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Sexta-feira, 15 de novembro de 2024 II Série-C — Número 27

XVI LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2024-2025)

S U M Á R I O

Comissões parlamentares: Comissão Parlamentar de Inquérito à gestão estratégica e financeira e à tutela política da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa: — Despacho n.º 64/XVI — Pedido de parecer à Procuradoria-Geral da República, com carácter de urgência, sobre a legalidade de diversos pedidos de documentação constantes dos requerimentos apresentados pelos grupos parlamentares.

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DESPACHO N.º 64/XVI

PEDIDO DE PARECER À PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA, COM CARÁCTER DE

URGÊNCIA, SOBRE A LEGALIDADE DE DIVERSOS PEDIDOS DE DOCUMENTAÇÃO CONSTANTES

DOS REQUERIMENTOS APRESENTADOS PELOS GRUPOS PARLAMENTARES

Enquadramento:

A Comissão Parlamentar de Inquérito à Gestão Estratégica e Financeira e à Tutela Política da Santa Casa

da Misericórdia de Lisboa1 (doravante CPI) solicitou ao Presidente da Assembleia da República que

submetesse um pedido de parecer ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República sobre a

legalidade de diversos pedidos de documentação constantes de requerimentos apresentados pelos

Grupos Parlamentares, com indicação de que «algumas das solicitações incidem sobre comunicações

potencialmente abrangidas pelo disposto nos n.os 1 e 4 do artigo 34.º da Constituição da República Portuguesa

(diretamente aplicáveis por força do n.º 1 do artigo 18.º)»:

• Grupo Parlamentar do Chega:

− «Registo e/ou cópia de todas as comunicações institucionais cingindo-se apenas no âmbito desta

comissão, nomeadamente no que concerne ao objeto definido por despacho do PAR (nomeadamente, cartas,

mensagens escritas por meio de telemóvel ou via internet), referentes ao processo de internacionalização,

novas áreas de negócio no âmbito do jogo ou compra de novos equipamentos, bem como tudo o que diga

respeito aos recursos humanos da instituição em causa;

− E-mail referente ao não pagamento de honorários devidos, recebido pela Santa Casa da Misericórdia de

Lisboa, por parte do escritório de advogados do Brasil, referenciado por Francisco Pessoa e Costa, em

audição preparatória de 9 de maio de 2024, na 10.ª Comissão de Trabalho, Segurança Social e Inclusão;

− E-mails trocados entre Ana Vitória Azevedo, Ana Mendes Godinho e a Santa Casa da Misericórdia de

Lisboa, referenciados por Francisco Pessoa e Costa, em audição preparatória de 9 de maio de 2024, na 10.ª

Comissão de Trabalho, Segurança Social e Inclusão;».

• Grupo Parlamentar da Iniciativa Liberal:

− «Comunicações, nomeadamente despachos, requerimentos, cartas, correio eletrónico, notas de agenda

ou outras remetidas pela tutela à Mesa, e vice-versa, entre 2011 e 2024;

− Comunicações, nomeadamente despachos, requerimentos, cartas, correio eletrónico, notas de agenda

ou outras remetidas pela Mesa a entidades externas e chefias internas, e vice-versa, entre 2011 e 2024;».

• Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata:

− «Estudos, análises financeiras, modelos de negócio, pareceres e todo o acervo de correspondência

(designadamente e-mails) que permitam conhecer e apreciar os critérios de oportunidade e de modelo de

negócio por tipologia de jogo;

− Posicionamento político destes gabinetes revelado nos mais diversos suportes de comunicação;

− Comunicações com os gabinetes dos diferentes PM relativa a esta matéria;

− Documentação, designadamente e-mails, a dar conta do estado dos investimentos ao Gabinete

MTSSS».

1 A Comissão foi constituída em cumprimento da Resolução da Assembleia da República n.º 60/2024, publicada no Diário da República, I Série, n.º 147, de 31 de julho de 2024.

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Refere que esta solicitação tem como fundamento a aferição da legalidade dos pedidos referentes à

correspondência trocada entre os visados do inquérito parlamentar, cujas preocupações se encontram

vertidas, nomeadamente, no nosso Despacho n.º 44/XVI – Poderes das comissões parlamentares de inquérito

quanto à possibilidade de solicitar, a pessoas singulares, determinado tipo de comunicações.

