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Sexta-feira, 9 de abril de 2021 II Série-D — Número 11
XIV LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2020-2021)
S U M Á R I O
Delegação da Assembleia da República:
Relatório da participação da Delegação da Assembleia da República na Reunião Interparlamentar subordinada ao tema «Legislar melhor de uma perspetiva digital», organizada pela Comissão de Assuntos Jurídicos (JURI) do Parlamento
Europeu (PE), realizada em Bruxelas no dia 27 de outubro de 2020, por videoconferência.
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DELEGAÇÃO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA
RELATÓRIO DA PARTICIPAÇÃO DA DELEGAÇÃO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA NA REUNIÃO
INTERPARLAMENTAR SUBORDINADA AO TEMA «LEGISLAR MELHOR DE UMA PERSPETIVA
DIGITAL», ORGANIZADA PELA COMISSÃO DE ASSUNTOS JURÍDICOS (JURI) DO PARLAMENTO
EUROPEU (PE), REALIZADA EM BRUXELAS NO DIA 27 DE OUTUBRO DE 2020, POR
VIDEOCONFERÊNCIA
Delegação: Deputados José Magalhães (PS), António Gameiro (PS), Emília Cerqueira (PSD) e Hugo Martins
de Carvalho (PSD).
A assessoria foi prestada por Bruno Dias Pinheiro, Representante da Assembleia da República junto das
Instituições da União Europeia e Cátia Duarte, assessora na Comissão de Administração Pública, Modernização
Administrativa, Descentralização e Poder Local.
No passado dia 27 de outubro de 2020, a Comissão de Assuntos Jurídicos do Parlamento Europeu (JURI)
realizou uma reunião interparlamentar, sobre o tema legislar melhor de um ponto de vista digital, contando com
participantes1 provenientes de 12 Estados-Membros.
Sessão de abertura
O Sr. Eurodeputado Adrián Vázquez Lázara, Eurodeputado espanhol, Presidente da JURI e responsável
por conduzir a reunião, deu as boas vindas a todos os participantes e transmitiu que esta seria a primeira reunião
interparlamentar a decorrer inteiramente à distância, pelo que seria inédita pelo seu formato.
Descreveu a reunião como fundamental uma vez que a necessidade de digitalização do procedimento
legislativo, realidade que vem sendo incorporada a nível nacional e comunitário, assume atualmente um papel
incontornável e imprescindível face às atípicas circunstâncias resultantes da pandemia da COVID-19.
A agenda2 da reunião focou-se na partilha de experiências por parte de representantes das instituições
europeias e de determinados Estados-Membros, abrangeu o período anterior e o atual de pandemia COVID-19
e o primeiro painel foi inaugurada pelo Sr. Hrvoje Grubisic, representante da Comissão Europeia.
Painel 1: Introdução ao tópico
Hrvoje Grubisic, Secretário da Rede Judiciária Europeia em Matéria Civil e Comercial (RJE), referiu que o
inédito fecho dos tribunais, em espaço europeu, durante o período de confinamento e a consequente diminuição
da garantia de proteção dos direitos dos cidadãos europeus, se deveu à inaptidão daqueles em se capacitarem
com os instrumentos digitais apropriados.
Considerou, não obstante, que esta é uma situação remediável e que desde há vários anos que a Comissão
Europeia reconhece a necessidade de desenvolvimento desta área, tendo-a colocado no topo das suas
prioridades, de modo a que os serviços judiciais sejam mais eficazes e céleres.
Reconheceu, por um lado, a existência de casos de sucesso de digitalização na área da justiça civil e
comercial e, por outro lado, a necessidade de se continuar a desenvolver esta área, nomeadamente, através da
garantia de existência das infraestruturas adequadas em todos os Estados-Membros.
1 A lista dos participantes na reunião encontra-se disponível em: http://www.epgencms.europarl.europa.eu/cmsdata/upload/674506fd-9f75-46b6-bb24-604563e2eb5f/List_of_participants_JURI_ICM_27_10_2020-rev13h10.pdf. 2 A agenda da reunião encontra-se disponível em: http://www.epgencms.europarl.europa.eu/cmsdata/upload/38295669-fd7e-4a47-aa39-6cb8b101aa00/Agenda_JURI_ICM_Remote_27Oct2020.pdf.
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Painel 2: Legislação «digital-ready»: a experiência dinamarquesa
Lisbeth Bech-Nielsen, Deputada do Parlamento dinamarquês e porta-voz para os assuntos digitais
descreveu o panorama de digitalização existente na Dinamarca, bem como as concomitantes questões éticas a
ele associadas. Destacou o facto de ocuparem uma posição cimeira a nível europeu e mundial, em termos de
digitalização.
