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Quinta-feira, 20 de Dezembro de 2007 II Série-C — Número 18
X LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2007-2008)
SUMÁRIO Comissões parlamentares: Comissão de Orçamento e Finanças: Notas técnicas da UTAO sobre a Análise do Programa de Financiamento do Estado de 2007 e sobre as Audições da Autoridade da Concorrência e da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários.
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COMISSÃO DE ORÇAMENTO E FINANÇAS
Unidade Técnica de Apoio Orçamental NOTA TÉCNICA
Análise do Programa de Financiamento do Estado de 2007
Esta Nota Técnica foi enviada à Comissão de Orçamento e Finanças no dia 30 de Março de 2007, tendo sido elaborada com base na informação disponível até essa data.
Todas as remissões para o Programa de Financiamento do Estado de 2007 referidas neste documento referem-se à versão disponibilizada pelo Instituto de Gestão do Crédito Público (IGCP) no seu Site na Internet em: http://www.igcp.pt/fotos/editor2/Menu%20Lateral/Gestao%20divida%20publica/Programa_de_Financiamento/P
rograma_financiamento_2007_PT.pdf A análise efectuada é da exclusiva responsabilidade da Unidade Técnica de Apoio Orçamental não reflectindo necessariamente a posição da Comissão de Orçamento e Finanças ou a da Assembleia da República. A UTAO, criada pela Resolução da Assembleia da República n.º 53/2006, de 7 de Agosto de 2006, é composta pelos Consultores técnicos, Nuno Sampayo Ribeiro, Carlos Marinheiro e Fernando Coalho.
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Sumário executivo
1 — Em execução da orientação da Comissão de Orçamento e Finanças (COF), esta Nota Técnica procede ao enquadramento e à análise geral sobre o Programa de Financiamento do Estado para 2007.
I — Enquadramento e Contexto
2 — O Programa de Financiamento do Estado é um instrumento da política financeira pública. Procede à definição da estratégia de financiamento e gestão da dívida directa, nomeadamente as opções quanto aos instrumentos usados na obtenção do financiamento exigido pela execução orçamental, as suas maturidades, o momento de emissão, os procedimentos de colocação da dívida, o marketing da dívida e o relacionamento com os intermediários financeiros que actuam no mercado português.
3 — A República Portuguesa financia-se no mercado do euro, onde concorre pela mesma base de investidores, com outros 12 Estados-membros. Neste contexto, a República Portuguesa é um pequeno emitente soberano, o que associado ao seu rating mais reduzido (neste espaço) explica a reduzida expressão na carteira global dos investidores institucionais. Hoje, próximo de 90% da base de investidores em dívida pública portuguesa é constituída por não-residentes, para o que contribui a inexistência de barreira cambial e a estratégia de internacionalização do mercado seguida pelo IGCP. 4 — No essencial, a capacidade de influenciar o custo de financiamento do Estado situa-se ao nível do diferencial pago sobre as taxas de juro de referência do mercado do euro. Este diferencial está dependente da eficiência de funcionamento do mercado e dos procedimentos seguidos na emissão e gestão da dívida pelo IGCP.
5 — O impacto sobre os encargos suportados pelo Orçamento do Estado da subida do endividamento põblico tem, nos õltimos anos, sido parcialmente atenuado por um efeito ―preço‖ favorável. Contudo, os mercados financeiros esperam que, em 2007, persista na área do euro a subida, iniciada em 2006, das taxas de juro da dívida pública.
II — Necessidades e Fontes de Financiamento
6 — O IGCP atravçs da Nota Informativa ―Programa de Financiamento da Repõblica Portuguesa para 2007‖, divulgada a 18 de Janeiro de 2007, apresentou as ―linhas gerais da política a seguir em termos da gestão da dívida directa do Estado e da gestão das disponibilidades de tesouraria do Estado‖.
7 — No tocante às necessidades de financiamento do Estado no ano de 2007, o IGCP prevê que se situem em 15 mil milhões de euros, os quais procurará satisfazer por recurso à emissão bruta de instrumentos de dívida de médio e longo prazo e ao financiamento líquido de curto prazo. Este valor é consistente com os dados apresentados no Relatório do Orçamento do Estado para 2007 (OE2007).
8 — A estrutura de emissões, por tipo de instrumento, é semelhante à de anos anteriores. Assim, o IGCP prevê que a emissão de dívida pública volte a centrar-se no mercado das obrigações do Tesouro (OT), com um volume bruto entre 12 a 14 mil milhões de euros. O restante, necessariamente marginal, será obtido através da emissão líquida de Certificados de Aforro e de CEDIC (Certificados Especiais de Dívida Pública). O contributo líquido dos bilhetes do Tesouro (BT) será nulo. 9 — No âmbito do Programa de Financiamento do Estado de 2007, o IGCP anunciou, no entanto, 3 alterações importantes: (i) nos procedimentos de emissão da dívida, nomeadamente da realização de leilões de OT e de BT; (ii) na actuação no mercado secundário dos BT; e (iii) nas suas atribuições e competências, a inclusão da gestão das disponibilidades de tesouraria
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10 — O IGCP anunciou a possibilidade de passar a intervir no mercado secundário, comprando e vendendo BT. A dimensão dos montantes de intervenção, os objectivos que se pretendem atingir e os efeitos que daí poderão eventualmente advir, nomeadamente ao nível do custo de financiamento do Estado, não são mencionados.
11 — Foram anunciadas também alterações quanto aos procedimentos de colocação da dívida, nomeadamente na realização dos leilões de OT e de BT, através de uma maior frequência dos de OT, e de uma menor previsibilidade quanto ao momento dos de BT. O Programa IGCP não procedeu à divulgação da fundamentação para estas opções, ou do seu eventual impacto no mercado e no custo de financiamento do Estado.
12 — A nova prática nos procedimentos de colocação de dívida contraria a anterior que consistia em préanunciar ao mercado e respectivos operadores uma data para a realização dos leilões de BT. A prática que agora se abandona continua, contudo, a ser a actuação standard no mercado do euro por parte dos outros emitentes soberanos.
13 — Os novos Estatutos do IGCP (Decreto-Lei nº 86/2007 de 29 de Março) atribuiram-lhe novas atribuições e competências. Destaca-se nomeadamente a gestão das disponibilidades da tesouraria do Estado, anteriormente da responsabilidade da extinta Direcção-Geral do Tesouro (DGT). — O Programa IGCP apresenta o objectivo de a prosseguir na gestão das disponibilidades de tesouraria: (i) a utilização dos saldos das disponibilidades de tesouraria para reduzir o saldo da dívida; e (ii) a realização de uma aplicação eficiente dos excedentes que se verifiquem.
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Índice SUMÁRIO EXECUTIVO PARTE I INTRODUÇÃO PARTE II 1 — ENQUADRAMENTO 1.1 — ASPECTOS GERAIS 1.2 — CONTEXTO DO FINANCIAMENTO DO ESTADO E DA GESTÃO DA DÍVIDA PÚBLICA 2 — ANÁLISE DO FINANCIAMENTO DO ESTADO EM 2007 2.1 — NECESSIDADES E FONTES DE FINANCIAMENTO 2.2 — ESTRATÉGIA DE GESTÃO 2.3 — EMISSÃO DE OBRIGAÇÕES DO TESOURO (OT) 2.4 — EMISSÃO DE BILHETES DO TESOURO (BT) 2.5 — EMISSÃO DE OUTROS INSTRUMENTOS 2.6 — GESTÃO DO RISCO 2.7 — GESTÃO DAS DISPONIBILIDADES DE TESOURARIA ANEXO — NOTA INFORMATIVA DO IGCP SOBRE O PROGRAMA DE FINANCIAMENTO DO ESTADO EM 2007
Índice de caixas
Caixa 1 — A importância estratégica do mercado especial da dívida pública (MEDIP) Caixa 2 — Principais instrumentos de dívida pública
Índice de tabelas
Tabela 1 — Necessidades e Fontes de Financiamento do Estado
Índice de gráficos
Gráfico 1 — Estrutura do saldo da dívida directa do Estado por tipo de instrumento Gráfico 2 — Colocação de OT em mercado primário pelos OEVT (1998-2005) Gráfico 3 — Emissão de dívida no Período Complementar da Receita Gráfico 4 — Necessidades e Fontes de Financiamento do Estado
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Parte I Introdução 1. Orientação da COF 1 — Nos termos da orientação da Comissão de Orçamento e Finanças (COF) expressa no mandato constante do ponto «7. Apreciação de Relatórios sobre o Programa de Financiamento do Estado e sobre a evolução da Dívida Pública», do Plano de Trabalhos da UTAO (1.º semestre de 2007), consignado no Plano Global de Actividades da UTAO, aprovado na reunião da COF de 14.03.2007, cumpre à UTAO elaborar:
«Notas Técnicas de enquadramento e análise geral sobre os temas, respectivamente, até 30 de Março, sobre o referido Programa, até 10 de Abril, sobre a Dívida Pública do 4.º Trimestre de 2006, e até 30 de Junho, sobre a Dívida Pública do 1.º Trimestre de 2007».
2. Objectivo 2 — O objectivo da presente Nota Técnica é principiar o cumprimento do ponto 7 através da análise geral do Programa de Financiamento do Estado de 2007. Para esse efeito centra-se nas linhas gerais da política a seguir em termos da gestão do dívida directa do Estado e da gestão das disponibilidades de tesouraria do Estado, constantes da Nota Informativa denominada ―Programa de Financiamento da Repõblica Portuguesa para 2007‖, divulgada pelo Instituto de Gestão do Crédito Público em 18 de Janeiro de 2007 (Programa IGCP).
3. Metodologia 3 — A execução da Orientação da COF requereu o estudo técnico da estratégia de financiamento do Estado e de gestão da dívida directa para 2007 apresentadas no Programa IGCP. O estudo que se efectuou incidiu: (i) no enquadramento em que hoje é executado o financiamento do Estado e a gestão da dívida pública, em especial a integração na União Económica e Monetária Europeia; (ii) na comparação com as estratégias de financiamento e gestão da dívida pública prosseguidas por outros emitentes soberanos da área do euro, com os quais a República Portuguesa concorre pela mesma base de investidores; (iii) no apuramento das necessidades e fontes de financiamento do Estado em 2007; (iv) na análise da composição das fontes de financiamento e do seu enquadramento no que tem sido a estratégia de financiamento do Estado e de gestão da dívida pública (prosseguida pelo IGCP desde, pelo menos, 1998); e (vi) na análise dos procedimentos de emissão e de actuação em mercado anunciados para 2007. 4. Plano da exposição 4 — A Nota Técnica encontra-se dividida em duas partes. A segunda parte inclui 2 capítulos. O primeiro procede ao enquadramento do financiamento do Estado em 2007. Analisa os aspectos gerais com realce do contexto em que é executado o financiamento do Estado e a gestão da dívida. O segundo procede à análise do financiamento do Estado em 2007, com base nos elementos disponíveis no Programa IGCP no Relatório do Orçamento do Estado para 2007. Acresce o anexo respeitante ao Programa IGCP.
Parte II 1 — Enquadramento 1.1 Aspectos gerais 1.1 — A execução do Orçamento do Estado para 2007 implica a necessidade de financiamento do Estado no ano orçamental em curso, através da emissão de dívida directa. Nesse sentido, a Lei do OE fixou um limite de endividamento líquido global e estabeleceu as condições gerais a que deve obedecer o financiamento a obter,
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definindo também limites para a exposição cambial, para a dívida flutuante, bem como as condições para a compra em mercado e troca de títulos de dívida.
1.2 — As decisões sobre os instrumentos de dívida a serem usados no financiamento do Estado e seus respectivos limites de financiamento bruto são aprovadas pelo Governo, anualmente, através de uma Resolução do Conselho de Ministros (RCM)1. Esta RCM tem por base o Programa de Financiamento anual proposto à Tutela pelo Instituto de Gestão do Crédito Público (IGCP).
1.3 — O Programa de Financiamento do Estado, proposto pelo IGCP nos termos referidos, é previamente objecto de aprovação pelo Ministério das Finanças. O programa em apreço consagra uma estratégia de financiamento e de gestão da dívida directa do Estado com o propósito principal de assegurar a disponibilização do financiamento exigido pela execução do Orçamento do Estado2. As ―linhas gerais da política a seguir em termos da gestão da dívida directa do Estado e da gestão das disponibilidades de tesouraria do Estado‖ foram divulgadas a 18 de Janeiro de 2007 pelo IGCP (em Anexo).
1.4 — O Programa de Financiamento do Estado é um instrumento da política financeira pública. Procede à definição da estratégia de financiamento e de gestão da dívida3 directa, nomeadamente as opções quanto aos instrumentos financeiros a utilizar na obtenção do financiamento exigido pela execução orçamental, as suas maturidades, o momento de emissão, os procedimentos de colocação da dívida, o marketing da dívida e o relacionamento com os Operadores Especializados em Valores do Tesouro (OEVT) e outros intermediários financeiros (nomeadamente os EBT-Especialistas em Bilhetes do Tesouro) que actuam no mercado da dívida pública portuguesa.
1.5 — A perspectiva histórica confirma que a transparência e a previsibilidade têm constituído valores distintivos da gestão da dívida pública portuguesa. No início do ano, é anunciado publicamente o programa de financiamento anual. Nessa ocasião é dado ênfase à emissão de obrigações de médio e longo prazo transaccionáveis; às necessidades de financiamento anuais esperadas; e aos montantes a serem financiados através da emissão de obrigações do Tesouro (OT). São ainda anunciados os montantes a serem colocados (e, por vezes, também a maturidade) e dimensão final das novas linhas, os mecanismos de colocação de OT — sindicação e leilões — e os intermediários financeiros envolvidos. Trimestralmente é publicado um calendário com informação mais precisa.
1.6 — A consideração do stock de dívida pública e da sua emissão e gestão é relevante para o escrutínio parlamentar das finanças públicas, porquanto a dívida pública, em todo o seu ciclo de vida, tem impacto na actividade financeira do Estado. Primeiro como fonte de financiamento e, depois, como origem de despesa (anualmente no Orçamento do Estado). Ou seja, o endividamento público origina sempre pagamentos futuros, o que por natureza transpõe efeitos sobre as gerações futuras. Por força destas razões, a emissão de dívida pública altera a distribuição intertemporal de recursos numa economia. Neste quadro, a intervenção dos Parlamentos em matéria de endividamento público e de gestão da dívida pública é a expressão do reconhecimento dos interesses em presença na emissão de dívida pública.
1 Relativamente ao Orçamento do Estado de 2007, foi já aprovada e publicada a RCM nº37/2007 de 22 de Fevereiro.
2 Nos termos da Lei-Quadro da Dívida Pública (Lei n.º 7/98 de 3 de Fevereiro), a gestão da dívida pública directa do Estado deverá orientar-se por princípios de rigor e eficiência, assegurando a disponibilização do financiamento requerido por cada exercício orçamental e prosseguindo os seguintes objectivos estratégicos: Minimização de custos directos e indirectos numa perspectiva de longo prazo; Garantia de uma distribuição equilibrada de custos pelos vários orçamentos anuais; Prevenção de excessiva concentração temporal de amortizações; Não exposição a riscos excessivos; Promoção de um equilibrado e eficiente funcionamento dos mercados financeiros.
3 A gestão da dívida pública é habitualmente entendida como o processo de estabelecimento e execução de uma determinada estratégia para a gestão dos instrumentos de dívida pública com o objectivo de obter os fundos exigidos para a satisfação das necessidades de financiamento do Estado, atingindo simultaneamente os objectivos de custo e risco que tenham sido definidos, bem como alcançando outras metas que tenham sido estabelecidas, como, por exemplo, o desenvolvimento e manutenção de um mercado eficiente para os títulos da dívida põblica (cf. Wheeler, Graeme (2004) ―Sound Pratice in Government Debt Management‖, The World Bank).
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1.7 — A estratégia de emissão e de gestão da dívida pública tem também impacto ao nível da sustentabilidade e da qualidade das finanças públicas. No tocante à sustentabilidade das finanças públicas, as opções sobre os instrumentos de dívida usados na obtenção do financiamento público têm impacto no montante e na volatilidade (risco) dos encargos gerados pelos mesmos, a suportar anualmente pelo Orçamento do Estado, bem como na própria acumulação de dívida. No tocante à qualidade das finanças públicas, a forma como o Estado se financia (i.e., os instrumentos que usa, a forma como emite e coloca a dívida, como organiza o mercado da dívida pública e nele intervém) influencia directamente a eficiência do funcionamento do mercado da dívida pública. Eficiência esta que, por sua vez, tem impacto no mecanismo de afectação de recursos da economia.
1.2 Contexto do financiamento do Estado e da gestão da dívida pública 1.8 — Hoje, a satisfação das necessidades de financiamento do Estado é efectuada, na sua maioria, através da emissão de dívida em mercado. Essa circunstância reflecte-se na composição da dívida directa do Estado, na qual cerca de ¾ do total (no final de Fevereiro de 2007), é representado por instrumentos transaccionáveis.
As obrigações do Tesouro (instrumento de dívida transaccionável de médio e longo prazo) representam cerca de 2/3 do total da dívida directa do Estado (ver Gráfico 1).
1.9 — No mercado do euro, onde se financia e concorre com outros 12 Estados-membros pela mesma base de investidores, a República Portuguesa é um emitente soberano de pequena dimensão. Acresce que o seu risco de crédito é dos mais elevados nesta zona monetária (apenas a Itália e a Grécia têm um rating4 inferior).
Ambos os factores indicados explicam a reduzida expressão da dívida pública portuguesa na carteira global dos investidores institucionais, bem como o carácter de ―tomador‖ de preço em mercado.
Gráfico 1 — Estrutura do saldo da dívida directa do Estado por tipo de instrumento 0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
2 8 - Fe v - 0 7 3 1 - D e z - 0 6 3 1 - D e z - 0 5 3 1 - D e z - 0 4 3 1 - D e z - 0 3 3 1 - D e z - 0 2 3 1 - D e z - 0 1
O b r i g a ç õ e s d o T e s o u r o B i l h e t e s d o T e s o u r o C e r t i f i c a d o s d e A f o r r o C E D I C O u t r o s Fonte: IGCP.
Nota: Dados na óptica da contabilidade pública.
1.10 — A capacidade de influenciar o preço/custo de financiamento do Estado situa-se, por isso, fundamentalmente ao nível do diferencial pago sobre as taxas de juro de referência do mercado do euro (por exemplo, sobre as da dívida pública alemã).
4 A expressão ‗rating’ significa uma classificação que mede a capacidade que um emitente de um determinado activo tem quanto a efectuar o serviço da sua dívida e honrar os seus compromissos financeiros. Ou seja, expressa a qualidade de crédito do emitente. Assim o rating é um instrumento de medição do risco de crédito. Observando-se em geral, uma relação directa entre risco de crédito e custo de financiamento.
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1.11 — O diferencial de custo pago pelo Estado face às taxas de juro de mercado depende, para além do risco de crédito da dívida da República, das condições microeconómicas associadas à emissão e negociação dos seus instrumentos de dívida, nomeadamente ao seu grau de liquidez e à eficiência de funcionamento do mercado.
1.12 — Em resultado da estratégia de financiamento do Estado que tem sido implementada pelo IGCP, desde pelo menos 1998, o mercado da dívida pública portuguesa está ―integrado‖ no mercado do euro, atravçs da utilização de instrumentos de dívida, processos de emissão e infra-estruturas de negociação em mercado análogas às dos restantes emitentes de dívida soberana do mercado do euro (ver Caixa 1).
1.13 — A inexistência de uma barreira cambial e a estratégia de internacionalização do mercado seguida pelo IGCP fazem com que próximo de 90% da base de investidores em dívida pública portuguesa seja, actualmente, constituída por entidades não residentes5. Facto este que a torna especialmente sensível (em termos do prémio de risco e correspondente remuneração associada) à eficiência de funcionamento do mercado, e aos procedimentos de emissão e gestão da dívida pública adoptados pelo Estado — através da actuação do IGCP.
Gráfico 2 — Colocação de OT em mercado primário pelos OEVT (1998-2005)
4 5 .3 % 7 2 .7 % 8 2 .8 % 8 0 .5 % 7 8 .6 % 8 4 .5 % 8 5 .6 % 8 9 .0 % 8 9 .8 % 5 4 .7 % 2 7 .3 % 1 7 .2 % 1 9 .5 % 2 1 .4 % 1 5 .5 % 1 4 .4 % 1 1 .0 % 0% 20% 40% 60% 80% 100% 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 N ã o r e s i d e n t e s Re s i d e n t e s Fonte: IGCP Nota: Os montantes comprados por bancos estrangeiros em leilões são usados como proxy para os montantes comprados por investidores estrangeiros (i.e., não residentes).
1.14 — As opções sobre os instrumentos usados no financiamento público têm impacto no montante dos juros a pagar e na própria acumulação de dívida. A minimização dos encargos com a dívida é particularmente relevante em países com endividamento elevado, onde o pagamento de juros absorve uma parcela elevada do OE, e, dessa forma, condiciona o grau de flexibilidade da política orçamental. 1.15 — Em Portugal, o stock de dívida pública subiu significativamente no período de 1999 a 2006, atingindo 64,7% do PIB em 2006, reflexo das elevadas necessidades de financiamento do Estado. Em resultado, as despesas com juros têm subido, atingindo, em 2006, 2,9% do PIB. Este facto coloca Portugal, entre os Estados-membros da área do euro, como aquele que tem o 4º mais elevado nível de despesa pública com juros. 1.16 — Apesar do significativo crescimento da dívida emitida, Portugal tem beneficiado de um efeito ―preço‖ favorável. Este resulta da descida das taxas de juro nos mercados financeiros internacionais nos últimos anos6, e da sua integração na área do euro. Ambos os factores têm permitido manter o diferencial de taxa de juro que Portugal paga face às taxas de referência no mercado do euro num intervalo estreito e limitado, mesmo quando confrontado com choques adversos. Este efeito ―preço‖ favorável tem atenuado o impacto do 5 A situação de elevado défice de transacções correntes permite caracterizar a economia portuguesa como importadora líquida de capital.
6 Relembre-se que, no Verão de 2005, as taxas de juro da dívida pública europeia atingiram, no prazo de referência dos 10 anos, o seu nível mínimo de 40 anos.
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M ERC AD O DE CA PITAI S POR TUG U ÊS 2 0 0 5 M E D I P / M T S P o r t u g al
( O T + B T )
7 3 %
O T C
( ac ç õ e s , o b r i g aç õ es , et c )
1 1 %E u r o n ex t L i s b o n
( ac ç õ e s , o b r i g aç õ es , et c )
1 6 % F o n t e : C M V M aumento da dívida sobre os encargos com a dívida pública suportados anualmente pelo OE. Contudo, desde o início de 2006, verifica-se um movimento, que os mercados financeiros esperam que persista ao longo de 2007, em que as taxas de juro da dívida pública na área do euro exibem uma trajectória de subida, reagindo à actual fase de maior dinamismo da actividade económica europeia, e às sucessivas decisões de subida das taxas directoras do Banco Central Europeu que a têm acompanhado.
Caixa 1 — A IMPORTÂNCIA ESTRATÉGICA DO MERCADO ESPECIAL DA DÍVIDA PÚBLICA (MEDIP) A negociação por grosso entre bancos (onde os OEVT-Operadores Especializados em Valores do Tesouro desempenham um importante papel de dinamização) concentra-se no Mercado Especial da Dívida Pública (MEDIP), onde, de acordo com os dados mais recentes disponíveis se realiza cerca de metade do total das transacções do mercado da dívida pública portuguesa. Aquando da sua criação, em Maio de 2000, este mercado escolheu o sistema de negociação electrónica MTS Telematico, já há muito em funcionamento no mercado da dívida pública italiana e então em processo de adopção por outros emitentes soberanos da área do euro. Face à tradicional negociação e/ou registo em bolsa7, os mercados suportados em plataformas electrónicas MTS apresentavam uma forma de gestão empresarial (corporate governance) e regras de negociação completamente inovadoras.
Ao negociarem por conta própria em MEDIP — e não através da intermediação de brokers — os bancos tomam estes preços como referência na negociação que, posteriormente, efectuam com os investidores finais.
Os preços praticados no MEDIP são também divulgados em tempo real a todos os participantes em mercado através dos sistemas de divulgação de informação económica e financeira da Reuters e da Bloomberg. Os dados deste mercado estão igualmente disponíveis no respectivo site na internet (www.mtsportugal.com).
Além de ser a referência no mercado da dívida pública, o MEDIP tem tido uma importância muito significativa no mercado de capitais português. Em 2005, com um volume de transacções efectuadas de 146,7 mil milhões de euros representou cerca de ¾ do total do mercado de capitais português. Uma das características paradigmáticas deste mercado prende-se com o facto de todos os OEVT serem accionistas da sociedade gestora do MEDIP, a MTS Portugal, e de deterem uma posição largamente maioritária com 70 por cento do capital. Os restantes 30 por cento encontram-se repartidos equitativamente pelo fornecedor do sistema electrónico — a MTS SpA8 — e o IGCP, em representação da República. A participação da República reflectiu o seu empenhamento na modernização do mercado secundário da dívida e a atribuição de um papel estratégico à centralização da negociação por grosso. O Estado, através do IGCP, envolveu-se directamente nesta iniciativa, não só através da participação no respectivo capital social, mas também aceitando assumir responsabilidades directas na condução da sociedade gestora. As decisões sobre o funcionamento do mercado são tomadas pelo Conselho de Administração onde todos os accionistas têm assento, e do qual o IGCP assume a presidência e a liderança executiva.
Tendo em consideração que, dos actuais catorze OEVT, apenas dois são bancos portugueses, presentemente cerca de 75 por cento do capital desta sociedade é propriedade de entidades não residentes. Apesar deste facto, esta sociedade tem a sua sede em Lisboa e, enquanto mercado regulamentado, encontra-se sujeito à supervisão da Comissão de Mercados de Valores Mobiliários (CMVM): é, desta forma, do ponto de vista regulamentar, um mercado ―local‖. O sistema electrónico MTS em que se apoia permite, todavia, que a negociação neste mercado (MEDIP) envolva um vasto conjunto de participantes não residentes, que actua a 7 No caso português a negociação em bolsa de grandes volumes via MEOG correspondia na prática ao registo de transacções previamente realizadas pelo telefone.
8 Em 2006 concluiu-se o processo de tomada de controlo (i.e, de aquisição de 60,4% do capital) da MTS SpA (também designada habitualmente por MTS Itália) pela Euronext NV em parceria com a Borsa Italiana. Recorde-se que a Euronext NV tem em curso um processo de fusão com a bolsa norte-americana NYSE.
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partir de diversos países, através de um complexo sistema electrónico gerido por um server central em Milão: é, do ponto de vista do funcionamento, um mercado internacional.
Funcionando com base em obrigações de cotação, permanentemente cumpridas pelos bancos que nele se propõem actuar com o estatuto de criadores de mercado, a criação do MEDIP modificou completamente a forma como se processava a negociação da dívida pública portuguesa.
Os OEVT assumem-se sempre como criadores de mercado e a outros bancos é deixada a opção de poderem actuar apenas como tomadores de preços. Mas é aos OEVT que compete, a nível do Conselho de Administração da sociedade gestora, a definição das regras de funcionamento do mercado, nomeadamente do intervalo máximo entre o preço de compra e de venda e montantes mínimos de cotação. Estas regras são definidas em função da antiguidade do título, da dimensão e do respectivo prazo até ao vencimento e são similares às praticadas nos outros mercados congéneres da zona euro.
Em 2000, a escolha da plataforma MTS Telematico e a adopção em simultâneo das centrais de liquidação internacionais (Euroclear e Clearstream) representaram a introdução dos mais sofisticados padrões internacionais de negociação. Com a adopção generalizada daquela plataforma, nomeadamente pelos outros países da área do euro, assistiu-se, entretanto, à natural e desejável integração da negociação da dívida pública portuguesa na do mercado soberano da área do euro. Os resultados anuais do MEDIP/MTS Portugal (volumes de negociação, número de participantes e resultados financeiros da sociedade gestora) têm sido positivos.
2 — ANÁLISE DO FINANCIAMENTO DO ESTADO EM 2007 2.1 Necessidades e Fontes de Financiamento 2.1 — De acordo com o Programa IGCP, o montante das necessidades de financiamento do Estado no ano de 2007, a satisfazer por recurso à emissão bruta de instrumentos de dívida de médio e longo prazo e ao financiamento líquido de curto prazo, situar-se-á em cerca de 15 mil milhões de euros. Este montante está de acordo com os dados apresentados no Relatório do OE de 2007.
Tabela 1 — Necessidades e Fontes de Financiamento do Estado Mi l m i l hõ es d e eu r os 2004 2005 2006 2007
1 . Nec e s s ida des de Fina nci a me nt o do OE 1 6 ,3 0 1 6 ,7 6 1 6 ,2 6 1 5 ,3 8
1.1. N ece ssi da de s Lí q ui da s Fi na nci amen t o 9,35 9,51 9,12 7,15 D é f i c e o rç a me n ta l (c o n ta b i l i d a d e p ú b l i c a ) 9,37 9,14 7,99 6,66 A q u i s i ç ã o d e a c ti v o s f i n a n c e i ro s l í q . d e re e mb o l s o s 0,54 0,65 0,81 0,64 A s s u n ç ã o d e P a s s i v o s e R e g u l a ri z a ç ã o e S i t. P a s s a d o 0,15 0,37 1,60 0,61 R e c e i ta s d e P ri v . A p l i c a d a s n a A mo rti z a ç ã o d e D í v i d a (- ) 0,71 0,66 1,28 0,76
1.2. A mort i z açõ es de M éd i o e Lo ng o P raz o 6,95 7,25 7,14 8,23
2 . Pe rí od o Co mple me nt a r do O E a nt e ri or 0 ,1 9 1 ,9 9 1 ,1 0 1 ,9 0
3 . Pe rí od o Co mple me nt a r do O E c orre nt e 1 ,9 9 1 ,1 0 1 ,9 0 2 ,5 0
4 . Nec e s s ida de de Fina nci a me nt o no a no c iv il (1. + 2 .-3. ) 1 4 ,5 0 1 7 ,6 5 1 5 ,4 6 1 4 ,7 8
5 . Fo nt e s de Fina nci a me nt o 1 4 ,6 7 1 8 ,5 1 1 5 ,4 6 1 4 ,7 7
5.1. E missõ es no an o cí v i l 14 , 31 18 , 34 14 , 60 14 , 77 OT (e mi s s ã o b ru ta ) 6,72 16 , 74 14 , 85 14 , 00 B T (e mi s s ã o l í q u i d a ) 5,97 2,26 -2, 84 0,00 Ou tro s d e C P (e mi s s ã o l í q u i d a ), d o s q u a i s : 1,62 -0, 66 2,59 0,77 C A 0,05 0,39 1,08 1,23 C E D IC 0,83 -0, 30 0,55 0,41 R e p o s 0,75 -0, 75 0,95 -0, 87
S al do de f i na nci amen t o do an o an t eri or 0,36 0,17 0,87 0,00
6 . Sa ldo de fina nci a me nt o 0 ,1 7 0 ,8 7 0 ,0 0 0 ,0 0 Fonte: Relatórios do Orçamento do Estado (MF-DGO) e Relatórios Anuais de Gestão da Dívida (IGCP).
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2.2 — O montante de necessidades de financiamento, a satisfazer no ano civil de 2007, tem subjacente a estimativa de necessidades líquidas de financiamento decorrentes da execução do OE de 2007 de 7151 milhões de euros. Esta estimativa resulta de um défice orçamental (em contabilidade pública) de 6658,4 milhões de euros, a que acrescem a aquisição de activos financeiros líquida de reembolsos de 642,8 milhões de euros, a assunção de passivos e regularização de situações do passado de 610 milhões de euros9, e a que se deduz uma previsão de receitas de privatizações a aplicar na amortização de dívida pública no montante de 760 milhões de euros.
2.3 — O montante das amortizações de dívida de médio e longo prazo em 2007 ascenderá a 8,2 mil milhões de euros, de acordo com as estimativas do IGCP.
2.4 — Na determinação das necessidades de financiamento a satisfazer no ano civil de 2007, há ainda que considerar a expectativa de recurso a emissão de dívida pública no período complementar da receita10, no referente ao ano orçamental anterior (i.e., de 2006), e no referente ao ano orçamental em curso (2007). No relatório do OE de 2007, a estimativa do montante das necessidades de financiamento do OE de 2006 a serem satisfeitas no respectivo período complementar (i.e., através da emissão de dívida pública em Janeiro de 2007) ascendia a 1900 milhões de euros. Acresce que a emissão de dívida pública em Janeiro de 2008 por conta do OE de 2007 (i.e., no respectivo período complementar) era prevista em 2,5 mil milhões de euros.
2.5 — A conjugação das necessidades de financiamento decorrentes do Orçamento do Estado e do recurso aos períodos complementares do OE de 2006 e de 2007 resulta num montante de financiamento a recolher no ano civil de 2007 de 15 mil milhões de euros, tal como referido no Programa do IGCP.
2.6 — O referido montante de 15 mil milhões de euros é inferior, em cerca de menos de 1000 milhões de euros, ao registado no ano de 2006, para o que contribui, sobretudo, a descida do défice orçamental (apurado em contabilidade pública), mas também a diferença entre os montantes que se optou por canalizar para o período complementar no âmbito da execução do OE em 2006 e 2007, e que mais do que compensam o acréscimo de amortizações de dívida em 2007.
2.7 — A estrutura do financiamento do Estado a efectuar em 2007 (ver Gráfico 4), por tipo de instrumento (ver Caixa 2 — PRINCIPAIS INSTRUMENTOS DE DÍVIDA PÚBLICA), de acordo com o Programa IGCP e o relatório do OE de 2007, é análoga à de anos anteriores. Assim, a satisfação das necessidades de financiamento do Estado em 2007, (que o IGCP prevê que ascenda a cerca de 15 mil milhões de euros), voltará a estar centrada na emissão bruta de obrigações do Tesouro, que deverá situar-se entre 12 a 14 mil 9 A lei do Orçamento do Estado para 2007 (Lei n.º 53-A/2006, 29 Dezembro) estabeleceu que ―Para fazer face às necessidades de financiamento decorrentes da execução do Orçamento do Estado, incluindo os serviços e fundos dotados de autonomia administrativa e financeira, bem como das operações referidas nos artigos 99.º e 100.º, fica o Governo autorizado, nos termos da alínea h) do artigo 161.º da Constituição e do artigo 111.º da presente lei, a aumentar o endividamento líquido global directo até ao montante máximo de 7404,3 milhões de euros‖.
10 O período complementar decorre nas primeiras semanas do mês de Janeiro do ano civil seguinte ao do ano orçamental a que diz respeito. A sua extensão é fixada anualmente pelo Decreto-Lei de Execução Orçamental e, traduz-se na possibilidade de uma parte ou da totalidade do fluxo de financiamento decorrente da emissão de dívida pública, nesse período, ser afecto à satisfação das necessidades de financiamento do OE, do ano civil anterior.
Gráfico 3 — Emissão de dívida no Período Complementar 0
500
1000
1500
2000
2500
3000
2003 2004 2005 2006 2007
A n o o r ç a m e n t a l
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E m % d o P I B Fonte: Relatórios do Orçamento do Estado e de Gestão da Dívida Pública.
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milhões de euros. O remanescente do financiamento, que será marginal, provirá da emissão líquida de outros instrumentos, nomeadamente de Certificados de Aforro e de CEDIC, pois o contributo líquido esperado da emissão de bilhetes do Tesouro é nulo.
Gráfico 4 — Necessidades e Fontes de Financiamento do Estado -2 4
-2 2
-2 0
-1 8
-1 6
-1 4
-1 2
-1 0
-8
-6
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-2
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2004 2005 2006 2007
N e c e s s i d a d e s L í q u i d a s d e Fi n a n c i a m e n t o A m o r t i z a ç õ e s d e I n s t r u m e n t o s d e M L P
E m i s s ã o B r u t a d e O T S a l d o L í q u i d o d a E m i s s ã o B T
S a l d o L í q u i d o d a E m i s s ã o d e O u t r o s I n s t r u m e n t o s d e C P P e r í o d o C o m p l e m e n t a r d o A n o O r ç a m e n t a l A n t e r i o r
P e r í o d o C o m p l e m e n t a r d o A n o O r ç a m e n t a l
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s Fonte: Relatórios do OE dos anos respectivos; Relatório Anual de Gestão da Dívida (IGCP) de 2004 e 2005; Boletins Mensais do IGCP Nota: Para os dados de 2006 usou-se como fonte o Relatório do OE de 2007, pois o Relatório Anual de Gestão da Dívida de 2006 (a divulgar em 2007) ainda não se encontra disponível.
2.2 Estratégia de Gestão 2.8 — A estratégia de gestão da dívida directa do Estado em 2007 apresentada em termos gerais pelo IGCP tem como objectivo:
―(…) assegurar o fina nciamento requerido pela execução orçamental, prosseguindo os objectivos de minimização dos custos da dívida numa perspectiva de longo prazo e a não exposição a riscos excessivos, através da implementação das estratégias definidas para a emissão de instrumentos de dívida pública, redução do saldo da dívida, aplicação das disponibilidades de tesouraria e limitação e controlo dos riscos, incluindo de refinanciamento, crédito e taxa de juro.‖
2.9 — Estas linhas genéricas de actuação estratégica anunciadas ao mercado pelo IGCP estão, de um modo geral, de acordo com o que tem vindo a ser prosseguido por esta instituição nos anos anteriores. Assim prosseguindo os objectivos de minimização dos custos da dívida numa perspectiva de longo prazo11 e a não exposição a riscos excessivos.
11 A perspectiva de longo prazo é aqui extremamente importante, pois estabelece-se como orientação que se afastem opções de gestão do financiamento e da dívida pública que, eventualmente associadas ao ciclo político e atraentes numa perspectiva de curto prazo, possam onerar significativamente os orçamentos futuros.
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2.10 — Comparando as linhas de actuação estratégica em 2007 com as de anos anteriores, podem, contudo, identificar-se os seguintes elementos diferenciadores:
(a) — a referência à implementação de uma estratégia para a aplicação das disponibilidades de tesouraria, que resulta das novas atribuições e competências atribuídas recentemente ao IGCP12; e
(b) — a referência a uma estratégia de redução do saldo da dívida directa do Estado13. Embora a explicação esteja omissa no Programa IGCP, o objectivo de redução do saldo da dívida directa do Estado pode resultar de eventuais ganhos de eficiência provenientes da integração da emissão da dívida e das disponibilidades de tesouraria, sob a gestão de uma mesma entidade (i.e., o IGCP) 14.
