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Terça-feira, 26 de Novembro de 2002 II Série-C - Número 24
IX LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2002-2003)
S U M Á R I O
Grandes Opções do Conceito Estratégico de Defesa Nacional:
- Documentos apresentados pelo Governo tendo em vista a concretização de um debate parlamentar sobre a matéria.
- Documento apresentado pelo PS tendo em vista a concretização de um debate parlamentar sobre a matéria.
Nota: Documento apresentado pelo PCP está publicado no DAR II Série C - N.º 15, de 3 de Agosto.
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Documentos apresentados pelo Governo tendo em vista a concretização de um debate parlamentar sobre a matéria
I - Grandes Opções do Conceito Estratégico de Defesa Nacional
II - Motivos para a revisão do conceito
III - Bases para um novo conceito
IV - Contributos do Ministério da Defesa Nacional para as Grandes Opções do Conceito Estratégico de Defesa Nacional
I - GRANDES OPÇÕES DO CONCEITO ESTRATÉGICO DE DEFESA NACIONAL
Índice
1. Introdução
2. Enquadramento internacional
3. Enquadramento nacional
4. Os valores permanentes de Defesa Nacional
5. O espaço estratégico de interesse nacional
6. As ameaças relevantes
7. Sistemas de alianças e organizações internacionais
8. Missões e capacidades das Forças Armadas
9. Meios necessários e políticas estruturantes
1. Introdução
1.1 - A última década do séc. XX introduziu profundas mudanças no cenário internacional motivadas pela implosão da União Soviética. Em consequência, emergiram novos países nessa área, reforçou-se a legitimidade dos países da Europa Central e Oriental como actores internacionais, e terminou o antagonismo Leste Oeste e sua inerente lógica de confrontação entre blocos.
O desenvolvimento que a vida internacional tem vindo a conhecer ao nível da circulação e do acesso à informação conferiu à globalização um papel igualmente fundamental em todas estas mudanças, com significativas consequências no processo decisório dos agentes políticos nacionais e internacionais.
Naturalmente, estas alterações no ambiente internacional vieram abrir novas oportunidades na cooperação internacional e permitir um relacionamento mais distendido entre países, instituições e organizações internacionais.
Em contrapartida, vieram também obrigar os agentes internacionais a adequarem as suas posturas e mesmo as suas estruturas à nova realidade o que, obviamente, introduziu factores de instabilidade e de imprevisibilidade no seu seio.
Estamos, pois, num período de transição, que se estende do Estado à cidadania, com modificações assinaláveis nas prioridades que estabelece e no registo de valores que a orienta.
Os actores internacionais têm procurado adaptar-se a este novo cenário, encontrando formas de responder a um ambiente de ameaças e riscos de concretização imprevisível, e carácter multifacetado e transnacional.
Embora este novo ambiente estratégico tenha atenuado as ameaças tradicionais de cariz militar, fez surgir factores de instabilidade traduzidos em novos riscos e potenciais ameaças de que os trágicos acontecimentos de 11 de Setembro de 2001 são o paradigma.
De tal forma assim é que esses acontecimentos alteraram profundamente a agenda político-estratégica internacional, criaram novos desafios no âmbito da Segurança e Defesa e introduziram um novo aspecto qualitativo de ameaça, na cena internacional, tornando ainda mais difusa a fronteira entre esta e a caracterização de riscos multifacetados e multidimensionais.
Com aquela acção, o terrorismo transnacional parece, assim, não considerar sequer limites éticos, nem de qualquer outra natureza, assumindo uma possibilidade de actuação à escala global, conjugando a violência tradicional, decorrente de atentados e acções bombistas, com a possível utilização do ciberespaço e de meios de destruição maciça.
A maximização dos princípios da surpresa e da decepção num combate assimétrico por actores não tradicionais onde se insere o terrorismo transnacional, a par da demonstração de capacidade e de motivação, por parte de organizações mal definidas e não totalmente identificadas, para levar a efeito acções de grande impacto, configuram a possibilidade de eclosão de elevados níveis de destruição humanos e materiais, cujas consequências nas economias, na segurança e na estabilidade internacionais, transcendem a capacidade de resposta individualizada dos Estados e interrelacionam os conceitos de segurança interna e externa e os objectivos que estes prefiguram.
O terrorismo transnacional apresenta-se, pois, como uma ameaça externa e, quando concretizado, como uma agressão externa, pelo que se inserem na missão primária das Forças Armadas as tarefas enquadradas na sua prevenção e combate.
Torna-se necessária não só a manutenção como a criação de capacidades que permitam dar resposta, não apenas aos fenómenos do terrorismo, mas também à proliferação de armas de destruição maciça e à possibilidade de acidentes nucleares, radiológicos, químicos e biológicos, decorrentes quer daquela realidade, quer do uso indevido ou não especializado, dos referidos meios e materiais.
Consequentemente, perseguindo a finalidade de garantir a segurança e o bem-estar aos cidadãos, o Estado é obrigado a repensar e a adequar os conceitos e os instrumentos de Segurança e Defesa ao novo ambiente político-estratégico, numa perspectiva de minimização de riscos e de garantia da possibilidade de resposta, não só a estes novos tipos de desafios à paz e à estabilidade internacional, como a quaisquer outros que venham a revelar-se.
1.2 - A fronteira estabelecida entre Segurança e Defesa, as acções concretas com cabimento nestas áreas e as entidades primariamente responsáveis pelo seu tratamento resultam do estipulado na lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, Lei n.º 29/82. Na sua génese, esteve a necessidade de normalizar relações entre diversas entidades públicas e reposicionar poderes inteiramente compreensíveis na conjuntura da época. Hoje, está ultrapassada essa questão, e a evolução dessa fronteira deve ser igualmente percebida, para não inibir a articulação dos esforços que as diferentes organizações devem desenvolver, procurando sinergias, rentabilizando meios e melhorando a eficiência no combate aos actuais riscos e ameaças.
Assim, e por se entender que "a definição dos aspectos fundamentais da estratégia global do Estado adoptada para a consecução dos objectivos da política de Segurança e Defesa nacional" necessita de ser adequada à nova realidade político-estratégica, afigura-se oportuno a elaboração destas Grandes Opções do Conceito Estratégico de Defesa Nacional, resultado, de um debate crítico, participado e multidisciplinar sobre as questões de Segurança e Defesa na sociedade que a Assembleia da República sempre acompanhou.
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O Governo é fiel ao princípio orientador, segundo o qual deve sedimentar-se um forte consenso democrático no que concerne às prioridades e orientações estratégicas a estabelecer em tudo que diga respeito à "actividade desenvolvida pelo Estado e pelos cidadãos no sentido de garantir, no respeito das instituições democráticas, a independência nacional, a integridade do território e a liberdade e a segurança das populações contra qualquer agressão ou ameaça".
2. Enquadramento Internacional
2.1 - Num espaço de influência Euro-Atlântico é possível definir linhas de instabilidade, envolvendo a África do Norte, a África Subsaariana, o Médio Oriente, os Balcãs, o Cáucaso, a Ásia Central e a Ásia do Sul, nas quais se concentram riscos de separatismos e conflitos étnicos, religiosos e fronteiriços, fundamentalismos ou migrações em massa.
As vulnerabilidades do Estado nestas regiões tornam crescentes as ameaças ligadas ao terrorismo, ao narcotráfico, ao tráfico de pessoas e ao crime organizado.
Acresce que os fenómenos de desestruturação dos Estados e da globalização vieram contribuir para aumentar os riscos de proliferação de armas de destruição de massa, de uso indevido de novas tecnologias, bem como a diminuição de garantias de manutenção e controlo de equipamentos e material nuclear, radiológico, químico e biológico.
Considera-se também, a possibilidade de poderem constituir-se em foco de conflitualidade internacional, os aspectos que resultem da desregulação ambiental e ecológica e da gestão dos recursos naturais, nomeadamente os hídricos e os energéticos.
A acrescer a este conjunto de riscos mais imediatos, é hoje possível identificar um outro conjunto de factores que não deixarão de influenciar e condicionar o ambiente internacional e que se prendem com:
¢ A permanência das desigualdades no desenvolvimento;
¢ O reforço do internacionalismo financeiro;
¢ A permanência de radicalismos políticos, ideológicos e religiosos;
¢ O aumento da interdependência, por força da revolução da informação e da interactividade;
¢ O crescimento dos fluxos migratórios, o carácter multicultural das sociedades e zonas de não integração das novas comunidades;
¢ Os factores ligados à evolução tecnológica, aos novos "vírus" e à utilização criminosa do ciberespaço;
¢ A atitude interventora da comunidade internacional e o exercício do direito de ingerência;
¢ A existência de uma única superpotência e a tensão entre "unilateralismo" e o "multilateralismo";
¢ A utilização do Espaço para fins científicos, económicos ou militares e as perspectivas de utilização geo-estratégica que se prefiguram.
2.2 - Desta situação resulta que, cada vez mais, se propende hoje para definir um conceito alargado de segurança que, continuando a integrar os objectivos mais tradicionais dos Estados - defesa do território e da soberania - confere atenção acrescida a uma filosofia preventiva e a uma visão global da evolução dos focos de insegurança internacional e das crises que deles decorrem, com o intuito de as prevenir e limitar evitando o seu desenvolvimento para formas agravadas de conflitualidade.
Neste quadro, como forma de optimizar a resposta dos actores internacionais, tem vindo a impor-se uma ideia de segurança cooperativa, com reflexos no desenvolvimento das organizações internacionais.
A Organização das Nações Unidas (ONU) vem assumindo um papel mais interventivo na área da segurança internacional, enquadrando um conjunto crescente de acções no domínio das operações humanitárias e de paz nos mais diversos pontos do globo. Esta vontade pode ser testemunhada, mais recentemente, pelos esforços de readequação interna da estrutura de apoio às operações de paz conduzidas sob a sua égide, e pelo seu empenho em suscitar um maior comprometimento dos países que disponibilizam forças.
A Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) continua a orientar a sua atenção para os aspectos relacionados com a defesa dos direitos humanos, a resolução pacífica e a prevenção de conflitos, a gestão política de crises e a participação em actividades de manutenção de paz, tendo reforçado a sua capacidade política, em particular no domínio da diplomacia preventiva. Neste último aspecto são de realçar as medidas de combate ao terrorismo resultantes da Conferência Internacional de Bishkek e a eleição da mesma temática para prioridade de acção no decurso da Presidência Portuguesa da Organização.
2.3 - A Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO) tem vindo a cumprir um processo de adaptação ao novo ambiente internacional. A cimeira de Washington, em Abril de 1999, adoptou um novo Conceito Estratégico, em que a Aliança assume as tarefas tradicionais de defesa colectiva dos seus membros e as inerentes operações de artigo 5.º do Tratado do Atlântico Norte, mas também se posiciona para o cumprimento de funções de prevenção e gestão de crises "out of área".
Em paralelo, foi desenvolvido o Programa da Parceria para a Paz como forma de reforçar quer a estabilidade no espaço euro-atlântico, quer os processos de transição dos países da Europa Central e Oriental e dos novos países nascidos da ex-URSS.
O processo de alargamento da Aliança, iniciado em 1999, constitui um reflexo institucional evidente da nova filosofia cooperativa que enforma as relações internacionais, visando a segurança e estabilidade euro-atlânticas, processo que prossegue com a declaração continuada por parte da Aliança de uma política de "porta-aberta" e de estímulo a que os candidatos prossigam os programas de cumprimento dos critérios para uma eventual adesão.
Também a relação "bilateral" da NATO com a Federação Russa sofreu grandes evoluções, sendo hoje enquadrada por um Acto Fundador, que procura associá-la aos esforços de estabilização na Europa. A criação do Conselho NATO/Rússia veio dar uma nova valência qualitativa ao diálogo permanente entre a Aliança e a Rússia.
A Aliança presta também uma atenção particular ao seu flanco sul, constituído pela bacia do Mediterrâneo, tendo criado uma iniciativa de Diálogo do Mediterrâneo, envolvendo alguns dos países aí situados, como forma de garantir segurança e estabilidade nesta zona.
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A melhoria das suas capacidades operacionais tem constituído preocupação da NATO, que pretende dotar-se de meios que lhe permitam cumprir, com eficácia, as novas missões que lhes estão cometidas.
Incluem-se, neste esforço, os conceitos de interoperabilidade de forças, de Forças Tarefa Conjuntas-Combinadas (CJTF) e de "forças separáveis mas não separadas" e de políticas orientadas para a melhoria de capacidades ao nível da mobilidade estratégica, da autoprotecção, da sustentação das forças e dos sistemas de comando e controlo e da informação, que face aos acontecimentos de 11 de Setembro se entender ser necessário acelerar.
Na Cimeira de Washington foi, também, manifestado apoio ao desenvolvimento da Iniciativa Europeia de Segurança e Defesa (IESD), traduzido na necessidade de a União Europeia dispor de uma capacidade autónoma para poder intervir no âmbito militar, procurando a criação de sinergias entre as duas organizações.
2.4 - Paralelamente, ao nível da União Europeia (UE) têm sido dados passos significativos na componente de Segurança e Defesa, resultantes em grande parte das modificações sensíveis da cena internacional.
Efectivamente, entre o tratado de Maastricht em 1991 e a Conferência de Compromissos de Capacidades, de 2000, passando pelo Tratado de Amesterdão, e pelas Cimeiras de Colónia, Helsínquia, Santa Maria da Feira e Nice, a UE integrou no seu II Pilar a Política Externa e de Segurança Comum (PESC), assumiu um papel activo na segurança internacional e no apoio humanitário no quadro das Missões de Petersberg, acordou na criação de uma capacidade operacional própria a concretizar até 2003, e dinamizou uma Política Europeia Comum de Segurança e Defesa.
Do mesmo modo, e conforme a Declaração de Laeken, a aplicação dos acordos de Nice com os parceiros, reforçará os meios de que a UE dispõe para conduzir operações de gestão de crises, sendo que o desenvolvimento dos meios e das capacidades à sua disposição lhe permitirá assumir progressivamente operações cada vez mais complexas.
Em todo este processo, que marca o fim da União da Europa Ocidental (UEO), a UE procura articular com a NATO, que permanece como referência estruturante para a Segurança e Defesa colectivas, mecanismos que evitem duplicações desnecessárias, permitam ganhos de eficácia nas duas organizações e reforcem os laços transatlânticos.
Igualmente no âmbito da UE, vem decorrendo um processo de alargamento, que tem por objectivo garantir a estabilidade política e económica na sua zona envolvente.
A ideia de segurança cooperativa tem tido reflexos, ainda, na adopção, por parte das organizações internacionais, de instrumentos juridicamente vinculativos no Direito Internacional, orientados para medidas de segurança e confiança e humanitárias, de que são exemplos os Tratados CFE (Conventional Armed Forces in Europe), Open Skies, START II, MTCR (Missile Technology Control Regime), a Convenção sobre a Proibição de Armas Químicas e a Convenção sobre a Proibição de Minas Antipessoal, entre outros.
2.5 - No espaço lusófono, deve salientar-se uma evolução que é globalmente positiva.
A independência de Timor-Leste significou o triunfo da vontade nacional e de resistência sobre as aparentes "inevitabilidades" que, justamente, tantas vezes são criticadas na política internacional.
Para Portugal, a independência de Timor-Leste significou a validação de um combate diplomático intenso e a efectivação de um consenso nacional muito importante.
A consolidação do processo democrático em Moçambique é outro factor a sublinhar. É essa consolidação que, a par com uma abertura económica ao exterior, permitirá concretizar esforços e recursos, não já na conquista da paz, mas na conquista de novos e urgentes patamares de desenvolvimento.
Finalmente, verifica-se uma efectiva oportunidade para a paz em Angola. A comunidade internacional, em geral, e Portugal, em especial, tem acompanhado e apoiado o desafio que significa, a partir do cessar fogo, a reconstrução de Angola, a partir de bases sólidas de participação democrática e integração política, sem esquecer a necessidade de contribuir para ultrapassar a difícil situação humanitária.
3. O Enquadramento Nacional
3.1 - O referido enquadramento externo explica, em boa medida, a necessidade de rever o Conceito Estratégico de Defesa Nacional.
Na verdade, o novo ambiente estratégico global afecta, directa e indirectamente, Portugal. Evoluíram, consideravelmente, as alianças e organizações internacionais a que Portugal pertence; tiveram igualmente lugar, no plano interno, modificações com incidência na política de Defesa Nacional; e não deve negligenciar-se o facto de um conjunto de Estados, nomeadamente aliados, terem procedido, no passado recente ou próximo, a revisões estratégicas.
Vincando apenas o que se considera essencial, e sem a pretensão de se ser exaustivo, devemos registar que, depois de 1994, ano em que se aprovou o Conceito ainda em vigor, se registaram, no plano internacional, alterações significativas, que não podem deixar de ter consequências nas políticas públicas de Segurança e Defesa definidas pelos órgãos de soberania de Portugal.
