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Terça-feira, 17 de Dezembro de 2002 II Série-C- CPI - Número 1
IX LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2002-2003)
S U M Á R I O
Comissão Parlamentar de Inquérito aos actos do XV Governo Constitucional que levaram à demissão de responsáveis pelo combate ao crime económico, financeiro e fiscal, três meses depois da sua nomeação:
- Deliberação n.º 13-PL/2002.
- Transcrição dos depoimentos prestados perante a comissão nas reuniões de 5 de Novembro (Dr. Pedro Cunha Lopes, ex-Director Nacional Adjunto da Polícia Judiciária, e Dr.ª Maria José Morgado, ex-Directora Nacional Adjunto da Polícia Judiciária ), e de 6 de Novembro (Dr. Adelino da Silva Salvado, Director Nacional da Polícia Judiciária, e da Ministra da Justiça, Dr.ª Maria Celeste Cardona).
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DELIBERAÇÃO N.º 13-PL/2002
AUTORIZA A PUBLICAÇÃO DA TRANSCRIÇÃO DOS DEPOIMENTOS PRESTADOS PERANTE A COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO AOS ACTOS DO XV GOVERNO CONSTITUCIONAL QUE LEVARAM À DEMISSÃO DE RESPONSÁVEIS PELO COMBATE AO CRIME ECONÓMICO, FINANCEIRO E FISCAL TRÊS MESES DEPOIS DA SUA NOMEAÇÃO
A Assembleia da República delibera, nos termos do n.º 3 do artigo 15.º da Lei n.º 5/93, de 1 de Março, na redacção dada pela Lei n.º 126/97, de 10 de Dezembro, autorizar a publicação da transcrição dos depoimentos prestados perante a Comissão de Inquérito Parlamentar aos actos do XV Governo Constitucional que levaram à demissão de responsáveis pelo combate ao crime económico, financeiro e fiscal três meses depois da sua nomeação, uma vez obtida a autorização dos depoentes, nos termos da supramencionada disposição legal.
Aprovada em 5 de Dezembro de 2002. - O Presidente da Assembleia da República, João Bosco Mota Amaral.
COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO AOS ACTOS DO XV GOVERNO CONSTITUCIONAL QUE LEVARAM À DEMISSÃO DE RESPONSÁVEIS PELO COMBATE AO CRIME ECONÓMICO, FINANCEIRO E FISCAL, TRÊS MESES DEPOIS DA SUA NOMEAÇÃO
Reunião de 5 de Novembro 2002
Audições:
Dr. Pedro Cunha Lopes, ex-Director Nacional Adjunto da Polícia Judiciária
Dr.ª Maria José Morgado, ex-Directora Nacional Adjunta da Polícia Judiciária
Presidente: Luís Marques Guedes (PSD)
Oradores: Eduardo Cabrita (PS)
Isabel Castro (Os Verdes)
Francisco Louçã (BE)
António Filipe (PCP)
Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP)
Jorge Neto (PSD)
Alberto Martins (PS)
Luís Montenegro (PSD)
José Magalhães (PS)
Odete Santos (PCP)
Osvaldo Castro (PS)
Jorge Lacão (PS)
Telmo Correia (CDS-PP)
Adriana de Aguiar Branco (PSD)
Marques Júnior (PS)
O Sr. Presidente (Luís Marques Guedes): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.
Eram 10 horas e 20 minutos.
Srs. Deputados, já temos entre nós o Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes.
Vou apenas relembrar rapidamente a metodologia de trabalho que adoptámos, pedindo aos Srs. Deputados que se contenham dentro das regras que definimos.
Darei, portanto, a palavra aos Srs. Deputados pela ordem da sua inscrição, tentando respeitar minimamente alguma alternância, se for caso disso.
Peço que coloquem as vossas questões num período de cinco minutos e, de seguida, darei a palavra ao Dr. Pedro da Cunha Lopes para responder com o tempo que entender necessário para as explicações cabais. O Deputado perguntante terá, seguidamente, se entender que faz sentido, a hipótese de fazer uma pequena réplica, necessariamente de um período mais curto, e, de imediato, obviamente, seguir-se-á a nova resposta por parte do Dr. Pedro da Cunha Lopes.
Tenho já a inscrição do Dr. Eduardo Cabrita a quem dou a palavra.
O Sr. Eduardo Cabrita (PS): - Sr. Presidente, antes de mais, gostaria de cumprimentar o Dr. Pedro Cunha Lopes pela disponibilidade para voltar, aqui, agora num quadro de comissão de inquérito, a colaborar com a Assembleia da República no apuramento da verdade, que é aquilo que motiva exclusivamente a constituição desta Comissão de Inquérito relativamente ao actos do XV Governo Constitucional, designadamente da Sr.ª Ministra da Justiça, com incidência na estrutura directiva da Polícia Judiciária e na estratégia de combate ao crime económico, financeiro e fiscal.
Estamos num quadro de Comissão de Inquérito, o que significa que as reservas anteriormente aduzidas pelo Dr. Pedro da Cunha Lopes quando foi ouvido na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, designadamente relativas a segredo profissional, cessam face à natureza da Comissão em que estamos neste momento.
Além disso, queria dar-lhe nota que - o Sr. Presidente permitir-me-á e corroborará certamente aquilo que digo - os depoimentos anteriormente prestados por todos os intervenientes foram juntos aos autos desta Comissão de Inquérito e, portanto, compreenderá assim que, relativamente àquilo que não é matéria abrangida por segredo profissional, não iremos dirigir-lhe perguntas adicionais significativas.
Assim, há, apenas, uma pergunta genérica que gostaria de lhe fazer e que é a seguinte: confirma tudo aquilo que, na altura, declarou e que não era abrangido por segredo profissional e tem algo de relevante relativamente a essa matéria a acrescentar, dado que, a não ser assim, tudo o que na altura foi dito por si e pelos outros depoentes considera-se como reproduzido no quadro dos trabalhos desta Comissão de Inquérito.
Gostaria ainda de dirigir-lhe algumas questões relativas a cinco pontos muito concretos que foram enunciados no seu depoimento anterior, tentando seguir uma metodologia que é, tanto quanto possível, cronológica, apesar de isso não ser fundamental.
O Sr. Dr. referiu a determinada altura, no final do seu depoimento prestado à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direito, Liberdades e Garantias, que, aquando do processo de formação da equipa, teria sido convidado pelo Dr. Adelino Salvado, na altura também ele próprio convidado para exercer as funções de Director Nacional da Polícia Judiciária, para exercer outras funções, designadamente as funções de Director da DCICCEF (Direcção Central de Investigação da Corrupção e Criminalidade Económica e Financeira).
Disse igualmente que lhe teria sido transmitido que esse pedido de exercício dessas funções teria a ver com a circunstância de que, segundo o Dr. Adelino Salvado - e eu remeteria para o que foi na altura declarado -, a Ministra da Justiça não veria com "bons olhos" a permanência da Dr.ª Maria José Morgado nas referidas funções. Todavia,
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tal declaração foi desmentida publicamente, aqui, pelo Dr. Adelino Salvado, pelo que gostaríamos que confirmasse este convite e nos dissesse em que termos foi feito.
Entretanto, foi referido na comunicação social (aqui não o fez) que tal tinha sido discutido com outros juristas com quem legitimamente tomou conselho ou abordou o quadro dos convites que lhe haviam sido feito. A comunicação social referiu também, pelo menos, um outro convite para as mesmas funções, nessa altura, de um director adjunto do Centro de Estudos Judiciários, julgo que magistrado do Ministério Público.
Portanto, gostaria também de saber se teve ou não conhecimento desse convite e de quem é que estamos a falar.
Por outro lado, como é que decorreu o processo do seu convite para exercer funções na Polícia Judiciária, independentemente das funções, dado que a função é de particular responsabilidade? O Dr. Adelino Salvado, a determinada altura, declarou que não o conhecia e, depois também, fez algumas declarações que se prendem com aquilo que é a mudança de estratégia ou com o entender da proposta que mereceu o despacho da Sr.ª Ministra da Justiça e que tem que ver com as razões que determinaram a cessação da sua comissão de serviço.
Esta é uma primeira área relativamente à qual gostaria de colocar-lhe algumas questões visando o seu esclarecimento.
Uma segunda área tem que ver com o grupo, com a falta de estratégia e de coordenação interna da Polícia Judiciária. O Dr. Adelino Salvado disse que inicialmente não tinha estratégia para a Polícia Judiciária, apesar de ter dito, a determinada altura, que falou com o Sr. Primeiro-Ministro sobre as ideias e a estratégia que tinha para a Polícia Judiciária - não terá sido uma conversa meramente social, de circunstância. Referiu o Dr. Pedro Cunha Lopes a inexistência de qualquer reunião de coordenação, para além de reuniões meramente burocráticas, ou várias reuniões, mas disse, a determinada altura, que nunca houve reuniões que visassem a coordenação entre as três direcções centrais e que nunca foi definida estratégia.
Portanto, surpreende-o que uma das razões tenha sido a não adequação à estratégia definida e uma própria enunciação de mudança de estratégia - esta é uma segunda área de questões.
Uma terceira área de questões - com toda a brevidade tem que ver com, citando, "as sugestões de afastamento da subdirectora Dr.ª Maria Alice". Disse que essas sugestões foram feitas pelo Sr. Director Nacional, o que também foi contradito, como é conhecido. Assim, gostaríamos que caracterizasse e que, de alguma forma, pudesse, na medida do possível, confirmar e substanciar estas sugestões, com que fundamento e em que termos.
A quarta área de questões tem que ver com a ingerência externa nas suas competências e prende-se com a questão que referiu relativamente a uma intromissão externa por parte do Sr. Embaixador João Salgueiro. O que diz a determinada altura do seu depoimento é que o Dr. João Salgueiro tinha, mais do que por uma questão protocolar, de ser ouvido pelo Director Nacional Adjunto ou pelo Director, questão esta que desqualifica ou que, pelo menos, no equilíbrio das questões, considera uma questão secundária, mas que foi matéria considerada central pelo Sr. Director Nacional.
Disse também que a questão fundamental tinha a ver com uma estratégia de investigação de um determinado processo, que há segredo profissional nessa matéria - julgo que agora poderá caracterizar um pouco melhor do que é que estamos a falar - e que havia uma estratégia diferente sugerida pelo Dr. João Salgueiro, de alguma forma, determinada pelo Director Nacional, contradizendo a sua.
Bom, gostaria de saber se este foi caso único, se houve outros casos comparáveis - o tempo de exercício de funções também não foi muito longo - e gostaria ainda que caracterizasse um pouco melhor este e alguns casos análogos de que tenha tido conhecimento.
A última área que gostaria de abordar é aquela que, de alguma forma, ficou melhor esclarecida no seu depoimento inicial e que se prende com a sua própria demissão. Gostaria de saber se tem algo mais a acrescentar sobre aquilo que tem que ver com a mudança de estratégia, as orientações pré-definidas e a falta de perfil de liderança, que são, no fundo, as três razões apontadas para a sua demissão.
Por outro lado, disse na altura, no início de Setembro, que havia uma leitura que não fazia ou que, pelo menos, não fazia para já. Gostaria de saber se hoje entende que já pode ou já quer fazê-lo e que leitura faz destes factos terem ocorrido entre 26 e 28 de Agosto, isto é, num momento paralelo àquele que levou à demissão da Dr.ª Maria José Morgado.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputados, antes de dar a palavra ao Dr. Pedro da Cunha Lopes, queria só deixar uma breve nota relativamente à questão inicial colocada pelo Sr. Deputado e que diz respeito às actas da 1.ª Comissão.
É evidente que as actas dos depoimentos prestados na 1.ª Comissão estão juntas ao acervo documental desta Comissão, mas os Srs. Deputados também sabem que os contornos legais dos depoimentos prestados em comissão de inquérito são diversos daqueles que são prestados em outras comissões e, portanto, não é exacta a afirmação do Sr. Deputado Eduardo Cabrita de que os depoimentos prestados na 1.ª Comissão servem como depoimentos para a Comissão de Inquérito. Isso não é exacto; esses depoimentos são um acervo documental que estão junto do processo - aliás, já despachei nesse sentido, até porque houve um pedido inicial solicitando-o, mas o depoimento prestado nesta Comissão tem um regime jurídico diverso e, portanto, não é substituível por depoimentos anteriores.
O Sr. Eduardo Cabrita (PS): - Sr. Presidente, se me permite, gostaria apenas de dizer que concordo plenamente com V. Ex.ª relativamente a este ponto.
Todavia, entendi dar nota deste facto ao Dr. Pedro Cunha Lopes para não centrar as questões nos aspectos que foram então referidos, pelo que caberá ao Dr. Pedro Cunha Lopes remeter genericamente ou acrescentar algo, caso tenha algo a acrescentar ou a modificar.
O Sr. Presidente: - Penso que o Dr. Pedro Cunha Lopes também percebeu isso, mas quero fazer essa precisão para a acta.
Dou, então, a palavra ao Dr. Pedro Cunha Lopes que, obviamente, gerirá o seu tempo de acordo com a necessidade que tiver para responder.
O Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes: - Em primeiro lugar, as perguntas que o Sr. Deputado me fez quase cobrem o meu primeiro depoimento. Mas, se houver algumas dúvidas farão o favor de me colocar as questões que entenderem necessárias.
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Como ponto de partida, gostaria de dizer que me julgo, neste momento, liberto do segredo de justiça, nomeadamente perante os representantes do povo, numa democracia representativa, e por isso considero estar a cumprir um dever de cidadão ao dizer aos Srs. Deputados com verdade os factos de que tive conhecimento.
Portanto, neste momento, não me considero limitado quanto ao segredo de justiça, exactamente, porque julgo que as razões que presidem a esta Comissão vão para além das que podem presidir ao segredo de justiça. Há um conflito de deveres, mas, neste momento, considero que este dever é superior ao que advém do segredo de justiça.
Quanto a saber se confirmo ou não o primeiro depoimento, tive o cuidado de o reler antes de vir para cá e confirmo tudo o que disse anteriormente, ou seja nada tenho a retirar ao que disse naquela altura.
Quanto ao convite que me foi endereçado, talvez cumpra então concretizar os seus moldes - aliás, tive o cuidado de trazer uma agenda. Tomámos posse a 28 de Maio, se não estou em erro, ou seja, numa terça-feira, e o convite surgiu-me não no fim-de-semana imediatamente anterior, mas no anterior a esse, isto é, no sábado.
No dia 17 de Maio, telefonou-me uma pessoa que conheço, com quem tenho boas relações, embora não tenha com ela uma relação pessoal, a Dr.ª Cândida Almeida, a perguntar-me se o Dr. Adelino Salvado me poderia telefonar. Eu estava no Tribunal de Setúbal e foi ao fim da tarde, cerca das 18 ou das 19 horas. Telefonou-me e combinámos encontrar-nos no dia 18 de Maio, sábado, em frente ao antigo Teatro Aberto, na Praça de Espanha.
De seguida, fomos a um café junto das Torres de Campolide onde ele me formalizou o convite. Isto é, disse que estava a tentar arranjar uma equipa para a Polícia Judiciária, que queria alguém que substituísse a Dr.ª Maria José Morgado - era uma das suas primeiras preocupações e na altura afirmou-me que a Sr.ª Ministra não queria, ou não via com bons olhos, que ela lá continuasse -, e falou-me também da Directoria de Lisboa.
Nessa altura, eu respondi que não substituiria a Dr.ª Maria José Morgado, porque pensava que ela estava a fazer um bom trabalho essa parte estava fora de questão , mas, quanto à Directoria de Lisboa, eu disse que iria pensar.
Neste dia 18 de Maio, sábado, ao fim da tarde, talvez às 19/20 horas, depois desta conversa na qual não me foram delineados objectivos, mas apenas referida a necessidade de constituir uma equipa, e em que me foi dito que me viam com bons olhos e que teria sido falado que eu tinha condições para exercer qualquer um destes cargos, sendo certo que eu não conhecia o Sr. Director Nacional -, disse ao Sr. Desembargador que lhe daria uma resposta em pouco tempo.
Depois, fui a Telheiras a casa de um casal amigo, de uma juíza que trabalhou comigo muitos anos em Almada, que é a Dr.ª Maria José Nogueira, que é casada com o Prof. José Duarte Nogueira, da Faculdade de Direito de Lisboa. Falei com ambos, até porque a Dr.ª Maria José Nogueira já teve experiências anteriores na Escola Superior de Polícia e está actualmente na IGAE.
Pôs-se a questão da DCICCEF, que eu já tinha mais ou menos posto de lado, sendo que a Directoria de Lisboa não era um local que me dissesse muito, já que tem um âmbito de actuação bastante restrito. No entanto, como era uma experiência nova, falámos no que teria de positivo ou de negativo, e 1 hora depois acabei por telefonar ao Sr. Desembargador Adelino Salvado a dizer que aceitava o convite.
O Sr. Eduardo Cabrita (PS): - Para a Directoria de Lisboa?
O Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes: - Para a Directoria de Lisboa.
Em todos estes contactos, sempre deixei antever que a minha preferência era a DCCB (Direcção Central de Combate ao Banditismo), porque tinha trabalhado muito anos com este organismo, tive muitos processos com a DCCB e conhecia grande parte das pessoas que lá estavam.
Portanto, na sexta-feira houve este encontro, da parte da tarde, em Campolide. No domingo, dia 19 de Maio, foi-me pedido que levasse um pequeno currículo, muito simples (e julgo não estar a enganar-me nas datas). Levei-o, e nessa altura foi-me perguntado se eu estava interessado em ser director da DCCB, ao que eu disse logo que sim.
Portanto, eu demorei uma hora a aceitar o convite; tinha havido um primeiro contacto na sexta-feira; no sábado, houve o contacto com o actual Sr. Director Nacional; e no domingo foi formalizado o convite para a DCCB, sendo que no sábado, de facto, foi-me posto à disposição, primeiro, o lugar da Dr.ª Maria José Morgado, já na altura com a referência de que ninguém o queria aceitar. Foi-me dito: "Tenho que arranjar alguém, mas ninguém quer aceitar este lugar. O Dr. Doutor quer?". Eu respondi: "Não. Não quero o lugar da Dr.ª Maria José Morgado, porque tem vindo a ser muito bem desempenhado e eu não quero vir a sucedê-la".
Depois desta parte do convite, passou uma semana, e tomámos posse no dia 28 de Maio, terça-feira. Logo, o convite foi-me feito cerca de 10 a 12 dias antes da tomada de posse.
Quanto à falta de estratégia, de facto, devo dizer que nunca foi definida uma estratégia; nunca me foi dito o que é que se pretendia, o que é que era preciso mudar em termos de actuação ou no que é que a Polícia Judiciária podia actuar de uma forma diferente.
As grandes preocupações durante estes cerca de 3 meses - que para mim foram menos - tinham sobretudo a ver com questões formais. Por exemplo, com o novo edifício (os pedidos sobre equipamento eram constantes), sobre pessoas, sobre automóveis, etc., bens que seriam necessários para 2005, e tudo em prazos muito curtos de 3, 4 ou 5 dias. Houve um grande esforço nesse sentido, sendo que a resposta a estas questões, nestes prazos e nestes termos, nunca poderia ser uma resposta pensada ou cabal.
Quanto às tais reuniões, eu não fazia parte do Conselho Superior da Polícia Judiciária, mas fazia parte do Conselho de Coordenação Operacional como os directores nacionais, e, se não me engano, houve duas reuniões. E note que não tenho acesso a documentos, estou aqui sem ter tido acesso a documentos ou a actas, e nem sei se as havia.
Vi agora na minha agenda, por exemplo, escrito: "Reunião na Gomes Freire/matrículas", a questão das matrículas dos automóveis era um assunto que preocupava muito a direcção-geral. Nunca percebi porquê… Penso que isso depois nem foi discutido na reunião. Esta questão tinha a ver com as matrículas que a DGV atribui à Polícia Judiciária e à forma como devem andar nos automóveis. No fundo, uma questão meramente formal que não via que tivesse
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qualquer relevância para discutir numa reunião do Conselho de Coordenação Operacional.
As questões importantes, como a obtenção de meios de prova, a estratégia comum da Polícia Judiciária e a articulação das várias direcções centrais, nunca foram discutidas em qualquer reunião de direcção.
Falou-se na necessidade de ter um relatório mensal de cada um dos departamentos. Houve uma reunião (já não me recordo qual) em que se falou muito na questão da articulação entre as secções regionais das três direcções centrais - DCCB, DCICCEF e DCITG. Mas eram questões formais: saber quem é que anunciava, quem é que não anunciava, quem é que dirigia,…
No fundo, para mim, não eram questões de âmbito ou com uma importância que deveria ter o saber dos objectivos comuns de uma direcção que toma posse na Polícia Judiciária.
Quanto à Dr.ª Maria Alice, falaram-nos por várias vezes na questão de a afastar. Aliás, logo de início houve um incidente complicado - o qual não gostaria de referir aqui porque implica terceiras pessoas -, que teve a ver com as tricas de bastidores a que aquela direcção estava sujeita. Houve uma informação sobre a Dr.ª Maria Alice que a deixou triste, que tinha a ver com uma característica pessoal, com um adjectivo que não foi bem proferido e que a Dr.ª Maria Alice veio a saber. Depois pediram-lhe desculpa.
Entretanto, o Sr. Director Nacional, através das suas fontes (de que ele me falou várias vezes e que nunca percebi quais eram), tinha a ideia de que a Dr.ª Maria Alice tinha o seu grupo enraizado na DCCB que era preciso afastar. Não sei se se referia a algum grupo da anterior direcção… Eu nunca senti isso.
É verdade que o Sr. Director Nacional poderia afastá-la, mas naturalmente não queria tomar essa atitude, queria que essa atitude passasse por mim. Mas também não era uma questão que se pusesse a curto prazo - porque eu era novo na Polícia Judiciária e não tinha conhecimentos de modo a poder estar sozinho numa direcção -, era um projecto a médio prazo e eu fui frontalmente contra. Porque estar a aproveitar uma pessoa alguns meses e depois "chutá-la" acho pouco respeitoso, pouco nobre e muito desagradável.
Além disso, havia também a ideia de que - e estas são ideias que vêm do Sr. Director Nacional, não sei vindas de quem... Parece-me que o Sr. Director Nacional falaria com muita gente e muita gente falaria com ele sobre questões que nunca percebi quais eram, mas que tinham a ver com uma eventual desorganização da DCCB e com o estado em que a anterior direcção a terá deixado.
Todavia, eu nunca disse mal do meu antecessor, e a DCCB tem respondido aos problemas que têm surgido.
Portanto, as alterações eram de pormenor. O Dr. Adelino Salvado é que deve explicar por que é que a queria afastar. Tratavam-se obviamente de conversas a dois no gabinete dele, porque muitas vezes tínhamos conversas a dois. Mas como testemunha não tenho que provar as minhas declarações, tenho é que dizer a verdade; depois competirá aos Srs. Deputados tirar conclusões.
O caso do Ministério dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades Portuguesas foi também, se não me engano, numa sexta-feira à tarde. Recebi um telefonema, nessa altura, via Sr. Director Nacional, dizendo-me que tinham desaparecido 150 bilhetes de identidade do Ministério dos Negócios Estrangeiros e deu-nos o contacto do Sr. Secretário do Ministério Sr. Dr. João Salgueiro.
Como era costume nestes casos (note-se que nunca tratei destas questões pessoalmente), tracei as directrizes e atribuí o processo nessa altura ao Inspector Chefe Leonel, que, durante o dia inteiro, tentou telefonar para o telemóvel do Sr. Embaixador João Salgueiro, que nunca o atendeu.
Cerca das 19 horas, 19 horas e 30 minutos, o Inspector Chefe foi-se embora e eu fiquei com o contacto do Sr. Embaixador João Salgueiro, pensando mandar-lhe um fax a dizer que tinha alguma necessidade de falar com ele ou de o inquirir formalmente.
Fiz uma primeira tentativa em que não obtive resposta do telemóvel e, cerca das 19 horas e 45 minutos, ele respondeu. Disse-lhe que era o director da DCCB, que tinha conhecimento do que se passava, e que tinha interesse em falar formalmente com ele. A resposta que ele me deu foi: "Olhe, não me deve ouvir a mim, deve ouvir é fulano e fulano, que são os responsáveis pelos serviços consulares do Ministério dos Negócios Estrangeiros".
Aí, naturalmente, pedi desculpa e disse-lhe: "Sr. Embaixador, peço-lhe desculpa, mas nessa matéria ainda é a Polícia Judiciária que entende quem é que deve ouvir e não o Sr. Embaixador". E a resposta do Sr. Embaixador foi simplesmente: "Olhe, consigo não falo. Só falo através do seu Director Nacional", ao que eu, obviamente, respondi: "Se o Sr. Embaixador toma essa posição, então não temos mais nada para dizer um ao outro". Entretanto, ele tentou prolongar a conversa e eu disse-lhe que também não havia interesse nisso, sendo que não houve, propriamente, um desligar de telefone e a conversa ficou por ali.
Obviamente, logo a seguir, falei com o Sr. Director Nacional, disse-lhe o que se passou quanto ao processo que nos havia sido enviado (primeiro, tinha havido um telefonema e, depois, tinham vindo as fotocópias do processo) e que o Sr. Secretário do Ministério dos Negócios Estrangeiros havia tomado aquela atitude.
O Sr. Director Nacional perguntou-me por que queria eu ouvi-lo, tendo eu respondido que entendia ser necessário ouvi-lo, em primeiro lugar, porque era o denunciante e, em segundo lugar, porque poderia dar-nos um entendimento do que é a orgânica daqueles serviços do Ministério dos Negócios Estrangeiros, pois ele sabia quem dirigia, quem não dirigia, em que termos funcionavam os serviços consulares, onde teriam desaparecido os bilhetes de identidade, como é que tinham desaparecido, onde, porquê, e, naturalmente, como é que tinha sabido da notícia. Penso que estes eram pontos necessários a qualquer investigação.
Vem nos livros que, em primeiro lugar, se ouve o denunciante para, depois, iniciar-se a investigação. Portanto, não é nada do outro mundo ouvir um secretário do Ministério dos Negócios Estrangeiros que nos dá notícias de algo que, nem se sabe se é um crime, mas que tem a ver com o desaparecimento de bilhetes de identidade.
O objectivo era, essencialmente, perceber como tinham sabido que os bilhetes de identidade haviam desaparecido, em que termos, quando tinham desaparecido, por que foi feita a queixa, através de quem souberam que tinham desaparecido e qual era a orgânica dos serviços.
Falei com o Dr. Adelino Salvado e estivemos os dois de acordo. Assim, enviei um fax para o Ministério dos Negócios Estrangeiros do seguinte teor: "Tendo surgido dificuldades no contacto com V. Ex.ª, sugeria que entrasse em contacto o mais urgentemente possível para o telemóvel (…)", sendo que não se tratava do meu número de telemóvel mas, sim, do da coordenadora que estava de
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turno, a Dr.ª Manuela Santos. Portanto, nada disto se passa directamente comigo a partir daí.
Passados 10 minutos do envio do fax telefonam os dois responsáveis da rede consular, aflitíssimos, e telefona de novo o Dr. João Salgueiro a redizer que já tinha falado com o Sr. Director Nacional, que não via interesse em ser inquirido e que o Sr. Director Nacional lhe tinha dito a mesma coisa - isto tudo aconteceu na sexta-feira.
Portanto, há esses dois ou três telefonemas para a Sr.ª Coordenadora Manuela Santos na altura, estava presente a Dr.ª Maria Alice , em cujo gabinete isto se passou. Nessa altura, retiro-me para o meu gabinete, telefono ao Sr. Director Nacional e dou-lhe conta do meu desagrado, ao fim e ao cabo, por dois motivos: por um lado, por estar a haver directivas externas de um ministério relativamente a uma investigação em curso na Polícia Judiciária; por outro lado, porque considerei haver uma desautorização da minha pessoa.
O Sr. Director Nacional, quando me ouviu, disse-me que ia enviar um fax para o Ministério dos Negócios Estrangeiros a dizer que a investigação estava conferida à DCCB e a mim e que, portanto, não se imiscuiria mais na questão. Esse fax, que está no processo, julgo, foi enviado na segunda-feira seguinte.
Entretanto, o Dr. João Salgueiro foi convocado para prestar depoimento uma primeira vez, mas não compareceu.
Entretanto, eu tive uma semana de férias, de 28 de Julho a 4 de Agosto, no Brasil onde fui sabendo o que se passava relativamente à inquirição do Sr. Embaixador João Salgueiro.
Nessa altura, estava na DCCB o Coordenador Superior Dr. Vítor Alexandre, que, após ter falado comigo, mandou um novo fax - que, como é óbvio, nem sequer foi enviado por mim, porque nem estava em Portugal. Portanto, quando se diz que o Sr. Embaixador estava a ser importunado para prestar depoimento directamente perante mim isso não é verdade! De facto, o processo foi distribuído, em primeiro lugar, ao Sr. Inspector Chefe Leonel e, em segundo lugar, à Coordenadora Manuela Santos, que estava de turno nessa semana.
Ao que julgo, assinei o primeiro ofício no sentido de notificar o Sr. Embaixador para prestar depoimento. Ele não compareceu, pelo que é enviado um segundo ofício, quando não estou em Portugal (nessa altura, eu estava fora de Portugal, mas estava em contacto com o que cá se passava).
Neste momento, julgo que não há razões para não juntar a fotocópia de um documento que tenho em meu poder. Portanto, depois de todo este processo é recebido na DCCB um fax do Ministério dos Negócios Estrangeiros, enviado pelo Sr. Dr. João Salgueiro, dirigido ao Ex.mo Sr. Dr. Vítor Alexandre (nada tem que ver comigo, mas, sim, com o Coordenador que na altura estava a dirigir a DCCB), da Secretaria-Geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros, com conhecimento ao Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária, o Meritíssimo Juiz Dr. Adelino Salvado.
Portanto, trata-se de um fax do exterior, com conhecimento ao Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária, que não o desmentiu ou contradisse.
Assim, depois de todos os problemas anteriores, do tal fax que não foi enviado por mim mas, sim, pelo Sr. Dr. Vítor Alexandre, diz o Sr. Secretário do Ministério dos Negócios Estrangeiros o seguinte: "Ex.mo Sr. Dr. Vítor Alexandre, na sequência da conversa telefónica que acabo de ter com o Director Nacional, o juiz Dr. Adelino Salvado,…" portanto, houve nova conversa telefónica entre o Dr. João Salgueiro e o Dr. Adelino Salvado "…cabe-me reiterar, como Secretário-Geral deste Ministério, que formalmente participei à Polícia Judiciária, em 12 de Julho passado, o assunto que VV. Ex.as investigam.
Relativamente à matéria e ao conteúdo dessa participação competirá…" é ele quem define a quem compete "…ao Director-Geral dos Assuntos Consulares e das Comunidades Portuguesas, bem como aos serviços que dele directamente dependem, prestarem a VV. Ex.as todos os esclarecimentos, informações e colaboração, tendo em vista o bom desenrolar das investigações em curso".
Guardei este fax, porque considero isto uma intromissão gravíssima, a que nunca tinha estado habituado, apesar de contactar há já algum tempo com a justiça por razões familiares e porque sou juiz há alguns anos, embora não tenha muitos anos de idade.
De facto, considerei esta questão bastante grave e como vi, na altura, que se tratava de um fax do exterior, referindo uma conversa com o Dr. Adelino Salvado e com conhecimento ao mesmo, achei que deveria guardá-lo, pois mais tarde poderia ser necessário falar dele. Como poderão verificar, este fax não foi publicado em nenhum órgão de comunicação social e só hoje, perante os Srs. Deputados, estou a dar conhecimento do mesmo.
Claro que isto não tem que ver com encapotar ou com retirar importância a uma investigação, mas, sim, com o rumo de uma investigação, que é passado do exterior - aliás, este fax estará à vossa disposição, se o pretenderem.
Quanto às demissões, de facto, elas ocorreram em paralelo e em férias. Li as actas algumas delas, mais extensas, não li com tanto empenho , mas depois dos esclarecimento prestados continuo sem conseguir perceber ao certo o que se passou.
Todavia, percebo várias coisas: que as duas demissões ocorreram em férias, o que reduz as possibilidades de contacto das pessoas que trabalham com os tribunais com o seu meio, e que as duas demissões ocorreram em paralelo, mas não sei porquê (a minha sucedeu, como disse da última vez que aqui estive, numa segunda-feira, após uma reunião, e a Dr.ª Maria José Morgado pede a demissão na terça-feira seguinte), porém, não me cabe a mim explicá-las.
O que posso dizer é que, depois daquilo que aqui foi dito - foram proferidas expressões e adjectivos injuriosos a meu respeito e foram feitas muitas declarações de mea culpa, não sei a que propósito , concretamente continuo sem perceber. É isto o que posso dizer sobre este aspecto.
O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Eduardo Cabrita, a quem peço que seja rápido, uma vez que já tenho várias outras inscrições.
O Sr. Eduardo Cabrita (PS): Sr. Presidente, quero apenas pedir alguns aclaramentos quanto a dois pontos muito concretos e um complemento de resposta quanto a uma questão que coloquei inicialmente mas que o Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes não esclareceu.
O primeiro aclaramento tem que ver com a questão dos convites. O Sr. Dr. disse, a determinada altura, que o contacto terá sido estabelecido pela Dr.ª Cândida Almeida. Terá ela estabelecido o contacto ou terá sido quem o indicou ao Dr. Adelino Salvado? Esta é uma questão que lhe coloco aqui.
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Passo a uma segunda nota, ainda relativa à questão dos convites. Foi o Dr. Adelino Salvado que lhe disse, na primeira conversa, no dia 18 de Maio, que a Sr.ª Ministra da Justiça não veria com bons olhos a continuação em funções da Dr.ª Maria José Morgado? Exactamente em que termos o fez? Porquê?
E pergunto-lhe isto, porque terá havido algum diálogo, uma vez que o Sr. Dr. disse aqui que para não aceitava essas funções, que achava que a Dr.ª Maria José Morgado estava a fazer um bom lugar (foi o que declarou há pouco), tendo o Sr. Dr. ficado com a consciência de que essa era uma opção estratégica do Dr. Salvado ou que era uma orientação, uma preferência estratégica da Sr.ª Ministra?
Portanto, peço-lhe para caracterizar melhor este ponto.
Ainda sobre a questão dos convites, perguntei-lhe se tinha conhecimento de outros convites, porque, pelo menos relativamente a um deles, houve uma referência no jornal. Não se dizia o nome da pessoa, mas referia-se um universo muito limitado, porque havia menção a um director adjunto ou a um subdirector do Centro de Estudos Judiciários (CEJ), sendo que estavam em funções, na altura, três ou quatro (havia um deles que tinha cessado funções), portanto era um universo em que sabíamos de quem se estava a falar, pois resumia-se apenas a três ou quatro pessoas.
Portanto, gostaria de saber se tinha conhecimento de outros convites, até porque disse que tinha percebido, na altura, que era um lugar que ninguém queria ocupar, isto é, ninguém queria substituir a Dr.ª Maria José Morgado. O que o leva a ter essa consciência da motivação para a substituição e, por outro lado, que ninguém ou, pelo menos, que as várias pessoas sondadas não estariam interessadas em ocupar esse lugar?
Passo agora ao pedido de esclarecimento complementar, que tem que ver com as sugestões de afastamento da Dr.ª Maria Alice. O Sr. Dr. disse sempre que essas sugestões foram feitas em conversas a dois, mas, por outro lado, falou de outras referências do Sr. Director Nacional que terão que ver com isto. Portanto, talvez possa dar-nos elementos adicionais.
O pedido de esclarecimento refere-se a este quadro, em que se fala num grupo enraizado que teria que ver com a gestão da DCCB. A DCCB foi, durante longos anos, dirigida pelo Dr. Orlando Romano isso é público , como Director Nacional Adjunto, tendo como colaboradora directa a Dr.ª Maria Alice. Portanto, o tal grupo enraizado… Enfim, se as raízes têm que ver com muitos anos de exercício de funções, certamente algumas raízes aí estariam.
O Sr. Presidente: Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.
O Sr. Eduardo Cabrita (PS): Com certeza, Sr. Presidente.
No fundo, Sr. Dr., peço-lhe para caracterizar um pouco melhor estas opções estratégicas, neste caso relativamente ao seu antecessor, Dr. Orlando Romano, à forma de exercício das funções e à Dr.ª Maria Alice, que com ele colaborou durante muitos anos.
Portanto, gostaria de saber se, de alguma forma, pode substanciar um pouco melhor aquilo que disse que, fundamentalmente, resultava de conversas a dois.
O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes.
O Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes: Sr. Presidente, Sr. Deputado, no que diz respeito à primeira questão, de saber se a Dr.ª Cândida terá estabelecido o contacto ou se houve indicação sua, desconheço-o, porque há coisas que não pergunto.
Ao longo de todo este processo tenho estado o mais possível afastado de todas as tricas, de todos os jogos de bastidores e de todas as histórias. Só 10 ou 12 dias depois de estar demitido é que vim a saber o que circulava a meu respeito. Portanto, nunca liguei a histórias de bastidores, nunca liguei a conversas em que as pessoas falam das outras, nunca liguei à trica pessoal e, portanto, também não perguntei quem me tinha indicado. Sei que o contacto surgiu através da Dr.ª Cândida Almeida, na sexta-feira, logo seguido do contacto do Dr. Salvado.
O que posso dizer é que a Dr.ª Cândida Almeida me contactou a perguntar se o Dr. Salvado podia telefonar-me; o resto não perguntei nem quero saber. Suponho que estas escolhas não sejam feitas por indicação apenas de uma pessoa, que haja outra busca de dados.
Quanto às razões que levaram o Sr. Dr. Adelino Salvado a não querer, por iniciativa própria ou por lhe ter sido dito pela Sr.ª Ministra, junto de si a Dr.ª Maria José Morgado, também não perguntei. Cingi-me ao que me era oferecido, a pensar se aceitava ou não... E o cargo dela disse logo que não aceitava. A ideia que ficou ao longo deste tempo foi a de que muita gente terá sido contactada para o lugar da Dr.ª Maria José Morgado.
Quanto à pessoa que exerceria essas em funções no CEJ eu não a conheço, nunca falei com ela pessoalmente, mas sei que a pessoa de quem se fala é o Dr. Rui do Carmo. Agora, não tenho conhecimento directo de nenhum facto.
Quanto ao grupo enraizado, devo dizer que as conversas com o Sr. Director Nacional eram muito estranhas: hoje era uma coisa, mas amanhã era outra… Era tudo muito abrupto! Ora eram pedidos de parecer sobre determinadas questões, como, por exemplo, a forma como iriam ser feitos os relatórios, mas quando nós estávamos a elaborar a nossa proposta, ainda antes dos cinco dias, aparecia a decisão, que era tomada em apenas três ou quatro dias…
Aliás, tudo era dito em termos muito estranhos, com base em informações que nunca me eram divulgadas, com base em avaliações cujos fundamentos nunca me eram também ditos. Portanto, não sei por que é que o Sr. Director Nacional queria afastar a Dr.ª Maria Alice. Isso competirá a ele explicar.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra, Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, saudando, em primeiro lugar, o Dr. Pedro Cunha Lopes, gostava de tentar arrumar algumas das coisas já adquiridas, que foram dadas como resposta ao nosso colega do Partido Socialista.
O Sr. Doutor confirmou que o convite lhe foi feito num sábado, num café, o que não sei se é particularmente bizarro ou não, embora me pareça um pouco excêntrico que este tipo de contactos institucionais se façam nesse espaço, confirmou o desejo de afastamento da Dr.ª Maria José Morgado, confirmou que esse desejo de afastamento, que lhe foi comunicado pelo Dr. Adelino Salvado, tinha a ver, segundo palavras do próprio - e é isto o que eu gostaria que confirmasse -, com o facto de ela ser uma pessoa que não era "vista com bons olhos" pela Sr.ª Ministra da Justiça
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e confirmou ainda - julgo que é isto, e gostaria que dissesse se estou ou não correcta - a sugestão de afastamento da Dr.ª Maria Alice, Subdirectora da DCCB, independentemente de se tratar de uma pessoa que estava ligada a muitos êxitos dentro da PJ.
Uma vez que essa sugestão de afastamento foi feita repetidas vezes, como consta do seu depoimento, onde se lê também que essa sugestão foi sempre feita em privado e que, num dado momento, o próprio Sr. Director Nacional da PJ lhe terá dito "prepare-se, porque daqui a seis meses…", o que parece indicar que havia mesmo um horizonte temporal para o afastamento desta subdirectora, cujo papel importante parece ser reconhecido por todos, gostaria que o Sr. Dr. me dissesse se, porventura, se recorda dos diferentes momentos, no tempo, em que esta sugestão foi sendo feita.
Gostava também que nos informasse se se recorda quais eram, nessas conversas em privado, os argumentos invocados para esse afastamento.
Há depois mais dois aspectos sobre os quais eu gostaria que me desse esclarecimentos adicionais.
No início do seu depoimento falou em questões pendentes relacionadas com a obtenção de meios de prova e sua legalidade, dizendo que esse era um dos aspectos sobre o qual gostaria que tivesse havido reuniões, para melhor esclarecer e aprofundar a questão.
Assim, agradecia que me dissesse por que é que, do seu ponto de vista, esta questão devia ser aprofundada ou o que é que, do seu ponto de vista, estava insuficientemente esclarecido que justificasse a necessidade de debate. E, já agora, esse debate alguma vez ocorreu?
Por último, relativamente ao episódio relacionado com o Embaixador João Salgueiro, em que há uma interferência na estratégia de investigação - e na altura disse que por razões do próprio depoimento não podia aprofundar o assunto com grande pena sua (ou fui eu que fiquei com essa ideia) -, gostaria que esclarecesse melhor esta Comissão se, para além do episódio circunscrito a essa pessoa em concreto, há, ou houve, do seu ponto de vista, indícios ou quaisquer outros factos que sugerissem situações anómalas e interferências no rumo de investigações.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Dr. Pedro Silva Lopes.
O Sr. Dr. Pedro Silva Lopes: - Sr.ª Deputada, quanto à primeira parte da sua questão, a primeira reunião ocorreu, de facto, nesse sábado, dia 18 de Maio, na quinta-feira da semana seguinte foram tornados públicos os nomes dos novos directores nacionais adjuntos e nós tomámos posse no dia 28. Portanto, confirmo que essa reunião sucedeu no dia 18 de Maio e que, singularmente, teve lugar num café por baixo das torres de Campolide.
Quanto à alusão feita à Sr.ª Ministra da Justiça, confirmo que ela foi feita exactamente nesses termos e que eu não a quis aprofundar e mais também não me seria dito, com certeza. Aliás, nem sei se o Sr. Director Nacional saberá por que razão a Sr.ª Ministra da Justiça, eventualmente, não queria na sua equipa a Dr.ª Maria José Morgado! Já agora, devo dizer que as reuniões foram rápidas, duraram entre 30 e 45 minutos, não mais do que isso.
Quanto às sugestões de afastamento da Dr.ª Maria Alice, elas foram sempre feitas no 4.º andar da rua Gomes Freire, no gabinete do Sr. Director Nacional, onde era referida a desorganização da DCCB e o grupo, embora eu não saiba a que grupo queria referir-se… Provavelmente, era a um grupo ligado à anterior direcção.
Mas durante os três meses que estive na Polícia Judiciária, as reacções do Sr. Director Nacional foram muito estranhas, ou seja, o que era hoje já não era amanhã. Era tudo muito abrupto, coisas como "afinal o Romano não deixou aquilo que se pensava… Aquilo está tudo uma porcaria, está tudo desorganizado, não pode ser…", etc. Ou seja, o Dr. Romano, que é uma pessoa prestigiada, deixou de o ser, de um momento para o outro, e a DCCB passou a ser um esterco que não servia para nada, quando, afinal, sempre foi dando resposta ao que de grave acontecia neste país em termos de criminalidade violenta.
Quanto à questão dos meios de prova, hoje em dia - eu estou nos tribunais e por isso posso falar - põe-se o problema, que eu acho importante, de saber se as formas de vigilância utilizadas pelas polícias, etc. devem ou não aparecer nos processos.
Uma outra questão muito técnica que tem surgido ultimamente nos tribunais, há dois ou três anos - tem a ver com jurisprudência do Tribunal Constitucional de há já três ou quatro anos mas que só agora tem sido utilizada pela defesa dos arguidos -, é o facto de as escutas não serem apresentadas de imediato ao juiz. Há dois acórdãos do Tribunal Constitucional segundo os quais é uma nulidade insanável o facto de as escutas não irem imediatamente ao juiz e eu considero, porque tenho participado em julgamentos que são anulados não na 1.ª instância, em que temos tido outra opinião, não no Supremo, que tem mantido essa opinião, mas no Tribunal Constitucional, que entende ocorrer uma nulidade insanável caso as escutas não sejam apresentadas de imediato ao juiz, que era altura de a Polícia Judiciária, de o Juiz de Instrução Criminal e de o Ministério Público definirem o que é o "imediatamente"!… Porque não vale a pena estarmos a fazer julgamentos, e julgamentos grandes, sobretudo em questões complicadas, que muitas vezes têm a ver com o tráfico de droga, para depois haver, frequentemente, anulações no Tribunal Constitucional com os prazos da previsão preventiva a rebentar.
Portanto, eu sugeri essa questão ao Sr. Director Nacional por várias vezes e ele nunca mostrou sequer vontade de a debater. E quanto a mim ela é importante, porque tem a ver não só com o trabalho que os juizes têm diariamente nos tribunais mas também com a segurança que podemos ter no que respeita à justiça, nomeadamente com os processos que se sabe que nunca acabam, em casos especialmente graves, e que desacreditam a nossa justiça com anulações sucessivas de julgamentos.
Portanto, esta questão das escutas - e ela é apenas uma das que agora me recordo -, a forma como elas têm de ir ou de não ir ao juiz e de por ele serem apreciadas imediatamente, uma vez que há essa experiência com o Tribunal Constitucional, contra o qual não vale a pena lutar, concorde-se ou discorde-se, tinha de ser definida!… E foi isso o que eu nunca vi o Sr. Director Nacional fazer.
Quanto a outros episódios de intromissão na minha actividade, para além do relativo ao Sr. Dr. João Salgueiro, que eu conheça, não houve.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, começarei por duas observações práticas.
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Em primeiro lugar, quero chamar a atenção do Sr. Presidente para o facto de o dossier de notícias de imprensa nacional estar incompleto, aliás bastante incompleto. Para lhe dar só um exemplo, a única notícia do Expresso citada é a do dia 7 de Setembro, quando nas edições seguintes deste semanário houve copiosas notícias sobre esta matéria.
Em segundo lugar, relativamente à confidencialidade da nota do director da Polícia Judiciária que enviou a documentação que nos fez distribuir, quero lembrar que o primeiro documento, que tem a ver com a demissão do Dr. Pedro da Cunha Lopes, foi distribuído numa reunião da 1.ª Comissão e que o segundo, que é a nota de apresentação da demissão do cargo da Dr.ª Maria José Morgado foi reproduzido, com o despacho manuscrito da Ministra, nos jornais Correio da Manhã e Público do dia 30 de Agosto.
Portanto, toda esta documentação está nos jornais, pelo que não se justificaria este pedido de confidencialidade, que, aliás, parece estranho, visto que, tanto quanto eu entendo, a fonte dos jornais não pode ter sido outra senão a do próprio gabinete do Director-Geral.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço desculpa por interrompê-lo, mas, uma vez que ainda não entrou nas perguntas, quero só fazer uma pequenina correcção: não houve um pedido de confidencialidade, o que se passou foi que no envelope, por fora, estava escrito "Pessoal e confidencial"
Portanto, não houve nenhum pedido da parte do Ministério ou da Polícia Judiciária no sentido de estes documentos serem confidenciais; eles vinham apenas num envelope com uma nota de pessoal e confidencial.
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Com certeza, Sr. Presidente.
Dr. Pedro Cunha Lopes, só queria voltar a referir três tópicos, visto que nas suas respostas já foi muito preciso sobre alguma matéria que em comunicação anterior tinha deixado sem resposta, nos termos gerais impostos pelo seu dever de segredo.
O primeiro tópico é sobre o conceito de pressões políticas.
Na sua intervenção junto da 1.ª Comissão, pelo que estará lembrado, referiu-se várias vezes à circunstância de que, a existirem pressões políticas, elas não teriam sido encaminhadas sobre si, mas, naturalmente, teriam seguido uma cadeia hierárquica. Suponho - e esclarecer-me-á - que com isso queria dizer que a sua expectativa era a de que, a haver pressões políticas, elas seriam veiculadas sobre o Director Nacional da Polícia Judiciária.
No entanto, não fica claro da sua primeira intervenção se ao falar desta forma genérica de pressões políticas está a referir-se a uma mera hipótese de interpretação, que avança sobre o caminho dessas pressões, a algum caso concreto ou a algum facto para além daquele que nos trouxe aqui sobre a forma como o Ministério dos Negócios Estrangeiros actuou no caso do Embaixador João Salgueiro.
Por isso, quero perguntar-lhe directamente se sentiu, se teve conhecimento ou se recebeu alguma comunicação que lhe permitisse concluir terem havido pressões políticas, ou se tem conhecimento de algum facto em que existissem pressões políticas de algum tipo sobre matéria que diga directamente respeito à sua direcção ou a outro funcionamento da Polícia Judiciária, para que sobre essa matéria o seu testemunho fique completamente claro.
Deu-nos agora esclarecimentos complementares acerca das escutas. Como sabe, alguns dias depois de o caso ter sido discutido na 1.ª Comissão, com o seu depoimento e com o da Dr.ª Maria José Morgado e o do Dr. Adelino Salvado, surgiu no jornal O Independente ampla matéria noticiosa acerca da existência de escutas ilegais. Tratava-se de um conjunto de insinuações muito bem informadas, mas que, em qualquer caso, não apontavam um responsável directo, embora se sugerisse que o Director teria tido conflitos com algum, ou alguns, dos seus subdirectores a respeito da existência de escutas ilegais.
Quero perguntar-lhe se conhece ou se protagonizou alguma decisão no sentido de instituir alguma escuta ilegal no âmbito do funcionamento da DCCB; se tem conhecimento de que tivesse sido feita alguma escuta ilegal na DCCB ou de que tivesse ocorrido alguma escuta ilegal no âmbito da directoria dirigida pela Dr.ª Maria José Morgado, e se isso justificaria, para além daquilo de que nos falou, alguma outra iniciativa nesse sentido.
Considero muito importante que no seu testemunho fique claro qual é o seu ponto de vista e a sua informação sobre este assunto.
O terceiro tópico é relativo ao calendário das demissões que, realmente, é muito surpreendente: o Dr. Pedro da Cunha Lopes foi demitido no dia 26 de Agosto, a Dr.ª Maria José Morgado, depois de contactos, de discussões ou de iniciativas, de que teremos esclarecimento mais tarde, com a Direcção Nacional, demitiu-se no dia 27 de Agosto.
O comunicado do Director Nacional da Polícia Judiciária que apresenta as vossas demissões e substituições, o qual conhece, porque foi transcrito na imprensa, refere-se à ideia de que "(…) é inaceitável a existência de quebras de solidariedade que neguem o princípio do corpo único, a Polícia Judiciária (…)" - são estes os termos exactos.
De facto, no prosseguimento de tal ideia, a de corpo único, o comunicado continua dizendo "(…) essencial à operacionalidade e eficácia deste corpo superior de polícia criminal, tornou-se inadiável e imperativa a necessidade de proceder a uma reestruturação e remodelação funcional, por forma a atingir-se um grau de coesão e de solidariedade institucional susceptível de materializar tais princípios basilares".
Ou seja, o Director Nacional anuncia que a razão para a substituição destes subdirectores e a indicação dos novos nomeados para os cargos resulta de quebras de solidariedade quanto ao princípio de um corpo único e de coesão na Polícia Judiciária.
Ora, isto levaria a entender que o Director da Polícia Judiciária sentiu necessidade de fazer uma remodelação em todos os organismos que questionavam este princípio essencial de gestão e de coesão do seu serviço. Gostava, pois, que o Dr. Pedro Cunha Lopes me dissesse qual a sua interpretação sobre esta matéria.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Dr. Pedro Cunha Lopes.
O Dr. Pedro Cunha Lopes: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Francisco Louçã, quanto às pressões políticas, ao fim ao cabo eu não as conheço, porque, a terem sido feitas, não o foram sobre mim, mas sobre as pessoas que estavam acima de mim.
Aquilo de que me apercebi foi que foram colocadas uma série de questões acerca da minha pessoa ao Sr. Director Nacional, sendo que nunca me foi dito em que termos.
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Recordo-me, por exemplo, de uma vez, na Gomes Freire, o Sr. Director Nacional me ter perguntado se eu conhecia o Director do SIS, e eu disse-lhe que não o conhecia pessoalmente, que sabia que era um juiz e que, quando fui juiz em Vila Viçosa, a mulher dele era procuradora em Elvas. Ou seja, suponho que alguma coisa tivesse sido falada, mas não posso dizer o quê, contudo posso confirmar que me foi perguntado se eu conhecia o Sr. Director do SIS - também não sei que relevância isto tem.
Sobre mim não houve pressões políticas e não sei se houve sobre o Sr. Director Nacional. Enfim, isto é tudo muito estranho, mas também era estranha a forma como o Sr. Director Nacional respondia a muitas das questões que lhe eram postas, porque, por exemplo, o que era hoje já não era amanhã, o Sr. Director Nacional decidia de forma abrupta determinadas questões, pedia pareceres e dava a decisão dois dias depois, etc. Ou seja, isto é tudo muito estranho, mas pode não passar de estranheza. Portanto, desconheço exactamente se houve pressões políticas.
Quando vi a notícia que referiu no jornal O Independente também fiquei estupefacto. Vi essa notícia depois das audições parlamentares - que ocorreram, se não me engano, numa segunda ou terça-feira -, tinha havido ecos das mesmas na imprensa diária, nos telejornais, e, depois, apareceu essa notícia em O Independente - e isso recordo-me - citando fontes próximas do Sr. Director Nacional.
Sei também que o Sr. Director Nacional falou nesta Comissão das suas preocupações com os direitos, liberdades e garantias individuais, bem como que, na altura, a Associação Sindical dos Funcionários de Investigação Criminal (ASFIC) tomou uma posição no sentido de saber o que é que tinha sido dito - esta Associação, ao fim ao cabo, tem acompanhado muito o Sr. Director Nacional -, perguntando o que é que isso queria dizer. Obviamente, são polícias que já trabalham na Polícia Judiciária há muito tempo e que não têm conhecimento de escutas ilegais.
O que considero muito estranho é que haja fontes da Direcção Nacional a dizer isso. Penso que talvez tivesse interesse saber quais foram essas fontes - a notícia era da jornalista Inês Serra Lopes -, quem é que disse isso à jornalista. Não sei se os jornalistas entenderão o seu segredo jornalístico como eu entendi o meu segredo de justiça, mas parece-me que teria interesse saber-se que fonte foi essa, quem é que esteve com a jornalista a dar estas informações, em que termos é que elas lhe foram ditas e onde é que estas informações foram colhidas. Se calhar, quanto a isso, esta Comissão pode ter algum papel de investigação. Eu não sei isso, porque na altura já não estava na Direcção Nacional, mas haverá quem saiba, com certeza.
Também é estranho que, perante uma notícia destas em que se falava em fontes da Direcção Nacional, o desmentido do Sr. Director Nacional tenha surgido, ao que sei, cinco dias depois da notícia. Ou seja, decorreu um compasso de tempo demasiado longo para se perceber o que está aqui em causa, mas como aqui há muita coisa que não se percebe esta é só mais uma.
Quanto à pergunta que me colocou sobre se alguma vez fiz escutas ilegais, respondo-lhe que não, nem tenho conhecimento de que elas se tivessem feito na Polícia, na minha direcção ou em qualquer das outras direcções; nem enquanto juiz tive conhecimento de que tal se passasse. Realmente, fiquei perplexo quando vi essa notícia nos jornais. E mais perplexo fiquei quando li que as fontes eram próximas do Director Nacional, mas também devido a alguma correspondência com as preocupações com os direitos, liberdades e garantias que o Sr. Director Nacional tinha manifestado nesta Comissão.
Quanto à questão relativa à quebra de solidariedade, à quebra do corpo único e à necessidade de remodelação, eu não vejo que tenha havido qualquer quebra de solidariedade ou do corpo único, nem sei se e em que termos foi feita a remodelação, nem o que é que, neste momento, está a funcionar melhor ou pior do que antes, por isso não posso responder à sua questão. Ou seja, se calhar, a perplexidade de quem está a ouvir-me é igual à minha.
Tenho pena de não poder dizer mais, mas também não sei mais. Hoje respondo a tudo o que me perguntarem, mas há coisas que também não sei.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, apresento as minhas saudações ao Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes.
Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes, já lhe foi perguntada muita coisa, não vou repetir pergunta nenhuma, portanto vou ser muito directo e pedir-lhe apenas algumas precisões relativamente a alguns aspectos, até tendo como base o depoimento que prestou na 1.ª Comissão.
O Sr. Dr. deu-nos conta de que a sua demissão se deu na sequência imediata de uma reunião, na qual expressou as suas opiniões, designadamente quanto a um problema de ajudas de custo. A pergunta que quero fazer-lhe é se houve alguma relação directa entre o conteúdo dessa reunião, as opiniões que expressou e a sua demissão ou se o facto de ela ter ocorrido nesse dia foi mera casualidade.
Gostaria ainda de saber, designadamente, se nessas reuniões manifestou preocupações relativamente às condições de operacionalidade da Polícia Judiciária, isto é, se houve divergências a esse nível que pudessem ter sido apontadas como causa para a sua demissão.
Passo a colocar-lhe a segunda questão, que, para nós, tem grande importância.
O Sr. Doutor referiu que desconhecia as razões da sua demissão. Alguns Srs. Deputados fizeram leituras relativamente à sua demissão e o Sr. Dr. respondeu, a dada altura, que "(…) quanto à leitura das razões, eu tenho a minha, que não vou expor em público, obviamente, por razões que compreenderá", portanto, que, para já, a questão ficava para si. Hoje, estamos em circunstâncias diferentes, como já foi referido, portanto pergunto-lhe se quer compartilhar connosco a leitura que tem relativamente às causas da sua demissão.
Já agora, queria colocar-lhe outra questão. O Sr. Doutor também referiu a determinada altura o problema do afastamento de pessoas, dizendo, quanto ao afastamento de pessoas, que "(…) nunca me foi colocado como ponto da minha permanência o afastar a, b ou c; era-me sugerido". Já foram aqui referidos alguns casos, designadamente o da Dr.ª Maria Alice Fernandes, e eu pergunto-lhe se havia mais pessoas, porque falou no plural, isto é, se lhe foi sugerida a intenção de substituição de mais pessoas para além daquelas de que já temos conhecimento.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes.
O Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes: - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, quanto à questão da reunião e da
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minha demissão, já tinha sinais de que qualquer coisa estava para acontecer, portanto, creio que, não foi por ter expressado determinadas opiniões nessa reunião que fui demitido.
Tinha havido propostas de participação em reuniões estrangeiras, a que eu não tinha resposta há 10/12 dias. Portanto, tinha a noção de que alguma coisa estava para acontecer e, também, não era num dia que me demitiam sem terem substituto para mim. Logo, posso dizer com um grau de certeza que não há uma relação de causalidade directa entre essa reunião, em que o tema foram as ajudas de custo, e a minha demissão, tanto mais que, depois, se sucede a demissão da Dr.ª Maria José Morgado e aparecem logo os substitutos.
Penso, portanto, que o retardar dessas propostas de deslocação ao estrangeiro, até no tratamento pessoal… O Sr. Director Nacional, a partir de inícios de Agosto - cheguei a 4 de Agosto e foi logo depois -, começou a tratar-me por Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes. Eu disse: "Sr. Director Nacional, Sr. Dr.?", e a resposta do Sr. Dr. Adelino Salvado foi esta: "V. Ex.ª não é juiz?". "Sou, sou, Sr. Dr.", respondi. Portanto, um tratamento que era pessoal passou a ser um tratamento não pessoal e sob a forma de "Sr. Dr."… Logo, tudo levava a crer que alguma coisa se ia passar.
Nessa reunião discutiram-se, de facto, questões de operacionalidade da Polícia Judiciária relacionadas com as ajudas de custo, com o facto de, a partir das 17 horas e 30 minutos, não serem pagas ajudas de custo senão com despacho dos directores dos respectivos departamentos. Mas, já agora, quanto às ajudas de custo, também tudo isto é muito sinistro e perplexo, porque há um despacho sobre as ajudas de custo da anterior direcção, do Dr. Luís Bonina, há um aclaramento desse despacho, feito pelo mesmo, bem como um despacho do Dr. Adelino Salvado sobre a questão, uma aclaração do mesmo também sobre as ajudas de custo, e nessa reunião, em que foram visadas, ao fim e ao cabo, todas as direcções, porque, com tanto despacho e tanta aclaração, a questão também não é fácil e, ao fim e ao cabo, o que teria sido determinado nesses despachos não tinha sido cumprido por ninguém. Porém, a principal fustigada foi a DCCB.
Mas, mesmo nessa reunião, o Sr. Director Nacional teve o cuidado de dizer, nesta parte das ajudas de custo - e ele é o autor de um despacho e de uma aclaração: "Eu não percebo nada disto. Quem vai falar é o Sr. Dr. Reis Martins", que era o Director Nacional responsável pela área financeira. Isto passou-se, as pessoas que lá estavam ouviram, não sei é se terão coragem de o reproduzir.
Até aí, dei ordens na minha direcção no sentido de havia um compromisso verbal de que, sempre que fosse estritamente necessário, as pessoas continuavam a trabalhar para além das 17 horas e 30 minutos. A partir daí, não sei o que se passa na Polícia Judiciária. Portanto, em termos de preocupações de operacionalidade, não sei como é que está hoje esta questão das ajudas de custo na Polícia Judiciária, em que termos surge nem que repercussões teve.
Quanto à leitura da minha demissão, ela só me causa perplexidade. Fui para a Polícia Judiciária porque pensei que não fosse uma função política. Escolhi a magistratura por opção de carreira. Também não estou a dizer que a Polícia Judiciária, neste momento, é dirigida em termos políticos. Vim, contudo, a saber determinadas histórias de bastidores, que, ao fim e ao cabo, funcionam nos meandros do poder, para justificar o que de outra forma não tem justificação. Ou seja, fico perplexo perante a minha demissão e, por outro lado, perante o que se pôs a correr acerca dos motivos da minha demissão.
Quanto a haver mais pessoas a substituir na DCCB, de facto, tal nunca me foi referido; era-me referida só a Dr.ª Maria Alice.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe, para pedir um esclarecimento adicional.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, de facto, gostaria de pedir mais algumas precisões.
Há pouco, o Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes referiu que notou que, a partir de Agosto, tinha havido uma mudança de atitude da parte do Director Nacional da Polícia Judiciária para consigo, o que prenunciava algo que veio a traduzir-se na sua demissão.
Seguramente, o Sr. Dr. interrogou-se sobre por que é que isso aconteceu, sobre se terá havido alguma razão para tal! Naturalmente, estou certo que se interrogou - qualquer pessoa se interrogaria -, mas pergunto se conseguiu perceber por que é que essa mudança de atitude tinha ocorrido e por que é que o Sr. Dr. se tornou persona non grata para o Director Nacional da Polícia Judiciária. Creio que era muito importante sabermos isso.
Há uma outra questão que não posso deixar de colocar, porque me perturbou, que tem a ver com o facto de nos ter informado que houve uma decisão de que só seriam pagas ajudas de custo a partir das 17 horas e 30 minutos com despacho do Director Nacional.
Ora, eu nunca estive ligado à Polícia Judiciária, mas imagino que haja muita actividade operacional da Polícia Judiciária que, pela natureza da actividade que é desenvolvida, tenha de ser feita depois das 17 horas e 30 minutos; diria mesmo que, creio, haverá mais actividade operacional a partir das 17 horas e 30 minutos do que até essa hora! Portanto, se nos diz que haveria um processo burocratizado, restritivo para a atribuição de ajudas de custo aos operacionais da Polícia Judiciária depois dessa hora, fico preocupadíssimo relativamente às condições em que a Polícia Judiciária está a operar.
Já agora, pergunto-lhe em que sentido era o despacho do anterior Director Luís Bonina, sobre esta matéria.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes.
O Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes: - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, estou a falar de despachos interpretativos de matéria regulamentada em lei, mas agora não tenho presente exactamente a matéria que está regulamentada nem os termos.
Sei que esta questão das 17 horas e 30 minutos, ao que julgo, surgiu com o Sr. Director Nacional Adelino Salvado e, neste momento, na Polícia Judiciária, cada funcionário, todos os dias, tem que preencher um boletim de ajudas de custo, um boletim de horas extraordinárias que depois são visados pelo respectivo coordenador e pelo Director Nacional.
Portanto, no fim do mês, o Director Nacional tem cerca de 800 ou 1000 páginas para rubricar para controlar as ajudas de custo. Claro que é estranho que - enfim, esse procedimento tem a ver com uma política de contenção da Polícia Judiciária -, a partir das 17 horas e 30 minutos tenha de justificar-se o trabalho que se faz.
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Na minha opinião, deveria haver flexibilidade de horário na Polícia Judiciária e, se calhar, a ausência de ajudas de custo, pois, creio, que este sistema é, claramente, inibidor da produção de resultados e desmotivador.
Ao fim e ao cabo, nessa reunião, as críticas feitas foram às cerca de - não as contei - 500, 800 ou 1000 páginas que assinei, com as tais ajudas de custo de todos os funcionários da DCCB. Se não me engano, são cerca de 110 funcionários da DCCB, com cada um, por dia, a assinar uma página, por isso imagine-se a quantidade de páginas que resultam ao fim do mês, somadas, a assinar pelos coordenadores e pelo Director Nacional da Polícia Judiciária! Tudo isto somado a dois despachos, duas aclarações e uma reunião em que o próprio Director Nacional diz: "Eu não percebo nada disto. Quem fala disto é o Sr. Dr. Reis Martins, que é o especialista na área financeira desta Polícia". Portanto, isto é tudo tão surrealista que também não sei como responder-lhe.
Quanto à mudança de atitude, também não tenho explicação para ela, de facto. Mas o que posso dizer é que surge contemporaneamente ao caso MNE, surge com esta alteração na forma de tratamento pessoal. Não é por acaso - julgo eu - que este fax vem elaborado pelo Sr. Dr. João Salgueiro. Isto traduz alguma ilusão de controlo de tudo e traduz, também, uma provocação. Ou seja, quando há uma conversa telefónica… Não sei o que terá dito, mas este fax não foi desmentido! Portanto, se não foi desmentido, se foi dado conhecimento - está cá escrito "Conhecimento à Direcção Nacional" - e se refere uma conversa telefónica com o Sr. Director Nacional, quer dizer que o Sr. Director Nacional terá dito ao João Salgueiro: "Olhe, mande para lá um fax a dizer que não é ouvido". Não é?
As razões disto tudo, eu desconheço. Mas sei que há muitas histórias de bastidores e sei, nomeadamente, os adjectivos que me foram postos na última reunião. Como viram, ainda não respondi, porque acho, aliás, que as expressões ficam com quem as profere e não respondo na mesma moeda. Mas, como esses adjectivos, muitas coisas se puseram a correr, que vim a saber, nomeadamente através de jornalistas.
Julgo que respondi às suas duas questões, da forma que o posso fazer, Sr. Deputado.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, começo, naturalmente, por agradecer ao Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes, a sua presença nesta Comissão e a oportunidade que nos dá, a todos, de esclarecer aqui aspectos que são muito importantes e que têm sido susceptíveis de alguma controvérsia, porventura por falta de informação.
A primeira questão que colocava ao Sr. Dr. Pedro da Cunha Lopes tem a ver com a própria Dr.ª Maria José Morgado. Quem o ouve, Sr. Dr., fica quase com a sensação de que a Dr.ª Maria José Morgado foi demitida e de que o Director Nacional da Polícia Judiciária, a dado passo, não a quis mais a exercer as funções que ela vinha exercendo.
De todo o modo, a verdade é que, através de uma simples busca aos documentos que agora foram juntos e distribuídos aos vários Deputados, verifico que existe um fax remetido não se sabe bem de onde - e se V. Ex.ª achou curioso o convite feito num café, pergunto-me se não será mais curioso o envio de um fax do sítio de onde ele foi enviado… Mas essas são questões que aqui não importam muito para o caso.
Sr. Dr., a verdade é que leio aqui, e cito: "Ex. mo Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária, Dr. Adelino Salvado, apresento a minha demissão do cargo de Directora Nacional Adjunta da PJ a partir desta data. Com os meus cumprimentos". E vejo ainda manuscrito o despacho do Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária, no qual se lê: "Dou por finda, a seu pedido, a comissão de serviço que vinha sendo exercida pela Dr.ª Maria José Morgado". E eu pergunto: afinal, o que é que estamos aqui a discutir?
Por um lado, temos aqui documentos que demonstram que foi a Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado quem se demitiu; demonstram, também, que foi dada por finda a comissão de serviço, a pedido dela - V. Ex.ª, que é magistrado, conhece bem da força probatória dos documentos, mesmo de documentos particulares, como é o caso destes.
Ora, face à força probatória destes documentos particulares, que nunca foram questionados, tanto quanto sei, nem pela própria, pergunto: afinal, do que é que o Sr. Dr. aqui nos quer convencer, quando é a própria Directora Nacional Adjunta que escreve, que se demite de motu proprio, quando é o Director Nacional da PJ que diz que a comissão de serviço cessa a pedido da própria? Devo dizer que, se não tivesse lido este documento, ao ouvir V. Ex.ª ficaria quase convencido que, afinal, a senhora foi perseguida, demitida, aqui d'el rei…
Outra questão que gostava que me esclarecesse - e devo, novamente, chamar aqui à discussão a qualidade de magistrado de V. Ex.ª - é a seguinte: V. Ex.ª afirma que o Dr. Adelino Salvado lhe disse que a Sr.ª Ministra não gostava da Dr.ª Maria José Morgado. E depois? E se isso até fosse verdade, qual era o problema? De todo o modo, a verdade que releva, do meu ponto de vista, é esta: V. Ex.ª, que é magistrado, suponho, tem consciência, até por razões de honestidade intelectual (que tenho a certeza que está patente no depoimento que hoje aqui nos presta), do objecto e limite dos depoimentos e dos depoimentos indirectos, tal como a lei os configura, ou seja, sabe bem do valor dos depoimentos indirectos.
Isso levava-me a uma outra questão, Sr. Dr.: que relevância podemos retirar aqui, inclusivamente, se quiser, do ponto de vista jurídico e não apenas político, de um depoimento prestado por V. Ex.ª, em que diz que ouviu dizer que…?
Pergunto-lhe: V. Ex.ª ouviu alguma vez a Sr.ª Ministra dizer que não gostava da Dr.ª Maria José Morgado? Está em condições de nos prestar um depoimento directo, no sentido de dizer que a Sr.ª Ministra alguma vez lhe disse a si que não gostava da Dr.ª Maria José Morgado?
V. Ex.ª é um magistrado, não é uma pessoa qualquer que aqui nos presta depoimento, portanto saberá bem do valor dos depoimentos indirectos.
Mas mais, Sr. Dr.: pergunto-lhe se não entende que o Director Nacional da PJ tem o direito de escolher a sua equipa, tal como V. Ex.ª já foi escolhido, em determinado tempo e em determinadas circunstâncias. Pergunto-lhe, claramente: o Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária tem, ou não, o direito de escolher a sua equipa?
Ou, então, questionaremos também todas as outras escolhas anteriores, com todos e quaisquer motivos, inclusivamente a de V. Ex.ª, no tempo e noutras circunstâncias.
V. Ex.ª manifestou também um grande espanto, porque lhe perguntaram se conhecia o Director do SIS. Devo dizer-lhe, Sr. Dr., que não percebo qual é o espanto. O Director
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Nacional da PJ pergunta-lhe se conhece o Director do SIS. Sinceramente, não consigo atingir o grande relevo que V. Ex.ª quis dar aqui a essa pergunta. Qual é o problema? Não é normal um director nacional da PJ perguntar a um responsável, como V. Ex.ª, se conhece um director do SIS? Há aí razão para alguma estranheza?
V. Ex.ª usou a expressão "isso é estranho". Gostava que precisasse, aqui, a razão da estranheza, porque, às vezes, as expressões vagas são muito mais perigosas do que as imputações muito concretas. Portanto, convém que não fiquem aqui quaisquer dúvidas. Qual é, então, a razão da estranheza por perguntarem a V. Ex.ª se conhecia o Director do SIS?
Outra questão que também gostava de lhe colocar é esta, Sr. Dr.: V. Ex.ª manifestou aqui grande perplexidade em relação a determinada notícia do O Independente e da possível fonte dessa notícia. Pergunto-lhe se não deve manifestar igual perplexidade relativamente a todas as notícias e a todas as fontes, inclusivamente aquelas notícias do Expresso, que o Dr. Louçã há pouco referia, e outras. Ou só as notícias de O Independente é que lhe causam perplexidade?
Quando se trata da PJ e se fala de perplexidade quanto à fonte de notícias, calculo - e pergunto - que a perplexidade é extensiva a todas as notícias. Portanto, Sr. Dr., coloco-lhe também essa questão: não lhe causam também perplexidade as outras notícias?
V. Ex.ª falou de histórias de bastidores. Não vou, também aqui, frisando a sua qualidade de magistrado, esgrimir com o valor das vozes públicas e dos rumores pessoais, que V. Ex.ª bem conhece, pois conhece bem o Código, pelo que não preciso de ir aí, e sabe bem que os rumores pessoais não valem coisa nenhuma.
De todo o modo, peço-lhe que, nesta sede, concretize mais essa suspeição, porque fica a suspeição, mas não fica nada concreto. Como a suspeição é perigosa, também peço que V. Ex.ª concretize esse ponto.
Sr. Dr., peço-lhe ainda que concretize a tal divergência estratégica com o Ministério dos Negócios Estrangeiros em factos, Sr. Dr.. concretize onde é que está a razão dessa divergência?
Por último, V. Ex.ª referiu que quem o convidou terá sido a Sr.ª Dr.ª Cândida Almeida…
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Não foi isso que disse!…
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Se não foi isso que disse, o depoente terá ocasião de o referir. Não estou a instar o Sr. Deputado Osvaldo Castro, por muito que goste de o ouvir, e sabe bem que isso é verdade. De todo o modo, o Sr. Dr. terá aqui ocasião de o referir.
A impressão com que fiquei foi que V. Ex.ª terá dito que foi a Dr.ª Cândida Almeida que o convidou. A ser verdade, pergunto-lhe se é capaz de nos explicar se ela lhe disse para o que o estava a convidar. Convidou-o para quê?
É tudo, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, o Dr. Pedro Cunha Lopes.
O Dr. Pedro Cunha Lopes: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, em primeiro lugar, agradeço-lhe as três vezes que me lembrou a minha qualidade de magistrado, mas julgo ser desnecessário relembrá-la, porque eu tenho actuado nessas funções. Julgo que, também no meu passado, não tenho razões para que alguém desacredite daquilo que eu digo. Tal como, obviamente, eu não lembrarei cada um dos Srs. Deputados que é Deputado, por três vezes, pois, isso, às vezes, pode parecer deselegante.
Quanto a outra expressão sua, permita-me também que o corrija. Quando referiu a expressão "quer convencer", eu devo dizer que não quero convencer ninguém de nada. Estão a fazer-me perguntas, eu não pedi para vir cá e respondo aquilo que sei. Ao que não sei, digo que não sei!
Portanto, permita-me corrigi-lo nessas duas partes.
Quanto à parte da Dr.ª Maria José Morgado, naturalmente que as perguntas devem ser dirigidas a ela, uma vez que ela é que sabe por que se demitiu.
Não sei se houve algum telefonema, ou não, da parte do Sr. Director Nacional relativamente à Dr.ª Maria José Morgado. Não sei! A mim, também me foi sugerido que eu me demitisse... Portanto, eu podia estar hoje aqui na qualidade de demitido. De facto, se eu tivesse aceite o repto do Sr. Director Nacional, eu hoje não estaria aqui demitido por ele, mas teria apresentado a demissão, porque foi essa a sugestão que me foi primeiramente feita. Portanto, não sei, mas a Dr.ª Maria José Morgado, com, certeza esclarecerá essa questão.
No que diz respeito à questão do Sr. Director ter o direito de escolher as pessoas que fazem parte da sua equipa, claro que tem. Claro que tem esse direito!
Quanto aos depoimentos indirectos, quem valora esses depoimentos será esta Comissão, são os juizes quando fazem julgamentos. As testemunhas depõem sobre os factos e é isso que eu estou a fazer. Não estou aqui preocupado em saber se o meu depoimento é directo ou indirecto, se tem valor, em que termos é que tem valor, etc. Saiba o Sr. Deputado que os depoimentos indirectos, às vezes, têm algum valor, nos termos dos Códigos vigentes.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - De que é autor!
O Sr. Pedro da Cunha Lopes: - E não só. Mas também não me cabe a mim explicar isso, Sr. Deputado. Portanto, têm algum valor em certos termos residuais.
Relativamente à questão do Director do SIS, é óbvio que, quando me perguntaram: "conhece o Director do SIS?", não foi no sentido de saber se eu conhecia o Director do SIS e se ia almoçar com ele... É óbvio que me disseram: "Veja lá o que andam para aí a dizer, o que é que andam a fazer. Conhece o Director do SIS? Olhe que ele tem muita influência junto de…"
É óbvio que, tendo em conta o contexto, eu interpretei - e só assim podia ser interpretado - no sentido que de haveria algumas informações que teriam vindo desse serviço, mas não sei quais. Estou a dizer o que se passou comigo. A mim perguntaram-me: "Veja lá o que é que se passa consigo". Eu disse: "Não se passa nada. Não tenho de perguntar nada a ninguém". Eu achei despropositado perguntarem: "Então, mas conhece o Director do SIS?" Portanto, é só isso que eu digo e não quero tirar daqui mais ilações.
Quanto às fontes do Expresso e às fontes de O Independente, Sr. Deputado, que eu saiba, o Expresso ainda não foi desmentido. É que a questão está aí. As fontes do Expresso, e o que ele referiu, ainda não foram desmentidas. O Independente referia-se a fontes do Director Nacional e foi desmentido cinco dias depois… A questão não está em saber se há fontes, se não há fontes. Como vêm,
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há matéria reservada, que eu reservei para este momento, e que não apareceu em nenhum jornal. Eu também não apareci em telejornais, não apareci na comunicação social.
Portanto, a questão não está nas fontes, mas, sim, em saber quais é que foram desmentidas e quais é que não foram. E aí, se calhar o Expresso… Também não tenho relação pessoal com ninguém do Expresso, mas, se calhar, esta versão do Expresso ainda não foi desmentida e se calhar a versão de O Independente já foi, nomeadamente pelo Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária, com cinco dias de atraso.
O Sr. Luís Montenegro (PSD): - Os desmentidos não têm prazo!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, os apartes não constam da acta.
O Sr. Osvaldo de Castro (PS): - Mas vindos do relator…
O Sr. Presidente: - Dr. Pedro da Cunha Lopes, os apartes não ficam registados na acta.
Se o senhor quiser, pode comentar, mas depois não fica registado na acta e não tem uma percepção…
O Dr. Pedro da Cunha Lopes: - Apartes, por natureza, não comento. Respondo ao que me perguntam, mas a apartes não respondo. Tal como não falo de tricas, tal como não falo de bastidores, não falo de apartes.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Dr. Pedro Cunha Lopes vai continuar a responder ao Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo e vamos seguir a ordem das inscrições.
Não vamos cortar aqui a sequência lógica do depoimento, que está a ser correcto até ao momento, e vamos segui-lo até ao fim.
O Dr. Pedro Cunha Lopes: - Quanto a suspeições pessoais, foram feitas suspeições pessoais sobre a minha vida privada: se saía à noite, se não saía à noite, o que é que fazia, onde é que andava... Foram feitas declarações - que se podem dizer aqui - de que eu tinha deixado fugir um perigoso terrorista, que era o tal indiano.
Ora, quem sabia da questão do indiano, do Abu Salem, era eu, o Sr. Director Nacional e alguns membros da DCCB. O cunho da investigação também foi complicado, por questões técnicas e por questões de opção, e chegou aos jornalistas que eu tinha ido pedir um helicóptero não sei onde, para ir buscar uma bomba no Alentejo… São essas versões que, no domínio do poder, servem para justificar o que não tem justificação.
Portanto, este tipo de suspeição não foi posto a correr por mim e alguma, como vêm, é matéria reservada de que só eu e o Sr. Director Nacional tínhamos conhecimento. Obviamente que, com estes contextos, não era eu que a poria a correr.
Quanto à questão da Dr.ª Cândida Almeida, mais uma vez lhe refiro que não me convidou para nenhum cargo. A Dr.ª Cândida Almeida telefonou-me a perguntar se o Sr. Desembargador Adelino Salvado me podia telefonar e nem disse para quê.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para pedir esclarecimentos adicionais, o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo. Peço-lhe que seja rápido.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes, foi muito útil e esclarecedor, mas, mesmo assim, quero deixar duas notas e pedir-lhe um esclarecimento adicional.
Chamo a atenção de que V. Ex.ª, em relação às notícias, questionou as fontes; não pôs em causa as notícias. Portanto, como pôs em causa a idoneidade das fontes e a seriedade e legitimidade de determinadas pessoas para serem fontes e tendo em conta que as notícias publicadas, quer umas quer outras, só podiam ter como fontes pessoas oriundas do mesmo espaço, a minha questão foi quanto à legitimidade de todas, umas e outras, para serem fontes e não para questionar a notícia em si.
De todo o modo, isto é um aparte.
Gostava que V. Ex.ª me esclarecesse a seguinte questão: V. Ex.ª evocou, e bem, a qualidade de magistrado, cujo passado fala por si. Gostava só de deixar a nota que a circunstância de eu o ter referido três vezes não foi razão de deselegância, mas, pelo contrário, razão de relevar ainda mais a qualidade de V. Ex.ª, desde logo relativamente a Srs. Deputados que pudessem não o saber.
É evidente que tenho por V. Ex.ª o maior apreço e a maior consideração profissional, porque pessoalmente convirá que não o conheço. Portanto, não quis, de forma alguma, ser desprimoroso.
O Dr. Adelino Salvado é igualmente magistrado, tanto quanto me é possível saber, cujo passado fala por si, o que me leva a uma questão também importante, porque, quando aqui se discutem pessoas, como infelizmente parece que está a fazer crer, importa saber da idoneidade dessas pessoas.
Assim, sobretudo desse ponto de vista, gostava saber se V. Ex.ª considera, ou não, o Dr. Adelino Salvado como um magistrado cujo passado fala por si, se o considera pessoa idónea, se o considera pessoa séria, ou se, em alguma circunstância, com este seu depoimento, quer pôr em causa também esse passado como magistrado, essa idoneidade, essa seriedade e essa competência.
Numa palavra: gostava que relevasse aqui também desse passado, dessa seriedade, dessa competência, dessa idoneidade do Dr. Adelino Salvado.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, o Dr. Pedro Cunha Lopes.
O Dr. Pedro Cunha Lopes: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, às vezes, como é o caso, apetece começar pelo fim.
Se reparar, em nada dos meus depoimentos, alguma vez "belisquei" o Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária. Nunca tive um adjectivo, nunca tive uma expressão menos correcta, nunca expressei a minha opinião sobre ele, enquanto que sobre mim já houve vários juízos de valor... Se calhar, reservo-me também o direito de, a seu tempo, julgar o que devo fazer. Porque o que foi dito aqui, na última audição parlamentar, a meu respeito - "o ressabiado", "o avinagrado", etc. - são expressões que não são minhas; são do Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária.
Também há outra coisa que quero dizer: é que sou magistrado, mas não sou corporativista; não penso que os magistrados estão acima de qualquer cidadão; não penso que os magistrados são melhores que os políticos; não penso que os magistrados são melhores que os Deputados -têm os defeitos e as virtudes de qualquer cidadão.
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Portanto, eu, como magistrado, tal como o Dr. Adelino Salvado, como magistrado, temos os defeitos e as virtudes de qualquer pessoa, sendo que, claro, os Deputados e, claro, os magistrados têm uma obrigação acrescida de ser pessoas com uma conduta que não mereça censuras. Mas é por isso que eu aqui estou e estou a relatar aquilo que se passou; o que eu estou a dizer é o que se passou comigo.
Quanto às ilações, tenho tido o cuidado de não tirar ilações, de não extrair conclusões, de não emitir opiniões, porque julgo que não é este o momento adequado. São os Srs. Deputados que estão aqui para fazer o relatório e para chegar a algumas conclusões. Aliás, muitas vezes, também, nos processos judiciais não se sabe toda a verdade.
Agora, também nunca ninguém me ouviu dizer, embora pareça novo, quantos anos é que eu já tenho de magistratura! Não, nunca me viu escudar nos anos que tenho de magistratura - se calhar, alguns deles, no caso do Sr. Director Nacional, passados nos Ministérios -, nunca ninguém me viu, com isso, querer justificar a razão que tenho!
Portanto, também não é esta a altura em que me vão ver fazer isso, porque sou juiz mas sou pessoa e não há aqui juizes de primeira, nem de segunda, nem pessoas de primeira, nem de segunda! Sou uma pessoa que está aqui a depor perante VV. Ex.as representantes dos eleitores. Portanto, é nessa condição que me sinto aqui, não sinto prejuízo nenhum em ser magistrado, mas também não me sinto valorizado com isso. Estou aqui para prestar um depoimento!
Quanto às fontes, quero dizer o seguinte: o Sr. Deputado reparará que o Expresso… Bom, não quero estar aqui a focalizar, mas a matéria que vinha em O Independente, trata-se de denúncia de crimes, de escutas ilegais! Essa matéria, que estava a ser investigada, teria de ser sujeita ao segredo de justiça! Agora se eu disse a a ou b que eu tinha sido convidado e o Expresso o soube!… Isso tem algum problema, em termos de fontes? Não dei nenhuma entrevista! Ou melhor dei uma entrevista pequenina para a Visão, não andei nos jornais, tenho fugido das televisões e podia tê-las tido comigo!
Portanto, não fui eu quem foi à televisão, logo dois dias depois, foi o Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária! Não fui eu quem tornou este processo mediático!
Quanto à questão da Dr.ª Maria José Morgado, penso que já respondi. Perguntem-lhe, por que é que ela se demitiu e se houve algum telefonema ou não houve e porquê, se foi instigada a demitir… - sendo certo que eu podia estar aqui, na condição de demitido. Se calhar, se eu estivesse, aqui, demitido e ela, demitida, ou se tivéssemos apresentado ambos a demissão, nada disto se tinha passado! Porque esse, obviamente que é o argumento formal: não me demiti, não tenho o ónus de provar seja o que for; quem tem o ónus de provar por que é que me demitiu é o Sr. Director Nacional. Já proferiu esses adjectivos todos, vamos ver o que é que vem hoje, ou amanhã!
Quanto à Dr.ª Maria José Morgado, perguntem-lhe! Também não falo por ela! Vamos lá a ver - e que fique bem claro! - são dois processos…
Falei com a Dr.ª Maria José Morgado, já depois de vir aqui à audição parlamentar, uma ou duas vezes, e não combinámos estratégias, não combinámos forma de depor, não combinámos nada! Cada um está por si e eu estive sozinho durante estes três meses. E em três meses de polícia - e tenho 35 de idade e tudo isto, enfim, em termos de carreira de magistratura, não era muito grave, mas era desagradável, ser demitido ao fim de três meses - e, durante este tempo, não falei com ninguém, não falei com a Dr.ª Maria José Morgado, não fiz "jogos de bastidores", não andei com os jornalistas a dizer a a, b ou c.
Agora, se me perguntam se há alguém que sabe, estou no direito de dizer quem é que sabe! Se calhar não há! Não se pode é vir para os jornais denunciar a prática de crimes dentro da polícia, que é matéria reservada ao segredo de justiça, e, a seguir, vir a desmentir cinco dias depois! Mas agora, também resta saber qual foi a fonte da jornalista Inês Serra Lopes.
O Sr. Presidente: - Tenho agora a inscrição do Deputado Jorge Neto e, depois, tenho um conjunto de mais cinco inscrições para uma segunda ronda de inscrições.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Neto.
O Sr. Jorge Neto (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes: começar por agradecer a sua presença na Comissão de Inquérito e por lhe dizer, desde logo, que partilho, sem qualquer discrepância, uma observação que fez, nesta sua última intervenção, acerca da inexistência de uma visão dicotómica da realidade social dos "bons e maus" magistrados, dos "bons e maus" Deputados.
De facto, é uma realidade insofismável, que é absolutamente desfasado do bom senso e da ponderação que estas coisas merecem, estar aqui a colocar apodos nas pessoas, no sentido de enobrecer umas em detrimento das outras, numa visão maniqueísta da realidade que não partilha e eu também não.
Posto isto, Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes, a primeira questão que tenho para colocar-lhe é muito concreta e é a seguinte: prende-se, de facto, com uma discrepância manifesta entre aquilo que é a sua versão do iter procedimental do convite que lhe foi dirigido para a Polícia Judiciária e a versão que foi apresentada pelo Sr. Director Nacional, Dr. Adelino Salvado. São versões, manifestamente, contraditórias.
Aliás, o que o Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes, hoje, vem aqui dizer-nos, ao cabo e ao resto, repristina, ipsis verbis, aquilo que já tinha dito anteriormente, e ficou apenas um detalhe, um acrescento, um inciso que tem que ver com a referência à pessoa da Dr.ª Cândida Almeida. Mas quanto ao mais, a sua versão é exactamente idêntica à que já nos tinha aqui transmitido, aquando da sua audição na 1.ª Comissão.
Bom e em face disto, já também foi dito e comentado, naturalmente, que as duas posições não podem ser verdadeiras: uma das duas posições, de facto, deturpa a verdade do ocorrido, porque o Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes sustenta que terá recebido um convite para a DCICCEF, e o Dr. Adelino Salvado diz, peremptoriamente, que jamais, em caso algum, lhe foi dirigido algum convite para a DCCB.
Independentemente desta questão que é incontornável e denuncia aprioristicamente que a verdade não pode estar dos dois lados, só pode estar de um lado, o que é facto e importa aqui relevar - e eu gostava que nos centrássemos nesta questão -, é no epílogo desta discrepância relativamente ao convite. E o epílogo é só um, é público e é notório: o Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes aceitou o convite e tomou posse como Director Central de Combate ao Banditismo e a Dr.ª Maria José Morgado permaneceu em funções na DCICCEF - esta é que é a realidade concreta, insofismável.
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Como sabe, Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes, há um velho brocardo latino que aqui se aplica com toda a propriedade e que é este: de minimis non curat praetor! Essa questão dos convites, saber se foi para esta ou para aquela função, é questão manifestamente acessória e irrelevante na situação concreta! O que importa saber é se, a jusante, V. Ex.ª recusou o convite para exercer funções como director do DCCB ou aceitou esse convite, ficando, naturalmente, postergados e irrelevantes o contexto, as condições e os termos em que, eventualmente, lhe pudesse ter sido dirigido o convite para outras funções!
É isto que importa aqui apurar, tanto mais que, Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes, se me afigura absolutamente pertinente e sagaz dizer que, no momento em toma posse, ou tinha tomado há pouco tempo, o Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária um cargo de eminente confiança política a quem compete sugerir e propor os directores nacionais adjuntos, nos termos que decorrem, aliás, da lei orgânica da Polícia Judiciária , seria curial e asado que, nesse momento, a existir uma mudança estratégica da orientação da Polícia Judiciária na mente da Sr.ª Ministra da Justiça, se introduzissem também modificações a nível dos directores nacionais adjuntos, quer no caso da DCCB quer no da DCICCEF.
Ora bom, se o propósito da Sr.ª Ministra da Justiça, se a tal afirmação (que é a joeirar um pouco en passant, mas de uma forma repisada e recorrente, até enfática, porventura ad nauseam), de que a Sr.ª Ministra da Justiça não veria com "bons olhos" a Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado na DCICCEF, se esta afirmação tivesse sustentação e fundamento, seria lógico, naquele momento, no momento em que, de facto, são formulados os convites para Director Nacional e para Directores Nacionais Adjuntos, também a Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado tivesse sido substituída. Ora isso não se verificou, o que significa que essa afirmação, a ter alguma correspondência com a verdade, era uma afirmação perfeitamente lateral e marginal.
O que conta, o que releva, o que avulta de tudo isto é que, relativamente à estrutura orgânica da direcção da Polícia Judiciária, o Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes, que foi convidado, aceitou e exerceu funções como director da DCCB e a Dr.ª Maria José Morgado não foi bulida nas suas funções e manteve-se em pleno, integralmente, no exercício das competências que lhe estavam cometidas, como Directora Nacional Adjunta na DCICCEF. Esta é que é a realidade que eu gostava que V. Ex.ª sobre esta matéria se pronunciasse.
Mais, coloco-lhe a questão num sentido inverso, ou seja, se V. Ex.ª tivesse a incumbência de nomear o director nacional adjunto e se tivesse, relativamente ao director nacional adjunto, a desconfiança, relativamente à sua competência, à sua capacidade ou ao modus faciendi como ele imprimia a estratégia nacional de combate à criminalidade naquele sector, V. Ex.ª o que é que faria: manteria essa pessoa no lugar ou substitui-la-ia? Isto é o que importa, de facto, aqui esclarecer.
O que os factos demonstram à saciedade, por muito que isso custe a algumas pessoas, é que a Sr. Dr.ª Maria José Morgado permaneceu em funções na DCICCEF e que o Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes não foi exercer as funções da Dr.ª Maria José Morgado, aceitou funções - aceitou -, tomou posse e exerceu funções do Director Central de Combate ao Banditismo. Esta é que é a realidade inexorável!
Esta é a primeira questão que lhe coloco e, relativamente à qual, gostava, de facto, de ouvir o seu comentário.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, pedia-lhe para concluir.
O Sr. Jorge Neto (PSD): - Vou ser breve, Sr. Presidente.
A segunda questão, Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes, respeita a uma matéria que V. Ex.ª, também, já in illo tempore, na 1.ª Comissão tinha referenciado como sendo uma matéria que, de alguma forma, terá tolhido a sua honorabilidade e a sua competência, enfim, a sua esfera de competência exclusiva, que tem a ver com a questão da Dr.ª Maria Alice.
V. Ex.ª várias vezes fez referência, quer na 1.ª Comissão quer hoje aqui mesmo, a que o Dr. Adelino Salvado terá sugerido ao Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes, no sentido de afastar - foi esta a sua expressão - a Dr.ª Maria Alice.
Ora, eu perguntava-lhe, concretamente e de uma forma cirúrgica, isto, Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes: a quem é que compete substituir, afastar, destituir uma subdirectora da Polícia Judiciária? É ao Sr. Director Nacional Adjunto, Dr. Pedro Cunha Lopes, ou era ao Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária, Dr. Adelino Salvado?
Basta passar os olhos, mesmo de relance, na Lei Orgânica da Polícia Judiciária para enxergarmos, num ápice, a quem é que compete substituir, afastar, ou demitir a Dr.ª Maria Alice! E o Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes, seguramente, conhecedor profundo que é dessa lei orgânica sabe, naturalmente, que a substituição e o afastamento são da competência do Sr. Director Nacional, não da competência do Sr. Director Nacional Adjunto, no caso, de V. Ex.ª.
Terceira questão tem que ver com o Dr. João Salgueiro: é outra matéria que, de facto, é aqui suscitada.
Vozes do PS: - Isso já foi esclarecido! Terá de falar nisso outra vez'
O Sr. Jorge Neto (PSD): - Terei, por vezes com uma ênfase atrabiliária, porque gera ou visa gerar-se especulação e a conspiração de que algo se passa aqui que tem que ver com uma interferência abusiva, inadmissível e intolerável na área de investigação criminal que está cometida ao poder judiciário e, no caso concreto, a V. Ex.ª.
Pergunto, designadamente: há uma referência que é feita por V. Ex.ª que tem que ver com o facto de o Sr. Secretário do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Dr. João Salgueiro, ser denunciante e, como tal, ser perfeitamente razoável, na sua óptica que ele estivesse a ser ouvido na Polícia Judiciária.
Já aqui também foi dito, ou melhor, foi dito na 1.ª Comissão que as coisas não são assim tão simples quanto parecem: é que se o lugar de secretário-geral dos negócios estrangeiros tem, de facto, um relevo que não se compadece com… Nós, habitualmente, enfim, na gíria comum, entendemos que é um lugar de secretário, que eu julgo que V. Ex.ª referiu. Não é um secretário qualquer, é o secretário-geral, é um lugar, de facto, de alto relevo do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Também já aqui foi dito, ou melhor, foi dito na 1.ª Comissão, pelo Dr. Adelino Salvado que muito provavelmente um secretário-geral dos Negócios Estrangeiros, relativamente a esta matéria em concreto, que, tanto quanto sei, teria a ver com o furto ou a apropriação de documentos de identificação, provavelmente não acrescentaria um átomo, relativamente ao esclarecimento dos factos, exactamente pela especificidade e pela inerência das funções que exerce, pelo que está absolutamente arredada e alheada da questão
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comezinha do extravio, dissipação ou do roubo, ou do furto de passaportes ou documentos de identidade.
É uma explicação que foi dada também pelo Sr. Director Nacional, aquando da sua vinda aqui, também, à 1.ª Comissão, e é que é perfeitamente razoável, a contrario daquilo que o Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes, hoje, aqui, sustenta, que, sendo ele denunciante, de per si já justificaria que fosse ouvido por V. Ex.ª na Polícia Judiciária.
Pergunto-lhe, relativamente a esta matéria qual era a sua estratégia concreta em termos de investigação, relativamente a este caso do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Dr. João Salgueiro? Qual era a discrepância, a divergência concreta que existia entre a sua estratégia e a estratégia do Director Nacional? E já agora, se V. Ex.ª tinha feito uma…
E, já agora, se V. Ex.ª fez uma estratégia em concreto, em que é que ela se traduzia e em que é que se traduzia a estratégia do Sr. Director Nacional, que é para nós percebermos se há aqui uma diferença de substância, que, de alguma forma, subverte as boas regras, as sãs regras que devem subjazer a uma investigação criminal operacional e eficaz - o que, ao cabo e ao resto, é o que se procura aqui apurar. Tudo o mais não passa de espuma! São factos espúrios e marginais, que não avultam em nada para o esclarecimento da verdade dos factos a que esta Comissão está obrigada.
Quarta e penúltima questão: posso atrever-me a concluir que na génese da sua demissão, Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes, estão estes dois factos concretos que referiu? Porque, de facto, não perscruto nenhures nas suas declarações qualquer outro. Ou seja, posso concluir que a questão do putativo afastamento da Dr.ª Maria Alice Fernandes, sugerido pelo Sr. Director Nacional, por um lado, e a invocada ingerência abusiva do Sr. Director Nacional na estratégia de investigação do caso do Ministério dos Negócios Estrangeiros/Dr. João Salgueiro, por outro, são as razões que estão na base da sua demissão pelo Sr. Director Nacional? É esta a sua convicção?
Quinta e última questão, penso que é apodíctica e incontornável, já não é uma evidência, é um truísmo, porque V. Ex.ª já o disse várias vezes. Afigura-se que não há qualquer correspondência entre as razões que levaram à apresentação da demissão da Sr. Directora Nacional Adjunta Maria José Morgado e os fundamentos que levaram à sua destituição pelo Sr. Director da Polícia Judiciária. São razões desconexas, pese embora a referência que também fez, e que é de facto incontestável, da coincidência temporal da sua verificação.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes.
O Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes: - Sr. Presidente, se eu estivesse num julgamento, diria que o Sr. Dr. fez alegações e não perguntas. Expressou a sua opinião, o seu juízo valorativo sobre os factos.
Quanto às perguntas, elas são até de resposta muito rápida, portanto, nessa parte, facilitou-me a questão.
Mas antes de começar a responder, gostaria de dizer que não estou aqui por gosto pessoal. Não fui eu que pedi para vir a esta Comissão, fui convocado para comparecer. Não fui eu que falei nos jornais. Se bem viram, nos primeiros 10 dias até estive calado e não disse nada a ninguém. E fui obrigado a suportar tudo o que foi dito nos jornais, pelo Dr. Miguel Sousa Tavares, que eu era um incompetente, que era verde, que era um erro de casting - apareceu na internet - portanto, tudo isto apareceu, e não foi dito por mim!
Aparte inaudível do Deputado Jorge Neto.
Faço estas observações para esclarecer que, em termos pessoais,…
Aparte inaudível do Deputado Jorge Neto.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço-lhes que não haja diálogo. Já chamei a atenção para o facto de que quem quiser falar tem de se inscrever. Caso contrário, não fica registado e perde qualquer compreensão em termos de depoimento. Uma coisa é formularem apartes, que ficam entre os presentes, outra coisa é colocarem questões, o que tem de ser feito no tempo próprio e perante o microfone.
Peço ao Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes que prossiga.
O Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes: - É que eu fui interrompido e achei que talvez pudesse ter interesse. Por isso é que parei, Sr. Presidente.
Quero frisar, para que fique bem claro, que não tenho interesse pessoal naquilo que estou a dizer. É claro que gostava de não ter sido demitido, é claro que gostava de estar descansado no meu tribunal, mas estou aqui no cumprimento de um dever. É assim que o entendo e, na medida em que cá estou, respondo ao que me perguntam. Tenho respondido àquilo que me perguntam e não sou eu quem tem enfatizado quaisquer factos e eles surgem por si. Perguntam-me, e eu falo neles, obviamente!
Quanto à primeira questão, quero dizer-lhe que eu iniciei funções e a Dr.ª Maria José Morgado também, é evidente que sim!
Segunda questão, a quem é que compete a exoneração do director nacional adjunto, é óbvio que é ao Director Nacional, nos termos da Lei Orgânica da Polícia Judiciária, mas também é obvio também que o Director Nacional não ia afastar uma subdirectora sem o aval do Director Nacional Adjunto respectivo - aliás, se calhar, não teria matéria para a afastar sem que ela não lhe fosse trazida pelo Director Nacional Adjunto respectivo, porque é ele que é o interlocutor próximo do Sr. Director Nacional.
Portanto, em termos legais, é matéria reservada ao Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária, mas, na prática, obviamente, as questões não se passam assim!
Os Srs. Deputados compreenderão que "quem está no convento é que sabe o que lá vai dentro" e, embora a DCCB não seja nenhum convento, obviamente, também passaria por alguma informação minha.
Quanto ao Sr. Dr. João Salgueiro, também ouvi uma série de comentários, quanto a se houve ou não uma intromissão. Eu já disse o que se passou!
O que eu acho estranho é que um Director Nacional da Polícia Judiciária diga no Parlamento que é um vexame para um Secretário-Geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros ir à Polícia Judiciária. Não sei como é que os polícias deste país e como é que os polícias da Polícia Judiciária (alguns, com muitos anos de casa) se sentirão ao ouvir dizer que é um vexame para determinada pessoa entrar "na casa deles".
Também não sei que Estado é este, onde um Secretário do Ministério dos Negócios Estrangeiros não pode entrar numa polícia, como qualquer cidadão; tal como este
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juiz, que está, aqui, perante os Srs. Deputados, sem dizer que é juiz.
A questão é esta: estamos num país em que infelizmente os títulos valem muitas vezes para além do que é devido!
Quanto à questão da estratégia, o Sr. Deputado disse e pôs na minha boca palavras que eu não disse, ao referir que eu teria dito que queria ouvir o Sr. Secretário do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Dr. João Salgueiro, só porque era o denunciante.
Ora, tive o cuidado de dizer que não era só isso; eu queria saber qual era a orgânica dos serviços, onde é que desapareceram os bilhetes de identidade, quem é que dirige esses serviços, quando é que o Ministério teve conhecimento desses factos, como, porquê, e através de que vias. Portanto, obviamente, não é só a questão formal de ouvir o denunciante, mas é, ao fim e ao cabo, ouvir quem dá notícia de um crime, porque se trata de saber como é que dele teve notícia.
Quanto às razões do meu afastamento, julgo que também se referiu a isso, isto é, ao facto de que era normal ser afastado, porque perderam a confiança em mim, etc. Bom, ao fim de três meses…
Repare, houve uma série de episódios. Dois dias depois, o Sr. Director Nacional da Policia Judiciária veio à televisão e, no meu caso, referiu que era normal entre juizes haver questões de hierarquia e haver situações em que os juizes não se submetiam à hierarquia; antes, tinha vindo o despacho com base no não cumprimento dos objectivos prévios; na audição parlamentar, foram proferidos uma série de adjectivos quanto à minha pessoa, que, aliás, só qualificam quem os profere; depois houve a notícia no O Independente quanto às escutas ilegais, que ninguém percebe.
Portanto, cada vez percebo menos as razões da minha demissão. Julgo que os Srs. Deputados estão nesse direito, e por isso é que estou aqui a responder, mas, não obstante todas as démarches do Parlamento no sentido de perceber o que é que se passou, eu cada vez percebo menos. Os Srs. Deputados, no final, tirarão as suas conclusões!
Quanto à Dr.ª Maria José Morgado, o Sr. Deputado referiu que ela tinha apresentado a demissão, o que é verdade, mas não me compete a mim explicar em que termos é que ela apresentou a demissão, ou porquê, ou o que é que lhe foi dito. É verdade! Mas eu também já disse que só fui demitido, porque não apresentei demissão. O que me foi sugerido foi que apresentasse a minha demissão, e eu disse: "Não, não vejo razão para me demitir. Portanto, se não se importa, demita-me o senhor!".
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Neto.
O Sr. Jorge Neto (PSD): - Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes, ouvi atentamente as suas explicações - aliás, já antevia o teor das suas respostas, que, premonitoriamente, já estavam encerradas na sua intervenção anterior.
Mas há aqui um dado que está por esclarecer e que tem a ver com esta questão relativamente ao Sr. Dr. João Salgueiro, que é a seguinte: qual era efectivamente a divergência estratégica em termos operacionais na investigação do caso denunciado pelo Sr. Dr. João Salgueiro?
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes.
O Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes: - Sr. Presidente, a divergência estratégica passa pela inquirição do Sr. Embaixador João Salgueiro, obviamente!
Chegou à Polícia um papel que dizia que tinham desaparecido 150 bilhetes de identidade de uma das redes consulares do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Como sabem, o desaparecimento de bilhetes de identidade, hoje em dia, tem relevância - aliás, essa matéria foi para a DCCB, por se tratar de matéria de furto, mas nem era da competência da Polícia Judiciária. Portanto, foi para a DCCB, porque podia já estar em causa a questão da falsificação dos bilhetes de identidade e da sua utilização.
Ora, os Srs. Deputados sabem que em termos de terrorismo, os bilhetes de identidade são elementos especialmente úteis, por esta razão é que o processo foi para a DCCB.
Mas quando temos só uma participação do Ministério dos Negócios Estrangeiros a dizer que desapareceram 150 bilhetes de identidade da Direcção-Geral dos Assuntos Consulares e das Comunidades Portuguesas, é natural que se tente inquirir quem nos faz a denúncia.
E como este tipo de inquirições não deve ser feito pelo telefone - que é uma coisa que em Portugal parece que, infelizmente, acontece algumas vezes, tratar-se de muita coisa pelo telefone -, achei que deveria ser uma questão formalizada e que não deveria ser pelo telefone que o Sr. Secretário do Ministério dos Negócios Estrangeiros me podia dizer: "Eu não sei de nada! Agora, vá falar com não sei quem…".
Portanto, achei que ele deveria ser inquirido quanto a estas questões, que até eram fáceis de responder, nomeadamente: como é que o Ministério dos Negócios Estrangeiros teve conhecimento dos factos, quando é que teve conhecimento dos factos, e qual é a orgânica do Ministério dos Negócios Estrangeiros e dos serviços de onde terão desaparecido os bilhetes de identidade.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, inscreveram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados Miguel Paiva, Alberto Martins, José Magalhães, Luís Montenegro, Odete Santos e Osvaldo Casto, a quem peço contenção no uso da palavra, para não atrasarmos demasiado esta reunião.
Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Paiva.
O Sr. Miguel Paiva (CDS-PP): - Sr. Presidente, as questões que me propunha colocar já foram, de certo modo, respondidas pelo Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes, pelo que prescindo do uso da palavra.
O Sr. Presidente: - Tem, então, a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr Alberto Martins (PS): - Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes, muito brevemente, e peço desculpa por estar a insistir, mas gostaria que fizesse o favor de aclarar, se possível, duas outras três questões que vieram de novo à nossa apreciação quando da sua intervenção, e que têm que ver com a DCCB, com o SIS e com as escutas telefónicas.
Com a DCCB, a questão é esta: o Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes aludiu a reacções estranhas do Sr. Director da Polícia Judiciária, Dr. Adelino Salvado, dizendo que ele fazia comentários alterados, a partir de certa altura, comentários muito negativos relativamente à organização da DCCB, e que isso poderia estar, de alguma forma, na origem da sua vontade de querer afastar a Dr.ª Alice Fernandes.
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O Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes aludiu à hipótese de haver processos internos à Polícia Judiciária nos quais o Sr. Director da Policia Judiciária, Dr. Adelino Salvado não gostaria que eles se mantivessem.
A questão essencial que me parece que poderia aclarar, se estiver em condições de o fazer, é quanto à organização que o Sr. Dr. foi encontrar na DCCB. A ideia genérica é que estes serviços têm funcionado com uma capacidade regular que não foi posta em causa até agora. Por isso, gostaria que nos pudesse dizer alguma coisa do seu juízo (ainda que num tempo curto) quanto à apreciação sobre as capacidades operacionais e organizatórias deste serviço que, como se sabe, é tão importante.
A segunda pergunta é simples, porque é uma dúvida que me ficou e em relação à qual apelo à sua opinião, à sua interpretação e, eventualmente, à sua ideia. O Sr. Dr. admite a hipótese de ter sido investigado pelo SIS?
A terceira questão refere-se às escutas telefónicas e lembro que a reacção por parte do Director da Polícia Judiciária às notícias vindas a público deu-se com 5 dias de atraso.
A questão que lhe coloco, também de forma telegráfica, é se perante a gravidade e ressonância pública destas acusações, vindas num órgão da imprensa que tem difusão larga como é O Independente, e face ao abalo que, necessariamente, esta acusação de escutas ilegais na Judiciária terá provocado - mais a mais, sendo aludido que a fonte de onde esta informação derivava era da Direcção Nacional (e vou colocar esta questão também ao Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária) -, o Sr. Dr. acha ou não razoável, ou normal, que houvesse lugar a um inquérito para saber a origem da informação que foi prestada ao jornal O Independente dada a gravidade para a polícia, para o Estado democrático e para o prestígio da instituição. Porque sei que estes factos abalaram a própria instituição no seu interior.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes.
O Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes: - Quanto à matéria da organização da DCCB, posso dizer-lhe que a DCCB era um departamento com cerca de 110 elementos, se não me engano, quando eu saí.
As competências da DCCB têm crescido, nomeadamente no assalto à mão armada, uma vez que, hoje, há assaltos à mão armada por todo o País. Portanto, é natural que as estruturas da DCCB, que foram pensadas para um tempo remoto e não têm crescido, não sejam hoje as ideais, ou seja, é natural que a DCCB, que tem secções regionais em Coimbra, em Faro e no Porto, tenha défice de elementos e tenha processos a mais por inspector. Mas isso também acontece nos tribunais portugueses e penso que, apesar de tudo, as pessoas têm confiança nos tribunais portugueses.
A DCCB tem um acréscimo de volume de trabalho muito aumentado, porque, como sabem, os assaltos à mão armada, o furto que aparecia há 10 anos nos tribunais é, hoje, o assalto à mão armada e este tipo de assalto vai todo para a DCCB.
Portanto, a DCCB estava desestruturada perante esta realidade, ou seja, o crescer desta criminalidade violenta, embora, muitas vezes, protagonizada por grupos de indivíduos jovens, levou a que um departamento que estava vocacionado para criminalidade altamente organizada fosse chamado todos os dias, perante estes assaltos à mão armada.
Ora, claro que isso provocava desestruturação e necessidade de alterar muita da dinâmica da DCCB. Mas não foi por isso que a DCCB deixou de cumprir os objectivos delineados, ou seja, ninguém ainda aqui falou no que tenha sido um falhanço da DCCB e, ao que sei, continuam os sucessos. Aliás, nessa parte, a DCCB tem tido uma vida complicada, com muito trabalho - por isso é que se tinha de trabalhar depois das 17 horas e 30 minutos -, mas não está em situação de ruptura. Claro que havia procedimentos a alterar, claro que a DCCB tem apenas um técnico de armas, o que é pouquíssimo, enfim, há muita coisa que não está de acordo com os dias de hoje, mas esse é também um problema do nosso país.
Quanto à questão de ter sido ou não investigado pelo SIS, não sei, francamente não sei. Sei que essa pergunta me foi feita! Daí que eu, pela forma como me foi feita e pela forma como me era dito "Veja lá, tenha cuidado, porque…"
Eu dizia ao Sr. Director Nacional: "Mas, Sr. Director Nacional, o que é que quer dizer?", ao que ele me respondia "Eu não posso divulgar as minhas fontes"… Portanto, é natural que admita essa hipótese. Agora, investigado, não sei, vamos lá ver… Investigado, não sei, o que admito é que, em termos de poder, haja uma série de informações que se façam passar e que não correspondem à realidade.
É que, aí, e garanto-o aos Srs. Deputados, podem vasculhar a minha vida de trás para a frente, podem fazer o que quiserem que, se encontrarem algum ponto menos correcto, se não se importam, ou me dizem ou instauram-me um inquérito.
Agora, estar a ser acusado de coisas que não sei e que, depois, são ditas aos jornalistas, algumas delas nos moldes que referi, são histórias de bastidores para, nos meandros do poder, se justificar o que não tem justificação. E, perdoem-me, é um bocadinho irritante a pessoa não saber do que está acusada e, no entanto, ser afastada, da forma como eu fui.
Quanto às notícias referidas n'O Independente e ao inquérito, obviamente, as escutas ilegais são um crime previsto no nosso Código Penal. E, na medida em que vem num jornal a afirmação de que há escutas ilegais, parece-me que devia ter havido um inquérito, para se saber se há ou não escutas ilegais na Polícia Judiciária, porque isso é matéria especialmente grave.
Também não sei se não há, porque não sou Procurador-Geral da República e, repito, não sei se não há, agora, quanto ao que foi dito n'O Independente, fiquei perplexo. Devo dizer que, quando li O Independente, nesse dia, fiquei perplexo com o teor da notícia mas também percebi que era uma forma de justificar o respeito pelos direitos, liberdades e garantias que o Sr. Director Nacional refere.
Agora, quem foram as fontes próximas do Director Nacional não sei mas, se quiserem investigar, julgo que é fácil lá chegar.
Portanto, parece-me que respondi às suas perguntas.
O Sr. Presidente: - Tem, agora, a palavra o Sr. Deputado Luís Montenegro.
O Sr. Luís Montenegro (PSD): - Sr. Presidente, tenho duas questões a colocar mas, antes disso, não resisto a dizer, de uma forma prévia, em face da acusação que me foi feita pelo Sr. Deputado Osvaldo Castro, que, há pouco,
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emiti um comentário, que, de resto, vou reproduzir para ficar registado, que nada tem a ver com a parcialidade ou a imparcialidade e, nomeadamente, com a forma como irei cumprir a missão que me foi confiada de fazer o relatório dos trabalhos desta Comissão.
No entanto, mesmo que tivesse alguma coisa a ver, dir-lhe-ia que, pelo facto de ser relator, não reneguei a minha qualidade de membro desta Comissão e, portanto, nessa qualidade, produzirei aquilo que entender em cada momento.
De facto, há pouco, fiz um comentário que, aliás, se reveste agora de novo interesse, porque o Sr. Deputado Alberto Martins utilizou novamente a mesma expressão. Já aqui foi dito, algumas vezes, nomeadamente pelo Dr. Pedro Cunha Lopes, que o desmentido a essa notícia d'O Independente foi feito com cinco dias de atraso e eu disse, e reitero, que os desmentidos não têm prazo, que não há um prazo estabelecido para se desmentir o que quer que seja e, portanto, aquilo que é relevante é ter ou não havido o desmentido. Essa é que é a questão!
Se as pessoas quiserem dizer que o desmentido foi feito cinco dias depois e quiserem interpretar o facto de ter sido dessa forma, cada um faz aquilo que entender, agora, o que não se pode é afirmar categoricamente que o desmentido foi feito com atraso, porque, naturalmente, não há um prazo para a ele proceder.
As duas questões que quero colocar ao Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes são muito simples e têm a ver com o seguinte: o Sr. Doutor já referiu, por variadíssimas vezes, nas suas intervenções, que se deslocava com frequência ao gabinete do Sr. Director Nacional - eu presumo que para falar sobre a Polícia Judiciária -, pelo que a pergunta que lhe faço é no sentido de saber do que é que tratavam nesses encontros, que eram encontros frequentes. Quais eram as questões que V. Ex.ª abordava, juntamente com o Director Nacional, nesses encontros?
A segunda questão que lhe coloco tem a ver com o seguinte: tem sido descrito por si um ambiente onde preponderavam situações estranhas. Usando até a sua terminologia, já falou aqui em "sinistralidade", ou seja, houve aspectos sinistros, um ambiente onde hoje é uma coisa e amanhã é outra. O Sr. Doutor chegou, inclusivamente, a dizer que se considerou desautorizado mas, em todo o caso, disse também que não via razão para se demitir.
Portanto, a minha questão é muito simples e é esta: o Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes, à data da sua demissão, encontrava-se satisfeito com a função que exercia na Polícia Judiciária e com as condições em que exercia essa mesma função?
Eram estas as perguntas que lhe queria fazer.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes.
O Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes: - Sr. Presidente, Sr. Deputado, quanto ao desmentido, parece-me que não vale a pena falar mais.
Quanto ao facto de eu ir à Gomes Freire, obviamente, ia à Gomes Freire tratar sobre investigações pendentes, nomeadamente o caso do indiano que foi preso, cujo início de investigação decorreu no meu tempo; ia tratar de questões que tinham a ver com o terrorismo internacional, porque, nesta matéria, como sabem, há cooperação internacional entre vários países.
Portanto, eram reuniões de trabalho mas muito curtas, que se cingiam àquilo que eu levava, ao processo que eu levava. Aí julgo que não valerá a pena entrar, porque tem a ver com a dinâmica própria da Judiciária e talvez não fique muito bem eu estar aqui a expor publicamente o que é que a Judiciária faz, em termos de investigações, o que é que não faz, em que termos é que actua, etc. Se os Srs. Deputados quiserem saber de que investigações fui tratar, também lhes digo mas, se não me perguntarem, talvez me reserve, neste momento, o direito de responder.
Quanto à minha satisfação no momento em que me vim embora, devo dizer que não era satisfação; eu estava expectante. Repare: depois deste fax do Ministério dos Negócios Estrangeiros, depois dos tais pedidos de parecer que - e tenho aqui os papéis -, por exemplo, me chegavam no dia 8 de Agosto, eu dava despacho no dia 9 para o nosso Núcleo de Estudos dar um parecer e no dia 13 já tinham a solução definitiva, que tinha a ver com os relatórios dos vários departamentos, etc., vinda da Direcção Nacional…
Bom, eu estava satisfeito, pois ser director da DCCB é sempre um desafio. Aliás, sou magistrado por convicção, não considero que a magistratura seja nenhum sacerdócio mas gosto de ser juiz e nunca me passou pela cabeça sair da magistratura, nomeadamente por quaisquer tipo de funções políticas.
Todavia, passou-me pela cabeça sair para a polícia e para a DCCB, que era uma estrutura com uma dinâmica própria e com uma força de actuação que eu conhecia dos processos - e, já agora, devo dizer que os processos da DCCB vinham bem feitos, a criminalidade era bem investigada, os métodos eram bem utilizados.
