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Sábado, 7 de junho de 2014 II Série-D — Número 27
XII LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2013-2014)
S U M Á R I O
Delegações e Deputações da Assembleia da República:
— Relatório referente à participação da Delegação da Assembleia da República na visita preparatória de observação das eleições presidenciais antecipadas na Ucrânia, que decorreu em Kiev e Odessaentre 5 e 9 de maio de 2014.
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DELEGAÇÕES E DEPUTAÇÕES DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA
Relatório referente à participação da Delegação da Assembleia da República na visita preparatória
de observação das eleições presidenciais antecipadas na Ucrânia, que decorreu em Kiev e Odessa
entre 5 e 9 de maio de 2014.
O Deputado João Soares (PS), Vice-Presidente da Delegação, que irá liderar a Missão de Observação da
OSCE às eleições presidenciais antecipadas na Ucrânia, previstas para 25 de maio próximo, efetuou uma
visita preliminar a Kiev e Odessa de 5 a 9 de maio. Esta visita teve o duplo objetivo de contactar as
autoridades locais bem como avaliar as condições de segurança indispensáveis à realização do ato eleitoral.
Kiev
A situação na cidade é calma, não tendo ocorrido nenhum tipo de incidente. A avenida principal e a praça
Maidan continuam cortadas à circulação automóvel – com exceção de um corredor para os veículos de
emergência. Continuam a ver-se, no centro da cidade, grupos paramilitares fardados (os chamados “Guardas
de Autodefesa de Maidan”) que não pertencem nem à polícia nem às Forças Armadas.
Não se registaram ações de campanha eleitoral, apenas a existência de cartazes de alguns candidatos.
Reunião com o ODIHR
Existe um problema com o deployment dos observadores de curto-prazo (STO) já que a as forças de
segurança não controlam a situação em parte do país: não existe uma cadeia de comando e são ineficazes
para manter a ordem.
Todos os Partidos (incluindo o Partido das Regiões) apoiam o processo eleitoral porque consideram
essencial a existência de um poder legítimo. Contudo o Partido das Regiões (PR) está dividido e, nalguns
locais, a sua estrutura não apoia o candidato oficial (Mykhailo Dobkin). Noutras regiões o PR considera a
eleição ilegítima já que o seu candidato não pode fazer campanha.
A Comissão Eleitoral Central (CEC) considera que existirão condições para se realizarem eleições em todo
o país.
Ainda não foi decidido se o referendo sobre descentralização/federalização se realizará também no dia 25
de maio.
O “referendo” de 11 de maio na região de Donetsk não tem legitimidade.
Reunião com o Embaixador do Canadá
A situação de segurança está a piorar. Com o anterior Presidente viveu-se uma deterioração da
democracia e uma instrumentalização das eleições (sobretudo as legislativas de 2012), tribunais e Governo
em favor do PR. Registou-se um aumento da corrupção e cleptocracia o que motivou a revolta da maioria dos
cidadãos.
É fundamental que se realizem eleições a 25 de maio, caso contrário os problemas existentes serão ainda
maiores. O Governo não controla o leste do país e encontra-se “paralisado”.
Provavelmente não será possível enviar observadores eleitorais para todo o país no dia 25, devido aos
problemas de segurança. O Canadá enviará uma missão própria com cerca de 200 observadores.
Reunião com o Vice-Ministro dos Negócios Estrangeiros
A melhor forma de estabilizar o país é com a eleição de um Presidente legítimo que promova o diálogo.
Na Crimeia apenas 30% da população votou no “referendo” de março passado e desses apenas metade
votou a favor da anexação. Os eleitores registados na Crimeia podem votar em qualquer local do país. Neste
território a situação é “explosiva” já que os altos funcionários ucranianos estão a ser transferidos para a
Rússia, sendo substituídos por funcionários russos.
“Mais de 80% da população quer votar” já que apenas os radicais estão interessados na violência.
Existem “provas” da presença de “agentes russos” infiltrados na Ucrânia. Estes agentes já foram
identificados pelo Serviço de Segurança Ucraniano (SBU) e estão em Odessa, Donetsk e Lugansk).
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Reunião com Missão Especial de Monitorização da OSCE
Esta Missão foi criada para acompanhar a situação de segurança na Ucrânia, sendo composta por 100
observadores civis que estão espalhados por todo o território ucraniano.
É essencial que o Governo estabeleça “pontes” com as regiões, sobretudo no leste.
