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Sábado, 12 de Abril de 2008 II Série-C — Número 25
X LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2007-2008)
SUMÁRIO Comissão de Assuntos Económicos, Inovação e Desenvolvimento Regional: Relatório final do Grupo de Trabalho sobre o Processo relativo à Determinação, Negociação e Acompanhamento de Contrapartidas.
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COMISSÃO DE ASSUNTOS ECONÓMICOS, INOVAÇÃO E DESENVOLVIMENTO REGIONAL
Relatório final do Grupo de Trabalho sobre o Processo relativo à Determinação, Negociação e Acompanhamento de Contrapartidas
I — Introdução
1 — A Comissão de Assuntos Económicos, Inovação e Desenvolvimento Regional (CAEIDR) constituiu, em Maio de 2006, um Grupo de Trabalho (GT) para abordar o dossier das Contrapartidas, fixando-lhe um mandato, que consta do processo.
2 — Competia-lhe fornecer à CAEIDR informação relevante sobre o processo das Contrapartidas, de forma a permitir uma eventual tomada de posição sobre esta matéria na sequência de diversas notícias surgidas na comunicação social, e da audiência concedida a duas empresas envolvidas na negociação de Contrapartidas de aquisições militares.
3 — O mandato estipulava a apresentação de um Relatório Intercalar, o qual serviria de base à audição de membros do Governo e/ou de outras entidades que fossem consideradas necessárias.
II — Relatório Intercalar
1 — Em Outubro de 2006, dentro do prazo estipulado, foi entregue à CAEIDR um Relatório Intercalar, que foi apreciado e aprovado por unanimidade.
O relatório forneceu um conjunto relevante de informação sobre o processo das Contrapartidas.
Resumem-se, de seguida, algumas das constatações que o GT considerou relevantes para a compreensão do processo geral das Contrapartidas, e particularmente em Portugal, bem como de algumas diligências tomadas para melhor esclarecimento de dúvidas surgidas;
O processo e negociação de Contrapartidas nas aquisições militares não é um instrumento de que se socorram predominantemente os países atrasados. Pelo contrário, são os países mais desenvolvidos, grandes ou pequenos, os que mais e melhor aproveitam este mecanismo para obter compensações económicas e encurtar distâncias em termos tecnológicos. O Relatório Intercalar refere exemplos de progressos tecnológicos e comerciais em vários países, grandes e pequenos, que tiveram nos negócios de Contrapartidas um grande impulso. A primeira utilização em Portugal do mecanismo de Contrapartidas para acesso a tecnologia aconteceu com efeitos concretos apenas a partir de 1983 com a aquisição de cinco aviões Tristar L 1011 – 500 para a TAP, e que operaram entre 1983 e 1995. A negociação deste contrato permitiu aceder a licenças para reparação de material aeronáutico nas OGMA, que foi determinante para a sua capacidade de competir no mercado internacional. As aquisições militares que entretanto se verificaram depois daquela data originaram Contrapartidas medíocres, pondo a descoberto um Estado que numa avaliação imediata nos surge incompetente e negligente. Para corrigir este quadro, e por Despacho Conjunto n.º 341/99, dos Ministérios da Defesa Nacional e da Economia, o Estado decidiu instituir uma Comissão Permanente de Contrapartidas (CPC) para gerir esta matéria.
No entanto, a despeito do discurso político reflectido no conteúdo do referido despacho, o aproveitamento das aquisições militares para benefício da economia nacional, e da sua capacidade tecnológica, continuou a revelar-se frustrantemente medíocre. Há hoje um pacote de Contrapartidas negociado, e em vigor, da ordem dos 2600 milhões de €, resultante da Lei de Programação Militar, e com um processo de concretização problemático. É um valor elevado por qualquer padrão de comparação à escala nacional ou até europeia, o que exige o mais alto nível de capacidade de gestão e de articulação estratégicas da parte do Estado, justificando, por isso, um atento acompanhamento por parte da Assembleia da República (AR).
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Já sob responsabilidade do actual Governo, foi mandado elaborar um estudo (datado de Dezembro de 2005) sobre o processo das Contrapartidas, no sentido de, finalmente, se alterar este estado de coisas. Tal estudo, de que se reproduziram algumas passagens mais relevantes no Relatório Intercalar, não deixou margem para dúvidas sobre a situação deplorável deste processo, confirmando a avaliação feita pelo GT com base noutras fontes.
Do quadro negativo, que foi traçado nesse estudo, não se pode excluir, também, a atitude de algumas empresas nacionais que têm visto nos negócios das Contrapartidas apenas um meio para aumentar momentaneamente as suas exportações. Por solicitação do actual Governo, foi elaborado pelo INTELI, ainda na mesma altura, um estudo intitulado «Contributos para uma estratégia de desenvolvimento do Cluster aeronáutico nacional», que expunha uma visão do processo de valorização das Contrapartidas com impacto no sector aeronáutico.
O mesmo estudo apontava como factores de atraso da indústria aeronáutica nacional, face à europeia, as «sucessivas hesitações e recuos na participação nos grandes projectos e consórcios europeus (…) e (…) a falta de estímulo do Estado à indução de oportunidades e disponibilização de recursos.» Neste estudo, previa-se que o Cluster aeronáutico iria receber contributos das aquisições militares, bem como das civis, e, entre estas últimas, das futuras compras de aviões pela TAP. Na sequência das recomendações recebidas, e de uma atitude assumidamente nova relativamente a esta matéria, o actual Governo veio a tomar várias decisões: Aprovou, através do Decreto-Lei n.º 153/2006, de 07/08, um novo Estatuto da Comissão Permanente de Contrapartidas, e através do Decreto-Lei n.º 154/2006, de 7 de Agosto, o Regime Jurídico das Contrapartidas, visando, designadamente, reforçar os objectivos associados à negociação das Contrapartidas, sua metodologia e garantias da sua concretização. Paralelamente, foi assumida a necessidade de se dotar, finalmente, a Comissão Permanente de Contrapartidas com os meios necessários para cumprir eficazmente a sua função. Além disso, no quadro do Plano Tecnológico aparecem, pela primeira vez, objectivos associados às Contrapartidas, o que tem que relevar de uma perspectiva estratégica relativamente aos objectivos económicos e interesses nacionais.
A passagem da CPC para a tutela do Ministério da Economia e Inovação pareceu ser um sinal nesse sentido, e a anunciada intenção de promover o desenvolvimento de um Cluster aeronáutico um exemplo característico de uma decisão de natureza estratégica. Durante a elaboração do Relatório Intercalar, o GT confirmou que a obtenção de Contrapartidas não é exclusiva das aquisições militares. Embora o mecanismo não esteja previsto, no plano jurídico, para investimentos públicos civis, conhecem-se experiências de utilização inteligente dos investimentos públicos civis para obtenção de vantagens adicionais. A TAP tinha sido o primeiro e bem sucedido exemplo de Contrapartidas de aquisições civis, embora em articulação com aquisições militares.
Mais recentemente, e já na actual Legislatura, um outro bom exemplo: o compromisso de construção de um Cluster industrial no domínio da Energia Eólica, que resultou dos termos e condições do concurso de atribuição de licenças no domínio da ligação à rede das novas centrais eólicas.
Ficava agora claro que em Portugal havia, afinal, quem soubesse como obter Contrapartidas, mesmo de investimentos civis. Deixava, então, de ser apropriado falar-se apenas em incompetência por parte do Estado. Se calhar a incompetência e falta de diligência não eram a causa, mas a consequência de decisões ou omissões de natureza política. A propósito, vale a pena recordar que quando a TAP decidiu modernizar a sua frota, mudando de fornecedor e adquirindo 36 aviões Airbus A 310, A320, e A 340, entre 1987 e 2002, com um custo, à época, da ordem dos 300 milhões de contos, aconteceu que, estranhamente, dessa vez não ficaram registadas Contrapartidas dignas desse título. Talvez por isso esta operação tenha ficado, na altura, debaixo de alguma suspeição. Apesar dos novos sinais positivo vindos, agora, do Estado, o GT não podia ignorar que já em 1999 o Estado manifestara igualmente vontade de passar a tratar de forma mais eficiente os processos das Contrapartidas na linha do que já faziam outros países. Além disso, no Relatório de Actividades do 1.º Semestre de 2006 da CPC, o seu Presidente dava conta das suas preocupações com o atraso do Consultar Diário Original
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Estado em termos de certas decisões e com a falta de recursos para o desempenho da missão da CPC.
Por esta razão, o GT entendia ser importante obter junto da CPC, e do Governo, alguns esclarecimentos, designadamente sobre a situação actual das contrapartidas contratualizadas nesta altura, e sobre investimentos públicos civis, como a prevista renovação da frota da TAP, o TGV, ou o novo Aeroporto Internacional de Lisboa. O GT entendia ser necessário saber o que estava o Estado a fazer, ou o que previa fazer no sentido de assegurar o maior contributo possível de tais investimentos para o desenvolvimento da economia nacional, nomeadamente através do mecanismo de transferência de tecnologia e de parcerias empresariais.
Assim, e ainda antes da conclusão do Relatório Intercalar, o GT solicitou ao Sr. Presidente da CAEIDR o envio de três ofícios: — Um dirigido ao Presidente da CPC, pedindo que esclarecesse se o Governo já tinha dado as respostas e tomado as decisões que o mesmo considerava importantes no quadro do funcionamento da CPC e do objectivo de promover o Cluster aeronáutico nacional.
— Outros dois, dirigidos ao Sr. Ministro da Economia e Inovação e ao Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações. Nestes ofícios pretendia-se conhecer, na respectiva área de tutela, que investimentos públicos civis poderiam gerar «Contrapartidas» importantes para a economia nacional.
Tinha-se em vista, por exemplo, a construção de centrais, barragens, a eventual renovação da frota da TAP, e a construção do TGV ou do novo Aeroporto Internacional de Lisboa.
III — Preocupações para a fase do relatório final
A avaliação que o GT fez do processo das Contrapartidas forneceu não apenas um quadro sintético desta realidade como uma percepção da sua integração clara em estratégias de desenvolvimento nos diferentes países, os quais utilizam as Contrapartidas para levarem as suas empresas e organismos a um acesso mais rápido a novas tecnologias, inacessíveis nas condições correntes do mercado, ou a parcerias que de outro modo seriam pouco prováveis. Esta constatação enquadrava as preocupações que estiveram na base da fase final do relatório do GT, como a seguir se expõe:
1.º) Face ao volume de contrapartidas negociadas em curso, no montante de cerca de 2600 milhões de €, e a exigir uma atenção muito particular, designadamente de renegociações de contratos, e tendo ainda presente que o Estado tem previsto gastar mais de 2100 milhões de € entre 2006 e 2011, no quadro da Lei de Programação Militar aprovada nesta Legislatura, era indispensável avaliar junto do Ministério da Economia e Inovação o desafio colocado por esta realidade. Esta preocupação não constituía uma má vontade ou desconfiança por parte do GT, antes era uma decorrência inevitável das preocupações constantes dos relatórios de actividade da CPC e manifestadas pelo seu então presidente (Relatórios de Actividade do 1.º e 2.º Semestres de 2006).
