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Quarta-feira, 16 de Julho de 2008 II Série-C — Número 39
X LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2007-2008)
SUMÁRIO Comissões parlamentares: Comissão de Ética, Sociedade e Cultura: Parecer relativo ao relatório de regulação e relatório de actividades e contas da Entidade Reguladora para a Comunicação Social referente ao ano de 2007.
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COMISSÃO DE ÉTICA, SOCIEDADE E CULTURA
Parecer relativo ao relatório de regulação e relatório de actividades e contas da Entidade Reguladora para a Comunicação Social referente ao ano de 2007
Índice
Parte I — Considerandos:
1 — Nota prévia; 2 — O parecer da Comissão de Ética, Sociedade e Cultura de Dezembro de 2007 sobre o relatório de regulação e o relatório de actividades e contas da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) relativos ao ano de 2006.
Parte II — Opinião do Relator:
1 — Sobre a origem e alcance da regulação da comunicação social; 2 — Sobre a origem e alcance da regulação da comunicação social portuguesa — do Conselho de Imprensa à ERCM; 3 — Sobre a actividade da ERC, em função dos relatórios de regulação e de actividades e contas, relativos a 2007, e da legislação em vigor.
Parte III — Conclusões.
Parte I — Considerandos
1 — Nota prévia: Nos termos do artigo 73.º, n.º 2, dos Estatutos da ERC — Entidade Reguladora para a Comunicação Social —, aprovados pela Lei n.º 53/2005, de 8 de Novembro, foram apresentados à Assembleia da República o relatório de regulação, bem como o relatório de actividades e contas, ambos respeitantes ao ano de 2007. No entanto, tal como sucedera em 2007, relativamente aos relatórios de 2006, não foram formalmente cumpridos os prazos para a sua apresentação.
Importará, no entanto, assinalar que, se tal situação se devera, no ano passado, à circunstância de se tratar dos primeiros relatórios anuais realizados pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social, cuja actividade se iniciara em 17 de Fevereiro de 2006, este ano a apresentação tardia daqueles documentos mereceu a concordância desta Comissão parlamentar. Invocou o Conselho Regulador da ERC, em síntese, que o prazo fixado na lei (31 de Março) impediria a análise económica do sector da comunicação social, uma vez que a aprovação das contas das empresas ou grupos ocorre normalmente a partir do final daquele mês.
Ao aceitar esta argumentação, em nome dos exigíveis rigor e actualidade dos dados constantes no relatório, esta Comissão aceitou implicitamente que importará, em data oportuna, reanalisar o prazo legal para a sua apresentação, que o Presidente do Conselho Regulador sugere seja postergada para Junho.
No passado dia 1 de Julho a Comissão de Ética, Sociedade e Cultura procedeu à audição dos membros do Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social sobre os relatórios em apreço, nos termos do artigo 73.º dos Estatutos da Entidade Reguladora.
Tal como acontecera quando da primeira audição do Conselho Regulador, em 21 de Novembro de 2007, foram dadas a conhecer a esta Comissão algumas divergências de entendimento entre a Entidade Reguladora para a Comunicação Social e o Tribunal de Contas, acerca do âmbito da acção fiscalizadora exercida pelo órgão jurisdicional sobre a autoridade independente, nomeadamente no contexto de um questionário por ele dirigido ao Conselho Regulador.
Nessa reunião, secundando as preocupações que lhes foram transmitidas, diversos membros da Comissão pronunciaram-se, então, a respeito daquilo que foi perspectivado como risco de extensão do controlo da legalidade administrativa e económico-financeira a zonas e matérias que se inserem no âmago da função reguladora, ou até mesmo da concepção, análise e avaliação das políticas e estratégias sectoriais, em termos que poderiam pôr em causa tanto a autonomia e independência da Entidade Reguladora para a Comunicação Social como a razão de ser do acompanhamento parlamentar que sobre ela impende, por força do artigo 73.º dos seus Estatutos.
Decorridos cerca de sete meses sobre esse momento, forçoso é salientar que subsistem os factores de risco oportunamente identificados, a par da apreensão por eles suscitada.
Da mesma forma, como já o fazia o parecer relativo aos relatórios de 2006, elaborado pelo Sr. Deputado Agostinho Branquinho, e aprovado por unanimidade por esta Comissão, não pode este parecer deixar de exprimir o desejo de que prevaleça o entendimento mais ajustado à natureza e papel — desde logo, constitucional — da Entidade Reguladora da Comunicação Social, mas também ao pleno exercício, na sede
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que lhes é própria, dos poderes cognitivos e de apreciação política cometidos à Assembleia da República — e só a ela.
2 — O parecer da Comissão de Ética, Sociedade e Cultura de Dezembro de 2007 sobre o relatório de regulação e o relatório de actividades e contas da Entidade Reguladora para a Comunicação Social relativos ao ano de 2006: O presente parecer é o segundo apreciado pela Comissão de Ética, Sociedade e Cultura (CESC) sobre os relatórios da Entidade Reguladora para a Comunicação Social relativamente às actividades de regulação e às contas.
O primeiro, da autoria do Deputado Agostinho Branquinho, apreciava aqueles documentos relativos ao exercício de 2006, ou, mais precisamente, desde o início das actividades da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, em 17 de Fevereiro de 2006 até 31 de Dezembro do mesmo ano.
O detalhe e volume de informação deste parecer, de resto unanimemente aprovado e apreciado pela Comissão de Ética, Sociedade e Cultura, criaram um exigente precedente na análise das actividades de regulação da comunicação social, pelo que se justifica uma descrição, ainda que necessariamente sumária, do seu conteúdo essencial.
O extenso documento inclui na Parte I, além de uma nota prévia onde se enunciam as razões dos atrasos na apresentação do relatório e na audição dos membros do Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, uma síntese descritiva do enquadramento constitucional da regulação, do seu enquadramento legal e de alguns exemplos de regulação na Europa.
O enquadramento constitucional da regulação abrange uma breve análise aos artigos 37.º a 40.º da Constituição da República Portuguesa, bem como uma sucinta enunciação dos sucessivos órgãos que desde 1976 têm sido chamados a desempenhar tarefas de regulação no sector da comunicação social.
O enquadramento legal da regulação traduz-se na enunciação do quadro legal de referência da entidade reguladora — a Lei n.º 53/2005, de 8 de Novembro, na descrição da estrutura orgânica da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, bem como dos diplomas legais que desenvolvem o seu modelo de financiamento — o Decreto-Lei n.º 103/2006, de 7 de Junho, que estabelece o regime de taxas da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, e a Portaria n.º 653/2006, de 29 de Junho, que fixa os montantes pecuniários a pagar pelas entidades que prosseguem actividades de comunicação social.
A síntese descritiva de alguns exemplos de regulação na Europa abrange breves referências aos modelos seguidos em países como a França, Bélgica, Itália, Dinamarca, Reino Unido e ainda na região da Catalunha.
São analisadas, entre outros parâmetros de actuação, as competências cometidas às entidades reguladoras e ainda o seu âmbito de actividade.
Na Parte II, onde se exprime a opinião do Relator, procede-se, numa primeira parte essencialmente descritiva, a uma apresentação sistemática dos relatórios em apreço. São realçados os dados considerados marcantes dos documentos e sublinhados as respectivas conclusões.
Numa nota final o Relator emite diversas considerações sobre os relatórios, das quais se sublinham, pela sua relevância, as seguintes:
«(…) a entrada em funcionamento da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (…) traduziu-se num aumento significativo da qualidade da regulação (…)» «(…) não se justifica a apresentação separada, em dois documentos, da actividade de regulação propriamente dita e do denominado relatório de actividades e contas da Entidade Reguladora para a Comunicação Social.» «(…) A jurisprudência que ficou (sobre a renovação das licenças de televisão aos operadores privados SIC e TVI) (…) é a de que se deverá fazer uma análise rigorosa do cumprimento das obrigações plasmadas nos respectivos alvarás de concessão de cada operador e não que esse procedimento seja apenas entendido como uma mera aprovação tácita ou administrativa.» «(…) sendo (…) de reconhecer que deliberações houve que desceram ao nível das considerações subjectivas e até de índole pessoal, o que, na prática, retira distanciamento e coloca em questão a credibilidade que uma entidade de regulação deve cultivar (…).» «(…) o que deverá merecer uma reflexão da Entidade Reguladora para a Comunicação Social é o facto de esses documentos (o conjunto de deliberações do Conselho Regulador) serem muito extensos e terem tido uma publicitação muito deficitária. Essa situação levou, não raras vezes, a leituras parciais e pouco isentas — até díspares — daquilo que, verdadeira e substantivamente foi deliberado pelo Conselho Regulador.» «“Um dos aspectos onde há, também, uma enorme melhoria em relação às anteriores entidades de regulação tem a ver com os tempos de resposta aos diversos tipos de solicitação que são endereçados à Entidade Reguladora para a Comunicação Social.» «(…) a aposta na monitorização e análise dos media feita pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social é um excelente contributo para esta reflexão (sobre o pluralismo na informação) que é tão necessária na sociedade portuguesa.» «(…) há, de forma muito significativa, uma presença excessiva do Governo e do Partido Socialista sobretudo na informação televisiva.»
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«(…) o aprofundamento da auto e da co-regulação deverá merecer, no âmbito da actuação da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, um papel cada vez mais relevante (…)».
«(…) o pluralismo não pode ser avaliado, apenas, pelo que sucede na área da informação. Bem mais pérfido e subliminar é o condicionamento que é feito através dos conteúdos ditos de entretenimento.» «(…) Uma outra preocupação importante tem a ver com o que se passa com as sondagens e inquéritos de opinião. Para além de uma notória desadequação da legislação vigente (…), há que fazer um caminho visando a transparência dos métodos utilizados pelas entidades que actuam neste segmento de mercado.» (…) Encontrar um equilíbrio entre uma gestão rigorosa, espartana até e transparente e o modo de financiamento da Entidade Reguladora para a Comunicação Social. Este deverá, porém, continuar a assentar no modelo que está consagrado na Lei n.º 53/2005 e que foi aprovada por uma ampla e diversificada maioria na Assembleia da República.» — (sobre a existência de «outras instituições com especiais competências na verificação do cumprimento das leis, das boas regras exigíveis a uma gestão pública transparente») (…) «não é de todo legítimo, nem sequer legalmente sustentável, nem tão pouco de bom senso, pretender-se sobrepor competências na avaliação do desempenho da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, no que às áreas da regulação e de supervisão do sector da comunicação social diz respeito.» Nas conclusões, submetidas nos termos regimentais a votação, aliás unânime, destacava-se uma referência positiva à actividade da Entidade Reguladora para a Comunicação Social — «constituiu uma clara melhoria da qualidade das actividades de regulação no nosso país» —, acompanhada de um conjunto de sugestões decorrentes da «necessidade de se intensificar essa actividade de regulação e de supervisão, essencial ao livre exercício do direito à informação e à liberdade de imprensa, nomeadamente nos seguintes pontos:
— Aprofundar as metodologias de monitorização dos meios de comunicação social e alargar o seu âmbito, quer em termos de órgãos de comunicação social abrangidos, quer em termos dos períodos temporais alvos de análise, quer, ainda, quanto aos conteúdos avaliados, dando público relevo dessa avaliação produzida pela entidade independente; — Implementar metodologias de análise, científica e tecnicamente sólidas, na área das sondagens e dos inquéritos de opinião, tendo em vista salvaguardar o respeito pelos direitos, liberdades e garantias, o pluralismo e a diversidade, zelando, dessa forma, pelo rigor e pela isenção desses estudos; — Preservar uma rigorosa objectividade no conteúdo das suas deliberações, abstraindo-as de quaisquer considerações que possam ferir a necessária credibilidade que se exige a uma entidade reguladora independente; — Avaliar o comportamento dos meios de comunicação social face aos públicos mais sensíveis, numa interpretação alargada do seu âmbito face às novas realidades demográficas e socioeconómicas; — Promover, de uma forma mais alargada e consistente, uma cultura de co-regulação e de auto-regulação, incentivando a adopção dos mecanismos adequados pelas entidades que prosseguem actividades de comunicação social e pelos sindicatos, associações e outras entidades do sector.»
O parecer incluía finalmente uma Parte IV (Anexos), onde eram apresentados um quadro comparativo sobre o âmbito de supervisão e as competências das entidades reguladoras de Portugal e de outros países europeus (Itália, França, Reino Unido, Dinamarca e da comunidade francófona da Bélgica e da região da Catalunha), uma listagem da principal legislação relativa à comunicação social e à regulação do sector nos diferentes países europeus e uma apresentação sucinta de cada uma das autoridades reguladoras da comunicação social existentes noutros países do mundo.
Parte II — Opinião do Relator
1 — Sobre a origem e alcance da regulação na comunicação social: Na maior parte dos países da Europa Ocidental a criação de entidades reguladoras para o sector audiovisual ocorreu nos anos 80 do século passado. Sob a forma de autoridades administrativas independentes, elas surgiram associadas ao fim do monopólio dos operadores públicos e ao início da era da concorrência no crescentemente agressivo mercado da televisão. Não abrangiam toda a comunicação social, mas apenas a rádio e a televisão.
A tutela governamental do operador de serviço público tornava-se incompatível com a escolha dos operadores privados que disputariam com ele o mesmo mercado ou com uma regulação imparcial dos mercados televisivo e radiofónico.
A abertura da actividade de televisão à iniciativa privada não equivale então a um abandono pelo Estado da sua intervenção no sector, mas, antes, a uma nova forma de relação entre o Estado e a sociedade, a uma autolimitação das suas formas de intervenção e do seu papel de actor neste sector.
Aliás, a criação de autoridades administrativas no sector audiovisual representava apenas uma das facetas de uma tendência mais vasta que abrangia vastos sectores da economia, dos transportes às comunicações,
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onde não seria aceitável a presença de um Estado que fosse, a partir de então, simultaneamente empresário com presença ainda activa e relevante no sector e árbitro da concorrência, estabelecendo as regras do jogo.
1 Ainda que reflectindo a heterogeneidade de tradições e experiências nacionais, a diversidade de entidades reguladoras não impede o reconhecimento de um conceito comum de regulação, baseado num conjunto de parâmetros, nomeadamente o cepticismo face à eficácia do livre funcionamento do mercado e da auto regulação.
A necessidade de uma regulação eficiente conduziu à criação de autoridades administrativas independentes com um considerável número de características comuns
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— O seu objecto, nomeadamente assegurar o ambiente de liberdade e concorrência da actividade dos sectores estratégicos regulados e proteger os direitos dos administrados; — A sua natureza administrativa, sem prejuízo das garantias de independência e de neutralidade que as distinguem da administração tradicional; — A sua independência, aferida pela forma como está estruturada e como exerce a sua actividade; — A sua neutralidade política, o que implica a sujeição a critérios meramente técnicos; — A sua imparcialidade.
Deste modo, as autoridades (ou entidades) administrativas independentes podem ser definidas como organismos administrativos que não fazem parte da administração directa do Estado e que escapam à tutela e superintendência governamental, o que as distinguiria da administração indirecta, onde se encontram, entre outros, os institutos públicos e as empresas públicas. São administrativas «porque tal é predominantemente a natureza das suas funções (fiscalização, controlo, disciplina) e independentes, pois não estão sujeitas a autoridade ou a tutela do Governo nem de nenhum outro órgão».