Quando me pergunta se, na altura em que fui demitido, estava satisfeito, posso dizer-lhe que não estava. Quem é que pode estar satisfeito quando vêm pedidos de parecer e dois ou três dias depois vem a solução da Direcção Nacional? Quem é que pode estar satisfeito, perante esta intromissão de um membro do Ministério dos Negócios Estrangeiros? Quem é que pode estar satisfeito quanto a duas ou três questões de investigações em concreto que - e também aqui, se me perguntarem, respondo mas, para já, deixo no ar -…
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Quais são?
O Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes: - A questão do indiano que foi preso, por exemplo, foi desvalorizada pelo Sr. Director Nacional durante muito tempo.
Nós tínhamos um mandato de captura internacional para cumprir e, porque Portugal não faz extradição para países com pena de morte, foi aventada a hipótese de, pura e simplesmente, não fazer nada.
Neste caso, claro que me insurgi, porque compete à Polícia executar os mandatos de captura internacionais e os tribunais prendem ou libertam. Neste caso, só passada uma semana ou 10 dias, por minha iniciativa, foi iniciado um inquérito em Portugal, por terrorismo, que depois deu origem à prisão do indiano, já não no meu tempo. Mas é claro que isto desgasta! Quando se tem um mandato de captura internacional em mão e nos é dito, pelo Sr. Director Nacional: "Tem um mandato de captura internacional?! Então e não há pena de morte?! Se o prendemos, vai para a Relação e é libertado!". Ora, isto é grave! Todas estas discussões são muito graves!
É grave, num departamento como o meu, passada uma semana, ver doenças profissionais, nomeadamente uma série de conjuntivites nas pessoas do 9.º andar da DCCB,
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onde a delegada de saúde já tinha estado e tinha pedido um estudo do ar, e nada era feito, sendo que o Sr. Director Nacional dizia que era tudo psicológico… Mas, entretanto, uma inspectora da Polícia Judiciária tinha vindo do oftalmologista, que lhe disse que, eventualmente, teria lesões irreversíveis na córnea que não a deixariam ver. É grave telefonarem-me no dia seguinte a dizer - e aí não foi ele mas o Dr. Reis Martins: "Não se comprometa, veja lá, não diga nada, porque eles têm os médicos do Ministério da Justiça".
Portanto, se me perguntar se estava satisfeito, digo-lhe que é óbvio que não estava mas por isso é que, a certa altura, comecei a guardar alguns documentos e fiquei expectante.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Montenegro.
O Sr. Luís Montenegro (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes, pretendo apenas aprofundar esta questão e agradecer-lhe, desde já, a objectividade da resposta.
Em jeito de conclusão do raciocínio expendido, aquando da formulação da pergunta, vou dizer algo, formulando, naturalmente, outra pergunta. Há aqui duas premissas: por um lado, não havia confiança por parte do Sr. Director Nacional; por outro, não havia satisfação da sua parte, como, aliás, acabou de dizer; logo, a demissão, a cessação do exercício dessa função era o epílogo lógico e natural, atentas as duas premissas que enunciei.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes.
O Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes: - Mas isso é uma opção individual. Eu não estou habituado a desistir de nada na minha vida e estou habituado a lutar muitas vezes em situações adversas. Já passei por situações complicadas na minha vida pessoal e profissional.
Portanto, a mim não se me pôs a questão de desistir. Porque é que havia de ser eu?!
O Sr. Luís Montenegro (PSD): - Independentemente da forma!
O Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes: - Foi uma opção minha! Achei que devia ser demitido e que não devia apresentar a demissão. E estou contente com isso, se quer que lhe diga!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, nesta fase, cabe-me tão-só completar pedidos de informação, mas gostaria de dizer que os dados que nos foram trazidos sobre a relação entre o Sr. Director Nacional e o seu subordinado hierárquico que está perante nós continuam a ter aspectos muito difíceis de esclarecer.
A tarefa que temos entre mãos não é fácil e não está nas mãos do nosso depoente a limitação rigorosa das fronteiras.
Eu apreciei muito as declarações feitas e o espírito com que foram feitas, mas o delimitar exacto daquilo que é segredo profissional e daquilo que não é segredo profissional é uma questão muito melindrosa.
Mas o caso que acabou de nos suscitar e sobre o qual nos trouxe informações, de que não tínhamos conhecimento - eu não tinha conhecimento e troquei rapidamente impressões com os meus colegas e nenhum deles tinha também conhecimento -, convoca-nos para a necessidade, julgo eu, de não deixar que quem quer que seja possa dizer que não fizemos todas as perguntas.
Portanto eu, não querendo, obviamente, ter a pretensão de fazer todas as perguntas, vou pedir ao Sr. Dr. Cunha Lopes que aprofunde a linha que nos trouxe agora e, designadamente, que nos transmita formalmente os documentos a que aludiu. Ou seja, gostaria de pedir-lhe que nos transmita os pedidos de parecer, os tais datados, que junte aos autos da Comissão esses pedidos de parecer e que os comente de viva voz - não sei quantos são, mas isso saberemos a seu tempo -, para que possamos, depois, ajuizar melhor, tendo em conta o seu depoimento e a linha de interrogações que vamos ter de fazer.
Em segundo lugar, gostaria também de pedir que a cópia do documento que traduz, eventualmente, uma ingerência externa numa investigação criminal fosse transmitida à Comissão, também para junção aos autos.
Por último, julgo que o dado que nos trouxe e aqueles que, certamente, nos trará revelam um estilo de direcção com injunções concretas do Director Nacional no âmbito de processos concretos.
Portanto, não se trata só de uma discussão estratégica, que, pelos vistos, não houve ou houve pouco, trata-se, sim, de, em casos concretos e em processos concretos, optar, opinar e, em certos casos, até delongar, o que também é uma forma de decidir, que pode ter significativa gravidade.
Assim, gostava que analisasse ou que nos trouxesse mais informação sobre esse estilo de direcção, porque, aparentemente, ele merecia-lhe não apenas aplauso como crítica, desconforto, instabilidade, insatisfação e, portanto, condições muito difíceis para levar a cabo a sua tarefa.
Tudo isto converge para uma pergunta, para a qual não sei se tem resposta possível, mas tenho o dever de a fazer, que é a seguinte: quais eram em concreto as suas divergências estratégicas com o Director Nacional, uma vez que, no despacho em que se faz cessar a sua comissão de serviço, se refere a sua incapacidade de levar a cabo objectivos previamente delineados.
Quais eram as divergências, uma vez que teve muito pouco tempo da DCCB, mas, certamente, o retrato que dela faz não é o de uma organização caótica, gerida incompetentemente pelo seu antecessor, e o modelo que lhe foi proposto em alternativa é para nós um mistério. Gostava que pudesse aclará-lo.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes.
O Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes: - Mas é que tudo isto é um mistério também para mim! Se foi para os Srs. Deputados, para mim também foi.
É óbvio que não é agradável ter um mandato de captura internacional 8, 9 ou 10 dias em cima da mesa, sem saber o que se lhe há-de fazer. Porque uma coisa é certa: eu não permitiria que o mandato de captura internacional… E só ficou esse tempo, porque nós sabíamos que a pessoa em causa não estava avisada.
Repito que, neste momento, considero-me desvinculado de quaisquer normas de segredo de justiça, por isso é que estou a falar, nomeadamente no âmbito de uma revelação
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que entendo dever fazer, quando há um conflito de deveres. Acho que neste momento, em termos de Estado, é mais importante que o Estado saiba o que se passou na Polícia Judiciária nestes casos do que o segredo de justiça relativamente a esses factos, sendo que, obviamente, os Srs. Deputados também estão vinculados ao segredo de justiça. Portanto, não vejo qualquer limitação nessa parte para falar sobre o que se passa aqui.
Relativamente ao terrorista indiano que foi preso, a notícia chegou-nos, se não estou em erro, em Junho ou Julho. Na altura andávamos com suspeitas sobre um outro… É comum aparecerem situações suspeitas. Tínhamos um mandato de captura internacional, e eu falei com o Dr. Salvado e disse-lhe: "Ó Sr. Dr., temos este mandato de captura internacional deste indiano, sabemos onde ele está, ele está alojado em Portugal, está estável, portanto, vamos cumpri-lo". E o que me foi dito foi: "Então, mas Portugal não dá pena de morte, não extradita para países onde há pena de morte, prendemo-lo e, depois, a Relação liberta-o". Também tem alguma razão de ser; agora isto traduz também um desconhecimento do que são as margens de actuação da polícia e do que são as margens de actuação dos tribunais.
De modo que fiquei com o mandato de captura internacional na minha mesa durante cinco ou seis dias a pensar qual seria a forma de dar cumprimento ao que, ao fim e ao cabo, era determinado. A certa altura, num dos encontros com o Sr. Director Nacional, disse: "Ó Sr. Dr., já que não se cumpre para extradição, tenho outra proposta que é fazermos um inquérito nacional". Só que, em termos de recolha de prova, obviamente que tínhamos… O inquérito por terrorismo não se faz em 15 dias nem num mês, e obviamente que a recolha de prova intensa pode ser perspectivada, mas, como o suspeito pode aperceber-se dela, correríamos alguns riscos, e eu não queria correr o risco de o indiano desaparecer. E a resposta do Dr. Salvado foi: "Olhe, venha amanhã falar com a Dr.ª Cândida, que é Procuradora no DCICCEF".
Aí é que ficou determinado o rumo da investigação, que foi fazer um inquérito nacional às actividades dessa pessoa em Portugal e, eventualmente, prendê-la à ordem do inquérito português, mas para isso era preciso recolher prova.
Daí a minha estupefacção, nomeadamente quando sou demitido - e nessa altura não falei -, quando alguns jornalistas me diziam: "Ó Sr. Dr., acusam-no de ter deixado fugir um famoso terrorista". É que o terrorista de vez em quando desaparecia e nós, por razões de investigação, deixávamo-lo desaparecer, porque sabíamos que ele voltaria a aparecer enquanto não estivesse avisado. Agora, dizer-se isso nos órgãos de comunicação social e, eventualmente, nas estruturas do poder é que eu acho grave. Agora posso falar nisso, porque ele já foi preso.
Portanto, neste momento, o Abu Salem está preso, não sei em que termos, à ordem do processo que lhe foi instaurado na 1.ª Instância e não na Relação. E o Sr. Director Nacional pode dizer o que quiser, que foi acção dele, que isto não é verdade, etc., etc., agora a questão é esta: quando eu tinha o mandato de captura internacional nas minhas mãos, a reacção era de não cumprir o mandato de captura internacional e desvalorizar: "quero lá saber do indiano!..."
Tudo isto são reacções muito estranhas de alguém que esteve aqui perante os Srs. Deputados e que os Srs. Deputados podem avaliar. Agora, também não me peçam a mim a avaliação. Mas, obviamente, são reacções que me deixaram preocupado.
Quanto ao tal estudo, tenho aqui um fax que foi recebido na Direcção Nacional da Polícia Judiciária no dia 8 de Agosto, que tem um despacho meu dirigido à nossa base de estudos para emissão de parecer em 5 dias - isto no dia 9, portanto do dia seguinte, sendo que eu tinha chegado no dia 4. Este estudo tinha a ver com o tal relatório mensal de actividades e com uma proposta da Direcção Nacional quanto ao mesmo, com diversos gráficos - está aqui no documento, os Srs. Deputados podem ver.
Portanto, este pedido chegou no dia 8, há o meu despacho no sentido de remetê-lo à BCE (para a nossa base de estudos), porque, como eu tinha chegado de novo à Polícia Judiciária entendi que não era eu quem iria emitir um parecer sobre esta matéria, mas, sim, a base de estudos da DCCB, que está bem documentada, pelo que pedi um parecer no prazo de cinco dias.
No dia 13 de Agosto chegou-me uma proposta de parecer do Inspector-Chefe Vítor Marques e o meu despacho é: "Arquive, uma vez que já é elaborado formulário".
Portanto, chega um fax no dia 8, no dia 9 peço à BCE uma proposta de parecer em cinco dias e no dia 13 de Agosto, e depois de pedido o parecer, certamente entre o dia 8 e o dia 13, isto é, em menos de cinco dias, vem a decisão da Direcção Nacional, sendo que esta proposta de parecer foi pedida à DCCB, à DCITE, à DCICCEF, às Directorias de Lisboa, do Porto, de Coimbra e de Faro, ao DCICPT, às várias instâncias da Polícia Judiciária.
Portanto, em menos de cinco dias há um pedido de parecer e há uma decisão final. Obviamente que estes factos não são agradáveis para quem está numa estrutura deste tipo.
Não sei se foi deferido ou não o requerimento do Sr. Deputado José Magalhães, mas tenho aqui os documentos, que disponibilizo, se for esse o interesse da Comissão.
O Sr. Presidente: - Sim, sim!
Sr. Dr., eu mando fotocopiar os documentos.
O Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes: - Julgo que não preciso mais disto.
O Sr. Presidente: - Mas eu mando-os fotocopiar, Sr. Dr.
Relativamente aos documentos que nos são entregues pelo Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes, vou mandar tirar fotocópias para junção aos autos e para serem distribuídas pelos Srs. Deputados.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, quero dirigir um cumprimento ao Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes, uma vez que não é daqui que o conheço mas, sim, do Tribunal de Setúbal, e, portanto, as referências que o Sr. Dr. Nuno Teixeira de Melo fez para as pessoas que não soubessem que ele era magistrado a mim não se aplicam e penso que também não a qualquer um dos membros desta Comissão, desde que ele foi ouvido aqui da outra vez.
Vou colocar-lhe três questões muito concretas, porque também não gosto de ver os juizes fazerem grandes considerandos - isto não se aplica ao seu caso, como é óbvio -, como fez o Sr. Deputado Jorge Neto, e nós nem sequer estamos aqui no papel de advogados, mas apenas para apreciar factos.
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A primeira questão tem a ver com as escutas, sobre as quais, salvo erro, V. Ex.ª disse que, de facto, não era dado conhecimento imediato ao juiz, havendo já sobre isso jurisprudência do Tribunal Constitucional. Percebi que, por várias vezes, fez saber ao Sr. Director Nacional que seria útil analisar essa questão.
Pergunto se, nessa altura, estava ou não mais alguém presente e se isso também se verificou em relação a escutas feitas, que não classifico de ilegais, já depois do Sr. Director Nacional ter tomado posse, isto é, se em relação a estas também não se dava imediato conhecimento ao magistrado.
A segunda questão é um pouco complicada de colocar, mas gostava de perguntar a V. Ex.ª, quando refere que, nessas questões de bastidores do poder, eram veiculadas questões relativas à sua vida privada, se isso também foi ouvido por si dentro da Polícia Judiciária ou se foi apenas na comunicação social; se alguém da Polícia Judiciária lhe deu conhecimento daquilo que corria nos corredores e, caso tal tenha acontecido, quem é que lhe deu esse conhecimento.
Essas questões permitiram que V. Ex.ª estabelecesse alguma relação com essa pergunta que foi feita, sobre se conhecia o director do SIS? Essas questões circulavam para justificar a sua demissão, porque, às vezes, podem ter sido de molde a estabelecer alguma ligação?
E a última pergunta que me atrevo a fazer é que V. Ex.ª falou no processo do indiano, mas falou também noutros processos ou noutro processo. Pergunto se, de facto, é assim, se houve mais algum processo em que houvesse desinteligências com o Sr. Director Nacional e, na hipótese afirmativa, se pode revelar que processo é.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes.
O Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes: - Quanto às escutas e ao conhecimento imediato ao juiz, é uma questão que tem sido muito debatida nos tribunais portugueses.
Quer dizer, o conhecimento imediato ao juiz das escutas feitas em qualquer instituição policial é impossível, porque isso pressuporia que o juiz estivesse em contacto directo com quem faz as escutas, o que é impossível.
Na DCCB, no tempo em que eu lá estive, estabelecemos o prazo de 15 dias, que é um prazo razoável. Todavia, acho que estas questões deviam ser debatidas, nomeadamente, institucionalmente - a Polícia Judiciária devia ter uma opinião acerca do que são as escutas, de como é que podem ser feitas - e, então, também, se calhar, alterado o Código de Processo Penal e verificada a jurisprudência do Tribunal Constitucional.
O que acontece nos tribunais portugueses é que grande parte dos processos mais importantes são, neste momento, anulados por via disto, porque entende-se que 15 dias é muito, ou um mês é muito, ou um mês e meio é muito, e isto traduz uma grande insegurança nos serviços de administração da justiça.
Portanto, o que posso dizer-lhe é: não é não cumprir, pois a DCCB cumpria o máximo que era possível, que era, de 15 em 15 dias, levar as escutas ao juiz (depois de fazer as transcrições, etc.)... Agora que esta questão, nomeadamente pela anterior experiência de tribunal que eu tinha, tem de ser debatida, em termos legislativos e jurisprudenciais, tem. É que não vale a pena estar a fazer investigações e julgamentos, que, depois, passado algum tempo, são anulados e determinam, com excessos do prazo de prisão preventiva, a libertação de arguidos, etc.
Esta é para mim uma das questões mais graves e que, em termos de processo penal, deve ser debatida rapidamente.
Quando é que falei nisto ao Sr. Director Nacional? Falei quando fui convidado; recordo-me de ter falado nisto, por exemplo, depois do almoço da tomada de posse. Agora, como não eram feitas reuniões, como não havia troca de informações, como as tais reuniões do Conselho de Coordenação Operacional debateram matrículas, debateram relações das direcções centrais com as secções regionais, debateram a necessidade de haver ou não relatórios mensais para controlo de cada uma das instâncias da Polícia Judiciária, obviamente que isto, não fazendo parte da ordem de trabalhos, não era discutido em reuniões.
Quanto aos comentários dentro da Polícia Judiciária, ouvi dizer, mas coisas sem importância nenhuma, se saía à noite, se não saía à noite, o que é que eu fazia, etc., claro que ouvi lá dentro o que se dizia, mas nunca liguei ao que dizem de mim, sem uma base de sustentação.
Agora, claro que para mim é desagradável, saber, depois, a posteriori, através dos meios de comunicação social, que se diz - as outras questões pessoais, não, essas passo bem por cima delas - que eu deixei fugir um perigoso terrorista ou que eu queria um helicóptero para ir buscar uma bomba no Alentejo. Obviamente que isso quer traduzir um desnorte e, se calhar, a tal "verdura" de que falavam no início, que não corresponde à realidade, e isso repugna-me muitíssimo.
Quanto à última pergunta, tenho aqui as iniciais, mas, depois, não escrevi o resto…
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - É que eu tinha percebido que V. Ex.ª tinha dito que não era só um processo…
O Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes: - Pois, na altura, tínhamos dois, mas o outro não teve relevância; era um processo de averiguações sumárias e não se confirmaram os meses que nós tínhamos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Osvaldo Castro.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes, na linha, aliás, da minha colega Odete Santos, sem alegações, embora tenha de lhe dizer que a postura de V. Ex.ª nesta Comissão, para mim, só confirmou a ideia que tenho, há longos anos, dos magistrados portugueses, que é de que continuam a ser isentos e imparciais no tratamento das questões.
Quero colocar-lhe algumas questões muito concretas, Dr. Pedro Cunha Lopes. Na Lei Orgânica da Polícia Judiciária, ainda em vigor (dizem que vai ser alterada), o artigo 3.º diz, no n.º 1, que "A Polícia Judiciária coadjuva as autoridades judiciárias em processos relativos a crimes cuja investigação lhe incumba realizar ou quando se afigure necessária a prática de actos que antecedem o julgamento e que requerem conhecimentos ou meios técnicos especiais", e, no n.º 2, que "Para efeitos do disposto no número anterior, a Polícia Judiciária actua no processo sob a direcção das autoridades judiciárias e na sua dependência funcional, sem prejuízo da respectiva organização hierárquica".
A minha pergunta é esta: em julgamentos complexos ou, pelo menos, em julgamentos muito complexos, eu, na qualidade
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de advogado, assisti à presença de agentes da Polícia Judiciária, que, de algum modo, assessoravam, procuravam ajudar, às vezes, em intervalos de julgamentos, etc., o Procurador, ou o Procurador Adjunto, ou o Procurador-Geral Adjunto, conforme as circunstâncias, que dirigia e fazia a acusação.
O que pergunto é: isto verifica-se ou não, actualmente, especialmente nos processos de maior complexidade técnica? Isto, aliás, é sabido. Os advogados, hoje, têm a facilidade de levar consigo um conjunto de assessores técnicos, desde economistas a contabilistas, etc., e, às vezes, estar lá o Procurador sozinho é uma coisa extremamente complicada.
A segunda questão tem a ver com o seguinte: é evidente - e, aí, reporto-me também à lei orgânica e ao seu artigo 114.º, aquele que se refere aos directores nacionais adjuntos - que quem propõe a nomeação do director nacional adjunto é o director nacional da Polícia Judiciária, mas quem faz o despacho de provimento é o Ministro da Justiça (aliás, como V. Ex.ª leu e como nós também lemos, sendo que V. Ex.ª foi exonerado pela Ministra da Justiça). Portanto, não é uma questão tão-só do director nacional, mas é uma questão com a Ministra da Justiça.
A questão que lhe ponho é esta: nos seus escassos três meses, em que aparentemente tudo mudou - isto é, V. Ex.ª tinha competência, proficiência, etc., todas as características que são requeridas aqui pela lei orgânica, e, de repente, em três meses, tudo isto se alterou -, V. Ex.ª esteve presente conjuntamente com o Sr. Director Nacional e, eventualmente, com os seus colegas da direcção, directores nacionais adjuntos, em alguma reunião com a Sr.ª Ministra da Justiça? E digo isto porque estão aqui várias pessoas que já pertenceram ao governo e já tutelaram directores. Por exemplo, eu reuni várias vezes com os directores-gerais e com os subdirectores de áreas que tutelei - umas vezes, reunia só com o director-geral mas, em muitas circunstâncias, até pela especialidade das matérias, reunia com o director-geral e o subdirector-geral.
Pergunto: alguma vez a Sr.ª Ministra da Justiça se dignou reunir, nem que fosse por uma questão de cumprimentos, com o director nacional e com os directores nacionais adjuntos?
Última questão tem também a ver com a lei orgânica, ainda em vigor. O artigo 47.º, que se refere ao Departamento de Planeamento e Assessoria Técnica diz, no n.º 2, alínea d), o seguinte: "Elaborar relatórios e análises estatísticas sobre o estado e a evolução da criminalidade".
A pergunta que lhe faço é se V. Ex.ª, quando chegou e tomou posse do seu lugar na DCCB, encontrou relatórios da actividade (até, eventualmente, planos da actividade), feitos por este departamento, ou se a própria DCCB faz habitualmente relatórios da actividade.
Digo isto porque, por exemplo, nós temos uma coisa que habitualmente os governos nos entregam por altura do Orçamento, um Dossier Justiça, onde consta um conjunto estatístico de crimes e que dá para perceber como é que a situação evolui - se agora é mais o furto por esticão ou mais o roubo na base do assalto, como V. Ex.ª bem referiu, etc.
Assim, o que pergunto é o seguinte: existem ou não elementos destes, agregados e organizados, de onde se permite concluir o estado e a evolução da criminalidade, designadamente na área do banditismo?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes.
O Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes: - Quanto à primeira questão, é normal haver assessoria - pelo menos, eu tenho visto. Não sou procurador, sou juiz, mas, nos processos mais complexos, é normal eu ver Procuradores da República assessorados, em privado, pelos elementos que fizeram a investigação, trocarem opiniões sobre o que foi feito, etc., o que até me parece curial.
Todavia, relativamente aos juizes isso nunca aconteceu. Ou seja, a Polícia Judiciária assessorar um juiz que vai proceder a julgamento, isso não aconteceu, nem tenho conhecimento que alguma vez tenha acontecido, nos casos que conheço.
Relativamente ao Procurador, que tem de sustentar a acusação, muitas vezes isso é feito e tenho conhecimento de muitos casos em que o Procurador, antes do julgamento, se reúne com quem dirigiu o processo, para saber que provas foram coligidas, entender determinados documentos, etc.
Em relação à segunda questão, devo dizer-lhe que nunca tive qualquer reunião com a Ministra da Justiça - aliás, também não fui ouvido quando foi cessada a minha comissão de serviço. Portanto: nem reunião enquanto lá estava, nem reunião para sair.
Quanto aos relatórios estatísticos sobre o estado da Polícia Judiciária, cada um dos departamentos tem de fazer um relatório anual. Quando cheguei, em Maio, o da DCCB não estava feito e fui eu quem o assinou, também sob proposta que me foi dada pela DCCB, em Julho ou Agosto, se não me engano, mas tinha os anteriores.
Acho que respondi às suas três questões.
O Sr. Presidente: - Eu tinha dito que o Sr. Deputado Osvaldo Castro era o último Sr. Deputado inscrito, mas, agora, há mais duas inscrições, dos Srs. Deputados Jorge Lacão e Telmo Correia, que espero sejam as últimas, dado o adiantado da hora.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, eu ouvi, todos ouvimos, o Sr. Dr. referir, ainda hoje, a sua própria perplexidade quanto aos motivos genuínos que conduziram à perda da confiança na sua pessoa.
Em todo o caso, reportando-me estritamente aos termos em que está elaborado o ofício do Sr. Director Nacional, dirigido à Sr.ª Ministra da Justiça, em que se fundamenta a razão de ser para a cessação da sua comissão de serviço, queria ainda pedir ao Sr. Dr. que se pronunciasse sobre cada um dos fundamentos invocados neste ofício, não em termos de juízo de valor mas relativamente a factos eventuais (e digo eventuais na dúvida sobre se algum deles possa ou não ter ocorrido).
Primeiro, quanto ao invocado fundamento da perda de confiança, queria saber se o Sr. Dr. foi, de facto, informado, em algum momento decisivo, de uma razão determinante justificativa da perda de confiança;
Segundo, quanto ao fundamento do não cumprimento dos objectivos previamente delineados, gostaria de saber se o Sr. Dr. tem consciência de, nalgum momento, poder ter ocorrido qualquer circunstância ou qualquer facto que possam ter representado para o Sr. Director Nacional um efectivo incumprimento da sua parte de objectivo previamente delineado;
Terceiro, relativamente ao fundamento da nova orientação à gestão da Direcção Central, gostaria de saber se o Sr. Dr. tem consciência de, nalgum momento, ter expresso
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uma divergência objectiva, essencial ou não, relativamente a qualquer proposta de nova orientação;
Quarto, relativamente ao fundamento invocado da necessidade de modificar a estratégia a prosseguir, gostaria de saber se, também neste domínio, o Sr. Dr. tem consciência de alguma vez ter oposto discordância quanto a uma eventual informação sobre o sentido dessa nova estratégia a prosseguir.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes.
O Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes: - Começo pela questão relativa à perda de confiança.
Quem tem perda de confiança é que tem de dizer porquê. Por mim, considero que não há nenhum facto em meu desabono no sentido de fazer perder ao Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária a confiança que inicialmente tinha em mim.
Quanto aos objectivos previamente delineados, foi o próprio Sr. Director Nacional quem, logo nas primeiras entrevistas que deu, se não me engano, numa que concedeu ao Expresso, afirmou, e não desmentiu, que, inicialmente, não tinha quaisquer objectivos relativamente à Polícia Judiciária porque se tratava de uma realidade que desconhecia.
Portanto, nunca me foram traçados objectivos - aliás, já o disse da outra vez que aqui fui ouvido, mas repito agora, uma vez que a pergunta foi-me colocada novamente. Bom, isto é um despacho genérico e abstracto, que não diz nada; serve para tudo e não serve para nada, depende das intenções de quem lê…
Li nas actas, na parte que consegui ler, que se falou num relatório que eu teria feito sobre a criminalidade de Leste, o qual não teria sido do agrado do Sr. Director Nacional.
Quanto a esse relatório, foi-me dito, numa das reuniões: "Pedro, veja lá se faz um pequeno relatório sobre a criminalidade de Leste para distribuir pelos vários núcleos da Polícia Judiciária".
Ora, vejamos: não conheço a criminalidade de Leste no terreno. Portanto, tal estudo foi feito em uma semana, com base num parecer do nosso núcleo de estudos, tendo sido assinado por mim próprio, mas não era nenhuma obra literária nem era nenhum estudo sobre a criminalidade de Leste; era um manual para conhecimento interno da própria Polícia Judiciária.
Parece que foi esse manual interno que o Sr. Director Nacional chamou à colação na última vez que cá esteve e do qual ele não gostou porque não estaria bem feito. Ora, trata-se de um manual interno e não de uma monografia, foi uma coisa feita em uma semana. Se é isso, então é mais uma tentativa de justificar o que não tem justificação. Portanto, não tenho qualquer conhecimento de não ter cumprido os objectivos previamente delineados.
Quanto a divergências que eu possa ter tido, respondo que se não havia estratégia também não pode ter havido divergência. Portanto, quanto a isso, mantenho o que disse anteriormente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes, vou fazer-lhe uma pergunta muito simples, muito directa, quase que apenas um pedido de esclarecimento complementar em relação ao seu depoimento.
No seu depoimento, o Sr. Dr. faz referência algumas vezes a situações que não quero comentar, relativamente às quais partilharei a sua indignação com a maior facilidade, que se referem a vida privada das pessoas. Obviamente, trata-se de questões desagradáveis, ainda que sejam só rumores e compreendo isso perfeitamente. Portanto, quanto a essa parte, limito-me a lamentar e a dar-lhe razão integralmente porque isso é sempre desagradável, seja em relação a quem for, para mais, como o Sr. Dr. nos disse, não havendo razão para tal. Mas, ainda que houvesse, cada um tem direito à sua vida privada e isso são sempre coisas desagradáveis.
Há uma segunda referência, que também entra um bocado neste capítulo do rumor - aliás, não percebi e é esse o esclarecimento que queria pedir-lhe -, que é a questão deste processo em concreto. É que, de facto, eu próprio também não tinha ouvido falar do tal indiano sobre o qual o Sr. Dr. nos disse que o Sr. Director Nacional ter-lhe-ia dito que tinha pouca convicção no processo, uma vez que, mesmo feita a detenção, ele acabaria por ser libertado.
O Sr. Dr. disse, ainda, que foram postos a circular rumores contra si próprio e falou em jornais. Assim, pergunto-lhe: isto foi publicado em algum lado? Existe alguma notícia, quer sobre essa história quer sobre a história do helicóptero, ou é uma mera referência de que alguém teria dito a alguém, ou chegou a existir alguma notícia publicada sobre isso?
Não tenho conhecimento sobre essa notícia mas, uma vez que o Sr. Dr. é a parte mais directamente envolvida nesta questão, era mais natural que tivesse conhecimento. Até pode não ter, mas era mais natural que o Sr. Dr. tivesse conhecimento desta notícia e não eu próprio.
É só este pequeno esclarecimento que lhe peço.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes.
O Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes: - Sr. Deputado, essa não foi notícia pública, ou seja, foi-me confidenciada em privado, nomeadamente pelos jornalistas. São estas informações que imperam nos domínios do poder e que, depois, podem suscitar determinado tipo de reacções.
Portanto, houve jornalistas que tinham conhecimento disso, mas as notícias não foram publicadas porque os jornalistas tiveram o cuidado de não as publicar. Agora, considero gravíssimo, nomeadamente quando estão em causa questões sobre as quais incide absoluto segredo e que são absolutamente confidenciais, como a questão… É que, nessa altura, o indiano ainda não estava preso e já se dizia que eu tinha deixado fugir um perigoso terrorista que, afinal, não fugiu, foi preso pelo meu sucessor e a captura até foi publicitada, embora com algum cuidado.
A história do helicóptero também não foi publicada mas, obviamente, estas coisas são no sentido de denegrir a imagem de alguém.
Não tenho projectos pessoais, nem em termos políticos nem em termos públicos, mas não é agradável para mim que alguém diga "tenho qualquer coisa para falar consigo mas só em privado" e, depois, vir dizer-me "olhe, o que se conta…" É tal como um erro de casting… Aliás, também apareceu um erro de casting da própria Polícia Judiciária; veio lá de dentro e apareceu nos órgãos de comunicação social, na Internet, etc.
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O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Dr., o que é essa história do helicóptero?
O Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes: - A história do helicóptero tem a ver com uma cooperação internacional e com os cuidados que há com o terrorismo no momento actual e, ainda, com a exploração de todas as fontes de que possa advir - aliás, posso dizer-lhe que tem a ver com cooperação internacional, nomeadamente com os Estados Unidos.
Agora, pôr-se na boca dos jornalistas "vejam lá! Aquele tipo, coitado, até me veio pedir um helicóptero!…" Não pode ser! Quando há questões altamente confidenciais e complicadas que põem o mundo aterrorizado, aí, só pode haver a minha indignação, porque eu soube por terceiros. É que eu nem sabia de nada! Sempre estive fora disto e quando o Sr. Director Nacional me dizia "veja lá…!", eu perguntava-lhe "Sr. Director, quer dizer-me o que se passa?", ao que ele respondia: "Não posso; veja lá, tenha cuidado…!" E eu pensava "cuidado?! Não tenho razão nenhuma para ter cuidado!" Depois, quando se vê esse tipo de informação a intoxicar certo tipo de nomenclatura de Estado, aí, claro que não se pode ficar bem disposto.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não se registando mais inscrições, chegámos ao fim da audição do Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes.
Em nome da Assembleia da República, quero agradecer-lhe a disponibilidade e abertura pessoal com que, ao longo desta manhã, foi satisfazendo as questões colocadas pelos Srs. Deputados desta Comissão de Inquérito.
Dou, pois, por terminada esta audição e vamos suspender os trabalhos que recomeçarão às 15 horas, nesta mesma sala.
Eram 13 horas e 20 minutos.
Srs. Deputados, vamos reiniciar os nossos trabalhos.
Eram 15 horas e 15 minutos.
Já temos entre nós a Dr.ª Maria José Morgado, a quem agradeço a pontualidade, pois estava no Palácio às 15 horas em ponto.
Como os Srs. Deputados sabem, vamos cumprir a metodologia de trabalho igual à desta manhã. Peço-vos que tentem manter a mesma disciplina que foi possível durante a audição anterior, com duas excepções por parte dos Deputados Eduardo Cabrita e Jorge Neto a quem peço que tentem conter-se, à semelhança dos outros Srs. Deputados, para que seja possível não só a prestação de todos os esclarecimentos por parte da Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado como ainda a participação de todos os Srs. Deputados que entendam usar da palavra durante esta audição.
Já há duas inscrições, a primeira das quais é do Sr. Deputado Eduardo Cabrita, a quem dou a palavra de imediato.
O Sr. Eduardo Cabrita (PS): - Sr. Presidente, tentarei cooperar com a sua recomendação a bem da eficácia dos trabalhos.
Começo por saudar a Dr.ª Maria José Morgado pela sua comparência nesta Assembleia, agora num quadro diferente do anterior, no de uma comissão de inquérito, visando apurar a verdade relativamente aos actos do Governo, designadamente da Sr.ª Ministra da Justiça, com incidência na estrutura directiva da Polícia Judiciária e na estratégia de combate ao crime económico, financeiro e fiscal.
Colocarei um conjunto de questões que se prendem, fundamentalmente, com domínios relativamente aos quais a Sr.ª Dr.ª invocou legitimamente o segredo profissional, quando aqui esteve no quadro de uma reunião aberta.
No que se refere a outras questões, não farei mais do que referências indirectas, dado que as declarações então prestadas estão juntas aos autos e caberá à Sr.ª Dr.ª considerá-las como reproduzidas e, se entender, acrescentar alguma clarificação relativamente a matérias sobre as quais não invocou o segredo profissional.
Em primeiro lugar, há aqui uma dúvida que julgo que todos temos. Conhecemos temporalmente a altura em que se verificou o seu pedido de demissão: estava em gozo de férias num local de onde enviou o fax, no dia 27 de Agosto. No entanto, que circunstâncias, ocorridas num período em que, como declarou, manteve um contacto regular, quase diário, quer com os operacionais da estrutura que dirigia quer com o Sr. Director Nacional, determinaram esta decisão de, em férias, apresentar o seu pedido de demissão nos termos que são de todos conhecidos?
Em segundo lugar, falou em divergências com o Director Nacional sobre questões estratégicas e em divergências estratégicas relativamente às orientações que sentia estarem a ser cometidas à Polícia em matéria de combate ao crime económico, financeiro e fiscal.
Em que se traduzem estas divergências? Relativamente a que projectos concretos, a que definição de prioridades num contexto sempre marcado pela falta de meios para desafios vastos, se traduziam estas divergências?
Em terceiro lugar, referiu que era fundamental o apoio interno e externo. Apoio externo no sentido de apoio político que disse não sentir da parte da Sr.ª Ministra da Justiça quanto à continuação do combate que vinha travando. Apoio interno por parte do Director Nacional que, segundo disse no seu depoimento, deixou progressivamente de sentir.
Por outro lado, se não aqui, em declarações à comunicação social, disse, a determinada altura, que essa sensação de perda de apoio foi notória, não desde o início mas, sobretudo, a partir do mês de Junho.
É possível precisar melhor relativamente a que circunstâncias, a que processos certamente importantes localiza essa sensação de perda de um apoio interno que anteriormente julgava existir?
Em quarto lugar, cabe à Polícia Judiciária apoiar o Ministério Público relativamente a processos relevantes mesmo depois da conclusão da fase de investigação. Tanto quanto sei - e hoje mesmo falámos disso aqui, da parte da manhã, com o Dr. Pedro Cunha Lopes -, relativamente a processos importantes, esse apoio era levado mesmo a um acompanhamento dos magistrados do Ministério Público em fase de julgamento, acompanhamento esse feito através de contactos, de presença no julgamento.
Gostaria que, relativamente à DCICCEF, me desse nota de qual o tipo de processos em que aquele acompanhamento era feito. Designadamente no que respeita a um processo sobre o qual invocou segredo profissional, o chamado "caso Moderna", gostaria de saber se havia esse acompanhamento, em que termos era feito e se nalgum momento foi determinada, e em que termos, uma alteração da forma de acompanhamento.
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Passo à quinta questão. Tem sido várias referido que, da intervenção do Director Nacional, e, num caso, na sequência de um pedido de informação por parte de um membro do Governo, concretamente da Ministra das Finanças, resultaram interferências na gestão de meios que levariam a uma alteração de prioridades de investigação com prejuízo da própria investigação desenvolvida.
Se é assim, em que termos e em que medida é que é possível substanciar tais alterações de prioridades por intromissão do Director Nacional ou por intromissão externa, com consequências relativamente à afectação de meios a investigações em curso.
Passo à sexta questão. Foi referida publicamente, nomeadamente em depoimento aberto do Dr. Pedro Cunha Lopes, logo em Maio, aquando da formação da equipa dirigente, quando o Dr. Adelino Salvado foi convidado para exercer as funções de Director Nacional da Polícia Judiciária, a existência de convites a outros magistrados para ocuparem as funções que a Sr.ª Dr.ª então exercia na Polícia Judiciária. O Dr. Pedro Cunha Lopes afirmou ter sido convidado, mas foram referidos outros convites.
Pergunto-lhe, pois, se teve conhecimento desses convites e, designadamente do que foi declarado em reunião aberta de comissão segundo o que a Sr.ª Ministra da Justiça não via com bons olhos a sua continuação na DICCEF. Gostaria de saber se tem conhecimento do facto de essa circunstância ter sido falada, quer em termos públicos, quer no meio da magistratura, quer mesmo entre altas entidades de Estado com responsabilidades relativamente ao sector da justiça.
Que interferências são essas? Em que momento teve conhecimento deste tipo de intervenções?
Passo à última pergunta, sistematizando. Não tanto no seu depoimento anterior em comissão mas em declarações à comunicação social, referiu com particular ênfase determinadas investigações nos domínios do crime económico, financeiro e fiscal, nomeadamente: investigações a fraudes relacionadas com o IVA, a crimes relacionados com impostos especiais sobre o consumo de álcool, de tabaco, a crimes relacionados com imposto sobre combustíveis; disse que esse tipo de crime tem hoje uma gravidade comparável, se não mesmo superior, a formas tradicionais de crime como os ligados à droga; disse, ainda, que, nessa matéria, a perda de apoio que sentiu traduziu-se não só em efeitos sobre a investigação, sobre a motivação dos operacionais da Polícia Judiciária mas também, como referiu numa entrevista, pôs em causa investigações em curso e, designadamente, a utilização de arrependidos indispensáveis ao apuramento da verdade nalguns desses processos.
Ora, perante isto alguma vez teve a sensação - e, em caso afirmativo, a partir de que momento - de que as investigações que a Polícia Judiciária estava a desenvolver estavam a pôr em causa altas figuras ligadas à administração fiscal, empresas e entidades com relevantes interesses económicos, advogados, consultores fiscais com estreitas ligações à administração fiscal ou integrantes da mesma em momentos anteriores e que se tivessem sentido postos em causa por investigações desenvolvidas nestes domínios específicos, que tão profundamente enfatizou, ligados ao combate ao crime económico, financeiro e fiscal?
Termino aqui as perguntas e apenas acrescentarei três pedidos de elementos que foram referidos na ocasião anterior em que veio depor à comissão e que não nos foi possível pedir formalmente, a saber: o relatório da DCICCEF referente a 2001, o qual quisemos pedir oficialmente; o relatório de um grupo de trabalho multidisciplinar, relatório esse que foi apresentado ao então Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais e que era relativo a matéria de combate ao crime económico; e diversos relatórios de instâncias internacionais sobre a matéria e os que considerasse relevantes certamente e que seriam muito úteis para o trabalho desta Comissão.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado.
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado (ex-Directora Nacional Adjunta da Polícia Judiciária): - Agradeço a atenção dos Srs. Deputados.
Previamente, tenho a referir que me considero numa situação de dever de colaboração com a descoberta da verdade nesta Comissão e que a única limitação às minhas revelações é o eventual dano que daí poderia advir para a investigação criminal, para a prevenção ou para a segurança dos seus investigadores. Tirando essas eventualidades, farei todas as revelações que considero necessárias dentro do interesse preponderante da descoberta da verdade, a verdade verdade.
Todos sabemos que, nos processos, há uma verdade formal, uma verdade material - não sei se também vou aprender alguma verdade parlamentar -, mas a verdade que quero revelar aqui é a verdade verdade.
Quanto às questões que o Sr. Deputado me colocou, julgo que tenho direito a uma resposta proporcional.
As questões que o Sr. Deputado amavelmente me colocou julgo que têm direito a uma resposta proporcional: envolvem toda a história da minha actuação, das prioridades definidas, em matéria de prevenção, em matéria de investigação criminal, em matéria de apoio à investigação criminal, em matéria de tipologias de crime, em matéria de análise dos modus operandi e correspondente adaptação dos meios de prova, em matéria de adopção de uma atitude não tradicional para diminuir o impacto da corrupção e da fraude financeira internacional.
E explicar tudo isto é muito complexo; mas explicar tudo isto simultaneamente e explicar e rebobinar é, como no branqueamento, começar da frente para trás. O que é que aconteceu no dia 27 de Agosto? E por que é que aconteceu no dia 27 de Agosto? E quem é que escolheu que acontecesse no dia 27 de Agosto? Se fui eu ou se houve alguma sobreposição à minha vontade, ainda torna mais complexa esta tarefa.
Enfim, vou lembrar-me das dificuldades de análise no combate ao crime económico, que é sempre velado, indirecto, complexo, inovador, mutante e não tem cara. Vou lembrar-me de todas essas dificuldades e fazer um esforço, para ver se consigo descobrir alguma capacidade de conseguir tratar destas questões em termos minimamente satisfatórios e esclarecedores.
Começando com o pedido de demissão, Srs. Deputados, poderia talvez dizer isto: inicialmente, eu tinha um compromisso para ficar; a partir do dia 27 de Agosto, fiquei com um compromisso para partir da Polícia Judiciária.
Compromisso para ficar, compromisso para partir - e isto não é nenhuma telenovela (aliás, não vejo telenovelas), mas reconheço que há qualquer coisa de rocambolesco nisto, mas não sou eu a "produtora" deste filme. Aliás, nada disto aconteceu em circunstâncias normais, nada disto aconteceu num quadro da normalidade, e, até hoje, não domino tudo o que aconteceu em termos factuais.
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Ora bem, começando pelo compromisso de partir: já sei que tenho fama de ter mau génio, alguém, porventura, estará interessado em fazer-me passar por intratável, mas não foi nada disso que aconteceu.
No dia 27 de Agosto, aliás, quando fui para férias, deixei prioridades definidas e deixei investigações prioritárias no terreno (e sem danificar os interesses da investigação), das quais uma delas tinha a ver com um dos alvos mais importantes neste país em termos de contrabando organizado de cigarros, de tráfico de droga e outro tipo de fraudes internacionais, e uma outra investigação tinha a ver com entregas controladas em matéria de fraude ou de IEC.
Portanto, tratava-se tudo de fraudes de índole internacional, a serem investigadas por uma pequena brigada de cinco pessoas (porque é assim que se trabalha na Polícia Judiciária, pelo menos, foi assim que eu trabalhei), das quais uma delas estava a ser operada e outra estava de férias, estando a brigada reduzida a três pessoas, e tinha de haver rigor e uma atitude drástica no cumprimento desses objectivos, até porque estas duas investigações punham em causa a cooperação da Polícia Judiciária com a Brigada Fiscal e com a Direcção-Geral das Alfândegas, pois tratava-se de investigações a serem executadas por meio de equipas multidisciplinares, o que era uma experiência nova a ser desenvolvida na DCICCEF por minha iniciativa. Efectivamente, fiz uma reunião com o DCIAP, fiz uma reunião com o Sr. Coronel Vitória, da Brigada Fiscal, e pus em marcha estas equipas multidisciplinares, perante o pessimismo do Sr. Director Nacional, Dr. Adelino Salvado, que me foi dizendo pelo telefone "Sr.ª Dr.ª, isso não dá nada!…". Mas, dando ou não dando, era aquela a minha opção.
Tinham ficado tarefas definidas, de recolha de prova, de recolha e análise de informação, nesses dois inquéritos que corriam na Secção de Contrabando Organizado, uma secção com 10 pessoas - não são 100; são 10 pessoas!
Ora bem, tinha ficado também, para os 15 dias de férias que eu tinha tirado, a recolha de prova e o desenvolvimento do processo da corrupção nas finanças, que estava em desenvolvimento depois de uma última operação de recolha de prova que se tinha desencadeado, lembro-me perfeitamente, no dia 3 de Abril e que era um processo muito sensível.
Nesse processo, punha-se a questão da colaboração através de agentes colaboradores, de gente que, do interior do sistema, entregasse provas, colaborasse na descoberta da verdade através de meios de prova. É talvez dos processos mais importantes que, nesta matéria, houve no País. Um processo onde estão a ser investigadas cento e tal empresas, onde, à data em que eu saí, havia a quebra do sigilo bancário de mais de 100 contas bancárias, e um processo a ser investigado por cinco (cinco!) investigadores, neles se incluindo a chefia operacional, o inspector-chefe - cinco pessoas!
Portanto, este era o programa para os meus 15 dias de férias. Havia também o processo da nandrolona, a ser investigado pela secção do contrabando (tinha decidido colocá-lo nessa secção por causa de questões referentes a tráficos, neste caso, de nandrolona). Tratava-se tudo de crime organizado, crime internacional, fraudes de grande danosidade, que utilizavam a corrupção como instrumento fundamental de consumação do crime.
Fui para férias preocupada, mas tinha de ir, porque há um ano e meio que não parava. Todavia, combinei com a Sr.ª Subdirectora, Dr.ª Mariana, todos os dias, fazer um ponto de situação, de manhã, no início do dia, e ao fim do dia, para me manter actualizada.
De acordo com esse ponto de situação, ia falando, por minha iniciativa, com o Sr. Director Nacional, porque, nessa data, ou eu falava por minha iniciativa com o Sr. Director Nacional ou o Sr. Director Nacional era como se eu não existisse ou fizesse parte do pessoal operário e auxiliar da Polícia Judiciária. Isto é uma consideração minha, mas, de facto, ele não tomava iniciativas de me procurar, de pedir uma opinião, de se inteirar sobre as linhas de orientação, as prioridades e os acontecimentos no terreno - é que estávamos ali numa frente de batalha.
Assim, desde que fui para férias - e, antes de ir para férias, despedi-me do Sr. Director Nacional -, todos os dias, depois de falar com a Sr.ª Subdirectora, eu ligava ao Sr. Director Nacional, até porque, durante as férias, foram ocorrendo coisas surpreendentes e inexplicáveis, até aos dias de hoje, para mim (ou, pelo menos, não explicáveis de forma lógica e clara).
Mas indo ao compromisso para sair: no dia 27 de Agosto, toca o telefone, passava das 10 horas e ainda não eram 10 horas e 30 minutos - enfim, é uma casa em férias, em que as pessoas se levantam mais tarde, estava eu, o meu marido…
O Sr. Alberto Martins (PS): - Em que dia foi, Sr.ª Dr.ª?
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Dia 27 de Agosto, depois das 10 horas e antes das 10 horas e 30 minutos, Sr. Deputado, aí por volta das 10 horas e 20 minutos.
Lembro-me perfeitamente, porque eu estava preocupada, uma vez que, na véspera, tinha havido uma reunião sobre ajudas de custo e prevenção activa, a Polícia estava numa situação de confusão e discussão a esse respeito, por causa dos últimos regulamentos produzidos nessa matéria - aliás, eu própria tinha dúvidas acerca das práticas a adoptar.
Devo dizer que na DCICCEF nunca houve problemas com ajudas de custo, nem com dinheiros, nem com prevenções activas, não havia "rabos de palha". No entanto, no mês de Julho, tinha entrado em vigor um regulamento que obrigava a determinados procedimentos novos, relativamente difíceis de compreender pela maneira como tinham sido adoptados, e isso tinha suscitado dúvidas.
Portanto, tinha havido uma reunião na véspera e eu tinha dito à Subdirectora "ó Dr.ª Mariana, se for preciso eu vou aí", ao que ela me respondeu "não, não é preciso, então para que é que há subdirectores?!". E eu disse "está bem; então, a Dr.ª Mariana veja lá o que é que se passa e, amanhã, diga-me".
Devo dizer que o Sr. Director Nacional nunca travou a menor análise, a menor discussão, o menor confronto, o menor contraditório, qualquer abordagem, nesta matéria, comigo. Nunca! Até à minha saída e muito menos depois da minha saída.
Entre as 10 horas e as 10 horas e 30 minutos, deviam ser 10 horas e 20 minutos, toca o telefone e quem é? É o Dr. Adelino Salvado. Fiquei logo preocupada, porque achei que a iniciativa do telefonema dele não representava uma boa notícia, e disse: "Sr. Director, faça o favor de dizer". O Sr. Director Nacional, como de costume, fazia sempre umas grandes encenações nas suas intervenções comigo e disse-me "Sr.ª Dr.ª, esta noite não dormi" (começava sempre assim quando havia problemas) e eu disse-lhe: "tem graça, porque eu também não; estou preocupada, se calhar,
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isto é transmissão de pensamento" - a conversa foi mesmo assim.
Diz-me o Sr. Dr. Adelino Salvado: "Eu vou mudar isto tudo, de alto a baixo! Já sei que a Sr.ª Directora não vai concordar…" - isto é taxativo - "… e, portanto, está liberta do nosso compromisso", que era o compromisso que ele me tinha pedido para jamais, em caso algum, acontecesse o que acontecesse, pedir a cessação da comissão. "Está liberta do nosso compromisso, Sr.ª Dr.ª Maria José", disse-me.
Bom, eu sempre tive muita relutância em contar isto, mas devo fazê-lo, em nome do respeito que merecem os Srs. Deputados e o dever de verdade. "Como personalidade de prestígio…" - acho até um bocado caricato este tipo de conversa, mas foi assim - "… a Dr.ª Maria José, faz favor, pede a cessação da comissão, em vez de ser eu a fazê-lo. Tenho já uma pessoa para o seu lugar com um perfil idêntico,…" - como se vê, até porque a minha demissão foi aceite na quinta-feira e essa pessoa com o perfil idêntico (pode ser mais alta e mais forte, mas terá o perfil idêntico e o sexo oposto…) tomou posse na segunda-feira, portanto, o que se vê é que ninguém foi apanhado de surpresa, tudo isto foi pensado - "… pelo que a Dr.ª Maria José, como personalidade de prestígio, talvez seja melhor colocar a sua comissão à disposição". E eu disse: "Sr. Director Nacional,…" - sempre o tratei muito cerimoniosamente - "… sim senhor, isto é uma questão de minutos. Por acaso, não tenho aqui papel, os computadores acabaram com o papel, nem tenho fax, nem Internet, mas redijo já o meu pedido de cessação da comissão. Gostava de saber os motivos…", ao que ele me respondeu: "Não, não vale a pena". Continuei, "Sr. Director Nacional, estou a 40 minutos de Lisboa, posso ir a Lisboa falar consigo, as minhas férias terminam segunda-feira,…" (era uma terça-feira) "… mas eu gostava de falar consigo".
O Sr. Director Nacional, na 1.ª Comissão, falou muito de conversas "olhos nos olhos", mas comigo foi "ouvidos nos ouvidos", que é outra modalidade. Embora eu tivesse insistido "gostava de falar consigo, perceber isto…", ele disse-me "não vale a pena". Vi que ele já tinha passado à fase seguinte, já praticamente não me ouvia, já não tinha tempo disponível para mim, e, então, eu disse: "Pronto, Sr. Director Nacional, muito bem, tem o meu compromisso em como eu peço a cessação da comissão".
Desliguei, fiquei a pensar em tudo o que ficava para trás, nas pessoas que, súbita e aparentemente, eu tinha abandonado naquele momento, mas era irreversível, eu não tinha escolha. Havia um autor moral para isto, há um autor material para isto - sou eu, eu pedi a demissão. Sempre o assumi, sou uma pessoa com ética e, a partir do momento em que assumo a responsabilidade de pedir a demissão, é evidente que sou eu que peço a demissão. Mas o dia, as circunstâncias, a hora e a ponderação das consequências não me pertenceram.
Fiquei a pensar se devia vir a Lisboa, se não devia, e cheguei à conclusão de que não viria fazer nada a Lisboa senão confrontar-me com aqueles que tinham colaborado e lutado comigo na primeira linha de combate à fraude internacional e à corrupção, confrontar-me com uma situação já irreversível - aliás, os telefonemas começaram a "chover" horas depois - e decidi, eram dez horas e tal, depois de pensar umas quatro horas, que não valia…
Se me perguntarem quem são as testemunhas deste telefonema, é evidente que são as testemunhas das 10 horas da manhã, num dia de férias. Estava o meu marido presente e a Professora Lúcia Amaral, que estava a passar férias connosco em casa, que perceberam perfeitamente o meu drama. Porque é dramático abandonar, saltar assim de uma direcção central, que conduzia com seriedade, com objectivos, com prioridade, com sacrifício.
Passava já das duas horas da tarde, os correios estavam fechados, resolvi mandar um fax da Junta de Turismo da Ericeira, que tenho aqui para entregar à Comissão - aliás, este fax apareceu no Público e não fui eu que o entreguei, alguém suficientemente ansioso para o efeito o entregou, mas também não me interessa quem -, em que digo: "Apresento a minha demissão do cargo de DNA da PJ a partir desta data". Às cinco da tarde, telefono ao Dr. Adelino Salvado, a confirmar o envio do fax. O Dr. Adelino Salvado, na altura, diz-me que ainda não tinha recebido qualquer fax, perguntando-me o que é que se passava, e eu disse-lhe: "Então, é melhor procurar, se calhar já anda a 'passear' pelas redacções dos jornais, porque eu já o mandei há três horas".
O Dr. Adelino Salvado mostrou-se exasperado por eu ter apresentado um pedido de demissão, porque o que estava combinado era um pedido de cessação da comissão, e eu disse-lhe que para o caso tanto importava, porque o que me importava era o resultado, e a esse respeito não valia a pena discutirmos formalidades.
Pedi-lhe encarecidamente, e pela última vez, talvez até um bocado estupidamente, que me dissesse o que é que tinha corrido mal, quais eram as razões, porque ando neste mundo por valores e gostava de saber. A resposta do Dr. Adelino Salvado - eu sei que em relação a tudo isto é a minha palavra contra a dele, mas é assim, e as pessoas valem o que valem - foi: "Não me massacre a mim, nem a si. Deixe-me. Pergunte aos seus colegas". Eu disse-lhe: "Sr. Director, o meu compromisso era consigo, não era com os meus colegas" e devo dizer que ele queria referir-se ao Dr. José Branco e ao Dr. João Vieira, que vieram com ele para a Polícia Judiciária e que são o braço direito para tudo e mais alguma coisa em relação a ele, e, porventura, pareceu-me ofendido por eu não falar com os meus colegas a este respeito, delegação essa que eu não aceitava, porque era a ele que reportava. A partir daí, o Dr. Adelino Salvado nunca mais me atendeu, nunca mais me recebeu, nunca mais aceitou falar comigo.
Passei um dia horrível e, na quinta-feira, resolvi vir a Lisboa e enviei por fax, dirigido da Alexandre Herculano, da DCICCEF, porque se levantava uma grande celeuma na imprensa a respeito da minha demissão… Havia uma ambiente de Titanic na DCICCEF, porque ninguém compreendia como é que isto tinha acontecido assim subitamente, sem qualquer explicação, com tudo a correr bem, com a Polícia Judiciária no combate ao crime económico prestigiada, com investigações a decorrerem a meio… Aliás, deixei tudo a meio, basta dizer que nem o meu gabinete tive tempo de arrumar, quanto mais o resto.
E perante esse ambiente de Titanic e, porventura, numa última tentativa de proteger os operacionais, de evitar represálias - o Dr. Adelino Salvado chamava-me muito "mãe ursa", internamente criticava-me por proteger demais os operacionais, porque publicamente acusa-me de protagonismo, que é outra história -, porventura eu própria, quando pedi a demissão, não tinha o domínio funcional do facto e como não sabia que interpretações se podiam fazer a respeito do meu pedido de demissão, enviei um fax ao Director Nacional, fax esse que hoje foi entregue por alguém às televisões, não por mim, mas já o ouvi ler nas
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televisões, em que acentuei que o pedido de demissão se enraizava em divergências de estratégia operacional e de organização da DCICCEF e que não havia uma interpretação de natureza política a fazer sobre esse pedido.
Mas esse repúdio de interpretação política é a respeito do meu pedido e não a respeito das iniciativas de terceiros que me colocaram nesta fatalidade e nesta posição irreversível. A carta é assinada por mim e o que eu digo é que, quando fiz aquele pedido de demissão, não tive intenções políticas. Porque, a certa altura, eu já não sabia para onde é que o Dr. Adelino Salvado me estava a empurrar, porque recebo, no sossego das dez e tal da manhã, em minha casa, um telefonema que me sussurra: "Peça a cessação da comissão". E quando vejo todas as especulações que surgem depois, sinto necessidade de acentuar o dever de neutralidade de uma magistrada, mas isto é um facto da minha esfera de actuação, não é da esfera de actuação do Dr. Adelino Salvado, da Sr.ª Ministra ou de quem quer que seja que, porventura, esteja implicado nesta história.
Como eu disse, houve um autor moral, houve um autor moral: eu fui autora material, eu executei! Mas a iniciativa não me pertenceu, a avaliação das circunstâncias não me pertenceu e eu não percebia o que estava a acontecer. Isto quanto às razões de natureza política.
Eu não tinha razões de natureza política e não podia ser acusada de estar a fazer um pedido de cessação da comissão, para, depois, o explorar politicamente, simplesmente aqueles que apontam esta carta como uma explicação dos seus comportamentos, estão enganados numa coisa: é que esta carta explica o meu comportamento, esta carta é assinada por mim, não é assinada por mim, pelo Dr. Adelino Salvado e pela Dr.ª Celeste Cardona. É uma carta assinada por mim, e quem não tinha intenções políticas era eu, mais ninguém! O resto não sei, o resto não me diz respeito.
Aliás, o Dr. Adelino Salvado, quando me propõe a cessação da comissão, tem a certeza de três coisas. Quais são? O protocolo de acesso às bases de dados e de cooperação entre a Polícia Judiciária, DGAIEC, a DGI, a DGCI, a Brigada Fiscal, etc., etc. Esse protocolo começou a ser trabalhado por ordem do Sr. Director Nacional a partir do dia 12 de Agosto - eu fui para férias no dia 8 de Agosto -, sendo que eu tinha bytes de análise sobre esta matéria, havia dois grupos de trabalho na UCLEFA a trabalhar nesta matéria, havia projectos de protocolo a serem elaborados pela UCLEFA, havia gente com treino e experiência - isso posso entregar a esta Comissão -, com análises também nessa matéria, e o Sr. Desembargador espera que eu vá para férias para pôr operacionais da polícia, que não têm treino, nem experiência, nem tão-pouco perfil, a trabalhar nesta matéria do protocolo.
Com base em quê? Plagiando os instrumentos teóricos que eu lhe tinha mandado, ou seja, plagiando o relatório de actividades da UCLEFA, o relatório de actividades da UCLEFA para 2002, o relatório do grupo de trabalho da UCLEFA sobre o dever de sigilo e o acesso às bases de dados, o relatório sobre a criminalidade do grupo de trabalho sobre a criminalidade económica, financeira e fiscal do subgrupo de trabalho dirigido pela Polícia Judiciária e um outro relatório e as conclusões de um grupo de trabalho que eu tinha dirigido no ano 2000/2001 sobre as tipologias da criminalidade económica, financeira e fiscal e os acessos às bases de dados.
O Dr. Adelino Salvado, absorvendo os conhecimentos desse relatório, faz um projecto de protocolo, que, se me perguntarem a esse respeito, direi que é um nado-morto, é um acesso à informação sem operacionalização dessa mesma informação e com indiferença completa e com violação das recomendações internacionais nessa matéria. Basta dizer que nem sequer se fala em detecção e confisco de bens produto de branqueamento e de actividades criminosas e vantagens do crime. Mas isso é matéria para vermos à parte.
Mas no dia em que o Sr. Desembargador me propõe este comportamento, há o projecto de protocolo que estava já em marcha, há a alteração da Lei Orgânica da Investigação Criminal, que inclui a atribuição da competência à Polícia Judiciária no combate ao crime tributário, em moldes semelhantes àqueles que eu propus ao Sr. Desembargador, mas com alterações, que são graves e que possibilitam alguma desorientação ou que vão originar alguma desorientação, no ataque à fraude e à corrupção, mas isso é matéria para ver à parte.
Portanto, havia o protocolo, o alargamento das competências da Lei Orgânica da Polícia Judiciária, o projecto financeiro da Polícia Judiciária, que estava a ser apresentado e negociado com a tutela à data, segundo me disse o Sr. Desembargador em funções de Director Nacional da Polícia Judiciária, e havia no terreno - e disso o Sr. Director Nacional tinha a certeza, porque eu lhe tinha prestado contas - três operações preparadas. Quais eram? A da fraude da Samsung, que foi desencadeada em Setembro; a do combate à corrupção na Brigada de Trânsito, para a qual eu tinha criado uma brigada especial desde 22 de Fevereiro de 2001; e ainda uma outra, que estará latente, e estava com os elementos de prova preparados e só por falta de meios é que não se tinha avançado, que dizia respeito às fraude nos laboratórios, que era a continuação da fraude nas farmácias.
Penso que é legítimo eu concluir que, nesse dia, o Sr. Director Nacional concluiu que a resposta "não digam que eu não quero combater o crime de colarinho branco" estava garantida. No dia 31 havia manchetes no Público e no Expresso sobre os novos poderes atribuídos à Polícia Judiciária, sendo que um desses novos poderes era o protocolo, que é uma deslocação dos poderes da UCLEFA. Em vez de serem os poderes da UCLEFA, presididos pelo Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, esses poderes são deslocados para a presidência do Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária. É um projecto hegemónico e vazio de operacionalidade.
Portanto, estava preparado um quadro: "Não digam que eu não quero combater o colarinho branco, e esta senhora pode ir à vida". Estava escorada a minha saída, era algodão que amaciava a minha saída. O projecto de protocolo, a Lei Orgânica da Polícia Judiciária e as operações no terreno, que estavam trabalhadas, estavam garantidas. Era uma questão apenas de tempo, até a dormir se faziam. Nem que se mudasse tudo de alto a baixo, aquilo estava sempre garantido. Até ao fim do ano havia comidinha garantida nessa matéria. Eu era uma pessoa que, aparentemente, não fazia falta e podia ser despachada desta maneira. Isto é o que ia ser para o futuro.
Eu estava convencida de que o Sr. Director Nacional tinha um projecto programático para a Polícia judiciária. Não é que ele tivesse discutido esse projecto comigo, porque nunca o discutiu, nunca houve reuniões em que se discutissem estratégias de combate ao crime. E, vendo a intervenção do Sr. Director Nacional nesta Comissão, não vejo qualquer análise de estratégia, de prioridades, de linhas de
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orientação, de guide lines no combate ao crime. Não sei quais são as prioridades, só sei que o Sr. Director Nacional limita-se a dizer que o crime agora é todo único, tem um cérebro, está muito organizado, e, como tal, tem de se concentrar a resposta a esse crime num único órgão de polícia criminal. É a única coisa que eu percebo ali, portanto, não sei se é um projecto hegemónico de a Polícia Judiciária passar a combater toda a espécie de criminalidade ou o que é.
E o que vejo também da Sr.ª Ministra é que está muito preocupada com os telemóveis e com os carros e, depois, em matéria de combate à grande criminalidade, é combater aquilo que o nosso povo quer que nós combatamos. Portanto, eu também não sei o que é o nosso povo quer que nós combatamos.
Agora, indo para o compromisso de ficar, devo dizer que quando o Sr. Desembargador tomou posse, no dia 24 de Maio, havia um clima na Polícia de que era melhor todos pormos o lugar à disposição. Eu coloquei a questão ao meu, então, director, o Dr. Luís Bonina e disse-lhe: "É melhor…" Aliás, o Dr. Luís Bonina sabia que tinha havido, da parte da Sr.ª Ministra, uma grande censura à minha pessoa, por causa de umas palavras que ela apelidava de entrevista à TSF, que, no fundo, eram uma exortação aos operacionais, no sentido de que continuassem a combater a corrupção fosse qual fosse a pessoa que ficasse à frente da Direcção Central. Sei que essas palavras desagradaram muito à Sr.ª Ministra e fui acusada de excesso de visibilidade. O Dr. Bonina, na altura, disse-me: "Bem, penso que o assunto está sanado e eu faço questão que continues na Direcção Central. Há muito trabalho em marcha, há coisas que não podem ser abandonadas a meio e penso que toda a gente pensa isso, é uma atitude institucional correcta".
Entretanto, nunca fui contactada pelo Dr. Adelino Salvado e eu fui colocando sempre a questão de ser melhor pôr o lugar à disposição. Disseram-me sempre que não, que o Dr. Adelino Salvado queria que eu fizesse parte da direcção dele…
Eu, hoje, até já tenho dúvidas de que seja assim tão admissível a constituição de equipas para desempenhar funções de comissão na Polícia Judiciária, porque penso que a Polícia Judiciária não pode estar sujeita a este vai e vem de programas e de pessoas. Isto é, de cada vez que há um director nacional há uma nova lei orgânica da Polícia Judiciária, há novos regulamentos, há tudo novo e, de facto, a certa altura, a própria Polícia Judiciária entra em desorientação e vêm à superfície muitos fenómenos que nada têm a ver com o combate ao crime - mas, enfim, isso já é produto da minha análise.
Na altura, achava perfeitamente legítimo que se escolhesse uma equipa, com prejuízo e com interrupção das comissões que estavam a ser desenvolvidas, sendo que a minha comissão era de três anos e eu estava a um ano e meio do fim da mesma.
Eu sabia que havia um encontro com a Sr.ª Ministra, no dia 23 ao fim da tarde, porque me tinham dito, para assentar definitivamente nos nomes da direcção, e tinha combinado, tinha pedido ao ainda meu director, Dr. Bonina, que telefonasse a dizer-me, de facto, o que é que eu devia fazer, porque tinha necessidade de esclarecer, de saber com que linhas me cosia.
A tarde foi passando, já íamos a meio da noite, quando me telefona o Dr. Bonina e me diz: "Está tudo resolvido e a direcção conta contigo, fazes parte da direcção". E eu peço: "Deixa-me falar com o Dr. Adelino, tenho de falar com o Dr. Adelino, tenho de saber o que é que se passa".
Portanto, aquela conversa passou-se também na presença - julgo eu - do Dr. Bonina, porque é ele que me pôs em contacto, por telemóvel, com o Sr. Desembargador, que, na altura, disse-me: "Não diga nada. Estou muito cansado. O que eu lhe quero pedir é que, aconteça o que acontecer, fará sempre parte da minha direcção e eu recuso-me a tomar posse…" - disse-me o Sr. Desembargador - "… se a Sr.ª Doutora se recusar a fazer parte desta direcção. Mas não diga nada.". E eu disse: "Bom! Isto parece tudo contrário à lógica, porque se me diz para eu não dizer nada é porque havia qualquer coisa para dizer mas, está bem, não é altura para discutir as coisas. Sinto-me muito honrada, muito comovida, muito exaltada até com a sua atitude e está bem, aceito, fazemos esse compromisso. Eu faço parte da direcção e, pronto, o Sr. Desembargador poderá tomar posse à vontade, porque eu não vou recuar neste compromisso". Ele disse-me: "Mas garanta-me, porque a Sr.ª Ministra não queria que fizesse parte da lista e eu disse-lhe que não tomava posse se a Sr.ª Doutora não fizesse parte da direcção".
Isto, disse-me o Sr. Desembargador a mim, foi a versão dele para mim dos acontecimentos. Mas, do Sr. Desembargador para mim, ele só tomava posse se eu aceitasse fazer parte da direcção. A razão de todo este dramatismo é porque havia alguém, e era a Sr.ª Ministra, que não queria que eu fizesse parte da direcção.
Ora, perante a atitude intransigente - terá sido, no dizer do próprio - do Sr. Desembargador, a Sr.ª Ministra… Não aceitou nem deixou de aceitar, porque era uma atitude intransigente, ele não tomava posse se eu não fizesse parte. Penso que, segundo ele me disse, a Sr.ª Ministra até lhe terá dito que ia pedir ao Sr. Procurador-Geral para me arranjar outro lugar qualquer, o que não faz grande sentido, porque eu estava numa comissão fora do Ministério Público mas… Atenção, isto é uma conversa por telemóvel entre o Sr. Desembargador e eu estou a relatar as palavras do Sr. Desembargador, mais nada! Não sei o que é que efectivamente se passou, sei o que se passou comigo.
Fiquei, como podem calcular, preocupada com tudo isto. No dia seguinte, de manhã, telefono ao Sr. Desembargador e, por mais patético que isto possa parecer, peço-lhe autorização para ir à tomada de posse, porque eu própria já não sabia se devia aparecer ou não na tomada de posse. A isto, ele disse-me "Sim, senhora, quero que, mais uma vez, confirme, reitere o seu compromisso" e eu respondo-lhe "Sim, senhor, eu não mudo da noite para o dia, a esse respeito não sou uma pessoa inconstante. Com certeza que continuo, mas peço-lhe para ir à sua posse". Ele diz-me "Vá mas não fale com os jornalistas" e eu respondo-lhe "Está bem, também não tenho o hábito de andar a falar com os jornalistas por tudo e por nada, só quando há alguma coisa de importante e de interesse público para dizer mas não é o caso, não é a altura para isso e gostaria de ir à sua posse". E assim foi.
A posse foi numa sexta-feira e a posse dos directores nacionais adjuntos terá sido depois, na segunda-feira.
Faço notar que eu não tomei posse, eu continuei a comissão, quer dizer, aconteceu que não houve cessação da comissão mas eu não tomei posse nenhuma. Não houve despacho nenhum, não houve nada, houve o continuar de uma situação administrativa funcional que se manteve em vigor, que não foi anulada.
No dia seguinte, no sábado, o Sr. Director Nacional faz questão de ter uma conversa comigo nas instalações da Alexandre Herculano, conversa relativamente à qual eu estaria até funcionalmente ansiosa. E eu coloquei-lhe a
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questão, agradeci-lhe muito todo o apoio que me tinha dado e disse-lhe que esperava que ele compreendesse que o apoio que estava a dar à minha pessoa não tinha nada de pessoal, era um apoio institucional, a métodos de trabalho, uma vez que eu estava numa direcção central que estava há um ano e meio debaixo de fogo, era uma direcção central em que ninguém andava a dormir em cima dos papéis, era uma direcção central que tinha vindo para a rua prender, apreender e desmantelar - eram essas as palavras de ordem: prender, apreender e desmantelar -, tínhamos prioridades ao nível da corrupção na administração fiscal, nas forças policiais, ao nível da fraude internacional financeira, do megacrime financeiro, da fraude no futebol, da corrupção no futebol, tínhamos investigações muito delicadas em marcha, investigações desproporcionadas em relação aos meios, estávamos num ponto de viragem, estava tudo a tornar-se muito difícil e a fasquia estava muito alta.
Quis saber se ele percebia que, de facto, aquilo que estava a apoiar não era uma pessoa, eram métodos de trabalho, eram objectivos, eram linhas de orientação. Não me lembro da resposta que me deu o Sr. Director Nacional mas achei que ele estava a perceber que estaria a apoiar isso e insisti em discutirmos as estratégias definidas para a DCICCEF - eu tinha essas estratégias definidas no Relatório Anual de 2001 -, as tendências da criminalidade, as tendências da resposta, as dificuldades, os obstáculos à produção de prova, as questões da prevenção…
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr.ª Doutora, disse o Relatório Anual de 2001?
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Sim, tenho aqui uma fotocópia de uma parte… Já agora, gostaria de entregar a tal carta que andou hoje nas televisões, em que eu pedi a demissão, se fosse possível…
O Sr. Presidente: - Já está distribuída, Sr.ª Doutora.
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Quanto ao relatório, tenho aqui fotocópia do índice e mais algumas partes, pois todo o relatório é um "tijolo" de todo o tamanho e optei por trazer fotocópia de partes relevantes, mas penso que não é possível julgar o meu trabalho, falar de estatística, falar de crime económico sem ler este relatório, por muito mal que ele esteja. É o Relatório Anual de 2001/DCICCEF…
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - E é possível deixar essa parte à Comissão, Sr.ª Doutora?
A Sr. ª Dr.ª Maria José Morgado: - É sim, senhor, e está aqui um índice do relatório, por onde os Srs. Deputados poderão ver quais são os assuntos que interessam e os que não interessam.
Perguntei ao Sr. Director Nacional se, pelo menos, tinha lido o relatório - o relatório é muito grande -, ele disse-me que sim e eu fiquei descansada - fazem-se relatórios, são documentos de trabalho, para alguma coisa é - e achei que, em princípio, ele estaria esclarecido sobre as linhas de orientação e sobre os métodos de trabalho a adoptar, sobre a importância da prevenção, etc. É que havia aqui questões muito sérias ao nível da prevenção, não só da investigação criminal… Havia medidas… A DCICCEF estava em restruturação, agora, pelos vistos, está outra vez em restruturação, é outra restruturação.
Nesse dia, o Sr. Director Nacional só me disse que estava preocupado acerca de por que é que… Ou seja, a crítica que me tinha sido feita pela Sr.ª Ministra era de "excesso de visibilidade". Ora, o excesso de visibilidade, no dizer dele, não representava nenhum motivo sério para afastar ninguém e, como tal, ele queria saber o que é que se passava naquela casa que suscitasse tamanha oposição. Aliás, pareceu-me preocupado comigo, disse-me até que a Dr.ª Celeste e o Dr. Portas tinham um medo horroroso de mim… Não sei porquê…
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - O Sr. Director Nacional disse-lhe isso?
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Sim! Disse-me, disse-me, disse-me! "Têm medo de si, têm medo de si". Respondi-lhe: "Não sei porquê, tenho 51 anos, acho que sou uma pessoa que tenho dado provas de sensatez e…". Enfim, isto é uma conversa! Isto é uma conversa mas já que as coisas chegam a este ponto…
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Mas foi a Sr.ª Ministra que lhe disse isso?
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Diga, Sr. Deputado…
O Sr. Presidente: - Peço que não haja interrupções, porque, depois, não fica gravado e os Srs. Deputados já sabem disso.
A Sr.ª Doutora não leve a mal mas, em termos de gravação das actas, este tipo de interrupções não fica registado.
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Está bem, não há problema. Até é bom, até é bom!
Sim, o Sr. Director Nacional disse-me isso. Espero que o Sr. Doutor também não seja uma dessas pessoas, não é?!
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - V. Ex.ª saberá melhor do que ninguém, V. Ex.ª sabe tudo.
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Não sei, não. Não sei, não, mas não vale a pena haver nervosismo por causa dessas coisas, porque parece-me perfeitamente supérfluo e o que eu gostaria de discutir aqui são questões sérias, de estratégia de combate ao crime económico, porque é que o crime económico é prioritário no crime organizado internacional.
Mas o que é certo é que sou levada para estes campos não por minha iniciativa mas pelos acontecimentos, não por minha vontade mas por vontade alheia. E isto é importante só por isto: porque o Sr. Director Nacional diz-me que essas pessoas têm medo de mim ou ele acha que têm medo de mim ou ele achava que era bom convencer-me de que essas pessoas tinham medo de mim, mas não sei. Isso não me impressionou! Sou magistrada, tenho provas dadas no tribunal, os últimos recursos que fiz, no Tribunal da Boa Hora, foram em nome da defesa, em nome dos interesses da defesa. Portanto, não sou uma aventureira, não sou uma guerrilheira e não dei importância a essa afirmação nem me perturbou minimamente.
O que é certo é que o Sr. Director Nacional me disse que era preciso reforçar a estrutura da DCICCEF, em termos de não se pensar que a cabeça ali era eu mas que aquilo tinha uma cabeça própria e que, mesmo que eu me
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fosse embora, mesmo que eu desaparecesse do mapa, pronto, que deixasse de estar lá, a luta continuava e o trabalho continuava. E pediu-me uma proposta nesse sentido, perguntando-me se tinha alguma ideia a esse respeito.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Posso interrompê-la Sr.ª Doutora?
Gostaria, porque me perdi na exposição da Sr.ª Procuradora - por defeito meu certamente -, de pedir à Sr.ª Procuradora que situe esta conversa, dando-nos a data da mesma.
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Foi no dia 25, num sábado à tarde. Foi no dia a seguir à tomada de posse e foi uma análise da tese do excesso de visibilidade, ou seja, porque é que tinha surgido essa crítica do excesso de visibilidade.
Perguntei-lhe se tinha lido o relatório da DCICCEF, e ele respondeu-me que sim. Mas o Sr. Director Nacional, como é normal e como de resto aceito, porque é perfeitamente legítimo,…
Desculpem-me! Mas a interrupção do Sr. Deputado fez com que eu me perdesse no que estava a dizer… Ah, estava a referir-me ao aspecto pessoal.
O aspecto pessoal era o de criar uma estrutura que demonstrasse externamente que eu não era a "cabeça", embora fosse a Directora daquela casa. Portanto, não seria a cabeça, o que significava que não era a pessoa decisiva e, se eu fosse afastada, tudo continuaria a funcionar.
Propus ao Sr. Director Nacional a nomeação de um segundo subdirector. Disse-lhe mesmo: "Olhe, eu já não chego para as encomendas, porque isto é corrupção, peculato, tráfico de influências, é moeda falsa, fraude internacional, é contrabando organizado, é criminalidade informática, é investigação criminal toda integrada e conseguir arranjar um fio condutor nisto tudo, é a prevenção criminal, é a análise, é a recolha de informação, é o apoio à investigação, é a cooperação judiciária internacional, é a cooperação policial internacional, é a coadjuvação às autoridades judiciárias, é a cooperação institucional administrativa com as outras entidades administrativas, eu já não dou conta disto! O Sr. Director Nacional nomeie-me um segundo subdirector, e assim eu faço uma subdivisão interna. Entrega-se a investigação criminal a um subdirector e entrega-se a prevenção, vigilância, recolha de informação, etc., à subdirectora".
O Sr. Director Nacional achou que era uma boa ideia, disse-me que isso reforçava a estrutura e atribuía eficácia, pelo que iríamos avançar nesse sentido. E dei-lhe um nome, o do Dr. Carlos Farinha, que foi logo aceite.
Na segunda-feira, o Dr. Carlos Farinha estava em Lisboa e, de uma maneira rápida de mais, e porventura insensata, e penitencio-me por isso, porque foi o primeiro problema sério que tive com os meus operacionais (os meus, na altura, na DCICCEF). Isto porque o Dr. Farinha vinha de fora, e a entrada dele na DCICCEF não foi bem aceite, uma vez que ele não era um coordenador superior e entendia-se que para subdirector tinha de ser um coordenador superior. Portanto, ele não era da DCICCEF, não era de Lisboa, e era de fora!
Mas enfim, o Sr. Director Nacional não me deixou ponderar nada disto, e disse-me: "A responsabilidade é minha! Avança-se, e acabou-se!".
Disseram-me mais tarde que a nomeação do Dr. Farinha era um ideia para me "queimar", ou seja, para criar ali um funil do género "se não podes apear o cavaleiro, mata o cavalo". Mas não sei, são apenas especulações!…
O que é certo é que o Dr. Carlos Farinha é um profissional com todas as letras. É um homem de grande honestidade e seriedade e o pouco tempo que esteve nesta direcção central fez um trabalho notável, sério, tenaz, digno! E o Dr. Farinha foi demitido nas mesmas circunstâncias que eu: foi-lhe sugerido, pelo telefone, que ele próprio tomasse a iniciativa de pedir a cessação da comissão. Isto foi no dia 29, no dia em que vim a Lisboa.
Ainda nessa conversa, tentei fazer com o Sr. Director Nacional o ponto da situação das investigações criminais. Pouco se viu, mas falei ao Sr. Director Nacional na investigação do caso das finanças, que era uma investigação que ocupava a 1.ª Brigada há cerca de 10 meses. Tratava-se de uma investigação delicada, sensível, porque tínhamos conseguido, através de métodos pró-activos de investigação, definir um modus operandi, localizar uma série de redes intermediárias para a corrupção no interior da máquina fiscal, e estávamos a dirigir a investigação para cima, para os centros de direcção, para as direcções distritais e para pessoas que desempenhavam cargos de chefia, porque essas pessoas surgiam, na análise que fazíamos, fortemente indiciadas nestas práticas.
Mas referi ao Sr. Director Nacional que esta era uma investigação muito opaca, muito desigual, na qual existiam três vectores fundamentais: o dos intermediários fora da máquina fiscal, o dos angariadores, que eram representados por homens que se reformaram das finanças e abriam escritórios oferecendo os seus préstimos às empresas e às pessoas singulares em dificuldades, para resolverem a situação no seio da administração fiscal. Estas pessoas actuavam através dos intermediários entre os angariadores e a administração fiscal, os intermediários perdiam-se no interior da administração fiscal, e a investigação, sem utilização de meios específicos de prova, tinha imensa dificuldade a individualizar responsabilidade no interior da máquina fiscal.
Estávamos a dar prioridade à utilização dos meios específicos de prova. Tinha até havido uma reunião, convocada a meu pedido, entre o DIAP e o DCIAP (Departamento Central de Investigação e Acção Penal). O Sr. Procurador-Geral Distrital, Dr. Dias Borges, esteve nessa reunião, que ocorreu muito antes da tomada de posse do Dr. Adelino Salvado, e que teve lugar no DIAP, para a discussão dos aspectos delicados e sensíveis dessa investigação. Mas foi, de facto, um processo de qual falei ao Dr. Adelino Salvado.
E falei-lhe também do processo da BT. Esta operação que foi desencadeada hoje estava prevista para Junho, mas eu disse-lhe: "Eu não vou poder avançar em Junho. Tenho as brigadas esgotadas! Há gente que dorme dia sim, dia não. Tenho encontrado inspectores a dormir, às 8 da manhã. Vou falar com eles porque penso que estão acordados, mas eles estão a dormir em frente aos computadores. Eu própria tenho dias de sair daqui às 3 da manhã e estar de volta às 8 da manhã. Acho que é uma violência estar a avançar com esta operação, agora, em Junho". Aliás, eu não estava contente com a prova recolhida e precisava de a consolidar.
De qualquer das formas, ele disse: "Mas a BT não é problema nenhum. Isso pode avançar!". Ao que lhe respondi: "As brigadas não têm neste momento resistência para isso!" e optei por não fazer, com desagrado do Ministério Público, que estava atento a este processo. Aliás, no dia 7 de Junho houve uma reunião com o Ministério Público sobre este processo, e eu disse: "Dr. Pedro, neste
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momento, não vamos poder avançar. Esperamos mais dois ou três meses e a prova estará mais consolidada". Assim foi combinado. E, cá está a operação! E ainda bem!
Mas disse: "Vamos avançar com a operação da Brisa". A Brisa é um processo engraçado, cuja identificação do modus operandi foi obtido, graças à actuação dos meios de vigilância, que permitiram, noites e noites a fio, identificar como é que se fazia a fraude com os tickets da Brisa. Se não fosse assim, a Brisa iria continuar a suportar os prejuízos até hoje e o processo seria apenas um monte de papel.
O processo só não foi um monte de papel, porque foram utilizadas técnicas pró-activas de investigação e meios específicos e de prova, no quadro legal e no quadro da coadjuvação das autoridades judiciárias e com a autorização das autoridades judiciárias, como é evidente.
Essa conversa terminou desta maneira, isto é, sem nunca se discutir as grandes linhas de fundo.
O que é que sucedeu depois da operação da Brisa? A operação da Brisa foi no dia 3 de Junho, o Sr. Director Nacional até me deu os parabéns e enviou-me uma caixa de bombons e um cartãozinho.
A partir dessa data, houve de facto grandes dificuldades no exercício das minhas funções. Nunca eram grandes coisas. Vamos ver, quando falo em divergências de natureza operacional, estou a raciocinar com base em dois fenómenos, que são: "Isto vai mudar tudo! Já sabemos que a Sr.ª Doutora não concorda! Acredito, tenho de acreditar. Não tenho razões para não acreditar".
Depois, há aquilo que eu estava a fazer. É preciso saber aquilo que eu estava a fazer. Ora, aquilo que eu estava a fazer quando a direcção Adelino Salvado tomou posse era um processo não tradicional de combate à grande fraude e à corrupção.
Eu considerava o crime económico prioritário, porque o crime económico está no coração da fraude internacional e do crime organizado internacional. Porquê? Porque os circuitos financeiros da fraude fiscal, do branqueamento e do tráfico de droga são idênticos. Mais: a corrupção é o elemento potenciador do crime económico e do crime organizado internacional. Tal como as novas tecnologias de informação são um elemento potenciador do crime económico e do crime organizado internacional.
Nesse sentido, percebi que não podíamos estar a investigar para o passado e não podíamos estar a "dormir em cima dos papéis". Para isso, havia que quebrar três mitos: o mito de que os juizes de instrução não têm sensibilidade para estes casos, e como tal não dão resposta às operações de recolha de prova da polícia; o mito de que o Ministério Público não está no terreno e não acompanha a polícia neste tipo de investigações; e o mito de que nós não temos meios humanos.
Devo dizer que durante metade da minha direcção trabalhei com metade dos coordenadores e metade dos efectivos previstos para aquela direcção central, porque os quadros só foram completados, em termos de quadro previsto, em finais de Novembro de 2001.
No entanto, proibi as pessoas de falarem mais e disse: "Vamos para o terreno, há muito que fazer, vamos investigar, utilizar meios específicos de prova, fazer acompanhar as investigações com um sentido integrado dessas investigações". Isto porque há uma ligação entre as investigações da corrupção, da fraude, do contrabando organizado e da criminalidade informática. Como tal, tem de haver uma análise e um tratamento de toda a informação que decorre de todas essas investigações.
Portanto, criei o lugar de coordenador superior de investigação criminal, para fazer a investigação integrada ao nível das secções de investigação criminal.
Criei uma secção de investigação do contrabando organizado, que não existia (foi criada em Novembro de 2001, com 10 pessoas), ideia que me foi transmitida pelo Dr. Rosário Teixeira.
Criei uma secção de vigilâncias em Novembro de 2001, para recolha de prova no terreno em tempo real, para identificação dos autores da infracção; fiz acompanhar todas as investigações de perícias informáticas, perícias financeiras e perícias contabilísticas.
Desenvolvi a pluridisciplinaridade; pedi apoio à IGF, pedi apoio à banca, reuni com os representantes do contencioso da banca, nomeadamente do Montepio Geral, portanto pedi a colaboração das instituições financeiras para fornecimento de informações no combate ao branqueamento, ao dinheiro sujo, aos proventos do crime.
Pedi às operadoras de telecomunicações o fornecimento de dados digitais em termos de identificar os autores dos crimes praticados através da internet.
Desenvolvi um espírito de trabalho combativo, de um trabalho com visibilidade, de um trabalho que divulgasse junto da opinião pública os valores da honestidade, da seriedade e do combate à corrupção.
Defini prioridades orgânicas que passavam pela distinção entre a prevenção, entre a investigação, entre a análise e recolha de prova.
Defini prioridades no terreno em termos de investigação criminal, que diziam respeito a zonas de risco na sociedade portuguesa, onde a corrupção atingiu níveis intoleráveis, a saber: a máquina fiscal, forças policiais, como a Brigada de Trânsito, no futebol, leiloeiras, que estão também inseridas em todo este circuito - isto, já, no domínio de prioridades dentro das tipologias do crime -, contrabando ao IVA em carrossel, contrabando aos IEC (Impostos Especiais sobre o Consumo) e, como os meios eram escassos, desenvolvi protocolos, e, ainda, a fraude na saúde, farmácias e laboratórios.
Aprovei um protocolo com a Inspecção-Geral de Saúde, como a forma de colmatar a fala de recursos humanos, pedi apoio à IGF, o qual nunca me foi negado, tive peritos da IGF a trabalharem constantemente connosco, pedi apoio a polícias estrangeiros, a congéneres estrangeiras - aliás, tenho aqui um agradecimento de uma polícia estrangeira, a polícia aduaneira inglesa, a respeito do trabalho que foi desenvolvido sob a minha direcção durante esse tempo e que me foi enviado no dia 28 de Agosto.
Isto para dizer que o meu espírito não era estar enfiada no buraco do n.º 42-A da Rua Alexandre Herculano, mas, sim, vir para a rua, prender, apreender e desmantelar, no quadro das investigações, no quadro das prioridades legais definidas, dar visibilidade à actuação da Polícia Judiciária e dar um sinal à opinião pública de que estava a fazer-se qualquer coisa.
Com isso, obteve-se uma grande viragem no combate ao crime económico e a Polícia Judiciária foi prestigiada. Eu saí há dois meses da Polícia Judiciária e há trabalho que ficou lá, do tempo da minha direcção. Protagonismo, por protagonismo, não me importo de o dizer: há trabalho que eu deixei lá e que, neste momento, permite às pessoas invocarem que estão a continuar a luta contra a corrupção, até estão a continuar a defender os meus objectivos, porque esse trabalho ficou lá, é trabalho sólido.
Portanto, o meu protagonismo não foi de exibicionismo pessoal, nem de valores pessoais, nem de promoção pessoal, não fui para a Polícia para isso, bem pelo contrário!
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Quando fui para a Polícia tinha um nome - aliás, eu costumava dizer aos operacionais que eu antes de vir para a Polícia era uma pessoa prestigiada, não sei se saio daqui uma pessoa prestigiada. O que é certo é que foi restabelecida a confiança nas instituições, choviam mails na DCICCEF, todos os dias, em que se dizia: vocês fazem-nos acreditar em que a justiça não é uma farsa, continuem, parabéns!
A confiança nas instituições fez com que aumentassem as denúncias, que é uma coisa importante, é uma coisa recomendada pelo grupo multidisciplinar contra a corrupção. E havia entusiasmo, todos tinham projectos, naquela casa, desde a informática ao contrabando organizado, todos se reviam no trabalho que estavam a fazer, ninguém regateava esforços, todos estavam dispostos a sacrifícios porque valia a pena! E o trabalho vê-se! Não preciso de falar no trabalho. Aliás, no dia em que eu peço a demissão é um trabalho que está a meio, é um trabalho que há-de ser concluído, um, outro não sei o que é que sucederá, mas era trabalho, todo ele, que estava em marcha. Acontece…
O Sr. Presidente: - Sr.ª Dr.ª, não vou retirar-lhe a palavra, queria só deixar-lhe duas notas: em primeiro lugar, Sr.ª Dr.ª, tenho que lhe dizer isto, esperei até cumprir uma hora já de intervenção…
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - É verdade, tem toda a razão!
O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados, membros da Comissão, também terão outras questões para colocar e eu pedia à Sr.ª Dr.ª que tentasse o mais possível abreviar porque, senão, é praticamente impossível funcionarmos.
E em segundo lugar, só dizer-lhe também que não é à Polícia Judiciária que estamos aqui a inquirir e, muito menos à Sr.ª Dr.ª às suas funções na Polícia Judiciária, é os actos do XV Governo e as demissões protagonizadas neste XV Governo.
Portanto, pedia à Sr.ª Dr.ª que, independentemente que a Sr.ª entender - se o entender - que tem necessidade de, vez por vez, recuar no tempo para situar alguma questão, tentasse cingir-se um pouco à questão concreta do mandato desta Comissão, sob pena de não conseguirmos ser eficazes no nosso trabalho.
Peço-lhe desculpa, pela interrupção.
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Tem toda a razão, Sr. Presidente, mas foi o número de perguntas que me foram postas. Mas é que há aqui um problema: eu estava inserida numa estrutura operacional, tinha uma direcção operacional. E não tinha contacto directo com a tutela. De maneira que todas as acções da tutela se repercutem ao nível da estrutura orgânica e das prioridades definidas.
O que posso dizer-lhes é que até ao dia 27 de Agosto, há da parte do Dr. Adelino Salvado toda uma atitude que me parece de desautorização pessoal, minha! A saber: por exemplo: praticamente a proibição de coordenação funcional de recolha de informação em matéria de corrupção, a nível nacional. Em que termos? Eu digo "praticamente a proibição", porque tudo se passou também desta maneira complexa e que tem de ser explicada.
Antes do dia 16 (e depois, no dia 16 é que foi discutida esta matéria), num determinado fim-de-semana, a um sábado de manhã, também, às 10 horas, ou uma coisa qualquer assim, fui abordada pelo Sr. Director Nacional, sobre se tinha alguma coisa a propor sobre a alteração da Lei Orgânica da Polícia Judiciária, tendo eu colocado a questão dos crimes tributários, que, depois, ficou da forma que se viu.
Mas disse-lhe: olhe, estou a fazer um despacho sobre averiguações preventivas, porque pretendo uniformizar a recolha de informação das averiguações preventivas, em matéria de corrupção e criminalidade económico-financeira, pretendo utilizar o dever de coordenação funcional por parte da DCICCEF, tenho um despacho preparado, já conversei sobre ele com os directores nacionais adjuntos das diversas directorias, e gostava de ouvir o Sr. Director Nacional sobre isso.
Então, li-lhe o despacho e ele retorquiu: mas porque é que não sou eu a fazer o despacho? E respondi: o artigo 27.º da lei orgânica dá-me, a mim, esse poder-dever. Isto é matéria sectorial que se prende com a coordenação em matéria de corrupção e eu sentia-me desautorizada, senão fizesse o despacho.
E, pronto, combinou-se que eu fazia o despacho. Enviei o despacho aos directores nacionais adjuntos. É evidente, este despacho pretende uniformizar procedimentos de recolha de informação. Ora, qual é a razão da uniformização de procedimentos de recolha de informação da corrupção? É ter o quadro global da corrupção no País com a dimensão do fenómeno, o âmbito do fenómeno, a categoria profissional das pessoas implicadas no fenómeno, as ligações entre o fenómeno corrupção e o crime organizado e a capacidade de resposta, quer a nível de Direcção Central quer a nível dos serviços regionais, a respeito do combate à corrupção.
Quando envio o despacho por fax aos directores nacionais adjuntos, é evidente que há resistências, porque há uma resistência na Polícia Judiciária entre direcções centrais e serviços regionais. E o Director Nacional tem que fazer a média destas situações e unir as pessoas e não tomar partido em relação a serviços regionais ou em relação a direcções centrais.
Acontece que depois de eu ter feito o despacho - e tenho-o aqui e faço questão de deixá-lo a esta Comissão - em que defini as regras orientadoras de recolha da informação em matéria de averiguações preventivas e recebi, passados dois dias, no dia 10 de Julho, um ofício, que me foi entregue em mão, por parte do Sr. Director Nacional, em que me censura severamente e de uma forma como eu nunca fui censurada na minha vida profissional, porque, mais ou menos, sempre fui cumprindo as minhas obrigações, dizendo: "Atento o teor do despacho número 20 de 10 de Julho, que acompanhou o ofício em referência…" - é o tal despacho que está aqui - "… verifiquei que V. Ex.ª ao dirigir-se expressamente aos directores nacionais adjuntos nas directorias de Porto, Coimbra e Faro, permitiu-se…" - eu! - "… utilizar o termo imperativo 'determina-se'…" que, aliás, é a fórmula dos despachos… Mas isto já era difícil assim, que faria, pedindo por favor… "… quando, em nosso entendimento, deveria ter usado o verbo solicitar ou outro de similar abrangência, assim apelando à necessária cooperação e indispensável solidariedade institucional, visando obter a pretendida uniformização de procedimentos.
Porque entendo que nas relações entre directores nacionais adjuntos da Polícia Judiciária sempre se impõe manter o melhor relacionamento e a máxima colaboração, venho sugerir a V. Ex.ª que, de futuro, quando a eles se dirigir, evite utilizar termos eivados de desnecessário e contraproducente autoritarismo".
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Depois, fez-me um processo de intenções, fez-me notar que tinha havido uma reunião no dia 5 de Julho, em que eu poderia ter colocado esta matéria à discussão e eu não o fiz, nem sequer estava preparada, nem fazia parte da ordem de trabalhos, e fez-me notar que iria ser marcada uma nova reunião do Conselho de Coordenação Operacional - como foi, no dia 16 de Julho - para discutir esta matéria.
Senti-me completamente desautorizada por isto - aliás, já tinha posto a hipótese da minha demissão em meados do mês de Junho, a propósito de um incidente semelhante, e como não podia passar a vida a andar a pedir a demissão guardei para a reunião do dia 16 a minha posição a esse respeito.
Nessa reunião do dia 16 pedi mais uma vez ao Sr. Director Nacional que me libertasse do meu compromisso, tendo feito notar que a Polícia Judiciária poderia vir a pagar um preço muito elevado por aquela necessidade que ele parecia demonstrar de se demarcar da minha pessoa, uma vez que tanto me tinha defendido, parecia obrigado a demarcar-se de mim constantemente.
O Sr. Director Nacional não deu relevância a este meu pedido, passou à frente, nem sequer considerou e tivemos uma reunião em que se discutiu tudo e mais alguma coisa - questões supérfluas -, mas, no fundo, aquilo que eu pude concluir é que havia da parte do Sr. Director Nacional uma má interpretação acerca do papel e função das direcções centrais.
De facto, havia a ideia da parte do Sr. Director Nacional que as direcções centrais punham em causa as competências das direcções regionais e dos serviços regionais de uma forma que eu não compreendia o que é que ele queria dizer com isso, porque as centrais são a resposta temática de combate ao crime organizado e as direcções centrais não põem em causa a coordenação entre a Polícia Judiciária, até porque tem de haver coordenação com a especialização em relação ao crime organizado internacional.
De maneira que eu não percebi; ou melhor, percebi que havia ali uma má vontade em relação às direcções centrais e aos mecanismos de centralização funcional da informação, por parte das direcções centrais, que é a única maneira de combater com impacto o crime organizado internacional.
Nesse dia 16 sei que foi dia 16, porque no dia 15 tive uma reunião do grupo GRECO (um grupo de Estados contra a corrupção) e portanto não pôde ser a reunião no dia 15 - a reunião prolongou-se até às 14,30 horas, mais ou menos, até tarde e quando eu ia almoçar com os meus colegas, sou chamada através de um colega para ir ao quarto andar falar com o pelo Sr. Director Nacional, sendo que estavam também presentes, o Sr. Dr. José Branco e Dr. João Vieira.
O Sr. Director Nacional deu-me a entender já não me lembro das palavras exactas - que teria acabado de receber telefonema da Sr.ª Ministra da Justiça e era essa a razão de ele me chamar. Esse telefonema da Sr.ª Ministra da Justiça também estaria ligado a um pedido de esclarecimento do Dr. Paulo Portas e era também essa a razão pela qual ele me estava a chamar, sendo que esses esclarecimentos tinham que ver com uma coisa que eu não percebi, até porque estava cansada, era tarde e não tinha almoçado, mas que levaram o Sr. Director Nacional a perguntar-me quem era o homem que andava em Monsanto.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - "Andava em Monsanto", acompanhava o processo, já se está a ver.
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Sim. Mas a expressão foi essa.
Eu não percebia nada, pedia mais explicações. Senti-me algo confusa e depois de mais explicações foi-me dito que haveria alguém da DCICCEF que andava em Monsanto e acompanhava o Ministério Público e não sei quê, isso não podia ser, dava problemas… E foram-me dadas instruções verbais não escritas, verbais! - e o Dr. José Branco e o Dr. João Vieira estavam presentes - para ninguém da DCICCEF ir a Monsanto. Ninguém!
Eram instruções verbais que tinham a ver porventura com o apoio logístico que se estava a dar ao Ministério Público, que tinham a ver com a ida do Pedro Albuquerque, que era segurança do secretariado da direcção e também meu segurança e o homem que me acompanhava sempre - aliás, até o mudaram de serviço a seguir à minha saída da Polícia Judiciária. É um homem de uma dedicação notável e de uma intuição policial fora de série que apoiou a investigação do caso Moderna.
Como é tradicional, e nós estamos em condições de o fazer, a Polícia Judiciária costuma coadjuvar os magistrados do Ministério Público nos megaprocessos. Aconteceu isso no caso FP 25, como o Dr. Adelino Salvado sabe; aconteceu no processo das FP 27, o qual correu paralelamente ao das FP 25, em que fui titular da acção penal e fui coadjuvada por uma equipa da DCCB, que não me largava; aconteceu no processo do Vale e Azevedo, em que o Ministério Público foi coadjuvado pela Polícia Judiciária. Enfim, aconteceu em muitos outros processos classificáveis de megaprocessos.
É uma tradição na Polícia Judiciária dar apoio logístico ao Ministério Público, além de que também tem a ver com o feed-back do julgamento, com a recolha da informação, com a análise dos resultados e não tem a ver - não foi essa a dimensão da recomendação, chamemos-lhe assim, ou da instrução verbal do Sr. Director Nacional - com: "Não quero a presença de testemunhas do processo Moderna em julgamento".
Sou magistrada com muitos anos de experiência, não sou principiante, não era um erro desses que eu estava a cometer. Não havia nenhuma testemunha do caso Moderna presente em Monsanto e, muito menos, na sala de audiências de julgamento. Tinha havido era algum apoio, embora fosse fraco - com pena minha, porque gostaria de dar um apoio maior ao Ministério Público, tinha muito orgulho em poder dá-lo - e até disse ao Ministério Público: "Lamento imenso, estamos com falta de meios, mas vou pedir ao meu segurança que o leve durante a primeira semana de julgamento e que lhe dê esse apoio". Foi uma iniciativa minha, com muito orgulho, com muito gosto.
Vi que, meses depois, essa iniciativa suscitou preocupações, pedidos de esclarecimento e uma instrução, que não era para confusões, da parte do Sr. Director Nacional, que disse: "Não quero ninguém em Monsanto". Era estar em Monsanto a acompanhar o Ministério Público, a coadjuvar, não era na sala de audiência, não tinha a ver com cautelas em relação à produção de prova - e chamo a atenção para o facto de o Ministério Público poder pedir a coadjuvação da Polícia. Por exemplo, no processo da UGT eu própria determinei a coadjuvação do magistrado de julgamento para a notificação das testemunhas. É algo que é prática na Polícia.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Está na lei orgânica.
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A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Está, mas também é prática da Polícia. O que não está na lei é dizer que não pode ir ninguém lá.
Entretanto, estava ainda com esse dilema, pensei: "Este homem tem-me defendido tanto que o melhor é obedecer para não haver problemas. Não lhe quero causar problemas". Era esse o meu espírito e obedeci cegamente. Fui para a Alexandre Herculano, mandei chamar o coordenador da brigada, Borlido, que estava em férias e que veio de propósito por causa disto e fiz uma reunião com ele ao fim da tarde.
Chamei o coordenador Borlido, o Inspector Gonçalves Pica, o Inspector Álvaro de Sousa e o Pedro, que era um inspector novo (se não me engano, eram esses três inspectores e o coordenador, os restantes estavam de férias) e disse-lhes: "Não vai ninguém a Monsanto. Não sei se estão ou não a ir pessoas a Monsanto, tenho mais que fazer, é um julgamento de porta aberta e não têm que me pedir autorização para ir a Monsanto falar com o Ministério Público, para recolher informação, para ter um feed-back do julgamento. Não era preciso pedirem-me autorização para isso, mas a partir de agora não vai ninguém a Monsanto".
Eles ficaram surpreendidos, não compreenderam, não estavam no dilema em que eu estava, até protestaram e perguntaram-me, já que a minha relação com eles eram franca: "Sr.ª Dr.ª, mas porquê?". Queriam compreender a legitimidade da minha ordem, porque era eu que a estava a transmitir. E eu disse: "Não vão, porque o Sr. Director Nacional deu-me essa instrução, e, portanto, não vai ninguém". E assim ficámos, com as reflexões inerentes a um acontecimento destes.
Voltei a falar com o Sr. Dr. Director Nacional sobre isso, dei-lhe contas, disse que tinha transmitido estas instruções à brigada e disse ainda: "Mas não percebo e julgo que está a haver falta de confiança em mim". Senti que havia falta de confiança política em mim a partir dessa data, de forma inequívoca e irreversível.
Houve mais episódios, não sei, mas, porventura, talvez seja melhor eu terminar por aqui…
Entretanto, para terminar, devo dizer que quando fui para férias entreguei ao Sr. Director Nacional a estatística, que está aqui, sobre a produtividade da DCCICEF. O Sr. Director Nacional não mostrou especial entusiasmo em relação à estatística, só me disse - porque me fui despedir dele pessoalmente -: "A partir de agora vão passar a fazer todos" - é a tal estatística semestral.
A partir do segundo dia de férias tive notícia de interferências que nunca tinham sucedido anteriormente; foi dada uma ordem de prioridade ao processo dos combustíveis, com desorientação da brigada, em relação aos dois processos prioritários que tinham alvos importantíssimos e em relação aos quais estava em causa a cooperação com outros órgãos de polícia criminal. O processo dos combustíveis vinha de uma averiguação preventiva, desenvolvida por minha iniciativa e de acordo com as minhas instruções, com abundância de informação e cujo inquérito eu tinha proposto ao DCIAP em Janeiro de 2002. A prova estava garantida e estava pendente do cumprimento de uma carta rogatória. Portanto, não compreendi…
Também não compreendi por que é que o Sr. Director Nacional, com quem falava todos os dias, não trocava impressões comigo sobre esses processos, porque eu conhecia-os directamente.
Entretanto, sem que nada me fosse perguntado, foi pedida informação por escrito em relação ao processo das finanças ao coordenador, Sr. Calado Oliveira, para que fosse enviada ao Sr. Director Nacional uma informação circunstanciada sobre o estado do desenvolvimento do processo.
Perguntei ao Sr. Director Nacional se alguma vez eu lhe tinha faltado com informação sobre a matéria, porque entendi que era uma desautorização e que era um mau sinal estar a pedir informação de um processo daquela natureza e sensibilidade na minha ausência e aproveitando as minhas férias. O Sr. Director Nacional manifestou-me um grande pessimismo a respeito do processo, acerca da probabilidade de existirem resultados concludentes do processo. Eu disse-lhe que era irreversível, que havia gente presa e que não havia outro caminho. Ele mostrou-me de facto um grande pessimismo, mas isto foi tudo através de uma conversa pelo telefone.
Seguiu o projecto de protocolo sem ter em conta todo o trabalho que havia da DCICCEF - basta lerem o relatório anual de 2001 e as conclusões do subgrupo de trabalho sobre a criminalidade económica, financeira e fiscal que posso entregar a esta Comissão.
Portanto, no dia 27 de Agosto, fiquei convencida que o meu nome entrava num pacote político; era aprovado o protocolo, era aprovada a lei orgânica, era aprovado o projecto financeiro da Polícia Judiciária e eu não era "aprovada". Julgo que tenho legitimidade para tirar estas conclusões.
É tudo o que eu quero dizer agora a este respeito. Prefiro aguardar que sejam feitas mais perguntas.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Eduardo Cabrita.
O Sr. Eduardo Cabrita (PS): - Sr. Presidente, não porei qualquer questão nova, mas gostaria apenas de obter aclaramentos quanto às questões que coloquei, que foram de algum modo referidas, mas que não ficaram inteiramente claras.
No dia 16 de Julho deixou de haver acompanhamento do julgamento do processo do chamado caso Moderna, em Monsanto, por instrução verbal do Sr. Director Nacional, na sequência de um telefonema da Sr.ª Ministra da Justiça. E, a partir daí, o segurança Pedro Albuquerque, que até aí tinha acompanhado o procurador que coordenava a acusação, que, julgo, chamar-se Dr. Manuel Dores, deixou de o fazer.
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Há dois procuradores…
O Sr. Eduardo Cabrita (PS): - Mas o que tem sido referido na comunicação social é o Dr. Manuel Dores.
A segunda questão é a seguinte: confesso ser um pouco estranho que, não tendo havido nenhum despacho de nomeação por parte da Sr.ª Ministra da Justiça, e tendo prosseguido uma comissão de serviço que vinha de trás, ao contrário do que por vezes se tem vindo a fazer crer, a continuação na equipa da direcção da Polícia Judiciária tenha resultado de um contacto tido apenas na noite da véspera do dia anterior à tomada de posse com o Director Nacional, Dr. Adelino Salvado.
Há, quanto a esta questão, dois aspectos importantes, sendo bom que fique claro o que é que aqui foi dito. Um deles tem a ver com uma referência a um contacto com o Dr. Luís Bonina, anterior Director Nacional, com quem houve contactos nesta fase, em que o Dr. Luís Bonina terá referido que a Sr.ª Ministra da Justiça teria manifestado desagrado pela exuberância de acções e, se bem percebi,
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isso teria a ver com o chamado processo das finanças, que era na altura uma questão recente.
O segundo aspecto tem a ver com o seguinte: o Dr. Adelino Salvado terá dito que a Sr.ª Ministra não estaria interessada na manutenção da Dr.ª Maria José Morgado na equipa e que aquela, como disse há pouco, iria fazer um contacto com o Sr. Procurador-Geral da República no sentido de encontrar uma colocação compatível com o seu estatuto profissional no Ministério Público. Gostaria de confirmar este aspecto.
Tendo em conta que se tratam de matérias demasiado importantes, que envolvem uma alta personalidade do Estado, o Dr. Souto Moura, que todos respeitamos, pessoalmente e pelas elevadas funções que desempenha, gostaria de saber se há alguma indicação de que a Sr.ª Ministra da Justiça tenha feito diligências no sentido de, por um lado, encontrar uma colocação compatível e de, por outro, em consequência disso, não permanecer em funções na Polícia Judiciária.
Finalmente, manifestou aqui, na parte final da sua intervenção, uma grande preocupação do Director Nacional e, por outro lado, um grande desinteresse relativamente ao chamado processo das finanças.
No chamado processo das finanças, pelo que recentemente vi na comunicação social, foram confirmadas situações de prisão preventiva, tendo um número elevado de arguidos, e vi numa entrevista sua, julgo que ao Expresso, referência relativamente a este processo, e a processos nesta área, que só com arrependidos é que é possível aqui obter ou constituir prova sólida em julgamento.
Tem consciência, neste processo, por um lado, que haja uma estratégia de desqualificação da prova e de invalidação desta possibilidade de constituir arrependidos viáveis, disponíveis, e, por outro lado, que estejam aqui a ser ofendidos interesses quer de altos dirigentes da estrutura da administração fiscal quer de - segundo falou - intermediários, angariadores, advogados, tendo com eles relações?
O Relatório de 2001 foi referido. Mesmo se não podemos ter acesso ao tal "tijolo", pelo menos que, para já, se tenha acesso aos tais elementos. Isso era certamente importante para o nosso conhecimento.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Dr. Maria José Morgado.
A Sr.ª Dr. Maria José Morgado: - O contacto foi na véspera, no dia 23, à noite, às 9, 10 horas da noite. Refiro-me ao tal contacto do Dr. Adelino Salvado comigo, na véspera da tomada de posse, no dia 23 à noite.
Soube depois que tinha havido diligências do Dr. Adelino Salvado junto do Dr. Rui do Carmo, Subdirector do CEJ, no sentido de ocupar o meu lugar, e muito dignamente o Dr. Rui do Carmo não aceitou.
Soube junto dos meus colegas. Na Relação toda a gente sabia e isto foi espalhado pelo próprio Dr. Adelino Salvado, que dizia que não sabia o que havia de fazer com a Maria José porque a Ministra não a queria.. Isto é o que corre nos corredores da Relação! Era isto!....
Isto é depoimento indirecto, porque o Dr. Adelino Salvado disse-me a mesma coisa, que havia oposição da Ministra em relação a mim...
O Sr. Eduardo Cabrita (PS): - Sr. Dr.ª, por depoimento indirecto - e não o referi porque é demasiado grave -, há referência às diligências junto do Sr. Procurador-Geral da República. Tem alguma indicação dessas diligências?
A Sr.ª Dr. Maria José Morgado: - Não tenho...
O Sr. Presidente: - Peço desculpa, Sr. Deputado, mas há 21 Deputados nesta Comissão, a reunião já vai em mais de uma hora e meia e ainda só falou um Sr. Deputado.
Portanto, peço atenção, porque se não vou ter de começar a disciplinar de maneira diferente os trabalhos, sob pena de ser completamente impossível aos Srs. Deputados participarem no debate.
Isto não é admissível e, portanto, peço à Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado para responder e aos Srs. Deputados para não tomarem a iniciativa de falarem sem eu lhes dar a palavra.
A Sr.ª Dr. Maria José Morgado: - O contacto foi na véspera e os rumores que corriam, ou melhor, já não lhes chamo rumores mas um facto notório. Toda a Lisboa sabia, apareceu na comunicação social e nunca foi desmentido pelo Dr. Adelino Salvado.
Eu esperava, quando foi da 1.ª Comissão, que o Dr. Adelino Salvado assumisse esse facto. Sinceramente, esperava. Talvez tenha sido a minha última ingenuidade, mas esperava, porque fiz, na 1.ª Comissão, uma abordagem genérica do meu pedido de demissão e, neste momento, estou a concretizar os factos e as circunstâncias em que ela ocorreu.
O desagrado da Sr.ª Ministra em relação a mim tinha a ver com uma acusação de excesso de visibilidade. Acho que é excesso de resultados, não excesso de visibilidade; é a visibilidade que dá o combate à corrupção.
Esse desagrado que ela manifestou em relação ao Dr. Bonina é depoimento indirecto, não era por causa do processo das finanças - atenção, quero corrigir essa afirmação, não fui eu que a fiz, essa é uma interpretação das minhas afirmações -, era por causa de uma intervenção que eu tive na TSF. Ainda não se sabia quem era o director nacional e perguntaram-me se eu estava disposta a continuar na Polícia; eu disse que os operacionais, os homens e mulheres da DCICEF, estavam dispostos a continuar a combater a corrupção fosse quem fosse que viesse a assumir essa direcção.
Estas minhas palavras deixaram a Sr.ª Ministra da Justiça muito desagradada e ela transmitiu esse desagrado ao Dr. Bonina. Achava que havia excesso de visibilidade da minha parte! Mas era a propósito daquilo que ela chamou entrevista na TSF, que não foi uma entrevista mas umas meras palavras. Portanto, quero corrigir isso.
Em relação ao Sr. Procurador-Geral da República, sei o que o Dr. Adelino Salvado me disse. Porventura, o Sr. Procurador-Geral da República melhor do que ninguém saberá explicar o que se passou.
Em relação ao processo das finanças, é verdade que estávamos a trabalhar uma hipótese de arrependidos, a concretizar-se em Setembro, no meu regresso de férias.
A questão dos arrependidos ou dos agentes colaboradores, ou como lhes queiram chamar, tem um quadro legal previsto, mas o quadro legal não faz milagres, pois é preciso haver confiança nas instituições e em quem está a trabalhar naquele momento. É uma matéria que precisa de alguém que lidere o processo e faça a ligação entre a Polícia e o Ministério Público e com o próprio colaborador. Tive situações dessas, em que tem de se falar com o colaborador, tem de se expor quais são as suas obrigações, qual é o seu estatuto no processo, saber se a pessoa está disposta ou não. Portanto, é preciso alguma sensibilidade e algum treino, algum empenho nesta matéria.
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De facto, isso estava previsto mas não faço ideia sequer se o Dr. Adelino Salvado sabe isso ou não, porque, como digo, ele mostrou sempre pessimismo a respeito desse processo. Disse-me que achava que este processo não ia dar nada! É claro que estes são processos terríveis, são do mais difícil que há, suscitam oposições de toda a parte e se não há apoio de um director nacional nesta matéria é o desanimo!
Não sou muito dada a desanimos, mas, de facto, que ele me disse, a mim, que achava que o processo não ia dar nada... Pronto, é uma opinião! Até pode ser que não dê nada! Só a evolução da investigação o demonstrará. Porque, quando me pediram para pedir a demissão, ninguém me deu aquilo que o Sr. Director Nacional pediu aqui, na 1.ª Comissão, na Assembleia da República, que foi tempo. Eu não tive tempo!
Estava num princípio de trabalho, estava a ensaiar novos métodos, que nunca se tinham ensaiados neste país, porque aquilo que se está a fazer no crime económico só se fazia no tráfico de droga e no banditismo, nunca se fez no crime económico. Nunca houve operações com recolha de prova, com buscas e com detenções. Nunca! E nós fizemos mais de 100 detenções na DCICCEF, todas, todas consideradas legais e confirmadas pelos juizes de instrução criminal.
As buscas foram todas confirmadas pelo juiz de instrução criminal, não houve um fragmento de qualquer diligência que tenha sido considerado irregular, tão pouco, para já não falar de ilegal!
E, mais: conseguiu-se, em menos de um ano, julgamentos de fraudes gravíssimas como o caso Vale e Azevedo, que era um símbolo de impunidade neste País, como o caso de fraude ao IVA em carrossel, que é dos processos mais difíceis que estiveram em tribunal neste país e que houve condenação em Junho. Isto consegui-se em menos de um ano!
Alguma coisa isto deve querer dizer, apesar de tudo! É claro que não fiz metade daquilo que me propunha fazer, aquilo que foi feito foi muito pouco, mas houve de facto uma viragem, houve uma mudança e houve uma percepção disso por parte da opinião pública. Houve prestígio para a Polícia Judiciária!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Neto.
O Sr. Jorge Neto (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado, permita-me que, em primeiro lugar, a cumprimente e agradeça a sua colaboração nesta Comissão de Inquérito, com vista ao esclarecimento, como disse, e bem, da verdade e só da verdade, no caso a verdade material e não a verdade formal, e muito menos a dita verdade parlamentar.
Deixe-me dizer-lhe desde já, numa primeira abordagem desta questão, que nós também partilhamos da observação feita a dado passo da sua exposição, de que a questão central que deveria aqui ser discutida era de facto a questão do combate eficaz ao crime económico-financeiro e ao crime organizado. Essa é que é a questão central! As linhas estratégicas desse combate é que deveriam estar aqui a ser discutidas e não, como manifestamente ocorre, aqui e acolá, questões marginais, espúrias, e muitas delas eivadas de mera conjectura e de mera especulação e, como tal, indemonstráveis.
