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Quinta-feira, 6 de janeiro de 2022 II Série-D — Número 15
XIV LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2021-2022)
S U M Á R I O
Delegação da Assembleia da República:
— Relatório da participação de uma Delegação da Assembleia da República na Reunião Interparlamentar, organizada pela Comissão para os Direitos das Mulheres e a Igualdade de Género do Parlamento Europeu, subordinada ao tema «Eliminando a violência contra as mulheres», por ocasião do Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres (25 de novembro), que decorreu em Bruxelas, no passado dia 30 de novembro, por videoconferência.
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Da agenda da reunião, constavam os seguintes pontos:
08h00 – 10h00 Sessão I – A violência sexual como arma de guerra
(Conjuntamente com a Subcomissão para os Direitos Humanos)
11h00 – 12h00 Sessão II – Combatendo a violência contra as mulheres e crianças com deficiência
12h45 – 14h45 Sessão III – Ciberviolência
(Conjuntamente com a Comissão das Liberdades Cívicas, da Justiça e dos Assuntos Internos – LIBE)
15h45 – 17h45 Sessão IV: A Convenção de Istambul
Conjuntamente com a Comissão das Liberdades Cívicas, da Justiça e dos Assuntos Internos – LIBE)
Sessão de abertura
Na abertura da reunião, Evelyn Regner, Presidente da Comissão para os Direitos das Mulheres e a
Igualdade de Género do Parlamento Europeu (PE) e anfitriã do evento, deu as boas vindas a todos os
participantes e oradores do evento, incluindo 26 membros de Parlamentos nacionais, e manifestou a sua vontade
de ouvir os contributos dos oradores para o tema em discussão. De igual modo, transmitiu algumas indicações
práticas e referiu que, associada à violência contra as mulheres, estavam alguns estigmas, bem como deu nota
de que muitos casos de violência não eram conhecidos das autoridades, situação que fora agravada pela
pandemia COVID-19. Mencionou também que o objetivo daquela reunião interparlamentar seria sensibilizar para
a violência contra as mulheres, independentemente da forma que esta assumia, e que já tinham sido dados
passos, juntamente com a LIBE, para incluir o combate a estas formas de violência no quadro jurídico da União
Europeia.
RELATÓRIO DE PARTICIPAÇÃO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA
NA
REUNIÃO INTERPARLAMENTAR
«ELIMINANDO A VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES»
— VIDEOCONFERÊNCIA —
Organizada pela Comissão para os Direitos das Mulheres e a Igualdade de Género, com a
colaboração da Direção das Relações com os Parlamentos Nacionais, por ocasião do Dia
Internacional da Eliminação da Violência Contra as Mulheres (25 de novembro)
Bruxelas, 30 de novembro de 2021
— A Delegação foi chefiada pela Presidente da Subcomissão para a Igualdade e Não
Discriminação da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias,
Senhora Deputada Lina Lopes (PSD), sendo ainda composta pelas seguintes Deputadas,
em representação da referida Subcomissão:
— Deputada Elza Pais (PS);
— Deputada Beatriz Gomes Dias (BE); e
— Deputada Alma Rivera (PCP).
O apoio foi prestado por Ricardo Pita e Manuel Gouveia da equipa de apoio à Comissão de
Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias
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Seguiu-se uma mensagem vídeo de David Sassoli, Presidente do PE, o qual realçou que recentemente se
tinha assinalado o Dia Internacional pela Eliminação da Violência Contra as Mulheres e que este tipo de violência
tinha aumentado, assim como o femicídio. Lembrou também que muitas mulheres eram vítimas de violência
dissimulada em sociedades de base patriarcal, o que as impedia de serem livres, estudar, trabalhar e ascender
socialmente. Recordou que os números da violência contra as mulheres eram enganadores, porque não
refletiam as injustiças e desigualdades sociais. Realçou que deveriam ser corajosos e combaterem as causas
da violência contra as mulheres. Recordou que Ursula von der Leyen, Presidente da Comissão Europeia,
manifestou a intenção de apresentar nova legislação para combater a violência contra as mulheres até ao final
do ano e referiu que o tema da violência contra as mulheres se revestia da mesma importância que o Plano de
recuperação para a Europa. Nesta sequência, mencionou que os Estados-Membros continuavam a ser
demasiado tímidos quando se tratava de adotar legislação relativa à igualdade de género e que muitos Estados
Membros ainda estavam reticentes em ratificar a Convenção de Istambul ou manifestaram intenção de denunciar
a Convenção. Terminou a sua intervenção, pedindo ao Conselho, à Comissão e aos Estados-Membros para
acelerarem a defesa das mulheres e raparigas relativamente à violência e ao medo.