Salientamos:
¢ A evidência de que o terrorismo internacional constitui uma grave ameaça ao sistema de Estados, à sua autoridade, aos valores humanistas e às sociedades livres;
¢ A dificuldade em prever a concretização das chamadas "novas ameaças", apesar das certezas sobre a sua gravidade letal e da consciência da nossa vulnerabilidade perante as mesmas;
¢ A manutenção ou emergência de novos tipos de conflito, de cariz étnico e religioso;
¢ A proliferação crescente das armas de destruição maciça, nas suas dimensões nuclear, radiológica, biológica e química e ainda de meios convencionais de médio e longo alcance, bem como a sua acessibilidade a organizações não estaduais;
¢ A consolidação do novo mapa europeu, emergente do fim da Guerra Fria, que teve expressão, nomeadamente, no novo quadro de relações com a Rússia, na adesão de países de Leste à Aliança Atlântica, mas também nas crises balcânicas;
¢ A dinâmica e o impacto da globalização em todo o leque das questões internacionais, e a persistência de factores críticos nas relações de desenvolvimento entre o Norte e o Sul;
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¢ A crescente desregulação dos fluxos migratórios, com o acentuar do fenómeno de imigração ilegal, e das suas consequências nos sistemas políticos europeus, na harmonia das relações sociais e na efectividade dos direitos humanos;
¢ O agravamento de conflitos regionais, com destaque para o Médio Oriente, sem esquecer o regresso ou a emergência de novas áreas de crise, de que são exemplo a instabilidade no continente asiático e as perturbações económicas, sociais e institucionais na América Latina;
¢ A tendência, actual, para um mais frequente recurso ao instrumento da ameaça ou do efectivo uso da força nas relações internacionais;
Por outro lado, a necessidade de rever o Conceito, decorre, igualmente, do facto de, tanto nas alianças, como nas organizações internacionais, a que pertencemos, a realidade de 2002 ser bem diferente da de 1994, o que coloca novos desafios aos decisores políticos e às legislações internas. Senão vejamos:
¢ A NATO alterou profundamente o seu Conceito Estratégico em 1999, e completou-o com uma revisão de Capacidades que constitui um desafio a todos os aliados;
¢ Está em curso um movimento, acelerado, de revisão das estruturas, comandos e forças da NATO, cujas orientações gerais serão aprovadas na cimeira de Praga, e onde estão em jogo interesses nacionais relevantes;
¢ Em paralelo, estamos em vésperas de um novo alargamento da Aliança Atlântica;
¢ Na União Europeia, também em 1999, o Conselho Europeu de Helsínquia, deu novo impulso à Política Europeia de Segurança e Defesa, comprometendo-se os Estados que nela participam a contribuir para as capacidades operacionais da União, no âmbito da gestão de crises e operações humanitárias;
¢ Ainda na União Europeia, a reforma dos Tratados, o alargamento a novos países, tal como as exigências do Pacto de Estabilidade e Crescimento, terão decerto consequências políticas, e representam desafios nacionais importantes;
¢ A UEO transferiu, entretanto, para a União Europeia, as suas competências;
¢ No relacionamento euro-atlântico, é expressiva a preocupação com o aumento do diferencial existente ao nível das despesas e dos investimentos militares, factor que, acentuando-se, enfraquece a coesão entre aliados;
¢ As Nações Unidas desenvolveram, a partir de 1994, operações de paz, em número e importância sem paralelo na sua história, devendo salientar-se o contributo de Portugal;
¢ A participação activa de Portugal no reforço dos mecanismos de legalidade internacional, conduziu à nossa participação nas missões mais relevantes das Nações Unidas, quer nos Balcãs, para manutenção de paz, quer em Timor, para a construção de um Estado independente, o que nos dá experiência e conhecimentos que devemos aproveitar, para modernizar estruturas, conceitos e mentalidades;
¢ No espaço da lusofonia, verificaram-se a institucionalização da CPLP, em 1996, os primeiros passos na sua dimensão de Segurança e Defesa, em 1998, e a admissão de Timor Leste como novo Estado membro, de pleno direito, em 2002;
¢ Recorde-se, por fim, que Portugal foi chamado, em 1998, na Guiné-Bissau, a participar na defesa dos seus cidadãos, e na criação de condições para facilitar o diálogo político, com vista a assegurar a estabilidade de um país amigo, numa operação que testou as nossas capacidades de defesa militar e não militar, nomeadamente em termos de projecção de forças, operação conjunta dos ramos, apoio de informações e planeamento civil de emergência;
3.2. - A modernização dos nossos documentos conceptuais torna-se, ainda, imperativa, à luz de compromissos institucionais que, na ordem interna, têm consequências na política de Defesa Nacional. A saber, quanto ao que é estruturante:
¢ A desconstitucionalização do Serviço Militar Obrigatório, em tempo de paz;
¢ A evolução, faseada, para Forças Armadas profissionais, determinando que os órgãos de soberania, a instituição militar e a sociedade civil se preparem para um modelo de recrutamento, manutenção do efectivo e reinsersão, completamente diferente.
¢ A necessidade de reforçar, no novo cenário, a vontade colectiva de defesa, garantindo, por um lado, que o sistema de forças e o dispositivo correspondem a objectivos realistas no quadro da profissionalização e, por outro lado, que se renova o vínculo entre a cidadania e o espírito de Segurança e Defesa, com especial atenção à formação cívica das novas gerações.
3.3 - As variáveis em mutação não devem, porém, fazer esquecer valores constantes a que obedece o processo de revisão estratégica. Cabe aqui assinalar que Portugal é uma democracia e faz parte do concerto das Nações humanistas. Cabe ainda recordar que Portugal tem uma geografia, cujas consequências são ineludíveis.
As Forças Armadas estão comprometidas com a defesa da Constituição, a fidelidade ao Estado de Direito democrático e o respeito pelas Convenções Internacionais. Estes comandos legais são o adquirido, indiscutido e indiscutível, do nosso regime político e, naturalmente, balizam as opções estratégicas a desenvolver.
Por outro lado, num mundo em acelerada mudança, a nossa geografia permanece. Portugal foi, é e será sempre um país euro-atlântico. Esta circunstância nacional permite operar, harmoniosamente, uma multiplicidade de "fronteiras". A nossa geografia política e económica é europeia. A nossa geografia de Segurança e Defesa é atlântica e europeia. A nossa geografia de identidade passa, decisivamente, pelo relacionamento com os países que falam Português. O lugar de Portugal no mundo, é tudo isto; seria redutor, e não conviria ao interesse nacional, esquecer qualquer destas dimensões.
3.4. - Enfim, a opção do Governo - abrir a revisão do Conceito Estratégico de Defesa Nacional, como suporte e linha de rumo para as reformas elencadas no domínio da
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Defesa Nacional -, constitui uma prioridade política. Queremos partir do geral para o especial, do que é doutrina para o que é organização, do estratégico para o operacional, o que oferece outra consistência, coerência e legibilidade a uma política de Estado como a Defesa Nacional. Numa palavra, as missões, o sistema de forças e o dispositivo, terão de corresponder ao Conceito em definição; terão de se ajustar a esse Conceito, e não o inverso.
Este novo Conceito, é essencial para lançar um novo contrato de confiança entre o país e as suas Forças Armadas. Não servirão o interesse nacional, políticas que atinjam as Forças Armadas no seu prestígio; mas serve o contribuinte uma instituição militar onde os critérios de gestão e eficiência sejam marca de qualidade. Não servirão o interesse nacional medidas que diminuam as capacidades das Forças Armadas para exercer as suas missões inegociáveis, que são, e serão sempre, a defesa militar e a protecção dos nossos interesses vitais; mas o país também aprecia que as suas Forças Armadas se empenhem em missões de interesse público. Não servirão o interesse nacional atitudes que reduzam a questão das Forças Armadas à sua dimensão exclusivamente financeira, esquecendo que são valores imateriais que as justificam; mas a Nação sabe que Forças Armadas dignas desse nome precisam de recursos humanos mobilizados e equipamentos modernizados. Não servirão o interesse nacional posições imobilistas sobre a estrutura das Forças Armadas, porque o tempo as condena, se não for uma crise a fazê-lo; ora, sendo Portugal um aliado firme e leal, tem de retirar daí as consequências, quanto ao que se exige, hoje, em termos de conjunto, flexibilidade e interoperabilidade, a Forças Armadas prontas a actuar, em tempo de crise ou perante ameaças variáveis.
3.5 - O que se propõe à Assembleia da República é que discuta e, certamente, contribua para melhorar, as Grandes Opções do Conceito Estratégico de Defesa Nacional, elaboradas e pensadas em 2002. É, portanto, um Conceito Estratégico de Defesa Nacional - e não outro -, que a lei exige e o Governo se comprometeu a entregar. É a sua actualização e concretização que, a nosso ver, melhor contribui para a segurança de Portugal, orientando as reformas previstas nas várias componentes da Defesa Nacional.
Ao propormos estas Grandes Opções, damos mais um passo no cumprimento do Programa do Governo. Correspondemos a uma necessidade por muitos reclamada. Fazemo-lo, após um significativo e inovador debate público, de que se recolheram proveitosas reflexões, que deram origem a várias modificações, sobretudo na parte operativa do Conceito. Essas modificações, para além de aspectos formais, pretendem, no essencial:
¢ Reforçar o carácter abrangente da Defesa Nacional, o que torna imperativa a sua articulação com as políticas externa e de segurança interna, articulação que bem se compreende à luz do novo tipo de ameaças e missões;
¢ Definir melhor os espaços estratégicos de interesse nacional;
¢ Aprofundar a visão reformadora que aponta para a colaboração das Forças Armadas nas políticas de combate a certos tipos de criminalidade organizada transnacional;
¢ Valorizar os factores de cidadania e educação na formação de um espírito nacional de Segurança e Defesa;
¢ A importância de Defesa Nacional como factor de desenvolvimento económico.
No entretanto, estão em preparação os documentos, já de natureza reservada, que devem concretizar o novo Conceito Estratégico de Defesa Nacional. E, assumindo critérios de bom senso, não se paralisaram, antes avançaram, algumas decisões que, mesmo no plano do reequipamento, não dependiam, nem material nem logicamente, do processo de revisão conceptual.
No essencial - que são os valores -, a proposta de Conceito Estratégico de Defesa Nacional de 2002, assumirá a herança de liberdade e segurança que teve expressão, tão corajosa como consensual, nos documentos de 1985 e 1994. Ao propor à Assembleia da República, para debate, estas Grandes Opções, o Governo renova a sua disponibilidade para acolher orientações e elementos de reflexão novos, no melhor espírito de procura do consenso de Estado que deve marcar os temas de Segurança e de Defesa.
4. Os Valores Permanentes da Defesa Nacional
O Conceito Estratégico de Defesa Nacional obedece às disposições constitucionais e legais que enformam a política de Defesa Nacional. Por isso se afirma que a Defesa Nacional tem por objectivo garantir a independência nacional, a integridade do território e a liberdade e a segurança das populações, contra qualquer agressão ou ameaça externas. À Defesa Nacional incumbe, ainda, garantir a liberdade de acção dos órgãos de soberania, o regular funcionamento das instituições democráticas, a possibilidade de realização das tarefas fundamentais do Estado, o reforço dos valores e capacidades nacionais, assegurando a manutenção ou restabelecimento da paz, em condições que correspondam aos interesses nacionais.
Nos termos da lei, o Conceito Estratégico de Defesa Nacional visa a definição dos aspectos fundamentais da estratégia global do Estado, em ordem a alcançar os objectivos da política de Defesa Nacional.
4.1 - A estratégia de Defesa Nacional está ao serviço da preservação do Estado soberano e independente que é Portugal.
A política de defesa do Estado Democrático assegura a continuidade de Portugal enquanto país europeu, de centralidade atlântica e vocação universalista.
Como garante insubstituível da Segurança e Defesa do país, o Estado obriga-se a valorizar os factores de identidade nacional, protegendo a língua portuguesa, promovendo o conhecimento da nossa história, fazendo respeitar os símbolos nacionais, prestigiando as Forças Armadas e defendendo os interesses de Portugal no mundo.
A preservação de soberania e independência nacionais implica, ainda, manter a integridade do processo democrático de decisão nacional, bem como promover as adequadas políticas de valorização do papel de Portugal nas instâncias internacionais relevantes.
4.2 - A Defesa Nacional pressupõe a defesa da coesão nacional. Esta, tem expressão no património cultural comum, na unidade nacional, na partilha de direitos e obrigações
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perante o interesse geral e na solidariedade intergeracional e interterritorial, entre todos os Portugueses.
A coesão da sociedade portuguesa implica, também, a valorização das comunidades Portuguesas espalhadas pelo mundo. É importante o reforço dos laços com os países de acolhimento das nossas comunidades emigrantes. É também desejável o reforço das relações com países de origem das comunidades imigrantes em Portugal.
Em defesa da coesão nacional, o Estado, através dos meios políticos, diplomáticos e, se necessário, militares, deverá estar preparado para a defesa das vidas e dos interesses dos Portugueses, em qualquer momento, onde quer que se encontrem, no respeito pelo Direito Internacional.
4.3. Portugal honrará a sua tradição humanista na ordem internacional, contribuindo, neste novo século, para o diálogo entre as nações, culturas e civilizações, a defesa dos direitos humanos, a promoção dos valores democráticos, o primado do direito internacional e a resolução pacífica dos conflitos, no respeito pela carta das Nações Unidas, utilizando a sua específica capacidade de relacionamento com outros povos.
A participação de Portugal no quadro de intervenções multinacionais, terá em conta a proximidade dos nossos interesses, a violação daqueles princípios, a satisfação dos compromissos internacionalmente assumidos e o quadro realista das nossas possibilidades, sendo decidida em cada caso e de acordo com os valores e regras constitucionais.
4.4 - O Estado não declina responsabilidades na promoção de um adequado espírito de Segurança e Defesa junto da população portuguesa.
A articulação da política de defesa com a política de educação constituirá uma prioridade, que se encara como elemento importante do exercício da cidadania. É uma obrigação nacional reforçar a educação para o patriotismo, cuidar das componentes de Segurança e Defesa nos programas escolares e proteger, modernizando, as instituições de ensino especificamente militares.
5. O Espaço Estratégico de Interesse Nacional
5.1 - A política de Defesa Nacional tem como um dos objectivos a Segurança e Defesa do território nacional em toda a sua extensão, que abrange o Continente, Açores e a Madeira. Na definição dessa política, devem inscrever-se os seguintes elementos matriciais, considerado como Espaço Estratégico de Interesse Nacional Permanente:
¢ O território que se define, nas suas referências cardeais, entre o ponto mais a Norte, no concelho de Melgaço, até ao ponto mais a Sul, nas ilhas Selvagens; e do seu ponto mais a Oeste, na ilha das Flores, até ao ponto mais a Leste, no concelho de Miranda do Douro;
¢ O espaço de circulação entre as parcelas do território nacional, dado o seu carácter descontínuo;
¢ As nossas águas territoriais, o espaço aéreo nacional, os fundos marinhos contíguos, a zona económica exclusiva e a zona que resultar do processo de alargamento da plataforma continental.
5.2 - O Espaço Estratégico de Interesse Nacional Conjuntural decorre da avaliação da conjuntura internacional e da definição da capacidade nacional, tendo em conta as prioridades da política externa, e de Defesa, os actores em presença e as diversas organizações em que nos inserimos.
Nesse sentido, são áreas prioritárias com interesse relevante para a definição do Espaço Estratégico de Interesse Nacional Conjuntural, as seguintes:
¢ O espaço europeu, continental e insular, onde nos inserimos;
¢ O relacionamento com os Estados limítrofes;
¢ O espaço atlântico em geral, e o relacionamento com os Estados Unidos da América;
¢ O Magrebe, no quadro das relações bilaterais e do diálogo com o Mediterrâneo;
¢ O Atlântico Sul em especial, e o relacionamento com o Brasil;
¢ A África lusófona e Timor Leste;
¢ Os países em que existem fortes Comunidades Emigrantes;
¢ Os países ou regiões em que Portugal tenha presença histórica e cultural, nomeadamente a Região Administrativa Especial de Macau;
¢ Países de origem das comunidades imigrantes em Portugal.
5.3 - Podem considerar-se áreas de interesse relevante para a definição do Espaço Estratégico de Interesse Nacional Conjuntural, para além das mencionadas, quaisquer outras zonas do globo em que, em certo momento, os interesses nacionais estejam em causa, ou tenham lugar acontecimentos que os possam afectar.
6. As Ameaças Relevantes
6.1 - Portugal deverá estar preparado para dissuadir e, se necessário, enfrentar, qualquer agressão armada ao seu território, à sua população, às suas Forças Armadas ou ao seu património, seja no quadro de um conflito generalizado, seja no quadro de um ataque localizado.
Incumbe ao Estado garantir em todos os momentos, a funcionalidade dos sistemas vitais de segurança nacional, nomeadamente as redes de energia, comunicações, transportes, abastecimentos e informação.
Para proteger o Estado e a comunidade de qualquer agressão, a Defesa Nacional deverá:
¢ Ter capacidade dissuasora, no quadro do nosso sistema de alianças, para desencorajar as agressões ou restabelecer a paz, em condições satisfatórias para o interesse nacional;
¢ Disponibilizar a estrutura militar de defesa como um dos meios através dos quais o Estado pode revelar a vontade de colectiva de soberania, e facilitar a gestão, resolução ou negociação de conflitos;
¢ Ter capacidade para participar na segurança interna, quando a natureza da ameaça ultrapassar o âmbito ou os meios de actuação das forças de segurança;
¢ Saber organizar, através dos meios adequados, a resistência, em caso de agressão;
¢ A defesa militar deve ainda articular-se com as componentes não militares da Defesa Nacional, nomeadamente o Planeamento Civil de Emergência, de forma a permitir a utilização eficaz de meios próprios ou constituídos para tempos de crise, ou eventual conflito, e ainda para, em tempo de paz, participar
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na definição da segurança dos pontos estratégicos;
6.2 - O terrorismo, nas suas variadas formas, constitui uma grave ameaça à segurança e estabilidade internacionais, ao sistema de Estados e à sua autoridade, aos valores humanistas e aos princípios das sociedades livres, bem como ao espaço territorial, atingível, em qualquer parte ou momento, através de meios extremos e variáveis.
Por consequência, a política do Estado, e suas consequências na Defesa Nacional, deve ser orientada para:
¢ Colaborar activamente, no quadro da comunidade internacional, e em especial com os seus aliados e parceiros, na prevenção do terrorismo, em múltiplas vertentes, incluindo operações militares;
¢ Desenvolver todas as medidas políticas, diplomáticas, económicas, financeiras e judiciais que permitam erradicar as redes terroristas;
¢ Reforçar o papel, a qualidade e a partilha de informações de carácter estratégico e operacional, no sentido de dotar as sociedades livres de uma cultura de segurança contra o terrorismo;
¢ Dar a adequada prioridade, na definição do esforço, estrutura e meios da Defesa Nacional, à necessidade de melhor conhecer, detectar, dissuadir e reprimir o fenómeno terrorista;
¢ Valorizar o Planeamento Civil de Emergência, e contar com um Sistema de Gestão de Crises, de modo a permitir aos órgãos de soberania, mobilizar as reservas e as instituições necessárias para fazer face às consequências do terrorismo.
6.3 - O desenvolvimento e a proliferação, não reguladas, de armas de destruição maciça, de natureza nuclear, radiológica, biológica ou química, bem como dos respectivos meios de lançamento, e a sua detenção por grupos não estaduais, constituem igualmente uma ameaça séria à segurança, quer nacional, quer internacional. É ainda preocupante a proliferação de meios convencionais, especialmente destrutivos, de médio e longo raio de acção.
A política de Defesa Nacional tomará em conta a necessidade de dotar o Estado de meios de resposta adequada a este risco, nomeadamente no plano da fiscalização dos mercados de acesso à produção, comercialização e tráfico, da investigação tecnológica, da informação à população, da protecção civil e da prioridade de devemos dar à melhoria das capacidades de defesa NBQ, em estreita articulação com os nossos aliados.
6.4 - O crime organizado transnacional constitui uma forma de agressão externa, e uma ameaça interna, que é dirigida contra a vida das pessoas, a autoridade dos Estados e a estabilidade das sociedades.
Entre as formas de crime organizado com maior grau de violação dos direitos humanos, e poder de destruição encontram-se o tráfico de droga, e as redes de promoção e exploração da imigração ilegal e do tráfico de pessoas.
O carácter transnacional deste tipo de actividades criminosas, a sua conexão com outras práticas ilegais, o acentuar da vulnerabilidade da sociedade portuguesa face a este tipo de ameaças, adensam a gravidade do risco que comportam.
Por sua vez, a localização geográfica do nosso país, a sua característica de fronteira externa da União Europeia, a extensão dos nossos limites marítimos, a sua potencial inserção nas rotas do narcotráfico e das redes da imigração ilegal, e a consequente procura pelos centros de produção, agravam os factores de necessidade de resposta de Portugal face a estes flagelos.
