Página 1
Sábado, 21 de Junho de 2008 II Série-C — Número 36
X LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2007-2008)
SUMÁRIO Comissões parlamentares: Comissão de Orçamento e Finanças: Relatório relativo à participação dos Deputados Teresa Venda, do PS, e Honório Novo, do PCP, no Seminário Parlamentar de Alto Nível «Tendências no mercado de capitais», promovido pela OCDE, que teve lugar em Paris, no dia 21 de Fevereiro de 2008.
Página 2
2 | II Série C - Número: 036 | 21 de Junho de 2008
COMISSÃO DE ORÇAMENTO E FINANÇAS
Relatório relativo à participação dos Deputados Teresa Venda, do PS, e Honório Novo, do PCP, no Seminário Parlamentar de Alto Nível «Tendências no mercado de capitais», promovido pela OCDE, que teve lugar em Paris, no dia 21 de Fevereiro de 2008
1 — Os Deputados Teresa Venda, do PS, e Honório Novo, do PCP, constituíram a delegação que representou a Comissão de Orçamento e Finanças do Parlamento português no Seminário Parlamentar de Alto Nível «Tendências no mercado de capitais», promovido pela OCDE, que teve lugar em Paris, no dia 21 de Fevereiro 2008, com o seguinte programa:
9.30 — Opening remarks 10.00 — Overview of recent financial developments, Adrian Blundell-Wignall, Deputy Director, Financial and Enterprise Affairs Directorate 10.15 — Discussion 11.00 — Subprime crisis, Adrian Blundell-Wignall 11.15 — Discussion 12:00 — Financial education, Bruno Levesque, Principal Administrator, Financial and Enterprise Affairs Directorate 12:15 — Discussion 14.15 — Sovereign wealth funds, Kathryn Gordon, Senior Economist, Financial and Enterprise Affairs Directorate 14:30 — Discussion 15:30 — Private equity boom: causes and policy issues, Grant Kirkpatrick, Senior Economist, Financial and Enterprise Affairs Directorate 15:45 — Discussion 16.30 — Concluding comments
2 — O Chefe da Representação Permanente de Portugal na OCDE, Embaixador Ferro Rodrigues, acolheu e acompanhou a delegação, tendo remetido o relatório do seminário que se transcreve:
«Sob presidência do Secretário-Geral Adjunto Sr. Pier Carlo Padoan, realizou-se no dia 21 de Fevereiro um seminário destinado a parlamentares dos Estados-membros sobre o tema «Tendências no mercado de capitais». Em representação da Assembleia da República participaram os Deputados Teresa Venda, Honório Novo e António Ramos Preto. O principal orador foi o Subdirector da Direcção dos Assuntos Financeiros e das Empresas da OCDE, Sr. Adrian Blundell-Wignall, que abordou os seguintes temas: evolução dos desequilíbrios mundiais, crise financeira relacionada com os créditos de risco (subprimes), política monetária do FED, papel dos Bancos Centrais e perspectivas em matéria de regulação prudencial.
(i) Evolução dos desequilíbrios mundiais: O Sr. Blundell-Wignall, que foi responsável da supervisão bancária no Banco Central da Austrália, abordou a questão começando por referir os excedentes de liquidez provenientes da Ásia, que invadiram a economia mundial e permitiram uma baixa sustentada das taxas de juro. A contrapartida desta liquidez consistiu no défice da balança corrente dos EUA e essa situação poderia ter-se mantido indefinidamente se o investimento nos EUA — que se situou duravelmente num «nível de indiferença» elevado — tivesse sido «consistente». Em vez disso, houve investimentos especulativos que favoreceram uma evolução «de bolha em bolha» e um generalizado desperdício de capitais.
A subida inevitável do custo do capital — que, por esta via, se tornou escasso — permitirá reduzir a oferta deste a um ponto que não originará inflação, mas isso terá como consequência o abrandamento do crescimento económico. Como consequência, o reequilíbrio futuro da economia internacional dependerá em parte do abrandamento das grandes economias emergentes, com destaque para a China. Se a China permitir a flexibilidade cambial — e há sinais recentes nesse sentido — o reequilíbrio processar-se-á pela via cambial, isto é, pela via do mercado. Se a China perseverar na fixidez da taxa de câmbio o reequilíbrio também se fará, mas por via da inflação, com os custos sociais correspondentes.