2.11 — Como em anos anteriores, na linha da estratégia que tem vindo a ser implementada, o financiamento do Estado em 2007 centra-se no mercado das obrigações do Tesouro de taxa fixa e denominadas em euros (ver Gráfico 4 — Necessidades e Fontes de Financiamento do Estado). Procura-se, desta forma, ―continuar a criar condições para aprofundar a liquidez e manter um funcionamento eficiente do mercado primário e secundário.‖
2.3 Emissão de obrigações do Tesouro (OT) 2.12 — O montante a canalizar para a emissão de obrigações do Tesouro em 2007 situar-se-á entre 12 e 14 mil milhões de euros. Este intervalo largo, de 2 mil milhões de euros, significa que, se a emissão de OT se situar no limiar inferior do mesmo, se registará um decréscimo entre 3 a 5 mil milhões de euros na liquidez canalizada para o mercado das OT comparativamente aos dois anos anteriores. A emissão prevista de OT concretizar-se-á, de acordo com o IGCP, através de: ―(…) abertura de duas novas sçries de OT com maturidades e datas a serem oportunamente anunciadas ao mercado. A sua abertura decorrerá, como habitualmente, através de sindicato bancário constituído pelos Operadores Especializados de Valores do Tesouro (OEVT), num montante de EUR 3 mil milhões, sendo posteriormente reabertas através de leilão. Em complemento do lançamento de novas séries e de reaberturas ao longo do ano, poder-se-á também vir a reabrir outras séries, emitidas em anos anteriores, através de leilão com o objectivo de aumentar a sua liquidez. Os leilões de OT terão a participação dos OEVT e dos Operadores do Mercado Primário (OMP), continuando a privilegiar-se para a sua realização a segunda e a quarta quarta-feira de cada mês, de acordo com um calendário a anunciar trimestralmente. O montante indicativo dos leilões será entre EUR 800 e 1000 milhões.‖
2.13 — O momento do lançamento das novas séries de OT, bem como as suas maturidades, não é anunciado. O momento do lançamento depende habitualmente da existência de condições de mercado adequadas, o que só pode ser avaliado muito próximo do lançamento efectivo e em articulação entre o IGCP e os Operadores Especializados em Valores do Tesouro (OEVT) que têm a responsabilidade de fazer a colocação da dívida junto dos investidores. A escolha da maturidade, até certo ponto, depende das condições do mercado, pois, a perspectiva que os emitentes soberanos e os investidores tenham quanto à evolução das 12 Realça-se que no âmbito da implementação do Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado (PRACE), a nova lei orgânica do Ministério das Finanças e da Administração Pública (Decreto-Lei nº 205/2006 de 27 de Outubro) e os novos Estatutos do IGCP (Decreto-Lei nº 86/2007 de 29 de Março) vieram atribuir ao IGCP a gestão das disponibilidades da tesouraria do Estado (cash management), anteriormente da responsabilidade da ex-Direcção-Geral do Tesouro (DGT).
13 Importa referir, neste ponto, que, por norma, o saldo da dívida é exógeno do ponto de vista da emissão e gestão da dívida, na medida em que é determinado pelas necessidades de financiamento a satisfazer. A gestão da dívida interfere com as necessidades de financiamento na medida em que influencia os encargos a suportar pelo OE.
14 Em França a falta de articulação entre as actividades de financiamento e emissão de dívida, originou situações de sobre-financiamento.
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taxas de juro, condiciona necessariamente a sua perspectiva quanto aos prazos em que se querem financiar (custo) ou investir (rendibilidade). No entanto, a gestão do perfil de amortizações da dívida que já existe estabelece à partida, sobretudo no caso de um pequeno emitente soberano, uma gama de opções limitada.
2.14 — Um aspecto distintivo e novo na estratégia de emissão anunciada para as obrigações do Tesouro refere-se à possibilidade de realização de leilões de OT não só na segunda quarta-feira de cada mês (que tem constituído a prática habitual), mas também na quarta quarta-feira de cada mês. Esta opção significa um aumento potencial da presença no mercado (eventualmente em montantes menores) e uma menor previsibilidade dessa presença. Trata-se de uma prática que não é comum ao nível da emissão de obrigações do Tesouro pelos pequenos emitentes soberanos da área do euro.
2.4 Emissão de bilhetes do Tesouro (BT) 2.15 — Em 2006 registou-se um financiamento líquido negativo através da emissão de bilhetes do Tesouro, ou seja emitiu-se um volume bruto inferior ao montante que se amortizou. Dai resultou uma redução do saldo vivo deste instrumento e, dessa forma, numa contracção da dimensão do respectivo mercado. Para 2007, o IGCP indica que o financiamento líquido resultante da emissão de BT deverá ser marginalmente positivo e será obtido da seguinte forma:
―(…) serão lançadas 5 novas linhas em 2007: BT Janeiro 2008, BT Março 2008, BT Maio 2008, BT Setembro 2008 e BT Novembro 2008. Optou-se por não lançar uma linha de BT com vencimento em Julho 2008 por forma a reduzir a excessiva concentração de amortizações naquele mês. As linhas continuarão a ser lançadas nos meses ímpares, através de 2 leilões, sendo o primeiro realizado na 3ª quarta-feira do mês e o segundo até à 1ª quarta-feira do mês seguinte. O calendário indicativo dos leilões de reabertura que vierem a ter lugar será anunciado trimestralmente. O montante indicativo do conjunto dos dois leilões de lançamento deverá situar-se no intervalo de EUR 1250 a 1750 milhões, enquanto o montante indicativo dos leilões de reabertura será entre EUR 300 a 750 milhões.‖
2.16 — No programa IGCP, é referido que a estratégia de emissão BT segue as linhas de orientação anunciadas aos operadores de mercado (v.g. EBT-Especialistas em Bilhetes do Tesouro) em Novembro de 2006. 2.17 — A UTAO procedeu à comparação entre a estratégia agora anunciada com a seguida entre 2003 e 2006 tendo apurado serem distintas. A referida comparação permite observar que, tal como no caso das OT, se introduz uma menor previsibilidade quanto ao momento dos leilões de BT, através da definição de um intervalo de tempo dentro do qual o leilão ocorrerá. Tal prática contraria a anterior que consistia em pré-anunciar ao mercado e respectivos operadores uma data para a realização dos leilões de BT. A prática que agora se abandona continua, contudo, a ser a actuação standard no mercado do euro por parte dos outros emitentes soberanos.
2.18 — No que se refere à actuação do IGCP no mercado secundário dos BT refere-se no Programa IGCP:
―Poderão ainda ser realizadas operações de compra e venda de BT através do mercado OTC. Assim, para os BT Maio 2007, BT Julho 2007 e BT Setembro 2007 os montantes indicativos mencionados incluem a eventualidade de realização de operações OTC.‖
2.19 — Ou seja, o IGCP anuncia aos intervenientes no mercado da dívida pública a possibilidade de o emitente passar, em 2007, a intervir directa e activamente em mercado secundário, comprando e vendendo
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BT. Este é um aspecto novo e distintivo face à estratégia adoptada entre 2003 (o ano do relançamento da emissão deste instrumento) e 2006. 2.20 — A intervenção dos emitentes soberanos no mercado secundário da dívida, por si emitida, deve ser analisada tendo em conta a ordem de grandeza dos montantes de intervenção e a dimensão do mercado em causa. Porém o Programa do IGCP não presta informação sobre a grandeza dos montantes. Sobre este aspecto cabe salientar que a transparência das operações de intervenção é um factor relevante. Em mercados de dívida pública de pequena dimensão, e considerando que o emitente soberano pode ter acesso a informação privilegiada, podem surgir riscos de sinalização adversa ou de perturbação do mecanismo de formação eficiente do preço.
2.5 Emissão de outros instrumentos 2.21 — No que se refere aos outros instrumentos usados no financiamento do Estado, a Nota Informativa do IGCP refere que se recorrerá ainda ao financiamento de muito curto prazo, através da contratação de operações de reporte, e de linhas de crédito, por forma a aumentar a flexibilidade do programa de financiamento face a flutuações das necessidades de tesouraria. O restante financiamento líquido, segundo se refere, será obtido pela emissão de outros instrumentos não negociáveis, nomeadamente Certificados de Aforro e CEDIC (Certificados Especiais de Dívida Pública).
2.6 Gestão do risco 2.22 — No que respeita às linhas de actuação na gestão do risco, refere o Programa IGCP:
―A gestão do risco de refinanciamento terá em conta três elementos: a) as operações de financiamento evitarão a criação de excessivas concentrações temporais de amortizações; b) a possível realização de um programa de operações de pré-financiamento, com a data de vencimento das aplicações coincidentes com a data prevista para as necessidades dos fundos; e c) a realização de um programa de recompra de dívida.
Em relação a este último elemento, serão oportunamente anunciados ao mercado os leilões de recompra que vierem a ser realizados.
A gestão do risco de taxa de juro, e o ajustamento da estrutura de custos da carteira de dívida, será feita através do recurso ao mercado de derivados.‖
2.23 — Os procedimentos anunciados decorrem do modelo de gestão do risco adoptado há muito pelo IGCP, e que está em linha com as melhores práticas europeias e mundiais de gestão de carteira de dívida pública, com os ajustamentos decorrentes da nova situação de gestão conjunta das emissões de dívida (passivos) e das disponibilidades de tesouraria (activos). As necessárias alterações na gestão do risco impostas por esta nova situação de gestão conjunta de activos e passivos levaram, aliás, à aprovação pela respectiva Tutela (sob proposta do IGCP), em Dezembro de 2006, de uma nova versão das ―Normas Orientadoras para a Gestão da Dívida Directa do Estado e a Gestão das Disponibilidades de Tesouraria do Estado pelo Instituto de Gestão do Crçdito Põblico‖15 (Guidelines). A anterior versão tinha sido aprovada em Março de 2004. 15 http://www.igcp.pt/fotos/editor2/Menu%20Lateral/Legislaaao/normas_gestao_divida_2006.pdf.
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2.7 Gestão das disponibilidades de tesouraria 2.24 — A gestão das disponibilidades de Tesouraria é um aspecto, novo que decorre da alteração das suas atribuições e competências no âmbito da implementação do PRACE, como referido anteriormente. Sobre este aspecto o Programa IGCP refere que o processo de integração entre a gestão da dívida directa do Estado e a gestão das disponibilidade de tesouraria do Estado deverá estar concluído no decurso de 2007. No tocante à estratégia a seguir na gestão das disponibilidades de tesouraria o Programa em análise não refere outros elementos além dos que se indicam:
―Procurar-se-á utilizar os saldos das disponibilidades de tesouraria para reduzir o saldo da dívida e realizar uma aplicação eficiente dos excedentes que se venham a verificar.‖ Caixa 2 — PRINCIPAIS INSTRUMENTOS DE DÍVIDA PÚBLICA OBRIGAÇÕES DO TESOURO As Obrigações do Tesouro (OT) constituem o principal instrumento utilizado pelo Estado português para satisfazer as suas necessidades de financiamento. As OT são valores mobiliários de médio e longo prazo, cuja emissão, actualmente, se efectua, em termos efectivos, através de operações sindicadas e de leilões, e que podem ser emitidas com: prazos entre 1 e 50 anos; com ou sem cupão (cupão zero); taxa de juro fixa; amortizáveis no vencimento pelo seu valor nominal e possibilidade de destaque de direitos (stripping). As OT são admitidas à negociação no MEDIP — Mercado Especial de Dívida Pública e noutras plataformas de negociação electrónica estabelecidas a nível europeu, com adopção de procedimentos de liquidação standard para as transacções.
Em resultado da estratégia de financiamento do Estado adoptada ao longo dos últimos anos, tem vindo a registar-se um alargamento e uma diversificação geográfica da base de investidores activos no mercado das OT, que assume hoje um cariz marcadamente internacional.
BILHETES DO TESOURO Os Bilhetes do Tesouro (BT) são valores mobiliários de curto prazo com um valor unitário de um euro, podendo ser emitidos com prazos até um ano, colocados a desconto através de leilão ou subscrição limitada e reembolsáveis no vencimento pelo seu valor nominal.
Os BT constituíram desde a sua criação em 1985 e até 1998 um importante instrumento de financiamento do Estado e de intervenção monetária. A alteração das condições de definição e execução da política monetária resultante do estabelecimento da união monetária europeia em 1999 e a adopção de uma estratégia de financiamento do Estado orientada prioritariamente no sentido de desenvolver um mercado de títulos de médio e longo prazo com Consultar Diário Original
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dimensão europeia e suficiente liquidez, levaram à suspensão da emissão de BT no início de 1999, situação que se manteve até 2003. Tendo sido atingida em 2002 uma situação em que a curva de rendimentos das OT benchmark (i.e., formada por títulos vivos em todos os prazos de referência) estava completa no segmento dos 2 aos 10 anos, a emissão de BT foi retomada em 2003 como uma nova componente da estratégia de financiamento do Estado com carácter estrutural. Os BT vieram assim completar, com um segmento de curto prazo, uma curva de rendimentos de títulos líquidos do Estado português. O relançamento da emissão de BT enquadrou-se, assim, numa estratégia de criação de um mercado líquido para estes títulos de curto prazo, de dimensão internacional, capaz de contribuir para o alargamento e diversificação da base de investidores em dívida pública portuguesa.
Os BT são admitidos à negociação no MEDIP — Mercado Especial de Dívida Pública e noutras plataformas de negociação electrónica estabelecidas a nível europeu, com adopção de procedimentos de liquidação standard para as transacções.
CERTIFICADOS DE AFORRO Os Certificados de Aforro são instrumentos de dívida criados com o objectivo de captar a poupança das famílias. Têm como característica principal o serem distribuídos a retalho, isto é, serem colocados directamente juntos dos aforradores e terem montantes mínimos de subscrição reduzidos. Os Certificados de Aforro só podem ser emitidos a favor de particulares e não são transaccionáveis.
Os Certificados de Aforro Série A foram criados em 1960 pelo Decreto-Lei n.º 43 454, de 30 de Dezembro; a sua subscrição foi cancelada com a criação, em 1986, dos Certificados de Aforro Série B pelo Decreto-Lei n.º 172-B, de 30 de Junho.
CEDIC Os Certificados Especiais de Dívida Pública (CEDIC) são instrumentos de dívida pública de curto prazo, emitidos a desconto com prazos para a maturidade compreendidos entre um mês e um ano, para subscrição exclusiva por parte de investidores do sector público. Criados em 1998 para aumentar a eficiência da gestão financeira global das Administrações Públicas, o seu peso no volume total da dívida directa do Estado e na cobertura das respectivas necessidades de financiamento é relativamente marginal.
OUTROS INSTRUMENTOS Com o objectivo de satisfazer necessidades de financiamento pontuais, de curto prazo, o Estado recorre a operações de reporte (ou ‗repos de financiamento‘). Os repos de financiamento contratados bilateralmente, entre o IGCP e os OEVT e EBT, consistem na venda de títulos de dívida — Obrigações do Tesouro ou Bilhetes do Tesouro —, emitidos especificamente para esse efeito, com acordo simultâneo de recompra dos mesmos, num prazo pré-acordado. Os repos de financiamento tratam-se, portanto, de operações de financiamento colateralizadas com títulos.
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ANEXO Nota Informativa do IGCP sobre o Programa de Financiamento do Estado em 2007
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COMISSÃO DE ORÇAMENTO E FINANÇAS
Unidade Técnica de Apoio Orçamental NOTA TÉCNICA
COMISSÃO DE ORÇAMENTO E FINANÇAS AUDIÇÃO DA AUTORIDADE DA CONCORRÊNCIA (7 de Março de 2007)
Esta Nota Técnica foi enviada à Comissão de Orçamento e Finanças no dia 7 de Maio de 2007, tendo sido elaborada com base na informação disponível até ao dia 30 de Abril de 2007. A informação de base é a Audição do Presidente da Autoridade da Concorrência na Comissão de Orçamento e Finanças a 7 de Março tal como constante da transcrição efectuada pela Divisão de Redacção e Apoio Audiovisual da Assembleia da República.
A análise efectuada é da exclusiva responsabilidade da Unidade Técnica de Apoio Orçamental não reflectindo necessariamente a posição da Comissão de Orçamento e Finanças ou a da Assembleia da República. A UTAO, criada pela Resolução da Assembleia da República n.º 53/2006, de 7 de Agosto de 2006, é composta pelos Consultores técnicos, Nuno Sampayo Ribeiro, Carlos Marinheiro e Fernando Coalho.
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Índice I — Orientação da COF II — Metodologia III — Estrutura IV — Audição da Autoridade da Concorrência 1 — Introdução 2 — Síntese das principais questões debatidas 3 — Alterações legislativas sugeridas pelo Presidente da ADC ANEXO — Transcrição integral pela Divisão de Redacção e Apoio Audiovisual da Assembleia da República da audição do Presidente da Autoridade da Concorrência.
Índice de caixas
CAIXA — MERCADO DE SERVIÇOS FINANCEIROS: REGULAÇÃO E CONCORRÊNCIA
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I — Orientação da COF 1 — Nos termos da orientação da Comissão de Orçamento e Finanças (COF) expressa no mandato constante do ponto ―8. Audições das Entidades Reguladoras do Sistema Financeiro‖, do Plano de Trabalhos da UTAO (1.º semestre de 2007), consignado no Plano Global de Actividades da UTAO, aprovado na reunião da COF de 14.03.2007, cumpre à UTAO elaborar até 30 de Abril de 2007:
―Notas Técnicas de resumo das principais questões debatidas, nestas audições que decorrem durante o mês de Março, com enfoque em matérias sobre as quais se afigure adequado proceder a alterações legislativas, até 30 de Abril as duas primeiras, e até 30 de Maio, as duas õltimas.‖ II — Metodologia 1 — Na execução do mandato, a UTAO procurou articular a necessidade de síntese, que deflui da natureza de um resumo das principais questões debatidas e do enfoque em matérias na perspectiva de alterações legislativas, com o respeito pela integridade da audição e da intervenção do Presidente da Autoridade da Concorrência (AdC). Esta intervenção foi suportada por uma projecção Power Point, que se encontra disponível no sítio http://www.autoridadedaconcorrencia.pt/download/AR20070307.pdf, e consta da transcrição efectuada pela Divisão de Redacção e Apoio Audiovisual da Assembleia da República, o que garante acesso a fonte autêntica, incluindo quanto ao sentido e extensão da intervenção efectuada no curso da audição. Neste pressuposto, a UTAO optou por centrar a Nota Técnica na selecção dos pontos que dão resposta ao mandato, sujeitando os mesmos a um tratamento norteado por objectivos de rigor e concisão.
III — Estrutura 1 — A Nota Técnica identifica o mandato e a opção metodológica para o cumprir. Centra-se em seguida nas questões técnicas que a UTAO considera com as principais na perspectiva do mandato. Prossegue-se com o elenco das alterações legislativas sugeridas pelo Presidente da AdC. E com o objectivo de enquadrar os aspectos fundamentais do funcionamento do mercado de serviços financeiros, regulação e concorrência, inclui-se uma Caixa relativa a esse tópico. 2 — Para facilitar o acesso ao teor da audição do Presidente da AdC, junta-se em anexo a Transcrição integral pela Divisão de Redacção e Apoio Audiovisual da Assembleia da República.
IV — Audição da Autoridade da Concorrência
1 — Introdução
1 — O Presidente da COF inseriu a Audição do Presidente da Autoridade da Concorrência (AdC), no programa de audição anual das entidades reguladoras do sistema financeiro, iniciado pela COF em 2006.
Considerou que sendo a integração do sistema financeiro europeu um dos pilares da construção do Mercado Único, a Comissão Europeia e o Parlamento Europeu têm vindo a promover uma intervenção activa da regulação da concorrência neste domínio (ver Caixa — Mercado de Serviços Financeiros: Regulação e Concorrência). Referiu ainda que, neste contexto, a AdC tem uma intervenção importante na articulação entre as instâncias europeias e as nacionais.
2 — O Presidente da COF inseriu também a audição na apreciação do estado da concorrência no sistema financeiro português, centrada em três pontos fundamentais: (i) se os mercados e a produção de serviços são eficientes; (ii) se a afectação dos recursos pelos diferentes mercados e produtos financeiros é eficaz; e (iii) se os direitos dos consumidores são efectivamente protegidos.
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2 — Síntese das principais questões técnicas
3 — Efectua-se em seguida um resumo das posições e informações apresentadas pelo Presidente da AdC, organizado em torno das questões técnicas que a UTAO tem como as principais.
4 — Sistema financeiro e eficiência. Os mercados financeiros são essenciais para o bom funcionamento da economia e a eficiência e competitividade das empresas depende muito do acesso a financiamento de baixo custo, sem distorções e estável. 5 — Concorrência no sistema financeiro. Não obstante a redução de barreiras legais à entrada de novas empresas no sector bancário com a integração dos mercados financeiros na União Europeia, a concorrência no sector bancário enfrenta limites intrínsecos à sua natureza. Por isso, são importantes as chamadas relações de proximidade, tornando fundamental o grau de concorrência ao nível local e nacional.
6 — Formas de concorrência nos serviços financeiros. As dimensões da concorrência no mercado dos serviços financeiros bancários são diversas: as condições oferecidas (qualidade e preço); a proximidade; a notoriedade; a relação de confiança banco-cliente. Estes factores estão ligados à dimensão (geradora de economias de escala e de rede) e fazem com que a concorrência efectiva se desenrole apenas entre os grandes grupos bancários, que têm notoriedade e detêm redes de balcões extensas e capilares — com os pequenos bancos, muitas vezes, a concorrerem apenas em determinados nichos do mercado. Por isso, o Presidente da AdC considerou que as redes de balcões continuam a ser um elemento crucial de concorrência neste mercado, e a médio prazo, o número de players efectivos tem um limite no número de redes de balcões de grande dimensão.
7 — Barreiras à entrada no sector bancário. As barreiras à entrada de novos players na banca são estruturais e estratégicas. Nas primeiras contam-se as associadas a economias de escala e gama, a problemas de assimetria de informação e selecção adversa, à importância de possuir uma rede de balcões densa e capilar. Nas barreiras estratégicas inserem-se: (i) as associadas aos designados switching costs ou a custos de mobilidade dos clientes, como, por exemplo, as comissões de cessação de conta e de contratos; ou (ii) as estratégias de bundling e cross-selling, que têm a ver com a venda dos serviços em pacotes e a venda de serviços complementares entre si de carácter financeiro. Por isso, a entrada no mercado efectua-se principalmente por meio de aquisições.
8 — Estrutura de mercado do sector bancário português. Apesar de haver um número significativo de instituições de crédito em Portugal, existem apenas cinco grandes instituições bancárias neste momento, com redes a nível nacional. Em Portugal, como em diversos países europeus, os bancos líderes cobrem a oferta de um grande número de produtos e serviços bancários, assumindo um papel de banco universal, enquanto que as instituições de menor dimensão não conseguem concentrar uma oferta tão ampla de produtos e serviços bancários.
9 — Concentração do sector bancário em Portugal. Os dados apresentados pelo Presidente da AdC revelam que esta é mais elevada do que a média da UE, a 12 e a 15. Portugal aproxima-se já dos níveis elevados de concentração na UE, embora não esteja no grupo dos países com um grau de concentração mais elevado. Portugal apresenta ainda um índice de concentração dos 3 e dos 5 maiores bancos, calculado com base nos depósitos, que também é superior à média da UE. 10 — Poder de mercado. Estudos da AdC, efectuados no âmbito da análise de operações de concentração no sector bancário português, mostram que as elasticidades procura/preço no crédito à habitação e no crédito a curto prazo às PME são relativamente baixas, sugerindo um significativo poder de mercado dos bancos.
11 — Efeito do grau de concentração e poder de mercado na rentabilidade e margens bancárias. Os dados apresentados para Portugal pela AdC mostram que estas se reduziram face ao início dos anos 90, em parte
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devido à adesão ao euro, e que se situam num nível intermédio na UE. No que respeita às taxas de lucro, Portugal está também numa situação intermédia face à média da UE.
12 — Impacto de uma operação de concentração (através de OPA) no grau de concorrência no sistema bancário português. O Presidente da AdC considerou que o limite de concentração bancária em Portugal é a existência de um mínimo de quatro redes de cobertura nacional. No entanto, em sua opinião, a aplicação do critério da posição dominante — o consagrado na Lei da Concorrência (ver ponto 3.) — não permitiria uma operação de concentração envolvendo as duas maiores redes do sistema (v.g. CGD e MBCP). Por outro lado, a análise efectuada pela AdC relativamente ao impacto da operação envolvendo as redes MBCP e BPI sobre os preços de mercado — através nomeadamente do recurso um modelo económico dito de fronteira, inovador em termos de investigação económica — revelou a existência de problemas apenas no segmento do crédito às PME.
13 — Eficiência do sector financeiro português. O Presidente da AdC considerou-a como relativamente elevada no contexto europeu, quando avaliada pelo ratio de custos em relação ao rendimento. Há países com rentabilidade ainda mais elevada, como a Irlanda ou a Espanha, mas Portugal tem hoje um cost-income ratio inferior a 50%, e está, por isso, bem colocado quando comparado com países que têm valores da ordem dos 70%, como a Bélgica, a Polónia ou a Áustria.
14 — Switching Costs. Em Portugal, os últimos dados disponíveis, apurados pela Comissão Europeia, mostram que a taxa de transferência de clientes entre entidades (nos depósitos à ordem) é reduzida e inferior à média da UE; consistente com estes dados é o facto da longevidade da relação bancária ser, por seu lado, superior à média da UE. Por outro lado, a prática de tying — junção de produtos na oferta de serviços bancários — em Portugal é também superior à média da UE. Esta prática traduz-se na redução das possibilidades de escolha dos consumidores e no aumento do poder de mercado dos bancos para influenciar os preços.
15 — Eficiência do sistema de pagamentos português. O sistema de pagamentos foi avaliado pela AdC como sendo moderno e eficiente. Portugal está acima da média da UE no número de cartões per capita e no de transacções com cartões per capita. Tem ainda o maior número de caixas automáticas por milhão de habitantes na UE. 16 — Estrutura de mercado do sistema de pagamentos. A AdC considera existir um problema no segmento de acquiring — o que liga o sistema com os comerciantes — decorrente da situação de quase monopólio da Unicre (90% do mercado). Embora a concentração no segmento de acquiring seja muito elevada na UE, Portugal tem, ainda assim, de acordo com a AdC, uma situação relativamente ímpar.
17 — Efeitos da regulação sobre o funcionamento dos mercados. A regulação interfere sempre com o funcionamento do mercado, mas nem sempre consegue alcançar os objectivos a que se propôs. Um exemplo concreto apresentado pelo Presidente da AdC foi o caso da regulamentação portuguesa sobre os custos das transacções electrónicas. Esta proibiu a cobrança de taxas no sistema nacional Multibanco. Contudo, em resultado dessa regulamentação, os bancos passaram a privilegiar os sistemas internacionais (maioritariamente VISA Electron), onde continuava a ser possível cobrar comissões. Em consequência dessa alteração regulamentar ocorreu uma profunda transformação na estrutura do mercado: o sistema nacional Multibanco (regulamentado), anteriormente dominante, dispõe actualmente de apenas 5% do total dos cartões movimentados, sendo os restantes 95% co-branded, com uma marca internacional.
18 — Área Única de Pagamentos em Euros (SEPA) e o seu impacto em Portugal. A AdC considera que será a necessária: (i) a interoperabilidade da rede nacional (v.g. SIBS) com as redes SEPA; (ii) a separação entre redes de processamento dos sistemas de cartões de pagamento; (iii) a criação de alianças com sistemas europeus, através de co-branding com marcas SEPA.
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19 — Recomendações da Comissão Europeia. A Comissão Europeia formulou recentemente um conjunto de recomendações para eliminar as barreiras à concorrência no sector bancário, centradas na redução dos switching costs, especialmente pecuniários, na criação de pacotes de medidas que permitam a mobilidade fácil dos clientes entre instituições, no aumento da transparência das condições oferecidas, para tentar reduzir os problemas de informação assimétrica e o tying na prática bancária.
20 — Em síntese conclusiva, o Presidente da AdC considerou que as especificidades sectoriais da banca e a estratégia dos bancos determinam em grande parte a estrutura do mercado. Os principais problemas de concorrência estão associados às barreiras à entrada de concorrentes e à expansão dos de pequena dimensão. Neste contexto, os switching costs, que reduzem a mobilidade, são um instrumento para tentar fidelizar os clientes. A falta de elasticidade da procura detectada decorre dessas barreiras à mudança de fornecedor de serviços e pode criar condições para o exercício de poder económico. A existência de economias de escala, característica específica da banca a retalho em particular, também contribui para o exercício de poder económico. Com efeito, a importância de um banco ter uma rede de balcões extensa e capilar faz com que a dimensão seja crucial para exercer concorrência efectiva. 3 — Alterações legislativas sugeridas pelo Presidente da AdC
21 — As alterações legislativas sugeridas pelo Presidente da AdC respeitam ao quadro legal de apreciação de operações de concentração pela AdC1. Neste âmbito foram concretizadas as seguintes sugestões:
Critério da posição dominante. Este critério actualmente vigente na lei portuguesa para a avaliação das operações de concentração não é suficiente para preservar a concorrência, pois pode conduzir, em determinados casos, a situações de duopólio. A evolução da legislação Comunitária neste ponto foi apontada com uma solução a ponderar2.
Imposição de ―remçdios‖. A lei consagra que caso existam têm de ser aceites pela notificante, o que por ser um equilíbrio difícil de atingir, pode atrasar o processo de decisão.
Aceitação tácita. Nos casos em que não haja decisão da AdC em tempo útil, o regime vigente prevê a aceitação tácita. Esta disposição, conjugada com a anterior, pode gerar, segundo o Presidente da AdC, uma situação de incentivos perversos.
Prazo de apreciação das operações de concentração. Sobre este prazo, a AdC propôs-se apresentar, em tempo útil, à Assembleia da República, uma reflexão tendo por base a experiência recente.
Caixa — Mercado de Serviços Financeiros: Regulação e Concorrência
1 — A experiência empírica revela que os sistemas financeiros bem sucedidos são simultaneamente sólidos, estáveis e concorrenciais. O sistema financeiro é um pilar essencial da estabilidade macroeconómica, e tem um papel fundamental no assegurar que os recursos fluem livremente para as utilizações mais produtivas. Um sistema financeiro que não seja concorrencial não promove, por exemplo, uma eficiente afectação do crédito, 1 Lei n.º 18/2003, de 11 de Junho, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 219/2006, de 2 de Novembro.
2 Entre Dezembro de 1989 a Maio de 2004 a legislação comunitária consagrou o critério da posição dominante para a apreciação de operações de concentração. As operações de concentração que ―que criem ou reforcem uma posição dominante de que resultem entraves significativos á concorrência efectiva no mercado comum ou numa parte substancial deste‖ passaram a ser proibidas. A prática veio contudo a revelar que este critério não estava adequado para o objectivo de protecção da concorrência efectiva. Em resultado, o Regulamento (CE) n.º 139/2004 do Conselho, consagrou em Janeiro de 2004, como incompatíveis com o mercado comum as concentrações que ―entravem significativamente uma concorrência efectiva‖. O critçrio da posição dominante foi assim substituído pelo da ―concorrência efectiva‖. A legislação portuguesa em vigor mantém a formulação e o critério acolhido inicialmente na legislação comunitária.
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limitando o crescimento potencial da economia. Por outro lado, se não for sólido e estável pode, no limite, desintegrar-se, com elevados custos para toda a economia.
2 — O mercado de serviços financeiros é idêntico em muitos aspectos a outros mercados de bens e serviços.
Difere, no entanto, em alguns aspectos fundamentais, os quais estão na origem de ―falhas de mercado‖, nomeadamente pela existência de: (i) assimetria de informação, que resulta simultaneamente da dificuldade dos depositantes para efectuarem individualmente a monitorização dos riscos tomados pelos bancos e dos custos de avaliação do risco de crédito de quem pretende endividar-se; (ii) externalidades, que resultam do facto de eventuais problemas numa instituição bancária, ao influenciarem a confiança pública no sistema, afectarem todas as outras entidades, impondo-lhes, dessa forma, um custo externo (podendo, em limite, dar origem a ―corridas aos bancos‖ para liquidação de depósitos); (iii) poder de mercado, que resulta da relação de proximidade a nível local com os clientes que se estabelece, sobretudo, no segmento dos serviços a retalho.
3 — A regulação do sistema financeiro, em geral, e do bancário, em particular, pretende dar resposta à existência de falhas de mercado, as quais podem ter efeitos de distorção a nível micro e macroeconómico. Os reguladores têm, assim, o objectivo simultâneo de assegurar a gestão financeira prudente dos bancos e de promover a confiança pública no sistema bancário. Para atingir estes objectivos, usam habitualmente uma gama de instrumentos, de que se destaca: (i) licenciamento das instituições financeiras, para controlar a entrada no sistema e pressionar as incumbentes a manterem um elevado nível de conduta; (ii) cumprimento de critérios de solvabilidade, através da observância de rácios prudenciais relativamente, por exemplo, a rubricas do seu balanço; (iii) fundos de garantia dos depósitos.
4 — A concorrência é importante para promover uma afectação eficiente de recursos, criando valor para os consumidores de serviços financeiros e distribuindo o capital eficientemente pelas empresas, bem como promovendo a inovação e a evolução tecnológica. A regulação é, contudo, indispensável para garantir a estabilidade e solidez do sistema financeiro. Há, assim, ao nível do sistema financeiro, que estabelecer um equilíbrio entre solidez/estabilidade e concorrência.
5 — O mercado de serviços financeiros tem registado alterações significativas, em resultado da evolução tecnológica, do surgimento de novos canais de distribuição e negociação (v.g. electrónicos), da introdução de novos produtos financeiros e consequente alargamento da gama de serviços prestados. Estas alterações, em conjunto com as regulamentares, contribuem para a redefinição do papel e formato dos prestadores de serviços financeiros (v.g. bancos). Em paralelo, tem-se observado, provavelmente mais do que em qualquer outro sector de actividade, em resultado da sua forte dimensão internacional, um processo de significativa integração dos mercados nacionais. Estes desenvolvimentos colocam novos desafios, quer no que respeita ao desenho e implementação de políticas de regulação e supervisão, quer à política de concorrência, através da alteração do grau e formas de contestabilidade destes mercados.
6 — O processo de integração tem sido particularmente intenso na União Europeia, por via da criação do mercado único de serviços financeiros, dinamizado subsequentemente pela introdução do euro e pela implementação, a partir de 1999 do designado Financial Services Action Plan (FSAP). Após a introdução do euro, a União Europeia elegeu como prioridade política o funcionamento do mercado único de serviços financeiros, com base na consideração de que um maior grau de integração dos mercados financeiros europeus seria fundamental para o sucesso do euro e da União Económica e Monetária. Para esse efeito, o Conselho Europeu adoptou, em Março de 2000, um Plano de Acção para os Serviços Financeiros integrado na Estratégia de Lisboa, com o objectivo de atingir rapidamente um mercado único de serviços financeiros, líquido
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e profundo, que servisse de motor para o crescimento, a criação de emprego e a competitividade da economia europeia.
7 — O FSAP consiste num conjunto de 42 medidas para a criação de um quadro legal e regulamentar que suporte o desenvolvimento do mercado único de serviços financeiros na UE. Quando o prazo para a sua implementação terminou, no final de 2004, 39 das 42 medidas previstas inicialmente (legislativas e nãolegislativas), tinham sido implementadas. A sua implementação teve por base o chamado Processo Lamfalussy — procedimento de aprovação e implementação das medidas em 4 níveis, através da separação dos aspectos de princípio dos de detalhe, por um lado, e do recurso à consulta e envolvimento dos participantes no mercado, por outro — aplicado inicialmente a 4 directivas do mercado de capitais (―Abuso de Mercado‖, ―Prospecto‖, ―Mercado de Instrumentos Financeiros‖ e ―Obrigações de Transparência‖) e depois alargado à supervisão bancária, aos seguros e às pensões.
8 — Após a implementação do FSAP, a Comissão Europeia (CE) apresentou em Dezembro de 2005 um White Paper on Financial Services, com as prioridades de acção neste domínio para o período de 2005-2010: (i) consolidação e aplicação efectiva das medidas do FSAP; (ii) aplicação do princípio de better regulation a iniciativas legislativas futuras; (iii) melhoria da convergência ao nível da supervisão; (iv) reforço da concorrência entre prestadores de serviços financeiros, em particular na banca a retalho, fundos de investimento e seguros; e (v) aumento do peso do euro nos mercados financeiros internacionais.
9 — Neste contexto, para promover uma maior integração do mercado de serviços financeiros, a CE tem vindo a recorrer a outros instrumentos, para além dos legislativos ou regulamentares. Tem nomeadamente recorrido à política de concorrência, para identificar e investigar eventuais barreiras a este nível. Neste sentido, no exercício dos seus poderes, lançou, ainda em 2005, investigações ao grau de concorrência em duas áreas fundamentais dos serviços financeiros: banca a retalho e seguros. No âmbito do inquérito à banca a retalho foram também investigadas duas áreas complementares: a dos cartões de crédito e sistemas de pagamentos e a das contas correntes e serviços afins. O Relatório Final foi apresentado a 31 de Janeiro de 2007.
10 — A CE identificou como questões principais no domínio da concorrência no mercado da banca a retalho: (i) — a fragmentação dos mercados na base das fronteiras nacionais; (ii) — uma elevada concentração no mercado de cartões de crédito, nomeadamente ao nível do acquiring; (iii) — a disparidade e nível elevado de taxas de interligação em alguns Estados-membros ao nível dos sistemas de pagamento; (iv) — os mecanismos de cooperação entre os bancos, em particular na área das convenções e infraestruturas; (v) — a ligação de produtos na venda de serviços financeiros; (vi) — os obstáculos à mobilidade dos consumidores de serviços bancários.
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ANEXO
Transcrição integral pela Divisão de Redacção e Apoio Audiovisual da Assembleia da República da Audição do Presidente da Autoridade da Concorrência (Prof. Doutor Abel Mateus) na Comissão de Orçamento e Finanças da Assembleia da República em 7 de Março de 2007
O Sr. Presidente (Patinha Antão): — Sr.as e Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.
Eram 10 horas e 20 minutos.
Sr. Presidente da Autoridade da Concorrência, Prof. Dr. Abel Mateus, Minhas Senhoras e Meus Senhores: Antes de iniciarmos a audição do Sr. Presidente do Conselho da Autoridade da Concorrência, gostaria de dizer algumas breves palavras introdutórias.