3 No sector audiovisual, onde, sucessivamente, todos os Estados europeus, excepto a Espanha, criariam organismos idênticos, são diversas as motivações associadas à sua fundação:
— A peculiaridade do sector audiovisual, de grande influência sociocultural; — O carácter imperfeito do mercado televisivo, onde coexistem um influente serviço público com operadores privados muitas vezes em situação de oligopólio; — A necessidade de garantir a predominância de critérios de qualidade e o respeito por valores morais sobre meros critérios economicistas; — A necessidade de garantir a neutralidade do Governo no funcionamento dos operadores público e privados; — A crescente complexidade conceptual e técnica da matéria, justificando a criação de um organismo especializado; — A ineficácia, nomeadamente devido à sua lentidão, da justiça em matérias relacionadas com a tutela de direitos individuais colocados em causa pelos principais mass media, como os direitos à intimidade da vida privada e familiar, à imagem e de resposta.
4 De uma forma geral, as autoridades administrativas independentes visam assim salvaguardar direitos relativos à concorrência, à igualdade entre os cidadãos e à dignidade das pessoas e responder às insuficiências do funcionamento do mercado e da auto-regulação.
Mais remotamente, têm a sua origem na criação do Ombudsman sueco, no início do século XIX, e nas independent regulatory agencies norte-americanas, expressão da regulação económica que teve as suas primeiras manifestações no final daquele século.
5 No sector audiovisual, a primeira expressão da regulação seria concretizada através da criação da Federal Communications Commission — FCC. Fundada em 1934 para se ocupar das comunicações telefónicas, a FCC passaria logo na década de 40 a tratar igualmente da rádio e da televisão.
Na Europa a Independent Television Authority, criada em 1954 para gerir os operadores comerciais britânicos, e a Kommission zur Wahrung des Rundfunkgesetzes, existente na Áustria desde 1974 para acompanhar o sector da radiodifusão sonora, constituíram fenómenos percursores da regulação televisiva, que haveria de surgir consistentemente na generalidade dos países europeus, na sua parte ocidental do continente a partir dos anos 80 e, mais tarde, em praticamente todos os restantes Estados.
Ao mesmo tempo, sobretudo na década de 90, diversos documentos de várias instâncias europeias definiram directrizes tendentes à criação de organismos reguladores no sector audiovisual europeu.
6 1 Vital Moreira e Fernanda Maçãs, Autoridades Reguladoras Independentes, Coimbra Editora, 2003, p.11.
2 Idem, p. 23 e seguintes.
3 Vital Moreira, O direito de resposta na comunicação social, Coimbra, 1994, p. 146.
4 Miquel Moragas e Emili Prado, La Televisio Publica a l’era digital, Portic, Barcelona, 2000, p.107.
5 José Luís Cardoso, Autoridades Administrativas Independentes e Constituição, Coimbra Editora, 2002, p. 15 e seguintes.
6 Entre outros, o Livro verde da Comissão sobre a convergência dos sectores de telecomunicações, meios de comunicação e tecnologias de informação e suas consequências, as conclusões da 5.ª Conferência Ministerial europeia sobre a política das comunicações de massa (Salónica, 1997), o relatório “A era digital” elaborado pelo Grupo de Alto Nível sobre a Política Audiovisual,
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Aliás, a generalização a todos os países europeus de autoridades de regulação do sector da radiodifusão, entendida aqui de forma abrangente, incluindo tanto a radiodifusão sonora como a televisiva, representou um dos eixos da Recomendação (2000) 23 do Comité dos Ministros do Conselho da Europa aos respectivos Estados-membros sobre a independência e as funções daquelas entidades.
No documento, aprovado em 20 de Dezembro de 2000, são enunciadas regras relativas à nomeação dos membros dessas entidades e respectiva composição e funcionamento, à sua independência financeira, às suas atribuições e competências e à sua responsabilidade perante o público.
O texto assinala a diversidade de experiências existentes na Europa, em função do quadro constitucional e das diferentes tradições jurídicas prevalecentes em cada Estado. Deste modo, em alguns países as entidades reguladoras possuem apenas poderes de natureza consultiva, competindo-lhes apenas emitir pareceres ou recomendações. Noutros, essas entidades detêm verdadeiros poderes regulatórios, tendo capacidade para, por exemplo, atribuir licenças, competência considerada pela Recomendação como essencial de entre as que lhe são conferidas.
A Recomendação do Conselho da Europa prevê ainda que as entidades reguladoras possam ser encarregadas de tarefas frequentemente atribuídas a órgãos específicos de fiscalização dos operadores de radiodifusão de serviço público, assinalando-se que elas devem respeitar a sua independência editorial e autonomia institucional.
As consequências do fenómeno da convergência no modelo de regulação têm constituído um dos pontos mais controvertidos no debate em torno deste tema. A regulação separada dos serviços de telecomunicações e os audiovisuais representaria o reconhecimento da existência de objectivos diversos: na regulação dos serviços de comunicações predominaria a defesa dos direitos de concorrência, enquanto que nos media a preocupação prioritária incidiria sobre os valores inerentes à actividade da comunicação social, nomeadamente a liberdade de expressão e o direito à informação. De resto, esta representa um instrumento inigualável de formação da opinião pública.
O reconhecimento da especificidade da regulação da comunicação social não tem impedido a continuação de uma tendência para a progressiva articulação com a regulação das telecomunicações, que conduziria mesmo à criação, em alguns Estados europeus, de entidades reguladoras únicas para os dois sectores.
A multiplicidade de experiências de regulação não impede a possibilidade de enumeração de um conjunto de competências comuns à generalidade das entidades encarregadas de a assegurar.
7 Em primeiro lugar, funções de regulamentação, fixando as regras gerais do funcionamento do sistema regulado, nomeadamente assumindo competências legislativas nas matérias onde os poderes legislativo ou executivo se limitaram a definir os princípios básicos. Constituem exemplos destas funções de regulamentação a competência atribuída ao CSA de fixar as regras relativas à difusão dos tempos de antena eleitorais no serviço público francês de televisão e, apesar da natureza atípica dos Landesmedienanstalten alemães, as directivas emitidas em execução de normas relativas à difusão de publicidade ou aos limites à programação impostos pela protecção das crianças e adolescentes.
Em segundo lugar, funções de administração, de que constituem exemplos a designação de administradores das empresas concessionárias do serviço público francês de televisão e a escolha, mediante concurso público, e o licenciamento de operadores privados, como sucede na maioria dos Estados europeus.
8 Em terceiro lugar, funções de controlo, representadas pela supervisão da actividade dos media, exercida tanto de forma permanente como circunstancial, não só no domínio dos conteúdos emitidos como da gestão dos operadores. Esta função de controlo decorre da função de administração. Por exemplo, se compete à entidade reguladora licenciar ou autorizar os operadores, então logicamente constituirá uma das suas atribuições verificar se eles cumprirão posteriormente os cadernos de encargos ou outras obrigações estatuídas nos respectivos títulos inerentes ao início de actividade.
Finalmente, funções de julgamento e sancionatórias, que consistem na possibilidade de, na sequência do controlo exercido, apreciar eventuais desvios às regras estabelecidas, aplicando as correspondentes sanções.
Aplicadas por iniciativa própria ou mediante a apreciação de queixas, as sanções são muito diversificadas, podendo ir desde a aplicação de multas, como acontece na generalidade das entidades reguladoras europeias, até à obrigatoriedade de emitir a deliberação condenatória, passando pela revogação da licença ou autorização ou pela sua suspensão ou, ainda, pela suspensão de programas. Existe, assim, uma assinalável semelhança entre estas funções de regulação e a própria actividade judicial, decorrentes da isenção que lhes são exigíveis e da independência que lhes deve ser garantida, mas os poderes das entidades reguladoras, bem como os seus processos e meios de investigação, não são já equiparáveis.
A referida diversidade de experiências de regulação reflecte-se igualmente na estrutura das entidades dela encarregadas, em aspectos relacionados com a respectiva composição, duração dos mandatos, forma de liderado pelo então comissário Marcelino Oreja e publicado em Outubro de 1998, e a Comunicação da Comissão Europeia de Novembro de 1999 relativa às comunicações electrónicas.
7 Baseamo-nos aqui numa sucinta apreciação comparativa das entidades existentes em países como a Áustria, Bélgica (nas comunidade valã e flamenga), Dinamarca, Finlândia, França, Grécia, Holanda, Irlanda, Itália, Noruega, Polónia, Roménia, República Checa, Suécia e Suíça, de acordo com as informações sobre a estrutura e as funções referidas no sítio na Internet da EPRA (European Platform of Regulatory Authorities).
8 Constituem excepções a Itália, a Suécia e a Finlândia, onde essa competência pertence ao Governo.
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designação dos seus membros, condições da designação e incompatibilidades, ou ainda com as respectivas competências e formas de financiamento.
A independência destes órgãos assenta em grande medida na autoridade moral dos seus membros, reforçada pela forma de designação, pelas condições de exercício do respectivo mandato e pelo conhecimento especializado sobre as matérias objecto da intervenção da entidade reguladora.
A natureza colegial das entidades reguladoras constitui uma das suas características marcantes, sendo a autoridade norueguesa, dirigida por um director-geral, a única excepção. Quase todas as restantes entidades são dirigidas por uma direcção composta por cinco a 11 membros. Constituem excepções o Commissariaat voor de Media holandês, com três membros, e o Rada pró rozhlasové a televizni vysíláni — Conselho para a Rádio e Televisão — checo, com 13 membros. Exceptuando as entidades belga, da região flamenga, e irlandesa, ambas com 10, todas dispõem de um número ímpar.
As fontes de designação dos seus membros, matéria relevante para apurar a independência das entidades, são, em todas as acima referenciadas, o Governo ou o Parlamento ou ambas.
Áustria, Bélgica (na região flamenga), Dinamarca, Holanda, Noruega, Suécia, Suíça, Grã-Bretanha (seis dos seus nove membros) e Irlanda dispõem de entidades cujos membros são designados pelo Governo.
Na Grécia, em Itália (embora o Presidente da AGC, como atrás se referiu, seja nomeado pelo Presidente da República, sob proposta do Governo) e na República Checa é o Parlamento quem elege os membros.
A origem diversificada dos membros regista-se na região de língua francesa da Bélgica, onde o Parlamento designa sete dos 10 membros da entidade reguladora, competindo a indicação dos restantes três ao Governo, no acima referido CSA francês, onde existe uma tripla origem dos membros, indicados pelos presidentes da República, do Senado e da Câmara dos Deputados, na Polónia, onde o Parlamento designa quatro membros, o Senado dois e o Presidente da República três, e na Roménia, onde existe uma repartição da responsabilidade pela designação da entidade reguladora pelo Presidente da República (dois membros) e pela Câmara dos Deputados, pelo Senado e pelo Governo, que indicam três membros cada.
A duração dos mandatos varia entre os três (caso da Suécia) e os sete anos (exemplo da Itália), mas, significativamente, a maioria situa-se acima da duração das legislaturas, o que confere aos membros das entidades acrescidas estabilidade e independência. Nas entidades da Bélgica, República Checa, França, Polónia e Roménia os mandatos atingem seis anos.
Na maior parte dos países os mandatos são renováveis, mau grado isso poder limitar a independência dos nomeados face a quem os escolheu e nomeou. A não renovação dos mandatos está prevista apenas em França e na Itália, podendo os mandatos dos membros das entidades reguladoras da Holanda e da República Checa ser renovados uma só vez.
A generalidade dos membros das entidades tem mandatos inamovíveis ou revogáveis apenas mediante procedimentos disciplinares que garantem uma reconhecida independência.
Com a excepção do britânico OFCOM, integralmente subsidiado pelas indústrias dos media e das telecomunicações, as entidades reguladoras europeias são financiadas através do orçamento anual dos respectivos Estados.
No entanto, há vários países cujas entidades beneficiam de um financiamento misto, uma vez que, além de uma parte provir do orçamento estadual, a restante verba é proveniente da indústria (Áustria, Dinamarca e Holanda) ou, ainda, igualmente de uma terceira origem — as receitas provenientes do licenciamento de operadores (Finlândia) ou uma taxa aplicada aos operadores (caso do OFCOM suíço). A AGC italiana é, sobretudo, financiada pelo orçamento do Estado (69%) e por taxas cobradas aos operadores (27%).
2 — Sobre a origem e o alcance da regulação da comunicação social em Portugal:
A experiência atípica do Conselho de Imprensa (1975-1990) Criado por lei (Lei de Imprensa de 1975), o que constitui uma marcante diferença face aos seus congéneres de outros países, e desde logo do primeiro e mais influente de todos eles — o Press Council inglês, sobretudo fruto da iniciativa dos patrões da imprensa, o Conselho de Imprensa português constituiria, de certa forma, a primeira experiência portuguesa de regulação na comunicação social.
De facto, a generalidade dos conselhos de imprensa constituíram-se em autênticos tribunais morais que julgam as queixas dos leitores face a abusos cometidos pela imprensa, designadamente no campo do direito à honra e do direito de resposta, e as reclamações da imprensa, quando esta considera a sua liberdade ilegitimamente limitada pelos poderes públicos ou por particulares. Este âmbito de atribuições levou a generalidade dos conselhos a invocar mais vezes as regras deontológicas da profissão de jornalista do que as normas jurídicas relativas à liberdade de imprensa ou à actividade dos seus profissionais.
O Conselho de Imprensa português teve funções bem mais vastas. É certo que ele poderia ser classificado como tribunal moral, ajudando com a sua actividade a balizar os limites da conduta deontológica dos jornalistas, através das suas decisões e dos precedentes criados.
No entanto, o contexto político em que o Conselho foi fundado levou os legisladores a alargarem consideravelmente as suas funções, que abrangeram importantes competências no âmbito do controlo jurídico-político da actividade informativa. Ele teve, de facto, uma dupla faceta — de órgão que defende a
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imprensa contra ataques ilegítimos de pessoas ou do poder e, simultaneamente, protege a opinião pública de abusos da liberdade de imprensa.
As atribuições previstas no artigo 17.º da Lei de Imprensa, que criou o Conselho, e sobretudo na Lei n.º 31/78, de 20 de Junho, que a substituiria cerca de três anos depois, impunham-lhe, por exemplo, «zelar pela independência da imprensa face ao poder político e económico (…), por uma orientação geral que respeite o pluralismo e o confronto das diversas correntes de opinião, garanta o rigor e a objectividade da imprensa» e ainda «zelar no âmbito da imprensa pelo respeito dos demais direitos e pela observância das obrigações previstas na Constituição e na lei».
No exercício das suas atribuições o Conselho de Imprensa teria poderes para se pronunciar sobre «assuntos da sua competência acerca dos quais seja solicitado pela Assembleia da República, pelo departamento governamental competente, pelos proprietários ou órgãos de gestão ou de fiscalização das empresas titulares dos meios de comunicação social, pelos respectivos directores e conselhos de redacção e pelas associações sindicais e empresariais do sector», «participar, sob forma consultiva, na elaboração de legislação antimonopolista» e para «emitir pareceres sobre questões que se relacionem com o estatuto da imprensa, liberdade de informação e seus limites», entre diversas competências de alcance menos genérico.
