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Sexta-feira, 1 de outubro de 2021 II Série-D — Número 3

XIV LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2021-2022)

S U M Á R I O

Delegação da Assembleia da República: Relatório da participação da delegação da Assembleia da República na Reunião Interparlamentar da Comissão de Assuntos Constitucionais (AFCO) do Parlamento Europeu subordinada ao tema «A Reforma do Direito Eleitoral Europeu e o Direito de Inquérito Parlamentar Europeu», que decorreu em Bruxelas, no passado dia 22 de junho de 2021, por videoconferência.

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RELATÓRIO DE PARTICIPAÇÃO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA NA

REUNIÃO INTERPARLAMENTAR DA COMISSÃO DE ASSUNTOS

CONSTITUCIONAIS DO PARLAMENTO EUROPEU (AFCO)1

SOBRE A REFORMA DO DIREITO ELEITORAL EUROPEU E O DIREITO DE

INQUÉRITO DO PARLAMENTO EUROPEU

Da agenda da reunião2, constavam os seguintes pontos:

1 O presente relatório foi elaborado conjuntamente pelas equipas de apoio à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e à Comissão de Assuntos Europeus. 2 Lista de participantes.

Parlamento Europeu (Bruxelas),

22 de junho de 2021

(videoconferência)

Delegação:

− Deputados José Manuel Pureza (BE) e André Coelho Lima (PSD) – Comissão de Assuntos

Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias

− Deputadas Isabel Oneto (PS) e Cristina Mendes da Silva (PS) – Comissão de Assuntos

Europeus

A assessoria foi prestada por Margarida Ascensão, Assessora da Comissão de Assuntos

Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, Ana Montanha, Assessora da Comissão de

Assuntos Europeus, Bruno Dias Pinheiro, Representante da Assembleia da República junto das

instituições da União Europeia e Catarina Ribeiro Lopes, Representante da Assembleia da República

no Secretariado da COSAC.

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09h15 – 09h45: SESSÃO DE ABERTURA

Antonio TAJANI, Presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais do Parlamento Europeu

(AFCO)

Věra JOUROVÁ, Vice-Presidente da Comissão Europeia para os Valores e Transparência

(mensagem gravada)

Gabriele Bischoff,Vice-Presidente da AFCO, em substituição de Antonio Tajani,deu início à

reunião, começando por dar as boas-vindas a todos os participantes, e informando que o Vice-

Presidente da Comissão Europeia para as Relações Interinstitucionais e Prospetiva, Maroš

Šefčovič3, também havia sido convidado a participar mas, por incompatibilidade de agenda, não pôde

estar presente tendo enviado uma carta, já distribuída a todos os participantes. Informou também que

pelas mesmas razões Věra Jourová,não podendo estar presente, gravou uma mensagem que foi

exibida imediatamente a seguir.

Věra Jourová começou por felicitar o relator Domènec Ruiz Devesa, expressando que partilha

o desejo do Parlamento Europeu (PE) de reforçar a dimensão europeia nas eleições europeias e

manifestando o seu interesse neste debate, nomeadamente, a questão do sistema de

spitzenkandidat e das listas transnacionais, questões que serão também abordadas na Conferência

sobre o Futuro da Europa (CoFE). Afirmou, ainda, que a Comissão está preparada e disposta a

aconselhar em termos jurídicos ou institucionais, a fazer investigações sobre processos eleitorais

e relações interinstitucionais, caso o PE e o Conselho considerarem útil, e fará todos os esforços

para proteger as eleições na Europa e para promover uma ampla e inclusiva participação na

democracia europeia. Referiu que, tal como foi sublinhado no relatório da Comissão Europeia

sobre as eleições de 2019 para o PE, a Comissão continuará a reforçar as atividades de

comunicação, a apoiar políticas de inclusão e a trabalhar com os Estados-Membros no âmbito da

rede de cooperação europeia sobre as eleições. Informou que, até ao final do ano, a Comissão irá

propor a atualização das regras sobre os direitos de voto de cidadãos em mobilidade na União

Europeia (UE), de forma a melhorar a partilha e troca de informações no contexto das eleições

municipais e europeias; financiará projetos sobre observações independentes de eleições na UE,

bem como projetos de apoio à participação dos cidadãos europeus. Anunciou que a Comissão

continuará a desenvolver o plano de ação para a democracia europeia, propondo medidas para

salvaguardar a integridade das eleições europeias, de forma a combater a desinformação e apoiar

3 Enviou carta explicativa lamentando não poder estar presente e tecendo algumas considerações sobre o direito de inquérito do Parlamento Europeu.