Destaca, ainda, a CPI que «constitui um poder inegável das comissões parlamentares de inquérito a

possibilidade de serem solicitados documentos e informações a um conjunto relativamente vasto de entidades

(incluindo privadas), à luz do n.º 3 do artigo 13.º do RJIP, o que é essencial para a prossecução das suas

finalidades. Todavia, suscitam-se algumas dúvidas nos pedidos em causa, pela possibilidade de inclusão das

comunicações e telecomunicações privadas dos inquiridos e a sua articulação com o disposto nos artigos

3.º a 6.º da LADA, no tocante ao acesso a informação administrativa».

Assim, atendendo à necessidade de dar seguimento aos seus trabalhos, com a segurança jurídica

necessária a fim de evitar a violação da lei, a CPI deliberou pedir ao Presidente da Assembleia da República

que submetesse um pedido de parecer ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República sobre os

pedidos de documentação apresentados pelos grupos parlamentares acima, atenta a relevância e

sensibilidade da matéria em causa.

Apreciando:

Nos termos da alínea a) do artigo 44.º da Lei n.º 68/2019, de 27 de agosto, que aprova o Estatuto do

Ministério Público, compete ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República a emissão de parecer

restrito a matéria de legalidade nos casos de consulta previstos na lei ou por solicitação do Presidente da

Assembleia da República, dos membros do Governo, dos Representantes da República para as regiões

autónomas ou dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas.

Realçamos, contudo, que a função do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República se reporta

à emissão de parecer restrito a matéria de legalidade sobre as questões jurídicas gerais diretamente

colocadas pela entidade consulente, não lhe competindo a resolução de situações problemáticas concretas.

O Conselho Consultivo pode ser convocado, no exercício de função consultiva facultativa, para se

pronunciar sobre condições de ação que podem envolver a sistematização de regras advenientes da

interpretação jurídica da lei, trabalhando sobre dados de facto, supondo muitas vezes um prévio trabalho

teórico de natureza jurídica que, contudo, não afasta a exclusividade da responsabilidade do decisor quanto a

eventuais opções precetivas suportadas no parecer.

Daí que a entidade consulente assuma um papel insubstituível de redução da complexidade em dois

momentos em que decide com plena independência: (i) ao estabelecer o objeto da pronúncia sobre uma

determinada questão técnica; (ii) ao extrair as consequências, após o parecer, da opinião expendida em

termos de medidas com impacto na ordem jurídica.

Nessa medida, o parecer não pode abrir-se a múltiplos universos epistemológicos sem específica

delimitação de uma pergunta sobre concretizadas questões jurídicas que, reitere-se, são as únicas sobre as

quais podem incidir os pareceres facultativos do Conselho Consultivo.

Existe, assim, uma clara componente funcional no que concerne a pareceres do Conselho Consultivo que

incidam sobre disposições de ordem genérica – os quais sendo homologados passarão a valer como

interpretação oficial, perante os respetivos serviços, das matérias que se destinam a esclarecer.

Ora, analisada a problemática suscitada no requerimento da CPI, e sem obnubilar que o pedido de consulta

é normalmente acompanhado por elementos relativos a um caso concreto, constatamos que o que vem

requerido é a validação/aferição da legalidade dos concretos pedidos de documentação apresentados pelos

grupos parlamentares, e não qualquer questão de ordem genérica em matéria de legalidade que possa ser

submetida a parecer.

Assim, tendo presente que o trabalho a empreender pelo Conselho Consultivo se deve, em sintonia com a

sua vocação técnica, cingir às pautas de interpretação do direito positivo, vinculada aos princípios da

legalidade e objetividade, conclui-se que não existe qualquer problema reportado a matéria de legalidade

sobre questões jurídicas gerais que possa ser objeto de parecer jurídico.

Por outro lado, mesmo que não atendêssemos à solicitação da aferição da legalidade dos concretos

pedidos de documentação dos grupos parlamentares e formulássemos a questão genérica de saber se é

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possível a inclusão de correspondência eletrónica nos pedidos de documentação, parece-nos que o Parecer

n.º 23/2024, do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, por nós homologado, dá pistas

relevantes para esclarecer as dúvidas suscitadas pela CPI, razão pela qual a submissão de novo pedido de

parecer poderia relevar-se redundante.