Em primeiro lugar, para referir a razão de ser desta audição. Há uma razão de ser geral: a audição inscreve-se num programa de audição das entidades reguladoras do sistema financeiro, que esta Comissão iniciou no ano passado. Começámos, obviamente, por ouvir a Autoridade da Concorrência, cujas competências, sendo transversais em todas as áreas de aplicação da Lei da Concorrência, na área do sistema financeiro convocam, naturalmente, para uma relação intensa entre a Autoridade da Concorrência e os reguladores do sistema financeiro.
A primeira audição à Autoridade da Concorrência, que fizemos o ano passado, revelou-se extremamente frutuosa, como se esperava, por várias razões: em primeiro, pela qualidade da apresentação — e hoje teremos, certamente, uma apresentação com qualidade excelente, como é timbre da Autoridade da Concorrência; mas também porque as matérias da concorrência no nosso sistema económico têm ainda uma relativa juventude — pode mesmo falar-se que ainda temos um deficit de cultura de concorrência. Foi, aliás, um dos objectivos fundamentais da criação da própria Autoridade da Concorrência em 2003, a promoção dessa cultura de concorrência.
Dito isto, não é necessário que daqui decorra que Portugal, no contexto europeu, tenha um deficit dessa cultura de concorrência maior do que a generalidade dos seus parceiros. Mas esta referência era importante, porque, no próprio contexto da União Europeia, existe um esforço significativo e assinalável, promovido designadamente pela Comissão da União Europeia e também pelo Parlamento Europeu, no sentido de que, para a construção do mercado único, é indispensável avançar-se por uma intervenção mais activa da regulação da concorrência, quer no contexto da criação e reforço do mercado único europeu quer na articulação entre as instâncias europeias e as instâncias que procuram que seja observada a concorrência nos vários espaços nacionais, como é o caso da Autoridade da Concorrência portuguesa.
Há, portanto, uma interacção entre as preocupações europeias e as preocupações nacionais, que estão num processo de criação e aprofundamento, e que importa, efectivamente, saudar.
A razão de ser em concreto desta audição, no que toca ao sistema financeiro português, tem também vários pontos importantes a sublinhar, que rapidamente irei evocar. Nas preocupações de apreciação do estado da concorrência relevam, fundamentalmente, três pontos (a questão da eficiência da própria produção dos serviços financeiros, no caso concreto): se os mercados e a produção de serviços são eficientes, se a locação dos recursos pelos diferentes mercados e produtos financeiros é eficaz e se os direitos dos consumidores são efectivamente protegidos. São estes os pontos maiores.
É da actualidade que há preocupações também na área do sistema financeiro quanto à protecção dos direitos dos consumidores. Há matérias que têm estado nos media relativamente a comissões, relativamente a margens financeiras, e, portanto, é um ponto sobre o qual iremos ouvir com muito interesse o que nos irá dizer o Sr. Presidente da Autoridade da Concorrência.
Para além disso, existe um outro ponto de plena actualidade e que é da maior importância. Trata-se das novidades no sistema financeiro, designadamente a matéria, em concreto, da OPA, que está na sua plenitude, lançada por um grande banco sobre um outro grande banco. É uma matéria que releva de complexidade natural, visto que a operação tem, por definição, no âmbito da análise da concorrência, designadamente nos
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mercados relevantes, matérias de assinalável complexidade. Também iremos ouvir, com muito interesse, o Sr.
Presidente da Autoridade da Concorrência referir-nos o ponto de vista da Autoridade sobre estas matérias.
A última conexão que quero fazer é que na próxima audição, em que teremos connosco o Sr. Presidente da CMVM, iremos debruçar-nos, já numa perspectiva de regulação da concorrência do ponto de vista sectorial, sobre o tema da eficiência do mercado de capitais e, portanto, tudo o que aqui for dito relativamente a este ponto, será também matéria de relevo para a continuidade da nossa audição no caso subsequente das autoridades sectoriais do sistema financeiro.
É, pois, Sr. Presidente da Autoridade da Concorrência, Sr. Prof. Dr. Abel Mateus, com grande prazer que o acolhemos, uma vez mais, na Comissão, agradecendo a sua disponibilidade. Vamos ouvi-lo com o maior interesse, sendo certo que, a seguir, teremos o debate com os Srs. Deputados dos vários partidos aqui representados, que, estou certo, será igualmente muito profícuo.
Tem, assim, a palavra o Sr. Presidente da Autoridade da Concorrência.
O Sr. Presidente da Autoridade da Concorrência (Prof. Dr. Abel Mateus): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É com o maior prazer que regresso aqui, à Comissão de Orçamento e Finanças. Venho apresentar as minhas reflexões sobre algumas matérias que preocupam a Autoridade e que penso que preocupam também a sociedade portuguesa, em geral.
O sector financeiro é fundamental para o funcionamento eficiente da economia portuguesa e, portanto, é um sector ao qual a Autoridade dedicou, no último ano, uma grande parte do seu trabalho. Venho aqui trazer, em grande parte, o fruto das reflexões que fizemos.
Como sabem, é um sector que está sob a mira da Comissão Europeia, pelo que venho trazer aqui também o resultado de uma série de relatórios que têm sido produzidos pela Comissão Europeia, no chamado domínio dos inquéritos sectoriais.
A minha apresentação é relativamente extensa, mas alguns dos slides serão passados com alguma rapidez, porque são apenas exemplos ou ilustrativos de algumas matérias, que, se assim entenderem, poderemos, depois, aprofundar.
Começo por mostrar a bibliografia, que foi seguida em grande parte pela análise a nível comunitário, e que releva dos relatórios produzidos pela Comissão, pelo BCE e pela ECA — Autoridades da Concorrência Europeias.
Os mercados financeiros são primordiais para o bom funcionamento da economia e a eficiência e competitividade das empresas depende, em grande parte, do acesso a financiamentos de baixo custo, sem distorções, e estáveis.
O acesso das famílias ao crédito e à liquidez permite fazer arbitragens intertemporais e aumentar o bemestar económico. Mas, apesar da redução das barreiras legais à entrada de novas empresas no sector bancário com a integração dos mercados financeiros na União Europeia, a concorrência no sector bancário continua a enfrentar limites intrínsecos à sua natureza, em que são extremamente importantes as chamadas relações de proximidade, e torna fundamental o grau de concorrência local e nacional.
As dimensões da concorrência no mercado dos serviços financeiros bancário são diversas: as condições oferecidas (qualidades dos serviços e preços); a proximidade; a notoriedade; a relação de confiança bancocliente.
Todos estes factores se prendem com a dimensão (geradoras de economias de escala e de rede) e faz com que a concorrência efectiva se desenrole apenas entre os grandes grupos bancários, que gozam de notoriedade e detêm redes de balcões extensas e capilares — com os pequenos bancos, muitas vezes, a concorrerem em determinados nichos do mercado.
De facto, a rede de balcões continua a ser um elemento crucial de concorrência neste mercado, e no médio prazo, o número de players efectivos encontra um limite no número de rede de balcões de grande dimensão.
Apesar de haver um número significativo de instituições de crédito em Portugal, como sabem, existem apenas cinco grandes instituições bancárias neste momento, com redes a nível nacional. E em Portugal, como em diversos países europeus, os bancos líderes cobrem a oferta de um grande número de produtos e serviços bancários, assumindo um papel de banco universal, enquanto que as instituições de menor dimensão não conseguem concentrar uma oferta tão ampla de produtos e serviços bancários.
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Quais são, em grande parte, as barreiras à entrada de novos players na banca? São barreiras estruturais e barreiras estratégicas. Nas primeiras contam-se as associadas a economias de escala e gama, a problemas de assimetria de informação e selecção adversa, à importância de possuir uma rede de balcões densa e capilar. Nas barreiras estratégicas temos aquelas associadas aos chamados switching costs ou custos de mobilidade dos clientes, como, por exemplo, as comissões de cessação de conta e de contratos; ou às estratégias de bundling e cross-selling, que têm a ver, portanto, com a venda dos serviços em pacotes e a venda de serviços complementares entre si de carácter financeiro.
Por esta razão, a principal forma de entrada no mercado é hoje efectuada por meio de aquisições.
Vamos, então, ver, em termos muito genéricos, aquilo que podemos dizer sobre o problema da concentração bancária nos diversos países e comparar Portugal com a União Europeia.
Segundo a informação do BCE, o índice de concentração de Herfindhal em Portugal é mais elevado do que a média da União Europeia, tanto a 12 como a 15, como podem verificar pelo gráfico.
Portugal aproxima-se já, como referi na última reunião, dos níveis elevados de concentração europeia, embora não esteja no grupo dos mais elevados.
Portugal tem um índice de concentrações dos três e dos cinco maiores, calculado com base nos depósitos, também superior à média dos mesmos indicadores para a União Europeia. Por outro lado, em termos de propriedade nacional, os cinco maiores bancos são nacionais em Espanha, França Itália, Reino Unido e Suécia, e a penetração dos bancos estrangeiros é sobretudo importante nos novos membros da União Europeia — na Europa de Leste.
Mas estes indicadores (que agora são complementados por uma série de citações dos relatórios da Comissão Europeia) não são suficientemente esclarecedores quanto à estrutura da propriedade que existe nos diferentes bancos e verificamos que há um conjunto de países, como a França, a Alemanha e em parte a Espanha (e Portugal inclui-se nesses países) que têm uma estrutura de propriedade em que o Estado e as caixas (como, por exemplo, as caixas agrícolas, em Portugal, o Montepio), ou seja, o sector cooperativo tem uma importância ainda relativamente grande, em contraste com outros países, como, por exemplo, o Reino Unido ou a Irlanda, que são dois casos paradigmáticos em que o sector privado tem a totalidade da propriedade do sector.
Ora, isto levanta um problema, que a Comissão Europeia referiu também nos seus relatórios, em relação às fusões e aquisições transfronteiriças na Europa, porque os estatutos dessas empresas não permitem fusões e aquisições, se o objectivo for a aquisição dessas mesmas empresas. Note-se que algumas dessas entidades — e temos o caso, em Portugal, da presença da caixa agrícola francesa, no BES, e da caixa da Catalunha, no BPI — fazem aquisições e investimentos noutros bancos, mas não podem ser objecto de aquisição por parte de outras.
Portanto, trata-se de um problema comunitário, que está a ser tratado a esse nível e que, evidentemente, representa uma preocupação em termos do chamado level-playing field, no que diz respeito a aquisições e fusões. Há um princípio, aliás, que se aplica no caso do sector cooperativo francês, que é o chamado princípio da territorialidade, em que o banco cooperativo só pode fazer aquisições ou expandir-se dentro do território dos seus operantes.
Outro aspecto importante a nível comunitário tem sido a entrada de bancos estrangeiros em mercados nacionais de outros países.
O movimento de fusões e aquisições a nível europeu apenas tem sido relativamente importante no que diz respeito aos países de leste, onde Portugal, como sabem, tem tido um papel importante. Aliás, tenho aqui citações da OCDE que reconhecem que essas aquisições (ou seja, a entrada dos bancos estrangeiros) tiveram um papel extremamente benéfico para as economias da Europa de leste, não só em termos de melhorar a eficiência do sistema bancário, como também de disponibilizar um maior volume de crédito às empresas e aos particulares.
A nível dos índices de concentração, em Portugal, as três maiores instituições têm, em termos de activo, 68% e as cinco maiores instituições têm 88%.
Pode perguntar-se que implicações é que isto tem tido em termos da rentabilidade e das margens bancárias. Recordo que já na comissão anterior me debrucei sobre o assunto, mas, de facto, este é um tema que tem estado bastante presente na comunicação social.
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Em termos de margens financeiras e de percentagem do activo médio, não existem ainda dados comunitários mais recentes do que 2003. Portanto, só para Portugal é que conseguimos alguns números. De qualquer forma, em Portugal, verifica-se que as margens financeiras se reduziram em relação ao início da década de 90, o que tem sucedido também em países como a Dinamarca e a Espanha, que são países que tinham margens muito elevadas, em grande parte devido ao processo de entrada para o euro.
Portanto, Portugal situa-se, hoje, a um nível intermédio, em termos de margens financeiras e também no que diz respeito ao produto bancário, onde, ao nível destes dois indicadores, se tem notado uma certa convergência entre os diferentes sistemas bancários.
O produto bancário tem estado a ser reduzido nos últimos três anos, mas em Portugal, como veremos, recuperou de uma forma acentuada, nos últimos dois anos.
Quanto à taxa de lucro e aos resultados sobre os activos líquidos, verificamos que há uma grande flutuação nos países europeus.
Em particular, o que se verifica — como é o caso dos países nórdicos, como na Dinamarca, por exemplo, onde houve uma crise no final dos anos 90, sendo que nos anos 80 houve também flutuações muito importantes — é que a taxa de lucro dos bancos é muito afectada, em geral, pelas flutuações macroeconómicas. No entanto, no caso português, nota-se que estamos numa situação intermédia neste momento em relação à média comunitária.
Estes são os dados mais recentes (até 2005), mas são dados que não são totalmente comparáveis devido às alterações contabilísticas dos últimos anos. Contudo, a tentativa que fizemos de encontrar alguma coerência intertemporal mostra que, em Portugal, o produto bancário, depois de estar em redução ou em queda até 2002, recuperou de uma forma acentuada e continuou a subir no primeiro semestre de 2006, a margem financeira reduziu-se de forma continuada, tendo estabilizado no último ano e os resultados líquidos, que se mantiveram relativamente estáveis, em termos de tendência, ao longo dos anos 90, mostram que, já em 2006 (embora o primeiro semestre não seja bem comparável porque os dados semestrais não são comparáveis, como sabem, com os dados anuais), há uma recuperação razoável.
Portanto, comparando a média do período entre 2001 e 2003, a taxa de lucro em Portugal está próxima da média da União Europeia, apesar da economia se encontrar em estagnação.
Mas há uma conclusão importante do relatório da Comissão Europeia sobre este tema, que penso que é importante sublinhar e que é a seguinte: as taxas de lucro elevadas podem ser indicador de um poder mercado dos bancos, mas o que acontece também é que baixas taxas de lucro podem revelar pouca concorrência. Isto entende-se porque, por exemplo, há bancos que são ineficientes, mas em que há elevadas barreiras à entrada. Ou seja, não há concorrência e, portanto, eles continuam a ser ineficientes. Portanto, só por si, a taxa de lucro não é indicadora de haver um mercado eficiente, o que significa que este indicador tem de ser conjugado com outros indicadores.
Em termos de taxa de lucro, se compararmos apenas para a banca a retalho, que mostram a taxa de lucro em relação à receita total do sector, os dados mostram que Portugal situa-se, agora, ligeiramente acima da média da União Europeia.
Este é um indicador que podemos considerar como um indicador de eficiência, sendo que o sector financeiro português tem uma eficiência relativamente elevada, no contexto europeu, eficiência essa que é medida através do ratio de custos em relação ao rendimento. Há países com rentabilidade ainda mais elevada, como é o caso, por exemplo, da Irlanda ou da Espanha, mas o sector financeiro português, como todos sabem, hoje tem um cost-income ratio da ordem inferior a 50%, portanto, estamos bastante bem colocados quando comparados com países que têm valores da ordem dos 70%, como a Bélgica, a Polónia ou a Áustria.
O estudo da Comissão Europeia mostra que há uma relação negativa entre a taxa de lucro e o cost-income ratio, o que quer dizer que, geralmente, sistemas mais eficientes têm maior taxa de rentabilidade. Mas não existe uma relação muito estreita entre a dimensão do banco e a taxa de rentabilidade. Existe, como podem ver neste documento, uma «nuvem» relativamente dispersa da amostra colhida pela Comissão Europeia. Ou seja, existe uma pequena correlação positiva, mas não é muito forte.
Um indicador já com mostras de diferentes países, em termos do painel, que já apresentei no ano passado, mostra que as margens e os custos tendem a ser maiores quanto maior for a concentração e menor a exposição internacional, que é uma variável que a Comissão não considerou.
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Resultou também de um estudo importante que fizemos no domínio da concentração BCP/BPI, o estudo da elasticidade procura/preço deste sector, que mostra que as elasticidades procura/preço no crédito à habitação e no crédito a curto prazo às PME são relativamente baixas, anda na ordem dos 0,2 para as PME até 0,6 para o crédito à habitação, o que quer dizer que os bancos têm um poder de mercado significativo.
Cito também um estudo económico recente, que está ainda a ser elaborado e que foi no outro dia objecto de um seminário na Autoridade da Concorrência em Espanha, em que o coeficiente correspondente à concentração das cinco maiores instituições, que aumentou entre 1990 e 2002, de 38,4% para 50%, mostra que isso teve um impacto sobre o aumento do poder do mercado de tal forma que fez subir o mark up na banca em 46 pontos base, o que é, como sabem, um valor bastante significativo, podendo, por exemplo, traduzir-se numa taxa de juro de 3% passar a 3,5%.
A questão sobre de onde vêm os rendimentos da banca é também um resultado de um inquérito sectorial a nível europeu. Como podem ver pelos documentos em análise, uma parte muito significativa vem do crédito à habitação, em segundo lugar vem do crédito ao consumo e de uma forma muito inferior vem das contas correntes com as empresas e dos cartões de crédito e dos depósitos.
A bancarização é algo que continua em expansão em Espanha e em Portugal, em contraste com os países do norte da Europa, que têm sofrido uma forte redução per capita ao nível das redes bancárias.
Vamos agora ver quais foram, em termos muito gerais, as conclusões do relatório da Comissão Europeia.
As principais conclusões, que incidiram sobre duas áreas do sector financeiro — a banca a retalho e os seguros às empresas —, concluíram que a estrutura do mercado é ainda bastante diferenciada entre os vários países e mostra um elevado nível de fragmentação. Essas conclusões incidiram também sobre o desempenho financeiro dos bancos e da rentabilidade, sobre as barreiras à entrada na banca a retalho, a escolha dos consumidores e a mobilidade e o desenvolvimento das estruturas associadas aos serviços de pagamento no contexto do Sistema Europeu de Pagamentos Automáticos (SEPA).
Ora, o relatório concluiu que é muito importante a mobilidade dos consumidores para a concorrência, que os bancos podem competir pelos clientes ex ante para exercer poder de mercado sobre os clientes cativos ex post. A presença de switching costs na banca a retalho têm efeitos a três níveis: aumenta o poder de mercado dos bancos, desencoraja a entrada de novos players e desincentiva a inovação de produtos e, para que haja concorrência efectiva nos mercados, os consumidores têm de estar bem informados sobre as alternativas disponíveis e têm de ter a capacidade de mudar para a melhor opção, sem enfrentar custos dissuasores.
Há cinco switching costs importantes: o peso administrativo dos processos; a assimetria de informação em reduzir a transparência de preços; o cross-selling e o bundling; as escolhas e preferências dos consumidores; e as comissões associadas à cessação de contratos.
Segundo as estimativas da Autoridade, a taxa de churn, que é um indicador de mobilidade, ou seja, é a taxa de transferência de clientes de uma entidade para outra, nos depósitos à ordem em Portugal é reduzida e fica aquém da taxa análoga para a média da União Europeia.
Outro indicador da mobilidade é a longevidade da relação bancária, sendo que a longevidade da relação bancária em Portugal é também superior à média da União Europeia.
Nos contratos de crédito, as comissões associadas à cessação e transferência dos contratos fazem antever uma mobilidade particularmente reduzida dos consumidores. Segundo estimativas da Autoridade, em 2005, a percentagem de contratos de crédito à habitação transferidos de uma instituição de crédito para outra, anualmente, não atingiu 1,5%. Portanto, quando se diz que há muita concorrência no crédito à habitação, talvez haja para os novos clientes, mas, de facto, a mobilidade é bastante reduzida.
Para além das comissões de cessação de transferência dos contratos de crédito à habitação, o facto de o crédito à habitação ser uma base primordial de cross-selling potencia o efeito de fidelização dos clientes relativamente a este produto bancário. Esta também foi uma conclusão importante a que chegámos.
O segundo relatório da Comissão Europeia confirmou a existência de uma relação negativa entre a mobilidade e medidas de poder de mercado tais como rentabilidade e quota de mercado. Este resultado mostra que a dinâmica da concorrência, em particular a mobilidade dos consumidores, é um factor muito relevante para a rentabilidade do sector.
Quanto às práticas de tying, isto é, juntar uns produtos com outros na oferta dos serviços bancários, é uma prática que, como sabem, reduz as escolhas dos consumidores e aumenta o poder de mercado das
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instituições para influenciar os preços. Os resultados do inquérito sugerem que a prática de tying em relação a determinados produtos bancários em Portugal é também superior à média da União Europeia.
Quanto aos sistemas de pagamentos, Portugal está acima da média no número de cartões per capita e no número de transacções com cartões per capita. Já todos sabemos que temos um sistema de pagamentos bastante moderno e relativamente eficiente. Portugal é o País com maior número de caixas automáticas por milhão de habitantes na União Europeia — o que é um indicador de modernidade desses sistemas —, sendo uma rede que oferece mais de 20 serviços distintos entre os quais levantamentos, consultas, pagamento de serviços, etc. A utilização destes serviços é gratuita para os detentores dos cartões da pagamento. A rede está distribuída pelo território nacional e, como sabem, a sua eficiência é reconhecida internacionalmente.
O serviço de emissão de cartões de crédito e débito é oferecido pelas diferentes instituições bancárias.
Neste mercado, existe concorrência intra-sistemas no âmbito da emissão de cartões da mesma marca, seja Multibanco, Visa ou de Mastercard, com excepção do sistema AMEX que é apenas oferecido pelo BCP.
A concorrência inter-sistemas, em particular entre sistema nacional de cartões de débito (Multibanco) e os sistemas internacionais está limitada. Neste ponto, apresento um resultado importante para este Parlamento que foi o seguinte: a proibição de cobrar taxas para o Multibanco levou os bancos a favorecerem os sistemas internacionais. Hoje, o Multibanco apenas tem 5% do total dos cartões movimentados e os 95% são cobranded, com a marca internacional, em particular com o Visa, como sabem. O Visa Electron, por exemplo, tem uma posição de elevado domínio.
Quanto à emissão de cartões, este negócio é extremamente rentável com taxas de rentabilidade de 65% nos cartões de crédito, de 47% nos cartões de débito. Uma componente fundamental desta taxa é o valor da comissão interbancária que é cobrada no sistema e destaca-se que a rentabilidade na emissão se mantém positiva com comissões interbancárias mesmo nulas.
Portugal tem uma situação relativamente ímpar na União Europeia quanto à parte do acquiring, ou seja, a parte que relaciona o sistema com os comerciantes e que, neste caso em particular, será a Unicre, que tem uma situação de quase monopólio, detém 90% do mercado, e que até há pouco tempo era o único a oferecer cartões Visa e Mastercard — o BPN só entrou no final de 2005 e tem ainda uma quota relativamente reduzida — e que só tem concorrência pela American Express.
O nível de concentração no acquiring é muito elevado na União Europeia, em geral, situação que não se verifica para a emissão dos cartões.
O Relatório conclui que os lucros persistentes em mercados maduros e os indícios de barreiras à entrada neste mercado sugerem uma situação de exercício de poder de mercado — importância da relação entre sistemas de cartões e a plataforma tecnológica e o impacto da existência de joint ventures no acquiring.
A análise de correlação entre os índices de concentração e o nível médio da taxa sobre os comerciantes não permitiu alcançar resultados conclusivos, tendo-se verificado, contudo, que a correlação é positiva tanto para os esquemas nacionais como para os esquemas internacionais.
Quanto ao SEPA que está em desenvolvimento vai revolucionar em grande parte o sector dos pagamentos, vai torná-lo mais concorrente a nível comunitário, na medida em que vai permitir que os sistemas se integrem em qualquer sistema que faça concorrência em qualquer país, independentemente do sítio em que está implantado.
A sua implementação está prevista, como sabem, para 2010, com um período de migração de sistemas entre 2008 e 2010 e o seu objectivo é aumentar a interoperabilidade de sistemas de transferências a débito, de transferências a crédito e sistemas de pagamentos com cartões.
O impacto em Portugal sobre sistemas de pagamentos com cartão será a necessária interoperabilidade da rede SIBS com as redes SEPA, separação entre redes de processamento dos sistemas de cartões de pagamento, evolução da marca Multibanco, criação de alianças com sistemas europeus, co-branding com marcas SEPA que respeitem as obrigações ou o seu desaparecimento.
Quanto aos seguros, a Comissão Europeia lançou um inquérito ao sector dos seguros com o propósito de caracterizar também o sector e avaliar as distorções da concorrência. A integração dos seguros ao nível da União Europeia traz benefícios para as seguradoras, os consumidores beneficiam de uma escolha mais ampla e a integração dos mercados não está completa e permanece sem barreiras à entrada neste mercado, que se reflecte no facto de a principal forma de entrada ser através de subsidiárias principalmente via aquisições que permitem ganhar quota de mercado.
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O Relatório atribui um nível de concentração elevado aos seguros Não Vida em Portugal, que tem acompanhado o aumento de concentração que se tem verificado na União Europeia.
A rentabilidade neste ramo de seguros, em Portugal, é elevada e também na União Europeia e o rácio dos seguros em Portugal, em 2005, era o quinto mais elevado dos 24 países dos Estados-membros.
A seguir à Holanda e à Áustria, Portugal é o Estado-membro que registou um maior diferencial no rácio do lucro das seguradoras relativamente a grandes empresas e a PME.
Vejamos, agora, alguns elementos da concentração BCP/BPI. Como sabem, esta operação foi notificada em Março de 2006 e consiste na aquisição do controlo exclusivo do BPI pelo BCP, através de uma OPA. A operação notificada está sujeita ao escrutínio da Autoridade e esta foi notificada no dia 1 de Março relativamente a essa operação.
Os mercados relevantes foram cerca de 60 que estiveram a ser analisados. Foram delimitados, segundo estes critérios, esses 60 mercados na área da banca de particulares, banca de empresas, banca de investimento, seguros, a banca por grosso e nos cartões de pagamento. A avaliação jusconcorrencial começou com a análise das quotas e a análise do funcionamento de cada um desses mercados em particular, foi feito um estudo das barreiras à entrada, dos switching costs, assimetria de informação, etc. e contou com o contributo do Banco de Portugal e do Instituto de Seguros.
No que diz respeito aos seguros, conjugou-se também a informação sobre a estrutura de mercado com a avaliação da preponderância e importância das barreiras à entrada e à expansão, a actividade seguradora é particularmente sensível, como sabem, às assimetrias de informação e, à semelhança do que acontece na banca, apesar da multiplicidade de agentes do lado da oferta, a estrutura de mercado é concentrada também nas principais players do mercado.
Depois da análise da primeira fase, não foi possível excluir preocupações jusconcorrenciais em 16 dos mercados relevantes, especialmente relativos aos clientes particulares, pequenos negócios e PME.
Para este tipo de clientes, as barreiras à concorrência mencionadas no contexto do relatório da Comissão assumiram particular relevância dados os problemas de switching costs, das assimetrias de informação e a importância da proximidade.
Consequentemente, como sabem, a Autoridade, em Julho, adoptou uma decisão de passagem a investigação aprofundada.
Neste quadro, estão identificados os níveis de concentração de mercados antes e depois. Em termos muito genéricos, direi que eles são relativos a serviços a particulares e pequenos negócios, a serviços a PME, a cartões de crédito e de débito, à banca de investimento e aos seguros de vida e fundos de pensões.
Portanto, foi aprofundada a análise e a informação, foram feitos estudos de natureza econométrica e há bocado citei os principais resultados. O impacto da concentração no mercado passa a constituir, em termos de activos, uma instituição que passa a ser a maior do mercado.
A capilaridade da rede do BPI, ao nível das diversas localidades e dimensão dessa rede, permite representar uma pressão concorrencial sobre os grandes players, nomeadamente sobre o BCP. Da concentração desaparecerá um dos cinco grandes bancos, como sabem. Os movimentos de consolidação entre instituições de crédito que detêm as grandes redes de balcão, dada a importância da proximidade para a concorrência nestes mercados, afectam a pluralidade da oferta disponível ao nível das diferentes unidades geográficas. Note-se que, após esta operação, estaremos num cenário em que estão presentes quatro redes que concorrem activamente entre si — a Caixa, o BCP, o BES e o Totta —, não sendo provável que surja a curto/médio prazo uma nova rede de balcões. Na avaliação de uma operação de concentração, é importante levar em consideração o seu impacto na capacidade de negociação dos particulares, pequenos negócios e PME associada à existência de uma base de instituições para comparação de preços e negociação das condições oferecidas.
Em termos da capilaridade da rede que foi estudada concelho a concelho, há um aumento da representatividade das redes de balcões do BCP nos diversos concelhos ao nível nacional, um cenário de não encerramento e não transferência de sucursais por parte da nova entidade. Portanto, as principais preocupações foram os mercados já identificados, os mercados particulares e pequenos negócios, ou seja, os mercados PME e de cartões de crédito. Assim, os 16 foram reduzidos a seis, aqueles em que subsistiam problemas significativos.
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Este tipo de clientes tem um menor poder negocial do que as grandes empresas ou clientes institucionais, para além disto a proximidade e os problemas de assimetria de informação e de switching costs são particularmente importantes. Estes problemas potenciam o impacto de operações de concentração ao nível de estrutura do mercado, ao agravar as barreiras à entrada e ao potenciar o poder de mercado das instituições, e o impacto de operação de concentração do poder de negociação das PME relativamente às condições oferecidas e ao seu nível negocial.
Estão aqui alguns indicadores da análise do crédito à habitação quanto aos spreads praticados, que, como sabem, variam entre 60 pontos-base e 160 pontos-base, sendo a maior incidência dos spreads entre os 80 e os 100 pontos-base, o que, em termos internacionais, são valores relativamente baixos. Por estes indicadores também podem verificar que existe uma elevada taxa de endividamento das famílias portuguesas, o que já sabíamos.
Quanto às contas correntes com as empresas, as taxas de juro situam-se entre 3% e 8%, embora haja algumas taxas mais elevadas, que são devido aos descobertos bancários. Mas esta dispersão elevada está, com certeza, relacionada com o risco das diferentes entidades. Também existe uma taxa relativamente elevada de endividamento em Portugal, que é conhecida por todos.
Ora, quais foram a solução para os problemas concorrenciais identificados nesta operação? Como sabem, a Autoridade já emitiu uma proposta de decisão, que está neste momento a ser analisada pelas duas partes — o BCP e o BPI, uma das partes é a notificante e a outra constituiu-se como interessado — e os compromissos que podem ser utilizados para resolver problemas são de duas naturezas: estruturais, como, por exemplo, os investimentos, ou comportamentais, como, por exemplo, a redução ou a eliminação dos switching costs.
Portanto, estes são os tipos de «remédios» que são aplicados em geral.
Em primeiro lugar, gostava de dizer que a lei portuguesa, ao utilizar o critério de dominância como base de rejeição de uma operação, só permite rejeitar uma operação no caso de se constituir nos mercados relevantes uma entidade, que, em geral, é a maior do mercado, e uma quota substancialmente superior em relação aos restantes concorrentes e, por outro lado, numa situação em que não existe qualquer concorrência efectiva suficiente para limitar o poder de mercado dessa instituição.
Ora, o que a Autoridade da Concorrência procura fazer, quando se constituem posições de domínio e os problemas identificados foram em seis mercados relevantes, é tentar verificar se há «remédios» que possam resolver esses problemas e não ponham em causa a totalidade da operação — e foi exactamente o caso desta operação, em que foram oferecidos pela instituição uma série de «remédios».
Já agora, antes de entrar na discussão sobre estes «remédios», devo dizer que houve o problema do tempo. Nesta análise houve dois factores cruciais que levaram a um tempo muito para além daquilo que a Autoridade desejaria.
O primeiro tem a ver com as informações fornecidas por uma série de bancos, que foram muito insuficientes, muitas vezes erradas, e que fizeram com que a Autoridade levasse imenso tempo a destrinçar o que era ou não correcto. Posso dizer que só este factor corresponde a cerca de dois ou três meses na análise da Autoridade.
O outro factor importante foram as negociações entre a Autoridade e o BCP, que foram muito prolongadas e muito difíceis, porque o banco começou com a atitude de dizer que não havia problemas de concorrência, e, assim, não tinha de oferecer qualquer «remédio».
Portanto, os compromissos assumidos são de quatro tipos: o primeiro é a alienação das participações do BCP e do BPI na Unicre, na medida em que a nova entidade BCP/BPI teria uma posição de influência dominante na Unicre, e já vimos que a Unicre tem uma posição de quase monopólio do lado do acquaring; o segundo é o desenvolvimento de uma operação de acquaring, o que quer dizer que passaríamos a ter de facto dois grandes players no mercado em Portugal, os bancos associados à Unicre e o BCP, que constituiriam uma operação com uma quota de mercado muito significativa, e, portanto, passaríamos a ter uma concorrência mais efectiva no mercado dos cartões de crédito e de débito.
O segundo compromisso está ligado com um problema que já aqui falei. Em primeiro lugar, a Autoridade da Concorrência considera que é um factor importantíssimo para a manutenção da concorrência em Portugal ter, pelo menos, quatro redes de cobertura nacional, é, por exemplo, um critério que a Autoridade britânica também segue, e que corresponderia ao limite a que atingiria esta operação.
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No entanto, é evidente que estamos preocupados com a sua incidência a nível local, muito por causa das relações de proximidade, e isto implicou a transferência de 60 sucursais por parte do BPI, que são previamente identificadas, segundo critérios definidos pela Autoridade — por exemplo, nenhum conselho deve ter menos de quatro bancos presentes, e, portanto, o BCP, nestas circunstâncias, obrigou-se a alienar sucursais para que este limite nunca fosse ultrapassado —, e a transferência de um valor de 450 milhões de euros em créditos das PME para os concorrentes, através, eventualmente, das sucursais. Estes dois «remédios» conjugados correspondem a uma redução do crédito às PME, que foi de facto um sector onde identificámos o maior problema, para além da questão dos cartões, redução esta em cerca de 20% da carteira de crédito às PME do BPI.
Quanto às medidas relativas à mobilidade dos clientes-empresa, o BCP compromete-se a, durante um determinado período de tempo, não exigir comissões de encerramento devidas pela rescisão unilateral de contratos, compromete-se a realizar operações solicitadas por esses clientes necessários ao cancelamento dos meios de pagamentos e de outros serviços que estão associadas a estas contas e compromete-se a facultar a esses clientes certos dados da relação bancária, em particular às PME, a quem se compromete entregar uma espécie de certidão da relação bancária para a transferência para outras instituições de crédito.
Estiveram na mesa outros «remédios» relativos aos switching costs, mas, dada a iniciativa legislativa que foi adoptada recentemente, ficaram ultrapassadas.
Conclusões da minha exposição: as especificidades sectoriais da banca e a estratégia das instituições bancárias determinam em grande parte a estrutura do mercado; os principais problemas concorrenciais estão associados às barreiras à entrada de novos concorrentes ou à expansão de concorrentes de pequena dimensão; os switching costs reduzem a mobilidade e são um instrumento para tentar fidelizar os clientes; a falta de elasticidade da procura decorre dessas barreiras à mudança de fornecedor e pode criar condições para o exercício de poder económico, as economias de escala em particular; a importância de um banco ter uma rede de balcões extensa e capilar faz com que a dimensão seja crucial para exercer concorrência efectiva; existe um conjunto de recomendações para eliminar as barreiras à concorrência no sector bancário por parte, como sabem, da Comissão Europeia — em termos de propostas, já veremos o que a Autoridade fará para o mercado português — e que tem a ver com a redução dos switching costs, especialmente pecuniários, a criação de pacotes de medidas que permitam a mobilidade fácil entre clientes de uma instituição para outra, o aumento da transparência das condições oferecidas, para tentar reduzir os problemas de informação assimétrica e o tying na prática bancária.
Não vou detalhar alguns destes aspectos das boas práticas internacionais que surgiram nos últimos anos.
Temos aqui um primeiro exemplo, que é limitar o tying. O Reino Unido emitiu uma série de regulações que limitam o tying nos bancos, sobretudo na prática da sua relação creditícia com as pequenas e médias empresas. Na Holanda, está em construção — e penso que já entrou em prática — um mecanismo em que os clientes, através da Internet, podem facilmente mudar de um banco para o outro por uma série de instruções sem precisarem de o transmitir ao banco detentor das suas contas, não negoceiam com o banco, apenas transmitem essa ordem ao banco, e automaticamente todas as contas, por exemplo de débito directo (contas da luz, da água, etc.), são transferidas para a nova entidade. Há um período de transferência, mas é um mecanismo que permite maior mobilidade e tem-se revelado bastante eficiente, em minha opinião, por causa dos indicadores que já se conhecem. Este mecanismo foi utilizado 115 000 vezes durante os dois primeiros anos, foi introduzido em Janeiro de 2004. Cerca de 49% das pessoas conhecem este serviço e entre os que consideram mudar 74% têm conhecimento deste serviço.
Outra experiência interessante é o código de conduta sobre a informação a prestar pelos bancos aos seus clientes e que foi introduzido na Irlanda e que também obriga a maior transparência quanto às comissões cobradas, quanto aos prazos, quanto às condições das operações, etc.
Finalmente, a troca de informação sobre PME foi introduzida em Portugal — de acordo com o nosso conhecimento, existem só dois ou três países a nível europeu que praticam — através desta operação no caso do BCP/BPI.
Posso dizer que são áreas de preocupação da Autoridade. Vamos procurar utilizar estas boas práticas. Já entrámos em contacto com o Banco de Portugal com quem vamos trabalhar. Já estamos a constituir um grupo de trabalho para tentar introduzir estas boas práticas em Portugal.
Com isto termino e estou disponível para qualquer pergunta que desejarem fazer-me.
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O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Prof. Dr. Abel Mateus.
Tivemos, como seria de esperar, uma exposição muito detalhada, que nos permite apreciar o estado da arte da concorrência no contexto europeu e a sua dinâmica, permite-nos ver quais são os passos fundamentais que a Autoridade da Concorrência está a dar, designadamente no sentido de assegurar ou de promover uma maior concorrência ou mais equilibrada na defesa dos interesses dos consumidores e na eficiência do sistema e numa correcta e eficaz alocação de recursos no interior do sistema financeiro.
Sr.as e Srs. Deputados, temos materiais muito significativos. Compreendemos que se está no momento de mudança. O debate vai ser certamente muito interessante, porque as matérias de actualidade a isso também o convidam.
Vamos agora proceder, como é habitual.
Julgo que o Partido Socialista, a quem cabe oficialmente a primeira voz, declina e, por razões de deferência, concede-a ao Partido Social Democrata e, depois, respeitamos a ordem das intervenções.
No final destas, o Sr. Presidente da Autoridade da Concorrência responderá em bloco, após o que temos uma segunda fase de inscrições livres por parte dos Srs. Deputados.