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os meios de comunicação livres e independentes. Referiu também duas propostas futuras: 1) a

revisão das regras relativas ao estatuto jurídico e ao financiamento dos partidos políticos e

fundações políticas europeias, que será apresentado após a aprovação do relatório do PE sobre

esta questão; 2) legislação que assegure maior transparência na publicidade política paga online

a par de medidas não legislativas, na sequência dos dados privados alvos de abuso no contexto

eleitoral, e também, da manipulação de eleitores, sem precedentes, a que se tem vindo a assistir.

Explicou que estas medidas complementarão aquelas constantes do ato legislativo sobre os

serviços digitais. Finalizou reafirmando que a Comissão continuará a trabalhar nestas iniciativas

para que aprovação final ocorra antes das eleições em 2024.

Gabriele Bischoff, recordou que a AFCO, em novembro de 2016, organizou um debate com os

Parlamentos nacionais sobre a lei eleitoral europeia e o direito de inquérito no PE, no sentido de

reforçar a democracia parlamentar na UE, afirmando que estes dossiers legislativos se têm

deparado com dificuldades na sua aprovação. Em relação à lei eleitoral, relembrou a aprovação,

em 2015 pelo PE, de uma resolução com base num relatório da AFCO que levou à aprovação no

Conselho da Decisão 2018/994 que alterava o ato eleitoral de 1976, e que entraria em vigor após

a aprovação por todos os Estados-Membros, o que ainda não sucedeu.Relativamente ao direito

de inquérito, recordou que a proposta do PE havia sido aprovada em 2014, mas não conseguiu

consentimento nem do Conselho nem da Comissão, sendo ainda regido pela Decisão 95/167/CE.

Observou, também, que o fato das propostas relativas aos dois temas em debate nesta reunião se

depararem com tais obstáculos põe em causa o direito de iniciativa do PE consagrado nos tratados.

Por conseguinte, o PE iniciou um novo procedimento, com vista a uma nova proposta para a

reforma do direito eleitoral europeusendo o seu relator Domènec Ruiz Devesa. O projeto de

relatório já foi apresentado e debatido na AFCO, a 15 de junho, fazendo parte dos documentos

publicados na página consagrada a esta reunião. Tratando-se de uma questão de grande interesse,

também para os Parlamentos nacionais, entendeu-se ser essencial promover este debate para ouvir

posições e eventuais preocupações.

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09h45 – 11h15: A REFORMA DO DIREITO ELEITORAL EUROPEU4

Domènec RUIZ DEVESA,Relator AFCO do Projeto de Relatório sobre a reforma da lei

eleitoral da União Europeia [2020/2220(INL)]

Isabel ONETO (S&D), membro do Parlamento Português

Sabine THILLAYE (RENEW), membro do Parlamento Francês5

Debate e conclusões com Deputados nacionais e europeus

Domènec Ruiz Devesacomeçou por agradecer à equipa de negociação do PE pela colaboração

construtiva e pela cooperação política que permitiu a apresentação deste relatório na AFCO e aos

representantes dos Parlamentos nacionais que mostraram interesse em participar nesta reunião,

considerando fundamental estabelecer uma cooperação eficaz relativamente a estes dois dossiers.

Relembrou que este relatório consiste numa nova proposta, na medida em que a legislação

remonta a 1976, tendo sido objeto apenas de uma reforma desde a sua entrada em vigor. Acredita

que a reforma é necessária para se reformular a sua estrutura e para se estabelecerem normas

mínimas relativamente a um conjunto de questões fundamentais, assegurando uma maior

igualdade no ato eleitoral, nomeadamente, a idade dos eleitores; um dia único para o ato eleitoral;

reforçar a participação das mulheres e sua inclusão nas listas eleitorais; assegurar maior

acessibilidade aos eleitores portadores de deficiência, não apenas aqueles com limitações de

ordem física, para que possam exercer planamente o seu direito de voto e garantir o voto a todos

os cidadãos que vivem no estrangeiro. Sobre esta última questão explicou que não se pretende

impor o voto eletrónico, mas acredita que pelo menos o voto por correspondência deveria ser

assegurado em todos os Estados-Membros. Esclareceu, ainda, que tendo presente o que sucedeu

na reforma de 2015, que não foi ratificada por dois Parlamentos nacionais (Alemanha e Espanha)

por não serem favoráveis ao limiar mínimo para a representação no PE, neste projeto de relatório

este limiar não foi sugerido. A proposta contempla, também, a criação de um círculo eleitoral

pan-europeu com 46 mandatos, para além dos mandatos atualmente atribuídos aos Estados-