2.º) Com estratégia e inteligência os países vão utilizando as oportunidades de obtenção de vantagens mesmo com investimentos públicos civis, como já aconteceu, aliás, em Portugal.
Não seria compreensível, nem aceitável, que um país periférico e pequeno como Portugal, estando à beira de um ciclo de investimentos púbicos civis em que três deles respondem por cerca de 10 000 milhões de €, não tivesse uma estratégia para obter o máximo de benefícios económicos directos e indirectos dos mesmos.
O GT considera que os Deputados da Assembleia da República não poderão ficar indiferentes a esta questão, porque seguramente os portugueses não ficarão. Aliás, a polémica em torno do novo Aeroporto Internacional de Lisboa, por enquanto apenas relativamente à localização, já mostrou uma população portuguesa cada vez mais atenta às opções e decisões do Estado.
IV — Audições e outras diligências
O mandato do GT previa, expressamente, que o Relatório Intercalar ajudaria a CAEIDR na preparação das audições de membros do Governo, e outras entidades, antes da conclusão do trabalho.
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Após a apreciação e aprovação do Relatório Intercalar, a CAEIDR deliberou ouvir em primeiro lugar o Sr.
Ministro da Economia e Inovação. Essa audição teria lugar logo a seguir ao processo de aprovação do Orçamento do Estado para 2007.
No entanto, a CAEIDR decidiu, posteriormente, que o Sr. Ministro seria ouvido sobre esta matéria na sua primeira vinda à CAEIDR em 2007.
A agenda e as prioridades dos diferentes grupos parlamentares, presentes na CAEIDR, acabariam por ditar o adiamento sucessivo desta audição.
1 — Audição do Ministro da Economia e Inovação
Essa audição teve lugar, finalmente, no dia 12 de Julho de 2007, sendo o Sr. Ministro acompanhado pelo Sr. Secretário de Estado da Indústria e Inovação e do novo Presidente da CPC.
Questões principais colocadas pelo GT
Durante a audição, foram diversas as intervenções dos Deputados. Resumem-se, a seguir, as questões colocadas pelos membros do GT presentes.
1.ª — Considera o Sr. Ministro que há ainda risco de se não concretizarem valores significativos das contrapartidas negociadas, devido à forma como foram negociadas e contratualizadas? 2.ª — Muitas pessoas consideram que nos investimentos públicos de natureza civil também cumpre ao Estado assegurar o maior impacto possível na economia nacional.
Alguns empresários comentaram que se os investimentos previstos para o Comboio de Alta Velocidade (TGV) estivessem a ser programados na vizinha Espanha, as empresas e instituições de investigação desse país já estariam, nesta altura, a ser envolvidas de forma a assegurar o maior impacto nacional destes investimentos.
O Sr. Ministro acha ou não que deve haver uma estratégia nacional que assegure a devida articulação destes grandes investimentos com o restante esforço nacional, que contribua para se assegurar um período de crescimento sustentado nos próximos 10 anos, capaz de colocar novamente o País a convergir sustentadamente com o resto da Europa? 3.ª — Não se corre o risco de vermos o Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, a lançar concursos para estes grandes projectos e depois verificarmos, uma vez mais, que já é tarde para se modificar as coisas? O Sr. Ministro pode assegurar-nos que o seu Ministério está a coordenar este processo, isto é, a assegurar que o TGV, o novo Aeroporto ou a privatização da TAP e a próxima renovação da sua frota, não são negócios isolados mas sobretudo peças e instrumentos de uma estratégia económica? 4.ª — Hoje, o País tem uma carência crítica em matéria de investimento, investigação e tecnologia.
A última grande renovação da frota da TAP, iniciada em 1987, envolvendo a substituição de aviões de origem americana por três dezenas de aviões europeus, atingiu cerca de trezentos milhões de contos, ou seja, 1500 milhões de €. Esse investimento foi realizado sem a negociação de contrapartidas dignas desse nome.
O Sr. Ministro acha aceitável que uma tal situação possa repetir-se num futuro próximo, isto é, ficando a negociação de compensações – que são do maior interesse para a economia nacional – ao critério de gestão da administração de uma empresa em que o Estado é o maior accionista?
Como compreenderá, as suas respostas ou comentários são importantes para a forma como concluiremos este relatório.
Respostas
Às questões colocadas, foi respondido resumidamente o seguinte:
O Sr. Ministro da Economia e Inovação realçou a decisão do Governo de reforçar a CPC, visando profissionalizá-la para ser capaz de assegurar cabalmente as suas funções e responsabilidades. A questão do
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financiamento do seu funcionamento iria ser ultrapassada através do recurso às próprias contrapartidas, libertando assim a CPC dos constrangimentos que a limitaram, evitando-se as situações do passado recente.
O Sr. Secretário de Estado esclareceu que as contrapartidas, mesmo quando se fala em grandes números, não consistem em dinheiro a receber, mas em oportunidades de negócios.
Quanto aos investimentos civis chamou a atenção para o facto de que a legislação comunitária não prevê o mecanismo das Contrapartidas senão para as aquisições militares, e informou que naturalmente se acautelaria a participação das empresas portuguesas.
Em suma, o Sr. Ministro transmitiu informações importantes relativamente ao funcionamento futuro da CPC. No entanto, não adiantou esclarecimentos ou comentários às restantes preocupações que lhe foram transmitidas.
2 — Outras diligências
Durante o tempo que decorreu até à audição do membro do Governo, e depois dela, procurou-se obter novos contributos e opiniões de outras pessoas sobre estas matérias.
Contactado o Presidente da API (hoje AICEP), este considerou que, para além das contrapartidas das aquisições militares, o País tem o dever de obter todos os benefícios possíveis para as nossas empresas e centros de investigação proporcionados pelos investimentos públicos civis, e expressou a total disponibilidade da Agência que dirige para participar em qualquer processo de organização dos concursos e de negociação com os concorrentes potenciais aos grandes investimentos previstos. O Presidente da CPC foi igualmente contactado, tendo informado que está praticamente na recta final a estruturação da CPC com os meios humanos essenciais ao seu desempenho. Expressou igualmente a sua opinião de que os investimentos públicos civis como a renovação da frota da TAP, do TGV ou do novo Aeroporto de Lisboa, devem ser organizados de molde a obterem-se ganhos do tipo das Contrapartidas das aquisições militares. Foi estabelecido um contacto com a Direcção-Geral de Energia no sentido de se conhecer melhor como foi conduzido o processo de concurso de atribuição de ligações de energia eólica à Rede Nacional. Este processo, que não envolveu investimento público, permitiu seleccionar os concorrentes de tal forma que foi assegurado um investimento industrial associado à energia eólica, cujos passos iniciais já foram dados. O Presidente do INTELI, por seu lado, manifestou igualmente a opinião de que os investimentos públicos civis são oportunidades para a obtenção de Contrapartidas, e reafirmou que, na proposta oportunamente apresentada ao Governo para o desenvolvimento do Cluster aeronáutico, a TAP e a futura aquisição de novos aviões constavam como instrumento de tal desenvolvimento, sendo um dos recursos privilegiados da negociação de Portugal com a AIRBUS com vista a defender os interesses nacionais neste sector da economia europeia.
De todos os contactos resultou reforçar-se, assim, a convicção de que obter vantagens adicionais dos vencedores dos futuros concursos para os grandes projectos não apenas está ao alcance do País como é uma obrigação nacional. Ficou claro, também, que estes benefícios não resultarão automaticamente da acção e diligência das administrações das empresas públicas envolvidas, mas antes terão que ser o resultado de uma decisão política que a essas administrações cumpra dar concretização.
E também ficou claro que fazê-lo não implica ultrapassar ou violar normas comunitárias, exigindo apenas vontade política, porque inteligência e competência existem. O processo do Cluster Eólico explicou e comprovou isto mesmo.
Foi-nos transmitido que os concursos podem e devem ser elaborados de forma a que os concorrentes assegurem vantagens adicionais para o País nos fornecimentos que envolvam tecnologias, sobretudo as que reforcem experiências e competências nacionais.
Foi referido como exemplo o seguinte: Em igualdade de condições técnicas de fornecimento, qualidade dos equipamentos, prazos e preços, deve ser assegurada a possibilidade do País seleccionar os fornecedores que Consultar Diário Original
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garantam a criação de capacidade local para a manutenção dos equipamentos, ou os que garantam transferência de meios e tecnologias para empresas portuguesas, de forma a assegurar a maior eficiência dos equipamentos, uma vez que ficar dependente de manutenção vinda do exterior não só tornará a solução mais cara no longo prazo, como menos segura.
V — Dados mais recentes
Uma vez mais a comunicação social voltou a ser fonte de material de preocupação.
Várias notícias, e até reportagens, aparecidas em Novembro passado, deram conta de que mais de metade da nova esquadrilha de helicópteros de busca e salvamento, os EH-101 Merlin da Força Aérea Portuguesa, estaria no chão por falta de manutenção.
Refere-se esta situação porque as dificuldades com o fabricante dos aparelhos já tinham sido registadas no quadro da negociação das Contrapartidas. O GT apenas dá nota desta situação como mais uma ilustração, dolorosa, dos problemas associados ao processo deficiente de negociação das últimas Contrapartidas das aquisições militares.
Esta situação não só não beneficia a economia como dá uma má imagem do País.
Também nesse mês, o Administrador Delegado da TAP, em entrevista a uma rádio nacional, dava a entender que a TAP estaria levar a cabo a renovação da sua frota num investimento de 2500 milhões de €.
Segundo se depreendeu das suas palavras, essa renovação inserir-se-ia na estratégia de modernização da empresa para enfrentar os novos desafios e oportunidades do sector de transporte aéreo, e na preparação da sua futura próxima privatização.
Esta notícia surpreendeu não apenas o GT como algumas das entidades contactadas.
Qualquer cidadão entenderá que a compra de 2500 milhões de € de novos aviões, e a opção por um fabricante europeu ou americano, não é equivalente à escolha da marca e modelo de automóveis para um conselho de administração, ou à escolha de uma empresa para a limpeza.
Para além de considerações técnicas e económicas que terão obrigatoriamente que estar presentes numa decisão como a da renovação da frota da TAP, há estratégias nacionais que obrigatoriamente também têm que estar presentes quando o Estado Português é o primeiro accionista da empresa.
A situação da nossa economia, com o seu défice empresarial e tecnológico, impõe que o Estado seja inteligente e diligente quando lida com oportunidades como é o caso do investimento na renovação da frota da sua empresa de transportes aéreos.