É, por isso, de interesse estratégico prioritário, para Portugal, que a Defesa Nacional dê prioridade, no quadro constitucional e legal:
¢ Às acções de fiscalização, detecção e rasteio do tráfico de droga nos espaços marítimo e aéreo sob jurisdição nacional, funções essenciais no combate a este crime;
¢ À utilização dos meios disponíveis, nomeadamente no quadro do Sistema da Autoridade Marítima, para auxiliar a política de combate às redes de imigração ilegal.
6.5 - A Defesa Nacional, no quadro das missões de interesse público, deve ainda equacionar, na previsão do seu sistema de forças do respectivo dispositivo, a necessidade de melhorar a capacidade de resposta de Portugal face aos crescentes atentados ao nosso ecossistema, incluindo a poluição marítima, a utilização abusiva dos recursos marinhos nas águas sob a nossa responsabilidade, e a destruição florestal.
Para tanto, o Estado deve promover correcta articulação entre as políticas públicas com intervenção nestes domínios.
6.6 - No quadro das ameaças consideradas relevantes, devem os órgãos de soberania definir os quadros conceptuais e legais que permitam instituir um verdadeiro Sistema Nacional de Gestão de Crises.
6.7 - No mesmo sentido, deve reforçar-se o desenvolvimento do Planeamento Civil de Emergência que, global e coerentemente, visa contribuir para garantir, em situação de crise ou em tempo de guerra, a continuidade governativa, a soberania nacional, a protecção das populações, a salvaguarda do património e, ainda, o apoio à componente militar da Segurança e Defesa Nacional, bem como à recuperação das estruturas do Estado com vista à reposição do seu normal funcionamento.
7. Sistema de Alianças e Organizações Internacionais
7.1 - O Estado português, membro das Nações Unidas, considera da maior importância, para a segurança internacional, a manutenção da paz e a resolução dos conflitos, o reforço do prestígio e da actuação da ONU. Sob a sua bandeira, as Forças Armadas Portuguesas participaram, participam e devem continuar a participar em operações humanitárias e missões de apoio à paz, favoráveis à segurança e estabilidade globais e regionais.
7.2 - O sistema de Segurança e Defesa de Portugal tem como eixo estruturante a Aliança Atlântica. Enquanto membro fundador da NATO, Portugal orgulha-se do contributo que esta deu para a paz e a estabilidade internacionais. Como organização de defesa colectiva, a NATO corresponde à melhor opção de Portugal, no quadro da defesa do nosso espaço geográfico e da valorização da nossa posição estratégica. No plano estritamente militar, a NATO representa um factor de modernização das nossas Forças Armadas,
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e tem sido uma bandeira fundamental na afirmação, em missões de paz, dos militares Portugueses.
Do ponto de vista da Defesa Nacional, Portugal deve ter uma posição activa, e individualizada, no espaço de defesa colectiva e de solidariedade que a Aliança representa. Isso implica, nomeadamente:
¢ O esforço de modernização e adaptação das nossas Forças Armadas e dos seus equipamentos, por ser do interesse nacional fazê-lo, e por ser do interesse da Aliança ter membros que contribuam, com novas capacidades, para o desempenho eficiente das suas missões;
¢ A dimensão cooperativa da política de defesa;
¢ A defesa da posição nacional e, em geral, do sul da área euro atlântica, tanto mais actual, quanto o cenário das novas ameaças reforça a sua importância;
¢ O dever de acompanhar os aliados perante os novos desafios na óptica de mais actuação conjunta, no plano nacional, e segundo uma perspectiva estratégica de participação combinada, no quadro da Aliança;
7.3 - Portugal é membro da União Europeia, contribui empenhadamente para as suas várias políticas, incluindo a Política Europeia de Segurança e Defesa, e tem o maior interesse estratégico na estabilidade, coesão e aprofundamento do projecto europeu, numa perspectiva de acrescida solidariedade entre todos os Estados e povos nele participantes.
Por isso, no quadro específico da Defesa Nacional, interessa-nos a participação nas chamadas missões de Petersberg, tal como nos interessa que a União Europeia seja capaz de ter um protagonismo mais efectivo na resolução de conflitos ou de crises que lhe digam respeito.
Portugal contribui de uma forma efectiva, para melhorar as capacidades militares e civis colocadas à disposição da União Europeia, de que constituem principais elementos o desenvolvimento do Objectivo Global, centrado na criação de uma Força de Reacção Rápida, bem como os Objectivos de Capacidades.
7.4 - Portugal tem toda a vantagem na preservação do vínculo transatlântico; no bom relacionamento entre a Europa e os Estados Unidos da América; numa visão complementar e articulada das políticas de Defesa que se desenvolvem na NATO e na UE; e no reforço do pilar europeu da NATO. Esta complementaridade é a que melhor serve o interesse nacional, evitando a duplicação de esforços ou de investimentos, que resultaria de uma visão conflitual ou concorrencial entre as políticas de defesa atlântica e europeia.
7.5 - A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa é um instrumento relevante para o relacionamento entre povos ligados pela história, pela cultura e pela língua, para a afirmação lusófona nas instituições internacionais, e para a efectivação de uma comunidade de valores e interesses económicos culturais e de cidadania.
No âmbito da Defesa Nacional, a importância da CPLP deve ser acentuada, para, nomeadamente:
¢ Reforçar a sua dimensão de Defesa;
¢ Desenvolver a cooperação de Defesa, militar e não militar, numa base solidária, profissional e de respeito mútuo pela individualidade dos Estados;
¢ Intensificar a cooperação multilateral no âmbito da CPLP, de forma a contribuir para a valorização do conjunto dos países de língua portuguesa ao nível das Nações Unidas;
¢ Intensificar as relações bilaterais entre Portugal e os Estados lusófonos.
7.6 - Portugal participa igualmente noutras organizações e instâncias internacionais, nomeadamente a OSCE, o Conselho da Europa e a UEO, pela relevância da sua contribuição para o reforço da paz, o aumento da confiança e o esforço de diálogo e cooperação internacionais.
No plano das diversas organizações e instâncias internacionais, Portugal apoia e participa nos esforços multilaterais que conduzem ao desarmamento e à não proliferação, ao aumento da confiança e do diálogo internacionais.
8. Missões e Capacidades das Forças Armadas
8.1 - Em coerência com os valores permanentes, orientada para os espaços estratégicos de interesse nacional, visando fazer face às ameaças relevantes e cumprindo obrigações no quadro das organizações internacionais a que pertencemos, a Defesa Nacional, no plano das missões principais das Forças Armadas é o garante:
¢ Da defesa militar do país;
¢ Da concretização dos objectivos do Estado e da satisfação dos compromissos internacionais do Estado, actuando como instrumento da política externa;
¢ Da realização de missões de interesse público, sem prejuízo das missões de natureza intrinsecamente militar;
¢ Da consciência permanente, entre os cidadãos, dos valores e problemas de Segurança e Defesa, nos seus âmbitos conceptual, estratégico, táctico e operacional
8.2 - Cumprindo os preceitos constitucionais, concretizam-se as seguintes capacidades, para o desempenho das missões das Forças Armadas:
¢ Capacidade dissuasora para desencorajar ameaças e capacidade para repor o controlo do território e a autoridade do Estado, em caso de agressão;
¢ Capacidade de resposta rápida, na perspectiva de actuação em qualquer parte do território nacional e, justificando-se, além fronteiras;
¢ Capacidade de vigilância e controlo do território nacional e do espaço interterritorial, nele se incluindo a fiscalização dos espaços aéreo e marítimo nacionais;
¢ Capacidade de protecção e evacuação de cidadãos nacionais, em áreas de tensão ou crise;
¢ Capacidade para, nos termos da lei, participar na prevenção e combate a certas formas de crime organizado transnacional, especialmente o tráfico de droga, o tráfico de pessoas e as redes de imigração ilegal, e para participar na prevenção e combate contra as ameaças ao nosso eco-sistema;
¢ Capacidade para, em colaboração com as Forças de Segurança, na ordem interna, e em estreita relação com os aliados, na ordem externa, prevenir e fazer face às ameaças terroristas;
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¢ Capacidade para, em conjugação com os aliados, prevenir e fazer face à proliferação de armas de destruição maciça;
¢ Capacidade de participação em missões de paz e humanitárias, nomeadamente no quadro das Nações Unidas, da Aliança Atlântica e da União Europeia;
¢ Capacidade para realizar acordos bilaterais e multilaterais na área de Defesa, e acções de cooperação técnico-militar e militar;
¢ Capacidade de, sem prejuízo das missões de natureza intrinsecamente militar, realizar missões de interesse público, nomeadamente busca e salvamento, fiscalização da zona económica exclusiva, investigação nos domínios da concepção, desenvolvimento e produção de informação geográfica, cartografia, hidrografia, oceanografia e ambiente marinho; em apoio à protecção civil, auxílio às populações em situação de catástrofe ou calamidade e, em colaboração com as autoridades competentes, contribuir para a protecção ambiental, defesa do património natural e prevenção dos incêndios;
¢ Capacidade para organizar a resistência em caso de agressão.
9. Meios Necessários e Políticas Estruturantes
9.1 - As Forças Armadas Portuguesas devem dispor de uma organização flexível e modular, adequada aos modernos requisitos de empenhamento operacional, conjunto e combinado, privilegiando a interoperabilidade dos meios e desejavelmente, com capacidades crescentes de projecção e sustentação, protecção de forças e infra estruturas, comando, controlo, comunicações e informações.
Os programas de desenvolvimento das capacidades das Forças Armadas Portuguesas devem, preferencialmente, estar coordenados com os da NATO e da União Europeia.
9.2 - O Estado de Direito democrático deve, na prossecução dos seus objectivos estratégicos, contar com um sistema de informações que proceda, nos termos da lei e sujeito à fiscalização democrática, à recolha, tratamento, partilha e adequada utilização de informações.
9.3 - A profissionalização das Forças Armadas pressupõe a adopção de políticas que contribuam para o prestígio da instituição militar, a expressão das motivações e incentivos que permitam assegurar o efectivo necessário ao desempenho das missões, a valorização pessoal, técnica e profissional dos militares, a modernização das infra estruturas e, no plano da continuidade histórica, a dignificação dos antigos combatentes.
A profissionalização não deve, em circunstância alguma, significar, ou permitir, o enfraquecimento do vínculo entre as novas gerações e as Forças Armadas, pelo que o Estado deverá sempre acautelar este imperativo de coesão nacional.
9.4 - A programação financeira das Forças Armadas é uma condição necessária para o cumprimento dos objectivos da política de Defesa Nacional, tal como o é a modernização dos respectivos equipamentos. Neste quadro, o Estado deve ter como objectivo, à escala no nosso Produto Interno Bruto, a aproximação do nível de despesas e investimentos na Defesa Nacional, ao nível médio, praticado nos países europeus da NATO.
O Estado obriga-se a garantir regras de gestão eficiente, transparente e profissional dos recursos públicos afectos à Defesa Nacional e seus sistemas, compras e aquisições, e património.
A evolução dos orçamentos deve reflectir uma mais adequada distribuição entre agregados, melhorando, gradualmente, as funções de investimento e operação e manutenção.
9.5 - Para a realização do interesse estratégico de Portugal, e cumprimento dos objectivos da Defesa Nacional, é essencial a coordenação entre as políticas sectoriais do Estado. Esta condução tem por objectivo reforçar e qualificar a vontade colectiva de Defesa e visa, nomeadamente:
¢ Apoiar os objectivos da política externa;
¢ Garantir a correcta articulação entre as Forças Armadas e Forças de Segurança, quando necessário;
¢ Promover as reservas estratégicas indispensáveis à segurança do País em tempo de crise;
¢ Valorizar no sistema de ensino, os padrões de identidade nacional, o conhecimento dos princípios da Segurança e Defesa e as obrigações do patriotismo e da cidadania;
¢ Enquadrar, com racionalidade estratégica, as decisões respeitantes às comunicações, redes de transportes e infra-estruturas.
9.6 - Uma adequada visão estratégica permite encarar a Defesa Nacional como recurso importante para o desenvolvimento económico nacional. Nesse sentido, o Estado deve promover políticas no sentido de:
¢ Melhorar os níveis de exigência e eficiência da política de investigação e desenvolvimento no domínio da Defesa Nacional;
¢ Articular com as empresas nacionais, e em especial com as indústrias de defesa competitivas, a política de contrapartidas;
¢ Reformar e modernizar as indústrias de defesa de reconhecido valor estratégico.
II - MOTIVOS PARA A REVISÃO DO CONCEITO
1 - A revisão do Conceito Estratégico de Defesa Nacional constitui uma prioridade, uma necessidade, e uma oportunidade.
A prioridade vem definida no programa de Governo. Neste, expressamente se atribui à revisão do Conceito, e dos documentos consequentes, carácter primordial, na hierarquia das decisões políticas da Defesa Nacional.
Compreende-se que assim seja. O último Conceito foi aprovado em 1994, e está, nessa medida, estrategicamente, datado. Porém, a urgência desta revisão não é apenas uma consequência de factos novos. Deve constituir, ainda, um poderoso factor de mobilização para um projecto nacional, que ajude Portugal, enquanto Estado, e os Portugueses, enquanto Nação, a preparar, com a segurança da sua identidade, o seu lugar num mundo que é diferente.
2 - Prioridade é, também, a clareza no discurso estratégico. Procura-se, neste documento, suscitar um debate efectivo, a partir de premissas nítidas e compromissos realizáveis. O Governo opta conscientemente por este grau de definição, porque considera que serve melhor o interesse nacional um Conceito mais operativo do que abstracto, e sobretudo um conceito mais clarificador do que genérico.
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As bases hoje lançadas para discussão pública são amplas, na perspectiva de elaborar um documento final que seja capaz de fornecer orientações para um conjunto de opções que lhe obedecem.
É por isso muito relevante que o debate permita identificar os valores permanentes do interesse estratégico português, as ameaças que nos afectam, o sistema de alianças que mais nos convém, as áreas de influência onde nos projectamos e as capacidades militares que, por consequência, deveremos desenvolver. Essa identificação reflecte uma ordem de preocupações quanto aos riscos e perigos que podem atingir Portugal; e deverá reflectir-se, harmoniosamente, nas opções quanto às missões, organização, e equipamentos das Forças Armadas Portuguesas, cuja evolução constará de propostas específicas. O que, nesta sede, importa, é escolher os desígnios estratégicos, de modo a que sejam nacionalmente assumidos.
A natureza pública do Conceito Estratégico de Defesa Nacional, recomenda, naturalmente, certa prudência na avaliação das ameaças relevantes. Do mesmo passo, é evidente, mas não é suficiente, a reafirmação dos comandos constitucionais e legais que sublinham a natureza da política de Defesa Nacional, que o país sabe ser permanente, global e ter âmbito abrangente, devendo prosseguir objectivos que estão consagrados.
A defesa da Constituição, a fidelidade ao Estado de Direito democrático e o respeito pelas Convenções internacionais são o adquirido, indiscutido e indiscutível, das opções estratégicas a desenvolver.
Nestas, sublinhe-se o valor da flexibilidade que deverá inspirar o Conceito neste início do século XXI. Um exemplo disso é a sinalização da multiplicidade de "fronteiras" que caracterizam o Portugal moderno - se a nossa geografia política e económica é europeia, já a geografia de segurança é atlântica e europeia, sendo inescapável, por sua vez, que a geografia da identidade, terá de ser primeiro, a das relações com os países que falam Português. Outro exemplo de flexibilidade encontra-se no domínio da articulação das políticas. Não se trata, apenas, da reafirmação de que a Defesa Nacional é abrangente. Trata-se de considerar que é imperativa a especial articulação com as políticas externa e de segurança interna, o que se compreende se olharmos ao tipo de ameaças que poderemos sofrer, e ao tipo de missões que já estamos a desempenhar.
3 - Rever o Conceito Estratégico de Defesa Nacional é, em segundo lugar, uma necessidade. Na verdade, se olharmos ao ponto de partida, que é o Conceito de 1994, deveremos reconhecer que é hoje diferente o ambiente estratégico global; evoluíram, consideravelmente, as alianças e organizações internacionais a que Portugal pertence; tiveram igualmente lugar, no plano interno, modificações com incidência na política de Defesa Nacional; e não deve negligenciar-se o facto de um conjunto de Estados, nomeadamente aliados, terem procedido, no passado recente ou próximo, a revisões estratégicas.
Vincando apenas o que se considera essencial, e sem a pretensão de se ser exaustivo, devemos registar que, depois de 1994, ano em que se aprovou o Conceito em vigor, se registaram, no plano internacional, alterações significativas. Salientamos:
" A evidência de que o terrorismo internacional constitui uma grave ameaça aos valores humanistas, às sociedades livres e aos sistemas democráticos;
" A imprevisibilidade das chamadas "novas ameaças", a sua gravidade letal e a nossa vulnerabilidade perante as mesmas;
" A manutenção ou emergência de novos tipos de conflito, de cariz étnico e religioso;
" A proliferação crescente das armas de destruição maciça, nas suas dimensões nuclear, biológica e química, e a sua acessibilidade a organizações não estaduais;
" A consolidação do novo mapa europeu, emergente do fim da Guerra Fria, que teve expressão, nomeadamente, no novo quadro de relações com a Rússia, na adesão de países de Leste à Aliança Atlântica, mas também nas crises balcânicas;
" A dinâmica e o impacto da globalização em todo o leque das questões internacionais, e a persistência de factores críticos nas relações de desenvolvimento entre o Norte e o Sul;
" O acentuar do fenómeno da imigração ilegal, e das suas consequências nos sistemas políticos europeus, na harmonia das relações sociais e na efectividade dos direitos humanos;
" E ainda, o agravamento de conflitos regionais, com destaque para o Médio Oriente, sem esquecer o regresso ou a emergência de novas áreas de crise, de que são exemplo a instabilidade no sub-continente asiático e as perturbações económicas, sociais e institucionais na América Latina.
Por outro lado, a necessidade de rever o Conceito, decorre, igualmente, do facto de, tanto nas alianças, como nas organizações internacionais, a que pertencemos, a realidade de 2002 ser bem diferente da de 1994. Senão, vejamos:
" A NATO alterou profundamente o seu Conceito Estratégico em 1999;
" Está em curso um movimento, acelerado, de revisão das estruturas, comandos e forças da NATO, cujas orientações gerais serão aprovadas na cimeira de Praga;
" Em paralelo, estamos em vésperas de um novo alargamento da Aliança Atlântica, bem como da aprovação das novas capacidades assumidas pelos Estados;
" Na União Europeia, também em 1999, o Conselho Europeu de Helsínquia, deu novo impulso à Política Europeia de Segurança e Defesa, comprometendo-se os Estados que nela participam a contribuir para as capacidades operacionais da União, no âmbito da gestão de crises e operações humanitárias;
" Ainda na União Europeia, tanto a reforma dos Tratados, como o alargamento a novos países, terão decerto, consequências politicamente relevantes;
" A UEO, tão presente no Conceito português de 1994, transferiu, entretanto, para a União Europeia, as suas competências;
" No relacionamento euro-atlântico, é expressiva a preocupação com o aumento do diferencial existente ao nível das despesas e dos investimentos militares, o que, acentuando-se, enfraquece a coesão entre aliados, e favorece teses isolacionistas, de um lado, e do outro, do Atlântico;
" As Nações Unidas desenvolveram, a partir de 1994, operações de paz, em número e importância
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sem paralelo na sua história, devendo salientar-se o contributo de Portugal e a experiência e conhecimentos adquiridos pelas nossas Forças Armadas;
" A participação de Portugal nas missões mais relevantes das Nações Unidas nos últimos anos, quer nos Balcãs, para manutenção de paz, quer em Timor, para a construção de um Estado independente, é uma oportunidade de modernização das estruturas, conceitos e mentalidades, que deveremos aproveitar;
" No espaço da lusofonia, verificaram-se a institucionalização da CPLP, em 1996, os primeiros passos na sua dimensão de segurança e defesa, em 1998, e a admissão de Timor-Leste como novo Estado membro, de pleno direito, em 2002;
" Recorde-se, por fim, que Portugal foi chamado, em 1998, a defender os seus cidadãos, e a estabilidade de um país amigo - a Guiné Bissau -, numa operação militar que testou as nossas capacidades de projecção de forças, operação conjunta dos ramos e apoio de informações, num acervo de lições para o futuro.
