do desgaste próprio da inflação, diminuiu no concreto e, se bem que o esforço feito para este ano seja superior à inflação, não compensa a quebra anterior. O importante em termos de funcionamento das escolas é o dinheiro mas não podemos esquecer o mecanismo burocrático que impede que as
escolas, por exemplo, transfiram verbas de uma rubrica para outra, quando numa se esgotam e noutra há verbas que, eventualmente, podem sobrar.
Portanto, a intervenção neste domínio também pode ser no sentido da desburocratização deste sistema de funcionamento das escolas, permitindo rentabilizar o investimento agora previsto no orçamento.
A Sr.a Presidente: — Gostava de esclarecer o Sr. Deputado Fernando de Sousa, que há pouco disse haver alguns temas à margem da discussão do Orçamento, de que terei de permitir que assim seja porque também estão a ser debatidas as Grandes Opções do Plano.
Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Educação.
O Sr. Ministro da Educação: — Sr.a Presidente, em primeiro lugar, gostava de fazer uma pequena reflexão sobre os números e a forma da minha primeira apresentação. Não são precisas cosméticas porque este "orçamento vale por si próprio. E, permitam-me o auto-elogio, quando tive a coragem de dizer que entendemos haver dois pontos fracos, esperava que os Srs. Deputados tivessem a mesma coragem e falassem nos pontos fortes deste orçamento, pois tem pontos fortes muito importantes.
Aproveito para dizer ao meu querido amigo Deputado António Galvão Lucas — e responderei igualmente ao Sr. Deputado Castro de Almeida — que esta prioridade quanto aos recursos humanos foi por nós assumida de uma forma frontal e na perspectiva de que não temos uma visão mercantilista neste domínio. Os professores não são uma classe profissional que se venda nem Queremos comprá-los; os professores não vêm para o terreno fazer exigências salariais apenas por quererem ser pagos como os mercenários; os professores são uma classe muito séria, à qual temos de dar uma grande importância.
O Sr. José Calçada (PCP): — Muito bem!
O Orador: — Dizer que esta é uma visão mercantilista é algo arriscado. Os professores são a base do sistema educativo e isto é que o Sr. Deputado Castro de Almeida, possivelmente, nunca entendeu.
Todos os sistemas educativos que conheço — e não vou puxar dos galões para dizer-lhe quantos sistemas educativos a funcionar, na prática, conheço — ou têm professores empenhados, formados e capazes de conduzirem projectos, que assumam o papel de educadores, que saibam como funcionam e são geridas as escola, que as saibam gerir, que tenham capacidade de liderança, que saibam trabalhar em grupo, que saibam inovar, que tenham iniciativa, ou não têm professores. Aquilo que importa não é pagar-lhes bem mas motivá-los e dar-lhes condições para que sejam muito mais do que funcionários, para que sejam verdadeiros profissionais dentro do seu território, que é o educativo.
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Isto, Srs. Deputados, não se resolve com uma grelha salarial e é por isso que a revisão do estatuto tem muita importância. Querer que uma profissão se dignifique e valorize não sucede apenas na visão mercantilista de VV. Ex." Importa, sim, encontrar formas para que os professores possam desenvolver, na escola, o papel integral de educadores, trabalho que tem de ser conduzido ao longo de muitos anos.
As valorizações ou as desvalorizações das carreiras não são instantâneas nem a carreira docente se desvalorizou em Portugal, instantaneamente. A primeira- vez que reuni com as instituições interessadas — e como sabem certamente, porque acompanham as notícias dos jornais, já reunimos praticamente com os grandes protagonistas do processo educativo em Portugal —, desde o Conselho de Reitores aos estudantes, do conselho dos politécnicos aos sindicatos, da Associação Nacional de Municípios Portugueses à CONFAP e às associações de pais, disse-lhes que tínhamos de melhorar a imagem da educação.
A imagem da educação não tem a ver com a grelha salarial nem com quanto os professores ganham, porque ninguém o sabe. Queremos que os professores se imponham pela sua qualidade e, sobretudo, que sejam, tal como há muitos anos eram em Portugal, antes da massificação do ensino, uma referência na sociedade portuguesa. E para serem uma referência na sociedade portuguesa, não vamos lá com o mercantilismo...
Quanto aos 2%, o que esteve em causa foi apenas o cumprimento do princípio da paridade entre a carreira docente do ensino não superior e a carreira técnica superior da função pública, excluindo os estatutos especiais. Incorporaram-se 2% da grelha de 1991 do índice 100, que, como sabe, estavam «pendurados» nos vencimentos dos funcionários públicos, para fazer a actualização do índice 100 em 1996.
O equilíbrio que o Sr. Deputado António Galvão Lucas pretende julgo ser conseguido neste orçamento. Há uma prioridade clara aos recursos humanos e tive o cuidado de apresentar a nossa perspectiva nesta matéria dizendo que era necessário resolver as questões que nos estavam colocadas e que eram uma canga imensa para arrancar não propriamente com um sistema de atracção ou de motivação enganosa dos professores mas para lhes darmos um sinal claro de que estamos interessados em valorizar e dignificar a sua carreira.
A negociação do estatuto, ao contrário do que possa pensar-se, não é uma negociação da grelha salarial. Aquilo que, neste momento, estamos a discutir com os sindicatos, com os quais estabelecemos um acordo quanto aos princípios do sistema de avaliação, mostra a seriedade desta discussão porque se queremos dignificar e valorizar a carreira docente, temos de encontrar contrapartidas para que essa carreira seja valorizada por si. E enquanto que a carreira do ensino superior, nomeadamente a do ensino politécnico e universitário, sobretudo a do universitário, é extremamente exigente (até ser atingido o topo de professor catedrático há hoje sete provas, entre provas públicas ou concursos documentais), na carreira do ensino não superior não temos, neste momento, um mecarfismo que permita garantir a manutenção, ao longo da mesma, dos níveis de exigência que entendemos que deve ter, para dignificar a sua imagem. Assim, temos um acordo com todos os sindicatos sobre ps princípios a que deve obedecer o sistema de avaliação da carreira dos professores ao longo da sua prestação na escola. ,
Permitam-me que faça duas ou três observações relativamente a algumas questões que aqui foram suscitadas, começando por voltar à questão dos números.
A revisão do ensino superior não foi estabelecida depois mas antes do Orçamento; é de 3,1 milhões de contos e está incluída nas verbas já previstas desde o início.
Passemos à revisão do estatuto do ensino não superior, questão que também foi colocada pelo Sr. Deputado Castro de Almeida.
Não temos propriamente a visão da «factura» no sentido em que o Sr. Deputado é capaz dc ter pensado. Quando referi que queríamos quantificar foi porque o estatuto, que está em vigor desde 1989, tem, salvo erro, três artigos — o 53.°, o 54.° e o 55.° — cuja regulamentação nunca foi feita. Como sabem, no dia em que for feita, esta regulamentação implica um acréscimo de verbas para O Orçamento do Estado que calculamos que seja absolutamente incomportável. Significa isto que, em 1989, a negociação foi feita sem se ter a mais pequena ideia de quanto iria custar.
Ora, o Sr. Deputado Castro de Almeida, que teve responsabilidade no Ministério da Educação, sabe que isto é assim e sabe que é este um erro que não queremos cometer. Gostamos de aprender com os erros dos outros e, portanto, muito gostaríamos que, tal como foi acertado com as organizações sindicais, a revisão do estatuto fosse feita nesta lógica de percebermos quanto custa cada uma dás acções. Aliás, eu já disse qual o valor que teria esta acção da revisão do ensino superior.
Passando às questões suscitadas pelo Sr. Deputado António Galvão Lucas, devo dizer que estou de acordo quando faz uma dicotomia entre não podermos ter professores motivados se não tivermos escolas e não podermos ter escolas se não tivermos professores. No entanto, há um dado que eu gostaria de corrigir. Tem sido dito que não é significativo o nosso esforço em matéria de novas escolas. Ora, em relação à comparticipação, isto é, às verbas que provêm dos impostos dos portugueses, vamos colocar, em 1996, uma verba de 17,8 milhões de contos. No ano passado, a dotação inicial foi de 12,1 milhões de contos, 0 que corresponderia a um aumento de 47,8%, em termos de dotações iniciais, mas, comparando com o executado, dado que houve um reforço considerável das verbas em termos da comparticipação nacional, o crescimento é apenas de 26,7%, pois, em 1995, o executado foi de 14,1 milhões de contos; em 1996, temos prevista uma verba de 17,8 milhões de contos. Portanto, em termos de esforço nacional, não me parece que seja pequeno.
Ainda uma observação relativamente a um dado sobre o ensino particular e cooperativo, questão que foi colocada em Plenário pelo Sr. Deputado José Cesário, que a retomou aqui, Hoje. Devo dizer que, na página 17 do relatório por acções apresentado pelo Ministério da Educação, a nota de pé-de-página esclarece a sua dúvida. É que o crescimento não é de 29,7% nó que respeita ao apoio ao ensino particular e cooperativo mas é apenas dé 5,4% e corresponde a uma actualização dos apoios aos contratos de associação e aos quadros simples e não aos quadros de patrocínio. Estes 5,4% são, apenas e tão só, destinados a cobrir o atraso na actualização destes subsídios, que não são actualizados, salvo erro, há três ou quatro anos.
Quanto à questão das bibliotecas escolares que aqui foi suscitada, devo' dizer que há um certo desencontro. É que na última reunião da Comissão de Educação, Ciência e Cultura a que compareci falei, sobretudo, de políticas enquanto os Srs. Deputados falaram de números. Hoje, que
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falo de números, alguns dos Srs. Deputados falaram. de políticas. Ora, penso que, um dia destes, deveríamos falar de políticas ou, então, de números, mas todos ao mesmo tempo!
A propósito de políticas, permitam-me que me debruce sobre a política do acesso ao ensino superior. A questão do acesso é muito complexa, os seus primórdios remontam a 1974-1975 e só pode perceber-se se se souber a história do acesso ao ensino superior em Portugal.
Não vou contar agora esta história, mas penso que poderemos ter uma outra ocasião para discutir com algum detalhe por que é que apareceu o numerus clausus, por que é que o sistema foi sucessivamente alterado, entre 1976, quando apareceu o primeiro numerus clausus nos cursos de Medicina, e por que é que hoje o sistema tem de ter um conjunto de regras que, sobretudo, valorizem, dignifiquem e melhorem a qualidade do funcionamento das instituições do ensino superior.
Ora, a política do acesso tem a ver com isto. A política do acesso não é apenas a de saber quem entra e quem paga, como é clássico na literatura americana, em que a pergunta é sempre a de saber quem entra e quem paga. Em Portugal, a questão é um pouco diferente.
Em Portugal, temos um ensino superior não inteiramente consolidado e estabilizado e a política do acesso tem a ver com o grau de estabilização que pretendemos ter no ensino superior. Há que ser muito cuidadoso nesta matéria, mas também muito rigoroso e muito corajoso. Não se trata aqui de ser ou não oportuno, há princípios que têm de ser definidos. No entanto, o que se procura fazer não se conseguirá com a revisão do acesso a meio do período, Sr. Deputado Castro de Almeida. A única alteração que é introduzida é a do bom senso.
Quando o governo anterior introduziu os exames finais do 12.° ano, na lógica de terminus de uma reformulação curricular que chegava ao fim — e não da reforma curricular, termo que eu não utilizo —, medida que aplaudi publicamente, é óbvio que havia uma consequência lógica para tal. É que não faz sentido repetir as mesmas provas, que têm exactamente o mesmo tipo de enfoque. E se, como ocorre, as instituições de ensino superior credibilizam o ensino secundário, legitimam as provas do 12.° ano mesmo atites de se realizarem — legitimam-nas porque dizem «nós aceitamos que as notas destas provas sirvam para compor a fórmula que não é alterada» —, então, nós não alteramos qualquer regra relativamente ao plano de estudos dos estudantes.
Os estudantes mantêm exactamente o mesmo plano de estudos que tinham no dia em que, em Setembro, entraram nas suas escolas, nas várias variantes para quem termina o 12.° ano de escolaridade — e quando digo «várias» são pelo menos cinco variantes clássicas, embora possa haver umas 15 ao todo —, ou seja, dizer-se que há uma alteração a meio do ano só por menos, boa fé. O que importa é que os estudantes tenham o mesmo ritmo, o mesmo plano e os mesmos objectivos.
A existência da nota mínima é um princípio que tem de ser assumido com frontalidade, e por todos. Não se trata de um «jogo do gato e do rato» para ver quem diz que sim e quem diz que não. A nota mínima foi recomendada por duas vezes no passado recente, em 1988 e em 1993, relativamente a alterações do sistema de acesso, pelo Conselho 'Nacional de Educação, por unanimidade de lodos os parceiros que aí tinham lugar, como uma forma de introduzir em Portugal rigor e melhoria da qualidade. Ora, o Governo entende que este é um princípio que temos de
assumir. Daí que eu próprio não esteja particularmente preocupado com a questão que o Sr. Deputado colocou, sobretudo porque estou absolutamente ciente de que esta medida não irá prejudicar os estudantes, antes irá benefíciá-los.
Se neste sistema de acesso há questão importante para o sistema educativo é a de que os exames, es 500 000 exames com características nacionais que vão fazer-se em termos de 12.° ano, estão a ser preparados com um rigor e uma qualidade que vêm desde o início do ano lectivo. Este exame é estruturante do sistema educativo português, não é uma medida transitória como foram as provas específicas, o ano propedêutico, o ano zero, a passagem pelo ano cívico, as milhentas fórmulas que foram introduzidas desde 1977 até hoje.
O exame final do 12.° ano é um elemento estruturante do ensino secundário. Aliás, penso que foi sempre esse o objectivo de quem o lançou e como não fui eu, estou completamente à vontade para dizê-lo. A propósito, essa é uma linha de discussão de política educativa que, um dia, eu gostaria de travar com a Comissão de Educação, quando o Srs. Deputados entenderem, pois esta matéria faz parte integrante do pacto educativo para o futuro.
Se, em Portugal, há área de indefinição quanto aos respectivos objectivos é a do ensino secundário, e por uma razão simples: é que o ensino secundário é o sistema que apareceu mais tarde em Portugal, apenas a seguir à Convenção de Évoramonte, salvo erro, em 1834, altura em que se introduziu o sistema de ensino secundário e dos liceus. Ora, o papel do ensino secundário nunca foi bem entendido pela sociedade portuguesa, sobretudo na fase em que se começou a estender a escolaridade obrigatória, a partir dos anos 60, quando a mesma passou de quatro para seis anos.
Portanto, estamos perante uma matéria estruturante, sobre a qual temos de pôr-nos de acordo. Trata-se da diversificação do ensino secundário em que o exame final do 12.° ano é algo que vem estruturar um sistema educativo de uma forma muito definitiva e em que, pe\a primeira vez, temos a possibilidade de defini-lo. É que, quando existia o chamado exame do 7.° ano do liceu, que todos fizemos há alguns anos, esta matéria estava por discutir porque, nessa altura, a escolaridade obrigatória era de seis anos, existia um sistema de formação técnico-profissional completamente diferente do que pode existir hoje e o exame do 7.° ano mais não era do que o «passaporte» para aceder ao ensino universitário. Hoje, o exame final do 12.° ano tem outras características. A máquina do Ministério está particularmente apostada em fazer deste exame uma prova não já como o Abitur do sistema alemão mas algo de que os estudantes possam orgulhar-se.
Passo agora às questões colocadas pela Sr.ª Deputada Luísa Mesquita, que foram muitas, mas apenas vou debruçar-me sobre duas ou três.
Devo dizer que referimos os pontos fracos por uma razão simples: é que somos sérios e, como tal, viemos aqui dizer que entendemos que no Orçamento há dois pontos em que, se tivéssemos disponibilidade financeira, poderíamos ter ido um pouco mais longe. E isto é dito com toda a clareza. Não ser sério seria vir aqui dizer que realizámos tudo o que queríamos. Ninguém faz um orçamento exactamente como quer, porque há limitações de ordem financeira, aliás, como acontece em todo o mundo.
A Sr.* Deputada colocou uma questão importante que é a do ensino pré-escolar. Sobre isto, lamento dizer-lhe, não estamos de acordo, pois há aqui algo que nos divide de
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uma forma muito significativa. Aliás, quando o Governo entendeu «dar um sinal» quanto ao ensino pré-escolar, criando 779 lugares de educadoras, tive ocasião de dizer que tínhamos dois objectivos e dissemo-lo claramente à Associação Nacional de Municípios.
Em primeiro fugar, criámos aqueles lugares de educadoras porque, neste momento, elas pertencem à Administração Central, nó entanto, não cederemos no caso das auxiliares de educação. Não cederemos porque é esta medida que demonstra como temos uma concepção diferente.
É que, tal como acabou de dizer o Sr. Deputado António Braga, nós entendemos que público não significa estatal. Ora, penso que quando a Sr.° Deputada Luísa Mesquita fala em «público» quer dizer «estatal», enquanto que nós próprios falamos em ensino público articulado em pelo menos três modelos diferentes: aqueles que poderão depender do Estado, que penso que deveriam ser uma minoria; aqueles que são públicos e autárquicos e que devem ser acertados com o governo central; aqueles que deverão ser contratualizados com outras entidades e aqueles que deverão pertencer a instituições privadas ou às chamadas instituições particulares de solidariedade social (TPSS).
O modelo preconizado pela Sr." Deputada Luísa Mesquita é o mais simples, é aquele em que há uma entidade, que é o Estado, que tem as educadoras, as auxiliares, os edifícios, é como que o segundo ou o terceiro ciclo. Quanto a isto, não nos enganemos: não estamos de acordo sobre esta matéria. Quando estamos de acordo, eu digo-o, mas, neste caso, não estamos e, portanto, não nos enganemos. Esta é, assim, uma matéria que certamente vai dividir-nos. Penso que é demasiadamente importante para as nossas crianças, de modo que se não justifica não arranjarmos um modelo apenas por haver uma parte que não está de acordo. Assim, vamos ter de ver quem está de acordo e essa parte avançará connosco.
Em relação à educação especial, o Sr. Deputado José Calçada enunciou dois números mas — e peço desculpa —, por um lado, «jogou» com percentagens e, por outro, com os valores globais.
No que respeita à educação especial, houve um crescimento de verbas de funcionamento de 3 milhões de contos e o «brutal decréscimo» de 15,7% que o Sr. Deputado citou relativamente ao investimento traduz-se em 50 000 contos. Esta coisa das percentagens...
Portanto, quem não tenha lido os números ficará convencido que um decréscimo de 15,7% significaria 2 ou 3 milhões de contos, mas não, são 50 000 contos contra um crescimento de 3 milhões de contos nas verbas de financiamento. Penso que, com esta clarificação, está tudo dito quanto à educação especial.
Quanto à Sr.° Deputada Luísa Mesquita, colocou a questão de outra forma, que é a da importância do ensino especial e do que deveria fazer-se.
Este ano, os dois Secretários de Estado e eu próprio visitámos algumas instituições de ensino especial na véspera do Natal, o que não foi noticiado pela comunicação social porque eu próprio entendi que a mesma não deveria ser informada. Visitámos uma instituição de ensino inteiramente privada e uma outra, uma CERCI. Como sabe, as CERCI têm vindo a ter uma relação muito especial com o Governo no sentido de poder renegociar-se um acordo global quanto ao seu papel. Quero dizer-lhe que nunca tinha visitado nem conhecido nenhuma CERCI e fiquei particularmente impressionado porque percebi que o tra-
balho que lá se faz não é para ser quantificado em termos de números, de milhares ou de centenas de milhar de contos, antes tem a ver com as relações das pessoas, tem a ver com o acto de amor — permitam-me usar este termo — que se pratica nas CERCI. Repito que estou à vontade para dizer isto tudo porque não conhecia estas instituições.