É bom lembrar que a Espanha não chegou ao lugar que hoje ocupa, na co-produção do AIRBUS, exclusivamente pela iniciativa das suas empresas.
Em 1984 aquele país adquiriu à McDonnell Douglas 72 F/A — 18 Hornet, assegurando a co-produção de sistemas de flaps e estabilizadores horizontais. Através da empresa CASA a Espanha passou a assegurar assistência aos F/A-18 canadianos na Europa e aos F/A -18 americanos da sexta esquadra no Mediterrâneo.
Entretanto a McDonell Douglas e a CASA tornaram-se parceiros de desenvolvimento.
Note-se que o valor daquela compra foi equivalente ao da primeira compra de 36 aviões pela TAP a partir de 1987 (equivalente a 1500 milhões de €).
Ou seja, Portugal desperdiçou no passado, e de forma reiterada, oportunidades de desenvolvimento.
Seria desastroso e inaceitável que isso voltasse a acontecer com a actual renovação da frota da TAP.
A opção por aviões AIRBUS é uma oportunidade para Portugal negociar uma posição que seja favorável à participação do País nos projectos e/ou no consórcio AEDS. Além disso, o reforço das capacidades nacionais em matéria de manutenção de aviões desse fabricante daria uma posição útil no futuro à nossa indústria para poder crescer na cadeia de valor do consórcio aeronáutico europeu.
Assim, é com natural expectativa que o GT aguarda esclarecimentos e desenvolvimentos deste investimento, nomeadamente com vista ao reforço do Cluster aeronáutico anunciado pelo Governo.
VI — Necessidade de conclusão do Relatório
Nos termos do mandato do GT, o prazo para a conclusão do Relatório seria fixado pela CAEIDR após as audições.
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Como se constata, persistem ainda dúvidas importantes sobre alguns aspectos das Contrapartidas, mesmo depois de todos os contactos, audições e diligências efectuadas.
Esta situação tornou claro que certos esclarecimentos sobre matéria de natureza estratégica não se obtêm através de ofícios dirigidos aos ministérios, nem da audição de mais membros do Governo, os quais respondem, prioritária e compreensivelmente, a questões de âmbito sectorial e da sua tutela.
Feita esta constatação, e se a ela se somarem os dados mais recentes referidos acima, o GT conclui, contudo, que não se deve deixar arrastar por mais tempo esta fase do seu trabalho, uma vez que dispõe de material e de dúvidas suficientes para colocar à consideração da CAEIDR e do Plenário da Assembleia da República.
VII — Conclusões
1. O Estado tem actualmente sob sua responsabilidade a gestão de um montante de Contrapartidas da ordem dos 2600 milhões de €, e há previsão de mais de 2100 milhões de € de novas aquisições militares programadas até 2011 no quadro da Lei de Programação Militar em vigor.
Para se ultrapassar o quadro lastimável encontrado no processo das Contrapartidas impunha-se, antes de mais, dar meios humanos e financeiros à CPC. As informações recebidas do Governo e do próprio presidente da CPC apontam no sentido de que esses requisitos estão actualmente assegurados ou em vias de o ser.
2. Os resultados medíocres das Contrapartidas verificados até hoje devem-se não apenas ao desempenho do Estado como, em diversos casos, às próprias empresas nacionais, as quais acedem às contrapartidas não com a preocupação central de reforço tecnológico e da conquista de novos mercados, mas apenas de aumento das suas vendas no curto prazo.
3. O exemplo dos países que utilizam o mecanismo das Contrapartidas mostra que os objectivos e resultados obtidos são essencialmente matéria da esfera económica. A passagem da CPC da tutela partilhada com o Ministério da Defesa apenas para a do Ministério da Economia e Inovação é um passo acertado, porque é, essencialmente, de indústria, tecnologia e competitividade que se trata.
Com efeito, em Espanha, na Grécia, na Turquia, na Bélgica ou no Canadá, a sua capacidade actual de participar na indústria aeronáutica civil mundial é a demonstração de que os países utilizam as Contrapartidas para adquirirem competências industriais e tecnológicas destinadas prioritariamente à esfera civil.
4. Nas condições concretas da nossa economia, isto é, sua abertura ao exterior, sua dimensão, natureza periférica, nível de desenvolvimento tecnológico, e acrescida competição à escala global, o GT entende que o Estado tem que ter um papel estratégico nesta matéria e tem que assumi-lo sem hesitações.
Ao longo deste período de trabalho e de audições, não ficou claro, contudo, até onde o Governo pensa que deve ir o Estado no domínio da utilização efectiva das Contrapartidas.
5. Mesmo com o evidente esforço em curso ao nível da CPC, o GT entende que a forma como se traduzirá plenamente a actuação desta Comissão na utilização das Contrapartidas para induzir dinâmicas empresariais e científicas, poderá depender de algo mais do que da sua profissionalização e da solução das questões orçamentais. Entre as dificuldades fáceis de antecipar está a clarificação ou não do que quer o Estado fazer, até onde quer ir, e com quem, e como poderá a CPC mobilizar diferentes sectores empresariais, áreas da administração pública e da governação (economia, transportes, ciência/universidades) se não tiver a autoridade e enquadramento institucionais adequados. Note-se que à CPC estão cometidas as Contrapartidas apenas das aquisições militares.
6. O acompanhamento regular da actividade, dos avanços e dificuldades da CPC, deve, por isso, constituir uma preocupação regular da CAEIDR.
7. É unânime a opinião das várias entidades contactadas de que o aproveitamento dos investimentos públicos civis, sejam a renovação da frota da TAP, o TGV, o novo Aeroporto Internacional de Lisboa, ou outros, para obtenção de vantagens nacionais em matéria económica, é um dever de um Estado inteligente e diligente.
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Assim, para o GT a questão já não está em saber se se podem obter Contrapartidas dos investimentos públicos civis, mas em saber o que se pretende obter, quem estabelece as prioridades e quem coordena as acções para que se consigam os resultados pretendidos.
8. A renovação da frota da TAP, a ser verdade, poderá levantar várias interrogações que poderão ultrapassar o GT e interessar o resto do País.
— A TAP, de que é primeiro accionista o Estado, é vista como uma empresa estratégica para o País, isto é, um instrumento especial ao serviço da sua economia, da sua política externa, onde assume lugar especial a diáspora e a lusofonia? E, nesse caso, é indiferente o que se possa ganhar com a renovação da frota de aviões? E será também indiferente, para os portugueses, se uma empresa com esta especificidade, vier a passar para a gestão de capitais estrangeiros – p.e. árabes, chineses, venezuelanos, americanos, angolanos, brasileiros, espanhóis, etc.? — Ou a TAP não passa de uma empresa que, pelo facto de ter como seu primeiro accionista o Estado, apresenta como interesse especial, e apenas, o facto de poder constituir-se num activo que pode, através da sua privatização, oferecer um importante encaixe financeiro para o equilíbrio das contas e dívida públicas? E nesta eventualidade será indiferente que o Estado se preocupe ou não com os negócios possíveis com a renovação da sua frota, ou com quem a venha a deter no futuro? 9. Apesar dos passos positivos dados recentemente pelo Estado, o GT não pode deixar de ter presente outro momento de afirmação de boas intenções que, não obstante, não impediram a continuação de um desempenho medíocre.
Além disso, as apreciações e preocupações de diversas entidades credíveis contactadas ao longo deste último ano, e algumas questões e dúvidas que persistem e já referidas anteriormente, impedem o GT de poder tranquilizar a CAEIDR e a Assembleia da República sobre este dossier, entendendo-se que só o Governo poderá dar os esclarecimentos que nesta altura importa obter.
10. O GT entende que, através da CAEIDR, a Assembleia da República deve acompanhar estes e outros investimentos públicos com um escrutínio acrescido e de forma sistemática, única forma de corresponder à expectativa dos cidadãos. A Assembleia da República não deve reagir ocasional e essencialmente em função do escrutínio da comunicação social, como aconteceu no passado e no caso concreto das Contrapartidas.
11. Mesmo perante respostas e esclarecimentos satisfatórios que se espera que o Governo venha a dar, considera-se que a CAEIDR deverá manter o GT, eventualmente com nova composição e alargada a elementos de outras Comissões Permanentes.
VIII — Propostas
Na sequência do que antecede, o GT apresenta as seguinte propostas:
1.º — Que depois de apreciado e votado na CAEIDR o presente Relatório Final seja enviado ao Sr.
Presidente da Assembleia da República com a proposta de que o mesmo seja apreciado em Plenário, nos termos regimentais estabelecidos na alínea h) do artigo 35.º do Regimento da Assembleia da República.
2.º — Que a Comissão de Assuntos Económicos, Inovação e Desenvolvimento Regional solicite ao Governo, com carácter de urgência, informação sobre o seguinte:
a) Confirmação, ou não, do investimento da TAP na renovação da sua frota e, em caso afirmativo, esclarecimento sobre o benefício esperado em termos do sector aeronáutico nacional, e mais concretamente em termos de capacidade nacional acrescida na área da manutenção dos novos aviões.
b) Situação actual do processo de edificação dum cluster aeronáutico nacional, os vectores e componentes estratégicos do processo, a entidade responsável pela coordenação das medidas e das decisões da responsabilidade do Estado nesse processo, e qual o sentido e o papel da renovação da frota e da privatização da TAP nessa estratégia.
c) Se pensa o Governo utilizar os grandes projectos do TGV e do novo Aeroporto Internacional de Lisboa, entre outros, para promover não apenas a maior participação possível das empresas nacionais, como para
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trazer para o País tecnologia e investimentos necessários, e em caso afirmativo quem, dentro do Governo, tem a responsabilidade de assegurar a coordenação das acções visando esses objectivos, incluindo a supervisão da organização do processo concursal e de júri.
Palácio de S. Bento, 4 de Março de 2008 Grupo de Trabalho: Ventura Leite (PS) — Hugo Velosa (PSD) — António Filipe (PCP).
O Presidente da Comissão, Rui Vieira.
Anexos: Constituem anexos o Relatório Intercalar, assim como os documentos que o acompanharam.
Anexo
Relatório Intercalar Assunto: Processo de Contrapartidas
1 — Justificação
O tema das contrapartidas encontra-se fortemente associado às decisões de aquisição de material militar, constituindo normalmente estas aquisições matéria controversa junto da opinião pública pelas somas elevadas que envolvem, o que na ausência de conflito militar suscita, compreensivelmente, o debate sobre as opções e prioridades políticas em matéria de gastos públicos.
Por esta razão, e sobretudo nas últimas três décadas, muitos dos países que procedem à aquisição de material militar têm vindo a apostar na obtenção de contrapartidas como instrumento compensatório de apoio à inovação tecnológica e ao desenvolvimento económico e social.