A modernização dos nossos documentos conceptuais torna-se, ainda, imperativa, à luz de compromissos legislativos que, na ordem interna, têm consequências na política de Defesa Nacional. A saber, quanto ao que é estruturante:
" A desconstitucionalização do Serviço Militar Obrigatório, em tempo de paz;
" A evolução, faseada, para Forças Armadas profissionais, determinando que os órgãos de soberania, a instituição militar e a sociedade civil se preparem para um modelo de recrutamento, manutenção do efectivo e reinserção, completamente diferente.
Enfim, Portugal não deve ignorar que outros Estados, bem próximos de nós, ou com os quais partilhamos direitos e obrigações, procederam à revisão dos seus Conceitos Estratégicos. É o caso, para citar apenas alguns exemplos com maior importância face às constantes estratégicas nacionais, dos Estados Unidos da América, Reino Unido, Espanha ou Itália.
Este conjunto de mudanças é suficiente para demonstrar a necessidade de rever o Conceito Estratégico de Defesa Nacional. O mundo mudou. As ameaças são outras. As alianças estão em transformação. Os Estados procedem à sua adaptação. Portugal tem de estar preparado para o novo cenário estratégico e operacional.
4 - Em terceiro lugar, a revisão do Conceito Estratégico de Defesa Nacional pode e deve ser uma oportunidade.
Desde logo, para encerrar uma questão metodológica que afectou, nos últimos anos, a formação da política de Defesa. De facto, sendo evidente o relativo desajustamento do Conceito de 1994 face à nova realidade externa e interna, a questão colocou-se, frequentemente, em torno do que fazer primeiro: um Conceito moderno, de que dependessem, em coerência, as reformas quanto à organização, missão, dispositivo e equipamentos das Forças Armadas, ou ir procedendo pelo método das reformas parciais, sem necessidade de actualização conceptual ou doutrinária. A divisão de opiniões, deu, aliás, lugar a uma outra, sobre o tipo de planeamento desejável, concorrencial ou sucessivo, de que o País carece na definição das suas Forças Armadas.
A opção do Governo - abrir a revisão do Conceito Estratégico de Defesa Nacional, como suporte e linha de rumo para as reformas elencadas no domínio da Defesa Nacional -, serve uma dupla oportunidade. Por um lado, partir do geral para o especial, do que é doutrina para o que é organização, do estratégico para o operacional, o que oferece outra consistência, coerência e legibilidade a uma política de Estado como a Defesa Nacional. Por outro, seguindo critérios de bom senso, iniciar processos de reforma, no capítulo organizativo, ou tomar medidas, no plano dos equipamentos, que não dependam do exame do Conceito, ou não colidam com o espírito geral destas bases para a discussão, que apresentamos ao país.
Entendemos, também, que a revisão do Conceito não é apenas uma oportunidade de coerência nos planos para a política de Defesa. É, sobretudo, a oportunidade de convocar o país para um debate nacional sobre o nosso sistema de segurança e defesa, sistema decisivo e insubstituível, no serviço à ideia de Pátria. Pode e deve ser um debate amplo, e não fechado à chamada "sociedade castrense"; permite mobilizar o sentido de patriotismo do nosso povo, reflectindo sobre os desígnios de Portugal de hoje; tudo isto, claro, partindo do princípio, por de mais evidente, que a instituição militar é estruturante da identidade nacional, e que a defesa é um investimento na segurança.
Passa por este debate um novo contrato de confiança entre o país e as suas Forças Armadas. Não servirão o interesse nacional, políticas que atinjam as Forças Armadas no seu prestígio; mas serve o contribuinte uma instituição militar onde os critérios de gestão e eficiência sejam marca de qualidade. Não servirão o interesse nacional medidas que diminuam as capacidades das Forças Armadas para exercer as suas missões inegociáveis, que são, e serão sempre, a defesa militar e a protecção dos nossos interesses vitais; mas o país também aprecia que as suas Forças Armadas se empenhem, em missões de interesse público, reclamadas e necessárias. Não servirão o interesse nacional atitudes que reduzam a questão das Forças Armadas à sua dimensão exclusivamente financeira, esquecendo que são valores imateriais que as justificam; mas a Nação sabe que Forças Armadas dignas desse nome precisam de recursos humanos mobilizados e equipamentos modernizados. Não servirão o interesse nacional posições imobilistas sobre a estrutura das Forças Armadas, porque o tempo as condena, se não for uma crise a fazê-lo; ora, sendo Portugal um aliado firme e leal, tem de retirar daí as consequências, quanto ao que se exige, hoje, em termos de conjunto, flexibilidade e interoperabilidade, a Forças Armadas prontas a actuar, em tempo de crise ou perante ameaças variáveis.
Numa palavra, o debate sobre o Conceito é uma oportunidade para valorizar, e modernizar, as Forças Armadas de Portugal, país que, como lembrou o herói, tantas vezes foi "obra de soldados", e cuja independência é simplesmente tributária da vontade colectiva de defesa.
III - BASES PARA UM NOVO CONCEITO
O Conceito Estratégico da Defesa Nacional obedece às disposições constitucionais e legais que enformam a política de Defesa Nacional. Por isso se afirma que a Defesa Nacional
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Defesa Nacional tem por objectivo garantir a independência nacional, a integridade do território e a liberdade e a segurança das populações, contra qualquer agressão ou ameaça externas. À Defesa Nacional incumbe, ainda, garantir a liberdade de acção dos órgãos de soberania, o regular funcionamento das instituições democráticas, a possibilidade de realização das tarefas fundamentais do Estado, o reforço dos valores e capacidades nacionais, assegurando a manutenção ou restabelecimento da paz, em condições que correspondam aos interesses nacionais.
Nos termos da lei, o Conceito Estratégico de Defesa Nacional visa a definição dos aspectos fundamentais da estratégia global do Estado, em ordem a alcançar os objectivos da política de Defesa Nacional.
O Governo, no cumprimento do seu programa, propõe à Nação, para reflexão e debate, as seguintes bases para a definição do novo Conceito Estratégico de Defesa Nacional.
Valores Permanentes
1ª BASE
(Soberania)
A estratégia de Defesa Nacional está ao serviço da preservação do Estado soberano e da Nação independente que é Portugal.
A política de Defesa do Estado democrático assegura a continuidade de Portugal enquanto país europeu, de centralidade atlântica e vocação universal.
Como garante insubstituível da segurança e defesa do país, o Estado obriga-se a valorizar os factores de identidade nacional, protegendo a língua portuguesa, promovendo o conhecimento da nossa história, fazendo respeitar os símbolos nacionais, prestigiando as Forças Armadas e defendendo os interesses de Portugal no mundo.
2ª BASE
(Espaço territorial)
A política de Defesa Nacional tem como principal objectivo a defesa do território nacional em toda a sua extensão, que abrange o Continente e as Regiões Autónomas dos Açores e Madeira. Na definição dessa política, devem inscrever-se os seguintes elementos matriciais:
a) O território que se define, nas suas referências cardeais, entre o ponto mais a Norte, no concelho de Melgaço, até ao ponto mais a Sul, nas ilhas Selvagens; e do seu ponto mais a Oeste, na ilha das Flores, até ao ponto mais a Leste, no concelho de Miranda do Douro;
b) O carácter descontínuo do nosso espaço territorial;
c) O espaço estratégico de responsabilidade nacional que integra, até aos seus limites, as nossas águas territoriais, o espaço aéreo nacional, os fundos marinhos contíguos, a zona económica exclusiva e a zona que resultar do processo de alargamento da plataforma continental.
3ª BASE
(Coesão nacional)
A defesa nacional será tanto mais eficaz quanto maior for a coesão nacional. Esta, tem expressão no património cultural comum, na unidade nacional, na partilha de direitos e obrigações perante o interesse geral e na solidariedade intergeracional e interterritorial, entre todos os Portugueses.
A coesão da sociedade portuguesa implica, também, a valorização das comunidades Portuguesas espalhadas pelo mundo. É desejável o reforço dos laços com os países de acolhimento das nossas comunidades emigrantes, bem como o reforço das relações com os países de origem das comunidades imigrantes em Portugal.
Em defesa da coesão nacional, o Estado, através dos meios políticos, diplomáticos e, se necessário, militares, deverá estar preparado para a defesa das vidas e dos interesses dos Portugueses, em qualquer momento, onde quer que se encontrem.
4ª BASE
(Valores humanista)
Portugal deve honrar a sua tradição humanista na ordem internacional, contribuindo, neste novo século, para o diálogo entre as nações, culturas e civilizações, a defesa dos direitos humanos, a promoção dos valores democráticos, o primado do direito internacional e a resolução pacífica dos conflitos, no respeito pela carta das Nações Unidas, e utilizando a sua específica capacidade de relacionamento com outros povos.
A participação de Portugal no quadro de intervenções militares multinacionais, terá em conta a proximidade dos nossos interesses, a violação daqueles princípios e a satisfação dos compromissos internacionalmente assumidos, sendo decidida em cada caso, e de acordo com os valores e regras constitucionais.
Ameaças Relevantes
5ª BASE
(Agressão)
Portugal não consentirá, em nenhuma circunstância, qualquer agressão militar ao seu território ou ao seu povo, seja no quadro de um conflito generalizado, seja no quadro de um ataque localizado.
Incumbe ao Estado garantir em todos os momentos, a funcionalidade dos sistemas vitais de segurança nacional, nomeadamente as redes de energia, comunicações, transportes, abastecimentos e informação.
Para se defender de qualquer agressão, a defesa militar de Portugal deverá:
a) Ter capacidade dissuasora, autónoma e aliada, para desencorajar as agressões ou restabelecer a paz, em condições satisfatórias para o interesse nacional;
b) Ter capacidade efectiva para participar na segurança interna, quando a natureza da ameaça ultrapassar o âmbito ou os meios de actuação das forças de segurança;
c) Ter capacidade utilizável em situação de estado de sítio ou de emergência, nos termos de lei;
d) A defesa militar deve ainda articular-se com as componentes não militares da Defesa Nacional, de forma a permitir a utilização eficaz de meios próprios ou constituídos para tempos de crise, ou eventual
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conflito armado, e ainda para, em tempo de paz, participar na definição da segurança dos pontos estratégicos.
6ª BASE
(Terrorismo)
O terrorismo, nas suas variadas formas, constitui uma grave ameaça à segurança internacional, aos valores e princípios das sociedades democráticas, abertas e tolerantes, e ao espaço territorial do Estado, atingível, em qualquer parte ou momento, através de meios extremos e variáveis.
Por consequência, a política do Estado, e suas consequências na Defesa Nacional, tem de ser orientada para:
a) Colaborar activamente, no quadro da comunidade internacional, e em especial com os seus aliados e parceiros, na prevenção do terrorismo, em múltiplas vertentes, incluindo operações militares;
b) Desenvolver todas as medidas políticas, diplomáticas, económicas, financeiras e judiciais que permitam erradicar as redes terroristas;
c) Reforçar o papel, a qualidade e a partilha de informações de carácter estratégico e operacional, no sentido de dotar as sociedades livres de uma cultura democrática de segurança contra o terrorismo;
d) Aperfeiçoar o planeamento civil de emergência, e contar com um sistema de gestão de crises, de modo a permitir aos órgãos de soberania, mobilizar as reservas e as instituições necessárias para fazer face às consequências do terrorismo.
7ª BASE
(Proliferação de armas de destruição maciça)
O desenvolvimento e a proliferação, não reguladas, de armas de destruição maciça, de natureza nuclear, biológica ou química bem como a sua própria detenção por grupos não estaduais, constituem igualmente uma ameaça séria à segurança, quer nacional, quer internacional.
A política de Defesa Nacional tomará em conta a necessidade de dotar o Estado de meios de resposta adequada a este risco, nomeadamente no plano da fiscalização dos mercados de acesso à produção, da investigação tecnológica, da informação à população, da protecção civil e da melhoria das capacidades de defesa NBQ, em estreita articulação com os nossos aliados.
8ª BASE
(Tráfico de droga)
O tráfico de droga constitui uma forma de agressão externa, e uma ameaça interna, que é dirigida contra a vida das pessoas, a autoridade dos Estados e a estabilidade das sociedades.
O carácter transnacional desta actividade criminosa, e a sua conexão com outras práticas ilegais, adensam a gravidade do risco que comporta. Por sua vez, a localização geográfica do nosso país, a sua característica de fronteira externa da União Europeia, a extensão dos nossos limites marítimos, a sua potencial inserção nas rotas do narcotráfico, e a consequente procura pelos centros de produção, agravam os factores de vulnerabilidade de Portugal face a este flagelo.
É, por isso, de interesse estratégico prioritário, para Portugal, o compromisso da Defesa Nacional em apoiar a estratégia global do Estado, nomeadamente:
a) Dando prioridade às acções de fiscalização, detecção e rastreio do tráfico de droga nos espaços marítimo e aéreo sob jurisdição nacional, funções essenciais no combate a este crime;
b) Admitindo, no quadro legal das missões de interesse público, em situações de especial gravidade, e em colaboração com as autoridades competentes, a participação das Forças Armadas em acções de prevenção e fiscalização das actividades das redes de tráfico de droga.
Sistema de Alianças e Organizações Internacionais
9ª BASE
(Nações Unidas)
O Estado português, membro das Nações Unidas, considera da maior importância, para a segurança internacional, a manutenção da paz e a resolução dos conflitos, o reforço do prestígio e da actuação da ONU. Sob a sua bandeira, as Forças Armadas Portuguesas participaram, participam e devem continuar a participar, em operações humanitárias e missões de imposição ou manutenção da paz, favoráveis à segurança global e regional.
10ª BASE
(Aliança Atlântica)
O sistema de segurança e defesa de Portugal tem como eixo estruturante a Aliança Atlântica. Enquanto membro fundador da NATO, Portugal orgulha-se do contributo que esta deu para a paz e a estabilidade internacionais. Como organização de defesa colectiva, a NATO corresponde à melhor opção de Portugal, no quadro da defesa do nosso espaço geográfico e da valorização da nossa posição estratégica. No plano estritamente militar, a NATO representa um factor de modernização das nossas Forças Armadas, e uma bandeira fundamental na afirmação, em missões de paz, dos militares Portugueses.
Do ponto de vista da Defesa Nacional, Portugal deve ter uma posição activa, e individualizada, no espaço de solidariedade que a Aliança representa. Isso implica, nomeadamente:
a) A dimensão cooperativa da política de defesa;
b) A defesa da posição nacional, e da importância do flanco sul da NATO, tanto mais importante, quanto o cenário das novas ameaças é mais premente a Sul;
c) O dever de acompanhar os aliados perante os novos desafios, na óptica de mais actuação conjunta, no plano nacional, e segundo uma perspectiva estratégica de participação combinada, no quadro da Aliança;
d) O esforço de modernização e adaptação das nossas Forças Armadas e dos seus equipamentos, por ser do interesse nacional fazê-lo, e por ser do interesse da Aliança ter membros que contribuam, com
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novas capacidades, para o desempenho eficiente das suas missões.
11ª BASE
(União Europeia)
Portugal é membro da União Europeia, participa empenhadamente na política Europeia de Segurança e Defesa, e tem o maior interesse estratégico na estabilidade, coesão e aprofundamento do projecto europeu.
Por isso, no quadro específico da Defesa Nacional, interessa-nos a participação nas chamadas missões de gestão de crises e humanitárias de Petersberg, tal como nos interessa que a União Europeia seja capaz de ter um protagonismo mais efectivo na resolução de conflitos ou de crises que lhe digam respeito.
Portugal contribui de forma efectiva, para o aumento das capacidades militares europeias, de que a construção da Força de Reacção Rápida é o principal elemento.
12ª BASE
(Complementaridade)
Portugal tem toda a vantagem na preservação do vínculo transatlântico; no bom relacionamento entre a Europa e os Estados Unidos da América; numa visão complementar e articulada das políticas de Defesa que se desenvolvem na NATO e na UE; e no reforço do pilar europeu da NATO. Esta orientação é a que melhor serve o interesse nacional, evitando ainda a duplicação de esforços ou de investimentos, que resultariam de uma visão conflitual ou concorrencial entre as políticas de defesa atlântica e europeia.
13ª BASE
(Comunidade dos Países de Língua Portuguesa)
A comunidade dos Países de Língua Portuguesa é um instrumento relevante para o relacionamento entre povos ligados pela história, pela cultura e pela língua, para a afirmação lusófona nas instituições internacionais, e para a efectivação de uma comunidade de valores e interesses económicos, culturais e de cidadania.
No âmbito da Defesa Nacional, a importância da CPLP deve ser acentuada, para, nomeadamente:
a) Reforçar a sua dimensão de Defesa;
b) Desenvolver a cooperação técnico-militar, numa base solidária, profissional e de respeito mútuo pela individualidade dos Estados;
c) Intensificar a cooperação multilateral no âmbito da CPLP, de forma a contribuir para a valorização do conjunto dos países de língua portuguesa ao nível das Nações Unidas;
14ª BASE
(Outras Organizações)
Portugal participa igualmente noutras organizações internacionais, como a OSCE e a UEO, pela relevância da sua contribuição para o reforço da paz, o aumento da confiança e o esforço de diálogo e cooperação internacionais.
Áreas de interesse estratégico
15ª BASE
(Prioridades)
No desenvolvimento dos seus objectivos estratégicos, Portugal considera como áreas fundamentais de interesse:
a) O espaço europeu, onde nos inserimos;
b) O espaço atlântico em geral, e o relacionamento com os Estados Unidos da América;
c) O Atlântico sul em especial, e o relacionamento com o Brasil;
d) A África lusófona e Timor-Leste;
e) O Magrebe, no quadro das relações bilaterais e do diálogo com o Mediterrâneo;
f) As regiões ou países em que Portugal tenha presença histórica e cultural;
g) Os países em que existem fortes comunidades Portuguesas;
h) Os países de origem das comunidades imigrantes em Portugal.