Iva Dimic, Vice-Presidente do Grupo de Mulheres Deputadas da Assembleia Nacional da Eslovénia, referiu
que era uma grande honra participar numa reunião sobre o combate à violência contra as mulheres e esperava
que a reunião tivesse resultados práticos na luta contra este fenómeno. Mencionou que as mulheres deveriam
dizer claramente não a todos os tipos de violência e que a COVID-19 era um fator que agravava a violência
contra as mulheres e raparigas, sendo obrigação dos Estados-Membros adotar medidas preventivas e proteger
as vítimas quando a violência ocorresse. A Eslovénia assinou a Convenção de Istambul e mostrou o seu
compromisso em evitar a violência contra as mulheres e na família porque essa violência era uma ofensa aos
direitos humanos. Lembrou também que a Eslovénia tinha recebido uma avaliação positiva do GREVIO, grupo
responsável pelo controlo da aplicação da Convenção de Istambul, e tinha desenvolvido várias campanhas para
promover a consciencialização contra a violência, nas quais participavam organizações não governamentais e
ministérios, bem como associações que protegiam as vítimas. Terminou a sua intervenção, referindo que
durante a pandemia COVID-19 também aumentou a ciberviolência contra mulheres e raparigas e enfatizando
que o empoderamento das mulheres e alterações legislativas eram essenciais para combater a violência de
género.
I. Violência sexual como arma de guerra
Após a introdução ao tema pela Presidente da FEMM e no período destinado a intervenções dos peritos,
usou da palavra Pramila Patten, Representante Especial do Secretário-Geral das Nações Unidas para a
Violência Sexual nos Conflitos, que cumprimentou a Presidente da FEMM e os Deputados do Parlamento
Europeu e dos Parlamentos nacionais, agradeceu o convite para participar naquele evento e referiu que a
violência sexual em tempo de guerra era uma tragédia e aguardava com expetativa o desenvolvimento da
parceria entre a União Europeia e as Nações Unidas para combater aquele fenómeno. Recordou que aquele
evento tinha lugar tendo como pano de fundo várias crises nas quais os direitos das mulheres e a sua segurança
física estavam em risco. Realçou que no Afeganistão as mulheres e as defensoras dos seus direitos estavam a
tentar sobreviver envoltas no regresso das regras dos talibãs. Lembrou que na guerra da Síria, em Mianmar, na
República Democrática do Congo e no Sudão do Sul a violência sexual era usada como ferramenta de tortura e
que em esta violência continuava a conduzir a deslocações forçadas das mulheres. Prosseguiu, referindo que a
pandemia tinha tornado mais complicado o auxílio àquelas vítimas de violência sexual e que aquele era o
momento para refletir sobre o que poderia ter sido feito para prevenir e combater esta forma de violência contra
as mulheres. Considerou que casos de violações em massa tinham passado impunes e salientou que,
atualmente, aqueles fenómenos eram mais denunciados e combatidos, sendo que nos últimos 20 anos tinham
sido adotadas medidas contra os mesmos, designadamente 10 Resoluções do Conselho de Segurança da ONU
sobre mulheres, paz e segurança. Sublinhou que, em 2020, apesar de todas as medidas adotadas, a ONU
contabilizou mais de 2500 casos de violência sexual em cenários de guerra, em 18 países. Salientou também
que a grande maioria das vítimas era do sexo feminino e nunca foi compensada por ter sofrido agressões
sexuais, defendendo que seria necessária uma mudança de paradigma quanto às questões de segurança, a
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violência não podia ser uma questão lateral mas sim uma parte integrante de transições políticas e democráticas,
e que aquela abordagem estava refletida nos 11 acordos de cooperação firmados entre a ONU e países afetados
por conflitos. Referiu que, perante as restrições de viagens durante a pandemia, foi criada uma plataforma digital
para denunciar este tipo de violência. Elencou ainda um conjunto de medidas práticas e legislativas adotadas
para prevenir este tipo de violência. Saudou o Plano de ação em matéria de igualdade de género da União
Europeia, que incluía detalhes para inclusão do género nas suas ações externas e manifestou a sua esperança
que aquele instrumento viesse a permitir investimentos no combate contra a violência sexual.