Portugal é um dos países que utiliza este instrumento há bastantes anos, como se referirá mais adiante, e também não foge às polémicas em torno desta matéria, como aconteceu com a última grande aquisição de material militar, nomeadamente de submarinos.
Tal polémica persiste, agravada por queixas públicas recentes vindas do sector empresarial, que levantam dúvidas sobre a capacidade e/ou vontade do Estado de estabelecer e impor prioridades em matéria de contrapartidas, bem como sobre o seu real empenho em fazê-las cumprir por parte dos fornecedores.
Importa, então, fazer uma avaliação desse processo.
A CAEIDR ouviu o presidente da Comissão Permanente de Contrapartidas (CPC), que expôs as dificuldades experimentadas no cumprimento da missão daquele organismo, bem como as propostas já apresentadas para ultrapassar a situação. Ouviu ainda o coordenador do Plano Tecnológico (PT), que expôs em linhas gerais a natureza e objectivos estratégicos do PT, e ainda alguns dos empresários envolvidos em contratos de contrapartidas, os quais abordaram directamente o que consideram serem insuficiências graves do processo em curso, e alertaram para a necessidade do Estado associar as contrapartidas a objectivos e interesses estratégicos da economia nacional, de criar mecanismos que assegurarem o seu cumprimento pelos fornecedores de material militar ou de aquisições públicas de natureza civil, a exemplo do que também fazem outros países.
Na sequência destas audições subsistiram dúvidas de diversa natureza, não só sobre o processo em curso como sobre o futuro das contrapartidas num quadro de aposta estratégica do Governo na inovação tecnológica e de avultados investimentos públicos previstos, alguns dos quais não isentos de controvérsia.
Entendeu então a Comissão, que antes de decidir qualquer eventual iniciativa sobre esta matéria seria útil conhecer mais do processo, por forma a abordar futuramente, e o mais objectivamente possível, os membros do Governo mais directamente envolvidos em aquisições ou investimentos públicos.
Nesse sentido, deliberou constituir um Grupo de Trabalho e mandatá-lo conforme consta do Anexo 1.
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2 — Objectivos e metodologia de trabalho
Conforme consta do mandato da Comissão, cabe ao Grupo Trabalho apresentar, até final de Outubro, um Relatório Intercalar que apresente informação actual e sistematizada sobre o processo de contrapartidas actualmente seguido, esperando-se que tal relatório possa servir de base para que a Comissão proceda à audição de alguns membros do governo com maiores responsabilidades nesta área, e eventualmente outras entidades, após o que se fixará um prazo para a conclusão do Relatório.
Para o Relatório Intercalar, o GT socorrer-se-á essencialmente de documentos já disponibilizados pela CPC, mas também de material produzido e/ou pesquisado pelos serviços de apoio. Relativamente a outras fontes de informação consta, em anexo, um estudo do qual foram retiradas as informações e dados mais relevantes contidos no primeiro capítulo deste relatório relativamente a casos internacionais e à experiência portuguesa.
Este Relatório Intercalar conterá, então, dois capítulos.
O primeiro abordará, de forma tão sumária quanto possível, a matéria das contrapartidas numa perspectiva conceptual e histórica, incluindo uma referência a casos internacionais de utilização das contrapartidas, e, naturalmente, uma passagem pela experiência em Portugal.
O objectivo é expor a importância das contrapartidas na negociação de aquisições militares e não apenas militares.
Um segundo capítulo abordará a situação actual dos programas de contrapartidas em vigor no País, a situação da CPC, e as prioridades do Governo nesta área. O objectivo é avaliar, igualmente de forma sumária, mas tão objectiva quanto possível, se são globalmente justificadas as críticas e preocupações sobre este processo em Portugal, e se as medidas já anunciadas pelo Governo asseguram não só mecanismos mais eficazes para fazer cumprir os contratos já celebrados com as empresas portuguesas, como também uma mudança de fundo na condução destes processos para o futuro, designadamente no estabelecimento de objectivos estratégicos para aplicação dos recursos disponibilizados pelas contrapartidas.
I — Das Contrapartidas em geral
1 — Conceito
Inicialmente, o conceito de contrapartidas corresponde à expressão countertrade, que surgiu nos anos 80 para designar negócios internacionais1 concluídos entre os mais variados operadores do comércio internacional e cujos pagamentos nem sempre eram feitos em dinheiro, mas através de outros mecanismos de compensação directa.
Critérios económicos, jurídicos e outros, foram propostos por diversos autores e por algumas organizações internacionais na tentativa de distinguir, classificar, sistematizar ou agrupar as diversas operações de countertrade. Contudo, apenas encontramos uma breve descrição das principais operações tal como são divulgadas nos contratos internacionais unificadas sob critérios demasiado genéricos.
Na verdade, a expressão contrapartidas (countertrade) engloba uma variedade de negócios jurídicos, não havendo uma tipologia rigorosa das respectivas práticas.
Tanto no ordenamento jurídico português como no de outros Estados não encontramos uma definição legal de contrapartidas. Encontramos apenas a definição apresentada pela Comissão Económica para a Europa (ECE/ONU) que apresentou em 1979 uma noção de countertrade limitada ao espaço europeu : «a commercial transaction in which provisions are made, in one or a séries of related contrats, for payment by deliveries of goods/or services in addition to or in place of finantial settlement. A countertrade arrangement, therefore, goes beyond a straightforward commercial transaction by virtue of the fact that the buyers and sellers accept reciprocal deliveries in part or full settlement of the value of the deliveries».
1 Nomeadamente, o contrato assinado, em 1977, entre a Polónia e uma sociedade britânica para a construção de 20 navios destinados à Polónia (no valor de 15 milhões de libras esterlinas), completamente auto financiados pela exploração futura (15 anos) a cargo de uma ―joint-venture‖ anglo-polaca de armadores.
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2 — Aspectos da sua evolução histórica
As operações de contrapartidas iniciam-se nos anos 60 no âmbito das relações económicas entre o Oeste e o Leste. Caracterizavam-se pela relação entre uma exportação e uma importação, prevendo fluxos de bens e serviços entre as partes estabelecidos através da conclusão de contratos internacionais (como o barter, o counterpurchase, o buy-back e o offset). Caracterizava-se pela ausência total ou parcial de pagamentos internacionais, bem como pela dupla função de exportador/contra-importador – importador/contra-exportador inerente a cada uma das partes.
Assim, estas operações surgiram associadas ao comércio de Estado, de início, com reduzida expressão no conjunto do comércio mundial.
Algumas destas operações de contrapartidas caracterizavam-se ainda por terem lugar a curto prazo e por respeitarem ao comércio de matérias-primas, produtos manufacturados, sem qualquer transferência de tecnologia, ou então por respeitarem a transferências a longo ou médio prazo implicando transferências de tecnologia industrial, ou por combinarem ambas.
Na década de 80 o countertrade sofreu uma extraordinária expansão no comércio internacional e as alterações políticas na Europa vieram a incrementar o papel das contrapartidas nas relações económicas (na liberalização da economia e nas recentes privatizações nos países da Europa de Leste e nos países em vias de desenvolvimento as operações de contrapartidas têm assumido bastante relevância).
As contrapartidas permitem hoje considerar um leque alargado de áreas de interesse e prioridades para cada país, designadamente:
— Equilíbrio da balança de pagamentos; — Instrumento de política de desenvolvimento económico; — Instrumento de política comercial e industrial, possibilitando, nomeadamente que seja pago um preço superior pelos bens a exportar (como contrapartida) pelo importador, funcionando como uma espécie de subsídio; — Concorrência entre as empresas vocacionadas para a exportação na disputa pela conquista de clientes exigindo contrapartidas, sob pena de perderem quota de mercado (A «General Electric» perdeu, no início dos anos 80, o fornecimento para os hospitais austríacos a favor da sua concorrente «Siemens», que propôs adquirir na Áustria material electrónico/ noutro caso, o Governo espanhol abriu um concurso internacional para a aquisição de caça-bombardeiros para equipar a Força Aérea em que acabou por ganhar o concurso uma empresa americana que apresentou a proposta mais dispendiosa, porque propôs um acordo de offset – o importador beneficia assim, de um investimento estrangeiro que vem melhorar a sua capacidade de produção e diminuir a dependência tecnológico-industrial face ao estrangeiro) — Melhorar uma posição concorrencial e acreditar trocas comerciais.
Ao longo das últimas décadas o recurso a este instrumento tem registado evolução em termos quantitativos e de sofisticação, ocupando um espaço progressivamente maior no quadro do comércio mundial. Enquanto no início da década de 70 uma dezena e meia de países utilizava este instrumento, em meados da década de 90 eram mais de 140.
Por outro lado, este negócio não é essencialmente um recurso característico dos países menos desenvolvidos. Pelo contrário, são os países mais desenvolvidos quem mais o utiliza mercê do seu maior poder de compra e, consequentemente, peso negocial.
A taxa de contrapartida também tem evoluído, sendo há muitos anos igual ou superior a 100% do valor da aquisição entre os países mais de desenvolvidos Com as aquisições de material militar, progressivamente mais sofisticado e caro, as contrapartidas começaram a ser cada vez mais utilizadas para acesso à tecnologia, constituindo oportunidades para o desenvolvimento de redes de actividade entre empresas públicas e privadas, enquadradas por uma intervenção pública estratégica em domínios instrumentais diversos.
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3 — Alguns casos internacionais
Através da informação relativa a alguns casos internacionais é possível ter-se uma percepção de como muitos países têm encarado a negociação de contrapartidas pela aquisição de material militar, e não só, em termos de potencial impacto nas empresas locais.
Ano de 1975 A Suíça adquire 72 aviões à empresa Northrop e esta aquisição origina o primeiro acordo de contrapartidas entre um construtor e um governo em que foi dada visibilidade pública ao conjunto das contrapartidas negociadas, numa percentagem de 30% do valor da aquisição A Suíça pretendia o acesso de empresas suíças à indústria aeronáutica americana. Este processo conheceu, no entanto, alguns atrasos e desilusões, e durou oito anos. Numa segunda aquisição, de 38 aviões, as contrapartidas subiram para 50% do valor da aquisição. De qualquer forma, não foi viável à Suíça tirar partido do total das contrapartidas negociadas, mesmo com uma base industrial relativamente desenvolvida.
O domínio deste mecanismo exigia, como se constatou, mais do que visão e vontade políticas, mas estas foram decisivas para o futuro, como se verá mais adiante. Um grupo de países da Nato, a Noruega, Dinamarca, Bélgica e Holanda, designado de Purchase Group, adquiriu 348 caças F-16 aos Estados Unidos, e o acordo celebrado estabeleceu o compromisso de que como contrapartidas directas esses países produziriam 40% do total a fornecer, mais dez por cento das primeiras 650 unidades vendidas pelos Estados Unidos, e ainda 15% de todas as vendas dos Estados Unidos no Terceiro Mundo.