O Sr. Hugo Velosa (PSD): — Sr. Presidente, quero cumprimentar o Sr. Prof. Abel Mateus, Presidente da Autoridade da Concorrência, com todo o gosto, como o fiz há tempos na reunião de Assuntos Económicos em que me coube, em nome do Grupo Parlamentar do PSD, colocar questões e dizer o que pensamos sobre o papel da Autoridade da Concorrência.
Começo pelo fim, dizendo que a minha intervenção vai cingir-se fundamentalmente à questão do sector financeiro. Mas, atendendo à abertura do Sr. Prof. Abel Mateus para responder às questões que os Deputados lhe pusessem, vou, talvez numa ou noutra matéria, afastar-me um pouco do sector financeiro e da actividade em geral da Autoridade Concorrência.
Ouvimos com muita atenção todo o conteúdo desta intervenção e o documento que nos foi entregue, que analisaremos, depois, com todo o cuidado.
Gostaria de começar por dizer que temos noção de que a Autoridade da Concorrência foi criada ainda não há quatro anos com um papel importante, e, aliás, nos últimos tem-se notado que é cada vez mais importante em vários sectores, nomeadamente no financeiro, em relação à matéria da concorrência, das posições dominantes, da criação de uma cultura de concorrência em Portugal, que temos de concordar que ainda não existe.
Portanto, nestes quatro anos, o Grupo Parlamentar do PSD tem apreciado o papel da Autoridade da Concorrência e do seu Presidente no sentido de procurar instalar em Portugal essa cultura de concorrência. O que não quer dizer que, do nosso ponto de vista, tudo esteja bem, porque, obviamente, há uma fase de instalação, a fase do começo de funcionamento em pleno e, face à vida do sector financeiro de hoje, as coisas vão evoluindo e vão aparecendo situações novas e, muitas vezes, a própria legislação, o estatuto, os regulamentos, aquilo que é aplicável à actividade da Autoridade da Concorrência vão-se tornando, com a celeridade das questões, obsoletas ou atrasadas e têm de ser substituídas.
Em relação a estes quatro anos, entendemos que o balanço é positivo.
Começo pela questão das OPA, sobretudo desta. Não vou colocar questões de conteúdo sobre o que foi entendido pela Autoridade da Concorrência como os remédios ou as soluções que foram dadas aos intervenientes desta matéria. Não vou por aí porque isso já é matéria de muito comentário por todos os lados, na opinião pública e não só. Mas aqui no Parlamento, e como Deputado, o que me faz alguma confusão (já o disse há dias ao Prof. Abel Mateus) é a morosidade dos processos das OPA. Porquê? Porque a morosidade é a maior inimiga do livre funcionamento do mercado para que as OPA possam produzir o seu efeito sem quaisquer interferências que vão surgindo ao longo do tempo, e que é normal.
Esta é primeira questão fundamental que se coloca.
É evidente que o Presidente da Autoridade da Concorrência dirá: «nós temos os regulamentos, aquilo que temos de cumprir e tudo isto demora o seu prazo. Temos que assegurar o contraditório. Têm de ser ouvidas as partes, há todo um processo»«.
Penso que era preciso fazer alguma coisa quanto a isto. Esta é a questão geral que deixo. Virão novas OPA, e ainda bem para o mercado de capitais em Portugal e para as empresas. Mas por este processo»
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Em Portugal, começámos há pouco tempo com uma cultura a que chamaria de Simplex. Não vou dizer que nas OPA devesse funcionar um Simplex, porque é preciso assegurar regras fundamentais, tal como no sistema de justiça. Espero que nunca se lembrem que a justiça deve funcionar em Simplex. Mas não há dúvida de que era necessário haver uma maior celeridade nestas decisões, porque, como penso que o Professor Abel Mateus compreenderá, o tempo que demoram estas decisões não é bom conselheiro, não é bom para o mercado, não é bom para os objectivos das OPA e para nós este é o problema fundamental.
Portanto, a questão é a de saber o que é que se pode fazer: alterar a regulamentação? Alterar o sistema de funcionamento do parecer da autoridade da Concorrência sobre esta matéria? Era esta a primeira ordem de questões que gostaria de colocar.
Saindo um pouco desta matéria das OPA, gostaria de confrontar o Presidente da Autoridade da Concorrência com algumas frases que tenho lido já depois de ter estado com V. Ex.ª na reunião da Comissão de Assuntos Económicos e que para um parlamentar são preocupantes. Entendemos que se o Presidente da Autoridade da Concorrência diz, por exemplo, que os cartéis abundam na economia portuguesa, que os estatutos blindados em empresas violam a livre concorrência, é uma verdade absoluta mas tem de consequências a partir do momento em que a frase é proferida.
Diz também o Presidente da Autoridade da Concorrência que há cerca de meia dúzia de cartéis em investigação avançada na área dos serviços e dos fornecimentos ao Estado. Esta questão da existência de cartéis que é alvo de investigação por parte da Autoridade da Concorrência leva-me a perguntar o que é que está a ser feito para o evitar.
Lembro-me que, na última reunião que tivemos, questionei o Sr. Presidente da Autoridade da Concorrência sobre a questão dos combustíveis, que me disse que lhe faltavam meios para poder actuar nesse sector, no sentido de evitar qualquer cartelização ou qualquer distorção à concorrência. Ouvir isto preocupou-nos e, portanto, a questão que se coloca é a de saber o que é que se vai fazer para evitar isto, o que é que é necessário. Trata-se de um problema de meios financeiros.
Recordo-me agora, por exemplo, que o Tribunal de Contas, na auditoria que fez ao funcionamento da Autoridade da Concorrência, no início da sua actividade desta, também levantou algumas questões um pouco preocupantes, nomeadamente a do seu financiamento.
O Tribunal de Contas é claro ao dizer que entende que a Autoridade da Concorrência deve ter um sistema de financiamento diferente do que tem e penso que V. Ex.ª sabe bem ao que me refiro, pois conhece essa decisão.
O próprio acórdão do Tribunal de Contas levanta uma outra questão que também me parece preocupante e que, enquanto Deputado, desconhecia, que é a que se refere ao estatuto do pessoal e da carreira dos funcionários da Autoridade da Concorrência. Esta questão é preocupante, pelo que pergunto se é isto que tem a ver com o que o Sr. Professor disse há dias na Comissão de Assuntos Económicos quanto a uma certa falta de meios para conseguir resolver alguns dos problemas que se colocam à Autoridade da Concorrência.
Uma outra questão, que já uma vez coloquei ao Sr. Presidente, não nesta última audição, mas numa anterior, prende-se com as relações entre a Autoridade da Concorrência e os reguladores. Embora acredite que tudo isso está perfeitamente resolvido, pergunto: está mesmo resolvido? É que, na sequência do acórdão do Tribunal de Contas, parece que entre a ANACOM e a Autoridade da Concorrência haverá alguma divergência. Estive a ler a posição da ANACOM e achei-a um pouco confusa e não me pareceu minimamente preocupante para aquele que deve ser o papel da Autoridade da Concorrência. Portanto, isso não está em causa.
O que está em causa é saber se, neste momento, essas matérias estão todas devidamente separadas por protocolos, por força da legislação, seja pelo que for, porque, obviamente, devem estar, sob pena de haver choque de actuações ou de competências entre as várias entidades reguladoras.
Sobre o sector dos serviços banca e seguros, também falámos há dias sobre esta matéria acerca da qual tenho muitas dúvidas.
Já conhecíamos o relatório da Comissão sobre os problemas de concorrência aplicáveis à banca, ao sector segurador, nomeadamente no ramo não vida em Portugal, onde existe um grande nível de concentração. Isso já tinha sido dito antes.
Portanto, a questão que se tem de pôr é a de saber o que é que a Autoridade da Concorrência está a fazer exactamente para evitar este tipo de situações, porque o relatório da Comissão Europeia não é muito positivo
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numa série de questões — que, aliás, foram aqui referidas — em relação a Portugal. É evidente que existem países que estão em pior situação, mas com o mal dos outros bem podemos nós! Se a função da Autoridade da Concorrência é fazer com que as regras da concorrência funcionem no sector financeiro e na banca, quer na área do mercado de capitais quer na área do mercado de crédito, quer na área dos seguros, não há dúvida de que é, no mínimo, preocupante que não se saiba o que está a ser feito (ou o que pode ser feito) para que, de uma vez por todas, nestes sectores de serviços, se instale nos respectivos operadores, quer na banca quer nos seguros, uma cultura de concorrência, aspecto que seria fundamental para os cidadãos enquanto consumidores.
Para terminar, gostaria de colocar uma questão genérica, global sobre o funcionamento da Autoridade da Concorrência, que consideramos muito importante e da qual se tem falado cada vez mais nos últimos tempos, pelo menos do ponto de vista do Parlamento. Refiro-me à questão da independência das entidades reguladoras.
Em relação às entidades reguladoras — e, julgo, em alguns aspectos, também em relação à Autoridade da Concorrência — há indícios que demonstram que pode haver uma certa governamentalização de algumas decisões.
Por exemplo, do ponto de vista legislativo, recordo que a Autoridade da Concorrência pode tomar uma decisão, mas se o operador ou o agente interessado interpor um recurso para o Sr. Ministro da Economia, que é quem, no fundo, «tutela», esta matéria, o Sr. Ministro da Economia pode decidir livremente em sentido contrário ao que decidiu a Autoridade da Concorrência, daí já não cabendo recurso. Portanto, o Ministro pode tomar uma decisão sem consultar mais ninguém, ou seja, pode fazê-lo sem mais! Esta é uma questão de fundo fundamental, a questão da independência das entidades reguladoras e, neste caso, diria, da mais transversal de todas, que é a Autoridade da Concorrência.
Gostava de conhecer a opinião do Sr. Presidente da Autoridade da Concorrência sobre esta matéria da independência. Recordo, por exemplo, que, no futuro, os parlamentos (mais do que os governos) deverão ter uma actuação fiscalizadora mais directa em relação às entidades reguladoras.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Leonor Coutinho, do Grupo Parlamentar do PS.
A Sr.ª Leonor Coutinho (PS): — Sr. Presidente, gostaria de, em meu nome e em nome do PS, cumprimentar o Sr. Presidente da Autoridade da Concorrência e agradecer a magnífica exposição que aqui nos fez, dando um cariz nacional a um certo número de preocupações e de análises que estão a ser feitas ao nível da Comissão Europeia.
Gostaria de fazer-lhe três tipos de pedidos de desenvolvimento.
O primeiro tem a ver com o mercado único e as preocupações de concorrência e de competitividade.
Estamos num momento em que a União Europeia está a legislar no sentido da harmonização de práticas e da criação de um verdadeiro mercado único. É evidente que há legislação, como, por exemplo, sobre crédito à distância, que já foi transposta para Portugal, mas em que não houve sequer a preocupação de aplicar as mesmas regras ao crédito interno. Ou seja, há aqui um problema que, a meu ver, interessa à Autoridade da Concorrência e que tem a ver com a adaptação do nosso sector às regras internacionais que vão sendo elaboradas a partir de contextos diferentes e, normalmente, de contextos que têm pouco em conta a nossa situação.
Por exemplo, no que respeita ao sistema SEPA dos cartões, nós partimos de uma situação mais favorável no caso do Multibanco, em que as transacções não são pagas, mas partimos de uma situação mais desfavorável noutros sectores.
Portanto, na negociação dessas regras europeias seria importante que os portugueses estivessem mais alertados para os problemas específicos, para que, depois, não lhes caia em cima da cabeça um certo número de regulamentos que lhes podem ser também desfavoráveis. Além de mais, é importante que haja tempo para arranjar uma melhor solução, sobretudo do ponto de vista dos consumidores.
Em segundo lugar, o Sr. Presidente da Autoridade da Concorrência falou de muitos assuntos ligados aos códigos de boas práticas, e pareceu-me interessante que tenha ido buscar a vários países diferentes boas práticas.
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Todos nós sabemos que há muito más práticas bancárias por muitos sítios. Aliás, não é por acaso que este é um dos sectores em que a não penetração de bancos não nacionais é mais fraca. Ou seja, em todos os outros sectores, a interpenetração dos mercados nacional e internacional é muito superior ao do sector bancário — em Portugal, ainda mais do que o costume. Daí que os códigos de boas práticas constituam, de facto, uma preocupação muito importante do ponto de vista da competitividade do sector, do seu funcionamento e, também, da protecção dos consumidores.
Por exemplo, os códigos de boas práticas adoptados no crédito à habitação, a nível da União Europeia — que, aliás, não foram adoptados por todos os países, mas apenas por alguns, entre os quais o nosso —, na realidade foram adoptados no papel, porque na prática não houve qualquer fiscalização e verificaram-se várias tentativas de associações de consumidores adoptarem a prática do cliente mistério, o que demonstra que esses códigos de boas práticas muitas vezes não são aplicados.
Penso que a Autoridade da Concorrência ou os reguladores podem ter um papel importante na divulgação desses códigos de boas práticas que têm dado bons resultados a nível de outros países — o banco central holandês disponibilizou na Internet muita informação que, aliás, seria extremamente interessante consultar.
Gostaria de perguntar se essa démarche de códigos de boas práticas não deveria ser muito mais importante em Portugal. Ou seja, há pouca divulgação, pouco conhecimento e, mesmo quando se diz que são adoptados, depois há pouca fiscalização, pouco acompanhamento, pouco seguimento de facto das práticas realmente adoptadas pelos bancos.
É aqui dito — e é verdade — que um dos grandes problemas se deve ao facto de os consumidores não serem bem informados. É evidente que os sectores financeiros são dos que mais evoluíram nos últimos anos e o que é certo, também, é que a população de todos os países, e também a de Portugal, abriu-se à penetração da banca, essencialmente através do crédito à habitação, muito, muito rapidamente.
Se a informação é muitas vezes assimétrica, neste sector é quase pornograficamente assimétrica, é completamente assimétrica. O facto de os consumidores estarem bem informados sobre as alternativas disponíveis já é um primeiro passo, que não existe. E, obviamente, cada banco não vai alertar o consumidor, contrariamente ao que ditam os códigos de boas práticas (que podem ser divulgados pelos próprios bancos).
Mas é evidente que, neste sector, nunca poderão ser os bancos a fazer tal divulgação.
Uma vez que, em Portugal, se está a discutir actualmente a nova configuração da regulação do sector financeiro, gostaria de o ouvir sobre a importância das funções de acompanhamento das regras de informação e de fiscalização das boas práticas e também sobre a informação comparativa, que só existe, obviamente, se os reguladores se empenharem em que ela exista. É evidente que a CMVM deu alguns passos recentemente nesse sentido, mas a nível dos outros sectores, essencialmente o bancário, não há essa informação comparativa.
Um terceiro domínio de actuação que deveria incumbir ou, pelo menos, ser apoiado pela regulação sectorial (se queremos ultrapassar estas medidas) tem que ver com a formação dos cidadãos e das empresas.
Se olharmos para uma zona como a Florida, verificamos que há formação a todos os níveis em matéria financeira, desde as escolas até aos empresários. É evidente que, num país como o nosso, as carências de informação são muito maiores, por isso penso que era importante que houvesse acções direccionadas nesse sentido e com alguma consistência, de forma a darem resultados e não serem um esbanjamento de dinheiros.
Ora, justamente num momento de alteração do sistema de regulação parece-me importante que sejam feitas recomendações neste sentido. Sei que foi aprovado no dia 28 de Dezembro, segundo o relatório do Conselho de Ministros, um certo número de medidas de forma a diminuir de facto os switching costs, pelo menos no crédito à habitação. Portanto, penso que o Governo está relativamente empenhado em atacar algumas das más práticas que são extremamente negativas para os consumidores, uma vez que se impede a concorrência quando os bancos pedem, por exemplo, numa amortização antecipada, comissões que não têm qualquer razoabilidade do ponto de vista dos custos; obviamente, o seu único objectivo é o de impedir a concorrência.
O mesmo se passa quando, ao contratar um crédito à habitação, se fica obrigatoriamente ligado à manutenção de outros produtos bancários, por vezes em contratos com uma duração superior a 40 anos! Ou seja, uma pessoa fica «agarrada» a seis produtos diferentes para ter o seu crédito bancário durante mais de 40 anos. Espero que estas práticas venham a ser contrariadas pela nova legislação, práticas que não podem
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deixar de ser acompanhadas. Aliás, basta conhecermos as queixas dos consumidores para percebermos que, muitas vezes, as boas práticas não passam do papel.
Também gostaria de o ouvir sobre um terceiro ponto, que tem a ver com a penetração dos bancos noutros sectores de investimento mais rentáveis — por exemplo, o imobiliário.
Quando vemos a configuração do imobiliário em Portugal, que é dos sectores mais rentáveis da economia, constata-se que, de facto, a banca se associa (ou cria empresas), aparecendo o imobiliário como uma actividade muito ligada à actividade bancária.
Se compararmos a estrutura do sector num país como a Espanha, por exemplo, para não irmos mais longe, verificamos que há muito mais empresas nesse sector cotadas em Bolsa, empresas que têm, portanto, a sua consolidação ao nível do mercado de capitais, algo que é também um dos objectivos para Portugal, e que não existe. Não sei se não tem uma certa influência nisso o facto de os sectores mais rentáveis serem praticamente «secados» por influência directa de um sector que, obviamente, tem vantagens comparativas muito maiores em relação a outros sectores.
O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra o Sr. Deputado Honório Novo pelo Partido Comunista Português.
O Sr. Honório Novo (PCP): — Sr. Presidente, queria começar por cumprimentar o Prof. Dr. Abel Mateus.
Ontem à noite, quando estava a pensar nesta audição, tive a preocupação de ir buscar os elementos da nossa conversa, nesta Comissão, em Maio do ano passado. E verifiquei que, na altura, o Professor dava uma ênfase muito especial ao grau de concentração do sector bancário em Portugal.
Dizia de uma forma expressa, quer nos elementos escritos quer nos elementos orais, digamos assim, que ele era bem superior à média europeia e que se encontrava, cito, «próxima do cluster dos níveis mais elevados».
Dizia também, na altura, o Prof. Dr. Abel Mateus, uma vez que já estava em curso a OPA do BCP sobre o BPI, que essa OPA era um «novo e adicional problema nesses níveis de concentração».
Acabo de citar palavras próprias do Prof. Dr. Abel Mateus, no ano passado.
A decisão da Autoridade da Concorrência foi a de autorizar a concentração do BCP e do BPI. E, independentemente da análise técnica das soluções, independentemente de pertinência da validade das questões técnicas que estão por detrás dos chamados «remédios», a verdade é que é dificilmente compaginável aquilo que se disse o ano passado com a decisão da Autoridade. Isto é, sem prejuízo da concretização dos «remédios», é verdade, ou não, que vai haver aumento da concentração bancária? É verdade, ou não, que vai diminuir a concorrência? E se são verdade uma coisa e outra, como é que «diz a cara com a careta»? Para uma pessoa que nos esteja a ouvir, é dificilmente perceptível como é que a Autoridade da Concorrência diz, e reforça de certa forma este ano, embora de uma maneira mais mitigada (consegui entender essa subtileza), que em Portugal a concentração do sector bancário é das mais elevadas, que atinge níveis bastante anticoncorrência, e simultaneamente se permite este acto de fusão, independentemente dos «remédios».
Sei que o Prof. Dr. Abel Mateus faz uma vaga referência aos limites da lei portuguesa. Era importante que os percebêssemos. E, já agora, era importante que o senhor, do ponto de vista da concorrência ou da permissão da concorrência, comentasse a actual legislação, para percebermos em que medida é que podemos intervir a esse nível e se o limite da lei portuguesa permite, ou não, uma fusão ad eternum, quase sem limites.
Há uma outra nota que não queria deixar de referir aqui, neste momento, a propósito destas situações.
Aliás, deixe-me só fazer referência a uma coisa já «morta», que «morreu» no final da semana passada.
Às vezes as soluções ou os «remédios» encontrados parecem, do ponto de vista formal, muito correctos, mas esbarram com o senso comum da impossibilidade prática de se verificarem. Onde é que quero chegar? É também à dificuldade em perceber por que é um «remédio» da OPA da Sonae sobre a PT era a fusão das duas redes móveis, mesmo libertando uma vaga. Mas, ao libertar essa vaga, sabe-se que somos 10 milhões de portugueses e já quase todos temos telemóvel, portanto, o mercado é de «aumento limitado», passo o
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exagero. Por que é que se utiliza este «remédio» académico, para permitir uma fusão que vai ou que iria — não vai, felizmente — ganhar uma quota de mercado de cerca de 65% das comunicações móveis? Quem nos ouve, dificilmente entende isto, mesmo que se acene com o «remédio» da criação de uma vaga nas comunicações móveis, que, já se sabe, dificilmente seria ocupada pelo mercado, portanto, pela concorrência.
Refiro isto só para ilustrar, Sr. Prof. Dr., a utilização de alguns «remédios» que são teóricos, académicos e até muitos bons quando construídos do ponto de vista técnico, mas que depois se percebe que não funcionam no mercado e, afinal, as soluções encontradas, apesar dos «remédios», não são a favor de concorrência mas, sim, a favor da concentração.
A propósito destas questões de concentração, há algo que me preocupa. Sei que isto não é da responsabilidade, nem da competência, nem das atribuições da Autoridade da Concorrência, e só o refiro em estilo de desabafo (acredite, Professor), mas sempre que se fala nestas questões de fusões, de OPA, de concentrações nunca vejo abordado o problema das consequências sociais. Nunca. Nem uma palavra, nem um sublinhado, nem um ponto de ordem, nem um parêntese. E chego a concluir, independentemente das atribuições, das competências, que todos os protagonistas e actores nesta discussão estão tranquilos.
Já percebi porquê. É por más razões, certamente. É que, como qualquer destas operações aumenta o número de desempregados, aumenta seguramente os níveis de concorrência entre desempregados à procura de emprego. Só se for por causa disso, porque, de facto, está assegurado o aumento da concorrência entre desempregados, porque, se aumenta o número de desempregados, aumenta o nível de concorrência. É lamentável que assim seja.
Mas deixe-me desabafar, porque nunca vejo isso abordado, lamentavelmente, num País que também deveria ter preocupações sociais ao abordar estes temas. E é, reconheço, uma questão que não é da sua competência. É um desabafo que queria fazer neste momento, a propósito deste debate.
Uma outra questão abordada pelo Professor foi a do estado da arte do sector bancário.
É verdade que o que me parece, de algumas das projecções feitas, é que algo não está bem. E de uma forma até relativamente explícita esse «não está bem» vem no PowerPoint que nos apresentou, quando refere que as taxas de juro da banca portuguesa são próximas das médias europeias, apesar de a economia portuguesa estar quase estagnada. Este apesar é bem colocado aqui, porque dificilmente se entende que numa economia quase estagnada como é a portuguesa, com níveis de desenvolvimento e de crescimento económico que são os piores da Europa a 25 — são dados recentes —, haja um sector que por acaso tem uma taxa de lucro que é semelhante à média europeia.
Já agora, desafio o Professor para que de hoje a um ano, quando nos encontrarmos aqui, além de um quadro que mostre os resultados líquidos antes de imposto, com proveniência da OCDE (2005), possamos também comparar os resultados líquidos deste sector depois do imposto. Seria, certamente, elucidativo ao nível da informação e até ao nível do debate político em Portugal; seria interessante que pudéssemos conhecer esse quadro comparativo.
O Professor assinala, e bem, que a queda de margem financeira é compensada no sector financeiro, em Portugal, pelas receitas de comissões e por outros rendimentos deste tipo. E aqui coloca-se um conjunto de questões. A Sr.ª Deputada Leonor Coutinho já referiu alguns desses rendimentos, mas há outros, como as comissões de cessação do contrato, a obrigatoriedade de aceitar pacotes, etc.
Há um ano, se a memória não me engana, o Professor também referiu, de uma forma expressa, que, por exemplo, sobre as comissões de cessação de contrato, entre outras, estava a Autoridade da Concorrência a desenvolver uma série de estudos. Sabemos que, passado um ano, foi o Governo que tomou iniciativas legislativas relativamente aos arredondamentos dos contratos do crédito à habitação. Suponho que é ainda só a habitação.
A questão é a seguinte: qual é o estado da arte do sector bancário? Isto é, tendo a Autoridade atribuições para propor legislação ao Governo, qual é o estado da sua reflexão interna ao nível global dos custos, das taxas e das comissões deste sector, que, já se percebeu, e reconhecidamente, estão a ser inflacionadas para manter as tais taxas de lucro? Pretendo saber qual é o estado de desenvolvimento da reflexão por parte da Autoridade da Concorrência, para nos permitir visualizar soluções legislativas que contenham esta espécie de «sanguessuga» em que se transformou as comissões e as taxas bancárias e que, obviamente, prejudica os clientes.
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É absolutamente incontornável que se abordem — já foram aqui referidas pelo Sr. Deputado Hugo Velosa — as questões do Tribunal de Contas e as referências que este faz à Autoridade da Concorrência.
Logo, era capaz de lhe sugerir, Professor, que fizesse, em roda livre, algumas observações sobre os comentários mais polémicos do Tribunal de Contas. E, naturalmente, o Professor não vai ficar calado, nem eu, como o Ministro da Economia e da Inovação ficou, porque, pelos vistos, instado a comentar e a pronunciar-se sobre questões levantadas pelo Tribunal de Contas calado ficou. Não é que nos surpreenda, porque o Sr.
Ministro da Economia e da Inovação muitas vezes fala quando deve e está calado quando deveria falar.
Mas a verdade é que gostaríamos de observar os seus comentários sobre a questão do estatuto e perceber exactamente qual é a iniciativa que está pendente, não se sabe há quanto tempo, há quanto anos e há quantos governos (é importante que também relativizemos esta informação), sobre a alteração do Estatuto da Autoridade da Concorrência. Segundo o seu ponto de vista e o da Autoridade da Concorrência, que tipo de iniciativa deve ser, que contornos e orientações deve ter e que debate está a ser feito ou foi feito, no passado, entre o Governo e a Autoridade da Concorrência; e o mesmo para o financiamento.
Mas queria colocar um outro acento tónico na avaliação ex post das recomendações que a Autoridade da Concorrência faz. Entre outras, o Tribunal de Contas refere recomendações ao Governo, que conhecemos, mas vou citá-las, para todos percebermos do que falamos. Em certos sectores, por exemplo, da economia, como o licenciamento de grandes superfícies, mercados de combustíveis, farmácias, aquisições de serviços ou comunicações para a administração central, a Autoridade da Concorrência fez recomendações. Que acompanhamento, ex post, é que fez sobre o cumprimento destas recomendações? Que cumprimento é que as autoridades recomendadas seguiram ou fizeram seguir ou não relativamente ao conteúdo dessas recomendações? Gostava que o Sr. Prof. abordasse também este tema.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.
O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Sr. Presidente, em nome do CDS, gostava de começar por cumprimentar o Sr. Presidente da Autoridade da Concorrência e agradecer a possibilidade de aqui estar para podermos debater estas matérias, até porque consideramos que elas serão, de forma crescente, daquelas que o Parlamento mas deve fiscalizar, discutir e, se calhar, desenvolver a discussão política que é positiva para a área.
Por outro lado, quero salientar que temos notado a crescente importância que publicamente vai assumindo a Autoridade da Concorrência e também, como é evidente, a crescente importância que vão assumindo as posições que o seu presidente vai tomando, muito evidentemente devido ao «frenesim» de natureza económica e de operações de mercado que vão surgindo, que nós vemos de uma forma positiva, porque é sinal de que o próprio está a funcionar, independentemente do seu sucesso ou insucesso na parte final.
A primeira questão que lhe quero colocar, que já foi aqui aflorada pelo Sr. Deputado Hugo Velosa, tem a ver com o tempo que demoram algumas das operações no mercado. V. Ex.ª ainda há pouco nos disse que, em parte, alguns dos problemas de natureza temporal que existiram quanto à tomada de posição sobre a OPA do BCP em relação ao BPI tiveram a ver com dificuldades informativas por parte dos bancos, pelo que percebi, para fazer o desenho do mercado. Ora, a nós parece-nos que o tempo que estas acções demoram é excessivo. Elas podem começar no princípio do ano, passam pelo Natal e pelo fim do ano e só depois é que terão o seu epílogo final.
As questões que lhe quero colocar são as seguintes: Será que é necessário — nós somos um órgão legislativo — ponderar mexer no quadro legislativo no plano da concorrência em relação a estas matérias? Será que estamos perante um excesso de garantias ou estamos perante uma situação contrária em relação as essas mesmas garantias? Será que estamos perante uma situação em que as autoridades que tratam destas matérias da concorrência necessitam de mais meios e temos de ponderar seriamente essa matéria? É que parece-nos, de facto, impossível ou muito difícil para as empresas estarem durante um ano, no mínimo, com a sua actividade condicionada, e isso nota-se, bastando para tal analisar as variações que o mercado e o mercado bolsista têm em relação a estas matérias.
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Será que, se calhar, falta também em relação às próprias empresas em geral uma cultura de concorrência em Portugal, que tem de ser desenvolvida, ou estamos a passar por um estádio normal? O Sr. Presidente referiu que o sistema de informações não estava completo, mas agora, possivelmente, em próximas operações, já é mais fácil de determinar. Será que estamos, possivelmente, a falar de algo que até pode ter acontecido noutros estádios e que é perfeitamente normal e que o passo a seguir já será totalmente diferente? A segunda questão que lhe quero colocar tem a ver, por um lado, com o slide n.º 11, que refere precisamente que os cinco maiores bancos são nacionais em Espanha, França, Itália, Reino Unido e Suécia, e, por outro, com uma afirmação que o Sr. Prof. fez numa entrevista que deu, que se refere à questão dos campeões nacionais que apareciam entre aspas. Gostava de saber se este critério da nacionalidade é, pura e simplesmente, um critério de sede ou é um critério de estrutura accionista, até porque esta matéria que referi há pouco como a matéria dos campeões nacionais é uma que vem discutida muitíssimas vezes, desde logo, em relação ao sector financeiro, quando falamos das participações estratégicas nacionais em determinadas áreas.
Em que medida é que esse discurso das participações estratégicas nacionais em determinadas áreas é compatível, por exemplo, com o quadro comunitário que temos, não só a nível de liberdade de circulação de pessoas e capitais mas até a nível de regulamentação da concorrência? E em que medida em que este não é um discurso que embate de forma frontal com a tal cultura de concorrência, que deveríamos ter, e de desenvolvimento dos próprios mercados? A terceira questão que lhe quero colocar tem a ver com um discurso que vamos ouvindo sistematicamente, por exemplo, no Parlamento, que é, precisamente, o das taxas de lucro do sector financeiro ou, mais especificamente, dos bancos. Pelos slides n.º 22 e 23, vemos, por um lado, que a taxa de lucro em Portugal está próxima da média da União Europeia, até ligeiramente abaixo, e, por outro, uma frase que considero extraordinariamente curiosa, sobre a qual gostaria que o Sr. Prof. desenvolvesse um pouco, que é que elevadas taxas de lucro podem ser indicador de poder de mercado, mas baixas taxas podem revelar pouca concorrência.
Pergunto-lhe se não estamos a caminhar para uma situação, que até pode parecer paradoxal, tendo em atenção a forma como estamos a discutir esta matéria ou em que ela tem sido discutida publicamente nos últimos tempos, de concorrência mais saudável. Isto é: qual é o limite — isto, com certeza, é muito difícil de determinar em concreto ou de quantificar — a partir do qual estaremos com uma concorrência saudável? Será que neste momento a temos? Estas são, naturalmente, dúvidas que se podem colocar muito na relação entre concorrência e eficiência.
Por exemplo, mais à frente, quando trata especificamente da operação relativa ao BPI, há um quadro em que se apresenta o território nacional em que, aparentemente, a nível de balcões e da sua uniformização até podemos caminhar para uma situação de maior eficiência pela junção no tratamento desta área.
A quarta questão que pretendo colocar-lhe tem muito a ver com a relação entre o papel do Estado na economia e a eficiência da concorrência. E, sem querer entrar, em relação ao sector financeiro, com o facto de ainda recentemente termos visto que o Estado numa assembleia geral tomou uma posição enquanto Estado e outra enquanto Estado participante no sector financeiro, detendo 100% de uma determinada instituição, gostaria de saber, em relação ao sector financeiro e aos sectores em geral, se determinado nível elevado de participação do Estado não acaba por distorcer a concorrência.
Com isto, lembro-me de uma outra frase que o Sr. Prof. disse nessa entrevista, que tem a ver com os estatutos blindados, em que fazia uma alusão crítica à existência desse tipo de estatutos. Será que não podemos fazer precisamente até uma especificação em relação às golden shares, para além daquilo que determina a legislação de natureza comunitária, com as referências que têm sido feitas também quanto a Portugal? Por fim, gostaria de lhe fazer uma pergunta que sai completamente da área de natureza financeira, até porque esta audição também é feita num determinado momento e em determinadas circunstâncias. A semana passada houve uma operação relativa ao sector das telecomunicações, e, como já temos conhecimento da política, desde logo, da Portugal Telecom, em relação à matéria, gostava de saber como analisa o futuro da concorrência em relação a essa área do mercado, porque ela é, evidentemente, uma área importante dentro da nossa economia.
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O Sr. Presidente: — Tem, agora, a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.
O Sr. Francisco Louçã (BE): — Sr. Presidente, Sr. Presidente da Autoridade da Concorrência, V. Ex.ª vem hoje justificar-nos as razões para a deliberação da Autoridade da Concorrência acerca da OPA do BCP sobre o BPI. Deixe-me dizer-lhe, Sr. Prof., para ser muito claro, que considero que a Autoridade da Concorrência fracassou, não cumpriu a sua função, não defendeu os consumidores, foi fácil com os interesses económicos e prejudicou a concorrência. Esta é talvez a acusação mais importante e a crítica mais fundamentada que lhe quero fazer, a partir dos seus próprios números.
Diz-nos, aliás, que Portugal tem das maiores concentrações bancárias; a sua decisão contribui para o aumento da concentração bancária em Portugal. Diz-nos que a concentração bancária elevada implica um aumento artificial das taxas de juro; a sua decisão contribui para isso. E os remédios que nos apresenta são insuficientes e são mesmo ainda mais prejudiciais neste contexto.
Vamos por partes. Primeiro, a concentração bancária — os seus números. O índice Herfindhal é duas vezes o da média da União Europeia a 12 ou a 25 membros. O índice de concentração medido por quotas de mercado activos das cinco maiores empresas — os bancos a que se refere — é 88%, mas, com a sua decisão, passamos esta concentração para quatro bancos. No seu próprio estudo cita-nos os efeitos que o aumento da concentração teve no empolamento das taxas de juro, prejudicando os consumidores, e dá-nos o exemplo de Espanha, em que, numa década, este efeito, com a passagem de 38% para 50% na concentração, aumentou artificialmente 0,5% nas taxas de juro, o que é, evidentemente, um imposto de ineficiência sobre os clientes dos bancos, uma forma totalmente injustificada e sem qualquer aceitação. É um preço do oligopólio e da concentração.
Neste contexto, a Autoridade da Concorrência era chamada a decidir sobre a concorrência. Eu fico espantado, porque a Autoridade da Concorrência aceitou para si próprio um papel que é o de desmerecer e diminuir a concorrência sempre que os interesses da concentração lhe colocam uma questão fundamental.
Fez assim nas telecomunicações. Ora, eu não conheço qualquer autoridade da concorrência que tenha aceite a passagem de três operadores para dois no mercado de telecomunicações, com o pretexto de que isto pode ser aceitável em termos de concorrência. Mas neste caso concreto o Sr. Prof. Abel Mateus diz-nos quais os dois «remédios»: estruturais e comportamentais.
Ora, queria colocar-lhe questões sobre os «remédios» que nos propõe.
Primeiro «remédio»: «remédio» estrutural, ou seja, desinvestimento: venda de 60 balcões. 60 balcões vendidos a quem? Aí entramos no domínio da «nebulosa». Isto é, vendidos principalmente a concorrentes.
Não é só a concorrentes bancários; é principalmente a concorrentes bancários. Não percebo que sentido tem o BCP e o BPI venderem balcões a companhias de seguros ou a outra entidade financeira qualquer que não opere no ramo da banca! E é isso que nos está a dizer.
Mas vamos tratar daqueles a quem são vendidos principalmente estes balcões. Quem são as entidades financeiras que vão comprar os 60 balcões para um «remédio» estrutural sobre a concentração? São, evidentemente, os outros três bancos, não vão ser predominantemente os pequenos operadores de mercado.
Quem tem as melhores condições para densificar a sua rede e aumentar a concentração são os outros três bancos. Nos «remédios» estruturais que nos aponta não coloca nenhum limite desse ponto de vista, repito, não nos propõe nenhum limite. Ora, considero isso chocante! Só nos diz que têm de ser entidades exteriores ao Grupo BCP a absorver o PBI.
Portanto, do ponto de vista de «remédio» estrutural, em termos de concentração, não consigo ver nenhum contributo significativo para diminuir a concentração; redistribui a concentração pelos outros. Portanto, nos quatro bancos que resultariam desta operação, se ela conseguisse o seu objectivo, ficaríamos com toda a concentração redistribuída entre eles.
«Remédios» comportamentais, a segunda categoria de remédios. Bem, aí entramos num domínio que os seus próprios dados permitem, pelo menos, ter dúvidas fundamentadas sobre a eficácia dos «remédios» estruturais. Basicamente, trata-se da redução dos switching costs, mas o que nos dizem os seus dados? Que a elasticidade de preço de procura é muito baixa em Portugal, ou seja, a rigidez do sistema é muito grande; que a longevidade da relação bancária é maior do que a União Europeia porque os bancos obrigam os clientes e criam uma cultura da relação com os clientes que os prendem a uma relação que é eterna; que, em 2005, só
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1,5% dos contratos de crédito à habitação é que foram transferidos, o que confirma essa longevidade e essa estrutura desta relação e que o tying é maior do que a média da União Europeia.
Portanto, toda a cultura da relação empresarial e do próprio consumidor não é de um comportamento de desenvolvimento de oportunidades. Portanto, a redução dos switching costs pode ter efeito desse ponto de vista — admitamos que sim — num contexto em que a concentração diminuiu. Ou seja, a capacidade de proceder de uma forma concertada ou paralela nos comportamentos bancários que se traduzem no aumento da fidelização forçada dos clientes é cada vez maior.
Resumindo: os «remédios» estruturais que nos apresenta não diminuem a concentração; aceitam o aumento da concentração. E os «remédios» comportamentais dependem de uma variável do comportamento da psicologia do cliente, que é contraditório com toda a experiência da relação do cliente com a banca. Ou, por outras palavras, Sr. Prof. Abel Mateus, o que nos propõe é piorar a concentração, prejudicar os interesses dos consumidores e apresentar soluções que são tão ténues e tão etéreas que não nos dão qualquer garantia do ponto de vista da concorrência e de qualquer resposta significativa deste ponto de vista. Creio que este é o problema mais grave.