16ª BASE
(Interesses conjunturais)
Podem considerar-se áreas de interesse estratégico para Portugal, para além das já invocadas, quaisquer zonas do globo em que, conjunturalmente, os interesses nacionais estejam em causa ou tenham lugar acontecimentos que os possam afectar.
Missões principais
17ª BASE
(Definição)
Em coerência com os valores permanentes, para fazer face às ameaças relevantes, cumprindo obrigações no quadro das organizações internacionais a que pertencemos, e viabilizando a realização da estratégia de Portugal nas suas potenciais zonas de influência, a Defesa Nacional, no plano das missões principais das Forças Armadas, é o garante:
a) Da defesa militar do país;
b) Da satisfação dos compromissos internacionais do Estado, actuando como instrumento de política externa;
c) Da realização de missões de interesse público, sem prejuízo das missões de natureza intrinsecamente militar.
18ª BASE
(Concretização)
Cumprindo os preceitos constitucionais, concretizam-se as seguintes capacidades, para o desempenho das missões das Forças Armadas:
a) Capacidade dissuasiva, autónoma e aliada, para prevenir ameaças e repor o controlo do território e a autoridade do Estado, em caso de agressão;
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b) Capacidade de resposta rápida, na perspectiva de actuação em qualquer parte do território nacional;
c) Capacidade de vigilância e controlo do território nacional e do espaço interterritorial, nele se incluindo a fiscalização do espaço aéreo e marítimo nacionais;
d) Capacidade de protecção e evacuação de cidadãos nacionais, em áreas de tensão ou crise;
e) Capacidade para, nos termos da lei, participar no combate ao tráfico de droga;
f) Capacidade para, em colaboração com as Forças de Segurança, na ordem interna, e em estreita relação com os aliados, na ordem externa, prevenir e fazer face às ameaças terroristas;
g) Capacidade para, em conjugação com os aliados, prevenir e fazer face à proliferação de armas de destruição maciça;
h) Capacidade de participação em missões de paz e humanitárias, nomeadamente no quadro das Nações Unidas, da Aliança Atlântica e da União Europeia;
i) Capacidade para honrar os acordos bilaterais e multilaterais na área de Defesa, e as acções de cooperação técnico-militar;
j) Capacidade de, sem prejuízo das missões de natureza intrinsecamente militar, realizar missões de interesse público, nomeadamente busca e salvamento, fiscalização da zona económica exclusiva, investigação nos domínios de cartografia, hidrografia, oceanografia e ambiente marinho; em apoio à protecção civil, auxílio às populações em situação de catástrofe ou calamidade; em colaboração com as autoridades competentes, contribuir para a protecção ambiental, defesa do património natural e prevenção dos incêndios;
k) Capacidade para actuar em situações de estado de sítio ou de emergência.
Meios necessários
19ª Base
(Forças Armadas)
As Forças Armadas Portuguesas devem dispor de uma organização flexível e modular, adequada aos modernos requisitos de empenho conjunto e combinado de forças, privilegiando a interoperabilidade dos meios e desejavelmente, com capacidades crescentes de projecção e sustentação, comando, controlo, comunicações e informações.
Os programas de desenvolvimento das capacidades das Forças Armadas Portuguesas devem, preferencialmente, estar coordenados com os da NATO e União Europeia.
20ª BASE
(Informações)
O Estado de Direito democrático deve, na prossecução dos seus objectivos estratégicos, contar com um sistema de informações que proceda, nos termos da lei e sujeito à fiscalização democrática, à recolha, tratamento, partilha e adequada utilização de informações.
21ª BASE
(Recursos Humanos)
A profissionalização das Forças Armadas pressupõe a adopção de políticas que contribuam para o prestígio da instituição militar, a expressão das motivações e incentivos que permitam assegurar o efectivo necessário ao desempenho das missões, a valorização pessoal, técnica e profissional dos militares, a modernização das infra-estruturas e, no plano da continuidade histórica, a dignificação dos antigos combatentes.
A profissionalização não pode, em circunstância alguma, significar, ou permitir, o enfraquecimento do vínculo normal entre as novas gerações e as Forças Armadas, pelo que o Estado deverá sempre acautelar este imperativo de coesão nacional.
22ª BASE
(Recursos financeiros)
A programação financeira das Forças Armadas é uma condição necessária para o cumprimento dos objectivos da política de Defesa Nacional, tal como o é a modernização dos respectivos equipamentos. Neste quadro, o Estado deve ter como objectivo, à escala do nosso Produto Interno Bruto, a aproximação do nível de despesas e investimentos na Defesa Nacional, ao nível médio, praticado nos países europeus da NATO.
O Estado obriga-se a garantir regras de gestão eficiente, transparente e profissional dos recursos públicos afectos à Defesa Nacional e seus sistemas, compras e aquisições, e património.
23ª BASE
(Coordenação de políticas)
Para a realização do interesse estratégico de Portugal, e o cumprimento dos objectivos da Defesa Nacional, é essencial a coordenação entre as políticas sectoriais do Estado. Esta condução tem por objectivo reforçar e qualificar a vontade colectiva de Defesa e visa, nomeadamente:
a) Apoiar os objectivos de política externa;
b) Garantir a correcta articulação entre Forças Armadas e Forças de Segurança, quando necessário;
c) Promover as reservas estratégicas indispensáveis à segurança do País em tempo de crise;
d) Valorizar no sistema de ensino, os padrões de identidade nacional, o conhecimento dos princípios da segurança e defesa e as obrigações do patriotismo e da cidadania;
e) Enquadrar, com racionalidade estratégica, as decisões respeitantes às comunicações, redes de transporte e infra-estruturas;
f) Modernizar as indústrias de defesa de reconhecido valor estratégico;
g) Dar eficiência à investigação e desenvolvimento aplicável aos interesses estratégicos de Portugal, em estreita articulação com as empresas nacionais.
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IV - CONTRIBUTOS DO MINISTÉRIO DA DEFESA NACIONAL PARA AS GRANDES OPÇÕES DO CONCEITO ESTRATÉGICO DE DEFESA NACIONAL
Índice
I - Introdução
II - Enquadramento Internacional
III - Inserção de Portugal no Mundo
O Espaço Estratégico de Interesse Nacional
IV - Carácter e Objectivos da Defesa Nacional
V - Grandes Linhas de Acção Estratégica
A) No Domínio Estrutural
B) No Domínio Diplomático
C) No Domínio Económico
D) No Domínio da Saúde, Educação, Cultura e Valores
E) No Domínio Militar.
1 - INTRODUÇÃO
A última década do Séc. XX introduziu profundas mudanças no cenário internacional motivadas pela implosão da União Soviética, com a consequente emergência de novos países nessa área, pela legitimidade renovada e reforçada dos países da Europa Central e Oriental como actores internacionais e pelo fim do antagonismo Leste-Oeste e sua inerente lógica de confrontação entre blocos.
O desenvolvimento que a Sociedade Mundial tem vindo a conhecer ao nível da circulação e do acesso à informação conferiu à globalização um papel igualmente fundamental em todas estas mudanças, com significativas consequências no processo decisório dos agentes políticos nacionais e internacionais.
Naturalmente, estas alterações no ambiente internacional vieram abrir novas janelas de oportunidade na cooperação internacional e permitir um relacionamento mais distendido entre países, instituições e organizações internacionais.
Em contrapartida, vieram também obrigar os agentes internacionais a adequarem as suas posturas e mesmo as suas estruturas á nova realidade o que, obviamente, introduziu factores de instabilidade e de imprevisibilidade no seu seio.
Estamos, pois, num período de transição, que se estende também à Sociedade e aos Cidadãos, com modificações assinaláveis nas prioridades que estabelece e no registo de valores que a orienta.
Os actores internacionais têm procurado adaptar-se a este novo cenário, encontrando formas de responderem a um ambiente de ameaças e riscos imprevisíveis, multifacetados e transnacionais.
Embora este novo ambiente estratégico tenha atenuado as ameaças tradicionais de cariz militar, fez surgir factores de instabilidade traduzidos em novos riscos e potenciais ameaças de que os trágicos acontecimentos de 11 de Setembro de 2001 são paradigma.
De tal forma assim é que, aqueles, alterando profundamente a agenda político-estratégica internacional, criaram novos desafios no âmbito da Segurança e Defesa e introduziram um novo aspecto qualitativo de ameaça, na cena internacional, tornando ainda mais difusa a fronteira entre esta e a caracterização de riscos multifacetados e multidimensionais.
Com aquela acção o terrorismo transnacional, parece, assim, não considerar limites éticos; ou de qualquer outra natureza, assume um carácter e possibilidade de actuação à escala global, conjugando a violência tradicional, decorrente de atentados e acções bombistas, com a possível utilização do ciberespaço e de meios de destruição maciça.
A maximização dos princípios da surpresa e da decepção num combate assimétrico por actores não, tradicionais onde se insere o terrorismo transnacional, a par da demonstração de capacidade e de motivação, por parte de organizações mal definidas e não totalmente identificadas, para levar a efeito acções de grande impacto, configuram a possibilidade de eclosão de elevados níveis de destruição humanos e materiais, cujas consequências nas economias, na segurança e na estabilidade internacionais, transcendem a capacidade de resposta individualizada dos Estados e interrelacionam os conceitos de segurança interna e externa e os objectivos que estes prefiguram.
O terrorismo transnacional apresenta-se pois como uma ameaça externa e, quando concretizado, como uma agressão externa, pelo que se inserem na missão primária das Forças Armadas Portuguesas as tarefas enquadradas na sua prevenção e combate, aspecto confirmado pelo Parecer n.º 147/2001 votado na sessão do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, de 9 de Novembro de 2001 e homologado por despacho do Ministro da Defesa Nacional.
Torna-se assim necessária, não só a manutenção como a criação de capacidades que, permitam dar não apenas resposta aos fenómenos do terrorismo, mas também à proliferação de armas de destruição macia e à possibilidade de acidentes nucleares, químicos e biológicos, decorrentes quer daquela realidade, quer do uso indevido ou não especializado, dos referidos meios e materiais.
Consequentemente, perseguindo a finalidade de garantir a Segurança e o Bem-Estar aos cidadãos, o Estado obrigado a repensar e a adequar os conceitos e os instrumentos da Segurança é Defesa ao novo ambiente político-estratégico, numa perspectiva de minimização de riscos e de garantia de possibilidade de resposta, não só a estes novos tipos de desafios à Paz e à Estabilidade Internacional, como a quaisquer outros que se venham a revelar.
A fronteira estabelecida entre defesa e segurança, as acções concretas com cabimento nestas áreas e as entidades. primariamente responsáveis pelo seu tratamento resultam do estipulado na lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, lei 29/82. Na sua génese, esteve a necessidade de normalizar relações entre diversas entidades públicas e reposicionar poderes na conjuntura da época. Hoje, ultrapassada que está esta questão, a manutenção dessa fronteira artificial inibe a articulação dos esforços que as diferentes organizações devem desenvolver, impedindo a procura de sinergias, a rentabilidade de meios e a eficácia no combate aos actuais riscos e ameaças.
Assim, e por se entender que "a, definição dos aspectos fundamentais da estratégia global do Estado adoptada para a consecução dos objectivos da política de segurança e defesa nacional" necessita de ser adequada à nova realidade político-estratégica, afigura-se oportuno a elaboração destas Grandes Opções do Conceito Estratégico de Defesa Nacional, no sentido de construir um conceito de segurança alargado através de um debate multidisciplinar
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sobre as questões de Segurança e Defesa na sociedade e na Assembleia da República, que se traduza em consensos no que concerne às prioridades e orientações estratégicas a estabelecer em tudo que diga respeito à "actividade desenvolvida pelo Estado e pelos cidadãos no sentido de garantir, no respeito das instituições democráticas, a independência nacional, a integridade do território e a liberdade e a segurança das populações contra qualquer agressão ou ameaça". Neste sentido será necessário ponderar as necessárias alterações aos preceitos constitucionais e Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas.
Este conceito alargado de Segurança com características de multidisciplinaridade, equacionado como um dos desígnios da Política, constituindo preocupação permanente como objectivo último que se pretende atingir, garantir e preservar; que se manifesta pelo ambiente de tranquilidade e estabilidade política, interna e externa, que garante o normal funcionamento das instituições, possibilita o desenvolvimento sustentado e estimula a coesão e adesão da comunidade nacional a um projecto futuro de Sociedade, para o qual concorrem todos os instrumentos do Estado, a nível político, social, educativo, administrativo, económico, financeiro, industrial e também militar, poderá implicar também que o actual Conceito Estratégico de Defesa Nacional (CEDN) deva dar lugar a um Conceito Estratégico de Segurança Nacional (CESN), ou a um Conceito Estratégico de Segurança e Defesa Nacional (CESDN), como já se pretende na União Europeia.
Este conceito de natureza global e pluridisciplinar nos termos anteriormente referidos criará as condições necessárias à efectivação de medidas concretas que elevem o actual nível de coordenação, entrosamento e eficácia dos diversos agentes de segurança do Estado.
II - ENQUADRAMENTO INTERNACIONAL
Num espaço de influência Euro-Atlântico é possível definir linhas de instabilidade, envolvendo a África do Norte, África Subsaariana, o Médio Oriente, os Balcãs, o Cáucaso, a Ásia Central e a Ásia do Sul; nas quais se concentram riscos de migrações em massa, separatismos e conflitos étnicos, religiosos e fronteiriços.
As vulnerabilidades do Estado nestas regiões tornam crescentes as ameaças ligadas ao terrorismo, ao narcotráfico, ao tráfico de pessoas e ao crime organizado.
Acresce que os fenómenos de desestruturação dos Estados e da globalização vieram contribuir para aumentar os riscos de proliferação de armas de destruição de massa, de uso indevido de novas tecnologias, bem como diminuição de garantias de manutenção e controlo de equipamentos e material nuclear, químico e biológico.
Considera-se também, a possibilidade de poderem constituir-se em foco de conflitualidade internacional, os aspectos que resultem da desregulação ambiental e ecológica e da gestão dos recursos naturais nomeadamente os hídricos e os energéticos.
A acrescer a este conjunto de riscos mais imediatos, é hoje possível identificar um outro conjunto de factores que, a curto médio prazo, não deixarão de influenciar e condicionar o ambiente internacional e que se prendem com:
- A permanência das desigualdades no Desenvolvimento;
- O reforço do internacionalismo financeiro;
- O agudizar do diferendo entre "Integração" e "Globalização";
- A permanência de radicalismos políticos, ideológicos e religiosos;
- O aumento da Interdependência, por força da revolução da Informação e da Interactividade;
- O crescimento dos fluxos migratórios, o carácter multicultural das sociedades e a não integração das novas comunidades;
- Os factores ligados à evolução tecnológica, aos novos "vírus" e à utilização criminosa do ciberespaço;
- A atitude interventora da Comunidade Internacional e o exercício do Direito de Ingerência;
- A existência de uma única super potência e as contradições das suas eventuais tendências entre o "unilateralismo" e o "multilateralismo";
- A utilização do Espaço para fins científicos, económicos ou militares e as perspectivas de utilização estratégica que se prefiguram.
Desta situação resulta que, cada vez mais, se propende hoje para definir um conceito alargado de segurança que, continuando a integrar os objectivos mais tradicionais dos Estados - defesa do território e da soberania - confere atenção acrescida a uma filosofia preventiva e a uma visão global da evolução dos focos de insegurança internacional e das crises que deles decorrem, com o intuito de as prevenir e limitar evitando o seu desenvolvimento para formas agravadas de conflitualidade.
Neste quadro e como forma de optimizar a resposta dos actores internacionais, tem-se vindo a impor uma ideia de segurança cooperativa; com reflexos no desenvolvimento das Organizações Internacionais.
A Organização das Nações Unidas (ONU) vem assumindo um papel mais interventivo na área da segurança internacional, enquadrando um conjunto crescente de acções no domínio das operações humanitárias e de paz nos mais diversos pontos do globo. Esta vontade pode ser testemunhada, mais recentemente, pelo Relatório Brahimi e pelos esforços de readequação interna da estrutura de apoio às operações de paz conduzidas sob a sua égide e pelo seu empenho em suscitar um maior comprometimento dos países que disponibilizam forças.
A Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) continua a orientar a sua atenção para os aspectos relacionados com a defesa dos direitos humanos, a resolução pacífica e a prevenção de conflitos, a gestão política de crises e a participação em actividades de manutenção de paz, tendo reforçado a sua capacidade política, em particular no domínio da diplomacia preventiva. Neste último aspecto são de realçar as medidas de combate ao terrorismo resultantes da Conferência Internacional de Bishkek e a eleição da mesma temática para prioridade de acção no decurso da Presidência Portuguesa da organização.
A Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO) tem vindo a cumprir um processo de adaptação ao novo ambiente internacional, tendo adoptado na Cimeira de Washington, em Abril de 1999, um novo Conceito Estratégico que, mesmo no seu seio, já se sente ser necessário adequar.
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No Conceito Estratégico de 1999 a Aliança assume as tarefas tradicionais de defesa colectiva dos seus membros e as inerentes operações de artigo 5 do Tratado do Atlântico Norte, mas também se posiciona para o cumprimento de funções de prevenção e gestão de crises "out of área" (isto é, não artigo 5.º do Tratado do Atlântico Norte).
Em paralelo, foi desenvolvido o Programa da Parceria para a Paz como forma de reforçar quer a estabilidade no espaço euro-atlântico, quer os processos de transição dos países da Europa Central e Oriental e dos novos países nascidos da ex-URSS.
O processo de alargamento da Aliança, iniciado com a adesão da Polónia, Hungria e República Checa em 1999, -constitui um reflexo institucional evidente da nova filosofia cooperativa que enforma as relações internacionais, visando a segurança e estabilidade euro-atlânticas, processo que prossegue com a declaração continuada por parte da Aliança de uma política de "porta-aberta" e de estímulo a que os candidatos prossigam os programas de cumprimento dos critérios para uma eventual adesão, que terá novo desenvolvimento na próxima cimeira de Praga, em Novembro de 2002.
Também a relação "bilateral" da NATO com a Federação da Rússia não tem sido descurada, sendo hoje enquadrada por um Acto Fundador, que procura associá-la aos esforços de estabilização na Europa, falando-se, contudo, já na participação desta Federação, num formato a 20, que amplie a tradicional relação 19+1.
A Aliança presta também uma atenção particular ao seu flanco sul, constituído pela bacia do Mediterrâneo, tendo criado uma iniciativa de Diálogo do Mediterrâneo, envolvendo alguns dos países aí situados, como forma de garantir segurança e estabilidade nesta zona.
A melhoria das suas capacidades operacionais tem constituído preocupação da NATO, que pretende dotar-se de meios que lhe permitam cumprir, com eficácia, as novas missões que lhes estão cometidas.