Mencionou que se concentram no desenvolvimento da digitalização, das respetivas infraestruturas, bem
como na promoção de um procedimento legislativo mais eficaz, coerente e coeso, mas estão conscientes dos
perigos associados à segurança dos dados pessoais dos seus cidadãos e eventuais problemas de natureza
ética.
Evidenciou a necessidade de se manter a confiança dos cidadãos no sistema e nas autoridades, mediante a
promoção da transparência e a garantia de que a informação só é utilizada para fins legítimos, alertando para
preocupações com a retenção e a prospeção de dados, especialmente quanto a grupos de pessoas vulneráveis.
Aberto o debate, intervieram os seguintes Deputados:
Melchior Karen, Eurodeputada dinamarquesa e coordenadora do JURI, enfatizou que a Dinamarca tem um
nível de digitalização superior ao do Parlamento Europeu. Corroborou também a noção de que é crucial garantir-
se a proteção dos dados dos cidadãos, especialmente no respeitante à utilização de bases de dados
centralizadas. Referiu que a digitalização dos serviços pode ser bastante útil e eficiente para os cidadãos, não
só para interagirem com os seus Governos, mas também para perceberem quais dos seus dados estão a ser
utilizados e que entidades públicas estão a aceder a esses mesmos dados. Afirmou, por fim, que o aumento da
qualidade das leis está relacionado com a existência de um maior escrutínio sobre as mesmas.
Kotsiras George, Deputado do Parlamento Grego,partilhou a experiência grega no respeitante aos
progressos feitos a nível de digitalização, sublinhando que pretendem apoiar os setores que invistam em
tecnologia e que possam ajudar na transformação da economia europeia. Questionou, por fim, sobre que
medidas é que a Comissão Europeia pretende tomar no respeitante à justiça administrativa.
José Magalhães, Deputado do Parlamento português e vice-presidente da Comissão de Assuntos
Constitucionais, Direitos Liberdades e Garantias referiu que há necessidade de se alcançar mais do que aquilo
que já se alcançou a nível europeu, especialmente no atual contexto de pandemia.
Evidenciou a necessidade de se massificar a utilização dos instrumentos e legislação avulsa já criados neste
domínio, como é o caso do quadro legal para as assinaturas eletrónicas, quer pelos cidadãos quer por empresas.
Identificou, por outro lado, a existência de novos desafios, para os quais ainda não existe uma solução
europeia concreta, nomeadamente os relacionados com os serviços de computação em nuvem,
comercializados, maioritariamente, por empresas norte americanas.
Alegou que o futuro Código Europeu das Comunicações Eletrónicas poderá oferecer respostas cruciais para
algumas destas questões, tal como as novas redes de quinta geração, que poderão proporcionar novas formas
de organizar a economia, administração pública e de combater as desigualdades nos territórios.
Solicitou, por fim informação adicional sobre a prospeção de dados que, por não ser uma atividade tão
regulada quanto o desejável, poderá criar problemas se não for balizada.
Voss Axel, Deputado do Parlamento alemão,muito emborareconhecendo os desenvolvimentos já efetuados
nesta área, alertou para os riscos associados. Nesse sentido, solicitou esclarecimentos sobre as formas de se
prevenirem incidentes de cibersegurança, num contexto europeu e, especificamente, sobre o papel do
blockchain para garantir a segurança dos conteúdos.
Wolken Tiemo, Eurodeputado alemão, reiterou a necessidade de se assegurar a proteção da privacidade e
apelou à manutenção da prestação dos serviços de modo presencial, considerando que muitos cidadãos não
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têm acesso aos meios necessários ou são iletrados em termos digitais.
Hrvoje Grubisic, respondendo às questões colocadas, informou que a Comissão Europeia apoia projetos
de digitalização dos Estados-Membros, desde que os mesmos respeitem as regras europeias, evidenciando, a
esse respeito, o apoio financeiro dado pelo Mecanismo Interligar a Europa (Connecting Europe Facillity – CEF).
A respeito dos instrumentos digitais, mencionou o E-Codex, informando que se pretende que o mesmo seja
colocado sob a alçada da EU-LISA, para que seja acessível a todos os Estados-Membros. Referiu-se por fim à
identidade online, sublinhando que todos os instrumentos digitais foram criados para serem interoperacionais
com a Identificação Electrónica (eID).