Aliás, en passant, deixe-me dizer-lhe que por duas vezes fez referência ao facto público e notório, represtinando uma observação que já tinha feito na 1.ª Comissão, aquando da sua passagem aí, há um mês atrás, mas ao contrário daquilo que afirma, que o facto público e notório não precisa de ser provado - na verdade, está ali um colega meu que aprecia muito estas citações, há um brocardo latino que diz notoria non est probatione, ou seja, os factos notórios não precisam de prova -, este facto concreto, que V. Ex.ª apoda, a meu ver irroneamente, de facto público e notório, não o é, porque tem de ser provado.
Quando V. Ex.ª diz que a Sr.ª Ministra da Justiça não a via com bons olhos, ou que a Sr.ª Ministra da Justiça e o Sr. Dr. Paulo Portas tinham medo de V. Ex.ª, far-me-á a justiça de admitir que esta matéria não está provada por natureza, necessita de prova, manifestamente não é um facto público e notório.
Esta é apenas uma observação marginal, mas que obviamente tem relevo no contexto da sua intervenção, que, aliás, apreciei, deixe-me dizer-lhe, até porque boa parte dela está manifestamente eivada, citando Vitorino Nemésio "de uma abundância de alma". Ou seja, aquilo que V. Ex.ª expressa aqui, estou em crer, é exactamente aquilo que V. Ex.ª sente e pensa relativamente àquele que é o caminho, a via a trilhar pela Polícia Judiciária com vista à eficácia do combate ao crime económico-financeiro e ao crime organizado. Não tenho sobre isso a menor dúvida e não tenho qualquer pejo em afirmá-lo com toda a seriedade e frontalidade!
Mas vamos às questões concretas que lhe queria colocar e, desde logo à primeira, aquela que se antolha evidente e incontornável, que é, de facto, o fio condutor das razões que enformam a sua demissão da direcção da DCICCEF.
Manda a verdade dizer que, numa primeira fase, quiçá um pouco pressionada pelas contingências ocasionais desse mesmo dia, V. Ex.ª começa por enviar, da Junta de Turismo da Ericeira, um fax ao Sr. Director da Polícia Judiciária apresentado a sua demissão.
Aliás, é curioso constatar - e esta análise, ou psicanálise, não é de todo em todo irrelevante - que até no próprio texto da carta se nota alguma pressão da parte de V. Ex.ª na elaboração do referido texto, posto que corrige por duas vezes o próprio termo da demissão, começando por dizer "venho (e depois corta o "venho") apresentar a de (e depois corta o "de) demissão", o que significa ou indicia - e para quem anda no mundo direito estas questões têm relevo, e eu prezo-me de andar há muito neste mundo e ter a preocupação de perceber muitas vezes o que é que subliminarmente decorre do conteúdo das mensagens - uma situação de alguma pressão da parte de V. Ex.ª na elaboração dessa carta de demissão.
O que é facto é que ela é absolutamente clara e inequívoca relativamente ao seu conteúdo, que é, pura e simplesmente, a demissão das funções de directora da DCICCEF, e a jusante, dois dias depois, aí com certeza com alguma detença - citando agora Saramago -, com alguma ponderação e reflexão, V. Ex.ª reitera o teor desse mesmo fax, mas agora com particular percuciência relativamente às razões fundamentadoras da sua demissão. E quais são elas? Desde logo - repare-se neste detalhe - única e exclusivamente razões de estratégia operacional respeitantes à organização desta Direcção Central. Há aqui um cuidado particular de V. Ex.ª de eliminar qualquer tipo de especulação ou de conjectura, como hoje aqui se procura joeirar, à vol d'oiseau, dizendo que é única e exclusivamente por questões de natureza, de estratégia operacional respeitantes à organização desta Direcção Central.
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Manda a verdade dizer também que V. Ex.ª é coerente, porque na intervenção que fez aqui na 1.ª Comissão, a 11 de setembro, reitera ipsis verbis esta expressão. V. Ex.ª, na exposição escrita que traz à 1.ª Comissão, começa exactamente por utilizar, sem tirar nem pôr, esta expressão concreta "questões de estratégia operacional respeitantes à organização desta Direcção Central". Isto é claro, clarinho!
Em segundo lugar, segundo a nota dessa sua missiva, V. Ex.ª faz questão em sublinhar que repudia - e de forma veemente, como aliás, aqui está expresso - toda e qualquer interpretação de natureza política, nomeadamente a que tinha sido feita por certos órgãos de comunicação social, a qual lhe era inteiramente estranha. V. Ex.ª rechaça, de uma forma peremptória, toda e qualquer especulação que se faça relativamente às putativas pressões políticas que alguns, na altura, suscitavam que V. Ex.ª teria sofrido. Está aqui dito, preto no branco.
E, por último, V. Ex.ª vai ao ponto de - stupete gentes! - traçar, in fine, um elogio ao próprio Sr. Director Nacional, posto que diz que (e penso que isto não será apenas uma mera cortesia ou uma mera elegância da sua parte) "para aceitar este repúdio, relativamente a essas especulações e a essas interpretações, como prova da minha consideração pessoal e profissional e prova do meu respeito por V. Ex.ª".
Bom, esta expressão revela da sua parte, naturalmente, cortesia e elegância, mas estou em crer que, até pela sinceridade e genuinidade do seu depoimento, também corresponde, em rigor, àquilo que efectivamente lhe ia na alma, àquilo que V. Ex.ª pensava, naquela altura, naquele momento, sobre o Sr. Director Nacional.
A posteriori, como já referi, a 11 de Setembro, ainda com mais detença, com mais ponderação, mais reflexão - sem que haja, aqui, qualquer argumento lateral de precipitação ou de ligeireza -, V. Ex.ª reitera estas mesma razões na exposição que faz no início da sua intervenção na 1.ª Comissão.
A questão que importa aqui colocar, com a toda a sagacidade e pertinência, é esta: há alguma nuance, há algum facto superveniente, há alguma razão ulterior que tenha levado V. Ex.ª a mudar de opinião? Será que as razões que V. Ex.ª expendeu, no momento em que elaborou o fax enviado da Junta da Ericeira, o fax de 29 de Agosto, e a exposição que aqui apresentou no dia 11 de Setembro, na 1.ª Comissão… Será que ocorrerem alguns factos a posterior que tenham levado V. Ex.ª a retractar-se? A desdizer o que disse? A mudar de opinião?
Se há, gostava que V. Ex.ª esclarecesse. Porque, de outra forma, o que fica patente e notório - aqui, sim, é um facto público e notório, que não necessita de prova - é que V. Ex.ª, de uma forma clara, reiterada, persistente, sempre defendeu que as razões determinantes da sua demissão nada tinham a ver com as supostas pressões políticas, que aqui se está a tentar esclarecer, mas única e exclusivamente por razões de estratégia operacional.
Aliás, ainda a esse respeito, deixe-me dizer-lhe que V. Ex.ª também foi muito clara na 1.ª Comissão. V. Ex.ª disse, até dado passo, que era imune a pressões, porque isso fazia parte da essência do próprio magistrado. E até utilizou esta expressão curiosa: "sou daltónica, ou seja estou absolutamente imune a qualquer tipo de pressões".
Portanto, isso é acusação ou imputação que seguramente não colhe, relativamente ao seu perfil idiossincrático. V. Ex.ª foi clara sobre isso e, portanto, gostava de perceber claramente o que é que aconteceu - se é que aconteceu alguma coisa - para V. Ex.ª ter hoje, sobre esta matéria, uma opinião diferente da que tinha no dia 27 de Agosto, no dia 29 de Agosto e no dia 11 de Setembro.
Segunda questão: mais coisa menos coisa, da análise atenta das suas declarações, aqui, hoje e do cotejo com as declarações que V. Ex.ª proferiu a 11 de Setembro na 1.ª Comissão e, bem assim, comparando essas declarações com o que foi dito pelo Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária, é absolutamente incontornável concluir - é um postulado axiomático - que o que está aqui na génese desta discrepância e deste conflito é apenas uma questão de modelo organizacional da Polícia Judiciária.
E eu diria, muito brevemente, que V. Ex.ª defende um modelo bem sustentado, com as razões a jusante justificadoras da complexidade e especificidade da comunidade económico-financeira.
V. Ex.ª cita três pontos: a dificuldade da natureza da criminalidade investigada, a questão da utilização de vários filtros na comunidade económico-financeira, a dificuldade dos tribunais e o logro na feitura e na realização da prova. Até, a dado passo, creio que cita a depressão que é objecto de um case study feito pelos ingleses, relativamente ao gato que existe entre o esforço feito pelos investigadores e o insucesso quanto à prova produzida em tribunal - o que, aliás, é um facto também manifesto e conhecido.
Sabemos estas razões, que aliás, são fundadas. Conhecemos o seu modelo, as recomendações do Conselho de Tempere, a UCLEFA (Unidade de Coordenação da Luta conta a Evasão e a Fraude Fiscal e Aduaneira), a GRECO, enfim, todas essas instâncias internacionais que apontam para uma estrutura central organizada que possa ser eficaz no combate à criminalidade económico-financeira, face ao seu carácter mutante (esta expressão é sua) e à sua recomposição rápida. Conhecemos e sabemos.
A pari, a opinião do Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária é outra. Sabemos que o Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária também, de uma forma bem intencionada, procura combater com eficácia a criminalidade económico-financeira, mas sustenta que tem de haver alguma parcimónia de meios; sustenta que tem de haver uma estrutura centralizada; que não pode haver "sol na eira e chuva no nabal", em matéria de meios dispostos pelos diversos departamentos da Polícia Judiciária.
Nesse sentido, ele preconiza o modelo atinente à centralização dos departamentos, que V. Ex.ª interpreta como uma desconcentração das competências que vai levar à perda de eficácia do combate ao crime económico-financeiro e sabemos que ele também defende a criação de um novo departamento que possa fazer a gestão financeira de todos os departamentos da Polícia Judiciária. Daí, de facto, a proposta por ele veiculada e já alinhavada de uma reforma da Lei Orgânica da Polícia Judiciária.
Em suma, tudo visto e ponderado, o que está aqui em causa é somente isto: são dois modelos diferentes de organização da Polícia Judiciária, que, salvo melhor opinião, qualquer um deles tem, pelo menos, o benefício da dúvida de poder ser eficaz no combate ao crime económico-financeiro e ao crime organizado transnacional. Pelo menos, temos de dar esse benefício da dúvida.
Ou, então, pergunto à Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: será que V. Ex.ª, sem prejuízo da inegável competência que lhe reconheço e que, penso, todos lhe reconhecem, julga ter um monopólio dos instrumentos e do conhecimento necessário para traduzir o combate à criminalidade económico-financeira num combate eficaz? Será que V. Ex.ª é uma
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pessoa insubstituível nessa matéria? Será que apenas o seu modelo é exequível, para que esse combate se traduza em sucesso e em êxito? Ou admite que possa existir um modelo diferenciado que conduza aos mesmos resultados ou até a melhores do que V. Ex.ª apresentou enquanto dirigiu este departamento?
Terceira e última questão: V. Ex.ª elencou, e bem, algumas das actividades concretas desenvolvidas pelo departamento que dirigiu. Focou, de facto, algumas prioridades sobre essa matéria, a una voce. Penso que ninguém pode questionar a bondade e o acerto dessas prioridades.
Mas há uma questão fulcral que se suscita num Estado de direito democrático, como o nosso, que se rege inexoravelmente pelo respeito escrupuloso do princípio da legalidade, que é esta: nós sabemos que a legitimidade da acção penal compete ao Ministério Público; nós sabemos que a competência funcional para a investigação e para a tutela da investigação criminal compete ao Ministério Público; e nós sabemos que à Polícia Judiciária está confinado o papel de executor das tarefas de investigação criminal sob alçada, tutela e legitimidade do Ministério Público - a legitimidade funcional é do Ministério Público.
Sendo assim, mister se torna perguntar se nas situações concretas que teve oportunidade de enunciar, nas averiguações privativas levadas a cabo pela Polícia Judiciária e pelo seu departamento sob a sua direcção, relativamente à história de Monsanto e aos Srs. Agentes da Polícia Judiciária, que se encontravam em Monsanto a fazer o acompanhamento do processo, procurando indagar e perscrutar aqui e ali elementos que pudessem conduzir a um aprofundamento da investigação criminal (naturalmente que ninguém põe em causa o desidrato ou o escopo desse esforço feito pelos elementos da Polícia Judiciária), se, nesse caso concreto, existia também a tutela funcional do Ministério Público.
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Era a pedido do Ministério Público, Sr. Deputado.
O Sr. Jorge Neto (PSD): - É essa questão que quero colocar.
Há instruções, há directrizes do Ministério Público para realizar esse tipo de investigação?
São estas as questões que queira deixar, para já, à Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Dr.ª Maria José Morgado.
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Neto, no que diz respeito à carta - ela é pequena, até dá para a decorar -, o que se passa é o seguinte: quando eu peço a demissão, não tinha o domínio funcional do facto; não tive a iniciativa, fui empurrada. Tenho orgulho e senti alguma necessidade de proteger as pessoas que deixava de especulações nefastas. Foi, talvez, o último serviço que prestei à Polícia Judiciária. Mas é assim! Ou talvez um erro, não sei. É o que é, e não vale a pena ler, reler…
É uma carta escrita por quem não tem o domínio funcional do facto, não sabe o que vai acontecer. E a carta fala das minhas intenções e não das intenções de terceiros.
Bom, mas entrando nas intenções de terceiros, perguntou se houve factos supervenientes à carta. Sim, estava convencida que havia uma estratégia para a Polícia Judiciária por parte do Director Nacional, mas o que sei é que, até ao dia de hoje, nada mudou na DCICCEF; tirando a minha substituição e a demissão do Dr. Carlos Farinha, está tudo rigorosamente na mesma. Pode não ter havido tempo para mudar as coisas, mas nada mudou.
Além disso, lendo a intervenção do Dr. Adelino Salvado perante a 1.ª Comissão, fiquei com a ideia de uma ausência completa de linhas estratégicas para a Polícia Judiciária no combate ao crime organizado internacional, porque o combate ao crime organizado internacional tem no seu coração o crime económico, por causa dos circuitos financeiros.
Os circuitos financeiros são comuns à droga, à fraude fiscal, ao branqueamento, à fraude ao IVA, à fraude aos IEC. E, como os circuitos financeiros são comuns, todas as investigações envolvem aquilo a que os americanos chamam follow the money; envolvem tracing, sized and confiscation dos bens, produtos e vantagens da actividade criminosa; envolvem cooperação com especialização.
Tem de haver direcções centrais temáticas. Tem de haver direcções centrais ligadas a estas três grandes áreas da criminalidade: tráfico de droga, crime económico e banditismo. E essas três direcções centrais têm de fazer troca de informação. Para isso é que existe o Sistema Integrado de Informação Criminal, que o Sr. Director Nacional, porventura, ainda não percebeu para o que é que serve.
Srs. Deputados, foi criada uma secção central de branqueamento sem nunca referir as directivas de 26 de Junho de 2001, sobre a apreensão, detecção e confisco de bens, proventos e vantagens das actividades criminosas e sobre a prevenção do sistema financeiro em relação às práticas de branqueamento de capitais; sem referir a actualização da directiva de 12 de Junho de 2001; sem referir a convenção do branqueamento de capitais, sendo baseada num protocolo que define como âmbito, apenas, o branqueamento, nomeadamente em termos de crimes tributários.
Ora, a orientação internacional e as necessidades de detecção e combate à fraude económico-financeira não correspondem ao que está no protocolo. É um protocolo que não visa a detecção, o congelamento e o confisco de vantagens e produtos do crime; que não visa a detecção, o congelamento e o seguimento dos "dinheiros" que circulam e que são "dinheiros milionários" produzidos por estas actividades criminosas.
Em nenhuma parte do protocolo se fala do confisco; em nenhuma parte se fala do seguimento das operações financeiras. É um protocolo que é um vazio! É um protocolo que é copiado do plano de trabalho da UCLEFA. E, se os Srs. Deputados a virem a constituição da UCLEFA, as entidades que aí têm assento são as entidades que têm assento no protocolo. É um deslocamento, uma deslocação da UCLEFA para a Polícia Judiciária.
Ou seja, temos uma UCLEFA que, em vez de ser dirigida pelo Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, é dirigida pelo Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária. Estar a falar-se que esse protocolo e esse acesso às bases de dados é para ter acesso à informação em tempo real, é nada saber de criminalidade, porque a informação em tempo real vem da rua, vem dos operacionais, não é adquirida de "rabo sentado" a consultar dados institucionais!
Os dados do IRC, do IRS, do património, dos automóveis e do registo dos imóveis são inertes, são dados para serem utilizados em ligação com a investigação criminal, para serem operacionalizados e são criados ao nível de uma estrutura meramente burocrática e administrativa!
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Isto é a morte da investigação e vai ser a morte das direcções centrais, dado que temos uma secção central de branqueamento burocratizada, porque, diga-se o que se disser, os meios são escassos e para haver duas secções centrais, uma de branqueamento e uma de vigilâncias, têm de retirar-se as vigilâncias, os inspectores, os inspectores-chefes e os coordenadores às direcções centrais, e, se isto ocorrer, as direcções centrais ficam "cegas", "sem braços", "sem pernas" e soçobram no dia seguinte!
Na DCICCEF existe uma brigada de vigilâncias com seis pessoas. No dia em que se tirarem duas pessoas dessa brigada acaba-se a pró-actividade no combate ao crime económico, e a pró-actividade no combate ao crime económico começou com o caso Venigod, em Outubro de 2001, por causa da constituição desta brigada. Andava-se há dois anos à procura do autor principal do crime, que não se conseguia encontrar, e ele foi encontrado numa semana, graças ao bom trabalho da brigada de vigilâncias! Está percebido, Sr. Deputado?
De maneira que o centralismo defendido pelo Dr. Adelino Salvado é um centralismo vazio, sem quadro estratégico, sem conhecimento das recomendações internacionais em relação ao crime organizado internacional.
Considero que o crime económico está no coração do crime organizado internacional e que os países têm de centralizar o seu combate na detecção, na apreensão dos bens e no seguimento das operações financeiras e o protocolo não refere nada disso! Esse protocolo vai ser o vazio! É um protocolo que nem sequer refere a corrupção, que é um instrumento "potenciador" e vital de todas as práticas do crime económico organizado!
E é preciso não esquecer que houve uma reunião, aquando da presidência dinamarquesa da União Europeia, em 26 e 27 de Setembro, cujas conclusões tenho comigo! Basta os Srs. Deputados compararem estas conclusões com o que consta deste protocolo! As conclusões chamam a atenção para o facto de o crime organizado internacional procurar o ganho financeiro e económico e de os países terem de centrar a sua atenção na detecção e congelamento dos bens, no congelamento dos produtos financeiros desses bens, mas o protocolo não tem uma única linha sobre isto, nem na motivação nem no âmbito!
É um protocolo que nem sequer refere a corrupção como crime precedente do branqueamento! A tendência internacional é a de alargamento dos crimes precedentes: a Lei n.º 10, de 2000, alargou o âmbito dos crimes precedentes até aos crimes puníveis, em abstracto, com pena de cinco anos de prisão e o protocolo refere meramente os crimes tributários. E sabem porquê, Srs. Deputados? Quando perguntei ao Sr. Director Nacional, Dr. Adelino Salvado (na altura, pelo telefone, porque este protocolo nunca foi discutido por mim, nunca me foi mostrado, foi discutido quando eu estava de férias), por que é que o protocolo não referia a corrupção, a fraude internacional, o banditismo, o tráfico de pessoas, a pedofilia na internet, etc., ele disse-me que agora a única coisa que preocupava o poder político eram os crimes tributários e que só assim é que o protocolo passava, quanto ao resto, depois logo se via, porque eram actas adicionais.
Trata-se de um protocolo que é uma "letra morta", porque é burocrático, não se articula com a investigação, não corresponde às necessidades de combate ao crime organizado internacional, não se baseou no treino e na experiência dos investigadores.
Como eu disse (perguntem ao secretariado da UCLEFA), havia dois grupos de trabalho, sobre protocolos e sobre acesso a bases de dados, e eles não foram ouvidos! Foram chamados à reunião de protocolo a Subdirectora Mariana Raimundo e o Inspector-Chefe do contrabando organizado, apenas por uma questão de descargo de consciência, mas não foram utilizados a experiência nem o trabalho da DCICCEF nesta matéria e este protocolo foi feito para deslocar os poderes que existiam na UCLEFA, sob a direcção do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, para a direcção do Dr. Adelino Salvado!
E é um protocolo burocrático, porque todo o acesso à informação sem reforço da operacionalidade é uma aberração, como é uma aberração a secção central de vigilâncias, porque está desligada das investigações, aliás, está desligada das tipologias da criminalidade, está desligada do treino, não sabe o que é que está fazer! Ficam as direcções centrais "cegas", "surdas" e "mudas" e fica a secção de vigilâncias "cega", "surda" e "muda", porque não sabe o que é anda a fazer!
Aliás, a respeito de centralização, o modelo que posso conceber que o Dr. Adelino Salvado defende é um modelo de centralização burocrática vazia, com regionalismos. Eu defendo um modelo de centralização especializada, com assento nas direcções centrais, no apoio à investigação, no apoio ao departamento de perícia financeira e contabilística, no apoio à informática.
Na última operação de recolha de prova num caso de corrupção, na DCICCEF, vieram para a Polícia Judiciária 14 CPU. Não sei se o Sr. Deputado sabe o que é que isto representa em termos de análise de informação! Onde é que, na alteração da lei orgânica e até mesmo no protocolo, é atribuída qualquer prioridade às novas tecnologias e à formação da Polícia Judiciária nessa matéria?
Quanto à pedofilia na internet, defendi, e fiz aprovar isso, a competência nacional exclusiva da secção central de investigação informática, em matéria de pedofilia na internet. Além disso, centralizei as vigilâncias. Quando entrei na DCICEF não havia vigilâncias mas, sim, um grupo que fazia recolha de prova ao nível da contrafacção de moeda. Aliás, fui criticada por fazer despachos eivados de autoritarismos desnecessários. Eram despachos centralizadores. Considero que defendia a centralização.
O que o Dr. Adelino Salvado fez foi tomar uma série de medidas ad hoc, que correspondiam a medidas propostas por mim, ideias do Dr. Bonina. Eu fui a primeira pessoa que falei na secção central de branqueamento. Falei disso nesse sábado, dia 24! Aliás, disse-lhe que só havia uma condenação por branqueamento em Portugal! Fui eu que falei nisso, não é produto de estudo do Dr. Adelino Salvado, nem tem de ser, mas era bom que as pessoas reconhecessem os antecedentes!
Também era bom que as pessoas reconhecessem que tem de haver uma polícia moderna e que, para isso, é preciso construir novos instrumentos, mas respeitando aqueles que vêm do passado! E não pode dizer-se que se encontrou a Polícia Judiciária em marcha para a decadência, com disse o Dr. Adelino Salvado! Então, uma pessoa que não tem um projecto para a Polícia Judiciária, que não tem um programa, encontra a Polícia Judiciária em marcha para a decadência e em três meses faz uma Polícia Judiciária nova?!… Isto tem sentido? Há aqui qualquer coisa que não bate certo!
E o que eu afirmo é que o Dr. Adelino Salvado ou não tem um programa para a Polícia Judiciária ou tem um programa que, objectivamente, há-de traduzir-se na "desoperacionalização" das direcções centrais! Porquê? Porque cria estruturas centrais burocráticas de investigação de "rabo
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sentado", sem ligação com o terreno, sem conhecimento das tipologias da criminalidade! Não vejo no protocolo a definição de nenhuma tipologia de criminalidade!
Vejam que neste grupo de trabalho sobre a fraude financeira económica fiscal há uma definição sobre tipologias de criminalidade e as pessoas têm a ideia de que é preciso detectar as fontes ilícitas da riqueza, os sinais exteriores de riqueza, recolher informação nessa matéria, fazer averiguações pluridisciplinares e propor ao Ministério Público a instauração de inquéritos, mas com cooperação entre as instituições! E isso não se faz com projectos hegemónicos em que a Polícia Judiciária assume a competência de todos os OPC existentes no País, sem nenhuma preocupação de harmonização legislativa, porque o quadro legislativo, no que respeita ao combate à fraude, é uma manta de retalhos! E o que vai acontecer, em relação à alteração da Lei Orgânica da Polícia Judiciária no combate aos crimes tributários, é uma sobreposição de competências com o REGIT, com as consequências inerentes no desenvolvimento dos inquéritos, levantando-se questões que depois terão que ver com a competência material do OPC, com atrasos e com impossibilidade de realização de justiça em tempo útil.
Em relação ao monopólio, a questão não é a do monopólio ou a de ser insubstituível, a questão, Sr. Deputado, é ter convicção no modelo que se defende, é ter um modelo que, apesar de tudo, é copiado pelo Dr. Adelino Salvado, porque os comunicados à imprensa e as operações com visibilidade foram um modelo que eu lancei na Polícia Judiciária e que o Dr. Adelino Salvado prossegue, sem ao menos ter a humildade de dizer onde é que se inspirou.
Gostava que o Dr. Adelino Salvado, quanto à investigação da brigada de trânsito, dissesse o que encontrou feito na Polícia Judiciária por uma brigada de três inspectores. O trabalho que hoje foi desencadeado foi um trabalho de ano e meio de três inspectores.
Portanto, a questão é a convicção dos modelos, é a realização da justiça em tempo útil, é a actuação em tempo real, é o modelo novo de combate à criminalidade económico-financeira, mas é o modelo que se baseia no conhecimento das tipologias da fraude, que é uma coisa de que o Dr. Adelino Salvado não mostra conhecimento! O Dr. Adelino Salvado nunca falou aqui em tipologia de fraude, nunca falou em prioridades!
Eu não sei qual é a prioridade para o Dr. Adelino Salvado, se é o tráfico de droga, se é o banditismo, se é o crime económico. Eu digo que é o crime económico, porque ele é transversal, atravessa a criminalidade organizada internacional é o que dizem as instâncias internacionais, mas não é isso que diz o Dr. Adelino Salvado - e o crime económico e o crime organizado internacional visam o lucro, geram lucros milionários e não há nenhuma investigação que possa ser feita sem acesso à informação, sem especialização financeira, contabilística, bancária, informática. Isso não é feito com protocolos todos os dias são publicados protocolos no Diário da República , mas com o reforço da prevenção, com análise!
Em vésperas de ir para férias, pedi ao Dr. Adelino Salvado mais uma pessoa para análise, na DCICCEF, porque precisava de acompanhar a investigação com análises. Tínhamos análise na moeda: o trabalho feito na contrafacção da moeda, por parte de DCICCEF, é notável; o trabalho de prevenção em relação ao euro é um trabalho notável. Vejam o site da Polícia Judiciária, na internet, sobre o euro, e verifiquem se alguém, o Dr. Adelino Salvado ou a Dr.ª Maria Celeste Cardona, o refere.
Sr. Deputado, eu terminei o meu tempo à frente da Polícia Judiciária. Podem falar de estatísticas, fazer análises quantitativas de estatísticas, o que quiserem, o que é certo é que saí a meio do meu trabalho e tinha uma estratégia e prioridades definidas para três anos.
Além disso, estou em desigualdade de circunstâncias e numa situação adversa: uma coisa é responderem perante esta Comissão um Director Nacional e pessoas que têm acesso à informação e à documentação, outra coisa é responder uma pessoa que está fora e cuja demissão foi aceite. Há aqui uma desigualdade de armas que não me impressiona, nem me aflige e à qual estou habituada. Nunca me habituei a estar em posições fáceis, portanto no dia em que eu tivesse uma posição fácil estranharia.
E esta posição não é fácil, mas é bom que os Srs. Deputados tenham noção disso, porque não eu estou numa posição igual à do Director Nacional e à da Sr.ª Ministra mas, sim, numa posição completamente diferente e não sou daquelas pessoas que saem com o caixote de fotocópias atrás; aquilo que eu trouxe é aquilo que estou a dizer à Comissão.
Quanto à tabela de casos que foram desencadeados enquanto estive na Polícia Judiciária, à frente da DCICCEF, que são uma dúzia, e que correspondem ao caso Vale e Azevedo; ao caso da fraude ao imposto automóvel, em que foram apreendidos 32 automóveis, em Março de 2001; ao caso Venigod, em Outubro de 2001; o caso Alcazar, que foi agora distribuído para julgamento, em Novembro de 2001: ao caso do pedófilo, que, numa operação em que participaram 19 países, foi o único arguido cuja prisão foi confirmada, em Dezembro de 2001; o caso dos barcos da Expo, em Março de 2002; o caso da fraude nas farmácias, em Fevereiro de 2002; o caso das finanças, em Abril de 2002; o caso da Carré & Ribeiro, em Maio de 2002, o caso da Brisa, em Junho de 2002; o caso Venâncio, que era um industrial de máquinas de fortuna e de azar e que está preso…
…o caso da fraude nas farmácias em Fevereiro de 2002, o caso das Finanças em Abril de 2002, o caso da Carré & Ribeiro em Maio de 2002, o caso da Brisa em Junho de 2002, o caso Venâncio, um industrial de máquinas de fortuna e de azar, que está preso por corrupção a agentes da PSP, em Julho de 2002, o caso Vitória de Guimarães em Julho de 2002.
Todos estes casos demonstram prioridades que correspondem à análise de níveis de risco insuportáveis na sociedade portuguesa e a uma visibilidade de ataque com impacto, da qual me orgulho e que, agora, é imitada e seguida por todos os que lá ficaram!
No dia em que se despediram de mim, no dia em que escrevi esta carta, havia coordenadores inspectores-chefe voltados para a parede a chorar, que se despediram de mim dizendo que sabiam que eu tinha um projecto e que iam segui-lo! Está a perceber, Sr. Deputado?! Isso, provavelmente, é uma coisa íntima entre mim e os operacionais, mas eles sabem que havia um projecto, e não era um projecto pessoal, era um projecto de ataque à corrupção, ao crime organizado internacional.
O modelo é imitado! O modelo está cá os comunicados de imprensa, as buscas, as detenções, as apreensões , simplesmente, se não houver prevenção com recolha, análise e tratamento de informação, se não houver formação dos operacionais em matérias como, por exemplo, contabilidade, informática, empreitadas e obras públicas, formação para saberem, em termos de prioridades, o que há na corrupção… Que prioridades há em termos de corrupção?
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Finanças, autarquias, corrupção no futebol. Que análises são feitas nessa matéria? Os IEC, fraude ao IVA em carrossel. O que se passa na fraude ao IVA em carrossel? Quantas pessoas estão presas? Qual é o modus operandi? Quais são as tipologias? Estávamos a fazer isso! Aliás, em comum com a DCITE, a DCICCEF e os elementos representantes das instituições financeiras estávamos a fazer as tipologias do branqueamento.
Nem sei se o Sr. Director Nacional sabe que isto existe, mas fizemos uma compilação de práticas, de procedimentos em matéria de branqueamento de capitais. Para quê? Para informação da banca também na matéria das instituições financeiras, porque hoje, mais do que nunca, não pode combater-se o crime organizado internacional nem no "buraco" nem com estruturas centralizadores, burocráticas, meramente administrativas de investigação de "rabo sentado"; essas estruturas são uma aberração!
Aposto que, daqui a um ou dois anos, se se seguir este modelo, as direcções centrais vão soçobrar, e se soçobrarem as direcções centrais não haverá detecção, não haverá identificação dos fenómenos, não haverá combate ao crime organizado internacional.
Isso não é possível com estruturas centralizadoras burocráticas, com regionalismos e medidas ad hoc! Porque isto são medidas ad hoc, todas elas tomadas numa sofreguidão regulamentar como nunca vi, e nem sei porquê! Na Polícia Judiciária, neste momento, não há momento para pensar, não há tempo para reflectir, não há tempo para ponderar nada, tem é de haver um regulamento por dia, sem definição de quadros estratégicos, sem tipologias de criminalidade, sem conhecimento de tendências de respostas, sem avaliação do que se passa ao nível dos meios específicos de prova!
A respeito do Ministério Público, Sr. Deputado, posso dizer-lhe que sou magistrada do Ministério Público e que as prioridades são definidas pela Polícia Judiciária, não pelo Ministério Público. Porquê? Sr. Deputado, vá ver a lei de organização de investigação criminal, em que se fala da dependência funcional com autonomia administrativa. A Polícia, de acordo com os seus meios, tem de definir as estratégias, o momento de agir, os objectivos de agir e, então, o Sr. Deputado tem duas possibilidades de agir.
Vou dar o exemplo do processo do Hospital Amadora-Sintra, que me foi enviado no dia 12 de Julho. A Polícia Judiciária ou decide que fica ali a ver todos aqueles papelinhos muito bem vistos porque num crime económico há muito papel, muita informação, muitos documentos , fica ali três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove ou dez anos a ver aquilo tudo muito bem e ao fim de 10 anos temos um julgamento que não corresponde a nenhuma expectativa de justiça em relação à opinião pública e nem corresponde a nenhuma efectividade nem actualidade da repressão no caso, ou, então, tem uma brigada que vai para o terreno, faz buscas, apreensões, recolhe, em termos de meios de prova, os instrumentos do crime, vai ver onde foi parar o dinheiro, se é que houve ganhos indevidos e criminosos com práticas criminosas, e tem as pessoas a serem julgadas com efectividade e actualidade da repressão num ano.
Não sei o que vai acontecer neste processo, mas comparo o que aconteceu nos casos Vale e Azevedo e Fundo Social Europeu. Trata-se de dois modelos, sendo que no caso do Fundo Social Europeu a justiça não foi efectiva nem actual. Aliás, uma das recomendações das instâncias internacionais do Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF), do Grupo de Acção Financeira sobre Branqueamento de Capitais (GAFI), das conclusões da presidência da União Europeia é haver efectividade e actualidade na repressão. Ora, para haver efectividade e actualidade tem de haver prevenção articulada com investigação, não é com estruturas desse género!
Digo-lhe mais uma coisa a respeito do Fundo Social Europeu: a minha direcção pôs termo a todas as pendências do antigo Fundo Social Europeu. Todas! Já que alguém falou de estatísticas na 1.ª Comissão, posso dizer que a minha direcção pôs termos a todas as pendências, paralelamente com todas as investigações efectivas e actuais.
Um caso que era muito falado, o Pequito/Bayer, foi resolvido até Junho de 2001 com 26 propostas de acusação e 49 propostas de arquivamento. Portanto, não só actuámos no terreno com efectividade e actualidade como resolvemos os casos antigos.
Não há verdadeira investigação criminal sem autonomia e, a esse respeito, a dependência funcional do Ministério Público é inócua. O Ministério é sedentário nas investigações criminais, acompanha ou não as investigações segundo a sua própria decisão, mas se a Polícia disser que não tem meios, que foram lá mas não encontraram o que queriam, aliás a discricionariedade aumenta à medida que nos aproximamos da base… Há uma coisa muito importante na Polícia, que é a motivação. Se a estrutura não estiver motivada não há investigação nem dependência funcional que nos valha, porque a polícia vai lá, não encontra, não apreende, não prende, não localiza.
A verdadeira investigação criminal é aquela que é feita com autonomia, com especialização, com treino, com técnicas especiais dos polícias. O Ministério Público dá a acusação é esse o modelo que defendo. Se a Polícia não quiser ou não poder investigar um caso a dependência funcional não consegue resolver o problema! É o que resulta da minha experiência enquanto magistrada do Ministério Público.
O Sr. Presidente: Antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Jorge Neto, peço a atenção quer da Sr. Dr.ª Maria José Morgado quer dos Srs. Deputados para não nos desviarmos do objecto desta inquirição e do mandato da Comissão.
Não está aqui em análise nem o percurso pessoal nem funcional da Dr.ª Maria José Morgado na Polícia Judiciária mas, sim, as demissões e as alterações de orientações ou de estratégia, que também têm sido vastamente abordadas hoje à tarde - não ponho isso em causa.
Portanto, peço a atenção de todos para não nos desviarmos do objecto da inquirição, pois, no fundo, estamos a perder tempo e não conseguimos a produtividade necessária.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Neto.
O Sr. Jorge Neto (PSD): Sr. Presidente, Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado, em primeiro lugar, quero dizer-lhe que ouvi atentamente a resposta que deu às questões que coloquei.
Registo o tom tutti quanti apaixonado com que aborda estas questões, o que, aliás, é perfeitamente natural dado o seu empenho e o seu profissionalismo absolutamente ímpares demonstrados no exercício das funções. Deixe-me, porém, dizer-lhe que vi que a sua exposição está alicerçada em convicções, o que penso ser um mau caminho. Sabe porquê? Porque partilho da opinião de Nietsche, que dizia que as convicções são mais inimigas da verdade do que as mentiras, em Humano, Demasiado Humano. Mas não é o único a dizê-lo. Ainda recentemente alguém da nossa área
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e da nossa cultura, António Damásio, que escreveu O Erro de Descartes, também suscita essa questão.
Exactamente porque muitas vezes a conduta humana é eivada de demasiada emotividade na racionalidade da sua conduta leva a que seja tolhida em relação ao acerto e à bondade das decisões! Isso leva a que efectivamente seja tolhida em relação ao acerto e à bondade das decisões!
A Sr.ª Odete Santos (PCP): Mas também diz que as emoções fazem parte do raciocínio!
O Sr. Jorge Neto (PSD): Bem, o que disse foi apenas um aparte relativamente às convicções, porque quando ouço alguém falar de convicções não resisto a citar a Nietsche, que era de uma perspicácia e de uma acutilância absolutamente ímpares nessa matéria quanto à análise da conduta humana.
O que referi é, no entanto, um detalhe, Sr.ª Procuradora, o que importa aqui relevar - e registo-o - é que V. Ex.ª, nesta matéria, tem um pensamento estruturado relativamente àquilo que deve ser o combate ao crime económico-financeiro. É um pensamento estruturado, bem fundamento - não posso, de modo algum, refutar isso , mas é facto também que avulta da sua exposição uma discrepância manifesta entre o modelo que preconiza para a investigação criminal neste domínio e o modelo que V. Ex.ª aponta ser o da lavra ou da autoria do Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária.
A questão concreta que lhe coloquei era a de saber se, efectivamente, na génese de todo este dissídio, de toda esta dissensão, não está uma discrepância metodológica em relação ao que deve ser o modus operandi - para usar a sua expressão , o modus faciendi do combate eficaz à criminalidade económico-financeira. A sua resposta é absolutamente afirmativa nesse domínio, e é esse o busílis da questão.
Passo à última nota que quero deixar. Ouvi a sua referência relativamente à operacionalidade da Polícia Judiciária é óbvio que a sua constatação é eivada de absoluto fundamento e é irrebatível , mas deixe-me dizer-lhe que há regras que têm de ser acatadas e respeitadas com todo o escrúpulo, designadamente por uma questão que para mim não é de somenos, não é coisa pouca: os direitos, liberdades e garantias.
Da sua exposição verifiquei que dá um enfoque particular à operacionalidade da Polícia Judiciária. Mesmo quanto à tutela funcional do Ministério Público fiquei com a impressão que lhe dá uma importância um tanto ou quanto residual, mas não fez nenhuma referência, por mais recôndita que fosse, aos direitos, liberdades e garantias.
Deixe-me dizer-lhe, Sr.ª Procuradora, que nesta matéria - e estão aqui alguns juristas e outros Srs. Deputados que intervieram com afinco e com denodo nas revisões constitucionais, designadamente para a salvaguarda estrita dos direitos liberdades e garantias não pode ter-se dois pesos e duas medidas. Da mesma forma que tem de ser eficaz no crime económico-financeiro, ou qualquer que ele seja, em todos os azimutes, também tem de ser escrupulosamente respeitadora dos direitos, liberdades e garantias consagrados na Constituição, também aí em todos os azimutes.
O Sr. Presidente: Tem a palavra a Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado.
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Neto, não sou daqueles que acenam a bandeira dos direitos, liberdades e garantias para melhor os trair! Sr. Deputado desculpe que lhe diga, mas é muito novo , fui presa antes e depois do 25 de Abril e, portanto, vivi na carne a defesa das liberdades e garantias!
Quando se fala no combate ao crime económico costuma haver dois códigos de processo penal: há o código do combate ao tráfico de droga e do combate ao banditismo; e o código de combate ao crime económico. Só se fala dos direitos, liberdades e garantias quando se atacam os poderosos no combate ao crime económico.
Digo-lhe uma coisa a respeito de direitos, liberdades e garantias: vivemos em democracia e eles estão salvaguardados! Encontrei uma direcção central de um rigor quase supersticioso da parte dos investigadores nessa matéria.
A minha preocupação em matéria de crime económico, porque as coisas têm uma dinâmica, têm um quadro estratégico, é a impunidade. Quando há impunidade e se fala de direitos, liberdades e garantias quer prosseguir-se com a impunidade, consciente ou inconscientemente!
A preocupação, no nosso país… Quantas pessoas estão presas a cumprir pena por tráfico, por contrabando organizado de tabaco? Fique sabendo que o valor da acção interposta pela União Europeia contra a Reynolds nos Estados Unidos é de milhões e milhões de euros, sendo que 80% desse valor é representado por tráfico, por contrabando de tabaco organizado, havendo 70 vagões de tabaco que desapareceram no nosso país sem que até hoje se conseguisse identificar ou punir os seus autores!
E vem o Sr. Deputado falar-me em direitos, liberdades e garantias!… Há um "hipergarantismo" no nosso sistema penal que paralisa! Em Fevereiro de 2003 vai iniciar-se novamente o julgamento do processo da saúde, vai voltar tudo ao princípio por causa de uma decisão do Tribunal Constitucional.
Do que há necessidade neste país é - os direitos, liberdades e garantias, esses, estão lá - de efectividade e de actualidade na repressão.
Sr. Deputado, sabe qual é a discussão hoje na Europa. Nos dias 26 e 27 de Setembro, sob a presidência da Dinamarca, a discussão foi a inversão do ónus da prova em relação ao produto, vantagens e lucros da actividade criminosa. A Irlanda tem um sistema de confisco de bens, administrativo e fiscal, não penal, para as fortunas não justificadas adquiridas nos últimos cinco anos, em relação a pessoas que tenham praticado evasão fiscal ou outros crimes. E o que os ingleses dizem é que isso não põe em causa os human rights. E a Inglaterra é a pátria dos human rights!… Portanto, este é um bom exemplo.
Sr. Deputado, hoje, dia 5 de Novembro de 2002, aquilo a que tem de dar atenção é à impunidade.
O Sr. Jorge Neto (PSD): - E à legalidade!
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Mas a legalidade está lá. Até hoje, Sr. Deputado - e as minhas acções foram avaliadas pelos juizes de instrução criminal - todas as intervenções da DCICCEF foram validadas por um juiz de instrução criminal e acompanhadas pelo Ministério Público.
Em relação às vigilâncias, tenho o despacho de 24 de Janeiro de 2002, se não me engano, em que se define - e ainda nem sonhava que o Dr. Adelino Salvado iria estar na DCICCEF -, rigorosamente, as regras em relação à matéria das vigilâncias na DCICCEF. Fiz o levantamento de todo esse equipamento, que entreguei, no dia 4 de Julho - e era um grande documento - ao Sr. Director Nacional.
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Sr. Deputado, a esse respeito sou tão intransigente, tão rigorosa, que nem sequer me sinto atingida por qualquer espécie de afirmação. Li, na intervenção que o Sr. Dr. Adelino Salvado fez na 1.ª Comissão alguma preocupação a esse respeito e não percebi. Nunca tínhamos discutido isso, não tinha nada a ver com a minha actividade, sou rigorosa nessa matéria em todas as minhas intervenções e não há juiz algum… O Sr. Dr. Adelino Salvado conhece-me do tribunal, embora eu aceite que não conheça o meu excessivo rigor nessa matéria!…
Como lhe disse, fui presa antes e depois do 25 de Abril, pela PIDE e depois pelo COPCON, sendo que da última vez até com o mandado de captura em branco. Portanto, há coisas que não me atingem! E quando o Sr. Deputado diz isso é o mesmo que não estar a falar comigo...
Mas repare: o Dr. Adelino Salvado referiu a questão das liberdades e garantias na 1.ª Comissão e passado uma semana ou duas sai no semanário O Independente uma notícia sobre a história de eventuais violações em intercepções telefónicas. O que é que isto quer dizer?!… Há aqui qualquer coisa de estranho, mas isto não me diz respeito, como não diz respeito à DCICCEF, porque a DCICCEF debate-se com o problema de combater um crime sem cara - não é como na droga!… -, de combater um crime sem vítima. Nunca há confissões, nunca há testemunhas!… Os meios específicos de prova são essenciais, as intercepções telefónicas são essenciais e, nessa matéria, nenhum investigador arriscava qualquer irregularidade, muito menos qualquer ilegalidade.
Mais: como sabem - e se não sabem podem ficar a saber - há uma obrigatoriedade, que foi definida em despacho pelo Dr. Bonina - não foi pelo Dr. Adelino Salvado - de inserção no sistema integrado de informação criminal de todas as intercepções telefónicas, para controlo em tempo real e para coordenação das operações. E num levantamento feito já pelo Adelino Salvado, em Junho, a DCICCEF e o Departamento do Funchal eram os organismos com apresentavam maior rigor no registo das intercepções telefónicas. Em relação à DCICCEF, a falha era apenas de dois números telefónicos, quando na Directoria de Faro a falha era de quase 100%, mas todos os outros departamentos da Polícia Judiciária tinham grandes défices no registo.
Mas isto é registo, não tem a ver com a legalidade!… A legalidade, aqui, não tem de preocupar-me porque é natural, é espontânea, é uma preocupação como o ar que respiro, Sr. Deputado. E nunca o Dr. Adelino Salvado me colocou essa questão, nem podia, porque há carência de objecto. A DCICCEF nunca cometeu o menor erro! Pode discutir-se, sim, em processos onde houve longas intercepções telefónicas, o grau de conhecimento directo do juiz de instrução criminal, mas o grau de acompanhamento e de conhecimento directo é uma coisa que já surge no quadro processual do desenvolvimento de uma operação controlada judicialmente. Mas isso já tem a ver com interpretações jurisprudenciais.
Se quiserem peçam ao Dr. Adelino Salvado - não sei se ele sabe - um despacho do Dr. Bonina, de Fevereiro ou Março de 2002, onde reitera, mais uma vez, a necessidade de rigor nas intercepções telefónicas. E mais: estabelece um formulário a ser preenchido pelos operacionais, do qual se faz constar que a partir do conhecimento da intercepção telefónica o Sr. Juiz de Instrução Criminal tem acesso directo e imediato ao conteúdo das intercepções telefónicas. E isso foi feito circulando dentro da Polícia Judiciária um acórdão do Tribunal Constitucional, de Junho de 2002, sobre essa matéria, onde se define o princípio do acompanhamento directo do juiz de instrução criminal.
Portanto, as questões do acompanhamento do juiz de instrução criminal e dos actos jurisdicionais de inquérito, nunca, mas mesmo nunca, foram postas em causa na DCICCEF. Nessa matéria a DCICCEF era exemplar. Porquê? Porque as intercepções telefónicas eram demasiado preciosas para se pudessem correr riscos nessa matéria.
A esse respeito, Sr. Deputado, a minha preocupação não podem ser as liberdade e garantias, porque isso é natural, é como o ar que respiro; a minha preocupação é com a impunidade, que é uma coisa muito mais séria, Sr. Deputado. Neste momento, o que preocupa é a impunidade; as liberdades e garantias estão asseguradas, sei-as de cor, não preciso que ninguém me as ensine.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, com a maior serenidade, começo por agradecer à Sr.ª Doutora a oportunidade que nos dá com uma questão prévia.
Acaba V. Ex.ª de afirmar que os direitos fundamentais são para si como o ar que respira.
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Exactamente.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr.ª Doutora, eu não sou procurador mas também sou advogado há já alguns anos, apesar deste meu ar jovem, e tenho para mim que a presunção de inocência de um arguido é um direito verdadeiramente fundamental. V. Ex.ª ponderou, em algum momento, inverter, em matéria de relevância penal, o ónus da prova? Ou seja…
Protestos do PS.
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - É a Lei n.º 5/2002.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Srs. Deputados, eu estou a usar da palavra!… Os Srs. Deputados vão ter tempo para intervir!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço que nos oiçamos em silêncio. Até agora a audição tem corrido bem e portanto, cada um dos Srs. Deputados falará na sua vez e a Sr.ª Doutora responderá na vez dela.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, eu ouvi atentamente, tenho o direito de dizer tudo o que entender e os Srs. Deputados depois comentarão, contraditarão o que quiserem.
Sr.ª Doutora, devo dizer-lhe que, para mim, isso releva muito do entendimento de V. Ex.ª ou do destaque que dá á questão dos direitos fundamentais. Mas também percebo que, por razão de formação profissional, V. Ex.ª é Procuradora Adjunta e portanto tem, naturalmente, a perspectiva do acusador muito vingada; naturalmente que eu, como advogado que já defendeu muitos arguidos em muitos processos-crime, teria de estar, nessa parte, nas antípodas de V. Ex.ª.
De todo o modo, há pouco V. Ex.ª questionou - e devo dizer que o fez num contexto que achei, no mínimo, estranho - se eu não seria uma dessas pessoas. E, aliás, eu chamo o assunto à discussão porque ele ficou registado
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em acta. V. Ex.ª recordar-se-á que eu respondi: "V. Ex.ª, que sabe tudo, saberá também disso."
Sr.ª Doutora, suponho que nós nunca falámos antes. Eu só conhecia V. Ex.ª porque é uma ilustríssima magistrada deste país, mas pelos jornais, se bem que V. Ex.ª também não me conheça, já que sou um Deputado mais ou menos anónimo deste país mas muito pouco dado a insinuações e muito zeloso do meu bom nome.
E porque ficou registado em acta, dito por V. Ex.ª, se eu não seria uma dessas pessoas, gostava que V. Ex.ª, também como questão prévia, precisasse, para registar em acta, a que tipo de pessoas se referia, porque eu gosto de saber em que conta V. Ex.ª me tem, quanto mais não seja porque é o meu bom nome que está em causa, naturalmente. E se em algum momento V. Ex.ª, com essa intervenção, que acredito tenha sido mais emotiva, quis envolver-me com o que quer que seja, gostaria também de sabê-lo, quanto mais não seja para depois usar na minha defesa.
Voltando propriamente a esta matéria, Sr.ª Procuradora, quero relevar que quando falo com V. Ex.ª não falo com uma pessoa qualquer - como acontece, de resto, em relação ao depoente desta manhã -, pois V. Ex.ª foi Directora Adjunta na Polícia Judiciária, V. Ex.ª é uma ilustríssima magistrada do Ministério Público e, portanto, quando valoramos os seus actos e as suas declarações não podemos valorá-los como valoraríamos as declarações de um qualquer cidadão, porque V. Ex.ª está acima de um cidadão médio normal, V. Ex.ª é uma referência em algum ponto de vista.
Por isso, para efeitos de análise desses actos e desses comportamentos, vamos a factos e a documentos, por muito que V. Ex.ª, hoje, não os queira relevar.
Primeiro facto: V. Ex.ª demitiu-se, V. Ex.ª não foi demitida. Pelo fax do dia 27, V. Ex.ª apresentou a sua demissão do cargo a partir dessa altura.
O segundo facto inquestionável, Sr.ª Procuradora, é que, relevando este pedido de demissão, o Director Nacional da PJ deu "por finda, a seu pedido, a comissão de serviço que vinha sendo exercida" - isto também está demonstrado documentalmente.
Dois dias depois, no dia 29, V. Ex.ª confirmou junto do Director Nacional - isto é particularmente importante do meu ponto de vista, Sr.ª Procuradora -, que o pedido de demissão "relaciona-se única e exclusivamente com as questões de estratégia operacional respeitantes à organização da direcção central." À organização, repito, única e exclusivamente. E em organização estamos a falar de organigrama, estamos a falar de estrutura organizativa da direcção central.
V. Ex.ª conhece, até pela sua formação, o valor probatório dos documentos particulares, mas, mesmo assim, chamo aqui à colação o Prof. Antunes Varela, que escreve muito bem sobre a matéria e é muito claro até na relevância dos factos desfavoráveis, como V. Ex.ª sabe. E como sabe também, aqui aplica-se muita matéria processual.
Posteriormente, em 11 de Setembro de 2002, V. Ex.ª , uma vez mais, então em sede de 1.ª Comissão, disse: "os motivos originadores do meu pedido de demissão estão relacionados com questões de estratégia operacional respeitantes à organização da direcção central." Sublinho a expressão "à organização".
Não foi uma única declaração, feita de fugida, que V. Ex.ª proferiu algures, em parte incerta!… Foram declarações feitas na 1.ª Comissão, reiteradas, escritas e confirmadas por V. Ex.ª.
O mesmo afirmou à imprensa, que fez títulos tão sugestivos como Maria José Morgado rejeita politização da sua demissão e, que me conste, nunca vi V. Ex.ª desmentir publicamente estes títulos, embora agora pretendesse que a Ministra da Justiça viesse desmentir outros factos que, supostamente, a imprensa lhe terá imputado. Ou seja, pretendia para a Sr.ª Ministra da Justiça um comportamento diverso daquele que V. Ex.ª teve.
Continuando nessa notícia, nela se lê expressamente: "A Procuradora Adjunta Maria José Morgado, rejeitou ontem a politização da sua demissão da Polícia Judiciária, afirmando que a decisão deriva apenas de divergências técnicas e operacionais com o director Adelino Salvado". Aliás, nem sequer referiu a Ministra da Justiça ou o Ministro Paulo Portas; foi "com o director Adelino Salvado".
Isto leva-me, Sr.ª Procuradora, quanto à razão de fundo - aparte a questão prévia que lhe coloquei -, à primeira questão. É que das duas uma: ou V. Ex.ª, por razão de coerência, atenta inclusivamente a pessoa que é, mantém o que sempre afirmou, ou seja, que a sua saída se deveu a razões respeitantes à organização da direcção central - o que disse e repetiu insistentemente -, ou então V. Ex.ª entra aqui num processo de contradição que, devo dizer-lhe, parece quase que insanável a quem tenta analisar estes factos politicamente, dá o dito por não dito e isso a nós, que somos políticos, legitima uma conclusão - pelo menos a mim legitima, com toda a certeza -, a de que pelas suas declarações anteriores, escritas e reiteradas, efectivamente nunca houve politização alguma na demissão de V. Ex.ª. O que me parece haver já é politização na sua acção, Sr.ª Procuradora, desde que começou a contradizer-se com razões que não são conciliáveis com a sua posição anterior.
Assim, ou não houve politização no passado e V. Ex.ª é coerente com o que sempre afirmou, ou a partir da sua demissão, aí sim, há politização. E havendo politização, Sr.ª Procuradora, isso leva-me a pergunta-lhe se V. Ex.ª, desde que se demitiu, por si ou por interposta pessoa, tem mantido contacto com algum Sr. Deputado, aqui presente ou aqui ausente, sobre a matéria em discussão. E pondere bem nessa resposta, por razões que depois lhe explicarei, Sr.ª Procuradora Adjunta.
V. Ex.ª teve também uma expressão muito curiosa. A dado passo disse que o autor material da demissão de V. Ex.ª foi V. Ex.ª, mas que o autor moral não foi V. Ex.ª.
Sr.ª Procuradora, do decurso das suas longas intervenções nesta comissão verificamos que, em inúmeras ocasiões, o autor moral e o autor material da demissão de V. Ex.ª coincidiram apenas em V. Ex.ª. E dou-lhe como exemplo a dita reunião de 16 de Julho, onde lhe disse que já tinha decidido que iria demitir-se pelas razões que aqui apontou, sendo que depois, aí, não se demitiu. Ou seja, nesse momento o autor moral da demissão de V. Ex.ª foi V. Ex.ª e o autor material que não permitiu a demissão de V. Ex.ª, com a sua argumentação, foi o Director Nacional da PJ. E isso já não relevou V. Ex.ª!… E, também nesta parte, V. Ex.ª não pode ter dois pesos e duas medidas.
O que me leva também à questão do acompanhamento do caso Moderna, Sr.ª Procuradora!… Como estamos no âmbito do direito, sendo eu advogado e conhecendo relativamente bem o Código de Processo Penal, que me conste, esse processo está em fase de julgamento.
Ora, estando na fase de julgamento, o processo já não se encontra sob a dependência do Ministério Público e, assim sendo, não me parece que competisse ao Ministério
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Público determinar o que quer que fosse para efeitos do dito acompanhamento que V. Ex.ª referiu.
Assim, a minha pergunta é muito clara e também não vai admitir, no meu ponto de vista grandes divagações. Queria saber se, no âmbito deste processo, há ou não algum despacho do Procurador Adjunto que nesta fase processual, no que toca ao Ministério Público, tem o processo à sua ordem. Se há algum despacho!…
Uma outra questão, Sr.ª Procuradora, tem que ver com o Sr. Segurança Albuquerque, por quem V. Ex.ª tem consideração, porque, afinal, era seu subordinado. E a pergunta é esta: o Sr. Director Nacional determinou apenas a transferência do Sr. Segurança Albuquerque ou determinou a rotatividade de todos os seguranças da PJ, Sr. Albuquerque incluído? Foi no âmbito dessa decisão que ele também foi transferido?
Parece-me ainda Sr.ª Procuradora, o facto de V. Ex.ª ter criticado muito o Dr. Adelino Salvado por ele ter destacado, no caso do protocolo, agentes que, no entendimento de V. Ex.ª, não teriam perfil para a tarefa. E a pergunta que lhe faço, Sr.ª Procuradora, é esta: afinal, neste âmbito, quem era o director e quem era a directora adjunta, quem era o superior hierárquico e quem era o subordinado, quem determinava e quem põe em pratica as determinações? Simplificando: quem mandava, era o Dr. Adelino Salvado ou era V. Ex.ª?
Portanto, mesmo que com razões de discordância, o Dr. Adelino Salvado não tinha toda a legitimidade para decidir como muito bem decidiu?
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, pedia-lhe que fosse breve.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, eu vou ser muito breve, só que, como convirá, as exposições foram muito longas, eu não quero, depois, usar do direito de réplica e, como está a ver, eu sou preciso e cirúrgico nas questões que coloco, que são todas muito objectivas.
A Sr.ª Dr.ª está a pôr agora em causa - agora, só agora - a idoneidade de um magistrado como o Sr. Dr. Adelino Salvado, que, julgo eu, todos nós temos como reputadíssimo, cujo passado também fala por si e que pela defesa das liberdades de todos os portugueses também já teve a própria vida em risco, como é de todos conhecido?
V. Ex.ª veio hoje, aqui, atacar insistentemente o Dr. Salvado e eu, Sr.ª Dr.ª, de todo o modo, também aqui me reporto aos documentos. Ora, eu leio a dita missiva de V. Ex.ª do dia 29 de Agosto de 2002, em que confirma tudo aquilo que já tinha decidido antes e o que V. Ex.ª nela escreve relativamente ao Dr. Adelino Salvado é que lhe manifesta prova da consideração pessoal e profissional e prova do respeito.
Então V. Ex.ª, no dia 29 de Agosto, tem pelo Dr. Salvado o maior apreço, a maior consideração, pessoal e profissional, e passados dois meses ele já é a pessoa mais incompetente do mundo, profissionalmente já não releva nada?!… Eu pergunto-me o que é que vamos esperar de V. Ex.ª, no que toca a afirmações públicas, daqui a mais dois meses!… Porventura o Dr. Adelino Salvado já será outra vez o melhor do mundo, pelo menos a avaliar pelo grande desempenho que a Polícia Judiciária tem tido nos últimos tempos, sem prejuízo do desempenho que V. Ex.ª nela em tempos teve, igualmente muito meritório.
Outra questão, Sr. Presidente e Sr.ª Procuradora: V. Ex.ª referiu que, numa conversa de telemóvel, o Dr. Adelino Salvado lhe disse que a Sr.ª Ministra não a queria na sua equipa. Parece que ele não confirma esta afirmação - pelo menos à 1.ª Comissão não o confirmou - o que nos leva a mais um problema insanável.
No entanto, Sr.ª Procuradora, aquilo que me interessa - e vamos aos tais depoimentos indirectos que V. Ex.ª referiu - é, muito concretamente, saber se V. Ex.ª alguma vez o ouviu da Ministra ou se V. Ex.ª pode provar aqui que a Ministra o disse. E quero também, naturalmente, lembrar-lhe o que manda o Código de Processo Penal quanto aos depoimentos indirectos e quanto aos documentos, quando diz que - como sabe o Código de Processo Penal tem aplicação subsidiária nesta Comissão - a testemunha é inquirida sobre factos de que possua conhecimento directo; quanto ao depoimento indirecto, se o depoimento é resultado do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, o juiz pode chamar essas a depor. O que nos leva à dita contradição!… É que chamado o Dr. Salvado…
Protestos do PS e do PCP.
Srs. Deputados, posso falar?
Protestos do PS e do PCP.
Aparte inaudível por não ter sido feito para o microfone.
Sr. Deputado, há um respeito que eu concedo a V. Ex.ª mas que V. Ex.ª não me concede!… Mas verá, quando usar da palavra, que o ouvi com toda a atenção.
Apartes inaudíveis de vários Deputados e da Dr.ª Maria José Morgado.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe que continue e que termine.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Eu tento, Sr. Presidente, e gostava que a Sr.ª Procuradora e os Srs. Deputados me ouvissem.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Sr.ª Procuradora está a ouvir.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - É que eu estou a falar de coisas muito sérias, Sr. Presidente!… E em causa está o bom nome de muita gente!
No caso concreto das imputações que a Sr.ª Procuradora aqui fez à Sr.ª Ministra da Justiça, a única pessoa que referiu como tendo transmitido factos a V. Ex.ª foi o Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária. Foram duas conversas com o Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária, o que significa que, chamada esta pessoa que a Sr.ª Procuradora trouxe à colação, há um depoimento que não o confirma, o que nos leva à total vacuidade, usando uma expressão que é querida a muita gente, daquilo que V. Ex.ª diz.
Agora, V. Ex.ª já disse aqui - e já o disse também noutros sítios - que nunca falou com a Sr.ª Ministra Justiça e o que eu lhe pergunto é se alguma vez falou com outros ministros, nomeadamente com o Sr. Ministro António Costa. Com a Sr.ª Ministra da Justiça V. Ex.ª já nos esclareceu que não falou e o que eu quero que nos esclareça é se alguma vez falou com o Sr. Ministro António Costa.
Passando à questão da Brisa, V. Ex.ª referiu esse caso como de grande sucesso e eu devo dizer-lhe que, de facto, foi mediático e importante.
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Agora, neste caso, gostava de colocar a seguinte questão a V. Ex.ª : houve ou não ao nível dos factos, no caso da Brisa, intervenção dos portageiros nos Carvalhos, mais a norte? Foram ou não, alguma vez, esses portageiros constituídos arguidos? Houve ou não algum contacto na fase investigatória, com o homólogo de V. Ex.ª lá mais a norte, um dos tais em que o juiz não podia vir para aqui porque, não sendo do sul, isso seria quase razão de curriculum? Caso não tenha havido, V. Ex.ª não entende que com esse procedimento a investigação possa ter saído prejudicada?
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Não tenha dúvidas!
Posso responder?
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Depois V. Ex.ª explicará.
Sr.ª Procuradora - e esta é outra questão - V. Ex.ª disse aqui que criou isto, que criou aquilo, que criou aqueloutro e eu pergunto: criou V. Ex.ª ou criou a Direcção Nacional da Polícia Judiciária, de que V. Ex.ª também fazia parte? V. Ex.ª podia, de motu proprio, alterar no organigrama a estrutura da Polícia Judiciária, ou para isso tinha também de ter a autorização e o assentimento dos seus superiores hierárquicos? Se tinha, por que razão V. Ex.ª diz "criei isto, criei aquilo, criei aqueloutro" e não teve pelo menos a humildade - eu sei que V. Ex.ª terá e, portanto, fê-lo certamente por distracção - de compartilhar esses méritos, como, de resto, os deméritos, com todos os que faziam parte da equipa.
Quero crer que a Polícia Judiciária não era apenas V. Ex.ª e que acima de V. Ex.ª havia, certamente, mais pessoas que tinham de sancionar o respectivo comportamento. Ou, de outra forma, seria tão legítimo dizer que V. Ex.ª criou isto - e lembro, por exemplo, que há pouco apontou o caso do subordinado de V. Ex.ª que lhe sugeriu e V. Ex.ª criou - como dizer que o superior hierárquico, a sugestão de V. Ex.ª, também criou. Desse ponto de vista, afinal quem tinha criado era o superior hierárquico e não V. Ex.ª!
Por outro lado, V. Ex.ª trouxe à discussão detenções que ocorreram hoje como sendo fruto do trabalho de V. Ex.ª e eu pergunto-lhe por que é que em numerosas declarações públicas que V. Ex.ª fez em relação a outras detenções que ocorreram ao tempo em que desempenhava funções na PJ, não referiu o trabalho dos outros, que justificaram essas detenções.
De resto, citou o caso do Dr. Vale e Azevedo, que é exemplar na justiça portuguesa, mas também, Sr.ª Procuradora, deixe que lhe diga: V. Ex.ª, com a entrevista que deu, e que eu ouvi, à data da detenção, no momento, quando se encontrava lá, no tribunal, quase que criou em toda a população a convicção que foi V. Ex.ª que determinou a detenção, que fez e aconteceu. E eu pergunto-lhe: foi V. Ex.ª que o fez? Afinal, quem determinou a detenção? Foi V. Ex.ª?
Estas perguntas não têm o que quer que seja de excipiente em relação a V. Ex.ª , porque em relação a V. Ex.ª, como profissional, só posso relevar pela positiva. Agora o que gostava de assinalar também que o facto de ter um desempenho altamente meritório não significa que outras pessoas também não tenham tido, não apenas na cadeia hierárquica abaixo de V. Ex.ª, mas também acima.
V. Ex.ª, inclusivamente na comunicação e aqui, destaca sempre os agentes, os agentes, os agentes, como se acima de V. Ex.ª não houvesse mais ninguém e como se só V. Ex.ª mandasse, como se só V. Ex.ª fosse a responsável por tudo, quando me parece que o aconteceu foi um trabalho de equipa em que V. Ex.ª teve muito mérito, mas que também tem de ser partilhado com quem estava acima de si e, desde logo, em alguma parte do processo pelo Dr. Adelino Salvado, superior hierárquico de V. Ex.ª.
Não quero ser ofensivo - e sei que não o vou ser - mas, da mesma maneira que V. Ex.ª fez apreciações subjectivas ao nível do comportamento de várias pessoas, desde logo do Director Nacional, da Ministra, etc., devo dizer que quase tenho a sensação de que a grande razão da mágoa de V. Ex.ª é nunca ter sido convidada para directora nacional da Polícia Judiciária. Mas se foi, ou se é isto, não perca a esperança, Sr.ª Procuradora, porque ainda resta muito a tempo, pois V. Ex.ª é muito competente, é muito nova, e quem sabe não o será um dia.
Termino apelando à coerência de V. Ex.ª, relembrando documentos que hoje não são apenas meros documentos, pois têm um valor probatório muito claro, sendo particularmente esclarecedores.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Morgado.
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Vai ser manifestamente impossível responder a todas as questões, não tenho capacidade nem tempo para o efeito. Mas, agradeço as suas simpáticas e amáveis palavras.
Começando pelos direitos fundamentais, todos nós que trabalhamos na investigação criminal sabemos que há uma tensão permanente no processo crime, por um lado, em relação à eficácia, e por outro quanto aos direitos fundamentais. Esta tensão tem que ser resolvida, momento a momento, de acordo com as necessidades de efectividade e actualidade da repressão e com os bens jurídicos a tutelar.
Quando está em causa criminalidade altamente lesiva, crime altamente organizado, é evidente que o grau de compressão dos direitos fundamentais é maior através dos meios específicos de prova. Mas tudo isto está previsto legalmente, é uma questão de ponderação de interesses, de bom senso e de se proceder caso a caso. Sempre dei a atenção a isso - o último recurso que fiz na Boa Hora foi em defesa dos interesses da defesa propriamente dita, pelo que isto a mim não me faz impressão nenhuma.
Tem é que haver sempre a ponderação dos bens e quando temos uma criminalidade velada, indirecta, poderosa, que faz lucros fabulosos, que em 3 minutos transfere - ou em 3 segundos, através das novas tecnologias e da Internet - o dinheiro para paraísos fiscais, é evidente que o grau de compressão de direitos tem de ser maior. Mas isto está tudo previsto e a opção é se vamos combater o crime, com eficácia, com efectividade, com actualidade, ou se vamos permitir a impunidade.
Portanto, não deve haver qualquer preconceito nessa matéria. Deve saber-se construir o caso e ver caso a caso quais são os interesses a tutelar.
Se o Sr. Deputado era uma dessas pessoas… Não estou a pôr em causa o seu bom nome, porque o Sr. Deputado tem um óptimo nome. Quando referi que me tinham dito que havia pessoas do poder político que tinham pavor e pânico de mim e o Sr. Deputado começou a agitar-se, perguntei-lhe se era um desses, aqui, cara a cara. Se não é, não é; se é, também é - não tem problema nenhum. Não vale a pena estar… Aplique, de facto, a sua capacidade de análise noutros assuntos, porque este é apenas isto. Se também é uma dessas pessoas… Provavelmente não é, nem há razão para isso…
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Ainda quanto à questão dos direitos fundamentais e à inversão do ónus da prova, a Lei n.º 5/2002 prevê a inversão do ónus da prova em caso de condenação pelos crimes de catálogo nela previstos e para património adquirido nos últimos cinco anos que não seja produto do crime da condenação, mas que não tenha proveniência lícita. O arguido terá de provar a proveniência lícita.
A presidência dinamarquesa da União Europeia até propõe - é uma proposta de directiva, que se calhar também vai ter que ser aprovada pelo Governo português e aplicada no nosso quadro legal - a declaração de perda de bens de cônjuge ou de bens que sejam transmitidos a sociedades utilizadas como "testa de ferro" e que não estejam ligados à condenação do crime propriamente dito, mas à actividade criminosa da pessoa nos últimos cinco anos. E propõe um leque de crimes muito mais vasto do que aquele que está previsto na Lei n.º 5/2000.
Portanto, não são originalidade minhas nem ataques aos human rights, são matérias que se discutem hoje na Europa por causa da agressividade do crime internacional organizado e do perigo que ele representa para os orçamentos da Comunidade, para o Estado português, para a democracia e para a estabilidade económica e política.
Quanto à coerência, podemos ficar a saber as cartas de cor (isto até já aparece o processo do Melancia, com tanto fax e tantas cartas…), mas não há qualquer incoerência nem contradição. Estive muito relutante, não ia contar na praça pública estes pormenores, que penso serem desprestigiantes para quem actua de forma tão caprichosa - a discricionariedade tem que ser fundada.
O Dr. Adelino Salvado não teve qualquer conversa séria comigo, esperou que eu fosse de férias e, às 10 da manhã - um bocado depois das 10 horas, para não dizerem que entrei em contradição quanto às horas -, telefonou-me, propondo-me que eu pedisse a cessação da comissão. Toda a evolução dos acontecimentos mostra que ele um homem preparado para o efeito, que não foi apanhado de surpresa. Tinha uma pessoa escolhida que tomou posse segunda-feira, quando a demissão é aceite na quinta-feira, tinha o projecto de protocolo, tinha a alteração da lei orgânica, o plano financeiro da Polícia Judiciária e tinha todas estas operações para escorarem a minha saída, dizendo: "Não digam agora que eu não combato o colarinho branco". Portanto, ele achou que era o momento ideal para se desfazer de mim.
Não tinha intenções políticas, não tenho projectos político-partidários. Se tivesse, estava na política há muito tempo, como estava o meu companheiro de partido na altura, José Manuel Durão Barroso, e como está o José Lamego, legitimamente. Mas, naquele tempo cada um seguiu o seu caminho. Acreditei num determinado projecto, e quando vim para o Ministério Público, o que tem tantos anos quantos tem a minha filha hoje, foi por abandono de um projecto político-partidário. Não é que eu pense ilegítimo que as pessoas tenham uma militância político-partidária, eu é que não tenho.
Quando o Dr. Adelino Salvado me empurra para fora da Polícia e aparece toda esta confabulação à volta do meu nome, senti necessidade de marcar o meu terreno de magistrada. Está a perceber, Sr. Deputado? Não ia explicar ao Público, ao Expresso, ao 24 Horas, ao Correio da Manhã, ao Independente, ao que quer que fosse, que o Sr. Director Nacional me tinha telefonado às 10 da manhã a pedir para eu me demitir, porque isso ia desprestigiar o Sr. Director nacional. E eu ainda o via com os olhos de magistrados, porque nos conhecemos no tribunal.
Os magistrados têm um nome, têm uma cotação, os nomes dos magistrados têm uma cotação, como na bolsa e o nome do Sr. Desembargador tinha uma cotação, como o meu. Levei muito tempo a compreender isto. Mas, atenção!, não há aqui qualquer incoerência. Enquanto não compreendi o fenómeno, optei, prudentemente, repito, prudentemente, seriamente, com respeito pelo Dr. Adelino Salvado, sem uma palavra que lhe é cara, que é o "envinagramento", por esta solução.
Quando escrevi a carta no dia 29, dois depois de me ter empurrado para fora da Polícia, tinha os operacionais todos da Alexandre Herculano a chorarem, desde os segurança, passando pelos inspectores, aos coordenadores. Não havia ninguém que consegui-se despedir-se de mim sem chorar! Eu não sabia o que é que ia acontecer àqueles homens e senti necessidade de escrever aquela carta.
Mais: quis ir à Gomes Freire entregar o crachá da Polícia ao Dr. Adelino Salvado, que não me recebeu. Isto é um comportamento caprichoso, não fundado, que não compreendo, não tenho instrumentos para compreender! O Dr. Adelino Salvado disse-me: "Não me massacre". E, portanto, é justo para o Dr. Adelino Salvado que eu diga isto nesta Comissão.
Os Srs. Deputados têm que saber se querem a verdade material - a verdade formal está nas cartas, a verdade material está naquilo que eu digo, mas a verdade é inconfundível, ainda que processualmente inválida, e toda a evolução dos acontecimentos mostra que eu fui empurrada. Simplesmente eu tinha um compromisso e disse-lhe: "Sim, eu peço para sair". E assumi-o publicamente, assumi publicamente a bem da Polícia Judiciária, a bem do Sr. Director Nacional, porque considerei que era preponderante o interesse da Direcção Nacional da Polícia Judiciária.
Mas, depois disso, compreendi muita coisa, que também não podia compreender na altura. Como já expliquei, há um autor moral e há um autor material - depois, o Sr. Doutor pode brincar à vontade com as autorias materiais e morais ao longo do processo que expliquei. Simplesmente, naquele dia 27 houve um autor moral e um autor material. Não rejeito as responsabilidade de autora material. Pedi a demissão, podia ter escolhido outro caminho, podia ter dito: "Não, demita-me, demita-me". Mas tenho orgulho, optei por pedir eu a demissão.
Não digo que não pedi a demissão, mas não posso dizer que pedi a demissão porque tivemos grandes discussões, porque o Dr. Adelino Salvado não concordava com a minha estratégia, porque discutimos isto, aquilo e aqueloutro. Não discutimos absolutamente nada! Não discutimos sequer aquilo que estamos a discutir aqui, e daí a expressão "história sem história".
A única coisa foi: "Isto vai mudar tudo, já sei que a senhora não concorda, portanto, como personalidade de prestígio, peça a cessação da comissão". E eu, sem escolha, sem qualquer hipótese de escolha, fui metida neste processo irreversível em que fui lançada para a fogueira, fui transformada em dinamite política, por iniciativa do Sr. Director Nacional! Não foi por minha iniciativa! A minha única iniciativa era ser fanática no combate ao crime económico organizado, nele incluindo o branqueamento e a corrupção. Porventura, era o meu único fanatismo. Era a única coisa que eu via naquele momento.
O Sr. Director Nacional estava a falar com uma pessoa esgotada de não dormir e de quase não comer. Desde o dia 24 de Novembro de 2002 que eu não parava, e não porque fosse eu a executar as coisas, mas porque tinha que
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estudar, dinamizar, utilizar os conhecimentos que me eram dados pela investigação para reestruturar a DCICCEF que estava necessitada disso, porque encontrei uma direcção central traumatizada pela investigação do caso Moderna.
Sei reconhecer o valor e a obra dos meus antecessores. Mas, Sr. Deputado, o que eu fiz na primeira comissão foi obra dos investigadores, não foi obra minha. Limitei-me a liderar, a coordenar determinadas investigações, a tirar conclusões e a conceber planos e modelos de investigação.
Em relação ao caso da Brigada de Trânsito, fui abordada pelo Inspector Chefe de Setúbal, em Fevereiro de 2001, que me mostrou elementos da investigação de Setúbal do Cabo Machado, que eram uma lista de nomes de pessoas da BT que recebiam regularmente cheques junto de empresas. Olhei para aquilo e disse ao Inspector Chefe: "Tem de se fazer qualquer coisa, nós não temos meios, mas isto fica comigo e esteja convencido de que não cai em 'saco roto'".
Pedi ao Dr. Bonina (estou a falar para cima) a constituição de uma brigada, que era chamada a "brigada maravilha", da qual faziam parte três pessoas, e que fez um trabalho notável de recolha de informação na estrada, através de meios, de equipamento de vigilância electrónica, todos autorizados pelo juiz de instrução criminal de Setúbal, tendo sido constituídas 23 empresas como colaboradoras.
E tudo o que hoje se traduz em detenção, significa trabalho de recolha de prova e de informação de três inspectores, que quase não comiam nem dormiam para fazer isso e o modelo, concebi-o eu. E o Inspector Chefe Baião sabe isso, o Inspector Uni e a Inspectora Anabela sabem isso, porque eu disse-lhes: Isto é intolerável! Tem de fazer-se uma operação com impacto e com divulgação pública, que ponha termo ao escândalo da corrupção na BT! E a operação tem de ter: lista de detenções, pelo menos, 30 ou 40 pessoas detidas, que são os cabecilhas; verificação dos sinais exteriores de riqueza; dos meios de enriquecimento ilegítimos e definição do modus operandi.
Hoje temos uma investigação com três inspectores, que é neste momento a investigação mais cara que a Polícia Judiciária jamais teve. É cara, não vou dizer porquê, mas é uma investigação cara em termos de meios de equipamento, por exemplo, e do que se gastou para se conseguir definir os modus operandi.
Aqui entra um elemento, que são as ideias, as concepções e o apoio que dei à investigação, a concepção que fiz da operação - porque, de facto, foi a primeira operação que concebi, desde que entrei para a Polícia Judiciária, isso é uma verdade -, e o apoio que obtive do Dr. Bonina para o efeito.
Quanto à politização, não é o meu "calcanhar de Aquiles"! Como já referi, houve um tempo em que todos andámos na política. Cada um seguiu o seu caminho, e eu segui o do Ministério Público, é aqui que quero estar. Não sou um "caso Negrão". Não sou, nem nunca serei! O tempo o dirá!
E como não tenho objectivos político-partidários, escrevi as cartas que escrevi. Se os tivesse, não as tinha escrito. Há também a ingenuidade e a neutralidade própria dos magistrados e há uma vontade muito grande de defender os operacionais. Eu não sabia o que lhes ia acontecer. Aquilo era uma Direcção a funcionar tipo roleta, não se sabia nunca o que é que ia acontecer no dia seguinte.
A propósito da política, devo dizer que não percebi as perguntas do Sr. Deputado. Não percebi! As perguntas não têm inteligibilidade. Mas não contactei ninguém desta Comissão! Não sei o que é que o Sr. Deputado quer dizer!
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Se desde que se demitiu manteve alguma conversa…
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Desde que me demiti, não! Não!
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Não é se foi contactada ou se contactou. O que estou a perguntar é se, desde que se demitiu, manteve alguma conversa, por si ou por interposta pessoa, com algum Sr. Deputado aqui presente ou ausente?
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Bom, parece que estou a ser constituída arguida desta Comissão de inquérito e os arguidos têm direito ao silêncio!
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Não acha que no caso da Brisa, poderia haver uma maior articulação, nomeadamente com a Directoria do Porto?
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Olhe, Sr. Deputado, há amizades…, mas não houve qualquer contacto, nem por mim nem por interposta pessoa. Aliás, não se está a referir-se ao meu marido. O meu marido tem amizades na política, mas também é um homem que se vê completamente desinteressado de qualquer carreira político-partidária, porque senão não fazia o que faz! Portanto, é um homem sem partido, e fala com quem calha e com quem lhe apetece! E eu também falo com quem calha e com quem me apetece!
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - E com o Dr. António Costa?
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Com o Dr. António Costa?!… Com certeza que falei com o Dr. António Costa, no dia da minha tomada de posse.
Tive também várias reuniões com o Dr. António Costa, no âmbito do pacote da legislação económico-financeira. E sabe quem esteve também nessas reuniões, Sr. Deputado? O Sr. Procurador-Geral Souto Moura, a Dr.ª Cândida Almeida, a Dr.ª Teresa Almeida, a Dr.ª Cláudia Santos, o Dr. Rocha Andrade, o Dr. Bonina, o Dr. António Costa e eu. Houve, portanto, várias reuniões nessa matéria! E tive também reuniões com o Dr. Rocha Andrade, sobre a matéria da prevenção do euro.
Aliás, não sei se o Sr. Deputado sabe que a DCICCEF e a Polícia Judiciária é a entidade nacional competente para a centralização da informação em matéria de contrafacção de moeda.
Portanto, de facto, tive essas reuniões. Também tive encontros com o Dr. António Costa na Rua Alexandre Herculano, n.º 42-A, sede da DCICCEF, numa visita que o Dr. António Costa fez à DCICCEF, conforme fez à DCITE, à DCCB e a outros departamentos da Polícia Judiciária. Nessa visita, foi acompanhado pelo Dr. Bonina, falou com todos os investigadores, de todas as secções de investigação criminal, e almoçou na cantina no 7.º andar da DCICCEF.
Mais: deixe-me também dizer-lhe que gosto muito do Dr. António Costa como pessoa, e gostei muito dele como Ministro da Justiça. As Leis n.os 5/2002 e 10/2002, a Lei dos Encobertos, a Lei que aumentou os poderes processuais da Polícia Judiciária, a lei da quebra do sigilo bancário foi feita com um levantamento dos obstáculos à produção de prova em matéria de acesso à documentação bancária, junto dos investigadores e junto da banca. E deu
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um bom resultado! E deu uma boa lei! Isso é um bom método. Se alguém agora fizer o mesmo, ficarei a admirar esse método.
Digo-lhe mais: o Dr. António Costa era um Ministro da Justiça muito, muito estimado na Polícia Judiciária. Era 100% estimado na Polícia Judiciária! Porquê? Porque era uma pessoa que conhecia os problemas da Polícia, visitava a Polícia, ouvia Polícia, fez reuniões com a Polícia e percebia-se que ele percebia quais eram os problemas da Polícia.
Porque a Polícia, Sr. Deputado, tem problemas sérios e graves, que não são propriamente só as questões de telemóveis e de carros. Há problemas muito, muito mais sérios e muito delicados.
Portanto, falei, sim, com o Dr. António Costa. Aliás, se quer que lhe diga, eu conheço o Dr. António Costa há muitos, muitos anos. Nem sei desde quando! Porque eu não nasci quando fui para a Rua Alexandre Herculano; tive actividade política, antes e depois do 25 de Abril, e sempre tive actividade pública, portanto falo com quem entendo. Quanto ao Dr. António Costa, conheço-o de há muitos anos, nem lhe sei dizer desde quando.
Agora, no exercício das minhas funções, enquanto estive à frente da DCICCEF, fiz todas essas reuniões na presença do Sr. Procurador-Geral, da Dr.ª Cândida Almeida, do Dr. Bonina e dos assessores do Dr. António Costa.
Já agora, digo-lhe que estou a ver que o Sr. Deputado tem boas informações dentro da Polícia Judiciária, nomeadamente da Directoria do Porto. Parabéns!
Mas digo-lhe também que para haver efectividade e actualidade, os processos não podem ser monstros, porque senão acontece como no processo da UGT. Portanto, o processo da Brisa está bem assim, e há-de dar um bom julgamento assim!
Eu (e voltamos à 1.ª pessoa) levei para a Polícia a experiência que tinha nos tribunais, que é aproximar a data da consumação do crime, da data da acusação e da data do julgamento, para tornar efectiva a repressão, para dar efectividade, actualidade e impacto junto das pessoas e para educar as pessoas nestes valores.
Mas para isso os processos não podem ser monstros. Já nos deparamos com suficientes dificuldades no crime económico, por isso não vale a pena estar a torná-las em dificuldades maiores. Vejam o que é que aconteceu no processo Bayer/Pequito, ou no processo Fundo Social Europeu, ou no processo UGT!
Os megaprocessos anestesiam a justiça, porque tornam impossível um julgamento eficaz!
Repare que no processo Vale e Azevedo há trânsito em julgado. Ora, ele foi preso no dia 16 de Fevereiro, e o trânsito em julgado ocorreu agora, portanto faça as contas e compare com os outros casos!
Por conseguinte, trata-se de uma questão de métodos, não é uma questão de pessoas. Mas é claro que os métodos não nascem nos computadores, directamente. Têm de ser as pessoas a pensá-los, a reflectir e a analisar.
E há algo que é importantíssimo na Polícia Judiciária: o que se faz, faz-se com 80% de factor humano e 20% de factor técnico. E o Dr. Adelino Salvado subestima o factor humano! Para ele, as pessoas são fusíveis. Não tem princípios humanistas na Direcção, porque senão não fazia o que fez em relação à minha Direcção, sequer. Eu tenho princípios humanistas! Sempre tive! Era acusada pelo Dr. Adelino Salvado de exagerar no apoio à investigação criminal.
Os Srs. Deputados vejam quantas vezes eu apareci publicamente? Dei duas entrevistas, e todas as conferências de imprensa eram dadas pelos operacionais, porque sempre fui defensora da investigação suada, da pessoa com olhos encarnados que acabou de fazer a operação, porque é essa que sabe o que quer transmitir à opinião pública. O Dr. Adelino Salvado é defensor da informação padronizada.
Aliás, quando o Dr. Adelino Salvado tinha acabado de tomar posse e eu lhe propus um agraciamento público a todos os investigadores do caso Brisa e do caso das Finanças, o Dr. Adelino Salvado, por escrito, respondeu-me que não concordava com esse agraciamento público, porque era contrário à cultura organizacional da PJ - DCICCEF.
Portanto, dois pesos e duas medidas não sou eu que tenho!
Sempre falei da dinâmica dos investigadores e do que aprendi com os investigadores. E se alguma crítica faço ao Dr. Adelino Salvado é precisamente a de não dar importância ao manancial de experiência dos investigadores e não se apoiar suficientemente nos investigadores - pelo menos nos investigadores que tinham experiência e treino no crime económico.
Não há aqui um problema de pessoas! Sabe o que é que me disse um colega Procurador-Geral Adjunto quando fui para a Polícia Judiciária? Que eu ia desempenhar uma função abaixo da minha categoria funcional administrativa no Estatuto. Porque, enquanto Procuradora-Geral Adjunta, só reporto ao Procurador-Geral, e como Directora Nacional Adjunta, reporto a um Director Nacional, que por sua vez reporta à Ministra. Mas isto não me fazia impressão nenhuma, porque a minha convicção e era fazer alguma coisa para combater a corrupção!
Toda a restruturação da PJ/DCICCEF, que se pode ver no relatório anual, foi uma restruturação feita com base nos ensinamentos trazidos da experiência dos investigadores, ensinamentos nacionais e internacionais, inclusive e, com certeza, com o apoio do Dr. Bonina e com o apoio para cima do Dr. Bonina e do Dr. António Costa.
Da parte do Sr. Director Nacional actual, os apoios que tive foi um isolamento crescente, conforme numerosos exemplos que podia dar. Da parte da actual Sr.ª Ministra da Justiça também não tenho conhecimento de qualquer apoio.
Como o Sr. Deputado me perguntou se eu alguma vez falei com ela, posso dizer-lhe que não falei, nem vou falar, nem faz sentido que fale, porque a minha inserção no sistema era operacional, e como tal só podia ter uma interpretação operacional de todas estas matérias.
O trabalho em equipa na PJ/DCICCEF sempre existiu, e não foi um trabalho de equipa só no n.º 42-A da Alexandre Herculano, foi um trabalho em equipa com a Inspecção-Geral de Saúde, com a Inspecção-Geral de Finanças, com a Banca, com a CMVM, com polícia, com congéneres estrangeiras.
Inclusivamente, se os Srs. Deputados quiserem, está aqui uma comunicação da Embaixada Britânica/Law Enforcement, uma carta datada de 28 de Agosto de 2002, que foi enviada para a DCICCEF pelo oficial de ligação para os assuntos fiscais da Embaixada Britânica e que diz o seguinte: "Cara Dr.ª Maria José, não podemos deixar passar esta oportunidade de lhe agradecer toda a valiosa colaboração prestada pela DCICCEF a este Gabinete nos últimos anos. Sempre pudemos contar com o vosso apoio, o que tornou possível a obtenção de bons resultados quando trabalhámos em conjunto. E estamos certos que isso se deveu em grande parte ao seu trabalho na chefia dessa Direcção Central".
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O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Isso não está em causa!
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Parece que está em causa. Porque, não sei se os Srs. Deputados querem coisas acéfalas, mas há uma coisa na minha visibilidade. Eu assumi a responsabilidade na condução das investigações e assumi riscos! Hoje, quando vou na rua, sou conhecida, e isso é um risco. Isso não me preocupa! Tenho uma ética de responsabilidade. Sempre a tive! No Tribunal assumia riscos, na Polícia assumi riscos, aqui assumo riscos em dizer o que digo! E atenção Sr. Deputado, preocupações político-partidárias, não as tenho! Não tenho vocação para isso! Não estão no meu horizonte! As suas perguntas não me impressionam!
Mas, a respeito de liberdades e garantias, há uma coisa que gostava de referir, que é o seguinte: eu tinha um telemóvel na Polícia, com um determinado número que não sei qual é mas o Sr. Director Nacional há-de saber (é uma questão de pedir esse número aos serviços) e, até há poucos dias (e não sei se hoje, esqueci-me de verificar), o cartão desse telemóvel estava activado. Quem ligasse para aquele número era atendido com a mensagem: "De momento não posso atender, deixe a sua mensagem".
Ora, uma pessoa que tem uma preocupação tão obsessiva com as liberdades e garantias, que presencia um pedido de demissão nessas circunstâncias, poderia, porventura, ter tido o cuidado de dizer aos serviços: "Onde está o telemóvel dessa senhora? Desliguem-no!". Já foi desligado?" Também não sei por que razão isso acontece. É evidente que quem quiser ligar para esse telemóvel fica lá a mensagem. Não sei se neste momento, a esta hora, há alguém da polícia a fazer a lista das mensagens para aquele número. Isso acontece e não estou minimamente preocupada, mas provavelmente, se fossem ligar para lá agora - perguntem à polícia o número - esse cartão ainda está activado, não obstante os problemas de verbas. Sempre é uma assinatura que está a ser paga!… Penso eu, não sei. Não percebo! Pode, até, ser esquecimento pura e simplesmente, mas são esquecimentos… Enfim, podem não ter grande importância, mas quando se quer "ver à lupa" a questão das liberdades e garantias e do bom nome, até se podem referir coisas destas.
Não sei o que o Sr. Deputado quer que diga mais sobre este assunto.
Quanto à questão das hierarquias, nunca fui anarquista, Aliás, essa carta do dia 29 só mostra a minha fidelidade e a minha lealdade a um Director Nacional. É um comportamento disciplinado. Sempre fui uma pessoa de disciplina férrea e levei algum tempo a perceber todo o cenário.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Até hoje!
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Até hoje, Sr. Deputado.
Eu não tive a iniciativa do pedido de demissão. Pedi a demissão a pedido. Tive muita relutância em contar isto publicamente e jamais o contarei publicamente. Conto nesta Comissão…
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Não esteja a ser ingénua, porque logo à noite já se sabe tudo nas televisões!
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - O Sr. Deputado é que sabe! O Sr. Deputado é que sabe o grau e o nível de respeito que quer escolher para esta Comissão em termos de verdade material. Comecei por dignificar a minha posição aqui. Eu quero a verdade material. Se os Sr. Deputados não querem a verdade material, se querem a verdade formal, ou a verdade parlamentar, ou a verdade da maioria, ou a verdade das cartas, não me diz respeito. Estou acima disso, é-me rigorosamente indiferente. O meu coração não bate nem mais uma vez, as minhas pulsações não aumentam nem mais uma… É como olhar para o fundo de uma piscina. Estamos sempre na mesma e sempre a ver a mesma coisa.
Isso não modifica o telefonema do Dr. Adelino Salvado, o pedido que ele me fez para que me demitisse, a forma caprichosa, arbitrária, infundada, inesperada, surpreendente, não transparente como tudo isto decorreu e como se vê pela evolução dos acontecimentos. Quem não tinha intenções políticas era eu. Não tinha, não tenho nem nunca terei, porque se tivesse, garanto-lhe que o meu comportamento não era este, Sr. Deputado. É por não ter intenções políticas que falo com quem me apetece, com quem gosto, porque julgo que ainda vivemos num país livre.
O Sr. Presidente: - Antes de mais, quero reiterar, nomeadamente à Dr.ª Maria José Morgado, que se cinja às questões que estão aqui na mesa e que não tome como pessoais e evidentes as perguntas que lhe são colocadas - o objecto desta Comissão é muito claro -, caso contrário acabamos por ficar aqui indefinidamente com uma hora de pergunta/resposta para cada Sr. Deputado. Tenho mais oito Deputados inscritos e, portanto, podem ver o horizonte que nos espera.
Peço ao Dr. Nuno Teixeira de Melo, que tem direito a fazer uma réplica, que seja muito sintético, para depois poder dar a palavra ao Sr. Deputado António Filipe.
Tem a palavra, Sr. Deputado Nuno Melo.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, gostaria de registar, telegraficamente, mais uma contradição da Sr.ª Procuradora, porquanto, lendo um parágrafo da acta da audição da Sr.ª Procuradora, do dia 11 de Setembro de 2002, dizia a Sr.ª Procuradora "Quanto aos contactos com a Sr.ª Ministra da Justiça, é evidente que não tenho categoria nem estatuto para ter contacto com Ministros. Nunca tive. Aquilo que eu disse é o que está escrito, é aquilo que posso dizer." Portanto nunca teve contactos com Ministros! Ao que parece teve e vários…
Bom, à parte esta nota que fica para registar, gostaria de pedir à Sr.ª Procuradora que precise aquilo que não precisou, ou seja, se está em condições de provar, aqui - é uma responsabilidade política, de políticos que aqui estão e que querem tirar conclusões com recurso a V. Ex.ª, porque se há coisa que não é ingénua, até porque é uma pessoa inteligente e, portanto, calculará que tudo o que disse, logo à noite, estará nos telejornais e nos jornais, sabe isso muito bem; não se tente balizar no sigilo desta Comissão para justificar o que está a dizer, porque sabe bem aquilo que se vai passar -, e de confirmar se V. Ex.ª…
Protestos do PS.
Ó Sr. Deputado, caso se queira indignar, indigne-se amanhã se o que eu disser é mentira! Se o que eu disser é mentira, amanhã V. Ex.ª poderá indignar-se!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, preferia que não entrasse em diálogo e que se limitasse a dialogar com a Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado.
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O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Gostava que nos dissesse - porque isto releva politicamente - se nos pode provar aqui que a Sr.ª Ministra disse o que V. Ex.ª diz que o Dr. Salvado disse a V. Ex.ª que ele disse. Isso, para nós, é que releva. Gostava que precisasse esta parte, além de outras que eventualmente não respondeu, mas deixo-as para outras intervenções.
Registo também que a Sr.ª Procuradora afirmou aqui que desde que se demitiu - também para constar em acta - não manteve qualquer contacto com nenhum Sr. Deputado presente ou ausente, por si ou por interposta pessoa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado.
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - O Dr. Adelino Salvado disse-me, a mim, não estou a desvirtuar a realidade, que a Sr.ª Ministra não queria que eu continuasse na Polícia Judiciária por excesso de visibilidade. Disse-o a mim, ao Dr. Bonina, a toda a gente da Relação, a jornalistas, a muita gente. Há muita gente que ouviu isso e por motivo apelido este facto como sendo uma facto notório. É este o facto. É assim e eu não ia inventar uma coisa destas. Não era possível inventar com esta fundamentação de excesso de visibilidade e com todo este dramatismo de não tomar posse se eu não aceitasse continuar. O Dr. Bonina sabe que isso aconteceu e na Relação toda a gente sabia que o Dr. Adelino Salvado dizia que estava com problemas porque a Ministra não queria que eu continuasse na Polícia Judiciária. Isto foi-me dito por ele e também a muitas pessoas, sem nunca o ter desmentido, a não ser na 1.ª Comissão.
Pronto. Fico aqui à mercê das minhas palavras, mas é assim.
O que é que o Sr. Deputado perguntou mais?
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Referi-me às contradições entre as suas declarações na 1.ª Comissão quando disse que não tinha tido relações com os Ministros da Justiça e, afinal, há pouco referiu que tinha tido reuniões com o Ministro António Costa.
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Sr. Deputado, as reuniões que tive com o Dr. António Costa foram reuniões de uma comissão e quando falo nesse tipo de contactos são os contactos feitos com a tutela. Não tinha contactos directos com a tutela por força do exercício das funções. Tive reuniões no âmbito da Comissão de Análise e Estudo para a Legislação Económico-Financeira. Penso que isso está explicado.
Quanto aos contactos por interposta pessoa, o Sr. Deputado quer ter a delicadeza de me dizer quem é a interposta pessoa? Importa-se? Será o meu marido?
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr.ª Procuradora, convirá que quero dizer exactamente aquilo que disse e perguntar exactamente aquilo que perguntei. V. Ex.ª responderá também como disse ou pode alterar, se pretender…
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Sim senhor! A sua frontalidade é notável! Mas penso que se está a referir ao meu marido.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Estou a cogitar!
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Está a cogitar. Mas julgo que se está a referir ao meu marido porque ele tem amigos na…
Protestos do Deputado do CDS-PP Nuno Teixeira de Melo.
Ai não? Então esses são fantasmas! Eu não raciocino com base em fantasmas, Sr. Deputado. Os fantasmas não me afligem. É o que se chama uma pergunta fantasma, Sr. Deputado.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Mas a resposta não!
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - A resposta não é fantasma?
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, se a Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado não deseja responder mais…
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Sr. Deputado, eu tenho mais que fazer do que andar em encontros com os Srs. Deputados!
Tenho processos para despachar, tenho coisas para estudar. Já lhe disse que não tenho objectivos político-partidários, mas tenho amigos que estão na política. Agora não, mas quando corria o julgamento do Melancia até tive amigos, que na altura estavam no poder político, que me visitaram em casa e que me conheciam dos tempos do MRPP e resolveram visitar-me.
Agora, penso que a minha honorabilidade está acima de qualquer má interpretação. Posso encontrar-me com qualquer… Aliás, tenho amigos tanto da direita como da esquerda, se quisermos ir para essa dicotomia tradicional. Essa interposta pessoa, não sei se é fantasma ou quem é. Tanto falo com pessoas do PS como até falo com o António Lobo Xavier, por exemplo. Está a perceber, Sr. Deputado?
A esse respeito nada tenho a esconder. Quando sair daqui vou a pé para casa. A pé! E não me preocupo. Não olho para trás nem por cima do ombro! É que o Sr. Deputado está a falar com uma pessoa que já passou muito na vida e está rigorosamente acima dessas… Como é que lhes hei-de chamar? Desses fantasmas, desses problemas. Nem sequer me preocupam! Posso ter o meu trauma, mas isso tem a ver com o passado.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, vou tentar reconduzir o inquérito à disciplina que V. Ex.ª no início da sessão tentou, mas depois deixou as coisas andarem de uma forma…
Em primeiro lugar, quero agradecer o depoimento da Sr.ª Dr. Maria José Morgado que foi muito importante para o esclarecimento de alguns aspectos e que nos obriga a proceder com algumas diligências, designadamente a tentar ouvir alguns depoimentos de pessoas que a Sr.ª Dr.ª aqui citou, podendo contribuir construtivamente para este inquérito.
Vou pedir-lhe que precise alguns aspectos concretos de assuntos que já abordou.
A Sr.ª Dr.ª referiu-se ao processo das finanças e a informações que teriam sido… Referiu-nos que o Sr. Director
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Nacional afirmava não acreditar no sucesso desse processo, que ele não ia dar em nada, mas refere, a dada altura, que foi pedida uma informação por escrito ao Inspector Coordenador Calado Oliveira, creio que foi o nome que referiu, e que esse pedido de informação não passou como deveria ter passado pela Sr.ª Directora Adjunta. Tem algum conhecimento sobre que tipo de informações foram solicitadas pelo Sr. Director Nacional acerca desse processo? Sabe qual foi a origem dessa informação? Quem terá solicitado que essa informação fosse dada? Concretamente, o que pretendia saber o Sr. Director Nacional? Qual a razão concreta para que essa informação não lhe tenha sido pedida a si e tenha sido pedida directamente ao Inspector?
Vou-lhe pedir uma segunda pormenorização. A propósito do afastamento da pessoa ou das pessoas que estavam a acompanhar o julgamento do caso Moderna, a Sr.ª Dr.ª referiu, a dado passo - não consegui tomar nota -, o nome dos inspectores da Polícia Judiciária que fizeram parte da brigada que investigou o caso da Universidade Moderna. Referiu os nomes. Peço-lhe, apenas, que os repita, porque gostaria de tomar nota e esta minha solicitação não é compatível com o tempo que demora, agora, a ouvir a gravação. Portanto, peço-lhe, por razões de celeridade da nossa investigação, se nos pode repetir os nomes que disse há pouco.
Houve notícias de que foram recusados louvores pela hierarquia da Judiciária. Saiu uma notícia no jornal Público de que, já no tempo do Dr. Adelino Salvado, foi recusado um louvor aos investigadores do caso Moderna, que tinha sido proposto.
Pergunto-lhe se nos pode dizer quem foram estes investigadores, se tem conhecimento directo desta recusa de louvores e se tem conhecimento de que algum desses inspectores tenha sido afastado das funções que desempenhava, ao tempo, na Polícia Judiciária.
Para já, são estas as questões que lhe queria colocar.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Dr.ª Maria José Morgado.
A Dr.ª Maria José Morgado: - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, no processo das finanças a atitude do Sr. Director Nacional, em conversa comigo, era pessimista.
De qualquer das formas, a informação… Não se trata do tipo de informação. Será uma informação sobre o andamento de um processo, que é uma coisa que um director nacional tem legitimidade, em princípio, para fazer, mas que não é costume ser feito assim, nestes moldes. Porque o Director Nacional não me pede a informação a mim.
Quanto ao momento, tenho razões para pensar que esperou que eu fosse para férias para pedir essa informação. Portanto, é uma maneira de chamar a atenção aos investigadores para o processo da marcação da direcção, da directora. E, como tal, foi interpretado. É um mau sinal para a investigação, quando isso se faz na ausência da direcção do departamento. E o momento foi em férias. Terá sido por volta de vinte e tal de Agosto. Quase ia jurar que foi quinta ou sexta-feira e o meu pedido de demissão foi na terça. Portanto, as coisas andavam todas a concentrar-se e a afunilar-se cada vez mais.
Para mim, a questão principal é: por que é que se espera pela minha ausência em férias? Por que é pedido desta maneira? É uma forma de me desautorizar. E, como veio a suceder, é uma forma de dizer: "Atenção, ela já não está aqui". E não estava. Eu é que pensava que estava… De facto, o coordenador ficou um bocado admirado com isso e deu a informação. E a informação terá ido na semana anterior ao meu pedido de demissão.
Chamo a atenção que, de facto, este é dos processo mais sensíveis que existe, neste momento, na DCICCEF. É um processo que apontava para níveis de direcção no interior da máquina fiscal e é de uma dificuldade de prova extraordinária. E, agora, quem está pessimista a respeito do processo sou eu.
Quanto ao caso de Monsanto, só quem não conhece estas realidades é que pode fazer perguntas, no sentido de saber se havia despacho do Ministério Público ou se havia isto ou aquilo. O que acontece, nestes casos, é um acompanhamento informal da Polícia Judiciária, uma coadjuvação informal ao Ministério Público. Há um acordo entre a Polícia Judiciária e o Ministério Público. É uma coisa que decorre naturalmente das funções da Polícia Judiciária e das necessidades do Ministério Público.
Como tal, havia um ou outro apoio esporádico, logístico ao Dr. Manuel das Dores, como eu disse, com desgosto meu de não poder reforçar esse apoio, porque nem sequer tinha meios para isso. Faço notar que isto é um processo gigantesco e que este apoio não é despiciendo. É um apoio compreensível e normal. O que não foi normal foram os reparos que houve sobre o apoio.
Uma das pessoas que destaquei para o apoio foi o Pedro Albuquerque, porque era a única pessoa que eu tinha. É o homem dos sete ofícios, é capaz de fazer 30 coisas ao mesmo tempo. Como tal, deu esse apoio no início - no início -, em Abril, no julgamento, ao Dr. Manuel das Dores. Depois, terá havido um ou outro apoio logístico, de acordo com as necessidades do Ministério Público.
Os nomes das pessoas a quem eu transmiti esta orientação, e que têm a ver também com a brigada que tinha investigado o caso Moderna, foram: o coordenador de investigação criminal João Borlido, que estava de férias e eu chamei para vir falar comigo nesse dia ao fim da tarde; o inspector Gonçalves Pica; o inspector Álvaro de Sousa; e, se não me engano, o inspector Pedro, que é novo, tomou posse em Novembro de 2001 na brigada de pesquisa e, como tal, não fez parte da investigação do caso Moderna. Mas é evidente que não quer dizer que fossem estes inspectores que iam a Monsanto. Havia uma apoio logístico esporádico, de acordo com a agenda e as possibilidades.
É claro que isto não tinha nada a ver… Não havia presença de testemunhas do caso Moderna em Monsanto nem assistência ao julgamento. Não é disso que se trata. São apoios logísticos.
Aliás, pouco tempo depois do Dr. Adelino Salvado ter tomado posse, apareceu uma manchete no Diário de Notícias sobre buscas da Polícia Judiciária, que tinham sido feitas no âmbito do processo que está a correr no Tribunal de Instrução Criminal, em que é a Dinensino a queixosa. O Sr. Director Nacional chamou-me e levei, juntamente comigo, o Dr. Egídio Cardoso, que é o director do Departamento de Perícia Financeira e Contabilística, para explicar, porque o Sr. Director Nacional tinha acabado de tomar posse há poucos dias e estava muito agitado por ter aparecido aquela notícia sobre buscas na Moderna no Diário de Notícias.
Realmente as buscas tinha sido feitas por nós, já em coadjuvação com juiz de instrução criminal. Expliquei isso
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ao Sr. Director. Expliquei-lhe que não sabia por que é que tinha havido aquela fuga. E o Sr. Director até me pediu, diante de quem estava - o Dr. Egídio Cardoso, o Dr. João Vieira e o Dr. José Branco -, um levantamento sobre a situação, nomeadamente sobre pessoas ligadas ao processo da Moderna e os interesse nessa matéria. Eu pedi aos inspectores para fazerem esse levantamento, que fizeram, e entreguei-lhe um documento de análise com informação tratada sobre a matéria.
Quanto à questão dos louvores no caso Moderna, tanto quanto sei, porque isso é superveniente à minha saída da Polícia Judiciária, estava agendada para o Conselho Superior de Polícia a aprovação de uma proposta de louvor aos investigadores da Polícia Judiciária. Eu conheço a proposta de louvor, porque foi feita pelo meu antecessor, Dr. Rosário Teixeira. Entretanto, eu acrescentei a essa proposta de louvor uma referência elogiosa do Dr. Manuel das Dores no fim da instrução.
Essa proposta dividia os investigadores em duas categorias: a categoria do trabalho excepcional, que eram aqueles que tinham tido a vanguarda da investigação e a direcção da recolha de prova, em relação aos quais propunha o louvor; e, em relação aos restantes, propunha a menção elogiosa.
No regulamento de mérito do pessoal da Polícia Judiciária ou numa escala de zero a dez o louvor é o dez e a menção elogiosa é o um. Abaixo da menção elogiosa, só há o prémio pecuniário. Parece - e eu tenho a confirmação disso - que o processo não foi despachado, porque o relator anterior adoeceu gravemente. O Dr. Loureiro era meu colega, em Coimbra, e, como adoeceu gravemente, o processo entrou em morosidade. Foi, depois, recuperado para esta direcção nacional. E o parecer que foi aprovado no Conselho Superior de Polícia foi o de baixar o louvor para menção elogiosa, considerando que o trabalho não era excepcional e não justificava o louvor. Era apenas um trabalho de mérito.
Em relação a um segurança que tinha apoiado a investigação, a Lei Orgânica da Polícia Judiciária permite-o. A segurança pode apoiar a investigação criminal. Ele apoiou-a em buscas e detenções, nos momentos decisivos da prova, com tenacidade, com coragem, com combatividade. E esse segurança é censurado na proposta de louvor por ter extravasado o conteúdo funcional das suas funções e ter posto em causa o mérito dos investigadores.
É claro que a Polícia Judiciária é uma realidade muito complexa e há uma rivalidade antiga entre seguranças e investigação criminal, ou seja, entre o apoio à investigação e a investigação criminal. Mas essas rivalidades não podem ser promovidas; têm de ser combatidas.
E o que eu entendo é que o Conselho Superior de Polícia deveria ter obrigado à revogação daquela proposta, porque era, de facto, uma proposta injusta, em relação a quem se tinha destacado em momentos de operacionalidade crítica, como são as detenções, as buscas e a recolha de prova. E, de facto, isso não sucedeu, o que é uma maneira de elogiar sem elogiar. Depois houve a distribuição desses prémios publicamente, no dia 21 de Outubro, no Instituto Superior de Polícia Judiciária, e houve até investigadores que nem compareceram, porque se sentiam ofendidos com este procedimento.
É tudo, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado, quero apenas precisar se tem conhecimento de que o inspector João Borlido tenha visto alteradas as suas funções na Polícia Judiciária, depois dessa investigação.
A Dr.ª Maria José Morgado: - Eu só tenho conhecimento daquilo que veio publicado na comunicação social. Nessa altura, já não estava lá. Mas, porventura, pode perguntar-lhe a ele.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, vou seguir as sugestões que o Presidente tem feito, várias vezes, nesta Comissão, lembrando que não tem sentido discutirmos aqui assuntos tão relevantes como a estratégia para a Polícia Judiciária ou, até, interpretações diferentes sobre essa matéria. Portanto, ao contrário do Sr. Deputado Jorge Neto, não seguirei por esse caminho.
Em contrapartida, queria assinalar, desde já, que, dos depoimentos apresentados hoje à tarde pelas várias intervenções da Dr.ª Maria José Morgado, resulta claro que, para o esclarecimento complementar que é necessário no âmbito próprio desta Comissão, terá todo o sentido ouvir o Dr. Luís Bonina e o Dr. Rui do Carmo, que foram directamente citados, além, naturalmente, dos depoimentos que já estão previsto do Director Nacional da Polícia Judiciária e da Ministra da Justiça.
Quero colocar-lhe, Dr.ª Maria José Morgado, três questões concretas, visto que nós queremos esclarecer somente a incidência de actuação política do Ministério da Justiça, no que diz respeito às demissões nas direcções da Polícia Judiciária. Como esse é o nosso âmbito e o nosso objectivo, é sobre isso que temos de nos pronunciar, pelo que queria que me desse esclarecimentos complementares sobre três matérias.
A primeira, é que, ao referir a reunião de 16 de Julho em que sentiu necessidade de colocar o seu lugar à disposição - o que não foi, então, considerado -, no momento em que pela primeira vez se referiu a essa reunião, disse que já tinha havido um incidente semelhante em Junho, e não deu mais detalhes sobre esse facto.
Não sei se na altura, aquando desse incidente, cujo conteúdo não nos esclareceu - e pedia que o fizesse -, considerou também que, apesar de ter passado apenas um mês da sua tomada de posse, se justificava esse mesmo entendimento que teve mais tarde, de que se estava a esboroar a relação de confiança. Portanto, queria saber se esse incidente tem relevância para o que nos interessa, que é interpretar este processo de evolução nas relações hierárquicas e na sua relação com o Director Nacional da Polícia Judiciária e, eventualmente, com a Ministra da Justiça.
Em segundo lugar, sobre a reunião de 16 de Julho, referiu-se várias vezes ao apoio logístico - e fê-lo agora de uma forma detalhada - que o agente Pedro Albuquerque teria sido encarregue, por si, de dar ao Ministério Público no âmbito do processo Moderna. Não ficou claro para mi se a qualificação que ele tinha para essa matéria era a que decorria da sua competência como segurança, visto que cumpria essas funções em relação a si, como nos disse, ou se havia competências decorrentes das suas capacidades de investigação, ou do conhecimento do processo, ou do conhecimento de processos que fossem relevantes
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do ponto de vista do combate à criminalidade económica e à corrupção.
No fundo, pergunto se havia alguma particularidade que o indicasse como uma pessoa competente, ou especialmente competente, para fazer este acompanhamento. Em particular, queria saber se ele tinha um conhecimento anterior do caso que estava a ser julgado então.
No âmbito desta segunda questão, ainda sobre a reunião de 16 Julho, disse-nos - se bem tomei nota da sua intervenção - que o Dr. Adelino Salvado lhe terá dito que queria saber se andava um homem em Monsanto e que isso decorria de um telefonema da Ministra da Justiça derivado de um pedido de esclarecimento de Paulo Portas. Naturalmente, pareceu-me entender que se referia a uma afirmação que lhe é feita pelo Director Nacional da Polícia Judiciária, mas queria que, na medida do possível, precisasse se lhe é dito que este contacto da Ministra da Justiça - sabemos que não é feito consigo, porque já nos disse que nunca falou com ela - é feito com ele, directamente, se é a Ministra da Justiça que indica o pedido de esclarecimento de Paulo Portas ao Dr. Adelino Salvado, ou se é feito directamente pelo Ministro de Estado e da Defesa ao próprio Director Nacional da Polícia Judiciária.
Por último, queria que me precisasse aquilo a que se refere como o "processo das finanças". Também é certo que, nesta última resposta ao Deputado António Filipe, já deu algum esclarecimento complementar. Disse-nos aqui a Dr.ª Maria José Morgado que esse é um processo dos mais difíceis, dos mais trabalhosos, dos mais importantes, daqueles que têm mais consequências e que se pretendia que, em Setembro, se concretizasse a colaboração com alguns arrependidos que poderiam dar um impulso à investigação.
No entanto (e ressalvando todas as precauções que compreendo que tenha e entendo que deve ter), não ficou muito claro que tipo de processo se trata. Trata-se de uma investigação sobre elisão fiscal? Trata-se de uma investigação sobre corrupção? Trata-se de uma investigação estritamente no âmbito de funcionários da administração tributária?
Faço-lhe estas perguntas porque pretendo saber - não é, evidentemente, o que a Polícia Judiciária investigou, ou poderá investigar hoje em dia, porque é dos processos mais sensíveis, naturalmente - se deste processo decorre a possibilidade de pressões políticas significativas, ou se entende que pressões políticas possam ter ocorrido na sequência deste processo, tanto mais que este calendário dos acontecimentos que são factuais, designadamente os conflitos a propósito do caso Moderna, no dia 16 de Julho, a sua entrada em férias, a multiplicação de incidentes hierárquicos durante o seu período de férias e o telefonema do Director Nacional da PJ no dia 27 de Agosto, que leva à apresentação da sua demissão nesse mesmo dia, são imediatamente precedentes àquele que era um passo significativo neste processo investigatório, no mês de Setembro.
Queria ainda perguntar se interpreta que este processo tem relevância quanto aos calendários em que ocorrem estes múltiplos incidentes e em que lhe é pedido que se demita, neste contexto.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo pediu a palavra para que efeito?
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, naturalmente, não quero voltar a intervir nem tenho esse direito, mas queria informar a mesa - e, nessa circunstância, também a Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado - que, tal como dizia antes, perante a indignação do Sr. Deputado António Filipe, o que a Sr.ª Procuradora aqui tem vindo a dizer já foi noticiado pela Lusa, pelas televisões…
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Sr. Deputado, eu não abandonei o meu lugar nem telefonei!
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Não estou a dizer que o fez.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, peço-lhe que desligue o microfone, porque não se trata de uma interpelação à mesa.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, queria apenas que ficasse registado em acta.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado.
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Sr. Presidente, Sr. Deputado, começando pelo fim, quanto à relevância no calendário do processo das finanças, há algo que me parece incontornável: esperar que eu levasse essa investigação até ao fim, manter a minha direcção até ao fim e, só então, convidar-me a sair. Ou, indiferente ao decurso desta investigação, talvez com uma espécie de insensibilidade qualquer, dizer-me: "Sr.ª Dr.ª, ponha termo à sua comissão".
Penso que as coisas falam por si. Eu abandono a Polícia Judiciária com investigações altamente sensíveis, na fase mais sensível, como é o caso das finanças, o caso do Vitória de Guimarães, o caso nandrolona, o caso do contrabando organizado de fraude em IVA em carrossel, de fraude aos IEC, etc., etc. Ninguém me pediu a responsabilidade do resultado daquelas investigações, portanto agora a responsabilidade é de quem lá ficou, da Direcção Nacional e do meu sucessor. Eu tive responsabilidade até àquele dia.
O que me dá impressão é que o Sr. Director Nacional não achou que isso era importante, não pesou essas investigações na balança em termos de dizer: atenção, estão a decorrer estas investigações, é melhor não haver alterações; já é tudo tão difícil em matéria de crime económico que não vale a pena tornar as coisas mais difíceis, porque isto causa perturbações à investigação. Como já disse numa entrevista, a investigação sabe sempre de que lado sopra o vento! E quando uma directora, que tem o apoio dos operacionais, é "empurrada" desta maneira, os operacionais não sabem muito bem o que vai acontecer no dia seguinte, porque tudo isto pode transformar-se numa roleta russa.
Portanto, não posso responder mais nada, a não ser que ninguém me deu oportunidade de levar estas investigações até ao fim. E justificava-se, dada a gravidade. Estes processos de que falei nunca tinham sido investigados na DCICCEF desta maneira, com estes métodos e com estes objectivos.
É evidente que o processo das finanças, na operação de 3 de Abril, levou à detenção de subdirectores, de um subdirector da 2.ª Distrital de Finanças e de um director do IVA, depois soltos por insuficiência de indícios, segundo o despacho da Dr.ª Fátima Mata Mouros. Mas foram detidos por despacho judicial, mandato de detenção assinado
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pela juiz de instrução criminal. E o que é surpreendente é que ninguém espera que estas investigações cheguem ao fim. Faz-se uma mudança de direcção com tudo isto a decorrer.
Em relação à questão de precisar o telefonema da Sr.ª Ministra da Justiça e à questão de Monsanto, penso que as minhas palavras não foram ainda inteiramente compreendidas. Havia uma orientação minha de, sempre que possível, dar apoio ao Ministério Público, e este, sempre que possível, passava muitas vezes pelo apoio do segurança, porque este segurança tem uma particularidade: é o homem dos sete ofícios. Conhece bem a Polícia Judiciária, conhece os métodos de investigação, tem disponibilidade, é dedicado, combativo e uma pessoa completa para o efeito pretendido, que era o de dar algum apoio logístico e acompanhar o Ministério Público. Isso foi feito durante o início do julgamento; depois, pode ter havido um ou outro apoio esporádico, mas sem continuidade, porque estávamos sem meios e a Direcção Central estava a "rebentar pelas costuras".