Alicia Romero, Professora de Direito Internacional Público e Relações Internacionais na Universidade Carlos
III de Madrid, agradeceu o convite para participar na reunião e referiu que, como indicavam os relatórios da
ONU, o fenómeno da violência sexual em conflitos armados persistia apesar do direito internacional e
instrumentos de soft law terem consagrado a violência sexual como crime de guerra desde os anos 90. Sublinhou
também que esta matéria tinha estado bloqueada no Conselho de Segurança da ONU, salientando que uma
Resolução proposta pela Alemanha, especificamente sobre esta matéria, não tinha sido adotada. Destacou
também que, em 2020, a União Europeia, adotou um novo regime global de sanções por violações graves dos
direitos humanos, nas quais se incluía a violência sexual. Recordou que o Tribunal Penal Internacional, no caso
dos conflitos no Ruanda e na ex-Jugoslávia, classificou a violência sexual como um ato de tortura e alargou a
definição de violência sexual que estava prevista nas Convenções de Genebra, designadamente subsumindo
naquele conceito o casamento forçado. Frisou que as normas que puniam a violência sexual em contexto de
guerra existiam mas as dificuldades de aplicação daquelas eram enormes, um vez que este tipo de crime
continuava a ser praticado. Em 2021, ocorreu a primeira decisão de condenação pela prática do crime de
violência sexual, proferida pelo Tribunal Penal Internacional e foi imposto o pagamento de indemnizações no
montante de 30 milhões de dólares. Nesta sequência, a oradora apelou a que a União Europeia aumentasse os
seus contributos para os fundos que apoiavam as vítimas de violência sexual e que continuasse a apostar na
agenda paz, mulheres e segurança e a aplicar o regime global de sanções, bem como apoiar as organizações
não governamentais que desempenhavam um papel fundamental no apoio às vítimas. Terminou a sua
intervenção, reiterando a necessidade de que a União Europeia desenvolvesse uma política especifica para
erradicar a violência sexual nos conflitos armados e aumentasse o apoio ao Tribunal Penal Internacional.
Julienne Lusengo, cofundadora e Presidente da Organização Não Governamental Solidariedade Feminina
para a Paz e Solidariedade e Diretora do Fundo Feminino Congolês, começou por referir que no seu país os
corpos das mulheres são desumanizados desde que os refugiados ruandeses entraram na República
Democrática do Congo. Mencionou que, em 2021, 32 mulheres e crianças foram usadas como escravas sexuais,
sendo que algumas delas foram mortas. Recordou que muitas das vítimas de violência/escravatura sexual que
conseguiam fugir ficavam com doenças sexualmente transmissíveis e com traumas. Referiu que, durante o
tempo de guerra, as crianças eram as primeiras vítimas para impor o poder e afetar psicologicamente toda a
sociedade. Alertou que muitas vítimas de violência sexual eram excluídas da vida em sociedade e deu vários
exemplos de situações de segregação social. Notou que muitas mulheres eram mutiladas ou vendidas após os
abusos sexuais. Concluiu a sua intervenção, referindo que há mais de 30 anos falou na Comissão Europeia
deste tipo de atrocidades e que, após a definição do quadro jurídico de atuação, seriam necessárias medidas
concretas para pôr termo ao sofrimento de mulheres e crianças, pedindo também fundos para que pudessem
ajudar as vítimas deste fenómeno.