Prima facie:

Não deixamos de ressalvar que concordamos inteiramente com a CPI quando refere que não estamos

perante uma situação análoga à da Comissão Parlamentar de Inquérito – Gémeas Tratadas com o

Medicamento Zolgensma. Nesse âmbito, vertemos as nossas preocupações no Despacho n.º 40/XVI – altura

em que advertimos que as CPI não poderão deixar de ter em atenção que a todos os cidadãos é reconhecido

o direito ao bom nome, reputação e à reserva da intimidade da vida privada e familiar (artigo 26.º, n.º 1) e que

o domicílio e o sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada são invioláveis (artigo

34.º, n.º 1, todos da CRP), os quais constituem direitos fundamentais dos cidadãos que, mesmo em

investigação criminal, não podem ser afetados senão por decisão de um juiz.

A argumentação expendida no nosso Despacho n.º 40/XVI teve respaldo no parecer do Conselho

Consultivo da Procuradoria-Geral da República (Parecer n.º 23/2024), por nós homologado, razão pela qual,

através do Despacho n.º 44/XVI,decidimos recusar dar cumprimento ao pedido formulado pelo Grupo

Parlamentar do Chega de requerer à Presidência da República o registo e/ou cópia de todas as comunicações

(nomeadamente, cartas, mensagens escritas por meio de telemóvel ou via internet – Whatsapp, Messenger,

Telegram e mensagens de correio eletrónico) referentes ao processo das gémeas luso-brasileiras Maitê e

Lorena Assad, com as injunções formuladas, por se considerar que tal requisição era ilegítima, infringia norma

constitucional e não respeitava os direitos, liberdades e garantias nem o equilíbrio dos poderes constitucionais

entre os diversos órgãos de soberania.

No nosso entendimento, naquela sede, estava em causa o acesso a comunicações e telecomunicações

pessoais de inquiridos que, invariavelmente, se encontravam sob a esfera de proteção do n.º 4 do artigo

34.º da Constituição, que proíbe «toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas

telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvos os casos previstos na lei em matéria

de processo criminal».

Estava igualmente em causa o acesso a comunicações pessoais do Sr. Presidente da República que,

além do mais, não responde politicamente perante nenhum outro órgão de soberania, antes é a

Assembleia da República a responder politicamente perante o Presidente da República. Por esta razão,

entendemos que, em caso algum, se encontrava o Presidente da República obrigado a prestar informações ou

a facultar documentos a um inquérito parlamentar.

No entanto, nenhuma destas preocupações se levanta nos requerimentos apresentados pelos grupos

parlamentares em que, aparentemente, estão em causa «comunicações institucionais».

O Grupo Parlamentar do Chega requereu o «registo e/ou cópia de todas as comunicações institucionais

cingindo-se apenas no âmbito desta comissão, nomeadamente no que concerne ao objeto definido por

despacho do PAR (nomeadamente, cartas, mensagens escritas por meio de telemóvel ou via internet),

referentes ao processo de internacionalização, novas áreas de negócio no âmbito do jogo ou compra de novos

equipamentos, bem como tudo o que diga respeito aos recursos humanos da instituição em causa; «e-mail

referente ao não pagamento de honorários devidos, recebido pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, por

parte do escritório de advogados do Brasil, referenciado por Francisco Pessoa e Costa, em audição

preparatória de 9 de maio de 2024, na 10.ª Comissão de Trabalho, Segurança Social e Inclusão»; «e-mails

trocados entre Ana Vitória Azevedo, Ana Mendes Godinho e a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa,

referenciados por Francisco Pessoa e Costa, em audição preparatória de 9 de maio de 2024, na 10.ª

Comissão de Trabalho, Segurança Social e Inclusão».

Por sua vez, o Grupo Parlamentar da Iniciativa Liberal requereu o acesso a «comunicações,

nomeadamente despachos, requerimentos, cartas, correio eletrónico, notas de agenda ou outras remetidas

pela tutela à Mesa, e vice-versa, entre 2011 e 2024» e «comunicações, nomeadamente despachos,

requerimentos, cartas, correio eletrónico, notas de agenda ou outras remetidas pela Mesa a entidades

externas e chefias internas, e vice-versa, entre 2011 e 2024».

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O Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata requereu o acesso a «estudos, análises financeiras,

modelos de negócio, pareceres e todo o acervo de correspondência (designadamente e-mails) que permitam

conhecer e apreciar os critérios de oportunidade e de modelo de negócio por tipologia de jogo; posicionamento

político destes gabinetes revelado nos mais diversos suportes de comunicação; comunicações com os

Gabinetes dos diferentes PM relativa a esta matéria; documentação, designadamente e-mails, a dar conta do

estado dos investimentos ao Gabinete MTSSS».