O que sucedeu no dia 16 de Julho foi que, a seguir à reunião do Conselho de Coordenação Operacional, o Sr. Director Nacional chamou-me e disse que tinha acabado de receber um telefonema da Sr.ª Ministra da Justiça, por uma questão que lhe tinha sido colocada pelo Dr. Paulo Portas, por causa de alguém da DCICCEF que andaria em Monsanto, e não devia andar. E a instrução verbal que me foi dada era para não andar, ou seja, ninguém podia ir a Monsanto! Ora, num quadro de normalidade, isto é algo que não é inteiramente compreensível: por que raio não podíamos ir a Monsanto?! É costume, nestes processos, a Polícia Judiciária falar com o Ministério Público. Foi o que aconteceu com as FP-25, também no processo do Melancia e no das FP-27, ambos comigo; no processo de Vale e Azevedo, com a Dr.ª Leonor Machado; no processo da UGT, com o Dr. João Guerra. E em nenhum desses processos foi dito "não queremos ninguém lá", bem pelo contrário!
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - A investigar!
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Não é a investigar, Sr. Deputado. Eu falei em apoio logístico e não em investigação. Ou bem que o Sr. Deputado aceita a existência da Polícia Judiciária, ou não aceita - a Polícia existe e para alguma coisa é! E, quando há julgamentos, a Polícia Judiciária tem de conhecer o feedback do julgamento, o seu resultado, e pode ter necessidade de recolher informação para acompanhar o julgamento. A Polícia Judiciária pode fazê-lo, está no âmbito da sua actuação.
Não estou a dizer que a Polícia Judiciária o fez no caso do processo Moderna, mas pode fazê-lo porque está dentro da função prevenção.
Talvez nem possa existir Polícia - o melhor é acabar com ela… -, porque tem uma função de prevenção, de recolha, análise e tratamento da informação. Esse é um serviço que a Polícia Judiciária presta à democracia e aos cidadãos, e também aos Srs. Deputados.
Mas não estou a dizer, sequer, que a Polícia Judiciária o fez no caso Moderna, porque não havia tempo para isso: estávamos a "rebentar pelas costuras", não havia quase tempo para dormir. O que se passou foi que houve uma pessoa que foi a Monsanto e o facto dessa pessoa ter ido a Monsanto causou agitação do lado do poder político, porque fui chamada à atenção sobre esse facto! Portanto, é a isso que me refiro. E fui chamada à atenção sobre isso no dia 16 de Julho, porque foi esse o dia da reunião do Conselho de Coordenação Operacional.
Em Monsanto, o que aconteceu foi o seguinte: o Pedro Albuquerque transportou o Dr. Manuel das Dores: levou-o e foi buscá-lo. E não sei por que razão um "factozinho" destes causa tanta agitação e dá origem…
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Há uma coisa que se chama Constituição!
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Sim, mas a Constituição não o impede de levar e trazer o Ministério Público ao tribunal!
O incidente anterior, em que pedi a demissão, tem a ver com uma outra situação, em finais de Junho, em que há um pedido de entrevista do Expresso sobre a crescente eficácia da Polícia Judiciária no combate ao crime económico - o Expresso andava há um ano a pedir essa entrevista e eu andava há um a recusá-la, por minha iniciativa.
Em relação a esse último pedido o Dr. Adelino Salvado exarou na folha do fax enviada pelo Expresso dois parágrafos basicamente nestes termos: o primeiro elogiava a Sr.ª Jornalista e o trabalho que ela sempre tinha feito de acompanhamento do crime económico e das acções da Polícia Judiciária, etc. No segundo, depreciava o meu trabalho, porque dizia que o trabalho feito pela Polícia Judiciária é um trabalho de equipa não era um trabalho de uma só pessoa e, portanto, não era essa pessoa que dava as informações era o gabinete de estudos e documentação.
É evidente que eu sempre funcionei em equipa, aliás, parece-me que funciono em equipa de forma tal que as acções que continuam depois de mim, o que prova a capacidade de constituir equipas, gosto do trabalho em equipa, é uma coisa que me entusiasma e até sou conhecida por isso em todo o lado por onde tenho passado.
Na Boa Hora, estive oito anos e fui reconhecida por juizes e colegas por formar equipas, constituir equipas e ter essa obsessão. Agora, é evidente que é preciso que alguém fale, é preciso que alguém, perante a opinião pública, assuma a divulgação das coisas e assuma aquilo que é importante em termos de dar visibilidade ao combate ao crime.
Entendi que o Sr. Director Nacional ao tomar essa posição, e ao divulgá-la internamente, estava, mais uma vez, a desautorizar-me. Agarrei no fax, ao fim do dia, eram 8 horas da noite, fui falar com ele à Gomes Freire, ao 4.º andar, e disse-lhe "Sr. Director Nacional o que está em causa aqui é que eu tenho de me ir embora, porque o Sr. Director Nacional não compreende os meus métodos de trabalho, nem os aceita. Quis continuar comigo na direcção por razões(…)", e até fui brutal, "(…)egoístas e então não vale a pena eu continuar é melhor deixar-me ir embora já".
Resposta do Sr. Director Nacional: "Eu estava com "gorilas" na cabeça (…)", isto é para dar espontaneidade e sinceridade ao depoimento, portanto ele estava com "gorilas" na cabeça e tinha tomado a opção de eu continuar a fazer parte da direcção da Polícia Judiciária, por três razões: uma razão egoísta, sim senhora ele reconheceu a razão egoísta, porque dizia que se eu não ficasse na direcção era acusado de não querer combater o colarinho branco; uma razão de justiça, porque não era justo interromper quem
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estava a trabalhar e a direcção central tinha sido uma direcção central que se tinha levantado e estava a fazer coisas extraordinárias e uma razão de eficácia porque estávamos a conseguir resultados. Portanto, egoísmo, justiça e eficácia!
Isto foi em finais de Junho, e eu saí, mais uma vez, dilacerada pelo dilema que me levou a escrever as cartas finais. Este homem defendeu-me tanto, defendendo os métodos de trabalho e de ataque ao crime económico, nele incluindo a corrupção e o branqueamento ou se me defendeu por razões egoístas. Até hoje nunca soube isso, mas, de facto, os meus três meses com o Dr. Adelino Salvado foram dilacerados por esse dilema, por essa dúvida, pelo que em finais de Junho coloquei-lhe brutalmente a questão e disse-lhe: "O Sr. Doutor só quis ficar comigo por razões egoístas". Então, ele declarou-me que não era bem assim, mas eu temia que a Polícia Judiciária fosse pagar um preço por isso e está a ver-se que a esse respeito tive alguma lucidez.
Aliás, o Dr. Adelino Salvado, no Sábado, dia 25, em que falou comigo, pela primeira vez a seguir à tomada de posse e em que me reiterou as revelações acerca da oposição da Sr.ª Ministra à minha continuação na Polícia Judiciária, disse-me também uma questão interessante é que iniciar a direcção sem me encontrar à frente da DCICCEF, é como iniciar uma operação com 39 graus de febre e pedia-me que, acontecesse o que acontecesse, eu jamais pedisse a cessação da comissão. Pediu-me para eu firmar esse compromisso com ele, acontecesse o que acontecesse. Eu fiquei preocupada porque o Dr. Adelino Salvado disse-me que se o problema era o excesso de visibilidade ele tratava disso e eu fiquei preocupada, repito, porque não compreendia o que era ele "tratar disso". Mas talvez eu hoje compreenda o que é "tratar disso".
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta, gostaria de colocar-lhe algumas perguntas, tanto quanto possível directas e concretas, mas antes de chegar às perguntas directas e concretas devo dizer-lhe, e é o único comentário que farei, que sou tentado a partilhar duas opiniões, que são as minhas, neste momento, em relação àquilo que ouvimos aqui hoje à tarde.
A primeira é quando nós temos consciência pessoal, e já lhe disse isto da primeira vez que esteve não aqui, mas na 1.ª Comissão, de estar a fazer pelo nosso padrão e pelo nosso critério, bem o nosso trabalho, é suposto termos orgulho nesse trabalho. É assim com uma directora adjunta da Polícia Judiciária, é assim com o Director Nacional, é assim com um Deputado, é assim com um advogado, seja com quem for.
Por isso, não a posso criticar, porque realmente ouvindo as suas palavras ficamos com a ideia de uma pessoa que tinha grande empenho e grande determinação no seu trabalho e como disse aqui o Sr. Deputado Jorge Neto, tem inclusivamente, um modelo para a Polícia Judiciária, uma ideia, que nos fica até, de facto, a impressão que gostaria de ver a sua ideia a ser implementada na responsabilidade máxima da Polícia Judiciária, em vez do modelo, ou da ideia, que terá o Sr. Director Nacional.
Mas isso é uma questão de divergências de modelo, de diferenças de concepção em que qualquer uma delas será mais legítima e em que qualquer uma delas se poderá ver nos resultados se funciona ou não. De resto, não valerá a pena explorar essa contradição, porque a contradição seria tão-só a de dizer "ainda bem que estão a copiar" como a Sr.ª Doutora diz, às vezes e outras vezes dizer "o modelo não é este deveria ser outro completamente diferente". Poderíamos ir por aí mas não vale tentar explorar essa contradição, porque não me parece que seja a mais relevante, mas digo-lhe só, e isto também é uma opinião meramente pessoal, que às vezes nas suas palavras há…
Eu compreendo que seja fruto dessa sua dedicação e dessa sua convicção na certeza de que o seu modelo é o melhor, mas há a ideia de que antes de mim não existia e depois de mim nunca mais vai voltar a funcionar. Às vezes as suas palavras são de tal forma determinadas e incisivas que parece passar no seu depoimento a ideia de que antes de si aquilo não podia funcionar de maneira nenhuma e que depois de si, como a Sr.ª Doutora disse, também funcionará porque deixou muito trabalho feito, mas a seguir virá forçosamente o caos.
Ora, não quero acreditar nisso, porque, entre outras razões, Sr.ª Doutora, cada um tem as suas convicções e os seus valores, eu sou um institucionalista e acredito que a Polícia Judiciária funcionava antes, funcionará depois, é uma excelente instituição, é a opinião que tenho, mas é a opinião de um leitor de jornais e de um espectador atento e mais nada do que isso. Nem nos meus tempos de advogado que já lá vão, pelo menos de prática corrente, com alguma distância me dediquei ao processo criminal e, portanto, é uma mera convicção de leitor de jornais, repito, de que a Polícia Judiciária funcionava, funciona e, estou certo e convicto, que continuará a funcionar, pelo que na minha opinião, e daquilo que ouvi, haverá algum exagero dessa sua visão.
Em relação a esta matéria e de estarmos aqui a tratar, ou não, de um processo político devo dizer-lhe, Sr.ª Procuradora, que também tenho uma conclusão e que é a seguinte: este processo, do meu ponto de vista, e lamentavelmente, é cada vez mais político. Claramente, hoje aqui e é isso que me transmitia ainda agora um colega meu que se terá deslocado por minutos ao bar, um processo que tem um objectivo já claríssimo de envolvimento político de duas pessoas, designadamente a Sr.ª Ministra da Justiça e do Sr. Ministro de Estado e da Defesa Nacional.
No início este processo não era político, no início este processo era um processo baseado em diferenças de concepção, divergências de opinião, pequenas decisões que foram contrariadas, pequenas situações em que a Sr.ª Doutora se sentiu, está no seu direito, cada um tem a sua susceptibilidade própria, uns são mais susceptíveis, outros são menos, não estou a criticá-la por isso, mas em que a Sr.ª Doutora se sentiu pontualmente desautorizada.
Era isso que estava em causa e isso é a lógica da sua carta que aqui foi referida várias vezes. É, de facto, isso que ali está dito, a Sr.ª Doutora sentiu-se desautorizada ao ponto de dizer "vou-me embora, porque estão a impor um modelo que não é o meu, há pequenas intromissões naquilo que eu considero ser a minha esfera e o meu raio de acção, há pequenas instruções com as quais eu (…)" pequenas ou grandes, enfim, penso que a Sr.ª Doutora usou a certa altura essa expressão de pequenas coisas que a foram incomodando, penso que a expressão foi sua e que não estou a cometer qualquer erro, nem a deturpar as suas palavras por isto, espero eu.
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Como dizia, "(…) pequenas coisas em que foi sendo decidido de forma diferente ao que eu pensava ou que me foram exigidas coisas que foram diferentes(…)" e, por isso, a certa altura, passo a expressão, depois de eventualmente de uma conversa onde, como a Sr.ª Doutora disse, o Sr. Director Nacional disse "eu liberto-a desse compromisso e, portanto, se a senhora quiser sair, se calhar este é o momento", pelo que a senhora disse foi isto, amanhã ouviremos o Sr. Director Nacional e ele dirá ou não se assim foi e a Sr.ª Doutora diz que realmente depois destas coisas e tal é o momento de bater com a porta.
Chamo-lhe a atenção para um facto que já aqui foi dito por inúmeros Srs. Deputados que todas as suas declarações posteriores vão no mesmo sentido da carta, não vão noutro. Agora é que a Sr.ª Doutora se lembrou que havia outra razão e hoje é que nos trouxe outras questões que não tinha trazido até agora, porque as suas declarações subsequentes vão exactamente no mesmo sentido da carta.
De facto, chamo-lhe atenção para esta sua entrevista, que confesso que por força das minhas funções nesta Comissão li e reli com alguma atenção, ser num determinado dado, na minha opinião, a Sr.ª Doutora dirá, mas na minha opinião muito explícita que é quando a Sr.ª Doutora diz que estava em férias quando se demitiu. Há uma entrevista no Público em que o jornalista diz que fez o gesto, mas não quis dizer…
Enfim, eu não estava lá, não vi o gesto e, portanto, não sei ao que ele se estava a referir. Mas nesta a Sr.ª Doutora não faz gesto e diz qualquer coisa, diz que estava de férias quando se demitiu o que faz supor que algo de inesperado sucedeu ou lhe foi comunicado e determinou a sua decisão. Repito, "Estava de férias quando se demitiu(…)", diz o jornalista, "(…)o que faz supor que algo de inesperado sucedeu ou que lhe foi comunicado e terminou a sua decisão".
A Sr.ª Doutora, na altura, respondeu: "Mantive-me em contacto com os operacionais para estar actualizada (…)", como disse aqui hoje "(…) como era minha obrigação, tinham ficado definidas prioridades por causa da escassez de meios humanos, a certa altura houve uma alteração dessas prioridades. Como eu disse, os meios humanos são escassos e quem está investigar os processos A e B não pode investigar os processos A, B e C".
Ou seja, a Sr.ª Doutora nesta entrevista diz claramente que não contrariando tudo o que tinha dito antes foi uma determinada conversa e uma alteração de prioridades que levou à sua demissão. Uma alteração de prioridades!
Depois, é-lhe ainda perguntado se se estava a referir à intervenção que o Director da PJ disse ter tido após uma interpelação da Ministra das Finanças e a Sr.ª Doutora respondeu na altura: "Provavelmente!".
"Ora, já agora, e como caiu no domínio público, chamo a atenção que nesse caso toda a prova a recolher em território nacional estava devidamente acautelada e o processo no desenvolvimento correcto". "Mas estava parado há dois anos", disse o jornalista, "o inquérito foi instaurado em Janeiro" e a Sr.ª Doutora a seguir dá as explicações que entendeu dever dar sobre este processo.
Isto é, até aqui tínhamos uma leitura claríssima: a Sr.ª Doutora tinha algumas divergências com o Dr. Salvado, já percebemos quais eram algumas delas, a certa altura o Dr. Salvado intervém neste processo, a Sr.ª Doutora ainda não nos disse se bem, se mal, na sua opinião, admito que mal, na sua opinião, mas eu acho que a posição dele, tanto quanto nós a conhecemos é perfeitamente sustentável, aqui é claramente matéria de opinião, porque a Sr.ª Doutora dirá "está bem, mas eu estava de férias, porque é que falaram com a pessoa que estava lá e não comigo directamente?". Enfim, não sei o que é que ele dirá sobre essa matéria, mas parece-me lógico que ele dirá, já o enunciou de alguma forma, "bom, mas estava de férias, eu falei com quem lá estava naquela altura e se a Ministra das Finanças me faz uma denúncia e uma denúncia é perfeitamente legítimo, não há qualquer pressão nem nenhuma pressão nem intromissão do poder político nessa matéria, até porque não é dessa que viemos aqui hoje falar - não há nenhuma intromissão.
A Ministra das Finanças tem uma informação - já todos percebemos isso, aliás, não entendo por que continua a fazer-se essa pergunta - quanto a esse processo, o processo dos combustíveis (é disso que estamos a falar, de resto, a própria Sr.ª Dr.ª o diz), a informação de que há uma quebra, de que deixou de vender-se, de que há uma fraude. Não é só naqueles casos que a Sr.ª Dr.ª referiu, também aqui se trata de milhões de contos; não é só nos outros casos! Portanto, não podemos ser selectivos nesse tipo de análise!
A Ministra das Finanças diz que deixou de consumir-se, que deixou de vender-se combustíveis no Norte de Portugal e, portanto, pergunta o que se passa, se os senhores estão a investigar ou não, e o Sr. Director Nacional contacta com a pessoa que lá está. A Sr.ª Dr.ª entendeu que isso era uma intromissão, sentiu-se ofendida… Enfim, isso é da susceptibilidade de cada um!… Até lhe diria, Sr.ª Dr.ª, que isso é uma coisa que acontece não só consigo como com qualquer um de nós.
Permita-me a simplicidade do exemplo, mas isso é uma coisa com que - além de ser Deputado sou líder parlamentar - nos confrontamos todos os dias. Por exemplo, isso pode acontecer da parte de um Deputado quando tomamos uma decisão numa área que lhe estava confiada, que é da sua comissão, que é da sua especialidade, e ele me diz que não gostou, pergunta por que não falei com ele primeiro, por que falei com outro que lá estava, que ele estava de férias mas que podia ter falado com ele.
É essa conversa, que a Sr.ª Dr.ª refere nesta entrevista, que parece ter sido - passe a expressão - a "gota de água" que determinou o seu diálogo mais ríspido com o Dr. Adelino Salvado e, depois, a sua demissão. Só que esta versão - Sr.ª Dr.ª, tenho de confrontá-la com isto - vai mudando. Inicialmente, havia uma carta que a Sr.ª Dr.ª escreveu, penso que serenamente e de cabeça fria, porque ninguém escreve uma carta daquele tipo de cabeça quente, de resto, o conteúdo da carta é frio. A Sr.ª Dr.ª não diz, nessa carta, "o senhor ultrapassou-me de toda a maneira" ou "na sequência da nossa conversa de ontem e daquilo que me disse, venho apresentar a minha demissão". Não, a carta diz que, por razões estritamente de organização, apresenta a sua demissão; é um conteúdo frio!
A seguir, diz-nos que o único acontecimento que poderia existir era esta conversa anterior, que tem que ver com um processo parado em Espanha e com o processo dos combustíveis, em que o Sr. Director Nacional terá diligenciado para um avanço mais rápido, na sua opinião invertendo as suas prioridades e desrespeitando-a, mas isso é uma matéria de opinião que não contesto; está no seu direito de pensar assim e não é isso que estou a contestar.
Posteriormente, sabemos em comissão que, afinal, parece que a Sr.ª Ministra da Justiça não gostaria de si. Não
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sei se assim é quando a Sr.ª Ministra da Justiça cá vier vou perguntar-lhe , mas admito que aquilo que a Sr.ª Dr.ª nos disse aqui possa ser rigorosamente assim, não tenho razão para duvidar. A Sr.ª Dr.ª fez determinadas declarações, não aceitou pôr o seu lugar à disposição, como fizeram outros directores adjuntos, por isso eu, se fosse Ministro da Justiça, garanto-lhe que não teria gostado dessa atitude, mas a Sr.ª Ministra da Justiça dirá se assim é, ou não. Eu não teria gostado, acharia normal que todos pusessem o seu lugar à disposição e que não fizessem declarações em sentido contrário.
Portanto, esta versão vai progressivamente mudando, e hoje chegamos a uma outra versão. A de hoje refere-se a algo que até agora nunca tinha aparecido. Porquê? Por segredo profissional? O segredo profissional referia-se ao facto de o Sr. Director Nacional lhe ter dito que a Sr.ª Dr.ª Maria Celeste Cardona e o Dr. Paulo Portas não gostariam de si ou até teriam medo de si? Isso é que era o segredo profissional que a Sr.ª Dr.ª não podia revelar?! Não era! Podia tê-lo dito na entrevista, podia tê-lo dito antes, podia tê-lo dito depois, podia tê-lo dito na 1.ª Comissão, mas nunca o disse, e aparece hoje uma versão nova!
Sr.ª Dr.ª, tenho dificuldade em confrontar-me com estas várias versões. Reconhecendo o seu apartidarismo de hoje e o seu partidarismo do passado, pois a Sr.ª Dr.ª referiu quer uma coisa quer outra não tenho dúvidas nem problemas nenhuns com isso , parece-me que, a partir do momento em que há desagravo, em que a Sr.ª Dr.ª sente que não deveria ter sido condicionada, afastada, seja o que for, em que acha que o seu trabalho era o melhor do mundo e que não será tão bom depois da sua saída, portanto, quando acha isto tudo e a partir do momento em que este processo é conduzido politicamente (não por si, isso faço-lhe justiça. A Sr.ª Dr.ª está aqui por que a chamaram, e nós também, porque eu também não votei a constituição desta Comissão) a versão vai-se tornando cada vez mais política. E hoje chegamos à versão mais política de todas as que tínhamos ouvido até hoje!
Feitas estas considerações, há uma matéria que não é só de opinião (não sou especialista nesta área, mas tenho o direito de fazer perguntas e obter esclarecimentos, até para ser esclarecido cabalmente), que é a insinuação política. Não me parecendo que isso seja lógico, penso (e estou no meu direito de pensar, até porque conheço as pessoas e não admito determinado tipo de raciocínio em relação a elas. Mais uma vez, é uma opinião contra a outra, mas quanto ao resto também é uma opinião contra a outra: a Sr.ª Dr.ª diz uma coisa, depois vamos ouvir o Sr. Director Nacional e temos conhecimento indirecto e opiniões umas contra as outras) que algumas das coisas que aqui foram ditas se baseiam num preconceito em relação a políticos, a dois deles em concreto que a Sr.ª Dr.ª referiu. Penso que se baseiam num preconceito, e só podem basear-se num preconceito!
Sr.ª Dr.ª, quando é que se faz a ligação? É que a pior coisa que pode acontecer aqui é ficarem suspeições sobre as atitudes e os comportamentos seja de quem for! Essa é a pior coisa que pode fazer-se, porque este é um processo de intenções! A pior coisa que pode acontecer num processo de intenções é ficarem suspeitas e meros julgamentos de intenção em relação ao comportamento das pessoas. Por isso mesmo, para que não fiquem essas dúvidas, essas suspeições…
Isto liga-se depois com o quê? Liga-se com várias coisas que aqui foram ditas: com um suposto medo que não está demonstrado, de resto, a própria conversa é-lhe dita pelo Dr. Salvado - antes nunca tínhamos ouvido essa versão, ouvimo-la hoje pela primeira vez - e, depois, liga-se com a sua demissão. Só que a sua demissão decorrente de qualquer facto que tivesse que ver com essas pessoas ocorre dois meses depois, designadamente ao tal processo e à tal situação do acompanhamento do caso Moderna, porque é disso que estamos a falar, e vamos falar claro. Portanto, a sua demissão ocorre dois meses depois!
A Sr.ª Dr.ª, quando recebeu qualquer instrução que tivesse que ver com o caso Moderna, não a considerou tão grave como isso, não se demitiu, não acusou estes políticos de estarem a fazer pressão política! Porque se há aqui uma pressão até pode ser da parte destes políticos, de negação ou obstrução à justiça! Devia ter sido imediatamente posto um processo a esses políticos por obstrução de justiça, mas tal não foi feito e a Sr.ª Dr.ª continuou a exercer as suas funções, demitindo-se na sequência desta intervenção do Director Nacional quando estava de férias, no caso dos combustíveis, escrevendo uma carta alegando questões organizacionais.
Em relação à questão concreta de Monsanto, aqui referida por vários Srs. Deputados, quero ainda fazer-lhe algumas perguntas (Sr. Presidente, vou tentar ser breve, mas trata-se de perguntas que, em minha opinião, são da maior importância para o esclarecimento).
Disse-nos a Sr.ª Dr.ª que estava um segurança, que penso ter sido seu motorista, a acompanhar o processo e o julgamento em Monsanto. Essa história do motorista, como sabe, não é nova, porque no mesmo dia em que a Sr.ª Dr.ª deu a sua entrevista ao Expresso aparece no mesmo jornal uma notícia referindo precisamente o funcionário que Maria José Morgado tinha destacado para dar apoio logístico ao Procurador que conduzia a acusação no caso Moderna. Portanto, exactamente na mesma data da sua entrevista aparece esta notícia, que conta precisamente a história que aqui referiu, relativa a um senhor que, no Expresso, de forma criptográfica, é referido como P.A., mas que agora ficámos a saber chamar-se Pedro Albuquerque.
Essa história tinha sido contada, o que eu não sabia e fiquei a saber - e parece-me interessante é que, além deste homem (tomei nota da pergunta do Sr. Deputado António Filipe), o Sr. Inspector Borlido, o Sr. Inspector Gonçalves Pica (de Pedro Albuquerque já falámos) e também um outro inspector, chamado Pedro, que referiu na resposta ao Sr. Deputado António Filipe, poderiam estar, todos eles (ora à vez, ora ao mesmo tempo, não sei bem), a acompanhar este mesmo processo. Estes homens "sim" ou "não" são todos da DCICCEF? Este "sim" ou "não" não é intimidatório, de maneira nenhuma. Não é uma pergunta tradicional de advogado no sentido de só querer uma resposta clara; não é nesse sentido. Estes inspectores são ou não homens da DCICCEF? Gostaria de saber se confirma que eram estes os homens que poderiam estar a acompanhar este processo.
Por que estavam eles a acompanhar esse processo? Por que eram precisos tantos homens e tantas circunstâncias para fazer uma coisa que, certamente, o segurança ou o motorista, por muito qualificado ou dedicado que fosse ( a Sr.ª Dr.ª diz isso nas suas entrevistas), não era a pessoa mais indicada para a fazer, ou seja, dar um apoio técnico, que normalmente é dado por técnicos.
Para mim não é irrelevante e já se perceberá porquê - se existia ou não pedido formal, seja do colectivo de juizes, seja do Ministério Público.
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O Sr. Osvaldo Castro (PS): Dos juizes?! Que ignorância! Só faltava essa!…
O Sr. Presidente: O Sr. Deputado, como Vice-presidente, deveria ser o primeiro a dar o exemplo.
Se quer inscrever-se, faça favor, que dar-lhe-ei a palavra como dou a todos os Srs. Deputados desta Comissão. Parece-me, porém, evidente que todos os Srs. Deputados têm o direito de ser ouvidos e de ser contraditados pelos outros. Não vale a pena interrompermo-nos uns aos outros. Peço a todos, não particularmente ao Sr. Deputado Osvaldo Castro - calhou ser desta vez o Sr. Deputado Osvaldo Castro -, que respeitem isso, porque já aqui estamos há cinco horas e vamos passar mais cinco!
Faça favor de continuar, Sr. Deputado Telmo Correia.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): Agradeço essa sua intervenção, Sr. Presidente, por uma razão simples: não tenho a pretensão e comecei por dizê-lo na minha intervenção de tudo aquilo que digo ou pergunto à Sr.ª Procuradora estar certo ou ser exactamente assim. É por isso que estou a fazer perguntas e ouvirei as respostas com a correcção e com a educação que é suposto termos nesta Comissão. Ainda que a minha pergunta faça ou não sentido, certamente que a Sr.ª Procuradora responder-me-á também com a mesma correcção.
Continuando o que eu estava a dizer, é sustentável o entendimento que, designadamente em relação à intervenção da Polícia Judiciária, há uma tutela genérica, abstracta, do Ministério da Justiça, que, depois, é feita, na fase de inquérito, pelo Ministério Público, na fase de instrução pelo juiz de instrução e na fase de julgamento pelo colectivo de juizes. Portanto, ou estes ou o Ministério Público, sendo que, nesse caso, já o entendimento não é tão unânime em termos doutrinários, poderão solicitar esta colaboração.
Parece-me a mim - a Sr.ª Dr.ª o dirá - que este pedido é pressuposto. A Sr.ª Dr.ª fala de vários casos em que essa colaboração terá acontecido. Pergunto-lhe se nesses casos ela foi feita sem que ninguém tivesse pedido e se este pedido não existiu nesses casos. É que a existência, ou não, desse pedido pode fazer toda a diferença. Porquê? Porque daí retiraremos com que legitimidade, ao abrigo de que legitimidade e de que poderes estes homens estavam a intervir.
Em segundo lugar, pergunto-lhe ainda quem mandou retirar, se foi a Sr.ª Ministra da Justiça ou o Sr. Director Nacional. A Sr.ª Dr.ª, curiosamente, utilizou uma expressão que me alertou e que considerei muito interessante. A certa altura, a Sr.ª Dr.ª refere que o Sr. Director Nacional lhe disse para retirar o homem (a Sr.ª Dr.ª, pelos vistos, mandou retirar vários), porque a Sr.ª Ministra da Justiça não gostava da ideia, o poder político não gostava da ideia. Não foi - disse a Sr.ª Dr.ª sem que ninguém lho tivesse perguntado - porque alguns deles fosse testemunha nesse mesmo processo.
Como imagina, ouvida esta resposta, fica-me uma dúvida óbvia: por que mencionou a Sr.ª Dr.ª a possibilidade de algum deles ser testemunha no processo, uma vez que ninguém lhe tinha perguntado isso até aí, ninguém tinha falado nessa possibilidade. É a Sr.ª Dr.ª que diz, na sua resposta, que nenhum deles era testemunha no processo. Por que referiu isso? Nenhum dos Srs. Deputados lho perguntou, ninguém levantou a questão, é a Sr.ª Dr.ª que espontaneamente diz: "Atenção, que nenhum deles era testemunha no processo!" De onde vem essa conversa? De onde vem essa dúvida?
O Sr. Osvaldo Castro (PS): As testemunhas não podem assistir ao julgamento!
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): Se, como diz o Sr. Deputado que continua aos gritos enquanto intervenho, nenhuma testemunha pode assistir ao processo, pergunto-lhe se a Sr.ª Dr.ª pode garantir-nos, preto no branco, que nenhum homem da DCICCEF testemunha no processo estava em Monsanto a acompanhar esse mesmo julgamento.
Esta é uma pergunta relevante porque suponhamos que estes homens foram os mesmos que investigaram o processo. Se foram os mesmos, é perfeitamente possível que sejam testemunhas no processo. Se são testemunhas no processo, não podiam estar a acompanhar o julgamento porque, Sr.ª Dr.ª, se foi essa a fundamentação, era enorme o risco de invalidação do depoimento ou mesmo, se esse depoimento fosse prestado, de pôr em causa todo o processo e o julgamento relativo à Universidade Moderna.
Termino, perguntando se existiu ou não essa solicitação formal. É que se a mesma não existiu, de duas uma: ou havia uma qualquer averiguação - e já nos disse que não havia porque não era isso que estava em causa - ou estes homens estavam a agir por conta da DCICCEF, ou mesmo por conta própria.
Ora, quanto a isso, devo dizer-lhe, sem medo nenhum, que acho preocupante, porque fica uma dúvida - e, agora, sim, uma dúvida séria -, a de saber o que eles estavam a fazer. Estavam a conduzir uma investigação por conta própria? A tentar dirigir de alguma forma a acusação? A tentar dirigir a acusação mesmo com um possível intuito político? O que é que se passa? Esta é uma questão relevante porque, se esse pedido formal não existia, levantam-se duas questões, a primeira das quais é óbvia, é a do princípio da legalidade. E é o princípio da legalidade que é posto em causa por esta mesma intervenção, sendo certo que, nesse caso, existem, obviamente, responsabilidades que são graves.
A Sr.ª Dr.ª, no seu depoimento, não foi clara quanto a esta matéria de nos garantir o que estavam a fazer os homens que lá estavam. Estavam a fazer o quê? Estavam a pedido do colectivo de juizes ou mesmo do Ministério Público? Estavam com que funções? Com que interesse? Com que objectivo? Porquê estes homens todos? E algum deles era testemunha no processo?
Por último, a Sr.ª Dr.ª refere, em várias entrevistas que concedeu, que a questão fundamental são os resultados e, quanto a resultados, o que conta são as prisões preventivas.
Sr.ª Dr.ª, também como leitor atento de jornais, devo dizer-lhe que, nesse aspecto, parece-me que o caso da mega fraude fiscal não foi propriamente um sucesso em matéria de prisões preventivas. De entre os vários detidos - e, sinceramente, não sei quantos eram -, tenho ideia de ter lido no jornal que, em 13, estão detidos preventivamente dois ou três…
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Cinco ou seis!
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sinceramente, não sei quantos, mas sei que são poucos os que ficaram detidos preventivamente.
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Gostaria de saber se isso pode ter a ver com a produção de prova ou com dificuldades na obtenção de prova nesse mesmo processo.
O Sr. Presidente: - Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado, tem a palavra.
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - No que diz respeito à questão de Monsanto, a questão nuclear foi a instrução que me foi dada verbalmente para não haver ninguém da DCICCEF em Monsanto. Esta instrução é desproporcionada em relação ao que a motivou. É que o que a motivou não é toda essa elaboração teórica e doutrinária que o Sr. Deputado, que muito respeito, acabou de fazer agora. Isso não corresponde a factos. O único facto que existia era um segurança ter ido dar apoio logístico ao Dr. Manuel das Dores.
O Sr. Director Nacional perguntou-me - acho que fui clara! - quem era o homem que andava em Monsanto - Quem era o homem? Quem era o homem? No seguimento disso, deu-me instruções verbais no sentido de que ninguém devia ir a Monsanto. Na altura, até referi ao Sr. Director Nacional que não tinha conhecimento sobre se havia ou não contactos entre o Ministério Público e a brigada de investigação do processo da Moderna, nem tinha que ter, porque isso era matéria do âmbito do Ministério Público.
Portanto, há aqui duas questões fundamentais.
A questão que me parece fundamental é a de eu ser interpelada por causa de uma pessoa que vai a Monsanto. Isso origina uma interpelação a uma directora no sentido de saber o que se passa e a preocupação do Sr. Director Nacional surge porque tinha sido interpelado pela Sr.ª Ministra da Justiça que, por sua vez, lhe tinha transmitido isso do Dr. Paulo Portas. Tudo isto por causa de uma pessoa que vai a Monsanto, uma mera pessoa que dá apoio logístico.
Ora, para dar apoio logístico, não é preciso haver nenhum despacho do Ministério Público nem nenhuma autorização, porque este é um apoio extra-processual, não é enquadrável processualmente. Trata-se de um apoio logístico que é feito porque o Dr. Manuel das Dores não conhecia bem o caminho para Monsanto, sentiu necessidade de algum apoio e eu dei-lho.
Depois, o que eu disse foi que até tinha pena de não dar outro apoio mais completo ao Ministério Público, mas não estávamos com possibilidades, não havia meios humanos para isso.
Portanto, o que conta, o que é decisivo nesta história é que sou chamada à atenção por causa de uma pessoa que tinha ido a Monsanto - e até já não estava a ir, tinha ido!
Na sequência desse facto, é-me dada a instrução verbal no sentido de que não deve ir ninguém a Monsanto. Eu demarquei esta instrução verbal de uma recomendação em termos de testemunhas. O Sr. Director Nacional não me disse que a preocupação era com a presença, em Monsanto, de testemunhas do caso Moderna - esse erro ninguém cometeria! -, o que me disse era que não devia ir ninguém da DCICCEF a Monsanto.
Então, chamei a brigada inteira, que eu sabia que tinha contactos com o Dr. Manuel das Dores por causa de outros processos e de outras investigações - eu tinha pedido os diários do Ministério Público; eu fazia a ponte com o Ministério Público - e disse-lhes: "atenção, não vai ninguém a Monsanto, porque recebi esta instrução do Sr. Director Nacional". É preciso entender isto como é. O facto é este: há uma pessoa que vai a Monsanto, o que suscita todos estes reparos e todas estas preocupações que me parecem desproporcionadas, ou, então, há qualquer coisa que não percebo.
Não tenho nenhum preconceito em relação a ninguém e muito menos em relação às duas pessoas que o Sr. Deputado citou. Essas pessoas é que parecem ter um preconceito a meu respeito, porque há uma pessoa que é meu segurança e que vai a Monsanto e isso dá nas vistas, chama a atenção. Não sei por que é que repararam por causa da ida de um segurança a Monsanto. Não sei por que é que repararam, porque isto é um facto normal, banal, não tem importância nenhuma. Aliás, o Sr. Deputado disse que esta não era uma pessoa tecnicamente qualificada. Eu não sei qual é a importância disto. Sou chamada à atenção - e não estou a deturpar a realidade! - por causa de ter uma pessoa que foi a Monsanto!
Agora, se isto é tudo absurdo, se isto não tem sentido, a culpa não é minha. Este processo é um processo absurdo do princípio ao fim e não tenho culpa disso.
A questão de Monsanto é a de que há uma desproporcionalidade, uma desadequação em relação a estas instruções verbais e àquilo que se tinha feito no terreno. Há uma pessoa que foi lá, a Monsanto.
E digo mais: é legítima a coadjuvação ao Ministério Público.
No processo das FP-27 e no processo Melancia, tive a coadjuvação da Polícia Judiciária e nunca houve nenhum ofício. Essas coisas acontecem naturalmente por força do exercício de funções. Mas, neste caso, nem sequer sucedeu isso porque as pessoas sentiam que não havia ambiente para isso, tinham de tomar cautelas exageradas. Acontece que eu transmito uma instrução, por dever de obediência e porque acho que não quero correr o risco de voltar a ser chamada à atenção sobre a matéria.
Agora, o Sr. Deputado pergunta-me por que é que não me demiti nesse dia.
Isto foi no dia 16 de Julho. Eu tinha apresentado um pedido de demissão de manhã, não podia apresentar pedidos de demissão, de manhã, à tarde e à noite! Assim não se trabalha seriamente! Como tal - isto é complexo mas é assim! -, fiquei num dilema: o Dr. Adelino Salvado defendeu-me tanto que é também a minha vez de não lhe criar problemas. Isso só prova que não tenho objectivos políticos de espécie nenhuma.
E voltamos, outra vez, às cartas, às entrevistas e ao "porquê hoje?"
Parece-me que os Srs. Deputados têm em muito má conta esta Comissão de Inquérito.
Eu não estou a entrar em contradição - já disse que isto é como olhar para o fundo de uma piscina -, estou a concretizar os motivos, as circunstâncias e os pormenores em que ocorreu a minha demissão. Não foi um ataque de mau génio, não foi uma iniciativa minha, não foi uma escolha minha, foi um pedido do Director Nacional, num determinado dia, estando eu em férias. Por que é que ele escolheu esse dia? Por que é que escolheu telefonar-me às 10 horas e 20 minutos da manhã? Por que é que não esperou que eu terminasse as férias? Por que é que já tinha contactado com o Dr. Albano Pinto muito antes de ter falado comigo? O Dr. Albano Pinto estava à espera de vir para Lisboa… Aliás, não é preciso ninguém desmentir ou confirmar isso… O Dr. Albano Pinto toma posse na segunda-feira. Isso transcende-me. O Dr. Adelino Salvado meteu-me neste processo sem hipótese de escolha e eu estou a concretizar.
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Atenção, a versão que dei é a versão de abordagem genérica - motivos de divergências de organização, de estratégia operacional, isolamento político - e mantenho. A minha inserção era operacional, eu não tinha contactos com a tutela.
Agora, o que digo é que não pedi a demissão espontaneamente, foi a pedido do Sr. Director Nacional, foi por causa do Sr. Director Nacional me ter proposto isso. O Sr. Director Nacional propôs-me a minha demissão. Espera que eu vá de férias, espera ter o projecto financeiro da Polícia Judiciária com garantias de aprovação, espera ter o protocolo de acesso às bases de dados elaborado, espera ter garantias de aprovação da Lei Orgânica da Polícia Judiciária, sabe que há duas ou três operações em marcha e escolhe o momento. Ele é que escolheu o momento. Isto não é cada vez mais político. Se isto é político ou não, a culpa, a meus olhos e directamente, é do Dr. Adelino Salvado, porque ele é que me empurra para esta situação. Eu não tive escolha nenhuma, não tive escolha de espécie nenhuma. Sou abordada, às 10 horas e 20 minutos da manhã de um dia de férias, com tudo isso em cima!
As explicações não variam! Estou a concretizar porque respeito os Srs. Deputados. Se os Srs. Deputados querem uma verdade meramente formal, paciência!, também não me vai surpreender. Agora, não esperava que existisse uma comissão de inquérito! Esperava que tudo tivesse acabado no dia 29. Não acabou porque, porventura, neste país, não é possível praticar actos de uma arbitrariedade tamanha - e ainda bem! É sinal que há democracia!
É que nunca tive nenhuma discussão séria com o Sr. Director Nacional sobre nada. O Sr. Director Nacional diz-me "vai haver alterações de estrutura; já sei que não concorda, portanto, está liberta do nosso compromisso". Eu, como pessoa leal e séria que sou, disse "sim senhor, estou liberta do compromisso, vou tomar a iniciativa de pedir a demissão" e tenho mantido isso publicamente, é a minha atitude pública. Se me perguntam em que circunstâncias ocorreu a demissão, Srs. Deputados, não posso mentir, tenho de concretizar e julgo que são pormenores a mais para ser uma história inventada…!
Se os Srs. Deputados quiserem, podem pedir os dados relativos ao tráfego do meu telefone e do telefone do Sr. Director Nacional e verificar quem é que telefonou a quem nesse dia, de manhã. Aliás, há uma proposta sobre preservação de dados digitais, que ainda foi subscrita por mim própria e enviada à Sr.ª Ministra da Justiça, que foi chumbada por um dos seus assessores… Representa tanto como a possibilidade de identificação dos autores no crime informático e nos crimes cometidos através da Internet.
Portanto, Sr. Deputado, não há o "porquê hoje?" O "porquê hoje?" é porque eu não podia vir a esta Comissão sem concretizar estas circunstâncias.
O que os Srs. Deputados me pedem é que eu não diga a verdade toda, mas isso não posso respeitar. Estou a dizer a verdade toda, o porquê, hoje. As entrevistas são entrevistas genéricas. Apesar de ser acusada de protagonismo, nunca manipulei as entrevistas nem a comunicação com o grande público para dizer coisas que me interessassem do ponto vista pessoal. Aproveitei sempre essas oportunidades para fazer a educação das pessoas nos valores da luta contra a corrupção e contra o crime organizado internacional. Foi aquilo que eu fiz. Não tive entrevistas de intrigas, não tive entrevistas de conversas pessoais. Acho que procurei manter uma atitude nobre e digna, mas neste momento tenho de dizer a verdade e ou os Srs. Deputados cospem em cima da verdade e dizem que eu estou maluca, que estou alucinada e que estou a inventar isto tudo, ou os Srs. Deputados respeitam aquilo que eu tenho respeitado, que é a verdade material.
Fiz uma abordagem genérica e tenho consciência disso, em nome da defesa do prestígio das instituições, em nome da defesa de mim própria e da Polícia Judiciária. Imaginem os Srs. Deputados o que era contar aos jornais ou na televisão histórias tão edificantes como estas! Porque o que há aqui de edificante é absolutamente nada! O que há é um Director Nacional que, de forma infundada e perfeitamente arbitrária, diz: "minha senhora, ponha-se a andar. Não quero mais falar consigo!". E nunca mais falou comigo! E nunca mais falou comigo!
Agora, Srs. Deputados, não posso vir para uma Comissão manter-me numa posição genérica. O que eu fiz foi uma abordagem genérica, em nome de um determinado interesse. Neste momento, estou a concretizar e estou a dizer porque é que não o fiz antes. Não o fiz antes porque quando falo para a sociedade, para as pessoas, falo de questões nobres e dignas, de questões que interessam para as pessoas pensarem, não falo de intrigas, de coisas completamente disparatadas, que não têm sentido.
Aqui, desculpem, Srs. Deputados, tenho de os deixar com estes factos. Façam deles o que quiserem, mas que isto aconteceu, aconteceu! Que eu tinha o dever de o contar aos Srs. Deputados, tinha! Que isto é tudo... Isto não acontece num quadro de normalidade, porque não é normal um director nacional esperar que uma directora vá para férias e fazer isto! Não é normal dizer: "não vale a pena vir Lisboa, não falamos mais"! Eu estava a 40 minutos de Lisboa... Isto não é normal, pelo menos não é uma discricionariedade fundada e é legítimo que eu o diga!
Agora, não quis dizer isso à imprensa. Não quis, não digo nem jamais direi! Mas digo aos Srs. Deputados, pelo respeito que lhes tenho. Pelo vistos, os Srs. Deputados acham que eu estou a exagerar no respeito que lhes tenho. Não estou a politizar nada nem me interessa, repito, nem me interessa!...
Quanto a preconceitos em relação a políticos, esses políticos é que têm preconceitos em relação a mim, porque, se não, não me criticavam por excesso de visibilidade. A crítica era por excesso de visibilidade, e não posso ter inventado isto. Portanto, há alguém que não gosta, de facto, da visibilidade tal como era dada no combate ao crime económico, nele incluindo a corrupção e o branqueamento de capitais.
Pensava até que estava a prestar um serviço a esses políticos, e que eles tinham razões para estarem gratos porque a Polícia Judiciária estava prestigiada. Também não compreendo essa...
Aliás, vamos entrar, e a conjuntura é-me desfavorável, nas justificações rolantes, porque amanhã o Sr. Director Nacional dirá o que entender, a Sr.ª Ministra dirá o que entender e daqui pouco tudo está de rastos... Entrámos no "síndroma da tanga", que é o de que quando tomaram posse estava tudo de rastos na Polícia. O Sr. Director Nacional disse aqui que encontrou a Polícia Judiciária em marcha para a decadência. Não fui eu que o disse! Sempre falei da recuperação da experiência e do know how dos investigadores, sempre disse que o que sabia de crime económico tinha aprendido com o Dr. Rosário Teixeira e com os investigadores.
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O discurso do apagar o passado não é meu. Quero saber se o Sr. Director Nacional, amanhã, diz, em relação à operação da BT, qual foi o tipo de investimento que foi feito pela direcção anterior, ou se foi tudo trabalho e iniciativa dele! Refiro a direcção anterior incluindo o Dr. Bonina.
O Sr. Director Nacional veio para aqui dizer que não existia uma Polícia Judiciária e ele é que ia criar uma Polícia Judiciária. Por acaso sem estratégia, sem quadro estratégico, porque nunca se falou de criminalidade nem de tipologias, nem de tendências da criminalidade...
Mas o meu quadro é um quadro estratégico, é um quadro de criminalidade, não é um quadro pessoal. Se fosse um quadro pessoal teria contado estes factos à comunicação social, mas não é um quadro pessoal nem individual. É um quadro institucional de abordagem genérica, porque tive muita relutância e é com algum desgosto que revelo estes factos aos Srs. Deputados, mas acho que era a única atitude a ter. Reflecti muito, tive tempo para isso, e é a única atitude a ter perante esta Comissão.
É claro que tudo isto me transcende. Nunca esperei que existisse uma Comissão de Inquérito por causa disto, mas se calhar com alguma justiça, na medida em que a discricionariedade absoluta deve ser censurada e não vejo... Nunca o Sr. Desembargador me disse "você fez mal nisto, naquilo ou naqueloutro". Nunca me disse! Portanto, agora, ele pode inventar as explicações que quiser, inventar no sentido de as arranjar, no sentido de que não foram conversadas comigo...
Aliás, como se está a ver, estou a ser criticada por ter obedecido cegamente no dia 16. Obedecido cegamente porque era uma pessoa disciplinada e considerava-me nessa obrigação. Só que o meu tempo à frente da Polícia Judiciária não ia durar muito, era uma questão de dias, estava à espera do dia. E antes tinha-lhe dito isto duas vezes; ele disse-me que não, que tivesse juízo que estava com gorilas na cabeça. Esta bem, eu espero... E naquele dia disse-me: "afinal, pode-se ir embora. Está terminado o compromisso comigo". Mas estou para saber qual foi a causa directa.
Contei um processo, desde o dia 24 de Maio até ao dia 27 de Agosto, que é um processo complexo, e o que eu digo é que não tive nenhum ataque de mau génio, não desencadeei nenhum pedido de demissão que fosse controlável por mim, que obedecesse conscientemente à minha estratégia à frente da Polícia Judiciária. Foi-me imposto, foi-me pedido e, por orgulho, aceitei o pedido. Se não o aceitasse, era demitida e isto tudo aconteceria no dia 27, terça-feira.
Na segunda-feira tinha sucedido a mesma situação com o Dr. Pedro da Cunha Lopes, situação que eu ignorava. Ele foi abordado pelo Sr. Director Nacional, que lhe disse: "demita-se." Recusou a demissão - coisa que eu ignorava - e na terça-feira é proposta pelo Dr. Adelino Salvado a minha demissão, provavelmente para juntar as duas demissões, por uma questão de celeridade e de economia processual. Mas reparem que se há alguém responsável por tudo isto, pelas consequências de tudo isto, pelo preço que se possa pagar por tudo isto, aos meus olhos, é o Dr. Adelino Salvado, porque eu não tive escolha, repito, não tive escolha!
Estou aqui a cumprir o meu destino e com alguma ironia, repito, com alguma ironia, porque a primeira operação que eu pensei na Polícia Judiciária está a acontecer enquanto decorre a minha audição nesta Comissão. Com alguma ironia, com algum sacrifício pessoal, com todas as desvantagens, mas não há nenhum juízo de censurabilidade que eu possa aceitar nesta matéria, porque a iniciativa não foi minha, a decisão não foi minha; aceitei-a e seguia, com a lealdade e fidelidade que sempre me caracterizou, afinal de contas.
Não consegui evitar o pior; tentei, tentei mas não consegui. Agora, ou bem que os Srs. Deputados se acham dignos de uma verdade concreta, da verdade, verdade, ou acham que eu tinha que silenciar isto!
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - A verdade demonstrada!
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - É a verdade inconfundível!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia, a quem peço para ser brevíssimo, porque na primeira intervenção ultrapassou longamente o seu tempo.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Peço desculpa, Sr. Presidente. Provavelmente, tenho unicamente em meu benefício o não ter sido caso único, mas procurarei ser mais breve agora.
Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado, as suas apreciações em relação ao Sr. Director Nacional não as contesto. Porém, acho estranho, e continuo a achar depois desta sua resposta, que, tendo a Sr.ª Dr.ª a opinião que tem hoje e que está tão expressa neste depoimento - se ler as actas encontro milhares de coisas sobre o Sr. Director Nacional -, no momento crítico que, ainda por cima, estava para acontecer à não sei quanto tempo, que vinha de não sei quantos agravos, a senhora se tenha dirigido a ele nesta carta, fria e serenamente, dizendo "queira V. Ex.ª aceitar este repúdio como prova da minha consideração pessoal e profissional e prova do meu respeito V. Ex.ª."
Sr.ª Dr.ª, cada um tem o seu feitio e a sua maneira de ser, mas devo garantir-lhe uma coisa: uma pessoa sobre a qual eu pensasse aquilo que a Sr.ª Dr.ª hoje pensa dele - e nunca mais falou com ele depois, pelo que aquilo que pensa dele vem dessa altura, das discordâncias e das intromissões dele e das pressões políticas, etc. -, nunca escreveria isto! Mas cada um tem o seu feitio! Eu nunca lhe escreveria dando-lhe prova da minha consideração pessoal e profissional, do meu respeito! Mas isso é uma interpretação minha e penso que esta versão vem de facto a mudar.
Em relação às pressões políticas, trata-se de uma aclaração, porque esta matéria não ficou clara nesta resposta.
A existirem pressões políticas, esse é que é o âmbito desta Comissão, porque ela não está aqui por acaso nem fui eu que a convoquei ou que fiz as declarações que alguns Srs. Deputados fizeram, a dizer que há uma ligação de pressões políticas entre a Sr.ª Ministra da Justiça e o caso Moderna, que foi o que foi dito desde o princípio pelo Sr. Deputado Eduardo Cabrita e depois pelo Sr. Deputado Francisco Louçã, pelos Srs. Deputados que motivaram esta Comissão e que nos trouxeram até aqui.
Devo dizer que estou aqui com agrado, porque, intelectualmente, isto é estimulante, mas, por outro lado, não estou aqui com agrado, porque tenho receio que tudo o que saia desta Comissão não seja bom nem para mim nem para si, nem para ninguém em particular e sobretudo para a Polícia Judiciária, e isso é sentido de responsabilidade.
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Penso que a partir do momento em que entrámos neste processo da insinuação política, da acusação política, do envolvimento e da pressão política, Sr.ª Dr.ª .... Eu não tenho nada contra si, nem no passado nem hoje, e devo dizer que, se me perguntassem, diria que, pelo que vejo na comunicação social, com mais ou menos exagero, com mais ou menos protagonismo, mais justiceira ou menos, a ideia que tenho, e todos tínhamos, no país, penso eu, era a de uma pessoa que estava a fazer um bom combate, importante para todos, para os cidadãos e para todos nós. A partir do momento em que este processo começou, acho que não fizemos nada de bom em relação à Polícia Judiciária. Mas essa é a minha opinião pessoal.
Agora, há questões a que a Sr.ª Dr.ª não respondeu. Designadamente, ainda não consegui perceber como é que se a Sr.ª Dr.ª mandou um homem acompanhar o julgamento em Monsanto, para dar o tal apoio logístico, mandou retirar quatro, ou teve que chamar quatro para os mandar retirar?! Ainda não percebi!
Em segundo lugar, também ainda não percebi - e esse é um ponto nevrálgico desta questão - quem é que falou na possibilidade de estes homens serem testemunhas no processo.
A Sr.ª Dr.ª disse, no seu depoimento: "mandei-os retirar por causa da tal conversa da Sr.ª Ministra da Justiça, não foi porque fossem testemunhas no processo, não foi por isso!" Mas onde é que essa hipótese surgiu? Quem é que contou? Eu não o disse aqui, nenhum Sr. Deputado o disse, pelos vistos o Sr. Director Nacional também não o disse... De onde surgiu essa dúvida de eles poderem ser testemunhas no processo? Foi um dos corvos que contou, para usar uma figura de estilo, como a Sr.ª Dr.ª também usou várias vezes no decorrer desta Comissão? Foi um dos corvos que passou e, à vol d'oiseau, terá dito: "cuidado que algum deles pode ser testemunha no processo?"
Esta questão não ficou esclarecida, como também não ficou esclarecida, na minha opinião, uma outra pergunta que lhe fiz, no sentido de saber se no processo da mega fraude existem, ou existiram, dificuldades ou dúvidas na obtenção de prova e se isso teve alguma coisa a ver com o facto de, certamente, as prisões preventivas não corresponderem ao número que era esperado em relação às detenções que foram feitas nessa matéria, porque isto, efectivamente, pressupõe e exige uma avaliação de resultados.
Em relação ao resto, Sr.ª Dr.ª, é uma questão de opinião. Na minha opinião, sinceramente, tenho as maiores dúvidas sobre o que estes agentes poderiam estar a fazer, não tendo nem mandato do Ministério Público nem mandato ou solicitação de ninguém e tenho as maiores dúvidas de que não estejamos perante uma ilegalidade, que a Sr.ª Dr.ª, que os mandou retirar, não assume que soubesse que eles lá estavam... Sabia de um, diz a Sr.ª Dr.ª; mas os outros estavam lá porquê, por conta própria? Agiam por conta própria, estavam em "roda livre"? Estava já DCICCEF a funcionar em "roda livre"? Tenho as maiores dúvidas!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Dr. Maria José Morgado.
A Sr.ª Dr. Maria José Morgado: - Sr. Deputado, também não sei de onde é que vem essa ilegalidade em "roda livre", sinceramente!
O que tenho dito aqui é: o que é estranho é que me tenham interpelado ao nível de transmitir o que tinha sido dito pela Sr.ª Ministra da Justiça e o Dr. Paulo Portas, sobre "quem era que andava em Monsanto". E tudo isto acontece por causa de uma pessoa que vai dar apoio logístico!… Ora, o apoio logístico é extraprocessual, e neste caso foi transportar o Dr. Manuel das Dores.
Portanto, mandei chamar a brigada, preventivamente,…
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Chamar de onde?
A Sr. Dr.ª Maria José Morgado: - Chamar ao meu gabinete no…
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Chamar de onde?…
A Sr. Dr.ª Maria José Morgado: - Ó Sr. Deputado, mandei chamar de onde ela estava! E, Sr. Deputado, não vale a pena ficar tão nervoso com esta história de Monsanto! Eu mandei-os chamar do 1.º andar, onde eles se encontravam - um deles encontrava-se em férias. Portanto, mandei-os chamar ao meu gabinete no 5.º andar da Rua Alexandre Herculano, ao fim da tarde.
Aliás, como não percebi nada da história do "homem que andava em Monsanto", quis averiguar o que é que se passava, para saber se andava realmente alguém em Monsanto. Afinal de contas, o "homem em Monsanto" dizia respeito ao Pedro Albuquerque, que tinha transportado o Dr. Manuel das Dores. Era o apoio logístico que referi! Ora, este apoio logístico tinha suscitado toda esta "excitação". Excitação é a minha interpretação dos factos.
Então, chamei a Brigada e pedi o esclarecimento sobre quem é que estava a ir a Monsanto. E, Sr. Deputado, não sou obrigada a saber se há encontros entre o Ministério Público e brigadas que investigaram o processo quando estão julgamentos a decorrer. O Ministério Público tem autoridade e legitimidade para pedir, como fez no caso vale e Azevedo, por exemplo.
Portanto, chamei a Brigada, e não estava ninguém a ir a Monsanto. E transmiti-lhes a seguinte orientação: "A partir de agora, não vai ninguém a Monsanto! Nem que tenham de ir, não vai ninguém a Monsanto!".
A questão das testemunhas é a questão de distinguir esta instrução verbal do Sr. Director Nacional de uma outra instrução que porventura tivesse a ver com testemunhas. E, Sr. Deputado, tenho muitos anos de julgamentos (alguns 18 anos de julgamentos), e tenho especialização e sensibilidade para estas matérias. Por isso, percebi perfeitamente que a instrução não tinha a ver com presença de testemunhas em Monsanto, mas tinha a ver com o facto de não poder haver ninguém da DCICCEF em Monsanto.
O Sr. Director Nacional até queria saber se andava alguém da DCICCEF em Monsanto,…
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível transcrever as palavras do Orador).
A Sr. Dr.ª Maria José Morgado: - Já lhe expliquei, Sr. Deputado! Levanto, porque tenho cerca de 18 anos de julgamentos e tenho o hábito de classificar e analisar as coisas. E não foi uma instrução que dissesse: "Tenha cuidado! Veja lá, por causa das testemunhas". Era uma coisa que tinha a ver com um "homem que andava em Monsanto", e não devia haver ninguém da DCICCEF em Monsanto.
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Logo, se está o Sr. Deputado muito intrigado com a minha história da classificação do tipo de instrução que é, estou eu muito intrigada com a história de "quem é que andava", e "quem é que andava em roda livre". O Sr. Deputado não me quererá esclarecer?! Dá-me a ideia que o Sr. Deputado sabe mais do que aquilo que está a dizer nesta matéria. Porque eu só sei isto! Não sei mais nada!
Quanto ao processo das finanças, como já disse, trata-se de um processo de grande opacidade, de grande dificuldade na obtenção da prova. As detenções foram todas determinadas pelo juiz de instrução criminal, com a promoção do Ministério Público.
Não posso fazer mais revelações sobre este processo, porque continua numa fase crucial. Trata-se de um processo que tem cinco presos preventivos.
Aliás, há um aspecto curioso (mas isto é apenas um aparte): houve uma prisão preventiva que foi confirmada quando já não existia. E foi confirmada pelo Tribunal da Relação! Isto porque houve um desfasamento processual e, no momento em que foi confirmada a prisão preventiva, já tinha havido uma ordem de revogação da mesma por parte do Ministério Público.
Portanto, estamos no domínio de um processo muito, muito complicado, muito sensível, e não percebo a pergunta do Sr. Deputado nesta matéria, porque as dificuldades na obtenção da prova existiam e continuam a existir (e eu tinha noção disso!), mas não era razão para não se fazer aquela investigação.
É que não sei qual é a alternativa que o Sr. Deputado me está a colocar! Dá-me a impressão de que se era um processo difícil, ele não se devia investigar. Mas não! Investigava-se por ser difícil! Porque representava um nível de criminalidade intolerável ao nível da máquina fiscal. Aliás, se lerem o relatório da IGF sobre o "caso borda d'água", ficam a perceber que há um "lodo" de corrupção na máquina fiscal, sendo quase impossível individualizar responsabilidades, por causa da degradação dos próprios circuitos hierárquicos e burocráticos da máquina fiscal. Está lá escrito! É um relatório que deu origem a quatro ou cinco inquéritos que não tive a oportunidade de seguir até ao fim, mas que instaurei durante o mês de Julho quando ainda estava na Polícia Judiciária.
Portanto, a opção neste tipo de casos é: ou se avança e se faz todo o esforço possível e se apoiam os investigadores, ou se diz: "Isto é muito difícil! Não é possível! Vamos deixar-nos disto!". Não há duas opções possíveis! E devo dizer que tinha uma Brigada com cinco pessoas só a trabalhar neste processo há um ano, com as restantes investigações paradas, tal foi a prioridade que foi dada! O caso da corrupção nas finanças, o caso Lanalgo eram todos prioridade da 1.ª Brigada.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta, o depoimento que V. Ex.ª nos trouxe, em meu juízo, foi um depoimento muito minucioso e muito preciso, que suscita naturalmente o aprofundamento de muitas questões e o exercício do contraditório para apurar algumas das questões que nos trouxe, que são efectivamente muito relevantes.
O objectivo desta Comissão de inquérito, como a Sr.ª Procuradora sabe, é apurar a verdade, para fazermos um juízo da responsabilização e da responsabilidade política que cabe no âmbito das funções de fiscalização da Assembleia da República, das quais a comissão de inquérito é um instrumento essencial.
Daí o retermos com normalidade que V. Ex.ª nos tenha fornecido hoje dados muito mais precisos, muito mais minuciosos, muito mais detalhados, do que aqueles que nos deu na primeira vez que esteve na 1.ª Comissão, até pelas razões que desde logo invocou do segredo de justiça e do segredo profissional.
Por isso, em relação às questões que nos trouxe e que, na sua maioria, foram já dilucidadas, e até por razões de economia, gostaria de colocar-lhe quatro questões que peço que aprofunde, se puder fazê-lo.
A primeira é uma questão factual. Gostaria de saber se depois de formulado o segundo pedido de demissão telefónico… - porque, se bem entendi, houve um segundo pedido de demissão ou uma confirmação depois do pedido de demissão. Por isso, gostaria de saber se esse foi o contacto formal, com maior solenidade, no âmbito da sua demissão com o seu Director Nacional.
A segunda questão surge ainda no âmbito das escutas telefónicas. Foi para nós muito surpreendente aquela página muito destacada de O Independente com as escutas telefónicas, com as alusões que vinham no seu texto àquelas fontes habituais "internas", "próximas de…". Depois, num prazo de cinco dias, houve o desmentido do Director Nacional.
Gostaríamos de saber da parte da Sr.ª Procuradora, por um lado, a confirmação que já nos deu, mas que nos pode tranquilizar quanto a um rigoroso cumprimento da legalidade nessa matéria, por outro lado, se pode ajudar-nos a formular um juízo da razão da saída destas informações.
E ainda (e esta questão foi colocada esta manhã ao Dr. Pedro Cunha Lopes), sobre as dúvidas que temos sobre se uma acusação tão grave como essa, à idoneidade, ao rigor e à legalidade da Polícia Judiciária, foi objecto de alguma acção, alguma queixa, algum inquérito, porque manifestamente isto constitui, como foi dito esta manhã (e bem), matéria criminal.
Terceira questão, Sr.ª Procuradora, um dos objectivos desta Comissão é, como sabe, não só a questão das intromissões ilegítimas do poder político nas indicações, designação e exoneração dos dirigentes da Polícia Judiciária, mas ainda avaliarmos se está precarizado o combate ao crime económico.
A Sr.ª Procuradora tem dito que há um risco evidente de fragilização da prova em todo o caso das finanças. Invocou, no primeiro momento do seu depoimento, que este caso envolve intermediários, angariadores, cargos de chefia, eventualmente advogados que estejam ligados a esses processos, consultores, etc.
A Sr.ª Procuradora já disse que não gostaria de fazer referências nominativas, por razões que se compreendem. De qualquer forma, gostaríamos que nos dissesse quais são os elementos concretos, quais são os temores e os receios concretos, que parecem muito fundados, quanto à precarização e à fragilização da prova, e eventualmente ao seu desaparecimento.
Por fim, e ainda articulada com esta questão, temos que nesta matéria parece haver coincidências a mais. Assim, gostaria que nos tranquilizasse quanto a esse aspecto.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado.
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A Sr. Dr.ª Maria José Morgado: - Em relação à primeira pergunta, sobre o pedido de demissão por telefone, suponho que o Sr. Deputado quer referir-se ao meu último pedido, o de 27 de Agosto.
Trata-se de um pedido, a pedido. Tinha um compromisso para ficar, e um compromisso para sair. Foi um pedido, a pedido, por via telefónica, como já expliquei.
Apartes inaudíveis de vários Deputados.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço, uma vez mais, que não sejam feitas perguntas, especialmente sem microfone, porque depois não ficam registadas e não se percebe a resposta da Sr.ª Doutora.
A Sr. Dr.ª Maria José Morgado: - Sr. Presidente, parece que há uma dúvida acerca de um segundo telefonema nesse dia. E houve, mas foi para confirmar o envio do fax com o pedido de demissão. Foi ao fim da tarde, às 17 horas.
Cerca das 10 horas aceitei, sem qualquer espécie de resistência - aliás, não tinha alternativa e seria ridícula qualquer resistência, porque quem está em comissão é para sair no primeiro momento em que lhe abrem a porta -, e disse ao Sr. Director Nacional que, sim senhora, que enviaria imediatamente um fax com o meu pedido de cessação da comissão.
Perguntei-lhe se queria falar comigo pessoalmente, insistindo que vinha a Lisboa, e o Sr. Director Nacional disse-me que não valia a pena e disse-me até que tinha uma pessoa com o perfil igual ao meu para me substituir no lugar.
Portanto, Sr. Deputado, a evolução dos acontecimentos demonstra a verdade material de toda esta história. Porque há uma evolução dos acontecimentos rápida, com a posse de um novo director, com divulgação de novos poderes da Polícia Judiciária, etc. Portanto, tudo isto estava preparado. E quem preparou não fui eu, foi quem me pediu para pedir a demissão!
Portanto, às 17 horas telefonei ao Sr. Director Nacional para confirmar a recepção do fax com o pedido de demissão. O Sr. Director Nacional não tinha ainda recebido o fax, mas pedi-lhe para o pedir ou para ir à procura dele, para ele não pensar que era alguma brincadeira - uma vez que não tinha tido possibilidade de o mandar a não ser pela Junta de Turismo da Ericeira.
Nessa altura, pedi ao Sr. Director Nacional que me explicasse quais eram os motivos para aquele comportamento tão inusitado da parte dele. E ele disse-me que não o massacrasse, nem a mim nem a ele! Foi assim! Eu não ia dizer isto aos jornais, acho eu! Aliás, se o tivesse feito na 1.ª Comissão, diante da comunicação social, era feita em "salame" por aqueles que agora me criticam por não o ter feito.
Creio que esta era matéria reservada e estou a transmiti-la com a solenidade inerente ao acto. Se os Srs. Deputados não querem corresponder a esta solenidade, paciência! Mas, de facto, esta era matéria que considerava reservada. E toda a gente na Polícia Judiciária sabe que isto aconteceu assim - aliás, não faz sentido uma pessoa ir para férias entusiasmada com o trabalho que está a fazer e depois, de repente, apresentar uma demissão inusitada. A evolução dos acontecimentos fala por si.
As cartas são apenas um elemento. De facto, são frias e serenas, porque queria serenar os ânimos e defender os operacionais do que não sabia que poderia acontecer. Tinha algum receio do que viesse a acontecer e ainda alguma esperança, alguma expectativa de poder conservar o trabalho que estava a ser desenvolvido, que era muito e bom. E, de facto, é uma carta de "gelo" para tentar arrefecer ao ânimos do Sr. Director Nacional, não os meus. Sou igualzinha ao que era no dia 27 de Agosto.
Em relação às escutas e às intercepções telefónicas, é evidente que a Polícia Judiciária, tal como todas as polícias, tem os seus problemas, deve ser fiscalizada e vigiada, mas isso é assim em toda a parte do mundo - a polícia britânica tem uma polícia dos polícias com 800 homens. Aliás, a DCICCEF não era popular no seio da própria Polícia Judiciária porque os inspectores que combatiam a corrupção eram mal vistos pelos outros e, ainda no dia 16 de Abril, a DCICCEF tinha ido prender um inspector da Polícia Judiciária à Directoria de Lisboa, no seu local de trabalho. Ora, isto não é bem visto pelos restantes colegas.
Portanto, também havia anticorpos internos em relação a todo o corpo da DCICCEF que envolviam a necessidade de apoio da parte do Sr. Director Nacional em relação a essas pessoas, porque eram pessoas que não suscitavam muitas simpatias junto de determinado grupo de colegas - mas dizia isto a propósito das escutas telefónicas.
Em relação às intercepções telefónicas, há uma evolução histórica na Polícia Judiciária que tem a ver com a pressão do crime grave altamente organizado, que começou a fazer-se no tempo das FP-25, que se desenvolveu com o tráfico de droga (os grandes carteiros da droga) e com o banditismo. Porém, a DCICCEF foi criada muito recentemente, se não me engano em 1995, ainda não estava sujeita a esta pressão do crime altamente organizado e não teve as provações no terreno que teve a DCCB e a DCITE, designadamente determinados problemas com o uso dos encobertos e, até, ao nível de intercepções telefónicas. Mas tratavam-se de problemas que eram resolvidos no terreno pelos seus directores nacionais adjuntos e pelo Director Nacional.
Na DCICCEF não havia um problema em relação a intercepções telefónicas. As intercepções telefónicas eram consideradas um meio importante de prova quando por outro meio não era possível alcançar a verdade; era uma meio específico de prova e, inclusivamente, fiz reuniões com o DIAP, nas quais esteve presente a Dr.ª Francisca Van Dunen, sobre práticas, boas práticas, nas intercepções telefónicas.
Numa dessas reuniões com a Dr.ª Francisca Van Dunen até se combinou que - porque as formalidades das operações são complexas e ocorrem durante várias fases -, após a autorização da intercepção telefónica dada pelo juiz de instrução criminal, a Polícia Judiciária apresentaria os suportes magnéticos com a sugestão do número de sessões sem transcrição e de sessões a transcrever de 10 em 10 dias, o que é uma exigência notável, e foi cumprida, por causa do princípio de conhecimento imediato do JIC. Portanto, até nisso houve reuniões e uma sedimentação de orientação com o Ministério Público e os JIC. A Dr.ª Fátima Mata Mouros deslocou-se numerosas vezes, e penso que continua a fazê-lo, às instalações da DCICCEF para se inteirar do conteúdo das intercepções telefónicas.
No caso das finanças, desde que o processo foi para o DCIAP, os suportes magnéticos eram apresentados de cinco em cinco dias no início, passando depois a ser apresentados
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de 10 em 10 dias. Portanto, havia quase uma paranóia legalista a respeito das intercepções telefónicas; havia despachos do Director Nacional Dr. Luís Bonina sobre a matéria e um controlo administrativo com obrigatoriedade de inserção na SIC de todas as intercepções telefónicas por causa da coordenação e até do conhecimento da simultaneidade das várias intercepções.
A esse respeito, o cumprimento da legalidade era do mais rigoroso que existia.
Surpreendeu-me, de facto, a posição do Sr. Director Nacional na 1.ªComissão. Nunca me foi suscitado qualquer problema nessa matéria sobre o trabalho e os métodos da DCICCEF: não tenho conhecimento de nenhum problema, não foi instaurado nenhum processo crime nem há queixa alguma de ninguém por intercepções ilegais.
Admito, pode suceder que, em julgamento - nomeadamente no caso das finanças -, o Sr. Juiz venha a interpretar que os suportes ou as transcrições não foram feitas no prazo de x dias, porque a lei refere "imediatamente", e a interpretação do "imediatamente" vai desde 3 dias até um mês, ou de 10 em 10 dias, ou de 5 em 5 dias… O Tribunal Constitucional definiu que "imediatamente" é o conhecimento directo do conteúdo das intercepções por parte do juiz de instrução criminal. Esse conhecimento directo era garantido na DCICCEF, nunca houve censura alguma a esse respeito, logo surpreende-me que tal tenha surgido e penso que não me diz respeito. E dizer publicamente que há problemas de intercepções ilegais na Polícia Judiciária é quase a mesma coisa que dizer que a Polícia Judiciária assalta bancos ou trafica droga!
É evidente que corrupção, crimes e prevaricações há em toda a parte. A esse respeito, a minha obrigação era estar atenta enquanto estava na Polícia Judiciária. Mas não houve problema algum desse tipo nem havia uma história de problemas em matéria de meios específicos de prova na DCICCEF. Os meios específicos de prova quase se iniciaram no processo da Moderna e, depois, com a minha direcção, porque é a única maneira de combater o crime económico e o crime grave organizado, uma vez que se trata de uma criminalidade altamente especializada, sofisticada e que não se combate sem ser através da "artilharia pesada", como lhe chamam os italianos - isto em termos grosseiros.
A esse respeito posso garantir aos Srs. Deputados que não havia qualquer problema na DCICCEF e - penso - na Polícia Judiciária, em geral. Aliás, não percebo… Ouvi dizer, ouvi mesmo dizer que a Sr.ª Directora de O Independente, nas vésperas da publicação daquele artigo, ou notícia, ou o que seja sobre as intercepções telefónicas e irregularidades na Polícia Judiciária, esteve a visitar as instalações da Polícia Judiciária, na Rua Gomes Freire, inclusivamente as instalações que dizem respeito ao terminal de intercepções telefónicas. E eu pergunto: o que é que uma jornalista…? Que instância de fiscalização é uma Inês Serra Lopes para ir visitar o terminal de intercepções telefónicas da Polícia Judiciária, na Gomes Freire? Penso que isso aconteceu e, depois, saiu o artigo sobre as intercepções telefónicas.
É claro que vim a público defender os operacionais da Polícia Judiciária, porque acho que eles mereciam isso e, neste momento, falar em ilegalidades em matéria de intercepções telefónicas é querer quebrar o combate no crime económico, é querer desmoralizar os operacionais. E a minha atitude pública de defesa não foi porque me senti comprometida mas, sim, porque quis moralizá-los, fiz bem em moralizá-los e senti os respectivos efeitos. Isso foi algo que o Sr. Director Nacional só fez cinco dias depois de este assunto andar no ar.
Portanto, a respeito de intercepções telefónicas, há um rigoroso cumprimento da legalidade na Polícia Judiciária, pelo menos na Polícia Judiciária que conheço e tive oportunidade de dirigir.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado, nestas circunstâncias, apenas gostaria de fazer uma pergunta relacionada com o caso das finanças.
A verdade que nos trouxe é muito melindrosa, muito desagradável, não queria discutir nesta sede a situação muito perigosa de crise no combate ao crime económico e fiscal que se desgarra da viragem ou da contraviragem estratégica que acabou de criticar - e isso fica nos autos -, mas gostava de perguntar se nos pode trazer mais alguma informação sobre esse processo de grande opacidade e dificuldade, em que ainda há presos preventivos. Ou seja, no actual quadro da situação, poderá responder se entre os envolvidos (de que tem conhecimento, naturalmente) estão pessoas que, no passado, tiveram alguma relação próxima com ex-funcionários do Ministério das Finanças, designadamente com a actual Ministra da Justiça enquanto funcionária do Ministério das Finanças.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado.
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Magalhães, não posso dar-lhe uma resposta taxativa a uma pergunta tão taxativa porque não é possível. O processo tem uma malha probatória que vai abrindo ou fechando consoante as possibilidades de recolha de prova.
Já disse que tinha um limite para as minhas declarações a esta Comissão de Inquérito, que é a eventualidade de danos à investigação criminal. E não quero ser acusada de amanhã o processo fracassar, ter um colapso e isso ser atribuído a estas declarações.
É evidente que quando se está a investigar a corrupção das finanças ao mais alto nível há sempre uma imprevisibilidade de alvos a atingir. E há sempre o outro lado, ou seja, há quem possa estar implicado e a própria Polícia não saiba, não é? O que é certo é que este era um processo muito ambicioso em termos de alvos e um processo que atingia pessoas com responsabilidades de direcção dentro da máquina fiscal. É evidente que quando há angariadores fora que têm relações com escritórios de advocacia, por vezes a investigação tem os seus caminhos caprichosos, tanto num sentido como noutro. Mas mais não lhe posso dizer.
De facto, enquanto o processo está em aberto tem essa potencialidade, essa eventualidade de atravessar caminhos probatórios relativamente a pessoas que nem sequer era previsível no início. Mas, sinceramente, nem sequer era uma coisa que me preocupasse.
Preocupava-me, de facto, algum impacto, diminuir a corrupção no seio da máquina fiscal. Pensava que o Estado não podia continuar a funcionar assim, que era uma tragédia se continuasse assim e dispus-me a fazer todo o esforço,
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para além de todas as forças que pudessem existir, para que houvesse resultados nesta matéria.
Pedi, aliás, uma reunião a dois Secretários de Estado dos Assuntos Fiscais, por minha iniciativa, uma ao Dr. Rogério Fernandes Ferreira, quando ele ainda era secretário de Estado, outra ao Dr. Vasco Valdez - penso que no dia 30 de Abril, ainda era o Dr. Bonina Director da polícia Judiciária -, expus as minhas preocupações sobre este processo aos Srs. Secretários de Estado e disse-lhes: "Não pensem que a Polícia Judiciária tem uma varinha para resolver os problemas da fraude e da evasão fiscal, estamos a fazer o que podemos, mas o caso é muito difícil. Tem de haver medidas disciplinares e administrativas do vosso lado. Ajudem-nos também". E mantive sempre uma proximidade com os Secretários de Estado no que se refere a esta matéria, dentro de um princípio de transparência e de lealdade.
Agora, de facto, trata-se de um processo preocupante. Não digo que seja no sentido que o Sr. Deputado diz, porque isso já me ultrapassa completamente, porque foi um processo que eu deixei praticamente no início. Os oito meses de prisão preventiva - este é um prazo normal, porque, se for considerado um processo complexo, este prazo pode ir até um ano ou um ano e meio - serão atingidos em Dezembro. O caso estava a ser construído e deixou de me dizer respeito a partir do dia 27 de Agosto.
Ninguém sabe, quando há arrependidos num caso, até onde é que os arrependidos nos podem levar. Ninguém sabe! Aquilo que estimo, que desejo e que a Polícia Judiciária há-de ser capaz de fazer é que, porventura, o processo tenha um resultado razoável e compatível com as expectativas do início da investigação e com o esforço e grau de ocupação de meios utilizados no processo. Porque, de facto, as finanças, a BT, os processos da saúde, a pedofilia na Internet, etc. eram uma prioridade.
O Sr. Presidente: - Obrigado, Sr. Dr.ª
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta, como, possivelmente, não acompanhei com a devida atenção a sua resposta, pelo-lhe que me esclareça uma dúvida.
Esse processo de que acabou agora de falar na resposta ao Sr. Deputado José Magalhães foi o tal processo em relação ao qual, nas férias da Sr.ª Procuradora, o Sr. Director Nacional pediu informações?
O Sr. Presidente: - Esse era sobre combustíveis!
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Então, não é o mesmo processo, suponho eu - e é isso que quero esclarecer -, porque o Sr. Director Adelino Salvado, quando cá esteve, falou que tinha pedido informações sobre um processo a pedido da Sr.ª Ministra das Finanças. Pelo que leio aqui, suponho que não será o mesmo, porque a resposta do Sr. Director Nacional é que o processo estava estagnado, estava dependente de uma diligência noutro país, e que, graças à sua intervenção, o processo foi para a frente. Não é o mesmo processo, pois não?! Se o Sr. Presidente quiser ver, tenho aqui…
A Sr.ª Maria José Morgado: - Não, não é! Posso esclarecer, se quiser.
O Sr. Presidente: - Não sei se a Sr.ª Deputada já concluiu ou se…
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não! Já concluí, Sr. Presidente!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado.
A Sr.ª Maria José Morgado: - Sr.ª Deputada, trata-se de dois pedidos de informação: um é sobre o caso de fraude internacional organizada, fraude ao IVA e aos IEC, nos combustíveis, e o outro é sobre o caso das finanças.
No caso da fraude internacional de combustíveis, há um pedido de informação, na sequência de uma preocupação da Sr.ª Ministra das Finanças, que é legítima, que correspondia também a uma preocupação naquela casa e por causa disso tinha posto em marcha uma equipa, durante dois meses, a recolher prova, a detectar o modus operandi e a apurar quem eram as empresas envolvidas na fraude e qual a sua dimensão e, no seguimento dessa recolha de informação, no âmbito da averiguação preventiva, permitida pela Lei n.º 36/94, em Janeiro de 2002 propus ao DCIAP a instauração de um inquérito para averiguar das responsabilidades nessa matéria.
A prova estava garantida e estava apenas dependente de uma carta rogatória. Ora, as cartas rogatórias em matéria de crime económico têm uma média de duração de três anos e, na altura, o Sr. Director Nacional entendeu que o processo tinha de ultrapassar todos os outros, quando, no meu entender, e no terreno… E se ele me ouvisse, porque isto não é…
Vamos lá ver: o Director Nacional tem de ouvir quem está no terreno, sob pena de não serem precisos directores nacionais adjuntos, porque um director nacional fazia tudo. Mas, como havia directores nacionais adjuntos operacionais, e eu tinha conhecimento das prioridades no terreno, tentei explicar-lhe que não se estava a perder prova com a espera da carta rogatória, que em Setembro ou Outubro insistiríamos sobre o envio da carta rogatória e que tinha a brigada ocupada com duas investigações que punham em causa a cooperação com a Brigada Fiscal e com as alfândegas, que tinham a ver com alvos importantíssimos de criminalidade internacional organizada no âmbito das mercadorias sensíveis, álcool e tabaco.
No entanto, o Sr. Director Nacional não considerou estas prioridades, quis avançar a todo o custo com o processo dos combustíveis, sem possibilidades probatórias, porque não foi possível avançar com o processo. A carta rogatória, realmente, foi respondida em pouco tempo, e mal fora que não fosse, com a interferência também do Sr. Procurador-Geral, e ainda bem, mas, depois, até se verificou - e eu não estou a causar danos ao processo - que a documentação que vinha de Espanha batia certo com a que estava na Alfândega de Braga e que, portanto, o modus operandi da fraude era outro, que agora não posso revelar. Havia duas modalidades, duas hipóteses, e havia um outro modus operandi, e, afinal de contas, veio a confirmar-se que era este e não aquele que, aparentemente, parecia estar no terreno.
Portanto, se se tivesse avançado com uma operação, como, na altura, o Sr. Director Nacional pretendia, teria sido um fracasso, porque não teria correspondido ao modus operandi que estava a ser implementado pelo grupo organizado por várias empresas no terreno. Mas este é o processo dos combustíveis.
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O pedido de informação sobre o processo das finanças passa-se uns dias depois. O Sr. Director Nacional verbalmente, não por escrito, pede, através de coordenadores que trabalhavam - e trabalham - junto de si, para lhe enviarem uma informação circunstanciada sobre o processo das finanças, o que foi feito.
O que digo é que não percebo qual o interesse dessa informação, uma vez que eu informava regularmente o Sr. Director Nacional sobre este processo, estava preocupada com o processo e, por isso, o pedido de informação por escrito parece-me uma maneira de me desautorizar, parece-me um sinal aos investigadores, parece-me, porque, senão… Vamos lá ver: o Sr. Director Nacional sabia da minha boca, transmitido por mim, o que se estava a passar com o processo. Aliás, era um processo acompanhado pessoal e directamente, quase diariamente, pelo Ministério Público; havia reuniões semanais entre os operacionais e o magistrado do Ministério Público titular do processo, Procurador da República do DCIAP.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, dá-me licença que peça mais dois esclarecimentos?
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado, quero colocar-lhe mais duas questões.
A primeira é perguntar-lhe se, no processo dos combustíveis, o pedido de informação foi apenas verbal ou se foi também por escrito.
A segunda, trocando por miúdos algumas coisas que fui recolhendo, é perguntar-lhe se o modelo da Polícia Judiciária defendido pelo Sr. Dr. Adelino Salvado era um modelo com uma maior concentração de poderes nele, retirando alguma autonomia às direcções centrais. É isto que posso concluir? E terá sido fundamentalmente por causa disso que houve o conflito, uma vez que as direcções centrais necessitavam de ter a autonomia que, de facto, tinham para levar a cabo um combate eficaz ao crime e o Sr. Director Nacional queria uma maior concentração de poderes e que tudo passasse por ele? Terá sido assim?
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado.
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Sr.ª Deputada, em relação ao processo dos combustíveis, o que houve foi uma intervenção do Sr. Director Nacional, ou várias, para dar prioridade ao processo. Penso que isso ficou escrito também. Na altura, foi enviado por fax à subdirectora que me substituía na minha ausência. Prioridade, porque, de repente, o Sr. Director Nacional foi confrontado com essa preocupação da Sr.ª Ministra, mas eu tinha essa preocupação há muito tempo, não é por nada. E aquela era uma prioridade artificial, do meu ponto de vista, porque não correspondia ao estado de desenvolvimento da prova e prejudicava todas as outras operações.
Agora, quanto ao modelo para a Polícia Judiciária, é muito complicado de falar, porque o próprio Director Nacional disse, perante a 1.ª Comissão, que não tinha um programa nem um quadro estratégico de definição para a Polícia Judiciária. Mas, entretanto, cria secções centrais.
Ora, a Secção Central de Branqueamento e a Secção Central de Vigilâncias, criadas desta maneira, a meu ver, não correspondem a qualquer processo centralizador, correspondem a um processo hegemónico, que é uma coisa completamente diferente.
Mas não só um processo centralizador, porque, primeiro, não há meios humanos suficientes e, como tal, como não há capacidade de afectação de meios humanos às investigações, vai ser necessário retirar os meios às brigadas de vigilâncias que existem nas direcções centrais e os meios de análise, de prevenção e de recolha e tratamento de informação que existem nas direcções centrais vão ter de ser deslocados para estas supersecções centrais. Como vão ser deslocados e a manta é curta, há aqui uma quebra de operacionalidade, e, como há quebra de operacionalidade, temos uma informação estática, temos uma informação estéril, temos uma informação institucional de bases de dados, mas não temos uma informação especulativa de recolha no terreno, com conhecimentos dos modus operandi, com análise dos riscos de criminalidade.
Neste momento, a análise de risco que eu faço é que o crime económico é, de facto, o principal desta matéria, porque gere lucros fabulosos e, como tal, precisa de os branquear, visa também o lucro, é um crime que surge de braço dado com a corrupção, é um crime que segue os mesmos modus operandi e tem as mesmas rotas do tráfico de droga e do banditismo.
Por exemplo, o crime organizado internacional em matéria de telecomunicações e contrafacção de cartões tem as mesmas rotas do crime de tráfico de pessoas, o crime de tráfico de droga tem as mesmas rotas do contrabando de álcool e tabaco
Tudo isto envolve uma necessidade de definir estas tipologias, para se saber como é que a criminalidade funciona no terreno, e isso só acontece com gente com treino no terreno que recolha essa informação e essa informação tem de ser passada para a análise e para o tratamento para a secção de prevenção, para, por sua vez, ser devolvida à investigação. Só isto aumenta a capacidade de resposta da Polícia Judiciária.
Quando se retiram meios às direcções centrais para superdirecções centrais, essa superdirecções centrais vão morrer, porque não há investigação, e a informação sem investigação é uma perversão, não há operacionalidade. Há uma série de burocratas que estão ali sentados, são muito importantes, têm o poder, dominam, de facto, a informação, até podem escolher alvos, mas não há formação, treino, motivação de investigação, a investigação não se desenvolve.
Era isto que eu sentia, sentia que a DCICCEF estava numa viragem e precisava de recolha, análise, tratamento de informação e de prevenção, para conhecermos as tipologias a cada momento e definirmos as prioridades, diagnosticarmos o problema. E neste momento a respeito da DCICCEF está tudo na mesma. Mas no dia em que o Sr. Director Nacional quiser pôr a funcionar a secção central de branqueamento e a secção central de vigilâncias vai ter de tirar pessoas da DCICCEF, conforme vai ter de tirar da DCITE. E essas pessoas que vão sair vão quebrar, vão cortar, necessariamente, a operacionalidade das direcções centrais e vamos ter uma informação sem objectivos de combate ao crime económico. É uma informação especulativa, hegemónica, não é uma informação em tempo real.
Portanto, tudo isto tem de ser muito bem articulado - e o meu projecto até era centralizador, tendo sido criticada por isso - porque tem de haver recolha da informação ao nível centralizado das instâncias para conhecimento
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dos fenómenos e com devolução às instâncias que estão no terreno desses estudos e desse conhecimento. Aliás, visitei a Polícia Judiciária no terreno, inclusivamente fui às directorias mais longínquas pedir-lhes que dessem informação à direcção central para esta lhes poder devolver essa informação trabalhada e com capacidade de ataque ao crime. A investigação da brigada de trânsito em Faro iniciou-se com informação transmitida pela DCICCEF; a investigação da directoria de Coimbra sobre a DGV iniciou-se com informação recolhida pela DCICCEF - refiro casos que têm tido visibilidade.
Portanto, este é um trabalho de relojoaria muito complexo. E não se pense que é por se criarem supersecções centrais que a polícia fica modernizada, que fica apetrechada. Porque eu pergunto: quem é que identifica os fenómenos? Quem é que os estuda? Quem é que define as tipologias de crime? Quem é que define as prioridades? Até agora, não vi - e não vi na intervenção do Sr. Director Nacional na 1.ª Comissão - a definição de nenhuma prioridade. Aliás, vi um projecto hegemónico, em que o Sr. Director diz que "eles, do outro lado, em relação ao crime organizado, estão organizados, têm um cérebro único, como tal não se justifica que haja vários OPC a combaterem o crime, deve ser tudo combatido pela mesma instância." Será que há aqui um projecto consciente ou inconsciente de integração policial? Não sei, não sei... O que eu sei que o Sr. Director Nacional fez, olhando e fazendo um juízo de prógnose póstuma, foi uma série de medidas ad hoc regulamentares, de natureza administrativa, com centralização burocrática e com regionalismo, porque, ao mesmo tempo, o Sr. Director Nacional fala em distribuir competências para as direcções regionais e para os DIC.
Atenção, que na Polícia Judiciária há uma história antiga de rivalidade entre direcções regionais e DIC e direcções centrais! As direcções centrais são uma elite que corresponde a uma evolução no ataque ao crime organizado. As directorias e os DIC sempre tiveram alguma resistência para com as direcções centrais, e a resistência é a dos serviços regionais. E não se pode ficar neutro na Polícia Judiciária em relação a estas matérias.
A minha interpretação dos factos é que o Dr. Adelino Salvado está numa posição de regresso ao regionalismo. Mas o regresso ao regionalismo é um regresso ao passado, é um regresso ao tempo em que o crime não era organizado nem era internacional, nem era sofisticado. Portanto, segundo a minha interpretação, isso não vai apetrechar a Polícia Judiciária com os conhecimentos necessários para combater e atacar o crime.
A centralização é aqui uma palavra muito equívoca, muito ambivalente. Eu própria fui criticada por excessos de centralismo.
O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr.ª Doutora.
Tem a palavra o Sr. Deputado Eugénio Marinho.
O Sr. Eugénio Marinho (PSD): - Sr. ª Procuradora, seis horas volvidas desde o início desta reunião, penso que as coisas estão mais do que claras. E permita-me que lhe diga com alguma mágoa o seguinte: de certa forma, sinto-me triste com o que se está a passar, e lamento. Mas lamento sinceramente, e estou triste por si, Sr.ª Procuradora, porque penso que V. Ex.ª, que é uma pessoa com grande valor, que desempenhou funções de relevo, caiu num logro em que muitas pessoas com a capacidade que V. Ex.ª possui por vezes caem. Isto é, V. Ex.ª não soube sair no momento certo.
Disse que foi empurrada. Ó Sr.ª Procuradora, ninguém é empurrado! V. Ex.ª foi convidada a abandonar o lugar!
Penso que a postura correcta era a de, pura e simplesmente, abandonar o lugar e não dar azo a tudo o que aconteceu, que envolve, na minha perspectiva, no sentido negativo, a Polícia Judiciária, designadamente o facto da própria existência da comissão de inquérito. Penso que ninguém se pode esquecer de que é na sequência de algumas das suas afirmações que hoje existe uma comissão de inquérito.
Portanto, Sr.ª Procuradora, lamento-o por uma razão: V. Ex.ª disse - e acredito - que era fanática no combate ao crime organizado. Acredito! V. Ex.ª estava empenhada num processo, V. Ex.ª estava envolvida, V. Ex.ª gostava daquilo que fazia e não admitiu que um dia tinha que sair. Penso ser fundamental que todos quantos exercem... - por exemplo, todos estes Deputados que aqui estão um dia vão sair e não terão de chorar por isso nem terão de esperar choros sequer dos funcionários da Assembleia da República ou de outros!
Penso ser fundamental que as pessoas, no momento certo, saibam abandonar. E a ideia com que fico, Sr.ª Procuradora, é que V. Ex.ª ficou zangada, ficou "azeda" - permita-me, entre aspas, a expressão - por ter sido convidada a demitir-se.
E, para mim, o pormenor de V. Ex.ª ter assumido a demissão ou de V. Ex.ª ter ficado e ter sido demitida, como aconteceu, aliás, com o colega de V. Ex.ª que esteve cá na parte da manhã, é absolutamente irrelevante. A consequência era a mesma. O Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária, Dr. Adelino Salvado, entendia que, face à nova orgânica, não podia, não queria contar consigo. Isso é absolutamente legítimo.
E a V. Ex.ª custa-lhe aceitar isso. Permita-me que lhe diga que passou seis horas a referir as diferenças entre aquele que é o seu modelo e o modelo do Dr. Adelino Salvado. Mas é preciso - e eu queria ter um comentário seu sobre isto - que tenhamos consciência de que neste momento é ao Dr. Adelino Salvado que compete a orientação da Polícia Judiciária, não a V. Ex.ª.
Hoje, V. Ex.ª está num tribunal da Relação. É lá que tem de definir a sua actividade profissional como magistrada, não é junto da Polícia Judiciária. Deixe isso para o Dr. Adelino Salvado. No fim, ele vai, naturalmente, ser julgado pelo exercício das suas funções. Ele vai ser julgado pela apresentação ou não de resultados! Porque é que V. Ex.ª tem de estar aqui sempre a contraditar, a dizer que o modelo que defende é melhor do que o dele, se o dele ainda nem sequer começou ou está agora a começar?!
Queria também, Sr.ª Procuradora, que comentasse, com toda a sinceridade, o seguinte: V. Ex.ª saiu do lugar mas para o seu lugar foi outra pessoa. V. Ex.ª é, naturalmente, uma pessoa competente e digna, mas tem de reconhecer que quem a substituiu é também competente e digno!
Não acredito que V. Ex.ª conceba, admita e permita especulações em torno de uma estrutura de que diz tanto gostar, que é a Polícia Judiciária, e permita que haja especulações a este nível, designadamente pondo em causa as pessoas que estão hoje no lugar que V. Ex.ª ocupou, que são também seus colegas magistrados e que têm, naturalmente, igual dignidade. E se não terão mais competência, terão pelo menos - admita isso, se é possível - igual competência! E terão igual empenho! E, se calhar, no dia em que abandonarem aquela estrutura, provavelmente também
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vão ver gente a chorar! Mas isso é a lei da vida, Sr.ª Procuradora!
Na minha perspectiva, esta questão é absolutamente clara, ou seja que há uma mágoa profunda em si por algo que lhe custou, face ao seu envolvimento e ao seu empenho. Aceito isso, mas não devia ter sido dessa forma, porque sinceramente, Sr.ª Procuradora, estes actos desprestigiam-na, desvalorizam-na! E a senhora tem, de facto, muito valor e uma importância demasiado grande para se deixar desvalorizar a si própria, permitindo a especulação. Penso que faz mal desvalorizar-se, porque antes na Polícia Judiciária, hoje no tribunal da Relação, onde está, V. Ex.ª é importante e é precisa, como no combate à criminalidade. Também combate essa criminalidade nos tribunais, aliás combate por cima, como Procuradora. A Polícia Judiciária é orientada pelo Ministério Público, como é óbvio.
Portanto, não percebo porque é que, de facto, V. Ex.ª tem estas atitudes.
E permita-me que lhe diga outra coisa, que é importante. Hoje, V. Ex.ª cometeu aqui aquilo que eu considero serem inconfidências graves. E digo-lhe porquê. Disse V. Ex.ª, a dado momento, que fica à mercê das suas palavras. É verdade que fica. Assim, amanhã, se calhar, ouviremos o Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária dizer também "fico à mercê das minhas palavras." Sr.ª Procuradora, quer V. Ex.ª, quer o Sr. Dr. Adelino Salvado são pessoas dignas, que têm valor e que merecem o respeito de todos nós e das instituições, pelo que lhe pergunto: como é que vamos sair deste imbróglio? Vão ser os dois que vão ficar mal! Mas por culpa de revelações de V. Ex.ª e não dele!
Na 1.ª Comissão, o Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária em momento nenhum fez referências do género daquelas que já então V. Ex.ª havia feito! E o Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária não foi tão longe!
Foram, pois, cometidas aqui inconfidências que me levam a perguntar: como é que vamos deslindá-las? Dado tratar-se de conversas tidas a dois, qual é que vale mais, a sua palavra ou a palavra dele, Sr.ª Procuradora? Ambas são palavras que, à partida, merecem e têm de merecer todo o crédito. Mas pergunto-lhe como é que vamos sair disto. Provavelmente vai ser o Deputado José Magalhães a resolver o problema, que é quem aqui tem solução para tudo.
Mas que vamos ficar mal, vamos! E o pior, Sr. ª Procuradora - digo-lhe isto com mágoa, não por mim, mas pela instituição Polícia Judiciária, de que a senhora diz tanto gostar, e que eu respeito muitíssimo -, é que V. Ex.ª vai prejudicar fortemente a imagem da Polícia Judiciária, de todos aqueles que são seus amigos e que lá trabalham, que lá continuam e que vão continuar provavelmente por muitos anos. Penso que isso é grave, é inaceitável e inadmissível.
Fala aqui em verdade material e em verdade formal!? Ó Sr.ª Procuradora, então os documentos são o quê? Os documentos não são uma prova? Um documento probatório não é verdade material? Então os documentos que V. Ex.ª escreveu, em que, designadamente, elogia o Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária, isso é verdade formal?! Não, isso é verdade material, Sr. ª Procuradora! Verdade material é essa!
Agora, duvido que consiga a descoberta da verdade material por via de conversas tidas a dois em gabinetes que sabe-se lá quem disse o quê! V. Ex.ª disse, eu não posso contestar a sua palavra porque me merece todo o respeito. Amanhã o Dr. Adelino Salvado provavelmente vai dizer coisa diversa. Não será muito difícil de avaliar porque já disse na 1.ª Comissão e eu tenho de acreditar na palavra dele.
Portanto, esta situação é absolutamente lastimável. Penso que ninguém vai ganhar com isto, o País não vai ganhar com isto, muito menos a Polícia Judiciária.
Gostava igualmente, com todo o respeito e com toda a sinceridade, de lhe dizer uma coisa, Sr.ª Procuradora - tenho muito respeito por todos os magistrados, independentemente do lugar que, em cada momento, eles ocupam: também lastimo que V. Ex.ª venha com insinuações de que A, B ou C têm medo. Ninguém tem medo de ninguém! Quem anda na vida política, quem aceita assumir cargos a nível governamental, designadamente, como o Ministro da Defesa ou o Ministro da Justiça, não pode ter medo do que quer que seja! Nós, os Deputados, por certo também não temos medo!
E, aliás, permita-me ainda que, até sem conhecer muito bem, pessoalmente, os dois ministros que referi, diria até que os conheço muito mal, lhe diga o seguinte: posso atestar, posso quase atestar, porque é fiável, que eles também conhecem suficientemente o valor dos magistrados, para saberem, nomeadamente, que V. Ex.ª era incapaz de perseguir quem quer que fosse. Portanto, medo?! Isso não se compreende. Se algum dia essa conversa aconteceu, como V. Ex.ª disse, então, só por mera brincadeira é que ela poderia ter sucedido. Só por mera brincadeira! É que eu não estou a ver nem o Sr. Ministro Paulo Portas nem a Sr.ª Ministra Celeste Cardona terem medo, permita-me, Sr.ª Procuradora, quer de si quer de quem quer que seja. Olhe, eu, pessoalmente, não tenho, o meu colega Nuno Melo também já disse que não tem e não acredito que haja aqui algum Deputado… Aliás, quem tem medo não vai para a vida política,…
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Ou compra um cão!
O Sr. Eugénio Marinho (PSD): - … porque está, naturalmente, exposto, fortemente exposto.
Portanto, Sr.ª Procuradora, termino por aqui, dizendo-lhe, sinceramente, que lastimo isto tudo e que espero que V. Ex.ª ainda vá a tempo de corrigir alguns dos erros que cometeu, designadamente com entrevistas como aquela que deu ao Público.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado.
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Sr. Presidente, Sr. Deputado, acho que a sua intervenção é de natureza tão subjectiva, tão subjectiva, que não contém perguntas às quais eu possa responder.
Só lhe digo, Sr. Deputado, que nada disto correu num quadro de normalidade e eu tentei trazer a esta Comissão o quadro em que ocorreu o meu pedido de demissão. Não é um quadro normal, é este quadro que eu trouxe aqui. Não vale a pena exagerar nas interpretações. Foi assim. Não o fiz publicamente, precisamente por defesa do prestígio da Polícia Judiciária e das instituições.
Agora, eu penso que a Polícia Judiciária não sai prejudicada disto nem é esse o sentimento que há dentro da Polícia Judiciária. E penso que se alguém cometeu imprudências nesta matéria não fui eu, porque, como lhe disse, não escolhi o momento nem o modo de actuação, não tive outra alternativa.
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Depois, os acontecimentos transcenderam-me, ultrapassaram-me, nunca foram do meu domínio. Não tenho culpa disso. Não estou num processo que seja dominado por mim. Eu sou um instrumento deste processo. Não sei que processo é que é, simplesmente o que estou a dizer, o que eu digo… Eu aceito, como aceitei… Eu disse ao Dr. Bonina: "Eu vou-me embora da Polícia Judiciária. É uma comissão de serviço, ela tem um termo".
A questão não é essa, a questão é ser-me feito um pedido dramático para ficar, a ponto de o Dr. Adelino Salvado me dizer que não tomava posse se eu não aceitasse continuar, eu estabelecer um compromisso com o Dr. Adelino Salvado e, depois, bruscamente, sem que eu consiga compreender os fundamentos, o Dr. Adelino Salvado dizer-me o contrário. Isto é uma situação… Não é uma situação normal e, porventura, depois, provoca, de facto, especulações que me transcendem. Mas a culpa foi de quem dominou o processo. Eu não dominei o processo. Não era eu que tinha uma pessoa para tomar posse no meu lugar, no dia 29, que tinha os novos poderes da Polícia Judiciária para serem divulgados no dia 31, etc., etc., etc. Eu fui uma peça deste processo, fui uma peça da engrenagem. É evidente que haverá agora pessoas com vontade de me triturarem nisto tudo. Tenho consciência da minha situação mas a escolha não foi minha.
Se há nisto alguma coisa errada e a lamentar não é por mim, eu estou, pura e simplesmente, a ser vítima de todos estes acontecimentos. E não gosto de me sentir vítima. Por isso, escrevi as cartas, por isso dei as entrevistas nos termos que dei.
Perante esta Comissão e o dever de verdade material, senti-me obrigada a contar, a concretizar mas tudo o resto que eu disse não entra em contradição com esta concretização. Limitei-me a dizer agora as circunstâncias de facto do pedido de demissão e que a iniciativa não era minha. E não sei se foi por causa das intercepções telefónicas, se foi por causa do processo dos combustíveis, se foi por causa do processo das finanças, se foi por causa da secção central de branqueamento, se foi por causa da secção central de vigilâncias… Sinceramente, podem apontar-se estas razões todas. Depois… É que, de facto, não houve nenhum debate interno sobre isso. Não houve!
Por exemplo, sobre as vigilâncias, pedi ao Dr. Adelino Salvado para deixar ficar as vigilâncias na DCICCEF, que tinham sido criadas em Novembro de 2001 e estavam a dar bom resultado na investigação. Mais: tínhamos equipamento de vigilâncias que nos tinha sido dado em subvenção, pelo OLAF. O Sr. Brüner convidou-me a ir a Bruxelas, conversámos sobre as prioridades do combate ao crime organizado, ele ficou agradado com o trabalho que a Polícia Judiciária estava a fazer, eu assumi o compromisso de dar prioridade no combate à fraude dos IEC e de toda a criminalidade que punha em causa os interesses financeiros da Comunidade, para além dos interesses do Estado, e, no seguimento desse acordo, tivemos duas subvenções que perfizeram uns trinta e tal mil contos.
Com esse dinheiro, que não era dinheiro da Polícia Judiciária, foi dinheiro arranjado desta maneira, comprámos o primeiro equipamento para a brigada de vigilâncias e pedi ao Sr. Director Nacional que conservasse esse equipamento na DCICCEF. E até brinquei, porque disse que, se assim não fosse, era considerado desvio na obtenção de subsídio, uma vez que tinha obtido o subsídio com o objectivo de dar prioridade ao combate à fraude sobre os produtos sensíveis - álcool e tabaco. O Sr. Director Nacional concordou, disse-me que sim, eu fiz-lhe um ofício a pedir isso e ele não me disse, a mim, pessoalmente, que não. E quando as pessoas têm comportamentos assim, é evidente que, depois, se libertam forças que não se dominam. Nem sei quais, nem sei quais.
Mas o comportamento do Sr. Director Nacional a meu respeito foi, de facto, de algum capricho. Primeiro, era o capricho de ficar; depois, era o capricho de ir embora. Mas, de facto, não sei…
Amanhã, o Sr. Director Nacional até pode dizer que, a respeito das prevenções activas e das ajudas de custo, fiz despachos infundados, porque, provavelmente, durante todo o mês de Julho fiz despachos de juízos de imprescindibilidade sobre o pagamento das prevenções activas e das ajudas de custo que nunca tinha feito antes, em função de um outro despacho do Sr. Director Nacional. E, provavelmente, o Sr. Director Nacional não terá concordado. Não sei. É uma hipótese que eu ponho, não é?!
Portanto, contei as coisas por ordem cronológica, sintetizando factos que foram sucedendo e não posso criar outros. Se isto, de facto,… Se o Sr. Deputado acha lamentável, eu também acho mas não fui produtora deste "filme". Não fui.
O Sr. Eugénio Marinho (PSD): - Sr. Presidente, permita-me só que…
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado Eugénio Marinho.
O Sr. Eugénio Marinho (PSD): - Sr. Presidente, é muito breve, são apenas 10 segundos.
Quero apenas fazer uma pergunta à Sr.ª Procuradora, que tem a ver com o seguinte: a Sr.ª Procuradora dá a ideia de que a sua conduta, mesmo em termos públicos, foi sempre totalmente correcta. Só lhe quero perguntar se é verdade ou mentira que o Sr. Procurador-Geral da República chamou-a para lhe dar uma reprimenda relativamente à notícia que veio na Público. É que constou…
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Qual notícia do Público?
O Sr. Eugénio Marinho (PSD): - A entrevista que V. Ex.ª deu ao Público. Se é verdade ou não, isso veio noticiado. Se é verdade ou mentira…
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Veio noticiado isso?
O Sr. Eugénio Marinho (PSD): - Eu já ouvi isso.
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Por acaso, não li…
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado.
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Por acaso, não li e o Sr. Procurador-Geral não me deu nenhuma reprimenda.
Uma voz não identificada: - Mas chamou-a lá?
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Não, não chamou! Eu é que pedi ao Sr. Procurador-Geral para me receber. Eu pedi ao Sr. Procurador-Geral para me receber, a iniciativa foi minha.
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O Sr. Presidente: - Tenho agora inscrito o Sr. Deputado Luís Montenegro.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, permite-me o uso da palavra?
O Sr. Presidente: - Pede a palavra para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. António Filipe (PCP): - Para fazer uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Diga, Sr. Deputado.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, quero solicitar a V. Ex.ª que seja feito chegar um documento ou a todos os Srs. Deputados da Comissão ou, no mínimo, à Sr.ª Procuradora Maria José Morgado.
O Sr. Presidente: - Qual é o teor do documento, Sr. Deputado?
O Sr. António Filipe (PCP): - É que eu tomei conhecimento da existência de um despacho da Agência Lusa…
O Sr. Presidente: - Ó Sr. Deputado, se é sobre notícias da comunicação social, tenho de lhe dizer o mesmo que disse, há pouco, ao Sr. Deputado Nuno Melo. Peço imensa desculpa mas, quanto mais não seja, por respeito para com as pessoas que estão aqui desde as 3 horas da tarde e que não saíram para falar com a comunicação social, é melhor que as questões relativas à comunicação social sejam colocadas no final dos depoimentos.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, peço desculpa mas não obtive nada disto junto da comunicação social, obtive através dos serviços do meu grupo parlamentar…
O Sr. Presidente: - Mas eu é que estou a dizer que, se é por causa de uma notícia da comunicação social, tenho de lhe dizer o mesmo que disse, há pouco, ao Sr. Deputado Nuno Melo, que também tentou interpelar a Mesa por causa da mesma situação.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, entendo que, no mínimo, por uma mera questão de lealdade para com a Sr.ª Procuradora Maria José Morgado, ela não deveria sair desta sala sem tomar conhecimento deste documento.
O Sr. Presidente: - Tomará conhecimento de todos os documentos de que o Sr. Deputado lhe quiser dar conhecimento no fim dos pedidos de esclarecimentos. Tenho mais Srs. Deputados inscritos e parece-me que todos eles têm o mesmo direito de falar que aqueles que se inscreveram inicialmente.
O Sr. António Filipe (PCP): - Então, não direi mais nada, Sr. Presidente, e faço-lhe apenas um pedido: seguramente, a Sr.ª Procuradora Maria José Morgado, quando sair daqui, vai ser confrontada com declarações que lhe são imputadas aqui…
O Sr. Presidente: - O senhor terá ocasião de lhe entregar, antes do final…
O Sr. António Filipe (PCP): - … e, portanto, peço a V. Ex.ª que lhe faça chegar…
O Sr. Presidente: - Antes do final. Com certeza!
O Sr. António Filipe (PCP): - … este documento, para que a Sr.ª Procuradora saiba o que a espera quando sair daqui.
O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Montenegro.
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Mas é um comunicado…
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Fonte da maioria!
O Sr. Presidente: - Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado, peço-lhe que siga a sequência das perguntas, como é evidente, e tomará conhecimento de tudo o que os Srs. Deputados quiserem no final. Agora, não é forma… E devo dizer-lhe, Sr. Deputado António Filipe, que me parece completamente irresponsável, da sua parte, interromper a sequência das inscrições.
A sequência de inscrições dos Srs. Deputados nesta Comissão não é controlável por ninguém, o direito de todos é igual e nenhum Sr. Deputado tem o direito de interromper a sequência das audições, colocando aqui o feedback ou intervenções a latere que não têm a ver com a sequência das intervenções.
No final, o Sr. Deputado tem o direito de se inscrever novamente para usar da palavra, se quiser, ou de se inscrever para entregar algum documento ou até para conversar com a Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado. Agora, o que eu não posso é tirar a palavra a outros Srs. Deputados que se inscreveram, alguns deles há várias horas, e que estão à espera do seu momento para intervir.
Portanto, vou dar a palavra ao Sr. Deputado Luís Montenegro e peço à Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado o favor de tomar atenção às perguntas que lhe forem formuladas.
Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Montenegro (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Procuradora, não obstante o tempo já dispendido nesta audição, ainda tenho, de facto, algumas dúvidas e vou tentar ser objectivo, pragmático e ir directo às questões que lhe quero colocar.
A Sr.ª Procuradora apresenta hoje aqui, aliás, fê-lo, logo, ab initio, uma teoria que nós desconhecíamos relativamente ao pedido de demissão, já que toda a informação que tinha sido disponibilizada até ao dia de hoje indicava que a demissão tinha partido da sua iniciativa.
Hoje, veio dizer-nos que, apesar de ter enviado o fax para a Directoria Nacional, a demissão resulta de um pedido, de uma sugestão expressa do Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária. E diz mais: diz que esse pedido surge de uma forma inesperada, de uma forma surpreendente.
Devo dizer-lhe que, depois de a ter ouvido, nas várias intervenções que já teve oportunidade de produzir aqui hoje, julgo precisamente o contrário, ou seja, julgo que o epílogo desta história, a sua demissão, o seu pedido de demissão ou, eventualmente, a sugestão do Sr. Director Nacional resultam do historial que aqui nos trouxe e não surpreendem ninguém, muito pelo contrário, surpreendente
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seria que, dada a conflitualidade que vinha crescendo - segundo as suas próprias palavras - ao longo do tempo que se sucedeu à assunção do mandato, por parte do actual Director Nacional, não houvesse um desfecho que só poderia ser um de dois: ou saía a Sr.ª Procuradora ou, então, teria de sair, forçosamente, o Sr. Director Nacional. Aliás, tanto assim é que, inclusivamente, V. Ex.ª chegou a afirmar aqui, hoje - e é a sua própria expressão -, que "sabia que não ia durar muito tempo" na Polícia Judiciária. Disse também que o Sr. Director Nacional era um homem preparado para o efeito - também foi uma expressão sua. Por mim, acrescento que V. Ex.ª também já estava preparada para este efeito, na medida em que, já em meados de Junho, como teve ocasião de dizer-nos, e, de uma forma expressa, já na tal reunião do dia 16 de Julho, V. Ex.ª tinha apresentado a sua demissão. No caso concreto do dia 16 de Julho, pelo que nos disse, fê-lo de uma forma perfeitamente expressa.
Sinceramente, não compreendo, por um lado, que se possa considerar surpreendente o que aconteceu no dia 27 de Agosto e, por outro, não posso compreender que V. Ex.ª diga que o Sr. Director Nacional sugeriu a sua demissão quando a iniciativa primeira coube exactamente a si própria, no dia 16 de Julho.
Por outro lado. V. Ex.ª remata a história do dia 27 de Agosto, dizendo que não teve escolha. Ora, também já aqui ficou patente - aliás, era algo que, isso, sim, era do domínio público - que V. Ex.ª é, de facto, uma pessoa de convicções, e convicções profundas.
A questão que lhe coloco é a seguinte: se V. Ex.ª tem, de facto, essa maneira de ser e possui essa convicção e se, por sua iniciativa, não tinha vontade de se demitir no dia 27 de Agosto, por que é que o fez? É que não colhe a tese de que foi empurrada. Não foi! De facto, não foi, porque, no âmbito do seu campo de actuação, estava a possibilidade de não proceder ao pedido que efectivamente veio a fazer depois.
Uma segunda questão que gostava de colocar-lhe tem que ver com as divergências que, repetida e repisadamente, aqui tem assumido e a respectiva correlação com uma outra afirmação que também produziu aqui quando disse que "eles", portanto, os actuais dirigentes da Polícia Judiciária, "estão a copiar tudo aquilo que eu tinha em mente, o modelo que eu estava a incrementar na Direcção Central". Disse, inclusivamente - e se não foi precisamente esta a expressão foi muito próxima -, que "a papa estava feita" e que, depois, era uma questão de ser servida, o que vale por dizer que, afinal, apesar de todas estas divergências e de toda esta conflitualidade, actualmente, a Polícia Judiciária segue, de facto, um modelo que foi incrementado por V. Ex.ª.
Portanto, atrever-me-ia a dizer que, porventura, essas divergências não parecem tão profundas quanto nos fez crer e que, utilizando também uma expressão sua, estaremos mais na presença de "diferentes e incompatíveis métodos de trabalho".
Uma outra questão - e vou ser telegráfico na análise que faço e na dúvida que ainda me persegue relativamente a esta matéria - tem que ver com a instrução verbal, também do dia 16 de Julho, relativamente à não presença de investigadores da Polícia Judiciária no Tribunal de Monsanto.
V. Ex.ª disse que essa instrução foi veiculada pela via oral e que, embora não concordando, melhor dito, discordando radicalmente daquilo que estava a ser-lhe solicitado, em todo o caso, decidiu pô-la em prática porque o Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária a tinha defendido muito. Desde logo, isto parece-me incongruente, no dia 16 de Julho, com o facto de "haver uma perda progressiva" da sua capacidade de prosseguir o seu modelo que teve o seu início em meados de Junho, quinze dias após a tomada de posse.
Mas, no dia 16 de Julho, V. Ex.ª ainda diz que "não, não! O Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária, apesar de estar progressivamente a tirar-me capacidade de intervenção, é alguém que me defende muito e não compreendo muito bem como é que". O fundamento da sua tomada de posição, que foi o de seguir a instrução verbal que lhe fora dada, é este.
É evidente que não é V. Ex.ª que está aqui a ser julgada e tenho a perfeita noção disso.
Devo dizer-lhe mais, fazendo novamente apelo ao facto de V. Ex.ª ser uma pessoa de convicções. É que, para quem se prestava a cumprir uma instrução com a qual discordava radicalmente e com a carreira judicial que V. Ex.ª tem, parece-me que, no mínimo, V. Ex.ª deveria ter acautelado a situação, pedindo, solicitando que essa instrução lhe fosse dada sob a forma escrita. Acho que era o mínimo que deveria ter feito nessa circunstância, para sua salvaguarda e também para salvaguarda das suas convicções.
Uma última questão, que eu diria que é a vexata questio desta Comissão de Inquérito, que é a de sabermos se houve ou não pressões políticas.
V. Ex.ª já foi peremptória em afirmar que nunca sofreu, não podia sofrer, não aceitaria sofrer pressões de natureza política. Essa resposta foi clara, já na primeira vez em que esteve na 1.ª Comissão. V. Ex.ª disse que não tinha sofrido esse tipo de pressão.
De qualquer forma, hoje, várias vezes aludiu a comentários, a boatos que circulavam, nomeadamente nos corredores da Relação de Lisboa. Quero entender que estas notícias que circulavam nesses corredores não eram, de facto, pressões de natureza política, que é o que esta Comissão tem de apurar definitivamente.
A talhe de foice, devo dizer que até acho que não tem interesse que uma comissão de inquérito parlamentar esteja a falar, a comentar ou a aferir boatos que correm nos corredores. É que, de facto, isso acontece em todo o lado, até na própria Assembleia da República. Aliás, se fossemos fazer um inquérito ao que dizem os Srs. Deputados dos mesmos partidos nos corredores desta Assembleia, os partidos políticos acabariam, porque a coesão dos grupos parlamentares por certo iria ao ar. Portanto, julgo que não tem relevância o que se diz nesses fóruns.
O que tem relevância - e é a última questão que lhe coloco - é que V. Ex.ª mantém o que disse e V. Ex.ª disse que não tinha sofrido de forma nenhuma, nem era passível de ter sofrido qualquer tipo de pressão política.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Dr.ª Maria José Morgado.
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Acho que o Sr. Deputado fez as perguntas e deu as respostas. Só em relação à última é que não procedeu assim.
