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Sábado, 2 de Outubro de 2010 II Série-D — Número 2
XI LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2010-2011)
SUMÁRIO Delegações e Deputações da Assembleia da República: — Relatório elaborado pelo Deputado Mendes Bota, do PSD, relativo à sua participação na reunião da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa (APCE), que decorreu em Beirute, de 25 a 31 de Julho de 2010.
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DELEGAÇÕES E DEPUTAÇÕES DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA
Relatório elaborado pelo Deputado Mendes Bota, do PSD, relativo à sua participação na reunião da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa (APCE), que decorreu em Beirute, de 25 a 31 de Julho de 2010
Relatório n.º 17 Objectivo: Participação em duas conferências organizadas pela União Interparlamentar (UIP)
A União Interparlamentar, a ―Economic and Social Commission for Western Asia (UN-ESCWA)‖ e o Development Programme-Parliamentary Development Iniciative in the Arab Region (UNDP-PDIAR)‖ das Nações Unidas, bem como o Parlamento do Líbano, levaram a efeito uma conferência subordinada ao tema ―Implementig CEDAW and ending violence against women‖, que decorreu em Beirute de 27 a 29 de Julho de 2010, no edifício da ONU, naquela cidade.
Todos os Estados árabes, à excepção da Somália e do Sudão, ratificaram a Convenção das Nações Unidas para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, embora a maioria tenha apresentado reservas, sobretudo no que respeita aos artigos 2.º e 16.º.
O objectivo desta conferência foi o de salientar o papel dos parlamentos no processo de monitorização da CEDAW, bem como incentivá-los a tornar a violência contra as mulheres uma das prioridades legislativas nos países árabes, além de uma troca de informações e de experiências, onde Portugal foi apresentado como um ―case study‖ a servir de exemplo pela positiva.
No dia 27 de Julho de 2010, proferi a intervenção principal (―key-note speech‖), de introdução ao tema da conferência, de cuja parte lida se reproduz o texto integral no Anexo A do presente relatório.
No dia 28 de Julho de 2010, durante o debate da 4.ª Sessão na parte da manhã, subordinada ao tema ―What can parliaments and parliamentarians do?‖, fiz uma intervenção, antecipando de certa forma o discurso que iria fazer para os parlamentares e as ONG do Líbano, no dia 30, porque entendi útil partilhar com os deputados dos sete Parlamentos presentes (Bahrain, Egipto, Jordânia, Líbano, Palestina, Sudão e Síria) o meu entendimento sobre o papel dos parlamentares na monitorização das legislações nacionais em matéria de violência contra as mulheres.
À tarde, desloquei-me a Byblos, onde tive uma reunião com Antoinette Chahine, uma mulher libanesa que muito jovem ainda foi injustamente condenada à morte, tendo passado cinco anos de tortura e sofrimento na prisão, até que foi inocentada e libertada. É membro da Amnistia Internacional, e luta pela abolição da pena de morte. Hoje, preside à uma ONG que se dedica ao apoio à integração social e profissional das mulheres após cumprimento de penas, o Mouvement Libanais pour la Justice Transitionelle. Considera essencial para os direitos das mulheres no Líbano, que o projecto de lei contra a violência doméstica actualmente em debate no parlamento possa vir a ser aprovado. No sistema político libanês predominam 17 religiões, e isso torna quase impossível a imposição de uma lei de quotas para fazer eleger mais mulheres parlamentares, que actualmente são apenas quatro. As mulheres não têm o direito de dar a nacionalidade aos seus filhos, porque na lei civil as mulheres divorciadas não têm direito a nada. E no que respeita à violência doméstica, impera o silêncio, por causa da censura social e do medo das agressões.
No dia 29 de Julho de 2010, tive uma reunião com Zoya Rouhana, presidente e fundadora da ONG libanesa ―KAFA - Enough Violence & Exploitation‖, a mais importante de todas pelo orçamento e pelas actividades que movimenta.
A KAFA tem um orçamento anual de cerca de 1 milhão de Euros, financiado sobretudo pelos programas ―AFGAR‖ e ―Implementing CEDAW‖ da União Europeia, recebendo ainda apoios da Safe Children (Suécia), da UNIFEM (―Engaging Mem fighting Violence Against Women‖) e de vários sectores da sociedade dos Estados Unidos.
Esta ONG tem 15 colaboradores a tempo inteiro e muitos voluntários. 60% do orçamento é dedicado ao combate à Violência Contra as Mulheres, colabora com as 5 casas abrigo existentes no Líbano, das quais só uma aceita crianças com as mães. Aposta também na reconciliação, no treino de profissionais e nas campanhas públicas de sensibilização.