Além disso, parece-nos que não está em causa a intromissão coerciva em caixas de correio eletrónico, no

teor das informações e documentos que os grupos parlamentares pretendem obter, pois o cumprimento de tal

diligência supõe-se ficar a cargo de cada destinatário individual, a quem a informação diz respeito, sem

pesquisas nem apreensões alheias ao consentimento individual.

Posto isto,

Vejamos então:

As comissões parlamentares de inquérito podem, a requerimento fundamentado dos seus membros,

solicitar por escrito aos órgãos do Governo, às autoridades judiciárias, aos órgãos e serviços da

Administração, às demais entidades públicas, incluindo as entidades reguladoras independentes, ou a

entidades privadas (sem distinção entre pessoas singulares ou coletivas) as informações e documentos que

julguem úteis à realização do inquérito (artigo 13.º, n.º 3, do Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares).

Ao exercerem os poderes conferidos pelos n.os 3 e 4 do artigo 13.º do Regime Jurídico dos Inquéritos

Parlamentares, a comissão parlamentar de inquérito ou os Deputados requerentes do inquérito, consoante o

caso, devem justificar os pedidos de informação e de acesso a documentos não inteiramente públicos,

segundo critérios de adequação, estrita necessidade e proporcionalidade, não bastando invocar, muito menos

dar por presumida, a simples utilidade para o inquérito parlamentar.

Para se conterem aos limites do objeto do inquérito, devem os Deputados especificar as informações e

documentos a que pretendem ter acesso, sem recurso a fórmulas vagas nem ambíguas, tanto mais que

cópia de cartas, correio eletrónico, mensagens escritas por meio de telefone ou via internet podem

bulir com a proteção de dados pessoais ou com a reserva da intimidade da vida privada e familiar,

ainda que se trate de documentos administrativos, como parece ser o presente caso.

Com efeito, a Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto (LADA), no seu artigo 3.º, n.º 1, alínea a), considera

documento administrativo qualquer conteúdo, ou parte desse conteúdo, que esteja na posse ou seja detido

em nome dos órgãos e entidades compreendidos no seu âmbito de aplicação (artigo 4.º), seja o suporte de

informação sob forma escrita, visual, sonora, eletrónica ou outra forma material, mas logo afasta (a) as notas

pessoais, esboços, apontamentos, comunicações eletrónicas pessoais e outros registos de natureza

semelhante, qualquer que seja o seu suporte; (b) os documentos cuja elaboração não releve da atividade

administrativa, mas da atividade política e legislativa, bem como a sua preparação; e (c) os documentos

produzidos no âmbito das relações diplomáticas do Estado português (artigo 3.º, n.º 2).

A proteção das notas pessoais, esboços, apontamentos, comunicações eletrónicas pessoais e outros

registos de natureza semelhante, qualquer que seja o seu suporte, constitui critério adequado contra a

possível devassa por qualquer autoridade pública investida de poderes de investigação.

A regra geral em matéria de acesso a documentos administrativos consta do artigo 5.º, n.º 1, da citada

LADA: «Todos, sem necessidade de enunciar qualquer interesse, têm direito de acesso aos documentos

administrativos, o qual compreende os direitos de consulta, de reprodução e de informação sobre a sua

existência e conteúdo».

Sobre o acesso a comunicações eletrónicas pronunciou-se a Comissão de Acesso aos Documentos

Administrativos, no Parecer n.º 142/2024, disponível em www.cada.pt, no qual se refere que, «na situação

presente, a comunicação eletrónica da Reitoria da Universidade de Lisboa dirigida aos diretores e

presidente(s) das escolas que a integram, sobre um inquérito que circulava na universidade, para que os

mesmos dessem indicações a todos os professores e investigadores das suas unidades orgânicas para se

absterem de responder ao referido inquérito, não é uma comunicação eletrónica (de teor) pessoal, desde

logo, por a comunicação ter tido como destinatários os diretores e presidentes das escolas, portanto,

o cargo/função desempenhados pelos mesmos».