Miguel Gutierres, Deputado do Parlamento espanhol, focou-se nas questões de acessibilidade transversal
a todas as camadas da sociedade, incluindo e especialmente a das áreas rurais, enfatizando a necessidade de
se manter a prestação de serviços presenciais. Nessa senda, perguntou se estava prevista a criação de
programas específicos para mitigar os problemas de conexão das áreas mais remotas.
Lisbeth Bech-Nielsen, Deputada do Parlamento dinamarquês referindo-se às questões colocadas sobre a
segurança da identidade online através de blockchain, mencionou ter grandes expetativas quanto à sua
utilização, mas também alguns receios relacionados com a sua utilização para fins ilícitos, nomeadamente
relacionados com o roubo de identidade.
Painel 3: Serviços digitalizados para cidadãos e empresas: a experiência da Estónia
Andrei Korobeinik, Deputado do Parlamento da Estónia, fez uma apresentação3 sobre o elevado nível de
digitalização existente na Estónia, salientando que são líderes em número de start-ups per capita e unicórnio.
Atribuiu esse sucesso à dotação de todas as escolas da Estónia com computadores e internet, na década de
90.
Referiu que os serviços e-government da Estónia começaram a ser desenvolvidos no início do século e que
a população aderiu muito bem a essa transição. Destacou a introdução do ID card e referiu que todos os serviços
administrativos estão interligados a uma base de dados centralizada.
Destacou dois programas nesta área: (i) o E-residency que permite que os candidatos tenham acesso a todos
os serviços governamentais existentes, a partir de qualquer local no mundo e (ii) o Digital Nomad Visa, que
possibilita a permanência, na Estónia, de trabalhadores remotos de empresas estrangeiras.
Finalizou a sua apresentação afirmando acreditar que, no futuro, os Estados serão apenas prestadores de
serviços.
Na fase de debate participaram os seguintes Deputados:
Francesco Berti, Deputado do Parlamento italiano, referiu-se à dificuldade sentida pela administração
italiana na transição digital dos seus serviços, devido à idade média dos seus funcionários públicos. Mencionou
ainda estarem fortemente comprometidos no investimento na inovação digital para o futuro do seu país e da
europa.
Anna Aleksandrova, Deputada do Parlamento da Bulgária,fez uma síntese da evolução do processo de
transição digital vivido na Bulgária, transversal a todos os órgãos administrativos. Evidenciou a desnecessidade
de utilização de formulários em papel e a partilha eletrónica interinstitucional de documentos.
3 A apresentação do senhor deputado Andrei Korobeinik, encontra-se disponível em: http://www.epgencms.europarl.europa.eu/cmsdata/upload/e20f3c5b-f52a-4046-b3b6-5726f7b303f6/Korobeinik_PPT_EN.pdf.
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Painel 4: Ferramentas digitais ao serviço do legislador: a experiência francesa
Émilie Cariou, Deputada do Parlamento francês emembro da Comissão de Finanças,referiu que a França
tem vindo a desenvolver instrumentos digitais desde há três décadas, não obstante mantém um forte pendor de
proteção dos dados pessoais e, por isso, têm sido relutantes em levar a digitalização longe demais.
Nesse sentido, a legislação que adotaram sobre esta matéria, assegura que o Estado não utiliza a informação
dos cidadãos de forma desproporcional. A nível setorial a área das finanças está maioritariamente digitalizada,
sendo que estão a fazer esforços semelhantes quanto à saúde. Referiu que, quer quanto à transição digital
quer quanto à proteção da democracia em contexto de pandemia, ainda há muito progresso a fazer.
Mr Mounir Mahjoubi, Deputado do Parlamento francês emembro da Comissão dos Negócios Estrangeiros,
partilhou experiências sobre a participação dos cidadãos no procedimento legislativo. Mencionou a propósito
dos procedimentos de consulta pública que envolvam a sociedade civil, que é crucial conceder tempo suficiente
para que se possam organizar, espaço (online ou presencial) para debater as suas posições e apoio técnico.
Iniciado o debate participaram os seguintes Deputados:
José Magalhães, Deputado do Parlamento português, fez alusão ao programa Simplex, que agiliza os
procedimentos burocráticos e aos novos instrumentos digitais que estão a ser criados, para que os cidadãos
tenham um acesso mais facilitado a determinados serviços da administração pública.
Referiu a existência de problemas relacionados com a falta de literacia digital e de cobertura de rede em
algumas zonas do país, algo que pode ser ultrapassado com o devido consenso a nível nacional e com a
capacitação da população com os conhecimentos adequados.