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20% do orçamento é dedicado aos Abusos Sexuais de Crianças, sendo que o incesto é uma questão tabu no Líbano, muito delicada, e estudos feitos revelam que 16% das crianças libanesas são vítimas de abusos sexuais.
Os restantes 20% do orçamento são dedicados ao Tráfico de Seres Humanos, com particular atenção para as mulheres migrantes e a exploração sexual de mulheres, dedicando-se também ao estudo do fenómeno.
A Sr.ª Zoya Rouhana tem críticas relevantes a fazer ao projecto de lei contra a Violência Doméstica: — Dentro das penas aplicáveis está a pena de morte; — O chamado ―Personnal Status‖ sobrepõe-se à lei se ela vier a ser aprovada, o que significa a perpetuação da situação de inferioridade das mulheres face aos homens, conforme estipulam as 17 leis religiosas diferentes que coexistem no país. Em caso de divórcio, a custódia dos filhos vai para o pai, a mulher não tem direito patrimonial a nada.
Foi-me pedido que enviasse à KAFA a legislação existente em Portugal, designadamente a Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, bem como o Plano Nacional de Combate à Violência Doméstica, o que fiz.
Seguidamente, fui um dos oradores da Sessão n.º 7, subordinada ao tema ―Working to make Violence Against Women a priority issue: International, regional and national campaigns‖, e fiz uma intervenção cuja projecção de diapositivos consta como Anexo B do presente relatório.
Ali fiz uma explanação resumida do que foi a campanha do Conselho da Europa ―Stop Domestic Violence Against Women‖ (2006-2008), e da participação activa que nela tiveram os parlamentos e parlamentares nacionais.
Seguiu-se um intenso debate, no final do qual fiz outra intervenção de respostas às questões que me foram colocadas.
De tarde, assisti às Sessões n.os 1 e 2 do Meeting com o Parlamento Libanês sobre ―Implementing CEDAW and Combating Violence Against Women‖.
No dia 30 de Julho de 2010, pela manhã, participei na Sessão nº 3 do seminário com deputados libaneses e representantes da ONGs do Líbano, subordinado ao tema ―Parliamentary Action on Violence Against Women – Legislating on VAW: good practices and Challenges to Adress‖, como um dos dois oradores convidados.
Fiz duas intervenções: uma, de fundo, a explicar o processo legislativo e as políticas de igualdade e de combate à violência doméstica em Portugal, e outra a dar algumas sugestões de alteração ao projecto de lei de combate à violência doméstica presentemente em apreciação no Parlamento do Líbano.
Relativamente à evolução do processo em Portugal, a minha intervenção focou os seguintes pontos:
O CASO PORTUGUÊS – UMA EXPERIÊNCIA INOVADORA Portugal participou de corpo inteiro na 4.ª Conferência Mundial de Mulheres, realizada em Pequim em 1995, e de onde saiu uma Plataforma de Acção contra a discriminação e todas as formas de violência sofridas pelas mulheres em razão do seu género. Tornou-se bastante claro que a Violência Doméstica não é um combate exclusivo das mulheres, importando associar os homens nessa tarefa, para colocar fim a um histórico que vem de longe de relação de posse controle e dominação das mulheres pelos homens.
Tomou-se consciência da necessidade de mudar os valores dominantes, acabar com preconceitos, eliminar estereótipos responsáveis por à agressão, controle e dominação por parte dos agressores, corresponder a subordinação, a tolerância e a não reacção por parte das vítimas.
Na sequência, foram tomadas medidas de política orientadas em torno de três eixos: O Plano Nacional de Igualdade; O Plano Nacional de Combate à Violência Doméstica, que já vai na terceira edição, estando em preparação a quarta; O Plano Nacional de Combate ao Tráfico de Seres Humanos.
Merecem destaques, dois marcos legislativos: a Violência Doméstica foi considerada um crime público, na revisão do Código Penal, realizada em 2000, tendo sido autonomizada na revisão desse diploma realizada em Consultar Diário Original
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2007, alargando-se a sua abrangência aos crimes perpetrados por ex-cônjuges (ou companheiros) e pessoas do mesmo sexo.
O combate à Violência Doméstica desenvolveu-se em três frentes: Legislação; Protecção das vítimas; Conhecimento e prevenção do fenómeno; Qualificação dos profissionais dos sectores que lidam com o fenómeno, as suas vítimas e agressores (Saúde, Segurança Social, polícia, magistrados, juízes, etc.); Criação de estruturas de apoio.