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Assim, «tratando-se de uma comunicação que tem por referência o cargo/função dos destinatários,

estando em causa o exercício de funções públicas, a regra será a do livre acesso e do livre

conhecimento. Será, portanto, um documento administrativo e tendo a mesma natureza funcional deverá

poder ser acessível, nos termos do disposto no artigo 5.º, n.º 1, da LADA».

Transpondo esta doutrina para a situação em análise, dir-se-á que não é o suporte em que está vertida

informação, correspondência postal ou eletrónica, que determina a acessibilidade no quadro da LADA, mas

sim a natureza administrativa da informação aí constante.

Haverá que atender ao conteúdo em concreto contido em cada uma das mensagens de correspondência

eletrónica em causa, porquanto, se se tratar de comunicações formais, de cariz institucional, o respetivo

conteúdo será, em princípio, acessível.

E aqui reside uma grande diferença entre a presente situação e a que estava em causa na 15.ª CPI,

relativa à possibilidade de inclusão das comunicações e telecomunicações pessoais de inquiridos, e não de

cariz institucional.

Por outro lado, se às comissões parlamentares de inquérito não assistissem poderes de investigação das

autoridades judiciais (artigo 178.º, n.º 5, da CRP, e artigo 13.º, n.º 1, do RJIP), o acesso da sua parte a

informações ou documentos não seria mais amplo do que o acesso comum dos cidadãos aos documentos

administrativos, mesmo daqueles que se encontram na posse de entidades privadas.

É o timbre judicial que confere às intimações de uma comissão parlamentar de inquérito o carácter

obrigatório «para todas as entidades públicas e privadas» e a prerrogativa de prevalecerem sobre as de

quaisquer outras autoridades (artigo 205.º, n.º 2, da CRP), com exceção das autoridades judiciárias.

É a prerrogativa das comissões parlamentares de inquérito que lhes permite, nos termos do artigo 13.º do

RJIP, ter acesso a informações e a documentos de um modo diferenciado, relativamente aos particulares.

A invocação de um interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido na Constituição, que

se exige para o acesso a determinados documentos administrativos — os documentos nominativos [isto é, que

contenham «dados pessoais, na aceção do regime jurídico de proteção das pessoas singulares no que diz

respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados», cfr. artigo 3.º, n.º 1, alínea b), da

Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto] – cede lugar, no caso das comissões parlamentares de inquérito, ao superior

interesse reconhecido à fiscalização política, confirmado pelos poderes de autoridade próprios do juiz. E

permite, de igual modo, aceder a documentos de entidades privadas (pessoas singulares ou coletivas).

É certo que o inquérito parlamentar não constitui uma investigação criminal em sentido próprio, não

podendo a comissão, nem os Deputados aplicar medidas de coação, nem de garantia patrimonial, tão-pouco

pronunciar criminalmente alguém ou deduzir acusações. Nem por isso, contudo, a obtenção de meios de

prova ao seu alcance deixa de poder veicular ingerências restritivas nos direitos, liberdades e garantias

pessoais de terceiros.

Por isso, a proteção dos direitos, liberdades e garantias contra eventuais intimações ilícitas para a

prestação de dados pessoais ou de informações que comprometam a intimidade da vida privada e familiar

depende de uma criteriosa calibração dos poderes consignados no artigo 13.º, n.os 3 e 4, do RJIP, por recurso

às normas processuais aplicadas pelas autoridades judiciais desde que se revelem ajustadas a um tal

desiderato.

Como se referiu, a Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto, no seu artigo 3.º, n.º 1, alínea a), exclui da categoria

dos documentos administrativos para efeitos de acesso «as notas pessoais, esboços, apontamentos,

comunicações eletrónicas pessoais e outros registos de natureza semelhante, qualquer que seja o seu

suporte».

Assim, não se mostra legítimo a uma comissão parlamentar de inquérito ou ao conjunto dos Deputados

requerentes intimarem, sem mais, alguém, ainda que exerça funções públicas, a apresentar as suas notas

pessoais, esboços, apontamentos, comunicações eletrónicas pessoais e outros registos de natureza

semelhante, qualquer que seja o seu suporte, i.e., o universo de objetos pessoais que, por razões de

autodeterminação informativa, a Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto, no artigo 3.º, n.º 1, alínea a), subtraiu ao

conceito de documento administrativo.

Eis um condicionalismo de peso que também deve ser relevante em sede de inquérito parlamentar e em

termos mais incisivos do que aqueles que são de esperar da lei processual penal em vista dos seus fins

próprios, em que a descoberta da verdade é necessária para administrar a justiça e perseguir infratores.