A celebração deste acordo não foi fácil, tendo levado oito anos a ficar completamente delineado, sendo do conhecimento da opinião pública dos vários países.
Em 2000, vinte e cinco anos depois, Portugal veio a aderir a este grupo.
Ano de 1981 A Austrália adquiriu à McDonnell Douglas aviões F/A-18 Hornet, assegurando um acordo de coprodução. O Japão, ao adquirir 223 aviões F-15 nos Estados Unidos, assegurou, nomeadamente, que 201 desses aviões fossem fabricados no Japão. O objectivo do Japão era o de favorecer a evolução da sua indústria aeronáutica e não apenas para a área militar.
Ano de 1982 O Canadá adquire 138 aviões F/A-18, com um acordo de contrapartida que pela primeira vez ultrapassa os 100% da aquisição.
Pela primeira vez também foi planeada e negociada a componente indirecta de contrapartidas, com o Canadá a solicitar que o fornecedor comprasse mobiliário de escritório e promovesse o Canadá como destino férias, além de assegurar que indústria aeronáutica local produzisse não só componentes para os F/A-18 como para aviões civis.
Os impactos deste mecanismo de contrapartidas na indústria não se sentiram apenas na indústria de defesa. Hoje são várias as empresas que tendo partido de um ambiente protegido e competências limitadas são já operadoras no mercado global e até lideres mundiais como é o caso do fornecimento de trens de aterragem, onde se incluem clientes como a Airbus ou a Boeing. O Canadá exige contrapartidas para compras superiores a 5 milhões de Dólares.
Ano de 1984 A Espanha adquiriu à McDonnell Douglas 72 F/A – 18 Hornet, assegurando a co-produção de sistemas de flaps e estabilizadores horizontais. Através da empresa CASA a Espanha passou a assegurar assistência aos F/A-18 canadianos na Europa e aos F/A -18 americanos da sexta esquadra no Mediterrâneo. Entretanto a McDonell Douglas e a CASA tornaram-se parceiros de desenvolvimento.
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Noutras áreas as contrapartidas previram o aumento de investimento estrangeiro em Espanha, suportados por transferência de tecnologia e que se materializassem no aumento das exportações.
Foram os casos, para além da defesa, da indústria química e farmacêutica, da indústria do ferro e aço, da electrónica e TI de aplicação civil, da alimentação e bens de consumo, da construção naval entre outros, que foram os mais beneficiados pelas contrapartidas.
Para conceber e acompanhar as contrapartidas o governo espanhol criou, na altura, um gabinete específico para esse fim.
Para além do impacto na indústria, os negócios de contrapartidas desencadearam desenvolvimentos e parcerias que em posteriores aquisições de material militar conduziram a colaborações ainda mais profundas.
Hoje, por via dos efeitos alcançados e da experiência adquirida, a Espanha é parceira no projecto Airbus, juntando-se aos três maiores da indústria aeronáutica europeia.
Além disso, as empresas espanholas, em vez de aguardarem os negócios de contrapartidas, assumem hoje um papel mais pró-activo, criando condições para que se defina com maior rigor com os seus parceiros um produto que de antemão se sabe que interessa ao país, antes da sua decisão de compra.
O próprio gabinete encarregue de acompanhar as contrapartidas assume agora uma função de gestão da cooperação industrial.
Isto significa que as necessidades do país podem ter soluções técnicas e de produção nacional e de cooperação definidas antes de qualquer concurso público, o que naturalmente conferirá às empresas espanholas uma vantagem incomensurável à partida.
A Turquia, ao adquirir à General Dynamics 150 F-16 Falcon, assegurou o escoamento de um bilião de dólares de produtos e o apoio para o desenvolvimento da sua indústria aeroespacial. Dos 150 aviões apenas 10 foram integralmente montados nos EU.
Mas no final não foram 150 mas 278 os aviões construídos, 46 dos quais para o Egipto. Este programa teve a duração de 16 anos, sendo concluído em 2000.
Foi com este processo que a Turquia iniciou a sua actividade industrial na aeronáutica. Seis anos depois a indústria turca começava a produzir componentes.
O objectivo da indústria aeronáutica turca é passar de 25% para 40-50% a parte da sua produção destinada ao sector civil.
Fruto da experiência e das competências adquiridas, e de novas aquisições, nomeadamente de aviões Airbus e Boeing, que originaram por sua vez novas contrapartidas, a indústria aeronáutica turca fornece hoje componentes para os modelos A319, A320 e A321 da Airbus, e ainda componentes para o modelo 737 da Boeing, tendo ainda assegurado a produção de helicópteros , incluindo para o mercado externo, fruto de negócios de contrapartidas associadas à compra e aparelhos Bell AH -1Z King Cobra.
Mas a Turquia não limitou a este sector as contrapartidas.
Perante a necessidade de aumentar as suas exportações, então esgotadas, assegurou joint ventures e transferência de tecnologia para a produção de bens não tradicionais.
A Turquia definiu que qualquer compra por parte do Estado superior a um milhão de dólares deverá ter como compensação contrapartidas num montante não inferior a 80% do valor de aquisição.
A Suíça decidiu adquirir à empresa alemã Klauss-Maffei, em vez de a um fornecedor norte-americano, 380 tanques de combate Leopard II, dos quais apenas 35 seriam integralmente produzidos nas instalações de Munique. Os restantes 345 seriam produzidos na Suíça, com quotas de incorporação de 60-70%. Como se constata, a Suíça mostrou ter aprendido depressa nesta matéria. A Grã-Bretanha, com a aquisição à Boeing de 7 aparelhos E-3 AWACS assegurou contrapartidas de 130% do valor da aquisição, sendo 5% correspondentes a contrapartidas directas, e o restante ganhos para a indústria aeroespacial.
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Ano de 1987 A Grécia adquiriu 40 aviões F-16 à General Dynamics, mas negociou contrapartidas que asseguraram a co-produção de componentes. Apesar de ter sido uma aquisição bastante inferior às da Espanha, Turquia ou Canadá, a Grécia foi bem sucedida ao conseguir criar as bases de uma indústria aeronáutica que conquistou novas competências.
A base assim criada permitiu que na aquisição seguinte de 90 caças Eurofighter Typhoon, decidida em 1998, a Grécia tenha assegurado a execução de 30% da encomenda.
O caso da Grécia mostra como mesmo com uma aquisição modesta comparativamente a outros países, e partindo de um nível de competências quase inexistente no sector, foi possível desenvolver uma oferta própria em termos de fabrico de componentes e módulos com elevada intensidade tecnológica. Em consequência, tem hoje diversas empresas que desenvolvem parcerias estáveis com empresas europeias e norteamericanas, e asseguram condições cada vez mais favoráveis em novas aquisições com negócios de contrapartidas.
Outros países como o Brasil, Índia, Israel, Coreia, Paquistão, Emiratos árabes Unidos ou Arábia Saudita (estes últimos ricos em petróleo) apostam também fortemente no mecanismo das contrapartidas na aquisição de material militar e civil.
4 — Situação em Portugal, até 1999
Aborda-se agora, de forma breve, as operações de contrapartidas em que o País se envolveu, estabelecendo-se como data limite o ano em que foi criada a CPC, já que esse ano marca um ponto de viragem na postura do Estado com respeito à negociação de contrapartidas.
Portugal conhece e realiza operações de contrapartidas desde os anos sessenta, nessa altura tendo como interesse prioritário o acesso a mercados.
A autorização de utilização das Lages pela Força Aérea Americana em 1973 permitiu a Portugal receber contrapartidas, num processo com visibilidade pública, com sucessivas renegociações em 1979, em 1984 e 1995.
Ano de 1983 A primeira utilização do mecanismo de contrapartidas para acesso a tecnologia acontece efectivamente apenas a partir de 1983 com a aquisição de cinco aviões Tristar L 1011— 500 para a TAP, e que operaram entre 1893 e 1995. A negociação deste contrato permitiu aceder a licenças para reparação, nas OGMA, de material aeronáutico, que foi determinante para a sua capacidade de competir no mercado internacional.
De qualquer forma, globalmente as contrapartidas desta aquisição foram de impacto reduzido na economia, e a ligação com o fornecedor não teve continuidade face à mudança da TAP para aeronaves da Airbus a partir de 1988.
Só em 1987 foram estabelecidas regras para as aquisições de material militar, cabendo ao ICEP acompanhar os processos relativos às contrapartidas.
Ano de 1986 O Estado Português celebra um pré-contrato para a construção de três fragatas Meko 200, com um custo de cerca de 90 milhões de contos, tendo o processo de contrapartidas sido concluído em 1992, significando uma taxa de 51% do valor da aquisição.
Do total negociado de contrapartidas, no montante de 46 milhões de contos, 30% foram para a indústria naval, 1,4% para investimento, 7% para compra de mobiliário, 10,5% para construção de veículos, e 51% para artigos de casa, têxteis, produtos plásticos e materiais de construção. Ou seja, a maior parte do montante das contrapartidas foi para o escoamento de stocks de produtos de baixa incorporação de tecnologia, de escoamento normal no mercado.
Como se constata, em plena década de 90, e numa altura em que outros países avançavam para uma segunda geração de negócios de contrapartidas, onde aprofundavam as exigências em termos de valor da
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contrapartida face à aquisição, assegurando a consolidação das competências das suas empresas e criando novas parcerias, o Estado português aceitava a utilização do negócio das contrapartidas para vender produtos como têxteis e mobiliário.
Apesar deste quadro nada lisonjeiro, a aquisição das fragatas levou à constituição de uma empresa, a Edisoft, que tendo acedido a tecnologias necessárias para proceder a trabalhos de manutenção das fragatas, veio a desenvolva-las e a adquirir competências próprias em vários domínios, o que lhe permitiu aceder a novas oportunidades de negócios e parcerias no âmbito de processos de contrapartidas e não só.
Refira-se que esta empresa está associada à concepção da conhecida «via verde» das nossas autoestradas, sistema reconhecido como um dos mais avançados do mundo.
Este caso é um exemplo típico do resultado de processos de contrapartidas, tornando claro que o País poderia experimentar um processo semelhante ao dos outros países, desde que as decisões e opções tivessem sido as adequadas à realidade e a uma visão estratégica indispensável.
Ano de 1987 Portugal adquire à Lockheed seis aviões P-3P Orion destinado a patrulhamento, tendo o impacto em termos de contrapartidas sido limitado à aprendizagem por parte da OGMA, uma vez que as licenças para manutenção já faziam parte do pacote associado à compra dos cinco aviões Tristar para a TAP.
Esta aquisição, associada à dos aviões C-130 teve, assim, apenas contrapartidas directas ao nível da OGMA. Portugal decide modernizar a frota da TAP adquirindo aviões Airbus A 310, A320, e A 340, num total de 36 unidades entre 1987 e 2002. As opções pelos vários modelos não foram isentas de polémica, e com impacto público.