As CERCI constituem uma forma quase comovente de apoiar as crianças deficientes. Naquela minha visita, tive ocasião de falar com os pais das crianças, os quais, como sabe, são quem dirige aquelas cooperativas e repito que fiquei particularmente impressionado. Aliás, não direi mais nada sobre isto porque penso que não vale a pena.
Passo, então, a um outro ponto que é o das técnicas laboratoriais.
Às vezes, em debates não do tipo deste nosso que é muito especial porque tem um enfoque essencialmente político, fala-se muito em técnicas laboratoriais. Ora, sou extremamente sensível a esta matéria, até porque — e, aqui, permitam-me que «puxe dos meus galões» — fiz uma tese de doutoramento, que iniciei em Inglaterra e acabei cá, essencialmente baseada em técnicas laboratoriais. Tenho um pouco a ideia de que, hoje, fala-se em técnicas laboratoriais quase como um exercício intelectual. Quando, há pouco, eu disse que não conhecia as escolas tecnológicas significava que quero ir ver os equipamentos tecnológicos, porque tenho algumas dúvidas sobre alguns deles.
A propósito, há uns anos atrás, aquando do projecto do Banco Mundial para equipamento das escolas secundárias, entre 1982 e 1985, na altura em que eu próprio dirigia o grupo coordenador dos projectos daquele Banco, recordo-me, talvez exorbitando das minhas funções, de ter olhado para algumas listas de equipamentos adquiridos por técnicos, alguns dos quais nunca trabalharam num laboratório.
Aliás, não quero fazer qualquer crítica a ninguém mas devo dizer que fala das técnicas laboratoriais quem nunca viu um laboratório nem nunca mexeu em nenhuma técnica laboratorial. É que técnicas laboratoriais não significa apenas «inundar» os laboratórios com equipamentos muito sofisticados. Do que o ensino português mais carece é do espírito relativo ao ensino experimental. O que falta as nossas escolas é ter a ideia do que é ensino experimental.
Há muitas escolas em que pode introduzir-se dezenas ou
centenas de milhares de contos de equipamento mas onde continuará a não haver qualquer espécie de ensino experimental. É necessário fazer um esforço enorme na formação avançada de professores e de formadores para o ensi-no experimental. Em Portugal, matou-se o ensino experimental quando ele se massificou.
Arrisco-me a dizer que muitos dos Srs. Deputados que aqui estão nunca fizeram uma experiência laboratorial ao longo de toda a sua vida escolar, com enormes consequências para a forma como os senhores e nós todos actuamos em termos da vida moderna. Portanto, o que importa não é apenas falar nas técnicas laboratoriais, nas técnicas experimentais, nos milhões de contos de equipamento. Há que desenvolver uma acção muito mais importante, a de reintroduzir nas escolas a ideia do ensino experimental.
Celebrámos um protocolo com o Ministério da Ciência e Tecnologia e, hoje mesmo, tive uma reunião com um professor português, que não vive em Portugal mas está particularmente interessado nesta matéria e vai assumir
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altas responsabilidades no nosso país, numa instituição não
pública, o qual está disponível para trabalhar numa área muito específica, a da Biologia, que, como sabem, é uma área de ponta, no sentido de levar a efeito algumas acções que permitam formar formadores para a área das técnicas laboratoriais.
O Sr. Deputado Fernando de Sousa referiu a questão das escolas profissionais, tendo dito, e bem, que o aumento brutal do número destas escolas é feito por boas e por más razões e eu próprio penso que é feito por boas razões. Este é, talvez, um dos sectores do sistema educativo português, sobretudo na franja do ensino pós-obrigatório, em que importa tomar, muito rapidamente, algumas medidas que permitam racionalizar este sistema.
Devo dizer que estou à vontade para falar porque quando tomei conta da pasta da Educação, no final de Outubro, apenas tinha uma ideia dos problemas complexos que afligiam as escolas profissionais, enquanto hoje, através da avaliação que já está feita, verifico que, mais do que um problema de financiamento, estas escolas têm um problema de consolidação do seu próprio estatuto.
O aumento de 123% que o Sr. Deputado referiu contém alguma perversão, mas importa salvaguardar os estudantes que estão neste sistema e, portanto, toda a racionalização que possa vir a ser feita deverá sê-lo de acordo com as próprias instituições ou, pelo menos, com as duas organizações mais significativas è. deverá proceder-se com alguma garantia de que as pessoas não são prejudicadas.
Quanto à questão sobre o ensino pré-escolar suscitada pelo Sr. Deputado António Braga, penso que já respondi quando, há pouco, dei resposta à questão da Sr." Deputada Luísa Mesquita.
O Sr. António Braga (PS): — Sr. Ministro, agradecia que respondesse apenas à questão relativa à dependência do pessoal.
O Orador: — Dir-lhe-ei, então, como colocámos essa questão. Quanto ao pessoal auxiliar, entendemos que não deve pertencer a um quadro nacional, embora não exclua que possa haver quadros de educadoras ao nível distrital, de agrupamentos de concelhos ou ao nível regional, se e quando houver regiões. Portanto, cremos que este pessoal auxiliar não é, claramente, assimilável por uma rede que tenha a ver com o ensino público global.
Quanto às instalações, penso que temos de conseguir um entendimento, sobretudo com as autarquias. Os jardins de infância daquilo a que, impropriamente, se chama a rede autárquica — digo «impropriamente» porque os autarcas não gostam que falemos em «jardins de infância autárquicos» — são públicos.
O que importa é que haja um acordo, para o qual a Associação Nacional de Municípios está disponível neste momento. Na sexta-feira passada, tivemos uma longa e proveitosa reunião com a Associação Nacional de Municípios em que ficou estabelecido um acordo político quanto à transferência de competências relativamente à escolaridade obrigatória, começando pelo completar dos transportes, pela acção social escolar, pelas reparações e pelas instalações, e ainda teremos de ter uma outra discussão, a nível político, acerca do ensino pré-escolar. Uma vez que o trabalho estratégico sobre o ensino pré-escolar ficou pronto na semana passada, vamos apresentá-lo publicamente e, depois, discuti-lo-emos com a Associação Nacional de Municípios, ocasião em que será tida em conta tanto a questão do pessoal auxiliar como a das instalações.
A Sr." Presidente: — Muito obrigada, Sr. Ministro. Vamos passar à segunda ronda de perguntas, pelo que tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr." Presidente, Sr. Ministro, começo por agradecer aos Srs. Deputados do Partido Socialista o facto de, tão solicitamente, terem respondido de imediato às questões que foram colocadas pela nossa bancada,...
O Sr. José Calçada (PCP): — Só a algumas!
O Orador: — ... justificando assim a opção de intervirem no fim.
O Sr. Ministro acabou de falar no relacionamento com as autarquias locais e a questão que tenho para colocar-lhe, embora noutra vertente que não a que temos estado abordar, também tem a ver com as mesmas, é a questão dos pavilhões escolares e dos protocolos assinados pelo anterior governo com as autarquias com vista à construção dos mesmos.
Noutras reuniões dá Comissão de Educação, Ciência e Cultura em que esteve presente e em que esta questão foi abordada, o Sr. Ministro garantiu que o programa ia ser integralmente cumprido, estando a estudar-se o início de um outro programa para mais tarde, depois de cumprido o que já estava previsto e acordado. Pelo menos, foi isto que entendi, portanto, corrija-me se eu estiver errado.
No entanto; tivemos conhecimento de que as autarquias têm estado a ser contactadas no sentido de que, quanto ao que estava acordado, seria necessário encontrar um novo timing, um novo faseamento da construção, alargando os respectivos prazos, eventualmente começando apenas por uma parte dos pavilhões. Portanto, gostaria de saber se assim é de facto, o que está previsto quanto a isto e que condicionantes orçamentais existem no que diz respeito a estes pavilhões.
Em seguida, e partindo do princípio que o Sr. Ministro já o anunciou diversas vezes, em sede desta Comissão e do Plenário, quanto ao financiamento do ensino superior e à participação dos estudantes no mesmo, a qual sempre
ligou à existência de uma reforçada acção social escolar
que permitisse contrabalançar essa participação no funcionamento, embora não sendo eu próprio um especialista em números e olhando apenas para os dados que o Ministério nos distribuiu, devo dizer que me parece ser insuficiente o acréscimo que se prevê para a acção social escolar, na perspectiva da participação dos estudantes no financiamento.
Por outro lado — e esta é a questão mais concreta que queria colocar-lhe —, em vários dados que nos foram distribuídos quanto à acção social escolar, fala-se sempre na dupla vertente das bolsas e dos empréstimos. Ora, tendo em conta que os empréstimos oneram, de facto, os primeiros anos da vida laboral de um estudante, com um peso que advém do que lhe é emprestado pelo Estado, constituindo, portanto, uma situação radicalmente diferente da das bolsas de estudo, importava saber, quanto às verbas que estão previstas e que contêm esta duplicidade, que peso vão ter os empréstimos para que possamos avaliar se as bolsas de estudo propriamente ditas aumentam, se mantêm ou diminuem.
Mais adiante, o Sr. Ministro falou nos pontos fracos do Orçamento mas, a menos que eu próprio não estivesse devidamente atento, penso que não considerou como ponto fraco o que, em nossa opinião, o é na verdade, ou seja,
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o facto de não acelerar os investimentos do Plano, tendo em conta as necessidades existentes, nomeadamente o reforço da construção de novas instalações. Quanto a nós, não há um aumento significativo nesse ritmo de construção e, assim sendo, eis-nos perante outro ponto fraco do Orçamento, não de somenos importância.
A este propósito, temos as questões que, potencialmente, não teriam a ver com o Orçamento mas que lhe estão indissociavelmente ligadas. É que quando falamos de acesso ao ensino superior e verificamos que, de facto, não há um investimento acelerado na construção de instalações, é óbvio que estamos a falar de questões orçamentais e de condicionantes que têm a ver com o regime de acesso ao ensino superior e com outras medidas.
A Sr.° Presidente: — Tem agora a palavra a Sr.° Deputada Isabel Sena Lino.
A Sr.* Isabel Sena Lino (PS): — Sr." Presidente, Sr. Ministro, voltarei à questão dos pavilhões numa perspectiva que tem sido defendida, mais particularmente quanto ao investimento no sistema desportivo, mas gostaria de inseri-la na área mais vasta do sistema educativo pois, em nosso entender, esta questão não pode estar desinserida de uma politica de espaços desportivos onde a escola tem um papel fundamental.
Antes de passar à questão propriamente dita, gostaria de utilizar parte do tempo de que disponho para tecer algumas considerações.
É decorrente da Lei de Bases do Sistema Educativo que todas as escolas devem possuir instalações próprias para a disciplina de Educação Física e Desporto, localizadas no terreno escolar e devidamente dimensionadas, e outros espaços do edifício escolar, numa unidade coerente. Ora, sabemos que há escolas que ainda não têm infra-estruturas.
É também decorrente daquela mesma lei que as escolas devem ser polivalentes e que as instalações devem possibilitar a realização de actividades de carácter formativo, cultural, lúdico, desportivo e social, para além das de âmbito curricular. Ora, se a escola é entendida como um equipamento social integrado, é relevante o contributo que assumem as instalações para a educação física e para o desporto. As instalações e o equipamento condicionam decisivamente a possibilidade de concretização dos objectivos porque são instrumentos pedagógicos.
Sabemos que, para equipar todas as escolas, é necessário gerir adequadamente os recursos financeiros disponíveis e não apenas os custos de construção mas também os de manutenção e de conservação. Pensamos ainda que quando a Administração Central opta por programas deve ter em atenção as realidades locais, as diversas tipologias, a sua polivalência e flexibilidade, as condições e os recursos.
Ora, a disciplina de Educação Física decorre num espaço e num tempo inscrito no horário dos alunos, deve resultar de uma acção pedagógica e visa o rendimento educativo expresso nos programas. O que se aprende nesta disciplina não pode ser compensado ou substituído fora deste quadro que está institucionalizado para todas as crianças. Portanto, nenhuma instituição de carácter associativo ou particular — refiro-me a um clube, a um ginásio e, inclusivamente, até ao desporto escolar como complemento curricular — tem possibilidade de desempenhar o papel equivalente da disciplina de Educação- Física. Assim, é necessário investir nas instalações para esta disciplina, que
devem ser concebidas e construídas em função das necessidades e dos problemas colocados pelos utilizadores e pela própria leccionação.
Em nosso entender, devem articular-se os interesses da disciplina de Educação Física com a competição desportiva. No entanto, não deve subordinar-se o rendimento educativo ao rendimento desportivo, uma vez que os alunos subordinados ao primeiro são em muito maior número do que a franja daqueles que estão subordinados ao segundo.
Tudo isto para frisar que as instalações fazem parte do enriquecimento global da escola, são recursos de aprendizagem e, por isso, temos de defender escolas que, à partida, englobem todas essas instalações para dar resposta às necessidades da comunidade escolar. Ora, não sei se é exclusivamente através dos pavilhões gimnodesportivos que conseguimos dar resposta a essas necessidades. Frequentemente, a escola precisa de um «caminho», não de uma «auto-estrada».
De qualquer modo, uma vez que temos de conseguir dar resposta, quer à escola quer à comunidade, tendo, portanto, de haver uma certa ligação, e introduzindo a questão dos pavilhões não apenas numa perspectiva de desenvolvimento desportivo mas do sistema educativo, pergunto ao Sr. Ministro qual é o esforço financeiro e o investimento em construções desportivas previsto para 1996 e o que estará em perspectiva para os anos subsequentes relativamente a esta matéria.
Vozes do PS: — Muito bem!
A Sr.° Presidente: — Antes de prosseguirmos, queria fazer um pedido aos Srs. Deputados.
Ainda temos 15 ou 16 inscrições para pedidos de esclarecimentos ao Sr. Ministro. Portanto, se for possível, agradecia que os Srs. Deputados não fizessem grandes introduções, limitando-se a irem direitos às questões que têm para colocar, até porque, como sabem, a Comissão vai reunir hoje à noite.
Tem agora a palavra a Sr.° Deputada Maria Luísa Ferreira.
A Sr." Maria Luísa Ferreira (PSD): — Sr." Presidente, Sr. Ministro, vou voltar ao tema da educação pré-escolar.
Já aqui foi largamente referida a política do Governo relativamente à rede escolar, que, aliás, não difere da do governo anterior, e o Sr. Ministro já fez referência à provisão dos meios financeiros para dar corpo a essa política com vista a aumentar a acção de outros protagonistas para que a rede pública não seja apenas estatal. Assim, vou situar-me no dossier da transferência de competências da tutela para as autarquias.
A edição do jornal Público de anteontem traz uma notícia que refere o estado adiantado das conversações entre o Governo e os municípios relativamente àquela transferência de competência, referindo-se vários aspectos mas sempre a escolaridade obrigatória. Ora, no âmbito da educação pré-escolar e para além do que já é da competência das autarquias, consignado na transferência de verbas através do Fundo de Equilíbrio Financeiro, gostaria de saber o que o Governo pretende fazer — se é que pretende — no domínio da acção social escolar para este sector do ensino.
O Sr. Carlos Coelho (PSD); — Muito bem
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A Sr." Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado António Galvão Lucas.
O Sr. António Galvão Lucas (CDS-PP): — Sr.' Presidente, Sr. Ministro, vou fazer duas perguntas, ò mais concisas possível, uma das quais é sobre um aspecto muito concreto que tem a ver com a acção social escolar para os alunos das escolas superiores de enfermagem.
Trata-se de um problema que afecta 7000 alunos. Como o Sr. Ministro sabe, estes cursos de enfermagem estão sujeitos a uma dupla tutela — Saúde e Educação — e, portanto, relativamente à acção social escolar, cabe aos
dois ministros a concessão de apoios. Parece que o Sr. Ministro da Educação não terá tido possibilidade de receber representantes destes alunos, enquanto a Sr." Ministra da Saúde tê-los-á recebido e terá dito que ignorava que o Ministério tinha a ver com esta matéria. Ora, a verdade é que, consultando o Orçamento, não vemos, nem no sector da educação nem no da saúde, qualquer verba consignada à acção social escolar para estes estudantes. Esta é, portanto, a primeira questão muito concreta que lhe deixo.
Outra questão que lhe coloco será, eventualmente, de resposta mais demorada, mas, enfim, gostava de colher uma primeira sensibilidade do meu querido amigo Sr. Ministro Marçal Grilo sobre algo. que defendemos e que sé traduz na possibilidade de acabarmos com o 12.° ano, não porque constitua um adequado ou um inadequado método de avaliação, mas porque entendemos que é uma forma de atrasar a entrada na faculdade a muitas pessoas.
A Sr.° Presidente: — Para responder a este grupo de perguntas, tem a palavra o Sr. Ministro da Educação.
O Sr. Ministro da Educação: — Sr.* Presidente, Srs. Deputados, segundo me parece, vou ter de ser muito sintético e, depois, darei a palavra ao Dr. Guilherme d'Oliveira Martins, para também ele, de uma forma muito breve, responder à questão dos pavilhões e à forma como foi aqui colocada pelos Srs. Deputados Bernardino Soares e Isabel Sena Lino.
Relativamente às questões colocadas pelo Sr. Deputado Bernardino Soares sobre o financiamento ao ensino superior, trata-se de um problema que foi aqui suscitado, pela primeira vez, por mim, no debate do Programa do Governo, em que tive ocasião de definir que considerava, e ainda considero — não por uma questão de coerência mas porque tinha esses princípios previstos há muito tempo — , o financiamento do ensino superior como inteiramente relacionado com a questão do financiamento das instituições, nas suas várias linhas, isto é, em termos de funcionamento, de investimento, de contratos-programa e de incentivos.
Aliás, não temos abordado particularmente e nunca desenvolvemos ao ponto que deveríamos a matéria dos incentivos, sobretudo dos incentivos de qualidade, que são hoje uma das regras dos sistemas de financiamento mais modernos, nomeadamente deste último que foi introduzido na Holanda há relativamente pouco tempo e que se articula com a acção social escolar e com aquilo que tive ocasião de referir aqui, no Plenário, como a participação do estudante no próprio financiamento. E esta questão passa, em termos técnicos — como opção política, certamente —, pe\a questão das bolsas e dos empréstimos,
sendo talvez a questão dos empréstimos mais complexa
do que a sua pergunta me faz crer.
No sistema dos empréstimos, das bolsas, da acção social escolar e do financiamento tem de haver uma grande imaginação e uma grande capacidade para inovar. Nesta matéria, temos de ser inovadores, espero que o sejamos e espero cumprir aquilo que disse ao Parlamento em Novembro último, trazendo aqui, para discussão, um documento e um conjunto de leis que enquadrem esta questão, porque se trata de uma questão estruturante do sistema de ensino superior em Portugal.
Portanto, não se trata de uma questão de verbas previstas, Sr. Deputado, o que nos importa, hoje, é consolidar... Não podemos reduzir tudo a políticas orçamentais, nem
tudo é importante apenas porque tem,uma tradução
orçamental, há muita matéria que é importante, em si mesma, porque é estruturante. O mesmo sucede com o computador e o software; o software pode ser pirateado e, no entanto, é mais importante do que o próprio computador.
Neste domínio, importa ter em conta a possibilidade de utilizar um determinado esquema articulado, de ligação entre os vários parceiros. E, como sabe, neste sistema não é o Estado e a instituição, é o Estado, a instituição, o estudante, os sistemas de empréstimo e outros parceiros que também contribuem para o financiamento. Portanto, não reduziria este problema à questão de saber qual é a verba prevista e onde é que ela está, aqui; o que é hoje prioritário, já que estamos a falar de políticas, é a definição de um esquema de financiamento devidamente articulado e foi esse o nosso objectivo.