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No entanto, da lista de documentação solicitada pelos grupos parlamentares não constam notas pessoais,

esboços, apontamentos, comunicações eletrónicas pessoais e outros registos de natureza semelhante,

de modo a convocar-se a exclusão prevista na Lei n.º º 26/2016, de 22 de agosto, uma vez que a sua

solicitação vem enquadrada no âmbito estritamente institucional.

No entanto, poderá efetivamente defender-se que o correio eletrónico e as mensagens trocadas por

telemóvel ou através de equipamentos afins se encontram excluídos do acesso a documentos administrativos

[alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto], por se encontrarem sob uma proteção

qualificada dos dados (artigo 35.º, n.º 4, da Constituição) e da reserva da intimidade da vida privada e familiar

(artigo 26.º, n.º 1) – especialmente se considerarmos que o conceito de correspondência eletrónica, por via da

uniformização jurisprudencial levada a cabo pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 10/2023, de 11

de outubro, deixou de se encontrar limitado pelo valor informativo ao destinatário (correspondência in itinere,

alinhada com o artigo 194.º do Código Penal).

Nessa medida, parece-nos relevante convocar as conclusões do Parecer n.º 23/2004, do Conselho

Consultivo2, por nós homologado, onde se concluiu que, com vista a obter o acesso a este tipo de

documentos eletrónicos ou digitais em sistemas informáticos, não pode o inquérito parlamentar adotar a

injunção prevista no n.º 1 do artigo 14.º da Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro (Lei do Cibercrime) – sob

punição por desobediência – e obrigar quem tiver disponibilidade sobre esses dados a facultar-lhos.

Não obstante as comissões parlamentares de inquérito disporem dos poderes de autoridade judicial não

constitucionalmente reservados ao juiz (n.º 1 do artigo 13.º do Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares)

e de o juiz, uma vez aberta a instrução, poder praticar tal injunção, este meio processual penal mostra-se

incompatível com o inquérito parlamentar. Incompatibilidade que assoma no n.º 5 do artigo 14.º da Lei do

Cibercrime, ao impedir que a injunção vise o arguido ou o simples suspeito, pois o inquérito parlamentar ignora

tais estatutos e nem sequer identifica os visados, de modo a reconhecer-lhes a garantia «nemo tenetur se ipsu

accusare» que o legislador processual penal tem em vista no referido preceito.

Ao que acresce tratar-se de matéria sob reserva de processo criminal, como decorre do n.º 4 do artigo 34.º

da Constituição e do n.º 1 do artigo 11.º da Lei do Cibercrime, que o reflete, ao determinar que as disposições

processuais penais do artigo 14.º e seguintes têm como pressuposto a investigação de um crime.

E, não prevendo o Código de Processo Penal a injunção para entrega de informações ou documentos,

cumpre ao inquérito parlamentar recorrer aos poderes inquisitórios do juiz cível, consignados pelo artigo

417.º do Código de Processo Civil.

O dever geral de cooperação para a descoberta da verdade, consignado pelo Código de Processo Civil,

faculta ao destinatário a possibilidade de recusar legitimamente o cumprimento se este implicar

intromissão na sua vida privada ou familiar, na correspondência ou nas telecomunicações, mas

também lhe faculta a possibilidade de cooperar, consentindo de forma livre e esclarecida.

Ao contrário do Código de Processo Penal, focado na proteção de várias categorias de segredo, o Código

de Processo Civil ressalva, de imediato, a vida privada ou familiar, cuja lesão possa resultar do acesso ao

conteúdo de documentos, administrativos ou não, revelando-se muito mais próximo das ingerências restritivas

compatíveis com o inquérito parlamentar e a descoberta da verdade para fins de responsabilidade política, em

face dos direitos, liberdades e garantias pessoais.

A recusa legítima de colaboração, prevista na alínea b) do n.º 3 do artigo 417.º do Código de Processo

Civil, permite ao destinatário da requisição de informações ou documentos pessoais não a satisfazer se

tal implicar uma intromissão na sua vida privada ou familiar, no seu domicílio, na correspondência ou

nas telecomunicações, o que deve levar a comissão parlamentar de inquérito, nos termos e para os

efeitos previstos no n.º 7 do artigo 13.º do Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares, a cancelar a

diligência.