Evidentemente, temos, do ponto de vista de uma visão liberal dos mercados, um problema estruturante na política da concorrência. É que os mercados liberais conduzem à concentração, sobretudo nestes sectores de que se tem discutido mais em Portugal, ou seja, na banca e nas telecomunicações.
Não há concorrência com três operadores, não há concorrência com cinco bancos que dominam que dominam 88% do mercado. Há concentração e um enorme poder de mercado de pouquíssimos. Ou seja, não há mercado liberal. Portanto, a política liberal conduziu a um «mostro» que é a concentração. É por isso que a existência de autoridades da concorrência, de reguladores independentes com capacidade de imporem e de defenderem regras da concorrência, é tão importante para a economia nacional.
Eu fico chocado porque a Autoridade da Concorrência, que tem competência e preparação para intervir neste terreno e uma lei que lhe permite e a obriga a intervir neste terreno, nas questões fundamentais está sempre a aceitar que acabe e diminua a concorrência e que diminuam os direitos dos consumidores! Creio que podemos reflectir sobre muitos dos problemas da regulação. E há, certamente, abusos de intervenção governamental, abusos de posições dominantes do mercado, chantagem de grandes empresas.
Tudo isso existe. Mas onde poderíamos modificar e onde se poderiam modificar os comportamentos é na existência de uma autoridade que tivesse o prestígio, a força e a escolha de defender a concorrência.
Sr. Prof. Abel Mateus, para lhe dizer com a franqueza que esperará de mim, penso que o problema político em Portugal é que a Autoridade da Concorrência se demitiu!
O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Deputado Francisco Louçã.
Para responder em bloco às questões que lhe foram suscitadas, tem a palavra o Sr. Prof. Abel Mateus.
O Sr. Presidente da Autoridade da Concorrência: — Sr. Presidente, Srs. Deputados, há alguns aspectos que gostava de referir antes de responder às questões que me foram colocadas.
O primeiro, é que me congratulo por ver que os problemas da concorrência entraram na ordem do dia e terem a relevância que têm e que devem ter na sociedade portuguesa.
Como sabem, aqui há três ou mais anos, estas matérias não eram praticamente discutidas em Portugal.
Aliás, primeiro saímos de um regime corporativista do Estado Novo e depois houve um período de grande intervenção do Estado, etc. Assim, todas estas matérias são novas. Por isso, congratulo-me por ver que começa a haver uma disputa tão calorosa destas questões, que considero importantes para a nossa sociedade.
O segundo aspecto que gostava de referir é que da minha parte poderão contar que procurarei analisar estas questões da melhor forma que sei e que consigo e que, em termos das reuniões internacionais que tenho tido com os meus colegas em outros países — e a Autoridade da Concorrência já tem uma estatura a nível internacional que eu nunca pensaria que fosse possível —, verifico que os nossos tipos de instrumental, a nossa análise e o nosso comportamento, hoje, se pautam por normas bastante exigentes.
Gostaria ainda de referir um terceiro aspecto. Para além de ser Presidente da Autoridade da Concorrência, sou um académico, tenho 30 anos de academia, e continuo a dar aulas. Aliás, sou autor de um livro sobre economia portuguesa que é utilizado como manual universitário em todas as universidades de economia
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portuguesas. Ora, penso que, muitas vezes, o grande mal de todos nós é não «mergulharmos a fundo» e procurar «dissecar» as questões para ver exactamente onde estão os problemas. Na verdade, hoje, os problemas da economia portuguesa são, em grande parte, microeconómicos. São estas questões de estruturas de mercado, do funcionamento desses mercados etc., e que são centrais para o futuro da economia portuguesa. Portanto, alegra-me ver que eles começam a ser discutidos no Parlamento e, em geral, na sociedade portuguesa.
Também gostava de dizer, à laia de comentário, que verifico igualmente que se acabou o «período de graça». Portanto, o Parlamento, com toda a razão, já começa a «cobrar a factura» para saber o que já fizemos nos quatro anos de exercício. Obviamente, os órgãos de soberania têm todo o direito e a obrigação de procurar essas contas e eu tenho a obrigação de as prestar aos órgãos de soberania. Portanto, estou sempre disposto a vir cá e virei sempre quando o desejarem para tentar, da melhor maneira que sei, responder a essas questões.
Vou agora passar aos elementos mais concretos que me colocaram. O Sr. Deputado Hugo Velosa colocou o problema da morosidade das OPA. Gostava de dar o exemplo da OPA da Prisa, que também foi seguida pela Autoridade da Concorrência e que foi resolvida num mês e meio. Portanto, não é característica de uma OPA ir à Autoridade da Concorrência e demorar lá muito tempo.
Ou seja, por um lado, temos de ver o que está envolvido na OPA e, por outro, temos uma instituição que ainda é «nascente», com todas as limitações — não querendo com isto dizer que somos a instituição mais eficiente do País — dependendo também muito da complexidade das operações que temos à nossa frente.
Tanto a OPA da Sonae à PT como a OPA do BCP ao BPI foram, em primeiro lugar, operações bastante complexas — a primeira muito mais do que a segunda, evidentemente. A operação da Sonae sobre a PT tratava de um redesenho completo de um novo sector. Portanto, sinto-me orgulhoso do trabalho que foi feito e que tem sido bastante louvado pelos meus colegas a nível internacional. Infelizmente, se calhar, em Portugal não é tão apreciado por alguns partidos ou por algumas classes, mas, em relação à análise que foi feita, sintome de consciência tranquila.
Quanto à questão da complexidade das OPA, como se sabe, no caso da OPA da Sonae à PT era um redesenho de um novo sector; em relação à OPA do BCP ao BPI trata-se de um sector novo, que nunca tinha sido analisado pela autoridade. Portanto, reconheço que, em relação ao futuro, qualquer operação neste domínio já tem uma base de dados, uma informação carreada que irá facilitar e tornar muito mais rápido essa análise.
Quando vi esta experiência que se passou na OPA do BCP ao BPI, não deixo de me interrogar sobre o papel que a regulação tem em Portugal em relação às empresas. Temos as empresas que temos, tudo reflecte o nível de desenvolvimento do País que temos e encontro-me perante instituições que não têm informações organizadas. Começamos a somar as quotas de mercado que aquilo dá e temos 130 ou 140%.
Não pode ser! E temos de voltar atrás e de questionar as instituições. Portanto, são estas as dificuldades do métier em que trabalhamos.
Passando a coisas mais práticas, em relação às OPA poderíamos pensar em alterações legislativas, ou o que seja. Reparem que a lei diz que nenhum «remédio» pode ser imposto sem que seja aceite pela notificante.
Isto está na lei! Às vezes, andamos meses e meses atrás da notificante a tentar encontrar um acordo, com uma posição por parte da Autoridade em que tentamos resolver os problemas jusconcorrenciais levantados e temos de convencer a outra parte que ou aceita aquilo ou, então, a fusão tem de ser rejeitada. E, portanto, há aqui um equilíbrio muito difícil, que é em grande parte desequilibrado pela lei. A notificante tem de aceitar o «remédio».
Segundo ponto da legislação, que outro dia foi abordado na nossa reunião, como o Sr. Deputado se lembra: se não decidirmos em tempo útil há uma decisão de aceitação tácita, que, eventualmente, não sei se é a melhor solução. Isto é, perante uma negociação em que há um prazo que é preciso respeitar a empresa é que tem a vantagem. Se não decidir a empresa tem tudo aceite sem qualquer «remédio», sem nada.
Já falei com o Sr. Presidente da CMVM, em parte, sobre algumas destas questões, que nos preocupam, evidentemente, mas que penso que serão resultado da especificidade das duas operações que ocorreram. E ele apresentou algumas sugestões, que se verificam em alguns países.
O nosso timing em termos de análise de operações não é nem pior nem melhor do que o da maioria dos países da União Europeia ou que o da Comissão Europeia. Há operações na União Europeia que chegaram a
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decorrer durante cerca de ano e meio, portanto, isso depende muito das circunstâncias de cada operação.
Uma das medidas que alguns países adoptaram, por exemplo, é a seguinte: se a autoridade levanta problemas e, portanto, é necessário proceder a uma análise aprofundada automaticamente a OPA fica suspensa. É uma forma de resolver o problema da entidade que está «congelada» nas suas operações por estar a decorrer a OPA.
Vamos fazer uma reflexão, estamos a tentar carrear dados e apresentaremos a nossa reflexão em tempo útil ao Parlamento para se ver o que é que se poderá fazer deste ponto de vista, mas já tomando em consideração que muitas destas questões dependem também das empresas, da informação que elas prestam e do conhecimento carreado sobre os mercados.
No que respeita aos cartéis, penso que há um caminho a percorrer na sociedade portuguesa, aliás, já o disse várias vezes.
Em primeiro lugar, gostava de dizer que a minha sensação, pela análise que tenho feito dos mercados, etc., é que há, de facto, bastantes cartéis na economia portuguesa. Quantos? Não sei? Em quantos mercados? Estamos a estudar. Mas reparem: isto é uma análise que, por exemplo, em países mais desenvolvidos, como os Estados Unidos, também acontece. Os Estados Unidos têm estatísticas — alguém já fez um estudo relativamente aturado, pois têm uma história já de mais de 100 anos nestas questões — que dizem que só conseguem detectar 13% dos cartéis existentes na economia. Portanto, o que é importante para uma autoridade é ter uma capacidade dissuasora desse tipo de comportamentos.
No domínio dos cartéis temos já umas quatro ou cinco decisões, que foram imediatamente recorridas pelas empresas em tribunal. E o poder dissuasório da violação da lei depende de quê? Do resultado final. As decisões ainda estão em recurso em tribunal e vamos ver qual vai ser o resultado e que coimas vão depois ser aplicadas. Portanto, a autoridade é uma instituição mas tem os poderes limitados e, por isso, tem o poder que tem. Essa capacidade de dissuasão resultará essencialmente das condenações que forem feitas e das multas que forem pagas.
Há um estatuto que foi aprovado muito recentemente pelo Parlamento e que acho ser extremamente importante, o estatuto da clemência. A Comissão Europeia não tem mãos a medir só na aplicação resultante desse estatuto, ou seja, nem precisa de investigar, as pessoas vão lá todas. Porquê? Porque já existe um grande poder dissuasório, ou seja, sabe-se que quando a Comissão Europeia detecta um cartel aplica multas elevadíssimas. Como sabem, acabou de ser aplicada, na questão dos elevadores a nível europeu, a uma dúzia de empresas uma multa da ordem de um bilião de euros. E quando há recursos as decisões são confirmadas pelo tribunal de primeira instância e pelo Tribunal de Justiça Europeu.
Vamos a ver o que acontecerá em Portugal, mas ainda não há esse poder dissuasório de casos concretos terminados e aplicados transitados em julgados. Na aplicação de benefícios e custos por parte dos agentes económicos estes são elementos racionais que têm de ser tomados em consideração.
E, portanto, a Autoridade irá continuar a trabalhar e a procurar utilizar os meios que tem para fazer respeitar a lei, pois, como sabemos, são comportamentos extremamente prejudiciais para os consumidores e para o Estado português.
Quanto ao problema dos meios, há questões que foram aqui levantadas do ponto de vista do pessoal e do financiamento da investigação. Em relação ao financiamento acho que não há grandes restrições devido à proposta feita pela Autoridade, que sugeriu a partilha das taxas dos reguladores sectoriais. Porque de outra maneira, se estivéssemos dependentes completamente do Orçamento, penso que estaríamos a funcionar a 1/10 daquilo a que estamos funcionar hoje em dia.
Em relação aos meios humanos, que é um aspecto fundamental para a Autoridade funcionar, há o problema do estatuto da carreira. Fazendo um parêntesis, o que é que se passa? Logo no início, ainda a Autoridade não tinha entrado em funcionamento, já eu estava a trabalhar no estatuto da carreira, que foi entregue um mês depois de a Autoridade ter iniciado funções.
Estamos num período de restrições orçamentais, pelo que compreendemos que todos esses elementos poderão condicionar, mas o que aconteceu foi que a Ministra da altura, Manuela Ferreira Leite, despachou no sentido de que teríamos um estatuto equivalente à Entidade Reguladora do Sector Eléctrico (ERSE). E, portanto, dada a importância que temos ao sermos um regulador transversal à economia, decidiu o Governo, e muito bem — acho que foi uma decisão acertada —, dar-nos um estatuto semelhante ao dos reguladores sectoriais, sendo um estatuto razoável.
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Quando a Autoridade recebeu esse despacho e apresentou um estatuto semelhante ao da ERSE levantaram-se uma série de questões relacionadas com o facto de terem sido proibidos por um decreto-lei uma série de benefícios, como cartões de crédito, etc. Nós não pedimos absolutamente nada disso, só queríamos a remuneração de base da Autoridade, mas como estava a decorrer, na altura, uma inspecção à ERSE em relação a todos esses aspectos o nosso estatuto não foi aprovado. E as discussões continuam até hoje! A tal iniciativa legislativa de que se falou apontava como forma de resolver o problema a remuneração do pessoal da Autoridade ser decomposta numa parte fixa e numa parte variável, dependendo do desempenho.
Isso não passou, e não percebo. É algo que o Governo terá de resolver.
Nós estamos dependentes da aprovação do Governo em relação a este problema, mas que é um problema que se torna cada vez mais grave para a Autoridade disso não tenho dúvidas, na medida em que as pessoas que entraram para a Autoridade — e temos lá pessoas de elevada craveira — começam a olhar para a sua carreira e a ver que a estabilidade da mesma depende de ter os estatutos aprovados.
Quanto aos meios de investigação da Autoridade, já tivemos uma troca de impressões com o Sr. Deputado Hugo Velosa da última vez que aqui estivemos quanto, por exemplo, à criminalização de algumas destas práticas. Há já uma grande parte dos países europeus que criminaliza cartéis quando se trata de empreitadas ou de fornecimento de serviços ao Estado, mas isso quem decide são os órgãos competentes, é o Parlamento ou o Governo que proporá essa legislação. A Autoridade pensa que há um caminho a percorrer. Acabei de dizer que não há ainda um único processo decidido em relação a um cartel. Portanto, vamos ver o que é que tudo isto vai dar.
Às vezes, criminalizar um determinado comportamento vai exigir à jurisprudência portuguesa maiores meios de prova. Não há grande experiência em Portugal de julgar este tipo de processos e, portanto, podemos colocar-nos perante problemas em que já outros países tiveram de recuar quando avançaram rapidamente nesta matéria, quando, depois, toda a gente é absolvida em tribunal porque não se provou que o indivíduo esteve ali e fez a sua confissão, etc.
Portanto, é uma experiência que tem de ser vivida pela sociedade e pelo Parlamento em conjunto para atingirmos um grau de respeito e de enforcement da lei eficiente.
Quanto à questão da relação entre a Autoridade e os reguladores, temos protocolos já com algumas instituições. Penso que a forma como a lei está estruturada é a correcta. Quanto a algumas questões que se levantaram em relação à ANACOM quanto ao aspecto específico da OPA da Sonae/PT, do meu ponto de vista, foi extremamente útil a colaboração que houve. Se, a certa altura, houve algumas divergências em termos dos «remédios» a aplicar, etc., é natural que as haja, as instituições não têm de estar de acordo, logo do início, a 100%. Portanto, tentaram resolver-se essas questões e o que é preciso é haver mecanismos — e eu entendo que a lei tem mecanismos — para resolver quando surja qualquer divergência. E a lei é muito clara quanto a esses aspectos.
A Sr.ª Deputada Leonor Coutinho levantou uma série de questões muito interessantes e que, penso, estão a ser desenvolvidas por alguns reguladores e pelo próprio Governo.
Em primeiro lugar, entendo que foi importante a iniciativa governamental no sentido de limitar os switching costs em relação a uma série de operações, embora vos diga, como economista, que o importante é o funcionamento estrutural do mercado. É que o grau de discricionariedade de cobrança de preços ou de taxas num conjunto de serviços ou operações é muito mais lato do que aquele em que a regulação pode actuar, mas esta regulação tem de ser feita de uma forma também cuidada. Lembro o caso do Multibanco em que os bancos contornaram o problema, passando para o co-branding com o Visa. Por conseguinte, às vezes, a regulação pode matar um mercado. Julgo que é positivo e que temos de continuar a acompanhar o mercado desse ponto de vista.
Ainda em relação a esta questão, sei que o Banco de Portugal está a trabalhar com o Governo na elaboração de uma alteração ao REGIC (Regime Geral das Instituições de Crédito) para permitir que o Banco de Portugal supervisione os códigos de conduta na banca e para que lhe atribua a função de fiscalização desses códigos de conduta. Já aqui fiz referência ao facto de que está a ser iniciado um trabalho entre a Autoridade e o Banco de Portugal neste domínio, assim como noutros domínios que referi em relação aos mecanismos de mobilidade e aos switching costs.
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No tocante à harmonização comunitária em termos da SEPA, a Autoridade e o Banco de Portugal estão a acompanhar todas as discussões. Como é evidente, do ponto de vista da Autoridade, não deixaremos de defender os interesses dos consumidores portugueses.
Em relação às questões suscitadas pelo Sr. Deputado Honório Novo, sobre o grau de concentração na banca — e aqui começava também a responder ao Sr. Deputado Francisco Louçã sobre esta matéria —, penso terem ficado claras duas ou três mensagens que aqui deixei.
Em primeiro lugar, consideramos que o limite da concentração bancária está nas quatros redes de cobertura nacional. Naturalmente que, aplicando o critério da dominância, nunca se poderiam concentrar grandes bancos, como, por exemplo, a Caixa Geral dos Depósitos e o BCP ou outro no género. Isso seria claramente rejeitado pelo critério de dominância, na medida em que se constituía um grande banco com dominância nacional. Mas, reparem, a Autoridade da Concorrência procura respeitar as estratégias empresariais, desde que elas não venham prejudicar os consumidores. Ora, esta decisão foi tomada exactamente com estes parâmetros.
Respondo a outra questão suscitada pelo Sr. Deputado Honório Novo, dizendo que a lei portuguesa utiliza — e nós só podemos utilizar a lei para nos opormos a uma concentração — o chamado «critério de dominância». Já escrevi — e já o disse várias vezes — que o critério de dominância, do meu ponto de vista, não é suficiente, em termos de concorrência. E a própria Comissão Europeia já o alterou, incorporando o chamado «critério do impacto significativo e sustentado sobre a concorrência». Em determinados casos — e eu fiz essa reflexão teórica —, o critério de dominância pode conduzir a um limite de um duopólio no mercado.
Penso, pois, que devíamos fazer uma reflexão profunda sobre a questão de saber se o critério da dominâncias é suficiente. Se quiserem a minha opinião, direi que entendo que não é.
Claro que, quando uma notificante vem à Autoridade para sujeitar à análise uma determinada fusão ou aquisição, vem com a lei portuguesa à frente, não vem com a lei comunitária, porque o que se aplica é a lei portuguesa. E reparem que nesta operação do BCP/BPI, a notificante, ou seja, os advogados defenderam, desde o início, acerrimamente que não havia quaisquer problemas em termos de critério de dominância.
Por conseguinte, quanto a algumas das preocupações que aqui foram expressas, penso que seriam melhor resolvidas se tivéssemos um critério mais parecido com o critério da Comissão Europeia.
O Sr. Deputado Honório Novo ainda levantou a questão das consequências sociais. Sr. Deputado, por exemplo, os sindicatos defendem os interesses dos trabalhadores — pelo menos, existem para isso —, mas pergunto: e os consumidores portugueses, quem é que os defende? A este propósito, gostava de citar uma frase, que já citei noutro dia, do Presidente Kennedy, na campanha presidencial, quando disse: «A única classe que nos Estados Unidos da América não tem um lobby são os consumidores. Eu serei esse lobby». Ou seja, os consumidores portugueses, que devem ser protegidos através da lei da concorrência são aqueles que são os menos protegidos em Portugal.
Em segundo lugar, digo também que a Autoridade não é a única instituição em Portugal que deve defender os consumidores portugueses. Temos o Instituto do Consumidor, que abrange uma área que não é coberta pela lei da concorrência, que é a parte da protecção aos consumidores — digo-vos que 90% das queixas que recebo na Autoridade caem exactamente nessa área — e à qual eu não posso responder! Obviamente, remeto para o Instituto do Consumidor, por não ser da minha competência.
Outra área extremamente importante é a da sociedade civil. Quem se está a constituir como «contrainteressado», quem muitas vezes leva a tribunal decisões da Autoridade da Concorrência, por exemplo, em França, são as associações de consumidores. Portanto, também é preciso uma sociedade civil activa e actuante neste domínio e a Autoridade da Concorrência, com 80 pessoas, é óbvio que não pode (penso que não pode) fazer mais do que está a fazer.
Também gostava de responder à questão de saber se temos o número de pessoal suficiente. Penso que não. Já o fizemos sentir ao Governo e, mais uma vez, já seguiu mais um pedido. Estamos sujeitos às restrições orçamentais: cada pessoa que entra tem de ser autorizada pela tutela e, muitas vezes, demoramos meio ano ou um ano até que aprovem a entrada de mais uma pessoa para a Autoridade.
Portanto, quanto a isto estamos submetidos»
(Aparte inaudível na gravação.)
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Estamos com 80 pessoas há uns dois anos e ainda não conseguimos passar desse número.
Quanto ao acompanhamento das recomendações, há aqui um aspecto importante. Em primeiro lugar, gostava de dizer que considero que o acórdão que o Tribunal de Contas fez sobre a Autoridade da Concorrência, sobre o tema da concorrência propriamente dita, é extremamente laudatório em relação à Autoridade, na sua maioria. Levantou problemas, mas nós sentimo-nos satisfeitos por ver uma avaliação positiva, que, aliás, coincide com a OCDE que também já fez uma análise à nossa actuação.
Quanto ao acompanhamento das recomendações, iremos, com certeza, cumprir essa directiva por parte do Tribunal de Comércio, mas, de facto, não está na nossa lei. O que consta da lei é que a Autoridade emite recomendações ao Governo. Se o Governo, por exemplo, alterar uma determinada lei porque a Autoridade o recomendou, isso é algo em que não temos qualquer influência. Poderemos fazer esse acompanhamento, mas em termos apenas informativos, mais nada. O Governo na sua soberania tem toda a liberdade, evidentemente! Quem sou eu para estar a falar sobre essas questões?!» O Sr. Deputado Diogo Feio falou na questão dos tempos de análise que, penso, já referi em grande parte.
Os aspectos garantísticos são também algo que prejudica bastante o andamento dos processos. No caso, por exemplo, do BCP/BPI, tínhamos uma equipa de pessoas, cerca de 45 técnicos, sendo metade economistas e metade juristas. Nessas duas operações, foram mobilizados cerca de 12 pessoas durante quase um ano. E, reparem, só nos recursos feitos, por exemplo, pela PT em relação ao fornecimento de dados que a Autoridade fazia e tinha de respeitar, porque, senão, implicava responsabilidade criminal por estar a dar dados que são segredo comercial de empresas. Não pode. E nós somos muito ciosos no respeito desse direito das partes! Ora, a PT pôs-nos cinco recursos — alguns deles ainda estão a correr — e para cada um desses é preciso responder, sendo, às vezes, respostas de 100 ou 200 páginas, porque em todas se aduz tudo e mais alguma coisa. Portanto, houve cinco recursos que foi preciso acompanhar, e alguns desses continuam a correr.
Evidentemente, tudo isto consome recursos da Autoridade, isto não se faz no vácuo, inclusivamente há muita gente na Autoridade que trabalha muito para além daquilo que pode.
Em relação aos cinco bancos que ali estavam referidos, eram os bancos em que havia maioria accionista estrangeira.
Quanto à questão dos campeões nacionais, é algo de que já falei várias vezes. Quem me dera que haja grandes empresas portuguesas no sector dos bens transaccionáveis, em que não há quaisquer problemas de concorrência. O problema surge nas tais concentrações em que há relações de proximidade ou o mercado é nacional ou regional.
Um dos problemas que aqui se põe — mas é um problema a nível comunitário que não sou eu que tenho de resolver — é a questão da propriedade. Por exemplo, se uma Caixa espanhola ou uma Caixa francesa podem comprar um banco em Portugal, mas não há reciprocidade. Esse é um tema que, penso, o Governo e as diferentes instituições têm de fazer sentir a nível comunitário e é a esse nível que tem de ser resolvido. Não somos nós que temos a solução «na manga». Mas também se se proíbe, levanta-se logo o problema da liberdade de capitais, etc., que também é um problema a resolver a nível comunitário e não pela Autoridade.
Quanto a saber quando é que teremos uma concorrência saudável no sector financeiro, suscitei uma série de problemas que preocupam a Autoridade — e que, como viram, são até comuns a muitos países comunitários, não são só nossos — e que a Autoridade irá trabalhar da melhor maneira com os meios que lhe derem e também com os outros reguladores, propondo também soluções legislativas neste domínio.
Relativamente a uma questão aqui colocada por alguns Deputados, sobre afirmações que fiz a propósito da blindagem dos estatutos, gostaria de dizer que não é um tema da lei da concorrência, é somente uma opinião pessoal, que manifestei como economista. Efectivamente, penso que numa economia de mercado é necessário que haja contestabilidade do management das empresas, sendo os accionistas livres de vender ou de não vender. Portanto, disse-o apenas no sentido de que, para a eficiência do funcionamento da economia de mercado, é importante haver contestabilidade do management das empresas — ponto final. Sei que há muitas questões de blindagem noutros países, não somos o único país que o faz — existe também nos Estados Unidos, etc.
O Sr. Deputado Francisco Louçã colocou várias questões. A primeira sobre a razão por que a OPA foi aprovada, se suscitava aqueles problemas, tendo eu enunciado uma série de parâmetros estruturais do mercado português. Já referi alguns desses aspectos, o mais importante dos quais é o critério do que é legal e que é a única forma que tenho de me defender perante os tribunais, que é o critério da dominância. Mas há
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um outro aspecto importante que gostava de referir, que tem a ver com o seguinte: as análises que a Autoridade da Concorrência fez do impacto desta operação sobre os preços de mercado foram de que só existia alguma preocupação no mercado das PME, no crédito às PME. Todas as outras análises que fizemos — e fizemos, por exemplo, um modelo de fronteira, sendo que alguns especialistas internacionais até acharam que, em termos de investigação económica, inovámos nesse aspecto — confirmaram que, na questão dos particulares, por exemplo, não haveria grandes problemas. Mas mesmo aí, o acréscimo de preços que resultava dos níveis de concentração que temos neste momento não justificava um «chumbo» da operação.
Um outro aspecto: os «remédios» são suficientes? A Autoridade, ao decidir, tem de fazê-lo considerando que os «remédios» são suficientes. E como viram os «remédios» concentram-se» Ninguçm falou aqui da questão dos cartões de crédito, dos cartões de pagamento — e acho que foi uma decisão extremamente importante — e, se a OPA não for para a frente, é algo que continua a preocupar-nos. Penso que é um problema de estrutura de mercado que tem de ser resolvido em Portugal — não sei como, mas a Autoridade só tem os poderes que tem e acabam aí.
Para resolver o problema que foi identificado no caso das PME, o «remédio» estrutural que é aplicado nos Estados Unidos e que foi aplicado em Itália e por outros países é o da venda de uma rede de balcões, que, neste caso, é complementada pela venda de uma carteira de crédito, o que pensamos ser significativo na medida em que corresponde a cerca de 20% da carteira de crédito do BPI.
O Sr. Deputado colocou o problema de «vendidos a quem?». O Sr. Deputado sabe muito bem que, por exemplo, é diferente ser vendido a um banco que tem uma quota de 30% ou 10%, ou, então, uma quota de 1% ou 2%.
Agora, essa venda vai ter de ser aprovada pela Autoridade e terá de haver uma nova notificação. E nós vamos estudar o impacto que terá a venda dos balcões. Como é evidente, não vamos demorar muito tempo, pois, neste momento, já conhecemos bastante bem o sector, mas está no próprio documento que essa venda tem de ser autorizada pela Autoridade. Portanto, tomo bem nota das observações que fez em relação à decisão que iremos tomar.
Para terminar, gostava de distinguir dois aspectos nos «remédios», mais do tipo comportamental. Há «remédios» que são de natureza transversal — toda a banca devia estar submetida a certas regulações. Por exemplo, transparência de informação, do código de conduta, etc., na qual estamos a trabalhar. Agora, não queiram ç que» Se não, teríamos de estar aqui ainda mais dois ou três anos a estudar esta operação.
Efectivamente, se fôssemos introduzir nesta operação todos esses aspectos, não sei quando é que isto acabava» Muito bem, o PCP podia argumentar, mas, atenção: eu sou obrigado e, com os outros, o que ç que se passa? Estão a introduzir aqui um elemento de desequilíbrio concorrencial.
Portanto, penso que alguns dos «remédios» que foram discutidos são melhor atacados, como estão a sêlo, a nível transversal.
Termino aqui os comentários.
O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Presidente da Autoridade da Concorrência.
Neste encerramento, quero deixar uma breve nota. Evidentemente, não me cabe fazer qualquer comentário sobre aquilo que foi dito, mas julgo que todos nos revemos basicamente no seguinte: a informação foi intensa, assim como a pluralidade, a vivacidade e a relevância das questões colocadas pelos Srs. Deputados. Creio que todos somos capazes de convir num ponto: há uma agenda clara de disseminação de uma melhor cultura de concorrência no País, há uma agenda de encurtamento de prazos de reforma num país (para utilizar uma expressão que foi utilizada várias vezes) quase estagnado e a matéria de uma cultura e de uma prática de concorrência francamente positiva é algo que é da maior importância para os legisladores, que somos nós.
Está encerrada a reunião.
Eram 13 horas.
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COMISSÃO DE ORÇAMENTO E FINANÇAS
Unidade Técnica de Apoio Orçamental NOTA TÉCNICA
COMISSÃO DE ORÇAMENTO E FINANÇAS AUDIÇÃO DA COMISSÃO DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS (14 DE MARÇO DE 2007)
Esta Nota Técnica foi enviada à Comissão de Orçamento e Finanças no dia 7 de Maio de 2007, tendo sido elaborada com base na informação disponível até ao dia 30 de Abril de 2007. A informação de base é a Audição do Presidente da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários na Comissão de Orçamento e Finanças a 14 de Março tal como constante da transcrição efectuada pela Divisão de Redacção e Apoio Audiovisual da Assembleia da República.
A análise efectuada é da exclusiva responsabilidade da Unidade Técnica de Apoio Orçamental não reflectindo necessariamente a posição da Comissão de Orçamento e Finanças ou a da Assembleia da República. A UTAO, criada pela Resolução da Assembleia da República n.º 53/2006, de 7 de Agosto de 2006, é composta pelos Consultores técnicos, Nuno Sampayo Ribeiro, Carlos Marinheiro e Fernando Coalho.
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Índice I – Orientação da COF II – Metodologia III – Estrutura IV – Audição da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários 1 — Introdução 2 — Síntese das principais questões técnicas 3 — Alterações legislativas sugeridas pelo Presidente da CMVM ANEXO — Transcrição integral pela Divisão de Redacção e Apoio Audiovisual da Assembleia da República da audição do Presidente da CMVM.
I – Orientação da COF 1 — Nos termos da orientação da Comissão de Orçamento e Finanças (COF) expressa no mandato constante do ponto ―8. Audições das Entidades Reguladoras do Sistema Financeiro‖, do Plano de Trabalhos da UTAO (1.º semestre de 2007), consignado no Plano Global de Actividades da UTAO, aprovado na reunião da COF de 14.03.2007, cumpre à UTAO elaborar até 30 de Abril de 2007:
―Notas Técnicas de resumo das principais questões debatidas, nestas audições que decorrem durante o mês de Março, com enfoque em matérias sobre as quais se afigure adequado proceder a alterações legislativas, até 30 de Abril as duas primeiras, e atç 30 de Maio, as duas õltimas.‖ II – Metodologia 1 — Na execução do mandato, a UTAO procurou articular a necessidade de síntese, que deflui da natureza de um resumo das principais questões debatidas e do enfoque em matérias na perspectiva de alterações legislativas, com o respeito pela integridade da audição e da intervenção do Presidente da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM). Esta intervenção foi suportada por uma projecção Power Point, que se encontra disponível no sítio http://www.cmvm.pt/NR/rdonlyres/4BDF3996-63B2-4F47-A762D1AA53FB8C85/7543/Apresentacao28112007.pdf, e consta da transcrição efectuada pela Divisão de Redacção e Apoio Audiovisual da Assembleia da República, o que garante acesso a fonte autêntica, incluindo quanto ao sentido e extensão da intervenção efectuada no curso da audição. Neste pressuposto, a UTAO optou por centrar a Nota Técnica na selecção dos pontos que dão resposta ao mandato, sujeitando os mesmos a um tratamento norteado por objectivos de rigor e concisão.
III – Estrutura 1 — A Nota Técnica centra-se inicialmente nas questões técnicas que a UTAO considera como as principais na perspectiva do mandato. Prosseguindo com o elenco das alterações legislativas sugeridas pelo Presidente da CMVM.
2 — Para facilitar o acesso ao teor da audição do Presidente da CMVM, junta-se em anexo a transcrição integral pela Divisão de Redacção e Apoio Audiovisual da Assembleia da República.
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IV – Audição da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários
1 — Introdução
1 — O Presidente da COF inseriu a Audição do Presidente da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) no programa de audição anual das entidades reguladoras do sistema financeiro, iniciado pela COF em 2006.
2 — O Presidente da COF justificou também a audição com a dinâmica resultante da alteração do enquadramento regulamentar do mercado de capitais, a qual, segundo considerou, introduz um conjunto de desafios significativos, quer para os operadores do mercado, quer para as entidades reguladoras, bem como para a própria Assembleia da República. Esta dinâmica tem um enquadramento comunitário que resulta da criação do mercado único de serviços financeiros1, mas os parlamentos nacionais têm também um papel insubstituível a desempenhar na mesma.
2 — Síntese das principais questões técnicas
3 — Efectua-se em seguida um resumo das posições e informações apresentadas pelo Presidente da CMVM, organizado em torno das questões técnicas que a UTAO tem como as principais.
2.1 — Evolução recente do mercado de capitais português
4 — Actividade. A análise da evolução recente dos mercados de capitais centrou-se no comportamento do segmento accionista, e em particular nas transacções que têm lugar no mercado regulamentado Euronext Lisbon. No ano de 2006, com continuidade nos dois primeiros meses de 2007, a valorização e o volume de transacções naquele mercado cresceram bastante acima da média europeia. Este comportamento resultou num aumento do peso da capitalização bolsista no PIB, que tem vindo a recuperar gradualmente desde 2002.
Em 2006, registou-se uma recuperação significativa, voltando a ser ultrapassado o limiar dos 50% do PIB.
Este rácio é, no entanto, ainda relativamente reduzido em termos internacionais. Na UE, a média está próximo dos 90%. A evolução em 2006 e 2007 beneficiou de algumas operações de introdução em bolsa, designadamente em resultado de operações de privatização.
5 — Alteração nas infra-estruturas internacionais de negociação com impacto no mercado português.
Destaca-se a associação entre a Euronext e a New YorK Stock Exchange, que se traduz na aquisição, por uma entidade norte-americana, da bolsa europeia Euronext NV – holding da Euronext Lisbon. Esta associação traduziu-se numa oferta pública sobre a Euronext NV que terminou no dia 21 de Março. Foi sujeita a uma autorização prévia pelo colégio de reguladores, no qual a CMVM está integrada e, nalguns mercados europeus, como o português e o holandês, foi mesmo sujeita a autorizações pelos ministros das finanças e, no caso do mercado norte-americano, pela SEC-Securities and Exchange Commission (a entidade reguladora do respectivo mercado de capitais). Foi uma operação muito acompanhada pelos reguladores europeus, traduzindo-se mesmo na assinatura de um memorando de entendimento entre o colégio de reguladores do Euronext e a SEC, de forma a articular a supervisão das duas entidades que manterão a sua autonomia de funcionamento. Esse memorando procura também prevenir que não haja contaminação regulatória entre os mercados norte-americano e europeu, ou seja, que não haja extensão ou transmissão de iniciativas regulatórias americanas ao mercado europeu nem vice-versa. 6 — Eventos nacionais significativos. Destacaram-se a realização de 12 OPA nos últimos doze meses.
Nestes momentos de grande actividade no mercado de capitais, a CMVM intervém nomeadamente na supervisão diária da informação prestada por oferentes e sociedades visadas, acautelando o cumprimento dos deveres previstos no Código do Mercado de Valores Mobiliários e nos Regulamentos e facilitando o acesso 1 Veja-se a este propósito a Caixa — ―Mercado de Serviços Financeiros: Regulação e Concorrência‖ na Nota Tçcnica da UTAO ―Comissão de Orçamento e Finanças: Audição da Autoridade da Concorrência (7 de Março de 2007)‖
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dos investidores a toda a informação relativa às ofertas, através da criação no seu site de uma área específica que congrega documentos já divulgados, ordenados por tipo e por ordem cronológica. Do ponto de vista regulamentar, embora a transposição da directiva das OPA para o ordenamento jurídico português esteja já concluída, as OPA referidas ainda ocorreram no quadro da lei antiga.
7 — Financiamento através do mercado de capitais. Portugal tem, neste domínio, uma situação caracterizada pelo Presidente da CMVM como anormal. O número de empresas cotadas tem vindo sistematicamente a diminuir, o que contrasta com a situação europeia. Com efeito, os anos de 2005 e 2006 foram caracterizados, em toda a Europa, para além do crescimento das transacções e das cotações, por um número significativo de introduções em bolsa, os designados IPO (ofertas iniciais em bolsa). Não obstante, Portugal acompanhou a tendência em termos de cotações e transacções, em grande parte por efeito das OPA em curso envolvendo empresas com grande peso no mercado português. Na Audição, não foram aprofundadas as justificações para a situação de reduzido recurso ao mercado de capitais, muito embora tenha sido sugerida a introdução incentivos fiscais como forma de atenuar este problema (ver ponto 3.). Ainda neste domínio, foi referido que a CMVM tem como objectivo a minimização dos custos de permanência no mercado, nomeadamente através da redução das taxas de supervisão sobre os emitentes e de alguma ―pedagogia‖ junto da Interbolsa e da Euronext Lisbon.
2.2 — Reformas legislativas, concluídas e em curso: transposição de directivas e suas principais implicações
8 — Alterações resultantes da transposição de directivas comunitárias. Através da transposição das directivas dos Mercados de Instrumentos Financeiros (DMIF) e da Transparência e Auditoria está em curso uma profunda alteração da estrutura regulamentar do mercado de capitais em Portugal e em muitos outros países da UE. As modificações mais significativas decorrem da DMIF.