Membros, considerando que esta circunscrição eleitoral adicional seria fundamental para tornar

as eleições europeias verdadeiramente europeias e não apenas um conjunto de eleições nacionais,

o que implica uma campanha e um debate mais pan-europeu, para uma maior visibilidade aos

partidos e movimentos políticos europeus e para reforçar o princípio de spitzenkandidaten,

ficando claro para o eleitor quem seria o candidato a presidente da Comissão em nome de cada

família política europeia, prevendo para o efeito dois boletins de voto, um para os Deputados

nacionais, tal como acontece atualmente, e outro no qual figurariam candidatos dos diferentes

Estados-Membros.

4 Agenda anotada. 5 A Sr.ª Deputada Sabine Thillaye, fez-se substituir por Marguerite Deprez-Audbert.

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Isabel Oneto começou por felicitar Domènec Ruiz Devesapelo seu relatório e exposição,

considerando ser um importante instrumento de trabalho para aprofundar o debate, no sentido de

uma maior convergência e uniformização entre sistemas eleitorais dos Estados-Membros que

regulam a eleição dos Deputados ao PE, uma vez que a lei eleitoral da UE apenas refere princípios

básicos eleitorais, deixando ao cuidado dos Estados-Membros a regulamentação dos respetivos

regimes eleitorais. Como ponto comum de partida, e de acordo com os princípios e valores

democráticos da UE, referiu as eleições livres por sufrágio universal direto, a confidencialidade

do voto e agora, prevista nesta recente Decisão, a proteção dos dados pessoais dos eleitores e a

proporcionalidade dos votos expressos. Em relação às listas transacionais europeias e ao sistema

de spitzenkandidaten considerou que poderão ser um objetivo para futuro, mas considerou que há

questões prévias que se afiguram necessárias para a configuração do círculo eleitoral europeu,

uma vez que não existem normas harmonizadas sobre as regras das campanhas eleitorais e do

regime jurídico do financiamento dos partidos.

Referiu também alguns aspetos do sistema eleitoral português, nomeadamente o direito de voto

ao PE concedido aos nacionais residentes no estrangeiro; a consagração constitucional do

princípio da reciprocidade, que determina que os cidadãos dos países terceiros residentes em

Portugal podem eleger e ser eleitos desde que tal direito seja também conferido aos portugueses

que residam nesses países terceiros; o regime do voto presencial, como regra principal, tendo sido

posteriormente admitindo o voto por correspondência para cidadãos nacionais residentes no

estrangeiro para as eleições à Assembleia da República e ao PE e a consagração do princípio da

igualdade de género.

Sobre a transparência do processo eleitoral, questão suscitada em particular nas eleições europeias

de 2019 e para a qual a Comissão Europeia e o PE alertaram para as fake news e a desinformação,

considerou serem aspetos que merecem ser melhor estudados, prevendo-se novos mecanismos

que garantam que os cidadãos votam com base em informação fidedigna e que os sistemas

informáticos resistem a ciberataques que possam alterar o resultado eleitoral.

Sublinhou também que a legitimidade dos eleitos depende da credibilidade e fiabilidade dos

sistemas eleitorais e que por isso quanto maior for o universo dos eleitores mais democrático será

o processo.

Marguerite Deprez-Audbert saudou o relator pelo trabalho realizado, considerando que as

propostas apresentadas no relatório são uma boa base de discussão e subscreveu na integra o

objetivo de fazer com que o ato eleitoral de 2024 seja verdadeiramente europeu. Relativamente

ao aspeto simbólico do 9 de maio como o dia único para as eleições, acredita que permitiria uma

identificação com a Europa colocando-a no centro das atenções. Sobre o sistema do

spitzenkandidaten, considerou ser o único que permite criar um nexo entre o voto dos eleitores e

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a designação do presidente da Comissão e, embora tenha reconhecido que a criação de listas

transeuropeias seja um objetivo de difícil implementação, França atribui a este debate uma

enorme importância, considerando que não se pode abandonar esta ideia pois permitirá a médio

prazo criar uma cultura política comum. Admitiu ser necessário permitir o aparecimento de um

espaço verdadeiramente europeu, considerando que a proposta apresentada pelo relator é

equilibrada e vai nesse sentido. Concordou, também, com a ideia de tornar mais visível a pertença

dos candidatos a uma determinada família política europeia. Em relação às disparidades entre

Estados-Membros nas regras de voto para as eleições europeias, concorda que devem ser revistas

e considera que o PE deverá também proceder à reforma do direito de inquérito por considerar

ser indispensável para um controlo parlamentar eficaz, nomeadamente para reforçar o direito da

notificação e citação de testemunhas e permitir um acesso mais alargado aos documentos

solicitados pelo PE.