Como facilmente se depreende do seu elenco de atribuições e competências, a actividade do Conselho de Imprensa ultrapassaria as fronteiras da imprensa escrita.
No entanto, algo contraditoriamente, esse alargamento aos meios audiovisuais apenas se concretizaria no final de 1979, quando os conselhos de informação para a RTP, RDP, Imprensa Estatizada e ANOP já estavam no exercício de funções. Depois de, em várias ocasiões, se ter recusado a pronunciar-se sobre várias matérias, por respeitarem à radiodifusão ou à televisão, o Conselho de Imprensa entenderia então que, ao remeter para a Lei de Imprensa a definição dos direitos e deveres dos jornalistas, a então nova Lei da Radiotelevisão (n.º 75/79, de 29 de Novembro) colocava os profissionais destes meios sob a sua alçada.
O Conselho de Imprensa seria extinto em 1990, com a aprovação da lei que criava a Alta Autoridade para a Comunicação Social.
Os conselhos de informação para a imprensa estatizada, RTP, RDP e ANOP (1977-1984) Se exceptuarmos esta actividade atípica do Conselho de Imprensa, as primeiras experiências de regulação da comunicação social tiveram a sua origem na preocupação de assegurar o pluralismo no sector público da comunicação social e a sua independência face ao poder político, o que constitui uma segunda originalidade da experiência portuguesa de regulação da comunicação social. Como atrás se referia, na generalidade dos países europeus a regulação dos media coincidiu com o fim do monopólio do serviço público da televisão. A tutela governamental do operador de serviço público tornava-se incompatível com a escolha dos operadores privados, que disputariam com ele o mesmo mercado, ou com uma regulação imparcial dos mercados televisivo e radiofónico.
A preocupação com o pluralismo e a independência do sector público da comunicação social tornou-se um dos temas essenciais da intensa disputa política dos primeiros anos posteriores ao 25 de Abril de 1974.
Esse sector público tornou-se mais extenso, na sequência dos acontecimentos de 11 de Março de 1975, com a nacionalização da banca que envolveria indirectamente a passagem da maioria dos principais jornais, que eram da sua propriedade, para o sector público da economia. Além disso, o monopólio da RTP e da agência noticiosa ANOP e a hegemonia da Emissora Nacional, repartida com a Rádio Renascença, no sector da radiodifusão, tornavam invulgarmente alargada e influente a parte não privada da comunicação social.
O sector público da comunicação social era, por isso, arduamente disputado e tornou-se um dos pontos de maior antagonismo entre as correntes político militares, que em 1974 e 1975 se digladiaram na sociedade portuguesa.
A consagração no texto constitucional dos aspectos essenciais do regime jurídico relativo à comunicação social visaria então subtrair a sua definição do instável terreno da luta política.
A criação de organismos encarregados de assegurar o pluralismo e a independência do extenso sector público da comunicação social figuraria como um dos aspectos marcantes da Constituição de 1976.
Tanto o Partido Socialista como o PPD/PSD apresentariam projectos de texto constitucional integrando propostas com esse objectivo.
Concebido pelo então Deputado Mário Mesquita, o texto dos deputados constituintes socialistas relativo a essa norma — artigo 23.º, n.º 4 — estabelecia que «o controlo dos órgãos de informação estatizados competirá à Assembleia Legislativa Popular
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, sendo o seu pluralismo e independência garantidos através de um estatuto da informação». «Para assegurar esse pluralismo» — continuava o referido preceito — «em cada órgão de informação estatizado será criado um conselho integrado proporcionalmente por representantes indicados pelos partidos políticos com representação não inferior a 10% na Assembleia Legislativa Popular».
No seu projecto de Constituição (artigo 24.º), o PPD/PSD propunha a criação de um Conselho de Comunicação Social, a quem competiria, bem como a «um estatuto especial a definir por lei», a garantia da sua independência «perante o Governo e a Administração Pública». No entanto, o texto proposto pelos 9 Designação então proposta para a futura Assembleia da República.
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sociais-democratas integrava no âmbito do preceito não só os meios de comunicação social pertencentes ao Estado como os pertencentes a «entidades, directa ou indirectamente, sujeitas ao seu controlo económico».
O articulado proposto ao Plenário da Assembleia Constituinte pela Comissão de Direitos e Deveres Fundamentais (artigo 26.º) retomaria sobretudo os aspectos essenciais do projecto socialista: seriam criados «conselhos de informação nos órgãos estatizados a integrar, proporcionalmente, por representantes indicados pelos partidos políticos com assento na Assembleia Legislativa Popular»; de acordo com o mesmo artigo, seriam «conferidos aos conselhos de informação poderes efectivos para assegurar uma orientação geral que respeite o pluralismo ideológico».
O debate no Plenário da Assembleia Constituinte reflectiria a existência de duas concepções antagónicas sobre o papel da comunicação social estatizada.
Os deputados do PCP proporiam um texto alternativo, que seria reprovado, onde se remetia para uma lei a regulamentação do regime aplicável ao sector público de comunicação social, traçando-se os respectivos objectivos: «salvaguardando o seu apartidarismo e a possibilidade de expressão das diversas correntes de opinião democrática, promover a mobilização e a consciencialização de todo o povo português na construção do socialismo».
PS, PPD e CDS votariam favoravelmente o preceito constitucional que criava os conselhos de informação.
PCP e MDP/CDE votariam contra.
No entanto, os acontecimentos do 25 de Novembro de 1975 tornaram a criação de mecanismos de regulação menos imperiosa para os seus defensores.
De facto, a regulamentação do preceito constitucional que criava os conselhos de informação implicaria então certamente uma limitação na tutela pelo Governo do vasto sector público de comunicação social.
O início da actividade dos conselhos de informação sofreria assim diversos atrasos, a que não seria alheia, de facto, a mudança de conjuntura política.
A primeira tentativa de regulamentação dos conselhos surgiria, no entanto, através de decretos-lei do Governo, que instituíam esses órgãos, primeiro na RTP, em Março de 1976, no mês seguinte na RDP, mais tarde, em Outubro, visando a criação de um conselho único para a imprensa estatizada e para ANOP.
10 Todavia, nenhum dos conselhos criados desta forma viria a funcionar, antes da entrada em vigor da Lei dos Conselhos de Informação, aprovada pela Assembleia da República apenas no final de Outubro de 1977.
A lei que instituía os conselhos de informação, publicada em Outubro de 1977, nasceria de uma iniciativa legislativa de um partido então na oposição — o PSD —, que seria profundamente alterada no decorrer dos debates parlamentares.
O projecto social-democrata (projecto de lei n.º 23/I) visava a criação de um Conselho Parlamentar para a Informação.
11 Formado por deputados, num máximo de 15, com representação proporcional de cada grupo parlamentar, o Conselho representava pelas suas atribuições e competências uma clara parlamentarização da gestão do sector público da comunicação social. Competir-lhe-ia, de acordo com o projecto do PSD, não apenas designar a maioria dos membros dos conselhos de administração, como igualmente proceder ao controlo financeiro daquele sector público, superintender e coordenar a actuação dos conselhos de informação, «garantir a independência, isenção e pluralismo ideológico dos meios de comunicação social» e até «orientar e fiscalizar a política de informação do Governo».
Ainda de acordo com o projecto, o Conselho Parlamentar para a Informação coordenaria a actividade dos conselhos de informação previstos no texto constitucional, dando-lhes «directivas tendentes a salvaguardar a isenção, independência, pluralismo, objectividade e rigor da informação».
Os Grupos Parlamentares do PS e do PCP rejeitariam a criação deste conselho parlamentar com dois argumentos principais: por um lado, invocavam os deputados daqueles partidos, o conselho diluiria «a estrutura e os poderes dos conselhos de informação»; por outro, a independência do sector público de comunicação social deveria ser assegurada em relação ao Governo, mas igualmente face ao Parlamento.
12 Em alternativa, os mesmos partidos proporiam um texto relativo à criação e regulamentação dos conselhos de informação, que acabaria por ser aprovado por unanimidade na sessão parlamentar de 23 de Março de 1977, dando origem à Lei n.º 78/77, de 25 de Outubro, que criava os conselhos de informação.
Constituídos por representantes designados pelos partidos políticos com assento na Assembleia da República na proporção de um por cada 10 deputados de cada partido, com um mínimo de um
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, os conselhos teriam competências pouco relevantes: — Definir directivas que visavam a salvaguarda da independência, do pluralismo, do rigor e da objectividade da informação do sector público de comunicação social e que impeçam «a apologia ou 10 Respectivamente, Decretos-Lei n.º 189/76, de 13 de Março, n.º 274/76, de 12 de Abril (estatuto da RDP), e n.º 657/76, de 2 de Agosto (imprensa estatizada e ANOP). Este último diploma seria apreciado pela Assembleia da República, por iniciativa do PCP, sendo recusada a respectiva ratificação, através da Resolução n.º 3/76.
11 O projecto do PSD regulamentava igualmente o Conselho de Imprensa, que passaria a funcionar junto da Assembleia da República.
12 Declaração de voto do deputado socialista Jaime Gama, in Diário da Assembleia da República n.º 55, de 17 de Dezembro de 1976, pág. 1758.
13 A composição dos conselhos viria a ser ligeiramente alterada pela Lei n.º 1/81, de 18 de Fevereiro. De acordo com a nova redacção do artigo 2.º, cada partido teria, além de um representante por cada 10 deputados, ainda um outro por fracção superior a cinco. O partido mais votado teria ainda direito a mais dois representantes. Antes, a Lei n.º 67/78, de 14 de Outubro, já previra a designação pelos partidos de membros suplentes que poderiam substituir os efectivos nas suas faltas e impedimentos.
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propaganda da ideologia fascista e de quaisquer outras, igualmente contrárias às liberdades democráticas e à Constituição»; — Dirigir recomendações aos órgãos de gestão das empresas e, no caso da ANOP e das publicações periódicas, aos respectivos directores, que deveriam publicadas ou difundidas pelos órgãos a que dissessem respeito; — Propor ao Ministro da tutela a instauração de procedimento disciplinar contra qualquer membro dos órgãos das empresas abrangidas que demonstrasse «frontal desrespeito» pelas normas que impunham uma orientação plural, rigorosa e objectiva; — Emitir um parecer, não vinculativo, sobre a nomeação dos gestores da RTP e da RDP e sobre os directores das publicações periódicas estatizadas e da ANOP.
Os conselhos de informação manter-se-iam em actividade até 1984. No entanto, a sua substituição estava prevista desde alguns anos antes.
O Conselho de Comunicação Social (1984-1990) Em 15 de Janeiro de 1981, no debate parlamentar do diploma que modificaria a composição dos conselhos de informação, conferindo uma maioria aos representantes dos partidos da AD (Aliança Democrática), o deputado socialista Almeida Santos anunciava o fim dos conselhos de informação: «entendemos que a regra agora apresentada é para vigorar até à revisão da Constituição, onde tencionamos propor uma reformulação do actual sistema dos conselhos de informação», dizia então aquele deputado, que acrescentava: «quando nos preocupámos em desgovernamentalizar os conselhos de informação acabámos, de boa fé, por partidarizá-los; agora — de certo modo —, ao tentarmos despartidarizá-los, íamos caindo na tentação de os parlamentarizar».
14 Imediatamente a seguir falaria o porta-voz do PSD no debate, o deputado Amândio de Azevedo, que anunciaria idêntico propósito.
O processo de revisão constitucional iniciar-se-ia três meses depois, em Abril de 1981, com a entrega do primeiro projecto, da ASDI — Acção Social-Democrata Independente. Seguir-se-iam, no prazo legal de um mês, os projectos da AD, do PCP, da FRS, coligação que reunia PS, ASDI e UEDS, e do MDP/CDE.
Podiam distinguir-se três tipos de soluções preconizadas naqueles textos sobre a regulação da comunicação social:
— A AD propunha a retirada dos conselhos de informação do texto constitucional e a sua substituição por uma instância instituída por lei; — Os socialistas defendiam a existência, prevista no texto constitucional, de um só conselho de informação, a integrar proporcionalmente por representantes do partidos parlamentares, que deveria eleger por maioria de dois terços os directores dos órgãos do sector público de comunicação social, para mandatos de dois anos, durante os quais só poderiam ser destituídos mediante procedimento disciplinar; — O PCP e MDP/CDE pretendiam a continuidade dos conselhos existentes, a quem seria conferida competência para validar a nomeação dos gestores e directores desse sector público, mediante um parecer favorável por maioria de dois terços dos conselheiros presentes.
No decorrer dos trabalhos da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, iniciados em Junho de 1981, foram-se aproximando as posições dos socialistas e dos partidos à sua direita — PSD, CDS e PPM, que formavam a AD, então no poder.
Os partidos da maioria, que defendiam que a (ou as) instância(s) de regulação não deveriam ter consagração constitucional, viriam a aceitar a sua inscrição no texto constitucional.
Os socialistas, que defendiam uma composição proporcional, aceitariam uma eleição dos seus membros por maioria de dois terços dos deputados e abdicariam da sua proposta de atribuir à nova entidade reguladora competência para designar os directores dos órgãos do sector público.
O entendimento entre os principais partidos começaria por uma versão, segundo a qual o Conselho de Comunicação Social teria nove membros — um presidente, um vice-presidente, dois secretários e cinco vogais, todos eleitos pela Assembleia da República, por uma maioria de dois terços dos deputados presentes.
No entanto, o tema mais polémico seria a forma de eleição dos membros do conselho.
O PCP, secundado pelas pequenas formações partidárias, UEDS, ASDI, MDP/CDE e UDP, criticavam a eleição por maioria de dois terços, alegando que ela acabaria com a representação, garantida nos conselhos de informação, de todas as forças políticas parlamentares. «O sistema de eleição, baseado na maioria de dois terços e não no sistema proporcional — aduziria então o deputado comunista Jorge Lemos —, permite que desse chamado Conselho de Comunicação Social sejam excluídos importantes sectores da opinião pública democrática».
15 No decorrer dos trabalhos da Comissão Eventual, o PCP chegaria a propor, sem êxito, uma 14 Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 17, 16 de Janeiro de 1981, pág, 521.
15 Diário da Assembleia da República referente à sessão de 28 de Julho de 1982, pág. 5410.
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versão intermédia: o CCS teria 15 membros indicados pela Assembleia da República, dos quais 11 seriam eleitos por voto proporcional e quatro por maioria de dois terços dos deputados presentes.
PS e PSD contrapunham o argumento da imparcialidade dos membros, assegurada, na sua opinião, se eles fossem designados por «consenso alargado de dois terços», mas inexistente se, afinal, se limitassem a reproduzir a representação parlamentar.
PS, PSD, CDS e PPM assegurariam, na sessão parlamentar de 28 de Julho de 1982, os dois terços indispensáveis à aprovação do novo preceito constitucional.
O novo n.º 2 do artigo 39.º, que previa a existência de «um Conselho de Comunicação Social composto por 11 membros eleitos pela Assembleia da República, o qual terá poderes para assegurar uma orientação geral que respeite o pluralismo ideológico», mereceria o voto contrário dos deputados do PCP e do MDP/CDE e a abstenção dos representantes da ASDI e da UEDS.
A atribuição ao Conselho da competência para emitir «um parecer prévio, público e fundamentado sobre a nomeação e exoneração dos directores» dos órgãos de informação integrados no sector público de comunicação social obteria um consenso mais alargado: esta norma (o n.º 3 do artigo 39.º) seria votada favoravelmente por todos os partidos, excepto pelo PCP, que se absteria, contestando o seu carácter não vinculativo.