9 — Principais alterações provenientes da Directiva dos Mercados de Instrumentos Financeiros: Negociação. O actual modelo de concentração desaparece (hoje, uma acção está cotada num mercado, seja regulamentado ou não, e transacciona-se nesse mercado). No novo modelo introduzido pela DMIF, o investidor dá a ordem ao intermediário financeiro, podendo este realizar a transacção através de uma de três alternativas possíveis: a) num mercado regulamentado, onde o título esteja admitido à cotação; b) num denominado sistema de negociação multilateral (que são plataformas de negociação próximas dos mercados não regulamentados, mas onde o título não tem de estar admitido à negociação); e, c) a chamada internalização sistemática, ou seja, fazendo o encontro das compras e vendas contra a própria carteira do intermediário. Esta última forma de negociação depende em certas condições da liquidez dos títulos e da dimensão dos próprios intermediários. O facto de haver uma multiplicidade de possibilidades de transacção obriga, para reforço da transparência das transacções, a um sistema de informação e de requisitos de transparência pré-negociação e pós-negociação para os mercados completamente diferente do actual. Tal envolve, de facto, um sistema de informação aos mercados, antes e depois da negociação, muito mais exigente do que o que existe hoje.
Reporte. Passam a ser exigidos deveres de reporte de transacção mais extensos por parte dos intermediários e das entidades de supervisão. Os intermediários financeiros têm de assegurar ao cliente o que foi designado por a ―melhor execução possível‖. Ao escolher qualquer das alternativas de negociação referidas, o intermediário tem de garantir que, no final, assegurou ao cliente a melhor execução possível, e tem de o demonstrar. Acresce que, os seus clientes têm que ser classificados em uma de três categorias. A saber: a) os investidores não qualificados (aqueles que precisam de mais protecção e, portanto, têm um regime de normas de conduta mais exigente); b) os investidores qualificados (que têm normas de conduta menos exigentes); e c) os chamados contrapartes elegíveis, que são os clientes que necessitam de menos protecção e em que as normas de conduta não são
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exigidas. A elaboração desta classificação é obrigatória, e o cliente tem que saber a categoria que lhe foi atribuída.
Harmonização. Os mercados regulamentados na UE passam a ter a sua regulamentação harmonizada. Até agora, os mercados regulamentados podiam ter uma regulação de acordo com a vontade de cada Estado membro. Assim, resulta numa integração dos mercados mais profunda do que a anterior. A DMIF poderá ter uma implicação semelhante àquela que teve a directiva de liberalização dos movimentos de capitais no segmento bancário no início dos anos 90. E por isso, como há uma harmonização total, exige-se uma troca de informações completa entre entidades de supervisão relativamente às transacções que são feitas pelos intermediários financeiros nos mercados de cada um.
Protecção dos investidores. Os pequenos investidores, os investidores não profissionais, estarão mais protegidos com a DMIF do que com o regime a alterar. A directiva e a competente legislação nacional de transposição discriminam com mais detalhe os itens que o intermediário financeiro tem de conhecer sobre o cliente e qual o tipo de produtos que pode vender-lhe, de acordo com o perfil respectivo. Existe pois um maior grau de protecção dos clientes do que hoje acontece. O Presidente da CMVM destacou também a clareza da supervisão comportamental que passará a existir com a DMIF, comparando-a com a falta de clareza no actual regime legal sobre a responsabilidade de supervisão em determinados produtos. 10 — Principais alterações provenientes da Directiva da Transparência:
Publicação de contas. Termina a obrigatoriedade da publicação de contas trimestrais por pequenas empresas que podem passar a publicar apenas contas semestrais.
Participações qualificadas. Altera-se o limiar de comunicação de participações qualificadas, que passa dos actuais 2% para 5%, mantendo-se, todavia, nos 2% nas sociedades que imponham limites quantitativos ao exercício dos direitos de voto.
11 — Principais alterações provenientes da Directiva da Auditoria:
Sujeição da actividade dos auditores à supervisão de uma entidade pública independente.
12 — Transposição da Directiva das OPA e prazo de apreciação das OPA. No que respeita ao prazo de apreciação das OPA, a transposição da directiva das OPA tinha a possibilidade de escolha entre duas soluções possíveis: (i) a limitação absoluta do prazo no caso de OPA; e (ii) nos casos em que a análise da concorrência necessitasse de investigação aprofundada, a OPA cairia automaticamente — o oferente iria, na prática, obter autorização, voltando a lançar a OPA posteriormente. Este último regime existe, por exemplo, em França e na Alemanha. Esta segunda via teria a vantagem de libertar totalmente a sociedade visada de qualquer restrição, mas teria também o inconveniente de, entre as duas OPA, a sociedade visada poder transformar completamente a empresa. A solução adoptada foi a primeira, ou seja, a limitação do prazo, prevendo-se, na transposição adoptada, que não possa exceder os 90 dias úteis, mais 10 dias por interrupções, ou seja, 100 dias. O Presidente da CMVM considerou que este não é um prazo curto, que é um prazo normal em termos internacionais e aceitável para operações que habitualmente têm uma importância e dimensão significativas.
13 — Outras directivas em curso de transposição (ao longo de 2007):
Directiva sobre os direitos dos accionistas.
Directiva sobre contas anuais e contas consolidadas.
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14 — Prazos de transposição das directivas. Na área financeira, os prazos de transposição têm sido cumpridos, com excepção da DMIF. Segundo informou o Presidente da CMVM, a data de transposição deveria ter sido a 31 de Janeiro passado, face a uma data de entrada em vigor a 1 de Novembro de 2007. A DMIF é uma directiva complexa, registando atrasos na transposição também em alguns outros Estados-membros.
15 — Impacto do novo quadro regulamentar na actividade da CMVM. O regime que decorre da DMIF vai exigir a supervisão de um maior número de deveres, num número maior de locais de transacção e com maior troca de informações.
3 — Alterações legislativas sugeridas pelo Presidente da AdC
16 — As alterações legislativas sugeridas pelo Presidente da CMVM respeitam à introdução de benefícios fiscais para as empresas que recorram ao financiamento através do mercado de capitais. Neste âmbito foram concretizadas as seguintes sugestões:
Tributação em IRC. Redução transitória de IRC para as empresas que recorram ao mercado de capitais; Rendimentos de acções das PME. Tratamento transitório dos rendimentos referidos, sendo proposto um regime análogo ao adoptado há alguns anos para as acções adquiridas em operações de reprivatização, concedendo alguns benefícios fiscais transitórios para aqueles investidores que comprassem acções das PME;
Juro nocional. Imputação nas contas das empresas do chamado ―juro nocional‖. Nestes termos, as empresas poderiam calcular, sobre os capitais próprios, o que seria o juro que pagariam caso se tratassem de capitais alheios (i.e., se fosse dívida), e deduzi-lo fiscalmente. O Presidente da CMVM considerou que, para minimizar o impacto negativo sobre a receita fiscal do Estado, esta abordagem deveria ser adoptada em termos marginais e apenas incidindo sobre os novos capitais próprios adquiridos ou ―levantados‖ do mercado.
Esta abordagem seria semelhante à que existe em outros países da UE, designadamente a Bélgica.
ANEXO
Transcrição integral pela Divisão de Redacção e Apoio Audiovisual da Assembleia da República da Audição do Presidente da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) (Dr. Carlos Tavares) na Comissão de Orçamento e Finanças da Assembleia da República, em 14 de Março de 2007
O Sr. Presidente (Patinha Antão): — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 10 horas e 10 minutos.
Srs. Deputados, Sr. Presidente da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), Dr. Carlos Tavares, vamos iniciar esta audição, inscrita no programa que esta Comissão tem de ouvir regularmente as entidades reguladoras do sistema financeiro.
Em meu nome, porque certamente interpreto o sentimento de todos, agradeço vivamente a presença do Sr.
Dr. Carlos Tavares, que é muito bem vindo a esta Comissão. Lembro que a audição anterior que levámos a cabo foi muito interessante, muito informativa e muito profícua. Tal deveu-se à qualidade da exposição e dos materiais, que foram muito bons para os objectivos da Comissão, e à própria natureza da dinâmica inscrita na mudança do enquadramento regulamentar do mercado de capitais, que traz uma série de desafios significativos a vários níveis para todos os operadores do mercado, para as entidades reguladoras e também – e aqui me detenho – para a própria Assembleia da República.
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De facto, há um esforço que tem um enquadramento comunitário muito acentuado e que resulta da criação do mercado único de serviços financeiros, o que faz com que os parlamentos nacionais tenham um papel insubstituível a desempenhar na criação desse novo marco institucional.
A regulação do mercado de capitais é complexa a muitos níveis, também nos aspectos operativos, mas, do ponto de vista do enquadramento legislativo, tem complexidades indesmentíveis e, por consequência, a responsabilidade que temos em assegurar, da nossa parte, que esta dinâmica vai no sentido positivo e com a celeridade necessária é igualmente um ponto a sublinhar e que nos cabe observar e concretizar.
Mas, para além disso, como referia, existem muitos outros aspectos que importa considerar e, portanto, ouvir o Sr. Presidente da CMVM sobre o foco da sua actuação e ouvi-lo comentar os desenvolvimentos que o mercado de capitais teve desde a última audição até agora. Estes desenvolvimentos foram marcados por uma série de novidades, entre as quais tem lugar muito significativo o surgimento de OPA não solicitadas de grande dimensão e repercussão, operações complexas em si mesmas e que envolveram também, como é conhecido, a intervenção da Autoridade da Concorrência e, em grande parte, da CMVM. Temos o maior interesse em obter a opinião tão influente e tão vivida desta experiência por parte da CMVM, sobre ela reflectindo e debatendo, como é timbre e apanágio da nossa Comissão.
Esta nossa audição, desejavelmente, como todas as outras, deverá ter uma duração de duas horas, sendo o tempo, neste caso, meramente indicativo e estando mais relacionado com a forma como nos autoorganizamos para que ela seja tão profícua quanto todos o desejamos.
O Sr. Presidente da CMVM disse-me que tenciona demorar cerca de 20 minutos na sua exposição inicial, que iremos ouvir de seguida com o maior interesse. Há documentos que estão em distribuição e que suportam e desenvolvem as considerações que o Sr. Dr. Carlos Tavares nos vai passar a fazer.
Dito isto, renovando os nossos agradecimentos pela sua disponibilidade, dou de imediato a palavra ao Dr.
Carlos Tavares.
O Sr. Dr. Carlos Tavares (Presidente da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, é mais uma vez com gosto que estou nesta Comissão.
Desde Maio do ano passado, altura em que estive aqui pela última vez, tivemos quase um ano que foi especialmente rico de acontecimentos no mercado de capitais português, quer do ponto de vista regulamentar, quer do ponto de vista dos próprios acontecimentos do mercado e do seu comportamento. Como o Sr.
Presidente disse, iria passar com alguma brevidade esses diversos aspectos de comportamento do mercado, dos acontecimentos e de mudanças institucionais e regulamentares que ocorreram.
Chamo a atenção para o facto de ter tomado a liberdade de ter distribuído aos Srs. Deputados, quer o desenvolvimento desta apresentação que vou fazer, quer um resumo, uma «visita guiada», se quisermos, à directiva dos mercados e instrumentos financeiros, que é, talvez, uma das reformas mais profundas que o mercado de capitais vai enfrentar nos próximos anos. Esta directiva será transposta muito em breve e, como tal, os Srs. Deputados irão, muito em breve, defrontar-se com ela aqui, na Assembleia da República, pelo menos no que respeita às questões de natureza sancionatória.
Distribuí também uma brochura sobre a reforma legislativa do mercado de capitais no quadro das directivas comunitárias, fazendo um levantamento geral sobre toda esta reforma regulatória que resulta da mudança do quadro regulamentar europeu. Finalmente, distribuí também uma outra brochura com o programa de acção da CMVM para o quinquénio 2006-2010, que aprovámos no ano passado e que sintetiza os nossos objectivos e as nossas orientações de política regulatória, no quadro da CMVM, como é natural.
Por isso, queria desde já dizer que, sendo esta apresentação, naturalmente, mais sintética do que estes documentos, estarei à disposição dos Srs. Deputados, quer para a troca de impressões subsequente a esta apresentação, quer para qualquer outra troca de impressões que os Srs. Deputados, porventura, entendam necessária, posteriormente a esta sessão.
Relativamente à apresentação que trouxe, gostaria de começar por recordar brevemente o que o foi o comportamento dos mercados no último período, entre 2005 e 2006. De facto, o índice geral do Euronext Lisbon foi dos que melhor se comportou em termos de crescimento na Europa, só tendo sido superado pelo índice de Madrid. De qualquer modo, registou, entre 2005 e 2006, uma variação de 33,3%, sendo que nos dois primeiros meses de 2007 a este crescimento já se somavam mais 4,4%, o que demonstra, de facto, uma dinâmica apreciável.
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Também em volume de transacções o mercado de capitais português registou um crescimento muito significativo durante o ano de 2006, tendo as transacções globais no mercado subido cerca de 66,5%, só superadas, neste caso, pela bolsa de Viena e tendo ficado claramente acima, por exemplo, do Euronext ou até do mercado de Londres ou mesmo de outras bolsas representativas. Também neste caso esta tendência continuou nos primeiros meses de 2007, com o volume de transacções a subir 16 000 milhões de euros, isto é, mais 50% do que nos dois primeiros meses de 2006.
Tudo isto, esta dinâmica, resultou num aumento do peso da capitalização bolsista no produto, que tinha vindo a decrescer gradualmente desde há alguns anos a esta parte e que, depois, começou a recuperar paulatinamente desde 2002, até que, em 2006, teve, de facto, uma recuperação significativa, voltando a ultrapassar os 50% do produto. Este número que estou a referir ainda é um valor relativamente modesto em termos internacionais. Recordo que, na União Europeia, a média ainda está acima dos 80%, próximo dos 90%, creio. Mesmo assim, este valor representa já uma inversão da tendência que se verificou até 2002, mas, sobretudo, um acréscimo significativo relativamente ao que se verificou nos anos anteriores, beneficiando, naturalmente, de algumas operações de introdução em bolsa que ocorreram este ano, designadamente na área das privatizações.
Na área dos chamados organismos de gestão colectiva das poupanças, os chamados fundos de investimento, que tiveram um desenvolvimento importante durante os anos anteriores apesar de serem um sector relativamente jovem em Portugal, o que encontramos é ainda uma representatividade deste sector relativamente modesta, apesar do desenvolvimento registado. Como tenho vindo a dizer, estes cerca de 16% que os fundos de investimento representam no produto, comparados com a média da União Europeia, que é de 48%, ou com a média de outros países, como França, onde é de 70%, ou o Reino Unido, onde é de 28%, a exemplo do que acontece em Espanha, mostram o espaço que há para o crescimento dos fundos de investimento do lado das aplicações de poupança, onde estes instrumentos representam só 10%.
Durante este ano de 2006, a actividade da CMVM foi também intensa sob o ponto de vista da supervisão.
Estão aqui reflectidos os principais números da supervisão, começando pelos 65 processos de contraordenação, sendo 35 por violação de deveres de informação, 18 relativos ao exercício de actividade de intermediação financeira e 12 respeitantes à gestão de organismos de investimento colectivo. Quanto à aplicação de coimas, o total foi de 3 400 000 €, que representou, de facto, um aumento significativo relativamente ao nível anterior e que, como tenho vindo a dizer, significou alguma mudança de filosofia, passando de um período de alguma pedagogia para um período de mais efectivo sancionamento das práticas não legais ou ilegais de mercado.
Passaram a publicar-se as sanções muito graves na sequência da aprovação e publicação da lei do abuso de mercado, tendo sido publicadas 11 sanções relativas a processos de contra-ordenação muito graves, com coimas no valor total de 2 300 000 €. Tivemos, naturalmente, reclamações, queixas e pedidos de informação.
Tivemos 24 processos de investigação sobre crimes de mercado, com esta repartição referida nos documentos que distribuí e que dizem que sete foram sobre abuso de informação privilegiada, três de manipulação de mercado, dois de intermediação financeira não autorizada, três de outros ilícitos, nove no âmbito da cooperação com outras entidades nacionais e internacionais, 46 acções de supervisão prudenciais, respostas a requerimentos, divulgação de documentos através do site, que tem vindo a ser cada vez mais visitado e consultado, sendo um instrumento de trabalho importante, segundo creio, para os intermediários financeiros e também para o público.
Aqui gostaria de salientar a publicação que passámos a fazer desde Julho do ano passado dos chamados simuladores dos custos de intermediação financeira e dos fundos de investimento, que permitem a qualquer investidor, efectivo ou potencial, consultar, através do nosso site, os custos efectivos da intermediação financeira, os custos de investimento em fundos de investimento mobiliário e imobiliário, comparando-os entre todos os intermediários financeiros e simular uma aplicação, sabendo quanto é que, da rentabilidade desses fundos, é consumida pelos custos de gestão ou pela intermediação financeira.
Esta área tem tido alguma popularidade, com mais de 90 000 páginas visitadas entre Julho e Dezembro, e creio que é um instrumento de especial utilidade, de transparência e de fomento da concorrência efectiva nesta área, que, por vezes, temos de reconhecer era ainda caracterizada por alguma opacidade e que tem vindo a produzir efeitos positivos nalguma tendência que se tem verificado na redução de custos e até de
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comissões praticadas por alguns fundos e intermediários financeiros relativamente a comissões na intermediação financeira.
Levámos a cabo 21 consultas públicas sobre projectos regulamentares e legislativos, fizemos cinco conferências e sessões de esclarecimento, com a presença de profissionais de mercado, em número de 700.
Concluíram-se neste período — que foi muito profícuo deste ponto de vista regulamentar — várias reformas. Chamo reformas porque são modificações estruturais importantes no mercado de capitais, desde logo, no abuso de mercado e do prospecto, com o Decreto-lei n.º 52/2006. Chamo a atenção para o facto de, na directiva do prospecto, haver modificações muito importantes, por exemplo, do ponto de vista do regime das obrigações, tendo sido eliminadas uma série de barreiras, quer no registo comercial das obrigações, quer noutros requisitos burocráticos, que existiam para a emissão de obrigações e que reduziam a competitividade do mercado português em matéria de obrigações.
Esta matéria foi tratada neste decreto-lei do prospecto. Eram algumas das propostas que tínhamos formulado logo no início do nosso mandato e que foram resolvidas por este decreto-lei.
Houve alterações muito importantes e fundamentais ao Código das Sociedades Comerciais, que, no ano passado, tive ocasião de referir aqui e que foram aprovadas e concretizadas, tendo entrado em vigor o Decreto-lei n.º 76-A/2006, em 30 de Junho, e produzido efeitos muito importantes em matéria de governação das próprias SA, com influência efectiva nos modelos de governação, nos requisitos de independências dos administradores, dos membros da assembleia-geral e com uma série de consequências na governação e na organização do governo das SA.
Foi feita a transposição da directiva das ofertas públicas de aquisição, que beneficiou, de algum modo, da experiência prática das ofertas públicas de aquisição em curso. Mas posso dizer que se tivéssemos que recomendar a transposição já recomendaríamos uma transposição diferente nalguns aspectos, porque ganhámos mais experiência e fomos confrontados com situações diferentes que todos os dias surgem no âmbito das ofertas concretas e, hoje, não tenho dúvida alguma em dizer que numa futura visita que se volte a fazer a esta lei se justifica introduzir algumas medidas, sendo certo que as ofertas em curso se regeram pela lei antiga e não pela nova, o que, nalguns aspectos, foi uma limitação.
Finalmente, durante todo este período levámos a cabo uma reestruturação interna da CMVM, que procurou adaptar a sua estrutura e forma de funcionamento às novas exigências que resultam desta nova estrutura regulamentar, que resulta de toda a reforma do mercado de capitais que está em curso.
A nova estrutura interna é mais simples do que a anterior. Concentrámos a supervisão apenas em dois departamentos em lugar de uma maior dispersão, de forma a que se reduzisse o número de interlocutores e se concentrasse a supervisão para cada entidade num só interlocutor internamente. Isto para limitar os custos de compliance e aqueles que os intermediários financeiros e os emitentes têm no relacionamento com a entidade de supervisão, de forma a que a própria coordenação interna da supervisão seja mais eficaz e que a articulação, por exemplo, entre a supervisão e a parte sancionatória o seja também e que tudo isto se traduza numa relação mais fluida entre supervisores e supervisionados.
A nova estrutura que, entrou em vigor em Setembro passado, tem-se, aliás, revelado bastante eficaz e adequada às novas exigências.
Para além desta mudança estrutural, a própria filosofia do funcionamento que referi tem vindo a ser gradualmente adoptada e, dentro dessa filosofia, há uma que gostaria de destacar, que é a substituição, sempre que possível, dos regimes de autorização prévia por um regime de registo com supervisão a posteriori.
O princípio é de que o supervisionado, até prova em contrário, quer cumprir, é cumpridor. Só a posteriori é que a CMVM verificará se está a cumprir ou não, em lugar do processo de autorização prévia, que, muitas vezes, faz perder tempo, torna o processo mais pesado, porque hoje nos mercados, como sabem, qualquer tempo, para além do que é estritamente necessário, traduz-se em custos financeiros que podem não ser pequenos.
Este regime vai ser desde já adoptado para os fundos de investimento. Vai ser a primeira experiência que vamos pôr em prática, a partir de Julho próximo, deixando de haver para os fundos de investimentos a ser autorizados ou comercializados em Portugal o processo de pedido de autorização prévia. Passará a haver uma listagem dos requisitos formais necessários, os fundos verificarão que cumprem esses requisitos formais e que têm toda a documentação em ordem, farão o registo e começarão a operar e, depois, a posteriori, verificar-se-á se estão a funcionar de acordo com os requisitos legais.
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Esta é uma mudança de filosofia que penso ser importante e da qual esperamos bons resultados e uma relação diferente entre supervisores e supervisionados.
Para além disto — falar-vos-ei disto na parte final —, esta nova organização permite identificar melhor os custos de supervisão das identidades em causa, dos emitentes, dos intermediários financeiros, de forma a permitir também uma mudança da filosofia das taxas de supervisão, de modo a que possamos adequar as taxas que cobramos aos custos efectivos que temos com a supervisão das entidades, o que hoje nem sempre se verifica. Temos que proceder a alguma subsidiação cruzada entre entidades. Aquilo que estamos a tentar fazer, num projecto de modificação das taxas que temos em curso e que proporemos ao Governo em breve, é adequar aquilo que cobramos aos custos que temos com a supervisão das entidades em causa.
Quanto aos acontecimentos relevantes de 2006 e que têm implicações no mercado português, por um lado, temos a associação entre a Euronext e a New Yorq Stock Exchange, que se traduz, como sabem, na prática, na aquisição, por uma entidade norte-americana, da bolsa europeia, da Euronext NV, a qual está em curso.
Trata-se de uma oferta pública sobre a Euronext NV que terminará no dia 21 de Março. Foi sujeita a uma autorização prévia pelo colégio de reguladores, no qual a CMVM está integrada e, nalguns mercados europeus, como o português e o holandês, foi sujeita a autorizações pelos ministros das finanças e, no caso do mercado americano, pela SEC.
Foi uma operação muito cuidada pelos reguladores europeus, muito articulada com as autoridades americanas do mercado, neste caso a SEC, e esse cuidado e essa articulação traduziram-se mesmo na assinatura de um memorando de entendimento entre o colégio de reguladores do Euronext e a SEC, prevenindo o futuro, de forma, por um lado, a articular a supervisão das duas entidades, que manterão a sua autonomia de funcionamento, mas não podemos esquecer que vão ser detidas por uma mesma entidade e que vão colocar questões de articulação de supervisão no futuro próximo.
Esse memorando procura também prevenir que não haja contaminação regulatória entre os mercados norte-americano e europeu, ou seja, que não haja extensão, transmissão de iniciativas regulatórias americanas ao mercado europeu nem vice-versa. Creio que foram obtidas garantias suficientes nesse domínio, pelo que, do ponto de vista regulatório, a operação foi, como eu disse, muito cuidada e muito bem preparada e agora está no mercado. Presumimos que terá sucesso, porque houve uma aprovação na assembleia-geral, realizada a 19 de Dezembro, por 98% dos votos dos accionistas. Mas agora está no mercado e terminará, como disse, a 21 de Março. Portanto, daqui a alguns dias saberemos o resultado final, mas será provavelmente uma operação que se concretizará a curto prazo.
Tivemos também, durante este ano não civil que agora está a terminar, as ofertas públicas de aquisição, que não foram só duas, como por vezes pareceu, foram cerca uma dúzia.
As OPA são momentos essenciais do mercado de capitais e a CMVM é chamada para este tipo de funções, para a supervisão diária da informação que é prestada pelos oferentes e pelas sociedades visadas, de forma a acautelar o cumprimento dos deveres previstos no código e nos regulamentos, a facilitar o acesso dos investidores a toda a informação relativa às ofertas, criando no site uma área específica que congrega documentos já divulgados, ordenados por tipo e por ordem cronológica, portanto, com toda a informação disponível, com a publicação de pareceres genéricos sobre os deveres de comportamento na pendência da oferta das sociedades envolvidas e com um entendimento sobre a adopção de medidas defensivas na pendência da OPA.
Acelerámos claramente o processo da tomada de decisão na resposta a requerimentos, de modo a que os processos que foram relativamente longos não sofressem dilações adicionais. Podemos dizer que a CMVM garantiu que todos os prazos foram cumpridos e nalguns casos foram encurtados. Aplicámos, como foi público, coimas a pessoas que não respeitaram o dever de segredo na preparação ou análise de ofertas concorrentes. Pedimos esclarecimentos, determinámos a clarificação de documentos produzidos no âmbito das ofertas, com vista a uma informação completa e objectiva dos investidores e procedemos a uma análise diária das transacções realizadas sobre os títulos envolvidos de modo a detectar eventuais comportamentos ilícitos. Portanto, uma parte desta actividade não é visível, mas existe no dia-a-dia.
As OPA e OPV, que foram o outro lado do mercado, que ocorreram durante este ano e que tornaram o mercado muito activo, estão aqui enumeradas com as suas características, desde a contrapartida oferecida, às datas, à decisão da Autoridade da Concorrência, ao registo da CMVM, ao prazo da oferta e à conclusão.
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Não irei referi-las caso o caso, mas darei uma ideia de todas as que ocorreram neste período, estando algumas ainda em curso, como sabem: a da Sonaecom/PT, mais conhecida e mediática, que incluiu também a OPA obrigatória sobre a PT Multimédia, que não está aqui referida; a do BCP sobre o BPI, a da RL sobre a Tertir e a Ternor, que já se concretizou, com o resultado que está na coluna da conclusão.
Há uma oferta em curso da Stone Holding sobre a Cofaco, que, apesar de o anúncio ser de 3 de Outubro, ainda aguarda registo, porque faltam informações sobre a estrutura accionista do oferente.
Refiro ainda a da Investifino sobre a Soares da Costa, que se concretizou também, em 26 de Janeiro de 2007; a da Mota-Engil sobre a Tertir e Ternor, que aguarda a fixação da contrapartida por auditor independente; a da Prisa sobre a Media Capital, que se concretizou na parte da oferta voluntária, estando agora em curso a oferta obrigatória subsequente, ao abrigo da lei antiga.
A este propósito, tem havido muita confusão. A oferta que está em curso não resulta da nova lei das OPA nem de nenhuma importação de direitos de voto; resulta simplesmente do facto de o oferente ter lançado uma oferta pública voluntária e ter passado os limiares que lhe dão controlo: bastavam os 33% mas, por acaso, ultrapassou os 50% e, pela lei antiga das ofertas, foi obrigado a lançar uma oferta obrigatória, respeitando os parâmetros das ofertas obrigatórias que são baseados nos preços de mercado dos últimos seis meses. A única questão que está sobre a mesa é que o oferente invocou a não representatividade do preço de mercado, pedindo que fosse nomeado um auditor para a determinação do preço, em vez do recurso aos parâmetros que resultam do preço do mercado. Esta é a questão que está em curso nesta OPA da Prisa sobre a Media Capital.
Continuando, temos a OPA da Europac sobre a Gescartão, que também já se concluiu a 23 de Janeiro; a OPA da Violas sobre a Solverde, que é uma oferta voluntária que aguarda registo pela CMVM, visto que é relativamente recente; já falei da oferta obrigatória da Prisa sobre a Media Capital, que aguarda o registo pela razão que lhes referi, e, finalmente a OPA da Prisa sobre a TVI, que é uma participada da Media Capital e, portanto, havendo a OPA sobre a Media Capital, dá origem a uma OPA obrigatória sobre a participada TVI, algumas acções vivas da TVI. Trata-se de uma oferta pequena mas que também está lançada.
Por outro lado, no âmbito das ofertas públicas de venda e admissões à negociação, tivemos a da Galp Energia, que decorreu entre 9 e 20 de Outubro, em que a oferente foi a Parpública; de novo com a Parpública, a Portucel, entre 6 e 10 de Novembro; uma vez mais com Parpública, a Celtejo, que teve lugar entre 17 e 28 de Abril; e, finalmente, em 5 de Fevereiro de 2007, a Europac fez uma oferta pública na Bolsa de Lisboa, sendo mais uma entidade que se encontra cotada, simultaneamente, em Lisboa e Madrid (e também Barcelona), e que fez uma oferta pública de 62 milhões de acções na Bolsa de Lisboa.
Esta entidade, embora seja mais uma que se encontra cotada nas duas Bolsas, diria que não é «mais uma», porque tem uma característica um pouco diferente das outras. Enquanto o Banco de Santander, o Banco Popular e a Sacir, que normalmente excluímos até das estatísticas porque, sendo cotadas em Lisboa e Madrid, têm a sua principal actividade em Espanha, a Europac é um caso um pouco diferente porque, estando cotada nos dois mercados, já tem mais activos em Portugal do que em Espanha, e no futuro ainda terá mais, na medida em que — creio — está a caminho de se concretizar, finalmente, o célebre investimento em Viana do Castelo (em função das contrapartidas resultantes da privatização da Gescartão), que estaria em vias de ser licenciado.
Portanto, esse será mais um resultado que fará com que a principal actividade ou a maior parte da actividade da Europac se possa situar do lado português e não do lado espanhol. É por esta razão que digo que é um caso um pouco diferente dos outros.
O que é que está em curso e, como disse no início, vai mudar depois de toda esta alteração legislativa? Na prática, ficará completamente modificada, transformada, a estrutura regulamentar do mercado de capitais em Portugal, e em muitos países da Europa também.
Está em curso aquela que referi como sendo, talvez, a mais profunda modificação regulamentar dos últimos muitos anos nos mercados de capitais, através quer da Directiva dos Mercados e Instrumentos Financeiros (DMIF) — fiz distribuir a tal «visita guiada», porque ela, como veremos através de alguns slides, tem implicações profundíssimas na organização dos mercados a nível europeu, e não apenas a nível nacional, seguramente —, quer da transposição das Directivas da Transparência e da Auditoria (trabalho que está em curso), quer de um decreto-lei avulso (nacional e não europeu), que resultou de uma necessidade que foi sentida por um caso concreto, infelizmente não muito bem sucedido, que se prende com a supervisão do
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chamado investimento em bens tangíveis, que demonstrou ser um sector a carecer de supervisão, até agora não existente.
Também estão em curso algumas modificações ou, diria, aperfeiçoamentos aos regimes do capital de risco e da titularização e, tal como já vos referi há pouco, a fixação das taxas de supervisão e do financiamento — uma mudança da filosofia do financiamento da CMVM.
Talvez a modificação mais importante, mais pesada, tenha a ver com a DMIF, a Directiva dos Mercados e Instrumentos Financeiros.
O gráfico ou o quadro mostra-vos o modelo de negociação actual dos mercados, em que vigora a chamada regra da concentração. Ou seja, normalmente, um título, uma acção está cotada no mercado, seja regulamentado ou não regulamentado, e transacciona-se nesse mercado onde está cotado.
Por exemplo, uma acção do BCP está cotada no Euronext da Bolsa de Lisboa e transacciona-se no Euronext de Lisboa. Ela também está cotada noutros mercados, mas tem de estar cotada nesse mercado para se transaccionar aí! Tal como uma acção que esteja cotada no Alternext, que é um mercado não regulamentado em Paris, transacciona-se nesse mercado, o Alternext de Paris, mas não se transacciona noutro.
Este é o modelo actual onde, repito, funciona a chamada regra da concentração. Os investidores dão ordem aos intermediários, que canalizam as suas compras e as suas vendas para o mercado onde o título está cotado.
Com a DMIF, este modelo de concentração desaparece. O investidor dá ordem ao intermediário financeiro, podendo este realizar a transacção em uma de três localizações possíveis: no mercado regulamentado, onde o título esteja admitido à cotação; no chamado sistema de negociação multilateral (que são plataformas de negociação próximas dos mercados não regulamentados, mas onde o título não tem de estar admitido à negociação); e, finalmente, em certas condições de liquidez dos títulos e de dimensão dos próprios intermediários, podem fazer a chamada internalização sistemática, ou seja, fazer o encontro das compras e vendas contra a sua própria carteira.
Claro que o facto de haver esta multiplicidade de possibilidades de transacção obriga, para que as transacções sejam transparentes, a um sistema de informação, de requisitos de transparência pré-negociação e pós-negociação para os mercados completamente diferente do actual. Tal envolve, de facto, um sistema de informação aos mercados, antes e depois da negociação, muito mais exigente do que o que existe hoje.
Também se exigem deveres de reporte de transacção muito mais extensos por parte dos intermediários e das entidades de supervisão, o que implica responsabilidades muito maiores por parte dos intermediários financeiros.
Por um lado, tem de assegurar ao cliente a chamada melhor execução possível. Portanto, ao escolher qualquer daqueles locais de transacção, o intermediário tem de garantir que, no final, assegurou ao cliente a melhor execução possível, e tem de o demonstrar, o que é, de facto, uma exigência assinalável. Por outro lado, tem de ter os seus clientes classificados em três categorias: os investidores não qualificados, aqueles que precisam de mais protecção e, portanto, têm um regime de normas de conduta mais exigente; os investidores qualificados, que têm normas de conduta menos exigentes; e os chamados contrapartes elegíveis, que, simplesmente, são os clientes que necessitam de menos protecção e em que as normas de conduta não são sequer exigidas.
Esta classificação tem de ser feita, o cliente tem de saber em que categoria está e o intermediário financeiro tem de deter toda a informação sobre o cliente que lhe permita atribuir a classificação ao cliente e ter um conhecimento exaustivo das características, do perfil do cliente sob pena de não poder transaccionar com ele.
Se o cliente se recusar a dar-lhe alguma informação que seja essencial para conhecer o respectivo perfil, o intermediário financeiro tem o dever de não efectuar transacções com ele, além de que não pode vender-lhe produtos que não sejam adequados ao seu perfil.
Isto coloca, de facto, exigências muito significativas ao intermediário e exigências muito significativas à supervisão, que tem de verificar se estas normas são ou não cumpridas. Portanto, podemos dizer que, de facto, há uma protecção muito acrescida por parte dos investidores, sobretudo dos investidores não qualificados.
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Surpreendeu-me, por isso, o facto de, ontem, ter ouvido um representante de um grande banco de investimentos internacional dizer que a DMIF interessava sobretudo aos investidores institucionais, quando presumiria que interessa sobretudo aos investidores menos protegidos e aos não qualificados, no sentido de não profissionais.
Impõe-se igualmente o tal sistema de troca de informações. Como os títulos podem ser transaccionados em qualquer lugar da Europa, há um outro aspecto muito importante sobre a regulamentação dos mercados, porque, para além de os títulos poderem ser transaccionados em qualquer daqueles pontos, mesmo nos mercados regulamentados passa a haver diferença: até agora, os mercados regulamentados podiam ser regulamentados de acordo com a vontade de cada Estado membro. Isto é, há um mercado regulamentado em Portugal, há um mercado regulamentado em Inglaterra, há um mercado regulamentado na Áustria e cada um destes mercados pode ter a sua própria regulamentação.
Agora, com a DMIF, os mercados regulamentados têm de ter regulamentação harmonizada, ou seja, não é possível a regulamentação dos mercados a la carte, à-vontade de cada um.
Por isso, a integração dos mercados que daqui resulta passa a ser, de facto, muito mais profunda do que até agora. Costumo dizer que a DMIF poderá ter uma implicação semelhante àquela que teve a directiva de liberalização dos movimentos de capitais para a parte bancária, no início dos anos 90. E por isso, como há na parte bancária uma harmonização total, exige uma troca de informações completa entre entidades de supervisão relativamente às transacções que são feitas pelos intermediários financeiros nos mercados de cada um. Dispenso-me, agora, de detalhar o quadro que mostra como é que são feitas.
Quanto à directiva da transparência, sublinharia apenas aqui duas alterações importantes que vão ocorrer com esta directiva.
Em primeiro lugar, o fim da obrigatoriedade da publicação de contas trimestrais por pequenas empresas, por empresas de dimensão menor, que podem passar a publicar apenas contas semestrais.
A segunda alteração tem a ver com o limiar de comunicação de participações qualificadas, que passa dos actuais 2% — que é um regime bastante mais restritivo do que o da directiva e é o que temos actualmente — para 5%, de acordo com a proposta que foi objecto de consulta pública, mantendo-se, todavia, nos 2% nas sociedades que imponham limites quantitativos ao exercício dos direitos de voto.
Isto tem uma lógica: numa sociedade que não tenha limitações ao exercício dos direitos de voto, 2% é, de facto, uma participação pequena; numa sociedade, por exemplo, em que o número máximo de direitos de voto que cada accionista pode exercer seja 10%, 2% é já uma participação bastante importante.
Vou «saltar» a parte relativa à transparência.
Na directiva da auditoria há, sobretudo, a questão da sujeição da actividade dos auditores à supervisão de uma entidade pública independente, que é talvez a principal alteração.
Quanto aos bens tangíveis, já lhes referi a necessidade de sujeitar esta actividade a uma supervisão que hoje não existe e que causou problemas efectivos, que são conhecidos.
No capital de risco, que tem vindo a ter uma expansão significativa desde a reforma regulatória de 2002, que deu, de facto, resultados muito rápidos, aquilo que estamos a propor são melhorias. Não se trata de uma reforma profunda, mas vão permitir, em nosso entender, melhorar ainda o regime.
O mesmo se passa com o regime da titularização de créditos, que passa a ser regime da titularização de activos e não apenas de créditos. E também me dispensaria de entrar aqui em grandes detalhes.