Quanto às pressões, mantenho o que disse. Agora, em relação a todas as outras questões, são as que revelei aqui…
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O Sr. Luís Montenegro (PSD): - São contradições!
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Não são contradições, não! Porque eu não disse que ninguém me tinha pressionado a fazer assim ou assado. A única coisa que disse foi a respeito do pedido de demissão. Disse que não tinha sido da minha iniciativa, que tinha feito o pedido de demissão, ou o pedido de cessação da comissão, por sugestão do Sr. Director Nacional, mas que eu tinha aceite essa sugestão. Mas não classifiquei isso como pressão.
Depois, referi determinados factos, sobre os quais os Srs. Deputados fazem as interpretações que entendem e não tenho culpa disso. Eu fui factual e não tirei muitas conclusões. Fui meramente factual.
Quanto ao resto das questões que me coloca, de facto, foram perguntas com respostas: modelo que é modelo, que deixa de ser modelo e passa a ser modelo outra vez… Divergências que existiam e que não existiam… Talvez possamos concluir que nestas coisas, a realidade nunca parece o que é e nunca é o que parece.
Penso que já esclareci tudo nessa matéria.
O Sr. Presidente: - Obrigada, Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado.
Estão inscritos a Sr.ª Deputada Adriana Aguiar Branco e, por último, o Sr. Deputado Marques Júnior.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Adriana Aguiar Branco.
A Sr.ª Adriana Aguiar Branco (PSD): - Sr. Presidente, vou ser rápida e reportar-me exclusivamente à questão da demissão da Sr.ª Procuradora.
Percebi hoje, aqui, que, do ponto de vista da Sr.ª Procuradora, a vítima nesta história é a Sr.ª Procuradora e, portanto, percebo que esteja ressabiada.
O que não percebi é quem é o carrasco e era o que gostava de perceber. O carrasco é o Sr. Dr. Adelino Salvado? O carrasco é a Sr.ª Ministra da Justiça? É o Sr. Ministro Paulo Portas?
Gostava de saber, em concreto, se considera que o Sr. Dr. Adelino Salvado agiu como agiu em relação à sua demissão de modo próprio ou como mandante da Sr.ª Ministra da Justiça ou de outros.
No caso de a Sr.ª Procuradora entender que ele agiu a mando da Sr.ª Ministra, gostava de saber se tem ideia de qual a razão ou razões profundas ou ocultas de tal perseguição, já que disse aqui, várias vezes, que nunca falou com ela e nem sequer a conhece. Portanto, parece estranho uma perseguição destas quando, afinal, nem sequer se conhecem.
É que, realmente, uma tal perseguição, uma tal cabala que montaram contra a Sr.ª Procuradora, apenas por razões de excesso de protagonismo, de facto, a mim sabe-me a pouco.
Também gostava de saber se a Sr.ª Procuradora tem provas, factos concretos que sustentem essa ideia da perseguição.
Vai desculpar que lhe diga que, se assim não for, fica a ideia de que, porventura, a Sr.ª Procuradora está a dar demasiada importância a si própria, está empolar a questão e, porventura, terá demasiados "gorilas" na cabeça em relação a uma suposta perseguição com o intuito de afastá-la.
Por último, queria dizer-lhe que gostei muito das suas declarações iniciais, quando disse que não se deixava embarcar em politiquices. Porquê, então, esta viragem? É que, na verdade, está a deixar-se embarcar em politiquices. Será que as politiquices de ontem são a reserva de hoje? De facto, "não condiz a cara com a careta".
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, posso fazer uma interpelação à Mesa?
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Queria definir aqui qual o papel de um Deputado numa comissão de inquérito. É que acho que é preciso definir se é ou não para averiguar factos.
Depois - e é por isso que isto tem demorado tanto tempo! -, as considerações que os Srs. Deputados estão a fazer são para ser feitas numa reunião em que apreciaremos os factos…
Isto tem demorado muito por causa das considerações…
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Odete Santos, deixe-me responder duas coisas à sua interpelação.
Em primeiro lugar, é evidente que, se me pede que tenha um papel paternalista no sentido de tentar instruir os Srs. Deputados sobre o que lhes cabe nas comissões de inquérito, a minha resposta é, directamente, "não!". Nunca embarcarei numa tarefa desse género porque penso que todos os Srs. Deputados são meus iguais ou meus superiores no entendimento que têm das suas funções neste Parlamento.
Em segundo lugar, relativamente ao tempo, deixe-me dizer-lhe que a senhora está a ser profundamente injusta, porque todos os que estão aqui desde o início sabem perfeitamente que, se juntarmos todo o tempo que os Srs. Deputados falaram nesta sala, verificamos que, no máximo, ele não vai além de duas horas. E se esta reunião tem demorado é porque a Comissão tem entendido (o meu critério tem sido esse e ainda ninguém me chamou a atenção para isso) que a depoente tem o direito de expor livremente tudo aquilo que entender.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Exactamente! Estou de acordo com isso!
O Sr. Presidente: - E se a Sr.ª Deputada não concorda com isso, é a esse tempo perdido que a Sr.ª Deputada deve apontar o dedo pelo atraso da hora e não aos Srs. Deputados, porque isso é injusto.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, dá-me licença? É que o Sr. Presidente censurou-me de eu estar a dizer que era o tempo da depoente e eu não disse nada disso.
O Sr. Presidente: - A Sr.ª Deputada disse rigorosamente o contrário. Eu disse que é injusto dizer que são os Srs. Deputados que estão a perder tempo. Foi o que eu disse, porque a sua acusação foi que os Srs. Deputados não estavam a interpretar bem o seu papel e, por causa disso, estávamos aqui há muito tempo. Ora, eu acho que isso é injusto e que a Sr.ª Deputada não tem razão, porque se a Sr.ª Deputada se der ao trabalho de, depois, ouvir a gravação e somar o tempo de intervenção de todos os Srs. Deputados, verificará que esse tempo não vai além de, provavelmente, duas horas ou duas horas e pouco, se tanto.
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Tendo dado a minha explicação, considero encerrada esta interpelação.
Dou, agora, a palavra à Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado, pedindo-lhe desculpa por esta interrupção.
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Não sei se é do adiantado da hora, mas as perguntas estão a transformar-se em resposta impossível. Lamento muito mas penso que não posso responder às perguntas da Sr.ª Deputada, nomeadamente, às questões de "estar ressabiada" e de saber "quem é o carrasco". Parecem-me aquilo que o Código Penal considera perguntas impertinentes ou sugestivas. Não posso responder a essas perguntas, não há resposta possível.
Eu nunca falei em perseguição; falei de um processo que teve fases e que teve este desenlace do dia 27 de Agosto. Não falei em perseguição. Acabei por dizer que fui vítima de tudo isto, porque os acontecimentos tiveram, de facto, uma dinâmica que me ultrapassou completamente. E, mais uma vez, volto a dizer que eu não escolhi o momento do pedido de demissão, mas não tinha alternativa, pois, se não pedisse a demissão, era demitida e, provavelmente, tudo aconteceria da mesma maneira. E, sinceramente, seja qual for o resultado de tudo isto, não me sinto com juízos de culpa nesta matéria, porque não tive escolha, todo o processo para mim foi irreversível.
A escolha que eu tive foi no início: depois de saber que havia críticas da Sr.ª Ministra por excesso de visibilidade, não queria continuar, achei que isto não ia dar bom resultado, que a minha posição era artificial e pedi, na altura, para sair. Porém, pediram-me o contrário: "continue".
Pediram-me esse compromisso; pediram-me até que, acontecesse o que acontecesse, eu jamais pusesse o meu lugar à disposição. E toda a minha tarefa à frente da Polícia Judiciária, toda a minha missão, a partir dessa altura, foi desenvolvida com base neste dilema e foi isso que motivou todos os meus comportamentos, comportamentos que expliquei com sinceridade e espontaneidade aos Srs. Deputados. Não vale a pena exagerar sobre isso. É assim. Não tenho culpa que as questões não tenham sido mais nobres, porque também não mas puseram assim, embora o meu esforço fosse sempre no sentido de dignificar as questões.
Agora, quando tenho de concretizar, eu não estou numa quarta versão do pedido de demissão; estou numa comissão de inquérito, a concretizar os factos, as circunstâncias. Até aí, fiz abordagens genéricas; agora, estou a concretizar. É uma coisa completamente diferente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Adriana Aguiar Branco.
A Sr.ª Adriana Aguiar Branco (PSD): - Sr. Presidente, não pretendo mais nenhum esclarecimento. É só para que não fique a ideia de que fiquei com medo e assustada, por causa da intervenção da Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas eu não meto medo a ninguém!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.
O Sr. Marques Júnior (PS): - Sr. Presidente, parece que sou o último a intervir. Prometo aos meus colegas que vou ser muito breve. E vou fazer uma intervenção um pouco heterodoxa relativamente àquilo que é habitual nesta Comissão. Talvez pela circunstância de eu não ser licenciado em Direito, não ser advogado (a maior parte dos meus colegas aqui são-no), devo dizer que, apesar de já estar há alguns anos na Assembleia da República e de já ter participado em várias comissões de inquérito, é sempre com um grande esforço pessoal que acompanho a evolução das comissões de inquérito. É que custa-me muito ver - é capaz de ser mesmo assim - a forma como, às vezes, são feitos os interrogatórios às pessoas que aqui vêm aqui. E custa-me muito, porque pode perspectivar-se um pouco a ideia de que o objectivo essencial do interrogatório não é saber a verdade. Ora, acho que esse objectivo, o de sabermos a verdade, é o objectivo essencial.
E, desse ponto de vista, penso que - até para referir duas ou três observações que aqui foram feitas por outros colegas - a Comissão de Inquérito tem plena justificação. Se nós pensarmos bem (e houve aqui alguns colegas que disseram que não são responsáveis pela Comissão de Inquérito, o que, aliás, é rigorosamente verdade), chegamos à conclusão (pelo menos, é a minha opinião) de que não seria possível à Assembleia da República, concretamente, aos Deputados da 1.ª Comissão, depois de ouvirem os depoimentos que aí ouviram, fazerem de conta que nada tinha acontecido. Por isso, penso que a Comissão de Inquérito tem plena justificação. Aliás, a presença aqui da Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta e do Sr. Magistrado Pedro Cunha Lopes demonstra, de uma forma cabal, a importância e a justificação da própria Comissão de Inquérito.
E, pela minha parte, depois de ter assistido na 1.ª Comissão (porque, agora, não sou membro efectivo da 1.ª Comissão) a todas as audições aí feitas sobre esta matéria, saio daqui hoje muito mais enriquecido do que estava no sentido de saber a verdade.
Gostaria ainda de sublinhar - e perdoem-me esta minha observação - a dignidade com que o Sr. Magistrado Pedro Cunha Lopes e a Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta encararam a sua presença nesta Comissão de Inquérito. É que é evidente que há uma evolução, uma precisão, um complemento e uma clarificação, na Comissão de Inquérito, que não foram feitos no âmbito da 1.ª Comissão. Portanto, para nós podermos saber a verdade, penso que isto tem toda a justificação.
Gostaria ainda de dizer o seguinte: não sei o que é que vai sair da Comissão de Inquérito, nem sei o que, hoje, irá ainda dizer-se na Comissão de Inquérito, mas ainda não ouvi aqui ninguém - nenhum Sr. Deputado e nenhuma das pessoas que aqui vieram depor - que não tivesse a preocupação de defender a instituição Polícia Judiciária. Este é um aspecto que gostaria de sublinhar.
Depois destas considerações, pelas quais peço desculpa porque se calhar são desajustadas, gostaria de fazer uma pergunta à Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta, pergunta essa que, provavelmente, já foi respondida em parte relativamente a outras questões e que tem a ver com o seguinte: um dos aspectos mais importantes - eventualmente o mais importante, do meu ponto de vista - que está subjacente a todo este problema é o que consta do requerimento de pedido de inquérito do Partido Socialista, assim como de outros partidos que propuseram esta Comissão de Inquérito, e que está contido no ponto 2, alínea b), onde se diz que o inquérito tem por objecto, designadamente, "o integral esclarecimento e a apreciação política dos actos da
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responsabilidade do Governo no que respeita à estratégia e às orientações do Governo no âmbito do combate ao crime económico, financeiro e fiscal, bem como ao modo como vem exercendo as suas competências funcionais neste domínio".
E, sobre esta matéria, poderei deduzir que a Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta já disse algumas coisas com interesse. No entanto, eu permitia-me, nesta fase final, e não querendo que a Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta se mace muito depois de todas estas horas, pedir-lhe que elencasse (se é que tem condições para o fazer) os aspectos relevantes daquilo que se pressupõe ser uma nova estratégia de combate ao crime económico, financeiro e fiscal, relativamente àquela que vinha sendo seguida. Este aspecto parece-me muito importante. Está a Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta em condições de enunciar os elementos essenciais, que, do seu ponto de vista, considera poderem ser negativos ou positivos, daquilo que se pressupõe ser uma nova estratégia, relativamente à anterior, no combate ao crime económico, financeiro e fiscal? Ficar-lhe-ia agradecido, se o fizesse.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado.
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras iniciais da oradora.) … orientadoras no combate ao crime económico estão todas, não de forma perfeita porque não havia tempo para isso, no relatório da DCICCEF de 2001. Se o Sr. Director Nacional entender entregá-lo… Eu entreguei aqui uma parte que diz respeito aos grupos da criminalidade económica, financeira e fiscal. Mas estão lá; basta tirar. O que tem o relatório que não se possa divulgar publicamente? Matrículas da frota automóvel e nomes de pessoas. Mas isso apaga-se, porque o relatório está no computador e tiram-se essas partes.
Não é por pessoalizar nem é por individualismo da minha parte mas eu conheço o trabalho que estava a fazer e não conheço nenhum programa de estratégia de combate ao crime económico ao Sr. Director Nacional, nem lendo as actas da 1.ª Comissão.
A estratégia que os investigadores defendiam na DCICCEF para o combate ao crime económico tinha a ver com três linhas fundamentais, que era a distinção entre a prevenção, a investigação criminal e o apoio à investigação criminal.
A prevenção dedicar-se-ia à recolha, análise e tratamento da informação. Recolha, análise e tratamento da informação ao nível institucional, através das bases de dados - havia uma cultura de dados na DCICCEF e necessidades dessa matéria - mas também com ligações à informação recolhida no terreno, a chamada "informação especulativa", aquela que é pró-activa, que é a policial propriamente dita.
Essa secção de prevenção teria como estruturas fundamentais uma estrutura de análise, de recolha de informação a nível nacional, de centralização da informação da corrupção, da fraude internacional e do crime informático, bases de dados dessa matéria, nomeadamente uma que estava em perspectiva que era a base de dados sobre pedofilia na Internet, base de dados de contrafacção de cartões e uma outra base de dados, já com o Banco Europeu, que dizia respeito à contrafacção de moeda, bases de dados das espécies contrafeitas apreendidas, que era a mais desenvolvida e a mais perfeita no trabalho da DCICCEF, uma vez que a DCICCEF da Polícia Judiciária é a entidade nacional competente para a recolha de informação e a classificação das espécies, em termos de contrafacção da moeda e de cartões.
Além disso, havia a secção de análise. A análise da moeda estava desenvolvida; a análise das fraude financeira, incluindo contrabando organizado e corrupção, não estava desenvolvida por falta de meios e era incipiente. Procurava-se fazer uma análise ao nível da corrupção nas autarquias, nas finanças e na saúde e, na fraude financeira internacional, ao nível de empresas e grande crime implicado na fraude aos IEC, na fraude ao IVA e na fraude IVA "em carrossel". Principalmente, era essa a nossa preocupação.
Ainda na secção de prevenção, foi criada uma estrutura de vigilâncias centralizadas - as vigilâncias da DCICCEF - para recolha de informação especulativa no terreno e recolha de meios de prova e produção de prova, em articulação com a investigação no sentido de identificar os autores do crime e o modus operandi.
Ainda sem falar das secções de investigação criminal, passo ao apoio à investigação criminal.
O apoio à investigação criminal tinha duas vertentes preciosas.
Por um lado, a vertente contabilística, financeira, de análise documental, que incumbia ao Departamento de Perícia Financeira e Contabilística. O Departamento de Perícia Financeira e Contabilística acompanhava as buscas, durante as quais recolhia toda a documentação, e fazia logo um relatório preliminar sobre as buscas para evitar aqueles grandes relatórios que, depois, os magistrados não dominam e ninguém percebe, ou seja, ia fazendo pequenos relatórios ao longo da investigação para dar mobilidade e capacidade à mesma.
Por outro lado, havia um outro departamento, o núcleo de perícia informática, que tinha a ver com a recolha e conservação da prova em meio informático e digital - porque, aí, há uma característica preocupante que é a volatilidade dos meios de prova -, a utilização da Internet e dos computadores, na prática, toda esta criminalidade. Não se podia falar em crime financeiro, em fraude, em corrupção que não se falasse em não sei quantos CPU apreendidos e, portanto, também tínhamos de ter meios de extrair da memória dos computadores os elementos de prova necessários à prova das responsabilidades e da prática do crime.
Inclusivamente, foram feitas experiências interessantes na DCICCEF com um software, o Ncase, que foi comprado à polícia canadiana, cuja última versão, o Ncase 3, tem a seguinte característica: transpõe e analisa a memória de um computador, fazendo em uma semana o que um técnico demoraria três meses a fazer. Aliás, enquanto estive na Polícia Judiciária, houve fases em que havia computadores ligados há três meses ao Ncase e que ainda não tinham esgotado a recolha da prova essencial à descoberta da verdade.
Havia um outro problema em matéria de informática. É que os próprios meios nunca conseguiam responder aos avanços da criminalidade, na medida em que, por exemplo, cada inspector da secção de criminalidade informática tinha computadores com 10 gigabytes de memória e, de repente, somos confrontados com computadores que têm 30 gigabytes e 60 gigabytes de memória e nem sequer há máquinas para recolher a prova que está dentro desses computadores.
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Portanto, estes são problemas delicados e sérios que têm de ser considerados conjuntamente numa direcção central desta natureza.
A par disto, existiam as secções de investigação criminal da corrupção, da fraude internacional, do contrabando organizado, da contrafacção de moeda e de meios de pagamento electrónicos que não em dinheiro e da criminalidade informática.
O esforço que existia era para conseguir uma investigação integrada em relação a todas estas secções de investigação criminal no sentido de se dominarem as tipologias do crime económico.
Ao fim de um ano e meio, ficámos com um diagnóstico dessas tipologias que, como já disse, nos permitiram concluir que o contrabando organizado passava pelas rotas do tráfego de droga, que a fraude nos cartões e nos meios de pagamento que não em dinheiro passava pelas rotas das máfias de Leste e, inclusive, das máfias do Oriente, que todas estas modalidades tinham representação na fraude ao IVA e aos IEC, que, no domínio da fraude aos IEC, havia empresas-ecrã que eram tituladas por vadios, por testas-de-ferro que simulavam transacções intracomunitárias com facturas fictícias em cascata e, depois, quando as finanças iam ao local, não encontravam nada nem ninguém; nada existia e o Estado e a sociedade são lesados em milhões e milhões de euros.
No que diz respeito à fraude ao IVA, o mesmo sistema, em carrossel, de empresas-ecrã que simulam transacções intracomunitárias para produzir reembolsos indevidos na ordem de milhões de contos. Uma das últimas fraudes cujo inquérito deu entrada respeitava a 7 ou 8 milhões de IVA em dívida ao longo de dois anos. Havia uma fraude ao IVA em que estavam implicados dois presidentes de conselhos de administração.
Portanto, tudo isto nos levava a pensar que tínhamos de ter meios em acção que envolvessem a cooperação institucional interna com as restantes polícias nas restantes direcções centrais, com os serviços regionais.
Precisávamos, também, de cooperação com a banca por causa dos circuitos financeiros e do tracing e do sizing do dinheiro. Fizemos esforços nesse sentido e sensibilizámos a banca e as instituições financeiras. Quanto à cooperação com a CMVM, fizemos esforços nesse sentido e tínhamos cooperação com esta entidade. Havia cooperação com os peritos da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, da Inspecção-Geral de Finanças e das Alfândegas.
Para além disso, como não podia deixar de ser, havia articulação estreita com os magistrados do Ministério Público. Havia reuniões periódicas, reuniões semanais com os responsáveis do Ministério Público pelas secções que tinham incidência na nossa competência material.
Na UCLEFA propusemos grupos de trabalho que pudessem combater com impacto a evasão e a fraude fiscais, nomeadamente grupos sobre a criminalidade económica, financeira e fiscal e as novas formas de criminalidade, sobre o dever de sigilo e o acesso às bases de dados, sobre protocolos entre a Polícia Judiciária, as alfândegas e a DGCI. Devo dizer que já existia um protocolo com as alfândegas desde 1997 e não dava frutos.
Nesses grupos de trabalho, todos dirigidos pela Polícia Judiciária, à excepção do grupo de trabalho do acesso às bases de dados, procurámos estabelecer uma cultura de cooperação com salvaguarda do perfil institucional de cada um dos intervenientes e com cooperação e especialização, porque só assim é possível atacar, prevenir e combater o crime organizado.
Ao nível das empreitadas e dos grandes empreendimentos de obras públicas, fizemos análises de risco. Tínhamos propostas a fazer, nomeadamente criar uma base de dados de empreiteiros de risco, de empresas de risco, o que penso que há-de corresponder a orientações da própria União Europeia nessa matéria.
Fizemos estudos acerca da corrupção nas autarquias e definimos modus operandi nessa matéria.
Isto era um trabalho que estava em marcha, que vivia da motivação dos investigadores, do treino dos investigadores, mas vivia da colaboração de todas as instituições que se encontravam no outro lado, ou seja, fora da Polícia Judiciária, instituições que, no terreno, estavam implicadas no combate à fraude.
A minha visão do combate à fraude é, de facto, a de congregar essas instituições e não a de fazer projectos hegemónicos, esmagadores, para os outros órgãos de polícia criminal. É que, neste momento, se o projecto de lei de organização criminal for para a frente com aquela formulação em relação aos crimes tributários - elaborei uma formulação, que entreguei ao Dr. Adelino Salvado, que não é exactamente a que foi aceite por ele -, acontece que há uma sobreposição de competências entre a Polícia Judiciária e os demais órgãos específicos.
É que a Polícia Judiciária não tem vocação para o combate aos crimes tributários propriamente ditos. A Polícia Judiciária tem vocação é para desmantelar grupos organizados no terreno e atacar as cabeças desses grupos. É nesse momento que a Polícia Judiciária deve intervir, aliada, consoante os casos, à DGCI, ou à Direcção-Geral das Alfândegas, ou à Inspecção-Geral da Saúde, em cooperação institucional, desempenhando a Policia Judiciária o papel, no terreno, de desmantelamento de grupos - detenção, apreensões, recolha de prova, ataque à cabeça de grupo, àquilo a que os ingleses chamam os bosses, o que é um problema no crime internacional organizado -, confisco, detecção e confisco das vantagens do crime e a utilização dos conhecimentos técnicos e periciais dos outros órgãos específicos de polícia criminal, nomeadamente no âmbito da DGCI e das alfândegas.
A experiência irlandesa é no sentido da existência de uma secção altamente especializada que inclui dos mais qualificados magistrados do Ministério Público e pessoas com diversas qualificações técnicas e operacionais - polícias, técnicos, peritos - que actuam com uma finalidade, o confisco de bens, o confisco de vantagens indevidas do crime. Por exemplo, no protocolo, nunca ninguém fala em confisco de bens, ignora-se completamente as directivas da União Europeia nessa matéria.
O que digo é que este não é um tipo de orgânica que dê à Polícia Judiciária modernidade e capacidade de resposta, mas, sim, pela análise que é feita por quem tem treino, está no terreno e tem experiência. Essas pessoas não foram ouvidas. Foram ouvidas outras pessoas que são da Polícia Judiciária mas que não têm o treino no combate a este tipo de criminalidade e não perceberam os obstáculos na produção de prova existentes no crime organizado internacional.
Nada é fácil, tudo é difícil, tudo são dificuldades. Estamos a falar de um crime-indústria, de um crime altamente sofisticado que transpõe todas as fronteiras. É um crime que envolve a necessidade de cooperação internacional.
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É muito difícil conseguir explicar isto, a esta hora, mas penso que consegui dar uma pálida imagem do esforço que estava a ser feito.
Devo dizer que não encontrei esta estratégia naquilo que o Sr. Director Nacional apresentou à 1.ª Comissão como sendo o seu programa para a Polícia Judiciária, nem a encontrei lendo as actas.
Confesso que não foi discutido comigo nenhum quadro estratégico. Não posso dizer que foi. Acreditei que ia haver alterações. Acreditei… talvez na Secção Central de Vigilâncias, na Secção Central de Branqueamento… Tudo bem, mas, se são essas as alterações, tenho estas críticas a fazer.
Devo dizer que não tenho estas críticas a fazer por considerar que deva ser a Directora Nacional da Polícia Judiciária - como já disse publicamente, não tenho perfil para isso - ou porque tenha aspirações para o efeito, é porque estou numa comissão de inquérito e tenho de fundamentar as minhas posições. É isso que estou a fazer, porque isto é "preso por ter cão e preso por não ter", ou seja, se não fundamento, é porque são conversas de café e de corredor, se fundamento, é porque tenho ambições excessivas.
Sei que, a meu respeito, a boa vontade não é grande, mas, enfim, há que haver alguma objectividade.
O Sr. Presidente: - Obrigado, Sr.ª Dr.ª.
Srs. Deputados, não há mais inscrições.
Antes de agradecer à Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado o depoimento que prestou, quero deixar claro que o prolongamento desta reunião deveu-se ao que foi o critério definido pela Comissão, e não contestado por ninguém, de não se coarctar e não se definir nenhum tempo para a prestação de depoimentos. A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado, depoente nesta reunião de hoje, entendeu, no seu legítimo direito, que tinha muitas coisas para dizer e disse-as livremente.
Agradeço aos Srs. Deputados terem-se mantido, apesar de tudo com bastante disciplina e atenção ao longo destas mais de 7 horas de depoimento da Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado, e em especial agradeço à Sr.ª Dr.ª a abertura e a disponibilidade que teve para aguentar esta maratona, seguramente, pelo menos, com prejuízo da sua tranquilidade física, e já não falo da outra.
Vou despedir-me da Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado e peço aos Srs. Deputados para aguardarem mais uns minutos, porque temos dois requerimentos na Mesa que eu gostaria de colocar à consideração da Comissão.
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado: - Muito obrigada e boa noite.
Pausa.
Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, ao longo desta reunião, dois requerimentos, sendo um subscrito por Srs. Deputados do PS, que rapidamente passo a ler.
"As declarações produzidas pelo Sr. Dr. Pedro da Cunha Lopes e pela Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado vieram justificar e adensar todas as preocupações que levaram à criação desta Comissão de Inquérito e, pelo seu significado e gravidade, exigem audição complementar do Sr. ex-Director da Polícia Judiciária, Dr. Luís Bonina, e do Sr. Procurador-Geral da República, Dr. Souto Moura."
O segundo requerimento, subscrito pelo Sr. Deputado Francisco Louçã, diz o seguinte: "Em função das declarações hoje proferidas pelo Sr. Dr. Pedro da Cunha Lopes e pela Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado, venho requerer a audição complementar do Dr. Rui do Carmo, Subdirector do CEJ (Centro de Estudos Judiciários), além do Dr. Luís Bonina e do Procurador-Geral da República, Dr. Souto Moura."
Foi também entregue na Mesa outro requerimento, que vou mandar distribuir mas que também passo a ler para ganharmos tempo, apresentado pelo PSD e pelo CDS-PP.
"Tendo em conta o enorme relevo para o apuramento da verdade dos factos e para a análise dos elementos processuais relativos ao processo de furto de documentos de identificação do Ministério dos Negócios Estrangeiros aludido no depoimento do Dr. Pedro da Cunha Lopes, os Deputados signatários requerem que seja solicitada certidão do processo em causa à Polícia Judiciária (DCCB)."
Srs. Deputados, ainda que haja qualquer tipo de segredo, isso caberá à entidade requerida vir ou não alegá-lo perante a Comissão, e esta, depois, deliberará de acordo com as informações que lhe forem prestadas, em conformidade com os seus direitos legais.
Coloco estes requerimentos à consideração dos Srs. Deputados, sendo certo que, para me manter fiel ao critério que referi desde o início desta Comissão, a menos que todos os Deputados entendam que há condições de se proceder à votação destes requerimentos - e neste momento falta a Sr.ª Deputada Isabel Castro, que teve de se ausentar e que a meio da tarde me comunicou esse facto -, é meu entendimento que a votação fique para amanhã. De qualquer maneira, gostaria de ouvir os Srs. Deputados.
Tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, mesmo antes de o Sr. Presidente ter feito essa alusão, eu ia sugeri-lo, até porque os requerimentos surgem na sequência de depoimentos que acabámos de ouvir. Foram muitas horas de trabalho e talvez conviesse reflectir um pouco sobre os documentos e sobre as próprias propostas e pedidos que nos são feitos. A ter que votar agora, fá-lo-ia, como é evidente, mas não vejo nenhum inconveniente, antes pelo contrário, em podermos votar amanhã e podermos analisar mais detalhadamente os pedidos que são feitos, cotejando-os, até, com a memória que temos da audição que foi feita.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Neto.
O Sr. Jorge Neto (PSD): - Sr. Presidente, é apenas para lhe manifestar a nossa anuência em relação à sugestão que formula.
Aliás, era nosso propósito avançar com uma proposta concreta nesse sentido porque, de facto, não faz sentido neste momento votar esses requerimentos. Há audições que estão já agendadas para amanhã e o momento azado para a pronuncia sobre a oportunidade ou não da votação desses requerimentos deve ter lugar após essas audições.
Daí que, em sintonia com o que o Sr. Presidente adiantou e o Deputado Telmo Correia sufragou, nós também comunguemos desse ponto de vista.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
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O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, damos o nosso acordo a esta hipótese de trabalho e iremos apresentar mais requerimentos sobre algumas das matérias que foram agora trazidas ao debate, para esclarecimento da Comissão de Inquérito.
O Sr. Presidente: - Então, solicitava ao Sr. Deputado Alberto Martins e a todos os outros Srs. Deputados, para amanhã não virmos de novo a ser confrontados com uma situação similar, que logo desde o início da reunião tivessem o cuidado de anunciar e entregar na Mesa, se for possível, esses requerimentos.
O que eu não queria era que fosse gorada a expectativa que foi criada, nomeadamente na última reunião, e foi isso que me levou a dizer o que disse antes de ouvir os Srs. Deputados. A expectativa era a de que as audições eram estas e que depois de elas terminarem a Comissão ponderaria sobre a necessidade, ou não, de proceder a novas audições. Daí eu entender, por exemplo, que a ausência da Sr. Deputada Isabel Castro, que representa uma força política neste Parlamento, levaria a que, em sintonia com essa lógica e com a boa fé da Sr.ª Deputada, presumo eu, a votação não se devia fazer na sua ausência.
Assim, folgo em saber que é esse também o entendimento generalizado da Comissão e, portanto, fica apenas o meu pedido aos Srs. Deputados para, caso venha a acontecer que pretendam apresentar mais requerimentos, como anunciou agora o Sr. Deputado Alberto Martins, que o tentem fazer logo na parte da manhã, pelo menos, se possível no início da reunião, a fim de que eu tenha hipótese de comunicar a todos os Srs. Deputados que porventura não estejam cá nesse momento que existe determinado tipo de requerimentos e é vontade da Comissão, no final das audições, proceder à respectiva votação.
Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, é apenas para uma nota indicativa. Estando de acordo com isso, evidentemente que alguns requerimentos serão suscitados pelo próprio desenrolar dos trabalhos.
O Sr. Presidente: - Obviamente que percebo essa circunstância.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, é no sentido de dizer que, concordando com tudo o que foi dito, há determinado tipo de requerimentos relativamente aos quais preferimos aguardar pelo depoimento do Sr. Desembargador Adelino Salvado e, portanto, fica desde já ressalvado o direito de, na sequência desse depoimento, podermos requerer alguma coisa.
O Sr. Presidente: - Antes de encerrar a reunião, diria apenas, em jeito de síntese, que face ao que acabou de ser dito pelos Srs. Deputados, eu próprio tomarei iniciativa de amanhã, no início da reunião, avisar todos os Srs. Deputados. É evidente que os presentes já estão avisados e entendo-o como tal. Parece-me que se trata apenas da Sr.ª Deputada Isabel Castro, mas amanhã terei o cuidado de lhe comunicar que há vários requerimentos que serão colocados à discussão e votação no final da audição da tarde de amanhã e assim penso que todos ficarão de sobreaviso.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, tenho apenas uma dúvida e pedia a sua atenção. Se a Comissão entender que há audições a fazer, pela natureza dos depoimentos que forem trazidos aqui, deveria ponderar-se se esses depoimentos não deveriam ser feitos antes da vinda da Sr.ª Ministra da Justiça. Evidentemente que ela pode vir cá mais do que uma vez, mas creio que essa hipótese seria ponderável. Porém, o Sr. Presidente verá e porá essa questão à Comissão amanhã, se o entender.
O Sr. Presidente: - Amanhã, no início da reunião, posso perguntar a opinião dos Srs. Deputados, mas chamo a atenção de que há declarações que ninguém ignora de vários Srs. Deputados, e eu também não posso ignorar até indicação em contrário. Foram os Srs. Deputados que marcaram as audições que temos em curso que declararam que, relativamente a outro tipo de audições, só após estas é que ponderariam a sua aceitação ou não.
De qualquer maneira, tomei boa nota da sua questão e da mesma maneira que amanhã de manhã não deixarei de dar indicação à Sr.ª Deputada Isabel Castro, imediatamente distribuirei à Comissão todos os requerimentos que deram entrada, permitindo-me ainda colocar à ponderação da Comissão se existe ou não assentimento generalizado para que, porventura, possa haver a votação de um requerimento no final da manhã. Se não for esse o caso, a votação far-se-á no final da audição marcada para a tarde.
Está encerrada a reunião.
Eram 22 horas e 25 minutos.
COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO AOS ACTOS DO XV GOVERNO CONSTITUCIONAL QUE LEVARAM À DEMISSÃO DE RESPONSÁVEIS PELO COMBATE AO CRIME ECONÓMICO, FINANCEIRO E FISCAL, TRÊS MESES DEPOIS DA SUA NOMEAÇÃO
Reunião de 6 de Novembro 2002
Audições:
Dr. Adelino da Silva Salvado, Director Nacional da Polícia Judiciária
Ministra da Justiça, Dr.ª Maria Celeste Cardona
Presidente: Luís Marques Guedes (PSD)
Oradores: Telmo Correia (CDS-PP)
Alberto Martins (PS)
Jorge Neto (PSD)
António Filipe (PCP)
Isabel Castro (Os Verdes)
Alberto Martins (PS)
Osvaldo Castro (PS)
Francisco Louçã (BE)
António Montalvão Machado (PSD)
Jorge Lacão (PS)
Marques Júnior (PS)
Luís Montenegro (PSD)
Eduardo Cabrita (PS)
Odete Santos (PCP)
José Magalhães (PS)
O Sr. Presidente (Luís Marques Guedes): - Srs. Deputados, vamos dar início aos nossos trabalhos.
Eram 10 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados, em primeiro lugar, queria dar os bons dias e agradecer a presença do Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária, Dr. Adelino Salvado.
Já expliquei ao Dr. Adelino Salvado a metodologia que temos seguido, relativamente aos trabalhos desta Comissão.
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Fazia apenas um apelo aos Srs. Deputados para que, dentro do possível, conseguissem conter-se na metodologia por nós traçada para tentarmos permitir que todos os Srs. Deputados, que o pretendam, possam participar activamente na audição ao Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária.
Tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, as minhas primeiras palavras, Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária, são para o cumprimentar mais uma vez nesta sua presença, agora, numa Comissão de Inquérito e para lhe dizer, Sr. Director Nacional, que nos move, a nós (e a mim em particular, enquanto Deputado da maioria), nesta Comissão, uma preocupação fundamental, que é a de, por um lado, esclarecer a verdade e, por outro lado, fazê-lo protegendo uma instituição tão importante para o país, como é a Polícia Judiciária, exposta lamentavelmente a um inquérito que, em várias das matérias e das suas apreciações, nos parece ser progressivamente, cada vez mais, estritamente uma questão política.
O seu depoimento, hoje - e sê-lo-ia sempre - é particularmente relevante depois dos trabalhos que aqui decorreram ontem durante várias horas.
Na sustentação deste inquérito estava uma questão fundamental e algumas questões acessórias, sendo que começarei, de resto, por uma das questões acessórias que sustentam este inquérito e que foi a da demissão do Director Adjunto Pedro Cunha Lopes.
Na altura, foi muito referida a existência de contradições entre o depoimento que foi aqui prestado pelo Sr. Director Nacional e o depoimento prestado pelo Dr. Pedro Cunha Lopes, contradições essas que tinham que ver com uma questão fundamental - existirão outras acessórias, e, provavelmente, ser-lhe-ão perguntadas ao longo desta sessão - que é a de saber (e porque isso se conjuga, a seguir, com outros depoimentos) se o Dr. Pedro Cunha Lopes foi convidado e para que cargo, ou seja, pretendemos saber se foi convidado para dirigir a DCCCB ou se foi convidado, como apareceu também referido, para a Directoria de Lisboa ou a para a DCICCEF, ou se foi convidado para ambos, ou até se foi ele que escolheu - porque esta é a alegação do Dr. Pedro Cunha Lopes, não a sua.
E há, inclusivamente, um dado curioso na declaração do Dr. Pedro Cunha Lopes (provavelmente era conhecido, mas eu não me tinha apercebido), que tem a ver com o facto de saber se, inclusivamente, houve intervenção (nesse convite e na relação entre si e o Dr. Pedro Cunha Lopes) de uma terceira pessoa, magistrada, creio não errar, que foi a Dr.ª Cândida Almeida, porque isso nos foi dito, aqui, ontem, pelo Dr. Pedro Cunha Lopes.
Portanto, é para nós relevante saber em que circunstâncias, em que condições esse convite ocorreu, como foi feito e para que cargo, exactamente.
Há outras questões laterais, relacionadas ainda com o depoimento do Dr. Pedro Cunha Lopes, nas quais eu não perderia demasiado tempo, até porque elas se prendem, naquilo que pareceu ser mais interessante, com a detenção de um terrorista, penso eu, indiano, cujo nome confesso não me recordar neste momento, mas também não creio que seja o mais relevante, porque sabemos do que é que estamos a falar, e em relação ao qual o Dr. Pedro Cunha Lopes referiu que, por responsabilidade do Sr. Director Nacional, porque não entendeu que isso fosse muito prioritário, essa detenção talvez não pudesse ser efectuada. Eu até não perderia muito tempo com isso, Sr. Director, porque a verdade é que a detenção parece que foi feita, posteriormente à saída do Dr. Cunha Lopes.
Portanto, a realidade é esta: penso até que estará preso e portanto não creio que seja uma questão, nem muito interessante nem muito entusiasmante, mas, já agora, uma vez que esta questão foi levantada, gostaria de ouvir a opinião do Dr. Adelino Salvado, apesar de as declarações do Dr. Cunha Lopes, sabem-no os Srs. Deputados que a ouviram ontem, terem sido proferidas num regime supostamente de segredo em que esta comissão funciona mas em que são feitos informações noticiosas de minuto a minuto, no exterior da reunião, como ontem pudemos verificar.
Segunda questão que gostaria de colocar tem a ver com a Dr. Maria José Morgado, a sua demissão e as condições em que esta mesma demissão ocorreu.
Devo dizer-lhe Sr. Director que tenho uma dificuldade óbvia nesta matéria e compreendo se o Sr. Director tiver esta mesma dificuldade, porque nós estamos a lidar aqui com uma questão cujas versões vão mudando à medida que este processo se vai tornando mais político e à medida que avançamos os nossos trabalhos.
Ainda ontem aqui pudemos ver que de uma primeira carta que é pública, está divulgada, faz parte até do acervo documental desta Comissão, a demissão era por razões de organização e, portanto, de estruturação da própria Polícia Judiciária. Depois, passados uns tempos, por altura da 1.ª Comissão, ficámos a saber que além disso, havia uma acusação, na opinião da Dr.ª Maria José Morgado, de excesso de visibilidade, o que, de resto, é rigorosamente o que a Dr.ª Maria José Morgado diz, numa entrevista ao Expresso, penso que pouco depois dessas mesmas audições, onde ela disse que sabia que havia acusações da Ministra da Justiça de excesso de visibilidade - e só, excesso de visibilidade, nesta altura, por parte da Dr.ª Maria José Morgado.
Portanto, estamos a falar aqui de declarações feitas há uns meses atrás e na sequência das audições que foram feitas na 1.ª Comissão, onde a Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado, a certa altura, terá dito que essas acusações foram-lhe feitas interna e directamente, sendo que esse dilema ficou resolvido.
Todavia, ontem, ouvimos uma versão completamente nova de que já não era o problema de falta de visibilidade; eram mesmo pressões políticas e, por outro lado, afinal a Dr.ª Maria José Morgado não se demitiu, foi obrigada a demitir-se, de acordo com aquilo que ela aqui ontem nos disse.
Ora, assim sendo, nada melhor do que ouvir o Sr. Director Nacional da PJ, até porque a Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado relatou uma conversa que teria tido com o Sr. Director e portanto, nada como saber em que termos é que esta demissão ocorreu e, sobretudo, saber também, qual é a versão verdadeira, porque, repito, numa primeira versão, esta demissão teria a ver, provavelmente, como disse em entrevista a Dr.ª Maria José Morgado, com uma intervenção sua a propósito de uma interpelação da Sr.ª Ministra das Finanças - aliás, creio que se trata de um processo de que já falamos, quer na 1.ª Comissão, quer aqui, que é o caso dos combustíveis.
Portanto, teria havido uma diligência junto do Sr. Director Nacional por parte da Sr.ª Ministra das Finanças, a que esta diligência estaria ligada; foi, se quisermos, o detonador de uma atitude que poderia ter conduzido ao pedido
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de demissão da Dr.ª Maria José Morgado, ela própria o disse, em várias entrevistas e ontem obtivemos uma versão completamente diferente, na qual ela nos referiu que, afinal, não queria demitir-se mas foi o Sr. Director Nacional que a obrigou a demitir, sendo que esta intromissão nos combustíveis ou nunca teria existido ou, pelo menos, já não era relevante.
Trata-se, pois, de saber qual é o motivo verdadeiro, o que é que corresponde a esta demissão. Assim, gostaria que o Sr. Director nos pudesse dar a entender qual destas versões é a verdadeira e qual é a sua opinião, porque, de outra forma, não podemos saber, uma vez que temos, de facto, várias versões.
Portanto, Sr. Director Nacional, gostaria de saber o que é que aconteceu, em que termos decorreram as suas conversas com a Dr.ª Maria José Morgado e o que é que determinou a sua demissão.
Em segundo lugar, Sr. Director, sobre esta questão da Dr.ª Maria José Morgado e do seu depoimento - e o que está em causa são estas demissões - gostaria de dizer ao Sr. Director que há, desde o início, e bastará ler com alguma atenção as declarações que foram produzidas e as actas das reuniões na 1.ª Comissão, uma afirmação, enfim, não lhe quero chamar insinuação, porque poderia ser depreciativo, mas uma afirmação, uma suspeita levantada por alguns dos Srs. Deputados presentes na 1.ª Comissão e também nesta Comissão no sentido de que existiriam pressões políticas ligadas a casos em concreto, designadamente ao caso e ao julgamento relacionado com a Universidade Moderna, que decorre no tribunal de Monsanto.
De facto, este assunto esteve desde o princípio presente e lembro-me que nas primeiras audições na 1.ª Comissão foram feitas algumas referências a este assunto, designadamente pelo Sr. Deputado Eduardo Cabrita, só que isto até hoje nunca foi esclarecido e portanto foram aparecendo outras versões, nomeadamente a da visibilidade, era uma suposta acusação genérica da Sr.ª Ministra da Justiça, só que, agora, nós ouvimos a Sr.ª Procuradora Geral Adjunta, a Dr.ª Maria José Morgado, dizer, claramente, aqui ontem, que existiu uma conversa consigo imediatamente a seguir à sua tomada de posse, se não estou em erro - e posso estar errado, enfim, porque estou a citar de memória, não escrevi tudo aquilo que aqui foi dito ontem…
O Sr. José Magalhães (PS): - A 25 de Maio!
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - 25 de Maio - Muito obrigado, Sr. Deputado José Magalhães!
Portanto, nessa conversa o Sr. Director teria dito que a Sr.ª Ministra da Justiça, Dr.ª Celeste Cardona, e o Sr. Ministro de Estado e da Defesa Nacional, Dr. Paulo Portas, não gostariam dela e, inclusivamente, teriam medo dela.
Ora, esta é uma afirmação extraordinária, não constitui segredo profissional e, portanto, não se percebe, sequer, por que é que só foi revelada agora; não se percebe por que é que demorou tanto tempo a aparecer esta afirmação, se ela estava lá desde o princípio… De facto, demora a perceber-se, por que é que nunca houve conclusões, em relação a uma afirmação deste tipo, ou porque é que a própria nunca tirou nenhum tipo de conclusão em relação a uma afirmação desse tipo. De facto, isso não se percebe.
Portanto, o que lhe pergunto, Sr. Director, é se alguma vez teve algum género de conversa ou fez alguma referência deste tipo, ou transmitiu ou ouviu da parte da Sr.ª Ministra da Justiça ou mesmo do Dr. Paulo Portas, algum tipo de afirmação deste tipo que, depois, tivesse transmitido à Dr.ª Maria José Morgado. Isto é importante, porque está ligado à tal tese e à tal insinuação política existente e é fundamental ser esclarecido.
Mais relevante, ainda, do meu ponto de vista e em relação ao depoimento da Dr.ª Maria José Morgado, de resto, ainda na sequência desta afirmação anterior, é que, pelos vistos, as suas conversas sobre tudo o que fossem, ou pelo menos por algumas decisões fundamentais estratégicas passariam sempre pelo Sr. Director invocar a Sr.ª Ministra da Justiça e ainda alguém por detrás da Sr.ª Ministra da Justiça. Enfim, é um testemunho indirecto da Dr.ª Maria José Morgado o sentido de dizer que o Sr. Director, de tempos a tempos, dir-lhe-ia: veja lá que a Sr.ª Ministra da Justiça, a pedido do Dr. Paulo Portas, pede isto, pede aquilo, pede aqueloutro…, e portanto, poderia pedir ainda mais, segundo a Dr.ª Maria José Morgado.
Bom, mas, segundo a Dr.ª Maria José Morgado, a Sr.ª Ministra da Justiça teria pedido ao Sr. Director Nacional, por pressão do Dr. Paulo Portas - creio que foi isto o que foi dito, mais palavra, menos palavra - para tirar um homem que estava em Monsanto (foi mais ou menos esta a expressão, mas também aqui poderei ser corrigido por alguém, se não foi esta a expressão). Porquê? Porque teria sabido quem era o homem que anda em Monsanto e, a seguir, veio a instrução para retirar esse homem que andaria em Monsanto.
Enfim, o que a Dr.ª Maria José Morgado estava a dizer, com isto, é que existiriam pressões da parte da Sr.ª Ministra da Justiça, por interferência do Dr. Paulo Portas, para retirar alguém que estaria no Tribunal de Monsanto, a fazer, não percebemos bem o quê, porque aqui as versões também não são rigorosamente coincidentes - ouvimos uma versão, segundo a qual seria apoio logístico, normal, prestado ao Ministério Público, passaria pela análise de documentação e por um apoio técnico, quando confrontada com esta possibilidade, creio que a resposta final da Dr.ª Maria José Morgado foi que, afinal, seria só o motorista, porque o Sr. Procurador não saberia ir para Monsanto e, portanto, precisava de alguém que o levasse lá, para, como chegou a ser dito, a certa altura, não se perder naquele ermo onde está o tribunal de Monsanto…
O Sr. José Magalhães (PS): - Não foi isso que disse!
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Foi, foi… Estava ao serviço do ao Sr. Procurador, era o motorista e, efectivamente, transportava-o, porque ele não sabia… Isto chegou a ser dito.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço que não se percam em conversas laterais.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Director, independentemente disto, o que nós queremos saber é…
Protestos do Deputado do PS José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Não foi isso que disse!
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Devia estar lá fora, nessa altura, Dr. José Magalhães…
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, faço lembrar que estamos numa audição ao Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária, que deve merecer o respeito dos Srs. Deputados e que lhe devem dirigir as perguntas directamente, a ele, em vez de conversarem lateralmente.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - É o que estou a procurar fazer, Sr. Presidente.
Portanto, Sr. Director, o que eu estava precisamente a dizer, tentando fazer a minha pergunta, é que, no fundo, nós queremos saber o que é que sabe sobre isto. Ou seja, o que é que sabe sobre a presença de agentes da DCICCEF em Monsanto, sobre a função que esses agentes teriam, sobre as circunstâncias em que eles estariam ou não a acompanhar esse julgamento e quantos eram, porque a Dr.ª Maria José Morgado disse-nos que chamou quatro agentes e pediu-lhes que não fossem ao Tribunal de Monsanto, ainda que não seja claro se o fez porque eles estavam lá ou se o fez de forma preventiva, segundo ela pareceu querer sublinhar a certa altura, para que isso não acontecesse.
Portanto, ela disse que chamou ao seu gabinete quatro agentes, que eram, e estou a citar de cor, o Inspector Borlido, o Inspector Gonçalves Pica (não sei se é esse o nome), o segurança - de resto, essa matéria não era completamente nova, porque já tinha aparecido uma notícia no Expresso, precisamente no dia da entrevista dada pela Dr.ª Maria José Morgado - mencionado no Expresso como PA, penso que Pedro Albuquerque, disse-me agora o Sr. Deputado Jorge Neto, e ainda um outro Inspector chamado Pedro, cujo nome completo ela não disse, mas que referiu como sendo um inspector mais novo, não sei se de idade se mais recente no departamento.
Disse ainda que essas pessoas receberam instruções dela para não acompanharem o processo, por instrução do Sr. Director Nacional, repito, por indicação da Sr.ª Ministra da Justiça e por pressão do Dr. Paulo Portas.
E o que está aqui em causa logo à partida, Sr. Director, é saber - e eu pergunto-me - se este é um procedimento normal. Gostaria que me dissesse, em primeiro lugar, o que é que sabe sobre isto, e, em segundo lugar, se este é um procedimento normal, se este é um procedimento legal, se tinha de existir qualquer tipo de pedido para esta intervenção, e, se sim, de quem é que ele teria de vir e em que circunstâncias.
E devo dizer-lhe que fiquei ainda mais surpreendido, porque, quando instada por um Sr. Deputado - não me lembro por qual, mas não por mim - a responder a esta pergunta, a Dr.ª Maria José Morgado disse que, efectivamente, tinha dado essa instrução, porque foi essa a ordem que recebeu do Sr. Director Nacional e não porque alguma dessas pessoas fosse testemunha de acusação. Isso surpreendeu-me, porque tal não me tinha passado pela cabeça.
Portanto, pareceu-me ter havido uma preocupação da Dr.ª Maria José Morgado em referir que nenhuma dessas pessoas era testemunha de acusação; afirmação que me surpreendeu e que, certamente, surpreendeu toda a Comissão, portanto fico com esta dúvida.
Gostava, designadamente, de saber o seguinte: se porventura algum destes inspectores fosse testemunha de acusação - não sei se o Sr. Director sabe alguma coisa sobre isso - que consequências é que isto poderia ter? Pergunto-lhe isto, porque estamos a falar de apoio logístico e, das duas uma: ou ele é legítimo ou ilegítimo, ou pode ou não ser feito nestes termos ou, então, havia uma investigação. A Polícia Judiciária tem ou não conhecimento dessa investigação? Que tipo de investigação estava a ser feita? Existem ou não registos dessa mesma investigação ou estamos perante uma possibilidade? Eu não quero, pela minha parte, lançar nenhuma teoria de conspiração, mas podemos estar perante uma investigação no mínimo estranha, senão mesmo privada.
Portanto, para além destas perguntas, o que lhe peço, para já, nesta primeira ronda, é que me diga se os mandou ou não retirar, e, se o fez, em que termos os mandou retirar, por que razão o fez, porque essa é a questão e a acusação que está pendente, inclusivamente sobre si, ou seja, a de que o fez com base numa pressão política, o que seria da maior gravidade.
Por isso, gostaria que me dissesse por que é que os mandou retirar e em que termos teve esta conversa com a Dr.ª Maria José Morgado, sendo que a própria - confesso neste momento não me recordar dos nomes - disse que existiriam inclusivamente testemunhas dessa mesma conversa, porque quando o Sr. Director a chamou ela não estaria só.
Gostaria que me dissesse se essa conversa existiu ou não e, se existiu, em que termos decorreu.
Por último, Sr. Director (e vou mesmo terminar, Sr. Presidente), gostaria de dizer-lhe que além de ter ficado impressionado com as diferenças e a evolução dos depoimentos e com o contraste óbvio entre os vários depoimentos que foram feitos aqui pela Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta, denunciando, na minha opinião, uma certa politização deste processo, fiquei também surpreendido com afirmações sucessivas de "eu fiz", "eu aconteci", "eu investiguei", "eu não sei quê…", designadamente quanto ao caso que é do conhecimento da opinião pública e que está na comunicação social, que tem que ver com a detenção de homens da Brigada de Trânsito, de que a Dr.ª Maria José Morgado, na opinião dela própria, seria a principal responsável, e, segundo a mesma, seria normal agradecer-lhe por isso.
Devo confessar-lhe que sou um institucionalista. Penso que os processos e o bom funcionamento da Polícia Judiciária se devem, ao longo da sua história, aos seus vários responsáveis.
Quero perguntar-lhe se pode dizer-nos alguma coisa sobre esse processo em concreto, nomeadamente como é que ele foi conduzido, de quem é a responsabilidade e de quem é o mérito, se ele não é, no fundo, do trabalho da Polícia Judiciária no seu todo.
Muito obrigado, Sr. Presidente. Peço desculpa por me ter excedido.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Dr. Adelino Salvado.
O Sr. Dr. Adelino Salvado (Director Nacional da Polícia Judiciária): - Sr. Presidente, se me permite, quero começar por cumprimentar todos os Srs. Deputados que aqui estão nesta missão de averiguar a verdade, e a verdade não tem qualificativos, não é formal ou substancial ou seja o que for, a verdade é a verdade.
Antes de começar a responder, se me permitir, quero fazer uma declaração para balizar a minha intervenção nesta Comissão.
Estamos a falar de uma Comissão de Inquérito que foi definida nos termos legais, tal como determina o seu regulamento,
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e por isso gostaria de deixar expressa uma breve declaração que mais não visa do que situar-me no âmbito deste inquérito. Para tanto, mostra-se imprescindível definir com clareza, por um lado, o objecto do inquérito e, por outro lado, as normas que o regulam.
Lendo o texto do requerimento, verifica-se que o inquérito visa o "(…) esclarecimento e a apreciação política dos actos da responsabilidade do Governo, no que respeita:
a) Aos pressupostos e às circunstâncias que determinaram as supra-indicadas nomeações e cessações de comissões de serviço;
b) À estratégia e às orientações do Governo no âmbito do combate ao crime económico, financeiro e fiscal, bem como ao modo como vem exercendo as suas competências funcionais neste domínio.".
Numa outra vertente se dirá que o diploma que regulamenta as comissões de inquérito faz aplicar ao funcionamento destas as regras do Código de Processo Penal. A ser assim, como efectivamente é, parece não haver absolutamente nenhuma dúvida sobre esta matéria: todos os procedimentos aqui adoptados, todas as diligências a executar, haverão, sem desvios, penso eu, de circunscrever-se à prossecução das finalidades do inquérito e estas são apenas as que acima enunciei e que foram devidamente publicadas e publicitadas.
Neste enquadramento, que é o da lei, cumpre-me esclarecer o seguinte perante VV. Ex.as: sobre os actos da responsabilidade do Governo, quero afirmar que o único que, de facto e em substância, pode ser sacado à responsabilidade do Governo, no que concerne à questão das nomeações na Polícia Judiciária, é o da minha própria nomeação como Director Nacional.
Todas as outras nomeações ou cessações de comissões de serviço relativas ao exercício de cargos na direcção da Polícia Judiciária foram, e quero afirmá-lo aqui, da minha única e exclusiva responsabilidade, que assumo em plenitude para o bem, para o mal, para o êxito, para o fracasso, sendo absolutamente certo que nunca, por qualquer meio, forma ou palavra a Sr.ª Ministra da Justiça, ou qualquer outro membro deste executivo, portanto, do poder político, pessoalmente ou por interposta pessoa, interferiu quer na escolha das pessoas que vieram a exercer cargos de direcção quer na posterior cessação das comissões de serviço. Nesta matéria sou absolutamente taxativo, já o afirmei na anterior comissão em que fui ouvido e penso que perante a maior parte dos Srs. Deputados que aqui estão, e continuo a manter, afirmativamente, esta posição.
Donde, e de útil para o escopo do presente inquérito, só posso reafirmar que o Governo não praticou qualquer acto no âmbito da temática acima referida.
Sobre os pressupostos e as circunstâncias das nomeações e das cessações das comissões de serviço, gostaria previamente, e para balizar esta minha posição, de dizer o seguinte: a escolha das pessoas para os cargos dirigentes da Polícia Judiciária e a cessação de comissões de serviço, como já esclareci, foram apenas, e não é demais repeti-lo, da minha inteira responsabilidade, sem que houvesse interferência do poder político. Aliás, foi uma questão prévia que coloquei quando me perguntaram se estaria interessado em aceitar o exercício de funções, em comissão de serviço, como Director Nacional da Polícia Judiciária.
Também já aqui disse que não esperava esse convite. Ainda hoje estou para saber exactamente as razões do mesmo, porque, como disse, não me revejo, não me revi, não assumo, não tenho ligações com qualquer quadrante do poder político, quer o que está no poder, quer o que esteve, quer o que eventualmente poderá vir a estar.
De resto, resulta claro que estes meus actos cabem por inteiro, e sem margem para dúvida, nas competências que a lei comete ao Director Nacional da Polícia Judiciária, integrando inequivocamente o poder de direcção inerente ao cargo. Veja-se, portanto, os artigo 26.º e 114.º, ambos do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de Novembro, ou seja, a Lei Orgânica da Polícia Judiciária.
Como facilmente se compreenderá, cotejando o objecto do inquérito não são os meus actos que aqui estão em avaliação; o objecto do inquérito não é esse, mas, sim, os actos do Governo.
Pelos actos da minha gestão, desde o início da minha posse até hoje, assumo a responsabilidade e por eles responderei sempre que tal for entendido adequado em sede competente para o efeito. E, se VV. Ex.as quiserem, obviamente, e se o Sr. Presidente assim o determinar, terei todo o interesse em habilitar esta Comissão com a minha versão dos factos e caberá a VV. Ex.as qualificá-los, apreciá-los, valorá-los e tirar daí as consequências.
Se é assim, e sendo aplicáveis as normas de processo penal, não vejo, na minha modesta opinião, como possível e legal tecer considerações, juízos ou avaliações sobre os actos do Director Nacional da Polícia Judiciária no âmbito desta precisa Comissão de Inquérito, no âmbito delimitado do seu objecto.
A isto se opõe, a meu ver, frontalmente, o princípio da vinculação temática como princípio "estruturante" do processo penal. Como disse, esta Comissão rege-se pelas normas do processo penal, plasmado nos respectivos quadros normativos, nomeadamente nos artigos 313.º, n.º 1, alínea a) e 1.º, n.º 1, alínea f), ambos do Código de Processo Penal, no artigo 668.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil, aplicável no processo penal, como sabem, por força do artigo 4.º do Código de Processo Penal, e ainda no artigo 32.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa.
Destarte, não cabendo no objecto atribuído a esta Comissão a sindicância dos actos do Director Nacional da Polícia Judiciária, é minha opinião - VV. Ex.as e o Sr. Presidente terão algum entendimento - não ser legalmente admissível que aqui emita qualquer declaração sobre coisas que, claramente, não convergem para o objecto do inquérito que foi delimitado pela Comissão, para o objecto dos proponentes deste inquérito, e que de modo algum o pode dilucidar, ao invés, segundo me parece, é-lhe totalmente alheio.
Quanto à estratégia e às orientações do Governo no âmbito do combate ao crime económico, financeiro e fiscal, bem como ao modo como vem exercendo as suas competências funcionais neste domínio, ou seja, a alínea b) do n.º 2 do objecto deste inquérito, por maioria de razão, cabe-me suportar as afirmações que anteriormente fiz. Trata-se, manifestamente, de matéria que não me compete estabelecer, dado estarem em causa valorações estritamente políticas: a estratégia.
Cabe a VV. Ex.as, ao Governo, ao poder político, ao poder legislativo, ao poder executivo, à Assembleia, no interesse da comunidade, estratificar o substrato legal que defina claramente quais são estas estratégias. Penso que esse processo está em curso e que é algo que estará sempre em curso em qualquer Assembleia. Trata-se, manifestamente,
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de matéria que não compete ao Director Nacional estabelecer, dado que estão em causa valorações estritamente políticas, como disse.
As competências do Director Nacional da Polícia Judiciária não compreendem as áreas em discussão neste ponto, pelo que também neste quadro não vejo que possa intervir, porque estou perante matéria que me escapa e que legalmente não me cabe comentar nem decidir.
Na verdade, o cargo que exerço é um cargo funcional, é um cargo de Director de um departamento do Estado, por isso compreenderão VV. Ex.as que poderão averiguar de outra forma quais são os actos e a estratégia do Governo sobre esta matéria e que eu não serei propriamente a pessoa indicada para responder a isso.
Sr. Presidente, eu estou cá, como estive da outra vez, para dar a minha versão sobre actos, já não do Governo, obviamente, mas da minha gestão na Direcção Nacional da Polícia Judiciária. Simplesmente, como digo e reafirmo, eles transcendem a matéria do objecto desta Comissão
Dito isto, caberá a V. Ex.ª, Sr. Presidente, se o senhor e a Comissão assim o entenderem, dizer-me se respondo ou não às perguntas relativas a actos não do Governo mas, sim, da Direcção Nacional da Polícia Judiciária, que aqui represento como Director Nacional.
Se entenderem que sim, gostaria que me dessem tempo para responder às perguntas, porque elas são feitas com tal amplitude e têm tantas repercussões que para terem um cabal conhecimento da minha versão e para fazerem um juízo sobre ela, obviamente, terei de ter tempo para expor.
Peço a V. Ex.ª que encaminhe a minha versão nesta Comissão.
O Sr. Presidente: - Sr. Director Nacional, do meu ponto de vista, embora reconheça grande parte de razão ao que alega, ou seja, o mandato expresso que resulta da constituição desta Comissão aponta para os actos da responsabilidade do XV Governo Constitucional e não para actos da responsabilidade de membros da Administração, sendo certo que o poderia ter feito nos termos da Constituição e da lei, como todos sabemos. Mas, de facto, os autores não o fizeram.
A responsabilidade não é da Comissão mas, sim, dos autores deste acto, até porque nem sequer se trata de um mandato aprovado pela Assembleia da República mas, sim, accionado ao abrigo de um direito potestativo. Portanto, responsabiliza apenas os seus autores mas impõe-se legalmente, como o Sr. Director Nacional bem sabe, a toda a Assembleia da República, precisamente por se tratar do exercício de um direito potestativo de um conjunto de Srs. Deputados signatários do mesmo.
Em qualquer circunstância, e apesar de tudo, parece-me que há alguns aspectos que, mesmo de acordo com a interpretação do Sr. Director Nacional - que tenho dificuldades em contestar -, podem e devem ser objecto de esclarecimentos e de depoimento da sua parte.
É o caso, por exemplo, da pergunta colocada pelo Sr. Deputado que falou em último lugar, relativamente à alegada existência de pressões de membros do Governo quanto à nomeação ou exoneração de dirigentes na Polícia Judiciária. É evidente que o depoimento que o Sr. Director Nacional possa prestar concorre directamente para o apuramento do que verdadeiramente se passou quanto à responsabilidade que o Governo tem, ou deixa de ter, nas demissões que ocorreram. Aí, o depoimento do Sr. Director Nacional refere-se, objectivamente, há existência, ou não, de iniciativas da responsabilidade do XV Governo. Portanto, do meu ponto de vista, nesse caso estaremos, segura e redondamente, no âmbito do conteúdo da responsabilidade desta Comissão de Inquérito.
Quanto ao mais, sempre que o Sr. Director Nacional entender que não há qualquer relação, nem directa nem indirecta, com o objecto desta Comissão, apenas posso sugerir que o Sr. Director Nacional, relativamente a perguntas desse teor e em relação às quais tenha esse entendimento, diga exactamente isso na resposta. E, a partir daí, formule a sua posição, isto é, se entende que está ou não vinculado ao dever de responder ou, pelo contrário, se entende que a mesma não merece da sua parte qualquer resposta por a ela não estar obrigado.
É esta a posição que lhe posso transmitir, sendo certo que me parece que, de forma inequívoca, as últimas perguntas que foram formuladas (nalguns casos de forma directa, noutros indirectamente) têm a ver manifestamente com o mandato desta Comissão de Inquérito, que é o de apurar a responsabilidade do XV Governo Constitucional relativamente a mecanismos de demissão de dirigentes na Polícia Judiciária.
Relativamente à existência, ou não, desse tipo de intromissões e de responsabilidades directas ou indirectas de actos de membros do Governo no que respeita a essas demissões, entendo que o Sr. Director Nacional, se tiver conhecimento de matérias que possam concorrer para esse apuramento, deve prestar o seu depoimento à Comissão, que depois apreciará o seu valor.
Se os Srs. Deputados quiserem pronunciar-se sobre esta matéria, dar-lhes-ei a palavra para, de forma breve, também expressarem a vossa opinião.
Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, antes de mais, gostaria de intervir sobre a questão prévia que o Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária colocou, pois queria dar a nossa opinião e o nosso entendimento como autores deste inquérito, um inquérito potestativo desencadeado no âmbito dos poderes constitucionais e legais que vigoram na Assembleia da República sobre esta matéria.
Gostaria, pois, de deixar claro dois pontos. Em primeiro lugar, à Assembleia da República compete, nos termos do artigo 162.º da Constituição, "vigiar pelo cumprimento da Constituição e das leis e apreciar os actos do Governo e da Administração". O instrumento privilegiado para esta fiscalização, como o Sr. Desembargador bem conhece e citou abundantemente, são as comissões de inquérito
Esta Comissão de Inquérito tem por objecto (objecto que o Sr. Desembargador citou de forma muito precisa) as situações que levaram às demissões - para encurtar palavras - e as condições e a orientação estratégica do Governo no âmbito do combate ao crime económico.
Estas matérias - segundo ponto - têm a ver, naturalmente, com a administração da investigação judiciária. Portanto, é bom que fique claro que o mérito é definido por nós, pela Assembleia da República, nos termos do objectivo que quisermos prosseguir. E o objectivo que quisemos prosseguir foi este: os actos do Governo e, naturalmente, os actos da Administração de que o Governo é responsável.
Cabe perfeitamente no termos constitucionais e é esse o objectivo. O mérito do inquérito é definido por nós, como V. Ex.ª sabe.
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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Neto.
O Sr. Jorge Neto (PSD): - Sr. Presidente, queria apenas dizer que registo a contradição insanável do Partido Socialista, agora expressa pelo Deputado Alberto Martins, porque, de facto, não há correspondência alguma entre o que, efectivamente, está ínsito no âmbito do requerimento e o que, verdadeira e dissimuladamente, os requerentes, os Deputados do Partido Socialista pretendiam, e pretendem ainda hoje, com a realização deste Inquérito.
É exactamente esta contradição insanável entre o que está plasmado expressamente e o que, de facto, corresponde ao verdadeiro desiderato que moveu os Deputados do Partido Socialista a requerer a constituição desta Comissão de Inquérito que avulta e resulta da exposição agora feita pelo Deputado Alberto Martins.
É, de facto, uma contradição insanável, mas nós sabemos que essa correspondência entre o que lá está e o que os senhores pretendem manifestamente não existe.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, queria dizer o seguinte: em primeiro lugar, quem define o objecto do inquérito é a Assembleia da República e não as personalidades que são chamadas a depor. Em segundo lugar, não é aceitável um inquérito com geometria variável, em que ontem tenha sido possível formular todo o tipo de perguntas e obter todo o tipo de respostas e que hoje já não seja assim. O que era o objecto do Inquérito ontem continua a ser hoje e será amanhã, nas próximas audições.
Posto isto, também queria acrescentar que, evidentemente, nos termos da Constituição e da lei, o inquérito parlamentar é um instituto que serve para a averiguação de responsabilidades políticas e, assim sendo, há responsabilidades políticas que são assumidas quer pelo que se diz quer pelo que não se diz.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, queria dizer tão-só que o objecto do inquérito proposto pela Assembleia é claro, visa o apuramento da responsabilidade. E, nesse sentido, é a Assembleia da República, e não entidades exteriores a ela, que tem a liberdade de decidir as perguntas e as matérias que, do seu ponto de vista, contribuem para esse esclarecimento. Obviamente que quem depõe tem, também, a possibilidade de responder ou não às questões mas, como é natural, a ausência de resposta não deixa de ter significado.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não registo mais pedidos de palavra e, feita esta pequena ronda de intervenções dos Srs. Deputados, queria fazer uma pequena precisão relativamente ao que foi dito pelo Sr. Deputado António Filipe.
Verdadeiramente, a razão de ser desta ronda de intervenções foi suscitada pelo Sr. Director Nacional não na perspectiva de questionar, porque não é questionável - está escrito! -, o objecto do inquérito, ou seja, não se trata de haver aqui um inquérito com geometria variável; apenas está em causa a interpretação de um depoente nesta Comissão, na qual questiona quais são os limites a que ele está, ou não, legalmente obrigado a responder, atendendo à sua conexão directa com o teor do mandato desta Comissão.
Portanto, uma coisa é o que está escrito relativamente ao mandato desta Comissão, que responsabiliza apenas os seus autores neste caso, uma vez que não foi votado pela Assembleia da República; outra coisa é a obrigação que decorre da lei para os depoentes serem obrigados a prestar todos os esclarecimentos que se inscrevam no âmbito do escopo e do mandato da própria comissão.
O Sr. Deputado Alberto Martins pediu a palavra para que efeito?
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, para um protesto.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, é bom que fique claro que este é um inquérito da Assembleia da República, decidido pela Assembleia da República, de acordo com procedimentos legais estabelecidos. O que nós queremos é o apuramento da verdade, não queremos a fuga à verdade em circunstância alguma.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não vejo em que é que isso se traduza num protesto, mas enfim…
Não irei dar a palavra aos Srs. Deputados para segundas intervenções mas, uma vez que o Sr. Deputado Telmo Correia ainda não se pronunciou, dar-lhe-ei a palavra.
Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, pronunciar-me-ei da forma mais breve possível, até por uma razão simples: também não entendo que a intervenção do Sr. Deputado Alberto Martins tenha sido um protesto e, aliás, subscrevo integralmente as suas palavras. Nós queremos o apuramento da verdade.
Da intervenção inicial do Sr. Director Nacional, deduzi a existência - e existem, de facto, no âmbito deste Inquérito - de vários tipos de matérias e de responsabilidades, sobre os quais nem todos os intervenientes poderão responder. Posso aceitar que, efectivamente, sobre estratégia política, orientações políticas e opções políticas não respondem nem os demitidos nem o actual Director Nacional da Polícia Judiciária; responderá, hoje à tarde, a Sr.ª Ministra da Justiça, como é evidente. Portanto, nem todos os intervenientes nesta Comissão têm o mesmo grau de responsabilidade ou podem responder sobre as mesmas matérias. Se é esse o sentido e o entendimento, posso subscrevê-lo, porque assim é.
No entanto, em relação ao mais, penso que o importante é esclarecer factos. Esta Comissão tem de se debruçar sobre factos em concreto, sobre actos que existiram ou não que confirmem ou infirmem várias afirmações que foram proferidas nesta mesma Comissão.
Não me alongarei mais, até porque o meu interesse óbvio e natural é o de obter resposta às perguntas que fiz.
O Sr. Presidente: - Terminados os pedidos de palavra dos Srs. Deputados, devolvo a palavra ao Sr. Director Nacional, Dr. Adelino Salvado.
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O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Sr. Presidente e Srs. Deputados, se me permitem, concordo plenamente com o que aqui foi dito, pois penso que todos os quadrantes referiram o que eu tinha dito. A verdade é que o objecto é de vinculação temática - estamos no âmbito da aplicação do Código de Processo Penal - e o objecto deste Inquérito visa, fundamentalmente (direi mesmo, taxativamente) o esclarecimento e a posição política dos actos da responsabilidade do Governo.
Obviamente, se os proponentes quisessem, tinham capacidade para o fazer e era legítimo que o fizessem, também podiam estar incluídos os actos da Administração e, nesse caso, estaria a questão esclarecida. A verdade é que aparece no requerimento, tão-só e exclusivamente, actos do XV Governo.
De qualquer forma, como já disse a V. Ex.ª, Sr. Presidente, estou aqui ao dispor da Comissão de Inquérito e, nesse sentido, se me permitem, na medida do possível e na força das minhas possibilidades neste momento, gostaria de esclarecer as questões que me foram colocadas.
Não é propriamente em termos de Código de Processo Penal que são feitas perguntas em catadupa a qualquer testemunha ou arguido, como a maior parte de V. Ex.ª sabe, em tribunal. Não se põem perguntas por atacado, fazem-se perguntas sobre factos. Mas, apesar de tudo, compreendo que esta Comissão tem a sua forma de agir.
Se me permitem, a primeira questão que me foi colocada - e se eu falhar alguma resposta farão o favor de me dizer, que eu voltarei a ela - teve a ver com o convite feito ao Dr. Pedro da Cunha Lopes para exercer funções como Director Nacional Adjunto na Polícia Judiciária.
Esta questão já foi por mim focada anteriormente, perante a outra comissão e, se me permitem, remeto para o que eu lá disse - em linhas gerais, mantenho o que então dizer disse -, mas vou precisar melhor o que então mencionei, porque ainda está nos meus ouvidos afirmações, feitas por um Deputado dessa Comissão, como "algum dos dois mente", "a verdade não tem hierarquias" e coisas do género.
Eu também concordo que a verdade não tem hierarquias, porque a verdade não é formal, substancial ou seja o que for. A verdade é a verdade! É escusado arranjar qualificativos para a verdade, porque a verdade é uma coisa escrita com letra grande e, a meu ver, não tem qualificativos possíveis. Ou é ou não é!
Quanto a esta matéria, eu disse na altura que não conhecia o Dr. Pedro Cunha Lopes. Ele pertence a uma geração muito diferente da minha - penso que ele tem 34 ou 35 anos - e que girou por meios que eu não girei, não só por causa da idade mas também do sítio onde exerceu funções. Portanto, não o conhecia de forma alguma.
Na verdade, quando fui convidado para ocupar o cargo de Director Nacional da Polícia Judiciária e aceitei - e quanto a isso já fiz o meu lamento na outra comissão - precisava de encontra cerca de 12 pessoas - isso é necessário a quem aceita um cargo destes - para constituir uma equipa, porque aquilo tem esta estrutura organizativa. Ora não é fácil, em curto espaço de tempo, encontrar tanta gente para exercer cargos de chefia num organização daquelas. Não é, decididamente, fácil. Mas aceito que outras pessoas com mais capacidade que eu possam fazê-lo instantaneamente!… Eu tive de andar a angariar, a saber, a ouvir e a falar com dezenas de pessoas, para apurar qual a personalidade, qual a experiência que as pessoas tinham para determinando cargo, qual a que poderia exercê-lo melhor, etc. Enfim, é a tentativa de acertar quando se entra numa instituição destas.
Eu também já disse, não sei se aqui se noutro lado, que certezas nunca se têm. Até na própria relação conjugal, na decisão de tomar outra pessoa como companheira, se têm certezas. É muito difícil! O ser humano é multifacetado, complexo, e nunca se consegue entrar na personalidade de outra pessoa e avaliá-la em curto prazo. Na minha opinião… Eu não tenho essa capacidade.
Relativamente ao cargo da Direcção Central de Combate ao Banditismo, acontecia que o seu anterior titular, um ilustre magistrado do Magistério Público, o Dr. Orlando Romano, tinha lá estado cerca de 16 anos. Entrou para lá muitíssimo novo, com 31 anos ou ainda mais novo, adaptou-se e, de facto, esteve 16 anos, creio eu, à frente daquela direcção central. Aliás, quando cheguei à Polícia Judiciária, ele, pessoa de quem sou amigo, já não estava lá, porque tinha atingido o ponto de saturação, pois numa estrutura destas - e digo-o como Director Nacional -, facilmente se atinge o ponto de saturação. E, de facto, ele aguentou muito nesses 16 anos. Aliás, o louvor que teve e que foi publicado no Diário da República, explicitou bem, em termos não sequer hiperbólicos, a enorme capacidade desse Director Nacional Adjunto da Direcção Central de Combate ao Banditismo. A verdade é que, lamentavelmente, quando eu cheguei à PJ ele já lá não estava, porque meses antes tinha cessado a comissão de serviço, a seu pedido. Lamentavelmente, repito.
Ainda falei com ele várias vezes, numa tentativa de que reconsiderasse, pela fiabilidade que merecia, e aceitasse reassumir essas funções; mas a posição dele era completamente irrevogável. Não aceitou, quis voltar à sua função no Ministério Público, de que estava desligado há 15 ou 16 anos.
Na procura da pessoa para ocupar o seu lugar na DCCB, como já aqui disse, ponderei, provavelmente com a ideia de uma DCCB como organização de resposta imediata, de actuação instantânea - a DCCB não precisa de ser grande, precisa é de estar habilitada a responder mais rapidamente numa ameaça urgente, como, por exemplo, uma tomada de reféns, o assalto a um banco, um atentado terrorista -, de algo que tem de saltar como uma mola quando acontece um facto desses, a escolha de uma pessoa jovem. Como o Orlando entrou para aquela estrutura muito novo, pareceu-me na altura que um jovem magistrado, nomeadamente juiz, seria capaz de entrar ali, dinamizar aquela gente e assegurar essa liderança em termos da força… Bem, não direi "da sua juventude", mas a constatação que tenho da vida é que conforme os anos passam vai-se perdendo a alegria, a motivação e até o impulso para fazer as coisas. Mas isso sucede comigo e poderá não suceder com mais ninguém.
Certo é que esta angariação não foi nada fácil. A Direcção Central de Combate ao Banditismo tinha tido à sua frente uma pessoa durante muitos anos e não se encontra facilmente - e isso, provavelmente, acontecerá sempre - quem queira ir para uma direcção nacional daquela envergadura, sobretudo sendo um magistrado. Um magistrado não é propriamente um ente muito disponível para entrar numa estrutura hierárquica, em que há regras, onde tem de satisfazer ordens de serviço, onde tem de assumir compromissos. Um magistrado, nomeadamente judicial, é - e deve sê-lo, tem de ser preservado - uma pessoa com muita liberdade e muita autodeterminação, que não deve de estar
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coagido ou pressionado. Deve ser uma pessoa que se sente livre.
De facto, eu queria encontra uma pessoa com essas características, que, mantendo-as, tivesse disponibilidade para aceitar o lugar.
Como lhe digo, não foi uma tarefa fácil e penso que quem conhece a Polícia Judiciária sabe que nunca é uma tarefa fácil escolher pessoas para órgãos directivos.
Socorri-me então de pessoas que conheciam, que tinham muito mais vida vivida, porque eu estive muito tempo fora da magistratura em Portugal, ao todo uns 7 ou 8 anos, e houve muitas pessoas que eu deixei de conhecer, muitas pessoas que entraram nos tribunais no período em que eu não estive em Portugal. Quando cheguei do estrangeiro fui para um tribunal de competência muito especializada, o Tribunal de Execução de Penas, que não permite viver com os grandes meios dos tribunais, e depois passei para o Tribunal da Relação que, como sabem, é um circuito muito fechado. Permite, praticamente, conhecer só as pessoas da secção e pouco mais do que isso. Mas estive também no Barreiro, onde conheci uma ilustre Deputada aqui presente.
Mas a verdade é que quando regressei do estrangeiro passei por uma vida muito compartimentada, ou seja, conheci muito pouca gente. Assim, socorri-me de algumas pessoas, para saber por quem, neste grau de prognóstico, optar para aquela direcção. Uma pessoa cujo grau de informação poderia ser-me muito útil era alguém de quem sou extremamente amigo, em quem tenho extrema confiança, que é muito fiável - foram dezenas de anos de convívio -, uma pessoa extremamente experiente no crime, nomeadamente no campo do crime organizado, complexo, e que, por isso mesmo, hoje ocupa uma posição central, crucial, no Ministério Público: é uma sua ilustre Procuradora Geral Adjunta, uma das mulheres mais significativas, talvez até a mais significativa, na magistratura do Ministério Público, segundo eu entendo esta magistratura.
Ela estava num ponto privilegiado de contacto - assegura hoje a direcção do DCIAP, a grande estrutura do Ministério Público em Lisboa e, permitam-me que o diga, talvez no País, em termos operativos - e a indicação que recolhi dela para o cargo da DCCB, após a sua averiguação, foi o nome do Dr. Pedro Cunha Lopes.
Obviamente - disse-o da outra vez e repito-o agora -, pensei nele exclusivamente para a DCCB. O objectivo era esse e a amplitude de conhecimentos da Sr.ª Dr.ª Cândida de Almeida geriu-se nesse compartimento. Portanto, ela fez-me a busca, indicou-me a pessoa e, na sequência, eu falei com ele. Mas quem estabeleceu o intercâmbio, porque eu não o conhecia, como disse, nem de vista nem sequer de nome - só conhecia o pai dele, que é conselheiro jubilado - foi, de facto, a Dr.ª Cândida de Almeida. Ela é que nos pôs a falar.
De qualquer modo, a Dr.ª Cândida de Almeida apenas o contactou apenas para o exercício das funções que eu pedi. Não compreendo, pois, como tem sido possível manter a ideia de que o Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes poderia ser por mim concebido como pessoa para a Direcção Central de Investigação da Corrupção e Criminalidade Económica e Financeira. Disse-o da outra vez e repito: são duas coisas completamente distintas e a pessoa que está na Direcção Central de Combate ao Banditismo não pode ser a mesma pessoa que está na Direcção Central de Investigação da Corrupção e Criminalidade Económica e Financeiro, porque as realidades são completamente diferentes e as pessoas têm de ser diferentes. Não tem comparação possível a liderança de uma direcção de combate ao banditismo com a uma direcção de combate ao crime económico. Os alvos, digamos assim, são completamente distintos, uma coisa não tem nada a ver com a outra. Não é possível, em minha opinião, confundi-las, fazer esse mélange, dizer que aquilo que serve para um lado serve para o outro ou pôr as duas coisas ao mesmo nível.
Realmente, fiquei impressionado com a ideia que foi aqui vertida, e que foi transmitida depois em grandes parangonas, porque eu tenho a sensibilidade que toda a gente tem e sinto-me sensibilizado quando dizem "algum dos dois mente", "será aquele que mente ou será o outro que mente?", "a verdade não tem hierarquias, alguém está a mentir, qual dos dois é?", "vamos pôr a máquina da verdade a funcionar". Eu senti a dicotomia de quem faz a pergunta, porque, obviamente, é o que se ocorre nos tribunais. Toda a minha vida, nos julgamentos, ouvi dois testemunhos, ouvi três testemunhos, e quando chegava ao fim do dia, para responder aos quesitos - na altura respondia só aos quesitos - ou para formular a resposta à matéria de facto, havia sempre a angústia de saber qual deles falava a verdade. Face a estes dois pesos, umas vezes é a experiência do tribunal o que vai lá e outras vezes é a correlação da vida. Porque o juiz tem de ter essa decisão todos os dias!… Portanto, eu sei que é dramático fazer a opção.
Nesses parâmetros, os de compreender isso, tive a necessidade, que me custou, de pedir à Dr.ª Cândida de Almeida que me formulasse, segundo a sua própria versão - não intervim nisso - a sua percepção, a sua memória daquilo que se passou nessa altura. Ela, que compreendeu a minha angústia de estar aqui perante VV. Ex.as quando um diz uma coisa e o outro diz outra, havendo, assim, um parâmetro de dificuldade extrema, transcreveu a memória da experiência vivida por ela nesta matéria.
Assim sendo, peço encarecidamente que esta Comissão e o Sr. Presidente permitam que a posição que me foi apresentada pela Sr.ª Dr.ª Cândida de Almeida - e que, obviamente, poderá ser aqui vertida, se o entenderem, mas essa é uma questão a decidir depois - seja inserida e levada à apreciação de todos os membros desta Comissão, porque retrata, realmente, o que aconteceu.
Sobre a matéria do convite ao Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes, perguntou-me o Sr. Deputado como foi feito. Foi feito desta forma. Para quê? Foi feito para a DCCB. Quem o escolheu? Fui eu, baseado em informação vinda de uma pessoa que considero ser de bastante fiabilidade. Não houve convite para a directoria de Lisboa, não houve convite para a DCICCEF - repito-o e afirmo aqui. Caberá a VV. Ex.as fazerem, como faz qualquer juiz em tribunal, a bissetriz da realidade e apurar qual é a verdade. Como digo, e repito, a verdade não tem qualificativos, a verdade escusa de ser empolada, não pode ser uma vez verdade formal, outra vez verdade substancial, outra vez verdade empírica, outra vez verdade afirmada e outra vez verdade revelada. É a verdade, e ponto final!
Não sei se o Sr. Deputado ficou esclarecido sobre esta matéria. O documento foi entregue ao Sr. Presidente da Comissão - penso que todos poderão consultá-lo - e corresponde àquilo que afirmei.
A outra pergunta que o Sr. Deputado colocou refere-se à detenção de um indivíduo de nacionalidade indiana. Sinceramente, não sei se será indiano se paquistanês, mas, na verdade, do que se trata é de uma pessoa multifacetada.
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Perguntou-me o Sr. Deputado qual a responsabilidade do Director Nacional na detenção, se intervim no sentido de a protelar. Quando falamos de suspeitas de terrorismo, de pessoa ligada a organização terrorista, de um membro influente, ou não, de uma organização terrorista estamos a tratar de uma matéria extremamente sensível. Já o era, mas tornou-se quase explosiva após o 11 de Setembro (não é o 11 de Setembro da reunião da Comissão, é o outro), passando a ser uma questão que hoje aflige diariamente todas as polícias.
A circulação desta gente e a dotação de meios económicos que têm, nomeadamente em Portugal, é uma coisa notável, excedendo largamente as possibilidades de um cidadão normal, pois têm muito dinheiro, muita capacidade de influência, muita rapidez de movimentação e capacidade extrema de contactos.
Portugal, pela sua própria bondade, tem hoje variadíssimas pessoas de diversas nacionalidades, que se inserem, que até já têm o seu esquema de vida montado e que estão a receber sistematicamente pessoas do seu país de origem. Há hoje no nosso país uma comunidade indiana, uma comunidade paquistanesa, uma comunidade dos países de Leste (ucranianos, moldavos), estamos, portanto, a transformar-nos num País com comunidades de culturas muito acentuadas do que o eram anteriormente.
Tive conhecimento da existência desta personalidade, deste indivíduo, não pelo Dr. Pedro Cunha Lopes mas, sim, pela pessoa que, na DCCB, tinha uma espectacular experiência nesta matéria, a Dr.ª Maria Alice. A questão foi-me, realmente, colocada pela Dr.ª Maria Alice e pelo Dr. Pedro Cunha Lopes numa reunião que tivemos os três para saber qual a estratégia a seguir.
A estratégia da Dr.ª Maria Alice era no sentido de dar tempo, de montar um sistema reforçado de vigilância e de acompanhamento para saber quais os contactos dessa pessoa, o nível de contactos e onde se localizavam. A proposta do Dr. Pedro Cunha Lopes foi no sentido de proceder-se imediatamente à sua detenção, uma vez que existia um mandado internacional emitido pelo governo indiano para a detenção desse indivíduo, embora esse mandado não tivesse a classificação de execução imediata mas, sim, a classificação de execução ponderada, uma vez que se tratava de extradição para um país que para os crimes apontados no mandado prevê a pena de morte. Como sabem, a Constituição da República Portuguesa, a nossa Lei Fundamental, não permite, impede, proíbe - quanto a isso é taxativa, não há interpretação possível que dê volta ao texto - a extradição para um país onde esteja em vigor a pena de morte para os crimes enunciados no mandado.
A ponderação de interesse foi feita e concordei com a posição da Dr.ª Maria Alice, por várias razões. Uma delas é que interessaria fundamentalmente ao Estado português, à Polícia Judiciária e à comunidade dos países que hoje estão interligados - abraçados até - no combate ao terrorismo, após o 11 de Setembro, saber os níveis de contactos, as possibilidades de haver uma pseudo-rede, ou um embrião de rede, de origem indiana ou paquistanesa, nomeadamente pela questão de Caxemira, em Portugal. A comunidade onde este homem se movia é uma comunidade étnica, espalhada, nomeadamente, em Lisboa e nos arredores. Creio que o Sr. Deputado fará ideia onde se situa esta comunidade, porque é do dia-a-dia encontrá-los em Lisboa.
Essa operação foi montada com muitos, muitos, meios para as possibilidades da DCCB e a pessoa foi referenciada, acompanhada, e profissionalmente, em termos policiais, foi feita a recolha sucessiva, dia-a-dia, noite a noite, desses elementos de prova.
Quando se entendeu e foi assumido que a amplitude de conhecimentos era de tal modo que previsivelmente já não podia ser alargada, decidiu-se fazer a detenção. Não compete ao Director Nacional mas, sim, ao director operacional fazer essa avaliação com os seus homens, com as suas brigadas, com os seus elementos de decisão; não vêm perguntar-me se pode ser ou não ser. Se eu tivesse essas decisões para além das outras, então, em vez das 12, 13 ou 14 horas que lá estou passaria a dormir no trabalho.
Na verdade, essas decisões são do dia-a-dia de qualquer brigada, são do dia-a-dia de qualquer coordenador, são do dia-a-dia de qualquer elemento da Polícia Judiciária, ou seja, fazer a avaliação de quando é o momento oportuno, nomeadamente para proceder a uma detenção. Não é um critério que alguém que viva num gabinete possa saber, tem de ser uma decisão de quem está lá, de quem faz o acompanhamento, de quem sabe, de quem lê e de quem tem a informação, vinda do dia-a-dia, da noite a noite, das pessoas. Neste caso, quando foi decido pelo então Director Nacional na DCCB fazer a detenção ela fez-se e foi cumprida.
Foi uma operação montada também com bastantes meios, a brigada fez uma operação tecnicamente perfeita, aliás, algumas das pessoas nela envolvidas têm 20 anos de DCCB (estou a lembrar-me de uma pessoa que é quase um paradigma deste tipo de operações na DCCB), e o indivíduo foi detido e apresentado.
Portanto, não houve nenhum protelar da detenção em termos de decisão do Director Nacional, houve uma definição. Havendo duas posições levadas - e não costumam sê-lo - ao Director Nacional, vindo o Dr. Pedro Cunha Lopes e a Dr.ª Maria Alice colocar-me a questão ao meu gabinete, cada um com a sua visão de operação, entendi que era muito mais adequada a posição da Dr.ª Maria Alice; era perfeitamente correcta em termos operativos e sem riscos, porque a estrutura já estava montada.
Não percebo como alguém pode vir dizer que a decisão foi errada. O indivíduo está detido, esteve controlado e os elementos de não precipitação da detenção constam do processo, aliás posso dizer-vos que têm sido solicitados praticamente por todas as forças policiais, como, por exemplo, pelo FBI. Houve, de facto, um trabalho bastante sustentado e apreciado por todas as forças que combatem este tipo de criminalidade, onde há uma coordenação notável nos dias que correm.
Quanto à questão da demissão da Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado, que tem sido o tema fundamental - penso que o Sr. Deputado Francisco Louçã lhe chamou o quesito fundamental -, nomeadamente as interferências ou posições que eu teria tido, renovo aqui o que disse na anterior reunião em comissão e o que afirmei na minha primeira e única entrevista televisiva - foi a minha estreia televisiva -, na RTP 2.
Senti obrigação, violentando-me, de ser sujeito a uma entrevista em directo num canal televisivo. Nunca o tinha feito na minha vida e espero bem não tornar a fazê-lo, embora cada vez me pareça mais provável que um belo dia vou ter de andar neste meio mediático, para o qual tenho pouquíssima paciência e não tenho jeito nenhum, aliás, já
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aqui foram feitas referências à minha falta de jeito para lidar com os media, e é verdade; não tenho nem paciência nem jeito. Aprecio quem tenha essa paciência e jeito, porque é uma qualidade notável, mas eu não a tenho. Para além de outros defeitos, não tenho paciência nem jeito para as intervenções sucessivas nos media, mas também não me têm feito falta nenhuma, porque a um juiz isso não faz falta absolutamente nenhuma. Se eu fosse aspirante a política teria de ter esse quadrante mediático, que hoje é fundamental, essencial, e há quem consiga viver muito bem com esse meio.
Quanto à questão da demissão, tirando toda a subjectividade e indo ao objectivo (começo pelo objectivo palpável), a verdade é que a Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado enviou por fax um pedido de demissão, o qual está junto ao processo porque me pediram para o juntar.
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado, no dia seguinte, enviou-me uma carta extremamente amável (quero referir outra vez que continuo a considerá-la como sempre a considerei, pois não lhe tenho azedume nenhum, absolutamente nada. Depois de ler o que eu aqui disse na outra comissão penso ter agido talvez com um certo empolamento em relação à outra personalidade em causa, mas quanto à Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado há uma separação, uma barreira, uma definição de linhas; continuo a ter por ela o apreço profissional que sempre tive).
Portanto, a verdade é que, na sequência do pedido de demissão - a Sr.ª Dr.ª qualificou-o como de demissão, mas continuo a dizer que, tecnicamente, é um pedido de fim de comissão de serviço, e não de demissão -, no dia seguinte a esse pedido ter entrado, a Sr.ª Dr.ª teve a amabilidade de enviar-me pessoalmente uma carta, um fax.
Nesse fax diz a Sr.ª Dr.ª o seguinte: "Esclareço junto de V. Ex.ª que os motivos que deram origem ao meu pedido de demissão se relacionam única e exclusivamente com questões de estratégia operacional respeitantes à organização desta direcção central. Em consequência, repudiamos veementemente toda e qualquer interpretação de natureza política, nomeadamente a que tem sido feita por certos órgãos de comunicação social, a qual nos é inteiramente estranha. Queira V. Ex.ª aceitar este repúdio como prova da minha consideração pessoal e profissional e prova do meu respeito por V. Ex.ª e por todos os profissionais da Polícia Judiciária".
Permitam-me que diga, tal como ela - associo-me exactamente à Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado -, que repudio veementemente toda e qualquer interpretação de natureza política, nomeadamente a que tem sido feita por certos órgãos de comunicação social, já então, antes, depois, ontem, e mesmo hoje - o meu despertador é o rádio e por isso acordei com este som da interpretação de natureza política, ou seja, acordei mal -, a qual nos é inteiramente estranha, segundo ela diz.
Perdoem-me que repita, abusando da vossa paciência, que as razões da demissão relacionam-se única e exclusivamente com as questões de estratégia operacional respeitantes à organização desta direcção central, portanto da DCICCEF. Isto é verdade. Era verdade na altura em que chegou à minha mão, ou seja, no dia 29. Era verdade ontem, é verdade hoje, será sempre verdade.
Não façam… Se quiserem, obviamente, poderão fazer, mas para mim, a verdade é a verdade. Não há verdade formal, não há verdade substancial, é verdade. A verdade é que tanto ela como eu repudiamos veementemente toda e qualquer interpretação de natureza política, nomeadamente a que tem sido feita por certos órgãos de comunicação social, a qual nos é inteiramente estranha. No dia anterior, a Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado já tinha respondido a um jornal - e a meu ver muito bem -, dizendo isto, por outras palavras, e manifestando até com alguma vivacidade a opinião que ela tinha sobre os aproveitamentos políticos de atitudes das pessoas.
Ontem foi, para mim, significativamente importante ouvir um director-geral dizer - e ouvi-o pessoalmente - que um director geral quando se demite não presta declarações. Demite-se, assume que não pode, que não quer, que não tem condições, que não lhe foram dadas condições para sair, e deve, para preservar as instituições do Estado, sair como qualquer magistrado quando, permitam-me que o diga, sai de um tribunal para ir para outro. A vida não acaba numa comissão de serviço, há muito mais oportunidades de prestar serviço.
Portanto, não é motivo para vir agora gerar perturbações ou atear incêndios que estão para trás, prejudicando quem vem para a frente. Penso que essa atitude é a mais correcta e esta carta, este repúdio que aqui foi afirmado vale para mim como uma afirmação de uma pessoa correcta, como uma afirmação de seriedade, que subscrevo, tendo ficado extremamente gratificado quando vi esta carta, que penso que posteriormente foi desvalorizada, não sei bem porquê. Mas para mim tem um significado e continuo a preservar o que aqui está escrito.
Quero também dizer, adoptando aquele brocado latino que diz que verba volant, scripta manent, isto é, as palavras voam, os escritos ficam, que este escrito está aqui, ficou aqui.
Quando me dizem que há diversas versões sobre a demissão, não as entendo. Quanto à demissão ou ao fim da comissão de serviço, disse, naquela dita cuja entrevista televisiva, que quando as pessoas estão em comissão de serviço, quando sentem… Aliás, eu também disse que isso se aplicava a mim, pois já estive em três comissões de serviço e quando entendi que não podia lá estar - e em alguns casos estava lá muito bem, porque nomeadamente vivi em Manhattan quatro anos e meio e compreendem que quando se sai de Manhattan para vir para Portugal há uma diferença de vida -, quando senti que não podia lá continuar, quando senti que não estava lá a fazer o que deveria fazer, pedi o fim dessa comissão de serviço e vim-me embora. Não fui demitido, pedi o fim da comissão de serviço pura e simplesmente. O mesmo aconteceu depois em Bruxelas quando me dei conta de que a tarefa não era muito gratificante até para pessoas licenciadas em direito, quanto mais para um magistrado judicial.
Portanto, sempre saí das comissões de serviço pelo meu pé, nunca saí que não fosse pelo meu pé. Porque é assim, a comissão de serviço é uma coisa que se aceita, é uma coisa que se exerce enquanto se lá pode estar, enquanto ela é remuneradora em termos intelectuais e profissionais. Quando se sente que não há essa remuneração sai-se, e quando se sai, a meu ver, deve sair-se como se entrou, não prejudicando a estrutura estatal onde se esteve e não criando quaisquer ondas que se repercutam. Esta é a minha posição, sempre foi.
Nunca disse por que é que saí de duas comissões de serviço onde estive e só amigos muito íntimos (muito poucos, um ou dois) é que saberão essas razões, que guardo para mim, não têm nada a ver com a instituição onde estive.
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É verdade, como disse o Sr. Deputado, que a Sr.ª Dr.ª Isabel Morgado, provavelmente por pressão dos media (que são uma coisa confrangedora), foi sucessivamente acrescentando pormenores.
O que me parecia claro - esta é a minha posição, permitam-me que o diga, estou a falar em termos objectivos -, quer da entrevista ao 24 Horas, quer da conversa que tivemos antes dessa entrevista (e já lá vou a esse momento), quer desta carta de 29 de Agosto, que era a que eu faria se as posições fossem invertidas, se eu estivesse do lado de lá e ela do lado de cá, quer, posteriormente, das posições de colegas que foram chegando, é que à posição, que me parecia correcta, foi posteriormente adicionada, na minha maneira de ver, alguma (permitam que o diga) "ganga", no sentido de mineiro, algum metal que já não era adequado.
Numa entrevista subsequente dada ao Expresso, entrevista de grande fôlego, já há nuances, já se fala que foi por causa do protagonismo, que foi por causa de alguma punição pelo protagonismo excessivo, foi por causa de alguma versão doentia que eu terei sobre o que é o protagonismo.
Posteriormente, chegaram-me ecos de que adiciona a isto o facto de eu - permitam-me que diga "eu", que é algo que me aborrece dizer - ter agido sob pressão, como correia de transmissão, ou como (nem quero qualificar) um imbecil que obedece a ordens vindas de outras pessoas, nomeadamente de alguém estratificado no actual poder executivo.
Já aqui referi que, tal e qual como a Dr.ª Maria José Morgado afirmou por escrito, e fê-lo sempre, que não se sujeita a pressões por ser magistrada - admito isso como o seu património essencial de vida e de comportamento -, creio até que utilizou a expressão de ser daltónica a esse respeito, que lhe repugna a ideia de um magistrado poder ser sujeito a pressões, creiam-me que, como eu disse da outra vez nesta comissão, sinto muita mágoa quando alguém diz que tenho esse perfil de aceitar pressões. Quer dizer, é a mesma coisa que uma pessoa dizer: "Eu sou bonito, o outro é feito". Ela não aceita pressões, admite que um magistrado não possa aceitar pressões. E eu, que sou magistrado provavelmente até mais antigo do que ela (infelizmente provavelmente não, sou mesmo mais antigo do que ela), sou uma pessoa sujeita a pressões.
Não tenho essa imagem na magistratura, estou há muito mais tempo na magistratura do que a Dr.ª Maria José Morgado ou o Dr. Pedro Cunha Lopes. Toda a minha vida, por infelicidade ou por trauma do destino, estive sempre provavelmente no sítio errado em termos de magistratura, ou seja, no sítio onde havia conflitualidade e holofotes em termos de media.
Toda a minha vida me disseram …Já da outra vez disse, quando fiz o julgamento das FP 25, em que presidir àquele tormento durante mais de dois anos (não sei se se recordam disso), um dos órgãos que agora está por aí a pôr as coisas em primeira página existia já nessa altura e disseram tudo. Lembro-me de editoriais em que se dizia que o juiz de Monsanto - não era um juiz, era um colectivo, mas personalizavam no presidente o colectivo - estava a gravar em segredo o julgamento, que estava a "apanhar com mel as moscas" do julgamento, que era um jesuíta que está a tentar fazer as pessoas descaírem-se, era um homem da extrema direita.
Mais tarde, lembro-me de haver comunicados de organizações políticas que me apontavam como sendo de extrema direita, de extrema esquerda… Era o que dava, consoante o julgamento ia progredindo… A verdade é que não há nada a fazer a isto.
Quer dizer, vêm-me dizer: "Este homem sofre pressões do partido a, do partido b…". Já vos disse, continuo a dizer, e da outra vez fiz esta afirmação um bocado apressada, não conhecia ninguém na sala da outra comissão, depois estive a "checkar" e de facto nunca os tinha visto. Neste momento, já não era capaz de dizer, porque conheço a Sr. ª Doutora desde os tempos em que fui juiz no Barreiro.
Mas, na verdade, não tenho esse perfil de enquadramento político-partidário, tal e qual como a Dr.ª Maria José Morgado… As pressões que ela diz repugnarem-lhe também me repugnam a mim. Não se pode estar nos tribunais com pressões, porque, ao fim de um certo tempo - e, como disse da outra vez, já levo 30 anos disto -, estas pressões tornam-se públicas. Não se pode esconder este facto.
Quando um magistrado tem a infelicidade de se comportar a favor de um partido, de um grupo de interesses, de um clube, ou seja do que for, isto fica colado. Não somos um país tão grande de tal maneira que isto fique no segredo dos deuses.
Desafio-vos ao longo da minha vida, ao longo de todo o meu percurso a dizerem que neste caso, naquele e naquele houve uma pressão política. Neste caso, obviamente, não agi sob qualquer pressão política. Esta é uma afirmação que obviamente é interior e VV. Ex. as podem dizer assim: "Não, neste caso mostrou, tem ali uma pressão política". Mas dizem isso com o à-vontade de quem diz a uma criatura: "O senhor não é uma pessoa inteligente". Está bem, mas a verdade é que se trata de uma apreciação subjectiva sobre outrem.
Portanto, creio que aqui haverá este qui pro quo, não sei porquê, mas provavelmente por fazer parte da vida política. Obviamente sinto-me quase uma patching ball, estou do lado de cá, vou para ali, depois empurram-me para ali, depois empurram-me para acolá. Na verdade, querem sempre imputar-me as responsabilidades por determinadas atitudes que não correspondem à realidade.
Não é verdade que a Dr.ª Maria José Morgado, pela minha parte, pela minha actuação, fosse pressionada ao que quer que fosse. Todas as nossas divergências foram saudáveis, civilizadas, nunca houve nenhuma altercação entre nós. Nunca houve nenhuma situação em que as pessoas não tivessem o mesmo parâmetro de comportamento e de vontade de fazer bem.
Como eu disse da outra vez, disse nessa dita entrevista e disse a outra comissão, é natural que na vida as percepções que as pessoas têm sobre uma determinada actividade não sejam coincidentes. Se se fizesse aqui uma espécie de averiguação do que é que cada um de vós pensa sobre o que deve ser o combate à criminalidade e se fizemos um inquérito quase de certeza que não saíamos daqui com nenhuma maioria, porque cada pessoa tem a sua versão, a sua maneira de ver o fenómeno. Numa matéria desta natureza, não é fácil dizer qual é o caminho certo, porque a criminalidade financeira e económica começou a ser combatida a sério na vida das colectividades há muito pouco tempo, quer dizer, há 20, 25 anos que existe esta necessidade.
Reparem: o crime de branqueamento começou por ser concebido com a convenção das Nações Unidas sobre a droga, sendo essa a primeira vez que apareceu a ideia do
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combate ao crime de branqueamento na Europa, uma vez que, nos Estados Unidos, já existia, não sob esta figura, mas sob um escopo muito parecido.
Portanto, estamos a falar de 1993 - aliás, ainda hoje há quem debata sobre se o crime de branqueamento tutela interesses ligados ao crime originário, porque o crime de branqueamento está sempre ligado a um crime originário, ou se a previsão legal tenta prever e punir a injecção maciça de dinheiro, que não tem dono, não tem origem, não se sabe muito bem de onde vem, mas que se estabiliza completamente na estrutura financeira de qualquer país, adulterando-a.
Portanto, não é fácil saber qual é o interesse protegido no crime de branqueamento. Creio mesmo que se fizermos esta pergunta à volta desta mesa, não chegamos bem à conclusão sobre qual é que é o interesse protegido no crime de branqueamento. Há acórdãos que dizem que onde ele sucede mais é no tráfico de drogas, porque o traficante de droga obtém volumes imensos de lucro ilegítimo, criminoso. Há dias apareceu uma definição de um banco importantíssimo da Europa em que a técnica do gabinete de análise dizia que o tráfico de estupefacientes era responsável por 34% do branqueamento. Daí vinha o dinheiro para esta mancha enorme do branqueamento.
Portanto, o crime de branqueamento, como digo, nasceu há muito pouco tempo. Ainda hoje, na doutrina e na jurisprudência, se debate qual é o interesse protegido: se é o interesse do próprio crime, ou se é o interesse da colectividade financeira. Não se sabe, ainda, com clareza. Em Portugal, aliás, ainda há essa divergência, nomeadamente na jurisprudência.
Isto para dizer que não é "clarividentemente" certo qual é o caminho adequado para combater o branqueamento.
As experiências europeias (e disse-o da última vez que cá estive) estão todas a tentar melhorar a forma de o combater. E eu… eu não, a estrutura que labora nesta matéria, na concepção, na Polícia Judiciária, concebeu e apresentou depois à tutela política a necessidade de, preservando, mantendo, não tocando na Lei Orgânica da Polícia Judiciária, inserir nela dois departamentos, sendo que um desses departamentos é a Unidade de Informação Financeira.
Ora, para que é que serve este departamento?
Devo dizer que há um artigo notável no Expresso sobre esta matéria que faz a definição (se quiserem, também junto cópia desse jornal Expresso) em que o jornalista teve o cuidado de ver qual era a amplitude que se pretende na congregação de vontades dos diversos operadores nesta matéria do branqueamento.
Por isso, se quiserem posso juntar cópia, porque o Expresso (que, segundo dizem, é o que representa mais do que um partido) é um jornal muito importante. Portanto, o jornalista definiu exactamente, ali, naquela página, o que era a vontade de combater o crime de branqueamento de capitais, em Portugal.
Voltando à Unidade de Informação Financeira, trata-se de um departamento que congrega a inteligência e os dados dos fluxos de capitais, e se esta Unidade for dotada de organismos para isso, tentará perceber em tempo real como é que o dinheiro circula. Isto porque o dinheiro passa por aqui instantaneamente!
Aliás, a Polícia Judiciária teve há dias uma intervenção notável, o maior caso até hoje iniciado de branqueamento de capitais em Portugal em que estão em causa várias dezenas de milhões de contos.
Trata-se de um caso que apareceu com pouco reflexo na imprensa, porque a imprensa, também, só liga ao que liga!… Mas, na verdade, esta operação foi espectacularmente bem feita pela Directoria do Porto, está em curso e, se olharmos para a sequência, podemos verificar a rapidez com que o dinheiro circula. É quase o tempo do clique do rato!
Portanto, esta Unidade de Informação Financeira tem esse escopo de congregar a inteligência e as bases de dados, de forma a que em tempo real permita, com o apoio da Direcção-Geral de Impostos, com as alfândegas, com o Banco de Portugal, com todos os outros departamentos que lidam com os fluxos de capitais…
Permitam-me, já agora, que faça a observação seguinte: quando os Srs. Deputados falam aqui no objecto desta Comissão e se referem à estratégia e organização do Governo no âmbito do combate ao crime económico, financeiro e fiscal, VV. Ex.as, provavelmente, nem fazem ideia da amplitude da averiguação que têm de fazer, porque são mais de 27 ou 30 organizações, isto é, departamentos do Estado que estão aqui metidos.
Como é evidente, não é só da Polícia Judiciária que estamos a falar, todos os outros órgãos de polícia criminal estão neste combate. E depois temos o Banco de Portugal, a Bolsa de Valores, etc. e todas estas entidades têm uma quota parte da responsabilidade do Estado na prossecução da prevenção e punição destes crimes. Basta falar nos crimes económicos, da própria Inspecção Geral das Actividades Económicas, enfim, dezenas de departamentos que colaboram nesta função do Estado.
Mas eu estava a falar da Unidade de Informação Financeira e ia a dizer que esta entidade tem, de facto, esta potencialidade. Se quiserem, e se a Comissão assim o entender, farei chegar à Comissão os elementos de direito comparado e as perspectivas que havia antes, na Polícia Judiciária, nos diversos protocolos tentados fazer com os diversos parceiros nesta matéria, e o que é que este protocolo traz hoje de novo, nesta abrangência.
Os Srs. Deputados depois analisarão o dossier e eu escuso de estar aqui a explicar como é que isto se faz. Aliás, se os Srs. Deputados analisarem, poderão ver se esta nossa última posição, que foi sufragada pelo poder Executivo, se este último protocolo (associado por esclarecimento oportuno e atempado da comissão de protecção de dados ao pedido para essa alteração legislativa que consta desta proposta de lei do orçamento), associado a estas alterações subsequentes não será uma forma de subir mais um passo ou vários patamares no combate ao crime económico, financeiro, à corrupção, e também ao branqueamento.
A verdade é que o crime de branqueamento em Portugal está também a dar os seus primeiros passos, estando portanto a crescer a possibilidade de intervir. Mas a congregação da inteligência e da averiguação de dados é fundamental.
Farão pois os Srs. Deputados o favor de no vosso juízo ver a amplitude desta Unidade de Informação Financeira em comparação com o que o caminho que estava a ser feito antes (nomeadamente pelo patrocínio da DCICCEF), a nível da congregação de vontades para o combate a este crime, no aspecto de o detectar a tempo e de o combater a tempo, de forma tecnicamente adequada.
Ora, eu entendo que esta Unidade de Informação Financeira, com esta abrangência, com esta congregação de
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vontades, já é a forma adequada de o fazer. Outras pessoas poderão ter um entendimento diferente.
A Dr.ª Maria José Morgado não tem este entendimento claro desta congregação, desta centralização da informação financeira. Tem outro entendimento; tem o entendimento que a sua prática a levou a afirmar que, como está na DCICCEF, aquela "unidadezinha" de branqueamento que lá está pequenina com 1, ou 2, ou 3, ou 4 protocolos que estavam a ser estudados, seria a forma adequada de o fazer.
Eu entendo que não! Permitam-me que o diga, com elementos, com pessoas, com posições de outra natureza que posso apresentar a esta Comissão.
Agora dir-me-ão o seguinte, que é uma pergunta que eu faço sempre: "Então mas, ao fim e ao cabo, se dentro de uma estrutura qualquer, se dentro de um gabinete de advogados, por exemplo, em que há o advogado sénior e o advogado júnior, há alguém que tem a liderança da estrutura e a outra pessoa, que está no escalão um bocadinho mais abaixo, tem outra visão, qual delas é que deve prevalecer?".
Se a pessoa que se deu a este trabalho de conjugação de elementos, de vontades e de esforços fez esta elaboração, se o poder político, o poder Executivo, assumiu e apresentou, esta Assembleia pode eventualmente ter uma posição e pode e deve, a meu ver, intervir, tendo já havido propostas nesse sentido, na forma mais adequada, mais permanente, mais agilizada de combater o branqueamento e a corrupção económica e financeira com instrumentos muito específicos para isso.
Mas se neste momento, o Director Nacional da Polícia Judiciária tem uma determinada visão, tem uma determinada vontade de levar esta recolha de dados para um determinado caminho, dotando uma estrutura própria e chamando lá, em termos de lei imperativa e de tempo de protocolo, outras organizações que nunca estiveram lá (porque a verdade é esta: nunca estiveram lá) congregadas quando se fala no combate ao branqueamento de capitais.
Os Srs. Deputados analisem o que é que está para trás e o que é que está hoje, e depois dir-me-ão se não é preciso intervir aqui.
Quando uma pessoa defende esta posição e quando há outra pessoa, na mesma estrutura, que tem uma posição diversa, o caminho é conflituante. Tem de haver uma resolução para isto.
Agora, admito que a posição da Dr.ª Maria José Morgado pode ter quem a apoie. Até pode a estrutura do Estado entender que deve criar a Polícia Judiciária B, ou a Polícia Judiciária A, ou a Polícia Judiciária só para o crime económico, ou outra polícia qualquer. Pode inclusive entender que deve fazer renascer a alta autoridade contra a corrupção e pôr a Dr.ª Maria José Morgado lá.
A verdade é que, em termos de Polícia Judiciária, isto não pode ser, porque a estruturas são hierárquicas. Quem está na Directoria Nacional é que tem de, em última análise, fazer a sua decisão. Depois, se tem resultado, obviamente que nunca é congratulado por isso. Mas se não der resultado é-se punido necessariamente, porque são a colectividade e o poder político que o impõem.
O poder político, como os Srs. Deputados devem saber, neste caso, normalmente, olha para os resultados e não olha para as pessoas.
Uma posição conflituante numa matéria deve ser gerida como um drama.
Entre os Srs. Deputados há aqui imensos casos em que os senhores já tiveram de tomar difíceis decisões governativas. Ainda há pouco estava aqui a dizer ao Deputado Osvaldo Castro, que teve a amabilidade de me receber, que entendo a inserção numa actividade de Estado como algo muito oneroso, que exige muito sacrifício da própria pessoa e exige a tomada de decisões. Eu, pelo menos, creio que há sempre uma dificuldade de saber se, no momento A, no momento B, estamos no caminho certo. Por isso, quando temos uma convicção, temos de seguir esse caminho!
Portanto, não é uma pessoa que está num escalão abaixo que pode dizer: "Não vá por aí! Não aceito que vá por aí. Eu oponho-me a que vá por aí!".
Neste caso concreto, e como disse naquela entrevista televisiva logo a seguir a isto ser espoletado, temos duas visões da mesma realidade que colidem. Ora, quando colidem numa estrutura de departamento, a opção tem de ser a do Director Nacional. Permitam-me que o repita! Porque penso que o que se pode depois dizer da pessoa é: "Olha, agiu mal. Tem de ser punido por isto!".
Em relação ao poder executivo, no caso concreto, sinto-me dependente do Sr. Primeiro-Ministro e da Sr.ª Ministra da Justiça, porque assim são os parâmetros da nomeação. Um destes intervenientes poderá, obviamente,… Poderá não, tem de fazer o escrutínio de toda a actividade do Director Nacional da Polícia Judiciária e a cada momento ponderar se o deve manter ou não.
Em suma, o que eu ia dizer é que a posição da Dr.ª Maria José Morgado me parecia perfeitamente correcta e eu subscrevi-a. Consta desta carta de 29 de Agosto de 2002, foi-se adulterando, e agora dizem-me que houve ontem evoluções sobre esta matéria.
Vou dizer-lhes, fiz o breakout sobre isto e a única coisa que vi (que é o que vejo sempre que saio às horas tardias que saio) foi a TV2. E a TV2 (que merece aqui o meu destaque) disse, pura e simplesmente, que esta Comissão estava sob sigilo, estava sob segredo, e portanto não transmitiu nada, nem o que se disse. Assumiu a posição correcta como órgão da comunicação social, porque respeitou o segredo próprio! Não houve intervenção televisiva, nem intervenção da comunicação social, fez o trabalho que devia fazer, porque não optou pelo "disse que disse" ou o "faz que faz", próprio da bisbilhotice nacional, do que acontece em muitas coisas.
Na verdade, não acompanhei o que já foi dito, não sei o que cá foi dito. VV. Ex.as podem dizer-me que foi dito assim, mas a verdade é que não sei. Não me pronuncio sobre o que foi ou não dito porque não ouvi e, como digo, estamos aqui para apurar factos, não "disse que disse", "parece que foi assim", "suspeita-se que foi assim".
Já disse que a suspeita é das coisas mais trágicas que existem num país latino, não é só em Portugal, em que, de repente, lançam-se suspeitas sobre aquele fulano que tem este enquadramento político ou aquele fulano que está a fazer isto por pressão de não sei quem. Depois, essa suspeita vai-se avolumando, aparece num jornal e aparece noutro, e há até quem - os habilidosos - consiga pôr num jornal hoje para faz o comentário no dia seguinte, e depois passa por verdade revelada a sucessão de acontecimentos.
Portanto, permitam-me que diga que, neste caso, mantenho o que afirmei na Comissão parlamentar, mantenho o que disse na intervenção televisiva, que me custou fazer -
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foi a primeira que fiz na minha vida e espero bem que seja a última. Não existiram, portanto, pressões nem relacionadas com o caso da Moderna nem com o caso da antiga, com o caso do novo regime ou do velho regime. Não há, da minha parte, nenhum comportamento aferível ou determinado por pressões seja lá de quem for.
Permitam-me que torne a dizer que quem se arvora como pessoa imune a pressões não pode desqualificar outra pessoa dizendo que ela é sujeita a pressões. Não tem essa legitimidade a não ser que o prove, e provar não é por suspeições, não é por colectâneas de jornais, não é por pôr uma notícia num jornal e fazer outra notícia no dia seguinte e no dia seguinte...
Como aqui se diz e muitas vezes se fala, só admito que se fale de um facto público e notório nos termos do Código Civil, como é evidente. Portanto, não é por colectâneas de jornais ou por colectâneas de notícias desgarradas, muitas vezes sem autor, que isso se faz.
Continuo a dizer que a verdade é que não houve pressões da minha parte para que Dr.ª Maria José Morgado se demitisse nem veiculei por ela, contra ela ou recaindo sobre ela pressões vindas de outrem. Se VV. Ex.as entendem que não é assim, fazem favor de demonstrar como. Esta é a minha posição.