Após as intervenções, teve início um período de debate6, no qual foram manifestadas algumas

reservas, sobretudo em relação à criação de listas transeuropeias, ao sistema do spitzenkandidaten

e à questão da ligação dos candidatos ao círculo eleitoral. Houve, também, manifestações de apoio

às propostas apresentadas, bem como à criação de uma autoridade europeia eleitoral, não apenas

para uma coordenação com as autoridades nacionais, mas também para gerir os eventuais círculos

eleitorais transnacionais. No essencial os participantes concordaram com a necessidade do

estabelecimento de regras claras, do reforço da democracia e da legitimidade e do caráter europeu

das eleições europeias.

No final do debate, Domènec Ruiz Devesa agradeceu as intervenções, nomeadamente o

contributo da Sr.ª Deputada Isabel Oneto que considerou ter proporcionado uma análise

detalhada, concordando com as suas observações, designadamente a necessidade de se

estabelecerem regras precisas no caso da criação de um círculo eleitoral transacional, mas

especificou que a questão que se impõe no momento é saber se essas regras deverão constar da

lei eleitoral ou do regulamento sobre os partidos políticos europeus. Entendeu as apreensões em

relação ao voto eletrónico via internet, admitindo que, relativamente ao voto por correspondência,

se pode chegar a acordo. Não obstante as diferentes formas em se aumentar o interesse e

participação nas eleições europeias, acredita que a também a lei eleitoral poderá ter um papel a

desempenhar neste âmbito. Sobre a ligação aos círculos eleitorais não considera a questão

6 No debate, foram colocadas questões pelos seguintes participantes: Andreas KATSANIOTIS, do Parlamento Grego; Sven SIMON, do Parlamento Europeu; Gabriela CRETU, do Senado Romeno; Gabriele BISCHOFF, Vice-Presidente da AFCO; Erik OTTOSON, do Parlamento sueco; Guy VERHOFSTADT, do Parlamento Europeu; Stefano CECCANTI, da Câmara dos Deputados italiana; Zoltán TESSELY, do Parlamento húngaro; Damian BOESELAGER, do Parlamento Europeu; Angel DZHAMBAZKI, do Parlamento Europeu; Helmut SHOLZ do Parlamento Europeu; Kacper PLAZYNSKI, do Parlamento polaco; Loránt VINCZE, do Parlamento Europeu; Francesco BERTI, da Câmara dos Deputados italiana; Pedro SILVA PEREIRA, do Parlamento Europeu; Sandro GOZI, do Parlamento Europeu e Daniel FREUND, do Parlamento Europeu.

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problemática uma vez que os eurodeputados, ainda que eleitos nos círculos eleitorais nacionais,

representam os cidadãos europeus no seu todo e têm atividades políticas em outros Estados-

Membros, relembrando que o artigo 24.º da proposta torna obrigatório que todos os Deputados

de uma lista transnacional designem o seu domicílio, a partir do qual vão desenvolver as suas

atividades políticas externas. Esclareceu que a proposta vai no sentido de dois boletins diferentes,

um nacional e outro transnacional, na medida em que os boletins nacionais são muito diferentes,

tornando muito complicado uma harmonização.

Em relação aos candidatos principais considera que os princípios têm de ser mais vinculativos e

que a existência de um colégio transnacional deixaria mais claro esta ideia, mas deixou claro que

nada na proposta obriga a que o Conselho ou o PE devam selecionar um dos candidatos das listas,

embora não considere ser a opção preferível.

Gabriele Bischoff,agradeceu a todos os que participaram e acompanharam o debate,

considerando ter ficado evidente que há ainda muitas perguntas e algumas apreensões mas

entendeu que todos estiveram de acordo relativamente a três aspetos: 1) a necessidade de regras

claras para os procedimentos; 2) o desejo em reforçar a democracia e o caráter europeu das

eleições europeias; 3) a vontade em fortalecer a legitimidade democrática. Afirmou que todos

estes pontos continuarão a ser debatidos e trabalhados, mas acredita que se trata de uma boa

proposta. Por fim referiu que a CoFE será uma oportunidade para se discutir o reforço da

democracia, nomeadamente no respetivo grupo de trabalho, mas também na sua sessão plenária,

com propostas concretas.