Quanto às taxas de supervisão, já lhes referi a mudança de filosofia. Há outros desenvolvimentos que ainda irão ocorrer em 2007, que estão mais atrasados, apesar de tudo, porque também ainda não estão estabilizados a nível europeu e, portanto, ainda não chegámos à altura de os transpor: a transposição da directiva sobre direitos dos accionistas; a transposição da directiva sobre contas anuais e contas consolidadas.
Teremos, naturalmente, a presidência da União Europeia, onde haverá duas discussões muito importantes na área financeira. Uma sobre a revisão do Processo Lamfalussy, onde creio que teremos uma posição muito interessante, na medida em que eu próprio, neste momento, ocupo a Vice-Presidência do CERS (Comité de Reguladores dos Mercados Europeus de Valores Mobiliários) e Portugal, presidindo à União Europeia no segundo semestre, tem uma posição privilegiada para introduzir uma nova dinâmica neste processo, que é interessante mas que, penso, pode ser substancialmente melhorado — trata-se de um o relatório que merece, de facto, ser trabalhado.
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Haverá também uma discussão, que creio que cairá na presidência portuguesa, sobre hedge funds, que é hoje um tema muito discutido, muito interessante, com sentimentos não totalmente coincidentes por parte de quem os discute, mas que teremos ocasião de ver sobre a mesa no segundo semestre.
Vamos, em breve, trazer a público um relatório alargado sobre o governo das sociedades cotadas portuguesas.
Como sabem, a CMVM tem vindo a trabalhar muito profundamente nesta questão do governo das sociedades cotadas e temos preparado um relatório que faz uma «fotografia» do que é a estrutura de governo societário. É de 2005, porque é o primeiro relatório, e agora vamos actualizá-lo anualmente, mas com muito detalhe sobre a estrutura de detenção do capital, a estrutura do governo, a estrutura da independência da administração das sociedades, a estrutura de remuneração dos administradores — tudo isso com grande detalhe para que tenhamos uma «fotografia» do que é hoje o governo das sociedades cotadas em Portugal.
Existem ainda algumas iniciativas da Comissão Europeia em cuja discussão participamos. A Comissão Europeia trará a público um relatório sobre a questão muito interessante, como sabem, de «uma acção um voto», salvo o erro, em Junho. Também no segundo semestre contamos levar a cabo discussões sobre este tema, no âmbito até de uma conferência que organizaremos sobre a matéria.
Finalmente, a Comissão Europeia pronunciou-se recentemente, com algum desapontamento, sobre o ponto de situação da transposição da directiva das OPA e sobre os resultados relativamente decepcionantes dessa transposição, o que não é propriamente surpreendente, atendendo à qualidade da directiva e à limitada capacidade de harmonização que ela traz consigo. Foi uma directiva que, como sabem, levou 15 anos a discutir e que não se traduziu, de facto, num acordo que permitisse uma harmonização mínima das condições de transposição, o que nos causa bastantes dificuldades a nível europeu.
Não sei se foi distribuído também — mas, se não foi, farei distribuir — uma listagem da cronologia da oferta pública de aquisição sobre a PT, com todos os actos que caracterizaram esta oferta, do ponto de vista da CMVM. Penso que é uma cronologia muito interessante, onde poderão ver a quantidade de actos que esta oferta implicou, alguns dos quais não foram notórios ou não foram tão públicos. Foi uma oferta que nos ensinou bastante sob diversos pontos de vista, em que a CMVM foi chamada a decidir frequentemente e a assumir o risco de algumas decisões, com uma lei que tinha algumas deficiências, não tendo sido possível fazê-la ao abrigo da lei nova. No fim, posso dizer com tranquilidade que, com todas as emoções que a caracterizaram, sobretudo na parte final, nenhuma contestação fundamentada foi feita a qualquer acto da CMVM.
O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Dr. Carlos Tavares.
Vamos iniciar, agora, o nosso debate. Começaremos a primeira volta com intervenções dos Srs. PortaVozes dos partidos representados na Comissão, procurando ter tempo para uma segunda ronda de inscrições livres.
Desejavelmente, essas intervenções deveriam confinar-se em torno dos 5 minutos. Claro que não há uma limitação taxativa, mas, para organização do tempo, era preferível que houvesse esta autocontenção.
Depois, haverá uma resposta em bloco por parte do Sr. Presidente da CMVM.
Como é habitual, o Partido Socialista possibilita ao Partido Social Democrata que faça a primeira intervenção. Tem, assim, a palavra o Sr. Deputado Duarte Pacheco.
O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Dr. Carlos Tavares, vou tentar cumprir os 5 minutos e, depois, para aprofundar algumas das questões que gostaríamos de colocar ao Sr. Presidente da CMVM, o Sr. Deputado Jorge Neto fará uma segunda intervenção, no mesmo sentido da minha mas mais profunda e sobre questões concretas.
Em primeiro lugar, quero saudar o Sr. Dr. Carlos Tavares pela apresentação, pela documentação e também pela sua recente eleição para Vice-Presidente do Comité de Reguladores dos Mercados Europeus de Valores Mobiliários, algo que, sendo positivo para o próprio, é sobretudo simpático para o País. Gostaria, assim, de o saudar e à CMVM por essa eleição.
Sr. Dr. Carlos Tavares, se me permite, gostaria de lhe colocar essencialmente três questões.
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Para o Mercado de Valores Mobiliários, o ano de 2006 foi rico, com muito movimento, com venda de acções, com operações, com «tempo de antena», o que mostrou a vitalidade do mercado, mas há, por baixo de toda esta «espuma», dois problemas que lhe vou colocar.
Por um lado, a diminuição do número de empresas, que tem vindo a reduzir-se nos últimos 10 anos.
Penso, nomeadamente, que desde 2004 não há entrada de novas empresas. Este é um problema estrutural que tem de ser reflectido.
Paralelamente a isso, há algo que a CMVM vinha a defender, que o próprio Governo, através do Secretário de Estado do Tesouro, chegou a anunciar mas que, infelizmente, não se veio a concretizar no Orçamento do Estado. Coloco a questão para ver da pertinência de ser repensada esta matéria e para, porventura, se todos constatarmos da bondade da proposta da CMVM, podermos desenvolver esforços junto do Governo para que tal venha a acontecer num futuro próximo. Trata-se dos benefícios fiscais para as PME que estejam cotadas em bolsa.
É preciso desenvolver medidas de discriminação positiva para quem queira utilizar este mercado, para o podermos revitalizar. Revemo-nos na posição que foi anunciada pelo Presidente da CMVM, mas gostaríamos que pudesse elaborar um pouco mais sobre esta matéria.
A segunda questão tem a ver com a transposição das directivas, que já aqui nos anunciou, e refere-se ao ponto da situação em termos de prazos. Todos percebemos da importância destas directivas, que devem ser transpostas tão breve quanto possível. Não é possível arrastar isto no tempo, porque são necessárias para voltar a dar dinamismo ao mercado de capitais português. Nesse sentido, pergunto-lhe: quais os timings que a CMVM tem para que essa transposição possa ocorrer? E sobre a principal directiva, a DMIF (directiva dos mercados e instrumentos financeiros), gostaria que elaborasse um pouco mais, porque já aqui mostrou discordância. No entanto, um dos principais responsáveis pela Merrill Lynch frisa que, pelo menos no curto prazo, os pequenos investidores não vão retirar nenhum benefício de toda esta transformação. Ora bem, quando os investidores institucionais, por si, já hoje têm facilidade de acesso a todo o tipo de informações e o principal objectivo de toda esta directiva seria, precisamente, facilitar o acesso ao mercado, se pessoas com responsabilidades dizem que esse objectivo não é alcançado, como é que vamos promover uma transposição que contrarie este tipo de anúncios e possa ir de encontro ao objecto que estava presente? Simultaneamente, se me permite, como é que salvaguardamos a própria capacidade de influência e a competência da CMVM depois desta transposição, nomeadamente quando o FMI refere que a CMVM precisa de reforçar poderes neste mercado para ser respeitada? Por último, gostaria de colocar três questões sobre as OPA em curso, nomeadamente sobre a OPA que foi mais visível no passado recente. Em primeiro lugar, a acusação de parcialidade que foi sistematicamente feita à CMVM.
A segunda pergunta é sobre todo o tipo de comentários que foram feitos e tomadas públicas de posição da CMVM contra a presença de golden shares, relativamente às quais, nomeadamente, o próprio Governo mostrou discordância. Gostaria que desenvolvesse o raciocínio sobre essa matéria.
Em terceiro lugar, a CMVM veio a defender que o assunto ia ser resolvido no mercado. Gostaria de saber se não sente que as suas posições foram fragilizadas quando o assunto morreu sem chegar ao mercado.
O Sr. Presidente: — Pelo Partido Socialista, a intervenção está a cargo do Sr. Deputado Victor Baptista.
O Sr. Victor Baptista (PS): — Sr. Presidente, cumprimento o Dr. Carlos Tavares, agradeço a belíssima exposição que aqui nos apresentou e confesso que só tenho pena de não termos tido acesso a alguns destes elementos antecipadamente. Mas creio que são excelentes elementos que nos podem fazer reflectir.
Diria que o ano de 2006, bem com este início de 2007, do ponto de vista do mercado de capitais, é bom, dado que o volume de transacções é surpreendente, com um crescimento de 66,5%, só ultrapassado por Viena, com 73%.
E aqui há uma comparação sobre a qual queria pedir que o Sr. Presidente da CMVM, se pudesse, reflectisse: o porquê de Madrid ter apenas um crescimento de 21,5%. Há aqui uma diferença substancial.
Gostaria de saber se isso tem alguma relação, por um lado, com o funcionamento ou se, por outro lado, o nosso mercado de capitais é, sobretudo, dependente exclusivamente das grandes empresas e de algumas
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operações, como as OPA, que foram apresentadas durante o ano de 2006 — algumas delas já foram resolvidas durante o ano de 2007.
A segunda questão que coloco relaciona-se com as reformas — se são ou não necessárias reformas no mercado bolsista, tendo em vista potenciar o seu crescimento – e com a comparação com o mercado bolsista europeu — se este potencial crescimento é significativo, ou não, e se a nossa divergência com o mercado bolsista europeu é significativa, até porque me parece que está aqui subjacente uma questão que gostaria que o Sr. Presidente explicasse.
Houve duas grandes OPA que se iniciaram em 2006 (uma ainda não está resolvida e a outra já está solucionada), mas o tempo que decorre entre a apresentação da OPA e a concretização é de mais de um ano.
Este prazo de um ano é aceitável, tendo em vista o funcionamento do mercado, ou é um prazo que, porventura, se poderá relacionar com necessidades de aperfeiçoamento, com necessidades de eliminação de processos burocráticos? Uma outra observação é de que a Comissão de Mercado de Valores Mobiliários tem funcionado bem, pelo menos o Conselho Directivo.
Quanto a esses 65 processos de contra-ordenação, não há uma comparação relativamente aos anos anteriores. Se este número absoluto é crescimento significativo, fico sem saber.
Mas já fica uma ideia quando se fala das coimas, dado que, em 2005, tinham sido de 43 000 € e passam para 3,4 milhões de euros. Isso é muito significativo e transmite a ideia de que, de facto, há um maior rigor e uma maior exigência. Penso que isso também é, naturalmente, de realçar nesta vinda à Comissão.
Ainda bem que se transpuseram as directivas relacionadas com as OPA, mas agora coloco-lhe uma questão.
O Sr. Presidente falou na necessidade de aperfeiçoamento destas transposições. Pode precisar exactamente o que é necessário aperfeiçoar e se esta aprendizagem com as OPA que foram realizadas» Este aperfeiçoamento é substancial e poderia, ou não, num outro quadro, o seu desenvolvimento ser diferente? Neste mercado de capitais estão envolvidas sobretudo as grandes empresas.
Já aqui foi dito que cada vez há menos empresas ou que não tem havido entrada de novas empresas no mercado, portanto o mercado é um pouco dominado por estas grandes empresas. Por isso, gostaria de saber que medidas estão previstas no sentido de tornar este investimento accionista mais interessante fora das grandes empresas.
É evidente que já falou aqui da transposição da directiva da transparência. Ela é importante, mas também é necessário defender ou proteger os pequenos investidores.
Fica-se com a sensação de que os pequenos investidores estão muito desprotegidos e disso, de certa forma, também é um exemplo o modo como se desenvolveu a OPA da SONAECOM.
Fica-se, de facto, com a sensação de que quem não estiver muito atento poderá ser surpreendido. E o que é que pode e deve ser feito no sentido de proteger o pequeno accionista? Por último, refiro-me às previsões para 2007.
Quanto ao funcionamento do mercado de capitais, gostaria de saber o que é que o Sr. Presidente e a Comissão de Mercado de Valores Mobiliários, naturalmente, já têm reflectido sobre isto.
A perspectiva será a de um desenvolvimento de acordo com o ano de 2006? Acho que 2006 foi o ano das OPA, diria assim. Vamos continuar? Em termos de «moda», perguntaria se a «moda pegou» ou não. E, no que respeita a estes dois factos (um ainda não está concretizado, mas estes dois factos vieram na comunicação social e são mais visíveis), se o Sr. Presidente entende que ainda há boas perspectivas ou se, eu diria, a «dança» foi só a do ano 2006, ainda se prolongando no 1.º trimestre de 2007.
O Sr. Presidente: — Pelo CDS-PP, tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.
O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): — Sr. Presidente, começaria por cumprimentar o Dr. Carlos Tavares.
Queria dizer que é com prazer que voltamos a vê-lo no Parlamento e salientar que estas audições que a Comissão foi fazendo, muito por iniciativa do seu Presidente, às entidades reguladoras vão assumindo cada vez maior importância, o que é sinal que o tema da regulamentação e especificamente o tema, em relação ao
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Dr. Carlos Tavares, do mercado da capitais é politicamente relevante e vai assumindo cada vez mais, em relação à opinião pública, enormíssima importância.
Queria igualmente agradecer a sua apresentação e toda a documentação que nos trouxe, porque ela é informativa e importante também, até para podermos formular melhor as nossas opiniões.
O primeiro grupo de questões que queria colocar-lhe tem que ver com medidas de natureza fiscal.
Quando se iniciou o mercado de capitais em Portugal houve um incentivo, que foi dado pelo Estado, por via de medidas fiscais, que foi relevante. Criou-se, aliás, a ideia da existência do início, em Portugal, de um capitalismo popular e, por isso mesmo, apareceu um conjunto de incentivos que tinha que ver fundamentalmente com a matéria das taxas ou das isenções, que, evidentemente, numa altura em que o mercado se estava a iniciar, se justificava.
Hoje em dia, temos um quadro legal que é distinto, temos um conjunto de limites que são determinados pela União Europeia que impedem algumas formas de intervenção. Foi fundamentalmente isso que esteve em causa, por exemplo, em relação à questão das pequenas e médias empresas.
Mas o que gostaria de lhe perguntar é se já pensou em alguma medida que pudesse ser fiscalmente atractiva mas que não passasse apenas pela questão das taxas. Falo, por exemplo, num novo sistema de organização em relação ao regime fiscal das holdings, pegando um bocadinho no exemplo espanhol, em que existe um regime específico para as sociedades gestoras de participações sociais no estrangeiro, o qual, aliás, é um elemento de competitividade fiscal muito grande para o mercado espanhol.
Evidentemente, em relação às PME, gostaria de ter uma noção, que não tenho, sinceramente: por um lado, gostaria de saber se, na comparação com outras bolsas internacionais, já assistimos a um movimento crescente de PME que participam no mercado de capitais e, por outro lado, quais as medidas de natureza geral.
E pergunto-o porque, vendo o slide n.º 3 e a evolução do volume de transacções em acções nas bolsas europeias, verificamos uma coisa muito simples: é que, de facto, tem existido uma evolução em Portugal, mas na comparação que se possa fazer com outros mercados também não podemos inventar mercado, não podemos aumentar o tamanho do País, aumentar a população, aumentar o seu produto interno sem mais.
Mas acho que seria de ponderar um conjunto de medidas gerais que pudesse ainda dar um maior incentivo ao mercado de capitais e gostaria de saber a sua opinião em relação a essa matéria.
Em segundo lugar, gostaria de saber como é que funciona, porque esta foi uma queixa que teve o Sr.
Presidente da Autoridade da Concorrência, o sistema de informação.
Por exemplo, sempre que se lança uma oferta pública de aquisição imagino que toque um «alarme» na Comissão de Mercado de Valores Mobiliários em relação a um amplo conjunto de controlo que tem de passar a fazer.
O Sr. Presidente está satisfeito com o sistema de informação que tem em relação às operações, que pode, até a certa altura, entrar dentro de factos ilícitos de natureza penal? Em terceiro lugar, considera que os meios que tem à sua disposição (falo no plano humano) são suficientes, tendo em conta a própria evolução que o mercado tem tido com operações como aquelas que são mediaticamente mais chamativas e com as transacções que diariamente existem na bolsa em Portugal? Gostaria de saber se os meios que tem são suficientes, se devemos fazer um apelo, por exemplo, para uma matéria em relação à qual tenho uma especial atenção.
Ainda hoje tenho ligações a uma faculdade de direito do Estado e sinto que estas matérias não passam de alguns cursos de pós-graduação e nós, se calhar, deveríamos começar, na formação geral dos nossos juristas e dos nossos economistas, a incluir matérias com estas.
Pergunto-lhe se não acha que esta é uma preocupação que devemos ter, porque, depois, para além da quantidade de meios, temos o problema da sua qualificação e da necessidade de apostar na sua formação posterior em relação a estas matérias.
Especificamente quanto à questão das OPA, gostaria de perceber se no que respeita ao tempo que elas demoram não poderemos estar a ser induzidos em erro. Porquê? Porque temos casos de ofertas públicas que demoram mais de um ano desde o seu anúncio, mas temos outras — e isso pode-se ver pela sua apresentação — que foram bem mais rápidas.
Será que o nosso sistema jurídico é excessivamente garantístico, ou não, para as partes que participam numa operação como esta? Era a questão que lhe queria colocar.
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Por outro lado, uma oferta pública de aquisição como aquela que sucedeu em relação à PT envolve o trabalho de coordenação por parte de vários supervisores de mercado. Pense-se no próprio mercado das telecomunicações, no mercado de valores mobiliários, na Autoridade da Concorrência, que tem de actuar.
Sabemos que existe um conselho de coordenação com os vários supervisores de mercado, mas será que a coordenação está a funcionar em termos eficientes? Será que devemos dar mais passos para que ela possa funcionar melhor e também, por essa via, podermos acelerar processos como este? Ainda quanto às OPA, fala-se muito da questão das golden share. Ora, sobre isso, o CDS tem uma posição claríssima: desde logo de cumprimento das determinações do quadro legislativo comunitário que não dão qualquer margem ao nosso Estado para manter situações como esta e que acabam, até, por gerar alguma confusão. Sinceramente, faz-me confusão que o Estado enquanto tal tenha uma posição e depois, enquanto único accionista de uma determinada sociedade, tenha outra.
Assim, gostaria que o Sr. Presidente da CMVM me esclarecesse sobre algo que não tem especificamente a ver com isto, mas com o juízo que se possa fazer sobre o papel que a existência de algumas participações que o Estado tem em sociedades que são cotadas. Ou seja, qual o papel que o Estado tem em relação ao próprio funcionamento do mercado e ao melhor funcionamento do mercado? É positivo para o Mercado de Valores Mobiliários as golden share e determinadas participações, que também já não me parecem razoáveis nos dias de hoje? Isto é, será que o Mercado de Valores Mobiliários não funcionaria melhor se houvesse abstenção do Estado em participar em empresas cotadas? Por fim, Sr. Presidente, gostaria de saber como vê o papel da CMVM para o futuro. Será que vamos ter um papel mais estritamente de regulador ou será que vamos ter um acentuar, cada vez mais, de um «papel de polícia» que tem de estar preocupado com contra-ordenações?
O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Deputado.
Para responder ao conjunto de questões que foram suscitadas, tem a palavra o Sr. Dr. Carlos Tavares.
O Sr. Dr. Carlos Tavares: — Sr. Presidente, Srs. Deputados, muito obrigado pelas questões colocadas Vou começar por responder ao Sr. Deputado Duarte Pacheco e por abordar uma questão que também foi tocada pelo Sr. Deputado Victor Baptista sobre a questão da dimensão do mercado, ou seja, o que se segue a este entusiasmo e à expansão destes aspectos positivos.
Não quis manipular os dados só mostrando o lado positivo, mas a verdade é essa. Para além destes números positivos de crescimento do mercado, como o Sr. Deputado Duarte Pacheco referiu, está o facto de o número de empresas cotadas, de há uns anos para cá, ter vindo sistematicamente a diminuir. Além disso, houve uma introdução em bolsa da Europac, que substituiu a Gescartão, mas que não serve de exemplo para contrariar a tendência.
Também há alguns anúncios de intenções, como a Martifer, que se mostrou interessada em fazer a introdução em bolsa, bem como, salvo erro, o Banco Português de Negócios. Começa, assim, a desenhar-se algum movimento numa situação que, como referi, não é normal. Ou seja, os anos de 2005 e 2006 foram caracterizados por toda a Europa, para além do crescimento das transacções e das cotações, por um número significativo de introduções em bolsa, os chamados IPO (ofertas iniciais em bolsa).
Efectivamente, acompanhámos a tendência em termos de cotações e de transacções, até superámos a tendência em termos de cotações e de transacções, e aí não podemos ignorar o facto de que estas duas grandes ofertas põblicas de aquisição tiveram» É que as sociedades envolvidas, a Sonae, a PT, o BPI e o BCP têm um grande peso na nossa bolsa, contribuindo para uma parte substancial das transacções e da capitalização bolsista.
Portanto, se expurgássemos o efeito das OPA, se calhar, tínhamos um crescimento parecido com o de Madrid ou com algo dessa ordem de grandeza. Há aqui um efeito que não podemos ignorar e eu sempre disse que era importante que, depois desse efeito, se criassem condições para que o mercado continuasse a crescer sustentadamente. Foi por isso que falámos dos tais incentivos. Mas era preciso ter novas empresas.
O mercado português não pode construir-se só na base de meia dúzia de grandes empresas. Não somos um país de grandes empresas, somos um país cuja base produtiva é essencialmente de médias empresas.
Mesmo algumas das nossas grandes empresas são, a nível europeu, médias empresas. Ora, essa franja de médias empresas não está suficientemente representada na nossa bolsa.
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Portanto, não é normal que as empresas não tenham sentido até agora a necessidade de estar no mercado de capitais, porque o mercado de capitais não é uma moda, não é um sítio estranho onde se compram e vendem acções. Pelo contrário, é uma fonte de financiamento de que todas as empresas, em todo o mundo, sentiram necessidade, é uma fonte de financiamento que todos os países tiveram necessidade de ter para que as suas empresas crescessem e fossem competitivas, é uma fonte de financiamento — tenho-o dito e afirmo-o com toda a convicção — sem a qual as empresas portuguesas não vão poder crescer e ser competitivas.
Em meu entender, em geral, as empresas portuguesas não podem ser competitivas sem crescer, sem ter dimensão, apesar de algumas serem boas e competitivas.
As empresas que estão nos sectores dos bens e serviços transaccionáveis não podem viver com a dimensão que têm. E para crescer não podem o podem fazer organicamente, não podem crescer devagar, mas discretamente, por saltos. Ora, esses saltos não se dão pelo financiamento bancário mas pelo recurso ao mercado de capitais. Essa é a experiência que temos. Aquelas que são hoje as grandes empresas portuguesas cresceram assim, ou seja, sustentadas no mercado de capitais.
Por isso, não é normal que as empresas portuguesas, até hoje, não tenham sentido esta necessidade desta fonte de financiamento. Como eu tenho referido sempre, o mercado de capitais é um bem público e deve ser tratado pelos governos como um bem público que é — e já vamos a outros aspectos que foram aqui abordados. Quaisquer medidas que sejam tomadas e quaisquer actos que sejam praticados, sobretudo quando estão em causa operações concretas de grande visibilidade, devem ser sempre tomadas de forma a preservar e a ter em conta que o mercado de capitais é um bem público e que deve ser preservado como tal.
Esperaria que esta necessidade fosse sentida e penso que, como disse, talvez com algum desfasamento, as empresas começam a sentir essa necessidade, a compreender e a voltar-se para o mercado como forma de financiamento, que é, seguramente, um caminho mais promissor do que o tradicional, ou seja, voltar-se para o paternalismo do Estado e encontrar aqui um subsídio ou outro que permita financiar este ou aquele investimento.
Também já referi que provavelmente é preciso — foi essa a razão pela qual no início do mandato este conselho directivo da CMVM tomou a iniciativa de propor algo que é da competência dos governos e da Assembleia da República, aliás, em primeira linha — propor alguns incentivos que sejam um impulso. É que, de facto, o mercado de capitais é um bem em si mesmo. Quer dizer, as empresas têm interesse em vir ao mercado por si mesmo e, em condições normais, não deviam precisar de incentivo. A verdade é que, para quebrar este ciclo vicioso, é necessário algo que crie este impulso.
Acresce que há uma realidade objectiva: de facto, os capitais próprios, no nosso sistema fiscal, como noutros, ainda são discriminados negativamente, ou seja, os juros da dívida são considerados custo fiscal, mas os dividendos não o são. Portanto, quando uma empresa se financia por dívida, na prática, tem um benefício fiscal que não tem quando se financia por capitais próprios, que normalmente são mais caros, porque os accionistas são mais exigentes na remuneração do que os credores. Até para quebrar esta dúvida que muitas vezes surge à empresa — evidentemente, os capitais próprios são mais estáveis, têm outras vantagens e por isso são mais caros — tenho defendido que, provavelmente, é preciso quebrar este ciclo vicioso, sobretudo para algumas empresas de menor dimensão, porque as outras já o compreenderam.
Na altura, sugerimos algumas medidas simples e transitórias, porque os benefícios fiscais não devem ser perpétuos, e falámos da possibilidade da redução transitória da tributação em IRC para as empresas que fossem ao mercado, do tratamento transitório dos rendimentos de acções das PME, como se fez para as privatizações, em tempos, com alguns benefícios transitórios para aqueles que comprassem acções das PME.
Na altura, também se falou num mecanismo que existe em outros países, designadamente na Bélgica, e que não é discriminatório, não criando, portanto, sequer problemas com a Comissão Europeia. É que na Bélgica existe uma possibilidade de imputação nas contas das empresas, ou seja, o chamado juro nocional.
Isto é, as empresas podem calcular, sobre os capitais próprios, o que seria o juro que pagariam caso se tratassem de capitais alheios, se fosse dívida, e deduzi-lo fiscalmente. Isto poderia ser feito em termos marginais para não dar uma «machadada» nas receitas públicas, poderia ser feito apenas sobre os novos capitais próprios adquiridos ou levantados do mercado e poderia ser uma forma» Devo dizer que isto foi falado com o Ministério das Finanças e o Governo até mostrou receptividade perante este tipo de medidas. Aliás, este juro nocional já existiu, em tempos, no sistema jurídico português, não sendo, assim, novidade, pois já existiu há muitos anos em Portugal.
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Mas é uma questão de opção do Governo fazer isso. A nós compete-nos, para além de levantar a questão, colaborar também naquilo que for preciso e, por isso, temos dito sempre que reduziremos, naquilo que nos compete, os custos de permanência no mercado, com a redução das taxas de supervisão sobre os emitentes, sobretudo sobre os de menor dimensão, fazendo também alguma pedagogia, por exemplo, junto da Interbolsa e da Bolsa de Valores para a redução dos custos de manutenção no mercado. Tudo isso temos procurado fazer.
Porém, no limite, também nada substitui este auto-exame das empresas daquilo que querem, isto é, se querem permanecer como estão. Ora, porventura, como tenho dito, a opção para muitas empresas que estão no sector dos bens transaccionáveis não é entre crescer e ficar na mesma, mas crescer ou desaparecer. Por isso, essa é uma opção fundamental.
Quanto à questão da transposição das directivas que o Sr. Deputado colocou, creio poder dizer que na área financeira estamos em dia em todas excepto na DMIF (Directiva dos Mercados e Instrumentos Financeiros).
Também lhe posso dizer que não estamos de forma alguma sós. A DMIF é uma directiva muito complexa e penso que não está ainda completamente transposta em nenhum Estado, mas não lhe posso dar esta informação com todo o rigor; depois, se os Srs. Deputados quiserem, posso dar-lhes esta informação de forma mais exacta mas tem atrasos substanciais nalguns países.
A DMIF tem uma particularidade: entre o prazo de transposição e o prazo limite de entrada em vigor há alguns meses, ou seja, a data de transposição deveria ter sido 31 de Janeiro e tem como data imperativa de entrada em vigor 1 de Novembro de 2007. Portanto, o importante, como já temos vindo a fazer, é sensibilizar os intermediários financeiros para que em 1 de Novembro de 2007 têm de estar preparados para funcionar daquela forma. Portanto, hoje, os intermediários financeiros, porque houve um processo de consulta pública que começou em Dezembro passado, já têm uma ideia muito aproximada daquilo que virá a ser o regime — claro que respeitando os órgãos de decisão próprios, começando pela Assembleia da República — e das adaptações que vão ter de fazer até Novembro. Creio que vamos conseguir fazê-lo até lá.
O Sr. Deputado Diogo Feio tocou muito bem o assunto dos meios da CMVM. Se o Sr. Deputado me perguntar sobre os meios e a forma de supervisão dos mercados hoje, posso dizer-lhe que estamos bem para as exigências de hoje, e creio que a CMVM tem sido capaz de responder bem, com muito esforço, muito trabalho, sobretudo quando se juntam estas operações, que não são operações normais. Ainda por cima quando há várias ao mesmo tempo obrigam a um esforço para além daquilo que é normal. Mas uma coisa é o regime de hoje, outra coisa é o regime que decorre da DMIF e que vai exigir, de facto, uma supervisão a um número muito maior de exigências, num número muito maior de locais de transacção e uma muito maior troca de informações. Isso vai exigir também muita formação dos próprios quadros da CMVM, porque mais importante do que a questão da quantidade é a qualidade, e vai exigir muita formação dos intermediários financeiros.
Os intermediários financeiros vão ter de passar a funcionar de forma muitíssimo diferente, quer internamente quer na relação com os seus clientes. E aqui vamos ter de fazer um esforço muito grande, supervisor e supervisionados, de colaboração para que em Novembro estejamos todos prontos para isso.
Porque uma coisa é transpor a directiva no papel, outra coisa é, em Novembro, estarmos todos a funcionar da forma que a directiva prevê. E, respondendo mais uma vez àquela questão de quem é que ela beneficia, em Portugal (o Sr. da Merrill Lynch pode ter feito a avaliação para o Reino Unido, pode ser que para esse país ele tenha essa convicção), vendo como funciona hoje para os pequenos investidores o sistema e como vai funcionar com a DMIF, não tenho dúvidas de que os pequenos investidores, os investidores não profissionais, estarão mais protegidos com a DMIF do que estão hoje e que vão ser seguramente beneficiados.
Basta ver a clareza da supervisão comportamental que passa a haver com a DMIF e a falta de clareza que hoje existe ainda na lei sobre a responsabilidade de supervisão em determinados produtos, relativamente aos quais não se sabe muito bem a quem cabe a supervisão. Não tenho dúvidas de que passa a haver uma clareza muito maior e um grau de protecção muitíssimo maior, muito mais obrigações, muito especificadas.
Hoje existe um princípio geral, por exemplo, de conhecer o cliente. Hoje, esse princípio já existe, de facto, nos intermediários financeiros, existe como princípio geral, porém não basta este princípio geral. A directiva e o decreto de transposição dizem todos os itens que o intermediário financeiro tem de conhecer do cliente e qual
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o tipo de produtos que pode vender-lhe, de acordo com o perfil. Portanto, são questões muito mais detalhadas, são definições que protegem muito mais os clientes do que hoje acontece.
Por isso não tenho dúvidas de que, para Portugal, e é disso que estamos a falar, a DMIF vai ser boa. Vai ser muito exigente para os intermediários e para os supervisores, mas para os investidores não tenho dúvidas de que, se os intermediários e os supervisores funcionarem bem, vai ser positiva.
Passando para a questão das OPA e dos processos, começo pelo aspecto mais simples, que é o do tempo.
Não tenho dúvidas, e tenho-o dito, de que os tempos destas duas grandes OPA vão para além daquilo que é razoável e aceitável, quer para a sociedade oferente quer para a visada, que, ainda por cima, vê os seus poderes limitados na sua gestão; é, de facto, uma perturbação que vai para além do razoável estar numa situação destas mais de um ano.
É claro que há aqui algumas atenuantes nestes dois processos. Desde logo, foram os primeiros em que a Autoridade da Concorrência teve de intervir. A razão de alguns processos correrem muito depressa é que alguns não têm a intervenção da Autoridade da Concorrência, outros tiveram a intervenção da Autoridade da Concorrência sem necessitarem da chamada investigação aprofundada. E, portanto, esses processos correm em prazos muito curtos. O prazo das OPA, se só passarem pela CMVM, é muito curto. Aliás, a tramitação da OPA propriamente dita é relativamente curta. Na Autoridade da Concorrência, com a investigação aprofundada, de facto, estes processos foram muito longos.
Deu-se também a circunstância e a coincidência de, sendo os primeiros, serem dois processos ao mesmo tempo. A Autoridade da Concorrência é uma entidade jovem, que admito que ainda não tenha os recursos todos para fazer uma análise deste tipo. Aliás, foi a primeira vez que teve de o fazer.
Dito isto, penso que deveríamos criar condições e, do ponto de vista da CMVM, é desejável que o façamos, para que de futuro não haja situações de alongamento deste tipo.
Quando propusemos a transposição da directiva das OPA havia duas soluções possíveis que encarámos e que se verificam a nível internacional: uma é a limitação absoluta do prazo no caso de OPA; outra seria um regime que existe, por exemplo, na França e na Alemanha, em que quando, nestes casos, a análise da concorrência vai para investigação aprofundada a OPA cai automaticamente e, portanto, o oferente vai obter autorização, demora o tempo que demorar e depois volta a lançar a OPA. Esta segunda via tem a vantagem de libertar totalmente a sociedade visada de qualquer restrição mas tem o mesmo inconveniente: entre as duas OPA a sociedade visada pode transformar completamente a empresa, fica tudo de mãos livres para fazer aquilo que entenderem da sociedade e defenderem-se, ao fim e ao cabo, de nova OPA.
A solução adoptada foi a primeira, ou seja, a limitação do prazo, prevendo-se agora que não possa exceder os 90 dias úteis, mais 10 dias por interrupções, ou seja, 100 dias. São cinco meses, o que não é um prazo curto mas é um prazo normal em termos internacionais e penso que aceitável para operações desta importância e desta dimensão. Portanto, pessoalmente, creio que este aspecto está bem resolvido na nova lei.
Passo aos casos concretos levantados.
Sr. Deputado Duarte Pacheco, V. Ex.ª levantou a questão da parcialidade, e agradeço que a tenha levantado, só não concordo quando diz que ela foi sistematicamente levantada; ela foi levantada sistematicamente pela mesma parte, de forma injusta e sem qualquer demonstração. Aliás, essa listagem de actos e as decisões tomadas, e que estão também no anexo à principal apresentação que eu trouxe, demonstra bem a forma como a CMVM actuou.
De resto, há questões bizarras. Por exemplo, quando falamos de prazos, como sabem, há uma disposição na lei que impede a oferente de fazer nova OPA nos 12 meses subsequentes ao final da mesma. Quando nos perguntam se pode fazer e a sociedade visada quer que digamos que pode fazer, então, estamos a ver o «filme» todo ao contrário. É que essa disposição é sobretudo para proteger a sociedade visada de estar imobilizada mais de 12 meses seguidos. Portanto, quando acham que a CMVM é parcial porque quer defender a sociedade visada, o «filme« está ao contrário!» Creio que nem vale a pena discutir muito isso porque os factos são suficientemente demonstrativos da justeza. Estou disponível para prestar a informação que os Srs. Deputados quiserem e toda a análise detalhada sobre cada decisão que a CMVM tomou, sobre cada resposta dada, que foi positiva ou negativa a qualquer das partes. Por acaso, até tivemos mais decisões negativas relativamente a uma das partes, que foi a que não se queixou.
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A CMVM agiu com toda a independência. É claro que há quem não aprecie a independência, mas foi isto o que a CMVM fez. Aliás, eu gostava de dizer que este caso mostrou bem, em meu entender, e acho que é uma lição que até os próprios governos deveriam retirar daqui, a importância da regulação independente.
Uma das principais razões da criação da regulação independente foi precisamente para libertar os governos das pressões dos interesses económicos. Imaginem o que teria sido neste caso, e noutros parecidos, ter o governo a tomar estas decisões todas que a CMVM tomou, ou mesmo a Autoridade da Concorrência. Portanto, foi esta a principal razão que levou à criação dos reguladores independentes. Como costumo dizer, e ao contrário do que se pensa, isto foi um reforço dos governos, foi libertarem-se. Foi preciso que os governos tivessem menos poderes para terem mais poder.
E, por isso, a CMVM assumiu aqui integralmente esse risco de decidir — muitas vezes, como disse, com algumas dúvidas, porque a anterior lei não ajudava até ao limite — em função apenas, e posso dar-lhes essa garantia, do interesse da generalidade dos accionistas e do mercado de capitais, que é um bem público, mesmo que isso não tenha agradado a alguns que tinham mais acesso à comunicação social, e, como sabem, houve, de facto, quem o tivesse.
No final, a única coisa que posso dizer é que, para além dos megafones, não houve ninguém que apontasse uma decisão que tenha sido incorrecta, errada ou ilegítima. Por isso, esta tentativa de fragilização é muito negativa para o sistema de regulação e até para o próprio Governo, que devia repousar precisamente neste sistema de regulação independente, para o qual me orgulho de ter contribuído. Eu estava no governo, e o Mário era meu colaborador, quando a CMVM foi criada e estava no Ministério da Economia quando a Autoridade da Concorrência foi criada.
Portanto, o que posso dizer-lhe é que a CMVM cumpriu rigorosamente o seu mandato, em momento algum exorbitou ou deixou de o cumprir integralmente ou de assumir as suas responsabilidades e protegeu o interesse geral contra os interesses particulares.