Como tal, a intimação, em inquérito parlamentar, para prestar informações ou o acesso a

documentos nominativos, nomeadamente quando incluam dados de saúde ou outros dados sensíveis,

notas pessoais, esboços, apontamentos, comunicações eletrónicas pessoais e outros registos de

natureza semelhante, qualquer que seja o seu suporte, deve fazer expressa menção à legitimidade da

recusa, fundada no artigo 417.º, n.º 3, alínea b), do CPC, sem o que tal intimação não pode considerar-

se uma ordem legítima, para efeitos do disposto no artigo 348.º do Código Penal.

2 Disponível em https://www.ministeriopublico.pt/pareceres-pgr/9466.

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Nesta medida, salvo melhor opinião, nos termos do homologado Parecer n.º 23/2024, do Conselho

Consultivo da Procuradoria-Geral da República, conclui-se nos seguintes termos:

1. Ao exercer os poderes conferidos pelos n.os 3 e 4 do artigo 13.º do Regime Jurídico dos Inquéritos

Parlamentares, a comissão parlamentar de inquérito deve justificar os pedidos de informação e de acesso a

documentos não inteiramente públicos segundo critérios de adequação, estrita necessidade e

proporcionalidade, não bastando invocar, muito menos dar por presumida, a simples utilidade para o inquérito

parlamentar;

2. Por conseguinte, deve especificar as informações e documentos a que pretende ter acesso, sem

recurso a fórmulas vagas nem ambíguas, tanto mais que cópia de cartas, correio eletrónico, mensagens

escritas por meio de telefone ou via internet podem bulir com a proteção de dados pessoais ou com a reserva

da intimidade da vida privada e familiar, ainda que se trate de documentos administrativos;

3. Relativamente aos documentos administrativos, os mesmos serão em princípio acessíveis [sendo

que a Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto, no seu artigo 3.º, n.º 1, alínea a), considera documento administrativo

qualquer conteúdo, ou parte desse conteúdo, que esteja na posse ou seja detido em nome dos órgãos e

entidades compreendidos no seu âmbito de aplicação (artigo 4.º), seja o suporte de informação sob forma

escrita, visual, sonora, eletrónica ou outra forma material, mas logo afasta (a) as notas pessoais, esboços,

apontamentos, comunicações eletrónicas pessoais e outros registos de natureza semelhante, qualquer que

seja o seu suporte; (b) os documentos cuja elaboração não releve da atividade administrativa, mas da

atividade política e legislativa, bem como a sua preparação; e (c) os documentos produzidos no âmbito das

relações diplomáticas do Estado português (artigo 3.º, n.º 2)];

4. A intimação, em inquérito parlamentar, para prestar informações ou o acesso a documentos

nominativos, nomeadamente quando incluam dados de saúde ou outros dados sensíveis, notas pessoais,

esboços, apontamentos, comunicações eletrónicas pessoais e outros registos de natureza semelhante,

qualquer que seja o seu suporte, deve fazer expressa menção à legitimidade da recusa, fundada no artigo

417.º, n.º 3, alínea b), do CPC, sem o que tal intimação não pode considerar-se uma ordem legítima, para

efeitos do disposto no artigo 348.º do Código Penal;

5. Com vista a obter o acesso a este tipo de documentos eletrónicos ou digitais em sistemas informáticos,

não pode o inquérito parlamentar adotar a injunção prevista no n.º 1 do artigo 14.º da Lei n.º 109/2009,

de 15 de setembro (Lei do Cibercrime) – punição por desobediência –, e obrigar quem tiver disponibilidade

sobre esses dados a facultar-lhos.

6. Portanto, a intimação parlamentar que não se limite a aceder a informação e documentos

administrativos, ainda que formulada com observância do preceituado no artigo 13.º, n.º 5, deve assinalar,

com fundamento no artigo 417.º, n.º 3, alínea b), do Código de Processo Civil, o caráter legítimo da recusa, se

tais documentos contiverem dados pessoais ou expuserem a vida privada e familiar, sem que o titular

dos correspondentes direitos o consinta.

Notifique o Sr. Presidente da Comissão Parlamentar Comissão Parlamentar de Inquérito à Gestão

Estratégica e Financeira e à Tutela Política da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, bem como os restantes

membros da CPI.

Dê-se conhecimento à DAP.

Registe-se e publique-se.

Palácio de São Bento, 15 de novembro de 2024.

O Presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar-Branco.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO.

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