(ii) Crise financeira e subprimes: A oferta prolongada de capitais a baixo custo favoreceu o desenvolvimento de crédito à habitação e a subida sustentada dos preços no mercado imobiliário Nestas condições, isto é, dada a facilidade de o mercado financiar in fine o próprio investimento, os bancos alargaram o crédito às famílias de mais baixos recursos, sem outra garantia para além da valorização dos activos. Entretanto, através da titularização dos créditos, os bancos disseminaram no mercado os seus próprios riscos, através de «produtos estruturados», ao mesmo tempo que aumentavam os lucros por via da redução das exigências em capitais próprios. Com a inversão do
Página 3
3 | II Série C - Número: 036 | 21 de Junho de 2008
ciclo, os créditos tornaram-se incobráveis e os bancos viram-se descapitalizados. A descida rápida das taxas de juro do FED visou facilitar o refinanciamento dos bancos (e não alimentar nova especulação imobiliária). O refinanciamento poderia durar de nove meses a um ano, período durante o qual o crédito estaria seriamente dificultado. O afluxo dos sovereign funds — apesar das reticências que levantam — tem contribuído para acelerar este processo de estabilização, podendo contribuir para uma saída da crise en douceur.
(iii) Política monetária do FED: Como se disse, a rápida reacção do FED baixando as taxas de juro visou facilitar o refinanciamento dos bancos e não facilitar de novo o crédito à habitação. Contudo, simultaneamente, vai permitir sustentar o consumo, evitando o afundamento deste (segundo o orador, não é de prever a repetição da crise de 29/33). O problema é que o consumo será assegurado essencialmente pelas classes mais ricas (40% do consumo é assegurado por 20% da população) enquanto as classes de mais baixos rendimentos serão as mais afectadas pela contracção do crédito (para estes, a procura de crédito não é função da taxa de juro, mas do rendimento disponível).
Face à pergunta «terá o FED cometido um erro contribuindo para a emergência de uma nova «bolha» especulativa?», a resposta não é simples. Por um lado, reagiu — e reagiu bem —, porque não se esperava a chegada em força dos fundos soberanos e, sem essa intervenção, ocorreria provavelmente uma crise grave (na opinião do especialista, o FED «teve medo»). Contudo, se a China mantiver a taxa de câmbio fixa e não refrear o seu crescimento económico, estarão criadas as condições para surgir uma nova «bolha» especulativa, mas desta vez sobre as matérias-primas e produtos de base, o que terá efeitos bem mais graves que as anteriores «bolhas» do sector tecnológico e da habitação e afectará quase de imediato os níveis de consumo no resto do mundo.
Uma coordenação das políticas entre as grandes economias seria desejável, mas é muito improvável.
Segundo a expressão do orador, trata-se de «escolher o veneno»: recessão vai haver, resta saber se os reequilíbrios se operam por via do mercado (com taxas de câmbio flexíveis) ou por via da inflação (com taxas de câmbio fixas), como atrás se referiu.
(iv) Papel dos Bancos Centrais e regulação prudencial: Ao disseminar no mercado os «produtos estruturados», os bancos comerciais sabiam que estavam titularizando créditos potencialmente incobráveis. Sabiam igualmente que exploravam a informação deficiente dos investidores, num contexto em que as agências de rating desempenharam um papel essencial ao declararem sem risco produtos que não passam, segundo o orador, de «lixo financeiro». No quadro regulamentar criado por Bale II, que atribui aos próprios bancos liberdade em matéria de adequação dos capitais próprios em função dos seus níveis de risco, o resultado não poderia ser outro: dispersão dos riscos «na natureza» e descapitalização das instituições.
O Sr. Blundell-Wignall admitiu possibilidade da emergência de Bale III, embora tenha prevenido contra os riscos de um excesso de regulamentação. De qualquer forma, considerou o caso do Northern Rock resultado do colapso do sistema actual. Desenvolvendo o tema, o orador considerou que os bancos centrais não intervêm em apoio destes bancos (na situação de Northern Rock) para evitar um problema de «área moral», isto é, para não ajudar os culpados a pretexto da protecção das vítimas.