Apesar de uma norma transitória da Lei Constitucional n.º 1/82, que aprovara a revisão, estabelecer um prazo de apenas 90 dias a partir da data da publicação no Diário da República — de 30 de Setembro — para a Assembleia da República elaborar a legislação respeitante ao Conselho de Comunicação Social, esta apenas seria publicada quase um ano depois, em 6 de Setembro.
De facto, no final de 1982, a demissão do Primeiro-Ministro Pinto Balsemão abriria uma crise política que levaria à dissolução da Assembleia da República, com a consequente marcação de novas eleições. Realizado em 25 de Abril de 1983, o sufrágio conduziria a uma nova maioria alicerçada nos dois principais partidos — o PS e o PSD, que formariam um Governo liderado por Mário Soares, com um apoio parlamentar superior a dois terços dos deputados — 173 em 246, ou seja 70,3%.
A Lei do Conselho de Comunicação Social (Lei n.º 23/83, de 6 de Setembro) seria aprovada apenas por PS e PSD, com a abstenção do CDS e o voto contrário dos deputados do PCP e do MDP/CDE.
O modelo do Conselho de Comunicação Social (CCS) não representaria uma ruptura total face à experiência anterior:
— As suas atribuições incidiriam nas garantias de pluralismo, rigor, objectividade e independência face ao poder político dos órgãos do sector público de comunicação social, excluindo portanto os privados; — As suas competências mais relevantes incluiriam a emissão de pareceres não vinculativos sobre responsáveis desses órgãos e de recomendações tendentes a salvaguardar o cumprimento das referidas atribuições.
No entanto, o CCS representaria um evidente aperfeiçoamento face à anterior experiência dos conselhos de informação:
— Os seus 11 membros seriam eleitos pela Assembleia da República, devendo cada um deles obter o voto de dois terços dos deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções; — O seu mandato, com uma duração de quatro anos, não cessava com a eventual dissolução da Assembleia da República; — Os membros deveriam exercer as suas funções em regime de ocupação exclusiva e seriam inamovíveis, podendo ser reconduzidos consecutivamente uma vez; — Os necessários pareceres do CCS relativos à nomeação e exoneração dos directores dos órgãos do sector público de comunicação social — os pareceres dos conselhos de informação incidiam sobre os gestores — eram prévios, públicos e fundamentados, mas não vinculativos; — As recomendações e directivas aprovadas pelo CCS, que visavam salvaguardar os princípios relativos à independência dos órgãos de comunicação social, bem como o pluralismo, rigor, objectividade e independência da sua informação, tinham efeito vinculativo para os respectivos destinatários; — O CCS teria igualmente competência para apreciar a título gracioso queixas apresentadas por pessoas singulares ou colectivas em que alegasse violação das normas constitucionais e legais aplicáveis ao sector público da comunicação social, tarefa que os conselhos de informação já desempenhavam embora não estivesse consagrada na legislação; — O CCS pronunciar-se-ia igualmente sobre as iniciativas legislativas referentes ao sector público de comunicação social.
A Alta Autoridade para a Comunicação Social (1990-2006) A timidez das atribuições e competências do CCS, que todavia constituíam um relativo avanço face aos anteriores conselhos de informação, terá contribuído para a sua crescente insatisfação face ao seu próprio papel.
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Ela começa a ser particularmente notória no balanço realizado pelo próprio CCS aos quatro primeiros anos de actividade.
16 Pela voz do seu Presidente, Artur Portela, o conselho considerava então que existia «um desfasamento entre as atribuições que são cometidas pela Constituição» e a Lei n.º 23/83, que o regulamentava.
Aliás, recordava-se então, o CCS propusera, sem qualquer sucesso, à Assembleia da República um conjunto de alterações àquela lei, que visavam um aumento das suas competências, nomeadamente a conversão em vinculativa da intervenção no processo de nomeações e exonerações dos directores, a competência para requerer a presença de membros do Governo, mesmo não directamente responsáveis pela área da comunicação social, e o direito de requerer informações fundamentadas em relação ao andamento, conclusão e resultado de procedimentos disciplinares em órgãos de comunicação social.
A controvérsia política em torno do Conselho impediria mesmo a formação de um consenso necessário para a eleição de novos membros. Eleitos em Janeiro de 1987, Augusto Abelaira e Francisco Sousa Tavares seriam os últimos membros a tomar posse em 10 de Abril de 1987. Com a morte de Norberto Lopes e as renúncias ao cargo, sucessivamente, de Natália Correia, Mário Mesquita e Francisco Sousa Tavares, o Conselho deixa de ter quórum no final de 1989.
Iniciara-se, entretanto, em Outubro de 1987, um processo de revisão constitucional. A projectada abertura da televisão à iniciativa privada e a privatização da imprensa estatizada, com a consequente drástica diminuição do sector público da comunicação social, obrigariam o poder político a uma nova ponderação sobre o quadro regulador. A revisão constitucional, que se concretizaria em 1989, iria ser o palco dessa mudança.
Apesar do incontestável prestígio da generalidade dos membros do CCS, o acordo entre PSD e PS implicaria a sua substituição.
Não seria fácil a obtenção do necessário consenso para a substituição do CCS na revisão constitucional de 1989.
Numa primeira fase, corporizada no projecto de revisão constitucional, o PSD proporia mesmo a retirada do órgão regulador do texto da Constituição, o que remeteria a sua regulamentação para uma lei aprovada por maioria simples na Assembleia da República. A esquerda parlamentar, pelo contrário, propunha uma eventual consagração do Conselho de Imprensa no texto da Constituição ou a criação de duas entidades reguladoras — uma para a imprensa e a outra para os meios audiovisuais, ou uma para o sector público e a outra para o sector privado, que incluiria o licenciamento da nascente televisão privada.
Além disso, PS, PCP, PRD e Intervenção Democrática defendiam nos seus projectos a continuidade do CCS, a quem os dois primeiros partidos queriam mesmo atribuir competência para uma intervenção com carácter vinculativo na designação dos gestores e directores dos órgãos do sector público de comunicação social. O PS propunha que o Conselho emitisse «parecer prévio, público e fundamentado, com carácter vinculativo, sobre a nomeação e exoneração dos directores», enquanto que o PCP fazia depender a nomeação dos gestores e dos directores daqueles órgãos de parecer favorável, cuja aprovação dependia de maioria de dois terços dos membros daquele órgão regulador.
Fruto de laboriosas negociações entre PS e PSD, o acordo entre os dois partidos seria atingido antes da chamada segunda leitura dos projectos de revisão, realizada ainda pela Comissão Eventual. Na sessão de 10 de Janeiro de 1989 o deputado António Vitorino defenderia o acordo entre os dois partidos: a criação de uma Alta Autoridade para a Comunicação Social
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, que substituiria o CCS, mantendo as suas competências, a que se acrescentaria essencialmente a participação no processo de licenciamento dos operadores privados de televisão.
O acordo entre os dois partidos, indispensável para a obtenção dos necessários dois terços dos deputados, seria criticado pelas restantes forças partidárias. Na votação final do novo artigo 39.º da Constituição, todos os restantes partidos, do CDS ao PCP votariam contra, mau grado pequenas alterações, nomeadamente a participação da AACS, através de um parecer não vinculativo na nomeação e exoneração dos directores do sector público de comunicação social.
O aspecto mais controverso da solução adoptada tinha a ver com a prevista composição da nova entidade.
Ao invés do CCS, integrado por 11 membros, eleitos pela Assembleia da República por maioria de dois terços dos deputados presentes, o que implicava, para cada um dos eleitos, um consenso que incluiria necessariamente os dois principais partidos, PSD e PS, o articulado do novo artigo 39.º previa uma composição mista com diversas origens:
— Um magistrado, designado pelo Conselho Superior da Magistratura, que presidiria; — Cinco membros eleitos pela Assembleia da República segundo o método da média mais alta de Hondt; — Três membros designados pelo Governo; — Quatro elementos representativos, designadamente, da opinião pública, da comunicação social e da cultura. 16 Ver Introdução ao 8.º Relatório, págs 7 e seguintes, 1988.
17 A designação Alta Autoridade para a Comunicação Social, claramente influenciada pela francesa Haute Autorité de la Communication Audiovisuelle criada em Julho de 1982, fora, numa versão aproximada (Alta Autoridade para o Audiovisual), proposta pelo PRD.
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Desta forma, além da maioria dos membros indicados pelo Parlamento, a maioria PSD poderia ainda indicar os três representantes do Governo e, eventualmente, os quatro elementos restantes, uma vez que o articulado do texto aprovado era omisso sobre a forma da sua designação, o que remetia a respectiva regulamentação para lei da Assembleia da República.
A forma de designação destes representantes da opinião pública, da comunicação social e da cultura ocuparia uma parte significativa dos debates parlamentares, quer nas reuniões da CERC quer mais tarde no próprio Plenário dos deputados.
A lei que regulamentaria a AACS estabeleceria que os quatro elementos, representativos da opinião pública, da comunicação social e da cultura, seriam cooptados pelos restantes nove membros da entidade reguladora. A previsível hegemonia da maioria política na composição da AACS provocaria duras críticas de toda a oposição, do CDS ao PCP, e igualmente do Sindicato dos Jornalistas, que passaria a designá-la sistematicamente por Alta Autoridade contra a Comunicação Social.
Sensível a esses protestos, o próprio Presidente da República vetaria a lei aprovada pelo Parlamento, invocando três razões fundamentais: a designação por cooptação, que, nas palavras do Presidente Mário Soares na sua mensagem de devolução da lei à Assembleia da República, contribuiriam para a «acentuação do predomínio tendencial das maiorias parlamentares e dos governos, quaisquer que eles sejam, na composição da Alta Autoridade»; a extinção do Conselho de Imprensa, cuja actividade o Presidente elogiava; e a eliminação do voto favorável dos conselhos de redacção na designação dos directores das publicações periódicas.
18 No entanto, a reapreciação parlamentar do diploma vetado não provocaria qualquer alteração, visto que a maioria social-democrata rejeitaria todas as propostas apresentadas pelos partidos da oposição, que visavam remeter a designação dos referidos quatro elementos para entidades do sector da comunicação social, designadamente os sindicatos dos jornalistas e dos trabalhadores da rádio e da televisão, a Sociedade Portuguesa de Autores, as associações da imprensa e as associações de defesa do consumidor.
Aliás, na principal intervenção dos sociais-democratas no debate, o deputado Pacheco Pereira clarificaria o entendimento do PSD face à própria AACS.
Por um lado, rejeitando a existência de um problema de composição: «Criado pelo Estado, dentro do Estado e como instrumento do Estado, o seu princípio de representação só pode ser aquele que emana directamente da fonte de legitimidade do poder em democracia, ou seja, aquele que se traduz nos órgãos eleitos para o exercício directo do poder político». Com base neste entendimento, Pacheco Pereira rejeitava a representação «corporativa» preconizada pela oposição.
Por outro lado, Pacheco Pereira assumia uma cedência do seu partido em relação à própria existência de uma entidade reguladora no sector: «Se apenas dependesse do PSD, não haveria Alta Autoridade para a Comunicação Social nem qualquer outra instituição deste tipo. As relações entre o poder e a comunicação social e a comunicação social e a sociedade seriam meramente reguladas por uma lei geral da comunicação social que definisse os poderes e os direitos, os crimes e defesa face a esses crimes, as regras e as violações das regras».
19 Aprovada de novo apenas pela maioria social-democrata, sem qualquer emenda, a Lei da AACS (Lei n.º 15/90, de 30 de Junho) representaria neste quadro uma clara ampliação das atribuições e competências da entidade reguladora na comunicação social:
— Herdando os poderes antes atribuídos à sua antecessora, o Conselho de Comunicação Social, relativos à garantia da independência do pluralismo de cada um dos órgãos do sector público da comunicação social, todavia limitados, nomeadamente, à emissão de um parecer prévio, público e fundamentado, mas não vinculativo, sobre a nomeação e exoneração dos respectivos directores; — Acolhendo algumas das competências do extinto Conselho de Imprensa, designadamente sobre os recursos interpostos em caso de recusa do direito de resposta e sobre a classificação das publicações; — Alargando a sua acção ao sector privado da comunicação social, designadamente mediante uma intervenção embora limitada nos processos de licenciamento dos operadores de televisão privada e das rádios locais.
A questão da composição da AACS, que visivelmente afectara a sua popularidade no sector da comunicação social, viria a ser objecto de alteração decorrente da IV Revisão Constitucional concretizada em 1997, a seguir à mudança de maioria política decorrente da vitória do Partido Socialista nas eleições de Outubro de 1995.
As modificações no articulado do artigo 39.º da Constituição implicariam não só a redução de três para um no número de membros designados pelo Governo — diminuindo, assim, a composição da AACS de 13 para 11 membros — como a subsequente alteração pela Assembleia da República da lei que regulamentava esta entidade reguladora. 18 Diário da Assembleia da República n.º 66, referente à sessão da Assembleia da República de 24 de Abril de 1990.
19 Diário da Assembleia da República, I Série n.º 75, referente à sessão de 15 de Maio de 1990, p. 2499.
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Desta forma, a Lei n.º 43/98, de 6 de Agosto, alteraria a composição e o elenco de atribuições e competências.
No primeiro aspecto, atribuindo a designação dos quatro membros representativos da opinião pública, da comunicação social e da cultura ao Conselho Nacional do Consumo, aos jornalistas com carteira profissional e às organizações patronais dos órgãos de comunicação, sendo o quarto elemento cooptado pelos restantes membros «entre figuras do meio cultural e científico», o que conferiria à AACS uma faceta, embora tímida, de entidade de co-regulação.
O estatuto dos membros da AACS não seria modificado, continuando a não diferir muito do anteriormente estabelecido para o Conselho de Comunicação Social: mandatos de quatro anos renováveis apenas uma vez, inamovibilidade, independência e equiparação salarial ao cargo de director-geral da função pública.
A substituição do Conselho de Comunicação Social pela Alta Autoridade para a Comunicação Social representaria um considerável alargamento das suas atribuições e competências de regulação no sector, agora incidindo não apenas nas empresas de capital público ou maioritariamente público, mas igualmente no emergente conjunto de parceiros privados.
As suas atribuições estavam enumeradas de forma ampla no texto constitucional (artigo 39.º, n.º 1): «assegurar o direito à informação, a liberdade de imprensa e a independência dos meios de comunicação social perante o poder político e o poder económico, bem como a possibilidade de expressão e confronto das diversas correntes de opinião e o exercício dos direitos de antena, de resposta e de réplica política».
De acordo com estas atribuições, a AACS passaria a desempenhar, a exemplo da maioria das suas congéneres, funções de regulamentação, administração, controlo e de julgamento e sancionatórias.
As funções de regulamentação, ainda que limitadas à fixação de algumas regras em matérias onde o poder legislativo definira apenas os princípios básicos, incidiam sobretudo no direito de resposta, de antena e de réplica política.
As funções de administração concretizar-se-iam, por exemplo, através da participação no licenciamento de operadores de rádio e de televisão e no processo de designação dos directores dos órgãos do sector público de comunicação social, e ainda mediante a classificação das publicações periódicas.