As “autoridades” de Donetsk solicitaram ao Parlamento a criação de uma Comissão para o diálogo com as
regiões, que envolva todos os intervenientes. Contudo, a situação de segurança continua a deteriorar-se
rapidamente e as possibilidades de diálogo com os “rebeldes” são cada vez mais escassas. Daí que seja
essencial prosseguir com as conversações de Genebra.
O Governo não tem tido um discurso conciliatório, mesmo depois da tragédia em Odessa.
Reunião com Observadores de Longo Prazo (LTO)
Esta equipa de observadores, sediada em Kiev, é composta por um observador português (Luís de Barros)
e por uma observadora norueguesa.
A situação em Kiev é calma, todos os preparativos para as eleições decorrem com normalidade.
Os chamados grupos de “autodefesa” (alguns armados), formados no decorrer dos acontecimentos que
levaram à queda do ex-Presidente, poderão a participar em fases da organização das eleições: vigilância do
ato eleitoral e transporte de boletins de voto depois do fecho das urnas.
A situação de segurança a leste é “incerta” e pode impedir a votação nalguns locais.
Existem poucas pessoas para formar as mesas de voto (mínimo de 12 e máximo de 16 em cada secção) já
que todas as candidaturas têm que estar representados. Atualmente ainda estão na corrida 20 candidatos.
Reunião com o Serviço de Segurança da Ucrânia (SBU)
O Deputado João Soares questionou os dirigentes do SBU acerca do dia 9 de maio (celebrações do dia da
vitória na 2ª Guerra Mundial com possíveis incidentes); do “referendo” de 11 de maio em Donetsk e Lugansk; e
das condições para as eleições de dia 25 ocorrerem em todo o país.
Relativamente ao dia 9 de maio foi dito que a Rússia pretende “desestabilizar” as eleições através da
“compra de representantes do poder”. O filho do ex-Presidente Yanukovich afirmou que estava a financiar “os
verdadeiros patriotas”, ou seja os rebeldes no leste (a maioria dos quais são “desempregados e pequenos
criminosos”). Podem existir tentativas de desestabilização em Odessa, Kiev e outras cidades a leste no dia 9
de maio.
Os separatistas não têm apoio popular (70% da população é a favor de uma “Ucrânia unida”) já que são
apenas cerca de 2.000 em Donesk e Lugansk aos quais se terão juntado cerca de 200 ou 300 pessoas vindas
da Rússia. Existe uma “linha de comando clara”, com origem na Rússia, que controla os revoltosos: esta
situação foi particularmente visível no processo negocial que levou à libertação dos observadores militares da
OSCE já que foram intercetados telefonemas que “provam” o “envolvimento das forças de segurança russas
em todo o processo, incluindo a detenção dos observadores”.
Foi ainda afirmado que a Rússia “tentou transportar componentes radioativos do território da
Transdniestria” para a Ucrânia; que as Forças Armadas russas controlam todas as comunicações móveis
ucranianas utilizando “veículos” que estão estacionados no leste da Ucrânia; e que estão a ser enviados, a
partir da Crimeia, “indivíduos treinados” para desestabilizar a situação de segurança.
Os separatistas têm em seu poder cerca de 5 toneladas de explosivos (utilizados em minas).
As eleições de dia 25 vão-se realizar “apesar dos esforços da Federação da Rússia” em contrário. O SBU
fará todos os possíveis para que as eleições sejam livres e transparentes. “Todas as informações disponíveis
apontam para que a Rússia não irá desencadear operações militares diretas” na Ucrânia no dia 25, já que tal
iniciativa teria um custo demasiado alto.
Sobre o “referendo” de 11 de maio: menos de 30% dos eleitores da Crimeia participaram no “referendo” de
março, portanto o cenário no leste da Ucrânia não será diferente. Os rebeldes não têm acesso às listas de
eleitores e só controlam alguns edifícios e pequenas cidades. O resultado oficial será “próximo dos 90%”. O
boletim de voto não apresenta alternativas para quem pretende votar contra (os boletins foram impressos na
Crimeia e não são todos iguais já que a pergunta é diferente em vários locais).
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Está a ser programada uma reunião, na região de Dnepropetrovsk, entre representantes das várias regiões
em defesa da unidade da Ucrânia.
A Rússia pretende controlar o território das oito regiões ucranianas a leste e a sul (de Kharkiv a Odessa)
mas “não está a conseguir”. Podem existir “provocações” em territórios “não contíguos” à Federação da
Rússia, nomeadamente em Lviv.