Mencionou a Carta de Direitos Fundamentais na Era Digital, iniciativa que se encontra em apreciação na
Assembleia da República portuguesa4 e que procederá à definição das políticas públicas a prosseguir neste
campo e, no âmbito europeu, a Lei dos Serviços Digitais, como parte da resposta a ser dada a problemas de
digitalização.
Aludiu, por fim, à facilidade de consulta e transparência da informação emanada da Assembleia da República,
nomeadamente através da transmissão televisiva, da página da internet, dos eventos que se realizam e
divulgação dos trabalhos em Comissão.
Adrian Vásquez Vasquez, a propósito da transição digital em Espanha, partilhou que a existência de
iliteracia digital e a idade dos funcionários públicos foi um obstáculo, questionando a este propósito, os
palestrantes franceses, sobre o que foi feito na França para capacitar os burocratas com conhecimentos digitais.
Mr Mounir Mahjoubi, esclareceu que, na França, muito embora possa existir alguma iliteracia digital,
mitigada pela utilização diária das redes sociais e pela formação digital que é dada aos seus funcionários
públicos, considerou que é também importante providenciar ferramentas digitais atualizadas e de fácil utilização.
Evidenciou que o maior receio dos funcionários públicos é o de serem preteridos face aos instrumentos
digitais que começam a ser implementados na administração pública, pelo que é fundamental criar confiança
garantindo que não vão acabar com postos de trabalho.
Voss Axel, deputado do Parlamento alemão, embora reconhecendo a necessidade de envolver os cidadãos
no processo legislativo, relembrou a importância de cumprimento dos prazos num processo legislativo célere e
digitalizado de forma a que se consiga acompanhar o próprio compasso da evolução digital.
4 Os trabalhos preparatórios do Projeto de Lei n.º 473/XIV/2.ª (PS) - Aprova a Carta de Direitos Fundamentais na Era Digital, podem ser
consultados em: https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=45116.
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Painel 5: Experiências nacionais com processo legislativo remoto na pandemia COVID-19
Prof. Dr. Sabine Kuhlmann, vice-presidente do Conselho Nacional de Controlo Regulatório da Alemanha,
iniciou a sua apresentação5 explicando que, do ponto de vista germânico, tentam assegurar que a regulação é
o mais simplificada possível.
Procedeu de seguida à caracterização da entidade na qual exerce funções, enfatizando a respetiva
autonomia face ao Governo e destacando os poderes de escrutínio das propostas legislativas do executivo,
especialmente a nível de custos de compliance para as empresas, os cidadãos e a administração pública.
Afirmou que a Alemanha não é líder em termos de digitalização, mas que a pandemia teve um efeito
acelerador na transição digital, verificando-se um reforço do investimento na digitalização da administração
pública. Concluiu afirmando que todos os níveis governativos têm de colaborar para atingirem o nível de
digitalização desejável.
Em sede de debate intervieram os seguintes Deputados:
Iulia Scantei, Deputada do Parlamento da Roménia, afirmou que os instrumentos digitais, especialmente
num contexto de pandemia, são essenciais na garantia de justiça e, nesse âmbito, mencionou a necessidade
de se assegurar a prestação de serviços jurisdicionais à distância.
László Varga, Deputado do Parlamento da Hungria, referiu que o parlamento húngaro tem uma serie de
instrumentos digitais que já foram galardoados e não tiveram até ao presente nenhum ataque cibernético,
questionando como é que a digitalização do processo legislativo se concilia com a constituição.
Considerações finais
Adrián Vázquez Lázara, agradeceu a todos os oradores e participantes na reunião, mencionou que a atual
pandemia não deverá colocar em causa a democracia e apelou a uma comunicação mais célere e próxima entre
o Parlamento Europeu e os cidadãos europeus.
Concluiu, referindo que a atual crise sanitária provou que os Governos precisam de operar e produzir
legislação a nível digital e adicionalmente que o Parlamento Europeu deveria liderar o caminho para uma europa
digital, devendo estreitar-se a cooperação com outras instituições europeias e entre os Estados-Membros.
Os Deputados da Assembleia da República: José Magalhães (PS) — António Gameiro (PS) — Emília
Cerqueira (PSD) — Hugo Martins de Carvalho (PSD).
A DIVISÃO DE REDAÇÃO.
5 A apresentação da Sr.ª Prof. Dr. Sabine Kuhlmann encontra-se disponível em: http://www.epgencms.europarl.europa.eu/cmsdata/upload/10a28c4e-e8e6-4f57-91a1-b0228ae1ab46/kuhlmann_PTT_EN.pdf.