As funções de controlo consistiriam na supervisão da actividade dos órgãos de comunicação social, exercida de forma permanente ou circunstancial, por iniciativa própria ou mediante a apreciação de queixas.
Finalmente, as funções de julgamento e sancionatórias, de natureza quase jurisdicional, em resultado sobretudo das funções de controlo, incidiriam sobretudo em matérias como os limites à liberdade de programação dos operadores de televisão, o rigor e a isenção da informação e o direito de resposta.
A vastidão e a diversidade das atribuições e competências, bem como dos respectivos meios de actuação, uns mais específicos da administração, outros mais próprios da jurisdição
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, constituiriam porventura uma das facetas mais características da AACS, que assumiria com clareza uma dupla vertente, aliando funções de regulador às de provedor dos consumidores dos media.
No entanto, sem esquecer ou desvalorizar a extensa, diversificada e relevante lista de iniciativas da AACS, a sua actividade incidiu sobretudo na apreciação de queixas de cidadãos e de diversas entidades sobre a actuação dos órgãos de comunicação social. De facto, a maioria das deliberações incidiu sobre a isenção, o rigor e o pluralismo da informação, o direito de resposta e a fiscalização da actividade televisiva, neste aspecto, designadamente, apreciando situações de conflitualidade entre a liberdade de programação e a protecção de direitos e valores como os da dignidade humana e da protecção dos públicos sensíveis.
A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (desde 2006) Em actividade desde 1990, a Alta Autoridade para a Comunicação Social começaria a ver o seu modelo questionado cerca de 10 anos depois, fundamentalmente por duas razões:
— Em primeiro lugar, porque a actividade da AACS era crescentemente sujeita a críticas, não apenas motivadas pelo conteúdo das suas deliberações, mas também pela sua alegada incapacidade, tanto de responder aos novos desafios colocados pela evolução do sector, como de cumprir todas as missões que lhe estavam cometidas; — Em segundo lugar, devido à mutação tecnológica que então se afirmaria, emergindo o fenómeno da convergência, visível numa tripla perspectiva — das redes e dos equipamentos, dos serviços e dos mercados —, que imporia uma nova ponderação do modelo das instâncias de regulação, nomeadamente no plano das comunicações electrónicas e dos media.
A necessidade de um estudo sobre a adequação do quadro de regulação dos media ao desenvolvimento dos sectores do audiovisual e das telecomunicações num ambiente de convergência motivaria o Governo, então liderado por António Guterres, a lançar uma iniciativa denominada «Convergência e Regulação».
Iniciada em Junho de 2001 por um grupo de trabalho paritariamente constituído por elementos designados pelos presidentes do Instituto da Comunicação Social e da ANACOM, a reflexão seria continuada no âmbito da 20 In Américo Simango, Direito e Justiça, Volume XIV, 2000, Tomo 1, pág. 285.
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mesma iniciativa por um grupo de reflexão composto por um conjunto de personalidades dos sectores da comunicação social e das comunicações.
Num documento inicial, produzido antes da consulta pública que promoveria entre Fevereiro e Abril de 2002, este grupo alcançaria mesmo um consenso «em torno da ideia de que a convergência aconselhará a não separação orgânica da regulação das redes e dos acessos, admitindo a possibilidade de uma entidade única ser responsável pela regulação das duas realidades, apesar dos interesses e dos valores divergentes que presidem a cada uma delas».
21 «A defesa da unificação orgânica” — continuava o texto daquele grupo de reflexão — caracterizada pela existência de um regulador único a nível nacional, conjugando as diversas atribuições e competências necessárias à regulação do sector em causa, hoje dispersas por vários organismos — assenta em condições de eficácia, e não deverá nunca confundir-se com uma identificação de duas regulações, que têm objectivos e valores diferentes».
Mau grado preconizar então uma «unificação orgânica», o grupo aconselhava a que se tivesse em consideração «a primazia da defesa dos princípios constitucionais de direitos, liberdades e garantias sobre considerações de índole meramente económica» e avançava alguns aspectos que não deveriam ser «esquecidos na definição do futuro modelo de regulação»:
— «A regulação organicamente separada de conteúdos e redes produziu — ou foi produzida — por órgãos de natureza e cultura completamente diferentes; — São também completamente diferentes as competências exigidas para a regulação de cada um dos sectores; — Deve ser cuidadosamente ponderada a forma de articular as duas regulações e as entidades por elas responsáveis».
Recordando alguns exemplos europeus, nomeadamente o inglês, o italiano e o suíço, onde se tinha verificado uma evolução nas autoridades reguladoras traduzida no alargamento e na agregação de competências, como resposta ao fenómeno da convergência, aquele grupo apontaria ainda a multiplicidade, manifestamente excessiva, de entidades com competências de intervenção incidentes nos sectores das comunicações e dos media: a AACS, a ANACOM, o ICS, a Direcção-Geral do Comércio e da Concorrência, o ICAM, o Instituto do Consumidor e a Comissão de Aplicação de Coimas em Matéria de Publicidade.
Realizada a consulta pública, as conclusões da iniciativa «Convergência e Regulação» seriam mais cautelosas em relação ao modelo preconizado. Embora admitindo uma futura agregação das competências de regulação dos sectores das comunicações e da comunicação social numa única entidade, o documento recomendava «por ora» (…) «a adopção de um modelo evolutivo que salvaguarde, num primeiro momento, a separação orgânica e funcional das entidades de regulação dos sectores das comunicações e da comunicação social, e que formalize de imediato formas eficazes e vinculativas de cooperação entre essas entidades, tendo como base os respectivos quadros regulamentares».
22 O documento preconizava ainda «a reformulação, em sede de revisão constitucional do figurino da Alta Autoridade para a Comunicação Social», que deveria «ser independente do poder político e económico, sendo para o efeito dotada dos meios apropriados (humanos, técnicos e financeiros) que lhe permita um cabal cumprimento das suas atribuições e competências».
23 Aliás, admitia-se mesmo uma «desconstitucionalização da futura autoridade reguladora independente» com o objectivo de conseguir «uma melhor adequação a um contexto de acelerada mutação tecnológica e de mercado».
24 A mudança de maioria política, decorrente das eleições legislativas de Março de 2002, não modificaria os princípios gerais da apreciação anteriormente realizada. Um relatório elaborado por um grupo de trabalho sobre regulação nomeado pelo novo titular do sector da comunicação social, o Ministro Morais Sarmento, no âmbito da preparação do documento «Novas Opções para o Audiovisual»
25
, manteria os princípios gerais anteriormente preconizados, nomeadamente a recusa «no imediato» de constituição de uma super-instância reguladora que abrangesse os conteúdos e as comunicações.
26 De acordo com o texto, embora esse modelo oferecesse a vantagem de «responder às rápidas mutações induzidas nestes sectores pela evolução tecnológica e pela emergência de novas plataformas onde se podem identificar zonas cinzentas, de fronteira, entre a regulação das redes e infra-estruturas de comunicações e a regulação dos media», a sua adopção comportaria a necessidade de «solucionar de forma equilibrada os conflitos suscitados inevitavelmente pela reunião de diferentes culturas reguladoras (…), bem como pelos diferentes interesses e objectivos subjacentes a essas áreas, os quais são marcadamente orientados por 21 Convergência e Regulação – Consulta Pública, ed. ICS e ANACOM, 2002, p. 39.
22 Relatório Convergência e Regulação, 31 de Maio de 2002, pág. 139.
23 Idem, pág. 140.
24 Idem, pág. 142.
25 O documento Novas Opções para o Audiovisual, divulgado em Dezembro de 2002, constituiu o plano de acção do Governo de Durão Barroso para aquele sector.
26 Anexo 6 – Relatório do Grupo de Trabalho sobre Regulação – ao documento Novas Opções para o Audiovisual, Dezembro de 2002.
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princípios de regulação técnica, económica e de mercado, na indústria de telecomunicações, e influenciados por razões culturais, de cidadania e de interesse público, nos conteúdos dos media e da comunicação social».
Sem prejuízo de considerar a possibilidade de, «num segundo momento», federar esta nova instância reguladora dos media, com o ICP-ANACOM, o texto, que seria integralmente transcrito no documento Novas Opções para o Audiovisual
27
, enunciava ainda exaustivamente as áreas de competências de uma nova instância reguladora:
— «Estudo, análise e elaboração de estratégias e políticas para os sectores regulados; — Acesso à actividade de rádio e televisão, incluindo competências para a instrução dos processos e atribuição, renovação e cancelamento de licenças; — Salvaguarda dos direitos, liberdades e garantias, incluindo a regulação de direitos de resposta, de antena e de réplica política, e competências na área da protecção de públicos vulneráveis (…); — Fiscalização geral do cumprimento das normas reguladoras, compreendendo a investigação dos actos ilícitos, a instrução dos processos de contra-ordenação e, finalmente, a aplicação das respectivas coimas e sanções acessórias; — Fiscalização concreta na área da publicidade, em particular no que respeita a infracções dos limites horários diários (…); — Fiscalização «na área de conteúdos obrigatórios», em particular no que respeita ao cumprimento de quotas sobre conteúdos obrigatórios, em particular no que respeita ao cumprimento de quotas sobre conteúdos de origem nacional e europeia, ou conteúdos provenientes de produção independente; — Fiscalização concreta do conjunto de normas a que está sujeito o exercício do serviço público de rádio e de televisão; — Fiscalização concreta do cumprimento das normas que obriguem as empresas dos sectores regulados à publicação de dados de qualquer tipo ou espécie; — Competências relativas a actos de registo e de fiscalização concreta das normas sobre a transparência da propriedade dos agentes dos respectivos sectores; — Competências na emissão de pareceres na área da promoção e defesa da concorrência, nomeadamente no que respeita às práticas proibidas, em especial o abuso de posição dominante e à concentração de empresas, em estreita articulação com a Autoridade da Concorrência, e com o ICPANACOM, quando assim for pertinente.»
A semelhança das opções propostas pelos governos PS e PSD/CDS para a revisão do modelo da entidade reguladora e a convergência nas críticas formuladas à AACS, particularmente face à sua incapacidade de responder a todas as solicitações a que era chamado — centenas de queixas apresentadas permaneciam sem as devidas instrução e deliberação —, criaram as condições necessárias para que não fosse difícil o entendimento entre os principais partidos na revisão constitucional de 2004.
Iniciada em Outubro de 2003, neste contexto, a 6.ª Revisão Constitucional alteraria assim de novo o modelo de regulação da comunicação social, criando o seu quarto figurino diverso, em cerca de três décadas, desde a primeira experiência dos conselhos de informação.
Apesar de se antever um fácil consenso entre as principais forças políticas, apenas os projectos dos grupos parlamentares do PSD e do Bloco de Esquerda apresentariam propostas de modificação do artigo 39.º da Constituição, relativo à regulação da comunicação social:
— O PSD propunha uma versão já muito próxima da que viria a ser aprovada: o n.º 1 da norma constitucional enumerava os objectivos fundamentais da regulação, donde, todavia, estava ainda excluída a «possibilidade de expressão e confronto das diversas correntes de opinião», frase que viria a ser acolhida na norma constitucional. O texto dos sociais-democratas remetia para a lei a fixação da composição, da organização e da competência da nova entidade, bem como a forma de eleição dos seus membros, cuja maioria deveria ser eleita pela Assembleia da República por uma maioria qualificada de dois terços dos deputados presentes ou por eles cooptados; —O BE previa um artigo 39.º mais pormenorizado: a nova entidade deveria denominar-se Autoridade para a Comunicação Social e seria constituída por cinco membros, dois designados, respectivamente, pelo Presidente da República e pelo Conselho Superior da Magistratura (um magistrado) e os restantes eleitos pela Assembleia da República, mediante eleição por maioria qualificada de dois terços, pelos jornalistas e pelas associações empresariais de comunicação social. A proposta do BE, que previa mandatos de cinco anos, estabelecia ainda a criação de três conselhos técnicos, com cinco membros cada, respectivamente, para a «regulação da propriedade da Comunicação Social», «a Defesa do Consumidor» e «para a Liberdade de Imprensa» e estipulava as principais competências da nova entidade: concessão, suspensão e revogação das licenças dos operadores de rádio e de televisão, aplicação de sanções e coimas, emissão de parecer vinculativo sobre «qualquer acto que altere a estrutura de propriedade de qualquer empresa de comunicação social». 27 Novas Opções para o Audiovisual, Presidência do Conselho de Ministros, Ministro da Presidência, p. 41 e 42.
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No decorrer dos debates
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, PS e PSD rapidamente convergiriam numa apreciação semelhante, quer sobre as críticas ao desempenho da cessante Alta Autoridade quer sobre o modelo da nova entidade reguladora, que deveria ter menos membros — o que possibilitaria um reforço do quadro de técnicos sem acréscimo de custos — e mais competências, mas permaneceria autónomo face ao seu congénere das comunicações.
O elenco de atribuições da nova entidade administrativa independente a incluir no texto constitucional obteria um consenso alargado, expresso numa votação praticamente unânime.
29 O mesmo não aconteceria com a norma do n.º 2 do mesmo artigo 39.º, que estabelecia a forma de eleição dos membros — designados pela Assembleia da República
30 e por cooptação destes — e remetia para uma lei, que segundo a nova redacção do artigo 168.º da Constituição, deveria ser aprovada por dois terços dos deputados, a definição da composição, competências, organização e funcionamento da entidade: os deputados do BE votariam contra, comunistas e verdes optariam pela abstenção.
A crise política que conduziria às eleições de Fevereiro de 2005, com a mudança de maioria política, atrasaria o processo de criação da nova entidade reguladora. A proposta de lei de criação da ERC — Entidade Reguladora para a Comunicação Social — apenas seria debatida no Parlamento em Setembro de 2005, mais de um ano depois de concluída a 6.ª revisão constitucional.
Aprovada pela mesma maioria parlamentar que formara o consenso necessário à revisão da norma constitucional — PS, PSD e CDS-PP —, a Lei n.º 53/2005, de 8 de Novembro, que criaria a ERC, representaria uma assinalável evolução face ao anterior quadro legal da regulação do sector, nomeadamente na natureza da entidade reguladora, no seu âmbito de actuação, nas respectivas competências, na sua composição, nas suas fontes de financiamento e no controlo e acompanhamento da sua actividade.
Essa mudança era desde logo visível na sua definição legal: enquanto que a AACS era definida apenas como «um órgão independente que funciona junto da Assembleia da República, dotado de autonomia administrativa» (artigo 2.º da Lei n.º 43/98), a ERC era considerada «uma pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira e de património próprio, com natureza de entidade administrativa independente» (artigo 1, n.º 1 dos Estatutos da ERC, anexos à Lei n.º 53/2005).
Todavia, a ERC está sujeita a um regime específico de relacionamento com a Assembleia da República, que não só elege quatro dos cinco membros do seu conselho regulador como dispõe de inovadoras competências de fiscalização e de acompanhamento. A ERC deve manter a Assembleia da República informada sobre as suas deliberações e actividades, enviando-lhe sobre elas uma colectânea mensal; envia à Assembleia da República, precedida de audição em comissão parlamentar dos membros do conselho regulador, um relatório anual sobre as actividades de regulação, bem como o respectivo relatório de actividades e contas; e os membros do conselho regulador, independentemente da audição anual para apreciação dos relatórios de regulação e de actividades e contas, podem ser chamados a comparecer perante a comissão competente da Assembleia da República, para prestar informações ou esclarecimentos sobre as suas actividades, sempre que tal lhes for solicitado.