Quanto a dizer que existiam relações com o caso Moderna, em julgamento em Monsanto, não sei exactamente o que se pode aqui referir. Já disse da outra vez - e até disse que podiam fazer a pergunta por alto, por baixo, ou uma expressão qualquer desse tipo, uma cacofonia de afirmações - que eu, enquanto Director Nacional, não tenho nada a ver com o julgamento do caso Moderna. Disse e torno a dizer que, quando um processo está em julgamento - e há aqui muitos ilustres advogados que podem acompanhar-me nesta matéria -, está em julgamento e ninguém deve interferir nele.
O julgamento é uma coisa extremamente melindrosa, porque dele está dependente a liberdade da pessoa, o seu bom nome, a projecção social que tem, os interesses patrimoniais e até o nexo e a abrangência de um ser vivo, de um ser humano. Portanto, quando um julgamento está a correr... Até acho que julgar, julgar é impossível, porque o ser humano é imperfeito, não há ninguém omnisciente e omnipresente, não acompanha toda a realidade, e o querer aproximar-se a Deus e fazer o julgamento de outrem é uma coisa extremamente dolorosa, porque há sempre uma margem de dúvida e nós nunca conseguimos ter a certeza daquilo que aconteceu baseados nos depoimentos ou nos documentos, havendo sempre só uma aproximação à verdade.
Portanto, o julgamento é uma tarefa tão complicada que se prescinde... A meu ver devia ser, e é, completamente proibido e completamente postergada a ideia de que alguém pode intervir num julgamento em curso. Este é o meu entendimento e sempre o foi!
Assim, quando me dizem que eu tive intervenção no caso Moderna, disse e continuo a dizer que, quando cheguei à Polícia Judiciária, já há muito tempo que o processo não estava lá - aliás, quando entrou a Dr.ª Maria José Morgado entrou já ele não estava - e a Polícia Judiciária, afirmo-o de novo (não sei quantas vezes é preciso afirmar isto!) é uma entidade que é auxiliar da aplicação e da administração da justiça.
O titular do inquérito é o Ministério Público; quem decide e determina a conduta de um processo, em termos de inquérito, é o Ministério Público; quem diz que processo tem de seguir um rumo de investigação ou outro, se se faz isto ou aquilo, se acusa ou não acusa, se promove ou não, é o Ministério Público e não pode deixar de ser! Então, é a Polícia Judiciária que vai tomar... vamos "policizar" o inquérito, como se fazia antes, com aquele decreto trágico que alterou o Código de Processo Penal de 29, que andou a meias com a "policização" da fase da investigação. Creio que não! Estamos hoje num período do Estado muito mais evoluído, em que a Polícia não intervém de per se, é determinada a conduzir-se num inquérito pelo Ministério Público, como deve ser, que é uma magistratura.
Então, vão dizer que eu, enquanto polícia, intervenho num julgamento?! Mas como? Não pode ser! Se o presidente do colectivo, se o presidente do tribunal, o tribunal singular ou colectivo, ou mesmo o Ministério Público, requer a presença da Judiciária seja pelo que for, para uma peritagem, para auxílio à demonstração dos factos, até para fazer comparecer pessoas, determina-o a Polícia Judiciária não se autodetermina! É um auxiliar, portanto, não é o interveniente essencial, não é o protagonista do julgamento, nem sequer do inquérito. É o Ministério Público!
Portanto, quando me dizem que eu tive qualquer intervenção ou qualquer pressão sobre o caso Moderna, a resposta resume-se a "não"! Já o disse aqui e volto a dizer: não!
Perguntam-me - penso que foi aqui referido e penso que é a posição de quem me pôs esta questão - se existiram conversas ou se fiz alguma pressão para que fossem retiradas pessoas do julgamento. Ou alguma diligência...
Não fiz pressões nenhumas sobre essa matéria, Srs. Deputados. Não intervenho no julgamento do caso Moderna; a Polícia Judiciária não faz intervenções no caso Moderna, enquanto polícia, não faz! Não pode fazer!
O que detectei sobre esta matéria foi, a propósito de um incidente que ocorreu em meados de Junho do corrente ano, em que teria havido uma tentativa, ou uma pseudo tentativa, de atentado contra um membro do colectivo que tinha saído à hora de almoço - penso até que foi a própria presidente do colectivo....
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Pode repetir a data? Eu e outros Deputados não nos apercebemos da data.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Meados de Junho. Posso conferir a data com mais precisão, mas isto consta de documentos.
Portanto, houve um incidente com um indivíduo que fez uma manobra brusca à frente dessas pessoas. Ia de automóvel, fez uma inversão de marcha, acelerou, voltou atrás, avançou, dando a perfeita ideia de que teria havido um atentado, ou uma tentativa de o fazer. Isto ocorre em meados do mês, possivelmente dia 16... Sei que isto coincidiu com o Jubile, pois ao fim do dia tive ainda de ir fazer a representação da instituição na casa da Sr.ª Embaixadora do Reino Unido, onde apareci já a festa estava quase acabada.
Mas a verdade é que houve este incidente e fui informado, pela DCCB, que ele tinha ocorrido, que se tinham deslocado ao local, mas que na perseguição do tal indivíduo tinha logo saído um carro da Judiciária, conduzido por um inspector chefe da Judiciária, segundo creio.
Fiquei surpreendido como é que estava lá alguém da Judiciária a assistir ao julgamento e averiguei. Mais tarde,
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confirmei, porque o indivíduo foi detido na esquadra, ou posto, da PSP de Benfica, e era um indivíduo da DCICCEF. Averiguei melhor e apurei que, de facto, durante o julgamento tinham estado sempre presentes, ou assiduamente presentes, pessoas da DCICCEF.
Na sequência disso, passados uns dias, não faço ideia quantos, para aí uma semana, quando tive esta conjugação de informações, falei com a Dr.ª Maria José Morgado sobre esta matéria, até na presença de dois directores nacionais adjuntos que trabalham mais perto de mim, para deslindar a que título é que seria essa intervenção, nomeadamente porque essa pessoa que interveio nesse incidente fazia parte do elenco das testemunhas de acusação do julgamento que está em curso do processo Moderna.
Como VV. Ex.as sabem, as testemunhas de acusação não podem assistir, e por isso é que o presidente do colectivo ou o juiz do tribunal, quando inicia o julgamento manda retirar as testemunhas. Hoje, a maior parte dos tribunais já estão dotados com salas próprias para as testemunhas, porque resguarda a prova.
Portanto, não pode haver confusão entre a testemunha que está a ser ouvida e a testemunha que ainda não depôs. Há aí uma salvaguarda e quando isto não acontece, a meu ver, há o cometimento de uma irregularidade. Aliás, há vários acórdãos, um deles do Supremo Tribunal de Justiça de 1998, que é o mais recente que eu conheço, que diz que é uma irregularidade grave e, a meu ver, é de tal maneira que afecta o valor do acto, o valor desse depoimento. Se um advogado detecta que alguém está a intervir em julgamento e esteve lá a assistir, diz ao juiz: "está aqui uma irregularidade processual gravíssima, está aqui alguém que esteve a assistir ao julgamento. Não pode estar aqui!" E o mesmo acontece se sabe que alguém esteve numa sala qualquer onde assistiu ao julgamento ou se andou por ali... Obviamente que compete ao advogado esclarecer isso!
A verdade é que para evitar esses riscos, para evitar que alguém fizesse isso mais tarde e para evitar o que é uma coisa terrível nesta vida de polícias e de tribunais, a desgraçada da mera suspeita, então, disse à Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado que esse homem e os outros que eventualmente... eventualmente não, tinha informação que tinham por lá andado, no tribunal, mesmo que fosse o simples motorista da própria Dr.ª Maria José Morgado, que de vez em quando ia ao tribunal, pessoa que ela, aliás, referencia, e bem, acho eu, como tendo elevadas características até de operacionalidade, de intervenção nas investigações, o qual ainda aqui há dias foi louvado por essas investigações. Como compreenderão, o segurança, na Polícia Judiciária, não é segurança pessoal mas de edifícios e de instalações e não tem nada a ver com pessoal de investigação, mas às vezes há esta adulteração de funções.
De facto, intervim nessa matéria porque achei que era pedagógico e preventivo, porque, para mim, enquanto estiver na Polícia Judiciária, o pior que pode acontecer num julgamento é levantar-se a ideia de que a Polícia Judiciária está a intervir no julgamento de qualquer forma!
Algumas pessoas que estão aqui são muito novas, mas eu assisti a julgamentos em que elementos da PIDE estavam na assistência e toda a gente se rebelou. Não sei se se lembram disso, mas esse depoimento servia para fundamentar investigações contra outras pessoas!
Enfim, estou a ver que há Deputados que estão ligeiramente sorridentes com esta matéria, mas isso, para mim, é uma matéria que me magoa e que magoou todas as pessoas da minha geração.
A verdade é que devem ser eliminadas do julgamento todas as pessoas que podem feri-lo, mesmo em termos de irregularidades, e, portanto, se a pessoa não está num julgamento por determinação do presidente do colectivo, que é a pessoa que gere toda a estrutura do julgamento, ou por imperativos definidos e bem definidos e com o conhecimento do presidente do colectivo, por parte de quem está a representar o Ministério Público, essa pessoa não pode estar num tribunal onde, como disse há pouco, se discutem questões que afectam, e sempre afectaram, a liberdade, o bom nome, a capacidade de gestão de vida económica e familiar, de tudo o que é complexo num ser humano.
Assumo que tomei essa posição perante a Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado e ela satisfez a pretensão que eu formulei; esta conversa foi presenciada no meu gabinete, mas esta determinação, este pedido ou esta solicitação, como lhe queiram chamar, foi provavelmente mal entendida pela Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado, para ter sido referida posteriormente como desautorização, ou seja o que for. Mas não tem nada a ver com desautorização, tem a ver com profilaxia, não deixando que um julgamento seja subvertido ou, mais tarde, anulado ou postergado por um erro claríssimo de intervenção.
Se VV. Ex.as têm alguma dúvida sobre a jurisprudência nesta matéria e sobre o entendimento disto... Provavelmente os que não têm ou já deixaram de ter posições de assídua frequência de tribunal farão o favor de dizer que estou enganado e que os julgamentos podem conviver com situações parecidas com esta...
Entendo que não se pode determinar, nem compaginar, nem admitir que um, dois, três ou quatro elementos da Polícia Judiciária, nomeadamente um que é testemunha de acusação e ainda vai ser ouvido e é importante que seja ouvido pela acusação e o seu depoimento seja valorado positivamente pelo tribunal e não subvertido, por erros cometidos na utilização dessa pessoa.
A Polícia Judiciária não pode exceder as suas competências, não pode agir contra a lei, não pode agir contra regras imperativas de deontologia, não pode ferir o princípio da igualdade das partes no julgamento. A Polícia Judiciária não se mete nesta matéria, isto compete ao poder judicial, na disciplina da audiência, ou ao próprio Ministério Público, na intervenção de estratégia do Ministério Público.
A Polícia Judiciária, enquanto eu lá estiver, nunca estará a impor-se, a tomar atitudes desgarradas ou, digamos assim, contrárias à lei, porque, se eu puser alguém, contrariando a lei, algum dos funcionários da Polícia Judiciária, contrariando a lei, numa posição destas, poder-me-á ser imputada a prática de um crime. E eu, realmente, não estou interessado nem em assumir, pela primeira vez na minha vida, em funções destas, mesmo que passivamente, a co-autoria de um crime destes - um crime de prevaricação -, nem estou disponível para que digam que a Polícia Judiciária, por aqui ou por ali, fez naufragar a prova de um julgamento com uma intervenção perfeitamente abusiva e inexplicável. Porque, convenhamos, a Polícia Judiciária não faz apoio logístico desta natureza. Não o faz e, pela minha parte, nunca o fará. E, se VV. Ex.as ouvirem a Polícia Judiciária fazer intervenções deste género, de deslocar ou fazer deslocar testemunhas de acusação para julgamentos, onde essa testemunha vai ser ouvida, farão o favor de me
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dizer, porque eu corrigirei imediata e instantaneamente essa situação. Na verdade, acho errado, acho ilegal ter sido feito, acho ilegal ter-se criado essa potencialidade de risco de destruir, mais tarde, o depoimento de uma testemunha.
Perguntou, depois, o Sr. Deputado, na série imensa de perguntas que fez, se existiam pressões relacionadas com o caso Moderna e o julgamento em Monsanto. A resposta é: não! O incidente que eu acabei de contar ocorreu, está demonstrado, pode ser confirmado…
A meu ver, quer na DCCB, quer na esquadra de Benfica, quer o subintendente que estava na esquadra de Benfica, na altura, quer as pessoas que estavam no meu gabinete, na altura em que tive a conversa com a Dr.ª Maria José Morgado, todas estas pessoas, todo este núcleo de pessoas sabe o que se passou. Passou-se assim. Não há nem posso conceber que a Dr.ª Maria José Morgado tenha ficado sensibilizada negativamente, a dizer que eu fiz sobre ela uma pressão ou uma violência ou que quis subverter fosse o que fosse. Uma medida de prevenção desta natureza era aconselhável, para mim e para qualquer director nacional.
O Sr. Presidente: - Sr. Director, perdoe-me a interrupção mas, não querendo tirar-lhe a palavra, peço-lhe que abrevie, porque temos um conjunto vasto de intervenções para pedir esclarecimentos.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Bem, eu penso que, depois, esta… Isto também poderá servir de suporte para as outras perguntas, se me permite, Sr. Presidente.
Aparece também aqui desgarrada, já não me lembro bem como é que o Sr. Deputado afirmou, e não sei que palavras foram ditas, não faço ideia, não tenho ideia nenhuma das palavras que aqui foram proferidas ontem, mas o Sr. Deputado diz que foi invocado que a Sr.ª Ministra da Justiça e o Sr. Ministro da Defesa teriam feito pressões sobre mim. Repito: desconheço em que contexto foram feitas essas afirmações.
Conheci o Sr. Dr. Paulo Portas, actual Ministro da Defesa, há dias, na Cimeira Ibérica. Nunca o tinha visto antes, foi a primeira vez que o vi, ia a entrar num elevador. Portanto, antes disso, nem sequer o conhecia, nem o via, nem faço ideia nenhuma… Não estivemos em sítio nenhum juntos, nem num restaurante, nem num cinema, nem em lado nenhum. Nunca, na minha vida, o vi. Foi a primeira vez que o vi. Então, as pressões vieram por forma… Não sei como.
Mas, de facto, a verdade é que não há pressões, como já disse há pouco, é absurdo referirem-se a pressões, é absurdo, continuo a achar absurdo, quando me dizem que tomei esta posição em relação ao acompanhamento ou apoio logístico, como lhe queiram chamar, até lhe podem chamar apoio transcendental ou o que quiserem,… O que aconteceu em Monsanto foi que eu, em termos preventivos, adoptei essa posição. E se quiserem, se fizerem favor, o Sr. Presidente poderá pedir ao Conselho Superior da Magistratura que me critique nessa matéria ou que faça um juízo avaliador sobre se esta não seria a atitude correcta perante um caso similar.
Portanto, não existiram pressões de ninguém para tirar fosse quem fosse do tribunal de Monsanto. Como digo, eu não tenho intervenção, nem quero ter, no tribunal de Monsanto, no julgamento que está a correr em Monsanto, e acho inadmissível que alguém queira tirar qualquer proveito, seja por um lado, seja por outro, sobre o decurso do próprio julgamento ou interferências nele. Há muitas maneiras de interferir no julgamento e todas elas devem ser inibidas e evitadas. E entendo que essa também deve, seguramente, ser evitada e prevenida e não acontecer.
Repugna-me a ideia do apoio logístico, análise documental e apoio técnico, que foi referido pelo Sr. Deputado, não faço ideia do que seja a análise documental e o apoio técnico, são tudo matérias que eu, com a minha vivência em tribunais, não vejo que uma testemunha arrolada pela acusação possa fazer isso previamente, durante o julgamento e enquanto ele está a correr, a não ser na sala de audiências perante o colectivo.
Quanto aos agentes, o Sr. Deputado fala em quatro agentes e eu só referenciei, naquela investigação que fiz, três agentes. O Sr. Deputado indiciou três deles e o outro, de nome Pedro, não sei. "Pedro" só, tout court, esse, não sei quem é. Os outros referenciei-os, sim, senhor; a testemunha que está arrolada para acusação é o segundo dos por si mencionados.
Vozes do PS: - Quem é?
O Sr. Dr. Adelino Furtado: - O Gonçalves Pica.
Quanto a dizermos se isto é um procedimento normal da parte da Judiciária, digo que não é, se é um procedimento legal, considero que não, se tinha de existir qualquer tipo de pedido, considero que sim e tinham de explicitar para que efeito, caso contrário a Polícia Judiciária não iria.
Pergunta se a Dr.ª Maria José Morgado deu cumprimento ao pedido que lhe fiz. É verdade, creio que sim, não tenho referências de que tenha continuado a acontecer o que eu disse.
Perguntou-me se alguma dessas pessoas era testemunha de acusação, já o referi.
Quanto às consequências, entendo que, na apreciação legal, se o depoimento ainda não foi prestado, levam à descredibilização da pessoa que irá prestar o depoimento e, portanto, o depoimento fica ferido na sua fiabilidade; se já foi proferido o depoimento dessa pessoa arrolada como testemunha, o depoimento tem de ser invalidado e não pode ser considerado pelo tribunal, pois é uma irregularidade grave que leva à nulidade do acto. O artigo 123.º do Código de Processo Penal aponta para aí e creio que é o artigo 339.º, salvo erro, que impede que lá esteja presente. E há jurisprudência sobre esta matéria.
Perguntou-me o Sr. Deputado se havia qualquer investigação. Não, não havia, não tenho reflexos nenhuns de que eles estivessem a fazer lá qualquer investigação relacionada seja com o que for.
Quanto a saber se estamos ou não perante uma investigação estranha ou mesmo privada, não havendo qualquer investigação não sei qualificar o que é que lá estaria a ser feito.
Quanto à questão "Mandou-as ou não retirar?", confirmo que pedi que, preventivamente, profilacticamente, fossem essas pessoas retiradas e nunca tornassem a lá voltar.
Em relação a saber se isto é uma questão política, não estou a ver que questão política seja. É uma questão de funcionamento, de regular funcionamento num julgamento e de não intervenção de órgãos estranhos num julgamento, a não ser que seja por solicitação do próprio juiz presidente
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e do próprio Ministério Público directamente. Não tenho conhecimento nem de uma coisa nem de outra.
Sobre a testemunha já referi.
Quanto às declarações que referiu sobre a BT - penso que é o último tema -, não faço ideia das declarações que foram proferidas pela Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado. O que quero dizer sobre este processo é que - aliás, consta do comunicado mas não sei se VV. Ex.as tiveram conhecimento do comunicado - foi uma operação extremamente complexa que envolveu não só a DCICCEF mas também a DCIT, a DCCB, o DIC de Leiria, o DIC de Setúbal, o DIC de Aveiro, a Directoria de Coimbra, a Directoria de Lisboa, que já referi, teve um espectacular - permito-me aqui referi-lo e ainda hoje de manhã agradeci ao Sr. Comandante Geral da Guarda Nacional Republicana -, um intenso acompanhamento, na fase final, por parte da Guarda Nacional Republicana, aliás, por isso é que a operação correu de tal maneira expedita, de tal maneira fluída, de tal maneira sem criar nenhuma animosidade que foi possível executar uma coisa desta complexidade até às 17 horas de ontem. Até às 17 horas ou 17h 30m a operação estava concluída, o que, como devem calcular, me encheu, a mim e ao Sr. General, de grande regozijo.
"De quem é o mérito?", pergunta-me o Sr. Deputado. O mérito, obviamente, é da direcção que faz este trabalho, da direcção de combate a este tipo de crime, da subdirectora que está lá actualmente, do director nacional adjunto que também lá está agora, do coordenador, que é um homem, nesta matéria, de uma experiência notável, de uma capacidade de organização notável, que é o Sr. Dr. Calado, da sua capacidade de liderança, de todos os coordenadores, dos inspectores-chefes, dos inspectores, de toda aquela gente. Isto movimentou mais de uma centena de pessoas, todas elas coibidas com missões aferidas.
O Ministério Público definiu a operação, porque, obviamente, vamos lá a ver… Continuo a dizer a mesma coisa, porque estou a estranhar como é que é possível manter esta ilusão. Primeiro que tudo, uma estrutura destas tem de ter as pessoas lá e tem de ter muita experiência. Ninguém sabe de polícia tanto como eles. Quem é lá posto a dirigir isto não sabe de polícia. Eu tenho 30 anos disto e não sei investigar nada no terreno. Primeira questão.
Segunda questão: eles estão lá, fazem disto a vida deles, têm uma estrutura, têm uma cultura muito própria. Um coordenador superior impõe-se pelos seus conhecimentos acrescidos; o coordenador impõe-se pela experiência que adquiriu ao longo da vida; os inspectores-chefes chegam àquele lugar porque têm um endosso de experiência, um endosso de conhecimentos que impõem sobre os inspectores; os inspectores ou são bem formados ou mal formados pelo Instituto. Tudo isto funciona como funciona qualquer outra estrutura especializada. Portanto, esta gente está lá, sempre lá esteve e estará. Pode entrar hoje um director, outro amanhã e outro depois, que esta marcha, permitam-me que o diga, não é muito significativa, porque o que lá está, o núcleo, esse núcleo duro é que produz as coisas.
No caso concreto, o mérito é dessa estrutura, de toda a gente que nela colaborou e do Ministério Público, por amor de Deus. Então, quem dirige, quem tutela a investigação?! Quem é que decidiu, há uma semana ou duas atrás, a mancha de operações que iam ser feitas no local?! Não foi o Ministério Público?! Não foi o Ministério Público, que propôs as buscas, que propôs também, há dias, as detenções?! Não foi ele que escolheu… Ouvi também dizer, não sei onde, que eu, eu, representante da Polícia Judiciária, então, estava para carregar no botão para a operação ser ontem ou antes de ontem e disse: "Não, não! Vai ser amanhã! Não! Vai ser ontem!". Eu, então, é que sou… Faço aquela figura trágica de carregar no botão - estava a lembrar-me daquele filme antigo, d'O Rato que Ruge - e, então, eu é que decido quando é que é, se é amanhã, se é depois, quando isto é uma operação imensa e é o Ministério Público que determina, na fase final da sua execução. Então, eu é que vou intervir, no sentido de ser amanhã ou depois, ontem ou antes de ontem?! Eu, Director Nacional?! Quer dizer, a gargalhada seria tão grande que partia os vidros daquela casa! Eu não me conseguia impor numa decisão dessas! Repare: havia recusa no cumprimento de uma decisão dessas!
Portanto, quanto a saber de quem é o mérito, já o disse da outra vez e continuo a dizer, o mérito é da Polícia Judiciária, da sua estrutura global de investigação, da sua estrutura de apoio de investigação. O Departamento de Perícia Financeira e Contabilística esteve ontem empenhado nisto globalmente. Todos os departamentos, nomeadamente a DCICCEF, deslocaram dezenas de homens para isto.
À primeira vez que isso acontece, uma coisa que me gratifica especialmente é esta irmandade entre uma direcção central, outra direcção central e outra direcção central. Todos eles contribuíram, de boa vontade, ontem, na fase final da execução, para o cumprimento da operação. Não houve aqui o chamar da camisola: "Eu sou da DCCB"; "Eu sou da CDICCEF"; "Eu sou da DCITE".
Todos eles intervieram, como eu disse. Devem intervir, quando é necessário intervir. Todos eles devem congregar esforços para intervir. Não deve haver aqui clubismos, nem capelinhas, nem coisas desgarradas, nem castelos com as pontes levantadas. Ontem, interveio toda esta estrutura, interveio a directoria de Lisboa, interveio a directoria de Coimbra, intervieram os departamentos de investigação criminal, que eu já referi - de Setúbal, de Aveiro e de Leiria. Toda esta gente colaborou. Toda esta gente é da Polícia Judiciária.
De quem foi o mérito? Foi da Polícia Judiciária. Quem teve a capacidade de organizar isto tudo, no fim? Foi o Ministério Público. Quem teve a hombridade de assumir o facilitamento e a rapidez de execução da operação foi o Sr. Comandante, a Guarda Nacional Republicana e a Brigada de Trânsito, tão interessadas como a Polícia Judiciária, nesta fase, em colmatar e pôr termo, em termos de indiciários, obviamente, ao que parece ser…
Porque, como disse aqui ao Sr. Deputado Francisco Louçã (que não está aqui), detesto a figura do protagonista, detesto que alguém venha dizer: "Eu fiz isto, capturei este homem", ou traga o homem e o exiba, ou vá a correr, quando o homem é apresentado em tribunal, para ficar na fotografia com o homem a entrar no tribunal por trás. Detesto essa função. Considero deprimente haver quem assuma que é um caçador de presas e que tem de estar presente na altura em que o homem amachucado, humilhado entra em tribunal; altura em que ainda é presumivelmente inocente e sempre presumivelmente inocente até o trânsito em julgado do sentença. Mesmo nessa altura já a campanha é feita para o destruir, porque conseguiu-se obter um grande êxito e aquele homem é previamente condenado em termos dos media.
Considero que isso é um escândalo e que deve ser evitado. Pela minha parte, enquanto estiver na Polícia Judiciária,
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evitarei sempre que alguém apresente os arguidos em tribunal como se fossem uma presa abatida, como se fosse um homem a liquidar perante a colectividade quando ele ainda é presumido inocente - é e vai ser até que a sentença final seja transitada em julgado.
O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Director Nacional.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
Sr. Presidente: - Sr. Deputado Telmo Correia, as regras têm de ser iguais para todos. Peço-lhe que seja brevíssimo, senão corto-lhe a palavra.
Peço, depois, ao Sr. Director Nacional para ser igualmente brevíssimo, sob pena de não conseguirmos - já ontem chamei a atenção aos Srs. Deputados e peço a colaboração do Sr. Director Nacional - aquele que é o desidrato fundamental de uma comissão de inquérito.
Isto não é um Deputado a inquirir, mas uma comissão a inquirir. Portanto, todos os Srs. Membros da Comissão têm de ter iguais direitos de poder intervir. E, se não for com a colaboração de todos, não conseguimos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Sr. Presidente, dizia o Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária, no início da sua intervenção, que o método normal não era este, de fazer perguntas por atacado. Mas lembro-lhe, apenas, que este foi o método estabelecido por esta Comissão, em que um Deputado tem só direito a uma primeira intervenção para fazer perguntas…
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Telmo Correia, peço-lhe que não fale de metodologia, porque, senão, não saímos daqui mesmo. Peço-lhe que coloque as suas questões. Não me leve a mal, Sr. Deputado.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - … e depois tem direito a um pequeno pedido de aclaração. É o que eu vou fazer, Sr. Presidente. Se me cortar a palavra, não me indignarei com isso.
Sr. Director, em relação a esta história e a esta novidade, que tem um peso importante perante aquilo que tínhamos ouvido até agora na Comissão, sobre o que se terá passado e de como é que o Sr. Director terá tido acesso à informação e à existência de agentes da DCICCEF, pelos vistos, irregular e ilegalmente, junto do Tribunal de Monsanto (podemos já deduzir isso das suas palavras), o Sr. Director fala que isto é comprovável pela esquadra de Benfica e pela DCCB e diz-nos também que teve uma conversa com a Dr.ª Maria José Morgado, noutras circunstâncias, em que lhe falou disto e na presença de testemunhas.
O que nos escapa é este elemento da esquadra de Benfica e como é que, sabendo destes vários agentes que lá estavam, o Sr. Director nos pode dizer que quem estava e era testemunha era, penso, o inspector Gonçalves Pica (reproduziu o nome agora).
Portanto, gostaria de saber se pode ser ainda mais preciso e mais claro neste aspecto, porque na sua história, de um momento para outro, passamos para uma perseguição de "suponho que tenha havido uma detenção", mas não ficou completamente claro.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Director Nacional.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Sr. Presidente, muito sucintamente, a verdade é que essa pessoa foi referenciada na esquadra de Benfica. O Subintendente, na altura, penso que da 3.ª Esquadra de Benfica, tem memória disso. Recolhe o número desse inspector chefe. Sabe o nome. Creio que é o Luís Simões. A Dr.ª Maria Alice referencia-me esses factos todos. Mesmo ao fim do dia, quando eu vou para entrar na residência da Sr.ª Embaixadora do Reino Unido, tenho o fim da história, nesse sentido do apuramento de quem lá esteve, de como é que se processou aquilo tudo.
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Até lá não sabia de nada?
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Até lá não sabia de nada.
A história tornou-se um pouco estranha para mim, porque não pode estar ao mesmo tempo, na mesma intervenção, pessoal da DCCB e pessoal da DCICCEF. Este era um caso claríssimo da DCCB. Não era um caso de haver ninguém da DCICCEF.
Portanto, o estranho, o incongruente na minha cabeça é o que é que lá estava essa pessoa a fazer. Não faz sentido, na minha cabeça, estar essa pessoa ali.
O Sr. Presidente: - Obrigado, Sr. Director Nacional.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, desculpe, mas é possível precisar em que dia é que isso se passou?
O Sr. Presidente: - Penso que foi indicado pelo Sr. Director Nacional o dia 16, porque era o dia do Jubileu da Rainha.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Não ligo muito ao Jubileu da Rainha. Não sei exactamente o dia que foi. Mas foi 16 ou 19…
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr. Desembargador, de novo, permita-me um intróito sobre a questão da verdade.
V. Ex.ª teorizou várias vezes sobre a questão da verdade. Nós estamos de acordo com a procura da verdade, mas temos também a consciência de que pode haver, de facto, uma verdade material, uma verdade processual. A verdade absoluta não existe, como V. Ex.ª sabe. O absoluto só existe no relativo. Não há nada quimicamente puro e mesmo os novos teorizadores da epistemologia da ciência dizem que a verdade científica é biodegradável.
O que nós queremos é a verdade possível. V. Ex.ª, há pouco, falou da verdade objectiva, palpável. Também V. Ex.ª anda à procura da verdade possível.
E, por isso, o que queríamos saber… Há aqui um ponto que compreenderá… Independentemente das nossas convicções, estamos numa situação particular, que é, depois destes depoimentos (e foi isso que nos levou à Comissão de Inquérito), temos muito firmemente a perplexidade, em cima da mesa - e digo, independentemente das nossas convicções -, de que alguém está a mentir, alguém está a falar verdade.
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Portanto, é isso que queremos: um apuramento muito rigoroso da verdade, pelo que estamos a pedir os depoimentos nesse sentido.
Dando de barato, como V. Ex.ª disse e bem, que as declarações que fez na 1.ª Comissão estão feitas, não vale a pena estarmos a arregaçar essas declarações que são dadas como adquiridas, e tentando aprofundar os factos - insisto, os factos -, em função dos novos dados que foram trazidos aqui pelos depoentes anteriores, gostaria de saber se o Sr. Desembargador Adelino Salvado, Director Nacional da Polícia Judiciária, convidou ou não outras pessoas, várias pessoas, designadamente o Dr. Rui Carmo (é o nome que nos foi dito, expressamente), para a DCICCEF para substituir a Dr.ª Maria José Morgado, antes dela ser afastada.
Uma questão a que o Sr. Desembargador já disse que não, que o convite ao Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes foi feito, sugerindo-lhe, após o convite… E a carta que tive oportunidade de ler não põe em causa essa situação, que poderia ser posterior. Gostaria que V. Ex.ª precisasse o convite para ele assumir funções na direcção do combate ao crime económico.
Outra questão. Foi afirmado, aqui, pelo Dr. Pedro Cunha Lopes que V. Ex.ª lhe terá perguntado: "Você conhece alguém do SIS?". Julgo que estou quase a repetir as palavras que ele disse. "Conhece alguém do SIS?" Se conhece o director do SIS ou alguém da direcção do SIS.
Perguntei, eu próprio, ao Dr. Cunha Lopes o que é que ele entendia nessa pergunta e se achava que estava a ser investigado pelo SIS com essa pergunta que V. Ex.ª lhe formulou. Ele disse que não sabe, mas não ilidiu quaisquer dúvidas sobre a matéria.
Relativamente a outras duas questões trazidas pelo Dr. Pedro Cunha Lopes, uma delas tem a ver com a DCCB e a organização da DCCB. V. Ex.ª teria dito que (e aqui, dado o melindre das palavras, cito expressamente, porque tomei eu próprio nota) "afinal, a DCCB…" Que, aliás, estava tão bem organizada, como V. Ex.ª acabou de referir. E fez alguma referência elogiosa ao anterior director, Dr. Orlando Romano…
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - V. Ex.ª, vai permitir-me que intervenha. Eu não disse que estava bem organizada. Fiz uma referência à pessoa em si mesma.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sim, senhor. Agradeço-lhe a precisão.
Mas o Dr. Pedro Cunha Lopes, referindo-se à herança do Dr. Orlando Romano, disse ipsis verbis (palavras, segundo ele, da sua autoria): "afinal, deixou uma porcaria. Não deixou como se pensava. Era um esterco e não servia para nada".
Vozes do PSD: - Não disse isso!
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Não percebi a palavra final.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Estou a citar ipsis verbis: "afinal, deixou a DCCB…" - o Dr. Romano - "… uma porcaria. Não deixou como se pensava. Isto era um esterco e não servia para nada".
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Esterco?! Espectacular, Sr. Deputado…
O Sr. Alberto Martins (PS): - O termo esterco, que V. Ex.ª conhece tão bem como eu, enquanto termo.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Não. Eu só conheço esterco ligado a resíduos e dejectos.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Seria, provavelmente, um efluvium metafórico da parte de V. Ex.ª, mas vou continuar.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Não conheço outros termos para isso.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Por outro lado ainda, relativamente ao mandato de captura internacional, a questão que se coloca é que o mandato de captura é para ser cumprido, não é para carrear nova prova. Pode-se carrear, pode-se fazer, pode-se abrir uma nova instrução. Mas o mandato tem uma natureza imperativa.
Portanto, gostaria que V. Ex.ª nos dissesse alguma coisa sobre isso e a quem cabe apreciar judiciosa e judicialmente se a situação é susceptível, ou não, da extradição.
São estas as questões, no geral.
Volto ainda a uma outra, articulada com a esta do Dr. Orlando Romano e com a DCCB, que tem a ver com a demissão da Sr.ª Dr.ª Alice Fernandes. Segundo o que nos foi dito, isto teria como objectivo alterar relações de poder que poderia ter havido na Judiciária, que teriam ficado na Judiciária, em relação a situações anteriores. Isto foi-nos dito. O Sr. Desembargador fará o favor, depois, de esclarecer. Estou praticamente a citar aquilo que foi dito: o espírito é, seguramente, e as palavras, nalguns caso, até são ipsis verbis.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Posso responder já?
O Sr. Alberto Martins (PS): - Se o Sr. Desembargador quiser responder já. Por mim, não vejo inconveniente, mas tenho outro conjunto de perguntas a fazer.
Se o Sr. Presidente entender. Não tenho nada a opor.
O Sr. Presidente: - Se o Sr. Director Nacional - até porque estamos a ver pelo tempo que temos de evoluir um bocadinho nos nossos trabalhos - quiser dar resposta rápida a todas estas questões. Depois, o Dr. Alberto Martins colocará um segundo conjunto de questões.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Posso fazê-lo, Sr. Presidente.
Perguntou se mantenho que não convidei o Sr. Dr. Juiz Cunha Lopes para a DCICCEF: sim. Já o afirmei de forma peremptória, anteriormente.
Quanto a saber se eu lhe perguntei se conhecia alguém do SIS: nunca foi feita tal pergunta.
Além do mais, quero dizer-lhe que o SIS é gerido por dois magistrados, ambos sobejamente conhecidos: um Juiz, outro do Ministério Público.
Portanto, nunca perguntei se conhece alguém do SIS. Não faço ideia o que é que isso quereria dizer nem onde é que ele foi buscar essa palavra. Aliás, nesta história do diz-que-diz, fulano tal disse isto… disse aquilo…. Não saímos daqui, porque nada disto são factos, são afirmações estéreis.
O Sr. Presidente: - Ó Sr. Director Nacional, peço-lhe uma precisão, porque me pareceu que o senhor disse uma coisa…
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O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Diga, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Quero só confirmar se relativamente à primeira questão, isto é, se convidou o Dr. Pedro da Cunha Lopes para o DCICCEF, a sua resposta é "sim"?
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Não! Mantenho que não convidei o Dr. Cunha Lopes!
O Sr. Presidente: - É que pareceu-me…
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Não! Mas é o que tenho aqui escrito. Mantenho que não convidei. Estava a ouvir as perguntas e estava a responder. Foi por lapso, claramente.
O Sr. Presidente: - Então, fica clarificado.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Não altero nada do que anteriormente disse.
Quanto à DCCB, é evidente que ela tem uma liderança de 16 anos de uma pessoa. A DCCB - e o Sr. Deputado recolherá essa informação -, como perdeu o seu principal escopro, que era ser actuante directa e exclusivamente contra uma organização terrorista em Portugal, ou melhor, duas, mas uma é a sequela da outra, a meu ver, tem vindo a perder, ao longo do tempo, digamos, aquele dinâmica muito própria de quem tem um inimigo, isto é a história de quem tem um inimigo principal, e vem-se transformando e perdendo, a meu ver, os seus elementos mais hábeis, mais jovens e não tem um grupo de estudos capaz de fazer um planeamento e uma apreciação da situação.
Portanto, a DCCB precisava, e ainda precisa - e a pessoa que está lá está a fazer isso -, de uma reafirmação, de uma reestruturação, de se tornar… Se quiserem, farei chegar a esta Comissão esse trabalho, porque mandei fazer essa inventariação quer ao anterior quer ao novo Director Nacional da DCCB, e o Dr. Ferreira de Leite já o fez, do que foi encontrado e do que é necessário fazer para transformar a DCCB nesta entidade leve, de actuação rápida, de força de emergência que ela deve ser.
Quanto aos termos "porcaria" e "esterco", acho-os de tal maneira baixos - vão-me perdoar - que penso que devem ter sido ditos por alguém que anda a fazer qualquer outro trabalho no campo nesta altura do ano e não por qualquer magistrado, nomeadamente por mim. Acho que deveria ter sido expurgada desta Comissão a utilização de termos deste género, que não qualificam quem os diz nem quem os ouve. Pelo menos poderá ter essa perspectiva.
Quando V. Ex.ª diz que o mandato de captura é imperativo, eu quero dizer-lhe que o mandato de captura tem várias classificações, o mandato de detenção, quando vem da Interpol, tem várias classificações, Sr. Deputado. Vem classificado de "execução imediata" ou é classificado pelo Gabinete Nacional da Interpol em conjugação com a Interpol, de "execução não imediata".
Portanto, o mandato é para ser cumprido, mas a sua execução, o deferimento da sua execução pode ter várias classificações por parte do organismo que gere a sua execução.
Quanto ao que a polícia faz em termos de estratégia, em termos de apuramento de pistas e de maneiras de fazer as coisas, de apurar o que está em causa, quando está em causa o interesse nacional em comparação com um interesse que se passou num país longínquo, eu continuo a preferir o interesse nacional. Procuro aferir o que é que a pessoa cá está a fazer e tentar apurar as pistas todas que me permitam…
E esta foi também a opinião da Dr.ª Maria Alice, que - vai permitir-me que o torne a dizer - tem muito mais experiência disto do que toda esta gente junta que aqui acabou de ser falada.
Portanto, quando é possível fazê-lo, deve-se fazer, porque a investigação, os segredos, a maneira e a habilidade de fazer investigação, o fim prosseguido, a defesa intransigente do direito nacional, do cidadão nacional, no caso do terrorismo, pode levar a que um mandato que não tenha carimbo de urgência imediata de execução seja gerido por um, dois, três ou quatro dias em termos de eficácia interna.
A segurança interna está acima de todas essas preocupações que V. Ex.ª referiu, porque a segurança da população portuguesa pode, deve e está sempre em primeiro lugar, independentemente de ser lá da Índia, que pede a extradição para ligar a pena de morte seja a quem for.
Esta é a minha opinião, mas V. Ex.ª poderá não concordar com ela. É uma posição de estratégia, de definição do que é o interesse privilegiado, preponderante, num caso de terrorismo.
Quanto à demissão da Sr.ª Dr.ª Alice Fernandes, mantenho exactamente tudo o que eu disse. Não houve qualquer alteração de poderes, não houve sequer demissão, houve por parte dela o pedido de fim da sua comissão de serviço. Tal e qual como aconteceu com o Dr. Orlando Romano, também a Dr.ª Maria Alice sentiu, e penso que é quase ipsis verbis o mesmo sentimento, que, estar muito tempo numa estrutura, estar muito tempo imobilizada, sem experimentar novas realidades de investigação, estar muito tempo concentrada num determinado crime, cansa, torna a pessoa menos maleável, menos capaz de se adaptar a outra realidade da polícia.
Portanto, eu até entendo que as pessoas devem circular pelos diversos departamentos, para não ficaram confinadas sob a estratégia de combater um determinado crime, senão fossilizam, tornam-se incapazes de acompanhar o que se está a passar no crime económico, no crime de droga ou até noutro crime de outra complexidade.
A posição foi dela, a vontade foi dela. V. Ex.ª poderá ouvi-la, em particular ou publicamente, ou poderá pedir à Polícia Judiciária que informe qual é a posição dela. De facto, a Dr.ª Maria Alice é um valor, é um padrão da casa. Portanto, não houve aqui quaisquer alterações de relações de poder.
Um belo dia também creio que acontecerá a qualquer pessoa que esteja há 10, 15 ou 16 anos, mesmo na Assembleia da República, a páginas tantas dizer: "Basta! Vou iniciar outra actividade noutro departamento".
Quanto a dizer se convidei ou não outras pessoas para a DCICCEF, devo dizer que não. Falei com muitíssima gente. Creio que falou aí numa pessoa de que eu já não me recordo, mas penso que está ligada ao Centro de Estudos Judiciários, aonde me desloquei para falar com o Sr. Dr. Teodoro Jacinto, que foi uma pessoa que acabou por aceitar o lugar de Director do Instituto Superior de Polícia, a escola da Polícia Judiciária.
Também falei com outras pessoas, falei com o Director do próprio Centro, falei com os directores de estudos e com quem estava a seguir. Não dirigi qualquer convite
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específico a nenhum deles, nem sequer ao Dr. Teodoro Jacinto. Falámos sobre o que iria ser, nomeadamente porque está lá um grande amigo meu, que é o Dr. Mário Mendes, que foi Director da Polícia Judiciária e que, portanto, é uma pessoa privilegiada para me aconselhar nesta matéria.
Houve uma, duas ou três reuniões porque estava ali perto. Nessa altura, eu ainda estava no Tribunal da Boa Hora, e estamos na fase inicial da minha campanha para esta "via sacra". A verdade é que falámos, discutimos, falámos sobre as perspectivas do que seria a Polícia Judiciária, obtive informações notáveis do meu amigo Dr. Mário Mendes sobre pessoas que poderiam ser contactadas para Coimbra, para a zona que ele conhece bem, porque ele é da zona de Aveiro. Não fiz qualquer convite directo a ninguém, nem sequer ao Dr. Teodoro Jacinto. Só muito mais tarde é que, perante a possibilidade iminente do Dr. Ferreira Antunes pedir a reforma, fiz um convite directo ao Dr. Teodoro Jacinto.
As conversas que houve no Centro de Estudos Judiciários tiveram quase sempre a presença destas três ou quatro pessoas que estão naquele núcleo de direcção, do Mário Mendes, do Teodoro Jacinto, do outro director de estudos ou seja o que for, já não me recordo bem, porque conheço mal a estrutura orgânica do Centro de Estudos Judiciários.
A primeira fotografia minha que aparece nos jornais, é à porta do Centro de Estudos Judiciários, porque houve um jornalista… Ao fim e ao cabo, é muito difícil escapar-lhes, porque o jornalista aparece e tira uma fotografia. É a primeira fotografia que aparece, porque eu detesto aparecer em fotografias nos jornais, porque coíbe a vida das pessoas. Mas foi nesse momento. Pode ser configurado quando é que isso aconteceu. Essa fotografia que aparece, salvo erro, no Público ou no Diário de Notícias marca realmente essa conversa, uma dessas conversas que houve lá no Centro de Estudos Judiciários.
Quanto ao mais, estou à dispor de VV. Ex.as para o que quiserem.
O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Director Nacional.
Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Desembargador, creio, portanto, que posso concluir que o mandato de captura internacional não era de execução imediata.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Desculpe, Sr. Deputado?
O Sr. Alberto Martins (PS): - Posso concluir que o mandato de captura internacional não era de execução imediata.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Pode ter classificações de prioridades diferentes pela Interpol.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Portanto, posso concluir isso, que não era de execução imediata?
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Se V. Ex.ª quiser, faço chegar cá o mandato…
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sim, senhor. Muito obrigado.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - … e, então, analisará qual foi a classificação dada.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Muito obrigado, Sr. Desembargador.
Então, se me permite, continuarei com as outras questões…
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Se o Sr. Presidente me permitir, até porque tenho interesse em esclarecer essa matéria, e penso que V. Ex.ª também terá, como o mandato não é uma peça essencial nem de quebra de segredo de justiça, pode formular o pedido ao Ministério Público para que envie a cópia do mandato.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Penso que a matéria é relevante. Muito obrigado pela sugestão.
Sr. Desembargador, volto, então, às questões que estava a formular e atenho-me, mais uma vez, à matéria de facto - entenda-se os depoimentos que nos foram factualmente prestados sobre um conjunto de questões que estão aqui em evidência.
A primeira questão tem a ver com o pedido de demissão da Dr.ª Maria José Morgado. Segundo ela - e disse-nos aqui muito expressamente, volto a citar, e espero que o Sr. Desembargador não fique perturbado com a citação… Quanto à citação anterior não fui eu o seu autor, apenas a reproduzi, por razões óbvias, pela forma carregada como era enunciada a questão do esterco, nada tenho a ver com a matéria, como compreenderá.
Uma noite o Sr. Director Nacional ter-lhe-á telefonado, penso que numa segunda-feira - e nessa esta noite ela disse que não dormiu ou dormiu mal até a pensar nisso -, a dizer-lhe: "Vou mudar isto tudo de alto a baixo, já sei que a Sr.ª Directora não vai concordar. Está liberta do nosso compromisso". E qual era o compromisso? O compromisso era um compromisso assumido pelo Sr. Desembargador com ela, por pressões que terá havido antes da sua tomada de posse como Director Nacional, em que lhe terá pedido: "Aconteça o que acontecer, fará parte da minha direcção. Não diga 'não'. Recuso-me a tomar posse da direcção sem si". Isto é: V. Ex.ª, segundo o depoimento da Dr.ª Maria José Morgado, fez depender a sua tomada de posse como Director Nacional da aceitação da Dr.ª Maria José Morgado, porque presume-se e foi dito várias vezes - e eu dispenso-me de mais citações sobre este ponto - que teria havido pressões da Sr.ª Ministra da Justiça, que não gostava da Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado.
E, então, terá dito: "Como personalidade de prestígio, V. Ex.ª peça a demissão. Tenho já uma pessoa para a substituir de perfil idêntico". E a Dr.ª Maria José Morgado terá dito: "Redijo já o meu pedido de demissão". Isto é: o pedido de demissão foi feito, por sugestão, se quiser, por pressão, do Sr. Director Nacional. Quando tentou saber se o fax já tinha sido enviado, porque ainda não o tinha recebido, a Dr.ª Maria José Morgado ter-lhe-á perguntado o que é que tinha corrido mal e V. Ex.ª terá respondido nas palavras dela: "Não me massacre a mim nem a si, pergunte aos seus colegas".
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Desculpe, eu não percebi a última parte.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Não me massacre…
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O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Não, não! Quando tentou o quê?
O Sr. Alberto Martins (PS): - No mesmo dia, julgo eu, ao fim da tarde, às 17 horas, a Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado ter-lhe-á mandado um fax e, quando falou com o Sr. Director Nacional pelo telefone, ter-lhe-á perguntado o que tinha corrido mal e V. Ex.ª…
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Tinha corrido mal o quê?
O Sr. Alberto Martins (PS): - O que tinha corrido mal para levar à demissão dela!
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Ah!…
O Sr. Alberto Martins (PS): - E V. Ex.ª ter-lhe-á dito: "Não me massacre a mim nem a si, pergunte aos seus colegas". E, depois disto, nunca mais a atendeu, o que, manifestamente…
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - O que tinha corrido mal, pergunte a quem?!
O Sr. Alberto Martins (PS): - "Não me massacre a mim nem a si, pergunte aos seus colegas".
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Quais colegas?
O Sr. Alberto Martins (PS): - Gostaria que V. Ex.ª me esclarecesse também sobre isso!
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Não! V. Ex.ª vai-me permitir, porque é a primeira vez que estou a ouvir essas palavras.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Compreenderá que eu não sei quem são os colegas. O Sr. Desembargador está em melhor condição para saber…
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Não, não!
O Sr. Alberto Martins (PS): - A questão que lhe quero colocar é se a Dr.ª Maria José Morgado foi pressionada a ser demitida por V. Ex.ª. Digamos, formalmente, usando a verdade material e a verdade formal, a verdade material é que foi V. Ex.ª que a demitiu e a verdade formal ou processual é que foi ela que se demitiu. É a questão que está em cima da mesa, em função das declarações dela e dos esclarecimentos anteriores de V. Ex.ª.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Posso responder a essa pergunta, Sr. Deputado?
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Desembargador, por mim… Eu tenho outras perguntas a fazer, mas por mim…
O Sr. Presidente: - Sr. Director Nacional, preferia, para não demorarmos demasiado a intervenção do Sr. Deputado Alberto Martins, que ele pudesse concluir o conjunto de questões que tem para colocar. Penso que a parte das perguntas relativa ao Dr. Pedro da Cunha Lopes já está concluída e que agora estamos no segundo bloco de perguntas. O Sr. Deputado podia terminar e depois o Sr. Director Nacional responderia em bloco.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, é como V. Ex.ª entender dirigir os trabalhos. Por mim, a disponibilidade é total.
O Sr. Presidente: - Para não atrasar as intervenções dos outros Srs. Deputados, preferia que o Sr. Deputado concluísse.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Muito obrigado, Sr. Presidente. Assim farei.
Outra questão que foi colocada e que resultou um pouco dos esclarecimentos que ontem foram aqui trazidos à Comissão tem a ver com as escutas telefónicas. As escutas telefónicas - V. Ex.ª sabe isso bem melhor do que eu - é uma matéria muito sensível, muito complexa...
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Eu...
O Sr. Alberto Martins (PS): - As escutas telefónicas a que as notícias publicadas n'O Independente...
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Ah, não as fiz eu...
O Sr. Alberto Martins (PS): - Não, não, escutas ilegais...
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Não me está a imputar nenhum facto, pois não?
O Sr. Alberto Martins (PS): - Não, não...
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - É que eu estou à espera de ouvir factos e ainda não ouvi facto nenhum.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Director Nacional, tudo isto são factos. Podem ser factos verdadeiros ou falsos, mas são factos. E, segundo os depoentes anteriores, são factos e muito consistentes.
Que V. Ex.ª considere que são inconsistentes, é uma interpretação... O nosso papel, aqui, é saber se os factos são consistentes ou não. E temos, para já, três depoimentos em que estamos a apurar a consistência dos factos...
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Sr. Deputado, até agora V. Ex.ª só me está a referir coisas que outras pessoas dizem… Factos, em si mesmo, não refere nenhum.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Desembargador, eu não faço juízos sobre o que V. Ex.ª me está a dizer. Eu até podia dizer também que o que V. Ex.ª me está a dizer é absolutamente contraditório, que está a perder por 2-1. Não vou fazer isso.
O Sr. Presidente: - Em vez de dialogarem, peço ao Sr. Deputado Alberto Martins que conclua e ao Sr. Director Nacional que, depois, faça o favor, como entender, de apresentar as suas respostas e a sua versão das coisas.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Vamos lá ver se nos entendemos.
Sr. Presidente, eu estou a apresentar os factos. Tenho o maior respeito pelo Sr. Director Nacional, que certamente tem o mesmo por mim, portanto vamos esclarecer as situações.
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Não há aqui qualquer juízo. Independentemente das convicções que qualquer um de nós possa ter, estamos aqui a apurar a verdade. Queremos a verdade - isso é essencial -, todos a queremos.
A questão que coloco é sobre a matéria das escutas telefónicas ilegais, notícia de O Independente, a qual a Direcção Nacional da Polícia Judiciária desmentiu.
Foi aqui trazido um facto pela Sr. ª Procuradora Geral Adjunta, Dr.ª Maria José Morgado, que gera - pelo menos em mim gerou - alguma perplexidade. Ela disse o seguinte: "Não percebo, ouvi dizer..." - é um facto de "ouvir dizer", Sr. Desembargador (e nós sabemos o que é que isso representa no tribunal), mas é um facto de "ouvir dizer" ouvido dizer pela Sr.ª Procuradora Geral Adjunta, Dr.ª Maria José Morgado - ... que a directora de O Independente andou a visitar as instalações da Gomes Freire, da Polícia Judiciária, e foi mesmo ao terminal das intercepções telefónicas da Polícia Judiciária um ou dois dias antes de a notícia ser publicada n'O Independente - ponto um. Ponto dois: a notícia de O Independente foi desmentida pela Direcção Nacional cinco dias depois. E a minha dúvida é a seguinte: porque não foi o Sr. Director Nacional a desmenti-la, individualmente?
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Desculpe, não percebi.
O Sr. Alberto Martins (PS): - A minha dúvida é porque não foi o Sr. Director Nacional a desmenti-la, individualmente.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Individualmente?
O Sr. Alberto Martins (PS): - Enquanto Director da Polícia Judiciária.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Individualmente?
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sim.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não lhe vou tirar a palavra, mas parece-me evidente que esta - permita-me a expressão - historieta da visita de um jornalista à Polícia Judiciária não tem rigorosamente nada que ver com este nosso inquérito. Trata-se de um processo de intenções relativamente ao funcionamento da Polícia Judiciária. O que é que isso tem que ver com as demissões dentro da Polícia Judiciária?
Portanto, independentemente de o Sr. Deputado poder continuar a fazer a sua intervenção, peço-lhe que tenha em conta que uma coisa foi ter havido um Sr. Depoente, neste caso....
Protestos do PS.
Srs. Deputados, pedia que, no mínimo, me ouvissem quando uso da palavra. Também tenho sempre o cuidado de ouvir os Srs. Deputados.
Como dizia, uma coisa é um Sr. Depoente, neste caso uma Sr.ª Depoente, ter tido a liberdade, nesta Comissão, de falar de tudo e mais alguma coisa que lhe apeteceu e de, entre outras coisas, ter citado assuntos que diz que disse que ouviu, e que já nem são do tempo em que estava na Polícia Judiciária, outra coisa é nós utilizarmos essas matérias enquanto inquiridores neste inquérito relativamente àquilo que é o mandato desta Comissão.
Se me permite a minha opinião, uma coisa é um depoente carrear essa história para os autos, porque no seu depoimento entendeu por bem - vá-se lá saber porquê - falar dessa questão; outra coisa é um Sr. Deputado entender que isso é importante para o apuramento dos factos por parte dessa Comissão. E aí, Sr. Deputado, reitero que, em minha opinião, isso não tem rigorosamente nada que ver com o objecto desta Comissão, ou seja, com os actos do XV Governo relativos à demissão de elementos da Polícia Judiciária três meses depois das suas respectivas nomeações.
Sr. Deputado Alberto Martins, não me leve a mal, mas entenda as minhas palavras por aquilo que eu disse e não por segundas intenções.
Tem a palavra para concluir a sua intervenção.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, não levo a mal, mas recuso em absoluto as considerações que acabou de fazer.
O Sr. Director da Polícia Judiciária, o Sr. Desembargador Adelino Salvado, na primeira prestação que fez em Comissão, aludiu à necessidade de apreciar matéria que tem a ver com a legalidade dos meios de prova. Aludiu expressamente!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado...
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, se me quer cortar a palavra, faz favor, tem esse direito...
O Sr. Presidente: - Não lhe quero cortar a palavra, quero só dizer-lhe o seguinte: esta Comissão tem um mandato próprio. Aquilo que foram as audições da 1.ª Comissão não constam, obrigatoriamente, da matéria que está em análise nesta Comissão. Esta Comissão foi constituída com um escopo próprio e de tudo aquilo que foi dito ou que deixou de ser dito na 1.ª Comissão alguma matéria pode ter que ver com esta Comissão de Inquérito, outra não tem.
Sr. Deputado, faça favor de concluir. E se o Sr. Director Nacional entender responder a essa questão...
Só penso, sinceramente, Sr. Deputado, que assim vamos ter muita dificuldade em chegar ao fim dos nossos trabalhos, porque se em vez de nos concentrarmos no objecto da nossa Comissão começarmos a falar de lateralidades torna-se difícil contermo-nos dentro do tempo próprio.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, mais uma vez discordo de V. Ex.ª em absoluto, porque o combate ao crime económico, financeiro e fiscal tem a ver, necessariamente, com os meios de prova utilizados e nós queremos saber quais são.
Mas a questão está lançada e o Sr. Desembargador responderá se o entender.
Passando a outra questão, a Sr. ª Dr.ª Maria José Morgado disse aqui que teve um encontro com o Sr. Desembargador em que V. Ex.ª lhe terá dito - e cito - que tinha acabado de receber um telefonema da Sr. ª Ministra da Justiça, na sequência de um pedido de esclarecimento do Dr. Paulo Portas que tinha a ver com "quem era o homem que andava em Monsanto?".
Esta questão já foi aqui respondida por V. Ex.ª. Parece claro que quem é testemunha não pode estar na sala do julgamento, já não é claro - pelo contrário, há prática diversa - que quem não é possa estar e que seja da polícia.
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A questão que eu coloco a V. Ex.ª é a seguinte: quem era a testemunha que esteve na sala de julgamento?
A minha última questão tem a ver com o combate ao crime, nomeadamente o crime financeiro, económico e fiscal - a nossa preocupação tem a ver com a organização das condições de combate ao crime económico, financeiro e fiscal. Foi-nos dito pela Sr.ª Procuradora Geral Adjunta, aludindo a um protocolo e a algumas das medidas que estavam a ser tomadas, que podia haver uma grave precarização da prova nestes processos.
Gostaria - esta é uma pergunta eminentemente em aberto - que o Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária nos pudesse tranquilizar relativamente a esta matéria.
O Sr. Presidente: - Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária, pedia-lhe que tentasse utilizar o mesmo estilo que quer o Sr. Deputado fez o favor de utilizar quer o Sr. Director, na sua intervenção anterior, para podermos ser mais eficazes.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Vai-me perdoar, Sr. Deputado, mas não percebi uma palavra utilizada. Disse "precarização"?
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sim, precarização.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Vão-me permitir que responda de uma forma um bocadinho apressada, ou então têm de me deixar sair para comer qualquer coisa e para fumar um cigarro...
Vozes inaudíveis.
Vão-me permitir que responda de uma forma muito rápida.
A verdade é que eu já disse aqui e volto a dizer... A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado já o disse, eu volto também a dizer... Ela já disse peremptoriamente em três ou quatro lados, em várias exposições nos media, que não é pessoa de se submeter a pressões. Não sei como é que agora se inventou que eu sou capaz... Eu, então, sou a pessoa que finalmente ela encontrou na vida que faz pressões sobre ela. Não é verdade que ela seja pessoa de admitir pressões, também não é verdade que eu as tenha exercido sobre ela.
Portanto, quanto ao que fala de pedido de demissão, a verdade formal, a verdade não formal, a verdade substancial, não substancial, material, desmaterial, abstracta, ponha os qualificativos que o Sr. Deputado quiser no substantivo "verdade", eu não tenho nada de pressão feita sobre a Dr.ª Maria José Morgado nem sobre os outros directores nacionais adjuntos, que por acaso são só mais dez. Então, eu ando a pressionar só a ela e não pressiono os outros dez?!
Nego, portanto, que tenha havido pressões sobre a Dr.ª Maria José Morgado.
Quando referiu aqui uma expressão "aconteça o que acontecer não tomarei posse sem a sua aceitação"... Pois, a Dr.ª Maria José Morgado era uma pessoa importante, mas vão compreender que antes, muito antes, de eu ter falado com a Dr.ª Maria José Morgado já eu tinha aceite o convite da Sr.ª Ministra e do Sr. Primeiro-Ministro. Obviamente, a Dr.ª Maria José Morgado tem muita importância, terá muita importância no âmbito onde se move, no Ministério Público, em família, nos amigos, mas eu já tinha assumido o compromisso de aceitar o lugar, portanto não ía passar por essa decisão de não assumir o que já tinha assumido.
Quando refere a conversa de que dormi, não dormi, durante uma noite... Não me recordo de ter tido conversas nenhumas sobre dormir ou não dormir. Aliás, não costumo falar sobre a forma como durmo e como durmo, já para não falar do resto.
Sobre qual era o compromisso, desconheço o que é que significa esta palavra. A verdade é que nego as pressões que estão para aqui referidas, pedidos de demissões...
"O que é que tinha corrido mal, pergunte aos seus colegas..."... Não sei que colegas são. Se são colegas lá de dentro da Polícia Judiciária, V. Ex.ª tem possibilidade de os ouvir a todos; existem, estão fisicamente presentes, estão todo o dia a trabalhar lá na Polícia Judiciária.
O Sr. Deputado falou se tinha havido... Volta sempre a palavra "pressões"... Por exemplo, estávamos a falar de um boletim meteorológico... Portanto, não houve pressões nenhumas da minha parte.
O pedido de demissão foi apresentado por escrito, não por telefone. Eu é que tomei a iniciativa de telefonar-lhe para que ela descrevesse o acontecimento sucedido no dia anterior numa sessão sobre ajudas de custos e prevenções (Não sei se VV. Ex.as querem saber alguma coisa sobre isto. Se quiserem saber, então, não tenho de fumar um cigarro mas dois, porque o sistema de ajudas de custos e prevenções na Polícia Judiciária é muito complicado).
De facto, não a pressionei para pedir a demissão, o que há é um culminar de acções. A causa próxima desta atitude, no meu juízo (perguntará à Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado se assim é, pois não consigo penetrar no espírito dela, e penso que cada vez menos), o que está antes disto, é um caso em que houve conflitualidade de posições, mais uma vez. A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado é uma pessoa de decisões, uma pessoa forte, não é uma pessoa fraca, não cede a pressões. Tal como a vejo, é uma pessoa que admite uma posição e dali não sai, portanto, não é uma pessoa flexível, no meu entendimento - posso estar a ser injusto.
Portanto, a Sr.ª Dr.ª admite que eu não podia ter feito uma intervenção junto do subdirector em exercício e que deveria tê-la contactado no tocante à questão, já referida na outra comissão e para qual a Sr.ª Ministra das Finanças me alertou, de haver uma diminuição de pagamento de IVA e de Imposto Especial sobre o Consumo na zona Norte relativamente a um determinado produto (está em segredo de inquérito, pelo que não posso explicitar mais do que isto).
Intervim junto da Sr.ª Dr.ª Maria Raimundo, que é a subdirectora da DCICCEF, para saber o estado do processo, averiguei que o mesmo estava parado, salvo erro, desde o dia 15 de Maio ou Abril (já não me lembro bem o mês), e diligenciei junto do Sr. Procurador-Geral da República pessoalmente - é também uma pessoa fiável que pode dizer a VV. Ex.as se isto se passou - e junto do gabinete da Sr.ª Ministra, que também estava de férias, para que se conseguisse desbloquear uma situação gravíssima que estava a travar a investigação.
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado considerou que eu estava a subverter a sua posição hierárquica, as prioridades por ela estabelecidas e que eu não podia fazer isso. Bem, ela tem uma concepção de Director Nacional que não tenho! Ela entende, então, que o Director Nacional é uma "rainha de Inglaterra"! Não é verdade! A comunidade não
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paga ao Director Nacional da Polícia Judiciária para ser a "rainha de Inglaterra", e mesmo assim esta ainda faz alguma coisa!
Portanto, nessa perspectiva, VV. Ex.as, se aceitarem que não posso fazer nada na Polícia Judiciária, farão o encarecido favor de me dizerem quais são as minhas funções. Olho para a lei e vejo quais são, porém, não posso fazer uma intervenção deste tipo?! Não posso estar preocupado com uma criminalidade que, no caso concreto, representa milhões de contos de prejuízo para a economia nacional?! Não posso intervir junto da directora que está em funções efectivas e tenho de ir à procura de quem está de férias para tomar uma decisão?! Isto funciona assim?! Em algum dos departamentos que VV. Ex.as geriram na vossa vida as coisas eram assim?! Iam incomodar uma pessoa que estava em férias ou sentiam que não podiam entrar nos escalões intermédios de uma estrutura sem autorização de quem lá estava?! Então, ao fim e ao cabo, que figura de Director Nacional da Polícia Judiciária consideram VV. Ex.as que devo exercer?
Se não tenho essa capacidade de intervenção, então, tenho o quê? O que lá estou a fazer? Como disse da outra vez, vou estar sentado a ler jornais?! Quem está sentado a ler jornais - é a velha teoria - não mexe, não prejudica, não ofende, está sossegadinho e quietinho!… Não é isso o que lá tenho feito, como já expliquei a VV. Ex.as na outra comissão.
Portanto, não houve pressão, houve, de facto, mais uma oportunidade de transformar a conversa já para níveis de jogo, aquele jogo que eu sempre disse que ali existiu a partir de certa altura. Ou seja, há posições antagónicas, e quando são antagónicas, quando as duas personalidades se chocam, quando há várias visões estratégicas, VV. Ex.as podem dar as voltas que quiserem - de resto, já o disse outro dia a uma Sr.ª Deputada que o perguntou -, mas uma delas tem de sobrepor-se à outra. Não pode haver um cocktail, um bocadinho desta e bocadinho daquela, pois, caso contrário, não se é director nacional de coisíssima nenhuma.
Perguntou também V. Ex.ª sobre notícias de O Independente, jornal este que já foi qualificado com um nome um bocado desvirtuado pela pessoa que tornou a referir… Aliás, não é jornal que leia, mas também não acho que seja um pasquim; a verdade é que não é jornal que leia.
Quanto às escutas telefónicas, não me interessa o que vem ou não publicado nos jornais, mas enquanto Director Nacional da Polícia Judiciária tenho de preocupar-me sobre as repercussões nos media. Porquê? VV. Ex.as estão fartos de saber que se se publica uma notícia num semanário de importância dizendo que o Director Nacional fez isto ou aquilo e se no Domingo alguém o comenta, na segunda-feira há a criação automática do facto.
A verdade é que quando eu soube - e soube porque tenho obrigação de saber - que O Independente ia sair com uma notícia bombástica sobre escutas as minhas orelhas levantaram-se logo, pois este tema afecta a todos. Quando se fala em escutas ilegais não há cidadão da minha idade, ou um bocadinho mais novo, que não fique logo preocupado. Ainda hoje ouço perguntar: "O meu telefone está sobre escuta? Estará? Não estará?"... Vivemos todos com este problema, está imbuído em nós o medo de estarmos a ser escutados, porque durante muito tempo fomos violentados nessa matéria.
Não admito que alguém chegue aqui ou a qualquer outro lado e diga que, no caso do combate ao crime económico, os direitos humanos fundamentais têm de ser comprimidos, têm de harmonizar-se com o combate ao crime. Acho espectacular irmos por aí! Acho espectacular que quem sempre defendeu o contrário, que os direitos humanos são um património irrevogável, insofismável, irredutível, o último bastião a defender, venha agora dizer, por causa de um crime qualquer, que, como se trata de um crime económico ou financeiro, pode pôr-se os direitos humanos na gaveta! Se começamos por aí nunca mais acabamos!…
Os direitos humanos não podem nunca flutuar pelo entendimento de quem está a fazer perseguição criminal, nomeadamente a polícia! Se V. Ex.ª admite isso, então, um belo dia estará a viver momentos passados! Os direitos humanos são inatingíveis, não podem ser magoados, feridos, amesquinhados ou beliscados em função do crime que se combate. Esta é a minha opinião, e continuarei a defendê-la aqui, ali, nos tribunais e em qualquer lado, sempre!
No que respeita às escutas telefónicas, o que aconteceu é que eu soube que a Dr.ª Inês Serra Lopes, que gere um jornal com algumas dificuldades de circulação, aliás, como a maioria deles, queria pôr uma frase bombástica no dito jornal. O que fiz? Telefonei à Sr.ª Dr.ª Inês Serra Lopes, de resto, trabalhei muito tempo com a mãe dela, que considero, nomeadamente enquanto bastonária, uma excelentíssima representante da classe dos advogados, apelando para, por favor, não publicar coisas daquelas. Este telefonema existiu e ela, provavelmente, poderá confirmá-lo, mas se o não fizer havia pessoas no meu gabinete que assistiram à conversa.
Ela disse-me que a notícia provinha de uma fonte segura, tendo eu referido que ela não tinha fonte segura nenhuma e que ia explicar-lhe como funcionava o sistema de intercepções fixas (não estamos a falar de uma coisa que estava a ser chamada ao caso, o sistema que vai originar um novo departamento na Polícia Judiciária para controlar os novos meios de prova, estamos, sim, a falar na tradicional escuta telefónica).
Expliquei-lhe, tintim por tintim, por telefone, como funcionam as escutas - aliás, depois verti essa informação num comunicado -, quais são as formas expeditas, quais são as formas a que isto procede, como é o encadeamento da ordem. A pessoa que faz a escuta tem de ter um mandado, tem de conferi-lo, tem de certificar-se de que a assinatura é do magistrado competente, o que é feito em dois lados, como sabem.
Agora não vou explicar todo o processo técnico, mas expliquei-lho a ela, que percebeu e acabou por dizer: "Compreendo o que está a dizer, mas vou publicar a notícia em primeira página".
Eu pedi-lhe, por amor de Deus, para não fazer isso, para, à tarde, falar com o técnico, o Eng.º Leitão, que era a pessoa capaz de a informar tecnicamente como se fazem as escutas. Disse-lhe, se ela não acreditava em mim porque eu não era técnico, para ir à Polícia Judiciária, ao meu gabinete, falar com o Engenheiro, e assim aconteceu. Depois de almoço, a Sr.ª Dr.ª Inês Serra Lopes foi à Polícia Judiciária e falou com o Sr. Eng.º Leitão, responsável pelo departamento de tecnologia e de informática, que é a pessoa que lidera, que gere as custas, o qual tornou a explicar-lhe todo o processo, agora com todos os nomes técnicos (difusores, etc. Enfim, conversa de engenheiro). Portanto, explicou-lhe tudo, mas mesmo assim a notícia saiu.
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Agora vêm dizer que "ouvi dizer"! Acho espectacular que alguém venha a esta instituição e VV. Ex.as façam esta pergunta! Vai perdoar-me este desabafo, mas alguém vem aqui dizer que "ouvi dizer que a directora de O Independente andou a visitar a Polícia Judiciária", e depois vem colocar-me este "ouvi dizer"! Um dia destes vêm dizer que "ouvi dizer que o Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária estava a tomar banho nu no Rossio", e pergunto "como é que foi possível?! Até estou constipado, como é que posso ir tomar banho ao Rossio?!" Mas, pronto, ouviu dizer!
Ouviu dizer que a Directora de O Independente andou a visitar a Polícia Judiciária! O que aconteceu é aquilo que referi. A Sr.ª Dr.ª Inês Serra Lopes, pela sua personalidade, não terá dúvida nenhuma em vir aqui dizer exactamente o que estou a dizer-lhe a si, Sr. Deputado, bem como o Sr. Eng.º Leitão. Essa senhora não andou a visitar a Polícia Judiciária coisíssima nenhuma. A resposta, portanto, é "não"! Se alguém ouviu dizer isto foi a nobody, ninguém podia ter afirmado isto!
Quanto ao comunicado, este saiu quando teve de sair. Obviamente, os comunicados não são pessoais, são sempre da directoria nacional. Então, mas assumo a individualidade disto para quê?! Autorizo-os todos, mas conhece algum comunicado em que eu escreva "Eu, fulano tal…"? Mas "eu, fulano tal…" como?! Estou ali numa função de congregador e de líder da directoria nacional!
Então eu tinha de fazer um comunicado individual?! A que título? Não percebo! Individual como? Só farei um comunicado individual, se calhar (e nem sei se o deva fazer), no dia, que será feliz para muitos, em que terei ou considere ter de ir-me embora. Nessa altura, terei de fazer um comunicado individual dizendo que lamento muito, gostei muito de estar aqui com VV. Ex.as, mas esta vida tornou-se de tal maneira agreste que, individualmente, tenho de dizer muito obrigado, passem muito bem... Nessa altura farei um comunicado individual, porém, enquanto estiver naquelas funções nunca o farei; não fiz e nunca farei um comunicado individual.
Perguntaram-me também se tive um encontro, se recebi um telefonema do Ministério da Justiça, não sei quê do Dr. Portas. Comecei por dizer, na minha declaração inicial, mas, se calhar, não valeu a pena (a partir de agora vou remeter para a minha declaração inicial), que, não, nunca sofri pressões. Aliás, se outras pessoas se arrogam vir aqui dizer que nunca receberam pressões, são unanimemente aceites e toda a gente abana a cabeça, por que não posso dizer a mesma coisa se - permitam-me que o diga - estamos no mesmo nível de confiabilidade?
Quem era a testemunha que esteve na sala de julgamento? Não conheço o Tribunal de Monsanto nesse momento, nunca lá fui, não sei quem era a testemunha que estava na sala de julgamento. Perguntem ao presidente do colectivo, se fizerem favor, e averigúem, porque não sei, nunca lá fui. Estive lá dois anos e meio, que me serviram de grave recordação em termos de ocupação má de vida.
Quanto à precarização da prova nestes processos, não estou a ver o que quer dizer. A verdade é que a prova é preservada sempre. Não depende do Director Nacional Adjunto nem do Director Nacional da Polícia Judiciária a preservação ou precarização da prova, depende, sim, dos investigadores, aliás, já o disse mais de 50 vezes! O Director Nacional até pode ir de férias para Helsínquia que o investigador continua na sua fase, no seu trabalho, porque este é um trabalho de equipa, não é um trabalho liderado pelo génio da lâmpada. É um trabalho de equipa e é a equipa que investiga. Portanto, não há, não houve, não poderá haver nem admito que haja precarização da prova nos processos de investigação de delitos económicos.
Portanto, nesse aspecto, posso tranquilizar os Srs. Deputados, mas, pelos vistos, não vale a pena estar a falar disto porque não tranquilizo ninguém, uma vez que há posições pré-assumidas, ou seja, prejudiciais (já ouvi aqui dizer que, diga o que eu disser, houve um dedo de colarinho branco). A essas pessoas de tal maneira afectas a uma ideia pré-concebida, prejudicial, escusado será dizer que a minha posição é, sempre foi e sempre será, enquanto estiver nestas funções, a de elevar os níveis de combatividade do crime.
VV. Ex.as, conforme eu disse ao Sr. Deputado António Costa, que, infelizmente, não está presente nesta Comissão, têm de dar tempo ao tempo. Vou deixar na posse do Sr. Presidente da Comissão, para o uso que VV. Ex.as queiram dar-lhe, a lista das operações executadas desde que estou nestas funções, em que podem verificar o volume do trabalho produzido.
Não houve apaziguamento de combate a crime nenhum. Mesmo no branqueamento, como disse, aqui há dias, a Directoria do Porto conseguiu a maior operação, em termos históricos, quanto ao branqueamento em Portugal. Fica óbvio que, se calhar, ninguém quer saber disso, mas há quem queira: quer a comunidade, quero eu, quer a Directoria do Porto, quer a Polícia Judiciária, porque temos a competência exclusiva para combater este crime.
Portanto, vou deixar na posse de V. Ex.ª, Sr. Presidente, a lista das operações mais relevantes, efectuadas desde que eu estou na Polícia Judiciária e V. Ex.ª dar-lhe-á o destino que convier. Mas dizer-se, como aqui se disse, já por várias vezes, que estou interessado em diminuir o combate o crime ou precarizar seja o que for, farão o favor de ver a vida, o real, o facto, a verdade, o que aconteceu, pois está aqui relatado.
Quanto às operações, elas não aconteceram por acaso, não foram inventadas, isto não é uma fábula.
O Sr. Presidente: - Obrigado, Sr. Director Nacional.
Queria só fazer uma precisão para correcção dos nossos trabalhos nos autos: houve uma questão, que lhe foi colocada pelo Sr. Deputado Alberto Martins, relativamente a precisar qual era a testemunha no processo de Monsanto. Penso que se prende com um pedido da parte desse Sr. Deputado, no sentido do Sr. Director Nacional confirmar quem é o membro, o agente, enfim, o elemento da Polícia Judiciária que terá estado, que é a testemunha do processo, e que se terá deslocado ao Tribunal de Monsanto.
Pareceu-me, agora, pela sua segunda resposta que o Sr. Director Nacional não terá percebido que isto era referente a pessoal da Polícia Judiciária e disse que não conhecia o processo e que o processo é com o juiz que lá está.
Penso que a pergunta era para saber quem é de entre os elementos da Polícia Judiciária, que é testemunha no processo de Monsanto.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Exactamente, Sr. Presidente, a pessoa que esteve na sala. Agradeço-lho!
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Sr. Presidente, se me permite, quanto à testemunha em causa, já referi qual era, na
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resposta, penso que foi desse Deputado. Quanto a saber se é ou não na sala, isso não averiguei.
O que eu averiguei aqui foi sobre a presença de vários e, aliás, falei em três, não falei só nessa presença. Agora, saber se estava ou não na sala (não sei se a sala tem gravação de vídeo, mas creio que sim, porque no meu tempo tinha), a verdade é que esta é uma questão que compete perguntar ao presidente do Tribunal de Monsanto, não a mim. A verdade, também, é que o que eu averiguei, o que eu informei, foi aquilo que eu disse há pouco e não altero aquilo que eu disse.
O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Director Nacional.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - O Dr. Alberto Martins já interveio duas vezes, mas peço, então, que seja muito breve.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, eu queria clarificar o seguinte: gostaria de dizer ao Sr. Director Nacional que não tenho qualquer prejuízo no seu depoimento, não tenho qualquer reserva mental. Espero que o Sr. Director não tenha também reserva mental, relativamente ao nosso papel, aqui, na Comissão, por isso agradeço-lhe os seus esclarecimentos.
A única dúvida que me ficou do seu depoimento, independentemente do juízo que faça sobre o seu contributo ao nosso apuramento, é a do telefonema, o famigerado telefonema, onde terá dito "esta noite não dormi" ou "dormi mal" - V. Ex.ª já fez uma alusão a isso, até com graça, que se reconhece - "mas vou mudar isto de alto a baixo. Já sei que a Sr.ª Directora não vai concordar, está liberta do nosso compromisso". Estou a citar, portanto o Sr. Director fará o favor de reconhecer que não estou a aludir a factos novos. Estou a citar. E com a experiência que V. Ex.ª tem, sabe que nos julgamentos as partes - e as partes, aqui, somos todos nós e V. Ex.ª também, e o julgador é o colectivo, se é que se pode assim chamar -, citam, às vezes, ipsis verbis, como elemento da verdade.
A dúvida que lhe coloco é a seguinte: depois desse telefonema, a Sr.ª Procuradora Geral Ajunta diz que esse telefonema é uma forma de dizer: "Você está despedida!". Ora, a minha dúvida é a de saber se V. Ex.ª o fez, porque eu fiquei com a ideia de que a tinha "despedido", independentemente do lado formal. É só esta a dúvida que se mantém no meu espírito.
Peço-lhe desculpa, por repetir as perguntas mas, pronto, nós também estamos já habituados a ouvir, repetidas, as respostas, e eu gostaria que V. Ex.ª pudesse precisar esta questão.
Muito obrigado, Sr. Desembargador! Muito obrigado, Sr. Presidente!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra, Sr. Director Nacional.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Realmente, sobre essas palavras, não tenho essa memória. Há pouco, disse ou disseram que eu tinha "mal dormido" ou "bem dormido". Bom, não me recordo desses telefonemas…
A temática não versou sobre a forma como eu tinha dormido, mas sobre o que tinha acontecido no dia anterior, naquela reunião em que esteve a DCICCEF representada pela Subdirectora e sobre os problemas daquela investigação que estava nesse tempo a ser mais apressada, que era a relacionada com o ilícito da natureza de não pagamento de imposto de IVA e de imposto sobre o consumo de um determinado produto na zona norte do País.
Quanto a este processo, não posso falar, porque está em segredo de justiça, por isso vão-me perdoar que não fale sobre o que é que aconteceu nessa matéria nem sobre o teor da conversa. A seu tempo, esse processo há-de ser aberto e a ver-se-á qual foi a minha intervenção nele.
Mas continuo a dizer - tenho que dizer isto não sei quantas vezes mais, vão perguntar-me certamente mais vezes! - que não houve pressões exercidas por mim sobre a Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado! Da visão que tenho sobre a personalidade dela, não é pessoa para aceitar qualquer pressão.
VV. Ex.as podem julgar que ela é pressionável e que eu sou o pressionador. Não é verdade, não entendo assim, eu não tomei qualquer pressão sobre ela. Continuo, encarecidamente a dizer que as razões estão expressas neste documento que fiz chegar à Comissão, comungo com ele, subscrevo exactamente as questões que estão aí ditas. A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado disse que "os motivos que deram origem ao meu pedido de demissão, relacionam-se, única e exclusivamente, com as questões de estratégia operacional, respeitantes à organização desta Direcção Central".
Repudiamos veementemente, ela e eu - se me permitam que me associe! -, toda e qualquer intromissão de natureza política, nomeadamente, a que é feita por operadores políticos (e permitam-me que eu acrescente), nomeadamente a que tem sido feito por certos órgãos de comunicação social, a qual nos é inteiramente estranha.
Comungo disto, não há aqui qualquer pressão, há um pedido de cessação de comissão de serviço, perfeitamente idóneo, perfeitamente correcto, que, aliás, acontecem todos os dias neste País!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Neto.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra só para interpelar a mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, acontece que são 13,38 horas. O Sr. Desembargador já disse - e, como é óbvio, pode fumar-se um cigarro, pois, obviamente, tem o cinzeiro à frente - uma questão de solidariedade minha!
Mas também já disse que precisava de almoçar, até porque (enfim, espero não estar a revelar qualquer inconfidência) me disse, há pouco, antes desta sessão começar que não costuma tomar o pequeno-almoço. Portanto, certamente, precisa de almoçar.
Como V. Ex.ª bem sabe, Sr. Presidente, estão inscritos, além do Sr. Deputado Jorge Neto…
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, eu já percebi onde quer chegar… Não vale a pena perdermos mais tempo, Sr. Deputado.
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O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, deixe-me só fazer a proposta. Não é só interromper esta sessão, mas é também, em nome do prestígio da Assembleia, ter em conta que é preciso marcar uma outra hora ou um outro dia para ouvirmos a Sr.ª Ministra da justiça, porque, às 15 horas não vai ser possível ouvi-la!
Vozes do PSD: - Não, não!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, agradeço a sua proposta, vou dizer a minha posição e, se os Srs. Deputados não concordarem, façam favor de decidir de outra maneira.
Penso que se sobrepõe, a tudo isso, por um lado, os trabalhos desta Comissão, por outro lado, a dignidade da questão, porque não podemos passar a vida a mandar cá vir as pessoas. Ontem estivemos sete horas seguidas nesta Comissão, hoje estamos aqui há três horas, por isso, ainda estamos longe, no meu critério, de numa situação insustentável. Isto, a menos que o Sr. Director Nacional me peça, pelo facto de ter algum horizonte máximo, por razões pessoais ou outras. Neste caso, obviamente, atenderei à solicitação dos depoentes desta Comissão,
Por mim, vou prolongar os trabalhos. É evidente que não os prolongarei indefinidamente e terei que fazer uma reapreciação. Parece-me no entanto que estamos aqui, neste momento, quando muito há três horas e um quarto, pois começámos por volta das 10,30 horas e passa um pouco das 13,30 horas. Visto estarmos aqui há pouco mais de três horas, entendo que podemos e devemos continuar os nossos trabalhos.
A menos que haja uma decisão contrária da Comissão, ou um pedido do Sr. Director Nacional, farei mais tarde uma nova apreciação sobre como é que podemos ou devemos concluir os nossos trabalhos. Portanto, volto a dar a palavra ao Sr. Deputado Jorge Neto, pedindo obviamente aos Srs. Deputados que se lembrem, até por esta chamada de atenção do Sr. Deputado Osvaldo Castro, que o bom andamento dos trabalhos pressupõe obviamente a colaboração de todos.
Tem a palavra, Sr. Deputado Jorge Neto
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, eu queria fazer uma interpelação à mesa.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Filipe, mais do que interpelações à mesa, se alguém tem uma proposta concreta a fazer, faça-a e eu ponho-a à consideração da Comissão que, depois, a delibera. Já dei a minha opinião, Sr. Deputado!
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, eu gostaria, então, de dar a minha, muito brevemente. Tenho a total disponibilidade para estar aqui as horas todas que forem necessárias e nunca proporia que a Sr.ª Ministra da Justiça fosse ouvida noutro dia. Nunca!
Agora, creio que se passa o seguinte: são as horas que são, há muitos Deputados inscritos e devo dizer que ainda há muitas questões para as quais eu gostaria de obter respostas e estou inscrito para esse efeito. Portanto, não creio que possamos considerar, por exemplo, que é possível terminar esta reunião antes da hora marcada para a Sr.ª Ministra da Justiça e portanto, faço a seguinte sugestão: mesmo que os trabalhos prossigam, penso que a Sr.ª Ministra da Justiça deve ser prevenida de que, mesmo que ela venha às 15 horas a reunião não começará às 15 horas. Ela deve ser prevenida disso.
Por mim, não tenho qualquer problema em prosseguir aqui. Agora, julgo, por exemplo, que se qualquer Deputado que aqui está precisar de sair por um instante, pode fazê-lo. Já o Sr. Desembargador, na posição em que está, não pode fazê-lo, a menos que os trabalhos se interrompam!
Portanto, creio que deveria haver mais flexibilidade da parte do Sr. Presidente, na forma como organiza os trabalhos.
O Sr. Presidente: - Obrigado, Sr. Deputado António Filipe, registei a sua opinião.
Já dei a minha opinião, e penso que não vale a pena cada um dar a sua opinião. No entanto, se quiserem pedir a interrupção dos trabalhos, façam-no formalmente e a Comissão decide. Por mim, penso que os trabalhos devem continuar e, enquanto a Comissão não decidir diferentemente, continuarão.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, pretendo apresentar a minha proposta, no sentido de que se interrompam os trabalhos, pelo período mínimo de uma hora.
Vou pois apresentar a proposta: Atendendo a que está inscrito um número muito considerável de Deputados, a proposta que faço é a de que se faça a interrupção dos trabalhos pelo período mínimo de uma hora. Isto, até tendo em conta e em consideração o Depoente. Por outro lado, proponho que seja comunicado à Sr.ª Ministra da Justiça que se prevê que o depoimento da Sr.ª Ministra da Justiça vai ocorrer em período posterior às 15 horas.
O Sr. Presidente: - Vou colocar à votação da Comissão a primeira parte da proposta, pois a segunda é uma evidência. Não vale a pena lembrarem à mesa que deverá ter a cortesia de avisar os depoentes dos atrasos dos nossos trabalhos - isso, repito, é uma evidência.
Vamos então passar a votar a proposta de interrupção de trabalhos, conforme foi enunciada pelo Deputado Osvaldo Castro.
Submetida à votação, foi rejeitada com 11 votos contra (8 dos Deputados do PSD, Adriana de Aguiar, António Montalvão Machado, Eugénio Marinho, Gonçalo Capitão, Jorge Neto, Luís Campos Ferreira, Luís Marques Guedes, Luís Montenegro, e 3 de Deputados do CDS-PP - Miguel Paiva, Nuno Teixeira de Melo, Telmo Correia)9 votos a favor (5 dos Deputados do PS, Alberto Martins, Eduardo Cabrita, Jorge Lacão, Marques Júnior e Osvaldo Castro, dos Deputados do PCP, António Filipe e Odete Santos, do Deputado do BE, Francisco Louçã, e da Deputada de Os Verdes, Isabel Castro.
Vamos, pois, prosseguir os trabalhos e faremos nova apreciação mais adiante.
Tem a palavra Sr. Deputado Jorge Neto.
O Sr. Deputado Jorge Neto (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária,…
Protestos do PS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, pedia só que houvesse de facto colaboração e não boicote da vossa parte,
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até por respeito para com o Sr. Depoente que temos aqui, entre nós, hoje! Não estamos numa reunião fechada da Comissão, só entre nós, portanto penso que devemos dar alguma eficácia aos nossos trabalhos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Neto.
O Sr. Jorge Neto (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária, permita-me que, em primeiro lugar, o cumprimente e que registe e sublinhe desde logo a substância e o conteúdo do seu depoimento, no sentido de esclarecer a matéria e apurar a verdade dos factos que subjaze ao propósito e ao desiderato da constituição desta Comissão. Aliás, replicando a uma observação que fez no início, se fosse possível encerrar também num brocardo latino aquilo que o Sr. Director Nacional aqui veio declarar, atrever-me-ia a dizer que V. Ex.ª produziu um depoimento fortiter in re, fortiter in verbis, porque manteve sempre a elegância e a cortesia na palavra, mas não deixou de ser contundente, claro e incisivo relativamente à substância e ao conteúdo destas matérias.
Sr. Presidente, há algumas questões concretas que importa aqui dilucidar e é sobre elas que queria confrontá-lo.
A primeira, tem a ver com a demissão da Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado e sobretudo com esta contradição insanável para a qual ainda ninguém aqui, em bom rigor, perscrutou uma explicação plausível.
A Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado, de uma forma coerente, apresenta a demissão singela, no dia 27 de Agosto, com um fax dirigido da Junta de Turismo da Ericeira. Dois dias depois, de uma forma já pensada, reflectida e ponderada, reitera esse pedido de demissão e fundamenta exaustivamente com três pontos muito concretos: as razões de ser dessa demissão, quais sejam divergências na estratégia operacional quanto ao modelo organizado da Polícia Judiciária; uma refutação clara de toda e qualquer especulação sobre esta matéria, designadamente de natureza política; stupete gentes, um elogio a V. Ex.ª face à consideração pessoal e profissional que Vizela nutre por V. Ex.ª. Tão claro quanto isto e in claris fide interpretatio (a interpretação faz-se com clareza).
No dia 11 de Setembro, em audição na 1:ª Comissão, a Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado vem uma vez mais repristinar expressis ad apertis verbis aquilo que teria dito já no dia 29. Isto é, a razão fundamental da sua demissão prende-se, entronca-se, estriba-se exclusivamente em divergências de natureza operacional no que concerne ao modelo organizacional do Polícia Judiciária.
E vai mais longe porque, de uma forma preparada, estudada, reflectida, através de um documento escrito que patenteou nesta Comissão, explica sopesadamente as razões de ser dessa divergência operacional, designadamente as características do crime económico-financeiro, o seu carácter mutante transnacional e tudo o mais que, aliás, dou por reproduzido no texto da acta da 1.ª Comissão que, com certeza, os Srs. Deputados bem conhecem.
Para espanto de todos nós, a Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado, que se esperaria numa linha de continuidade relativamente à coerência anterior, repito, coerência essa manifestada ad nauseam em três momentos precisos (27 de Agosto, 29 de Agosto e 11 de Setembro) veio, aqui, a esta Comissão, ontem mesmo, apresentar uma versão diferenciada. Se existissem factos supervenientes que levassem a uma alteração superveniente das circunstâncias ou ao conhecimento de novos dados que infirmassem os pressupostos da sua demissão, seguramente, seria razoável e admissível que esta mutação acontecesse.
Porém, a Sr.ª Procuradora Geral Adjunta Dr.ª Maria José Morgado, quando interrogada sobre os factos concretos adicionais ou supervenientes que teriam determinado esta viragem de 180 graus na sua posição, nada acrescentou, vindo apenas dizer que existiam razões que tinham a ver com o quadro funcional, com a necessidade da reserva da Polícia Judiciária que a levaram, naquele momento, a produzir a demissão com aquela fundamentação, mas que, hoje, liberta desse "espartilho" ou desse constrangimento, estava à vontade para contar toda a história.
Ora, isto continua a não ter uma explicação plausível, porque, a ser verdade a tese da Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado, é óbvio que no momento em que produz e que apresenta o seu pedido de demissão podia, desde logo, ter fundamentado esse pedido de demissão com a tal discrepância existente decorrente de uma conversa telefónica tida com o Sr. Procurador e dizer de uma forma muito sucinta, mas muito clara, que para além da divergência da estratégia operacional teria havido um dissídio ou um desentendimento com o Director da Polícia Judiciária que levava à impossibilidade de continuar o seu trabalho.
Era possível dizer isto de uma forma hábil, de uma forma clara, mas de uma forma verdadeira, porque, de facto, o que se verifica é que a tese ou a versão que a da Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado apresentou hoje, aqui, nesta Comissão de Inquérito não corresponde à tese que está explanada, que está expendida, na carta de 29 de Agosto e na declaração que produziu na 1.ª Comissão, em 11 de Setembro, sendo certo até, se formos ter em consideração as regras de direito, nomeadamente as regras do direito civil, eu diria mesmo que esta nova versão da Dr.ª Maria José Morgado não pode ser atendida porque não só representa e aduz factos que são contrários aos factos inicialmente apresentados e que estão em contradição com os inicialmente apresentados, desde logo no tocante à consideração pessoal e profissional pelo Sr. Director da Polícia Judiciária.
Mas, mais do que isso, indiciam claramente uma divergência entre a vontade real e a vontade declarada porque, de facto, a vontade declarada no fax de 29 de Agosto não correspondia à vontade real da Sr.ª Procuradora, posto que hoje ela assume claramente que as razões determinantes da sua demissão não são qua tale aquelas que estão nesse fax, mas outras, nomeadamente uma pressão sofrida no sentido de se demitir decorrente de uma conversa telefónica tida com o Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária. Isto é claro como a água. Basta fazer o cotejo das declarações da dita carta da Sr.ª ex-Directora Nacional Adjunta, de 29 de Agosto, e as declarações produzidas na 1.ª Comissão ou mesmo as entrevistas produzidas aos jornais Expresso e Público para constatarmos manifestamente a existência de uma contradição insanável.
Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária, existirá alguma razão recôndita que possa conferir alguma plausibilidade a esta viragem substancial da posição da Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado? Haverá aqui alguma razão oculta, que não perpasse pelo espírito de nenhum dos presentes, que possa justificar, em boa verdade, esta viragem de posição relativamente à fundamentação da demissão da Sr.ª ex-Directora Nacional Adjunta da Polícia Judiciária, Dr.ª Maria José Morgado? É algo que importa apurar porque estamos aqui, como ela também disse, e bem, para apurar a verdade material e não apenas a verdade formal.
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Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária, a segunda questão reporta-se a esta última matéria que V. Ex.ª aqui abordou e que tem a ver com o processo da Moderna e com a constatação, a dado momento, da existência de alguns elementos da Polícia Judiciária, concretamente de DCICCEF, a fazerem o acompanhamento desse julgamento.
Analisei, de fio a pavio, a Lei Orgânica da Polícia Judiciária, fui também analisar e aprofundar a Lei da Organização da Investigação Criminal, que, aliás, em boa parte reproduz quase ipsis verbis alguns trechos da própria Lei Orgânica da Polícia Judiciária e, em todo em lado, enxerguei que não é possível a realização de uma actividade autónoma de natureza preventiva na investigação criminal por parte da Polícia Judiciária, salvo em algumas matérias em que essa competência específica está determinada, excepto se existir um despacho genérico do Ministério Público, salvo erro nos termos do artigo 274.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, ou por incumbência directa, por directriz, do Ministério Público, posto que a Polícia Judiciária é um órgão que coadjuva a autoridade judiciária, mas está sob dependência funcional da autoridade judiciária maxime do Ministério Público.
A questão fulcral que aqui se coloca - deixemo-nos de ademanes e de ditirambos e vamos directos ao cerne da questão - é saber se relativamente a esta questão do processo da Moderna e de Monsanto a presença daqueles elementos da Polícia Judiciária que o Sr. Director Nacional aqui confirmou, e a Dr.ª Maria José Morgado também reiterou na conversa que teve com ela, obedeceu a montante a um iter procedimental que tivesse dado cumprimento a um princípio basilar nesta matéria, que é o princípio da legalidade, e desde logo se tem a montante um despacho do Ministério Público, o tal despacho genérico nos termos do artigo 264.º, n.º 4, do Código Penal, ou de uma outra directriz, uma instrução do Ministério Público no sentido de esta presença se verificar, ou se a contrario, Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária, esta presença desses senhores agentes da Polícia Judiciária, desses operacionais, não tinha subjacente à sua presença qualquer legitimidade derivada ou oriunda da autoridade judiciária competente no caso do Ministério Público.
Esta é uma questão fulcral que importa apurar, porque caso se verifique que essa legitimidade não decorria de um despacho, de uma directriz, da tal dependência funcional do Ministério Público que decorre da Constituição, da Lei Orgânica da Polícia Judiciária, da Lei da Organização da Investigação Criminal estamos manifestamente confrontados perante uma ilegalidade e isso não pode, naturalmente, deixar de ser relevado numa comissão de inquérito parlamentar como esta que procura e pugna pelo apuramento da verdade.
A outra questão relacionada com este problema tem a ver com a testemunha que referiu e que foi nomeada por si, o Inspector Pica, e a sua presença no tribunal.
O artigo 123.º do Código de Processo Penal é o artigo que regula esta matéria, posto que se trata de uma irregularidade. É certo que em matéria de irregularidades, também como é sabido o limite do processo penal, elas têm uma latitude diversa e a sua apreciação dependerá in casu pela gravidade que se revista, eventualmente, a prática dessa irregularidade. Nalguns casos, poderá ser sanada até por via oficiosa, noutros, a verificar-se, poderá pôr em causa a realização das diligências e a própria validade dessas diligências.
Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária, relativamente a esta testemunha, V. Ex.ª confirma que a Dr.ª Maria José Morgado lhe reiterou que o Sr. Inspector Pica, na tal conversa que há pouco referiu, estava presente no tribunal e que era uma das pessoas a retirar do Tribunal do Monsanto? Relativamente à presença no tribunal, V. Ex.ª também pode confirmar que o Sr. Inspector Pica estava presente nas instalações do tribunal, independentemente de estar fisicamente, ou não, presente na audiência, porque o que aqui releva, e importa dizê-lo, é a imparcialidade e a isenção deste depoimento? Ora, se ele está presente nas instalações do tribunal e se por força disso adquire o conhecimento daquilo que se passa no decurso do processo, está desde logo inquinada de forma letal a tal imparcialidade e isenção que é exigível e que está na base da impossibilidade legal de uma testemunha intervir, fazer parte ou acompanhar o julgamento em que vai depor.
Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária, são estas as questões concretas que gostava que esclarecesse.
O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra ao Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária, tenho aqui um pedido de palavra do Sr. Deputado José Magalhães.
Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, estive na Conferência de Líderes, como o Sr. Presidente sabe, única razão pela qual fui privado da possibilidade de acompanhar os trabalhos directamente. Todavia, fui informado da rejeição - o que me surpreendeu muito - de uma proposta de reorientação dos trabalhos da Comissão em função daquilo que é a marcha visível dos mesmos.
Devo dizer que me penaliza muito e considero quase absurdo que uma comissão parlamentar de inquérito reuna a esta hora com os Srs. Deputados a comerem kit kat e bolachas, enquanto a testemunha é obrigada a depor em jejum, segundo calculo. Penso que é absurdo, não faz sentido! Não temos necessidade de o fazer, Sr. Presidente. Apelo ao seu bom senso para nos ler a lista de oradores que estão inscritos e ponderarmos como devemos recalendarizar os trabalhos, porque…
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Isso já foi votado!
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, propunha que nos lesse a lista porque considero profundamente contraproducente que os trabalhos continuem nestes termos. Recomeçaremos às 14 horas e 30 minutos ou às 15 horas, a um momento qualquer - e o Sr. Presidente tem todas as condições logísticas para proporcionar o que devemos proporcionar ao nosso convidado e evitarmos o prolongamento dos trabalhos nestas condições, sendo certo que não o faço só por esse motivo; é que, a seguir, teremos de inquirir a Sr.ª Ministra da Justiça.
Não sei se o Sr. Presidente propõe que a Comissão, nestas condições, inquira a Sr.ª Ministra da Justiça ou quem quer que seja!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, tal como referiu no início da sua intervenção, V. Ex.ª não se encontrava presente e, portanto, não assistiu a essa discussão. Há pouco, quando a questão foi colocada, houve uma deliberação da Comissão e eu próprio disse que reponderaria, um pouco mais à frente, o estado dos nossos trabalhos.
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Já agora, aproveito para esclarecer o seguinte: gostaria que houvesse pelo menos a possibilidade de todas as forças políticas fazerem uma primeira intervenção e, se houver colaboração de todas as partes, até às 14 horas e 30 minutos, conseguimos ter essa primeira ronda concluída e, nesse momento, ponderaremos a interrupção dos trabalhos, isto se for possível da parte do Dr. Adelino Salvado fazê-lo e continuar connosco após a interrupção do almoço.
Quanto às diligências junto da Sr.ª Ministra da Justiça, como calcula, elas estão asseguradas, Sr. Deputado.
O Sr. Dr. Adelino Salvado já me fez sinal que queria pronunciar-se sobre esta questão, e eu gostaria de o ouvir. Mas a minha intenção era tentar terminar esta primeira ronda de esclarecimentos e, uma vez concluída, interromperíamos os nossos trabalhos para podermos reprogramar o funcionamento desta audição.
Tem a palavra o Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Sr. Presidente, agradeço imenso a preocupação do Sr. Deputado José Magalhães quanto às razões de eu estar ou não sem almoçar. Fico muito grato, mas prefiro responder às perguntas porque, cada hora que aqui passo, não estou noutro lado a fazer outra coisa qualquer - para o que me pagam.
Portanto, estou disposto a estar aqui o tempo que for necessário, e de seguida se necessário - aliás, penso que também se fez o mesmo ontem. Não tenho, pois, nenhuma preocupação, já fiz muitos julgamentos assim, pela noite fora, tenho resistência física para isso.
Se me permitem, passaria agora às respostas.
O Sr. Presidente: - Sr. Director Nacional, agradeço a sua disponibilidade.
Assim sendo, mantenho que, entre as 14 horas e 30 minutos e as 15 horas, farei uma reapreciação e, se já tivermos terminado a primeira ronda de questões, seguramente proporei uma breve interrupção dos trabalhos.
O Sr. António Filipe (PCP): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Filipe, assim não vamos a lado nenhum! Os senhores querem interromper os trabalhos, a Comissão já se pronunciou em sentido contrário, mas os senhores insistem.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, é o contrário!
O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, queria apenas dizer que, depois do que o Sr. Director Nacional acaba de dizer, não vale a pena fazer reponderação alguma. Portanto, vamos em frente.
O Sr. Presidente: - Veremos, Sr. Deputado.
Sr. Director Nacional, agradecendo a sua disponibilidade, peço-lhe, então, para responder às questões que lhe foram colocadas pelo Sr. Deputado Jorge Neto.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Sr. Presidente, gostaria imenso de alertar VV. Ex.as, como disse logo na introdução - e, a partir de agora, vou-me ater ao que referi na introdução dos meus depoimentos em resposta ao Sr. Deputado que primeiro usou da palavra -, para o facto de entender que aqui se aplicam as regras do Processo Penal, de modo que entendo que às testemunhas não devem ser feitas perguntas sugestivas, impertinentes nem quaisquer outras que possam prejudicar a espontaneidade e a sinceridade das respostas. Isto para dizer que entendo que as perguntas devem ser feitas tal e qual como se fazem em qualquer tribunal, e muitos Deputados aqui presentes saberão que, em tribunal, não fariam as que aqui estão a formular e com esta sequência.
Independentemente disso, que é uma posição muito própria, gostaria de começar a responder às perguntas.
Perguntou-me o Sr. Deputado se existirá alguma razão oculta que justifique a viragem nos comportamentos da Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado. Se quer que lhe diga, entendo que sim. É o meu raciocínio, está a perguntar o juízo que faço e a resposta é sim. Ela é uma pessoa de acção e sente uma amargura profunda de deixar a ribalta e o palco mediático da vida vivida na investigação criminal. É a minha opinião.
Quanto ao processo da Moderna, continuo a entender que disse tudo o que tinha a dizer sobre ele. Obviamente, referi aqui que um aspecto da decisão que entendi tomar, e para a qual pedi a colaboração da Dr.ª Maria José Morgado, foi precisamente o respeito pelo princípio da legalidade. Foi o respeito pelo princípio da legalidade que me motivou: não podemos ter dois olhares sobre a realidade consoante ela está de um lado ou de outro.
Não vamos esquecer (e sinto este carinho todo agora, de repente, pela Polícia Judiciária) que na Polícia Judiciária tem de estar sempre muito bem presente a observância do princípio da legalidade e, na investigação, a linha é, muitas vezes, tão cinzenta que compete ao dirigente impor o respeito perfeito e absoluto pelo princípio da legalidade e pela garantia completa e exaustiva dos direitos e liberdades dos cidadãos, porque só assim é que a polícia é uma polícia de qualidade.
Quanto ao despacho que refere do Ministério Público, comungo da sua ideia. A presença de operacionais da Polícia Judiciária num ambiente de julgamento tem de caber ao presidente do colectivo, tem de ser do conhecimento dele; depois, pode ser primeira decisão, no terreno, do Ministério Público, mas nada se pode passar num tribunal, em pleno julgamento, sem que o presidente do colectivo tome uma posição.
Fui presidente do colectivo durante muitos anos e é ele quem dirige toda aquela orgânica e toda aquela estrutura que se passa no tribunal, e não o Ministério Público. Tudo o que se passa no tribunal (e o Ministério Público integra-se no tribunal em julgamento) cabe ao presidente do colectivo decidir. Foi assim que geri toda a minha vida - só se agora mudou a maneira de exercer a disciplina do julgamento!
Portanto, no caso concreto, a legitimidade de tudo o que se passou cabe ao colectivo de Monsanto. Se V. Ex.ª quiser mais esclarecimentos terá que, na minha modesta opinião, recorrer-se do Tribunal colectivo de Monsanto e da sua presidência, nomeadamente da Sr.ª Dr.ª Juíza que exerce as funções de presidência desse colectivo.
As testemunhas que indiquei e apurei que tiveram intervenção (e isso foi-me dito pela própria Dr.ª Maria José Morgado, na reunião que já referi há pouco) foram essas três, não foram faladas mais. Uma delas, dos intervenientes
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que teriam estado constantemente em Monsanto, é, realmente, uma testemunha. Não me apercebi de nenhuma outra.
De facto, depois na averiguação que fiz, como disse há pouco, referi que uma delas é testemunha arrolada pela acusação e o depoimento da mesma compete a todo o transe preservar para que possa ser apreciado na sua plenitude em tribunal, sem que haja a possibilidade de invocar irregularidade ou nulidade que afecte o acto do depoimento e, por isso, o acto do julgamento.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, deixe-me começar por registar, sobretudo por atenção para com o depoente, que não o pude ouvir durante algum tempo, porque estive numa reunião da Conferência de Líderes, na qual não podia deixar de estar presente, e lastimo ter perdido uma parte da sua intervenção, mas que, naturalmente, recuperarei através da leitura das actas desta sessão.
Também queria pedir ao Sr. Presidente que fizesse uma correcção no requerimento que lhe entreguei, que se refere à Prof.ª Lúcia Amaral, porque escrevi mal o nome.
Queria registar a esse respeito, para efeito da discussão seguinte, a interessante carta da Procuradora-Geral Adjunta, Dr.ª Cândida de Almeida, que nos foi entregue hoje pelo Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária - e que, aliás, ontem anunciou à comunicação social que nos faria chegar essa carta. Estava, desde hoje de manhã, quando soube disso pelos jornais, muito curioso sobre o conteúdo da carta. Penso que ela é muito interessante, e ainda bem que foi registada essa declaração, porque é a forma de obtermos mais esclarecimento sobre um testemunho indirecto relevante. Certamente, outros serão considerados a seu tempo quando tivermos de tomar deliberações a este respeito, ao mesmo título que acolhemos, registámos e interpretaremos esta informação que nos é dada pela Dr.ª Cândida de Almeida.
Posto isto, farei meramente um comentário geral, porque queria dirigir-lhe algumas questões concretas, para as quais agradeço resposta.
Foi utilizada recursivamente uma interpretação das declarações da Dr.ª Maria José Morgado no sentido de que ela teria apresentado várias versões. Aliás, agora mesmo, o Sr. Director Nacional, depois de ter sublinhado que não aceitará questões sugestivas, respondeu logo à questão de saber se haverá, ou não, uma razão oculta para esta "evolução" da Dr.ª Maria José Morgado. Não sou jurista, mas não conseguiria encontrar melhor exemplo académico para uma questão sugestiva, Sr. Director Nacional, do que este: à pergunta sobre se há ou não uma razão oculta, o Sr. Director responde que sim, sem que ficássemos a saber qual é essa razão oculta porque, a existir, ela deve ter corpo e conteúdo.
De qualquer modo, não lhe farei questões sugestivas deste tipo, registarei só que a Dr.ª Maria José Morgado se escusou a responder a qualquer questão de detalhe sobre a sua demissão, invocando o dever de segredo profissional e que, liberta desse dever de segredo pelo funcionamento desta Comissão de Inquérito, explicou o seu ponto de vista sobre a matéria.
Desse ponto de vista, creio que não pode registar-se nenhuma versão diferente senão a mesma coerência de posição e que, naturalmente, espero - com certeza, não poderia esperar outra coisa - que seja a mesma coerência que o Sr. Director Nacional adopta, porque é esse o comportamento que deve adoptar.
Comento ainda uma ideia do Deputado Jorge Neto (que suponho que terá ido almoçar), que deixou um registo fortíssimo no sentido de que a eventual presença de testemunhas no Tribunal de Monsanto inquinaria letalmente este processo - o julgamento, claro! Penso que este é o aspecto politicamente mais relevante e, com certeza, o Sr. Director terá alguma coisa a dizer, visto que esta é uma matéria de facto e de análise relevante.
Não percebo a estratégia da direita neste contexto, porque suponho que o Dr. Paulo Portas estará, neste momento, sob grande tensão para perceber por que razão se procura que o processo volte à estaca zero, coisa que seria, certamente, em prejuízo de toda a purificação política do ambiente, que só pode ser dado pelo esclarecimento completo, com a decisão final do tribunal. Esta estratégia de procurar insinuar que a Comissão de Inquérito leva à reapreciação completa do processo Moderna parece-me um dos actos de hara-kiri político mais espantoso que encontrei até hoje. E queria dizer-lho, Sr. Director, porque creio que é relevante em função do que disse até agora.
Dito isto, Sr. Director, tinha algumas perguntas bastante directas a dirigir-lhe.
A primeira é a seguinte: na intervenção que lhe ouvi agora, confirmou que telefonou, de facto, à Directora Adjunta Maria José Morgado na manhã do dia 27. Mas, se bem interpretei as suas palavras, esse telefonema terá sido exclusivamente sobre o caso dos combustíveis no Norte de Portugal, sobre uma investigação que estava em curso, e não terá tido nenhuma incidência sobre a reorganização global da Polícia Judiciária. Portanto, não lhe terá pedido que cessasse as suas funções. Foi neste sentido que interpretei as suas palavras, e peço-lhe que me confirme, ou acrescente o que entender para me confirmar se interpretei correctamente que o telefonema existiu, mas que não terá havido nesse telefonema um pedido de cessação de funções e, portanto, de apresentação da demissão de Maria José Morgado.
A segunda questão, Sr. Director Nacional, prende-se com o seguinte: no Público do dia 30 de Agosto é publicada, em fac simile, o fax da Dr.ª Maria José Morgado, com a anotação da Ministra de que tomou conhecimento. Esse fax terá sido entregue ao Público pelo seu gabinete? Queria saber se foi sob sua instrução ou, não tendo sido…
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Desculpe, não percebi.
O Sr. Francisco Louçã (BE): - O fax que foi reproduzido no Público terá sido, presumo eu, entregue pelo seu gabinete. Queria saber se foi por sua indicação ou, não tendo sido, se procedeu à competente investigação sobre a origem dessa fuga de informação.
Em terceiro lugar, confirmou-nos, mais uma vez - coisa que já tinha dito no seu depoimento em Setembro -, que não terá convidado o Dr. Pedro Cunha Lopes, em alguma circunstância, para o cargo de Director da DCICCEF. E, portanto, vou tomar essa reiteração como um facto deste depoimento.
Gostaria que nos dissesse, Sr. Director, se convidou, ou não, o Dr. Rui do Carmo, subdirector do Centro de Estudos Judiciários, para essa função ou se, em alguma circunstância,
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o consultou sobre a sua disponibilidade para esta função.
Em quarto lugar, entendi que tratou o aspecto da presença de agentes da Polícia Judiciária em Monsanto de várias formas, em momentos diferentes do seu depoimento, e queria perceber, realmente, o seu ponto de vista e a sua informação.
Percebi que teria tomado conhecimento da presença de vários agentes em circunstâncias diferentes e ouvi-o dizer, há pouco, que não confirmava, ou que não tinha conhecimento, se eles tinham estado, ou não, a assistir ao julgamento.
Queria, pois, que o Sr. Director fosse preciso sobre isto e nos dissesse se tem conhecimento ou não…
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o Sr. Director Nacional pergunta se relativamente a esta questão pode só precisar e depois o Sr. Deputado continuaria e terminaria as suas perguntas.
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Com certeza!
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Sr. Deputado, V. Ex.ª entrou na sala e apanhou um "comboio" em andamento pelo que não sabe o que se passou anteriormente e, provavelmente, não me ouviu responder à pergunta sobre se convidei mais alguém para a DCICEF e o que se tinha passado no Centro de Estudos Judiciários e as conversas que lá tive.
Vai perdoar-me, mas se vamos repetir tudo cada vez que entra um Sr. Deputado que vai lá fora e quando volta quer ouvir tudo, isto está gravado pelo que ficará na gravação e V. Ex.ª como começou - e muito bem - por dizer recuperará na leitura tudo o que se passou agora aqui.
Portanto, há pouco fez aqui uma afirmação que eu teria dito, mas não disse. O que eu referi é que não sei precisar, não recolhi essa informação se a pessoa em causa estava dentro da sala de julgamento isso é que não sei, o Presidente do colectivo dado que tem um tribunal provavelmente com gravação, a sala do Tribunal de Monsanto tem gravação e vídeo poderá dar essa indicação. Eu não estive lá, já não vou ao Tribunal de Monsanto há 10 anos, ou mais.
O Sr. Presidente: - Para continuar, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Director Nacional, foi exactamente isso que eu o ouvi dizer na intervenção anterior...
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Uma coisa é a sala outra coisa é o tribunal, a sala de audiências é uma parte do tribunal, a sala de audiências é o sítio onde está o colectivo, onde está a teia, onde estão os advogados…
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Fui muito preciso na intervenção, perguntei se tinha conhecimento se havia uma pessoa que estava a assistir ao julgamento…
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Pode assistir-se ao julgamento sem ser na sala.
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Muito bem, com certeza que sim, o que lhe perguntei foi se sabia ou não que havia uma pessoa a assistir ao julgamento e acabou de me confirmar aquilo que ouvi da sua boca, em contradição, pareceu-me, com uma intervenção posterior de que não tinha conhecimento disso.
Dito isto, continuo a insistir que além de me responder à questão sobre o dia 27, coisa que fará, certamente, a seguir, responder-me-á à segunda pergunta que lhe fiz sobre a divulgação do fax da Dr.ª Maria José Morgado, me responda também à terceira questão sobre se o Dr. Rui do Carmo foi ou não convidado. Sobre a quarta questão já deu esse esclarecimento agora.
Sobre a questão das escutas telefónicas, o Sr. Director Nacional quando depôs na 1.ª Comissão, entre outras coisas, fez a seguinte afirmação: "É que às vezes cada departamento de investigação tem as suas unidades de vigilância, ora isto não sendo coordenado, não havendo certeza da utilização dos meios hoje sofisticadíssimos da recolha desta nova prova leva a duas coisas gravíssimas: primeiro, não se sabe muito bem se se está a respeitar a lei, porque não há um responsável, uma estrutura coordenada, central, que domine toda esta matéria. V. Ex.ª pode estar a ser filmado, pode estar a ser escutado, pode estar a ser violado na sua liberdade individual, porque depois a responsabilidade está dispersa e tal aconteceu não se sabe como".
Bom, foi isto que nos afirmou nesta altura. Na parte em que não assisti, não me vou reportar a isso, mas soube que confirmou que a Dr.ª Inês Serra Lopes esteve nas instalações da Polícia Judiciária antes de ter escrito o seu artigo.
Assim, o que eu queria saber, Sr. Director, é que na sequência da sua afirmação sobre a descoordenação e a incerteza sobre a utilização de meios e a possibilidade de estar a ser filmado, escutado, ou violado na liberdade individual, surge um artigo num jornal O Independente, dirigido pela Dr.ª Inês Serra Lopes que alega que fontes do seu gabinete baseariam a informação publicada por esse jornal de que haveria ilegalidade.
A Direcção Nacional, alguns dias depois, cinco dias depois, publicou um comunicado com o qual, certamente, é solidário, se não é mesmo o redactor, infirmando estas afirmações, desmentindo O Independente.
Portanto, o que quero saber, Sr. Director Nacional, presumindo naturalmente que é boa a afirmação do comunicado da Direcção Nacional, é se tem conhecimento de que em algumas circunstâncias, na Polícia Judiciária, ou na DCICCEF, em particular, haveria razão para supor que alguém pudesse estar a ser filmado, estar a ser escutado ou a ser violado na sua liberdade individual com a responsabilidade dispersa em condições ilegais.
Ou seja, se há algum fundamento para esse artigo de O Independente, ou se pelo contrário, como o comunicado insistiu ele é uma fantasia e, portanto, não é verdadeiro. Parece-me que é importante saber-se isso, justamente em nome da fundamentação da credibilidade da Polícia Judiciária.
A minha quinta e última questão é sobre os processos a respeito dos gang nas finanças, o sistema tributário: tem-nos sido sublinhada a importância e a delicadeza desse processo…
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Estou a ouvir mal, Sr. Deputado.
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O Sr. Francisco Louçã (BE): - Tem-nos sido sublinhada a importância e a delicadeza desse processo.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Processos? Quais?
O Sr. Francisco Louçã (BE): - As finanças…
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - O ou os?
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Eu não sei se é um, se são vários.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - V. Ex.ª para fazer a perguntar tem de dizer se é o ou os.
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Não sei, não faço a mínima ideia…
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Não pode referir-se a nenhum processo determinado.
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Não, não me estou a referir a nenhum processo, não conheço nenhum processo, com certeza que não, nem poderia conhecer.
Agora foi-nos feito testemunho de haver investigações quanto a corrupção e crimes económicos na administração tributária, nas finanças, foi-nos sublinhada a delicadeza desse processo e, portanto, não foram feitas informações concretas sobre ele, mas foi sublinhada a importância que este processo teria, nomeadamente, com a colaboração de testemunhas e com a possibilidade, ou a necessidade, ou a utilidade de se desenvolver uma investigação de grande fôlego no combate à corrupção económica na administração tributária, de que algumas primeiras iniciativas, aliás públicas, já foram levadas a cabo.
Houve várias pessoas que foram inquiridas e algumas delas sujeitas a prisão preventiva e foi-nos dito que havia uma investigação de âmbito geral nesta matéria e que sobre ela havia divergências quanto à condução deste processo entre a então directora da DCICCEF e o Director Nacional da Polícia Judiciária, V. Ex.ª.