O mais significativo é que de uma aquisição que terá no seu conjunto atingido os 300 milhões de contos, exceptuando as licenças óbvias para manutenção, que são direitos reconhecidos ao comprador, não são conhecidos impactos na economia nacional fruto de quaisquer contrapartidas negociadas. Esta operação pode mesmo dizer-se que ficou claramente debaixo de alguma suspeição na altura.
Para completar este quadro, tenha-se presente que apesar da reduzida dimensão da TAP, esta aquisição teve um valor sensivelmente igual ao da que a Espanha tinha feito à McDonnell Douglas quatro anos antes, e que teve os impactos que já foram referidos. Isto é, mesmo que as contrapartidas tivessem sido negociadas por apenas metade, é fácil adivinhar o que poderia significar numa economia como a Portuguesa.
Ano de 1990 A Marinha Portuguesa adquire uma esquadrilha de cinco helicópteros Super Lynx Mk, 95 à firma britânica GKN-Westland. Como contrapartidas foram aceites licenças e certificação para a manutenção deste tipo de helicópteros, mas apenas em Portugal.
Diferentemente dos casos dos aviões da Lockheed, a OGMA não retirou qualquer vantagem estratégica desta contrapartida, constituindo, assim, mais uma oportunidade perdida em termos de reforço da capacidade competitiva da economia nacional.
Ano de 1993 Portugal adquire 20 caças F-16 para a Força Aérea Portuguesa.
Com esta aquisição foram asseguradas, em termos de contrapartidas, ferramentas para modificação do banco e ensaios para testes dos reactores, e meios para a OGMA assegurar o ensaio de aviónicos. Assim, Portugal adquiriu essencialmente meios e competências para assegurara a manutenção dos aviões, desconhecendo-se outros benefícios para a economia nacional.
De acordo com estudo de referência que tem vindo a ser utilizado, esta compra está associada à utilização da Base das Lages, pelo que a aquisição destes aviões ainda que num valor superior ao do aluguer daquelas instalações é, em boa parte, paga por ele.
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Desta forma, em vez desta aquisição gerar contrapartidas normais, ela é já uma contrapartida em valor, de uma venda feita por Portugal.
Esta situação, ou forçou a própria opção pelos aviões ou pelo menos limitou fortemente os impactos que uma aquisição desta natureza e dimensão poderia ter na economia nacional. Tratou-se de uma nova oportunidade perdida.
Conclusões Preliminares
1. Nas duas últimas décadas aumentou enormemente o número de países que passou a recorrer ao mecanismo das contrapartidas, principalmente em aquisições de material militar (aviões, helicópteros, navios, viaturas de combate, sistemas de defesa, etc.), mas também em aquisições civis.
2. Os países aderiram a este mecanismo por perceberem que ele permite alcançar mais rapidamente o que por via normal do mercado é mais lento ou mesmo inatingível. Na realidade, certos investimentos não se fariam, ou pelo menos tão cedo quando o país necessita, ou algumas das suas empresas dificilmente poderiam aceder a parcerias com gigantes multinacionais de forma natural se não houvesse este mecanismo.
3. As áreas que são contempladas nos acordos de contrapartidas são muito variadas, englobando joint ventures em diversas áreas, investimentos em infra-estruturas, formação, licenças de produção, compra de produtos, promoção turística, etc. Contudo, nota-se que na maioria dos casos referidos neste capítulo os países aproveitam as aquisições militares e civis( na área da aviação) em primeiro lugar para estabelecerem ou reforçarem a sua indústria aeronáutica.
Esta opção, ainda que tendo presente preocupações com a vertente militar, não radica essencialmente em convicções ou visões belicistas. O que acontece é que na era actual a indústria aeronáutica é a charneira de um largo e permanente fluxo de inovação tecnológica, o que abre oportunidades aos diferentes países, mesmo sem tradição nesta indústria, de poderem partilhar alguma ou algumas das imensas oportunidades de inovação e produção, tornando-se mesmo líderes mundiais em áreas especializadas. A cooperação internacional no domínio da aeronáutica e aeroespacial é uma realidade em desenvolvimento, permitindo que países pequenos e até há poucos anos afastados de certos projectos possam hoje ter uma contribuição assente no domínio de tecnologia avançada. Por exemplo a Espanha, a Alemanha, a Itália, ou mesmo a Bélgica contribuem nesta altura com o fabrico de componentes para o desenvolvimento do futuro vaivém espacial.
4. Num mundo onde a globalização dos mercados comporta, pelo menos no curto prazo, desequilíbrios de comércio que podem ser muito difíceis para alguns países, não será de excluir que o mecanismo de contrapartidas continue a crescer como forma de amortecer tais desequilíbrios, promovendo uma aceleração da transferência de tecnologia bem como das parcerias entre países e suas empresas.
Uma notícia recente (dia 5 de Outubro em França) dava conta de que era intenção da Rússia exigir fortes contrapartidas pela autorização de exploração de petróleo no seu território a empresas europeias, e que nessas contrapartidas estaria a exigência de cooperação entre o consórcio europeu da Airbus, a EADS, e empresas aeronáuticas russas. Trata-se de apenas uma notícia, mas o seu teor faz, para já, sentido.
5. Os casos de negócios de contrapartidas apresentados neste capítulo mostram que o sucesso destes processos é fruto de um trabalho inteligente, paciente e moroso por parte de todos os envolvidos, desde organismos públicos e de ciência até às empresas. Por outro lado, é impensável qualquer êxito sem um Estado com visão estratégica do processo de desenvolvimento económico, capaz de estabelecer prioridades e assumi-las, de assegurar um ambiente institucional favorável e estável. O zigue-zague de políticas ou de prioridades limita ou condena mesmo os resultados.
Por outro lado, estes processos beneficiaram da sua publicidade em vez do secretismo.
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6. Aqui chegados não se pode deixar de referir a experiência portuguesa nesta matéria.
O Grupo de Trabalho julga que depois do desfiar dos exemplos internacionais e da imediata e dolorosa comparação com os casos nacionais não é necessário desenvolver longas considerações.
Todavia, e para que esta opção não sugira indiferença do GT perante os factos, considera-se ser de referir que não é aceitável a sugestão de que o desempenho medíocre de Portugal nesta matéria se fique a dever a falta de experiência neste tipo de negócios, ou a consequência de pesadas heranças.
Qualquer aspecto negativo da herança do passado ou falta de experiência neste tipo de negócios podem ser consideradas dificuldades mas nunca justificações.
Na maioria os casos aqui relatados, e que começaram no início da década de oitenta, os vários países adoptaram uma postura em que não foram muito diferentes uns dos outros na defesa do interesse das suas empresas e das suas economias. E das duas uma. Ou trocaram experiências entre si, ou procederam apenas dentro dos padrões normais da inteligência.
Alguns poderão invocar que a dimensão do País limitou o volume e natureza das contrapartidas possíveis. Também isso não é aceitável.
As aquisições de 3 fragatas, de 36 aviões da Airbus para a TAP, de 5 helicópteros para a Marinha, de seis aviões de patrulhamento e 20 caças F-16, que não chegaram a ser todos montados (sabe-se que é intenção do actual Governo vender alguns, quando em 1998 chegou mesmo a haver uma manifestação de intenção de compra de mais 25 unidades!) e as contrapartidas globalmente medíocres a que deram lugar, terão que ser explicadas por outra ordem de razões, das quais a falta de experiência será a menor de todas.
Não é objecto do mandato do GT aprofundar este tipo de análise, muito embora pareça útil que a Comissão reflicta sobre a experiência relatada no sentido de determinar melhor a sua posição sobre esta matéria no futuro. Parece desde já bastante evidente que, face à importância do assunto e à experiência passada, a Assembleia da República deverá ter sobre este tipo de negócios uma atitude em matéria de acompanhamento e fiscalização que não terão existido no passado.
No capítulo que segue apreciar-se-á a evolução do processo das contrapartidas a partir do momento em que o Estado constituiu uma Comissão exclusivamente para gerir este tipo de negócios.
II — Das contrapartidas em Portugal, depois de 1999
1 — Comissão Permanente de Contrapartidas 1.1 — O Estado constatava, em 1999, um orientação da Europa no sentido de se criarem condições para uma identidade em matéria de defesa e de segurança, e ainda que as indústrias relacionadas com a defesa têm uma interligação crescente com a actividade industrial no seu conjunto.
Com a previsão das necessidades de reequipamento e modernização das forças armadas apontava-se então para um cenário de transformação da despesa a efectuar em investimento que valorizasse a indústria portuguesa e reforçasse a dinâmica de integração das indústrias relacionadas com a defesa na cadeia de valor da indústria europeia.
Invocava-se, ainda, a experiência das práticas de outros países europeus nesta matéria para se apontar uma nova direcção ao negócio das contrapartidas, visando apoiar o desenvolvimento económico nacional e reformular os procedimentos e as responsabilidades neste domínio.
Esta era, sem dúvida, uma perspectiva prometedora e urgente.
Deixava-se de se poder invocar falta de experiência do Estado. A experiência de outros países era reconhecida como apontando o caminho a seguir.
Através do Despacho Conjunto n.º 341/99, de 21 de Abril, (em anexo) é constituída uma Comissão Permanente de Contrapartidas visando constituir um único interlocutor da parte do Estado com as empresas envolvidas em contrapartidas, e a preparação das condições relativas a contrapartidas a incluir nos processos de aquisição.
Estabelece-se como prioridades dos destinos das contrapartidas as indústrias ligadas à defesa no sentido da sua crescente participação nas cadeias de valor das mesmas, num quadro de globalização.
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Estipulava-se que o montante das contrapartidas não poderia ser inferior ao valor das aquisições, e que teriam lugar para aquisições não inferiores a 5 milhões de dólares.
A Comissão tinha como atribuições fundamentais propor os domínios e formas de contrapartidas a privilegiar nos programas de aquisição, verificar e promover a efectiva execução das contrapartidas acordadas.
Com esta consciência e estes propósitos na esfera política, a matéria das contrapartidas passava a ter um quadro de referências com uma orientação estratégica e um instrumento de coordenação que deveriam traduzir-se num novo patamar de aproveitamento das contrapartidas para estimular a inovação, as parcerias e os negócios.
1.2 — O regulamento interno da Comissão foi aprovado através do Despacho n.º 733/2000, de 29 de Junho, e revisto em 2002 através do Despacho n.º 325/2002, de 27 de Março. A revisão do regulamento interno ficou previsto para um prazo de dois anos.
2 — Programas de contrapartidas em curso São os seguintes os programas de contrapartidas em curso, associadas às aquisições militares:
Programa de Aquisição de Submarinos (PRAS) O fornecedor é o consórcio alemão GSC — German Submarine Consortium, constituído pelas empresas ThyssenKrupp Marine Systems, responsável pela construção e integração de sistemas dos submarinos, e responsável pela concretização das contrapartidas, e a empresa MAN— Ferrostal.