31 O seu âmbito de actuação abrange agora não apenas as agências noticiosas, as publicações periódicas e os operadores de rádio e de televisão, ou seja, os meios de comunicação tradicionais, mas igualmente todos os que, através de redes de comunicações electrónicas, seleccionem e tratem editorialmente conteúdos (artigo 6), o que, no entanto, excluiria os blogues.
As suas competências aumentam face às atribuídas à AACS. É verdade que continua válida a classificação funcional antes adoptada para a AACS: a ERC desempenha funções de regulamentação, de administração, de controlo e de julgamento e sancionatórias. No entanto, as mudanças são visíveis em todos estes domínios.
A ERC recebeu do Instituto da Comunicação Social, enquanto serviço da Administração Pública responsável pelo sector (a partir de 1 de Junho de 2007, denominado Gabinete para os Meios de Comunicação Social), responsabilidades nas áreas dos registos dos órgãos de comunicação social, da fiscalização e ainda da publicidade. Cabe-lhe igualmente, nomeadamente, velar pela não concentração da titularidade das entidades que prosseguem actividades de comunicação social, em articulação com a Autoridade da Concorrência, colaborar na definição das políticas e estratégias sectoriais que fundamentam a planificação do espectro radioeléctrico e fiscalizar a conformidade da publicidade institucional «com os princípios constitucionais da imparcialidade e isenção da Administração Pública» (previstas no artigo 8.º), definir os parâmetros para o acesso e ordenação dos guias electrónicos de programação de rádio e de televisão, e especificar os serviços de programas de rádio e de televisão que devem ser objecto de must carry 28 Ver, nomeadamente Diário da Assembleia da República II Série, de 4 de Fevereiro de 2004, pág. 159 e seguintes. De acordo com o n.º 1 do artigo 39.º, cabe à ERC assegurar «O direito à informação e a liberdade de imprensa; a não concentração da titularidade dos meios de comunicação social; a independência perante o poder político e o poder económico; o respeito pelos direitos, liberdades e garantias pessoais; o respeito pelas normas reguladoras das actividades de comunicação social; a possibilidade de expressão e confronto das diversas correntes de opinião; e o exercício dos direitos de antena, de resposta e de réplica política.» 29 O Diário da Assembleia da República de 23 de Abril de 2004 regista, todavia, o voto dissidente de quatro deputados socialistas, um dos quais terá votado contra e três que se terão abstido. Relativamente ao n.º 2 do mesmo artigo, regista-se igualmente a abstenção de dois socialistas.
30 Nos termos do artigo 163.º do texto constitucional, alterado na mesma revisão de 2004, a eleição dos membros da entidade reguladora deveria ser realizada por maioria de dois terços dos deputados presentes, desde que superior à maioria dos deputados em efectividade de funções.
31 Artigo 73.º da Lei n.º 53/2005, de 8 de Novembro.
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e de must deliever. Compete-lhe fiscalizar o cumprimento pelos operadores de radiodifusão das quotas de emissão de música portuguesa, previstas na denominada Lei da Música (Lei n.º 7/2006, de 3 de Março).
Ainda no domínio das suas funções de controlo e supervisão, sublinhe-se a competência da ERC para verificar o cumprimento, por parte dos operadores de rádio e de televisão, dos fins genéricos e específicos das respectivas actividades, bem como das obrigações fixadas nas respectivas licenças ou autorizações. Nos termos da Lei da Televisão (Lei n.º 27/2007), compete à ERC a realização de um relatório de avaliação desse cumprimento, acompanhado das devidas recomendações, que deverá ser concluído no final do 5.º e do 10.º anos passados sobre a atribuição das licenças ou autorizações.
32 Apesar de lhe serem reconhecidas funções de julgamento no âmbito da sua actividade reguladora, os poderes de investigação da ERC não são equiparáveis aos colocados à disposição dos tribunais.
No entanto, deve assinalar-se que, nos termos da legislação que cria a ERC (artigo 53.º da Lei n.º 53/2005), esta pode proceder a averiguações e exames em qualquer entidade ou local, cabendo aos operadores de comunicação social alvo de supervisão facultar o acesso a todos os meios necessários para o efeito.
Esta capacidade, indispensável para as funções de fiscalização que lhe estão cometidas, abrange igualmente a equiparação dos seus colaboradores a agentes de autoridade que gozam, entre outras, das prerrogativas de aceder às instalações, equipamentos e serviços das entidades sujeitas à sua supervisão e regulação, requisitar documentos para análise, requerer informações escritas, e reclamar a colaboração das autoridades competentes (artigo 45.º, n.º 1 da mesma lei).
Apesar da consagração legal destas competências, a ERC dispõe de meios mais limitados do que os tribunais, pelo que se poderá concluir que a ERC visa «menos o apuramento da chamada «verdade material» — que supõe, ou frequentemente exige, um conjunto de diligências probatórias só ao alcance dos tribunais e das comissões parlamentares de inquérito —, do que a reunião de indícios suficientes para a formação de um juízo de convicção sobre a realidade controvertida (…) na óptica da actividade reguladora, que privilegia princípios, orientações gerais, consensos, com uma forte componente deontológica e meta-legal, em detrimento do casuísmo jurídico próprio da função judicial»
.33 No entanto, será no domínio específico da actividade televisiva que a ERC assume assim um papel decisivo, sobretudo em três matérias:
— Na concretização da liberdade de empresa — desde a participação a título consultivo na definição das regras dos concursos para licenciamento de novos operadores e na planificação do espectro radioeléctrico, até às competências para atribuir, renovar, alterar ou revogar as licenças e autorizações, para proceder ao registo dos operadores de televisão e de distribuição, classificar os serviços de programas e realizar a referida avaliação intercalar relativa ao cumprimento das obrigações fixadas nas respectivas licenças ou autorizações; — Na concretização da liberdade de programação — nomeadamente mediante a sua intervenção, quer na fiscalização do cumprimento das normas relativas à difusão de obras audiovisuais, nomeadamente de defesa da língua portuguesa, da produção europeia e da produção independente, quer na eventual arbitragem relativa a desacordos entre os operadores relativamente aos direitos exclusivos para transmissão, quer ainda como instância de recurso em caso de denegação dos direitos de resposta e de rectificação ou através da definição do conjunto de obrigações que permitam o acompanhamento das emissões por pessoas com necessidades especiais; — Na intervenção no regime sancionatório, visto que lhe compete não apenas instaurar processos de contra-ordenação como aplicar as respectivas sanções, que poderão ser pecuniárias ou implicar mesmo, em casos mais graves, a suspensão de programas ou de serviços de programas.
Em relação aos serviços públicos de rádio e de televisão, a intervenção da ERC, não tendo implicações nas matérias relativas à liberdade de empresa, que pela sua natureza se cingem aos operadores privados, abrange sobretudo as garantias do pluralismo e da independência do operador público face ao poder político, que, como atrás se referiu, estiveram na origem da experiência de regulação portuguesa da comunicação social. A emissão obrigatória de parecer prévio e vinculativo sobre a nomeação e destituição dos directores e directores adjuntos inscreve-se nessa preocupação. No entanto, face à legislação em vigor à data da publicação da legislação que criou a ERC — a Lei n.º 18-A/2002, que alterou a Lei da AACS — deixaria de se tornar condição essencial para a natureza vinculativa do parecer a circunstância de este se fundamentar na violação das garantias previstas no n.º 6 do artigo 38.º da Constituição — garantia da independência e do pluralismo.
A intervenção da ERC vai todavia mais longe, não se cingindo a essas matérias, uma vez que lhe compete promover a realização anual de uma auditoria à RTP, de forma a verificar a boa execução dos contratos de concessão, o que pressupõe uma apreciação tanto no domínio dos conteúdos exibidos como da conformidade da gestão, nomeadamente financeira, com as boas práticas nessa matéria.
32 Artigo 23.º da Lei n.º 27/2007, de 30 de Julho.
33 Deliberação da ERC n.º 1/IND/2007, de 21 de Agosto de 2007, p. 7.
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3 — Sobre a actividade da ERC, em função dos relatórios de regulação e de actividades e contas, relativos a 2007, e da legislação em vigor:
1 — O Conselho Regulador da ERC apresentou dois relatórios relativos à sua actividade em 2007.
O mais relevante, se atendermos à prossecução dos objectivos desta entidade, é o Relatório de Regulação. De acordo com o disposto no artigo 73.º, n.º 2, dos Estatutos da ERC, trata-se de «um relatório anual sobre as suas actividades de regulação».
No entanto, é o próprio Presidente do Conselho Regulador quem sublinha que «com mais precisão (…) este documento representa tanto um relatório (porque reporta) como também, em larga medida, um exercício ex novo de regulação», uma vez que «o Conselho Regulador procurou estabelecer um retrato, o estado da arte, da comunicação social em Portugal».
O resultado deste exercício traduz-se num extenso documento de 1199 páginas, que soma a análise ao sector da comunicação social à apreciação retrospectiva da actuação da ERC em 2007.
Depois de uma parte inicial, que inclui um sumário executivo, a apresentação de um conjunto de dados sobre a actividade da ERC em 2007, uma descrição da sua estrutura orgânica e funcional e um relato sucinto da Conferência Internacional da ERC «Por uma Cultura de Regulação», o relatório surge subdividido em quatro títulos: quadro normativo e iniciativas de regulação, análise económica do sector, os meios e sondagens. O Título I está dividido em duas partes — evolução e deliberações doutrinais da ERC e auto-regulação, coregulação e co-regulação.
O Título II inclui uma única parte relativa à análise dos grupos económicos, o que engloba uma apresentação institucional de cada um deles (ZON Multimédia, Impresa, Media Capital, RTP, Cofina, Controlinveste, Impala, Renascença e Sonaecom), uma identificação das suas áreas de negócio e uma análise económica e financeira, a qual indica os principais eixos de evolução em relação ao ano de 2006.
O Título III tem quatro partes. A primeira sobre o consumo e o perfil sociográfico dos públicos e as três restantes sobre a rádio, a televisão e a imprensa.
O Título IV é consagrado às sondagens.
Face ao Relatório de Regulação de 2006, um volume de 596 páginas, a mais relevante originalidade consiste no Título I, que analisa desenvolvidamente as principais deliberações doutrinais em áreas tão relevantes como a independência e o pluralismo, o rigor informativo, a protecção dos públicos sensíveis e o direito de resposta, tema que merece um capítulo específico.
A mudança é assumida pelo Conselho Regulador. Na apresentação do Relatório de Regulação de 2007, o Presidente daquele órgão recorda que «quando da elaboração do Relatório de Regulação de 2006, o Conselho Regulador decidiu que, no primeiro ano em que realizava tal exercício, era mais avisada a divulgação dos dados coligidos sem inclusão de qualquer posição interpretativa, fosse ela crítica, elogiosa ou neutra». O segundo relatório abandonou essa posição mais defensiva, contendo uma síntese das principais tomadas de posição da ERC nessas sensíveis e relevantes matérias.
O segundo documento, de bem menor dimensão — 192 páginas, se não contarmos com os documentos de prestação de contas — é o relatório de actividades e contas de 2007, que contém os elementos principais para avaliação da ERC numa perspectiva organizacional e contabilístico-financeira.
Sem prejuízo da apreciação globalmente muito positiva que se justifica fazer dos relatórios em apreço, quer pelo seu contributo para o estudo do sector da comunicação social quer por aquilo que eles traduzem do meritório trabalho da ERC, impõe-se, desde logo, questionar o Conselho Regulador sobre a vantagem em elaborar dois relatórios distintos, em momentos diversos. Este reparo já tinha sido, aliás, formulado no parecer (pág. 38) da Comissão Parlamentar de Ética, Sociedade e Cultura relativo aos relatórios de regulação de 2006.
É verdade que a legislação em vigor apresenta normas aparentemente contraditórias sobre esta matéria.
De facto, a lei (alínea c) do n.º 2 do artigo 24.º da Lei n.º 53/2005, de 8 de Novembro) refere-se à elaboração anual de «um relatório sobre a situação das actividades de comunicação social e sobre a sua actividade de regulação e supervisão», enquanto que o artigo 73.º, n.º 2, do mesmo diploma, aprovado por esta Assembleia, atribui à ERC a obrigação de enviar ao Parlamento «um relatório anual sobre as suas actividades de regulação, bem como o respectivo relatório de actividade e contas». Aliás, em rigor, competiria à ERC, nos termos do artigo 15.º, n.º 2, alínea f), da Lei das Sondagens (Lei n.º 10/2000, de 21 de Junho), elaborar ainda um outro relatório anual, sobre o cumprimento dessa lei, a apresentar anualmente à Assembleia da República.
Neste caso, o Conselho Regulador optou, acertadamente, por incluir esse relato sobre a sua actividade no domínio das sondagens como título autónomo (Título IV) do Relatório de Regulação.
Por outro lado, é também verdade que, como atrás se referia, o cumprimento dos prazos legalmente fixados para a entrega dos relatórios da ERC (31 de Março), onde deverá merecer lugar destacado a análise económica do sector, se torna realisticamente impossível, tendo em consideração que as empresas (incluindo naturalmente as de comunicação social) apenas aprovam, nessa altura, as suas contas.
No entanto, esta é uma questão que, sem prejuízo da necessária clarificação da legislação em apreço, deveria ser igualmente ponderada pelo Conselho Regulador.
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2 — O relatório de regulação de 2007: Face ao documento de 2006, o extenso Relatório de Regulação de 2007 contém inovações que merecem registo.
Em primeiro lugar, ele reflecte o aprofundamento da monitorização e estudo das actividades dos diversos meios. Em segundo lugar, mais do que uma descrição mais aprofundada do sector, o documento apresenta, pela primeira vez, como é sublinhado, a doutrina da ERC sobre temáticas tidas como fundamentais, tais como a independência e o pluralismo, o rigor informativo e a protecção dos públicos sensíveis. Residirá aqui, como adiante se sublinhará de novo, o contributo mais relevante do relatório e da própria actividade da ERC.
Por outro lado, o documento retoma o meritório contributo doutrinário sobre o direito de resposta, que constituíra um aspecto bem positivo do legado da AACS.
Igualmente se deverá assinalar o meritório esforço para assegurar a celeridade das decisões relativas ao direito de resposta, indispensável para garantir a sua eficácia. Como recorda, num texto de apresentação do Relatório de Regulação, o Presidente do Conselho Regulador, Professor Azeredo Lopes, o atraso com que eram decididos muitos recursos relativos ao exercício do direito de resposta fora objecto de reparos na audição parlamentar da ERC, em Novembro de 2007. Agora, é possível assegurar uma deliberação relativo a direito de resposta num prazo de, aproximadamente, duas semanas — ou até menos em alguns casos.
A correcção dessa situação e a iniciativa de fixar critérios interpretativos merecem aplauso, tanto mais que, conforme se conclui das estatísticas relativas à actividade da ERC, o alegado incumprimento do direito de resposta, especialmente na imprensa, constitui o objecto do maior número de queixas remetidas para esta entidade.