Jessica Horn, Diretora Regional da Fundação Ford para a África Austral, reconheceu a dimensão
abrangente daquele fenómemo, que afetava 3 em cada 10 mulheres em áreas de conflito. Referiu que o dia 25
de novembro assinalava também a morte de duas irmãs que foram mortas sob ordens do ditador da República
Dominicana. Salientou que a violência sexual é perpetrada não só por cônjuges ou familiares mas também
líderes políticos, o que tornava este tipo de violência quase epidémica. Defendeu que a violência em tempo de
conflitos era a sequência natural da violência no meio familiar e, como tal, tinha sido naturalizada. Sublinhou que
que na República Democrática do Congo a violência entre cônjuges era 1,8 vezes maior do que a violência em
tempo de conflitos. Sustentou que, por isso, era necessário investir em serviços de resposta para os todos os
tipos de violência e serviços de resposta especializada para doenças sexualmente transmissíveis. Referiu que
as causas da violência podiam ser múltiplas desde a pobreza ao facto de as mulheres terem perdido as suas
propriedades ou os seus familiares em resultado do conflito e que estas mulheres tinham que retomar a sua
autonomia. Defendeu a necessidade de se prevenir a violência e explicou sumariamente como funcionavam os
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programas de prevenção da violência e as entidades que os apoiavam. Terminou a sua intervenção defendendo
que a violência contra mulheres e crianças só terminaria com o fim dos conflitos que a originava.
No período destinado a intervenções dos membros do Parlamento Europeu e dos Parlamentos nacionais,
usaram da palavra Irene Charalambides, Presidente da Comissão para os Direitos Humanos e a Igualdade de
Oportunidades para Homens e Mulheres, do Parlamento de Chipre, Fred Matić, Membro do Parlamento
Europeu, Margarita de la Pisa Carrion, Membro do Parlamento Europeu, e Annika Bruna, Membro do
Parlamento Europeu.
Seguiu-se um período destinado a observações e comentários dos peritos.
Alicia Romero considerou os comentários enriquecedores e que, tal como tinha sido referido, os números
conhecidos não refletiam a verdadeira dimensão do problema da violência como arma de guerra, devido ao
estigma associado ao mesmo. Mencionou que se tratava de um crime que existia desde que começaram os
conflitos e que era urgente combater este fenómeno. Frisou que aquele crime era o reflexo de sociedades de
base patriarcal e que era preciso lutar pela igualdade de géneros para terminar com a violência sexual como
arma de guerra. Realçou que já tinha sido banido o uso de armas químicas e biológicas e que o fim da violência
sexual como arma de guerra dependia de questões sociais mais amplas. Sublinhou também a necessidade de
indemnizar as vítimas deste tipo de violência, bem como de alocar mais recursos ao combate àquela, e que, no
caso da República Democrática do Congo, as vítimas foram indemnizadas por decisão do Tribunal Penal
Internacional.
Julienne Lusengoquestionou quais seriam as ações concretas para combate a este tipo de violência e
afirmou a resposta passaria por acabar com as guerras e as economias de conflito, que deveriam deixar de
beneficiar dos recursos dos países em guerra. O Presidente da República Democrática do Congo tinha apelado
a que tivessem boas relações com os países vizinhos, mas existia sempre instrumentalização dos recursos.
Queriam sensibilizar as pessoas para a necessidade de respeitar as florestas e não se solidarizarem com os
grupos armados. Referiu que diversas entidades financiavam a educação das crianças, que queriam formar
cidadãos, mas que não tinham condições de garantir o futuro das crianças. A justiça internacional deveria agir
e ter em conta todo o sofrimento das vítimas de violência sexual. Considerou que era necessário ter meios para
que as vítimas de violência sexual na República Democrática do Congo pudessem ver reparados os danos que
sofreram. Terminou a sua intervenção solicitando atos concretos que pusessem fim à guerra da República
Democrática do Congo e que era necessário reconstruir o país e avaliar em que objetivos eram gastos os
recursos enviados ao Governo.