Assim, gostaria que nos comentasse, com a reserva natural sobre este processo, no que respeita à coordenação do combate à corrupção, o que é que este processo lhe indica sobre as estratégias operacionais e as estratégias que possam garantir êxito a um combate nesta matéria.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Director Nacional.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Sr. Deputado, V. Ex.ª começou por fazer um preâmbulo, quase pergunta e eu, a propósito da leitura da carta da Dr.ª Cândida de Almeida, permitia-me reafirmar, mais uma vez, que não sou político, não quero politizar, nem acho que deve ser politizada esta matéria desta inquirição; sou o Director Nacional da Polícia Judiciária, por enquanto, contrariamente à vontade de muita gente, e de raiz sou juiz onde voltarei com o máximo prazer.
O que está dito, disse, está gravado, como volto a dizer a gravação está aqui, a outra também já foi transcrita e publicada, pelo que V. Ex.ª analisará tudo o que quiser.
Quanto ao fax só admito isso, porque o Público é um jornal que não leio, mas não reparei que, de facto, quanto à circulação do fax houvesse essa diferença, mas posso justificar isso e posso averiguar isso no meu secretariado mais propriamente nas relações públicas.
Isto porque, quando o fax chegou, e está a falar do fax do pseudo-pedido de demissão que eu considero fim de comissão de serviço, veio dirigido, entra na máquina de fax e ninguém acreditou naquele fax. Esta foi a verdade!
Ninguém acreditou, porque a Dr.ª Maria José Morgado não costuma assinar daquela forma, costuma assinar só um M, o fax vem escrito com gralhas, a Dr.ª Maria José Morgado, enfim, ninguém presume que ela faria aquelas gralhas propositadamente, houve necessidade de mandar aquilo para as relações públicas para confirmar junto do expedidor do fax, como é que era a pessoa que lá tinha ido, pois podia ser aquilo que se chama na linguagem de algumas pessoas uma provocação.
Portanto, tivemos que averiguar da veracidade do fax pode ser que nessa altura, nessas diligências, se tenha tirado fotocopia do fax para melhor se averiguar e ficar o original cá em cima no sítio onde chegou.
Porém, isto pode averiguar-se internamente como foi, sei que demorou algum tempo a saber-se se aquilo era um documento fiável, se era uma brincadeira, ou se era uma provocação de alguém que tivesse mandado aquele papel...
Todos nós andamos aqui há muitos anos e um documento como aquele raramente o vemos em matéria de complexidade e de sensibilidade como é um pedido de fim de comissão de serviço. Da maneira como o fax foi escrito, nem se refere a mim, chama-me A. Salvado, que é um nome que eu às vezes utilizo quando pinto algumas coisas, nem refere a qualidade, nem nada...
Portanto, o documento, em si mesmo, não revela uma estrutura de pedido formal, correcto, no sentido do que estamos habituados a ver, pelo que houve necessidade de ir apurar por baixo se aquilo era correcto ou se era uma brincadeira ou se alguém se estava a meter com coisas sérias.
Quanto à questão do subdirector, ou seja que posição for, as minhas deslocações ao CEJ foram para averiguar junto das pessoas que lá estavam nomeadamente o Dr. Mário Mendes, que parece ser um grande amigo dele, pessoa que deposito muita confiança e pessoa que tem muita experiência da Polícia Judiciária, porque já lá esteve como Director Nacional e o Dr. Teodoro Jacinto que era director de estudos.
Enfim, o debate que lá houve sobre como é que deveria ser, ao fim e ao cabo, foi logo nos primórdios disto, já aqui me referi a isto, V. Ex.ª não estava cá, fará o favor de consultar o que eu já disse sobre esta matéria porque senão torno a repetir tudo e parece um disco partido.
Quanto às escutas telefónicas, há uma diferença e V. Ex.ª vai permitir-me que eu seja um bocadinho pedagógico sobre esta matéria: presumo que V. Ex.ª, Sr. Deputado, nunca tenha acompanhado uma investigação criminal em termos de polícia, não é? Nem do lado de dentro, nem do lado de fora. A verdade é que as vigilâncias, a forma de recolher o novo material de prova, esta nova forma de agir na recolha de prova é uma coisa diferente das escutas tradicionais clássicas.
A escuta tradicional clássica é uma coisa, o que se chama vigilância, alguns países chamam outros nomes e que nós preferimos chamar prevenção, porque vem do termo
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de lei orgânica, e o apoio tecnológico é outra questão. Podem fazer-se escutas com o material que não é o material da escuta clássica. Pode estar aqui sentado e pode estar ali um indivíduo a 300 metros, põe o microfone direccional para aqui e ouve o que estamos aqui a dizer. Isto é uma escuta, estamos a interferir numa conversa, agora não é uma escuta clássica, a escuta clássica é a intervenção nos circuitos telefónicos ou actualmente telemóveis. Penso que um pouco da sua questão passa por não distinguir uma coisa da outra.
Na última vez que cá estive estava a falar nestes novos meios de prova, não estava a falar nas escutas tradicionais. Aquele parágrafo que me leu, se reparar, refere-se não às escutas clássicas de intercepção telefónica, mas sim a estas novas formas de recolher a prova, esta nova maneira de intervir na apreensão da prova. Pode concordar com ela ou não, mas ela existe e vai desenvolver-se, porque esta é a nova tecnologia aplicada à recolha da prova e hoje tem um papel cada vez maior.
O que leu é relativo a isto, não tem que ver com as escutas clássicas em que se pede ao operador que faça a duplicação da chamada, mete-se no circuito e intervém assim na conversa telefónica. Há aqui uma distinção a fazer, há várias maneiras de fazer isto: a clássica e estes novos meios de entrar. Não posso responder mais do que isto. V. Ex.ª, se quiser saber mais do que isto, tem aquele departamento que vai ser criado, vai lá e vê como é que isto se faz.
E é aí que surgem os problemas, que podem surgir os problemas. É evidente que, se V. Ex.ª não estiver preocupado com os direitos humanos fundamentais… É gravado ou não é gravado, é filmado ou não é filmado, alguém mandou ou não mandou, alguém comete ou não comete um crime, V. Ex.ª não está preocupado, preocupa-se só com o objectivo e com a eficácia, eficácia, eficácia - eu já vi isto repetido não sei onde -, só se preocupa com esse aspecto. Então, pronto, deixa-se gravar, deixa-se filmar, não há controlo, não há um juiz que determina, não há um magistrado que manda. E V. Ex.ª está sossegado. É o que eu queria referir aí. Se houver controlo sobre essa matéria, obviamente que tem mais um responsável, tem um departamento, tem uma liderança e o material só é disponibilizado sob ordem… É difícil perceber.
Se V. Ex.ª quer mais esclarecimentos sobre esta matéria, fará o favor de se deslocar lá e averiguar, porque, senão, começo eu aqui a entrar em termos que eu até não domino muito bem. Como lhe digo, de investigação criminal, eu não sei. Portanto, quem sabe disso poderá explicar melhor do que eu.
Quanto às escutas telefónicas, não sei se lhe satisfaz o que eu disse. Agora, quanto a essa história de dizer… Eu também já expliquei aqui como é que foi essa história de O Independente, como é que diabo apareceu a notícia e os esforços que eu fiz para desmentir a notícia antes de ela ser publicada. Antes de ela ser publicada, fiz esses esforços, Sr. Deputado. Mas se V. Ex.ª não acreditar, falará com a pessoa, averiguará se isso se passou, se não se passou, faz essa indagação. Há pessoas da casa que sabem isso e o próprio dirigente sindical da principal organização, que ficou muito preocupado, soube disso, acompanhou, deslindou o caso. Se V. Ex.ª não sabe, fará essa averiguação por si. Eu estou a contar-lhe o que foi.
Obviamente que eu não tive qualquer interferência, e já há pouco referi que, se há uma fortíssima sensibilidade de toda a população portuguesa, é em relação a isto das escutas telefónicas. Portanto, eu tinha interesse em divulgar esta matéria com que objectivos, Sr. Deputado? Acha que eu sou incendiário? Queria pegar fogo à estrutura? Com que objectivo? O que ainda não conseguiu foi explicar o objectivo plausível. E, provavelmente, não vai acreditar no que eu lhe disse, porque, enfim, há pessoas que não acreditam nas outras por princípio, por prejuízo. Mas o que se passou foi assim, aliás já acabei de o dizer. Continua gravado.
Quanto ao comunicado ter saído cinco dias depois da notícia, o que me faltava é que cada vez que aparece uma notícia no jornal eu ter de fazer um comunicado. Penso que nem o partido que V. Ex.ª aqui representa assim procede, porque, senão, tem de ter alguém de prevenção aos comunicados, para emitir um comunicado assim que surja alguma notícia.
De qualquer maneira, fala-me em cinco dias, mas não creio que sejam cinco dias úteis. É uma questão de vermos na agenda como foi isso, mas não creio que sejam dias úteis, eu não demoro tanto tempo. Apesar de ter alguns problemas na gestão do meu tempo, não demoro tanto tempo a responder a uma coisas dessas. Não creio que fossem cinco dias úteis. Deve ter-se metido aqui um sábado, um domingo, uma sexta-feira à tarde. Não foram dias úteis.
Agora, na Lei Orgânica não existe qualquer prazo para responder a jornais que V. Ex.ª, se calhar, gosta de ler ou não gosta, mas que eu, de facto, não leio, por sistema.
O que há mais para dizer sobre a sua intervenção, tem a ver com o processo das finanças. Conheço muito mal como é que corre o processo, o processo já lá estava quando lá cheguei. Não há um, há vários! Trata-se de um combate de grande fôlego. Creio que o combate partiu… Um combate de grande fôlego. Do que me apercebi, e se quer a minha opinião, enfim, a opinião de uma pessoa que está um bocadinho mais próxima da realidade, houve uma entrada de rompante na Direcção-Geral de Contribuições e Impostos, houve uma prisão de 13 ou 14 pessoas, já não me lembro do número, foram sendo reduzidas e hoje o número está reduzido a três ou quatro. A investigação está quase a atingir o prazo máximo de detenção em prisão preventiva dessas pessoas. Provavelmente, isto não incomodará ninguém, mas a mim incomoda-me elas estarem presas até quase ao limiar do prazo máximo da prisão preventiva. A investigação…
Não conheço o processo, nunca o manuseei, nunca tive intervenção no processo. Agora, quer que comente estratégias operacionais sobre isto? Eu não sou uma pessoa de investigação criminal. Como profissional, digamos juiz, de conhecer como as coisas que se fazem, este processo ou os dois processos estão a preocupar-me pela morosidade em se chegar ao fim. Penso que deve estar iminente a abertura do processo, ou seja, o inquérito deve estar prestes a ser encerrado e prestes a haver acusação ou não, e, nessa altura, veremos, então, como é que correu a estratégia do processo. Porque os grandes êxitos ou não êxitos da investigação, a meu ver, aparecem à luz do dia quando se abre a instrução contraditória - perdão, estava a usar um termo antigo -, quando se abre a instrução e os advogados, as pessoas, vão ver o que é que aconteceu no período em que esteve tudo coberto pelo incomensurável manto do segredo do inquérito.
Portanto, não sei mais do que isto.
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O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Francisco Louçã, deseja…
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sim, Sr. Presidente, só se justificam dois pequenos comentários.
Sr. Director, em primeiro lugar, quero chamar-lhe a atenção para o facto de o fax que foi distribuído no Público não ser o fax recebido no dia 27. O fax recebido no dia 27 foi enviado por si, com uma carta dactilografada devidamente, para a Ministra da Justiça para tomada de conhecimento. A cópia dessa carta foi-nos fornecida pelos seus serviços. E, depois, há um despacho da Ministra, no próprio texto do fax, e é essa versão que aparece no jornal Público.
Portanto, não é a do próprio dia, não há qualquer razão para supor que houvesse uma atrapalhação, enfim, uma presunção até de que fosse um texto apócrifo ou qualquer coisa, trata-se de um texto certificado já por uma carta sua, que comunica à Ministra a cessação da comissão de serviço da Dr.ª Maria José Morgado, que obtém o respectivo despacho, e é esse texto, oficializado dessa forma, que aparece, depois, no jornal Público, o que é um bocadinho diferente daquilo que nos disse.
Presumo que, tendo escolhido não fazer mais comentários sobre o telefonema do dia 27 de manhã, que a minha interpretação das suas palavras estaria correcta e também que o que me diz sobre as visitas ao CES significa categoricamente que o Dr. Rui do Carmo não terá sido convidado.
Quero, no entanto, fazer dois comentários sobre o que diz.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - V. Ex.ª vai fazer comentários ou perguntas?
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Comentários!
Tenho conhecimento, Sr. Director, da diferença que há entre a escuta telefónica tradicional e outros meios electrónicos de escuta, mas sei, como o Sr. Director, certamente, também sabe, que uns e outros estão condicionados pelas mesmas normas legais e pela mesma precaução na defesa dos direitos fundamentais.
Fez-me uma referência pessoal, que vou relevar, porque creio que faz parte da pequena polémica, pouco importante, sobre a eficácia, eficácia e eficácia e sobre os direitos humanos fundamentais. Não é muito apropriado, Sr. Director. Eu, como muitas outras pessoas, sei o que são os direitos humanos fundamentais desde há muito tempo a esta parte. Aliás, devo lembrar-lhe que houve uma ditadura em Portugal e que o combate a favor dos direitos humanos fundamentais começou nessa altura e, portanto, houve quem quisesse e houve quem não quisesse tomar posição a respeito de direitos humanos fundamentais tanto nessa altura como hoje. Portanto, as coisas ficam assim.
De qualquer modo, há uma referência essencial sobre a questão de Monsanto que, nos vários esclarecimentos, fica clara: o Sr. Director não quis que houvesse qualquer apoio nas características que nos foram indicadas ontem. Foi-nos dito pela Sr.ª Directora que havia um funcionário encarregue de fazer apoio logístico ao Ministério Público e fica claro que foi tomada uma posição por si, no sentido de cessar qualquer tipo de acompanhamento de apoio logístico ou em qualquer categoria em que possa entrar no âmbito do prosseguimento do caso Moderna.
O Sr. Presidente: - O Sr. Director Nacional deseja intervir?
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Sr. Presidente, é apenas para dizer duas coisas.
Quanto ao fax, eu não estou a localizar como é que foi feito o fax do Público ou não Público. Há várias maneiras de fazer isso. Não estou a ver isso, vou averiguar. Não sei. Não estou a ver o fax, como é que o fax foi, como é que não foi. Isso não é feito por mim, é feito pelas relações públicas. É uma questão de indagar. Nem sei como é que estamos a atribuir certificado de credibilidade, se o fax que está no Público é, de facto, o fax que foi para o gabinete de imprensa. Não sei, mas isso é uma questão… Não faço ideia! Não houve da minha parte qualquer intervenção nessa matéria. Não houve qualquer intervenção nessa matéria, porque isso não passa por mim.
Quanto ao apoio logístico ao Ministério Público, já esclareci a propósito do que se passa em todo o tribunal que está em pleno julgamento. A disciplina, o que lá se passa dentro, é da competência do Presidente do Colectivo. Portanto, permita-me que remeta todas as suas preocupações para o Presidente do Colectivo que lá está em julgamento neste momento. Não é a mim que deve manifestar as suas preocupações, se é apoio ou não apoio, logístico ou não logístico, se o Presidente do Colectivo permite ou não permite que isto aconteça lá dentro. Isso é com ele.
Quanto à fiabilidade do depoimento da testemunha, já emiti a minha opinião aqui. V. Ex.ª fará também a repescagem do que aqui foi dito.
O Sr. Presidente: - Obrigado, Sr. Director Nacional.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Dr. Adelino Salvado, vou fazer cinco perguntas, para as quais gostaria de obter cinco respostas.
A primeira pergunta é a única que diz respeito ao Dr. Pedro Cunha Lopes. Nós temos uma cópia de um fax em nosso poder, que foi enviado pelo Embaixador João Salgueiro, Secretário-Geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros, ao Sr. Coordenador Superior de Investigação Victor Alexandre, com conhecimento ao Director Nacional da Polícia Judiciária, Meritíssimo Juiz de Direito Dr. Adelino Salvado. Portanto, como se verifica, não há qualquer referência ao Director Adjunto, concretamente ao Dr. Pedro Cunha Lopes, que era Director do DCCB. Não existe qualquer referência.
E o que comunica o Embaixador João Salgueiro é que "Na sequência de conversa telefónica que acabo de ter com o Director Nacional, Juiz Dr. Adelino Salvado, cabe-me reiterar, como Secretário-Geral deste Ministério, que formalmente participei à Polícia Judiciária, em 12 de Julho passado, o assunto que VV. Ex.as investigam…" - que é o desaparecimento, como sabemos, de passaportes - "… e relativamente à matéria e ao conteúdo dessa participação competirá ao Director-Geral dos Assuntos Consulares e das Comunidades Portuguesas, bem como aos serviços que dele directamente dependem, prestar a VV. Ex.as todos os esclarecimentos, revelações e colaboração, tendo em vista o bom desenrolar das investigações em curso".
Ou seja: o Embaixador João Salgueiro recusou-se a prestar declarações que tinham sido solicitadas pelo Director
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do DCCB e permite-se informar a Polícia Judiciária quem é que ele acha que deve ser ouvido. Dá conhecimento ao Director Nacional da Polícia Judiciária e invoca um telefonema ao Director Nacional da Polícia Judiciária.
Pergunto, Sr. Director Nacional, muito directamente, se acha que isto é aceitável e se considera que o Embaixador João Salgueiro está acima da lei e se se pode recusar a prestar um depoimento que lhe é solicitado pela Polícia Judiciária. Esta é a pergunta muito concreta que lhe faço.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Posso responder pergunta a pergunta, porque é mais simples?
O Sr. António Filipe (PCP): - O Sr. Presidente é que sabe. Por mim…
O Sr. Presidente: - Se o Sr. Deputado não se incomodar, eu por mim acho que é capaz de ser mais simples.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - É mais fácil para mim.
O Sr. António Filipe (PCP): - Não me importo nada!
O Sr. Presidente: - Então, o Sr. Director Nacional vai responder a esta primeira questão.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Sr. Deputado, expliquei isso na parte final do depoimento na última Comissão que V. Ex.ª, se calhar, não teve ocasião de ler. Expliquei isso de fio a pavio.
Requeiro encarecidamente que a Comissão requeira ao Ministério Público, ao DIAP - é o processo noventa e qualquer coisa de 1992 -, a certidão do processo integral, porque este tribunal está vigiado por sigilo bancário, digo, por sigilo profissional. V. Ex.ª pede, lê e vê se a informação que eu fiz não é a correcta. Eu não respeito qualquer embaixador, esteja ele onde estiver, mais do que um cavador, esteja ele onde estiver. Eu não atribuí nenhuma fidelidade, nem subverti. O que eu entendo por tratamento de um cidadão, qualquer que ele seja, é igual no caso do Embaixador João Salgueiro fosse ele o Embaixador João Salgueiro, fosse ele o jornaleiro João Salgueiro. No processo vê-se isso.
Para é que estamos a discutir isto, se V. Ex.ª, consultando o processo, analisam e vêem. Está lá! Contra factos materiais, documentos, não há argumentos. V. Ex.ª é advogado, sabe analisar um processo. Olha para ele vê quem é que tem razão nessa matéria.
O Sr. António Filipe (PCP): - Eu só quero saber se o Sr. Director Nacional assume que… Naturalmente reconhece este fax e, portanto, só lhe pergunto se concorda com a posição manifestada pelo Embaixador João Salgueiro?
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Eu concordo é com a posição que eu referi na comissão em que cá estive. As últimas cinco páginas foram a descrição que eu entendi exaustiva. Eu não sou responsável pelo Sr. Embaixador Salgueiro, nem quero saber se ele assina bem, se manda faxes bonitos ou feios.
Quero dizer que a posição que tomei foi a que está vertida, está no processo. Se V.Ex.ª considerou normal o que está no processo, que terá ocasião de compulsar, o problema é seu, é o seu juízo como elemento desta Comissão. Agora, não venha pedir-me comentários sobre o fax de não sei quem, Salgueiro ou não. Como lhe digo, da minha parte - e a Comissão verificá-lo-á -, não houve subversão do princípio constitucional da igualdade de todo o cidadão perante a lei. Não houve. V. Ex.ª fará o favor de consultar o processo e verá.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Filipe, faça favor de continuar.
O Sr. António Filipe (PCP): - Registo que o esclarecimento não foi dado, mas verei.
Passo à segunda questão, já relativamente à Dr.ª Maria José Morgado.
Esta questão é abreviada porque o Sr. Dr. já confirmou que, de facto, houve o telefonema da sua parte para casa da Dr.ª Maria José Morgado, entre as 10 horas e as 10 horas e 30 minutos do dia 27 de Agosto. Creio que, implicitamente, confirmou, porque disse-nos há pouco que a matéria versada nesse telefonema foi sobre o processo das gasolineiras. Acontece que, nesse mesmo dia, a Dr.ª Maria José Morgado dirige-se ao posto de turismo da Ericeira e envia o seu pedido de demissão.
O Sr. Dr. disse-nos há pouco que, nesse telefonema, não a convidou a demitir-se, ela disse-nos que sim. Portanto, não sairemos deste impasse durante esta reunião e teremos de recorrer a pessoas que, por exemplo, tenham assistido a esse telefonema. Seguramente, há diligências que a Comissão poderá fazer a esse respeito.
Creio que a questão é a de confirmar que esse telefonema existiu de facto. O Sr. Dr. já o confirmou e, nesse caso, passo à terceira pergunta, registando apenas que, estando a Dr.ª Maria José Morgado de férias, recebeu esse telefonema e, no mesmo dia, apresentou a sua demissão, tendo dito aqui que era a autora material desse pedido de demissão mas que era V. Ex.ª o autor moral.
Passo à terceira questão.
O Sr. Dr. contactou ou não pessoas para substituir a Dr.ª Maria José Morgado? Foi aqui citado o caso do Dr. Rui do Carmo, mas não percebi muito bem se o Sr. Dr. confirmou ou infirmou tê-lo convidado e gostaria que fosse claro a esse respeito, dizendo, designadamente, se terá ou não contactado o Sr. Procurador-Geral da República no sentido de poder ser encontrada outra colocação para a Dr.ª Maria José Morgado.
Uma questão que foi referida na 1.ª Comissão e que o Sr. Dr. negou foi a de que a Sr.ª Ministra teria uma opinião desfavorável quanto à manutenção da Dr.ª Maria José Morgado à frente da DCICCEF. Nessa reunião da 1.ª Comissão, o Sr. Desembargador disse-nos que essa é uma questão de reserva de intimidade, tendo afirmado que "eu não sei se a Sr.ª Ministra pensa isso".
O que nos foi dito aqui é que muita gente sabia, por si, que a Sr.ª Ministra pensava isso. Foi-nos dito que, no Tribunal da Relação, toda a gente o sabia e que terá dito, designadamente ao Dr. Luís Bonina, que a Sr.ª Ministra não queria a Dr.ª Maria José Morgado à frente da DCICCEF. Assim, pergunto-lhe directamente se disse ou não isto ao Dr. Luís Bonina.
A quarta questão relaciona-se com o julgamento do caso Moderna.
Quando cá esteve na 1.ª Comissão, o Sr. Dr. disse-nos também que nada sabia acerca dessa matéria, mas
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disse-nos que "pode fazer a pergunta por baixo, por cima, pelo lado, por onde quiser, a minha resposta é: não tenho, não tive, na Polícia Judiciária, nenhuma intervenção no caso Moderna". Entretanto, já sabemos que se sabia que…
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Isso é uma pergunta que não se pode fazer!
"Caso Moderna" e "julgamento em Monsanto" não são a mesma coisa, Sr. Deputado!
O Sr. António Filipe (PCP): - Poderá esclarecer daqui a pouco.
Vou concluir.
Sabia, pois, que o Inspector Gonçalves Pica era testemunha no processo. Isso, pelo menos, sabia.
Faço-lhe esta pergunta, e gostaria que fosse claro, porque não percebi como é que as coisas se processaram exactamente.
É que o Sr. Desembargador disse-nos que soube, num determinado dia, que havia lá alguém do DCICCEF porque houve uma ocorrência que envolveu uma intervenção de alguém da Polícia Judiciária presente no local e que seria da DCICCEF - se percebi mal, por favor corrija-me. Disse-nos, ainda, que quis saber o que se passava e que determinou que não devia estar lá presente ninguém da DCICCEF. Portanto, disse-nos que soube dessa maneira. Mas, depois, também nos disse que, por informações que tinha, sabia que havia lá outras pessoas da DCICCEF…
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Não disse nada disso!
O Sr. António Filipe (PCP): - Portanto, gostaria que clarificasse porque não percebi…
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Sr. Presidente, já estou a ficar irritado.
Eu disse o que disse e está gravado. Não digo mais do que disse, nem uma palavra mais do que disse da outra vez.
Quanto às suas perguntas iniciais, sobre as primeiras: "não", "não", "não"!
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, peço desculpa…!
O Sr. Presidente: - Sr. Director Nacional,…
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Estou sempre repetir a mesma coisa! Está gravado, está dito! O Sr. Deputado não estava cá quando houve essa conversa!
O Sr. Presidente: - Sr. Director Nacional, peço a sua colaboração. Depois de o Sr. Deputado ter terminado, dar-lhe-ei a palavra a si e o Sr. Director Nacional responderá como entender.
Sr. Deputado, faça favor de concluir.
O Sr. António Filipe (PCP): - Pergunto, muito concretamente, porque não percebi, como é que o Sr. Director Nacional soube que havia alguém da DCICCEF a acompanhar o julgamento em Monsanto. Como é que soube? Por quem? E relativamente a quem?
É que o Sr. Dr. disse-nos que o que importava salvaguardar era que nenhuma testemunha estivesse presente durante o julgamento, por razões que, evidentemente, todos compreendemos. Depois, disse-nos que a única pessoa que sabe que é testemunha é o Inspector Gonçalves Pica. Disse-nos não saber se o Inspector Gonçalves Pica tinha estado ou não presente. Então, pergunto: se não sabe, o que é que o fez actuar e o que é o fez dar orientações expressas para que ninguém da Polícia Judiciária pudesse acompanhar o julgamento de Monsanto? Isto não está esclarecido e pedia-lhe que esclarecesse cabalmente esta questão.
Passo à última questão.
O Sr. Director Nacional disse-nos que soube que ia sair uma notícia em O Independente relativamente a escutas ilegais na Polícia Judiciária.
Não sei se é muito abusivo da nossa parte perguntar-lhe como é que soube, o Sr. Dr. avaliá-lo-á, mas o jornal cita fontes próximas do Director Nacional - creio que é a formulação utilizada pela jornalista. O Sr. Dr. soube disto antes de a notícia ser publicada e informou-nos que convidou a jornalista para ir lá ver como eram as coisas, mas, de facto, a notícia saiu à mesma. Depois, apesar de ter sabido antes de a notícia ser publicada, demorou muito tempo - convenhamos! - para fazer o respectivo desmentido. Portanto, gostaria que nos esclarecesse a esse respeito.
Já nos disse que tomou conhecimento da presença lá da Dr.ª Inês Serra Lopes. Ficámos a saber em que circunstâncias é que isso foi, mas, posteriormente, saíram novas notícias no mesmo jornal relativamente a escutas ilegais.
Portanto, a pergunta que lhe faço é no sentido de saber se o Sr. Dr. não se preocupa com esse tipo de notícias, que, pelos vistos, são falsas, segundo nos garantiu o comunicado da Direcção Nacional, e se já pensou averiguar que "fontes próximas" serão essas que estão na praça pública a denegrir a imagem da Polícia Judiciária numa questão tão sensível.
O Sr. Presidente: - Sr. Director Nacional, tem a palavra.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Sr. Deputado, quero tornar a dizer - e peço humildemente que ouçam - que aqui estão em vigor regras do Código de Processo Penal. V. Ex.ª nunca ouviu, em nenhum tribunal, nenhum juiz fazer uma pergunta dessas a uma testemunha, como V. Ex.ª fez. Nenhum tribunal a faria, nenhum advogado permitiria que fosse feita. O artigo 138.º do Processo Penal impede que se faça uma pergunta dessas a qualquer cidadão que esteja presente a tribunal.
Aqui, não posso ser tratado abaixo do limiar com que qualquer tribunal trata qualquer testemunha, qualquer arguido. V. Ex.ª tem suficiente experiência de tribunal para nunca ter visto perguntas desse género serem feitas em tribunal.
Isto fica gravado, ficará gravado e ficará perpetuado e V. Ex.ª há-de mostrar isto a qualquer profissional. Esse encadeamento de perguntas não se faz, de acordo com as regras do Processo Penal. Não se faz. Nunca viu fazer essas perguntas em nenhum tribunal, nem nenhum juiz permitiria que fizesse a uma testemunha esse encadeado de afirmações, suspeições, pergunta, afirmação, pergunta.
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À testemunha não se faz perguntas assim, faz-se perguntas directas, não se faz perguntas sugestivas, nem cavilosas, nem ardilosas, faz-se uma pergunta para a pessoa perceber e responder espontaneamente.
Isto ficará gravado e V.Ex.ª ficará confrontado com isto em acta.
Esta é a minha posição e tenho de manifestá-la aqui como juiz, primeiro que tudo. É que Director Nacional da Polícia Judiciária sou-o de uma forma muito muito esporádica e, espero, pelo tempo de uma comissão de serviço, mas isso não se faz. A uma pessoa que está a ser inquirida em qualquer lado não se faz uma pergunta com esse encadeamento, faz-se uma pergunta indirecta, uma pergunta séria, honesta, limpa, sem cavilas, sem ardil; faz-se a pergunta indirecta, não se enrola em sugestões e afirmações, faz-se a pergunta sobre o facto.
É por isso que, há pouco, me permiti exaltar-me um bocadinho, porque começou a repescar daqui e dacolá, uma pergunta pelo meio, mais um repescar, mais outra pergunta… Não é assim que se faz uma pergunta em tribunal. Ora, estamos aqui nos termos do artigo 138.º do Código de Processo Penal e é ao abrigo deste que se fazem as perguntas e não dessa forma que tem feito.
Aliás, até agora, não vi nenhum outro interveniente fazer as perguntas dessa forma - põe um facto, põe uma suspeição, põe uma afirmação, depois uma transcrição, fazem-se vinte perguntas no meio de um texto… É assim que se trabalha em tribunal? Por amor de Deus, não é!
Isto leva-me a dizer, quanto às primeiras perguntas que fez, que já as tinha aqui respondidas e a resposta é "não", "não", "não".
Perguntou-me se contactei pessoas para substituir e também já respondi que não. A única ocasião que, provavelmente, gerou essa má compreensão do Dr. Rui Carmo - e, se quiserem, ouçam-no e também o Dr. Francisco Jacinto, o Dr. Mário Mendes, porque isso passou-se tudo na mesma altura…
Quanto à notícia de O Independente, mas que diabo…! Que conversa é essa de dizer que, num jornal deste tipo, que fecha a redacção praticamente à última da hora pois estão sempre à espera da última notícia, não se sabe, antes do meio-dia, qual é a notícia que vai aparecer na capa de O Independente? Então, V. Ex.ª tem pouca experiência… Permita-me que lhe diga que, na polícia, temos possibilidade de saber o que é que vai sair em alguns jornais. Diz que isso é estranho, como se fosse uma coisa do outro mundo saber-se, com umas horas de antecedência, no próprio dia em que vai encerrar um semanário, qual vai ser o tema de capa!? Então, não sabe que, nomeadamente em alguns semanários de muito mais importância do que esse, há pessoas que intervêm à última hora e encaixam uma notícia? Realmente, quanto a essa matéria, não estou aqui para desvendar o âmbito de conhecimentos que é possível obter nas redacções dos jornais.
Quanto ao que afirmei sobre a notícia de O Independente, tem a Dr.ª Inês Serra Lopes, tem o Eng.º Leitão, tem a minha própria preocupação manifestada junto de toda a gente que imediatamente ficou alarmadíssima com isso, nomeadamente em matéria de associação sindical… Para que estamos agora a fazer outra vez este "embrulho", este cozinhado, este "requentado", a fazer outra vez um puzzle? Para quê? É um exercício de desestabilização da pessoa que está a ser ouvida? Há um princípio de averiguar a verdade dos factos. É essa a preocupação.
Uma pessoa está aqui a ser interrogada como se fosse um arguido, já prestou suficientes declarações sobre a matéria. Volta a repisar para quê? Para ver se ele se descai, se diz o que não disse? Há pouco, disse que era "branco", agora, está à espera que diga que é "cinzento-escuro"? É assim o comportamento em tribunal? Ou uma pessoa não tem a plena liberdade de, perante uma pergunta, dar a resposta e, a partir daí, dizer que mantém a resposta a essa pergunta? Se é assim que são os tribunais hoje, sinceramente, não sei que país será Portugal. Queira Deus que não seja assim que se faz a interpretação ao artigo 138.º do Código de Processo Penal.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Filipe, tem a palavra.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, queria dizer, em primeiro lugar, que o Sr. Director Nacional está rotundamente enganado porque não sou advogado. Sou licenciado em Direito, Mestre em Ciência Política e nunca advoguei.
Não estou aqui como advogado, tal como V. Ex.ª não está aqui como juiz. V. Ex.ª está a depor numa comissão de inquérito que se rege pelo Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares e que aplica subsidiariamente o Código de Processo Penal…
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, vou-me embora porque acho…
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Filipe, faça favor.
O Sr. António Filipe (PCP): - Já agora, Sr. Dr. Juiz Adelino Salvado, gostaria de dizer também que a metodologia utilizada pelos perguntantes foi aquela que foi acordada por esta Comissão e está aqui o Sr. Presidente para velar pelo bom andamento dos trabalhos. Se o Sr. Presidente não me repreendeu relativamente à forma que utilizei, não é admissível que seja o Sr. Desembargador a fazê-lo.
O Sr. Presidente é que está aqui para repreender pela forma eventualmente incorrecta como os Deputados se dirigem. Se o Sr. Presidente não o fez, não é admissível que seja o senhor a fazê-lo! E não o fez porque, segundo entendo, não tinha nenhuma razão para o fazer!
Devo dizer-lhe que, embora não tenha experiência de tribunais, tenho alguma de inquéritos parlamentares e é a primeira vez que vejo um depoente dirigir-se assim a um Deputado num inquérito parlamentar, pondo inclusivamente em causa a sua honestidade nas perguntas que faz.
Como disse, isto está a ser gravado e ainda bem, para que não apenas fique registado o que o senhor disse mas também o que eu agora acabo de mencionar.
Registo que lhe fiz perguntas muito concretas e devo dizer que, de facto, não nos explicou - e repiso apenas esta questão, embora tenha havido outras lacunas na sua resposta, que foi, aliás, um resposta para justificar a ausência dela em relação a várias questões concretas - como é que, relativamente ao julgamento do processo Moderna, não sabendo sequer quem é que tinha estado no julgamento, se permite proibir qualquer elemento da Polícia Judiciária, mesmo que a pedido do Ministério Público, como nos
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foi dito que frequentemente acontece e terá acontecido neste caso. Qual é o fundamento dessa decisão e o que é que a motivou? Não nos explicou isso e só nos disse que sabia que o Inspector Gonçalves Pica, e apenas ele, era testemunha no processo e tomou essa decisão sem sequer saber se ele alguma vez lá tinha estado presente ou se tinha assistido fosse ao que fosse.
O Sr. Presidente: - Em seguida, vou dar a palavra à Sr.ª Deputada Isabel Castro, porque o Sr. Deputado, agora, não fez nenhuma pergunta mas um breve comentário às respostas do Sr. Director Nacional. Depois de a Sr. Deputada Isabel Castro ter formulado as suas perguntas e obtido as respostas, terminamos uma primeira ronda e eu iria fazer uma interrupção dos trabalhos por meia hora, para possamos descansar um pouco e comer qualquer coisa, retomando-os logo em seguida com a ordem de inscrições que já temos.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, deixe-me dizer um brocardo: a praxis é o grande critério da verdade!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, gostaria de dizer ao Sr. Dr. Adelino Salvado e julgo que é importante porque falou longamente da questão antes de responder às perguntas formuladas pelos Deputados desta Comissão de Inquérito, que, para nós, a sua presença é clara e o seu depoimento tem a ver com uma responsabilidade que a Assembleia da República tem, de controlar e fiscalizar os actos do Governo e da Administração.
Portanto, é nessa dupla responsabilidade, que foi assumida com o mandato que temos, que se entende a presença de cada um de nós e que julgo que o Sr. Dr. tem de entender a sua presença nesta Comissão.
Em segundo lugar, gostaria de lhe dizer que a minha formação não é na área do direito. Mas, mesmo que fosse, não é nessa qualidade que estamos a falar e também lhe devo dizer que me parece que, para que se alcancem os objectivos que temos fixados para nós próprios, é importante que se responda com clareza e objectividade e que se tenha presente o dever de colaboração e de cooperação.
Muito francamente, devo dizer-lhe - e isso, provavelmente, tem a ver com o meu temperamento, e ele acaba por moldar muitas coisas - que me parece que aquilo que referiu há pouco destoa um pouco do tom que até agora imprimiu e não me parece a melhor forma de responder a esta Comissão.
Assim, espero que aquilo que disse no início, ou seja, que lida mal com a imprensa, não seja também indício de que lida mal com os Deputados. Estará o Sr. Dr. cansado, mas outros também o estão, e esta foi a metodologia aceite; o Sr. Dr. aceitou também que os trabalhos se fizessem com esta dureza e deste modo, sem uma interrupção até agora. Portanto, digamos que esta foi a regra do jogo livremente aceite e julgo que todos temos de lidar com as consequências que isso implica.
Dito isto, há um conjunto de dados muito significativos que o seu testemunho trouxe. Enfim, há aspectos laterais que ficámos a saber pela sua intervenção e pelas suas respostas anteriores, designadamente o facto de ser uma pessoa que não costuma ler jornais, e referiu isso a propósito de duas notícias publicadas, uma no Público, sobre uma determinada matéria, num determinado dia, e outra no Independente. De qualquer modo, devo dizer-lhe que esse facto não impossibilitou que, no dia em aqui está, fizesse chegar a um jornal matéria que tem directamente a ver com o objecto desta Comissão e, portanto, esse facto nós registamos, como registamos a declaração que nos fez chegar, aliás, um documento que me parece extremamente interessante, da Dr.ª Maria Cândida Almeida.
Mas gostaria de tentar fazer uma retrospectiva e recapitular algumas das coisas, só para ver se o meu pensamento está correcto e se interpretei correctamente as suas declarações, até porque, como compreende, a metodologia que utilizámos não foi a de "pergunta-resposta", o que porventura facilitaria ter sido mais claro, mais preciso, mais sintético e mais objectivo e facilitaria que todos tivéssemos as coisas mais arrumadas.
Porém, decorre do seu testemunho que, quando teve conhecimento de um mandado internacional de captura de um cidadão indiano suspeito de envolvimento numa actividade terrorista, optou por não lhe dar sequência imediata e explicou a leitura que fez do texto constitucional e a razão pela qual nesse momento entendeu desse modo. Presumo que saiba, e gostaria que o confirmasse, ou não, que o mesmo texto constitucional tem soluções alternativas nesse plano, nomeadamente a possibilidade de o cidadão em causa poder ser julgado em território nacional.
Esta é uma primeira pergunta, embora seja uma pergunta lateral, mas já que referiu a razão pela qual optou por não fazer determinada coisa, gostaria de saber se confirma que não desconhece o outro aspecto.
O Sr. Dr. já confirmou não ter alguma vez equacionado - contrariamente a um testemunho que ontem tinha sido feito -, com o Dr. Cunha Lopes, a possibilidade da substituição da Dr.ª Maria José Morgado, e acrescentou agora não ter equacionado essa possibilidade de substituição não só em relação ao Dr. Pedro Cunha Lopes, no início, mas também não o ter feito posteriormente em relação a uma das outras pessoas que aqui foi mencionada, o Dr. Rui do Carmo.
Confirmou o Sr. Dr. que , em 27 de Agosto, pela manhã e porventura coincidindo com o depoimento de ontem, fez um contacto telefónico com a Dr.ª Maria José Morgado - em todo o caso, não exactamente nos termos que nos tinham sido relatados, naquele dia preciso. Portanto, sendo certo que, de acordo com esse testemunho, não foi nesse dia que terá dito "vou mudar isto tudo de alto a baixo (...) - referindo-se, naturalmente à PJ - (...) isto vai levar uma volta... a Sr.ª Dr.ª não concorda comigo (...)"e não tendo sido esse o conteúdo da conversa dessa manhã de Agosto, de acordo com o seu testemunho, pergunto-lhe se se recorda de um outro momento em que uma outra conversa com este teor tenha acontecido.
Outra questão que, de algum modo, eu gostaria de ver clarificada tem a ver com a história de a jornalista directora do Independente ter visitado a Polícia Judiciária. Gostaria que o Sr. Dr. pudesse precisar - porventura não hoje mas, então, que nos fizesse chegar essa informação - qual a via por que soube que uma determinada notícia que tinha a ver com as escutas iria ser publicada
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e se tem possibilidade de se recordar em que dia é que essa informação lhe chegou, em que data é que a jornalista terá feito a visita que nos relatou às instalações da PJ e ainda em que data é que o seu desmentido terá sido feito.
Estas três informações são, para nós, importantes.
Outro aspecto que eu gostaria de ver clarificado, que é porventura uma pergunta de "algibeira" feita por quem não tem a formação de muitos dos Srs. Deputados que estão nesta Comissão, é o seguinte: para mim, há uma dúvida, que provavelmente muitos cidadãos que também não têm formação nesta área terão igualmente, porque o Sr. Dr. deu a explicação que a "policialização" dos julgamentos e concretamente a presença de uma testemunha é negativa. Isso, eu entendo, mas confesso que, estando de fora e sendo suposto que o objectivo nestas coisas é como é que se combate eficazmente a criminalidade, ou, no sentido mais lato, como é que a justiça tem algum sentido nestas coisas, acho verdadeiramente estranho por que é que não se considera útil - ou, então, estou eu a interpretar mal - que a PJ, por exemplo, acompanhe determinados julgamentos, para que, pela sua observação, possa eventualmente identificar aspectos que são relevantes, transmitindo-os ao Ministério Público, no sentido de reorientar ou aprofundar determinados aspectos que quem está de fora observando pode colocar.
Portanto, isto não significa que há interferência, no sentido em que não se retira ao Ministério Público o papel que ele tem e que é só seu, mas, confesso que, estando de fora, me causa alguma perplexidade ou estranheza por que é que isto não é benéfico, por que é que isto, que já foi feito noutras situações e noutros processos, não é útil nos grandes processos, pelo menos, naqueles que são mais complicados.
Portanto, isto não tem propriamente que ver com o processo em concreto que alguns colegas abordaram, que é o processo da Moderna, mas, estando de fora, parecer-me-ia a mim, que nos grandes processos era uma mais-valia interessante e importante e, portanto, gostaria de entender qual é o seu pensamento sobre isto.
Último aspecto: no seu primeiro depoimento, de algum modo, foi aflorada, um pouco a propósito, dos contactos ou não com o poder político uma coisa para mim bizarra, mas que, enfim, os Sr. Doutor explicou, de um telefonema que lhe teria sido feito pela Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças a propósito da percepção que na PJ existia, ou não, sobre o incremento de uma actividade ilícita no tocante a matéria tributária e o Sr. Doutor explicou, aliás, com grande simplicidade, do seu ponto de vista, parecendo-me a mim que achava naturalíssima a forma como o contacto tinha sido feito e o que é que sobre a matéria entendeu dizer.
A minha pergunta é a seguinte: se sim ou não com este informalismo ou dirá o Sr. Director com a maior das normalidades, outros contactos deste tipo, ou de outro tipo foram feitos directamente por outros membros do Governo com o Director Nacional da Polícia Judiciária.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Director Nacional.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Não sei se apanhei as perguntas todas, penso que a maior parte da apresentação de V. Ex.ª foi primeiro uma admoestação à minha interpretação inicial, deixe-me dizer-lhe, no entanto, e vai-me perdoar que, de facto, o objecto delimita o campo de apreciação do inquérito e o objecto é tal e qual como foi definido actos da responsabilidade do Governo. Se a Comissão entendesse4 podia pôr outros actos, mas não pôs.
Portanto, quanto à questão da matéria, talvez não por ordem, vou dizer duas ou três coisas para explicar à Sr.ª Deputada a presença de agentes num julgamento. Ora, isto não faz sentido, estão lá para fazer o quê? Os julgamentos, hoje, são todos gravados. Eu entendo que o julgamento não gravado sofre uma irregularidade irreparável, os julgamentos são todos gravados, são todos transcritos obrigatoriamente a não ser que as partes prescindam disso, não sei se VV. Ex.as sabem disso, mas a pessoa que vai lá para ouvir tem a gravação a final.
Quanto à presença de funcionários da Polícia Judiciária em julgamentos, eles têm muito mais que fazer, ou há alguém que pede a sua comparência, quer seja o presidente do colectivo, o presidente do tribunal, ou mesmo o Ministério Público, ou então, de facto, tem de haver alguma coisa que justifique a presença de um polícia em julgamento a não ser que esteja no seu tempo de folga e vai para lá e assiste às audiências de discussão e julgamento.
Como lhe digo, em princípio, eu como Director Nacional da Polícia Judiciária gosto bem pouco da ideia de ter polícias da Judiciária espalhados nas audiências de discussão e julgamento, porque me parece que não é aí que se recolhe prioritariamente a prova.
Pelo contrário, o julgamento é um ponto de referência, é um espaço de liberdade onde a presença do polícia só por si, pode não o incomodar a si, a mim, e a não ser que haja uma justificação plausível, provoca-me algum problema, mas isso, se calhar, é uma sensibilidade doentia.
Sobre se havia contactos com outros membros do Governo não me recordo de contactos com outros membros do Governo, especificamente, talvez com gabinetes de outros membros do Governo, agora eu sou contactável por qualquer pessoa. Ainda há dias fui contactado pelo Director do Hospital Miguel Bombarda, e por outras personalidades importantes, e, eventualmente, se V. Ex.ª quiser, dou-lhe o telefone, porque eu sou contactável por qualquer pessoa, não tenho filtro de chamadas a não ser para umas pessoas um bocadinho perturbadas que telefonam para lá a contar histórias completamente malucas.
Quando ao utilizar a expressão "vou mudar tudo de alto a baixo" não me recordo de utilizar essa expressão, provavelmente um belo dia na minha vida devo ter pronunciado expressões destas, não sei como, mas agora, no caso concreto, não coloco nenhuma expressão destas "vou mudar tudo de alto a baixo. Aliás, quero dizer que não mudei nada de alto a baixo, no caso concreto da Direcção de Combate ao Crime Económico a não ser a corrupção o que é que eu mudei de alto a baixo em estrutural?
É uma questão que gostava de perceber, o que é que eu mudei? O que é que lá mudou? Pelo contrário, pus lá mais gente, o que é que lá mudou dentro? Qual foi a estrutura? Qual é o medo? Houve uma atenuação do crime económico, mas o que é que lá mudou? Em termos estruturais, em termos orgânicos, em termos funcionais, em termos do número de pessoas, em termos do número de viaturas, em termos de meios, o que é que lá mudou? Houve uma derrocada do edifício? Só se foi agora, porque na
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verdade não mudou lá nada, a não ser em termos funcionais, claro.
Portanto, não me recordo de ter utilizado a expressão "mudar tudo de alto a baixo", posso tê-la utilizado em qualquer lado, até podem dizer que eu um belo dia disse "vou mudar tudo de alto a baixo", mas não me recordo.
Quanto à questão de O Independente passou-se exactamente tudo no mesmo dia, no próprio dia, não sei se é quinta-feira ou sexta-feira que sai O Independente, mas foi nesse próprio dia de manhã que me informaram que a capa iria ter esse título. Acha isto tão plausível? Aquela coisa de O Independente das escutas, não sei se foi o Sr. Deputado que fez a pergunta, que queria esclarecer quando é que isso aconteceu, quando é que eu soube e eu respondo-lhe que no próprio dia. Aquilo vai para a impressão e no próprio dia da impressão…Bom, a Dr.ª Serra Lopes fará o favor de explicar melhor do que eu, mas o jornal é fechado no dia anterior, portanto há um prazo limite. Foi no dia de fechar a capa, fechar o jornal, fechar a impressão, não sei como se chama tecnicamente que eu soube. Isso é fácil de saber, não sei qual é o problema.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, fiquei com a ideia que o Sr. Doutor tinha dito que queria impedir que saísse a notícia, não é?
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Ia sair essa notícia bombástica na capa.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Portanto, o Sr. Doutor verdadeiramente queria impedir sendo que já sabia que não o iria conseguir, porque se foi no último dia já a edição estaria fechada. Daí que a minha pergunta é no sentido de saber se a Inês Serra Lopes esteve na PJ nessa sexta-feira.
A Sr. Dr. Adelino Salvado: - Não é sexta-feira, é no dia anterior, no dia de fechar a impressão do jornal.
Esteve, esteve, eu já disse que si. Eu telefonei para ela, insisti para ela lá ir, tive uma reunião no meu gabinete, entra no elevador, sobe ao 4.º andar e entra no gabinete, portanto não foi visitar, não visitou coisíssima nenhuma.
Repare, há tanta gente ali pelos corredores que se eu estivesse a fazer uma afirmação falsa amanhã vinha já alguém dizer, "visitou, porque ele andou por ali, correu, foi ao 4.º andar, foi ao 5.º andar", repito, não visitou coisíssima nenhuma. Subiu no elevador até ao 4.º andar, entrou no gabinete e eu apresentei-lhe o Eng.º Leitão e falaram os dois, o Eng.º Leitão é testemunha disto, depois disso a minha secretária, ou sei lá quem foi, conduziu-a delicadamente ao rés do chão e à saída. Portanto, não houve visita guiada a lado nenhum.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, conforme combinámos, vou interromper a sessão por 30 minutos retomamos os trabalhos às 15 horas e 45 minutos. Peço aos Srs. Deputados, nomeadamente aos que estão inscritos, para não fazerem esperar o Sr. Director Nacional.
A ordem de inscrições é a seguinte: Srs. Deputados António Montalvão Machado, Jorge Lacão, Marques Júnior, Luís Montenegro, Eduardo Cabrita, Odete Santos e José Magalhães.
Está interrompida a sessão.
Eram 15 horas e 15 minutos.
Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 16 horas e 15 minutos.
Srs. Deputados, peço-vos que tentem tecer menos comentários e colocar mais questões concretas, tentem ser o mais breves possíveis. Dou, desde já, a palavra ao Sr. Deputado António Montalvão Machado.
O Sr. António Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Desembargador, apresento-lhe os meus cumprimentos e apesar do apelo que o Sr. Presidente fez vou fazer um brevíssimo comentário e depois colocar-lhe três ou quatro perguntas muito directas.
Quanto ao comentário, deixe-me dizer-lhe Sr. Desembargador - permita-me tratá-lo assim - que V. Ex.ª, de quando em vez, alude à sua longa experiência de 30 anos de magistrado, pelo que deixe-me fazer um apelo aos meus mais de 25 anos como advogado.
O que V. Ex.ª hoje aqui deu foi prova como se deve fazer um depoimento, como se deve prestar um depoimento competente, um depoimento sensato, um depoimento determinado, mas, sobretudo, um depoimento coerente. Isto porque, entre a intervenção de V. Ex.ª, hoje, e a intervenção que fez no âmbito dos trabalhos da 1.ª Comissão não houve um pequeníssimo desvio ao teor da sua intervenção.
Esta é a primeira Comissão Parlamentar de Inquérito em que intervenho e procurarei estar nesta Comissão despido de vestes partidárias, e se eu tivesse que ser juiz, hoje, o meu juízo decisório caminhava para determinado rumo, entre a coerência do depoimento que V. Ex.ª hoje fez e a incoerência de alguns depoimentos que também ouvimos no âmbito desta Comissão.
Deixe-me, por isso, Srs. Desembargador, colocar-lhe a seguinte questão: o Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes, entre outras coisas, disse, muito exactamente, que a sua atitude como Director Nacional da Polícia Judiciária, a sua até conduta, a certa altura, passou a ser, os adjectivos são do próprio, "estranha", depois passou a "insólita" e, finalmente, chegou a aludir à expressão "sinistra", embora fosse dizendo que jamais ouviríamos aqui uma palavra que fosse de mal, em relação a V. Ex.ª.
Foi dizendo isso, mas foi dizendo aquilo que eu tinha dito antes. Até acrescentou mais, disse que para V. Ex.ª, uma situação hoje era assim, mas no dia seguinte já não era assim, era "assado", V. Ex.ª dizia hoje uma coisa, amanhã já não dizia e mais: que as reuniões que o Sr. Director Nacional marcava eram para temas quase "risíveis", pelo menos era a forma como ele se exprimia, por exemplo para discutir as matrículas dos automóveis e que o assunto que mais preocupava o Sr. Director Nacional era, afinal de contas, o novo prédio da Polícia Judiciária.
A primeira pergunta muito directa Sr. Desembargador é esta: no tempo em que esteve em funções o Sr. Pedro Cunha Lopes, tirando, naturalmente, o tempo em que continuou
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a exercer funções como juiz em Setúbal, as férias a viagem a Las Palmas, admito que não tenha sobrado muito, mas o tempo que sobrou, houve ou não reuniões de efectivo trabalho, de organização, de estruturação e, portanto, trabalho competente e sólido como se pretende que tenha havido, como suponho que tenha havido, mas V. Ex.ª responderá,
Segunda questão: também o Sr. Dr. Pedro da Cunha Lopes referiu - e este ponto parece-me importante, já aqui foi aludido, mas, se calhar, não com este ponto que vou referir - que não foram poucas as vezes que lhe foi dito para afastar a Sr.ª Dr.ª Maria Alice e mais, que ela e o seu grupo, o seu grupo, aqui ficámos um pouco sem saber o que era, admito que de pessoas, evidentemente, tinham de ser afastados.
Ora, ficou aqui um pouco a pairar no ar, ontem, de que essas instruções teriam sido dadas pelo Sr. Director Nacional. Portanto coloco-lhe esta pergunta muito exacta de saber se, de facto, confirma isto ou não.
Uma terceira questão que queria colocar-lhe é a seguinte: não vou referir aqui, porque já foi hoje referido, sobre a, para mim, espantosa justificação, ontem, dada pela Dr.ª Maria José Morgado sobre a sua demissão, porque já hoje, repito, aqui foi dito pelo Sr. Deputado Jorge Neto que ela tinha tomado duas posições incoerente, aliás, eu corroboro inteiramente e, aliás, não foram duas, foram muito mais que duas.
Primeiro, começou por declarar por escrito, numa carta, aliás, muito amável dirigida ao Director Nacional porque razão saía, explicando que nada havia de político, nada havia a não ser uma diversidade de opiniões acerca da estratégia, até orgânica da própria Polícia Judiciária, depois acrescentou uma entrevista muito oportuna que publicou que colocava a hipótese "acha que a sua saída vai pôr em causa a eficácia?", respondeu, "de maneira nenhuma, as pessoas são as mesmas", aliás ontem viu-se.
Depois disso deixa ficar na penumbra das suas afirmações que afinal terá saído por pressão e finalmente ontem, já disse que se demitiu porque foi o Sr. Director Nacional que lhe pediu que o fizesse. Mas esta é já uma terceira ou quarta versão desta Sr.ª Directora Adjunta. E hoje, no meu entender, V. Ex.ª fez muitíssimo bem, a quem anda nos tribunais há mais de 25 anos, a todos nós, que vamos decidir, em relembrar a força probatória da carta que V. Ex.ª que enviou. É que os documentos - uma vez, num processo, um juiz disse-me até que "palavras leva-as o vento" - ficam. Mas há documentos e documentos, entre eles os chamados documentos contemporâneos dos factos, que é o caso. É que os documentos, como sabemos, têm uma força probatória grande, têm uma força pública institucionalizada muito grande, probatória, maxime os documentos que são contemporâneos dos factos.
Portanto, isso foi imprescindível, porque às vezes podemos, eu e os colegas, não atentar em toda a prova que consta do processo. Assim, Sr. Doutor, pergunto-lhe: depois da demissão da Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado, depois da carta que ela enviou, o Sr. Director Nacional voltou a falar com ela? Em caso afirmativo, gostaria que me dissesse quais os temas que abordaram e em caso negativo dir-me-á, pois, singelamente, "não".
Finalmente - pode parecer que não tem importância, mas para mim tem, pode parecer uma minudência, mas também pode não ser -, como é que o Sr. Director Nacional tratava o Dr. Cunha Lopes quando se lhe dirigia? Pelo nome próprio? Pelo nome de família? Antecedendo um e outro, por Doutor?
Este ponto parece-me também importante. Aliás, estas perguntas são todas muito exactas, como entendo que o devem ser as feitas ao longo desta Comissão.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Director Nacional.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Sr. Deputado, a verdade é que eu não fazia ideia alguma desses qualificativos, os de a atitude ser estranha, insólita ou sinistra. Eu trabalho todos os dias na Directoria Nacional da Polícia Judiciária e não tenho a ideia de que, hoje, as pessoas me considerem nem um estranho - talvez o tivessem considerado nos primeiros dias - nem insólito e muito menos sinistro. A verdade é que não se pode estar ali com esses qualificativos, porque a Polícia Judiciária, como já tive a ocasião de explicar, no topo da decisão funciona como um órgão colectivo, porque uma só pessoa não consegue apreender-se de toda a problemática. Os problemas sucedem-se quase numa cadência de minuto a minuto e, portanto, se eu tivesse estas características necessariamente já tinha sido defenestrado. Porque era intolerável, naquele lugar, haver alguém com essas características.
Quanto à incoerência de decisão, penso que o ser humano não é sempre coerente, tem hesitações, pensa de uma maneira e depois corrige. Agora, em termos de decisão de estrutura, de condução, o Director Nacional da Polícia Judiciária não é um investigador - não pode ser -, é um homem que - e já o disse também aqui - tenta coordenar vontades e fazer com que a estrutura siga um determinado rumo. Portanto, se houver incoerências elas são notadas e ele perde a autoridade muito rapidamente; ou então fecha-se no gabinete, senta-se e faz outras coisas, mas dirigir aquela estrutura é que ele não fará.
Como é evidente, nunca convoquei reuniões para discutir temas quase risíveis, porque mesmo o tema da matrícula dos automóveis não o é, já que passa por saber se é possível ou se não é possível, em termos práticos, nos campos da vigilância, das atitudes de actuação e de um cenário de execução, pedir, em tempo útil, a alteração de matrícula do veículo, para que este não fique completamente inoperável num determinada actuação. Isto não é nada risível, porque disso depende muitas vezes a vida de quem vai a conduzir o carro.
Também não é nada risível qualquer um dos temas que fundamentaram as reuniões do órgão de coordenação, que, como já disse, era o órgão principal da Polícia Judiciária. E elas eram tão importantes que a própria lei orgânica as admitiu com uma periodicidade semestral. Desde que lá estou - e estou lá desde fins de Maio - este órgão já reuniu três vezes e vai reunir outra vez este fim de mês. Isto ocorre porque esse órgão congrega todas as pessoas que têm a responsabilidade máxima nos vários departamentos da Polícia Judiciária, a nível de Director Nacional Adjunto. E a este órgão muitas vezes é chamado outras pessoas, como aconteceu da última vez, quando esteve lá um representante da principal organização sindical que queria expor três preocupações de operacionalidade, essenciais, segundo a versão dele, para a sua massa associativa.
Essas reuniões tiveram lugar no dia 5 e 6 de Julho de 2002 e houve uma outra, com amplitude restrita à Área
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Metropolitana de Lisboa, mas ao mesmo nível de chefias, para lidar com uma questão muito importante da Polícia Judiciária, que já expliquei aqui e que já foi atacada - se bem que ainda lá esteja uma inspecção-geral do Ministério, que ainda se debate com este problema - e que é a fiabilidade das ajudas de custo e dos pagamentos das prevenções.
Trata-se de uma matéria que se foi complicando ao longo do tempo e que hoje é muito difícil, embora tentemos agora, com a informatização disto tudo, de automóveis, de tempos de acções, de inquéritos, etc. que haja critérios de razoabilidade e fiabilidade e que as pessoas não sejam tentadas, por causa de uma coisinha de nada, porque são muito mal pagas, a cometer ilegalidades.
Portanto, todas as reuniões realizadas durante o tempo que o Dr. Juiz Pedro Cunha Lopes permaneceu na Polícia Judiciária tiveram as suas agendas recheadas de problemas práticos e essenciais e, nomeadamente, logo as duas primeiras, do problema essencial da Polícia Judiciária, que não é outro, a meu ver, senão o de pô-los trabalhar em conjunto. E isso é difícil de fazer! Mas a operação de ontem revelou que isso é difícil mas é possível de fazer.
Sr. Deputado, a Direcção Central de Investigação da Corrupção e da Criminalidade Económica e Financeira tem actualmente 109 funcionários de investigação - eram 107, mas foram colocados lá mais dois - e não é possível colocar lá mais pessoal porque não há. Como já disse, não se abre um concurso desde 1997. Ora, 107 pessoas na investigação não conseguem realizar uma operação desta envergadura. Houve, naturalmente, que recorrer a toda a estrutura da Polícia Judiciária, exceptuando as de Faro e Porto. Todas as outras tiveram de dispensar homens, meios, automóveis e equipamento para realizar a operação que ontem teve lugar.
Nestas reuniões de coordenação, obviamente só alguém que não faz ideia do que é uma polícia pode pôr em causa o seu significado e a preocupação que há em que os directores nacionais, que se sentem todos pares, ou seja, que se sentem todos no mesmo pé de igualdade, colaborem e fiquem subordinados, numa determinada operação, a um centro de decisão. Ora, este tem sido um caminho muito difícil!
Portanto, a polícia das polícias, das "capelinhas", dos interesses instalados nos diversos departamentos, é muito difícil de ir mitigando. Só com um trabalho consistente, contínuo, quase no sentido de reforçar a este nível de chefia as relações de amizade, de cooperação e de sentido único, é possível avançar.
Portanto, é absurdo, e permitam-me até considerar inqualificável, dizer que os temas são risíveis, quando são os temas centrais da polícia o que se discute nestas reuniões de coordenação, onde estão os directores nacionais do Porto, de Faro, de Lisboa, enfim, toda a chefia. Aquilo é, realmente, uma espécie de conselho de administração global e como nada dali é risível obviamente não faz sentido qualificá-lo com esse adjectivo.
Foi-me ainda perguntado se houve reuniões de trabalho. Sr. Deputado, houve estas e houve mais outras três, com menor significado, e em todas elas esteve presente o Dr. Juiz Cunha Lopes, porque, obviamente, é enviado um fax, com grande antecedência, a convocar a reunião e é enviado um outro com a agenda de trabalhos. Depois há a presença física - são muitas pessoas - e é também feita uma acta das presenças e, naturalmente, eu não ia inventar com a presença dele lá. Aliás, achei curioso, quando estive a ler com algum pormenor as declarações por ele feitas da outra vez, o facto de ter dito que na última reunião, a dos ajustes das prevenções, nem sabia para o que ia. Isso, de facto, revela um pouco a personalidade em causa ou, no caso concreto, a sua falta de informação.
Quanto à subdirectora, Dr.ª Maria Alice, eu já expliquei que as minha relações com a Dr.ª Maria Alice eram as de uma grande consideração pessoal, porque ela foi talvez a primeira mulher que se impôs, no campo da investigação no terreno, na Polícia Judiciária.
Como sabem, as mulheres, em quantidade, começaram a intervir nestas estruturas policiais há relativamente muito pouco tenho. Havia uma capitis deminuti sobre o trabalho de investigação das mulheres e a Dr.ª Maria Alice impôs-se por mérito próprio, acompanhou investigações que fizeram história na Polícia Judiciária. Aí, sim, é risível ouvir alguém afirmar que eu tenho uma má opinião da Dr.ª Maria Alice, pessoa que, aliás, está hoje comigo na direcção nacional e em vias de ocupar um lugar de chefia muito importante na Área Metropolitana de Lisboa.
Ora, naturalmente eu não iria dizer a um jovem recém entrado numa estrutura dessas para fazer o que fosse de maligno à Dr.ª Maria Alice. Além do mais não podia fazê-lo, porque a nomeação para o lugar de subdirector é de proposta do Director Nacional à tutela política, neste caso à Sr.ª Ministra. e de sua decisão.
Portanto, como é evidente, o director nacional adjunto não tem competência funcional para demitir, afastar ou para fazer o que ele queira chamar-lhe.
Estamos, também aqui, a falar em comissão de serviço. Os lugares de chefia da Polícia Judiciária são todos exercidos em comissão de serviço e, portanto, a proposta é do director nacional e não do director nacional adjunto, mas a decisão não é do director nacional é, sim, da tutela política. Assim, como é óbvio, não posso pedir a alguém que faça uma coisa que ele nem sequer pode fazer. É absurdo dizer uma coisa dessas!
Quanto ao grupo da Dr.ª Maria Alice, ele é a DCCB em bloco. Esteve lá aquele tempo todo e se tivesse de afastar o grupo da Dr.ª Maria Alice o prédio ficava vago e, possivelmente, a Direcção-Geral do Património tomava conta dele.
A verdade é que não houve conversa alguma desse género. Da DCCB apenas saiu, por uma questão de marcar bem a presença num ponto importante do território nacional, o arquipélago da Madeira, um coordenador superior, para ali chefiar os serviços e elevar a qualidade de representação da Polícia Judiciária naquela região autónoma.
Quanto á eficácia da Polícia Judiciária após a saída da Dr.ª Maria José Morgado, permiti-me apresentar ao Sr. Presidente o que foi feito nos últimos dois meses, mas posso apresentar mais elementos. Eu já disse, e fi-lo logo na primeira intervenção, que a Polícia Judiciária não sofre hecatombes, não sofre sequer de qualquer estremeção quando sai uma pessoa do topo da chefia, porque aqueles 2600 homens e mulheres estão lá, fazem lá a sua vida, a polícia é a deles e até encaram, muito provavelmente, a chefia máxima como um corpo estranho. Demoram muito tempo a adaptarem-se a ela e às vezes adoptam-na e fazem-no por 16 anos, como fizeram com Dr. Orlando Romano.
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Mas, na verdade, a eficácia não é prejudicada. Se eu tiver um ataque cardíaco, amanhã a Polícia Judiciária continua operativa. Não é propriamente o caso do piloto da caravela em que o piloto morria e a caravela naufragava. Isso não é verdade! Todas as pessoas o saberão. Se insistirem nas figuras de homens ou mulheres providenciais, é uma opção. Mas, isso não acontece na realidade. Não houve perda nenhuma de eficácia.
Quanto à pressão, já aqui falei dela várias vezes na pressão que fiz, ou não, sobre a Dr.ª Maria José Morgado. Reportei logo todos esses antecedentes, nomeadamente documentais e intervenções da Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado…
É notável como é que agora aparece a ideia de que eu a pressionei e sobretudo que de ela se deixe pressionar, que é uma coisa espectacular. É a primeira que ouvi, e tenho ouvido muita referência à Dr.ª Maria José Morgado, ao longo da minha vida, nos tribunais, porque ela entrou bastante depois de mim, mas, apesar de tudo, afirmou-se como uma pessoa de algumas particularidades de personalidade, que alguém a conseguiu pressionar.
Então, sinceramente, devo ser a única pessoa neste mundo que até hoje o conseguiu fazer, porque, na verdade, ela é uma pessoa bastante firme nas suas convicções e inabalável e, portanto, nem por isso eu sequer a podia pressionar.
Como disse V. Ex.ª, e muito bem, o documento, que aqui já referi três ou quatro vezes, é um documento contemporâneo, do dia seguinte, nem sequer é um documento provocado por qualquer emoção súbita ou por qualquer decisão precipitada. É um documento pensado. Foi elaborado no sítio de trabalho, conforme se vê do fax da DCICCEF em que foi emitido. É um documento de que gostei, é um documento digno, que apreciei bastante e até me permiti (e vão me perdoar que o tenha feito) conservá-lo em meu poder, até isto ter atingido este volume inqualificável. Não era minha intenção divulgá-lo, da primeira vez que aqui vim senti um certo pudor em apresentar o documento e só o fiz porque é documento que considero até, se me permite dizer, ser dirigido a mim mesmo e que sensibilizou bastante. Esse documento é contemporâneo e, para mim, marca a posição da Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado, tal e qual eu a quero recordar.
Depois da demissão da Dr.ª Maria José Morgado - como lhe querem chamar demissão insiste-se no termo demissão, mas para mim continua a ser pedido de termo de comissão de serviço, que penso ser o correcto para mim, e se me permitem, para a lei -, de facto, creio que não voltei a encontrá-la, porque entretanto ela foi para o Tribunal da Relação de Lisboa onde estava.
Anteriormente a esta história toda eu tinha contactos com ela, mas a verdade é que só voltei ao Tribunal da Relação há dias porque faleceu o marido de uma funcionária da minha secção, em relação à qual tenho imensa estima pela qualidade de trabalho. Fui lá, mas não encontrei a Dr.ª Maria José Morgado, por alguma coincidência, mas não tenho problema nenhum, não tenho relações esfriadas ou de inimizade com ela.
No que diz respeito a saber como é que eu tratava Dr. Cunha Lopes, não sei se tem algum significado, mas trato as pessoas que me estão próximas pelo primeiro nome, assim como gosto que me tratem pelo meu nome. Assim, no caso concreto, tratava o Dr. Pedro Cunha Lopes por Pedro.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, quero corresponder ao seu apelo relativamente à pertinência da intervenção feita, mas permita-me que faça uma primeira observação.
Entendo que numa comissão de inquérito não estão em causa as chamadas rondas pelos grupos parlamentares em função da origem partidária dos Deputados, mas, sim, os Deputados perante a sua própria consciência, visando aclarar aquilo que julgarem ser pertinente fazê-lo e é nessa exacta condição que desejo colocar-me perante o Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária.
Começo por dizer o seguinte: tenho - suponho que aliás todos temos - inteira consideração, respeito e admiração pelos anos de juiz do Sr. Desembargador e respeito inteiramente a extraordinária imagem positiva que, nessa condição, todos reconhecemos ao Sr. Desembargador.
Permito-me referir que, neste momento, não me estou a dirigir ao Sr. Desembargador, embora obviamente não esteja minimamente em causa o título. Estou a dirigir-me ao Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária na condição de um alto responsável da administração e estou a relacionar-me com ele na minha condição de Deputado, que, quero sublinhá-lo, também respeito muito, justamente pelo princípio democrático de respeito pela vontade dos cidadãos eleitores.
Portanto, creio que nesta base, certamente estaremos aqui ambos com a consciência de estar a prestar um serviço público, eu procurando encontrar uma verdade que me esclareça e o Sr. Director Nacional certamente cooperando para a podermos encontrar.
Sr. Director, a primeira questão reporta-se ao objecto do inquérito, tal como já aqui o colocou. Trata-se de apurar actos de responsabilidade relativamente ao Governo nesta área. Ora, esses actos repercutem-se inevitavelmente no modo de exercício funcional das competências da Polícia Judiciária, porque, como sabemos bem pelos termos da própria Lei Orgânica da Polícia Judiciária, ela é uma organização na dependência hierárquica do Ministério da Justiça. E, portanto, a relação funcional dessa dependência hierárquica entre a Sr.ª Ministra da Justiça e a Polícia Judiciária é assegurada, em primeiro grau, pelo Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária - estou a referir-me ao que é reportado no artigo 1.º da Lei Orgânica da Judiciária é assegurada, em primeiro grau, pelo Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária.
Ora, sendo assim, a primeira questão que gostaria de clarificar é a seguinte: julgo tê-lo ouvido já dizer - e assim não foi seguramente corrigir-me-á - que, do seu ponto de vista, para poder ter aceite o cargo de Director Nacional terá desde logo informado a Sr.ª Ministra que a sua condição era a de não ser condicionado relativamente aos seus critérios de escolha. E, portanto, isso significaria que a Sr.ª Ministra saberia desde o princípio que as personalidades que o Sr. Director Nacional lhe viesse a propor seriam certamente as que a Sr.ª Ministra viria a ter que nomear como condição de o Sr. Director se considerar em condições para exercer plenamente o seu cargo.
Se isto é assim - e julgo que o Sr. Director já me chamou a atenção para o facto de ser esse o seu entendimento -, gostaria que me ajudasse a compreender em que termos é que considera ser a responsabilidade política da
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própria Ministra da Justiça, que tem a competência da nomeação e da exoneração, para além do próprio Director Nacional e dos directores nacionais adjuntos, naturalmente neste último caso, sob proposta do Director Nacional, como ainda há pouco sublinhou.
Mas, se, em última instância, é a Ministra da Justiça que exonera e que, sob proposta, nomeia, isso não significa que ela não pode deixar de ser vista também como co-responsável pelos critérios da escolha? Em meu entendimento, sim.
Gostaria saber se o Sr. Director da Polícia Judiciária entende que não. Ou seja, se entende que ao responsável do Ministério da Justiça nenhuma responsabilidade política cabe nos critérios de escolha que, para o Sr. Director Nacional, serão exclusivamente seus.
Gostaria muito que me clarificasse acerca deste ponto, porque tem a ver depois com o modo como foi processada a questão das demissões e das exonerações, pelo seguinte: o Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes disse, nesta comissão de inquérito, que o primeiro acto da parte do Sr. Director relativamente a ele foi de o convidar a tomar iniciativa de apresentar a demissão, ou , para utilizar mais rigorosamente o seu ponto de vista, para fazer cessar a comissão de serviço, Repito: o Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes referiu-nos que, na sequência da reunião de coordenação - que, suponho ter sido a célebre reunião de coordenação do dia 26 -, terá sido chamado ao seu gabinete e que aí o Sr. Director Nacional terá começado por convidá-lo a que ele tomasse a iniciativa de fazer cessar a comissão de serviço.
O Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes disse, nesta comissão, que entendia que, do ponto de vista dele, não havia nenhuma razão para tomar essa atitude e que, portanto, limitou-se a aguardar que o gesto fosse praticado sob a responsabilidade do Sr. Director Nacional no sentido da demissão, demissão essa que, aliás, veio a ocorrer.
Ora, o Sr. Director Nacional já nos disse hoje também que entendia que, perante alguém que era responsável por um departamento tão relevante numa instituição tão relevante, acabasse por fazer cessar ou propor a cessação das suas funções em termos verdadeiramente tão rudimentares, se me é permitida a expressão, para não utilizar as do Director Nacional há pouco, que foram, aliás, mais significativas do que as minhas.
Sr. Deputado Director Nacional, estamos preocupados politicamente por duas circunstâncias: a primeira é a de que os próprios actos de substituição que tiveram lugar representam objectivamente, independentemente do ano em que subjectivo, uma instabilidade na Polícia Judiciária, infelizmente para todos; a segunda razão da nossa preocupação é a de que as contradições nos depoimentos têm sido, infelizmente, manifestas e não estão superadas.
Agora, a minha dúvida é esta, Sr. Director Nacional: se o Sr. Director nos disse aqui que tinha particular - e não ponho isto em dúvida minimamente - consideração tanto pelo perfil como pelo trabalho efectivo da Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado na Polícia Judiciária. se o Sr. Director Nacional considera que o trabalho que ela fez na Polícia Judiciária é positivo, se lhe deu a sua própria confiança ao longo do tempo em que ela ainda trabalhou sob a sua direcção, o Sr. Director Nacional que nos diz não ter feito qualquer pressão, que, portanto, terá sido apanhado de surpresa, e de outra forma não poderia ser, relativamente a este fax surgido no fim de um dia do mês de Agosto, quando a senhora se encontrava em férias, na sequência de um telefona consigo, do qual não resultou qualquer pressão para que ela resignasse ao seu cargo, Sr. Director Nacional, não lhe ocorreu que, então, a atitude, institucionalmente mais responsável, seria a de chamar ao seu gabinete a pessoa em causa, a fim de clarificar inteiramente com ela os fundamentos para esta decisão? Porque neste pedido de demissão, tal como aqui o vemos, não há um único fundamento substantivo que justificasse a iniciativa que a Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado acabou por tomar.
Ora, como o Sr. Director Nacional nos deu aqui informação de que os telefonemas relativamente a esta matéria não tiveram conteúdo sobre o problema da demissão, então tenho de presumir que o Sr. Director Nacional também não chegou a saber do conteúdo efectivo que motivou esta iniciativa da Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado, tanto mais que ela não o diz no seu fax rudimentar de pedido de demissão do cargo. E digo-lhe mais, Sr. Director Nacional, com todo o respeito, que se eu estivesse no lugar do senhor, com as suas responsabilidades, penso que não seria capaz de me conformar com as minhas responsabilidades funcionais se um responsável de departamento tão relevante não fosse chamado ao meu gabinete para clarificar a motivação desta decisão. Naturalmente eu estarei errado, mas o Sr. Director Nacional esclarecer-me-á seguramente.
Gostaria ainda que me clarificasse o seguinte: o Sr. Director Nacional acabou de nos dizer, no seu último comentário, mas já o tinha feito anteriormente, que ficou depois muito agradado pelos termos mais elaborados e mais sustentados do segundo ofício, chamemos-lhe assim, do dia 29 de Agosto, que, então, a Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado lhe enviou já a partir da sede da DCICCEF. Mas o que aqui verifico, Sr. Director, é que o despacho da Sr.ª Ministra da Justiça, aceitando a demissão da Dr.ª Maria José Morgado, tem a data de 28 de Agosto, ou seja, é do dia imediato à elaboração deste mesmo despacho e do dia anterior ao segundo ofício da Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado. Ou seja, nem o Sr. Director Nacional teve conhecimento em tempo útil, antes de levar à Sr.ª Ministra da Justiça o segundo fundamento do ofício da Dr.ª Maria José Morgado, nem teve com ela qualquer contacto pessoal esclarecedor, mas apressou-se a ir à Sr.ª Ministra da Justiça para que imediatamente fosse elaborado o despacho final de exoneração, conforme foi, do dia 28 de Agosto.
Sr. Director Nacional, não posso deixar de lhe perguntar: acha isto razoável da sua parte? Acha razoável que uma responsabilidade tão grande, quanto a responsabilidade do departamento que a Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado tinha sob sua guarda, pudesse acabar de um momento para outro, sem qualquer conversação de conteúdo efectivo entre os dois, a partir de um fax inteiramente rudimentar, antes de um esclarecimento mais cabal e imediatamente no dia seguinte, sem que nada mais fosse feito para demover esta atitude? Ou o Sr. Director Nacional nos esclarece melhor o sentido do apuramento destas responsabilidade, ou eu até ao momento, confesso-lhe, não fui capaz de as compreender.
Finalmente, Sr. Director Nacional, verifico mais, verifico que os despachos que fazem cessar as ditas comissões de serviço, quer do Dr. Pedro da Cunha Lopes, quer da Dr.ª Maria José Morgado, são subscritos pela Sr.ª Ministra da Justiça, como referi, no dia 28 de Agosto, mas também
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verifico que é exactamente no dia 28 de Agosto que a Sr.ª Ministra da Justiça nomeia os novos responsáveis para estes departamentos. E aqui, Sr. Director Nacional, terá de nos esclarecer, e peço-lhe que o faça concludentemente, o seguinte: então, se o senhor foi apanhado numa situação que não estava prevista, se a Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado lhe envia um fax imprevisto, como é que o Sr. Director Nacional no mesmo momento em que vai à Sr.ª Ministra da Justiça para propor duas exonerações, ou duas cessações de comissões de serviço, já teve tempo útil suficiente para lhe propor as novas nomeações? Não posso deixar de lhe fazer esta pergunta.
O Sr. Director Nacional disse aqui, e eu respeito, que as suas primeiras nomeações foram difíceis, porque não tinha contacto com a Polícia Judiciária, ainda não tinha o conhecimento suficiente da instituição, e que teve de socorrer-se do conselho de algumas pessoas, que, depois, não se terão revelado suficientemente adequados, houve, portanto, aqui, embora, não do ponto de vista subjectivo, uma espécie de leviandade objectiva, se é que isto pode ser dito desta maneira, porque não houve tempo de ponderar as razões de experiência das pessoas que originariamente iriam ser nomeadas, e eu pergunto-lhe, Sr. Director Nacional: da segunda vez teve tempo para isso? Teve tempo, de um dia para o outro, ou quase no mesmo dia, para fazer tudo isto, nomeando, no caso da DCICCEF, alguém que também é exterior à Polícia Judiciária? Tenho de presumir, e é isto que penso que é mais sustentável na realidade, que o Sr. Director Nacional fez uma escolha amadurecida, o Sr. Director tem a responsabilidade, e cito até a experiência infeliz do passado, para não se precipitar em novas nomeações.
Consequentemente tenho de admitir que o Sr. Director estava a prever este desfecho com mais tempo, e, se assim era, então também não consigo perceber por que é que o Sr. Director não nos esclarece sobre as verdadeiras intenções da sua mudança, devidamente ponderadas por si, porque eu acredito, obviamente, que o Sr. Director Nacional é uma pessoa ponderada, que se precipitou uma vez, por razões circunstanciais, e que não quereria precipitar-se novamente por razões que já não seriam do mesmo foro daquelas que da primeira vez ocorreram.
Passo agora a uma outra vertente, Sr. Director Nacional, e é a última das vertentes.
Na vertente da estratégia de orientação do Governo, no âmbito do combate ao crime económico, financeiro e fiscal, e é muita que passa pela Polícia Judiciária, suponho que o Sr. Director Nacional tenha recebido algum tipo de orientações estratégicas da parte da Sr.ª Ministra da Justiça. E eu gostaria que o Sr. Director Nacional nos dissesse que sentido de orientação política terá recebido até ao momento da tutela para as orientações estratégicas, que, depois, concretiza no âmbito da Polícia Judiciária, ou, então, que nos diga, eventualmente, o contrário, e também creio que isso possa ter acontecido, que possa ter sido o Sr. Director Nacional, em função das avaliações que tenha feito, a propor à tutela orientações estratégicas, a partir do seu próprio critério, sobre o melhor funcionamento da Polícia Judiciária. Admito que uma das duas situações possa ter acontecido, e deve ter acontecido. Gostaria também de um esclarecimento mais cabal sobre isto.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Director Nacional.
O Sr. Adelino Salvado: - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Jorge Lacão fez umas apreciações sobre o que entende relativamente à representatividade, e penso que tem de pensar bem nelas ao nível da representatividade de governo/ministro, ministro/directores-gerais. Creio que a dependência fundamental da Polícia Judiciária no aspecto funcional é do Ministério Público.
Prefiro enquadrar a Polícia Judiciária como auxiliar de justiça e, portanto, auxiliar de justiça conexo funcionalmente com o Ministério Público. Noto que se passou de "80 para 8" no que toca a esta dependência funcional, mas creio que a Polícia Judiciária sobreviverá, cada vez mais forte, ou não, consoante for aperfeiçoada esta dependência funcional do Ministério Público. A dependência da Polícia Judiciária é mais do Ministério Público, a meu ver e é a minha posição no caso enquanto lá estiver, do que da tutela política. Creio, pois, que, independentemente… Isto pode ter várias interpretações em termos de teoria do poder e da gestão… do que a Constituição faz destas matérias. Mas a dependência funcional do Director Nacional da Polícia Judiciária, entendo eu, e é assim que interpreto, no aspecto da investigação criminal que executa como órgão auxiliar da justiça, que é a sua primordial função, é conexa, é relativa, é subordinada ao Ministério Público.
Quanto a não ser condicionado nas escolhas, realmente eu entendo que todo o director nacional de uma polícia não deve ser condicionado nas escolhas, porque, bem ou mal, é ele que estará sempre - e como prova disso é que sou eu que aqui estou, é o director nacional, quando há lá outros directores nacionais adjuntos, eu é que aqui estou a responder -… Portanto, é o director nacional que, bem ou mal, paga ou não paga… É a figura representativa, é o responsável, digamos assim, e já que é o responsável pelo que corre bem e pelo que corre mal, no caso concreto estou aqui a ser responsabilizado, e admito a responsabilidade pelo que correu mal no tocante a uma das nomeações, e acho que devo ser responsabilizado por isso, porque de facto foi uma opção que se revelou não muito ajustada… É evidente que eu entendo que a escolha, a proposta de preenchimento destes lugares depende, deverá depender, e, no meu caso, entendo que dependeu, do director nacional, da pessoa indigitada para director nacional.
Não há uma inevitabilidade aceitar da escolha do Director Nacional por parte da Sr.ª Ministra, Sr. Deputado. V. Ex.ª tem experiência suficiente de poder para saber que a Sr.ª Ministra pode dizer "já não quero… Não aceito estas pessoas…", e o Director Nacional o que fará é, ou tem uma ambição tão grande pelo poder e fica, ou não tem e vai-se embora. Portanto, não há inevitabilidade aceitar, como é óbvio! Portanto, o poder não pode… O poder político, no seu escalão máximo, não pode viver com uma inevitabilidade de uma pessoa qualquer que propôs seja quem for.
Portanto, o que eu digo é que, no tocante ao seu silogismo, se é a Ministra que nomeia, ela tem de ser co-responsável pela escolha… Não é bem assim, repare, a escolha dos órgãos subalternos, a partir do Director Nacional para baixo, em qualquer estrutura… Então, um ministro qualquer, é responsável… Se vamos por aí, pela escala da representatividade, chega cá abaixo ao escriturário.
Há um problema qualquer, há o director intermédio, portanto funciona a escala toda por aí acima… Portanto, o
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ministro também é responsabilizado pelas opções que façam os corpos intermédios. Não pode ser! O ministro não pode ser responsabilizado a este nível, como V. Ex.ª bem saberá, penso eu, porque a responsabilidade política já está a um nível de tal ordem, num escalão tão baixo que já não se reflecte na tutela política, a não ser a estrutura global do serviço, mas não pessoa a pessoa.
Não creio que possa ser assim concebida a responsabilidade de um decisor político, porque senão nunca mais acaba, e acontece isto a milhares de pessoas espalhadas por determinados ministérios - no caso de directores intermédios, são 100 ou 200 pessoas - e ele então passa a ser responsável por cada um e por cada caso que haja de ocorrência. Não pode ser! Esta responsabilidade política, sinceramente, se assim for, então a actividade política já é tão má, de sacrifício humano, então ninguém quererá mesmo ir para esta actividade, se isto acontecer. E hoje é muito difícil arranjar, como sabe.
Portanto, "nomeia, logo, é co-responsável", permita-me, é uma extracção, é uma conclusão sua, e eu não concordo com ela. É co-responsável a determinado nível, a partir daí já não é co-responsável. Responsável é quem está em contacto directo, é a sua escolha prioritária…, aí há uma responsabilidade directa. Os meus actos repercutem-se directamente na tutela política; os actos da tutela política repercutem-se directamente no director nacional; a partir daí há a gestão de um departamento, não pode haver responsabilidade do decisor político por aí abaixo. Creio eu que isto nunca funcionou assim, só se numa concepção muito mais aperfeiçoada do poder é que… Não sei se lá chegaremos, mas por enquanto não é assim que sucede na nossa organização política estruturante do país.
O Sr. Deputado disse que o primeiro acto foi o de convidar… Bem, vão obrigar-me, um pouco, com estas perguntas a…
Primeiro que tudo, deixe-me dizer que considero que (volto a repetir, porque o Sr. Deputado não estava cá) o âmbito e o objecto desta Comissão não são os actos do Director Nacional, ou do Subdirector, ou de seja de quem for, mas, sim, do Governo. Portanto, há aqui uma amplitude… O princípio da objectividade, da definição dos parâmetros em que se move a Comissão está, a meu ver, a ser largamente excedido, porque eu, quanto os actos do Governo, sinceramente, pouco tenho a ver, a não ser enquanto a ter de respeitar decisões que venham da tutela, no aspecto orgânico da própria estrutura onde estou.
Mas fez uma inserção lógica de que eu nunca… Pôs em causa, ao fim e ao cabo, outra vez, se eu aceitei, ou não, pressões de alguém ou se eu exerci pressões sobre alguém. E o Sr. Deputado não estava cá, mas, na verdade, já respondi a essa questão. Torno a dizer que, de facto, não recebi repressões de ninguém nem exerci pressões sobre ninguém.
Agora, vou explicar, se me permite, a questão do responsável da DCCB, que é o Dr. Juiz Pedro Cunha Lopes. Segundo a sua interpretação, se ele já não tinha a minha confiança no momento da reunião que se processou naquele dia, por que é que as coisas aconteceram tão subitamente?
Sr. Deputado, é, propriamente, a vida das coisas. Na verdade, tinha andado a verificar - e não fui só eu, mas toda a estrutura, o órgão decisão onde eu estou - que, realmente, os objectivos que se pretendiam para a direcção… Já expliquei isto na outra… Mas o Sr. Deputado estava cá e já me ouviu explicar esta matéria. Portanto, dispenso de explicar isso.
Agora, pergunta: por que é que é nesse momento? É como tudo. O fio estica e há um determinado ponto em que parte. Quer dizer, o cumular de ineficiências, de não satisfação, de uma pessoa não ver aquilo que pretendia concretizado, não ver as coisas a andar como queria, não ver a apresentação de um projecto de reestruturação, nomeadamente o que eu chamo de gabinete de estudos naquela estrutura (que não estava lá e agora já está) a ser estruturado.
Tudo isso chega a um ponto em que se torna um bocado incomportável a convivência. Porque a perda de confiança não é uma coisa que sucede de repente. Pode suceder de repente, mas, no caso, não sucedeu de repente: foi-se solidificando, foi-se acrescentando. É um copo que se começa a encher. O Sr. Deputado, permita-me que lhe diga, tem experiência disso na sua vida.
Pergunta-me por que é que foi naquela altura. Foi naquela altura, porque aconteceu uma reunião, que eu entendi por muito importante - aliás, como lhe disse, isto está a ser sindicado - para debater o problema das ajudas de custo e das prevenções naquela casa. Porque as prevenções e as ajudas de custo naquela casa sempre foram, e serão, um dos pontos mais débeis daquela estrutura.
Dado que não foi conseguido o regime de isenção do horário de trabalho para o pessoal da investigação - a tutela política nunca entendeu fazê-lo -, agora é muito difícil saber quando há uma operação que se desenrola após o horário normal de serviço. Porque a anterior tutela política fez esta coisa notável que foi estabelecer um horário de trabalho para a Polícia Judiciária; um horário de trabalho numa estrutura em que o polícia nunca tem a certeza quando entra na casa e quando sai da casa. Mas agora há um horário de trabalho. Não foi delineado por mim.
A verdade é que, a partir de certa altura, como o trabalhador (vamos chamar ao homem, ao polícia, ao inspector, seja o que ele for) começa a trabalhar acima do horário de trabalho, fora do horário de trabalho, quer uma compensação por isto. E isto estabelece-se com o regime de prevenções activas e passivas. Não sei se V. Ex.ª quer que eu explique o que é activa e o que é passiva. Talvez noutra altura. Hoje não.
Mas essa reunião foi por isso, porque é uma estrutura tão difícil de controlar que há abusos. No caso concreto, detectou-se, durante o primeiro mês de estadia lá, que em certos departamentos 97% das pessoas entravam em prevenção. Eram eles próprios que entravam em prevenção, quando penso que devia ser a chefia a determinar. E o primeiro despacho, salvo o erro, que lá proferi foi que nestas questões devia ser uma posição de chefia - quer a chefia intermédia quer a chefia de topo - a co-responsabilizar-se por isto. Posso ser criticado, de que foi um disparate ter feito isto. Agora, podia ser melhor deixar tudo como estava. Obviamente, há opiniões para tudo.
A verdade é que, na sequência desse despacho, as coisas não funcionaram. Continuaram a não funcionar. Foi preciso uma reunião de coordenação deste nível. E cada um dos dirigentes assumiu a sua parte de se ter assinado cá em cima… Porque criou-se um modelo próprio para fazer
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o processamento disto. Toda a gente, hoje, vive angustiada na Polícia Judiciária, por causa desta nova burocracia imposta. Aliás, apareceu uma notícia… Um dos semanários que mais bem tem cuidado da Polícia Judiciária nos últimos tempos colocava isto em termos de que o pessoal da Polícia Judiciária anda com falta de motivação, porque se introduziu mais complexidade no controlo burocrático das ajudas de custo e prevenções. Porque agora têm de ser duas pessoas a subscrever isto.
E, no caso do responsável pela DCCB, é o que eu estou a contar. Foi presenciado por muita gente. Portanto, podem chamar todas estas pessoas que estiveram nesta reunião de coordenação na área metropolitana de Lisboa, cuja a agenda era: processamento de ajudas de custo, processamento de prevenções e utilização dos instrumentos burocráticos para isto. Quero dizer-lhe que mais de metade dos impressos foram devolvidos para serem corrigidos, na sequência desta reunião.
O Dr. Pedro Cunha Lopes, nesta reunião, adoptou esta posição que, sinceramente, me melindrou como Director Nacional: no meio daquela gente toda, disse que assinou tudo ao correr da pena, porque confiava nos homens dele, "nos meus homens" - o possessivo é uma coisa que acontece em dois meses e meio. Já ouvi em mais tempo. Mas a verdade é que não conferia, porque tinha confiança.
Portanto, eu entendi que esta era uma afirmação que não podia ser feita naquele momento, naquela reunião, naquela gente. Isto foi o transbordar da água no meu copo, se quer que lhe diga, Sr. Deputado. E tem de permitir que um Director Nacional tenha um ponto de limite para aferir da confiança que deposita numa outra pessoa, que, quer queira quer não, no caso concreto é seu subalterno.
Foi em consequência disto que houve, realmente, a chamada não só de mim, mas dos outros directores nacionais adjuntos que trabalham comigo, ao meu gabinete, onde coloquei a questão nestes termos de fiabilidade e de confiança. A partir de agora, ele não beneficiava da minha confiança e, quando é assim, digo-o cara a cara, não mando quarenta e quatro ou cinquenta faxes a dizer que a pessoa não merece a minha confiança. A verdade é que creio que foi a quebra final do ponto de contacto em termos de fiabilidade que eu tinha com a pessoa e, a partir daí, entendi que não poderia mais encarar uma relação de chefia sobre a personalidade em causa.
O Sr. Deputado vai dizer que é uma fragilidade humana isto ter acontecido assim. De facto, aconteceu assim. Sou humano, como outro qualquer. Isto aconteceu. Eu tive de tomar aquela posição. Não foi pressão. Se fosse pressão, teria sido exercida, como deve compreender, de outra maneira. Também V. Ex.ª, ao longo da sua vida política, tem conhecimento de pressões inauditas exercidas nesta matéria.
Foi assim, exactamente, que se passou: coloquei o problema em termos de, aproveitando aquela quebra de confiança naquele momento, associando isto ao tempo passado que aparece reflectido nos motivos do pedido de cessão de comissão de serviço, havia, de facto, uma degradação não só disto, mas também de execução do que se pretendia, do próprio departamento, da própria maneira como o departamento estava a ser gerido. Isto tudo foi-se acumulando e chegou a uma altura em que rompe. Há-de haver uma altura em que rompe, porque, senão, não havia cessações de comissão de serviço e estávamos todos aí imutáveis. A verdade é que isto aconteceu. Tomara eu que não tivesse acontecido.
Portanto, sobre esta matéria, se quiser algum esclarecimento adicional, é um esclarecimento doloroso para mim, mas, apesar de tudo, eu presto-o. Já que estamos a escalpelizar actos da administração e não actos do Governo… O Sr. Deputado dê as voltas que der, mas isto é um acto de administração e não tem nada a ver com um acto do Governo. Mas faça o favor de entender, como entende, que o objecto do inquérito está a ser delimitado e estamos todos a respeitá-lo. Para mim, isso é uma ficção. Estamos a entrar nos actos da administração, actos corriqueiros da administração, no sentido de normais.
Agora, diz-me que estes actos de proposta de uma cessação de comissão e de pedido de cessação de comissão representam, objectivamente, instabilidade na Polícia Judiciária. Só se alguém quiser. Eu já disse aqui, da outra vez, que instabilidade, se quer que lhe diga - perdoem-me que diga -, é o que está a acontecer agora nos media.
Então, acreditam que uma estrutura como a Polícia Judiciária, após o bombardeamento de informação que houve ontem, quanto a uma reunião que estava aqui a decorrer e que devia ser secreta, que parecia transmitida em directo, não fica instabilizada como instituição?! Consideram que está tudo na mesma?! Consideram que as pessoas na Polícia Judiciária estão impávidas e serenas, como se o Director Nacional estivesse num jantar de representação em qualquer lado?! Eu agora não vou, mas se estivesse.
Consideram que, de facto, não estão a contribuir, minimamente que seja, para que as pessoas lá dentro perguntem: "Olha lá, está lá aquele fulano. Ele, agora, está a ser apertado ou não está ser apertado? Ele está a defender-se? Ele vai contra-atacar?"?! Consideram que isto é normal e que, portanto, não há problema nenhum?! É normal?! Isto que está a acontecer não provoca instabilidade na Polícia Judiciária?!
V. Ex.ª quer estar com a consciência sossegada? Então, fique! Não provoque instabilidade. Para mim, provoca.
Disse que tem dúvidas sobre se isto não foi qualquer pressão, se eu não fui apanhado de surpresa no tocante à Dr.ª Maria José Morgado. Não sei se deu conta, mas já aqui mencionei uma entrevista que dei (foi a única entrevista, na minha vida, que dei à televisão), em que eu referi que, de facto… E a entrevistadora, inteligentemente, perguntou-me se eu tinha ficado surpreendido. E eu disse que não, que não tinha ficado surpreendido. Não tinha ficado surpreendido, porque, antes dito, houve uma degradação do que deve ser a fiabilidade das relações humanas, em termos de exercício de funções. Respondi. Não sei se ouviu essa entrevista, mas posso fazê-la chegar cá. Não tornei a ver isso, mas deve estar por lá, algures, gravado.
Não fiquei surpreendido. Porque se houve aquele problema de eu ter ficado surpreendido com a reacção da Dr.ª Maria José Morgado no tocante à presença daquelas pessoas em Monsanto, que eu considerei que aquilo podia ser debatido de uma forma racional. Mas não… Aquilo interiorizou-se e ficou logo ali uma desautorização, como se fosse uma coisa terrível de desautorização. Quando era uma atitude, a meu ver, preventiva de problema que pudessem vir a acontecer. Pedagogicamente, preventiva. Não vá lá, agora, o diabo pensar que, se estão lá aquelas pessoas
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a fazer qualquer actividade, que tivesse qualquer significado futuro na fiabilidade e na serenidade do julgamento.
Se, depois, numa reunião que houve propositada para isto… Porque a Dr.ª Maria José Morgado entendeu fazer para todos os directores nacionais adjuntos uma ordem de serviço (digamos assim), em que aparecia a palavra "determino" para pessoas iguais, em que impôs condicionamento de actividade ao director nacional do Porto, ao de Faro… E começo a receber telefonemas sucessivos a dizer: "Mas como é que é isto? Agora, quem é que manda nesta casa? Se há uma directora nacional que diz 'determino', num fax dirigido a mim, e ela é directora nacional e eu sou director nacional do Porto, como é que uma pessoa me pode determinar seja o que for?!"
Esta reunião ocorreu. Constou logo, na altura, na Polícia Judiciária que, em consequência disso, a Dr.ª Maria José Morgado tinha apresentado a sua demissão - que é a palavra que as pessoas mais gostam. Portanto, há todo um desenvolvimento… Depois, aparece esse processo dos combustíveis, de o Director Nacional não poder preocupar-se junto da chefia em efectividade de funções… Não poder; ter, primeiro, de ir ter com a pessoa em férias que chefiava e depois fazer uma triangulação… Quer dizer, estes melindres de assumir uma coisa como própria, um castelo como próprio que ninguém lá pode entrar, nem o Director Nacional, ao fim e ao cabo…
Diz-me que fiquei surpreendido. Não fiquei surpreendido. Disse-o nessa altura, digo-o agora, que o pedido de fim de comissão de serviço não…
Há pouco, estava a dizer que, de facto, quando chegou o papel, eu fiquei surpreendido. Fiquei surpreendido, no sentido de não esperar da pessoa essa forma de apresentar um pedido de fim de comissão de serviço. Um dia, necessariamente, eu apresentarei um pedido de fim de comissão de serviço e explicarei porquê: ou porque não consigo, ou porque quero voltar à minha actividade, ou porque não entendo que seja possível viver tanto tempo fora dos tribunais, porque me desactualizo, preciso de voltar à minha vida que sempre foi a minha. Mas explico! Não é um papelinho assim, do tipo, como antigamente se chamava, um papel almaço de fazer três linhas e, pronto, vai decorar. Não é isso que entendo como pedido de demissão. É uma coisa séria. Portanto, eu fiquei surpreendido.
Dir-me-á: "Durante esse percurso, foi ficando a ver que a situação se ia avolumar no sentido de ruptura. Não lhe passou pela cabeça que um belo dia acontecia a ruptura?" Passou, sim senhor. Passou-me pela cabeça. Não fiquei surpreendido com o pedido de demissão.
Agora, V. Ex.ª dirá: "Bom, não podia ter resolvido tão depressa o problema, devia esperar um mês, escolher, deixar avolumar a ideia de crise e, então, encontrar a pessoa ideal para o lugar". Não pode ser. E por isso é que da outra vez me precipitei quando nomeei uma das pessoas para… Também, repare, é um engano não muito grande, se me permite: da outra vez, em 11 ou 12 pessoas enganar-me numa… Mas a verdade é que é um engano na mesma e tem reflexos negativos, e eu assumo-os.
Pergunta-me: "Como é que conseguiu fazer isto?" Consegui porque eu, hoje, só penso na Polícia. Antes, eu não pensava na Polícia. Eu hoje só penso na Polícia Judiciária. Hoje, porque tenho dois departamentos a criar, novos, o Departamento de Unidade de Informação Financeira e o Departamento de Prevenção e Apoio Tecnológico, andam constantemente a "bater-me na cabeça" para saber quem é que são as pessoas mais adequadas para lá pôr. Depois, um belo dia aparecem todas de repente. E pergunta: "Como é que foi possível arranjar essas pessoas de repente?" Porque eu hoje só penso na Polícia. Hoje, acordo a pensar nos problemas que a Polícia Judiciária vai ter e, quando lá chego, começam logo a cair…
Agora, quando me pergunta, como fez há pouco, porque é que não chamei a Dr.ª Maria José Morgado para me explicar o teor do, tão sincopado, papel que assumiu a função de desencadear isto, respondo-lhe que não o fiz porque ela teve o cuidado de me telefonar daí a pouco, daí a não sei quantas horas. Mas ela telefonou-me, explicitou melhor o que sentia pelas suas impressões do desrespeito, segundo ela, que eu vinha sucessivamente manifestando, de não acatar o pensamento dela, do que ela entendia por departamento único, sólido, coeso, com tudo junto, não poder sequer extrair-se dali a secção de vigilâncias, porque mesmo isso ia aferir a responsabilidade daquele departamento, com todas as preocupações no sentido de manter o nível de gastos das prevenções e ajudas de custo porque as pessoas eram muito violentadas, andavam sempre com os olhos vermelhos por não dormirem, que era preciso assegurar aquela gente e pagar-lhes melhor que o normal.
Portanto, houve explicação, não houve um bloqueio completo. Não sei se ela teve ocasião de dizer, mas, na sequência desse papel, ela esclareceu melhor a sua posição e eu fiquei melhor esclarecido sobre a vontade que tinha de pôr termo à comissão de serviço.
Não sei porque é que esta Comissão funciona não de uma forma que eu ache muito razoável, perdoem-me que o diga, de pôr as perguntas em catadupa!?
Mas, de facto, passou-se assim. Não sei se isto satisfez a sua… Perguntou: "acha isto razoável? Acha que tudo pudesse acabar de um dia para o outro?" Essa sua preocupação de tentar perceber… Se me fizer o favor, tem de se "pôr do lá de cá", congeminar visual e intelectualmente, imaginar a situação e dizer como é que reagia na situação em que eu estive.
Portanto, eu fui capaz de compreender, não foi uma coisa súbita. Se quiser, torno a passar - e mando para cá, se o Sr. Presidente entender - a entrevista que pronunciei e em que me foi feita essa pergunta. Nessa altura, esclareci, não fui surpreendido, não foi uma coisa que eu tivesse ficado colado e branco na cadeira.
Não sei se respondi a todas as perguntas, Sr. Deputado.
O Sr. Presidente: - Obrigado, Sr. Director Nacional.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Sr. Director Nacional, ouvi, como, aliás, tenho ouvido todo o tempo, com toda a atenção e cuidado os seus esclarecimentos.
Nesse sentido, Sr. Director Nacional, quanto à primeira questão, permita-me que sublinhe o seguinte: anotei que o Sr. Director Nacional considera que a Polícia Judiciária é essencialmente uma instituição conexa funcionalmente com o Ministério Público.
Permita-me que lhe diga o que encontro na lei orgânica. Portanto, não é a sua opinião nem a minha, mas a lei que
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nos regula: "A Polícia Judiciária é um corpo superior de polícia criminal auxiliar da administração da justiça, organizado hierarquicamente na dependência do Ministro da Justiça e fiscalizado nos termos da lei".
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - "Organizado hierarquicamente". Mas estamos a falar funcionalmente!
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Director Nacional, permita-me que continuo.
Dessa organização hierarquicamente dependente resulta que, no meu entendimento, quando, no artigo 114.º, se diz que as nomeações dos directores nacionais adjuntos, sob proposta do Sr. Director Nacional, são da nomeação do Ministro da Justiça, há uma co-responsabilização entre duas entidades para essa mesma nomeação e há valoração dos critérios que presidem a essa nomeação.
O Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária tem um entendimento diferente. O seu entendimento - foi aqui dito e reiterado - é o de que não há qualquer inevitabilidade. No dia em que a Sr.ª Ministra da Justiça não aceitar as nomeações por si propostas, o Sr. Director Nacional parte, parte do cargo.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Desculpe. Não faça…
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Então, esclareça, Sr. Director, porque eu anotei isso. Anotei: eu vou-me embora.
O Sr. Presidente: - Peço ao Dr. Jorge Lacão e ao Dr. Adelino Salvado o seguinte: obviamente, posso dar a palavra para um esclarecimento pontual a dois ou três casos.
Porém, o que peço é que - e o Dr. Jorge Lacão não me vai levar a mal - não se repitam as mesmas perguntas parecendo que se está apenas a… É que está gravado. As respostas estão gravadas.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Está bem. Eu vou concluir. Aliás, serei muito breve.
A terceira questão, porque esta já está enunciada, relativamente à atitude que o Sr. Director Nacional nos disse ter sobre isto, é a relativa às informações que aqui nos deu sobre os verdadeiros critérios que conduziram à demissão do Dr. Pedro da Cunha Lopes e, portanto, suponho que terão sido exactamente esses os critérios que teve oportunidade de informar, no momento oportuno, a Sr.ª Ministra da Justiça. Suponho que não terá havido outros, suponho que terão sido esses, nos exactos termos que aqui nos foram informados.
Finalmente, para esclarecer a questão do dia 28. O Sr. Director Nacional acaba de nos dizer que ficou surpreendido quanto ao facto, mas não ficou surpreendido quanto à iniciativa da demissão da Dr.ª Maria José Morgado e que, nesse sentido, como tem pensado integralmente a Polícia, estava preparado para acorrer de imediato.
Em todo o caso, subsiste a seguinte dúvida, Sr. Director Nacional: eu não vou acreditar que o Sr. Director Nacional tenha desencadeado um convite a alguém antes de a Sr.ª Ministra da Justiça ter lavrado o seu despacho de exoneração da Dr.ª Maria José Morgado. Ora, o que eu seu é que esse despacho de exoneração é do dia 28. Pergunto: o Sr. Director da Polícia Judiciária convidou alguém antes de a Sr.ª Ministra ter assentido no acto da demissão formal da Sr. Dr.ª Maria José Morgado? Terá feito isso? Se o Sr. Director Nacional nos diz que terá feito isso, então, eu tenho que admitir que de duas, uma: ou tinha uma informação prévia da Sr.ª Ministra da Justiça de que ia concordar com o acto que ia lavrar no dia seguinte ou, então, tinha uma confiança absoluta de que não seria outro o gesto da Sr.ª Ministra da Justiça e, portanto, que poderia actuar em inteira convicção do procedimento.
Mas mais: a pessoa convidada, que entretanto veio a ser nomeada e empossada, respondeu no mesmo exacto momento "sim, senhor, estou disponível para poder ser imediatamente nomeado no próprio dia 28 em que é exonerada a Dr.ª Maria José Morgado? Nem pedia 24 horas para pensar acerca daquilo que significaria um rumo novo na sua vida? É, de facto, um enigma, Sr. Director Nacional! Há-de convir que é um enigma.
O Sr. Presidente: - Vamos, então, esclarecer o enigma.
Sr. Director Nacional, tem a palavra.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Sr. Deputado, por mais que eu diga, V. Ex.ª continua com questões enigmáticas. Não sei como quer que lhe explique isto!?
Quanto às suas posições sobre o direito administrativo, V. Ex.ª pode ter as posições que entender sobre o direito administrativo, sobre o direito de organização, até pode recordar antigas leis orgânicas, pode dizer tudo o que quiser, mas, na verdade, considero diferente a dependência hierárquica da dependência funcional. V. Ex.ª entende que eu, há pouco, estava a falar de dependência hierárquica, mas estava enganado porque eu estava a falar de dependência funcional quando falei no Ministério Público. Não sei que confusão foi esta, mas, na verdade, reafirmo o que disse anteriormente.
Quanto às dúvidas que entende subsistirem, continuo a entender que V. Ex.ª tem de partir do pressuposto de que, dentro da magistratura, há relações de tal maneira fiáveis e de fiabilidade que se podem resolver num problema de carência imediato. Já fiz isso, já prestei isso, já fiz isso na minha vida de, em 24 horas, resolver um problema de ocupação de uma determinada função. Não conhece as relações que há na magistratura, quer a judicial quer a do Ministério Público, que permite as pessoas terem solidariedade nos aspectos mais essenciais, quando é necessário ter. É verdade! Existem e é verdade que é possível, dentro de breves horas, como foi o caso, e de intensidade de contactos, chamar toda a gente para uma emergência e resolvê-la em tempo. Pensei que isto era um aspecto positivo. Pelo contrário, parece que não. Parece que a tentativa…
Aliás, há uma coisa que sinto, deixem-me dizer a esta Comissão: vai ser muito difícil, a partir de agora, haver um magistrado judicial que queira ir para um lugar destes. Para quê? O ordenado é exactamente o mesmo, o nível de trabalho é extremamente mais elevado, o nível de responsabilização é enorme, pedir a este e àquele para se socorrer em momento chave é enorme, a responsabilidade que hoje sinto por todas as pessoas que convidei e que vieram só e exclusivamente por confiarem em mim e por prever um preito de lealdade, de garantia e de honestidade de comportamentos ao longo do tempo é imenso, o desgaste físico é de horas e horas por dia. E tudo isto para quê? Para ser questionado e ser colado a qualquer actividade política corriqueira, qualquer jogozinho de "toma lá dá cá" para ser
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utilizado e, depois, ser colocada sempre a mesma pergunta: subsistem dúvidas sobre o seu comportamento, subsistem dúvidas sobre a sua forma de agir, é um enigma a sua actividade.
V. Ex.ª pode ter a certeza - e é com sinceridade que lhe digo e não com nenhuma agressividade específica - de que é muito difícil ser director nacional da Polícia Judiciária. É muito difícil estar à frente de uma Polícia, qualquer que ela seja, deste país. É extremamente complicado.
V. Ex.ª pode entender que eu tenho algum prazer especial por estar a exercer algum atributo daquele poder, mas, sinceramente, acredite que não tenho.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - O Sr. Director Nacional consente-me uma interrupção?
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Já acabei, Sr. Deputado.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - É para lhe dizer o seguinte: eu não disse que a sua actividade era um enigma. Eu disse que um determinado acto era um enigma. E eu acho, Sr. Director Nacional, que o amor ao rigor será tanto seu como meu.
Muito obrigado.
O Sr. Presidente: - Obrigado, Sr. Deputado, e obrigado, Sr. Director Nacional.
Sr. Deputado Marques Júnior, eu sei que o senhor é a última pessoa a quem eu devo dizer isto porque é sempre respeitador, mas reitero o pedido de que seja breve.
Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Marques Júnior (PS): - Sr. Presidente, vou ser muito breve até porque não quero maçar o Sr. Director com questões que, de uma ou outra forma, embora eu pudesse colocar de forma diferente, já foram postas, alguma delas agora pelo Sr. Deputado Jorge Lacão.
Gostaria, no entanto, de dizer o seguinte: em função da intervenção do Sr. Director Nacional, nesta Comissão, eu não tenho (aliás, já ontem o disse e parece que sinto necessidade de o repetir) experiência de julgamentos, não tenho a experiência do contraditório, mas percebo que no julgamento, sobre o mesmo facto, haja pessoas que dizem "não" e outras que dizem "sim" e a dificuldade que o juiz tem de aferir esses elementos. Eu percebo isso.
Agora, tenho muito mais dificuldade em perceber, até porque tenho no meu imaginário um respeito institucional, mais do que institucional, muito grande pelas magistraturas, tanto a judicial como a do Ministério Público (desde pequeno, habituei-me a respeitá-las), tenho muito mais dificuldade em perceber, repito, hoje como Deputado integrando esta Comissão de Inquérito, portanto a ter de acompanhar e participar no apuramento da verdade, que magistrados do Ministério Público e judiciais, investidos da mesma dignidade institucional, possam dizer coisas diferentes sobre os mesmos actos.
O Sr. Director Nacional vai perdoar-me, mas todos nos confrontamos com esta situação: há, de facto, perante esta Comissão, magistrados que fizeram afirmações que são contraditadas por outros magistrados. Isto, devo dizer, Sr. Director Nacional, preocupa-me. É que eu, à partida (aliás, creio que todos os que fazem parte desta Comissão pensam o mesmo), estou nesta Comissão sem pré-definir os bons e os maus, os que, à partida, têm razão e os que, à partida, não têm razão. Eu não estou nessa posição. Portanto, confrontando-me com esta situação, devo dizer-lhe que, para mim, ela é penalizadora.
Gostaria de dizer o seguinte: relativamente a um facto concreto que se passou aqui, é meu entendimento - e creio que a carta, que o Sr. Director hoje deu, da Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta Cândida de Almeida, poderia induzir-nos numa leitura diferente daquela que eu fiz.
Portanto, isto não é tanto uma pergunta mas uma observação e peço aos colegas que me ajudem neste aspecto, para ver se tenho razão.
Creio que o Dr. Pedro Cunha Lopes, questionado objectivamente sobre se o telefonema da Dr.ª Cândida Almeida para ele era no sentido de ele aceitar este ou aquele lugar, ou seja, na DCCB ou na DCICCEF, respondeu, claramente, que, digamos, o telefonema não tinha um sentido preciso do lugar para que ele iria ser nomeado. Ou seja, eu creio que não se pode dizer… Vamos lá a ver, a pergunta objectiva foi a de saber se esse telefonema era no sentido de ele, eventualmente, ocupar o lugar da Dr.ª Maria José Morgado. Ele disse, claramente, que não, que o telefonema da Sr.ª Dr.ª Cândida Almeida não tinha esse sentido.
Em relação a isso, tenho a certeza absoluta de que foi questionado por um colega mas creio que também disse que não teria sido nesse telefonema que teria ficado com a ideia de que seria nomeado para o lugar A ou para o lugar B, o telefonema seria só no sentido de saber da sua disponibilidade para falar com o Sr. Director Nacional sobre, eventualmente, suponho eu, um lugar.
Portanto, quero deixar aqui clara a minha convicção de que, da parte do Dr. Pedro Cunha Lopes, ele não disse que, nesse momento concreto… Disse que tinha sido convidado para o lugar da Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado - ele disse isso! - mas não disse que esse acto concreto, esse telefonema da Dr.ª Cândida Almeida, era para esse efeito. Queria deixar isto aqui claro, porque tenho-o como muito claro.
Depois, creio que o Sr. Director já respondeu mas vou fazer-lhe aqui duas ou três perguntas e, se o Sr. Director entender não responder não responda, eu não fico zangado, porque pode deduzir-se, daquilo que vou perguntar, que o Sr. Director, de uma forma mais ou menos difusa, já respondeu.
Creio que o Sr. Director, quando esteve aqui, na 1.ª Comissão, disse, pelo menos fiquei com essa ideia - tenho aqui as suas declarações mas devo dizer-lhe que não as consultei -, que o Sr. Director não tinha, inicialmente, nenhuma estratégia pensada para a Polícia Judiciária. Mas é natural que, passados estes meses, já tenha uma estratégia pensada para a Polícia Judiciária. E a pergunta concreta que lhe faço é a seguinte: entende o Sr. Director que, ao fim destes meses de experiência, como Director Nacional da Polícia Judiciária, com a relação que teve com as pessoas que convidou para a sua equipa, estas pessoas não tinham características especiais adequadas, do seu ponto de vista, ou as relações pessoais eram difíceis, de modo a considerar que, na nova estratégia pensada agora pelo Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária para esta nova fase, estas pessoas ou algumas destas pessoas, concretamente estas duas, poderiam não ter perfil para se adequar a essa nova estratégia que o Sr. Director pretende implementar na Polícia Judiciária? Isto é assim? Este meu raciocínio está
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correcto? Posso fazer esta dedução? Esta dedução parece-me evidente relativamente ao Dr. Pedro Cunha Lopes, por razões óbvias, mas já em relação à Dr.ª Maria José Morgado subsiste uma dúvida, que é a de o Sr. Director lhe ter sugerido que ela se demitisse ou ela ter apresentado a sua demissão, independentemente da conversa com o Sr. Director e da surpresa ou não surpresa que o Sr. Director teve relativamente a esse facto, porque esclareceu isso mesmo agora.
Mas quero fazer-lhe outra pergunta. Tenho uma dúvida, mas já falei com alguns colegas e não consigo dirimi-la, acerca do telefonema com a Dr.ª Maria José Morgado. Não há dúvidas de que, por volta das 10 horas e 30 minutos, o Sr. Director lhe telefonou, para lhe dizer uma coisa, na opinião dela, ou outra, na opinião do Sr. Director. E, às 17 horas ou às 17 horas e tal, terá havido outro telefonema. É aqui que se me suscita uma dúvida: este último telefonema foi da Dr.ª Maria José Morgado para o Sr. Director ou do Sr. Director para a Dr.ª Maria José Morgado? Se houve este contacto telefónico, e creio que houve, agradecia que pudesse esclarecer de quem foi a iniciativa.
Depois, a Dr.ª Maria José Morgado disse uma coisa que creio que ainda não foi dita aqui, pelo menos da forma como a vou dizer, e que também tinha importância que o Sr. Director esclarecesse, se quiser ter essa amabilidade, em relação a esse telefonema. Das duas vezes que houve este contacto telefónico, por iniciativa do Sr. Director ou por iniciativa da Dr.ª Maria José Morgado, eu fiquei com a ideia, por aquilo que ela terá afirmado aqui, de que ela manifestou, mais do que um desejo, um empenho reiterado em ter uma conversa pessoal com o Sr. Director mas o Sr. Director terá dito que não queria ou não valia a pena ou não tinha disponibilidade ou não se justificava falar com ela. Não sei se os termos foram estes, porque já não sei quais foram. Quero saber se o Sr. Director confirma este desejo da Dr.ª Maria José Morgado ou se, efectivamente, do seu ponto de vista, este desejo não foi manifestado.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Sr. Presidente, Sr. Deputado, quanto à primeira parte da exposição de V. Ex.ª, obviamente, é um problema que surge sempre a quem tem de decidir seja o que for. Se tivesse a pouca sorte de ir para um tribunal, como juiz, tinha esse problema, de saber qual a opção que tem de tomar perante a prova ou os factos que lhe são apresentados, todos os dias. Tem de fazer um juízo e é sempre doloroso fazê-lo.