Foram contratualizadas, em 21 de Abril de 2004, contrapartidas no montante de 1210 milhões de euros, a serem concretizadas no prazo de oito anos.
Programa de Aquisição de 12 Helicópteros EH-101 O fornecedor é a empresa AWIL – Augusta Westland Ltd. de Itália.
Foram contratualizadas, em 20 de Dezembro de 2001, 394 milhões de euros de contrapartidas , a serem concretizadas no prazo de oito anos.
Programa de Aquisição de Viaturas Blindadas de Rodas (VBR) O fornecedor é a firma Steyr-Daimler-Puch da Áustria.
Foram contratualizadas, em 15 de Fevereiro de 2005, contrapartidas no valor de 516 milhões de euros, a serem concretizadas em nove anos.
Programa de Aquisição de Torpedos O fornecedor é a empresa WASS-Whitehead Alenia Sistemi Subacquei, de Itália.
Foram contratualizadas, em 3 de Março de 2005, contrapartidas no valor de 46,5 milhões de euros, a serem concretizadas em oito anos.
Programa de Aquisição da 2.ª Esquadrilha de F-16 Trata-se de um programa de modernização dos caças F-16 e não de nova aquisição.
O fornecedor é a firma LM – Lockheed Martin Aeronautics Company dos Estados Unidos.
Foram contratualizadas, em 15 de Fevereiro de 2006, 173,9 milhões de dólares de contrapartidas, a serem concretizadas em oito anos.
Programa de Aquisição de Aviões C-295 O fornecedor é o consórcio europeu EADS— CASA.
Foram contratualizadas contrapartidas no montante de 460 milhões de euros.
Estes seis programas totalizam contrapartidas no valor de 2766 milhões de euros.
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3 — Críticas e queixas Com a criação da Comissão Permanente de contrapartidas, em 1999, o Estado deu sinais de ter entendido a urgência e importância de não desperdiçar os próximos e vultuosos gastos previstos para reequipamento e modernização das forças armadas.
No entanto, e como se refere na introdução ao relatório, críticas e queixas em torno da questão das contrapartidas voltaram à comunicação social, situação que por si só não constituiu surpresa.
Por outro lado, foi solicitado à CAEIDR um pedido de audiência de empresários envolvidos nos novos acordos de contrapartidas, e deles foram ouvidas igualmente queixas de que o Estado, através da CPC, não estava a assegurar o cumprimento dos contratos de contrapartidas, queixando-se ainda os empresários da sua impotência perante os fornecedores de material militar, acusando o Estado de ter um papel passivo nesta matéria, sem uma estratégia que estabeleça os objectivos e interesses do País quanto às contrapartidas, nem mecanismos que garantam o cumprimento das obrigações contratuais.
Os empresários explicaram que o processo de negociação das contrapartidas colocava entre as empresas candidatas e os fornecedores de equipamento militar um intermediário (broker) cuja missão e preocupação consistia em congregar empresas nacionais e projectos que compusessem a melhor proposta para o concurso.
Foi obviamente pedida a intervenção da Comissão e da Assembleia da República.
A CAEIDR ouviu, a pedido deste, o actual Presidente da CPC, que falou das dificuldades da comissão em termos de recursos humanos próprios, o que implicava limitações na sua capacidade de desempenhar cabalmente a sua missão, tendo informado que estavam já elaboradas propostas de diplomas visando dar-lhe mais competências e recursos.
Foi também ouvido o então recém-nomeado coordenador do Plano Tecnológico que expôs em linhas gerais a natureza e objectivos estratégicos do PT.
As dúvidas sentidas pela CAEIDR levaram à deliberação de constituição deste Grupo de Trabalho.
Importa então conhecer o estado de concretização das contrapartidas em curso e avaliar o desenvolvimento do processo em geral.
Para o efeito, e tal como referido de início, o GT socorre-se de documentos produzidos pela CPC ou por iniciativa desta.
4 — Estudo de avaliação dos programas de contrapartidas Um estudo (em anexo) de 2005, elaborado por três técnicos do ISEG, avaliou a situação das contrapartidas então em curso.
Apresenta-se, em seguida, um resumo das conclusões do mesmo:
Conclusões relativamente aos programas de contrapartidas: O estudo abrange os primeiros quatro programas de contrapartidas referidos no ponto 2, e começa por concluir que predominam os projectos que envolvem vendas/exportações, com um peso de 75% do total, em detrimento dos projectos que visam transferência de tecnologia( 25% do total). Que têm expressão significativa os projectos pouco inovadores, de baixa intensidade tecnológica, com fraco potencial de crescimento e com fraca capacidade de estimular a mutação do nosso padrão de especialização.
Conclusões relativamente aos fornecedores: Que os fornecedores apostaram em projectos assentes em produtos maduros ou de baixa intensidade tecnológica e de fácil execução, preferindo o compromisso de assegurar exportações.
Conclusões relativamente aos beneficiários: Que algumas empresas e dois consórcios (ACECIA e ACETECNO) assumiram uma postura proactiva, aproveitando as contrapartidas que contribuem para a reorganização empresarial, o reposicionamento Consultar Diário Original
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na cadeia de valor, a concretização de parcerias visando promoverem estratégias de inovação e a diversificação empresarial (novos produtos ou serviços de maior conteúdo tecnológico e/ou novos mercados) No entanto, outras empresas revelam-se incapazes de estabelecer um relacionamento útil quando confrontadas com fornecedores de grande dimensão.
Conclusões relativamente ao Estado Que a dimensão das PME e uma certa «ausência e/ou incapacidade de coordenação do Estado, conduz a que o envolvimento das empresas nos processos de contrapartidas tenha associado uma grande incerteza que é mais dificilmente suportável pelas empresas de menor dimensão». Isto é, que o Estado aparece formalmente bem nos diplomas relativamente à perspectiva que defende para as contrapartidas enquanto instrumento de política pública visando a dinamização das cadeias de fornecimentos, a dinamização do crescimento e de convergência, a diversificação das exportações etc. No entanto, o modelo de organização, gestão, avaliação e acompanhamento público dos programas de contrapartidas revelam insuficiências que fragilizam as acções de coordenação, dinamização e fiscalização do Estado. Que nos termos de referência dos diferentes programas de contrapartidas não são definidas nem de forma vinculativa ou indicativa as actividades ou áreas prioritárias para onde se devem orientar os contratos condicionais de contrapartidas. Que a ausência de identificação de prioridades, em relação a clusters de actividades, conduziu a uma grande dispersão sectorial de projectos sem serem perceptíveis as sinergias e a coerência interna das acções desenvolvidas. Que uma parte dos projectos não são apresentados com objectividade e clareza, revelam insuficiências ao nível de concepção e fragilidades ao nível do planeamento (valores, prazos e meios a mobilizar).
O estudo não é, todavia, apenas crítico na sua avaliação.
Considera que a criação da CPC e a elaboração regulamento para os procedimentos relacionados com os processos de contrapartidas suscitou uma nova postura dos fornecedores, empresas beneficiárias e do próprio Estado em relação às aquisições de equipamentos na área da defesa. Considera ainda que apesar da postura passiva do Estado as iniciativas individuais de algumas empresas e um consórcio viabilizaram a concretização de alguns projectos de contrapartidas que contribuíram para a reorganização de algumas empresas, reposicionamento na cadeia de valor, a concretização de parcerias tendo em vista a promoção de estratégias de inovação (processos, produtos e organização) e a diversificação empresarial (novos produtos ou serviços de maior conteúdo tecnológico e/ou novos mercados) E ainda que a ACECIA constitui um benchmark no desenvolvimento de actividades de «inteligência estratégica», broker especializado e facilitador no difícil interface entre empresas beneficiárias, sistema gestionário das contrapartidas e fornecedores de equipamentos.
O estudo aborda ainda um dos aspectos que se revela de grande consequência no modelo em que assenta o processo de estabelecimento e negociação dos programas de contrapartidas.
Trata-se do papel do broker que actua para o fornecedor, que funcionou como intermediário entre o adjudicatário e as empresas beneficiárias, conduzindo todo o processo das contrapartidas.
Os autores consideram que o contexto em que se desenrola um processo de contrapartidas introduz, logo à partida, constrangimentos às empresas potencialmente beneficiárias e comprometem o interesse do País, na medida em que as empresas beneficiárias actuando individualmente perante o broker/fornecedor não conseguem fazer prevalecer uma estratégia, e os projectos contratados acabam por limitar-se a representar aumentos dos volumes de venda, sem sustentabilidade/continuidade.
Em conclusão, o estudo considera que estes programas contêm contrapartidas directas no valor de 12% do total, isto é, fornecimento de produtos e/ou serviços e aquisição de tecnologia destinadas e/ou Consultar Diário Original
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correspondentes à participação das indústrias nacionais na fabricação e operacionalização dos equipamentos adquiridos.
As restantes contrapartidas, indirectas, deveriam apresentar, entre elas e no seu conjunto, coerência inter e/ou intra-sectorial, consistência na programação e sustentabilidade nos objectivos, de tal forma que pudessem contribuir para a concretização de estratégias previamente definidas e concertadas e, consequentemente, para o desenvolvimento sustentado da economia nacional. O estudo afirma que, pela documentação analisada, a ter havido este tipo de preocupações elas restringem-se às contrapartidas directas, e, mesmo assim, sem ter em conta a desejável sustentabilidade e continuidade dessa participação.
Conclui ainda que, porventura em consequência da ausência de enquadramento estratégico, os projectos, salvo raras excepções, não apontam para nenhuma convergência no sentido de poderem ser um contributo para melhorar os padrões de especialização e/ou diversificação das empresas ou do tecido económico nacional. Verifica-se, aliás, que o processo conducente à «contratação» de projectos foi inteiramente orientado/orquestrado pelo fornecedor ou seu representante (broker), circunstância que conduziu a situações pouco consentâneas com a importância que todo o processo, ao menos em teoria, deveria representar para a economia nacional.
Esta é uma avaliação, resumida mas fiel, feita por um grupo de técnicos de uma instituição idónea.
As consequências negativas para o País em resultado do processo como foram preparadas e negociadas as contrapartidas relativamente aos quatro programas de aquisição de equipamento resultam evidentes no final desta avaliação.
Por um lado, o País não retira para a sua economia, como era legítimo esperar, os benefícios possíveis destas aquisições de equipamento de defesa, como, por outro lado, a imagem do Estado português perante os portugueses e perante o exterior saem negativamente afectadas. As críticas que aparecem na comunicação social da parte de empresários ganha sustentação.
Quem leu o primeiro capítulo onde se dá conta do desempenho medíocre do Estado em anteriores aquisições de equipamento militar e civil só pode, assim, ficar incrédulo e chocado com esta avaliação.