Jessica Horn, Diretora Regional da Fundação Ford para a África Austral, referiu que os sobreviventes eram
o centro da questão, que ouvindo as experiências de quem foi vítima de violência sexual poderiam ser
encontradas soluções mais adequadas para aquele problema, designadamente no respeitava à prevenção e
ajuda pós trauma. Nesta sequência, poderiam desenvolver intervenções que corresponderiam às necessidades
dos sobreviventes. Terminou a sua intervenção, incentivando o trabalho dos parlamentares neste domínio e o
papel das organizações não governamentais no combate a esta forma de violência.
II. Combatendo a violência contra mulheres e raparigas com deficiência
Evelyn Regner, Presidente da Comissão para os Direitos das Mulheres e a Igualdade de Género do
Parlamento Europeu, deu nota de que, na Estratégia para os direitos das pessoas com deficiência 2021-20230,
foi reconhecido que as mulheres e crianças com deficiência têm maior probabilidade de serem vítimas de
violência e, por isso, na Resolução do Parlamento Europeu de 29 de novembro de 2018 sobre a situação das
mulheres com deficiência, ficou previsto que esta especificidade de mulheres e raparigas deveria ser tida em
consideração.
Magda Szarota, investigadora nas áreas dos direitos humanos e da deficiência, realçou a importância da
abordagem do tema e referiu que as mulheres e raparigas com deficiência constituíam uma minoria alvo de
muita discriminação na União Europeia. Referiu que a discriminação ocorria em todas as áreas do quotidiano,
incluindo o emprego, a formação e educação. Sublinhou que as mulheres e raparigas com necessidades
especiais sofriam graves violações dos seus direitos, devido a barreiras que impediam o gozo do direito ao
emprego ou dos direitos políticos. Frisou também a violação dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres e
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raparigas com deficiência, bem como dificuldades de acesso a serviços de reprodução. Notou que,
contrariamente ao que muitas vezes era generalizado, a deficiência das mulheres e raparigas era, muitas vezes,
de vários níveis, nomeadamente intelectual, sensorial e motor e que aquelas tinham maior risco de serem vítimas
de violência sexual. Realçou que, segundo dados estatísticos, uma em cada três mulheres com mais de 15 anos
já tinha sido vítima de violência física ou sexual. Sublinhou que o femicídio era forma mais grave da violência de
género e que, em algumas regiões, a casa de família era o lugar mais perigoso para as mulheres. De acordo
com um estudo da Agência para as Drogas e o Crime da ONU, durante a pandemia 1 mulher ou rapariga foi
assassinada por 1 membro da família a cada 11 minutos. Revelou que um estudo realizado por uma universidade
escocesa enfatizava que o femicídio de mulheres ou raparigas com deficiência continuava a ser um problema
invisível, salientando que os dados a respeito desta especificidade não eram recolhidos ou eram recolhidos de
forma secundária. O femicídio de pessoas com deficiência resultava de episódios de violência
anteriores/relacionamento com o agressor e demonstrava a inabilidade das vítimas para resistirem, bem como
para denunciar os episódios de violência, uma vez que enfrentavam diversas barreiras para aceder à justiça. O
combate à violência sexual contra mulheres e raparigas com deficiência passava por políticas públicas robustas
e ações concretas, ouvindo as organizações não governamentais que defendiam os direitos das mulheres com
deficiência, sendo que só colocando no centro de tais políticas e ações as pessoas com deficiência aqueles se
revelariam eficazes. Referiu que a União Europeia, ao abrigo da Convenção das Nações Unidas sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência, deveria ter em conta as incapacidades na definição das políticas de
género. Sublinhou que o Comité Económico e Social da União Europeia recomendou que as políticas públicas
na área da deficiência tivessem uma abordagem sistemática, incluindo a situação destas pessoas na sociedade
e no mercado de trabalho. Para combater a violência contra mulheres e crianças com deficiência, sugeriu que a
União Europeia criasse um plano de ação no qual fossem vertidos os comentários da ONU e do Comité
Económico e Social quanto às dificuldades das mulheres e raparigas com deficiência. Sugeriu também que a
União Europeia se associasse aos esforços do Conselho da Europa e da Convenção de Istambul no sentido de
combater a violência baseada no género e na deficiência, a criação de órgãos destinados a combater este
fenómeno e a implementação efetiva da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação
contra as Mulheres. Terminou a sua intervenção, propondo que a definição de regras a aplicar pelos Estados-
Membros ocorresse sob a forma de Diretiva, em cuja elaboração participassem vítimas de violência ou
organizações representativas destas.