No entanto, esta circunstância e a importância do próprio instituto do direito de resposta impõem que a ERC lhe continue a atribuir uma justificada prioridade. O direito de resposta, nunca será demais sublinhá-lo, não é apenas o poder que assiste a todo aquele que seja pessoalmente afectado pelo conteúdo de um órgão de comunicação social de fazer publicar ou transmitir nesse mesmo órgão um texto seu. É também um instrumento essencial de pluralismo e de veracidade informativa, de que todos beneficiamos.
Deste modo, sugere-se que o Conselho Regulador, sem prejuízo das iniciativas já tomadas no domínio da auto-regulação e da co-regulação, conforme se dá conta nas págs. 185 e seguintes do relatório, prossiga a sua reflexão sobre este tema. Por exemplo, deverá a ERC intervir apenas perante a expressa solicitação de um queixoso ou, mesmo que com um fim meramente pedagógico e sem qualquer divulgação pública da sua atitude, sempre que verificar ter havido um grave incumprimento deste direito? No mínimo, em nosso entender, impor-se-ia que a ERC acompanhasse o cumprimento efectivo das suas deliberações por parte dos órgãos de comunicação social, quando lhes coubesse a difusão das respostas ou rectificações, mesmo que tal não fosse requerido pelo queixoso. Por outro lado, a ERC deverá ter em conta a Directiva da AACS n.º 1/2001 (Diário da República, II Série, de 23 de Março de 2001) que determinava, alterando uma prática anterior, que «sempre que esteja em causa o interesse público, como, designadamente, a defesa do regime e das instituições democráticas, da saúde pública, do ambiente, dos direitos dos menores e dos direitos das minorias étnicas, a Alta Autoridade poderá actuar contra a errada localização dos textos das respostas ou das rectificações, mesmo não ocorrendo recurso por parte dos visados».
O relatório valoriza igualmente o contributo da monitorização e do estudo dos diversos meios. Como refere o Presidente do Conselho Regulador na apresentação do relatório, «foi alargado o âmbito de monitorização da televisão; foi, pela primeira vez, iniciada uma caracterização mais desenvolvida do sector da rádio; feita uma caracterização mais aprofundada da imprensa; e foi feito um esforço significativo para uma melhor caracterização económica do sector em 2007».
De facto, o Título III do Relatório de Regulação (págs. 283 a 1137) representa a sua parte mais desenvolvida, pelo que vale a pena enunciar o vasto e diversificado conjunto de dados acolhidos sob a designação «Os Meios».
Numa primeira parte são analisados os consumos e os perfis sociográficos dos públicos. Em relação à televisão hertziana e à rádio, é feita a descrição, respectivamente, dos tempos de visionamento televisivo ou de audição radiofónica diária, dos desempenhos em termos de share e de rating, da programação e do perfil sociográfico dos públicos dos canais generalistas e das principais estações de radiodifusão (pela sua cobertura nacional ou regional ou pela sua integração num dos principais grupos). São exibidos dados relativos à taxa de penetração do serviço de televisão por cabo e por satélite; à circulação (vendas em banca+assinaturas+ofertas) da imprensa portuguesa, segmentados por periodicidade e por categorias; e aos incentivos do Estado à imprensa regional e ao financiamento público das rádios locais, neste caso através do apoio a 18 projectos no âmbito do incentivo à iniciativa empresarial e desenvolvimento multimédia. Finalmente, ainda que de forma sucinta, é prestada informação sobre os novos sistemas alternativos de acesso à televisão por subscrição (IPTV e Tmax) e relativa às taxas de utilização de computadores e de acesso à Internet, incluindo as principais modalidades de concretizar esse acesso.
As Partes II, III e IV respeitam aos meios rádio, televisão e imprensa.
Relativamente à rádio, o relatório subdivide-se em cinco capítulos.
No primeiro, são apresentados os resultados de um inquérito realizado em colaboração com a Escola Superior de Comunicação Social, neste caso obtidos junto do subsector das rádios locais com o objectivo de
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identificar os seus padrões e tendências programáticas. O segundo capítulo enunciava as alterações verificadas, ainda no subsector das rádios locais, ao projecto de radiodifusão em diversos parâmetros: controlo do capital social; conteúdos e designações dos serviços de programas; e designações dos operadores. O terceiro capítulo identifica as 19 entidades com participação no capital social de três ou mais serviços de programas, num universo que integra as rádios nacionais, regionais e locais, assinala os distritos de Lisboa, Porto e Aveiro como os que dispõem de um maior número de operadores e refere que das 347 rádios locais 21 estão classificadas como temáticas (16 musicais e cinco informativas) e as restantes 326 como generalistas. No quarto capítulo é analisada a programação dos diferentes serviços de programas do operador de serviço público de radiodifusão e as suas reforçadas obrigações, na Antena 1, em matéria de emissão de música portuguesa. O cumprimento por parte dos diferentes serviços de programas nacionais, regionais e locais relativamente às quotas obrigatórias de emissão de música em língua portuguesa constituem o objecto do capítulo quinto, constatando-se que nos três meses em análise (Outubro a Dezembro de 2007) a grande maioria das estações cumpriu o limite da referida quota com valores à volta dos 80 por cento, consoante o mês em causa.
A extensa Parte III (páginas 441 a 871) é consagrada à televisão, incluindo três capítulos.
No primeiro, é realizada uma apreciação sobre a forma (considerada satisfatória) como os serviços de programas da RTP, SIC, TVI e SIC Notícias (Lisboa TV) cumpriram as suas obrigações em matéria de difusão de obras audiovisuais (defesa da língua portuguesa, produção europeia e produção independente), apreciado o comportamento dos operadores de serviços de programas de difusão terrestre face aos atrasos, antecipações e alterações na programação anunciada, analisadas a conformidade das interrupções para publicidade, patrocínios e autopromoções com os limites legalmente impostos e, na última secção deste capítulo, enumerados os pedidos de autorização de acesso à actividade de televisão — dois autorizados e outros dois não autorizados —, bem como as autorizações para alteração da denominação de quatro serviços de programas na plataforma de distribuição por cabo.
O segundo capítulo analisa as grelhas de programação dos quatro serviços de programas de acesso não condicionado livre, emitidos pela RTP1, RTP2, SIC e TVI. Como se sublinha no Relatório (pág. 491), este escrutínio decorre da própria lei e abrange tanto a verificação do cumprimento, por parte dos operadores privados de televisão, dos «fins genéricos e específicos» da actividade televisiva, e «das obrigações fixadas nas respectivas licenças ou autorizações», como ainda, no caso do desempenho dos serviços de programas explorados pela concessionária do serviço público, a sua conformidade com a lei e com o contrato de concessão.
A relevância deste acompanhamento pela ERC, que o relatório sublinha com evidente ênfase, enumerando as diversas normas que o fundamentam e corporizam, justificaria a extensão do capítulo. E o seu detalhe: a análise da programação, com recurso a múltiplos dados estatísticos, abrange diversas categorias de programas — macrogéneros (informativos, desportivos, ficção, infantis/juvenis, entretenimento, culturais/conhecimento e institucionais/religiosos) e géneros, a duração e a frequência dos programas. A análise da programação obedece a critérios e técnicas de amostragem detalhadamente descritos em anexo ao capítulo (páginas 609 a 618).
O terceiro capítulo desta Parte III, relativa ao meio televisão, debruça-se sobre os resultados da monitorização dos blocos informativos das 20 horas, emitidos pelos três principais serviços de programas generalistas de acesso não condicionado livre: RTP1, SIC e TVI. Depois de definido o quadro conceptual, é feita uma análise comparativa da informação emitida em 2007 nos blocos informativos das 20 horas, em função de um diversificado conjunto de critérios. Os diferentes blocos informativos são igualmente analisados, separadamente, de acordo com a diversidade e pluralismo político, social e cultural nos temas abordados, nas fontes de informação e nos actores/protagonistas presentes nas peças, com o rigor e isenção no tratamento da informação, a contextualização da informação, a presença de crianças e jovens, e a informação política nacional. Finalmente, é apresentada uma análise comparativa dos blocos informativos em 2006 e 2007 e, em anexo (páginas 853 a 868), uma definição e enumeração dos critérios técnicos e amostras que fundamentaram o estudo.
A Parte IV deste título dedicado aos diferentes meios é consagrada à imprensa e concretiza-se mediante um relatório de monitorização de órgãos de imprensa periódica de expansão nacional (Público, Diário de Notícias, Jornal de Notícias, Correio da Manhã, 24 Horas, Expresso e Sol), assim como dos dois jornais com capitais públicos (Jornal da Madeira e Diário do Alentejo). Ciente que não esgota, com esta monitorização, o necessário acompanhamento das actividades da imprensa, o Conselho Regulador fez incidir a análise apresentada, em especial, sobre o rigor e isenção da informação, aí se incluindo, como se refere na página 875, «a diversificação e identificação das fontes, bem como a conformidade da informação publicada com os objectivos definidos nos estatutos editoriais das publicações consideradas». Em anexo (páginas 1115 a 1130), são descritos os critérios técnicos e as amostras que fundamentaram a análise.
O extenso Título III sobre os diferentes meios de comunicação ocupa 848 páginas — bem mais de dois terços do relatório.
O volume de informação produzida e divulgada constitui, é certo, um contributo inestimável para o conhecimento do sector, nas suas mais diversas vertentes.
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No entanto, impõe-se, desde logo, questionar o Conselho Regulador sobre a orientação imprimida a esta vasta colectânea de dados estatísticos: não competirá antes ao Obercom — Observatório da Comunicação, em primeira instância, a sua produção e divulgação? Não deveria o Conselho Regulador estabelecer com o Obercom, e eventualmente com outras instituições universitárias como aquelas que já colaboram com a ERC, um protocolo de cooperação, potenciando o inestimável contributo que ambos podem dar ao estudo e reflexão sobre os problemas e desafios da comunicação social portuguesa? Não deveria antes a ERC centrar a sua atenção, prioritariamente, nos objectivos da regulação, utilizando os dados recolhidos numa perspectiva instrumental como sustentação de uma atitude bem mais assertiva sobre as principais questões relativas aos media, à sua liberdade e ao direito à informação dos portugueses? Estas reflexões, partilhadas por alguns deputados na audição realizada em 2 de Julho pela CESC, foram, sublinha-se, partilhadas pelo Conselho Regulador, que anunciou a introdução de algumas mudanças, que se aplaudem, nos próximos relatórios.
A ERC divulgou, em Março de 2007, um Relatório de Avaliação do Pluralismo Político-Partidário no Serviço Público. Durante algumas semanas, esse relatório conduziu a uma acesa polémica nos órgãos de comunicação social e nos meios políticos. Houve quem lesse no relatório a denúncia de uma evidente governamentalização da informação do serviço público de televisão e quem, pelo contrário, concluísse não estar em causa o princípio da independência do operador de serviço público perante o poder político nem o seu pluralismo informativo. E houve ainda quem — nomeadamente os responsáveis pela informação da RTP — contestasse uma alegada sobreposição dos critérios referidos no relatório aos critérios jornalísticos. A verdade é que a ERC foi bem pouco assertiva nas suas conclusões, deixando generalizar-se uma polémica interpretativa, sem esclarecer devida e concludentemente a sua própria opinião, como se fosse alheia à origem e ao próprio conteúdo da controvérsia. Não basta referir-se que «a RTP equilibrou tendencialmente — do ponto de vista da representação — a presença do Governo e do PS, por um lado, e partidos da oposição, por outro» (Relatório de Avaliação do Pluralismo, p. 4) ou, agora no Relatório de Regulação, pág. 718, que «em termos gerais, pode afirmar-se que existe no Telejornal da RTP1 diversidade e pluralidade de temas, actores e fontes de informação». Ou ainda (Deliberação 10/PLU-TV/2007, de 27 de Setembro sobre uma queixa do Bloco de Esquerda contra a RTP e a SIC, citada na pág. 103 do Relatório) que os operadores televisivos não se encontram «obrigados a uma representação equitativa das iniciativas promovidas por forças político-partidárias (…), cabendo-lhes decidir sobre os acontecimentos a noticiar e as suas formas de mediatização, de acordo com critérios jornalísticos por eles definidos» e ainda, na mesma deliberação, «(…) tal não significa que a RTP deva assegurar em todo e qualquer caso, segundo um princípio de igualdade aritmético ou contabilístico, a representação de todos os grupos com assento parlamentar».
Igualmente pouco concludente terá sido a apreciação sobre a programação do operador de serviço público de televisão. Existe em Portugal, e não apenas na comunicação social ou nos meios académicos, uma polémica recorrente sobre a programação de serviço público de televisão. Para uns, ela não se distingue da oferecida pelos seus concorrentes privados. Para outros, ela deveria inclusivamente privilegiar a programação cultural e educativa, porventura aproximando-se do modelo de serviço público vigente em alguns países, como os EUA. Não falta igualmente quem se mostre fiel ao modelo europeu, que, numa síntese clássica, ambiciona conciliar funções de informação, formação e entretenimento. E quem entenda legítima a procura de um maior share, para tanto recorrendo a uma programação mais popular.
Relativamente à programação, sem pretender desvalorizar o vasto e diversificado conjunto de dados fornecidos por este relatório, tanto em relação àquele operador como aos operadores privados SIC e TVI, não ignorando igualmente que resulta evidente dessa análise existir uma clara distinção entre a RTP, por um lado, e os operadores comerciais, por outro, fica por conhecer a exacta opinião do Conselho Regulador sobre a conformidade da programação da RTP com as obrigações que sobre ela impendem e, sobretudo, sobre a forma como a RTP responde aos velhos desafios inerentes ao modelo europeu de serviço público de televisão.
De qualquer forma, quer em relação à RTP quer aos operadores privados, o relatório aponta diversos incumprimentos em matérias tão diversas como algumas das quotas mínimas de difusão de obras audiovisuais, o cumprimento dos horários de programação, os limites de emissão da publicidade comercial.
Fica, no entanto, por conhecer, no relatório, que ilações retira então a ERC destas falhas e omissões, sem dúvida mais condenáveis, pelo seu estatuto próprio, relativamente ao operador de serviço público. Limita-se a ERC a assinalá-las? As explicações fornecidas pelo Conselho Regulador na audição parlamentar, sobre a sua conduta deveriam figurar no próprio relatório, incluindo uma apreciação, necessariamente genérica, sobre a programação dos operadores televisivos.
O relatório inclui igualmente uma pormenorizada análise dos conteúdos das principais publicações periódicas de informação geral e expansão nacional. Não colocando de novo em causa o rigor dos estudos e a sua relevância para os estudiosos do sector, parece razoável formular dúvidas sobre se não haveria outras publicações, cujo estudo se revestisse até de idêntica ou até, nesta fase, de maior acuidade. Atentas as características das «revistas de sociedade», onde se publicam, com alguma frequência, conteúdos que colocam em causa os direitos à imagem e à intimidade da vida privada e familiar, impor-se-ia uma apreciação dessas publicações, que têm significativas tiragens e uma influência multiplicada pelo eco de que dispõem em programas específicos nos serviços de programas de rádio e de televisão.