Quanto à outra matéria da estratégia ou não estratégia e se no princípio tinha ou não estratégia, não sei se V. Ex.ª tem acesso ao que eu disse, anteriormente, na 1.ª Comissão, porque penso que tive ocasião de explicar, se calhar até exageradamente, o que aconteceu. Porque, de facto, quando cheguei àquela Polícia Judiciária, e creio que V. Ex.ª tem experiência disso, quando aparece uma situação nova, inesperada, não vai dizer que tem uma estratégia montada para ela, não é verdade?! E, nomeadamente, quem ocupou funções nas estruturas em que esteve, tem sempre esse problema de, rapidamente, ter de reestruturar a sua maneira de pensar e de agir, em função de um campo de actuação que é diferente.
Quanto à questão do telefonema, já expliquei do telefonema mas, de facto, o segundo telefonema - era essa a dúvida que o Sr. Deputado tinha - foi dela para mim, o primeiro foi de mim para ela.
Quanto ao empenho em ter uma conversa pessoal, não me recordo se houve esse empenho, empenho, empenho. Sei que o segundo telefonema foi, penso eu, bastante extenso, porque, a propósito de perguntar se já tinha chegado o documento que ela me tinha enviado, serviu para explicitar uma certa amargura, uma certa diferenciação, um certo acumular de tensões que me foram presentes nesse telefonema. Os termos correctos, concretos desse telefonema - não gravei esse telefonema, não gravo nenhum telefonema - não sei ou, pelo menos, não me recordo.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Marques Júnior quer ainda acrescentar qualquer coisa?
O Sr. Marques Júnior (PS): - Não, não, Sr. Presidente, fiquei esclarecido, quero só agradecer ao Sr. Director.
O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Montenegro.
O Sr. Luís Montenegro (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Director Nacional, são apenas três questões, três complementos, porque, de facto, a esta hora, já quase tudo foi aflorado pelas intervenções anteriores.
A primeira tem a ver com uma dúvida que ainda tenho relativamente ao depoimento ontem aqui prestado pelo Dr. Pedro Cunha Lopes.
O despacho de demissão alude a divergências estratégicas entre V. Ex.ª e o Dr. Pedro Cunha Lopes. Inquirido sobre esse facto, o Dr. Pedro Cunha Lopes diz que não poderia haver divergências estratégicas porque não havia estratégia. E consubstancia esta sua afirmação, revelando que não havia, sequer, reuniões nesse sentido.
O Sr. Director, em sede de 1.ª Comissão, já tinha feito referência - lembro-me até de que, nessa altura, chegou a exibir um mapa de presenças das pessoas nessas reuniões - e hoje reiterou aqui que, nomeadamente, o Conselho de Coordenação Operacional, que seria o órgão competente nesta matéria, já havia reunido por três ocasiões. Só que, para além destas reuniões do Conselho de Coordenação Operacional, o Dr. Pedro Cunha Lopes falou também, ontem, por variadíssimas vezes, em contactos que mantinha com V. Ex.ª, nomeadamente no famoso gabinete do 4.º andar da Gomes Freire, que, de resto, julgo ser o seu gabinete e é coisa de que não me esquecerei tão cedo, tantas são as vezes de que se fala no 4.º andar da Gomes Freire.
Tive oportunidade de perguntar ao Dr. Pedro Cunha Lopes de que é que se falava nessas reuniões, nesses contactos que eram frequentes, entre ele e o Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária. Ele, resumidamente, disse-me que se tratava de conversas acerca do rumo estratégico de determinado tipo de investigações.
Portanto, a pergunta que lhe quero deixar, a este propósito, é tão-só esta: era, de facto, para definir e abordar questões que têm a ver com o rumo estratégico de operações de investigações que estavam adstritas ao departamento do Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes, que tinham essas conversas. Gostava que esta situação ficasse clara.
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Uma segunda pergunta tem a ver já com o depoimento da Dr.ª Maria José Morgado. Ela elencou, historiou uma série de acontecimentos que revelaram uma progressiva perda de confiança, uma progressiva perda de condições para continuar. Falou, nomeadamente, em acontecimentos no tempo, que posso precisar em meados de Junho, falou concretamente na tal reunião do dia 16 de Julho e falou também nos dois telefonemas do dia 27 de Agosto.
Não vou agora entrar nesta questão, porque julgo que ela já hoje foi aqui exaustivamente tratada, aquilo que quero perguntar ao Sr. Director Nacional tem a ver com o seguinte: já registei, aliás, em contradição com aquilo que foi dito ontem pela Dr.ª Maria José Morgado, que, para V. Ex.ª, não foi surpreendente, não era surpreendente que, mais cedo ou mais tarde, a conflitualidade que vinha sendo acentuada no relacionamento entre V. Ex.ª e a Dr.ª Maria José Morgado só pudesse levar a um de dois cenários, ou saía o Sr. Director Nacional, por não ter condições de relacionamento com os directores nacionais adjuntos ou, então, teria de sair, naturalmente, o director nacional adjunto em causa. E daqui resulta que, no entender de V. Ex.ª, ao contrário daquilo que nos foi dito ontem, a demissão da Dr.ª Maria José Morgado foi um acto normal, visto que ele advém desta tal perda progressiva de confiança e da deterioração das relações entre V. Ex.ª e ela própria.
É que esta Comissão de Inquérito foi constituída para nós averiguarmos, para nós aferirmos se a motivação da demissão, se a razão da demissão resultava não de um acto de normalidade, no decurso do trabalho de uma instituição como a Polícia Judiciária, mas de um acto que eu consideraria anormal, de ingerência política no seio do trabalho da Polícia Judiciária.
Portanto, a pergunta que lhe faço é muito simples: como é que V. Ex.ª classifica o acto que, efectivamente, ocorreu no dia 27 de Agosto último, de demissão da Dr.ª Maria José Morgado?
Por último, e bem sei que também já foi aqui várias vezes aflorada a questão do tribunal de Monsanto - eu ouvi, respeito e, aliás, concordo com tudo quanto disse acerca das disposições do nosso Código de Processo Penal -, devo dizer-lhe que, sem embargo da alusão que fez à autoridade legítima que cabe ao presidente do colectivo de juízes, houve um aspecto que não percebi, e provavelmente não percebi até pelo facto de estarmos há muitas horas a falar sempre das mesmas questões. Aliás, ainda há pouco tive oportunidade de dizer a um colega que nós, aqui, nesta Casa, somos todos corredores de fundo e estamos, entre ontem e hoje, a disputar uma verdadeira prova, estamos em competição e, por isso, provavelmente, há um ou outro pormenor que nos escapa. E houve, efectivamente, um que me escapou e que gostava que ficasse particularmente claro, que é o de saber se, sem embargo dessa prerrogativa do Sr. Presidente do colectivo de juízes, o Ministério Público solicitou ou não que determinados investigadores estivessem na audiência do referido julgamento. Isto é, se o Ministério Público solicitou ou não à Polícia Judiciária que cumprisse o seu papel de auxílio, de ajuda ao Ministério Público.
Julgo que era importante sabermos se na Polícia Judiciária há elementos que nos possam ajudar sobre esta matéria.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Director Nacional.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Bem, Sr. Deputado, na verdade, eu já disse e assumo e torno a dizer que, realmente, quando estava no Tribunal da Relação, não me passava pela cabeça ir para a Polícia Judiciária - e ainda bem, porque senão deveria ter alguns pesadelos na altura.
A verdade é que fui surpreendido com o convite e, portanto, não tinha uma estratégia definida para a Polícia Judiciária. De facto, nos primeiros tempos, nos primeiros dias, no primeiro mês, mais não fiz que andar a absorver conhecimentos rapidamente, a ouvir dezenas e dezenas de pessoas. Mas a partir daí, estabeleci uma linha de rumo, que está em curso. Aliás, se tiver ocasião de acompanhar, agora, de ver o que eu disse na anterior comissão e o que estava a desenvolver-se e o que, agora, está a ser concretizado, verificará que, de facto, há um caminho - pode-se concordar ou não, admito que haja… Obviamente, não sou infalível! Mas de facto há uma estratégia a correr, desde bem cedo (desde Junho, aproximadamente), e portanto ela vai-se solidificando e estratificando pelo caminho - haverá quem concorde ou não. Esta Assembleia da República vai ser chamada provavelmente ou, pelo menos, vai ter de se pronunciar sobre alguns aspectos desta estratégia - no aspecto legislativo.
Obviamente que vir alguém aqui dizer que não havia estratégia… Bem, é uma posição! Quer dizer, se houve ou não houve reuniões, se esteve ou não presente em reuniões… Mas depois há as actas, há as convocações, há as presenças, há a discussão de problemas e não foi uma pessoa, nem duas, foram dezenas de pessoas que estiveram nessas reuniões!
Agora, dizer que não se esteve presente, que não se trataram coisas importantes?! É uma posição subjectiva! É uma posição própria, não merece aqui sequer muita consideração da minha parte, porque é muito possível estar no meio de uma multidão e não se saber que está no meio de uma multidão, se calhar… É possível estar num cinema e não ver o cinema! Ah! Temos de admitir todos os comportamentos porque, o ser humano é como eu disse, a princípio, um ser multifacetado, é capaz de estar numa reunião e não se dar conta disso.
Quanto à progressiva perda de condições de trabalho conjunto, concertado: de facto, expliquei, ainda há pouco, ao Sr. Deputado que me questionou anteriormente que não fiquei surpreendido pela posição final da Dr.ª Maria José Morgado, porque… Não sei se tiveram ocasião de se aperceberem disso, isso vai demorar algum tempo…
A Dr.ª Maria José Morgado é uma excelente magistrada, tem uma personalidade muito forte, muito vincada, é uma pessoa de certezas, de elevadíssima auto-estima e confiança, portanto, levará em qualquer debate a posição dela - provavelmente tem de ser sempre a vincada e a final. É uma pessoa capaz de trabalhar intensamente mas, a meu ver, no meu caso específico - o defeito provavelmente será meu - houve dificuldade de eu e ela, um e o outro, tentarmos que se evitasse o choque de estratégia de posições, de maneiras de ver a polícia. Portanto, realmente, é capaz de ter razão: era uma questão de tempo, porque não é possível andarmos muito, muito tempo, numa estrutura destas com posições tão constantemente em choque!
Quanto ao outro problema de que me falou: o Ministério Público, realmente, tanto quanto eu sei - como sabe, o Ministério Público é uma estrutura muito grande e ainda aqui há dias, quando o Sr. Procurador-Geral da República
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veio falar se não tinha processos, pois que havia vários processos contra vários clubes, a propósito de branqueamento. Admito que sim, que haja, porque o Ministério Público… Tem a Polícia Judiciária, não tem, presentemente, contra vários clubes além do Benfica; mas não tem em termos vários, plural, nenhum desse tipo de processo em curso. Mas o Ministério Público é uma entidade tão grande que pode ter essa estrutura em curso e eu não ter conhecimento dela e, obviamente, eu sou um instrumento nessa parte do Ministério Público.
Portanto, se se solicitou ou não a presença ao Ministério Público, terá de perguntar ao Ministério Público, ou ao Sr. Procurador-Geral, porque, sinceramente, há muita coisa, no Ministério Público, imensíssima coisa, que não tenho sequer a obrigação de saber e que ocorre, provavelmente, no Ministério Público.
Se a Polícia Judiciária recebeu directamente a solicitação ou não de ajuda, sinceramente, não vi. Percorri tudo, antes de vir aqui, mas não vi que a Polícia Judiciária, na sua estrutura dirigente, não só nacional mas também em termos centrais… Ou seja, não vi qualquer pedido de colaboração por parte do Ministério Público, nem por parte do Tribunal de Monsanto, nem por parte até dos dois magistrados do Ministério Público que estão, neste momento, a fazer o julgamento e, portanto, intervêm no Tribunal, - porque o Ministério Público quando está no julgamento, intervém no tribunal - de Monsanto.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Eduardo Cabrita.
Isto agora está a correr bem, portanto, pedia-lhe que não…
O Sr. Eduardo Cabrita (PS): - Corre sempre! Sr. Presidente, com a sua coordenação dos trabalhos, certamente, e com a nossa colaboração, tem corrido bem e não deixará de continuar a correr!
Sr. Desembargador, Sr. Director Nacional, já muito foi perguntado, mas a minha única preocupação é o apuramento de factos em domínios aqui referidos que gostaria, tanto para mim como para todos nós, que ficassem completamente claros ou tão claros quanto possível. Como disse o Sr. Desembargador, na sua declaração inicial, mesmo a verdade obtida em tribunal tem sempre alguma margem de dúvida.
Assim, eu iria apenas fazer um conjunto de pedidos de clarificação muito objectivos, sem qualquer valoração - as valorações de todo este processo fá-las-emos num outro momento de funcionamento desta Comissão de Inquérito - e apontaria para datas.
Um primeiro momento temporal tem que ver com os dias 17 de Maio, 18 de Maio. Porque é que estou a dizer 17 de Maio, 18 de Maio? Foi referido - e considero relevante a declaração que, a seu pedido, foi elaborada pela Dr.ª Cândida Almeida - que o primeiro contacto entre o Sr. Director Nacional e o Dr. Pedro Cunha Lopes teria sido no dia 17 de Maio, numa sexta-feira.
Portanto, pedia-lhe que confirmasse em que termos é que esse contacto ocorreu e em que termos é que ocorreu o convite, dado que foi referido que o convite teria decorrido no dia seguinte, sábado de manhã, num café…
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Eu disse alguma coisa disso?!
O Sr. Eduardo Cabrita (PS): - Não, não disse o Sr. Director Nacional.
Estou a falar de matéria referida pelo Dr. Pedro Cunha Lopes, visando, exactamente, aqui, uma clarificação dos termos exactos em que teria sido feito o convite, num dia 18 de manhã, num café. O que lhe peço que diga é se foi assim.
Em segundo lugar, já nos disse que não fez qualquer convite para a DCICCEF, fez um convite apenas para a DCCB, portanto, não insistirei…
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Isso sou eu dizer, isso é o que eu digo.
O Sr. Eduardo Cabrita (PS): - Não, não disse o Sr. Director Nacional, portanto, não insistirei naquilo que deixou claro na sua visão dos factos.
Perguntava-lhe apenas se houve uma aceitação imediata ou se houve um pedido de algum tempo para pensar e se a resposta só lhe foi dada mais tarde, designadamente, se foi pedido algum tempo para pensar e para fazer alguns contactos, como é natural, nestas circunstâncias.
O segundo momento temporal refere-se a 23, 24 de Maio, ou seja, alguns dias depois - e lembro que o Sr. Director Nacional tomou posse das funções que exerce actualmente, no dia 24 de Maio, uma sexta-feira.
A Dr.ª Maria José Morgado não foi renomeada: ela já exercia funções anteriormente, e continuou, prosseguiu. Na sequência de uma opção pela manutenção na equipa, prosseguiu a comissão de serviço para que ela tinha sido nomeada, há um ano e pouco atrás. Quando é que se estabeleceu este contacto, entre o Sr. Director Nacional e a Dr.ª Maria José Morgado, visando exactamente dar-lhe nota da sua opção, para que ela continuasse consigo a exercer as funções que já vinha desempenhando na DCICCEF?
Isto é relevante, por um lado, para saber em que momento é que tal ocorreu e, por outro lado, para aclarar a declaração segundo a qual o Sr. Director Nacional teria dito que entendia necessitar da continuação desta colaboração, independentemente do menor apreço que a Sr.ª Ministra da Justiça teria pelo desempenho ou pela continuidade nestas funções da Dr.ª Maria José Morgado.
Terceiro momento temporal: já hoje aqui referido, por várias vezes, que o Sr. Director Nacional… Mas eu tento já clarificar qual é o ponto em que ainda tenho alguma necessidade de esclarecimento adicional. Refiro-me a 16 de Julho, como o momento em que terá transmitido as instruções verbais à Dr.ª Maria José Morgado, no sentido de que deixasse de ser prestado…
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - 16 de Julho? Eu disse isso?!
O Sr. Eduardo Cabrita (PS): - Disse a Dr.ª Maria José Morgado que teia sido em 16 de Julho.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Ah!
O Sr. Eduardo Cabrita (PS): - Mas corresponde a um encontro que, de facto, existiu…
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Diga, desculpe!
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O Sr. Eduardo Cabrita (PS): - Corresponde a um encontro que, de facto existiu, porque já hoje o Sr. Desembargador se referiu a ele.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Vamos a ver!…
O Sr. Eduardo Cabrita (PS): - Eu situo-o já!
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Não corresponde a nada. V. Ex.ª, Sr. Deputado, fará o favor de não pôr na minha boca coisas que eu não disse…
O Sr. Eduardo Cabrita (PS): - Não, mas disse, disse!
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Fará a leitura que quiser das declarações da Dr.ª Maria José Morgado! Houve uma reunião, realmente, mas não há coincidência nenhuma de uma coisa com outra!
O Sr. Eduardo Cabrita (PS): - Exactamente! Deixe-me concluir a questão que estou a colocar-lhe e se não foi a 16 de Julho, mas se foi numa outra data e se entende que isso é relevante… 16 de Julho não foi o Sr. Director Nacional que disse. Não foi! Não foi isso que eu afirmei.
Agora, houve um encontro entre os dois, no qual transmitiu instruções verbais, no sentido de cessar o acompanhamento por parte da DCICCEF, do julgamento do caso Moderna que estava a decorrer em Monsanto.
E aqui importa, por um lado, deixar aqui claro em que termos é que essas instruções foram transmitidas, designadamente, face à invocação de uma manifestação de preocupação da Sr.ª Ministra da Justiça, face a ter tido conhecimento deste acompanhamento do julgamento, querendo saber em que termos é que isso se verificava.
Por outro lado, gostaria que clarificasse com precisão, dado que hoje se referiu a esse acompanhamento de três formas distintas, sendo que nenhuma delas coincide com uma quarta forma que foi aquela que, ontem, foi aqui apresentada pela Dr.ª Maria José Morgado. Isto é, referiu, primeiro, a presença de pessoas da DCICCEF na zona de Monsanto e associando a isso a um acidente com a tal viatura…
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Incidente, Sr. Deputado!
O Sr. Eduardo Cabrita (PS): - … a um incidente com a tal viatura que teria feito uma manobra brusca que motivou uma perseguição na qual soube que teriam participado várias pessoas da Polícia Judiciária e, para sua surpresa, também algumas da DCICCEF ou, pelo menos, uma da DCICCEF - essa foi uma primeira…
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Se me permite: estava-se a referir a mim?
O Sr. Eduardo Cabrita (PS): - Sim, disse-o hoje de manhã.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Estou a falar não é em "atitudes concertadas", é em "desconcertadas"...
O Sr. Eduardo Cabrita (PS): - Eu não disse concertada, nem desconcertada, perguntei se "soube de", porque essa é uma situação factual concreta.
Segunda questão: tem ou não conhecimento de que pessoas da DCICCEF, designadamente alguma que possa vir a ser chamada, ou que esteja no rol de testemunhas do julgamento do caso Moderna, tenham assistido a sessões do julgamento?
A terceira hipótese que colocou é a de ter estado no Tribunal de Monsanto, mas não necessariamente no local de realização do julgamento.
Quanto ponto, que também tem que ver com este acompanhamento: quer o Dr. Pedro Cunha Lopes quer a Dr.ª Maria José Morgado (e o Dr. Pedro Cunha Lopes, na altura, tinha tanto tempo de Judiciária quanto o Sr. Doutor e a Dr.ª Maria José Morgado tinha mais) referiram como prática habitual - e isso, aliás, é algo que é conhecido; ainda ontem advogados disseram aqui que da sua experiência de vida também têm essa percepção -, no quadro do apoio ao Ministério Público, a existência deste apoio no decorrer de processos de particular relevância. O Sr. Director Nacional entendeu, legitimamente, alterar esta prática. Esta prática era do seu conhecimento?
Aliás, a Dr.ª Maria José Morgado disse-o à televisão, porque disse não ser matéria de sigilo que isso aconteceu noutros julgamentos de particular relevância, nomeadamente dos casos Vale e Azevedo, Melancia, FP 27. Recordo-me que o Dr. Pedro Cunha Lopes ontem também indicou que essa era uma prática habitual nos chamados megaprocessos. Gostava de saber se tinha ou não conhecimento disso e por que é que entende que esta prática deve ser interrompida.
A última questão tem que ver com o chamado processo de corrupção nas finanças.
Neste caso, a sua declaração, no que respeita à sua valoração da actividade da judiciária neste processo, é convergente com a da Dr.ª Maria José Morgado - permita-me que o diga ou o revele -, porque confirmou o que ontem foi dito pela Dr.ª Maria José Morgado, que era o seu pessimismo relativamente a esse processo delicado, porque tem arguidos constituídos, alguns deles em prisão preventiva e a investigação está em curso.
E gostaria que nos esclarecesse em que medida é que esse seu pessimismo relativamente a este processo tem uma função não só "precarizadora" da prova que está a ser reunida como também um efeito desmotivador num processo complexo que foi aqui referido, que envolve altos responsáveis da administração fiscal, intermediários, angariadores, advogados, consultores fiscais, tendo desenvolvimentos que hoje ainda não é possível revelar nem saber, porque a investigação está em curso.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Director Nacional.
O Dr. Adelino Salvado: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Eduardo Cabrita, não tenho memória para datas. Falou-me do dia 17 ou 18 de Maio, sei que o encontro foi num café, mas não faço ideia em que data ocorreu.
Quanto à pergunta sobre se houve aceitação imediata, respondo-lhe que sim. O "campo já estava lavrado", se me permite o termo, pela Dr.ª Cândida de Almeida, portanto o problema já tinha sido colocado, a questão já tinha sido trabalhada entre eles, porque são amigos, penso que dos tempos de meninice. A apetência e o gosto dele pela DCCB era de tal ordem que, de facto, a aceitação foi imediata na primeira reunião.
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Quanto à segunda questão, relativa a outra data, 23 ou 24 de Maio, perguntou-me se a opção de ficar com a Dr.ª Maria José Morgado ocorreu nessa data. Eu creio que ocorreu antes.
Havia constantes telefonemas, de uma pessoa que hoje está numa posição importante num órgão de comunicação social, para um directo amigo meu, com quem eu na altura trabalhava em arte, porque partilhávamos o mesmo atelier. Havia constantes telefonemas, durante dias seguidos, para saber se eu podia confirmar ou não se a Dr.ª Maria José Morgado ficaria, até que, de facto, já no fim, entendi por bem acabar com aquela angústia de saber se ela ficava ou não e com o incómodo daquelas duas pessoas. Então, disse que sim, que ficaria com ela.
Portanto, ela soube-o não directamente por mim, mas pelo núcleo de pessoas envolvidas nestes telefonemas constantes, pelo que a comunicação operou-se antes dessa data. Penso que a nomeação foi a 24 de Maio, foi antes disto que isso se passou e por via telefónica, não directamente com ela, porque entendi que nunca deveria, antes da data limite - data limite na minha cabeça, obviamente -, ficar clarinho qual era a equipa completa.
Não sei que significado isso teve. Eu considerei muito estranho quando se referiu a isso.
Depois de tornar a ler - e vai permitir-me esta confissão, Sr. Deputado Francisco Louçã - as declarações cheguei à conclusão de que havia um quesito fundamental, que o cerne era precisamente este caso da intervenção. Lendo as anteriores declarações prestadas na outra Comissão, constatei que esta era a questão essencial que estava em debate e, sinceramente, não me dei conta que era essa a questão de base, senão tinha-a esclarecido. Mas, de facto, isso ocorreu em meados de Junho. Não sei em que dia; a única ideia que tenho é de que recebi os esclarecimentos finais disto, por parte da Dr.ª Maria Alice, quando ia a entrar na casa da Embaixadora do Reino Unido, para a cerimónia do jubileu, muito ao fim do dia.
Portanto, não foi em Julho mas, sim, em meados de Junho. Depois, a conversa passou-se no meu gabinete, com a intervenção de dois directores nacionais adjuntos, que trabalham muito conexos comigo, passado uns 10 dias. Não faço ideia da data, porque não tenho na memória exactamente quando é que isso se passou.
Voltou a perguntar-me se a Sr.ª Ministra da Justiça não teve nenhuma intervenção. Confirmo aquilo que disse na minha declaração inicial (se isto está a ser gravado, peço desculpa a quem voltar a ler isto quando estiver transcrito, porque deve ser a quinquagésima sexta vez que o digo): não houve pressão, não recebi nenhuma intervenção externa para tomar as decisões que tomei sobre esta matéria.
Passo a responder à pergunta que me colocou sobre o julgamento e a possibilidade de as testemunhas terem assistido a sessões de julgamento.
Sr. Deputado, vai perdoar-me, eu não quero ensinar nada a ninguém, porque não tenho capacidade para isso, mas vou dizer-lhe que há um princípio radical e básico fundamental num julgamento, não só o do contraditório mas também o da isonomia, que é o da igualdade das partes em julgamento.
O julgamento tem de ser um fair play, tem de ter regras seguras de processo, portanto uma das partes, que é o Ministério Público, não pode ter um apoio especial de alguém que o ajude a manejar o processo ou a consultar o documento a, b, c, ou d, se a outra parte não o tem. Há aqui um aferimento de armas, uma posição que não se pode compaginar com aquilo que entendo ser um fair play de tribunal. As partes, na fase de julgamento, têm de estar em igualdade de circunstâncias; é o princípio da isonomia puro, é assim que se garante o due process of law e isto tem de ser entendido em todos os tribunais. O Ministério Público está numa posição igual à do advogado em julgamento; isto não pode ser entendido de outra maneira, porque senão o jogo é viciado.
Penso que há aqui vários advogados que estiveram muito tempo em julgamento e, seguramente, sentiram muitas vezes que estavam ali quase numa posição - e isso até resulta da própria organização da sala - inferior à do Ministério Público. Não pode ser assim. O Ministério Público e o advogado têm de estar em posições iguais; este princípio da isonomia tem de ser respeitado em todos os tribunais.
Portanto, quando se pergunta se não é normal estar alguém a auxiliar, a dar apoio logístico e a ensinar ao Ministério Público onde estão as coisas; eu penso que em julgamento, sinceramente, não o deve ser. Se é prática usual - não se chame normal, mas usual - está mal; na minha perspectiva, está errado.
Não sei se nesta sala há algum advogado que me suporte esta ideia, se calhar entendem todos que não é assim que deve ser.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Se quer ser contundente, penso que deve ser assim, mas, como V. Ex.ª bem sabe, a prática, nalguns grandes processos, não é essa, mesmo na província, não só em Monsanto - mas também estive presente nalguns em Monsanto.
Na realidade, a Sr.ª Dra. Maria José Morgado disse, salvo erro, que foi ela que acusou no processo Melancia e que pediu essa assessoria técnica à Judiciária. Contudo, se V. Ex.ª disser "Judiciária, mais não", os advogados têm alguma vantagem nisso, embora, como V. Ex.ª sabe, os advogados hoje possam ter assessoria técnica.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vou retirar a palavra ao Sr. Deputado Osvaldo Castro, porque senão desviamo-nos completamente da discussão.
As declarações da Dra. Maria José Morgado estão gravadas, o Dr. Adelino Salvado está a usar da palavra, está a dar a sua opinião, portanto peço que continuemos.
Esta audição está a andar rapidamente e ainda temos muito trabalho pela frente, por isso, peço ao Sr. Director Nacional que conclua.
O Dr. Adelino Salvado: - Sr. Presidente, não quero entrar mais nesta matéria.
De facto, todos os princípios estruturantes do processo penal têm de ser salvaguardados e, quando não o são na sala de audiências, penso que os advogados devem, obviamente, exercer a sua liberdade de actuação, porque é assim que encaro a advocacia.
Quanto ao mais, sobre se este apoio era do meu conhecimento, devo dizer que não era. Trata-se de uma medida profilática que tive de tomar. De facto, continuo a pensar que a medida de retirar todos os apoios que houvessem se impunha. A própria ideia de apoio logístico, de intervenção, se não for do conhecimento do tribunal e das outras partes do processo, nomeadamente dos advogados
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que estão a defender os seus constituintes, não me parece correcta.
Deixem-me dizer mais uma coisa: quanto a pessoas que intervieram na investigação, e das três pessoas que há pouco referi todas intervieram na mesma e de uma forma muito… Não estou a dizer isto, porque saiba da investigação, mas porque isto foi discutido no outro dia, em termos de dar um louvor e a comissão que apreciou a proposta de louvor focou o aspecto da capacidade interventiva dessas pessoas na investigação.
A verdade é que, se isso é assim, o tribunal, em Direito Penal, na sua busca da verdade material, pode oficiosamente, sabendo que determinadas pessoas intervieram em fases cruciais do julgamento, querer ouvir essas pessoas.
Há sempre uma confusão em denominar as testemunhas como sendo de acusação e de defesa; elas não são de uma coisa nem de outra mas, sim, testemunhas do tribunal.
Eu entendi, preventivamente, que esse dispositivo, se existisse na dimensão que me foi descrita, em termos de imagem, deveria ser retirado, porque até poderia afectar a necessidade de o tribunal socorrer-se de outras testemunhas. Na sua prossecução do princípio da verdade material, o tribunal pode fazê-lo por livre iniciativa e não está limitado ao rol de testemunhas apresentado pela acusação e pela defesa.
De modo que podem criticar-me pela forma como assumo as coisas nesta matéria, mas não me critiquem pela defesa dos Direitos, Liberdades e Garantias, porque aí penso que serão injustos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados,…
O Sr. Eduardo Cabrita (PS): - Sr. Presidente, permite-me? É que Sr. Director Nacional não respondeu à última questão, certamente por lapso.
O Dr. Adelino Salvado: - Não sei a qual.
O Sr. Eduardo Cabrita (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Director Nacional não respondeu à minha última questão, relativa ao processo das Finanças, certamente por lapso.
Sr. Director Nacional, já percebemos, do ponto de vista conceptual, o seu entendimento, que é claro. De resto, a Comissão de Inquérito não visa apurar a justeza de entendimentos conceptuais. Como o Sr. Director Nacional disse, alterou uma prática reiterada da Polícia Judiciária em grandes julgamentos, da qual discorda, e fê-lo legitimamente.
Não é função desta Comissão de Inquérito discutir a concepção do papel da Polícia Judiciária no apoio ao Ministério Público em fase de julgamento. O senhor entendeu alterar uma prática usual, e é claríssimo o seu entendimento. Peço apenas duas aclarações relativamente ao que foi dito.
A indicação à Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado de que iria continuar como directora nacional adjunta, em que momento aconteceu e em que termos, é uma questão importantíssima. É estranho que diga que foi apenas por via indirecta, por via de pessoa conhecida comum. Portanto, gostaria que clarificasse se teve ou não alguma conversa com a Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado, tirando as referências, ou não, aos entendimentos da Sr.ª Ministra (quanto a isto não vou voltar a questioná-lo, porque hoje já foi claro no seu entendimento do que aconteceu). Gostaria, então, de saber se houve ou não uma conversa, em que momento e se essa conversa ocorreu apenas no dia 23, véspera da tomada de posse, ou noutra altura anterior.
Quanto à questão de Monsanto e do julgamento do caso Moderna, hoje, o Sr. Director Nacional começou por fazer uma declaração extremamente relevante e, depois, evoluiu e apresentou aqui três teses diferentes.
É fundamental que o Sr. Director Nacional diga aqui se alguém constante do rol de testemunhas esteve ou não a assistir ao julgamento, se não sabe ou se sabe apenas que essa testemunha participou na perseguição a um carro que fez uma manobra brusca, o que conduziu a uma detenção. Essa é uma questão decisiva, relativamente à qual apresentou três versões diferentes, e que deverá clarificar.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Director Nacional.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Eduardo Cabrita, esta reunião está a ser gravada. Vai mostrar-me depois onde estão as três versões diferentes. Na verdade, não mudei de posição, poderá, eventualmente, haver deficiente percepção. V. Ex.ª quer que eu repita tudo? Se este aspecto não estiver claro na transcrição, comprometo-me a vir a esta Comissão esclarecer outra vez, porém, agora, vai poupar-me a descrever outra vez como isto aconteceu, o que desencadeou e o que não desencadeou. De facto, sinceramente, creio que já respondi a este aspecto umas duas ou três vezes.
Portanto, não creio que tenha dado três respostas diferentes. Se o tiver feito, penalize-me que eu virei cá, depois, de propósito - se me chamarem, obviamente - para o esclarecer. Não é verdade que eu tenha na minha cabeça várias concepções do que se passou então.
Quando ao princípio que referi, V. Ex.ª pode não estar de acordo com ele, mas continuo a manter que quem manda num julgamento em curso é o colectivo, não é sequer o Ministério Público.
No que se refere a saber se houve ou não presença dessas pessoas em julgamento - na sala havia vídeo e os julgamentos estão gravados -, essa é uma questão que se coloca ao colectivo; eu não estava lá, não sei, não faço ideia. Foi isto o que eu disse há pouco. Portanto, quanto à presença física das pessoas dentro da sala nada sei.
O Sr. Deputado disse ainda que eu não tinha respondido à questão sobre o processo das Finanças, tendo falado na confirmação do meu pessimismo. Sr. Deputado, não sou uma pessoa optimista, sou pessimista, apesar de tudo não tão pessimista, ainda que um pessimista, como alguém dizia, é um realista, não é assumido. De facto, a verdade dos factos mostra que as coisas chegam a níveis que, mesmo no meu pessimismo, nunca pensei chegarem. Mas isto já está um bocado fora da questão.
Ora, a questão é que não se trata de pessimismo, mas de experiência, pois, permita-me que lhe diga, já tenho algum tempo disto. Quando vejo um inquérito com uma entrada de leão, com uma projecção de 13 pessoas, uma grande publicidade, uma grande mancha de acontecimentos e que, depois, progressivamente, vai-se esbatendo e atingindo o prazo limite da prisão preventiva…
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Pensando já em termos da Polícia Judiciária, este processo provocou quebra, perda de eficácia de intervenção noutros processos, porque o pessoal não é elástico e para estar a fazer centenas de operações neste processo há outros que ficam estagnados. Portanto, esta foi uma opção que, se calhar, competiu à Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado, mas não sei, porque é uma questão do Ministério Público. Como sempre digo e torno a repetir, aliás, não sei quantas vezes será necessário repeti-lo, na fase de inquérito a tutela cabe ao Ministério Público, a Polícia Judiciárias é um auxiliar; quem determina as coisas é o Ministério Público.
Portanto, Sr. Deputado, não tenho nada que ser pessimista ou optimista no caso concreto, só estou a fazer uma definição… Aliás, não é desmotivador para a Polícia Judiciária, nem tem de ser motivador, pois estamos sempre - sempre! - a falar em actividades tuteladas pelo Ministério Público. Quem determina as acções, as operações da Polícia Judiciária na fase de inquérito é o Ministério Público. Poderá haver alguém na Polícia que diga que não é o Ministério quem as determina, mas eles. Não, vão à lei, porque é o Ministério Público quem decide o curso do inquérito.
Portanto, quanto a ser motivador ou não, não estou aqui para desmotivar o Ministério Público, que fará o que entender. Eu tenho como ideia que, estando a breve trecho a ser atingido o prazo da prisão preventiva, nessa altura, haverá uma opção a tomar por parte do Ministério Público. Nessa altura, V. Ex.ª poderá reparar se sou pessimista ou optimista; não faço prognósticos em bola de cristal, a minha bola de cristal hoje não está grande coisa…
O Sr. Presidente - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, os meus cumprimentos para o Sr. Desembargador e as minhas perguntas para o Sr. Director Nacional.
Devo dizer que prefiro fazer pergunta a pergunta, porque não vou tecer considerações gerais; não o fiz ontem e também não vou fazê-lo hoje. Prefiro fazer pergunta a pergunta, tentando que as mesmas sejam curtas. De qualquer forma, penso que há algo que deveria ser dito ao Sr. Director Nacional, e vou dizê-lo. O senhor criticou a forma das perguntas, em catadupa, mas isso resultou de uma deliberação desta Comissão sob proposta do Sr. Deputado Jorge Neto, que sugeriu que cada Deputado fizesse uma intervenção de 5 minutos em que colocasse um conjunto de questões.
O Sr. Jorge Neto (PSD): - Não!
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não?! Desculpe, mas tenho aqui a acta!
O Sr. Presidente. - Sr.ª Deputada, se quer fazer pergunta a pergunta agradeço que assim seja, pois sei que é concisa.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - E o Sr. Presidente esteve de acordo!…
Vozes do PSD: - Isso são minudências!
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - São minudências mas volto a elas! Foi o PSD que o propôs, e conviria que isto fosse dito ao Sr. Director Nacional para que não estivéssemos aqui constantemente a ser censurados por ele e a chamar à colação o Código do Processo Penal! Houve uma deliberação, por unanimidade, desta Comissão!
Vou, então, colocar as questões. Sr. Director Nacional, temos em nosso poder um fax, enviado pelo gabinete da Sr.ª Ministra, já com a concordância em relação à comissão de serviço, pelo menos vejo ser do dia 28 de Agosto (enviado às 19 horas e 45 minutos ou às 18 horas e 45 minutos, tanto faz para o caso). Pergunto se foi depois disto que contactou, por exemplo, o actual Director, que substituiu a Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: -Se foi depois do quê, Sr.ª Deputada?
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Pergunto se foi depois de receber este fax que contactou o actual Director. Tenho aqui um fax mas, já agora, diga-me se é ou não do gabinete da Sr.ª Ministra, porque não quero estar a fazer perguntas que sejam consideradas facciosas, quando o não são.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Sr.ª Deputada, o fax, tanto quanto me recordo, veio da Ericeira.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não, não! Não é esse, não é o da Ericeira!
Pergunto-lhe, Sr. Director, se foi depois do fax que contactou o actual Director.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Sr.ª Deputada, deixe-me contar-lhe como isto se processou.
Obviamente, quando recebo o fax, a primeira coisa que faço é contactar a Sr.ª Ministra. Portanto, entre a recepção do fax e as diligências que fiz para saber se o fax era verdadeiro… Logo que recebi o fax, obviamente, contactei a Sr.ª Ministra para contar-lhe essa situação. Quando a situação foi esclarecida com a Sr.ª Ministra contactei a pessoa que veio suceder nestas funções.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - V. Ex.ª conhecia já o Sr. Procurador da República que foi ocupar o lugar?
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Temos amigos comuns. Já tínhamos tido um contacto prévio, na zona do Pombal, onde tenho um dos meus grandes amigo, que é amigo comum, e também meu colega de trabalho.
Esse meu amigo conheceu-o e trabalhou com ele. Portanto, eu já o conhecia, bem como trabalhos produzidos por ele. Se quer que lhe diga, em alguns dos acórdãos elaborados por esse meu amigo íntimo havia colaboração, em termos de dados e elementos procurados, do Dr. Albano, que possui uma belíssima biblioteca jurídica.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Director Nacional, a terceira pergunta é relativa ao processo das Finanças, mas não se trata do processo dos combustíveis. Não digo que não tivesse o direito de o fazer, mas gostava de esclarecer um aspecto, porque só se falou que V. Ex.ª foi saber do processo dos combustíveis. Quero perguntar se também em relação ao processo das Finanças pediu informações na
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ausência da Dr.ª Maria José Morgado, que se encontrava em férias.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Não, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não pediu?
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Que me recorde, não pedi informações sobre esse processo.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Fica a resposta negativa, Sr. Director Nacional.
A minha próxima pergunta refere-se à questão dos pareceres. O Sr. Director Nacional disse que, salvo erro (posso não ter ouvido alguma coisa bem, pelo que peço que me corrija), o Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes não estava a satisfazer no trabalho, pois eram pedidos estudos e pareceres que não eram dados. Foi isto o que disse, não foi?
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Não, não! Cada direcção central é internamente gerida por uma instrução permanente de serviço, que define o nível da composição, é o esqueleto da composição de uma determinada direcção central. Há operações, há informações, há, portanto, no caso da polícia portuguesa, um núcleo de estudos e de formação, ou seja, o que hoje se chama de pró-actividade - estar antes do fenómeno acontecer, por ser apreciada a sua possível génese. Quando falo em núcleo de estudos refiro-me a um núcleo de análise de situações, que estabelece parâmetros possíveis do que vem em termos de criminalidade.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Então, não era em relação ao Sr. Dr. Pedro Cunha Lopes?
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Não, Sr.ª Deputada, era em relação à estrutura que ele comandava, onde não existia, e só agora está a ser implementado, esse grupo.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Referia-se à estrutura que ele comandava, e não existia?
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - É em relação à estrutura que ele comandava, onde não existia - e só agora é que está a ser implementado - esse novo grupo.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - À estrutura que ele comandava e não existia.
Mas, já agora, pergunto-lhe, porque também temos connosco - foi entregue pelo Dr. Pedro Cunha Lopes - um pedido de parecer dirigido à DCICCEF, para dar um parecer, no prazo de cinco dias, relativamente a um formulário. Isto é pedido, salvo o erro, a 8 de Agosto (que é o que aqui está). E é dado um parecer no dia 13 de Agosto. Depois, lemos aqui uma nota a dizer que tem de se arquivar, uma vez que o tal formulário já estava elaborado.
Portanto, este pedido de parecer foi só para as pessoas que o fizeram aquecerem os motores. Não é isso que está aqui?
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Desculpe, mas qual é a sua pergunta?
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Gostava que explicasse por que é que, afinal, pedia os pareceres e não esperava que os entregassem no prazo? Este é um caso.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Estamos a confundir… Vai perdoar-me, mas não leu o princípio. Esta é uma medida de relatório mensal de gestão, porque - não sei porquê - quem esteve na Polícia Judiciária não teve a preocupação de ter indicadores de actividade, de produtividade mensal.
Portanto, uma pessoa que chegasse ali não conseguia ver o que é que se tinha feito no mês anterior. Não havia um instrumento de gestão de avaliação da actividade desenvolvida, esforço e custo/benefício, digamos assim.
Isto é uma coisa que foi pensada, demorou um bocado de tempo pensar. Este formulário está informatizado. Estes gráficos aparecem automaticamente. Portanto, isto é um relatório que aparece, agora, mensalmente. É cumprido, salvo o erro, até ao dia 10 de cada mês. Cada departamento, em toda a Polícia, manda para a central este relatório mensal, para se apurar o que é que está a fazer.
A Sr.ª Odete Santos (PCP) - Sim, sim. Mas é pedido aqui, na parte final, um parecer, eventuais sugestões e contributos. E, depois, foram enviados no dia 13 de Agosto e, segundo depoimento do Dr. Pedro Cunha Lopes, deixou de ter sentido, porque, entretanto, o assunto, o que havia de ser feito - o tal formulário, o tal relatório - já tinha sido decidido.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Mas repare, o relatório entrou… Não percebo, exactamente, o âmbito da pergunta. A verdade é que isto está a ser cumprido por toda a gente, hoje. Entrou na rotina.
Mas qual é a sua questão?
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - A pergunta é muito simples. No dia 8 é pedido um parecer. Na parte final, aqui está: no dia 8, é pedido um parecer, sugestões e contributos. No dia 13, é apresentado um trabalho, em resposta a este pedido de parecer.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Mas, desculpe, um parecer sobre um formulário? É isso que está a incomodar?
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - É um parecer sobre isto que aqui está!
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - É que estamos a falar de um formulário!
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - E o Dr. Pedro Cunha Lopes diz, em relação a este caso e em relação a outros, que faziam os pareceres, mas que não eram levados em consideração, porque já tinha sido resolvido o assunto.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Vai desculpar-me, mas o que estava aqui em causa era se havia melhoramentos a introduzir neste formulário.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - A outra pergunta, Sr. Director Nacional, é a seguinte: salvo erro (depois, como isso está a ser gravado, se verá), a certa altura, V. Ex.ª, em relação ao Dr. Rui do Carmo, usou a palavra: deve ter sido
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uma má compreensão do Dr. Rui do Carmo e podem perguntar ao Dr. Mário Mendes.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Não percebi!
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - O que é que quis dizer com má compreensão do Dr. Rui do Carmo?
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Porque, repare, eu não consigo dizer… No caso concreto, foi uma conversa a três e a quatro. Foi uma conversa no Centro de Estudos Judiciários, onde, obviamente, havia várias pessoas desejosas de me ajudar - penso eu - a escolher uma perspectiva de ocupação e de exercício de funções e como é que as coisas deviam funcionar na Polícia Judiciária. A conversa debateu-se por toda a Polícia Judiciária.
E, se pergunta assim, eu não fiz, tanto que me recordo, nenhuma projecção ou nenhum convite a nenhum dos presentes, em termos práticos.
Agora, se me pergunta se alguma das pessoas depreendeu que havia a possibilidade de, em relação a qualquer deles, nomeadamente a um que se veio mais tarde a confirmar, o Dr. Francisco Teodoro Jacinto, surgir, depois, um convite formulado, em termos reais… Se dessas conversas, onde, primeiro que tudo, esteve também o Dr. Rui Carmo - que é pessoa que eu não conhecia, só conheci lá… Eu não sei o que é que a pessoa depreendeu.
Muitas vezes, estamos a falar em termos de discussão colectiva com pessoas e uma percebe uma coisa e outra percebe outra.
Se me perguntar - é isso que, se calhar, quer dizer - o que veio no jornal Expresso atempadamente, nomeadamente que eu teria formulado um convite a alguém do CEJ, formulei ao Dr. Francisco Teodoro Jacinto, que ele aceitou mais tarde.
Não tenho a percepção que, das conversas havidas, tenha sido intuído, por qualquer dos outros presentes, que tenha sido dirigido também um convite a qualquer deles. É esta é a matéria que eu quero dizer.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - O convite é muito concreto. O convite ao Dr. Rui do Carmo.
A pergunta que lhe estou a fazer é se esta má compreensão diz respeito a que o Dr. Rui do Carmo tenha sido convidado para o DCICCEF.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Eu posso responder a esta pergunta: que eu tenha dirigido um convite directo, preciso, nesse aspecto, a qualquer dos intervenientes, não fiz.
Que qualquer deles tenha tido a percepção que esse convite poderia ter sido formulado no âmbito geral da conversa, eu não sei. Terá de perguntar ao Dr. Rui do Carmo qual foi a percepção dele.
A Sr. Odete Santos: - Então, mas admite que indirectamente possam ter concluído isso…
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Sr.ª Deputada, não me faça essa pergunta, porque não admito.
Comecei por dizer que a minha posição, no concreto, foi que nunca pensei substituir a Dr.ª Maria José Morgado. Esta pergunta é que tem de ser feita de forma directa, Sr.ª Deputada. Alguma vez pensou substituir a Dr.ª Maria José Morgado? A esta, eu respondo: não!
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Desembargador, mas foi V. Ex.ª que usou a palavra "directo" na resposta que me deu. E, por isso, eu perguntei de uma forma indirecta se podiam ter concluído isso. Pronto, está bem. Está respondido.
A outra pergunta que lhe quero fazer penso que será a última, porque já muita coisa foi perguntada e não me vou querer pronunciar sobre essa questão da igualdade das partes, que é uma questão bastante interessante discutir, entre a acusação e a defesa. Não me vou pronunciar sobre isso.
O que eu quero perguntar é o seguinte: quando soube que havia algum agente no Tribunal de Monsanto, quando deu por isso, chamou a Dr.ª Maria José Morgado… Foi?
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Obviamente que a percepção do facto aconteceu, como já aqui esclarecei, a propósito do incidente que aconteceu.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Exacto. E ela o que é que lhe disse?
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Demorei algum tempo a aperceber-me, porque eu não vou a Monsanto. Portanto, o receber a informação é lento. Demorou não sei quantos dias: cinco, seis, dez dias.
Quando fiz uma análise que me permitia discutir essa matéria com a Dr.ª Maria José Morgado, sim, falámos no meu gabinete na presença, quer de um quer do outro, dos meus adjuntos directos. Sim.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - E, na altura, o que é que ela lhe referiu sobre isso? Porque é que estava lá o agente?
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Sr.ª Deputada, ela deve ter esclarecido isso: o apoio logístico… Não sei qual é o conceito de apoio logístico que ela explicou neste tribunal.
Houve o cuidado de não sei quem pôr esta notícia no jornal Expresso, simultaneamente quando aparece a grande entrevista da Dr.ª Maria José Morgado ao jornal Expresso. Não sei se teve ocasião de ler que, num caderno ao lado, está a explicação do que é esse apoio logístico.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Eu não leio muito o Expresso, sabe?
Não estou incluída nessas pessoas que estarão representadas no Expresso.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Eu também não, mas, infelizmente, de há uns tempos para cá, desde que me ensinaram a ler notícias no Expresso, tive de começar a ler.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - A pergunta que quero fazer, em relação a isto, vem na sequência também de uma afirmação do Sr. Director Nacional sobre esta matéria. E disse, exactamente, em relação à presença de agentes da Judiciária nos tribunais, assim: não é aí que se recolhe prioritariamente a prova. Foi assim e a gravação revelará.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Mas eu não estou a discutir isso. Eu concordo.
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A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Portanto, a pergunta é se realmente… Eu não sei… No caso presente, eu já tentei averiguar se V. Ex.ª sabia os motivos concretos por que os agentes ou um agente - não sei quantos agentes passaram por lá…
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Mas a Sr.ª Deputada discorda que não é num tribunal, num julgamento, que um polícia pode recolher prioritariamente a prova? A Polícia?!
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Director Nacional, o que eu sei é que temos uma lei, do tempo do Sr. Ministro Laborinho Lúcio, que fala em medidas de prevenção relativamente à corrupção, aos crimes económicos e financeiros, e diz que a Polícia Judiciária também pode ter a iniciativa de fazer a recolha de informação para depois comunicar ao Ministério Público.
Portanto, eu quero dizer que, de facto, com esta sua afirmação - diz que não é aí que se recolhe prioritariamente a prova -, admite que aí se possa recolher prova… Pode é não ser o lugar prioritário.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Sr.ª Deputada, no campo de versatilidade da vida humana, pode recolher-se prova até aqui nalgum lado. Olhe, está ali um pacote de bolachas… Está ali alguém a comer bolachas…
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Até deve haver muita prova aqui em relação aos cigarros, etc.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Agora, vai desculpar-me, não é verdade que a polícia, num tribunal, que hoje todo ele recolhe a prova… A prova, como sabe, é produzida oralmente perante o tribunal. Há o princípio da imediação e da oralidade num tribunal. Hoje, qualquer tribunal é obrigado a gravar a prova.
Por que é que é preciso estar lá um agente para ele, com os ouvidos dele, a recolher oralmente, quando, de facto, a prova fica gravada? Acha que faz sentido um agente estar deslocado para um tribunal, para assistir a um julgamento e ouvir a prova?
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Eu acho!
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Ah, bom… Então, é seu entendimento.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Eu acho, dentro da lei. Por acaso, devo dizer que eu até nem concordo totalmente com a lei. Mas acho.
E V. Ex.ª admitiu, uma vez que usa o termo prioritário, porque lá se pode recolher prova. E acho, até porque uma gravação não revela… E sabe muito bem, porque é desembargador, que, se lhe chegar uma gravação de uma audiência, não lhe revela as reacções das testemunhas ou as reacções do arguido. Por isso é que eu pergunto se, de facto, quando…
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Sr.ª Deputada, vai desculpar-me. Então, retiro o termo prioritariamente. Este advérbio está a incomodá-la.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Retira, mas é agora.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Se está a incomodá-la o termo prioritariamente.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas é agora que retira.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Não! Para substituir por outro, excepcionalmente.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - A pergunta que eu faço é: estando lá um agente da Polícia Judiciária na assistência, o que é que isso influenciaria os juízes? Por que é que a presença de um agente da Polícia Judiciária na assistência influenciaria os juízes?
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Os Juízes?!
Eu, há bocado, falei no princípio de isonomia. V. Ex.ª sabe o que é que significa o princípio de isonomia? Da paridade e igualdade de armas dentro do julgamento?
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sei e sei que não temos um processo penal de partes, em Portugal. Como existe nos Estados Unidos, não temos.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Não, com o escopo do processo, qualquer dos intervenientes … Bem, não vamos falar de processo penal. Mas é a averiguação de verdade material.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Aliás, aí, entrava outra questão muito importante: na questão dos crimes de colarinho branco, a desigualdade de armas joga em desfavor do Ministério Público, pela falta de meios. Porque cometem esses crimes…
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, eu aceitei como boa a resposta, bem como as perguntas que a senhora esteve a fazer. Agora, perdoe-me, mas está a querer, forçosamente, que o Sr. Director Nacional responda aquilo que a Sr.ª Deputada quer. Ele já respondeu três vezes a essa questão…
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não, não!
O Sr. Presidente: - … e a senhora insiste até ele responder o que a senhora quer.
Peço à Sr.ª Deputada que, de facto, conclua a pergunta e aceite como boa a resposta, porque, senão, não saímos daqui.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, quando me deixarem falar, eu falo.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputada, mas peço-lhe, encarecidamente, que não repita a pergunta três ou quatro vezes até que a resposta lhe seja favorável. Aceite a resposta como boa, Sr.ª Deputada, e passe para outra pergunta.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, eu já terminei.
Registo, apenas, que eu, de facto, não faço alegações nem considerações e levei uma reprimenda. Quando outras pessoas o fazem, podem fazer, podem até repetir perguntas,
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podem insultar pessoas, como ontem se passou. E aí não há dúvidas…
Sr. Presidente, desculpe, mas eu gosto de dizer as coisas frontalmente. De facto, não pode haver dois pesos e duas medidas.
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, só lhe quero dizer que eu não fiz nenhuma reprimenda. Eu pedi, apenas, que a Sr.ª Deputada terminasse as perguntas e que, da mesma maneira que o Sr. Director Nacional e todos os depoentes desta Comissão têm de aceitar as perguntas que lhe são feitas, fizesse um esforço para aceitar as respostas.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Já aceitei. Depois, a análise será outra.
Só queria corrigir uma coisa: é que, de facto, a proposta dos cinco minutos não foi do Sr. Deputado Jorge Neto (eu passei a folha), mas do Sr. Presidente.
O Sr. Jorge Neto (PSD): - Está a ver como eu tinha razão!
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas foi do Sr. Presidente. Não foi nossa, tão-pouco.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, nesta fase deste inquérito, as perguntas são muito poucas, mas não posso deixar de as fazer, por razões que se compreenderão.
Sr. Director Nacional, na parte em que pude assistir a esta inquirição - e tenho informações sobre a parte em que não pude estar fisicamente, por razões que V. Ex.ª conhece -, impressiona-me o facto de não termos muitos subsídios para dirimir a tal colisão de versões com que a Assembleia da República está confrontada.
Trouxe-nos uma contribuição, utilizando uma metodologia que me parece correcta. Mas a esta hora eu não tenho a certeza de que a Assembleia da República possa seguir essa metodologia em todos os outros casos em que é necessário aclarações. E seria, de facto, absurdo aceitar um depoimento escrito e não pedir depoimentos orais de outras pessoas que foram invocadas por depoentes perante esta Comissão. Nós vamos propor que isso aconteça e apenas temo o que possa acontecer se, porventura, essas convocações não tiverem lugar.
Mas o facto é este. O facto é que estamos perante uma colisão de versões. E o que eu gostava de saber - a primeira pergunta muito concreta que lhe faço - é se considera que houve, portanto, falso depoimento perante esta Comissão e se devem aplicar-se as sanções do Código Penal que tipificam crimes contra a realização da justiça, e que V. Ex.ª muito bem conhece, uma vez que a Assembleia da República não poderia aceitar um depoimento falso sem tirar as respectivas ilações.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Sr. Deputado, vai perdoar-me, mas eu não lhe alivio esse trabalho. Caberá a esta Comissão definir se há ou não há, se houve ou não houve falsos depoimentos.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. José Magalhães (PS): - Mas, portanto, admite que, em caso de falso depoimento, a Assembleia da República não estaria senão confrontada com a necessidade de accionar os mecanismos do Código Penal contra falsos depoentes.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Sr. Deputado, esta Comissão não precisa que eu admita nada, porque é composta por elementos capazes de fazer essa constatação e decidir em conformidade.
O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem.
Em segundo lugar, há no processo indícios que não são irrelevantes, mas relevantes, primeiro, de que, apesar daquilo que são (tudo indica) pressões da Sr.ª Ministra da Justiça, do poder político, o Sr. Desembargador aceitou a Dr.ª Maria José Morgado na sua equipa (portanto, a continuação) por três razões que lhe tipificou numa reunião - sobre a qual, não o ouvi ainda depor. Razões: primeiro, egoístas; depois, de justiça; e, depois, práticas ou de eficácia.
O Sr. Desembargador não se lembra de ter, assim, tipificado as razões pelas quais aceitou a Dr.ª Maria José Morgado na sua equipa?
Razões egoístas, porque a não integração levaria a suspeição sobre a sua vontade de combate ao crime económico, financeiro e fiscal. Razões de justiça, porque não podia deixar de reconhecer o bom trabalho feito, anteriormente. Razões práticas ou de eficácia, porque a acção da DCICCEF tinha resultados práticos positivos.
Nega que tenha alguma vez dito isto à Dr.ª Maria José Morgado?
O Sr. Adelino Salvado: - Não, não me recordo. Tive várias conversas, dezenas de conversas, com a Dr.ª Maria José Morgado. Não me recordo, exactamente, o que é que disse ou que não disse. Não me recordo os termos disto.
Agora, eu queria que, a propósito disso, pelo menos, se tivesse em conta este paradigma de actuação. A opção da continuidade da Dr.ª Maria José Morgado também passou por mim, também passou pelo decisor da tutela política. As razões foram dessa altura.
Com certeza, está a criticar-me por eu ter feito a opção, a minha parte da opção, de ficar com a Dr.ª Maria José Morgado no início do processo, da minha entrada na Polícia Judiciária.
O Sr. José Magalhães (PS): - Não, de maneira nenhuma, Sr. Desembargador. Apenas…
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - É que eu não estou a ver a que dia é que quer chegar, para eu me recordar do que é que me determinou a tomar a posição.
O Sr. José Magalhães (PS): - Apenas estava a tentar localizar razões pelas quais a integrou na equipa e depois perdeu confiança. Mas penso que é significativo que não se lembre destas três razões, porque elas parecem muito bem equacionadas, bastante razoáveis e fundamentadoras de uma opção.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Sr. Deputado, eu até acredito que se fosse V. Ex.ª a pensar, adoptaria essas posições… V. Ex.ª, certamente, se são tão boas opções.
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Agora, da minha parte, não me recordo. Está-me a pedir que eu recorde uma temática dessas, precisamente num determinado contexto… Não. Sinceramente, não me recordo.
O Sr. José Magalhães (PS): - Em Julho deste ano.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Em qualquer altura, não me estou a recordar disso. Posso ter feito isso…
Até posso concordar que seriam, em termos lógicos, esquemáticos, como V. Ex.ª acabou de dizer, razões, entre outras. Mas não me recordo de ter feito as afirmações.
O Sr. José Magalhães (PS): - A terceira questão é que, daquilo que nos disse e dos outros indícios, eu julgo que é possível concluir razoavelmente que V. Ex.ª viu o fio a esticar em ambos os casos…
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Não percebi.
O Sr. José Magalhães (PS): - A questão é sua: viu o fio a esticar no relacionamento com os dois magistrados…
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Peço perdão, mas eu não disse isso em relação aos dois.
O Sr. José Magalhães (PS): - Disse apenas em relação ao Dr. Cunha Lopes?
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Sim.
O Sr. José Magalhães (PS): - Então, viu o fio a esticar em relação ao Dr. Cunha Lopes e preparou-se para o momento de o partir e escolheu o momento de o partir…
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Não escolhi, não.
O Sr. José Magalhães (PS): - Não? Era sobre isso que gostava de o ouvir.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Não, não escolhi. V. Ex.ª não estava cá quando eu disse porquê, como é que correu essa reunião. Penso que correu de uma forma extremamente…
O Sr. José Magalhães (PS): - Não, ouvi! A reunião em que V. Ex.ª entende que o Dr. Cunha Lopes, ao assinar sistematicamente as autorizações para horas extraordinárias, estava a violar uma atitude que lhe parecia paradigmática.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Não, não foi isso. Foi a posição que ele tomou publicamente perante toda a gente que estava à volta da mesa.
O Sr. José Magalhães (PS): - Eu ouvi esse depoimento, Sr. Desembargador, mas ele não explica tudo.
Em quarto lugar, na data da cessação de funções, os substitutos estavam apalavrados. Não respondeu à pergunta do Sr. Deputado Jorge Lacão em condições que nos permitam reconstituir - e, como sabe, é isso que temos de fazer - o que é que aconteceu nestes dois dias: 27 e 28.
No dia 27, V. Ex.ª recebe o fax com o manuscrito do pedido de cessação de comissão de serviço e a Ministra da Justiça…
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Sr. Deputado, eu já respondi a essa pergunta, exactamente, posta por outras palavras.
O Sr. José Magalhães (PS): - Peço desculpa, Sr. Desembargador, mas não especificou…
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Se V. Ex.ª não admite a resposta que eu dei, poderá congeminar o que quiser e poderá dizer, como há pouco disse, a sua percepção dos acontecimentos. Mas é a sua!
O Sr. José Magalhães (PS): - Peço-lhe desculpa, porque tenho o direito, e vou exercê-lo, de lhe perguntar como é que contactou com a Sr.ª Ministra da Justiça…
Protestos do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Deputado José Magalhães está no uso da palavra e eu não lhe tirei a palavra. Se, porventura, eu entender que o Sr. Deputado José Magalhães está a repetir-se, chamar-lhe-ei a atenção. Até ao momento, está no uso da palavra.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, posso?
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, eu não lhe vou dar a palavra, porque, senão, de facto, não saímos daqui.
Os Srs. Deputados estão a interromper-se sistematicamente uns aos outros, quando devíamos estar a produzir o nosso trabalho e permitir que a Mesa possa criteriosamente verificar se os depoimentos e as perguntas estão a ser correctamente formulados.
Portanto, peço aos Srs. Deputados que deixem o Sr. Deputado José Magalhães terminar. Ele já ia a meio, pelo que não o obriguem a recomeçar.
Peço ao Sr. Deputado José Magalhães para concluir.
O Sr. Deputado José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, verificará que a minha pergunta procura aditar uma informação ou obter uma informação que ainda não foi fornecida e nós, naturalmente, temos direito a ela.
A pergunta concreta é: como é que transmitiu à Sr.ª Ministra da Justiça esta situação? Como é que a contactou? Se pessoalmente, por fax, por telefone, por mail, etc. A que horas é que o fez? Uma vez que o dia tem 24 horas e, como sabe, isso não é indiferente.
E, por outro lado, como é que recebeu o "sim". Porque, mesmo que a Sr.ª Ministra da Justiça tenha o princípio que aqui enunciou - e que, de resto, me parece extraordinário, mas não me cabe agora discuti-lo, nesta sede - de aceitar o que quer que seja que lhe seja proposto, sem conhecer a pessoa proposta, sem ver o curriculum, sem ter a mínima informação sobre se existe ou não existe…
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): - Disse exactamente o contrário!
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O Sr. José Magalhães (PS): - Não, não. Foi exactamente isso que a Sr.ª Ministra disse e, aliás, vai ter de redizer. A verdade é que ela deve ter dado o "sim" a uma determinada hora. Através de que forma?
É isso que é preciso saber e é isso que eu formalmente lhe pergunto.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Posso responder, Sr. Deputado? Ou tem mais alguma pergunta?
O Sr. José Magalhães (PS): - Quanto a isto, não. Tenho, depois.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - O contacto com a Sr.ª Ministra foi via telefone. Porque a única maneira possível de contactar a Sr.ª ministra é sempre por via telefónica. Raramente há outro método, porque os gabinetes… Aliás, V. Ex.ª sabe perfeitamente. Tenho aqui três pessoas à minha frente que sabem perfeitamente a complexidade que é um gabinete ministerial em funções. Portanto, foi uma comunicação instantaneamente por telefone.
A hora, não me recordo. Eu não me recordo a que horas começou esta reunião. Não me recordo o que é que se passou ontem. Não me recordo a hora.
O Sr. José Magalhães (PS): - Peço desculpa, mas já disse, e está nos autos, que terá recebido o fax cerca das… Às 17 horas telefonou à Dr.ª Maria José Morgado a manifestar-se inquieto por não receber o fax.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Desculpe, mas não sei a hora que foi. Eu não disse isso. Eu não falei em horas.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Desembargador, lembra-se, certamente, de que estava inquieto por não receber o fax.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Quem é que estava inquieto?
O Sr. José Magalhães (PS): - O Sr. Desembargador.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Eu não disse isso, Sr. Deputado. Eu não disse que estava inquieto. Eu falei em inquieto?! É uma palavra que não usei desde que… Eu não me recordo de ter usado. Vamos, outra vez, à gravação ver se eu utilizei a palavra inquieto.
O Sr. José Magalhães (PS): - Se lhe repugna a palavra inquieto, eu substituo-a por qualquer outra que explique o telefonema.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Não me repugna a palavra inquieto em si mesma. Repugna-me que V. Ex.ª a ponha na minha boca, porque eu não a utilizei. A palavra é fria, não tem sentido.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, com franqueza, permita-me que lhe diga, agora, que, verdadeiramente, não vejo o que é que pode interessar - nós não somos um tribunal - a hora ou o minuto a que se telefonou ou deixou de telefonar. Isso não tem rigorosamente nada que ver com o apuramento de responsabilidades políticas. Peço imensa desculpa.
O Sr. José Magalhães (PS): - Mas interessa…
O Sr. Presidente: - Não. Às tantas, Sr. Deputado, sou obrigado a entender que há apenas uma tentativa de se incomodar o depoimento que está a ser feito.
Portanto, peço ao Sr. Deputado para prosseguir. O Sr. Director Nacional já disse que não se recorda da hora, pelo que lhe peço para fazer mais perguntas que tenham que ver com responsabilidade e não com um cenário de factos que não interessa para nada a esta Comissão.
O Sr. José Magalhães (PS): - Muitíssimo bem.
Gostaria, Sr. Presidente, de assinalar que não é possível obter uma resposta precisa sobre este ponto.
No entanto, gostaria de perguntar ao Sr. Director Nacional, se se recorda do conteúdo e dos termos do telefonema. Isto é, como é que sintetizou a situação que motivava a necessidade de cessação da comissão de serviço? E como é que fundamentou a proposta de substituição, nos termos que vieram a ser aceites pela Sr.ª Ministra?
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Há pouco, disse-me que eu nunca mandava os currículos das pessoas. Não é verdade. Eu sempre tive o cuidado de informar devidamente a tutela política do perfil, em termos académicos, das pessoas que eu propunha. Creio, mesmo, que estará necessariamente no gabinete da Sr.ª Ministra tudo o que se chama por currículo de todas as pessoas.
Portanto, tive sempre esse cuidado. Tenho sempre o cuidado de, por onde ando, elucidar as pessoas de quais são as opções que faço, de me penitenciar por aqueles que não faço ou que me enganei.
Agora, se me vai perguntar de teores de conversas que já se passaram há meses, sinceramente, sinteticamente não sou capaz de as fazer. Sei que, da minha parte, habilitei o meu decisor político, da tutela, sobre todos os parâmetros da questão. Desde que exerço funções fora da magistratura, tento fazê-lo sempre de uma forma clara, isenta, tão sintética quanto possível; ponho o problema em equação claramente.
Não o fiz perante outros… V. Ex.ª não tem experiência disso porque não tive o prazer de trabalhar fora dos tribunais na altura em que V. Ex.ª era membro do Governo, senão também saberia que sempre tenho procedido assim, nunca tenho ocultado nada a quem tem a tutela política.
O Sr. José Magalhães (PS): - Mas seria capaz, Sr. Desembargador, de recordar como pôde organizar todos os contactos necessários para aferir se havia substitutos à altura susceptíveis de… - recordo que o Sr. Desembargador é uma pessoa cuidadosa, encontrou-se em Campolide com este que era apenas um candidato a dirigente superior da Polícia Judiciária, conversou com ele no café durante três quartos de hora, procurou conhecê-lo directamente e aferir… É evidente que se enganou nessa matéria mas, enfim, tem o mérito de ter feito a diligência.
Contudo, enganado que tinha sido uma primeira vez, não acredito que não tivesse cuidado a fazer o screening, a avaliação dos que eram candidatos a substitutos daqueles que tinham decepcionado a sua confiança!
Pergunto se, para avaliar se estes substitutos eram idóneos e adequados, dignos de serem propostos à Sr.ª Ministra
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da Justiça, o Sr. Desembargador fez diligências entre o momento desse fax formal… Ou será que já as tinha feito antes? É que, face aos indícios que há nos autos, parece-me plausível que já as tivesse feito.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Já respondi a essa pergunta, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PS): - Mas não é capaz de nos indicar quando é que o fez! E nós temos direito a sabê-lo, peço desculpa. Não estaríamos aqui fazendo literalmente nada se aceitássemos uma resposta vaga nessa matéria. Pode é optar por não responder!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, vou pedir ao Sr. Director Nacional para responder e o Sr. Deputado terá de aceitar a resposta tal qual ela for dada.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sem dúvida nenhuma!
O Sr. Presidente: - Sr. Director Nacional, faça favor.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Sr. Deputado, não me peça exercícios de memória de coisas que aconteceram, ou então… Pensa que tenho uma memória magnífica, não tenho; pensa que faço as coisas aleatoriamente porque - segundo diz - enganei-me, não as faço aleatoriamente, são pensadas.
Como disse, e é conferível porque não estou a fazer nada não constatável, levanto-me às seis horas da manhã, estou a trabalhar muitas horas por dia, já há muito tempo - referi aqui, da outra vez, que nem sequer tive férias. E isto porquê? Porque o meu empenhamento é total nesta estrutura. Se calhar, não vale a pena porque sou penhorado e responsável por tudo o que acontece de mau e de não mau nesta estrutura.
A verdade é esta: não peça um exercício de memória a uma pessoa que faz dezenas e dezenas de despachos, dezenas e dezenas de actividades por dia. Poderá V. Ex.ª lá ir - aliás, disse que o faria -, estou à espera que o faça para ver como funciona a Polícia Judiciária, para ver in loco a densidade de problemas que se põem todos os dias, desde manhã até à noite, ao Director Nacional. Só assim é capaz de perceber que, perante a multiplicidade de acontecimentos, não há ninguém, a não ser um génio, que consiga memorizar tudo o que se passou, as palavras… Há pouco, V. Ex.ª queria que eu sintetizasse conversas? Vai-me desculpar, mas não sou capaz! Não ficará satisfeito, mas não sou capaz, e ponto final.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Desembargador, registo apenas que isso nos coloca um problema de reconstituição, não a nós mas à Assembleia da República - até porque este inquérito não acaba aqui, qualquer que seja o seu desfecho! Estamos sujeitos ao escrutínio público e temos responsabilidades.
A minha preocupação era apenas que ficasse claro se havia ou não memória exacta do procedimento, sendo certo que esse procedimento era muito importante dados os antecedentes.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Outra vez?
O Sr. José Magalhães (PS): - Sim, outra vez! E, Sr. Presidente, passo à questão seguinte…
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, vou pedir-lhe para alterar a sua metodologia: formule todas as perguntas que tem para formular e, no fim, terá as respostas, caso contrário não saímos daqui! O Sr. Deputado não me leve a mal, mas está há 20 minutos a tentar inquirir sobre matérias que nada têm a ver com a responsabilidade política dos actos do Governo ou da Administração.
O Sr. José Magalhães (PS): - Têm, Sr. Presidente,…
O Sr. Presidente: - Não, não têm. Falaremos sobre isso mais tarde, quando discutirmos em reunião da Comissão o resultado dos depoimentos.
Enquanto Presidente tenho por função não apenas dirigir os trabalhos mas também, de algum modo, proteger os depoentes que aqui estão. E é meu entendimento que o Sr. Deputado, neste momento, apenas está a tentar confundir o depoimento, não estando, minimamente, a tentar obter um esclarecimento da parte do depoente.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Não lhe dou a palavra agora, Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, porque não vou interromper um depoimento que está a meio. No final do pedido de esclarecimentos do Sr. Deputado José Magalhães, permitirei que interpele a Mesa.
Peço ao Sr. Deputado José Magalhães que conclua as perguntas que tem para formular.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, apenas concluo que não é possível obter uma resposta rigorosa em relação a uma pergunta simplicíssima.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe que não tire conclusões, conclua a formulação das perguntas! As conclusões são para ser tiradas noutro momento, como bem sabe.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, estava a fazê-lo ainda na esperança de obter uma resposta sobre questões que são relativamente simples de relembrar, como por exemplo: se os substitutos foram convidados por telefone e quando - esta é a penúltima pergunta.
Há algo que me parece perturbador em relação ao chamado caso de Monsanto. Julgo que faz mal ao prestígio da Polícia Judiciária, mesmo muito mal - de facto, são muitas pessoas que vêm muito de trás e que vão continuar muito para a frente - que fique sem explicação cabal por que é que foi suprimido, por instrução verbal, o acompanhamento normal do processo. E, de facto, esta testemunha, a testemunha Portas, é muito curiosa, muito estranha e muito singular. Para já, é uma testemunha com advogado - Deus nos proteja -, o que é normalmente próprio dos arguidos, depois anda preocupada em saber se a PJ anda em Monsanto: quem é o homem que está em Monsanto? Depois, incomoda a Ministra da Justiça, Ministra da Justiça que, por sua vez, incomoda o Sr. Director Nacional, tudo indica…
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O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Está a dizer o quê?
O Sr. José Magalhães (PS): - Estou a dizer o que estou a dizer, e vai ficar na acta.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Está V. Ex.ª a dizer, é conhecimento seu? Então, está bem!
O Sr. José Magalhães (PS): - Há indícios…
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Não sei, não me está a dizer quais são os indícios.
O Sr. José Magalhães (PS): - Esses indícios, Sr. Director Nacional…
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, depois dos considerandos, peço-lhe que formule a pergunta.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Director Nacional, ou estamos a lidar com gente completamente inimputável, que nos mente, que nos diz que há conversas que, realmente, não tiveram lugar e que a Sr.ª Ministra contactou quem diz que não foi contactado, ou então V. Ex.ª vai ter de explicar por que é que, um belo dia, talvez a 16 de Julho, chama a Dr.ª Maria José Morgado e dá-lhe uma instrução verbal para cessar essa forma de vigilância!?
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - O Sr. Deputado sai da sala, vai falar com os jornalistas…
O Sr. José Magalhães (PS): - Nem ligo a tal observação! Mas ligo ao que a maioria parlamentar está a fazer circular lá fora, nos corredores, e V. Ex.ª sabe o que é! Que o julgamento de Monsanto estaria inquinado devido a estas asneiras processuais da Polícia Judiciária.
Protestos do PSD e do CDS-PP.
É a sua polícia e a nossa polícia! Portanto, dizer-se isso não é aceitável.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Se V. Ex.ª quiser que eu grite consigo, também grito. Está a gritar comigo?!
O Sr. José Magalhães (PS): - Não, Sr. Director, estou a exprimir-me ao fim de 10 horas de depoimento.
Portanto, nesta matéria…
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Magalhães está a ficar exaltado,…
O Sr. José Magalhães (PS): - Não!
O Sr. Presidente: - … por isso peço aos demais Srs. Deputados que não o interrompam. Deixem o Sr. Deputado José Magalhães terminar, a quem peço que deixe as suas conclusões de natureza política para um segundo momento. Estamos a terminar um depoimento e o respeito que todos os depoentes merecem da parte de uma comissão de inquérito, e desta Comissão, é que lhes façam perguntas sem que tenham de ouvir as conclusões da Comissão! As conclusões da Comissão são tiradas entre nós.
Sr. Deputado José Magalhães, peço-lhe que, de uma forma serena, termine as perguntas. Disse que já tinha formulado a penúltima, pelo que faltará uma última pergunta.
O Sr. José Magalhães (PS): - O Sr. Desembargador compreendê-lo-á perfeitamente (o tom verbal), resulta da matéria que estamos a tratar.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, terei de tirar-lhe a palavra!
O Sr. José Magalhães (PS): - Espero que não!
O Sr. Presidente: - Se o Sr. Deputado está a discutir comigo o tom, com toda a franqueza, é porque já não está interessado em colocar questões ao Sr. Director Nacional. Ou formula as perguntas ao Sr Director Nacional ou, então, terei de tirar-lhe a palavra. Mais tarde, dar-lhe-ei a palavra, com imenso gosto, quando estivermos em reunião para discutirmos as conclusões. Aí, o Sr. Deputado utiliza o tom que quiser e tira as conclusões que quiser.
Portanto, ou o Sr. Deputado retoma as perguntas ou darei a palavra ao Sr. Director Nacional para responder.
O Sr. José Magalhães (PS): - Penso que o Sr. Presidente não vai ter que chegar a essa medida extrema…
O Sr. Presidente: - Nesse caso, faça favor.
O Sr. José Magalhães (PS): - … e não teremos que equacionar o que aconteceria nesse cenário.
Sr. Presidente, a minha pergunta é se o Sr. Desembargador sustenta a teoria de que o processo de Monsanto ficou inquinado na sequência de uma asneira da Polícia Judiciária.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - V. Ex.ª permite que eu responda?
O Sr. José Magalhães (PS): - Ainda não, visto que o Sr. Desembargador responde em conjunto!
Se me permite, a última pergunta diz respeito ao caso das finanças. Por mais pessimista que V. Ex.ª se revele, há uma pergunta que julgo que tenho de fazer, uma vez que estudou o processo, conhece o processo…
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Não conheço, Sr. Deputado. Vai-me desculpar, mas está a fazer afirmações que não fiz. Não estudei nem conheço o processo.
O Sr. José Magalhães (PS): - Então, com base no conhecimento que tem do processo, qualquer que ele seja…
Protestos do PSD.
Desculpem, há declarações nos autos. E o Sr. Desembargador pode dizer-me que não pediu nenhuma informação circunstanciada sobre a matéria.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Não, não pedi.
O Sr. José Magalhães (PS): - Já está claro nos autos que não pediu. Mas isso coloca-nos um problema, porque
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vamos ter de requerer e saber se o documento que nos disseram que existia é um documento "fantasma" e se a Comissão foi levada ao engano por outro depoente. A verdade é nos disseram que havia um pedido de informação de V. Ex.ª sobre o estado do processo ao coordenador do processo. E repare: já é imaginação a mais e pormenor a mais! Fiquei impressionado.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Não não…
O Sr. José Magalhães (PS): - Pergunto se V. Ex.ª, face aos dados que tem, quaisquer que sejam, não me interessa - ou melhor, interessa-me muito, mas é a sua liberdade -, pode dizer a esta Comissão se no processo, na sua mancha complexa e variada, está envolvida gente, presa ou não, com quem a actual Ministra da Justiça teve relações de proximidade quando era funcionária do Ministério das Finanças.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Magalhães, permita-me que lhe diga que vim aqui, fundamentalmente - não sei se assistiu à minha declaração inicial, e vai ter a amabilidade de fazer o favor de a ler quando vier publicada -, num espírito de colaboração e de não querer deixar de dar o meu pequeno contributo para esta Comissão de Inquérito, porque entendo que estamos a extravazar… Eu estou aqui, desde o princípio, a extravazar o âmbito, o objecto desta Comissão, porque versa actos do Governo e o que eu pratico não são actos do Governo.
Queria acrescentar o seguinte: o que eu disse está gravado e tudo o que V. Ex.ª possa ter posto na minha boca… Portanto, não me ponha a dizer coisas que não disse nem ilações que não tirei, porque já vi, muitas vezes, dezenas e dezenas de situações dessas acontecerem, de confusões, de baralhar as pessoas… - a minha vida é nos tribunais. Não gosto disso e, aliás, sempre entendi que o principal defeito na prestação da prova é sempre quando se entra em perguntas cavilosas.
Portanto, nunca permiti que se fizessem em tribunal perguntas desse género e, certamente, não vou agora implicitamente responder a perguntas desse tipo.
O que eu disse - e, há pouco, estava V. Ex.ª a levantar-me a voz não sei porquê - e vai ficar escrito é que a medida de mandar tirar pessoas da Polícia Judiciária que estavam no julgamento tem sido, desde o princípio, uma fonte de inquietação completa para todos os media, que estão ali à espera, com uma atenção desmesurada num processo específico, não sei se é por ser em Monsanto se é pelo "panelão" de personalidades que por lá aparece envolvido. A verdade é que a minha ideia foi, pura e simplesmente - não sei como hei-de dizer isto, mas mais tarde ou mais cedo se verá! -, a de eliminar o risco da possibilidade de atentar contra a fiabilidade ou contra a possibilidade de testemunhas deporem com isenção, rigor e o seu depoimento ser aferido em credibilidade. É precisamente o contrário do que o Sr. Deputado estava a dizer.
O Sr. José Magalhães (PS): - Portanto, não há inquinamento nenhum do processo!
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - O que eu disse é o que estou a dizer. Sr. Deputado, V. Ex.ª quer formular a pergunta e dar a própria resposta?
O Sr. José Magalhães (PS): - Não, não! Quero o contrário, Sr. Desembargador.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Já afirmei o que entendo dever afirmar.
O Sr. José Magalhães (PS): - E a sua resposta satisfaz amplamente!
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - V. Ex.ª não me pode obrigar a afirmar o que V. Ex.ª quer! É a minha posição, já o disse vinte vezes. A minha perspectiva foi eliminar o risco, a não fiabilidade de depoimentos de testemunhas naquele tribunal.
O Sr. José Magalhães (PS): - E as outras perguntas?
Protestos do PSD.
O Sr. Presidente: - Quais outras perguntas, Sr. Deputado?
O Sr. José Magalhães (PS): - Elas foram feitas!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Director Nacional.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Sr. Deputado, quanto à matéria de que falou, sobre se passo ou não passo… Tento ter a percepção sobre o estado dos processos: não é o processo em si mesmo - porque nunca consultei um processo fisicamente - mas o estado de evolução dos processos. Por isso, ainda há pouco, foi aqui mostrado pela Sr.ª Deputada Odete Santos um instrumento de gestão para averiguar a produtividade.
Faço sistematicamente isso nos vários departamentos, isto é: pedir que me informem sobre o estado dos processos; não é sobre quem lá está mas, sim, sobre o estado de encaminhamento do processo, os recursos humanos que não são consumidos no processo, em termos de pessoal. Tento perceber como é que está o termo de gestão, de organização e quais os métodos.
Não me interessa, em si mesmo, o processo, nem qual é o seu destino. Não é minha função apurar da eficácia ou não eficácia do processo, isso depende do Ministério Público, Sr. Deputado!
Mais uma vez, torno a dizer: no processo que está em discussão, quem é responsável pelo êxito ou não êxito é o Ministério Público; quem dirige e quem tutela é o Ministério Público. Eu não tenho nada a ver em termos de funcionalidade do processo de inquérito, é o Ministério público que trata disso. Como é que me tentam pôr a intervir num processo quando o que procuro é a gestão organizacional da investigação em termos de homens e de meios? Eu não sou um investigador, é o Ministério Público que o faz!
Agora, V. Ex.ª quer penalizar-me por eu tentar saber como é a eficácia da gestão processual, em termos de trabalho feito! Eu não quero saber o conteúdo do processo, nunca perguntei se foram ouvidas 24 ou 32 testemunhas,
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nem em que fase está o processo em termos de apetência de prova, se o coordenador pode informar-me se há êxito, ou não… Não faço isso.
No caso concreto de que falou o Inspector, o Sr. Coordenador Calado, provavelmente pedi-lhe essa informação, não só desse como de outros processos… Perguntam-me se a pedi por escrito? Não sei se foi por escrito! A maior parte da minha actividade naquela casa não passa pelo escrito, passa pelo verbal, ou pelo fax ou pelo telefone.
O Sr. José Magalhães (PS): - Pediu verbalmente, mas admite que tenha sido por escrito, como é, aliás, normal!
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Não sei se foi por escrito! O senhor quer que tenha uma memória de milhares de coisas que faço por dia, Sr. Deputado? Não sei se foi por escrito, se foi verbal, apenas sei que ele me respondeu, porque é um homem competente e capaz. E o que é que extrai daí, diga-me?
O Sr. José Magalhães (PS): - Há pouco, tanto eu como a Sr.ª Deputada Odete Santos, que fez a mesma pergunta, tínhamos entendido que não!
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - A mim disse-me que não, claramente!
O Sr. José Magalhães (PS): - Mas a resposta é sim!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a resposta está dada.
Mais uma vez, chamo a atenção para o seguinte: os Srs. Deputados estão a tentar obrigar as pessoas a responder aquilo que os senhores querem e não estão a aceitar as respostas conforme elas são dadas.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, dá-me licença apenas para concluir? A hora é muito desagradável, mas queria apenas registar na acta, uma vez que não disponho de outro meio,…
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não há declarações de voto, não estamos a votar…
O Sr. José Magalhães (PS): - … que não foi respondida a questão sobre como foram contactados os coordenadores.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço imensa desculpa, não faço o favor de o ouvir…
O Sr. José Magalhães (PS): - Já está na acta, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estamos a recolher depoimentos, a fazer inquirições e os Srs. Deputados não tiram conclusões dos depoimentos. Ninguém o fez até agora, e é isso que está em causa.
Em seguida, encontra-se inscrito para intervir o Sr. Deputado Eugénio Marinho.
O Sr. Eugénio Marinho (PSD): - Prescindo, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Nesse caso, tem a palavra a Sr.ª Deputada Adriana de Aguiar Branco.
A Sr.ª Adriana de Aguiar Branco PSD): - Também prescindo, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem, então, a palavra o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, V. Ex.ª sabe da enorme estima e consideração que tenho por si, e tenho mesmo, não é…
O Sr. José Magalhães (PS): - Temos todos!
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Deputado, já foi suficientemente penoso ouvi-lo a colocar questões, agora ouvi-lo também a interromper-me já começa a ser intolerável. Se não se importa, ouça-me até ao fim, se não for por mais nada, em obediência às regras parlamentares que são elementares.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, quando são fixadas regras em comissão de inquérito, elas são iguais para todos os Deputados. Porém, assistiu-se aqui, verdadeiramente, a uma desigualdade de armas nas regras de inquirição nesta Comissão.
O Sr. José Magalhães (PS): - É uma crítica ao Presidente!
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Não, é uma crítica a V. Ex.ª que não auxiliou a Mesa nos trabalhos.
A questão é esta: numa lógica de colaboração com a Mesa, a todos os Deputados foi pedido que formulassem as perguntas, que seriam seguidas das respectivas respostas e, no final, querendo, haveria lugar a uma réplica. Ora, o Sr. Deputado José Magalhães acabou de utilizar armas desiguais relativamente às regras de inquirição de todos os outros Srs. Deputados, aspecto que gostava que ficasse registado, porque demonstra muito de quem usou tal metodologia, e não de quem a permitiu, porque o fez numa lógica de boa fé (que foi, de resto visível) e no propósito de que o Sr. Deputado terminaria com a celeridade que acabou por não cumprir.
Além do mais, gostava de lavrar o seguinte protesto, que ficará também em acta: o Sr. Deputado José Magalhães afirmou nesta Comissão como certeza - como certeza, repito - o que nenhuma das duas testemunhas aqui ouvidas, em algum momento sequer, afirmou ou provou.
O Sr. José Magalhães (PS): - A saber…
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Vai saber, Sr. Deputado!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, se me permite a interrupção, a sua intervenção, pelo que estou a constatar, não se traduz em nenhum pedido de esclarecimento ao depoente…
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Será, Sr. Presidente, a menos que V. Ex.ª não me queira deixar formulá-la!
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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço imensa desculpa, mas acaba de fazer um protesto, e tem toda a legitimidade de o fazer, mas primeiro tenho que dar por encerrado o depoimento do Sr. Director Nacional. Temos connosco um cidadão que veio prestar um depoimento a esta Comissão e que aqui se encontra, mais ou menos, há nove horas.
Srs. Deputados, teremos muito tempo para discutir, entre nós, a política, mas não vou permitir que os Srs. Deputados queiram tirar conclusões, apresentar protestos ou fazer um debate na presença dos depoentes, porque os depoentes não têm a obrigação de estar perante a Comissão Parlamentar de Inquérito a ouvi-los, têm apenas a obrigação de aqui se deslocarem para prestar depoimentos.
Se o Sr. Deputado não tem perguntas a formular, dar-lhe-ei a palavra depois de dar por encerrado o depoimento do Sr. Director Nacional.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Vou formular a pergunta, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Nesse caso, peço ao Sr. Deputado que se dirija ao depoente e, se quiser apresentar um protesto, fá-lo-á mais tarde, na reunião da Comissão, uma vez terminado o depoimento do Sr. Director Nacional.
Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, é o mesmo respeito, a mesma consideração que tenho por V. Ex.ª e a vontade em colaborar com a Mesa que faz com que, neste momento, cesse o protesto que tencionava fazer, usando, de resto, não diria de uma prerrogativa mas de uma metodologia que foi usada por vários outros Srs. Deputados, mas da qual não me importo de agora não beneficiar.
Sr. Presidente, se V. Ex.ª assim o entender, gostava de juntar, a fim de ser distribuída a todos os Srs. Deputados, uma nota hoje distribuída pela Procuradoria-Geral da República para a comunicação social, a qual infirma e contradiz a referência feita ontem pela Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado a propósito da intervenção do Sr. Procurador-Geral da República, procurando envolvê-lo numa polémica, e que passo a ler para que conste da acta.
A nota para a comunicação social é do seguinte teor:…
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe que junte a nota ao processo, sem mais. Naturalmente, irei distribuí-la aos Srs. Deputados, porque sei que se refere aos trabalhos da Comissão.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço desculpa, mas a questão que quero colocar é sobre esta matéria.
O Sr. Presidente: - Mas a sua pergunta ao Sr. Director Nacional está relacionada com esta nota?
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Também se prende com esta matéria, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Peço ao Sr. Deputado que me faça chegar a nota, que entregarei ao Sr. Director Nacional para que fique informado do conteúdo dessa nota da Procuradoria-Geral da República.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, ou as regras são iguais para todos, ou não!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, o Sr. Director Nacional está a ler a nota da Procuradoria-Geral da República e o Sr. Deputado terá oportunidade de o questionar sobre o que entender referente a essa matéria.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Presidente, estou à espera que o Sr. Director Nacional acabe de ler. Se quiser, até me calo já, mas não me queira dar "ralhetes" para além da minha compreensão!
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado compreenderá que se permitir que, para juntar um documento ao processo, V. Ex.ª o leia, qualquer Sr. Deputado desta Comissão pode juntar um documento de 10 páginas e pedir-me para o ler! Portanto, não posso permitir a leitura, compreenda.
O Sr. Director Nacional já acabou de ler a nota.
Faça favor de continuar, Sr. Deputado.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Director Nacional, a questão que lhe coloco, muito directamente e com toda a clareza, é a seguinte: alguma vez o Sr. Director disse à Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado que iria sugerir ao Sr. Procurador-Geral da República o que quer que fosse em relação à Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado, nomeadamente em relação a lugares, no momento da cessação da comissão de serviço da mesma?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Sr. Presidente, Sr. Deputado, é profundamente falso. Nunca existiu, da minha parte, nenhum contacto com o Sr. Procurador-Geral da República, informando, propondo ou dizendo o que quer que seja sobre essa matéria.
É completamente falso que alguma vez tenha falado com a Sr.ª Ministra da Justiça propondo, sugerindo ou ouvindo dela qualquer coisa sobre essa matéria.
Também é profundamente falso que alguma vez tenha dito, ouvido ou reproduzido afirmações perante a Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado, referindo essa matéria.
Esta nota para a comunicação social refere, precisamente, que o Sr. Procurador-Geral da República nunca teve, pelo que aqui está escrito… "Das notícias vindas a lume sobre a audição parlamentar de ontem, surgiu a afirmação segunda a qual existiu um telefonema da Sr.ª Ministra da Justiça para o Procurador-Geral da República, com o objectivo de este convencer a Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado a abandonar o cargo da PJ em troca da oferta de uma colocação". O Sr. Procurador-Geral da República, e penso que não há motivo algum para duvidar que este fax é fidedigno, vem dizer, em abono da verdade, que tal telefonema, com tal conteúdo, ou um qualquer outro contacto com o mesmo propósito, nunca existiu.
Ainda relacionado com tudo isto, comungo da ideia de que não conheço nenhum telefonema com este conteúdo nem nunca existiu, obviamente, qualquer contacto com o mesmo propósito.
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O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo tem mais alguma pergunta a formular?
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Promete que não se zanga comigo se eu disser que não tenho mais nenhuma pergunta!…
Risos.
O Sr. Presidente: - Pelo contrário, Sr. Deputado!
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Se disser que se zanga, eu paro instantaneamente… Mas a verdade é que tenho, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Sr. Director Nacional, é a última questão que lhe coloco, também para que conste. Quando V. Ex.ª, na sequência do incidente que já aqui descreveu, chegou à conclusão que havia acompanhamento pela Polícia Judiciária, na fase de julgamento, do processo de Monsanto, pergunto-lhe, em primeiro lugar (subdivido esta pergunta em duas, tal como fez o Sr. Deputado José Magalhães), se detectou ou comprovou que tinham estado agentes, ou apenas um agente, no Tribunal. No tribunal, naturalmente, também se insere a sala de audiências, mas o tribunal é muito mais do que uma sala de audiências, como é bom de ver.
Em segundo lugar, pergunto se tem ou não o entendimento que, mesmo para efeitos de recolha de prova e para quem queira defender uma tese parecida com aquela que a Sr.ª Deputada Odete Santos aqui quis defender…
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Quer que eu leia? Eu leio! Está aqui!
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Não, Sr.ª Deputada! Já ouvi tudo aquilo que queria dizer!
Portanto, o que quero saber é se V. Ex.ª entende, ou não, que qualquer processo investigatório levado a cabo pela Polícia Judiciária, do meu ponto de vista sob tutela do Ministério Público - ou não, se assim o quiser ,…
Apartes inaudíveis.
Srs. Deputados, deixem-me colocar as questões, por favor! Isso, além do mais, é profundamente deselegante para um colega Deputado vosso!
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - É o que você faz!
O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Não é, não!…
Portanto, Sr. Director, o que pretendo saber é se entende ou não que, mesmo para esse efeito, tem de existir um processo ou se, como já aqui afirmou, pelo contrário, pode a Polícia Judiciária determinar-se na sua acção e, independentemente de qualquer processo, desatar a investigar mesmo em fase de julgamento, quando o processo já não está sequer à guarda do Ministério Público, estando sob a tutela de um colectivo de Juízes, como é o caso do julgamento que está a decorrer no tribunal de Monsanto.
Sr. Director Nacional, são estas as duas questões que lhe deixo.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, já me referi a essa matéria, ou seja, se se trata de agente no singular ou no plural. Trata-se de agente no plural, tendo eu referido três pessoas. Já não sei quem disse que foram quatro, mas a percepção que tive no momento era que se tratava de três pessoas e na conversa subsequente foram também referidas três pessoas, de resto, já aqui as mencionei.
Quanto à questão da intervenção da Polícia Judiciária, como disse, repito e torno a repetir, esta é um auxiliar da administração da justiça. No caso do inquérito está funcionalmente subordinada ao Ministério Público.
Na audiência de julgamento, não vejo que a Polícia Judiciária possa estar no tribunal que está a apreciar a matéria de facto, que está a fazer a recolha de prova, a não ser que o próprio presidente do tribunal colectivo tenha conhecimento disso, tenha decidido nesse sentido ou tenha havido uma posição expressa, firme, do Ministério Público sustentada, nesse aspecto, com alguma funcionalidade específica, também conhecida, a meu ver, da parte contrária, respeitando o princípio da isonomia que há pouco referi.
Mantenho, portanto, o que já disse, aliás, já o disse várias vezes. Penso que, se calhar, tem havido um certo espanto relativamente ao que aqui tenho aqui dito, mas não sei porquê, pois trata-se de princípios correctos e educados de processo penal, ou então não sei nada de processo penal!…
O Sr. Presidente: - Verifico que vários Srs. Deputados pretendem intervir. Sr. Deputado Jorge Lacão, para que efeito pede a palavra?
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, urge interpelar a mesa sobre o andamento dos trabalhos.
O Sr. Presidente: - Então, faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, estou aqui há tanto tempo como aqueles que há mais tempo estão nesta Comissão, procurando esclarecer-me na íntegra e respeitando inteiramente as regras que é necessário respeitarmos. Compreendo inteiramente o esforço do Sr. Director Nacional, mas há uma única pergunta, colocada por mim e, depois, desenvolvida por um meu colega Deputado sobre o mesmo objecto, que entendo não ter sido respondida, por lapso, porventura, pelo Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária.
Trata-se de uma única pergunta já feita mas que não foi respondida. Desejo, assim, Sr. Presidente, que me permita uma segunda intervenção, que, aliás, outros Srs. Deputados tiveram ocasião de fazer, para que essa pergunta seja colocada.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, ninguém teve hipótese de falar duas vezes, pelo contrário, houve até alguns Srs. Deputados que não chegaram a falar porque tiveram a
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cortesia, dado o adiantado da hora, de prescindir das suas intervenções.
Os Srs. Deputados que não concordarem com esta decisão farão o favor de recorrer para a Comissão, mas não vou permitir uma segunda ronda de perguntas. Não é aceitável uma segunda ronda de perguntas nestas circunstâncias! Os Srs. Deputados estão há nove horas a inquirir a mesma pessoa e as perguntas são completamente repetitivas, do meu ponto de vista!
Os senhores terão a vossa opinião e eu tenho a minha, mas não vou permitir segunda ronda de inscrições; se alguém quiser recorrer desta decisão, faça favor! Assumo esta decisão como uma decisão da mesa, porque entendo que é também meu dever, ao fim de nove horas de interrogatório, dar por terminada esta audição. Depois de ter dado oportunidade, depois de ter sido acusado, a meio da reunião, de estar a querer prolongar a reunião, agora é a minha vez de dizer "Chega de reunião!" Entendo que só por má-fé, e digo-o com toda a franqueza, é que pode haver, nesta altura da audição, vontade dos Srs. Deputados de solicitar novas perguntas ao Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária!
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, quero pedir um esclarecimento sobre um dossier que nos foi distribuído ao final da tarde. Trata-se de um esclarecimento factual, que pode ser rápido e que até pode beneficiar, eventualmente, o Sr. Director Nacional.
Foi-nos distribuído um conjunto de notas de imprensa da Polícia Judiciária, pelo que percebo, organizado por ela própria. Há, no entanto, duas notas - as duas que se referem à substituição dos directores - que têm a particularidade de não estarem datadas. Todas as outras têm uma anotação do Sr. Director, ou de alguém que o substitui, a dizer "visto", "autorizo", e a data. No entanto, como esse dossier está organizado cronologicamente de uma forma rigorosa, verifico que essas duas notas estão entre duas outras datadas de 27 de Agosto. Quero saber, Sr. Presidente, se é lícito concluir que as duas notas apresentadas no dossier são ambas de 27 de Agosto. Caso contrário, de que data são?
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, gostaria imenso de solicitar ao Sr. Director Nacional auxílio, mas terá de identificar quais são as notas a que se refere.
O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, basta seguir as datas, pois o dossier está organizado cronologicamente em relação à actualidade.
O Sr. Dr. Adelino Salvado: - Sr. Deputado, na verdade, há aqui um erro. Não conferi este dossier, mas o que pedi para fazer, aliás, a um funcionário que está aqui ao lado, foi um apanhado de acções, e não de comunicados, para mostrar que a Polícia Judiciária não parou.
Não tenho interesse nenhum em ter estes comunicados aqui, aliás, não sei como vieram parar a este dossier. Para além do mais, não são arquivados da forma como aqui estão. Não sei onde é que ele foi buscar isto, mas posso informar-me.
Quem executou este dossier não tinha nada que colocar nele estes comunicados, mas simplesmente operações e comunicados de operações. Não o conferi porque atribuo fiabilidade a quem o fez, mas penso que se refere simplesmente a operações. Apareceram aqui estes comunicados e V. Ex.ª quer saber a respectiva data. Se se trata de comunicados à imprensa, deve estar no gabinete de imprensa a data em que foram feitos.
O Sr. Presidente: - Peço, então, ao Sr. Director Nacional, uma vez que o documento foi entregue por si a esta Comissão, que nos faça chegar a indicação da data destes dois comunicados. Se bem vejo, Sr. Deputado Francisco Louçã, um dos comunicados tem duas páginas e termina com uma referência à posse, o outro tem que ver com o anúncio de uma exoneração.
O Sr. Francisco Louçã (BE): - São esses mesmos, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Francisco Louça, o Sr. Director Nacional tomou nota do pedido e fará chegar à Comissão a data destes dois comunicados.
Por último, tenho ainda um pedido de palavra do Sr. Deputado Jorge Lacão, penso que para recorrer de uma decisão. Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, quero recorrer da decisão de V. Ex.ª e fundamentar o recurso. Pergunto-lhe quanto tempo me dá para o efeito.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem 2 ou 3 minutos, que é o tempo normal para uma qualquer interpelação. No fundo, o requerimento deveria ser votado sem discussão, mas, enfim, pode apresentar o seu recurso.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, gostaria de repudiar vivamente a circunstância de V. Ex.ª se ter permitido qualificar de má-fé a atitude de um Deputado que outra coisa não visa que procurar concorrer com o seu próprio esforço, sem embargo do esforço dos outros, para a compreensão inteira da verdade daquilo que aqui está em causa.
Em segundo lugar, e porque o Sr. Presidente não me conferiu a possibilidade de o fazer normalmente, desejo identificar qual a pergunta que não foi respondida. Ora, a pergunta que não ficou respondida - Sr. Presidente e Sr. Director Nacional, gostaria que pudessem tomar nota desta questão -, o aspecto que o Sr. Director Nacional não teve ocasião de clarificar, é se as pessoas que substituíram quem foi demitido e exonerado foram contactadas no dia 27 ou no dia 28, por via telefónica ou outra qualquer ou se por via pessoal e, se o foram por via pessoal, onde e em que circunstâncias. Esta pergunta, efectivamente, não foi respondida.
Era esta pergunta, Sr. Presidente , e tão-só - não uma pergunta nova, mas uma questão que, por lapso, ficou por responder -, que eu queria ter oportunidade de ver esclarecida. O Sr. Presidente não o permitiu, pelo que recorro da sua decisão.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, está apresentado o requerimento.
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No fundo, a decisão - recordo-o só para que saibam qual o alcance do requerimento - foi no sentido de não reabrir inscrições para mais perguntas. O requerimento está apresentado para contestar essa posição.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, como sabe, o requerimento não tem debate.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, gostaria de pedir uma aclaração a V. Ex.ª. É que, salvo o devido respeito, o Sr. Presidente vai colocar à votação um requerimento sobre se se faz uma pergunta, mas a pergunta está feita, acabei de a ouvir, só faltando a resposta.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço que não tentem criar situações de impasse no funcionamento da Comissão.
Srs. Deputados, está apresentado o requerimento.
Vamos, então, votar o requerimento que visa impugnar a decisão de não permitir a reinscrição de Srs. Deputados para colocar novas perguntas ao depoente.
Submetido à votação, foi rejeitado, com 11 votos contra (8 dos Deputados do PSD Adriana de Aguiar, António Montalvão Machado, Eugénio Marinho, Gonçalo Capitão, Jorge Neto, Luís Campos Ferreira, Luís Marques Guedes e Luís Montenegro e 3 dos Deputados do CDS-PP Miguel Paiva, Nuno Teixeira de Melo e Telmo Correia) e 7 votos a favor (4 dos Deputados do PS Alberto Martins, Eduardo Cabrita, Jorge Lacão e Osvaldo Castro, do Deputado do PCP António Filipe, do Deputado do BE Francisco Louçã e da Deputada de Os Verdes Isabel Castro).
Srs. Deputados, dou por encerrada esta audição, agradecendo ao Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária a disponibilidade e a abertura que manifestou, tal como os anteriores depoentes, para prestar todos os esclarecimentos que lhe foram pedidos nesta Comissão.
Pausa.
Srs. Deputados, temos protelado a audição seguinte, da Sr.ª Ministra da Justiça, que, originariamente, era suposto ter lugar a seguir ao almoço. Fui, ao longo da tarde, mantendo contacto, através dos serviços, com o gabinete da Sr.ª Ministra, tendo acabado por solicitar, há cerca de hora e meia, a sua presença a partir das 19 horas.
Portanto, a Sr.ª Ministra, eventualmente, já estará no Palácio - é algo que posso confirmar junto dos serviços -, mas penso que terá de haver um pequeno intervalo. A indicação que tenho é que a Sr.ª Ministra tem disponibilidade, aliás, tem-na mantido ao longo da tarde, para prestar o seu depoimento hoje.
Srs. Deputados, vamos, então, interromper os nossos trabalhos.
Eram 19 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados, vamos reiniciar os nossos trabalhos.
Eram 20 horas e 45 minutos.
Srs. Deputados, antes de mais, quero cumprimentar e agradecer à Sr.ª Ministra da Justiça a sua presença nesta Comissão. Faço-o de uma forma acrescida, uma vez que, como os Srs. Deputados sabem, desde as 15 horas que a Sr.ª Ministra tem reiterado, através dos contactos feitos com o seu gabinete pelos serviços desta Comissão, a sua permanente disponibilidade para se deslocar a esta reunião e prestar os seus depoimentos. Já lá vão cerca de seis horas, por isso também agradeço à Sr.ª Ministra ter mantido, ao longo de todo este tempo, a sua disponibilidade permanente para aqui estar.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para fazer uma interpelação.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, tendo embora conhecimento que há uma deliberação no sentido de estas sessões decorrerem à porta fechada, parece-nos que, nesta circunstância, entendendo que a matéria que poderia ser, do nosso ponto de vista, mais sigilosa era a que tinha que ver com os depoimentos já prestados e sabendo eu - embora sem estar a pedir opinião - que a Sr.ª Ministra, certamente, não é pessoa, como nunca foi, de arcas encouradas e que é uma pessoa transparente, muito capaz de querer falar, gostaria de fazer um apelo à maioria.
O meu apelo é no sentido de a maioria ter em consideração que há um conjunto de órgãos de comunicação social que tem estado aqui o dia inteiro, há horas e horas, encerrado aqui desde ontem. Portanto, em nome da transparência, e exceptuando o facto de a Sr.ª Ministra levantar alguma objecção por ter alguma revelação a fazer com um conteúdo incompatível com esta ideia, a nossa proposta - e fazemos um apelo muito veemente e sincero à maioria - é no sentido de abrirmos esta sessão à comunicação social.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, limito-me a pôr a questão à Comissão, uma vez que se trata de uma deliberação já tomada, e não coloco à votação assuntos sobre os quais já deliberámos. Desde que haja algum Sr. Deputado que entenda não fazer sentido recolocar-se o problema, iniciaria imediatamente os trabalhos.
O Sr. José Magalhães (PS): - Recorreremos, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado não recorre de uma decisão da mesa. A decisão relativamente ao decorrer das sessões à porta fechada está tomada, portanto, não submeto de novo a votos esta questão. Não se fazem sucessivamente votações para invalidar as anteriores!
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, isso tem que ver com o número de Deputados!
O Sr. Presidente: - Não, não tem que ver com o número de Deputados. Há uma deliberação expressa da Comissão, porque esse assunto foi colocado, no sentido de as quatro audições programadas decorrerem à porta fechada. De resto, e curiosamente, trata-se de uma deliberação votada também pelo Partido Socialista. Portanto, é evidente
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para mim que, a menos que haja um consenso da parte da Comissão para decair dessa sua decisão anterior, não o vou fazer. Caso contrário, haverá recursos permanentes de todas as decisões, o que não faz sentido absolutamente nenhum; isso é apenas uma maneira de torpedearmos os nossos trabalhos.
Portanto, volto a perguntar aos Srs. Deputados se querem repensar a decisão anteriormente tomada ou se não existe qualquer impedimento à sua manutenção.
Tenho indicação que, pelo menos, os Srs. Deputados do PSD não têm intenção em decair da decisão tomada, não me recordo se por unanimidade. Aliás, por unanimidade não foi, porque me lembro que, pelo menos, o PCP e Os Verdes - e não me recordo se também o BE - não votaram favoravelmente, mas o PS votou, de resto, até tinha uma proposta exactamente nesse sentido.
Portanto, Srs. Deputados, vou dar início aos trabalhos, dando a palavra ao Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Deputado Jorge Lacão: - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Justiça, os meus cumprimentos. Compreenderá a Sr.ª Ministra, até também pelo esforço que já lhe foi pedido no sentido da longa espera neste dia, o quanto de cansaço não abundará entre estes Deputados, que ontem e hoje têm estado reunidos praticamente em regime de maratona. Mas, evidentemente, cumprimos o nosso dever e estamos aqui para procurar cumpri-lo bem até ao fim.
A Sr.ª Ministra da Justiça sabe bem, até pelo resultado das audições que já tiveram lugar consigo no quadro da 1ª Comissão, que, independentemente das divergências de entendimento que possam ocorrer, da parte dos Deputados do meu grupo parlamentar tem sido expressa uma preocupação. Refiro-me à preocupação de conhecer se as demissões que tão pressurosamente ocorreram com a nova direcção da Polícia Judiciária, apenas três meses após a entrada em funcionamento dessa nova equipa e na sequência, também normal, do início de funções do próprio Governo, terão contribuído, e em que medida, para possíveis alterações na estratégia de combate à criminalidade, particularmente à criminalidade económica, financeira e fiscal.
Para procurar fazer a articulação desta preocupação, o objecto do inquérito que pedimos reporta-se justamente à tentativa de vir a compreender em que medida essas demissões poderiam comprometer essa orientação e, por outro lado, que eventuais novas orientações poderiam ter fundamentado essas diferenças estratégicas que conduziram à necessidade de tão rapidamente alterar o quadro dos responsáveis em departamentos fundamentais da Polícia Judiciária.
Ora, é neste quadro de preocupação que julgo fazer todo o sentido, nesta intervenção inicial - aliás, eu próprio já tive ocasião de dialogar com a Sr.ª Ministra da Justiça sobre isto e quero voltar a esse ponto -, colocar uma primeira questão, relativa à interpretação das responsabilidades institucionais.
O que encontro na Lei Orgânica da Polícia Judiciária, logo no seu artigo 1.º, é uma referência, que considero muito relevante e que é objectiva e de natureza inteiramente normativa. Diz este preceito que a Polícia Judiciária se organiza hierarquicamente e na dependência do Ministério da Justiça. Esta é uma consequência normativa logo no primeiro artigo do diploma em causa.
Por outro lado, muito mais à frente, e já tive ocasião de referir essa norma num diálogo anterior que mantive com a Sr.ª Ministra da Justiça, enquanto o artigo 113.º diz que o director nacional é provido por despacho conjunto do Primeiro-Ministro e do Ministro da Justiça, o artigo 114.º - e há outros artigos conexos -, refere que os directores nacionais adjuntos são providos por despacho do Ministro da Justiça, sob proposta do director nacional, de entre assessores (são mencionados vários requisitos de qualificação profissional) de reconhecida competência profissional e experiência para o exercício de funções.
O que retiro destes preceitos, Sr.ª Ministra? Algo que já tive ocasião de sublinhar-lhe: na medida em que a lei comina ao Ministro da Justiça a responsabilidade de, em primeira linha, prover os cargos, naturalmente, sob proposta do director nacional, e que, mesmo em situações de cessação da respectiva comissão de serviço - reporto-me agora ao artigo 112.º, n.º 3 -, é também por despacho, e fundamentado (diz a lei), do Ministro da Justiça que as cessações ocorrem, entendo que há, por efeito do enquadramento normativo de que estamos a tratar, uma óbvia responsabilidade política e administrativa da parte do Ministro da Justiça nos processos de nomeação. Isto acontece seja no que se refere ao director nacional, com o requisito que isso co-envolve o Sr. Primeiro-Ministro, seja, depois, na nomeação dos directores nacionais adjuntos, mediante proposta do director nacional e, no caso da cessação de funções, mediante despacho fundamentado do responsável da tutela.
Portanto, vejo aqui uma responsabilidade política, para mim óbvia, por parte da entidade tutelar, o Ministério da Justiça. Assim sendo, verifico depois - agora reporto-me a declarações da Sr.ª Ministra no quadro da audição na 1.ª Comissão - que a Sr.ª Ministra assume inteiramente, de forma muito frontal, aliás, que conferiu inteira liberdade para a constituição da respectiva equipa ao Sr. Director Nacional, chegando mesmo a dizer que ratificou essa equipa dirigente.
Sr.ª Ministra, o meu entendimento sobre isto é o seguinte: V. Ex.ª pode entender conferir total liberdade ao Sr. Director Nacional, mas isso não significa - quero perguntar-lhe se concorda ou não com a interpretação que vou fazer - desresponsabilização política da sua parte, porque está na própria lei a responsabilidade que o Ministro da Justiça tem de assumir. O que poderá querer significar, quando muito, é que a responsabilidade da Ministra da Justiça está em cobrir inteiramente, em termos de solidariedade institucional, os critérios de decisão do Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária.
Coloco-lhe esta questão porque penso ser muito relevante para o bom entendimento do que estamos aqui a fazer que se compreenda, desde o princípio, que não há institucionalmente uma desresponsabilização do Ministério da Justiça na nomeação e exoneração dos directores nacionais adjuntos. O que pode é haver um critério de responsabilidade política no sentido de cobrir de forma solidária um critério de decisão exclusiva do Sr. Director Nacional. A Sr.ª Ministra esclarecerá, por favor, este aspecto.
Ora, neste meu quadro de entendimento, ou seja, que há sempre, seja qual for a interpretação que se faça, uma responsabilidade política própria do Ministro da Justiça, vamos às ocorrências relativas às substituições.
A Sr.ª Ministra da Justiça recebeu, em determinado momento, por parte do Sr. Director Nacional, um ofício em
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que lhe era comunicada a cessação da comissão de serviço do então Director do DCCB, o Dr. Pedro Cunha Lopes. Esse ofício, que lhe foi transmitido no dia 26 de Agosto, invocava como razões para essa proposta de cessação que lhe era dirigida o facto de estar quebrada a confiança na liderança da pessoa em causa, de esta não ter cumprido os objectivos previamente delineados pelo Sr. Director Nacional e de ser necessário imprimir uma nova orientação e uma nova estratégia, que, naturalmente, estaria em contradição com as posições deste responsável.
Esta é a explicação na sua formalidade. Quero agora, em segundo lugar, mais do que perguntar, pedir à Sr.ª Ministra o favor - e penso que há também um dever institucional de cooperação connosco - de dizer-nos qual foi a concretização dos fundamentos que o Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária nesta oportunidade lhe comunicou, para que possamos saber, por si, qual foi a informação que obteve sobre as razões da perda da confiança de liderança e do incumprimento dos objectivos delineados e sobre as contradições do responsável face às novas orientações estratégicas.
Naturalmente, Sr.ª Ministra, para nós isto é importante para compreendermos o seu próprio juízo político relativamente à decisão do Sr. Director Nacional de fazer cessar, ao fim de três meses, esta comissão de serviço de um responsável num departamento tão relevante da Polícia Judiciária.
Gostaria agora de passar à questão relativa ao pedido de demissão da Sr.ª Dra. Maria José Morgado.
Nas declarações que a Sr.ª Ministra fez acerca deste ponto, no quadro da 1.ª Comissão, referiu que tinha conhecimento de que a senhora até então directora da DCICCEF tinha invocado divergências de ordem técnica e operacional para justificar a sua demissão. E, numa resposta, que aliás tenho aqui à minha frente, que foi dada directamente ao Sr. Deputado Alberto Martins foi a Sr.ª Ministra que salientou que esse fundamento da Sr.ª Directora tinha sido proferido no dia 29 de Agosto e que, portanto, a partir desta data, face a esse esclarecimento da própria, tudo estaria, do ponto de vista da Sr.ª Ministra, cabalmente esclarecido.
Ocorre o seguinte: posteriormente, viemos a ter conhecimento, pela documentação que nos foi enviada, de que, efectivamente, a Sr.ª Dra. Maria José Morgado enviou um fax, em circunstâncias muito singulares, ao Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária, datado do dia 27.
Nesse fax limita-se a dizer, da forma mais esquálida possível, que apresenta a sua demissão do cargo a partir desta data e sem qualquer fundamentação.
Ocorre que neste documento está impresso o despacho da Sr.ª Ministra da Justiça, no sentido de dar por finda a respectiva comissão de serviço, com data de 28.
Sabemos que a Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado veio então a escrever um ofício mais desenvolvido sobre o fundamento do seu pedido de demissão, mas no dia 29; o tal dia 29 que efectivamente a Sr.ª Ministra da Justiça referiu como sendo o momento inteiramente esclarecedor da posição da Sr.ª Directora Maria José Morgado, aliás, sublinhando isso na resposta ao Sr. Deputado Alberto Martins.
Donde, coloco a terceira questão: afinal de contas, pode supor-se - e gostaria que a Sr.ª Ministra o esclarecesse - que quando a Sr.ª Ministra dá por finda a comissão de serviço, no dia 28, em cima de um pedido de demissão que, afinal de contas, não justificava nada, não tinha tido então ocasião de saber qual era o verdadeiro fundamento deste pedido. Formalmente, não teve, seguramente, porque aceitou a demissão com o seu despacho e a segunda carta da Dr.ª Maria José Morgado é do dia seguinte.
Portanto, a Sr.ª Ministra, no momento em que aceitou a cessação da comissão de serviços, não conhecia formalmente a razão de ser do pedido de demissão.
Pergunto-lhe: informalmente teve conhecimento do pedido de demissão por esclarecimentos que lhe tivessem sido dados pelo Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária? Admito que sim, e gostaria então que a Sr.ª Ministra da Justiça nos esclarecesse em que circunstâncias poderá ter obtido esclarecimentos da parte do Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária, e qual o conteúdo, sobre as razões deste pedido de demissão que a Sr.ª Ministra da Justiça se apressou a assinar.
Sr.ª Ministra, permita-me aqui um parêntesis de preocupação: nós sabemos a sensibilidade desta matéria, temos vindo a dialogar intensamente com as personalidades envolvidas nesta circunstância - sendo uma magistrado, e, seguramente, tem a sua própria carreira e honorabilidade a defender; e isso não está minimamente em causa do ponto de vista de imputação da suspeição -, mas há uma consequência objectiva, que é a de que os depoimentos até agora feitos, permita-me dizê-lo, são de contradição insanável, o que nos cria um grande acréscimo de preocupação.
Por isso, o grande acréscimo de preocupação neste ponto, e no que à Sr.ª Ministra diz respeito, reporta-se ao seguinte: se a demissão do Sr. Dr. Pedro da Cunha Lopes lhe foi comunicada a 26, se a Sr.ª Ministra a aceitou também no dia 28, em que exacto momento teve conhecimento da decisão de apresentar a demissão por parte da Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado? Teve esse conhecimento no dia 27, data do fax, ou no dia 28, data em que a Sr.ª Ministra despachou no sentido da cessação da comissão de serviço?
Num caso ou noutro - peço-lhe o favor de reter o sentido desta minha pergunta, aliás, como do das outras -, no primeiro momento em que teve conhecimento por que via foi? Por via formal ou por via informal da parte do Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária?
E pergunto-lhe isto pelo seguinte (e é muito decisivo, pelo menos em meu critério, para ajudar a compreender tudo isto): a Sr.ª Ministra da Justiça tem os despachos de cessação de funções no dia 28, como já referi, mas são também do dia 28 de Agosto os seus despachos de nomeação dos novos responsáveis. E aqui compreenda a perplexidade de quem, porventura, não está suficientemente informado e que é esta: se o Sr. Director Nacional da Polícia Judiciária não podia ter tido previamente conhecimento do acto de demissão da Sr.ª Dr.ª Maria José Morgado que teve lugar no final do dia 27; se, como nos disse há pouco, apenas no dia 26 decidiu verdadeiramente a demissão do Dr. Pedro da Cunha Lopes, pergunto-lhe, se as novas nomeações resultam também de uma proposta do Sr. Director Nacional à Sr.ª Ministra, em que momento, no seu critério, é que houve tempo adequado de ponderação para elaborar novos convites, para aguardar respostas adequadas de quem, certamente, tendo convites, precisa de um tempo mínimo para reflectir sobre eles, dado que a data da exoneração dos anteriores é a mesma data da nomeação dos novos.