Em 16 de Setembro de 2009, foi publicada a Lei n.º 112/2009, que veio enquadrar de forma integrada o tratamento do fenómeno de Violência Doméstica, de cujo articulado ressaltam os seguintes aspectos: A Violência Doméstica é definida como um crime de investigação prioritária; Foi conferido um carácter de urgência no tratamento dos processos; Foram adoptadas medidas de coacção com carácter de urgência no período das primeiras 48 horas sobre o facto ou a denúncia; Foi considerada a possibilidade de detenção fora de flagrante delito, para protecção das vítimas; Foi estabelecida a realização de programas de tratamento de agressores.
Posteriormente, já foram publicados três diplomas regulamentares das seguintes situações: Figura do Técnico de Apoio à Vítima; Estatuto da Vítima; Teleassistência e Vigilância Electrónica.
Aguarda-se, ainda, a próxima publicação de diplomas regulamentadores das seguintes situações: Apoio ao arrendamento; Rede Nacional de Apoio, que inclui as Casas de Abrigo, os Centros de Atendimento, etc.
Dentro da estrutura da Lei n.º 112/2009, há quatro aspectos marcantes: Definições – Vítima, Técnico de Apoio à Vítima, Rede de Apoio, etc.; Finalidades – Políticas, direitos das vítimas, medidas de protecção, respostas de apoio, Plano Nacional de Combate à Violência Doméstica; Princípios – Igualdade, respeito e reconhecimento, confidencialidade, informação; Estatuto da vítima – condições de atribuição e cessação, direitos (à informação, protecção, acesso ao direito, protecção policial, tutela judicial, tutela social, rede institucional, gratuitidade, educação para a cidadania.
Algumas iniciativas concretas têm sido implementadas: No campo da Prevenção Junto das Escolas Incutir nas crianças uma cultura pelo respeito mútuo, pela cidadania, pela partilha, pela desconstrução dos mitos; Foram publicados os Guiões para a Igualdade e Cidadania (pré-escolar e 3.º Ciclo); Tem-se utilizado o Teatro como elemento motivador das crianças.
Têm-se realizado várias campanhas de sensibilização: Maltrato Zero; Cartão Vermelho; Laço Branco.
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No campo do Apoio às Vítimas: Foram criadas múltiplas estruturas: Núcleos de atendimento nas esquadras da PSP e da GNR; Rede de Casas de Abrigo; Linha Verde; Rede Nacional de Núcleos de Atendimento à Vítima de Violência Doméstica; ONG.
Na Saúde: A Violência Doméstica foi considerada um problema de Saúde Pública; Desenvolveu-se uma intervenção articulada; Procedeu-se ao rastreio de Violência Doméstica sobre mulheres grávidas; Promoveu-se o tratamento de agressores alcoólicos.
Na Justiça: Implementação da Vigilância Electrónica e da Teleassistência; Apoio psicossocial; Programas de tratamento de agressores.
Finalmente, duas temáticas mais incluídas numa política pela Igualdade: – O Empoderamento das Mulheres – a criação dos GAM – Grupos de Ajuda Múltipla; – A promoção das Novas Masculinidades – lutar contra os estereótipos machistas, levar os jovens a aprender a viver a impotência e a fragilidade, a serem melhores pessoas, a rejeitarem a violência e a força.
A segunda intervenção versou sobre o projecto de lei sobre a Protecção das Mulheres Contra a Violência Doméstica, em discussão no Parlamento do Líbano. Exprimi a minha opinião de que, não sendo um documento perfeito, continha disposições muito importantes para a protecção das mulheres. Todavia, o artigo 26.º, ao estabelecer que em caso de contradição com o ―Personal Status Code‖ ou as regras jurisdicionais dos tribunais religiosos, são estes que prevalecem sobre a lei, acaba por neutralizar praticamente todos os efeitos positivos contidos no texto legislativo.
Alertei igualmente para o carácter demasiado restritivo do campo de aplicação da lei, ao reduzir a aplicação de algumas disposições do artigo 4.º apenas às esposas, deixando desprotegidas as outras mulheres membros das famílias, como as filhas, as irmãs, as mães ou as sogras.
Na Sessão n.º 4, subordinada ao tema ―The Challenges of Implementing Legislation on Violence Against Women: the role of parliament on monitoring progress‖, fui um dos dois oradores convidados.
Fiz uma intervenção intitulada ―Role of Parliamentarians in Monitoring National Legislations in the Field of Violence Against Women: Monitoring Mechanism in Council of Europe Member States, and in the Future Convention on Preventing and Combating Violence Against Women and Domestic Violence‖, cujo teor integral se reproduz no Anexo C do presente relatório.
No final, fiz uma segunda intervenção de resposta às questões que me foram colocadas por várias representantes de ONG presentes.
Assembleia da República, 8 de Agosto de 2010.
O Deputado do PSD, Mendes Bota.
Nota: Os anexos encontram-se disponíveis para consulta nos serviços de apoio.
A Divisão de Redacção e Apoio Audiovisual.
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