Relativamente ao que disse, no sentido de que não há avanço no investimento da acção social escolar, não estou de acordo, por uma razão simples: é que, quando na acção social escolar do ensino superior...
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Permite-me uma interrupção, Sr. Ministro?
O Orador: — Com certeza, Sr. Deputado.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Não era em relação à acção social escolar, mas, sim, no âmbito mais geral dos investimentos do Plano em relação ao ensino. A minha questão não era especificamente em relação aos investimentos do Plano na acção social escolar.
O Orador: — Muito bem! Se me é permitido esclarecer, também referi esse ponto, ou seja, disse quais eram, sobretudo em resposta àquela crítica que nos foi feita de que não criávamos mais lugares no ensino superior e de que não havia crescimento da capacidade de acolhimento a nível do ensino superior, e penso que essa é a área onde poderemos ter uma mais significativa aposta em termos de investimento.
O que se passa é o seguinte: temos um sistema que atingiu uma razoável consolidação, em termos de instalações, que é o sistema politécnico. Se conhece o sistema politécnico pelo País fora — com as duas excepções que aparecem como novas instalações, que são Águeda, no Instituto Politécnico de Aveiro, e a Escola de Elvas —, sabe que está razoavelmente consolidado. Trata-se de um sistema que vem do início dos anos 80 — foi pensado entre 1978 e 1979 —, teve um grande apoio financeiro, no início, dos dois projectos do Banco Mundial, veio depois a ser muito estendido para além daquela que era a rede inicial e está hoje razoavelmente consolidado.
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Portanto, se verificar, de acordo com os dados que estão aqui apresentados, as verbas de investimento no politécnico são, de facto, inferiores às do ano passado, o que tem algum significado: é que estamos a atingir uma fase de consolidação da capacidade do ensino politécnico.
A nível do ensino universitário, estamos agora a entrar numa nova fase, a de substituição de algumas instalações. E o sinal que é dado este ano, sobretudo com a nova Faculdade de Engenharia do Porto, substituindo a velha escola da Rua dos Bragas, traduz um salto significativo para quem tem uma faculdade com a qualidade de ensino que tem a Faculdade de Engenharia do Porto, a qual vai ser agora substituída por uma escola com instalações muito mais avançadas, modernas e tecnologicamente evoluídas.
Esta é, um pouco, a política que lhe posso apresentar para estes dois grandes vectores. Talvez seja esta a forma de nós, em termos futuros, podermos orientar, um pouco, as substituições ou a consolidação de instalações muito antigas. Refiro, por exemplo, o caso do próprio Instituto Superior Técnico, que se processou na passagem do XII Governo para o XIII Governo, onde se vai construir uma nova torre, bem ou mal, em termos de aspectos arquitectónicos e que não vou aqui comentar.
Aliás, peço desculpa de estar a dizer isto, mas conheço razoavelmente bem o problema do Instituto Superior Técnico nessa matéria e sei que aquele projecto foi conduzido pelo herdeiro do atelier do velho é famoso arquitecto Pardal Monteiro, tendo sido aquela a solução encontrada, no âmbito da lógica do projecto inicial. Houve uma distorção, em termos arquitectónicos, mas foi claramente assumida logo que foi pensada pela primeira vez. E, pasme-se, o primeiro projecto, o projecto das torres que temos hoje no Instituto Superior Técnico, salvo erro, é de 1977 ou de 1978.
Quanto ao que disse a Sr.° Deputada Maria Luísa Ferreira, já havia falado, en passant, no que era a transferência de competências. Não vou aqui referir o jornal, porque não estou a falar dele, mas o que temos acordado, em termos de transferência de competências, dando-lhe conta do que foi a reunião de sexta-feira passada, é o seguinte: acordámos, politicamente, com a Associação Nacional de Municípios atribuir uma grande prioridade à transferência do que está na escolaridade obrigatória, até a 9.a classe,... porque, repare, a transferência de competências só é relevante quando acompanhada da respectiva transferência do FEF.
A Sr." Maria Luísa Ferreira (PSD): — Naturalmente! Se não, não é aceite!
O Orador: — Nem é aceite, nem seria curial que se procurassem transferir responsabilidades não transferindo a respectiva contrapartida.
Como sabe, estou a dizer isto mas houve um período que terminou agora, com este FEF, em que os transportes foram transferidos, em termos de verbas, até à 6.° classe, embora tivessem sido depois assumidos pelas autarquias até à 9.3 classe. E o Sr. Deputado Carlos Coelho, que conhece bem esta matéria, sabe que houve aqui um défice para as autarquias de cerca de 1,5 milhões de contos que só este ano foi verdadeiramente reparado, com a transferência do FEF para 1996.
Portanto, quanto à escolaridade obrigatória, está acordado politicamente transferir os transportes e a acção social escolar. E se viu algumas notícias nesse jornal que referiu sabe que tinham a ver com a lógica de interven-
ção da acção social escolar e que o facto de passar a desenvolver-se ao nível das autarquias traz benefícios consideráveis, dado que cada autarquia terá a sua forma de actuar em termos de apoio alimentar — gosto mais de falar de apoio alimentar em substituição, por exemplo, de programa do leite escolar, que é uma matéria referida.
Por outro lado, gostaríamos de acertar tecnicamente a transferência das próprias instalações, em termos de reparações e de novas construções. Esta matéria prende-se com a área das redes escolares e das cartas escolares, cuja concepção cabe ao Governo e, por isso, tem de haver um diálogo muito aturado e muito intenso, de forma a que esta matéria possa ser conduzida com grande tranquilidade.
Em termos de escolaridade obrigatória, a fase seguinte é eminentemente técnica e, portanto, aquilo que se pode dizer sobre decisões, entendimento e consenso ao nível político está adquirido, ou seja, os objectivos da Associação coincidem com os nossos, tratando-se agora de resolver a questão em termos técnicos. Esta matéria está já a ser tratada ao nível técnico, pois está marcada uma próxima reunião com um grupo nomeado pelo Ministério que dialoga directamente com a Associação Nacional de Municípios.
Relativamente ao ensino pré-escolar, há uma necessidade de equacionar o papel do Estado, do Governo e das autarquias e estou a falar exclusivamente na parte da rede pública que caberá a estes dois protagonistas. Como disse, o trabalho que encomendámos em Novembro, e que é um trabalho de intervenção estratégica, de plano de execução, de medidas legislativas e do respectivo acompanhamento em termos financeiros, está pronto desde a semana passada. Vamos apresentá-lo publicamente e discuti-lo politicamente com a Associação Nacional de Municípios, pois, na reunião de sexta-feira passada, entendemos que não deveria haver lugar à discussão técnica, na medida em que necessitamos ainda de uma discussão política sobre esta matéria, para sabermos qual o papel que temos de desenvolver.
O Sr. Secretário de Estado da Administração Educativa (Guilherme d'01iveira Martins): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, um minuto apenas, para responder à questão já muito salientada aqui, em sede de Comissão, designadamente na Comissão de Educação, quanto aos pavilhões.
Bom, sejamos claros relativamente ao seguinte: há um programa que foi adoptado pelo anterior governo, o Programa Desporto 2000, orientado a partir do INDESP e que corresponde a um projecto inicial de 106 pavilhões. Ora, é esse programa que pretendemos terminar, independentemente de apreciações quanto a ele, que, com certeza, tem virtualidades. E é isso que está aqui em causa, designadamente quando se inclui no DEPGEF o montante de 500 000 contos para infra-estruturas gimnodesportivas.
Não misturemos, no entanto, as coisas, uma vez que a questão dos pavilhões gimnodesportivos nas escolas tem a ver com as instalações do ensino básico e secundário e, essas, naturalmente, estão incluídas nos montantes gerais relativos a infra-estruturas.
Quando, há pouco, o Sr. Deputado Castro de Almeida referiu a circunstância de se estar a prever este montante e ser melhor utilizá-lo para outros fins, o Sr. Deputado Castro de Almeida confundiu duas coisas. É que uma coisa é o apetrechamento, e esse está previsto relativamente aos pavilhões gimnodesportivos já pvovuos desse programa — e importa salientar que o programa-foi lançado e não
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correu bem, uma vez que os prazos inicialmente previstos não puderam, realmente, ser cumpridos —, outra coisa são estes 500 000 contos que estão no DEPGEF e que correspondem apenas à finalização desse projecto.
Não quero dizer que seja esse o montante exclusivo para pavilhões gimnodesportivos, porque a nossa orientação, como já foi afirmado pelo Sr. Ministro em Plenário, é a de que as novas escolas deverão ter pavilhões desportivos, o que, ultimamente, como sabemos, não sucedeu.
Mas é esse o princípio que tem de ser afirmado e, por isso, temos de agir em dois tabuleiros, ou seja, as novas escolas já terão pavilhões e relativamente às escolas que os não têm é necessário analisar, de forma sistemática, como vamos colmatar esse vazio. Esta é que é a questão, entendemos que é indispensável colmatar esse défice de pavilhões gimnodesportivos.
Uma última nota que quero fazer tem ainda a ver com uma questão do Sr. Deputado Castro de Almeida que ficou por responder, concretamente quanto aos compromissos com os sindicatos, designadamente em matéria de negociação nos ensinos básico e secundário. Nenhum compromisso foi assumido ou será assumido para 1996 depois de este orçamento ser aprovado.
Tivemos o cuidado de levar a efeito todas as negociações que eram indispensáveis, com repercussões no ano de 1996, a tempo de serem consagradas neste orçamento. E há nesse acordo, quanto ao estatuto da carreira docente, um compromisso aceite por todas as partes, no sentido de que os efeitos financeiros da alteração do estatuto ocorrerão sempre depois do dia 1 de Janeiro de 1997. Não poderia ser de outro modo, não poderíamos comprometer o orçamento para 1996 não o conhecendo no momento em que o aprovamos.
O Sr. Ministro da Educação: — Srs. Deputados, peço desculpa, mas não respondi ao Sr. Deputado António Galvão Lucas e, por razões óbvias, calculam como isso me penaliza.
Quanto à questão do 12.° ano, julgo que teríamos de chegar a acordo. E teríamos de chegar a acordo pelo seguinte: a lógica do sistema, hoje, é de 12 anos de escolaridade, não no sentido de estendermos a escolaridade a uma obrigatoriedade de 12 anos, pois penso que a escolaridade deve ter uma obrigatoriedade de nove anos e devemos consolidar essa ideia, mas no sentido de 12 anos de escolaridade que devem compreender um ciclo pós-obri-gatório diversificado. Ou seja, os três anos a seguir aos nove, isto é, o 10.° ano, o 11.° ano e o 12." ano devem assumir características de quatro áreas da maior importância, das quais lhe dou exemplo: uma área de ensino clássico, uma área de aprendizagem, uma área tecnológica e uma área de escolas profissionais. É nesta lógica de diversificação que temos de caminhar.
Imaginar-se que é possível extrair agora do sistema a «gaveta» do 12.° ano é absolutamente impensável, em termos estruturais. E suponho que para se fazer este raciocínio se parte do erro de que o 12.° ano nasceu do ano cívico, quando não é assim, o 12.° ano não é consequência do ano cívico, introduzido em 1974/75. Tem-se a ideia de que o 12.° ano foi a solução para a sequela do ano cívico, mas não é verdade, pois, qualquer que fosse o sistema, tínhamos de ter um 12." ano.
Em termos àe equilibrio e de coerência vertical do sistema educativo, não há possibilidade de fugir a isto. É que nós temos nove anos de escolaridade e, como sabe, houve uma lei de bases anterior, a Lei n.° 5/73, do Professor
Veiga Simão, feita imediatamente antes do 25 de Abril, que não encerrava a lógica dos nove anos de escolaridade mas apenas de oito anos, ou seja, tinha um ciclo de quatro anos e mais outro ciclo de quatro anos. Essa lei veio depois a ser abandonada, quando, a partir de 19.77/78, se pensou que o ciclo preparatório, o 5.° e p 6.° anos, tinham uma certa idenüdade e era muito difícil transferir esses dois anos para ò ciclo seguinte, ou seja, os antigos — mais do meu tempo do que do seu — 3." e 4.° anos do liceu.
O 12.° ano aparece, portanto, numa lógica de extensão da escolaridade secundária. Não é possível ter uma formação pós-obrigatória de dois anos, com características diversificadas, mas era-o no tempo anterior, em que os dois anos do pós-5.° ano do liceu eram uma espécie de preuniversitario, que dava apenas para transitar para o ensino universitário. Hoje, não é possível recuperar essa situação, nem é desejável que ela seja recuperada, porque estamos numa lógica de escolaridade obrigatória.
A Sr.° Presidente: — Suponho que o Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior quer dizer alguma coisa e, por isso, dou-lhe a palavra.
O Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior (Jorge Silva): — Sr." Presidente, se me permite, quero apenas avançar uma pequena nota para esclarecer o Sr. Deputado António Galvão Lucas quanto à questão das instituições de dupla tutela, nomeadamente das escolas superiores de enfermagem.
Relativamente a esta matéria, temos uma partição clara de responsabilidades com o Ministério da Saúde, que não passa pelo financiamento dessas instituições, cabendo-nos apenas a responsabilidade pedagógica e científica; as questões de carácter financeiro revertem directamente para o Ministério da Saúde. Ora, como compreenderá, não lhe posso responder pelo Ministério da Saúde.
A Sr." Presidente: — Srs. Deputados, vamos continuar
a ronda de perguntas e, mais uma vez, solicito que façam
perguntas directas, para que o Sr. Ministro também possa responder directamente, sem necessidade de dar grandes explicações.
Tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Castanheira.
O Sr. Ricardo Castanheira (PS): — Sr." Presidente, Sr. Ministro da Educação, tenho de começar, necessariamente, por saudá-lo pela honestidade intelectual e seriedade política, ao apresentar as fraquezas e as fragilidades deste orçamento, e também pelos aspectos positivos, particularmente no que diz respeito à acção social escolar.
Vou tentar ser mais específico do que o Sr. Deputado Bernardino Soares e, consequentemente, tentar também obter de si uma resposta mais concreta.
Em relação à acção social escolar, este orçamento contempla um acréscimo de 12,9% em relação ao do ano transacto, isto é, um valor total de 24,5 milhões de contos, quer para o ensino superior, quer para o ensino não superior. Isto é, de facto, de salientar, tanto mais que, a este propósito, convém relembrar que é o mesmo Governo que promove um aumento de 12,9%, em termos de dotações orçamentais, e que suspende a anterior lei das propinas. E qual o porquê desta comparação?
O Sr. Ministro, há pouco, já teve oportunidade de referir a relação intrínseca e trilateral desta questão. É que as propinas não podem ser vistas isoladamente, têm de ser
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vistas na sua dimensão correcta, em correspondência com o correlativo da acção social escolar e da política de financiamento. Ora, isto significa que este Governo tem uma visão global e abrangente desta questão, porque não se pode evoluir num sentido sem se evoluir necessariamente no outro, ao contrário daquilo a que assistimos durante os anos anteriores, em que, realmente, não houve um tratamento equiparado desta questão e a comparticipação das famílias no financiamento da educação correspondia, normalmente, a um decréscimo das dotações orçamentais.
Entendendo nós que a acção social escolar é, de facto, um instrumento vital para a diminuição das injustiças sociais e, necessariamente, fundamental também para a democratização social, cultural e educativa, conseguimos, então, perspectivar que é fácil de alcançar o seu objectivo primordial, isto é, o de melhorar significativamente as possibilidades de sucesso escolar, mediante prestação de serviços e concessão de todo o tipo de apoios.
Nesse sentido,. Sr. Ministro, coloco-lhe três questões, que visam, por um lado, desmistificar a ideia que algumas pessoas, nomeadamente alguns ex-responsáveis políticos por esta matéria, ainda têm no que diz respeito à acção social escolar e, por outro, permitir um cabal esclarecimento de todos os presentes.
Em relação aos 12,9% de acréscimo, julgo que não se trata da percentagem correcta, porque esta rubrica da acção social escolar é financiada não apenas por fundos nacionais mas também por fundos estruturais, como é o caso do FEDER. Portanto, Sr. Ministro, julgo que seria importante precisar esta questão, pois parece-me que estes 12,9% não são apenas 12,9%, o aumento é necessária amente maior.
Ainda em relação à acção social escolar, no que diz respeito ao ensino não superior, há um acréscimo de 31,8%. Este montante é, de facto, significativo, tanto mais que dá a dimensão da questão e a perspectiva que este Governo tem dela, ou seja, não podemos começar a combater os males e as injustiças no ensino superior, devemos começar logo nos primeiros ciclos. Por isso mesmo, gostava que esmiuçasse este acréscimo de 31,8%, em termos factualmente fundamentados.
Para terminar, gostava também de ouvir, algo mais sobre o acréscimo substancial da acção social escolar para o ensino politécnico e privado, que foi uma das grandes lutas dos estudantes nestes últimos anos e que, pelos vistos, este ano vai ser efectivamente contemplado.
Vozes do PS: — Muito bem!
A Sr." Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Lalanda Gonçalves.
O Sr. Lalanda Gonçalves (PSD): — Sr." Presidente, Sr. Ministro, vou ser muito rápido, porque a minha pergunta prende-se também com uma questão de princípio.
Muitas vezes tem sido dito que a educação é a paixão deste Governo, muitas vezes se tem visto que essa paixão é limitada. Mas relativamente à questão que me prende aqui, que é a paixão que tenho pelos Açores, gostaria de dizer o seguinte: neste momento, em relação à construção de residências universitárias nos Açores, este orçamento contempla zero camas. Trata-se de uma situação que, a meu ver, contraria um princípio básico e que decorre da assunção pelo Estado desta função, na Região Autónoma, que é o seguinte: nós, nos Açores, temos de vencer, internamente, a insularidade, ou seja, a dispersão arquipelágica.
É que um aluno das Flores, para vir estudar para Ponta Delgada ou para a Horta, custa ao seu agregado familiar quase o mesmo que para vir estudar para Lisboa, se não houver uma acção social universitária capaz, que tenha em conta os acréscimos que decorrem da situação insular. Dado que a função foi assumida pelo Estado, e a meu ver muito bem, compete ao Estado ter em conta este factor, que nos Açores tem uma expressão muito diferente da Região Autónoma da Madeira, mas que urge contemplar.
Por isso, a minha pergunta é muito simples: por que razão é que não se avança desde já com os projectos das residências universitárias previstas para Angra e Ponta Delgada, por que razão é que, neste momento em que o Sr. Ministro anunciou um crescimento de camas a nível do País, a opção para os Açores foi zero?
A Sr." Presidente: — Tem a palavra a Sr." Deputada Maria Celeste Correia
A Sr." Maria Celeste Correia (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro e Srs. Secretários de Estado: Sob pena de parecer que vou repetir alguns aspectos que já foram abordados, gostaria de começar por referir que este Governo tem vindo a reafirmar, em-coerência com o seu programa eleitoral, que a educação lhe merece uma atenção privilegiada, vulgo paixão.
Mas se o tem reafirmado por palavras, agora, de forma inequívoca, pela sua proposta de dotação orçamental, que sofreu aumentos substanciais, demonstra-o já não por palavras mas por actos.
Já aqui foi dito que privilegiar a educação é agir com justiça, é olhar com especial atenção os seus agentes e, de entre estes, os professores, actores fundamentais do processo educativo. É preciso mobilizar os professores para as importantes tarefas de carácter nacional que lhes incumbe desempenhar.