Finalmente, quanto ao caso da golden share, em abstracto, e ao caso que o Deputado Diogo Feio suscitou, que considero importante, do ponto de vista conceptual, do accionista Estado em sociedades cotadas, não entendo que o accionista Estado não possa ser accionista em sociedades cotadas; entendo é que o accionista Estado não está, por exemplo, acima das recomendações sobre o bom governo das sociedades em sociedades cotadas. Naturalmente, deve comportar-se como um accionista normal nas sociedades cotadas, respeitar as regras de bom governo das sociedades e, nessa qualidade, respeitar os direitos de todos os accionistas, como todos. Acresce, nalguns casos em que o Estado é accionista, ter o Estado especiais responsabilidades, porque encorajou muitas centenas de milhar de pequenos accionistas a serem accionistas consigo nas sociedades. No caso da Portugal Telecom, lá estão 150 000 pequenos accionistas, que foram encorajados pelo Estado a serem accionistas da sociedade. Por isso, não tenho qualquer posição de princípio contra que o Estado seja accionista, simplesmente creio que deve comportar-se como tal, como um accionista normal.
Em alguns casos, o Estado, para além de ter uma participação accionista, neste aspecto, como digo, tem uma golden share – e, agora, não vou discutir a bondade de ter ou não a golden share. Mas a golden share não pode ser confundida — e, às vezes, é —, com a função accionista do Estado.
A golden share é, em meu entender, como eu a vejo, um instrumento para defesa do interesse público e, portanto, quando o Estado decide usar a golden share, não pode estar a usá-la para defender o valor da sua participação accionista. Tem de estar a defender um interesse público qualquer, que tem de ser superior ao dano que está a causar com o uso da golden share. Não tenhamos dúvidas de que quando o Estado usa uma golden share — por exemplo, para se opor a uma decisão da maioria dos accionistas, numa empresa cotada no mercado de capitais —, está a causar um dano ao mercado de capitais.
O mercado de capitais é, como eu disse, um bem público, mas o Governo pode entender que há um bem público superior a esse. Assume a responsabilidade de causar esse dano ao mercado de capitais e, depois, presta contas (porque o Governo é que é eleito, é que vai a votos) perante o eleitorado sobre o motivo por que optou por uma coisa ou por outra. Portanto, eu, como Presidente da CMVM, tenho toda a legitimidade e a obrigação de dizer ao Governo, pelos canais próprios – quando preciso de o dizer não preciso de «mandar recados» pelos jornais e também não gosto de os receber pelos jornais –, «se fizerem isto, as consequências para o mercado são estas», e o Governo tem todo o direito de dizer: «está bem, mas há aqui um bem público superior».
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Por acaso, com este Governo, devo dizer, tenho uma tranquilidade muito grande, porque no Ministério das Finanças está o meu antecessor, que não precisa que eu lhe explique quais são as consequências para o mercado de capitais do uso deste tipo de instrumentos, e nem sequer precisaria que o actual Presidente da CMVM dissesse isto ao anterior Presidente da CMVM, porque, neste aspecto e em termos de recomendações de bom governo das sociedades, há uma continuidade completa na CMVM.
Penso, pois, que temos de distinguir estes dois planos: o do Estado como accionista, que tem legitimidade e deve comportar-se como um accionista normal nas sociedades em que participa, e isso não é «pecado», e o do Estado como detentor da golden share, que, de facto, tem de ter este critério e usá-la para aquilo que deve ser usada, se o decidir fazer, e tem de deixar claro por que é que o faz e quais são as consequências de fazêlo.
Não sei se deixei alguma questão em aberto, Sr. Presidente»
O Sr. Presidente: — Muito obrigado, pelos seus esclarecimentos Sr. Dr. Carlos Tavares.
Antes de iniciarmos a segunda ronda do nosso debate, permitam-me duas brevíssimas notas. A primeira para dizer que o Sr. Dr. Carlos Tavares referiu, e agrada-me muito que o tenha feito, que em 1992 tive também ocasião de participar na criação da CMVM. Foi um tempo, deixem-me dizê-lo, em que se deu um passo em frente com uma nova legislação, uma lei-quadro do sistema financeiro e uma preparação para a integração de Portugal no mercado de serviços financeiros, que, na altura, estava em constituição e isso era conhecido como um passo positivo.
Parece-me que estamos numa fase em que, efectivamente, haverá que dar outro salto, e isso foi invocado aqui. Há um primeiro passo de maturidade que foi dado, mas há ainda um outro que nos desafia e interpela porque, como foi visto, os mercados de capitais são ainda mais robustos, em termos relativos, do que o nosso.
Gostava de ter introduzido esta primeira e brevíssima nota para dizer que é com agrado que registo, e penso que todos os Srs. Deputados também, a disponibilidade do Sr. Presidente da CMVM para responder a quaisquer eventuais requerimentos que queiramos fazer sobre matérias densas, designadamente estas operações complexas e de actualidade que ocorreram no mercado, as OPA não solicitadas.
A segunda nota é para fazer não propriamente uma correcção mas um ligeiríssimo comentário ao que disse quando referiu, e bem, que a matéria dos incentivos fiscais para pequenas e médias empresas que queiram entrar nos mercados de capitais é uma matéria que todos os governos, num sentido abstracto e geral, devem ponderar, visto que há até uma dinâmica própria noutros países.
Permitia-me só dizer que não se pode excluir que esse poder de iniciativa seja também dos grupos parlamentares que têm representação no Parlamento, mas com uma cautela: efectivamente, se houver alguma iniciativa, como se está sujeito à norma-travão da lei orçamental, haverá que, para essa despesa fiscal, evidenciar a despesa pública concreta, que deverá ser reduzida por força desse acréscimo de despesa fiscal. Não queria deixar de referir isto porque é uma matéria central para a própria dinâmica e para a responsabilidade dos Srs. Deputados, em particular dos Srs. Deputados desta Comissão.
O Sr. Dr. Carlos Tavares: — Sr. Presidente, permita-me só um minuto, porque me esqueci de responder à última pergunta, que era muito importante, do Sr. Deputado Diogo Feio.
O Sr. Presidente: — Queira, então, completar, Sr. Dr. Carlos Tavares.
O Sr. Dr. Carlos Tavares: — Creia que serei breve, porque falarei apenas sobre a questão do papel da CMVM no futuro, o que creio tratar-se de uma questão muito importante.
Por vezes, há muitas confusões, porque há muitas pessoas que entendem que a CMVM é «o polícia do mercado» (às vezes, até é chamado assim), há, como é público, quem entenda que a CMVM deve limitar-se a policiar. Mas, de facto, não é assim, os estatutos da CMVM dão-lhe outras competências.
A filosofia da Comissão é, à semelhança de outras congéneres internacionais, em que cada vez mais a tendência é essa, a de que a CMVM não seja só um supervisor mas seja um regulador do mercado. É essa a filosofia do nosso sistema e é uma filosofia adequada. Seria uma pena que se reduzisse ou que alguns pretendessem reduzir a CMVM ao papel de polícia. De facto, não tenho vocação de polícia, embora tenha todo o respeito pela polícia, naturalmente.
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O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Dr. Carlos Tavares.
Vamos, portanto, fazer, agora, a nossa segunda ronda. Tenho uma inscrição, que já foi evidenciada à mesa, do Sr. Deputado Jorge Neto, em representação do PSD. Tem a palavra, Sr. Deputado, e queira também confinar a sua intervenção, no máximo, a 5 minutos.
O Sr. Jorge Neto (PSD): — Sr. Presidente, permita-me, em primeiro lugar, que lhe preste o meu tributo pessoal pela forma, sempre sábia e brilhante, como conduz os trabalhos.
É, aliás, um prazer, para mim, voltar a esta Comissão, de que me honro de ter sido presidente in illo tempore, na legislatura anterior. E é ainda um prazer, novamente, conviver com V. Ex.ª, Sr. Presidente, e com os colegas Deputados da Comissão, debatendo temas que se me afiguram de particular relevo para o interesse do País e, designadamente, hoje.
Quero também aproveitar para dar as boas vindas ao Sr. Presidente da CMVM, Sr. Dr. Carlos Tavares, dizer-lhe que é também para nós um prazer tê-lo cá hoje, manifestar-lhe a minha satisfação e o meu apreço pela forma clarividente como expôs as actividades da CMVM, particularmente a proficiência e o acerto com que, de uma forma muito clara, expôs, em traços gerais, as linhas mestras de actuação da CMVM relativamente quer ao presente quer ao futuro, numa visão prospectiva do que deve ser o papel da CMVM.
É óbvio — e gostaria também de sublinhar, desde já, este ponto — que não há aqui, do meu ponto de vista pessoal, qualquer tipo de acrimónia ou de opróbrio da minha parte relativamente a quem quer que seja, designadamente em relação ao Sr. Presidente da CMVM, pese embora, e desde já o manifesto, tenha havido no passado. Porventura, continuará a ocorrer no futuro alguma discrepância e alguma dissonância relativamente a interpretações e a pontos de vista manifestados quer pelo Sr. Presidente da CMVM quer por mim, não na minha qualidade de Deputado mas na de cidadão.
Mas, hoje, não estou aqui na qualidade de cidadão, estou na qualidade de Deputado e, portanto, no exercício de uma função que me incumbe nos termos da Constituição, que é a de fiscalização da actividade do Governo, da Administração Pública e de qualquer entidade pública, e tenho algumas questões concretas para colocar ao Sr. Presidente da CMVM, designadamente no que concerne a estas questões recentes, das OPA, em particular da OPA que recentemente «morreu», a OPA da Sonaecom e da Sonae BV sobre a PT.
A questão fulcral que gostava de suscitar ao Sr. Presidente da CMVM é a da imparcialidade, da isenção e da independência da CMVM em todo este processo. Sei que o Sr. Presidente da CMVM fez questão em sublinhar, uma vez mais, a independência do regulador nesta sede, dizendo, concretamente, que se manteve imparcial e isento em todo o processo, como, aliás, segundo diz, o track record o demonstra. Mas eu gostava de chamar à colação declarações do Sr. Presidente da CMVM, feitas em momento anterior ao da Assembleia Geral da Portugal Telecom, concretamente, ao Jornal de Negócios, de 19 de Fevereiro, aliás, depois repristinadas a posteriori aquando da entrega dos prémios da CMVM, em que o Sr. Presidente da CMVM diz designadamente isto: «É importante que esta OPA chegue ao mercado, que não termine na Assembleia Geral«. Diz ainda que, «se a oferta não passar á fase da assembleia geral ‗ficará a ideia de que são os grandes accionistas a escolher o que todos os accionistas, incluindo os pequenos, devem decidir: se vendem ou não as acções á Sonaecom.‘« E, mais adiante ainda, o Presidente da CMVM revela: «assim, desejo que a OPA se decida por democracia pura».
Bom, estas declarações foram, como disse, reiteradas ulteriormente pelo Sr. Presidente da CMVM, portanto, não foram apenas um desabafo de alma de ocasião, manifestam, claramente, o seu ponto de vista sobre o papel da assembleia geral de uma sociedade cotada e o papel do mercado. E, a meu ver, Sr.
Presidente da CMVM, são uma capitis diminutia daquilo que é o papel de uma assembleia geral, que é, por excelência, o lugar soberano de manifestação de vontade dos accionistas. Dizer que esta matéria tem de ser resolvida no mercado e não na assembleia geral é menorizar manifestamente a assembleia geral.
Bom, mas é um ponto de vista, que até seria legítimo vindo de qualquer accionista ou de qualquer analista.
O que não me parece é que seja legítimo vindo do Presidente da CMVM. E não é, seguramente, a meu ver, uma manifestação de independência, de isenção e de imparcialidade relativamente à OPA em curso, sabido, como é, que existiam duas posições totalmente distintas e antagónicas: uma que defendia a desblindagem dos estatutos e outra que era contra a desblindagem dos estatutos; uma que defendia que, em assembleia geral,
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se devia votar contra a desblindagem dos estatutos e outra que defendia que se devia votar favoravelmente essa desblindagem para que, no mercado, a jusante, se resolvesse a questão da OPA.
Portanto, havia duas posições muito claras em confronto, com uns accionistas a defenderem a bondade de uma posição e outros a defenderem a bondade da outra. E mister se tornaria que o dever de isenção, de independência e de equidistância do regulador o precavesse de tomar partido nesta matéria.
Mas, stupet gentes, Sr. Presidente da CMVM — e desculpe dizer-lhe com toda a frontalidade —, V. Ex.ª, aqui, não foi independente, não foi isento, não foi imparcial. V. Ex.ª tomou a posição muito clara de defender que a questão devia ser resolvida no mercado. Ou seja, subliminarmente, aconselha o voto a favor da desblindagem dos estatutos — é clarinho como água.
Eu ainda admitiria, a posteriori, que houvesse algum retrocesso da parte de V. Ex.ª nesta matéria. Não verifiquei qualquer acto de contrição de V. Ex.ª sobre este ponto. Pior do que isso, verifiquei, dias depois, que a própria oferente tomou a liberdade de publicitar as suas declarações em anúncios publicados em diversos órgãos de comunicação social.
Trago aqui um exemplar da Visão de dia 1 de Março de 2007, onde é dito que «o voto a favor da desblindagem não tem uma motivação económica ou financeira. Trata-se antes de uma opção sobre os princípios fundamentais de corporate governance e sobre o bom funcionamento do nosso mercado de capitais.
Ver-se-á então se este mercado tem condições para se equiparar aos mercados mais evoluídos ou se, também neste domínio, Portugal continua afastado das melhores práticas mundiais. Esta é, aliás, a preocupação expressa publicamente pelo Presidente da CMVM.
No final, votar na assembleia geral para desblindar os estatutos da PT é essencial. Votar a favor da desblindagem na assembleia geral é tomar a decisão de deixar o mercado decidir (Sonaecom)».
Pergunto — e deixo ao critério de apreciação dos Srs. Deputados e de todos os cidadãos atentos a esta matéria — se, efectivamente, esta posição do Presidente da CMVM revela isenção, equidistância, distanciamento relativamente à OPA em curso ou se, a contrario, ela revela uma interferência, a meu ver excessiva, injustificada, não fundamentada, do regulador no que é a decisão soberana dos accionistas que tem um local próprio que se chama assembleia geral. É disso que se trata e não é preciso ir a Coimbra para o saber. Isso decorre dos livros e decorre da vida.
Em mais, eu ainda admitiria que o Sr. Presidente da CMVM tivesse essa opinião a título pessoal, numa espécie de sequência lógica da sua posição doutrinal sobre este tema. Então, o que fiz foi perscrutar, ao longo do passado, as intervenções do Sr. Presidente da CMVM sobre esta matéria, designadamente em matéria de corporate governance e de governo das sociedades, para saber se algures o Sr. Presidente, em tempos idos, já tinha manifestado a sua posição contrária relativamente à blindagem dos estatutos, o que, recordo, está expressamente previsto no Código das Sociedades Comerciais, artigo 384.º.
Essa limitação dos direitos de voto não se trata de uma invenção da PT, é algo que decorre do Código das Sociedades Comerciais, no qual está expressamente prevista a limitação dos direitos de voto.
Eu admitiria que a CMVM, e o seu Presidente, em tempos idos, já se tivesse manifestado contra esta limitação dos direitos de voto. Então, fui ver a intervenção do Sr. Presidente da CMVM, em 23 de Junho de 2006, na Faculdade de Direito de Lisboa, sobre a reforma do Código das Sociedades Comerciais.
Nessa conferência, o Sr. Presidente da CMVM faz uma série de observações, aliás favoráveis em relação às alterações introduzidas ao referido Código, em matéria de governo das sociedades. Faz algumas observações críticas no que concerne, designadamente, à matéria das contra-ordenações e das posições penais, em que defende, a meu ver, bem, alguma simplificação do regime, mas no que concerne à blindagem dos estatutos e à limitação dos direitos de voto, o Sr. Presidente diz nada.
Mas mais. Fui ver, ainda, o relatório apresentado pela CMVM nesta Comissão, no ano passado, para ver se também aí conseguia perscrutar alguma vontade de alterar o Código das Sociedades Comerciais nesta matéria, mas também nada figura sobre o tema.
Vi, inclusive, as medidas programáticas da CMVM para o período 2006-2010, hoje novamente distribuídas mas que estão publicadas no site da CMVM, entre as quais há várias iniciativas do ponto de vista normativo.
Isto para, também aí, ver se havia alguma iniciativa no sentido de alterar o Código das Sociedades Comerciais. Não vi nada.
Portanto, esta posição do Sr. Presidente da CMVM, assumida publicamente no dia 19 de Fevereiro, nesta entrevista dada ao Jornal de Negócios e reiterada a posteriori, está em absoluta rota de colisão com a que foi
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a sua posição assumida anteriormente. Ou, pelo menos, não há memória, no track record do Sr. Presidente da CMVM, de nenhum indício de que V. Ex.ª fosse contrário à limitação dos direitos de voto. Portanto, é surpreendente. Mais do que surpreendente, a meu ver, é revelador de falta de independência relativamente à operação pública de aquisição em curso, na medida em que manifesta uma posição favorável a um dos lados da contenda — sejamos claros! —, o do oferente e de outros accionistas que não partilhavam daquele ponto de vista.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, creio que deverá estar já em fase de conclusão.
O Orador: — Vou terminar, Sr. Presidente.
Pergunto, pois, face a isto e, sobretudo, face ao anúncio publicado pela Sonaecom, se V. Ex.ª autorizou este mesmo anúncio, isto é, se este anúncio foi autorizado pela CMVM. Estou a falar de um anúncio em que são referidas as declarações de V. Ex.ª, o qual é publicado em 1 de Março na revista Visão, entre outros órgãos de comunicação social, e pergunto se o mesmo foi autorizado pela CMVM. Espero que não tenha sido.
Todavia, gostava de sublinhar que, na listagem que V. Ex.ª hoje nos facultou, verifico que está lá plasmada algures uma ordem de suspensão de um anúncio da Sonaecom. Essa ordem tem a data de 27 de Fevereiro.
Eu próprio consultei o site da CMVM e está lá dito que, a 1 de Março, houve uma deliberação do Conselho Directivo da CMVM, ratificando um anúncio publicitário da Sonaecom. Espero que não tenha sido este anúncio publicado a 1 de Março, mas, já agora, deixo ao Sr. Presidente da CMVM a resposta sobre esta matéria.
Desde já fica manifestado o meu ponto de vista, admitindo que o Sr. Presidente, seguramente, terá um ponto de vista diferente: a meu ver, o Sr. Presidente, ao tomar a posição que tomou na assembleia geral relativamente ao sentido de voto, não manteve os cânones de independência, isenção e imparcialidade que são exigíveis a um regulador independente, tal qual eu próprio o antevejo.
O Sr. Presidente: — Não se registam mais pedidos de inscrição dos Srs. Deputados. Assim, vou dar de imediato a palavra ao Sr. Dr. Carlos Tavares e, depois, encerraremos esta audição.
Tem, pois, a palavra o Sr. Presidente da CMVM.
O Sr. Dr. Carlos Tavares: — Sr. Deputado Jorge Neto, veio aqui só para fazer este «número». Não pertence a esta Comissão, como sabe, e portanto, veio aqui»
Protestos do Deputado do PSD Jorge Neto.
O Orador: — Dá-me licença?»
Protestos do Deputado do PSD Jorge Neto.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, como é hábito e timbre na Comissão, não cortamos o direito à palavra nem dos Srs. Deputados nem dos nossos convidados. Portanto, se houver algum pedido de inscrição adicional que se justifique, será atendido, na exiguidade do tempo e de acordo com regras de bom senso.
Sr. Presidente da CMVM, faça favor de continuar.
O Orador: — Como dizia, o Sr. Deputado Jorge Neto não pertence a esta Comissão, não teve a curiosidade, há um ano, de vir aqui — e podia ter tido curiosidade, atendendo ao tema — e quis criar este incidente para a comunicação social, naturalmente, criando uma situação de desequilíbrio, porque, estando aqui na sua qualidade de Deputado, não posso responder-lhe à letra. Não posso responder-lhe como gostaria de fazê-lo, se pudesse ter este debate consigo na outra qualidade que assumiu de representante de supostos pequenos accionistas, utilizando, em vão, como se diz na minha terra, o nome dos pequenos accionistas e representando vergonhosamente apenas um grande accionista da Portugal Telecom.
Não posso, pois, responder-lhe à letra. Por isso, esta situação que o Sr. Deputado cria aqui é uma situação injusta, percebe? Tenho todo o gosto em responder-lhe à letra fora desta sala.
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Já agora, por respeito pelos Srs. Deputados presentes, vou dar alguns esclarecimentos para que não fique a ideia de que é verdade o que o senhor disse, distorcendo a realidade, limitando-se a afirmar só o que lhe interessa, esquecendo o que é verdade, para que não pareça que a realidade é a que o senhor diz e não a que é.
Deixe-me dizer que não posso qualificar a sua intervenção porque o senhor está aqui na qualidade de Deputado. Não quero pôr-me nesse nível. É que, de facto, é difícil qualificar essa sua intervenção, e já vou dizer-lhe porquê.
Primeiro, o senhor sabe muito bem, em relação à blindagem de estatutos, quais são as posições do Presidente da CMVM e da própria CMVM, não de agora mas já de anteriormente. O senhor sabe muito bem quais são as recomendações da CMVM em matéria de governo das sociedades. O senhor elencou todos os documentos, todas as intervenções, excepto aquelas recomendações que teve o cuidado de omitir, e não é por desconhecimento.
As recomendações sobre o governo das sociedades não são qualquer coisa de esotérico que a CMVM se limite a atirar sob a forma de recomendação que as empresas cumprem se quiserem e que, se não lhes apetecer, não cumprem, sabe? Tal como em todo o mundo, as referidas recomendações são baseadas no princípio de «cumpre ou explica por que é que não cumpre», são recomendações vinculativas para as sociedades. Sabia, Sr. Deputado, não sabia? Quando a CMVM diz que quaisquer limitações aos direitos de voto devem ser adoptadas pelas sociedades apenas se forem no exclusivo interesse dessas sociedades e dos seus accionistas em geral, está a dizer que é contra a blindagem e que se as sociedades a adoptarem, podem fazê-lo, é legítimo, não é ilegal. Eu nunca disse que era ilegal, mas as sociedades, ao adoptarem as limitações aos direitos de voto, devem demonstrar que é no interesse de todos os accionistas e da sociedade em questão. Como tal, tais limitações devem ser utilizadas no interesse da sociedade em questão e de todos os seus accionistas e não de um grupo limitado de accionistas. Não devem ser utilizadas numa situação como, no próprio dia da assembleia geral, ouvi um senhor, que se dizia representante dos pequenos accionistas, a afirmar algo tão extraordinário que é que «é muito provável que, se a desblindagem for aprovada, os accionistas queiram vender na OPA, que a OPA passe. Portanto, ç preciso (»)«. Ou seja, esse senhor dizia que é provável que a maioria dos accionistas até quisesse aceitar a oferta. Então, era preciso que a minoria não permitisse» Então, o senhor acha que isso é usar a desblindagem em favor da sociedade e da maioria dos accionistas? Então, o Sr. Deputado acha que isto é uma novidade? O senhor não foi buscar as minhas declarações sobre o princípio de «uma acção, um voto». Porquê? Porque queria fazer este «número», porque queria enganar as pessoas com essa intervenção.
Não há nada de novo que eu tenha dito, Sr. Deputado. Eu nunca disse que é ilegítimo que a assembleia geral decidisse o que quer que decidisse. Aliás, o que eu disse, em on — e é a única coisa por que posso ser responsabilizado —, não foi na entrega dos prémios da CMVM (o senhor não teve o cuidado de se informar), foi na entrega dos prémios do Jornal de Negócios.
O que eu disse em on, em público, foi que era desejável, para o mercado de capitais português, que a oferta, que é muito visível nos mercados internacionais, respeitasse três condições.
Primeira: que todos accionistas pudessem decidir na posse de toda a informação, de forma clara, verdadeira e completa. Devo dizer que a associação a que o senhor presidiu tentou canalizar informação que não era verdadeira e não era objectiva e, por isso, temos um processo de averiguações encetado.
Segunda: era desejável que a participação na assembleia geral fosse o mais extensa possível — é um princípio de democracia societária, Sr. Deputado! — e, portanto, não se devia encontrar mecanismos de limitação artificial à participação dos accionistas na assembleia geral. Aqui, referia-me implicitamente — e refiro-o agora explicitamente — à questão da revogação do bloqueio, que foi algo que tentou fazer-se crer que não era possível. Tentou-se fazer crer que a CMVM estava uma vez mais a ser parcial — não sei porquê —, só por estar a criar condições para que os accionistas participassem na assembleia geral.
Quero dizer-lhe, Sr. Deputado, que não me interessa qual é o voto dos accionistas na assembleia geral.
Repito, não me interessa o sentido do voto dos accionistas, interessa-me é que eles lá estejam presentes.
Portanto, criou-se a ideia de que, pela lei e pelos estatutos, tal não era possível, mas afinal foi possível, como sabe. Afinal pôde haver desbloqueios, afinal o Sr. Presidente da assembleia geral pôde aceitar os
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desbloqueios e os accionistas puderam participar em grande número, pelo que foi possível ter quase 70% do capital representado na assembleia geral.
E se a CMVM não tivesse feito a intervenção que fez, forçando a que esse princípio fosse aceite, posso dizer-lhe, Sr. Deputado, que muitos accionistas que nos consultaram no último dia antes do bloqueio das acções teriam «desertado» e não teriam comparecido na assembleia geral. Se calhar era isso que o Sr. Deputado desejava, mas não era isso que nós queríamos.
A terceira condição que referi era que a decisão resultasse da vontade da maioria dos accionistas.
Pergunto-lhe, Sr. Deputado: é um pecado que a decisão resulte da vontade da maioria dos accionistas?! Entendo também que essa vontade deve ser expressa no local próprio. E, aliás, referi-o. Disse: «seja a assembleia geral, seja o mercado». Aliás, o Sr. Ministro das Obras Públicas, a determinada altura, fez uma declaração dizendo que desejava que a OPA chegasse ao mercado. O Sr. Deputado achou estranho?! Agora, não se confunda a assembleia geral com o mercado, porque são coisas diferentes. Senão, todas as sociedades anónimas estão no mercado, e então teremos um mercado extraordinariamente grande. Todas as sociedades anónimas têm uma assembleia geral, portanto, para si, Sr. Deputado, todas as sociedades anónimas estão no mercado. Para si, é assim: se são sociedades anónimas, têm assembleia geral e estão no mercado. Ora, isso não é verdade, Sr. Deputado.
Por acaso a decisão foi por maioria. Aquilo que o presidente da associação que referi dizia nesse dia de manhã era que desejava que uma pequena minoria impedisse a maioria de tomar a decisão tão simples que é a de vender ou não vender as suas acções. Isso seria negativo para o mercado de capitais e para a empresa.
Por isso é que fiz a declaração no sentido que sempre fiz. Não foi nada de novo, Sr. Deputado. Torno a dizer: não me interessa o sentido da decisão dos accionistas. Interessa-me que os pequenos accionistas tenham um direito tão simples como o de ter voz, para se poderem pronunciar. Ora, o Sr. Deputado, que se intitulou representante dos pequenos accionistas, deveria ser o primeiro a querer que os pequenos accionistas tivessem voz.
Em relação ao anúncio, o Sr. Deputado mais uma vez fez uma omissão. Mas se tivesse consultado os documentos (que não consultou porque não se quer informar) teria verificado que no dia 27 de Fevereiro de 2007 houve uma ordem da CMVM de suspensão de publicação pela SONAE do anúncio não autorizado pela CMVM. Isto serve-lhe como resposta, Sr. Deputado? Mais: há um processo de contra-ordenação, contra a Sonaecom pela publicação desse anúncio não autorizado.
É tudo, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, a mesa regista um pedido de intervenção por parte do Sr. Deputado Honório Novo, a quem dou de imediato a palavra.
O Sr. Honório Novo (PCP): — Sr. Presidente, quero começar por cumprimentar o Sr. Dr. Carlos Tavares e dizer-lhe que registei, na parte final da sua intervenção, duas ideias que não direi contraditórias mas que considero, pelo menos, diferentes. Ou seja, são contrárias mas não se excluem.
Assim, gostaria de sublinhar alguns aspectos.
Sobre a existência da golden share, disse o Sr. Presidente da CMVM (e suponho reproduzir bem as suas palavras) que, na sua opinião, o Estado não pode ter privilégios. Criou, portanto, implicitamente (e não vem mal nenhum ao mundo com isso), uma corrente de opinião — que pode ser pessoal, pode ser institucional, nem sequer cuido de saber, porque não considero relevante — contrária ou de dúvida quanto à bondade da utilização da golden share.
Mas disse também, em contraponto com esta ideia, que a golden share, existindo, tem legitimidade. E tem legitimidade quem a detém (neste caso, o Estado) para a utilizar na defesa do interesse público perante outro tipo de interesses.
E a questão é esta: as palavras ditas pelo presidente de uma instituição como aquela a que o senhor preside (e o senhor sabe isso melhor do que ninguém, até pela sua experiência política) são muitas vezes retiradas do contexto, sendo valorizadas aquelas que numa determinada conjuntura são mais interessantes, do ponto de vista do instrumento de quem as reproduz.
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Ora, a verdade é que se fizermos uma retrospectiva dos tempos imediatamente anteriores à realização da assembleia geral da PT, o que prevalece da sua opinião e da opinião da CMVM não é a segunda parte — que para mim é a mais importante — mas antes a primeira parte.
Em meu entender, não é bom que os instrumentos que passam a informação para a opinião pública sejam utilizados desta forma. Mas também não é bom que quem preside a uma instituição deste tipo não sublinhe, com insistências e até utilizando mecanismos próprios e directos, caso seja necessário, as duas partes da questão e, se quiser, porque se trata do interesse público nacional e não apenas do interesse dos accionistas, a segunda parte, porque é essa que pode estar em questão: a da legitimidade da utilização da golden share ou até da situação de blindagem dos estatutos.
Portanto, faço esta referência, uma vez que ela vem na linha directa da sua intervenção, na parte final da primeira parte desta audição, que naturalmente me merece este comentário para fazer uma ligação ao que sucedeu nos instantes mais recentes.
Depois, gostaria de referir que as motivações das intervenções dos diferentes Deputados são pessoais e intransmissíveis. E devo dizer-lhe, Sr. Presidente da CMVM, que ontem e anteontem andei pelo norte do país, em visitas a diversas instituições, nos distritos de Viana do Castelo, Braga, no aeroporto do Porto e na Administração do Porto do Douro e Leixões, integrando a Comissão de Obras Públicas, Transportes e Comunicações da qual não faço parte, mas que, de facto, integrei. E nem os meus colegas nem a presidência dessa Comissão questionam em algum momento a legitimidade da minha participação instrumental, regimental nessa Comissão.
Como Deputado, custa-me que um convidado, como é V. Ex.ª nesta Casa, independentemente do teor das respostas que entendeu por bem dar às questões que lhe foram colocadas e independentemente dos comentários que fez sobre as motivações mais ou menos legítimas, no seu entender, das questões que lhe foram colocadas, da pertinência desses comentários ou da falta dela, tenha feito uma alusão que esta Casa, na minha opinião, não pode deixar de rejeitar de uma forma muito clara, que foi a alusão do convidado, presidente da CMVM, numa audição nesta Comissão, sobre a forma e a legitimidade da intervenção dos Deputados nas Comissões ou na vida desta Casa.
Portanto, enquanto Deputado, custa-me, pelo que, com a maior das delicadezas mas também com a maior das frontalidades, tenho que lhe dizer isto. Parece-me que, de tudo aquilo que disse, sem comentar, sem concordar ou sem discordar, o que sobreleva é esta impressão, e o que eu acho que não poderia deixar de ser dito era isto.
O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Deputado Honório Novo.
Espero que os Srs. Deputados tenham aceite o facto de eu ter dado a palavra ao Sr. Deputado Honório Novo com a mesma extensão que dei aos Srs. Deputados porta-vozes dos demais grupos parlamentares. Fi-lo porque não foi possível ao Sr. Deputado Honório Novo estar presente no início da reunião, na qualidade de representante do PCP, por razões ponderosas, que foram comunicadas à mesa mas que a mesa não transmitiu aos Srs. Deputados, facto pelo qual me penitencio.
Feita esta consideração, dou então a palavra ao Sr. Presidente da CMVM, para responder ao Sr. Deputado Honório Novo, com o que concluiremos esta audição.
O Sr. Dr. Carlos Tavares: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Honório Novo, irei referir-me a duas partes da sua intervenção.
Em relação à primeira parte, quero apenas prestar um esclarecimento, sendo a última vez que falo neste assunto, para não haver confusões.
O Sr. Deputado ligou a golden share às minhas declarações, mas eu nunca falei sobre a golden share e sobre a sua utilização. As declarações que fiz foram, em geral, sobre as maiorias.
Aliás, foi o que expliquei há pouco, mas não sei se o Sr. Deputado ouviu a minha explicação. Eu nunca senti a necessidade de «mandar recados» públicos ao Governo, porque, se eu quiser, faço-o directamente. Se eu achasse que o Governo tinha qualquer ideia nesse sentido e se achasse que havia riscos que eu entendesse que deveria precaver, tê-lo-ia feito directamente, com toda a frontalidade e com toda a lealdade, como faço muitas vezes. Já tenho feito isso. Pego no telefone, ligo ao Ministro das Finanças e digo: «Há este risco para esta e aquela situação». É a minha obrigação e é o que devo fazer.
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Só que, neste caso, entendi que não era necessário. Até porque, como lhe disse, o Ministro das Finanças sabe disto mais do que eu. Não precisa que isto lhe seja dito. Portanto, como distingo estes dois planos da golden share, não senti necessidade, sequer, de falar com ele sobre esta matéria. Em suma, como já referi, não gosto de mandar recados.
Sr. Deputado, comporto-me com os membros do Governo como gostaria que os reguladores se tivessem comportado comigo quando eu fui ministro.
Devo dizer que me comporto melhor do que os reguladores se comportaram comigo, quando fui ministro.
Mas é assim que eu faço. Esta é a minha maneira de ser, é este o meu estilo, portanto, nunca seria de andar a mandar recados ao Governo.
Aquele incidente que se criou é, pois, para mim, um absurdo que ainda hoje não consigo entender. Mas serviu para alimentar tudo isto, por erros de informação, não sei» Como digo, não consigo explicar, mas ás vezes criam-se umas mentiras do nada. Isto só para explicar as afirmações que fiz. As afirmações pelas quais sou responsável são as que faço em on e mais nenhumas, essas é que são as declarações públicas.
Sobre o outro ponto, provavelmente exprimi-me mal, até porque reconheço que não esperava que a intervenção do Sr. Deputado Jorge Neto tivesse o teor que teve, portanto reagi a quente. Mas queria esclarecer uma coisa: não questionei a legitimidade de o Sr. Deputado Jorge Neto estar aqui. Aquilo que referi, porventura menos correctamente, é que o Sr. Deputado só tinha uma motivação para estar aqui, que era a de fazer esta intervenção com este teor e desta forma para a comunicação social. É que, não fazendo parte desta Comissão, o objectivo não era o de, obviamente, se esclarecer, de ouvir. Foi isso que eu quis dizer. Não questionei» Aliás, não coloquei ao Sr. Presidente nenhuma questão sobre se o Sr. Deputado Jorge Neto devia ou não ter direito à palavra.
Portanto, se fui mal entendido, com todo o respeito peço desculpa aos Srs. Deputados. Não foi esse o meu intuito. Já aqui estive em muitas outras oportunidades e penso que sempre tive respeito por esta Assembleia.
Como também creio que não foi intuito do Sr. Deputado Jorge Neto desrespeitar a Assembleia, trazendo para aqui o tema nos termos em que o fez.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, creio que todos nos revemos na intervenção clara e inequívoca do Sr. Deputado Honório Novo. É larga a sua experiência e grande a clareza que coloca nas intervenções que faz, designadamente nesta matéria do cumprimento dos deveres do Deputado. Julgaria eu, portanto, que poderíamos dar por encerrada a nossa audição não fora, nesta parte final da intervenção do Sr. Presidente da CMVM, a recolocação de um comentário, que tem toda a legitimidade para o fazer, directamente ao Sr. Deputado Jorge Neto.
Aliás, o Sr. Deputado já tinha feito menção de querer intervir, mas parecia-me que essa intervenção poderia não ter lugar dado que, creio, depois da intervenção do Sr. Deputado Honório Novo o tema estava esgotado.
Nestas condições, vou-lhe dar a palavra, Sr. Deputado Jorge Neto, para uma brevíssima intervenção, que, espero, seja utilizada em sentido de finalização. Depois, darei a palavra ao Sr. Presidente da CMVM, se a solicitar, para lhe responder, também num tempo muito curto.
Sublinho e recordo que, no essencial, uma audição deste tipo tem a ver com matéria objectiva e é importante dizer e sublinhar que está de pé a faculdade, que até se pode revelar muito útil, para que, no decurso dos nossos trabalhos, possamos pedir, por requerimento, esclarecimentos adicionais sobre questões concretas, havendo, como foi sublinhado pelo Sr. Presidente da CMVM, plena disponibilidade para voltar a estar aqui em debate aberto connosco caso seja essa a nossa vontade depois do aprofundamento das matérias.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Neto.
O Sr. Jorge Neto (PSD): — Muito obrigado, Sr. Presidente.
Muito brevemente, gostaria de dizer que estou aqui na minha qualidade de Deputado, com muita honra e com muito orgulho. Por diversas vezes, participo em comissões de que não faço parte como membro permanente, nomeadamente nesta. Aliás, o Sr. Presidente sabe que, no passado, vim cá sempre que se justificou, o meu mandato assim o determina. E é exactamente no exercício das funções regimentais e
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constitucionais do meu mandato de Deputado que aqui estou com muito orgulho, com muita honra, dizendo ainda o seguinte para que conste ad futurum.
Em primeiro lugar, o que disse mantenho na íntegra. Não retiro uma vírgula àquilo que disse relativamente àquela que é a minha posição e o meu entendimento, enquanto Deputado, da posição do Presidente da CMVM nesta matéria.
Em segundo lugar, não trago para aqui situações que não fazem parte da matéria que está em discussão, isto é, situações de natureza privada, que serão discutidas em sede própria — e desde já, Sr. Presidente, aceito o repto para a discutir no foro próprio, em sede própria, não aqui.
Em terceiro e último lugar, registo — penso ser importante fazer este registo — o respeito e a consideração que o Sr. Presidente da CMVM hoje manifestou pelos Deputados e por esta Casa.
O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, está terminada esta nossa audição.
Renovo, em nome de todos, os agradecimentos ao Sr. Presidente da CMVM pelo cuidado que pôs na elaboração dos valiosos documentos que nos entregou e pela frontalidade e abertura com que esteve no debate objectivo sobre questões tão importantes e que envolvem, como também disse na minha intervenção inicial — certamente todos partilham deste juízo —, uma responsabilidade inequívoca dos Srs. Deputados enquanto legisladores da matéria do mercado de capitais.
Eram 12 horas e 35 minutos.
A Divisão de Redacção e Apoio Audiovisual.