A expectativa de se poder assistir a um novo patamar neste tipo de negócios, pressentida com a criação da Comissão Permanente de Contrapartidas em 1999, que se supunha assente no conhecimento da experiência de outros países europeus, revela-se agora globalmente frustrada.
O estudo de avaliação anteriormente mencionado aponta várias falhas do processo, mas não tenta uma explicação para a incapacidade reiterada do Estado de defender os interesses nacionais de forma razoável.
Será possível continuar a explicar esta falência sucessiva com o argumento da falta de experiência? Que elementos novos podem ser avançados para acreditar que o processo vai melhorar daqui para a frente?
5 — Relatório de Actividades da CPC, 1.º Semestre de 2006 Em meados deste ano a CPC enviou à CAEIDR o Relatório de actividades do 1.º Semestre (em anexo) fazendo o ponto de situação de todos os programas de contrapartidas em curso.
A execução dos vários programas apresenta, de uma maneira geral, problemas e/ou atrasos, que são motivos de preocupação, revelando-se o papel da CPC difícil para assegurar o seu cumprimento, pelas razões já expostas no estudo de avaliação elaborado pelo ISEG.
Exceptua-se a este quadro o contrato de contrapartidas mais recente associado à aquisição dos aviões C295 do consórcio EADS-CASA e à modernização dos caças F— 16.
Neste caso, a CPC concretizou um acordo de cooperação com o consórcio em causa, com a finalidade de poder conduzir um processo ambicioso de criação de um cluster aeronáutico, uma prioridade na modificação do padrão de especialização da economia portuguesa, e uma medida prevista no Plano Tecnológico para ser dinamizada a partir dos programas de contrapartidas (Medida 3-013).
Com efeito, segundo a CPC, as contrapartidas relativas ao contrato de modernização dos aviões F-16, mais as associadas à aquisição dos aviões C-295, mais as associadas à aquisição dos helicópteros EH-101
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(sujeitas ainda a acordo do fornecedor), ultrapassam os mil milhões de euros, permitindo viabilizar o «arranque» de uma actividade industrial significativa.
A CPC informa que com respeito ao apoio a este objectivo está já a decorrer a selecção de empresas com capacidades para acederem ao programa de certificação como fabricantes fornecedores do sector (um dos programas constantes do Acordo de Cooperação com a EADS-CASA).
O relatório dá conta de negociações da CPC com o consórcio EADS-CASA.
Informa da aprovação em Conselho de Ministros de dois diplomas que vêm consolidar o projecto de reestruturação da CPC: Estas informações e os dados avançados alimentam, naturalmente, um quadro de expectativas positivas para a gestão futura dos negócios de contrapartidas.
Será, contudo, que dissipam as dúvidas que entretanto emergem? De facto, a concluir o relatório a CPC deixou alguns alertas. Informa que não tem recursos suficientes para a dimensão da tarefa, remetendo para as entidades públicas responsáveis a criação de condições para o sucesso das acções a empreender. E, por outro lado, avisa que se se mantiver por muito mais tempo a ausência de decisões de fundo relativas ao desenvolvimento do sector aeronáutico, a CPC estará, a muito curto prazo, perante um impasse, com a paragem destes projectos e a consequente perda de credibilidade da parte portuguesa (e a paralisia irreversível das oportunidades entretanto criadas e identificadas).
O GT considerou útil procurar clarificar junto da CPC, antes mesmo da conclusão do presente relatório intercalar, quais as entidades públicas das quais espera a mencionada criação de condições para o sucesso das acções a empreender, e quais as decisões que são críticas para o prosseguimento dos projectos.
Sem uma clarificação destas dúvidas, e porventura de outras que se suscitem no seio da CAEIDR, a experiência de um passado de duas décadas de resultados globalmente medíocres no domínio da utilização das contrapartidas não consente optimismos apenas partir dos dados disponibilizados até agora.
Em anexo consta cópia de ofício remetido à CPC solicitando uma actualização destes aspectos do seu relatório.
6 — Decisões sobre a CPC Foi publicado o Decreto-Lei n.º 153/2006, de 7 de Agosto, que revê o Estatuto da Comissão Permanente de Contrapartidas, e o Decreto-Lei n.º 154/2006, de 7 de Agosto, que aprova o Regime Jurídico das Contrapartidas.
No primeiro diploma consagram-se alterações que visam permitir à CPC uma postura proactiva na orientação do sistema de contrapartidas, e o reforço da Comissão em recursos humanos adequados à missão e responsabilidades que lhe são conferidas.
Neste diploma é expressamente estabelecido que as contrapartidas são as que resultam das aquisições de equipamentos e sistemas de defesa.
No segundo diploma, procura-se ultrapassar uma falha repetida em processos anteriores, dispondo-se que os termos de referência das contrapartidas são definidos previamente à abertura dos procedimentos para a aquisição de material de defesa.
São estabelecidas regras relativamente aos tipos de contrapartidas, designadamente o valor mínimo de 100% do valor das aquisições, e o prazo para seu cumprimento, que não deve ser superior ao do pagamento total da aquisição.
São estabelecidas regras quanto a garantias a exigir aos fornecedores e sanções a aplicar por atrasos e/ou não cumprimento.
7 — Dúvidas adicionais do GT Os dois diplomas mencionados são claros na referência às contrapartidas de aquisições de equipamentos de defesa.
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A dúvida que se levanta é se o Governo entende que as aquisições públicas civis não são susceptíveis de permitir negócios de contrapartidas.
Este procedimento existe noutros países, e mesmo em Portugal isso já aconteceu com a compra de uma frota de aviões Tristar para a TAP.
Tem-se em mente investimentos prováveis com a renovação da frota da TAP, a construção do novo aeroporto na OTA, a construção do TGV, ou as novas centrais eléctricas, que no seu conjunto totalizarão muitos milhares de milhões de euros.
Há poucos dias foi público que com a adjudicação das centrais eólicas foi garantida pelo Estado a construção de um cluster eólico.
Será que o Estado não pode negociar contrapartidas naqueles investimentos? Ou será que as compensações eventuais a negociar naqueles investimentos não se designam por contrapartidas mas assumem outra designação? Se for possível negociar contrapartidas elas serão tratadas pela actual CPC, ou serão negociadas pelos ministérios de tutela dos investimentos? Se houver possibilidades de negociar contrapartidas nestes investimentos, essa matéria não exige já um estudo aprofundado no sentido de se garantir que os respectivos termos de referência sejam elaborados antes do concurso para adjudicação dos fornecimentos, e não devem ser divulgados?
8 — Conclusões e parecer — A experiência do País no domínio do aproveitamento das contrapartidas de aquisições públicas na área da defesa ou na área civil apresenta resultados claramente medíocres, e tal percepção não é exclusivo deste Grupo de Trabalho, mas também resultado da avaliação feita por terceiros.
— Esta situação não é pontual, mas persistente ao longo das duas últimas décadas.
— De facto, em 1999 o Estado prometia tratar este assunto com profissionalismo, tinha conhecimento da experiência de outros países, mas a verdade é que depois, ao longo dos anos seguintes, não dotou sequer a CPC com recursos mínimos para a sua missão.
— A explicação para esta situação parece poder apontar-se, em primeiro lugar, à atitude das instâncias políticas com poder de decisão e intervenção na matéria. Incapacidade, insensibilidade e falta de visão, ou opção política, poderão ser explicações.
— As consequências desta situação são prejuízos de natureza económica, e de imagem para o País.
— Nesta altura há dois desafios importantes a vencer: Em primeiro lugar o de limitar os estragos da má condução do processo, não permitindo que não se concretizem os programas acordados. Tem que haver firmeza e habilidade políticas para garantir o cumprimento integral dos compromissos por parte os fornecedores. Em segundo lugar é necessário assegurar que as potencialidades existentes de desenvolver de forma correcta as contrapartidas são sejam novamente desperdiçadas.
— Neste sentido, e de acordo com a CPC, há condições para se desenvolver no País um cluster aeronáutico, mas antecipando-se a possíveis dificuldades ou fracassos aquela Comissão deixa alertas que justamente se dirigem aos responsáveis. A CPC parece ter não só consciência de que a gestão eficaz dos processos de contrapartidas é um processo complexo, paciente, demorado, como além disso exige uma postura dinâmica das instâncias políticas do Estado (Governos em funções em cada momento).
— Por outro lado, em matéria de contrapartidas nada se concluiu sobre se o actual Governo entende útil ou não aproveitar os investimentos públicos civis para reforçar os apoios à sua economia.
— Os processos de contrapartidas constituem um caminho para se encurtar distâncias para o desenvolvimento da economia quando a transferência de tecnologia é decisiva e as empresas nacionais têm dificuldade de estabelecerem, por via normal do mercado, parcerias com os grandes grupos económicos.
Isto quer dizer que nestes processos se espera um Estado parceiro e proactivo na criação de um ambiente favorável aos negócios, e não um Estado que deixa as empresas nacionais nas mãos dos fornecedores, como tem acontecido. Um Estado assim não é necessariamente um Estado protector/subsidiador, mas um Estado coordenador inteligente, e na exacta medida em que seja útil ao crescimento da capacidade das suas empresas com mais potencial competitivo.
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— Desta forma, e no fim deste processo, importa saber até onde o actual Governo está disposto a avançar com determinação e ousadia, pelo que é necessário ouvi-lo, assim como aos representantes das empresas, e a CPC, e ainda decidir da forma como a CAEIDR entende acompanhar esta matéria daqui para a frente.
Parecer
Nestes termos, o Grupo de Trabalho é do parecer que a CAEIDR promova uma primeira audição com o Sr.
Ministro da Economia e Inovação, o Presidente da CPC, e representantes das associações empresariais, após o que decidirá ou não sobre outras audições e sobre o prosseguimento desta avaliação.
Palácio de S. Bento, Outubro de 2006.
Os Deputados: Ventura Leite (PS) — Hugo Velosa (PSD) — António Filipe (PCP).
Informação utilizada: Para além dos documentos anexos, o GT utilizou informação contida no trabalho intitulado: «Utilização de contrapartidas associadas a grandes compras na dinamização da inovação tecnológica» de João Pedro Taborda da Silva, licenciado, Setembro de 2001.
Anexos
— Mandato do Grupo de Trabalho, e sua constituição.
— Comissão Permanente de Contrapartidas ( CPC) – constituição inicial: Despacho conjunto n.º 341/99, e Decretos-Leis n.os 153 e 154/2006.
— Relatório da situação do processo de Contrapartidas – solicitado pela CPC.
— Relatório de actividades, 1.º Semestre, da CPC.
— Ofícios enviados.
Nota 1: O relatório final foi aprovado por unanimidade, verificando-se a ausência do BE e de Os Verdes.
Nota 2: Os anexos encontram-se disponíveis para consulta nos serviços de apoio.
A Divisão de Redacção e Apoio Audiovisual.