De facto, não se lhes pode pedir empenhamento se fizermos persistir «engarrafamentos», como disse o Sr. Ministro há bocado, ou seja, bloqueamentos no sistema, se não lhes garantirmos a confiança de que a nossa atitude, a nossa visão, a nossa filosofia e a nossa política é com eles e não contra eles.
Sr. Ministro, de entre os bloqueamentos existentes no desenvolvimento das carreiras dos professores, um, de grande importância, conforme já foi dito aqui por V. Ex.a, é a existência das provas de acesso ao 8.° escalão. Esse bloqueamento foi irracional, porque se fundou num puro estrangulamento financeiro, tendo o Sr. Ministro referido há pouco que havia 6000 casos em atraso, o que é um número espantoso.
O Sr. Ministro já confirmou que o Governo vai cumprir a promessa eleitoral de abolição das provas de candidatura ao 8.° escalão e queria perguntar-lhe se confirma que é de 9 milhões de contos o montante destinado ao cumprimento desta promessa. Por outro lado, queria saber qual o tempo de serviço dos professores que o Governo vai considerar para passagem ao 8.° escalão.
Sr. Ministro, para terminar, gostaria de lhe pôr outra questão, referente a outro aspecto. Por razões várias, sou sensível aos problemas relativos aos filhos dos imigrantes e das minorias étnicas residentes em Portugal. Este tema é uma fonte permanente de preocupações e de luta do PS, pela importância intercultural de que o assunto se reveste e, principalmente, pelas soluções que importa implementar, no interesse de todos os cidadãos, a começar pelos nacionais.
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Por tudo isto, gostaria de saber qual foi o reforço, relativamente a orçamentos anteriores, da dotação orçamental para o programa educação multicultural ou entre culturas.
Por último, neste Dia Internacional da Mulher, gostaria de saudar as mulheres aqui presentes, simbolizadas pelas duas mulheres que fazem parte da Mesa, e também os homens de todas as bancadas, nossos companheiros nestes estafantes mas exaltantes quotidianos, que, em conjunto, vamos vivendo nesta Casa.
A Sr.° Presidente: — Muito obrigada, pela parte que me toca, Sr.° Deputada. Poderia ter deixado essa sua afirmação para a. próxima reunião, onde debateremos o tema das mulheres.
Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Moreira.
O Sr. Manuel Moreira (PSD): — Sr." Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro, Srs. Secretários de Estado: Queria apenas apresentar uma questão que se prende com a construção da escola básica de 2." e 3.° ciclos de Avintes, concelho de Vila Nova de Gaia. É uma escola que é fundamental para satisfazer a população escolar da freguesia e da vila de Avintes e de algumas freguesias limítrofes, a qual foi prometida há alguns anos e, infelizmente, ainda não foi concretizada.
Em tempos, houve até uma petição, apresentada à Assembleia da República, de mais de 1000 cidadãos da área, que teve acolhimento positivo por parte de todos os partidos com assento na Assembleia. Há alguns anos chegou até a ser celebrado um protocolo entre a Direcção Regional de Educação do Norte e a Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, para a construção dessa escola C+S de Avintes, no qual a Câmara Municipal se comprometia a disponibilizar o terreno para a sua implantação.
De facto, ao longo destes anos, houve uma falta de vontade política e alguma dificuldade em obter o referido terreno. Felizmente, o assunto está resolvido neste momento, estando já desbloqueada a questão do terreno para a sua implantação, o qual foi já vistoriado pelos técnicos da DREN, que o consideraram com os requisitos indispensáveis para a implantação da escola. Julgo até que houve recentemente conversações entre a Câmara Municipal de Vila Nova de. Gaia e o Ministério da Educação, suponho que com o próprio Secretário de Estado Guilherme Oliveira Martins, onde foi reconhecida prioridade para a construção desta escola, pelo que podia ser inscrita no Orçamento do Estado deste ano, para que a sua construção se iniciasse este mesmo ano.
Como não a vi no Orçamento do Estado para 1996, ou melhor no PIDDAC, pelo menos na proposta que aqui foi presente, a não ser que o meu documento seja diferente ou que tenha havido algum aditamento, mas até ao momento não vi, pergunto por que razão não se encontra inscrita uma verba para este fim e se, porventura, há ainda receptividade do Governo para inscrever esta obra, dado que ela é prioritária e é importante que se possa ter a escola o mais breve possível.
A Sr.* Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Pereira Marques.
O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): — Sr. Ministro, apesar de a hora ser tardia, não podia deixar de intervir, na medida em que, durante a anterior legislatura, sempre fiz aqui, um pouco, o papel de «marciano», levantando
uma série de questões relativas ao ensino artístico e às bibliotecas escolares, muito particularmente.
Nesse sentido, não deixo de sentir uma certa ternura, digamos, ao ouvir o Sr. Deputado Castro de Almeida, que neste momento não está aqui, partilhar agora dessas preocupações que nós, durante anos, tentámos aqui exprimir veementemente perante, quase sempre, a indiferença do governo. Quase que lhe poderia dizer que seja bem-vindo ao clube, mas como ele não está aqui, dirijo-me aos nossos colegas Deputados do PSD dizendo-lhes que sejam bem-vindos ao clube de quem se preocupa com as questões das bibliotecas escolares, já que o ensino artístico, mais uma vez, não foi referido.
Porém, uma diferença concreta, que também é de sublinhar, é que falávamos da questão das bibliotecas escolares antes, continuamos agora a fazê-lo e continuaremos, enquanto eu for Deputado, a mencionar este tema extremamente importante.
Há pouco tive necessidade de sair e não sei se o Sr. Ministro respondeu àquela questão que o Sr. Deputado Castro de Almeida pôs. Porém, sei que existe um grupo de trabalho a estudar a questão e quero felicitar o Governo por isso. O Grupo Parlamentar do PS está na expectativa de, finalmente, se conseguir resolver esses problema e, sobretudo, conseguir resolver-se o problema da articulação entre as bibliotecas escolares e a rede pública de leitura.
Em relação à questão do ensino artístico, também sei, porque foi noticiado, que existe uma comissão para estudar esta matéria e queria perguntar ao Sr. Ministro e aos membros do Governo em que fase estão os trabalhos desta comissão e, nesse sentido também, até que ponto, no âmbito do ensino particular e cooperativo, existe uma valorização e uma assunção da necessidade de reforçar as dotações, nomeadamente referentes aos contratos de patrocínio, pois sabemos que existe um trabalho extremamente positivo desempenhado por escolas particulares.
Ao contrário de preocupações aqui expressas, não estou tão preocupado com o aparente reforço de verba que aqui foi várias vezes sublinhado, pelo contrário, a minha preocupação é que, porventura, as verbas sejam mais importantes no que respeita aos contratos de patrocínio, visto que têm sido as escolas no âmbito do ensino particular e cooperativo que têm suprido aquilo que, em grande medida, cabe ao ensino público neste domínio.
Para que se veja também que, como agora se usa dizer, a nossa postura, enquanto grupo parlamentar que suporta o actual Governo, é diferente daquela que foi a do grupo parlamentar da maioria que suportava o anterior, queria partilhar de preocupações expressas, nomeadamente pelo PCP, no que respeita à paragem das obras de construção da Escola Superior de Teatro e Cinema.
O Grupo Parlamentar do PCP fez um requerimento sobre essa questão, existe uma dotação em PIDDAC e a verdade é que, ainda antes das eleições, essas obras, tanto quanto pudemos saber, foram paradas. Não vou aqui falar sobre o drama das escolas que durante anos se têm acumulado no velho Conservatório da Rua dos Caetanos, mas queria perguntar ao Sr. Ministro se estas dotações em PIDDAC que dizem respeito às Escolas Superior de Dança e de Teatro e Cinema significam um verdadeiro investimento do Governo nesta matéria e se elas significam que essas obras vão prosseguir ou não, nomeadamente no que respeita às da Escola Superior de Teatro e Cinema.
Dito isto e para terminar, gostaria de abordar outra matéria que, durante a anterior legislatura, sempre pro-
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curei sublinhar, ou seja, o ensino do português no estrangeiro.
Isto já aqui foi referido por um Sr. Deputado do PCP e, mais do que perguntar acerca da dotação, queria que o Sr. Ministro se pronunciasse sobre a política que estará por detrás dessa dotação no que respeita a uma coisa muito concreta, a articulação entre o Ministério da Educação e o Instituto Camões.
A Sr.° Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Coelho.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): — Sr. Ministro, convidou-nos a identificarmos os pontos fortes da sua proposta de orçamento e não queria deixar de o fazer relativamente àquele que me parece o ponto mais forte, a sua convicção de que este é um bom orçamento, de que o dinheiro chega para os investimentos, embora a verba global para os investimentos seja baixa, a sua convicção de que com este orçamento está em condições de responder aos desafios que o Governo, pela sua voz, estabeleceu relativamente à paixão educativa, que foram colocados, no nosso entender, numa fasquia muito alta.
A ambição, nesta matéria, não pode deixar de merecer o aplauso; o problema é saber se há meios para poder dar resposta à ambição ao nível em que ela foi colocada.
Mas parece-me, indiscutivelmente, Sr. Ministro, que o ponto mais forte deste orçamento é a sua convicção de que ele é um bom orçamento. A sua convicção tem valor e ela, indiscutivelmente, repito, é o seu ponto mais forte.
A seguir há uma questão emblemática que gostaria de lhe colocar, a propósito de um conjunto de matérias que o Sr. Ministro elegeu como fundamentais na paixão educativa, o que faz todo o sentido num Governo que criticou o anterior, entre outras coisas, pela ideia da «febre do betão», imagem que transmite o sentido de que se construiu de mais e, agora, os investimentos devem ser conduzidos de outra forma.
Não queria desdobrar-me em considerações que já foram feitas, mas não posso deixar de lhe dizer que se íot-mos a construir cinco pavilhões desportivos por ano, o programa que no governo anterior era concretizável a quatro anos, com este Governo demorará 40 anos!
É uma diferença um tanto ou quanto substancial para dar resposta às 200 escolas que ainda não têm pavilhões desportivos cobertos! Esta é uma aritmética que não falha!
O Sr. António Braga (PS): — Boas contas!
O Orador: — Sr. Ministro, a questão que lhe vou colocar não tem relevância, pelo que lhe peço antecipadamente desculpa, dada a sua expressão quantitativa. Porém, tem-na pelo seu valor simbólico.
Refiro-me às escolas de excelência, sobre as quais o Sr. Ministro tem falado e nos termos em que o tem feito não pode deixar de merecer a nossa compreensão e até, em muitos pontos, o nosso aplauso, pelo facto de se ter de valorizar outra coisa para além das condições físicas, ou seja, a ideia de que a comunidade educativa precisa de um conjunto de mecanismos, instrumentos e condições para que haja sucesso educativo, o que tem a ver com inovação educativa.
Porém, as verbas para o apoio pedagógico e inovação educativa estagnam ou reduzem-se e um exemplo flagrante é um sistema que, no passado, deu excelentes resultados,
o SIQE (Sistema de Incentivos à Qualidade da Educação), o qual, neste orçamento, de facto, não cresce. A pergunta que lhe faria, Sr. Ministro, era se o Governo estaria aberto, em sede de especialidade, a reforçar uma verba que, no conjunto do orçamento da educação, significa muito pouco — estamos a falar de cerca de 300 000 contos num orçamento de 900 milhões — mas cujo impacto, ao premiar projectos de inovação educativa nas escolas, tem um indiscutível alcance na linha das preocupações de que o Sr. Ministro se tem feito particular arauto.
Depois, Sr. Ministro, queria ainda fazer duas perguntas muito concretas sobre o ensino superior, tendo a primeira a ver com a suspensão das propinas. Já na primeira reunião da Comissão de Educação o Sr. Ministro teve ocasião de recordar que, no ano de 1996, esta questão não tem grande relevância, uma vez que quase todo este ano se inscreve no ano lectivo de 1995/1996 e, portanto, ela se poderá colocar, em termos de estimativa de receitas para os últimos três meses de 1996, no ano lectivo de 1996/ 1997.
Dito de outra forma, de duas, uma: ou o Sr. Ministro corrobora a afirmação que já fez à Comissão de Educação de que em 1996/7 vai haver receita a que assim se possa chamar, porque vai haver propinas e, então, faria todo o sentido que, sem prejuízo dos contactos, conversas ou diálogos, houvesse uma estimativa da receita que vamos ter nos últimos três meses deste ano, ou não estaremos em condições de fazer qualquer ideia de quanto é que vamos ter de receita nesse período, podendo até suspeitar que não vai haver propinas no ano lectivo de 1996/7.
A segunda questão tem a ver com a nota mínima, já referida pelo Sr. Deputado Castro de Almeida. Devo dizer que tive uma saborosa discussão com o Sr. Secretário de Estado da Administração Educativa sobre esta matéria, em que defendi uma medida e o Sr. Secretário de Estado, naturalmente, defendeu a medida contrária.
Alimentei a ilusão de que essa era uma matéria que apenas dividia oposição e Governo, mas, pela imprensa de hoje, vi que, afinal, parece que divide o próprio Governo, a fazer fé nos relatos que vieram a público da reunião de Secretários de Estado e do Conselho de Ministros.
Mas este não é o momento para discutir esta matéria sob o ponto de vista da sua substância, que só releva da • sua incidência orçamental. O problema é que, de duas, uma: ou a nota mínima não vai prejudicar o acesso significativo de jovens ao ensino superior e, então, só releva sob o ponto de vista político saber por que é que o Governo, ou parte dele, insiste em adoptá-la de imediato, ou ela vai, de facto, ser eficaz relativamente a um propósito de limitar o acesso ao ensino superior nalguns cursos e, então, vamos ter um conjunto significativo de estabelecimentos de ensino superior com significativamente menos alunos no acesso ao próximo ano lectivo.
Vozes do PSD: — Muito bem!
O Orador: — Assim, ou vamos alterar a lógica dos ratios e vamos permitir què os professores dêem aulas a pouquíssimos alunos e, portanto, mantemos a lógica do financiamento tal qual ele estava, havendo, então, outra discussão a fazer em termos de economia de meios e de gestão dos recursos públicos, ou, Sr. Ministro, se houver um número significativo de alunos que não vão preencher as vagas de acesso ao ensino superior — não estou a falar já no encerramento de cursos mas de qualquer coisa tendente a isso —, vamos ter de repensar, naturalmente, o
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financiamento do ensino superior, na lógica de que há verbas que não vão ser utilizadas.
Dizendo isto de outro modo, Sr. Ministro, se isto for verdade, e espero que não seja, temos aqui uma folga orçamental, pois há verbas do ensino superior que não vão ser gastas porque os alunos não vão preencher as vagas no acesso ao ensino superior.
Ora, se temos esta folga orçamental, numa gestão de recursos, podemos ver onde é que podemos afectar, com melhor eficácia para o sistema educativo, essas verbas que vão ficar remanescentes, por força da adopção da nota mínima.
A Sr.° Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lavrador.
O Sr. Carlos Lavrador (PS): — Sr. Ministro, o PS, ao longo de todo o processo eleitoral, publicitou e assumiu como uma aposta fundamental a educação e, simultaneamente, a valorização das pessoas.
Penso que o Governo, particularmente na actuação do Sr. Ministro e do seu Ministério ao longo destes meses, não podia ser mais coerente com esse compromisso. Tendo o PSD adoptado, no nosso entender, a construção de infra-estruturas, necessárias, naturalmente, como a sua bandeira, o PS assumiu como a sua bandeira a prioridade da valorização da componente humana do sistema de ensino, a valorização do estatuto da carreira docente, a dignificação da pessoa do professor, na sua valorização contínua e na sua compensação material.
Ao fazê-lo, naturalmente que o Governo está a fazer uma aposta nobre, porque é dirigida a pessoas no seu duplo sentido, ao cidadão comum, enquanto consumidor do sistema de ensino, e ao professor, enquanto actor desse mesmo sistema. Mas esta é uma aposta tanto mais nobre quanto, no imediato, não dá réditos, manisfestando-se nos resultados a médio prazo e, em termos políticos, não compensa a curto prazo. Podem inaugurar-se novas escolas mas não se inauguram novos e melhores professores.
Contudo, no entendimento de alguns parece perpassar a ideia de que esta aposta deliberada na pessoa, no professor, na componente humana, se fez com prejuízo drástico da componente material do sistema, ou seja, das instalações. Por isso, coloco uma questão intencionalmente circunscrita mas penso que paradigmática e gostaria que através dela pudesse infirmar ou negar essa mesma leitura.
Sr. Ministro, em relação à construção de novas escolas, os investimentos a fazer em 1996 são inferiores ou superiores aos efectuados em 1995?
A Sr." Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Lemos Damião.
O Sr. Lemos Damião (PSD): — Sr. Ministro, apenas três questões, uma ligada aos alunos, outra aos professores e outra aos equipamentos.
No entanto, não podia, de .maneira alguma, deixar de lhe dizer que estou a 100% — não é possível estar mais — de acordo com o seu conceito de que a profissão de professor não é uma profissão qualquer. Nisso estamos absolutamente de acordo, porque, de facto, ela tem certas especificidades. Aliás, trata-se de uma classe predominantemente feminina, pelo que temos de a analisar sob uma perspectiva bem diferente de uma classe vulgar.
A Sr." Presidente: — Sr. Deputado, aí está uma afirmação imprópria para o dia de hoje!
O Orador: — Sr.° Presidente, creio que é própria, porque sendo hoje o Dia Internacional da Mulher, queria pedir ao Sr. Ministro a sua generosidade, fazendo apelo a toda a admiração e estima que tem manifestado pela classe dos professores, para proceder a uma pequena abertura no orçamento, em termos de discussão na especialidade, para
duas ou três questões.
Em primeiro lugar, queria começar pela questão que se prende com os alunos. Como o Sr. Ministro sabe, sou Deputado pelo círculo eleitoral de Braga e vejo que ali não podemos fazer ensino de qualidade porque não temos equipamentos que o permitam, pelo que junto aquilo que pretendo para os alunos com a questão dos equipamentos.
O Sr. Ministro tem conhecimento que no último ano houve uma grande perturbação, com movimentação de pais e com levantamento de questões por parte dos alunos na praça pública, porque, nomeadamente no ensino secundário — lembro que o distrito de Braga é o mais jovem da Europa —, há uma incidência muito grande de alunos e muito embora esteja inscrita rio orçamento a construção de uma escola secundária, parece-me que ela é insuficiente.
Pergunto: estará o Sr. Ministro aberto a reconhecer como uma situação pré-ruptura o que se passa no ensino secundário em Guimarães para admitir a possibilidade de lançar já uma nova escola do ensino secundário?
No que respeita aos professores, não há qualquer dúvida que, fruto do seu estatuto e da sua não regulamentação, eles vão, apesar de tudo, continuar a andar agitados. Isto porque não é motivador, por exemplo, para um professor que faz um esforço suplementar de fazer uma valorização profissional suplementar, depois, não a ver reconhecida no seu estatuto pessoal. Por isso, Sr. Ministro, se não houver verbas, é preciso dizer aos professores até onde se pode chegar; nomeadamente na regulamentação dos artigos 54.° e 55.°, que, como sabe, tratam de um dos assuntos que os preocupam.
Por outro lado, também a própria segurança dos professores devia estar contemplada, através do seguro de risco profissional. É imperioso que se comece a pensar neste seguro porque estamos numa sociedade cada vez mais difícil, mais agreste e com menos segurança e seria bom contemplamos esta situação no Orçamento.