Reunião com o Primeiro-Ministro (PM) Arseny Yasenyuk
Sobre as eleições presidenciais afirmou que a Rússia pretende desestabilizar todo o processo já que com a
“fuga” do anterior Presidente é urgente encontrar um chefe de Estado “legítimo”.
Vai existir um problema no dia da votação em partes do leste do país mas isso não irá afetar muito o
resultado final. Provavelmente não será possível realizar eleições em Slaviansk.
O Deputado João Soares considerou que seria útil não utilizar uma linguagem “forte”, nomeadamente não
apelidar os rebeldes de “terroristas” porque isso fecha portas para um possível diálogo; disse ainda que era
fundamental que o russo fosse novamente considerado como língua oficial. O PM afirmou que gostaria de não
os apelidar de “terroristas” mas, de facto, é o que eles são. Trata-se de elementos “muito bem treinados e
equipados com boas munições”, alguns vindos da Chechénia com experiência de guerra.
O governo está pronto a “descentralizar”, nomeadamente através de uma nova Constituição em que o
russo seja a segunda língua oficial do país. O referendo sobre a descentralização poderá realizar-se a 25 de
maio “se o Parlamento aprovar”.
Os acontecimentos de 2 de maio em Odessa tiveram origem numa “provocação” de agentes russos
enviados da Transdniestria”: homens armados mataram 7 civis no centro da cidade. A partir daí uma multidão
perseguiu um grupo de elementos “pró-russos” que se refugiou na “Casa dos Sindicatos” onde deflagrou um
incêndio que provocou a morte de quase 40 pessoas. Parte das “forças de segurança” ucranianas colaborou
com os elementos “pró-russos”.
O PM afirmou ainda que o Presidente Putin pretende “ligar a Crimeia ao Mar Negro” e para isso terá que
controlar Odessa, a região de Nykolaev (onde existem várias fábricas de armamento) e a região de Kherson
(por onde passa o abastecimento de água para a Crimeia).
Odessa
Odessa é a terceira cidade ucraniana com uma população de um milhão de habitantes (62% de
ucranianos, 29% de russófonos e ainda as seguintes minorias: albaneses, arménios, azeris, crimeios, tártaros,
búlgaros, georgianos, gregos, judeus, romenos e turcos).
O distrito de Odessa (oblast) tem cerca de 2.3 milhões de habitantes, incluindo as minorias búlgaras,
romenas e gregas. Existe também uma comunidade judaica significativa (a segunda maior da Ucrânia).
Os responsáveis da segurança da OSCE desencorajaram a visita do Deputado João Soares a Odessa
alegando que a situação na cidade era “perigosa” e “instável”. Verificou-se que esta avaliação era errada e
desajustada da realidade.
Apesar dos acontecimentos de 2 de maio (que resultaram na morte de mais de 40 pessoas, a maioria
queimadas num fogo ateado no edifício “Casa dos Sindicatos”), a situação na cidade permaneceu calma, não
se tendo registado nenhum tipo de incidente. De acordo com os interlocutores locais, nomeadamente a
pequena comunidade portuguesa de Odessa, a cidade nesta altura do ano costuma ter um elevado número de
turistas – nomeadamente russos. Contudo, as ruas da cidade e os seus muitos restaurantes e lojas estão
vazios.
A delegação da AP OSCE teve oportunidade de visitar os locais onde ocorreram os confrontos de 2 de
maio, nomeadamente a “Casa dos Sindicatos”.
Reunião com Missão Especial de Monitorização da OSCE
A maioria da população é “apolítica” e não apoia os movimentos pró ou contra Maidan. É uma cidade
multicultural onde é difícil definir alguém pela sua “nacionalidade.
Ao longo do último mês a retórica dos dois lados mais radicais intensificou-se e culminou com os
acontecimentos de 2 de maio: cinco mortos nos confrontos iniciais no centro da cidade (elementos “pró-
Maidan”) e 41 mortos na Casa dos Sindicatos, em resultado do incêndio que deflagrou no edifício (elementos
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“anti-Maidan”). O efeito psicológico desta tragédia deixou a cidade em “estado de choque”. Existe muita
“ansiedade” para os próximos dias. O governo enviou um batalhão de polícia de choque, de Kiev, para evitar
mais problemas.
A campanha presidencial é quase inexistente nas ruas (com exceção de alguns cartazes). Já a campanha
para a presidência da Câmara Municipal é mais visível.