Incluem-se, neste esforço, os conceitos de interoperabilidade de forças, de Forças Tarefa Conjuntas-Combinadas (CJTF) e de "forças separáveis mas não separadas" e, mais recentemente, a Iniciativa de Capacidades de Defesa (DCI) orientada para a melhoria de capacidades ao nível da mobilidade estratégica, da autoprotecção, da sustentação das forças e dos sistemas de comando e controlo e da informação, que face aos acontecimentos de Setembro se entende ser necessário acelerar.
Na Cimeira de Washington foi, também, manifestado apoio ao desenvolvimento da Iniciativa Europeia de Segurança e Defesa (IESD), traduzido na necessidade de a União Europeia dispor de uma capacidade autónoma para poder intervir no âmbito militar, procurando a criação de sinergias entre as duas organizações.
Um aspecto a considerar na actualidade, ainda de contornos não totalmente definidos mas em agravamento constante, prende-se com o actual combate ao terrorismo, na observância de um conceito global e com o facto de a NATO ter accionado em consequência o artigo 5.º do Tratado do Atlântico Norte. Este facto irá motivar alterações na Aliança e em Portugal assim como o combate ao narcotráfico.
Paralelamente ao nível da União Europeia (EU) têm sido dados passos significativos na componente de segurança e defesa, resultantes em grande parte das modificações sensíveis da cena internacional.
Efectivamente, entre o Tratado de Maastricht de 1991 e a Conferência de Compromissos de Capacidades, de 2000, passando pelo Tratado de Amesterdão, e pelas Cimeiras de Colónia, Helsínquia, Santa Maria da Feira e Nice, a UE integrou no seu II Pilar a Política Externa e de Segurança Comum (PESC), assumiu um papel activo na segurança internacional e no apoio humanitário no quadro das Missões de Petersberg, acordou na criação de uma capacidade operacional própria a concretizar até 2003, e dinamizou uma Política Europeia Comum de Segurança e Defesa.
Com as Conferências, sobre as Capacidades Militares e de Polícia; realizadas em Novembro de 2001, a União considera estar já em condições de conduzir operações de gestão de crises, encontrando-se firmemente determinada em ultimar rapidamente os acordos com a NATO, acordos esses que reforçarão as suas capacidades na condução de operações de gestão de crises que abranjam todo o espectro das Missões de Petersberg em 2003.
Do mesmo modo e conforme a Declaração de Laeken, a aplicação dos acordos de Nice com os parceiros, reforçará os meios que a UE dispõe para conduzir operações de gestão de crises, sendo que o desenvolvimento dos meios e das capacidades à sua disposição lhe permitirá assumir progressivamente operações cada vez mais complexas.
Em todo este processo, que marca o fim da União da Europa Ocidental (UEO), a UE procura articular com a NATO, que permanece como referência primeira para a segurança e defesa colectivas, mecanismos que evitem duplicações desnecessárias, permitam ganhos de eficácia nas duas Organizações e reforcem os laços transatlânticos.
Igualmente no âmbito da UE vem decorrendo um processo de alargamento, que tem por objectivo garantir a estabilidade política e económica na sua zona envolvente.
Também a iniciativa norte-americana de defesa antimíssil, passível de introduzir uma nova dimensão de segurança no quadro da dissuasão, e a recente denúncia por aquele país do Tratado ABM (AntiBallistic Missile), com todos os desafios que tal medida coloca à regulamentação jurídica internacional e as evidentes repercussões não só neste como no Tratado START (Strategic Arms Reduction Talks), deve ser analisada tanto no seio da NATO como da LIE.
A ideia de segurança cooperativa tem tido reflexos, ainda, na adopção, por parte das Organizações Internacionais, de instrumentos juridicamente vinculativos no Direito Internacional, orientados para medidas de segurança e confiança e humanitárias, de que são exemplos os Tratados CFE (Conventional Armed Forces in Europe), Open Skies, START 11, MTCR (Missile Technology Control Regime), a Convenção sobre a Proibição de Armas Químicas e a Convenção sobre a Proibição de Minas Antipessoal, entre outros.
A grande novidade que a nova situação apresenta é o agravamento do Terrorismo Trasnacional e a da necessidade do combate ao narcotráfico envolvendo as Forças Armadas nacionais e da Aliança em apoio das Forças de Segurança sempre que necessário.
III - INSERÇÃO DE PORTUGAL NO MUNDO
O ESPAÇO ESTRATÉGICO DE INTERESSE NACIONAL
O espaço dos interesses nacionais deixou de estar confinado ao conceito tradicional de fronteiras e ampliou-se em função das novas realidades estratégicas da conjuntura
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internacional, da adesão do país a construções político-militares de diversa índole e das novas solidariedades que se definem na comunidade internacional.
A globalização, a interdependência, a revolução da informação, e a interactividade, ampliam os espaços de inserção e organização dos actores internacionais, definindo um novo conceito de fronteira e um novo ambiente estratégico para a afirmação e defesa do interesse nacional, em que o diálogo, a cooperação e a concertação são instrumentos privilegiados.
Neste contexto internacional, Portugal persegue a afirmação e defesa dos seus interesses nacionais em espaços alargados, reconhecendo que a actual estrutura da comunidade internacional é complexa e que se encontra em profunda alteração, e em que conceitos fundamentais como soberania e fronteiras se modificaram qualitativamente.
Relativamente àqueles conceitos importa considerar que os mesmos exigem uma atitude estratégica nacional que reconhece que a defesa do interesse nacional tem de ser feita, quer no contexto internacional, em fora diversos, quer no núcleo duro da nacionalidade, no Território Nacional (TN).
Os actores internacionais são assim levados a definirem um espaço estratégico de interesse nacional, onde fazem a aplicação do seu potencial estratégico, evitando vazios e privilegiando a aplicação das estratégias gerais mais adequadas aos objectivos que perseguem.
No caso nacional, o Espaço Estratégico de Interesse Nacional (EEIN) deverá assim ser entendido como o grande espaço, abrangendo o TN e outras áreas de importância geo-estratégica, necessário à defesa dos interesses nacionais, quaisquer que eles sejam. Deve, no entanto, ser caracterizado segurado a prioridade dos interesses a defender, com base nos actores internacionais potencialmente perturbadores dessa defesa, não só pela análise da acção estratégica mais adequada à defesa de cada um dos interesses considerados como pelo ponto de aplicação e contexto estratégico (nacional, bilateral, multilateral ou no âmbito de alianças) da utilização do potencial estratégico nacional.
Este grande espaço tem dois domínios de consideração prioritária: um, onde se jogam os interesses permanentes danação portuguesa; outro, que tem em conta a evolução, as realidades e as oportunidades da conjuntura internacional, onde se procura a defesa e a afirmação dos demais interesses nacionais.
Assim, existe um espaço de Soberania constituído pelo TN (incluindo o mar territorial e o espaço aéreo correspondente), pela população e pelo poder político independente, cuja integridade deve ser garantida, sendo aqui que se situam os, interesses vitais e o núcleo geo-histórico e geo-económico e a preservação da identidade nacional do Estado-Nação que somos.
Há um outro espaço, o espaço de Circulação, que engloba as linhas de comunicação marítimas e aéreas e os, portos e aeroportos necessários à garantia da ligação entre todas as parcelas do TN.
A este espaço de Circulação deve ser associada a importância decorrente, no que a Portugal diz respeito e no quadro do Acordo de Schengen, do facto do nosso território se poder constituir como possível entrada no espaço mais vasto da UE.
Do exposto é legítimo inferir-se a existência de um espaço de soberania, onde se faz a defesa dos interesses permanentes do País e, se este tem uma natureza fragmentada, como é o caso nacional, torna-se igualmente necessário garantir um espaço de circulação, que ligue as diversas parcelas. Fica assim identificado o elemento permanente do EEIN, a merecer o cometimento prioritário do potencial estratégico nacional, tendo em consideração, a previsibilidade e a probabilidade das formas de ameaças que, directamente, se lhe possam configurar.
Quanto ao elemento conjuntural do EEIN, decorre da realidade da conjuntura estratégica internacional e também da capacidade nacional, tendo em conta os objectivos formulados, os actores em presença e as diversas organizações em que nos inserimos.
Portugal desenvolve assim, no seio da ONU e da OSCE, uma actuação nacional de carácter político que se orienta por uma perspectiva de afirmação no seio da comunidade internacional e da sua capacidade negocial e que potencia o seu poder de "influenciar" e de "atrair". Estamos, no âmbito das relações externas, no espaço da afirmação nacional, do seu prestígio e da sua visibilidade e credibilidade política.
No quadro da UE estamos perante um espaço de integração política, monetária e económica, por onde passa a fronteira nacional do desenvolvimento e da partilha de compromissos internacionais, constituindo igualmente espaço de afirmação do interesse nacional na ordem externa, da livre circulação de pessoas e bens, a evoluir também para uma fronteira de segurança, cuja resposta se faz através da construção de uma PESD e da aceitação das Missões de Petersberg como responsabilidade comum.
Neste espaço de desenvolvimento, colocam-se desafios diversos que materializam fronteiras a alcançar ou a perder, numa perspectiva nacional - a educação e a formação, o desenvolvimento empresarial e industrial e a capacidade dos seus quadros, em todas as áreas de actuação.
Neste espaço de afirmação política, há aspectos do Poder nacional, de carácter funcional, que não devem ser esquecidos, pois constituem uma valorização ou multiplicador do poder negocial e que resulta da ligação física (proximidade geográfica) e cultural a África, seja à região sul da bacia do Mediterrâneo, seja à materializada pelo conjunto dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP's) e, também, pela participação destes na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) - estes aspectos constituem um factor de poder de grande significado no seio da UE.
Quanto à defesa colectiva, esta é levada a cabo no âmbito da NATO, constituindo-se esta aliança como peça insubstituível da estabilidade internacional, na preservação da paz, e ainda, como efectivo instrumento de gestão de crises.
Estamos, assim, num espaço por onde passam não só as fronteiras da defesa militar colectiva, mas também a fronteira das novas missões que se prendem com a preservação da estabilidade e da paz mundial. É, igualmente, onde queremos beneficiar do resultado sinergético para a Segurança, da participação de todos os membros, onde assumimos compromissos, partilhamos responsabilidades e colhemos vantagens. É também o espaço da relação estratégica transatlântica, Europa EUA/Canadá, indispensável à construção
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efectiva de uma arquitectura de segurança e defesa europeias, onde o poder funcional nacional poderá ser exercido, quer a nível político, quer através da utilização das nossas potencialidades geo-estratégicas.
Na CPLP, é formulada a concertação político-diplomática entre os seus membros em matéria de relações internacionais; nomeadamente no esforço da presença da lusofonia nos "fora" internacionais, no âmbito do económico, social, cultural, jurídico, técnico-científico e materialização de projectos de formação e defesa de língua portuguesa, bem como de cooperação militar.
Importa ainda fazer uma referência ao espaço regional, onde se cruzam preocupações de âmbito político, económico, cultural e também militar; é um espaço para o diálogo político e para a cooperação económica, a conduzir privilegiadamente, em termos multilaterais, com a Espanha, no seio da UE e a partir desta, mas também em termos bilaterais, com o Maghreb, em todas as áreas e em tudo aquilo que possa fomentar a estabilidade política e militar e propiciar um desenvolvimento sustentado, a toda esta última região.
Mas este é também um espaço estratégico de potenciais crises internacionais, designadamente aquelas que nos poderão atingir directamente, ou que, embora de âmbito mais alargado, nos envolvem também; é assim um espaço a acompanhar em termos de informação estratégica e de planeamento estratégico de contingência, com implicações para a estratégia geral militar, prospectivando a resolução de eventuais diferendos no quadro da União Europeia e da NATO.
Por outro lado se importa aproveitar as oportunidades que a integração dos vários actores regionais num espaço comum, de carácter político e económico, pode proporcionar, é igualmente necessário garantir, em simultâneo, a identidade e individualidade nacionais. Esta última intenção só será conseguida, se nas áreas de, interesse político-estratégico, a nível regional, Portugal evitar o desenvolvimento de quaisquer "vazios exploráveis", inclusive no domínio militar.
Deve salientar-se, também, que, se no domínio militar será suficiente garantir um equilíbrio estratégico regional, os maiores riscos de vazio nesse espaço, podem ocorrer, quer a partir de uma eventual fragilidade do tecido económico, que consinta o seu controlo ou domínio e a saída do pais de centros de decisão estratégica, quer da lassidão dos valores e cultura nacionais, que fundamentam a nossa identidade e individualidade.
Naqueles processos, para além de ser necessário salvaguardar a liberdade política e económica, nas actuais circunstâncias e tendo em conta as organizações em que os actores regionais se inserem, antevê-se o desenvolvimento de complexos mecanismos quer de cooperação política, quer de segurança ou defesa comum, os quais não podem, em termos nacionais, serem desligados da diferenciação geo-política existente na Península Ibérica.
Ainda neste quadro, devem ser equacionadas a Zona Económica Exclusiva (ZEE) pelo espaço de fruição de recursos e carácter económico que representa e pelas responsabilidades nacionais referentes à fiscalização e protecção dos citados recursos, assim como a assunção dos, compromissos assumidos, no quadro internacional, no domínio da segurança de voo e da busca e salvamento.
A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, ratificada por Portugal em 3 de Novembro de 1997, além de conferir a cada Estado direitos exclusivos para prospectar, explorar, conservar e gerir os recursos naturais vivos e não vivos até às 200 milhas, correspondentes à Zona Económica Exclusiva, prevê, ainda, a possibilidade do alargamento para além daquele limite dos direitos referentes à Plataforma Continental, desde que as características geológicas e hidrográficas o justifiquem, em conformidade com o estabelecido no seu artigo 76.º.
Impõe-se que esta questão seja encarada como um imperativo estratégico nacional, capaz de congregar esforços quer no sentido de se, obterem os fundamentos científicos e técnicos, justificativos da pretensão portuguesa, quer dotando o País dos meios capazes de vir a assegurar, o exercício dos direitos e deveres que nos serão cometidos sobre aqueles espaços.
Trata-se de uma oportunidade única de se poder reclamar o alargamento desta zona de elevado potencial estratégico, conferindo, a Portugal, responsabilidades sobre uma das zonas marítimas mais extensas da Europa.
Pode salientar-se por último que, em termos nacionais, temos assistido a que na actual conjuntura internacional, a importância geo-estratégica de Portugal está a transferir-se, do carácter funcional que representava no contexto de uma estratégia de contenção de blocos, para uma possível função de "articulação", fruto da consequência dos vários espaços em que nos inserimos, da globalização, do conceito amplo de Segurança e da evidente necessidade de concertação dos diversos espaços regionais, como sejam a UE, o MERCOSUL, a NATO (a harmonização entre o pilar europeu e o pilar americano); o Atlântico e a Europa; entre estes e o Mediterrâneo e as preocupações de segurança e desenvolvimento apontadas para o Atlântico Sul. Esta função por sua vez é alicerçada numa relação privilegiada com o Brasil e numa profunda solidariedade com os PALOP, cuja matriz de organização política se faz na CPLP.
Contudo, deve ponderar-se, que esta alteração de funcionalidade estratégica poderá não ser definitiva, situação que reporia, a importância geo-estratégica de parcelas do TN, seja para os Açores num contexto estratégico de movimentação de forças, quer pelo aumento da proliferação das armas de destruição maciça, quer pela eficácia dos sistemas antimíssil, que conjugada com a situação anterior retomasse, na cena internacional, o conceito de santuário, ou que tornasse inconveniente ou sensível, a dispersão ou pré-posicionamento de meios de contenção/intervenção visando situações de crise; igualmente quanto ao reassumir da importância geo-estratégica da Madeira, dentro do mesmo cenário, configurado pelas razões atrás expostas e num contexto de preocupações de controlo estratégico de acessos, a zonas potenciais de crise, (choke-points).
No entanto, esta nova funcionalidade estratégica constitui-se, igualmente, como um factor do poder nacional, num contexto internacional em que os actores tendem a organizar-se em espaços alargados, de âmbito e natureza diversificadas, através do exercício adequado de gestão das várias interdependências que, progressivamente, se vão constituindo no quadro estratégico que materializa a nova ordem internacional, o qual poderá, em última análise, ser a única garantia de opções estratégicas diversificadas, não permitindo que uma excessiva interdependência, económica,
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militar ou política, se traduza num cenário de completa ausência de alternativas e de paralisia da liberdade de acção política.
Nesta linha de raciocínio não podem deixar de ser tidos em consideração os acontecimentos de 11 de Setembro e a dimensão estratégica das suas consequências, que têm contribuído para a introdução de ajustamentos, profundos e acelerados, tanto nas políticas seguidas pelas Organizações Internacionais vocacionadas para a Segurança e Defesa como nas prosseguidas pelos Estados.
É importante salientar que aqueles acontecimentos parecem estar a ser determinantes para acelerar a procura de uma nova ordem internacional; onde os Estados Unidos da América se afirmam como a grande e única potência militar, capaz de procurar novas alianças, mesmo fora dos quadros tradicionais.
Esta nova realidade coloca aos países europeus, a necessidade de prosseguirem os esforços no sentido de apressar a concretização da Política Europeia de Segurança e Defesa (PESD), no seio da União Europeia, por forma a que num futuro próximo seja capaz de responder a todo o espectro das missões de Petersberg e se constitua um efectivo reforço da Identidade Europeia de Segurança e Defesa (IEDS), no seio da Aliança Atlântica, numa perspectiva estratégica de parceiros indispensáveis e de confiança à relação transatlântica.
Para Portugal, país participante na PESD e membro fundador da NATO, coloca-se a questão de dever acompanhar os seus aliados, encarando os novos desafios, na óptica da actuação conjunta do ponto de vista nacional e segundo uma perspectiva estratégica de participação combinada e articulada, com os nossos aliados.
Apenas tal postura, possibilitará ao nosso país uma participação plena naquelas Organizações, permitindo que possamos ser co-autores das decisões e co-responsáveis das suas consequências, preservando assim uma capacidade de intervenção política que salvaguarde o interesse nacional.
Paralelamente, o conceito de dissuasão alterou-se qualitativamente deixando de ter significado a capacidade de causar baixas inaceitáveis a um agressor que se autodestrói, que não tem base territorial e se a tem, não se fixa e, simultaneamente, mais do que reivindicar objectivos, critica valores e comportamentos ou modelos de actuação estratégica.
Perante este quadro, a dissuasão materializa-se pela capacidade de prever, através da informação estratégica, pela capacidade de negar alvos, através da sua efectiva protecção e, por último, pela capacidade de actuação imediata sobre o agressor, patrocinadores ou apoiastes.
Assumindo o combate ao terrorismo elevada prioridade nos vários "fora" internacionais em que Portugal se integra e embora não se vislumbrem ameaças directas a Portugal, a actual dimensão estratégica do terrorismo internacional e o novo conceito de dissuasão, implicam que o elemento permanente do EEIN, passe a representar uma prioridade de defesa diferente e mais elevada do que no passado recente.