Outra questão respeita ao seguinte: o interior do País está a desertificar-se e seria bom que o Orçamento contemplasse um subsídio de fixação, primeiro, para defendermos o poder autóctone e, depois, para defendermos os agentes culturais no interior. E aí creio que se podia fazer de duas maneiras: ou com dinheiro ou sem ele e é muito fácil. Com dinheiro, poderia ser através de uma compensação financeira; se o Orçamento não contemplasse esta situação, ela poderia ser resolvida através de uma bonificação, por exemplo, para concursos, dando mais meio valor, por ano, como bonificação, pela fixação.
Finalmente, ainda no que respeita aos alunos, o problema da mudança da hora certamente que vai ter reflexo nos horários e, assim, certamente também terá reflexos na acção social escolar. Como essa será um das competências que passa para as autarquias, elas terão a sensibilidade suficiente para terem um reforço de verba para a acção social escolar que contemple não só o leite escolar mas pequenas refeições ou refeições equilibradas, para que o índice ponderal das crianças seja uma realidade.
Por agora é só, Sr. Ministro.
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A Sr." Presidente: — Sr. Deputado Lemos Damião, devo dizer-lhe que apanhei um susto depois da introdução da sua intervenção, pois pensei que ia pedir ao Sr. Ministro da Educação uma escala salarial específica para os professores homens, mas depois vi que não.
O Sr. Lemos Damião (PSD): — V. Ex.a, por vezes, julga-me mal, Sr." Presidente!
Risos.
A Sr.° Presidente: — Tem a palavra a Sr.° Deputada Luísa Mesquita, a quem, por usar da palavra pela segunda vez, peço que seja telegráfica.
A Sr. Luísa Mesquita (PCP): — Sr.* Presidente, penso que vou conseguir ser telegráfica.
Relativamente ao Orçamento, disse o Sr. Ministro que este é o Orçamento que temos, estas são as receitas possíveis. Essa é uma realidade, Sr. Ministro, gostaríamos de ter muito mais mas entendêmo-la perfeitamente. Agora, não podemos esquecer que a existência ou não de receitas do Estado está fundamentalmente relacionada com políticas fiscais, que são adoptadas por um governo, sendo este orçamento da responsabilidade de uma determinada maioria, pelo que as coisas têm de ficar claras a este nível.
Parece-me, por isso, natural que os vários grupos parlamentares se posicionem de forma diferente face às opções políticas em termos fiscais e de rendimentos, formando as tais maiorias que aprovam ou não este Orçamento.
Quanto à questão das técnicas laboratoriais, provavelmente por falta de capacidade minha e, talvez, por não ter sido suficientemente explícita, o Sr. Ministro da Educação respondeu referindo-se ao aspecto do «saber fazer» do ensino experimental. Mas a questão não é essa,, Sr. Ministro, ela é bem outra! Neste momento, nos 10.°, 11." e 12.° anos, existe um conjunto de disciplinas, chamadas técnicas laboratoriais, que nada tem a ver com o «saber fazer» e que não é de somenos importância, uma vez que não se trata de uma carga semanal lectiva de uma ou duas horas mas, sim, de seis horas.
São essas disciplinas, as chamadas técnicas laboratoriais, dadas dentro de anfiteatros ou salas normais, que devem apetrechar os nossos alunos para entrarem em cursos tecnológicos, nomeadamente de engenharia, medicina, etc, e que são acrescidas de mais três horas das disciplinas teóricas. Há aqui, de facto, um aviltamento total dos próprios conteúdos programáticos.
Esta questão, repito, não tem a ver com o tal «saber fazer», ela é bem outra. E estas situações ocorrem porque existem escolas que nem sequer têm espaços para pôr em funcionamento as técnicas laboratoriais e, quando há espaços para esse fim, não há dinheiro para os reagentes, para o material. Aliás, já disse ao Sr. Ministro da Educação que, se quisesse, lhe daria um ou dois exemplos.
A esta matéria dos conteúdos programáticos liga-se a do «aligeiramento» dos programas, questão que já colocámos há pouco mas a que o Sr. Ministro não respondeu. Não é que não seja claro que os programas são demasiado latos — o Sr. Ministro já o reconheceu em sede de comissão e, aliás, esta já era uma situação suficientemente clara por parte do anterior governo e óbvia para todos os intervenientes da política educativa —, mas o chocante é ouvir falar em «aligeiramento» de programas, porque estas questões não se podem colocar nestes termos, ou seja, os conteúdos não podem ser «aligeirados»! Deve-se, isso
sim, olhar para os conteúdos programáticos com um mínimo de racionalidade, bem com para os horários escolares dos nossos alunos, e alterá-los em condições.
Por último, nas Grandes Opções do Plano aparece, exactamente, o seguinte texto: «Reformulação do sistema de acesso no sentido de uma maior democraticidade». Ora, como é que o Sr. Ministro consegue articular esta definição tão importante e pertinente com as últimas novidades em termos de acesso ao ensino superior? Como é que pode haver alguma democraticidade, por exemplo, ao nível do acesso ao ensino superior a partir de agora? E, neste domínio, reconheço perfeitamente que o Governo limitou-se a dar continuidade ao que já estava previsto ao nível do 12.° ano.
Contudo, esperávamos que este Governo mutasse, e
grandemente, o regime de acesso ao ensino superior, o que não aconteceu. De facto, temos uma avaliação contingente que é sobranceira a toda a avaliação contínua, e não falo apenas dos 40-60%, mas da contaminação que os 40% da avaliação contínua estão a sofrer da avaliação contingente. E, matematicamente, se pudéssemos fazer aqui contas, obteríamos uma avaliação contínua da ordem dos 10 ou 20%! Essa é que é a questão, Sr. Ministro.
A Sr.° Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Sérgio Vieira.
O Sr. Sérgio Vieira (PSD): — Sr.a Presidente, Sr. Ministro da Educação, a questão que quero colocar tem a ver com a situação dos alunos das escolas superiores de enfermagem. O Sr. Deputado António Galvão Lucas já se referiu a ela, mas terei de voltar a falar no assunto, uma vez que a resposta dada pelo Sr. Secretário de Estado leva-me a pensar que esta situação nunca mais será resolvida.
Com efeito, em Portugal existem cerca de 7000 alunos que frequentam as escolas superiores de enfermagem e não têm direito à acção social escolar. Desde há alguns anos, quer o Ministério da Saúde, quer o Ministério da Educação, vão empurrando, de um para o outro, o dever de comparticipar em termos de acção social escolar. Ora, parece-me que esta situação só se resolverá quando se terminar com a dupla tutela e gostava de saber se o Sr. Ministro é da mesma opinião, isto é, se entende que deveria terminar-se com a dupla tutela para estes cursos e se concorda que a mesma deveria pertencer, única e exclusivamente, ao Ministério da Educação.
Uma outra questão, Sr. Ministro, tem a ver com o limite de despesas de educação que podem ser deduzidas no IRS. Há quatro anos atrás, se não estou enganado, em sede de acordo de concertação social, decidiu-se que não haveria limite para as despesas de saúde em termos de dedução no IRS. Ora, a organização política que aqui represento, a Juventude Social Democrata, é da opinião de que também não deveria haver limite na dedução de despesas de educação.
Francamente, quero dizer-lhe que não tenho consciência do impacto orçamental que esta medida pode acarretar, por isso gostava que me respondesse a duas questões: em primeiro lugar, se esta medida lhe parece importante na perspectiva de um investimento na política de educação em Portugal, como forma de atenuar alguma injustiça social face a alunos que frequentam o ensino superior, privado ou público, e, em segundo lugar, se o Ministério da Educação tem algum estudo ou previsão sobre o impacto orçamental que uma medida deste género poderia acarretar.
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A Sr.° Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Educação. Provavelmente, irá responder até ao limite da sua capacidade física!
Risos.
O Sr. Ministro da Educação: — Sr.* Presidente e Srs. Deputados, vou ser muito sintético, porque penso que já estamos numa fase do debate em que não será possível nem desejável introduzir temas novos ou tocar os problemas de uma forma diferente. Limitar-me-ei a focar algumas das questões e depois passarei a palavra ao Sr. Secretário da Administração Educativa, Dr. Guilherme d'01iveira Martins, para dar resposta a algumas das matérias.
. Das questões agora colocadas, algumas tocam-me mais outras menos. Tocam-me mais as formuladas pelo Sr. Deputado Carlos Coelho, que são questões importantes e que nos levariam muito longe... Começo, no entanto, por responder às relativas ao ensino superior e, se me permite, devo dizer que o Sr. Deputado está com algumas tendências contabilísticas!
Risos.
Creio que estas questões, quer a das chamadas propinas, quer a da nota mínima, não podem ser vistas como meros problemas de estimativa, porque quer uma quer outra são matérias estruturantes, de grande importância e, por isso, não devem ser analisadas nos termos em que referiu.
Protestos do Sr. Deputado do PSD Carlos Coelho.
Sr. Deputado, quando falo de números, fala-me de políticas, quando fala de políticas, falo de números! Por isso, deixe-me agora falar de políticas, porque é disso que se trata aqui! O problema essencial das propinas tem a ver — e penso que nisso estamos de acordo — com a questão mais vasta do financiamento. E, nessa matéria, seremos inovadores: far-se-á um debate sobre matéria nova.
Aliás, devo dizer-lhe que esse não é apenas um problema nosso, de Portugal, porque a discussão do problema do financiamento do ensino superior existe, praticamente, em todos os países da OCDE. Trata-se de um debate sério e profundo, com dificuldades óbvias, de que, aliás, Portugal foi paradigma nos últimos anos, péla forma como o processo resultou e pelo que dele resultou.
Penso, por isso, que não podemos perder outra oportunidade e que essa questão deve ser debatida nesta Câmara com grande seriedade, mas para isso tem de ser muito bem estudada — não gosto de fazer críticas ao passado, prefiro olhar para o futuro, mas devo dizer que esta matéria não estava estudada em toda a sua profundidade.
Esta é uma questão muito delicada e não foi por acaso que a colocámos no pacto educativo; não o fizemos apenas para obter aqui a solidariedade dos partidos da oposição, mas porque entendemos que esta é uma questão nacional e é nessa perspectiva que a devemos discutir.
Sr. Deputado, o que prometo é que a preparação do debate será feita com grande seriedade e que seremos inovadores.
Em relação à nota mínima, e o Sr. Deputado Carlos Coelho questionou se tia prejudica ou não o acesso, se as instituições vão ou não ter menos alunos, se vai haver menos financiamento, se há folga orçamental, devo dizer que a questão aqui é outra. A verdade é que se retirarmos
esta discussão da nota mínima dos meios de comunicação social e dissermos, preto no branco, o que pensamos sobre ela, chegamos à conclusão de que o que está aqui em causa, no fundo, é um mecanismo de melhoria da qualidade do funcionamento do ensino superior.
A fixação de uma nota mínima não visa afastar os estudantes. Aliás, se ela for introduzida de uma forma inteligente, como penso que estamos a fazer, tvansformar-se-á num novo estalão para o sistema e, simultaneamente, num revelador do sistema de ensino superior que temos. Com ela, é possível atingir vários objectivos, marcando claramente o que consideramos que deve ser um ensino superior reconhecido com grande dignidade.
Como sabe, importa hoje, em Portugal, afirmar um sistema de ensino superior diversificado, sobretudo em três grandes grupos: o sistema universitário, englobando as universidades clássicas e aquelas que surgiram depois de 1973; o sistema politécnico, nascido em 1973, interrompido e retomado no final dos anos 70; e o ensino particular e cooperativo. Estes três grandes grupos têm de ser consolidados e cada um apresenta problemas específicos.
A nota mínima tem a ver com o sistema de acesso ao ensino superior e implica, por um lado, um determinado tipo de padrão e, por outro, que a sociedade no seu conjunto, externa ao sistema de ensino superior, olhe para o sistema e perceba o que ele representa. Temos hoje um sistema perfeitamente amalgamado e a clarificação do que é o ensino superior no seu conjunto é muito importante para a sua estabilização.
Tenho dito, e penso que a Sr." Presidente Manuela Ferreira Leite, compreenderá bem o que vou dizer, que há duas questões fortes dentro do Ministério da Educação em termos de consolidação do sistema, uma relacionada com as escola? profissionais e outra com o ensino superior particular e cooperativo. São dois sistemas que nasceram por determinados motivos, cresceram de determinada forma e que hoje importa racionalizar e, sobretudo, consolidar. E essa consolidação também tem a ver, no caso do ensino superior, com o sistema de acesso.
Portanto, não reduzamos esta matéria a uma questão meramente contabilística, porque ela é uma questão de fundo. Se o Sr. Deputado Carlos Coelho acompanha com atenção todas as questões da educação — aliás, sei que o faz com grande interesse a partir do Parlamento —, verificará que tem havido da minha parle uma grande atenção face àquilo que é o elemento estruturante do sistema. Estou particularmente preocupado com os aspectos que são estruturantes e, por isso, no sistema de acesso, o mais importante neste momento nem sequer é a nota mínima; o mais importante é estabilizar os exames finais nacionais do 12.° ano c fazer com que eles não sejam aquilo a que, há pouco, a Sr." Deputada Luísa Mesquita chamou avaliação contingente.
Os exames não são uma avaliação contingente mas, sim, uma avaliação séria, que se faz em todo o mundo civilizado e que tem um valor em si. Temos, por isso, de os impor em Portugal pela sua seriedade e não pela sua contingência.
Ainda quanto à intervenção do Sr. Deputado Carlos Coelho, gostava de esclarecer que o sistema de incentivos não baixa. Faltou-lhe ler o pé de página onde estão previstas as dotações para as escolas que passaram a estar incluídas no ponto 1.1.2. dos ensinos básico e secundário. É que, em vez de termos uma descida de 521 620 contos para 381 250, dado que a esse valor se acresce os 163 000 contos previstos na alínea b), passamos de 521 000 para
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544 000 contos. Poder-me-á dizer que não há um acréscimo considerável, mas também não há decréscimo, porque faltou referir os tais 163 000 contos. Digamos que o Sr. Deputado foi muito contabilístico na nota mínima, mas já foi menos contabilístico nesta matéria.
Relativamente às escolas de excelência, devo dizer que essa é uma área a que sou particularmente sensível, por variadíssimas razões. Há, contudo, aqui uma diferença que importa referir, e peço desculpa à Sr.° Presidente por ir alongar-me um pouco mais com esta matéria que me é muito cara. De facto, não se trata da excelência pela excelência nem de criar escolas elitistas, nas quais façamos uma aposta no sentido de serem melhores do que as outras. Já tive ocasião de dizer que as escolas de excelência têm de ser escolas de referência, demonstrativas.
Estudei com algum detalhe uma experiência feita nos Estados Unidos em 220 escolas, no âmbito de um programa designado por new century schools. Trata-se de um programa de escolas públicas que tem como grande objectivo obter uma certa reactivação da qualidade no sistema de ensino americano. As escolas escolhidas aparecem como escolas de referência e o trabalho fundamental não é criar apenas boas condições de funcionamento — também é, certamente —, mas tem a ver com a forma como isso é divulgado e promovido junto das outras escolas que não estão na rede e não são de referência, produzindo nestas um efeito demonstrativo, com uma certa imagem daquilo que se vai fazendo nas escolas de referência. É esta a virtude desse programa.
Se o Sr. Deputado ler o pacto educativo para o futuro, e certamente já o fez, o programa de promoção e divulgação da qualidade traduz-se, exactamente, na possibilidade de ter um determinado conjunto de escolas que são alvo de uma atenção especial e da aplicação de processos de inovação — há uma relação entre excelência e programa de inovação, como já referiu —, rede essa que depois é «passada» para o resto do sistema. É esse o ponto de dificuldade.
Este programa deverá ter, em si próprio, características inovadoras, porque a difusão daquilo que é novo aparece por via de duas linhas. Uma delas é o que nós, a nível central, somos capazes de fazer, é a outra é o que as próprias escolas fazem. Há muita excelência e aspectos inovadores nas escolas portuguesas que são completamente desconhecidos, não identificados estudados ou divulgados.
Por exemplo, quando há dias me desloquei a uma escola no concelho de Cuba e afirmei que essa era uma escola de referência, uma notícia num jornal mostrava alguma surpresa com esse facto, porque a escola não tinha equipamentos extraordinários nem nada de extraordinário lá dentro, apenas funcionava muito bem! Ora, é essa a razão por que disse que era uma escola de referência. Este aspecto da inovação tem de ser sujeito, certamente, a programas de incentivo a nível central, mas há que descobrir aquilo que existe dentro das próprias escolas.
Disse, e termino já, que o ponto forte era a minha convicção. A verdade é que tenho convicções sobre estas matérias há muitos anos, não conheço melhor nem pior do que os outros o que há em Portugal, mas estou convencido de que o sistema necessita, sobretudo, de uma força de drive, que conduza e, sobretudo, anime o sistema, dando força às pessoas que estão dentro dele. O aspecto menos positivo que encontrei no Ministério foi a desmotivação das pessoas dentro das escolas — digo-o com toda a sinceridade — e essa desmotivação é um factor terrível para o funcionamento do sistema.
Sr.* Presidente, se me permite, o Sr. Dr. Guilherme d'01iveira Martins responderá a todas as outras questões.
O Sr. Secretário de Estado da Administração Edu* cativa: — Sr.' Presidente, começo por responder à questão colocada pela Sr.* Deputada Maria Celeste Correia, relativa ao 8.° escalão, esclarecendo o seguinte: a prova de candidatura que estava consagrada no artigo 10." do estatuto vai ser revogada já na próxima semana, em Conselho de Ministros, em termos que garantam que o novo esquema transitório de progressão do 7.° ao 8.° escalão será idêntico à progressão que ocorre nos demais escalões. Este é, repito, o esquema transitório.
Contudo, no diploma onde se procede à revogação da prova de candidatura, definem-se alguns princípios fundamentais no que se refere à avaliação no desempenho, uma vez que afirmamos não poder substituir a prova de candidatura que actualmente existe, e que sempre criticámos, por uma mera progressão por decurso do tempo. Nele clarificamos as questões relativas à equivalência ou equiparação ao exame de Estado, garantindo os direitos,' nesses casos, aos professores que estejam nessas condições, e também as que dizem respeito à contagem de tempo.
Não garantimos, no entanto, o pagamento de retroactivos para todos aqueles que estejam no 7.° escalão em condições de aceder ao 8.°, porque isso seria, como 6 óbvio, completamente incomportável em termos financeiros e, nesse ponto, tivemos a compreensão das organizações sindicais, uma vez que aceitaram como compensação a contagem de tempo para todos, o que permitirá um tratamento equitativo dos professores nestas condições.
Sr. Deputado Manuel Moreira, agradeço a questão que colocou, recordando a decisão já tomada num despacho que subscrevi, com todo o gosto, no sentido de, na reorientação do PIDDAC, considerar para o ano de 1996 o início da construção da escola de Avintes. Essa decisão já foi tomada e, a esse propósito, permita-me que lhe recorde, porque se trata de algo que já afirmei, quer na Comissão de Economia, Finanças e Plano, quer na Comis-^ são de Educação, Ciência e Cultura, que o chamado PIDDAC regionalizado pressupõe a possibilidade de reorientações, que é o que se passa no caso de Avintes e também, por exemplo, no de S. Vicente da Beira, que, não estando referido no PIDDAC regionalizado, vai ser considerado na reorientação do mesmo para 1996.
Portanto, posso anunciar — e esta é uma sessão gravada e pública — que Avintes é um dos casos considerados na reorientação do PIDDAC para 1996.
Quanto às consequências orçamentais da mudança da hora, queria dizer ao Sr. Deputado Lemos Damião que estudámos O problema e não haverá qualquer agravamento orçamental', antes pelo contrário, uma vez que nas horas matutinas não vamos ter gastos de energia. É evidente que, relativamente a este ponto, e de acordo com um estudo geral realizado, entendeu-se que, no global, haveria uma equiparação ente os encargos adicionais e as poupanças. Portanto, é relativamente indiferente o que ocorre neste caso.