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Por outro lado, o relevo e a influência da comunicação social de âmbito local e regional mereceriam igualmente uma análise atenta. Tal foi, aliás, anunciado na reunião da CESC de 2 de Julho, o que mereceu aplauso unânime. A pequena dimensão dos mercados a que se destina torna-a muitas vezes demasiado dependente do poder local autárquico, designadamente nas suas receitas publicitárias, o que frequentemente acarreta uma diminuição da sua independência e pluralismo. Essa poderá, em nosso entender, ser um dos aspectos nucleares do estudo a realizar sobre a comunicação social regional e local, que o Conselho Regulador se propõe realizar.
O Título IV (e não III como, por gralha, se pode ler na página 1133) do Relatório de Regulação aborda o tema das sondagens, descrevendo-se não apenas as atribuições e competências da entidade reguladora nessa matéria, através da sua Unidade de Sondagens, como a respectiva actividade na credenciação das empresas e, depois disso, o grau de cumprimento dos requisitos legais exigidos quer às empresas produtoras de sondagens de opinião quer aos órgãos de comunicação social que as divulgam.
São ainda divulgados vários dados relativos às 124 sondagens depositadas durante o ano de 2007: o número de sondagens por mês, por empresa, por órgão de comunicação social, por tema, por tipo de eleição, por método de recolha de informação, por método de selecção, âmbito geográfico e dimensão das amostras e pela duração do período de recolha de informação. Idêntica descrição é feita sobre as sondagens divulgadas, prevalecendo neste caso o tipo de suporte.
O relatório relembra ainda a promoção de uma conferência subordinada ao tema genérico — Sondagens: Desafios e Problemas de Regulação, que visou a criação de um espaço público de reflexão sobre a prática e divulgação das sondagens de opinião.
Não foi este o único espaço de reflexão proporcionado pela ERC para debater aspectos relevantes relacionados com a respectiva actividade. A ERC organizou, por exemplo, em Outubro de 2007, a sua primeira conferência internacional, que se pretende venha a ter uma periodicidade anual, dedicada ao tema «Por uma Cultura de Regulação». As iniciativas deste tipo são louváveis. O órgão regulador deve fomentar o mais amplo debate e reflexão sobre o seu campo de actuação e até sobre a forma como executa a sua missão. Mas deve — esse será o único aspecto dissonante nesta matéria — procurar um maior equilíbrio na selecção dos oradores intervenientes para essas iniciativas. Na referida conferência predominaram os regulados, responsáveis — directores e administradores — dos órgãos de comunicação social e escassearam os representantes dos leitores, ouvintes e espectadores…
3 — O relatório de actividades e contas de 2007: O relatório de actividades e contas está dividido em duas partes. A primeira, sobre a actividade da entidade reguladora, contém uma síntese das 195 deliberações adoptadas pelo Conselho Regulador, relativas aos meios televisão, imprensa, rádio e Internet. Sublinha-se que as questões ligadas ao direito de resposta, e neste campo particularmente na imprensa, correspondem ao tema que suscitou um maior número de intervenções da ERC (cerca de 24% do total). E que a imprensa (com perto de 47% das deliberações tomadas) continua a ser, seguida da televisão com 26%, o meio que suscitou um maior número de tomadas de decisão, sendo certo que cerca de metade têm a ver com o direito de resposta (44 em 92 deliberações). São ainda resumidamente descritas as deliberações sobre sondagens de opinião, concorrência e concentração da propriedade e direito de acesso às fontes de informação e os pareceres relativos à nomeação de directores de conteúdos da RTP.
A descrição, mesmo sucinta, das deliberações aprovadas pelo Conselho Regulador reveste-se de indiscutível importância, a vários títulos. Por exemplo, fornece indicações sobre o tipo de questões colocadas à ERC e informa sobre a natureza e alcance da fundamentação utilizada nas deliberações tomadas.
Já não nos parece tão acertada a sua colocação num volume diverso do relatório da regulação, uma vez que as deliberações do Conselho Regulador estão no âmago da regulação.
Por outro lado, a síntese das deliberações deveria incluir as datas de início do processo e da deliberação, o que não acontece com uma parte significativa delas. Isso permitiria certificar a capacidade do Conselho Regulador em deliberar em tempo útil, o que se constata não ter acontecido demasiadas vezes.
Esta primeira parte integra, igualmente, uma descrição do enquadramento legal da ERC e da sua estrutura orgânica e funcional, uma listagem cronológica de alguns factos considerados relevantes na vida da instituição, uma breve referência às suas infra-estruturas e equipamentos, e a enumeração das actividades dos departamentos (jurídico e de gestão), Unidades (de Análise dos Media, de Fiscalização, de Monitorização, de Registos e de Sondagens) e gabinetes (de Comunicação e de Estatística) da ERC, bem como uma resumida enunciação das actividades no âmbito das relações institucionais e internacionais da entidade.
A segunda parte é preenchida com uma análise económico-financeira da entidade reguladora, sendo descritos a sua situação económica, financeira e orçamental, o quadro geral relativo aos recursos humanos e os recursos materiais existentes.
Foram igualmente disponibilizados os documentos de prestação de contas, assim como a certificação legal de contas.
A Lei n.º 53/2005, de 8 de Novembro, que cria a ERC, estabeleceu uma forma de financiamento desta entidade assente sobretudo nas verbas provenientes do Orçamento do Estado, mas também, a exemplo de outras das suas congéneres, em taxas e outras receitas a cobrar junto das entidades que prosseguem
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actividades de comunicação social. Previa-se ainda uma participação da ERC nas receitas líquidas de cada exercício anual do ICP-ANACOM, que para 2007 foi calculada em um milhão de euros.
Por sua vez, o Decreto-Lei n.º 103/2006, de 7 de Junho, que aprovou o regime de taxas da ERC, estabeleceu um sistema tripartido, que assenta em diferentes formas de remuneração da actividade de regulação de conteúdos de comunicação social. A taxa de regulação e supervisão visa remunerar os custos específicos incorridos pela actividade da ERC. A taxa por serviços prestados, em contraste com a anterior, visa remunerar especificamente a realização casuística de determinadas actividades. A taxa por emissão de títulos habilitadores visa remunerar os custos pelo procedimento administrativo inerente à sua outorga. A Portaria n.º 136/2007, de 29 de Janeiro, fixaria os montantes pecuniários a pagar pelas entidades que prosseguem actividades de comunicação social.
No entanto, de acordo com a transparência exigível nos documentos deste tipo, o relatório refere, na página 178, que as dívidas dos contribuintes, em 2007, ascendem a 424 924,86 euros, dos quais 363 263,00 euros se encontram em contribuintes de cobrança duvidosa. Pela leitura dos quadros publicados no relatório, nomeadamente o Quadro 5 (pág. 181), depreende-se que cerca de 25% da receita referente à taxa de regulação e supervisão, a que permitiria um maior encaixe financeiro, não foi cobrada. Todavia, em parte alguma do relatório se identificam as categorias e os meios a que pertencem os contribuintes em falta, nem é esclarecido o contexto em que se inserem essas dívidas ou quais foram os procedimentos já encetados pela ERC.
Conhecendo-se a contestação que alguns órgãos de comunicação social moveram a esta taxa, impor-se-ia um maior esclarecimento sobre esta questão, mesmo que ela não impeça, por via de um rigor que se aplaude, a obtenção de resultados positivos no exercício económico de 2007.
Da mesma forma, deveria ser referida a razão para que não tenha existido qualquer montante cobrado relativamente à taxa por emissão de títulos habilitadores.
Parte III — Conclusões
1 — Nos termos do artigo 73.º, n.º 2, dos Estatutos da ERC — Entidade Reguladora para a Comunicação Social, aprovados pela Lei n.º 53/2005, de 8 de Novembro, foram enviados à Assembleia da República, para apreciação, o relatório de regulação e o relatório de actividades e contas, ambos respeitantes ao ano de 2007.
A análise a que se procedeu dos documentos, cujo rigor técnico, abrangência e relevância devem ser realçados, confirma a clara melhoria das actividades de regulação do sector da comunicação social, já unanimemente sublinhada, aliás, no Parecer da Comissão de Ética, Sociedade e Cultura referente aos relatórios da ERC sobre a sua actividade em 2006.
2 — Dotada de um amplo leque de atribuições e competências, que ao contrário da generalidade dos seus congéneres se estende à própria imprensa, o Conselho Regulador da ERC soube, de forma geral, aproveitar a sua capacidade de intervir a diferentes níveis e em várias fases, desde o momento preliminar da fixação das regras gerais do seu funcionamento, passando pela supervisão da actividade desenvolvida até à adopção de medidas que permitam induzir o cumprimento de condições predefinidas ou prevenir e penalizar eventuais desvios.
3 — Ao mesmo tempo, a ERC promoveu a co-regulação e incentivou a adopção de mecanismos de autoregulação. Estas louváveis iniciativas, nomeadamente numa matéria com a importância do direito de resposta, deverão ser prosseguidas e alargadas.
4 — A exemplo do que já realizara em 2006, o Relatório de Regulação de 2007 divulga um vasto conjunto de dados relativos aos diversos meios de comunicação social. Não colocando em causa nem o rigor científico nem a relevância destes dados para a imprescindível reflexão sobre o sector, importaria reflectir sobre se tal esforço não poderia, com vantagem, ser articulado com outras instituições porventura mais vocacionadas para esse efeito, como, por exemplo o Obercom. Tal permitiria, entre outras vantagens, centrar a ERC nas suas competências essenciais. Sem prejuízo do estudo e da reflexão sobre os temas do sector, importaria que a entidade reguladora se centrasse mais, nomeadamente, nos objectivos da regulação, utilizando os dados recolhidos numa perspectiva instrumental, como sustentação de uma atitude mais assertiva sobre as principais questões relativas aos media, à sua liberdade e ao direito à informação dos portugueses.
5 — De qualquer forma, impõe-se prosseguir uma análise crítica dos principais órgãos de comunicação social. Atentas as características das «revistas de sociedade», onde se publicam, com alguma frequência, conteúdos que colocam em causa os direitos à imagem e à intimidade da vida privada e familiar, impor-se-ia uma apreciação dessas publicações, que têm significativas tiragens e uma influência multiplicada pelo eco de que dispõem em programas específicos de alguns serviços de programas de rádio e de televisão. Por outro lado, a pequena dimensão dos mercados relativos à comunicação social regional e local coloca frequentemente esse sector, imprensa regional e rádios locais, muito dependente do poder autárquico, cuja influência pode limitar a sua independência. Trata-se de outro tema que deverá ser analisado pelo Conselho Regulador, tal como, aliás, foi anunciado na reunião da CESC, realizada em 2 de Julho.
6 — Igualmente se deverá assinalar o meritório esforço para assegurar a celeridade das decisões relativas ao direito de resposta, indispensável para garantir a sua eficácia. Agora, é possível assegurar uma deliberação
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relativo a direito de resposta num prazo de, aproximadamente, duas semanas — ou até menos em alguns casos. A correcção dessa situação e a iniciativa de fixar critérios interpretativos merecem aplauso, tanto mais que, conforme se conclui das estatísticas relativas à actividade da ERC, o alegado incumprimento do direito de resposta, especialmente na imprensa, constitui o objecto do maior número de queixas remetidas para esta entidade. No entanto, esta circunstância e a importância do próprio instituto do direito de resposta impõem que a ERC lhe continue a atribuir uma justificada prioridade. O direito de resposta, nunca será demais sublinhá-lo, não é apenas o poder que assiste a todo aquele que seja pessoalmente afectado pelo conteúdo de um órgão de comunicação social de fazer publicar ou transmitir um texto da sua autoria nesse mesmo órgão. É também um instrumento essencial de pluralismo e de veracidade informativa, de que todos beneficiamos. Nesse sentido, impõe-se que a ERC acompanhe o cumprimento efectivo das suas deliberações por parte dos órgãos de comunicação social, quando lhes coubesse a difusão das respostas ou rectificações, mesmo que tal não seja requerido pelo queixoso.
7 — A atempada apreciação de todas as queixas e demais processos, e não apenas os relativos ao direito de resposta, deverá constituir um paradigma essencial da actuação do Conselho Regulador. Em alguns processos, mais do que noutros, a celeridade da decisão constitui mesmo uma condição essencial para a sua justeza e eficácia. Existindo alguma demora, aparentemente injustificada, na tomada de algumas deliberações pelo Conselho Regulador, recomenda-se uma urgente correcção dos procedimentos necessários para que tal situação seja ultrapassada.
8 — A Lei n.º 53/2005, de 8 de Novembro, que cria a ERC, estabeleceu uma forma de financiamento desta entidade assente, sobretudo, nas verbas provenientes do Orçamento do Estado, mas também, a exemplo de outras das suas congéneres, em taxas e outras receitas a cobrar junto das entidades que prosseguem actividades de comunicação social. De acordo com a transparência exigível nos documentos deste tipo, o relatório refere que as dívidas dos contribuintes, em 2007, ascendem a 424 924,86 euros, dos quais 363 263,00 euros se encontram em contribuintes de cobrança duvidosa. Pela leitura dos quadros publicados no relatório, depreende-se assim que cerca de 25% da receita referente à taxa de regulação e supervisão, a que permitiria um maior encaixe financeiro, não foi cobrada. Todavia, em parte alguma do relatório se identificam as categorias e os meios a que pertencem os contribuintes em falta, nem é esclarecido o contexto em que se inserem essas dívidas ou quais foram os procedimentos já encetados pela ERC. Conhecendo-se a contestação que alguns órgãos de comunicação social moveram a esta taxa, impor-se-ia um maior esclarecimento sobre esta questão, mesmo que ela não impeça, por via de um rigor que se aplaude, a obtenção de resultados positivos no exercício económico de 2007.
9 — De acordo com o artigo 34, n.º 3, da Lei da Televisão (Lei n.º 27/2007, de 30 de Julho), compete à ERC definir «ouvidos os operadores de televisão, o conjunto de obrigações que permite o acompanhamento das emissões por pessoas com necessidades especiais, nomeadamente através do recurso à legendagem, à interpretação por meio de língua gestual, à audiodescrição ou a outras técnicas que se revelem adequadas, com base num plano plurianual que preveja o seu cumprimento gradual, tendo em conta as condições técnicas e de mercado em cada momento por ela verificados».
Esta nova competência atribuída à entidade reguladora reveste-se da maior importância para um vasto conjunto de pessoas, até agora privadas de um adequado acompanhamento das emissões televisivas.
Acresce que, na fase actual de transição para a era digital, nomeadamente com o próximo lançamento da televisão digital terrestre, a pronta definição dessas obrigações constituiria uma importante clarificação do caderno de encargos dos operadores de televisão, salvaguardando de forma mais eficaz o seu pleno cumprimento. Estranha-se, por isso, a total omissão de qualquer referência a esta obrigação como ao eventual trabalho já encetado pela ERC neste domínio. Deste modo, recomenda-se ao Conselho Regulador que rapidamente venha a suprir o atraso verificado na concretização daquela norma.
Os Relatórios de Regulação e de Actividades e Contas referentes a 2007 reúnem as condições constitucionais, legais e regimentais para serem apreciados e debatidos em Plenário, reservando os grupos parlamentares as suas posições para essa ocasião.
Assembleia da República, 3 de Julho de 2007.
O Deputado Relator, Alberto Arons de Carvalho — A Vice-Presidente da Comissão, Teresa Portugal.
Nota: — As Partes I e III foram aprovadas por unanimidade, tendo-se registado a ausência do PCP:
A Divisão de Redacção e Apoio Audiovisual.