É na actualidade prioritário o esforço de informação estratégica em todo o EEIN, designadamente no interior das fronteiras da soberania, especialmente no sentido da salvaguarda e protecção de pontos sensíveis [Consideram-se pontos sensíveis, as infra-estruturas fundamentais de produção, armazenamento e distribuição de combustíveis, gás, electricidade, elementos tóxicos, incluindo materiais radioactivos, barragens, redes e sistemas de comunicação e informação (financeiros, produtivos, controlo aéreo, etc.), sistemas de transporte, pontos podais; interfaces e pontes, sistemas de abastecimento de água, serviços de emergência, unidades e comandos das Forças Armadas e das Forças de Segurança, locais de grande concentração de público e por tudo o que é necessário ao funcionamento dos órgãos de soberania e à garantia da utilização do ciberespaço].
IV - CARÁCTER E OBJECTIVOS DA SEGURANÇA E DEFESA NACIONAL
A Lei da Defesa Nacional e das Forças Armadas (LDNFA) define como, Objectivos Permanentes da Política de Defesa Nacional (PDN):
a) Garantir a independência nacional;
b) Assegurar a integridade do território;
c) Salvaguardar a liberdade e a segurança das populações, bem como a protecção dos seus bens, e do património nacional;
d) Garantir a liberdade de acção dos órgãos de soberania, o regular funcionamento das instituições democráticas e a possibilidade de realização das tarefas fundamentais do Estado;
e) Contribuir para o desenvolvimento das capacidades morais e materiais da comunidade nacional, de modo a que possa prevenir ou reagir pelos meios adequados a qualquer agressão ou ameaça externas;
f) Assegurar a manutenção ou o restabelecimento da paz em condições que correspondam aos interesses nacionais.
A PDN tem carácter permanente, exerce-se a todo o tempo e em qualquer lugar, tem natureza global, abrangendo uma componente militar e componentes não militares.
Esta Política tem, ainda, âmbito interministerial, cabendo a todos os órgãos e departamentos do Estado promover as condições indispensáveis à respectiva execução.
Por forma a cumprir os Objectivos Permanentes, e tendo em conta o actual enquadramento internacional, a Política de Defesa Nacional deverá definir os seguintes Objectivos Actuais:
a) Fortalecer a vontade colectiva de segurança e defesa e aumentar as capacidades da Nação no domínio da Defesa;
b) Reforçar e garantir a coordenação, articulação e complementaridade entre todas as componentes da PDN;
c) Organizar uma componente militar de Defesa Nacional que se constitua como factor de dissuasão face a eventuais ameaças de agressão externa ou que, em caso de conflito, permita uma resposta nacional imediata e possibilite enquadrar forças aliadas em reforço, no intuito de um restabelecimento da paz em condições que correspondam aos interesses nacionais;
d) Aperfeiçoar o conceito de emprego das Forças Armadas, prevendo uma capacidade efectiva de participar
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na segurança interna em reforço e complemento das Forças de Segurança, quando a natureza da ameaça ultrapassar as possibilidades destas, quer em termos da dimensão de efectivos requeridos quer em termos de exigências de meios que só estão disponíveis nas Forças Armadas e que não se justifica duplicar;
e) Prevenir crises e conflitos externos, reforçando a participação nacional em todas as Organizações que visam o diálogo, a cooperação e a paz, num quadro colectivo comum de Segurança e Defesa;
f) Participar na construção e consolidação da PESD no seio da UE;
g) Contribuir para que a NATO permaneça como referência da defesa colectiva, essencial à preservação dos laços transatlânticos;
h) Manter, em termos regionais, uma capacidade de actuação estratégica que evite vazios de qualquer natureza, através do reforço das capacidades económicas e dos mecanismos de segurança e defesa, que estimule a liberdade de acção política, fomente a estabilidade, o desenvolvimento sustentado, a coesão e a identidade nacional e garanta os compromissos e responsabilidades assumidos internacionalmente;
i) Aprofundar e consolidar o relacionamento com o mundo lusófono, estreitando os laços culturais, históricos e económicos;
j) Desenvolver o relacionamento com os países da Bacia do Mediterrâneo com importância para a defesa dos interesses nacionais;
l) Definir áreas de interesse de aquisição da informação estratégica, com indicação de prioridades de esforço de pesquisa, que permita prospectivar mudanças na conjuntura estratégica internacional, as suas tendências e que possibilite optimizar, assim, a aplicação do potencial estratégico nacional; com oportunidade, eficiência e eficácia, quer na preservação, quer na prossecução dos interesses e dos objectivos nacionais;
m) Acompanhar as diversas comunidades de, imigrantes em Portugal, promovendo a sua integração social e cultural e acautelando os valores que sustentam a identidade nacional.
V - GRANDES LINHAS DE ACÇÃO ESTRATÉGICA
O Conceito Estratégico a adoptar deve definir os aspectos fundamentais da estratégia global do Estado adoptada para a consecução dos objectivos da Política de Segurança e Defesa Nacional:
No cumprimento do disposto no n.º 4 do artigo 8.º da Lei n.º 29/82, de 11 de Dezembro (Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas), e no contexto dos Capítulos anteriores, o Governo apresenta as seguintes grandes linhas de acção estratégica:
A) No domínio estrutural
1) Criar condições para que ao mais alto nível da governação possam ser assumidas as responsabilidades pelo acompanhamento e coordenação dos aspectos interministeriais da segurança;
2) Definir quadros conceptuais e legais e instituir um Sistema Nacional de Gestão de Crises e um Sistema Nacional de Mobilização e Requisição, peças fundamentais no incremento da, qualidade e da capacidade de resposta estratégica do Estado;
3) Reorganizar e coordenar os serviços nacionais de informações ligados à segurança interna, segurança externa e estratégicos de defesa e optimizar o seu produto efectivando em permanência um esforço de análise prospectiva, que permita orientar, as políticas de segurança e defesa e o desenvolvimento e emprego das Forças Armadas em particular;
4) Desenvolver um planeamento civil de emergência que, global e coerentemente, contribua para garantir, em situação de crise ou em tempo de guerra, a continuidade governativa, a sobrevivência e a resistência da, Nação, a protecção das populações, a salvaguarda do património e o apoio à componente militar da segurança e defesa nacional, bem como a recuperação das estruturas do Estado com vista à reposição do seu normal funcionamento;
5) Prosseguir e concretizar a reforma estrutural das Forças Armadas, sendo prioritária a implementação do novo conceito de serviço militar profissionalizado, através da divulgação dos valores da Instituição Militar e da adequada atribuição dos recursos financeiros e materiais, que fomentem e promovam o voluntariado e o processo de contrato;
B) No domínio diplomático
1) Afirmar a identidade nacional no contexto ibérico, europeu e mundial;
2) Contribuir para a edificação de um sistema internacional que promova a segurança, a estabilidade, a solução pacífica dos conflitos e a paz. A segurança, agora entendida no seu conceito mais alargado, inclui a projecção de estabilidade além das fronteiras pelo que se toma fundamental promover a coordenação estreita entre os instrumentos da política externa do Estado;
3) Contribuir activamente, enquanto membro da UE, para o aprofundamento da construção europeia;
4) Promover o reforço do diálogo transatlântico e o alargamento da cooperação nesse espaço;
5) Participar activamente nas Organizações Internacionais onde estamos inseridos, em particular nos respectivos processos de reestruturação e readequação;
6) Contribuir para o desenvolvimento da CPLP e incrementar o relacionamento bilateral e a cooperação com os PALOP;
7) Aprofundar as relações bilaterais com os países da Europa Central e Oriental;
8) Participar no desenvolvimento de uma parceria estratégica com a Rússia, ao nível da LIE;
9) Contribuir para os processos de diálogo na Bacia do Mediterrâneo;
10) Valorizar o espaço da afirmação das comunidades portuguesas nas sociedades de acolhimento e robustecer os laços culturais e económicos que as ligam a Portugal.
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C) No domínio económico
1) Reforçar a competitividade económica nacional no quadro externo, nomeadamente na Península Ibérica e Europa, no sentido de reduzir vulnerabilidades nos sectores estratégicos;
2) Melhorar as condições que permitam um maior investimento nacional e uma presença eficaz das empresas portuguesas no exterior;
3) Definir condições favoráveis ao investimento estrangeiro em Portugal, tendo em atenção as necessidades da economia e do sistema produtivo nacionais;
4) Estimular a participação da comunidade científica e das empresas nacionais nos projectos ligados à Segurança e Defesa Nacional, através de parcerias estratégicas e projectos cooperativos, como forma de desenvolver a base científica, tecnológica e empresarial;
5) Contemplar na concessão e no licenciamento de empresas, consideradas fundamentais para a segurança e defesa nacional, requisitos que permitam a fiscalização da sua actuação. Neste domínio afigura-se também necessário proceder ao seu registo e ao acompanhamento da sua actividade;
6) Garantir que os projectos de acessibilidades - rodoviárias, ferroviárias e marítimas - têm em conta os imperativos de defesa nacional, em particular atenta a descontinuidade do território nacional;
7) Garantir uma adequada gestão das capacidades nacionais (energéticas, alimentares, de saúde e outras), assegurando a existência de reservas estratégicas para fazer face a situações de crise, emergência ou conflito armado;
8) Desenvolver acções de planeamento e gestão das matérias-primas e dos recursos industriais, no quadro da globalização da economia e das interdependências, por forma a reduzir vulnerabilidades e a garantir em todas as circunstâncias o funcionamento do sector industrial;
9) Preservar os recursos naturais nacionais e aperfeiçoar as condições que tomem mais qualificado 0 ordenamento do território, no âmbito de uma política de desenvolvimento sustentado;
10) Estimular a indústria nacional para o desenvolvimento de áreas de tecnologia de ponta de aplicação dual que favoreçam o reequipamento e a modernização das Forças Armadas.
D) No domínio da saúde, educação, cultura e valores
1) Promover o bem-estar da população, factor fundamental do potencial estratégico nacional; garantindo a sua capacidade de resistência em situações adversas, especialmente na adopção de medidas que previnam o aparecimento de doenças epidemiológicas, sustenham e reduzam a toxicodependência e limitem acções resultantes da utilização criminosa de agentes biológicos e químicos sobre a população e sobre as Forças Armadas;
2) Reforçar a coesão nacional e desenvolver o sentido da Cidadania, incluindo as Comunidades Portuguesas espalhadas pelo Mundo;
3) Sensibilizar os Cidadãos para a necessidade actual de uma política de segurança e de defesa nacional de carácter global, através da informação e esclarecimento contínuos, com destaque para a componente militar;
4) Desenvolver o culto dos valores éticos, morais e legais que fomente e promova a protecção da paz a par do reconhecimento da solidariedade internacional, aliando-o à preservação dos valores e objectivos nacionais, que encontram na determinação nacional, e política e na capacidade operacional da instituição militar a expressão visível da nossa vontade colectiva de defesa;
5) Maximizar sinergias entre os Ministérios da Educação e da Defesa Nacional para uma programação, organização e realização de acções de formação para a cidadania;
6) Valorizar e preservar o património histórico e cultural nacional, no TN e no Mundo;
7) Promover, ao nível educativo, a responsabilidade cívica, a exigência e a qualidade;
8) Melhorar o sistema educativo e valorizara formação técnico-profissional;
9) Desenvolver competências para a Sociedade da Informação;
10) Divulgar, junto de todos os sectores da população, a História de Portugal, reforçando a identidade e a consciência nacionais.
E) No domínio militar [As Forças Armadas devem constituir um importante instrumento da política externa do Estado e constituir um veículo de afirmação do prestigio e credibilidade nacionais no exterior. Para esse efeito devem garantir uma disponibilidade operacional que evidencie o empenho nacional em contribuir activamente para os esforços da comunidade internacional na preservação da paz e estabilidade mundial. Paralelamente, devem constituir-se num instrumento de mobilização da vontade nacional para que o País atinja um estatuto de excelência em áreas seleccionadas e devem contribuir para a formação de um "espírito de segurança e defesa" que evite climas que possam reverter em prejuízo dos interesses estratégicos nacionais].
1) Garantir a defesa militar da República, assegurando o cumprimento das missões cometidas às Forças Armadas pela Constituição, através do levantamento do Sistema de Forças Nacional, a partir do novo conceito de serviço militar profissionalizado;
2) Consolidar uma estratégia militar defensiva, credível, que sirva a dissuasão, consubstancie o equilíbrio estratégico regional [Por credível e servir a dissuasão entende-se, para o sistema de forças nacional, uma dimensão e um grau de resistência suficiente, com capacidade de actuação conjunta e combinada, que permita caracterizar a ameaça ou a agressão, em situação de crise e de guerra, que dê tempo a que possam funcionar os mecanismos político-diplomáticos de contenção e a solidariedade dos aliados e, ainda, poder crescer por convocação e mobilização, ampliando a sua capacidade de resposta, àquelas situações] e
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esteja devidamente integrada nos sistemas colectivos de segurança e defesa;
3) Prosseguir a reorganização das Forças Armadas de acordo com a actual realidade estratégica isto é colocando a tónica no domínio dá organização modular, na existência de capacidades diversificadas, no interoperável e interconjugável, a parda necessidade de responder, de forma equilibrada, a todo o espectro do conflito, do assimétrico ao convencional, cobrindo também as exigências das missões de Petersberg;
4) Defender, em permanência, o espaço de soberania, garantir a utilização do espaço de circulação entre as várias parcelas do TN, dispondo da capacidade para reforçar cada uma delas e ser capaz de sustentar as operações militares que houver necessidade de efectivar, tendo em consideração a tipologia das ameaças que poderão ser desenvolvidas e a sua probabilidade de ocorrência;
5) Garantir a actuação integrada com os aliados, satisfazendo os compromissos assumidos no quadro da OTAN e da UE e assegurando uma efectiva participação nacional nos projectos DCI e Headline Goals (HG);
6) Participar, no plano militar, na prevenção e no combate ao terrorismo transnacional;
7) Prever a participação das Forças Armadas na segurança interna em reforço ou complemento das Forças de Segurança, de acordo com quadro jurídico, cadeia de comando e articulação operacional bem definidos;
8) Participar nas operações humanitárias e de apoio à paz, no âmbito da diplomacia preventiva, sob a égide da ONU e OSCE;
9) Estabelecer relações bilaterais de defesa com países situados nas áreas de interesse estratégico de Portugal, com prioridade para a realização de acções de cooperação técnico-militar, quer com os PALOP, quer no seio da CPLP;
10) Garantir a capacidade para executar operações conjuntas de carácter limitado, de iniciativa nacional, ou num quadro multilateral com países aliados ou amigos, com vista à evacuação de cidadãos nacionais envolvidos por situação de agravamento de tensão ou crise, em territórios estrangeiros;
11) Colaborar em missões de interesse público;
12) Responder aos vectores de empenhamento considerados, mantendo uma capacidade de intervenção militar através da criação de uma força conjunta de Reacção Imediata, para utilização num prazo muito curto, e de uma força conjunta de Reacção Rápida, a activar num prazo mais alargado, que materialize uma capacidade de projecção estratégica de forças, com base em meios nacionais. Paralelamente, desenvolver as capacidades de defesa territorial e de vigilância e defesa à distância numa perspectiva conjunta [Esta circunstância requer que a metodologia tradicional de planeamento de forças seja aperfeiçoado de modo a torna-lo mais flexível e abrangente, a desenvolver com base na ideia de criação de um conjunto integrado de capacidades susceptíveis, de utilização num leque tão alargado quanto possível de situações];
13) Nesta linha, o SFN deve prever três capacidades conjuntas principais projecção de forças que assegure resposta a solicitações de intervenção, quer num quadro internacional, quer num quadro autónomo; de vigilância e defesa à distância vocacionada para o Espaço de Circulação; e ainda de defesa territorial para actuar no Espaço de Soberania;
14) Criar condições para que o Orçamento destinado à componente militar da segurança e defesa nacional tenha uma expressão em percentagem do PIB semelhante à média dos países europeus membros da Aliança Atlântica e da União Europeia, assumindo também uma repartição das despesas de investimento, operação e manutenção e de pessoal semelhante à desses países, garantindo deste modo um continuo processo de modernização e o nosso empenhamento, na defesa e prossecução dos interesses e objectivos nacionais no EEIN [Por criar condições, entenda-se, procurar o consenso político nacional quanto à necessidade de crescimento do orçamento destinado à Defesa e um pacto de regime e de legislatura, que permita a adequação dos valores actuais, a esse desígnio, num prazo de 5 a 8 anos];
15) Garantir uma participação militar permanente, quantitativa e qualitativamente representativa nas estruturas internacionais de defesa de que Portugal faz parte, com prioridade para a NATO e UE, como forma de promoção da imagem do Pais e de procura da melhor articulação possível dos interesses nacionais com os interesses do colectivo, através de uma participação activa nos respectivos processos de decisão;
16) Garantir a participação em projectos cooperativos, de âmbito multinacional, como forma de aceder a sistemas e equipamentos de defesa modernos que garantam a interoperabilidade, conjunta e combinada;
17) Racionalizar o acervo de infra-estruturas afecto à defesa, nacional, aumentando a eficiência organizacional e reduzindo os encargos de operação e sustentação;
18) Modernizar a base tecnológica, desenvolvendo actividades de I&D, e reestruturar o sector da Indústria de Defesa.
Documento apresentado pelo PS tendo em vista a concretização de um debate parlamentar sobre a matéria
1 - O Conceito Estratégico de Defesa Nacional que está em vigor foi aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 9/94, tendo sido publicado no Diário da República, I Série - B, n.º 29, de 4 de Fevereiro de 1994. A sua aprovação foi antecedida do debate na Assembleia da República sobre as Grandes Opções do Conceito Estratégico de Defesa Nacional, realizado no dia 4 de Junho de 1993 (DAR, I Série, n.º 80, de 5 de Junho de 1993).
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2 - O Conceito Estratégico de Defesa Nacional, de acordo com a Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, integra a definição dos aspectos fundamentais de estratégia global do Estado adoptada para a consecução dos objectivos da política de defesa nacional.
Na sequência da definição do Conceito Estratégico de Defesa Nacional são aprovados:
- O conceito estratégico militar;
- As missões das Forças Armadas;
- O sistema de forças;
- O dispositivo.
3 - O Conceito Estratégico de Defesa Nacional constitui, assim, a matriz de referência para o estabelecimento da política de defesa nacional, determinando as opções políticas fundamentais para o sector.
4 - A evolução que se tem vindo a registar nas estruturas de segurança em que Portugal participa, as significativas modificações verificadas no ambiente internacional e as alterações a considerar nas Forças Armadas motivam a introdução de ajustamentos no Conceito Estratégico de Defesa Nacional, dado que o conceito actual:
- É anterior a passos significativos conducentes ao reforço da Identidade Europeia de Segurança e Defesa (IESD) e à melhoria e eficácia da Política Externa e de Segurança Comum (PESC), designadamente resultantes do Tratado de Amsterdão e das Cimeiras de Colónia, Helsínquia, Santa Maria da Feira e Nice.
- É anterior ao processo que levou à extinção da UEO e estabeleceu a criação de uma capacidade operacional própria até 2003, por parte da União Europeia, permitindo iniciativas europeias no âmbito de missões de paz, humanitárias e de gestão de crises.