Reunião com Observadores de Longo Prazo (LTO)
Existem três equipas de LTO na província de Odessa. No dia das eleições deverão funcionar 1.441 locais
de voto na região (364 na cidade). A Comissão Eleitoral Distrital de Odessa está a funcionar em pleno mas os
seus membros têm pouca ou nenhuma experiência em matéria de organização de eleições.
As atividades de campanha têm passado praticamente despercebidas: poucos cartazes, não existiram
comícios e, até aos acontecimentos de 2 de maio, nenhum dos candidatos tinha visitado a cidade (nos dias
seguintes os principais candidatos deslocaram-se a Odessa).
Foram registados alguns incidentes em sedes do Partido Svoboda (“Liberdade” – extrema direita) com
engenhos explosivos artesanais.
As Universidades locais (ontem estudam cerca de 100.000 jovens) estão fechadas desde dia 2 de maio.
Reunião com o Comité dos Eleitores da Ucrânia
A Rússia e o ex-Presidente Yanukovich estão a fazer tudo para desestabilizar a situação. Os problemas
existentes não são impeditivos da realização de eleições. Existe um “perigo” para dia 9 de maio com “atos
terroristas” (entretanto a Câmara Municipal de Odessa anulou todos os festejos e marchas previstos para este
dia).
As listas de eleitores estão fechadas e serão entregues aos distritos e assembleias de voto nos próximos
dias; existem problemas na formação de assembleias de voto já que em alguns locais não existem pessoas
suficientes.
Até ao momento não foram usados recursos do Estado ao serviço de nenhum dos candidatos.
Reunião com o Cônsul Honorário da Alemanha
A Rússia pretende demonstrar que não controla os separatistas mas isso “pode não ser verdade”. A
maioria das pessoas no leste já está cansada deste conflito e das atividades dos rebeldes.
Em Odessa mais de 70% da população quer permanecer ucraniana.
Um dos maiores erros deste governo foi impedir a utilização da língua russa em “assuntos oficiais” já que
grande parte da população fala russo.
Os acontecimentos de 2 de maio foram causados por “pessoas de fora” (da Rússia), cerca de “30
profissionais”.
O Cônsul referiu ainda que 10% a 15% dos votos podem ser falsificados em todo o país.
Reunião com o Presidente da Câmara Municipal de Odessa
A tragédia de Odessa ocorreu devido a “influências externas”; não serão autorizadas manifestações ou
marchas no dia 9 de maio para impedir mais confrontos; as recentes declarações do Presidente Putin1 devem
ser comprovadas por atos e ainda não foi verificado nenhum recuo por parte dos separatistas.
Reunião com a Comissão Eleitoral Distrital (CED) de Odessa
Os membros da CED já começaram a receber as listas de eleitores e a escolher os locais da votação. Nem
todas as assembleias de voto estão ainda formadas com um número suficiente de membros.
Reunião com o representante do candidato Petro Poroshenko2
Os acontecimentos de 2 de maio em Odessa foram organizados por “estruturas para-militares pró-russas”
fortemente armadas que pretendiam recriar o “cenário de Donetsk”.
1 O Presidente Vladimir Putin afirmou que as eleições na Ucrânia são um passo na direção certa, que os “referendos” de 11 de março
deveriam ser adiados e que as tropas russas estacionadas junto à fronteira da Ucrânia serão retiradas. 2 Candidato favorito com 30% a 40% das intenções de voto nas sondagens.
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Não se preveem mais tentativas de desestabilização em Odessa. O período entre a primeira e a segunda
volta poderá ser “perigoso”.
O objetivo do Presidente Putin é ficar com todo o leste e sul da Ucrânia que ele denominou como
“Novorussie”.
Reunião com o representante do candidato Serhiy Tihipko3
Não preveem provocações para o dia 9 de maio; o discurso do Presidente Putin é um passo para a paz e
para acalmar a situação; não acreditam nos resultados dos “referendos” de 11 de maio porque não serão
válidos; para além da Rússia também os líderes separatistas são responsáveis pela violência.
O candidato Tihipko vai “unir leste e ocidente”, outras prioridades passam pela economia e restauração da
“ordem”.
O orçamento de campanha deste candidato ronda os 50 milhões de USD. Estão programados debates
televisivos entre todos os candidatos até ao dia 23 de maio. Em 2010 este candidato obteve 33% dos votos
em Odessa e 21% no distrito.
Assembleia da República, 16 de maio de 2014.
O Assessor Parlamentar, Nuno Paixão.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.
3 Candidato independente, em 2012 esteve coligado com o PR para as legislativas.