Sr. Deputado Sérgio Vieira, a questão dos limites de dedução no IRS das despesas de educação é um problema que há muito me preocupa, mas a inexistência de limite no que se refere à educação leva a uma quebra de receita de extraordinário significado. Se lhe disser o número ficará estupefacto, porque não faz ideia dele! É, de facto, um número muito elevado, porque não existem os mesmos mecanismos de controlo que há na saúde — nes-
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te domínio, há mecanismos que nos permitem definir exactamente as balizas de integração dessas verbas para efeito de dedução,
Em termos muito globais, porque não é possível avaliar a quebra da receita, a não introdução de qualquer limite no que se refere às despesas da educação envolveria uma quebra de cerca de 100 milhões de contos. Digo-o apesar de, como os Srs. Deputados que integram a Comissão de Educação, Ciência e Cultura bem sabem, este ser um tema que me é muito caro, mas relativamente ao qual o princípio está afirmado, ou seja, é indispensável reforçar as deduções no que refere à educação, mas chamo a vossa atenção para o facto de os estudos apontarem para o montante que referi, no caso de não haver qualquer limite.
A Sr.a Deputada Luísa Mesquita referiu-se ao facto de eu ter usado a expressão «aligeiramento». Ora, Sr.* Deputada, certamente, não leu a entrevista onde utilizei essa expressão. Tratou-se de uma insistência da jornalista a propósito da definição dos objectivos fundamentais da educação e, designadamente, do ensino secundário, que ao ouvir-me dizer que os programas estavam sobrecarregados perguntou se não seria necessário mudá-los. Respondi que não diria mudar os programas mas, talvez, aligeirá-los. Evidentemente que esta expressão passou para título.
Como a Sr.* Deputada sabe, com a sua experiência, não é isso que está em causa mas, sim, a gestão dos programas, gestão essa que tem de ser adequada e não pode esquecer a sobrecarga que efectivamente existe em relação a alguns programas. Não está em causa, repito, a mudança de programas mas a sua gestão e, por isso, me permiti recordar os termos e o contexto em que utilizei essa expressão. Ao falar numa sobrecarga, isso significa mudar os programas? A essa pergunta da jornalista, respondi que significaria aligeirá-los. Mas esta não é, naturalmente, uma expressão rigorosa e tem de ser entendida neste preciso contexto.
O Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior: —
Se me permite, Sr.* Presidente, queria apenas referir-me à questão do Sr. Deputado Lalanda Gonçalves, relacionada com o problema das residências nos Açores. Gostava de dizer que é possível, ainda este ano, abrir um concurso no âmbito do PRODEP, medida 4.3, sobre residências e cantinas, e contemplar, minimamente, as necessidades dos Açores e da Madeira, nomeadamente quanto à «onstrução de 200 camas na Madeira e quanto à construção de 60 camas em Angra e de 133 camas em Ponta Delgada. Portanto, será possível, ainda este ano, priorizarmos as candidaturas que venham das regiões autónomas.
A Sr." Presidente: — Considero que todas as questões foram respondidas. Agradeço ao Sr. Ministro e aos Srs. Secretários de Estado, bem como aos Srs. Deputados, a colaboração prestada. Gostariam que não se esquecessem que ainda temos uma sessão hoje à noite, que começará cerca das 21 horas e 45 minutos.
Srs. Deputados, está suspensa a reunião.
Eram 2J horas.
Srs. Deputados, vamos reiniciar os trabalhos. ______
Eram 21 horas e 55 minutos.
Srs. Deputados, caso estejam de acordo, vamos começar pela parte respeitante ao orçamento do Ministério da
Defesa Nacional e deixamos para depois a parte que diz respeito aos Encargos Gerais da Nação, uma vez que o Sr. Secretário de Estado ainda não chegou. Dado que o Sr. Ministro prescinde de fazer qualquer intervenção inicial, uma vez que já a fez em comissão, passamos de imediato à fase dos pedidos de esclarecimento. Tem a palavra o Sr. Deputado Cardoso Ferreira.
O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): — Sr." Presidente, Sr. Ministro, no briefing realizado no Estado-Maior do Exército, tivemos oportunidade de ouvir o Sr. General Chefe do Estado-Maior fazer referência a algumas dificuldades que vêm sentido no regime de voluntariado e de contrato e, em relação àquilo que são ou que podem ser alguns aliciantes para este tipo de prestação, deu o exemplo concreto do regime especialmente bonificado na aquisição de habitação própria, para dizer que há alguns aspectos que estão equacionados mas que ainda não foram regulamentados. Muitas vezes, os próprios aderentes a esta modalidade de prestação de serviço militar perguntam como é e não há resposta, porque não há regulamentação para muitos dos incentivos que estão criados.
Gostava que o Sr. Ministro nos dissesse alguma coisa sobre isso.
A Sr.° Presidente: — Tem a palavra a Sr.' Deputada Maria Carrilho.
A Sr.* Maria Carrilho (PS): — Sr." Presidente, Sr. Ministro, a minha pergunta também tem a ver com a mesma zona de interesses e é a seguinte: no briefing feito pelo Sr. Ministro, tomámos nota de uns números que constam do relatório mas sobre os quais tenho algumas dúvidas e nenhum dos meus colegas de Comissão tomou notas diferentes das minhas. Ou seja, a diminuição das despesas, que tem implicações na incorporação dos jovens do serviço efectivo normal, deverá levar a uma diminuição da incorporação. Acontece que estão previstos, por um lado, a entrada de cerca de 14 000 jovens no Exército e, por outro, um aumento de cerca de 2700 nos efectivos do regime de voluntariado.
Agradecia que o Sr. Ministro corrigisse ou confirmasse estes números.
A Sr." Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Defesa Nacional e da Presidência.
O Sr. Ministro da Defesa Nacional e da Presidência
(António Vitorino): — Sr.° Presidente, Srs. Deputados, começaria pela questão colocada pelo Sr. Deputado Cardoso Ferreira dizendo que o quadro de incentivos pode ser reportado a duas grandes categorias: os incentivos de natureza financeira, que têm a ver com o estatuto remuneratório dos regimes de RV e de RC, e os incentivos em termos de formação profissional para aqueles que prestarem serviço militar em RV ou RC, tendo em vista a sua reinserção no mercado laboral normal uma vez terminado o período pelo qual se verifica o voluntariado ou o contrato. Estas são as duas grandes categorias que considero que estão envolvidas naquilo que são, em designação genérica, os incentivos ao regime de RV e RC.
Como consta do Programa do Governo, reconhece-se que os incentivos actualmente em vigor se têm mostrado não totalmente satisfatórios, embora haja também que sublinhar que, em virtude da situação económica global e de a taxa de desemprego revestir algum significado, é
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evidente que essa situação minora, digamos assim, os efeitos nefastos que tem um regime de incentivos que não seja totalmente conseguido no seu conjunto global. Creio que, neste momento, conforme consta do Programa do Governo, a revisão dos incentivos financeiros está dependente, sobretudo, de uma análise global dos custos em pessoal das Forças Armadas, o que tem a ver com a opção sobre o futuro do serviço efectivo normal. Uma coisa parece-me ser indissociável da outra.
Quanto aos outros tipos de incentivos, em matéria de formação profissional, reconheço que há uma situação de alguma inércia, mas também a experiência é, de alguma maneira, recente, é preciso reconhecê-lo. Temos uma alta taxa de contratados que pretendem renovar contrato, o que significa que a reinserção no mercado laboral ainda não atingiu uma dimensão muito problemática, mas tudo terá de passar pela capacidade de desenvolver, dentro das Forças Armadas, mecanismos de formação profissional que valorizem pessoalmente aqueles que prestam serviço em RV ou RC, tendo em vista uma saída profissional ulterior. Em relação ao Orçamento do Estado, não há, neste momento, nenhuma incidência directa de verbas neste tipo de formação profissional. Creio que é um programa que tem de ser desenvolvido a partir de um conhecimento mais profundo da realidade sociológica dos RV e RC e essa realidade sociológica é que, em meu entender, neste momento, os ramos devem identificar com maior rigor, até para vermos a que tipo de solicitações é que temos de responder tendo em vista a sua reinserção no mercado laboral após o período do voluntariado ou do contrato.
Em relação às incorporações em serviço efectivo normal, como referiu a Sr.° Deputada Maria Carrilho, quando falei no relatório, onde consta a previsão de 14 000, referia-me a 14 000 por ano em média; isto é, tendo em linha de conta, na repartição de tarefas dentro do funcionamento das Forças Armadas, qual o efectivo de SEN com que contamos em cada momento para funcionamento das unidades e esse número refere-se ao ano de 1995, em média. Pensamos que a média no ano de 1996 estará ligeiramente abaixo desse número.
Em todo o caso, se quiser os números globais, posso dizer que, em 1996, existirá um universo incorporável de cerca de 83 500 jovens em idade de incorporação e, considerando uma taxa previsível de 80% de aptos fisicamente para o desempenho do serviço efectivo normal, isto é, cerca de 66 800, admitimos que venham a ser incorporados, dentro dos limites máximos da Portaria n.° 1492/95, de 30 de Dezembro, um número global de 39 400 jovens no serviço efectivo normal. Destes, naturalmente, o grosso da coluna reporta-sí ao Exército. Ora, esse número de 14 000 reportava-se apenas ao Exército, porque para 1996, em SEN, na Marinha, calcula-se que possam vir a ser incorporados 1800 e 1600 na Força Aérea. Portanto, no Exército é que haverá o grosso da coluna de 36 000, dos quais, em média anual de efectivos, admitimos que possamos estar à volta de 14 000 ou 14 500, isto é, um número ligeiramente acima do ano passado, em média (sublinho, em média), mas abaixo do número global do ano passado em cerca de 10 000 efectivos a incorporar, de facto.
Ainda em relação ao regime de contrato e de voluntariado, o aumento que, neste momento, está calculado é de 2400 e não de 2700, para o ano de 1996.
A Sr.° Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): — Sr." Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, em primeiro lugar, queria agradecer ao Sr. Ministro por não ter feito a intervenção inicial. É que suponho que é uma simpatia para com quem quer sair um pouco mais cedo.
O Sr. Ministro da Defesa Nacional e da Presidência: — Happy birthaay!
O Orador: — Muito obrigado, Sr. Ministro.
Quanto ao orçamento, vou ser muito sintético — só pretendo fazer duas ou três perguntas — porque o essencial está dito no relatório e também nas conversas que tivemos em sede de Comissão.
Primeiro ponto, em relação à componente pessoal, o Sr. Ministro referiu rigidez face à situação actual e eu acrescento apenas isto; no último contacto que tivemos com o Estado-Maior do Exército, na exposição que nos foi feita, a informação que foi dada foi a de que a diminuição do serviço militar obrigatório e a sua substituição pelo regime de contrato e de voluntariado não implicará redução de custo mas, sim, aumento de custo. Isto é, projectando este orçamento para o futuro, o mais provável é que o peso da componente pessoal aumente e não diminua à medida que for posto — se for posto — em execução um modelo de Forças Armadas assente no voluntariado e nos contratos.
Segundo ponto, quanto às despesas com manutenção e funcionamento, a Sr.° Deputada Relatora quis incluir isto no próprio relatório, depois da discussão que houve em
sede de Comissão. Não tomou inicialmente essa iniciativa mas acolheu as sugestões no sentido de ser feita uma observação muito simples: com uma redução tão significativa das verbas de manutenção e funcionamento é a capacidade operacional das Forças Armadas que fica em questão, é o treino operacional que fica em questão e com isso fica em questão o produto que as Forças Armadas devem realizar, que é o produto operacional. Alguém disse — lembro-me até quem foi, mas não vou dizer aqui — que nos arriscamos a que alguém venha dizer que o País gasta 300 milhões de contos para nada, para não ter um produto operacional. Não digo que isso esteja a acontecer neste momento, mas digo que é uma tendência crescente porque há anos, há seguramente seis anos seguidos, que as despesas de manutenção e funcionamento são objecto de uma compressão sucessiva com consequências negativas e que estão mais do que denunciadas e diagnosticadas.
Terceiro ponto, quanto aos investimentos, ó Sr. Ministro acentuou, e bem, na reunião da Comissão que faltavam os relatórios de execução da Lei de Programação Militar: De facto, o Sr. Ministro não os tem mas eu, por exemplo, o do Exército, vi-o no briefing que foi feito. Tive acesso ao relatório de execução do Exército e até gostaria de contar ao Sr. Ministro como é que ele é, dado que ainda não chegou ao seu gabinete, mas, quando chegar, com certeza que o Sr. Ministro terá logo o cuidado de o enviar para a Comissão. Sei que fará isso. E, quando chegar à Comissão, discutiremos, então, qual é a real situação da programação militar e o que é que é preciso corrigir. Não sei muito bem como é que se pode classificar isto, porque o que passa — e devo dizer que tenho algum receio que a Sr." Deputada Manuela Ferreira Leite venha a saber, mas vou só levantar uma ponta do véu! — é que há uns milhões de contos que se vão acumulando ano a ano e que não são usados, efectivamente. Há uma instituição,
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que é esta onde vivemos, que tem uma prática semelhante: também acumula os saldos ano a ano, só que, apesar de tudo, são modestos,' são 500 000 contos num orçamento de 9 milhões de contos!.. Mas neste caso são números completamente absurdos, são números que correspondem
a dois terços da verba anual. Portanto, creio que deve haver ou uma reformulação ou uma revisão ou um reequacionamento, seja o que for, mas este processo de deslizamento é insuportável, tanto mais que do que se trata é de executar um programa de reequipamento e não de cativar verbas para o realizar algum dia se apetecer a alguém fazê-lo. Creio que esta é uma questão fundamental.
Quarto ponto, também muito breve, tem a ver com o peso do orçamento do Ministério da Defesa Nacional, que tem de ser analisado em função de, pelo menos, dois elementos importantes: um, é a verba que está na dotação provisional para a operação na Bósnia e, outro, é uma pequena operação de contabilidade que retirou 7,7 milhões de contos da despesa. Eu nunca seria capaz de chamar a isso destrçamentação porque o Sr. Ministro diria que, tecnicamente, não é uma desorçamentação visto que o bem já está comprado; mas eu digo que o bem está comprado mas a prestação era paga este ano! Portanto, assim, temos esta situação espantosa: o Estado compra bens sem gastar dinheiroI A operação, é tão simples, tão simples, que é bom que fique registado como é que foi, feita — aliás, no primeiro projecto de relatório estava bem descrita e significa, pura e simplesmente, que essa verba de aquisição dos aviões F-16 acaba por não figurar no orçamento e vai directamente para a dívida. Com estas despesas, o peso do orçamento, que é um orçamento que condiciona fortemente a actividade das Forças Armadas, acaba por ser muito alto, o que é a quadratura do círculo, no pior sentido!
Agora, ficam as perguntas, que são muito simples. Primeira, qual é afinal, neste momento, o custo previsível da participação das Forças Armadas Portuguesas na IFOR, na Bósnia, custo esse reportado ao orçamento do ano passado e ao deste ano? Segunda, em matéria de programação militar, em que momento é que o Governo pensa apresentar a revisão da Lei de Programação Militar ou a nova proposta de lei de programação militar? Terceira — e sei que o Sr. Ministro vai adorar esta pergunta! —, a nova arma vai ser adquirida na INDEP em que condições e para quando? Quarta — também vai gostar muito dela! —, sobre os estabelecimentos fabris das Forças Armadas, particularmente as Oficinas Gerais de Fardamento e Equipamento e de Material de Engenharia, qual é a perspectiva dada neste momento pelo Governo: é a de manter e desenvolver ou outra qualquer?
A Sr.* Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Defesa Nacional e da Presidência.
O Sr. Ministro da Defesa Nacional e da Presidência: — Sr.* Presidente, respondo já ao Sr. Deputado João Amaral, até porque sei que ele tem outros compromissos e seria injusto fazê-lo esperar pelo fim.
Começo por dizer que acho importante que a Comissão realize, um debate sobre o significado do custo da opção entre serviço efectivo normal e um contingente exclusivamente assente em regime de voluntariado e em regime de contrato. Esse é um debate muito importante e, por isso, quando vim à Comissão, disse que o que eu entendia ser obrigação do Ministério da Defesa Nacional era fornecer à Assembleia da República, enquanto entida-
de com os poderes para tomar ,a decisão em sede de revisão constitucional sobre o figurino em que vai assentar o modelo de serviço militar para futuro, os elementos que permitissem equacionar o custo com o actual modelo misto, que é um modelo onde há serviço efectivo normal, com
duração de quatro meses, e regime de voluntariado e regime de contrato, e um modelo alternativo que prescindisse totalmente do serviço efectivo normal e que assentasse exclusivamente no regime de voluntariado e no regime de contrato — esse é o contributo do Ministério da Defesa Nacional. Aliás, foi pedido pelo meu antecessor, no governo anterior, um estudo aos ramos sobre essa matéria e tenho a informação de que o estudo do Exército também já foi entregue, juntando-se aos estudos feitos pela Marinha e pela Força Aérea,"o que significa que, neste momento, ao nível do Estado-Maior-General das Forças Armadas, se está a trabalhar na síntese das informações parcelares que foram entregues pelos ramos. Convém também não esquecer que a reforma que foi empreendida pelo governo anterior não tinha só incidência no SEN e no RV e RC, também tinha incidência nos quadros permanentes e na respectiva situação, e aí houve uma diminuição do número de efectivos dos quadros permanentes em serviço activo, o que teve, naturalmente também, incidências na despesa em matéria de pessoal.
Sobre a questão colocada relativamente à operação e manutenção, estou de acordo com o Sr. Deputado. Acho que a sociedade tem a legitimidade e o direito de se perguntai qual é o produto que obtém desta verba global de 300 milhões de contos que é despendida com o sector da defesa nacional. De todo o modo, gostava de chamar a atenção para o facto de que não é, para mim, líquido nem adquirido que o simples aumento da despesa gere um produto qualitativamente melhor. O problema não é só o da quantidade da despesa mas também o da qualidade, o da racionalidade económica da despesa e certa despesa com equipamentos ou com infra-estruturas obsoletas ou irrecuperáveis, cujo custo de sustentação e de manutenção é desproporcionado para a eficácia operacional dessas estruturas, é puro desperdício. Portanto, certas opções que foram tomadas têm também a ver com a interpretação que as próprias Forças Armadas e o Ministério fazem de custos de puro desperdício que não se justifica que sejam mantidos apenas para dizer que se gastou mais dinheiro nesta ou naquela área, e poderíamos ver exemplos concretos disso.
Quanto à Lei de Programação Militar, há uma estrutura de acompanhamento da execução desta lei que não produziu os relatórios que devia ter produzido em tempo devido, no passado. O que eu já*decidi — assinei um despacho nesse sentido — foi criar uma nova estrutura de acompanhamento da execução desta lei que permita um entrosamento do Ministério com os ramos das Forças Armadas. Anteriormente, essa estrutura era exclusivamente assente no Ministério da Defesa Nacional e eu entendo que o que faz sentido, para que um acompanhamento possa ser eficaz e permanente, é que haja um entrosamento da estrutura de acompanhamento entre o Ministério e os ramos das Forças Armadas. Essa estrutura terá como objectivo fundamental produzir informações mensais sobre os movimentos que foram feitos em sede de utilização de verbas da Lei de Programação Militar, ou seja, uma avaliação trimestral e um relatório semestral, um sistema de cascata que permita uma monitoragem mais próxima da evolução da Lei de Programação Militar. É óbvio que a lei beneficia de um sistema de transferência de saldos de
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anos económicos, o que constitui uma característica inerente à natureza, por via de regra, plurianual dos programas de investimento que são inscritos na lei. Logo que eu tiver uma avaliação dos relatórios de execução, naturalmente que habilitarei a Assembleia da República com os números exactos dessa execução.