10h45 – 12h15 – II – O DIREITO DE INQUÉRITO DO PARLAMENTO EUROPEU7

Domènec RUIZ DEVESA, Relator AFCO da Proposta de Regulamento relativa às formas de

exercício do direito de inquérito do Parlamento Europeu, que revoga a Decisão 95/167/CE,

Euratom, CECA do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão

André COELHO LIMA (PPE), membro do Parlamento Português

Debate e conclusões com Deputados nacionais e europeus

Charles Goerens, Vice-Presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais do Parlamento

Europeu,procedeu à abertura desta segunda sessão, renovando as boas-vindas aos parlamentares

participantes. Proferiu algumas palavras introdutórias sobre o tema do direito de inquérito do

Parlamento Europeu (PE), referindo-se à sua base jurídica, a Decisão 95/167/CE e as alterações

introduzidas pelo Tratado de Lisboa, destacando que, nos termos do artigo 226.º do Tratado sobre

o Funcionamento da União Europeia (TFUE), era ao Parlamento Europeu que competia

7 Agenda anotada.

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determinar as regras de exercício do direito de inquérito, por meio de regulamentos adotados por

iniciativa própria de acordo com um processo legislativo especial, após aprovação do Conselho e

da Comissão.

Recordou que, em 16 de abril de 2014, o PE adotara uma proposta de regulamento relativa às

formas de exercício do direito de inquérito do PE, que revogava a Decisão 95/167/CE, mas que

mereceu reservas tanto do Conselho como da Comissão; desde então, sublinhou, o PE envidou

esforços consideráveis para retomar as negociações, esforços esses que têm vindo a ser frustrados,

apesar do dever de cooperação interinstitucional. Acrescentou que o PE reiterava o seu desacordo

com essa postura do Conselho e da Comissão, que estava a impedir um debate pleno a nível

político para encontrar possíveis soluções dos problemas identificados, em detrimento dos

cidadãos europeus. Reafirmou, todavia, que o PE permanecia aberto a um diálogo construtivo que

respeitasse o exercício das suas competências e acreditava ser uma característica inerente a todas

as câmaras legislativas e uma condição fundamental da separação de poderes democrática que o

Parlamento pudesse fiscalizar o Executivo através da constituição de comissões de inquérito com

poderes eficazes e claros. Nesse sentido, explicitou, o PE procurava dotar-se dos instrumentos

adequados para levar a cabo inquéritos eficazes que, pela sua natureza transnacional, não podiam

ser realizados pelos Parlamentos nacionais, estando, por isso, em causa poderes complementares,

equivalentes e em cooperação com os Parlamentos nacionais. Concluiu afirmando que o

escrutínio do Executivo europeu deveria ser feito a nível europeu, pelo Parlamento Europeu, e

que, para tanto, era fundamental ouvir os pontos de vista dos colegas dos Parlamentos nacionais

sobre essa questão, tendo em vista a determinação do melhor caminho a seguir.

Interveio logo após Domènec Ruiz Devesa que começou por referir que o quadro legal aplicável

às competências das comissões de inquérito do PE continuava a ser o acordo interinstitucional de

1995, anexo ao Regimento do PE, bem como as próprias normas do Regimento relativas à

matéria, regime esse que completara 25 anos no ano em 2020. E, sob o mandato da Decisão

95/167/CE, recordou que o direito do PE para investigar as alegações de infração do direito

comunitário previa competências extremamente limitadas, designadamente não se podia recorrer

a testemunhas que representassem o Conselho ou as instituições dos Estados-Membros, podendo

as testemunhas recusar-se a colaborar, ou prestar falsas declarações, sem que houvesse qualquer

consequência ou sanção. Também adiantou que nem todos os Parlamentos nacionais tinham uma

legislação robusta sobre essa matéria – existindo alguma diversidade de regimes –, mas que, de

entre os 27, em 20 Parlamentos nacionais os poderes das comissões de inquérito eram fortes.

Nesse âmbito, sublinhou a relevância do estudo comparativo dos Parlamentos nacionais que

consta como anexo do documento de trabalho da AFCO, de 17 de dezembro de 2020.