- É anterior à Cimeira de Washington onde foi aprovado um novo Conceito Estratégico da Aliança Atlântica que destaca, entre outros aspectos, a disposição de os aliados europeus assumirem maiores responsabilidades no domínio da segurança e defesa, o que permitirá dar outra expressão às responsabilidades partilhadas e ao desenvolvimento da IESD no seio da OTAN; além da própria Aliança se posicionar para actuar na prevenção e gestão de crises fora das tarefas tradicionais de defesa colectiva directa dos seus membros.
- Não contempla devidamente o papel mais interventivo assumido pela ONU em iniciativas visando a paz, a estabilidade e a segurança internacional e o respeito pelos direitos humanos, através de operações humanitárias e de paz.
- Não sopesa o recurso aos mecanismos promotores da segurança e da estabilidade internacional, como a OSCE e as parcerias e cooperação estabelecidas com os países da Europa Central e Oriental, bem como a Iniciativa de Diálogo do Mediterrâneo.
- É anterior à iniciativa norte-americana de defesa antimíssil, um dado novo no quadro da segurança e da dissuasão internacional e, portanto, no seio da OTAN e da União Europeia.
- Não tem devidamente em conta um ambiente internacional de grande mutação, fortemente influenciado pela facilidade de acesso à informação e pela velocidade da sua transmissão, favorecendo a chamada globalização, geradora da crescente mundialização de recursos económicos e financeiros e da interdependência de países e organizações, mas também de movimentos de rejeição.
- É anterior ao acentuar do clima de grande preocupação global relacionado com as redes de crime e de terrorismo internacional e com a proliferação das armas de destruição maciça (nucleares, biológicas e químicas) e dos seus meios de utilização.
- É desajustado ao cumprimento de obrigações de defesa por parte dos cidadãos, hoje previstas apenas dentro do âmbito voluntário e profissional.
- Não privilegia as restruturações a introduzir nas Forças Armadas, tendo em conta a eficácia e a racionalização de meios e recursos, a profissionalização do serviço militar, as novas missões, a redefinição da estrutura de comando e a sua adequação ao empenho de forças em termos conjuntos e combinados.
5 - As alterações a introduzir no Conceito Estratégico de Defesa Nacional deverão ter em consideração as seguintes orientações:
a) Incluir as inovações mais significativas que se deram na estrutura doutrinária das organizações de defesa que Portugal integra, seja no plano atlântico ou no plano europeu;
b) Considerar a importância do aprofundamento da construção política da União Europeia, nomeadamente em matérias de segurança e defesa;
c) Acompanhar o papel cada vez mais activo da ONU na criação de condições para a estabilidade e a segurança internacional, designadamente através de operações de ajuda humanitária e de manutenção de paz e a filosofia a elas subjacente, de co-responsabilização de países e de sistemas de segurança;
d) Ter em atenção a evolução da situação internacional ditada pelas novas ameaças e situações de instabilidade na África Subsaariana, Balcãs, Médio Oriente, Cáusaco e Ásia Central;
e) Ter em conta os recentes desenvolvimentos nas relações com os países mediterrânicos e, designadamente, os do Mediterrâneo Ocidental;
f) Ter em atenção que as ameaças relacionadas com as redes de terrorismo internacional obrigam a uma actuação internacional concertada e solidária, envolvendo todos os países empenhados no respeito pelo direito e pela estabilidade e segurança internacional, dado que essas ameaças, ainda que sendo de elevado risco, são cada vez mais difíceis de identificar e de combater;
g) Acompanhar as diversas iniciativas internacionais tendentes a gerar a confiança, a cooperação e o diálogo e a contribuir para a estabilidade e segurança internacional, bem como as iniciativas de limitação dos armamentos, desarmamento e não proliferação;
h) Considerar que a promoção e sustentação dos interesses nacionais a nível internacional passa também
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por uma atenção especial à promoção da língua e dos valores portugueses junto das comunidades portuguesas radicadas no estrangeiro, pela promoção destas nos países em que estão inseridos e por uma política de relacionamento privilegiado com os países de língua portuguesa;
i) Considerar a modernização e reestruturação das Forças Armadas à luz de critérios de racionalidade e de eficácia, tendo em conta as missões que lhes são constitucionalmente confiadas, a existência a muito curto prazo (2004) da exclusividade de regime de contrato profissional na prestação do serviço militar, os novos riscos e ameaças e as novas missões decorrentes de iniciativas desenvolvidas no âmbito da ONU e sistemas de defesa em que Portugal está integrado.
Assim, ao abrigo do n.º 4 do artigo 8.º da Lei n.º 28/82, de 11 de Dezembro, apresento à Assembleia da República as Grandes Opções do Conceito Estratégico de Defesa Nacional:
I - A defesa nacional - que é obrigação do Estado assegurar - tem por objectivos garantir, no respeito pela ordem constitucional das instituições democráticas e das convenções internacionais, a integridade do território e a liberdade e a segurança das populações contra qualquer agressão.
A política de defesa nacional rege-se por princípios fundamentais e objectivos permanentes, constantes da Constituição e da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, e abrange um conjunto de orientações e medidas que a concretizam.
A política de defesa nacional:
a) Tem carácter permanente, exercendo-se a todo o tempo e em qualquer lugar;
b) Tem natureza global, abrangendo uma componente militar e componentes não militares;
c) Tem âmbito interministerial, cabendo a todos os órgãos e departamentos do Estado promover as condições indispensáveis à respectiva execução.
O carácter nacional da política de defesa decorre dos seguintes objectivos permanentes:
a) Garantir a independência nacional;
b) Assegurar a integridade do território;
c) Salvaguardar a liberdade e a segurança das populações, bem como a protecção dos seus bens e do património nacional;
d) Garantir a liberdade de acção dos órgãos de soberania, o regular funcionamento das instituições democráticas e a possibilidade de realização de tarefas fundamentais do Estado;
e) Contribuir para o desenvolvimento das capacidades morais e materiais da comunidade nacional, de modo a que possa prevenir ou reagir pelos meios adequados a qualquer agressão ou ameaça externa;
f) Assegurar a manutenção ou o restabelecimento da paz em condições que correspondam aos interesses nacionais.
II - O Conceito Estratégico de Defesa Nacional adopta os seguintes aspectos fundamentais da estratégia global do Estado como adequados à consecução dos objectivos permanentes da política de defesa nacional:
a) Garantir a independência nacional e criar condições políticas, económicas, sociais e culturais que a promovam;
b) Garantir os direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelos princípios do Estado de direito democrático;
c) Defender a democracia política, assegurar e incentivar a participação democrática dos cidadãos na resolução dos problemas nacionais;
d) Promover o bem-estar, a qualidade de vida e a igualdade de acesso dos portugueses aos meios que promovam o seu desenvolvimento e valorização plenos, designadamente o ensino, bem como a efectivação dos direitos económicos, socais e culturais no âmbito de um Estado moderno, competitivo e com preocupações sociais;
e) Proteger e valorizar o património cultural do povo português, defender a natureza e o ambiente, preservar os recursos naturais e assegurar o correcto ordenamento do território;
f) Defender o uso e promover a difusão internacional da língua portuguesa;
g) Contribuir para o aprofundamento político da União Europeia e para a construção de uma identidade europeia de segurança e defesa compatível com os compromissos e os laços transatlânticos;
h) Assumir um protagonismo activo no estabelecimento de um sistema internacional que garanta a paz, a prevenção de conflitos ou a solução negociada destes no âmbito das Nações Unidas ou da OSCE;
i) Aprofundar os laços que Portugal mantém com aliados tradicionais e países histórica e culturalmente próximos, como são os membros da comunidade de países de língua portuguesa.
III - O Conceito Estratégico de Defesa Nacional tem as seguintes linhas de acção essenciais:
a) O reforço da coesão dos portugueses residentes no território nacional, bem como dos pertencentes às comunidades. Para o efeito, afigura-se da maior importância o desenvolvimento de iniciativas que possibilitem e promovam o aprofundamento da consciência nacional e de valores políticos, culturais e morais que a fundamentem. É essencial a manutenção e o reforço da vontade nacional visando a independência de Portugal e a determinação dos portugueses para defender a Pátria sempre que necessário;
b) A compatibilização de políticas sectoriais das áreas estratégicas da actuação do Estado visando o aumento das capacidades de defesa, tendo particularmente em atenção as características do território português, os compromissos assumidos internacionalmente e a necessidade de garantir reservas estratégicas vitais;
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c) A afirmação do primado da independência nacional nas relações externas, bem como o respeito dos direitos do homem, do direito dos povos à emancipação e à independência, da igualdade entre Estados, da solução pacífica de conflitos internacionais, da não ingerência nos assuntos internos dos outros Estados e da cooperação com todos os outros povos para o desenvolvimento e o progresso da humanidade;
d) A participação de Portugal em sistemas de segurança colectiva e em tratados e acordos de defesa tendo em vista a criação de uma ordem internacional respeitadora dos direitos do homem e capaz de assegurar a paz e a justiça a nível internacional;
e) O desenvolvimento de uma política para as Forças Armadas que assegure a plena concretização das tarefas que lhe estão cometidas, quer no plano militar quer nas missões de apoio a populações, acompanhada da valorização profissional e pessoal dos seus efectivos e do reforço da imagem da instituição.
IV - Considerando embora as características próprias de cada sector governamental e a sua gestão específica, o Conceito Estratégico de Defesa Nacional sublinha a importância das seguintes grandes áreas não militares de intervenção do Estado em matéria de defesa nacional:
1 - No plano político geral:
a) O estímulo ao desenvolvimento de uma opinião pública esclarecida e motivada em assuntos de defesa nacional;
b) A divulgação dos factos mais salientes sobre a identidade nacional dos portugueses, bem como a sua história, contacto com outras civilizações e participação nos grandes acontecimentos da História Universal;
c) A divulgação das missões cometidas às Forças Armadas, na perspectiva de esclarecimento do papel essencial para a continuidade e afirmação dos traços históricos e culturais de Portugal no seio da comunidade internacional;
d) A promoção das novas oportunidades que se apresentam aos jovens que prestam serviço militar, decorrente dos elevados níveis de exigência de formação e tecnológicos que caracterizam os novos equipamentos das Forças Armadas, a par do conjunto de incentivos existentes.
2 - No plano económico e social:
a) A promoção adequada dos sectores científicos, tecnológicos e industriais directamente relacionados com áreas das indústrias de defesa, de modo a possibilitar o desenvolvimento de projectos próprios ou em parcerias internacionais e considerando também a possibilidade de prestação de serviços a áreas não militares;
b) O fortalecimento do sistema interno e externo de transportes e comunicações, tendo designadamente em conta a descontinuidade do território português, as necessidades de abastecimento de recursos vitais e os interesses e responsabilidades inerentes à zona económica exclusiva;
c) A previsão de reservas estratégicas ou de mecanismos que possam assegurar áreas vitais como a energia, as matérias-primas e os bens alimentares;
d) A previsão de mecanismos e de meios que constituam respostas adequadas a novas situações decorrentes de acções terroristas, tendo em vista nomeadamente assegurar um ambiente de confiança propício à manutenção do normal desenvolvimento da economia, da actividade da população e do funcionamento das instituições.
3 - No plano das relações internacionais:
A afirmação de Portugal na comunidade internacional e a defesa dos valores e interesses nacionais passa pelo respeito do direito internacional e pelo empenho na defesa dos direitos do homem e da paz e segurança internacional, considerando nomeadamente:
a) A participação na Organização das Nações Unidas, na Organização de Segurança e Cooperação Europeia e em outras instituições internacionais vocacionadas para o reforço da segurança global e regional;
b) A participação na Aliança Atlântica e noutras organizações e iniciativas vocacionadas para a dissuasão e a negociação no plano internacional;
c) A participação na Política Europeia de Segurança e Defesa (PESD), bem como no aprofundamento da cooperação política europeia e da união política, nos termos fixados nos tratados da União Europeia;
d) O estabelecimento de tratados e acordos bilaterais de defesa com outros países a que nos liguem laços especiais de amizade, de que se destaca a particular relação com os países da CPLP;
e) A promoção e valorização das capacidades e dos valores das comunidades portuguesas nos países de acolhimento e o reforço do seu relacionamento com Portugal.
V - O ambiente internacional confere uma dimensão específica que deve ser devidamente considerada no Conceito Estratégico de Defesa Nacional, tendo em conta:
a) A nova situação criada com o fim da confrontação bipolar e o lançamento de iniciativas de parceria e cooperação com os países da Europa Central e Oriental, bem como o diálogo com os países do Mediterrâneo, visando o reforço da confiança e da segurança na área euro-atlântica;
b) O emergir de conflitos regionais e de outras tensões que afectam a área de segurança europeia e atlântica, motivados pelo reassumir de antagonismos, por reformas políticas fracassadas, por dificuldades
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económicas, excesso demográfico ou mesmo por reivindicações de recursos hídricos;
c) A proliferação de armas nucleares, biológicas e químicas e dos seus meios de utilização e a existência de um tráfico destas armas, facilitado pelo progresso tecnológico e pela fragilização de Estados;
d) A existência de grupos diversos que, apoiados ou não por Estados, detêm elevados meios financeiros e manifestam capacidades para utilizarem armas de destruição maciça, bem como outros meios, com a finalidade de provocarem o terror e a consequente destruição das condições económicas, socais e políticas que possibilitam a existência do ambiente de confiança e de segurança internacional e, em último caso, dos Estados modernos e democráticos;
e) O crescente poder económico e influência de redes internacionais criminosas, designadamente relacionadas com o tráfico de droga ou com a emigração ilegal, que ameaçam, cada vez mais, a estrutura dos Estados;
A política de defesa nacional deverá, assim, considerar:
a) A procura de um sistema internacional alargado, envolvendo a organização das Nações Unidas e, porventura, outros fóruns internacionais, como a Organização para a Segurança e Cooperação Europeia, fundamentado no aprofundamento da cooperação e da solidariedade e a segurança internacional, tendo em consideração, além, das soluções negociadas e dos mecanismos de prevenção e gestão de crises, uma abordagem multidimensional das situações - nos planos económicos, financeiro, político ou cultural;
b) A manutenção do elevado nível de relacionamento existente com os aliados tradicionais de Portugal, tendo em conta o posicionamento atlântico e europeu de Portugal e a participação como membro de pleno direito na OTAN desde a fundação deste sistema de segurança;
c) O aprofundamento de políticas europeias comuns em matéria de relações externas e de defesa visando a construção de uma identidade europeia de segurança e defesa, com acrescidos meios e responsabilidades, e no quadro dos compromissos atlânticos;
d) O reforço das iniciativas tendentes a desenvolver o diálogo, a confiança e as vertentes de cooperação existentes com os países do Mediterrâneo, no sentido de estreitar o conhecimento mútuo e uma maior participação no processo cooperativo;
e) A consolidação e ampliação das iniciativas de cooperação com os países de língua oficial portuguesa, ao nível das relações bilaterais e no quadro da CPLP, considerando o seu contributo para a criação de um espaço de estabilidade e segurança, bem com a afirmação dos valores lusófonos na comunidade internacional.
f) O aprofundamento das relações com os países da Europa Central e Oriental, no sentido de explorar todos os mecanismos de cooperação tendentes a criar um cada vez mais alargado espaço europeu e atlântico de segurança e estabilidade, onde seja possível desenvolver os valores democráticos e reforçar as reformas económicas e sociais, com base na confiança mútua e tendo em conta o apoio à limitação de armamentos, ao desarmamento e à não proliferação, propiciando um processo internacional de limitação de armamentos mais alargado e verificável.
VI - Tendo em vista assegurar uma capacidade dissuasora, autónoma e credível, o Conceito Estratégico de Defesa Nacional realça a necessidade de serem prosseguidas as seguintes orientações relativamente às componentes militares da defesa:
a) Adopção de um conceito estratégico militar que, tendo em conta as características do território nacional, permita uma intervenção rápida em qualquer ponto do mesmo, de modo a garantir uma estratégia militar defensiva credível, e exercer em plenitude as missões de defesa aérea e patrulhamento no espaço interterritorial;
b) Modernização das Forças Armadas, com renovação e adequação do sistema de forças e do seu dispositivo tendo em vista a referida estratégia militar defensiva credível, bem como a participação em missões decorrentes da evolução da situação internacional, no âmbito da OTAN ou da União Europeia, respeitando a necessidade de definir prioridades e especializações considerando as referidas missões.
c) Adequação da estrutura de comando das Forças Armadas às novas condições de empenho de forças em termos conjuntos e combinados, com autonomia de cada um dos ramos, e à utilização de forças no quadro de missões de gestão de crises, humanitárias e de paz ou outras que vieram a ser consideradas sob a égide da ONU;
d) Assegurar os compromissos internacionais assumidos, nomeadamente no quadro do relacionamento atlântico da OTAN e do reforço de uma identidade europeia de segurança e defesa no âmbito da União Europeia;
e) Existência de Forças Armadas baseadas no serviço militar voluntário e profissional, devidamente enquadradas por condições de valorização pessoal e profissional tendo em vista a continuidade da dignificação da condição militar, sem esquecer as situações específicas dos antigos combatentes;
f) Articulação com a segurança interna e com a respectiva dimensão civil da abordagem das situações decorrentes das novas ameaças, nomeadamente de grupos e redes transnacionais empenhadas na criação do terror ou na perda da capacidade do funcionamento do Estado e das instituições democráticas;
g) Tratamento de informações, tendo em atenção a evolução do ambiente internacional, as áreas tradicionais da presença portuguesa, os compromissos assumidos internacionalmente e o reforço da cooperação internacional a que obrigam as novas ameaças;
h) Articulação entre a defesa militar e as forças militarizadas e de segurança tendo por finalidade a
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plena mobilização dos recursos nacionais em situações de crise, conflito ou ameaça grave à segurança interna;
i) Articulação com os serviços da protecção civil ou outras entidades do Estado com vista à utilização de recursos e equipamentos em situações de catástrofe, de apoio às populações e de protecção ambiental ou do património;
j) Assegurar a capacidade para desenvolver operações conjuntas, de carácter limitado, com vista à evacuação de cidadãos nacionais envolvidos em situações de crise, em territórios estrangeiros;
k) Desenvolvimento, na indústria nacional, de capacidades para a defesa do País e que possam também integrar parcerias internacionais estratégicas de indústrias de defesa, designadamente a nível europeu;
l) Valorização de contrapartidas resultantes da aquisição de equipamentos que possam trazer valor acrescentado nos planos da defesa, tecnológico, da investigação e empresarial;
m) Participação em iniciativas de cooperação com Forças Armadas de países aliados e amigos e, em particular, os países de língua oficial portuguesa, no âmbito bilateral ou no quadro da CPLP, considerando neste enquadramento particular, quer acordos de âmbito técnico-militar quer acções visando o reforço da afirmação e presença dos valores históricos e civilizações em que assenta a comunidade lusófona.
Assembleia da República, 12 de Novembro de 2002. - O Presidente do Grupo Parlamentar, António Costa.
A Divisão de Redacção e Apoio Audiovisual.