Não vou voltar à discussão sobre aquilo que foi feito quanto ao crédito referente aos F-16 — apesar de tudo, uma discussão técnica seria interessante, mas eu seria uma parte desabilitada ou em menores condições —, permito-me chamar, contudo, a atenção para o facto de que o pagamento efectivo da primeira esquadra dos F-16 só se inicia em Dezembro de 1997 e não em Dezembro deste ano, começa no ano que vem e prolonga-se até 2004. Portanto, a opção que fizemos não foi, em meu entender, de desorçamentação — não haveria nenhuma despesa efectiva a fazer este ano —, foi a inscrição, como dívida em virtude de um crédito, que terá de ser regularizada através dos mecanismos que o Estado tem para regularizar os pagamentos ao estrangeiro.
Em relação às perguntas preferidas do Sr. Deputado João Amaral, aquela barreira das quatro últimas, gostei muito delas e vou esforçar-me para que o Sr. Deputado goste tanto das respostas como eu gostei das perguntas.
No que se refere à Bósnia, nós fizemos um investimento no ano de 1995 de 3 372 360 contos. São investimentos que foram feitos, sobretudo, na preparação da força e na aquisição de equipamento necessário para actuar no teatro da ex-Jugoslávia; inclui também isso a despesa de 680 000 contos para a fragata que assumiu o comando da STANAVFORLAND e para os custos de manutenção do avião P3P-Orion na operação Sharpguard, também no Adriático, que foram na ordem dos 960 000 contos. Isto não são custos JPOR directos. Tem a STANAVFORLAND, a fragata, tem a participação do avião na operação Sharpguard e tem investimento IFOR directo de 1 732 360 contos, que foi o investimento feito na preparação da força do batalhão da Brigada Aero-Transportada Independente, equipamentos, fardamentos e treino da força. Isto saiu, como disse, da dotação provisional do Ministério das Finanças.
Em relação ao custo total da operação, o cálculo que foi feito inicialmente e foi apresentado na reunião conjunta das Comissões Parlamentares de Defesa Nacional e de Negócios Estrangeiros foi de 12,8 milhões de contos. Estamos, neste momento, com as forças no terreno há pouco mais de um mês e, como é evidente, este primeiro mès foi quando tivemos de fazer alguns investimentos de instalação, que não são repetíveis ao longo do ano. É por isso que a estatística sobre os gastos neste primeiro mês não é ainda uma amostragem significativa para podermos aferir o rigor do cálculo quanto ao custo global da operação. Teremos de aguardar, pelo menos mais um mês, para termos uma ideia mais exacta do que são os custos fixos de uma operação deste género.
Naturalmente, podemos calcular os custos com pessoal, porque, em princípio, são fixos, mas não podemos calcular outro tipo de custos. Por exemplo, diariamente, temos feito patrulhas que envolvem percursos variáveis, na ordem dos 4000, 6000 e 8000 km. Ora, em termos de desgaste de viaturas, de gasto de combustível e de gasto de lubrificante isto tem consequências bastante diferentes. Já não falo da natureza de custos que envolve, por exemplo, o tipo de lubrificantes que estamos a usar neste momento, para o período de Inverno, o qual tem de ter determinadas características anticongelantes, em virtude das
baixas temperaturas que se verificam na zona, mas esperamos, sinceramente, que, dentro de um mês, possamos começar a usar uns lubrificantes mais mediterrâneos, menos nórdicos, isto é, mais amigáveis de uma temperatura mais próxima dos nossos próprios hábitos.
Em relação à Lei de Programação Militar, como disse, até Junho, contamos apresentar à Assembleia da República uma proposta de revisão da Segunda Lei de Programação Militar. Aliás, está a ser equacionada a opção entre uma revisão da Segunda LPM ou o lançamento a partir deste ano da terceira LPM. Trata-se de uma opção que ainda não está tomada, está a ser equacionada, mas, para fazer essa opção, um dos pressupostos.é obter um relatório exaustivo do grau de execução da Segunda LPM, para ver se vale a pena introduzir alterações à lei que está em execução, no fundo, por um ano, porque, na prática, será apenas um ano, ou se, pelo contrário, vale a pena pôr as coisas no chão, a partir da estaca zero — zero, entendámonos, com um grãozinho de sal —, e partir de uma nova lógica plurianual, quinquenal, para uma nova lei da programação militar.
Sobre a nova arma ligeira para o exército, aprovámos a short list, isto é, uma lista de três concorrentes que se apresentaram como os que tinham características que melhor poderiam satisfazer a preocupação de rearmamento das nossas Forças Armadas. Neste momento, estamos a pedir especificações e a dialogar com os membros da própria short list, paia analisar a perspectiva das contrapartidas, na medida em que um ponto relevante deste projecto, senão mesmo o mais relevante, é o da incorporação nacional no próprio projecto. Nenhuma decisão está ainda tomada quanto a isso e a decisão para o projecto não é apenas uma decisão política, é uma decisão que também tem de ter uma dimensão de utilidade efectiva para as Forças Armadas e para as nossas indústrias de defesa, o que pressupõe uma visão global que integre também a componente das contrapartidas.
Finalmente, em relação aos estabelecimentos fabris das Forças Armadas, neste momento temos um grupo de trabalho encarregue de analisar os inúmeros estudos que foram feitos, e que vêm do antecedente, quer quanto ao futuro das indústrias de defesa, no seu conjunto, quer quanto aos estabelecimentos fabris das Forças Armadas. Vamos dar prioridade à reestruturação das indústrias de defesa e creio que será possível, num curto prazo, apresentar um projecto global de reestruturação da componente das indústrias de defesa. Isto significa que os estabelecimentos fabris ficarão apenas para um segundo momento, o que, em meu entender, deverá ocorrer ainda na segunda metade deste ano.
Estão em curso negociações tendo em vista a introdução de algumas clarificações e melhorias no estatuto dos trabalhadores dos estabelecimentos fabris das Forças Armadas, aliás, é um processo que também já vem do antecedente, e quanto ao estatuto jurídico, como sabe, o Programa do Governo admite varias soluções, desde a sua modernização até à sua privatização. Neste momento, está tudo em aberto.
O Sr. João Amaral (PCP): — Sr. Ministro, se me permite um apuramento, daqui a um mês, e dado que agora não o pode fazer, já nos poderá dizer quanto é que custa a operação na Bósnia?
O Orador: — Não! Daqui a um mês terei uma estatística de onde será mais facilmente extrapolável o período
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de üm ano, mas posso dar-lhe um exemplo de como estas questões são, à partida, difíceis de calcular. Por exemplo, no território da Bósnia-Herzegovina, tudo é alugado, até o terreno onde instalamos as tendas está sujeito a. aluguer. Reconheço que, quando fizemos os cálculos iniciais da operação, não contámos com o aluguer do terreno. Não havia indicadores de mercado fiáveis sobre o valor do terreno no teatro de guerra da Bósnia-Herzegovina e, por isso, não pudemos fazer esse cálculo com antecipação. Agora, por exemplo, já sabemos qual é a componente do aluguer de terrenos. Uma questão curiosa é que não há terrenos devolutos, há sempre quem seja dono do terreno, o que significa, portanto, que há sempre que chegar a acordo com alguém, mesmo que seja um personagem que, depois, se verifica que representa uma estrutura paraestatal. Há sempre proprietários!
Em segundo lugar, é natural que o próprio contingente sofra reajustamentos quanto ao número de homens em presença no terreno, não do batalhão, porque esse continua a afigurar-se-nos como constituindo o quantitativo necessário para o desempenho das missões que nos foram confiadas, mas sobretudo no destacamento de apoio de serviços. A experiência que estamos a colher no terreno pode permitir introduzir algumas alterações nessa matéria.
De todo o modo, a minha ideia é a de que, durante o mês de Março, teremos uma estatística mais fiável do que aquela que temos neste momento, reportável ao mês de Fevereiro, que ainda tem incógnitas, desde logo as melhorias que se possam obter nos fornecimentos provenientes de Itália, que tem sido um dos problemas com que temos sido confrontados. É que a cadeia de reabastecimento a partir de Itália não está ainda a funcionar a 100%. O Sr. Chefe do Estado-Maior do Exército assinou um memorando, de acordo com os italianos, durante a nossa última estadia em Roma, pelo que esperamos que, ao haver melhorias nesse reabastecimento, .também possa haver economias de escala.
A Sr." Presidente: — Tem agora a palavra o Sr. Deputado Correia de Jesus.
O Sr. Correia de Jesus (PSD): — Sr.* Presidente, se não vir inconveniente, troco a ordem de uso da palavra com o Sr. Deputado Cardoso Ferreira, porque ele quer colocar uma questão de natureza genérica e eu vou colocar uma questão específica.
A Sr." Presidente: — Sr. Deputado, depois, esperará que intervenha um Deputado de outro partido, uma vez que não poderá intervir de seguida.
Tem a pa/avra o Sr Deputado Cardoso Ferreira.
O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): — Sr.' Presidente, Sr. Ministro, duas questões se podem suscitar da sua intervenção e da intervenção do Sr. Deputado João Amaral.
Em relação aos custos da operação na Bósnia, referiu o Sr. Ministro, e muito bem, que o material das nossas Forças está sujeito a um desgaste assinalável, pelas condições climatéricas, etc. A questão que coloco vai no sentido de saber como é que esse material vai ser substituído, se é que vai ser substituído. Provavelmente, o Sr. Ministro remeter-me-á para a Lei de Programação Militar, que, de facto, é capaz de ser a sede mais adequada, mas, se pudesse, gostava que dissesse alguma coisa sobre isso. Como é que o Exército vai substituir ou reintegrar esse material, que, aliás, deixe-me que lhe diga, não me
pareceu ir, propriamente, nas melhores condições ou, pelo menos, não era, propriamente, o mais moderno de que poderiam dispor.
Em relação às preocupações do Sr. Deputado João Amaral, quanto ao produto operacional, suscita-se-nos outra questão. Para além de estarmos preocupados com aquilo que pode ser uma incapacidade das Forças Armadas para apresentarem esse produto operacional, por força dos cortes significativos em determinadas rubricas, nomeadamente de manutenção e operação, coloca-se-nos outra questão, que já foi assumida pelas chefias, em briefings com a Comissão de Defesa Nacional, que tem a ver com o prejuízo evidente das missões de interesse público.
Ou seja, a leitura que as Forças Armadas fazem dos preceitos constitucionais coloca em primeiro lugar as missões de defesa do território. A defesa militar do território é a primeira obrigação ou dever constitucional das Forças Armadas e só depois, como que subsidiariamente, é que surgem as missões de interesse público. Isto significa que, havendo cortes substanciais, terá de ser privilegiada a componente militar de defesa do território, em detrimento das tais missões de interesse público. Ora, porque essas missões têm um significado especial — é a busca e salvamento, são as evacuações médicas, é a fiscalização da zona económica exclusiva, é o apoio e ajuda ao combate de incêndios, as catástrofes naturais, o apoio aos pescadores, enfim, uma plêiade muito significativa para a opinião pública em geral —, e sem querer pôr em causa as missões essenciais e constitucionais das Forças Armadas, por aquilo que nos foi dito, em consequência dos cortes orçamentais, vemos acentuada a nossa preocupação de que estas missões relevantes corram o sério risco de não se realizarem, quer por perda do grau de prontidão das Forças Armadas, quer até por incapacidade operacional de meios.
A Sr.* Presidente: — Srs. Deputados, quando iniciámos a reunião, solicitei que as questões colocadas fossem apenas da área da defesa, mas, a partir de agora, se os Srs. Deputados quiserem colocar alguma questão sobre a área dos Encargos Gerais da Nação, já o podem fazer, porque já chegou o Sr. Secretário de Estado, que também pode dar algumas respostas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.
O Sr. Marques Júnior (PS): — Sr.' Presidente, Sr. Ministro, devo confessar que não estava a pensar intervir, dado que julgava que, de facto, a reunião iria ser muito rápida, mas uma vez que houve aqui um conjunto de intervenções, gostaria apenas não propriamente de fazer uma pergunta mas de sublinhar um ou dois aspectos que já foram aqui referidos.
Há, de facto, uma deficiente estruturação ao nível da organização das Forças Armadas no que diz respeito às verbas que se gastam com pessoal e às verbas que se gastam com material e equipamento, manutenção e funcionamento. Digamos que se trata de uma herança de muitos anos que resulta de um desajustamento de uma organização, podemos dizer, ainda da guerra colonial. Posteriormente, houve uma tentativa dos governos anteriores para inverter um pouco esta situação, mas, de algum modo, foi feita mais por operações de contabilidade do que por operações estruturantes, as quais, como disse o Sr. Deputado João Amaral, a curto prazo, têm-se revelado não só insuficientes como Contraproducentes. E a perspec-tiva do pessoal versus material e equipamento, manuten-
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ção e funcionamento tenderá, provavelmente, a agravarse, independentemente da opção entre SEN, RV ou RC, na medida em que, mesmo que seja uma operação mista, como a que está em curso, com um período de quatro meses — e é impossível que não seja uma opção como a que está em curso —, os gastos com pessoal tenderão, provavelmente, a agravar-se, julgo eu, em função de uma estrutura deficiente de organização das próprias Forças Armadas.
Sou dos que pensam que 300 milhões de contos, apesar de tudo, gastos com a defesa nacional, têm de ter um produto operacional diferente daquele que é efectivamente, neste momento, o produto das Forças Armadas. O que gostaria de sublinhar í que a compressão dos gastos com pessoal tem limites e, como vimos, não é possível comprimir, pelo que, provavelmente, estes gastos irão aumentar.
Por outro lado, a compressão relativamente a material e equipamento, manutenção e funcionamento também tem limites a partir dos quais há, de facto, algumas soluções que não podem ser tomadas no quadro da actual estrutura de funcionamento das Forças Armadas. Com isto, quero dizer o seguinte: eventualmente, estas verbas podem ser mais comprimidas, desde que seja alterada a estrutura orgânica e de funcionamento das próprias Forças Armadas. Com a actual estrutura, essa compressão, a partir de determinado momento, torna-se preocupante.
A propósito desta questão, faço uma ligação com aquilo que refere o relatório da Comissão de Defesa Nacional. Este relatório fala num decréscimo de capacidade operacional e de grau de prontidão e quero explicitar que, na minha opinião, aliás, corroborada pelos chefes militares, quer pelo CEMGFA, quer pelo Chefe do Estado-Maior do Exército, isto não significa que haja uma quebra de prontidão e de operacionalidade das Forças Armadas que estão, neste momento, empenhadas em missões internacionais, ou seja, naquilo que são missões específicas no quadro das nossas alianças e no quadro da intervenção fora do território nacional. Aí, esse problema, essa falta de capacidade não se coloca, mas pode colocar-se com acuidade relativamente àqueles que podem ser considerados os encargos operacionais das Forças Armadas globalmente consideradas. No entanto, na minha opinião, esse decréscimo não é significativo, porque decrescer de zero ou de quase zero não é muito relevante. Com a actual estrutura das Forças Armadas e com um período de instrução de quatro meses, como o que temos, é discutível o grau de operacionalidade que se pode pedir às Forças Armadas. Como esta estrutura não foi alterada, o decréscimo de operacionalidade a este nível não é muito relevante.
Por outro lado, temos uma informação dos chefes militares responsáveis, no sentido de que esta falta de operacionalidade e prontidão não afecta aquela que é, digamos, a organização das Forças Armadas nas missões internacionais, para a qual, no fundo, está orientado o apoio mais adequado ao nível das próprias Forças Armadas.
Relativamente às missões de interesse público que o Sr. Deputado Cardoso Ferreira referiu, quero dizer o seguinte: é evidente que, num ou noutro aspecto, é possível que possam ser prejudicadas algumas missões. Aliás, numa perspectiva orçamental correcta, seria de admitir que, por exemplo, algumas missões de interesse público que são atribuídas às Forças Armadas pudessem ser orçamentadas noutros ministérios a quem as Forças Armadas prestam determinado tipo de apoios. Mas há missões de interesse
público que penso que as Forças Armadas nunca deixarão de prestar, sejam quais forem as condições orçamentais com que se confrontem. Trata-se de missões que estão no subconsciente colectivo da opinião pública em geral, como é o caso das missões em situações de catástrofe ou coisas do género, relativamente às quais não só o Governo tem de estar preparado para reforçar as Forças Armadas, em caso de necessidade, como estas têm de ter uma organização suficiente para poder responder a essas missões. Por isso, no essencial, creio que esse aspecto não fica prejudicado com este orçamento das Forças Armadas, diria até, com este ou com qualquer outro orçamento das Forças Armadas.
A Sr." Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Correia de Jesus.
O Sr. Correia de Jesus (PSD): — Sr." Presidente, Sr. Ministro da Defesa Nacional, gostaria que me sossegasse quanto a uma preocupação de carácter regional, que se traduz na hipótese — que, penso, terá sido colocada — de, em consequência da redução de verbas de manutenção e funcionamento, poderem vir a ser retirados meios que se encontram sediados nas regiões autónomas, nomeadamente na Região Autónoma da Madeira, de onde, concretamente, poderão ser retirados o Aviocar e o Puma, que estão, normalmente, estacionados no Porto Santo e aí desempenham importantes missões quer no que toca à fiscalização da zona económica exclusiva, quer em situações de emergência, nomeadamente em casos de salvaguarda de vidas e de pessoas.
Permito-me ainda perguntar ao Sr. Ministro se o Governo prevê que, em relação ao sistema de saúde militar, seja feito um esforço de racionalização de meios e de gastos, de modo a que se possa, também aí, fazer alguma poupança que reverta, eventualmente, para outras finalidades.
A Sr.* Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Sr.* Presidente, Sr. Ministro, afastado há muito tempo das lides militares, a questão que lhe vou colocar tem a ver com os Encargos Gerais da Nação, matéria que, segundo me parece, também ocupa V. Ex.* nesta nossa ordem de trabalhos.
No passado, na parte dos Encargos Gerais da Nação, havia uma discriminação entre as dotações para as regiões autónomas, em termos de transferência orçamental do Orçamento do Estado para o orçamento regional, e a dotação específica do gabinete do Ministro da República. De há algum tempo a esta parte — e isto acontece também nesta proposta de lei —, essas verbas vêm confundidas, isto é, ^existe um montante global, sem ser discriminado, embora, obviamente, haja forma de o fazer.
Por outro lado, contrariando ainda uma solução do passado, toda essa dotação é transferida para o Ministro da República, que serve de intermediário nas transferências para a Região.
Posto isto, e uma vez que temos tido algum eco, alguma receptividade, alguma compreensão relativamente às matérias das autonomias regionais e das regiões autónomas, a questão que lhe quero colocar vai no sentido de saber se, em nome da transparência, não seria aconselhável — e, portanto, alterável na proposta de lei — que se fizesse a discriminação entre a dotação para as regiões e
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as verbas especificamente destinadas aos gabinetes dos ministros. Mais: não seria também conveniente, até porque, no passado, houve alguns pequenos incidentes, alguns atrasos, alguns problemas na intermediação, que o processamento se fizesse em termos de as dotações passarem directamente para os governos regionais e para as contas próprias das regiões?
A Sr.* Presidente: — Se o Sr. Ministro não se importar, talvez o Sr. Deputado Cardoso Ferreira possa fazer mais uma observação na área da defesa, de modo a que o Sr. Ministro possa, então, dar as respostas relativas à matéria da defesa, em conjunto.