Recordou ainda que, apesar de, em 2005, o Tratado de Lisboa ter reforçado as prerrogativas do

PE nessa matéria e de, em 2012, o PE ter aprovado o Relatório Martin, passados quase 10 anos,

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o Conselho e a Comissão continuaram sem reunir com o PE para negociar essa proposta, o que

em termos de cooperação interinstitucional era algo considerável e sem precedentes noutras

matérias; durante o anterior mandato (2014-2019) – acrescentou –, foi apresentado um documento

informal, que tentava aproximar as posições com o Conselho, porém também não foi suficiente

para que Conselho e Comissão quisessem negociar. Segundo o Conselho e a Comissão,

explicitou, não estariam em causa apenas posições políticas, mas haveria objeções jurídicas,

alegando que o Relatório Martin excedia a base legal do artigo 226.º do TFUE, argumento que,

em sua opinião, não procedia por não corresponder à realidade, na medida em que o artigo não

estabelecia qualquer limitação sobre como regulamentar o direito de inquérito ou de investigação.

Terminou, declarando que considerava que existia aqui um interesse comum com os Parlamentos

nacionais, que não havia qualquer contradição: em benefício do parlamentarismo, deveria haver

Parlamentos nacionais fortes e protagonistas na construção europeia e um PE igualmente

reforçado no que tocava ao direito de inquérito, tarefa em que os Parlamentos nacionais poderiam

ajudar com base na partilha do seu conhecimento e da sua experiência na matéria.

Seguiu-se a intervenção de André Coelho Lima que começou por cumprimentar o Parlamento

Europeu e, concretamente, a AFCO por esta iniciativa de abertura e partilha de experiências com

os parlamentos dos Estados-Membros, por considerar que iniciativas desta natureza poderiam

extravasar o debate que proporcionavam, na medida em que os Parlamentos nacionais podiam e

deviam ser um complemento do PE com vista ao seu reforço e, até, ao seu empoderamento no

diálogo institucional com o Conselho Europeu e a Comissão Europeia. E adiantou que o tema do

debate era um bom começo para se poder demonstrar isso mesmo.

Sublinhou que o direito de inquérito do PE era uma aspiração antiga, mas de concretização sempre

adiada, e adiantou que não iria fazer uma exposição sobre as regras europeias aplicáveis ao direito

de inquérito nem sobre o modo de funcionamento do regime jurídico dos inquéritos parlamentares

em Portugal, pois entendia que o contributo que podia dar era o da identificação dos problemas

que tinham causado a ineficiência na construção de um verdadeiro direito de inquérito do PE. Em

primeiro lugar, referiu que, apesar de haver enquadramento jurídico bastante, faltava vontade

política. Nesse sentido, recordou que o artigo 226.º do TFUE, no seu terceiro parágrafo, fazia

depender essas regras de exercício do direito de inquérito determinadas pelo PE da aprovação do

Conselho e da Comissão, o que implicava uma derrogação absoluta do direito de iniciativa

legislativa própria, concedido no primeiro parágrafo. Ou seja, não estava consagrado um direito

potestativo do PE, mas, sim, um direito subordinado, dependente da autorização de outros órgãos

institucionais da União Europeia, precisamente os órgãos que têm impedido ciclicamente esse

desiderato. A esse propósito, partilhou a reflexão efetuada no Parlamento português, em 2013,

através do relatório elaborado pelo então Deputado João Lobo na Comissão de Assuntos

Constitucionais, que teve o mérito de, de forma sumária e objetiva, ajudar a identificar as

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principais dificuldades levantadas pelo Conselho e pela Comissão para a aprovação dos

sucessivos diplomas e documentos de trabalho preparados pelo PE.

Numa palavra, o orador defendeu ser necessário clarificar e definir o âmbito concreto de

jurisdição do direito de inquérito europeu, tornando clara a separação material e institucional entre

a esfera nacional e a esfera europeia, evitando a dupla jurisdição ou a sobreposição jurisdicional

e afastando normativamente os fundados receios que os Governos dos Estados-Membros tenham

na ingerência do direito de inquérito do PE – afirmou pensar ser essa a perspetiva que tinha

inquinado a evolução deste dossier. Nesta fase, adiantou, a pretensão (legítima) de se atingir na

dimensão supranacional poderes equivalentes aos da dimensão nacional talvez fosse o que não

permitia que se avançasse, pelo que seria avisado adotar a teoria dos pequenos passos e abdicar,

pelo menos no momento presente, de alguma equivalência de poderes com os direitos de inquérito

nacionais dos Estados-Membros, cedendo, com vista a adoção de um regulamento que tenha

condições para ser aceite pelo Conselho e pela Comissão – isto tendo em conta que, desde 2012,

não tinha sido possível obter um consenso interinstitucional que permitisse a concretização

normativa e, sobretudo, funcional do primeiro parágrafo do artigo 226.º do TFUE –, porque,

efetivamente, o direito de inquérito do PE era essencial para investigar as alegações de infração

ou má administração do Direito Comunitário, traduzindo-se, no fundo, numa forma de a Europa

se dar ao respeito como projeto, como espaço transnacional comum e não como um conjunto de

espaços nacionais. Lamentavelmente, realçou que estes muitos anos de imobilismo

demonstravam não se estar ainda na dimensão de um amadurecimento bastante para permitir

avançar, desde já, nesse objetivo de criar organismos dotados de poderes equivalentes aos dos

organismos dos Parlamentos nacionais.