Foi essa a atitude do Banco de Inglaterra. Contudo, face à não intervenção do Banco de Inglaterra, foi o Governo inglês que se viu forçado a intervir recorrendo — contra toda a «racionalidade» económica — primeiro, à garantia dos depósitos e, depois, à nacionalização. Os bancos não aceitam (sublinhou o orador) partilhar os benefícios quando tudo vai bem, mas acabam por partilhar os prejuízos quando tudo vai mal. O que se poderá esperar de Bale III é um novo quadro prudencial que preserve melhor a simetria — e o equilíbrio — dos interesses em presença.»
3 — Em cada um dos temas, seguiu-se um período de debate que permitiu aprofundar o âmbito e extensão da crise no mercado de capitais. Destacam-se algumas reflexões no âmbito do debate da crise financeira:
— Estamos perante uma crise com natureza e dimensão complexas e com contornos ainda difíceis de avaliar. A turbulência dos mercados financeiros que emergiu com a crise do subprime vai prolongar-se e pode vir a afectar de forma significativa a economia na Zona Euro; — Em termos sociais os trabalhadores que vivem do seu salário e que vão perder poder de compra serão os mais afectados; — O montante e a extensão total dos prejuízos das instituições financeiras não estarão apurados antes do fim de 2008; — Apontados contextos que contribuíram para a crise, designadamente os seguintes: informação assimétrica ou desequilíbrio da informação (exemplo, a banca sabe que o crédito tem risco e transfere-o para investidores no mercado financeiro, que, por sua vez, compram o produto com base numa informação de rating positiva e a crise veio mostrar que o produto era de elevado risco); o papel das agências de rating e o facto de a transição do Bale I para o Bale II ter reforçado o seu peso na margem de manobra para os bancos constituírem o seu ratio de solvabilidade; o papel/omissão dos auditores e dos técnicos de contas; e a criação
Página 4
4 | II Série C - Número: 036 | 21 de Junho de 2008
de produtos financeiros cada vez mais sofisticados exige melhor regulação e mais controlo. O quadro regulamentar, conclui-se agora, não ser o que devia.
4 — Relativamente aos fundos soberanos e ao private equity, foi salientado a sua importância no contexto de baixa liquidez no mercado. Quanto aos fundos soberanos, o âmbito e o volume que estão a atingir podem levantar questões profundas sobre a estrutura e estabilidade do sistema financeiro internacional por suspeitas que as motivações ao invés de económicas visem objectivos políticos e colocar ameaças potenciais na segurança.
Os private equity assumem já montantes elevados no mercado. São instrumentos importantes no modelo de gestão das pequenas e médias, empresas que apresentam um enquadramento de elevado endividamento.
5 — Reflexões sobre o que fazer no contexto parlamentar puseram o enfoque no seguinte:
— Necessidade de melhor regulação, não mais mas melhor, designadamente regulação local que, por exemplo, impeça que fundos de pensões invistam em produtos de alto risco; — Gestão mais qualificada e responsabilizada dos gestores dos fundos com objectivos definidos que sejam mensuráveis; — As actividades de investimento internacionais dos governos atingiram uma dimensão que justificam o acompanhamento e eventual regulação para que haja maior transparência.
Conclusões
Ficou patente nesta reunião a importância do tema em debate e o papel que os parlamentos nacionais podem e devem desempenhar protagonizando ou acompanhando, designadamente, a evolução da crise e eventuais intervenções no mercado, a melhoria da regulamentação do mercado de capitais e medidas que promovam a responsabilidade das entidades gestoras, das instituições de auditoria e rating, a protecção dos investidores e a segurança dos depositantes.
Anexa-se a este relatório a documentação distribuída no seminário. (a)
Palácio de São Bento, Abril de 2008.
Os Deputados: Teresa Venda (PS) — Honório Novo (PCP).
(a) A documentação encontra-se disponível para consulta, nos serviços de apoio.
Nota: — O relatório foi aprovado por unanimidade, tendo-se registado a ausência do CDS-PP e BE.
A Divisão de Redacção e Apoio Audiovisual.