O Sr. Ministro da Defesa Nacional e da Presidência: — Com certeza, Sr* Presidente.
A Sr.' Presidente: — Sendo assim, tem a palavra o Sr. Deputado Cardoso Ferreira.
O Sr, Cardoso Ferreira (PSD): — Sr.' Presidente, Sr. Ministro, vai-me desculpar, mas tive a sensação de que, de alguma forma, o Sr. Deputado Marques Júnior se estava a substituir ao Sr. Ministro nas respostas que eu pretendia obter e, portanto, coloco-lhe a seguinte questão: se, efectivamente, com esta redução de verbas de manutenção e operação, como foi dito, e o Sr. Deputado também ouviu, for posta em causa, nomeadamente, a qualificação de pilotos, isso terá ou não consequências em algumas das missões de carácter público mais importantes, designadamente busca e salvamento, evacuações médicas, etc, apesar da enorme boa vontade e espírito de missão das Forças Armadas?
A Sr." Presidente: — A despeito de o Sr. Deputado ter feito a pergunta a outro Sr. Deputado, vou dar a palavra ao Sr. Ministro, a quem compete esclarecer estas matérias.
O Sr. Ministro da Defesa Nacional e da Presidência: — Sr.* Presidente, Sr. Deputado, como vê, por estarmos a discutir a defesa, a hierarquia ainda vale alguma coisa! Não há ultrapassagens!...
Risos.
Começando exactamente pelas respostas ao Sr. Deputado Cardoso Ferreira, o desgaste do material a que aludi na operação na Bósnia não acarretou àté este momento qualquer necessidade de substituição, isto é, onde esse desgaste mais se tem verificado é nas viaturas, que são as viaturas de transporte e as viaturas chaimite, as quais foram todas renovadas tendo em vista esta operação.
Segundo me dizem, embora as viaturas chaimite atinjam algumas temperaturas bastante negativas, e eu tive Oportunidade de verificar isso, porque parte do percurso que fiz na Bósnia-Herzegovina foi de chaimite e reconheço que a estrutura ocasiona baixas temperaturas, uma vez que tem uma ligação aberta entre o lugar dos pilotos e a caixa da viatura, mas foi introduzido em todas elas um sistema de aquecimento específico para esta situação, ou seja, as viaturas foram preparadas tendo em vista a natureza específica desta operação durante o período de Inverno. Esperamos que a questão das baixas temperaturas se resolva dentro de um mês e, depois, voltarei à comissão para responder ao Sr. Deputado Cardoso Ferreira, quando
me colocar a questão das altas temperaturas durante o Verão. Até lá, vai ver que arranjo resposta!
Portanto, em relação ao desgaste do material, a única questão que está neste momento a ser equacionada é a do envio de mais seis viaturas chaimite, equipadas com torre, na medida em que foi distribuída ao batalhão português a missão de fazer a guarda do quartel-general em Sarajevo, missão essa com características que recomendam que a vigilância permanente e da viatura parada se faça não com cabeça descoberta mas com uma torre de protecção do militar que faz a vigilância. Por isso, iremos enviar mais seis chaimites para esta finalidade específica, atenta a natureza da nova missão que nos foi distribuída.
Entretanto, tivemos acidentes com quatro viaturas chaimites que foram reparadas no local, nenhuma necessitou de manutenção particularmente sofisticada, e já estão todas ao serviço, já estão todas operacionais. Há uma viatura que ainda está em reparação — uma viatura Iveco —, a qual teve um acidente, mas também não foi de grande gravidade. Portanto, em matéria de substituição de material, até este momento zero.
Em relação às considerações que fez sobre o produto operacional e sobre as opções a tomar, trata-se de uma questão que tem uma resposta em dois tempos.
Em primeiro lugar, tem uma resposta contida no próprio conceito estratégico de defesa nacional. Em meu entender, todas as missões das Forças Armadas são missões de interesse público, só que há missões de interesse público atinentes à defesa da integridade do território e há outras que têm a ver com a satisfação de necessidades colectivas das populações.
O conceito estratégico de defesa nacional, em meu entender, constitui o quadro de referência para a sua pergunta. Como sabe, não sou um especialista em questões militares mas tenho uma forte «costela» jurídica, sou um constitucionalista, e quando na Constituição se colocam conflitos de direitos fundamentais nunca ninguém defende a tese de que se deve resolver um conflito de direitos pela afirmação da prevalência absoluta de um direito e o sacrifício total do outro.
0 que é que se procura? Procura-se, dentro da melhor
doutrina, a chamada harmonização concreta, isto é, dentro das medidas da possibilidade de realização de cada um dos direitos, em que ponto é possível limitar um e outro para que o essencial de cada uni deles se continue a efectivar na vida colectiva.
Foi isto o que fizemos! Isto é, uülizámos um método de harmonização concreta e não estabelecemos uma hierarquia absoluta mas um critério de limitação de todas as acções das Forças Armadas decorrentes dos cortes orçamentais, sem sacrificar a essência de nenhuma das missões, nem o treino operacional para a garantia da integridade do território nacional, nem a capacidade para responder a missões de interesse público.
Creio, aliás, que este é o quadro geral. O próprio Sr. Almirante Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas reconhece que, ao longo do ano, haverá que proceder a ajustamentos em relação a este tobeau de bord, para tomar de empréstimo uma expressão marinheira. Aliás, tratando-se de'citar quem se trata, até se pode dizer que está no seu meio natural.
Quanto à questão das opções sobre o funcionamento das Forças Armadas na relação pessoal/equipamento, creio que seria um debate muito interessante mas em que não me atrevo a entrar com a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias à espera de discutir os Encargos Gerais da Nação.
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Porém, é evidente que a questão da verba que se gasta em pessoal tem de ser analisada decompondo-a. Não é possível ter uma filosofia global sobre as verbas de pessoal porque temos de ver o que c a realidade do quadro permanente, que é uma, e o que é a realidade da despesa em pessoal em contingente, que é outra.
A opção entre serviço efectivo normal de quatro meses, devo dizer com toda a sinceridade, parece-me ser uma opção, em matéria de política de pessoal, de grande desperdício financeiro, repito, de grande desperdício financeiro.
Todavia, houve poupanças em despesa de pessoal no quadro permanente, que ocorreram, salvo erro, em 1993. Aí houve uma poupança efectiva nos quadros permanentes.
Em relação ao contingente geral, não podemos falar cm poupança em pessoal nem no futuro, se a opção vier a ser a de substituir o serviço efectivo normal por RV e RC. Do que se poderá falar, talvez, é de uma maior rentabilização do investimento em pessoal, na medida em que, devo dizê-lo e essa é a opinião dos ramos das Forças Armadas, os quatro meses se mostram insuficientes para a formação de um contingente geral e são particularmente custosos sob o ponto de vista financeiro.
Por isso, é preciso ver que a dinâmica da despesa em pessoal é diferente consoante o universo a que nos estivermos a referir e não é possível fazer uma leitura global, tem de ser feita uma leitura decomposta de cada uma das parcelas que a integram.
Quanto às questões que foram colocadas pelo Sr. Deputado Correia de Jesus, começava por dizer que está fora de questão que a FIR que abrange o Continente e a Madeira possa ser objecto de qualquer depreciação em relação à FIR dos Açores e, portanto, o nosso compromisso é o de manter os meios de busca e salvamento, quer os que estão em Porto Santo quer os que estão nos Açores.
Neste momento, em Porto Santo está um Aviocar e um helicóptero Puma. Ontem mesmo, alertado para o problema pelos Srs. Deputados, tive ocasião de conversar com o Sr. Chefe de Estado-Maior da Força Aérea e já foram tomadas as providências necessárias para garantir que há disponibilidade orçamental para manter o Puma e o Aviocar em Porto Santo, para garantia das missões de busca e salvamento que competem a Portugal na FIR Continente/Madeira.
Acrescentaria, contudo, que a frota de busca e salvamento apresenta sinais preocupantes de envelhecimento e, portanto, uma das opções que terá de ser tomada na próxima lei de programação militar é uma opção sobre a renovação da frota em matéria de busca e salvamento.
Quanto ao sistema de saúde militar, devo dizer que é uma matéria complexa. No que se refere à matéria orçamental, as medidas que foram tomadas são no sentido de controlar o acesso à assistência medicamentosa, que cresceu em flecha, de maneira excessiva, exigindo, em meu entender, medidas administrativas que permitam o controlo rigoroso da assistência medicamentosa prestada pelas Forças Armadas, de maneira a nela fazer recair apenas os custos atinentes ao que lei prevê.
Porém, naturalmente que o problema do sistema de saúde militar é muito mais vasto, exigindo medidas de racionalização e integração do sistema de saúde militar. Ora, isto exige diálogo com os ramos, que têm uma tradição cultural de certo isolacionismo em matéria de assistência na saúde, mas também um horizonte pré-lixado, e na directiva de planeamento para 1996 determinei que, até
ao final deste ano, a Direcção-Geral de Pessoal deverá apresentar os estudos necessários à implementação de um sistema de saúde integrado nas Forças Armadas.
Isto não significa apenas a existência de uma instalação hospitalar, significa que um conjunto de serviços de saúde, que hoje estão divididos pelos três ramos, não-de ser integrados, para garantir uma boa performance da prestação dos cuidados de saúde e para permitir, igualmente, redução de custos, que é uma preocupação.
Sobre a defesa, creio que respondi a todas as perguntas, antes de passar, não direi ao ataque, aos Encargos Gerais da Nação.
A Sr.a Presidente: — Pergunto aos Srs. Deputados se pretendem pôr mais alguma pergunta na área da defesa.
Na verdade, o Sr. Ministro tem um pelouro muito diversificado e, para além dos Encargos Gerais da Nação, ainda temos a Sr.° Deputada Helena Roseta que pretende intervir em nome da Comissão para a Paridade e Igualdade de Oportunidades, pelo que talvez fosse melhor arrumar a discussão por assuntos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Cardoso Ferreira.
O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): — Sr. Ministro, era apenas para lhe dizer, quanto à resolução do conflito entre princípios constitucionais pela via da harmonização, que desejo a V. Ex.a os maiores sucessos em sede de Conselho Superior Militar.
A Sr.° Presidente: — Tem a palavra o Sr. Ministro.
O Sr. Ministro da Defesa Nacional e da Presidência: — Sr. Deputado, agradeço muito esse voto, na certeza de que todos comungaremos dele, porque se eu tiver sucesso isso significará que todos leremos sucesso.
A Sr.a Presidente: — Por isso lho desejaram, Sr. Ministro.
Pausa.
Para responder à questão que foi levantada pelo Sr. Deputado Guilherme Silva, tem a palavra o Sr. Ministro.
O Sr. Ministro da Defesa Nacional e da Presidência: — Sou sensível ao argumento do Sr. Deputado Guilherme Silva, mas tenho a sensação de que essa operação não será exequível neste Orçamento.
De todo o modo, posso adiantar-lhe duas ordens de indicações, sendo a primeira a seguinte: aquilo que é específico das dotações dos gabinetes dos Ministros da Re-. pública é na ordem dos 220 000 contos para cada um deles e apenas isso. Estão, dessa maneira, de algum modo, equiparáveis aos gabinetes ministeriais, até porque se lhes aplica o mesmo quadro normativo.
Em relação à transparência das relações financeiras do Estado com as regiões autónomas, essa é uma questão que passa não apenas pela desagregação da verba inscrita como transferências para as regiões ou nos gabinetes dos Ministros da República mas também por uma série de protocolos financeiros sectoriais que existem entre os vários ministérios e as correspondentes estruturas dos governos regionais.
Creio que já foi divulgado que o Conselho de Ministros aprovou uma resolução no sentido de criar um grupo
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de trabalho que permitisse estabelecer um quadro global do relacionamento financeiro entre o Governo da República e os Governos da Regiões Autónomas. Tomei nota da sua sugestão e estou convencido de que teremos condições para, no rescaldo do trabalho desse grupo, apresentar, no próximo orçamento, a desagregação das verbas a que o Sr. Deputado Guilherme Silva se referiu e que estou de acordo que contribui para a transparência do relacionamento financeiro entre o Orçamento do Estado e os orçamentos regionais.
A Sr." Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr^ João Amaral (PCP): — Sr. Ministro, não queria estragar este clima tão agradável que agora aqui se desenvolveu ...
A Sr." Presidente: — Não foi só agora, Sr. Deputado!
O Orador: — Mas este clima, com este anticiclone centrado na Região Autónoma da Madeira, é sempre agradável de ver.
Sr. Ministro, li nos jornais que o Sr. Ministro fez uma visita à Expo 98 na qualidade de Ministro que detém a tutela desse sector e, estando convencido de que responderá com enorme facilidade, pergunto: a despesa prevista no Orçamento do Estado para a Expo 98 está dentro do previsto ou está a ser excedida e em que termos?
A Sr." Presidente: — Tem a palavra o Sr. Ministro.
O Sr. Ministro da Defesa Nacional e da Presidência: — Sr. Deputado João Amaral, não tenho a tutela da Expo 98. A Expo é uma sociedade anónima de capitais públicos, pelo que a minha responsabilidade se resume a coordenar, no seio do Governo, a representação dos vários ministérios que têm a ver com o projecto da Expo e a estabelecer a articulação entre o Governo e o Comissariado da Expo 98.
Em relação à realidade financeira da Expo 98, em primeiro lugar, vou confessar que, sendo o Sr. Deputado João Amaral um especialista em defesa, estava à espera que me embaraçasse com uma pergunta nessa área. Agora, que o Sr. Deputado se transmudasse e me viesse embaraçar com uma pergunta em sede de Encargos Gerais da Nação, reconheço que tem a vantagem do efeito surpresa.
De todo o modo, não conheço nenhuma verba no Orçamento para a Expo 98. E não há verbas no Orçamento para a Expo 98 porque ela é uma sociedade anónima de capitais públicos, de que são accionistas o Estado e as Câmaras Municipais de Lisboa e de Loures. A sua dotação inicial de capital foi feita, em parte, salvo erro no Orçamento de 1992, tendo sido da ordem dos 500 000 contos, de um capital social previsto dc 10 milhões de contos, que não está ainda realizado e não o é no exercício orçamental de 1996.
O custo global do projecto, que não apenas da Exposição, naturalmente, mas de todo o projecto envolvente, de natureza imobiliária, de saneamento básico, de limpeza do rio Trancão, etc, é da ordem dos 200 milhões de contos, segundo tem sido afirmado pelo Comissário da Expo 98 e apresentado a público pelo próprio Comissariado. Portanto, no exercício orçamental de 1996, não há qualquer transferência do Orçamento do Estado para a Expo 98.
O financiamento da Expo tem assentado, essencialmente, no recurso ao crédito bancário, em alguns casos com o aval do Estado. Os avales do Estado somaram, até ao ano passado, cerca de 52 milhões de contos. Não trouxe' comigo esse número mas se o Sr. Deputado estiver interessado, depois, mando-lhe o número exacto; de'qualquer modo, é essa a sua ordem de grandeza. Naturalmente que os empréstimos em causa têm um prazo de pagamento e ainda não estão a ser efectivados, não havendo ainda qualquer aval accionado e, por isso, ainda não houve necessidade de inscrever essa verba no Orçamento do Estado para 1996.
Porém, aproximando-se a realização da Assembleia Geral da Sociedade Parque Expo, S.A., da sociedade-mãe, digamos assim, o Governo pediu o relatório e contas referente ao ano passado, 1995, para poder fazer o diagnóstico da situação dos investimentos efectivos, e também pedimos ao Sr. Comissário Geral a indicação do grau de adiantamento das obras, designadamente daquelas que têm uma fase final com data marcada, que é a da realização da própria Exposição, a qual começa em Maio de 1998.
Portanto, aguardamos o fornecimento dessas indicações para que o Estado possa avaliar a situação do projecto e comportar-se em conformidade, enquanto accionista, na próxima Assembleia Geral da Sociedade Parque Expo, S.A.
A Sr.° Presidente: — Tem a palavra a Sr.3 Deputada Helena Roseta.
A Sr.a Helena Roseta (PS): — Sr.a Presidente, esta é uma bela maneira de terminarmos o dia 8 de Março, tentando aqui concretizar aquilo de que já se tratou numa acalorada discussão entre os membros da Comissão para a Paridade c Igualdade de Oportunidades, representantes dos vários partidos, o Sr. Ministro da Presidência, o Sr. Secretário de Estado e a Alta Comissária para a Igualdade de Oportunidades e para Família.
Aquilo que pretendemos nesta reunião 6 dar conhecimento a todos os membros da Comissão de Economia, Finanças e Plano do que então se passou e confirmar junto do Ministro a possibilidade de tornar exequíveis dois compromissos que ficaram em standby na reunião da nossa Comissão, sendo que o primeiro tem a ver com a disponibilidade manifestada pelo Sr. Ministro e pelo Sr. Secretário de Estado no sentido de reforçar a verba de transferências para as organizações não governamentais de mulheres presentes no Conselho Consultivo da CIDM (Comissão para a Igualdade dos Direitos das Mulheres).
Recordo que no Orçamento de 1995 essa verba foi reduzida a 500 contos, contra valores da ordem dos 17/18 000 contos nos anos anteriores, criando mesmo uma impossibilidade real de funcionamento. Agora, houve disponibilidade para reforçar esta verba e, assim, para que não parasse o trabalho das organizações não governamentais de mulheres.
Muito concretamente, a nossa proposta é a de que haja um reforço de 20 000 comos no orçamento da CIDM para transferir para essas ONG presentes no seu Conselho Consultivo.
Outro ponto que foi abordado tem a ver com a concretização de um compromisso revelado pelo Sr. Ministro na reunião da Comissão para a Paridade e Igualdade de Oportunidades relativo à possibilidade de, através do PIDDAC, se confirmar um projecto de informatização da CIDM, no valor dc 60 000 contos. O Sr. Ministro disse-nos que isso estava previsto, que não tinha sido inseri-
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to na versão do PIDDAC que foi entregue na Assembleia por lapso e queríamos que, efectivamente, isto Ficasse expresso, para não haver dúvidas e, em particular, gostaríamos que ficasse expresso «com destino a Lisboa e Porto», dado que a CíDM já está regionalizada e tem como objectivo regionalizar-se ainda mais, pelo que não gostaríamos que essa verba ficasse em Lisboa.
A Sr." Presidente: — Tem a palavra o Sr. Ministro.
O Sr. Ministro da Defesa Nacional e da Presidência: — Sr." Deputada, mal sabia eu, quando cá vim da outra vez, que acabaria por estar aqui no dia 8 de Março! Está a ver, Sr.° Deputada, como cautelas e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém!
Sr." Deputada, confirmo aquilo que acabou de dizer. De facto, à partida, houve um erro de inscrição, com a falta de previsão do projecto de informatização da Comissão
para a Igualdade dos Direitos das Mulheres, no valor de 60 000 contos, a inscrever no PIDDAC, conforme já pude confirmar junto da Sr." Secretária de Estado do Orçamento e do Sr. Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território.
Por outro lado, manifesto também a disponibilidade do Governo para a inscrição da verba de 20 000 contos para o apoio às organizações não governamentais na área da promoção da paridade.
A Sr.° Presidente: — Srs. Deputados, se não há mais •nenhuma questão que pretendam colocar ao Sr. Ministro ou ao Sr. Secretário de Estado, agradeço a vossa presença e disponibilidade.
Está encerrada a reunião.
Eram 23 horas e 20 minutos. A Divisão de Redacção e Apoio Audiovisual.
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DIÁRIO
da Assembleia da República
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