Em conclusão, considerou, em primeiro lugar, que era fundamental que o PE tivesse um poder

inquisitório, senão similar, pelo menos com a aspiração de ser similar aos direitos de inquérito

dos parlamentos dos Estados-Membros, que exercesse um efetivo escrutínio da ação política; em

segundo lugar, para que o PE atingisse esse desiderato, era fundamental haver uma clara

separação entre a esfera nacional e a esfera europeia no âmbito do direito de inquérito, definindo

assim o âmbito concreto de jurisdição do direito de inquérito europeu; em terceiro lugar, ao invés

das reuniões informais, era essencial que se avançasse com uma proposta para a reabertura de um

processo formal de negociações com o Conselho, que assumisse como ponto de partida as

questões que obtiveram consenso no Relatório Martin e estabelecesse um deadline para o alcance

de um qualquer acordo com o Conselho – porque deveríamos ter em mente que, neste momento,

qualquer acordo era melhor do que nenhum acordo. Por último, reafirmou a forma como a

cooperação entre os Parlamentos nacionais e o PE poderia ser essencial para o reforço da

legitimidade do PE, na forma como o diálogo interparlamentar não era entre adversários mas entre

iguais, apenas com âmbitos de representatividade diferentes, na forma como os Parlamentos

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nacionais deviam cooperar progressivamente com o PE na afirmação do parlamentarismo,

essencial à fiscalização da atividade política e à pluralidade representativa.

Após as intervenções, teve início um período de debate8, em que, no essencial, os participantes

salientaram as dificuldades enfrentadas pelo Parlamento Europeu para determinar as regras de

exercício do direito de inquérito, de forma a dotá-lo de instrumentos adequados e eficazes,

recordando que o direito de inquérito do PE assentava num quadro regulamentar ultrapassado e

que, apesar de o artigo 226.º do TFUE conferir margem de manobra ao PE para criar verdadeiras

comissões de inquérito, esse processo estava a ser obstaculizado pelo Conselho Europeu e pela

Comissão Europeia, que se tinham recusado a dialogar sobre esse tema, mesmo em contexto

informal; reafirmaram a importância de haver um direito de inquérito do PE como forma de

restabelecer a confiança dos cidadãos europeus na União Europeia; destacaram a importância e a

necessidade de colaboração entre os Parlamentos nacionais e o PE. Foi igualmente manifestada a

preocupação de, no exercício do controlo político pelo PE, ser assegurado o necessário equilíbrio

institucional e o respeito pelos Estados-Membros e as suas instituições; sublinharam, por outro

lado, a enorme diferença existente entre os poderes conferidos às comissões de inquérito na

generalidade dos Parlamentos nacionais, gozando estas, nalguns casos, de poderes equivalentes

aos das autoridades judiciais, mas recordaram que o artigo 226.º do TFUE conferia margem de

manobra ao PE para avançar nesse sentido, caso não houvesse oposição do Conselho e da

Comissão; reafirmaram, por fim, apoiar todas as iniciativas para desbloquear esse impasse,

fomentando o diálogo interinstitucional assente na boa fé e no espírito de colaboração, fazendo

votos de que, em caso de alteração do Tratado, essa prerrogativa do PE em matéria de direito de

inquérito não ficasse dependente de aceitação do Conselho e da Comissão.

No final, Domènec Ruiz Devesa comentou as intervenções, começando por referir que, com

exceção de uma, elas não apresentavam diferenças em relação a este tema, o que, de alguma

forma, não era surpreendente, porque refletiam a posição do parlamentarismo – e ali todos eram

parlamentares, nacionais ou europeus –, que acreditava que o Parlamento deveria dispor desse

direito de investigação, tal como muito bem explicara o Deputado André Coelho de Lima na sua

intervenção. Precisamente, acrescentou, era importante não esquecer que havia uma dialética

entre parlamento e governo, e todos os intervenientes daquele debate estavam do lado

parlamentar, Deputados e Eurodeputados, pelo que se poderia questionar ainda, na sequência das

intervenções proferidas, o nível de legitimidade democrática das posições dos Governos, que

deveriam representar os seus parlamentos e a opinião pública, em vez dos seus próprios interesses

enquanto Executivos, como muitas vezes acontecia.

8 No debate, foram colocadas questões pelos seguintes participantes: Theofilos XANTHOPOULOS, do Parlamento da Grécia; Weland RAINER, do Parlamento Europeu; Anita CZERWINSKA, do Parlamento da Polónia, Fabio Massimo CASTALDO, do Parlamento Europeu; Sven SIMON, do Parlamento Europeu.

II SÉRIE-D — NÚMERO 3 ______________________________________________________________________________________________________

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Referiu, a terminar, que lhe pareceu importante e significativa a intervenção da colega polaca,

Anita Czerwinska, que mostrou muito bem qual era a posição do Conselho, ou seja, que a posição

do Conselho era a do Governo polaco, o que vinha confirmar a gravidade e o nível de extremismo

da posição do Conselho, e tal levava-o a questionar os outros Governos, o francês, o italiano ou

o espanhol, sobre o que pensavam, ou seja, se também eles se associavam à posição do Governo

polaco neste tema.

No final, voltou a agradecer o apoio muito sincero dos colegas que intervieram, e reafirmou que

iriam continuar a insistir, dizendo que poderia concordar com a afirmação de que um acordo era

melhor do que nenhum acordo, como princípio; todavia, sabiam bem que o Conselho tinha certas

linhas vermelhas, queria que fossem suprimidos sete elementos antes de iniciar as negociações

com o PE, e uma supressão horizontal como a pretendida pelo Conselho levaria à adoção de um

regulamento equivalente ao que existia em 1995, o que parecia não ser aplicável. E concluiu

reforçando que iriam continuar a explorar todas as possibilidades de melhoria em relação ao status

quo do direito de inquérito do PE.

Os trabalhos foram encerrados pelo Vice-Presidente Charles Goerens, que agradeceu os

contributos dados e formulou algumas considerações finais relativamente a este tema do reforço

direito de inquérito do PE, dizendo tratar-se de uma longa história. Recordou que, mesmo antes

da entrada em vigor do Tratado de Lisboa, houve uma cooperação estreita ao nível do direito de

inquérito entre o Conselho e o PE em relação aos voos ilegais da CIA, no rescaldo da guerra do

Afeganistão, o que tinha permitido trazer um pouco mais de luz sobre essas práticas. E disse-o

para reforçar que, havendo vontade política, podia ser encontrado um meio termo que permitisse

fazer alguma coisa. Acrescentou que as prerrogativas do PE resultaram de um longo combate,

que começou em 1979 e que ainda não terminou. Os que foram eleitos para o primeiro mandato

daquela Casa, tal como ele – afirmou –, lembravam-se que o tema do direito de inquérito começou

por ser mais uma questão académica do que outra coisa, mas que hoje a realidade era muito

diferente, e isso era o resultado do trabalho e da luta do PE, que exigiu ter os seus próprios poderes

e prerrogativas.

Deixou, por isso, um apelo ao relator para que, com a vontade e o apoio manifestados pela maioria

dos intervenientes, continuasse o seu trabalho. E, tal como referido claramente por Sven Simon,

reforçou que os aliados do parlamentarismo não estavam nem no Conselho nem na Comissão,

que os grandes aliados eram os Parlamentos nacionais. Terminou dizendo que iriam sempre

encontrar um ponto de referência para lançar um procedimento, aguardando que, um dia, os textos

e as bases jurídicas do direito de inquérito do PE vissem alterada a sua natureza, de forma a

corresponder mais às aspirações e aos regimes que vigoravam em vários Estados-Membros da

UE.

1 DE OUTUBRO DE 2021 ______________________________________________________________________________________________________

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Por fim, agradeceu aos oradores e aos intervenientes a sua participação, declarando encerrada a

sessão.

A gravação integral e os documentos de suporte à presente reunião poderão ser consultados em:

https://multimedia.europarl.europa.eu/pt/afco-icm-reform-of-the-european-electoral-law-and-

right-of-inquiry-of-the-european-parliament_20210622-0915-COMMITTEE-AFCO_vd

Assembleia da República, 21 de julho de 2021.

A Delegação:

José Manuel Pureza (BE),

Vice-Presidente da AR e Vice-Presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos,

Liberdades e Garantias

André Coelho Lima (PSD),

em representação da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias

Isabel Oneto (PS),

em representação da Comissão de Assuntos Europeus

Cristina Mendes da Silva (PS),

em representação da Comissão de Assuntos Europeus

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A DIVISÃO DE REDAÇÃO.

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