Ana Peláez Narváez, Vice-Presidente do Comité das Nações Unidas para a Eliminação da Discriminação
contra as Mulheres e Vice-Presidente do Fórum Europeu para a Deficiência, iniciou a sua intervenção referindo
que uma em cada 25 mulheres vivia com uma deficiência, que era agravada pelo estatuto económico e social e
as práticas discriminatórias. Nesta sequência, referiu que, na Europa, apenas 16% das mulheres tinham uma
deficiência, uma vez que enfrentavam dificuldades para que essa incapacidade fosse legalmente reconhecida.
Considerou que as mulheres com deficiência, que poderiam totalizar 52 milhões de pessoas na União Europeia,
eram as grandes vítimas de violações dos direitos humanos, inclusivamente no acesso à justiça. Mencionou que
a maioria dos atos de violência sobre mulheres com deficiência ocorriam no seio da família ou das instituições
em que viviam, sublinhando que 3 em cada 4 pessoas institucionalizadas eram mulheres, que por diversas
dificuldades, entre as quais a falta de acesso à informação, não reportavam os abusos e a violência de que eram
vítimas, nem exerciam os seus direitos. Salientou que apenas alguns Estados-Membros tinham organizações
que representavam todas as deficiências e questionou o motivo pelo qual as políticas de igualdade de género
deixavam de fora as mulheres com deficiência. Referiu que a União Europeia já tinha sido alertada para a
necessidade de tutelar os direitos das pessoas com deficiência e para a existência de esterilizações não
consentidas e gravidezes forçadas. No conceito de violência contra mulheres com deficiência deveriam ser
incluídas a coação legal, física e económica, a intimidação e a desinformação. Neste sentido, mencionou que a
obrigatoriedade de consentimento informado era frequentemente desrespeitada. Reiterou a urgência em que
União Europeia ratificasse a Convenção de Istambul, que tipificava como crime todas as barbaridades que eram
cometidas contra mulheres e crianças com deficiência. Defendeu que a União Europeia deveria adotar políticas
e legislação para combater todas as formas de violência contra mulheres e crianças com deficiência e garantir
o acesso efetivo à justiça. Sublinhou que o Protocolo Adicional à Convenção de Oviedo atentava contra direitos
fundamentais de mulheres com deficiência, porquanto possibilitava tratamentos sem consentimento, e já estava
a ser ratificado por alguns Estados-Membros.
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No espaço destinado a intervenções de membros do Parlamento Europeu e dos parlamentos nacionais,
usaram da palavra as Senhoras Rosa Estaràs, Membro do Parlamento Europeu, Lina Lopes, Deputada à
Assembleia da República, Laura-Iuliana Scantei, Membro do Senado da Roménia, Maria Noichl, Membro do
Parlamento Europeu, Maria Rizzoti, Vice-Presidente do Senado Italiano, Monika Ošmianskienė, Membro do
Parlamento da Lituânia, Annick Billon, Membro da Assembleia Nacional da Hungria, Andrea Varga-Damm,
Membro da Assembleia Nacional da Hungria, Sylwia Spurek, Membro do Parlamento Europeu, Margarita de
La Pisa Carrion, Membro do Parlamento Europeu, Sandra Pereira, Membro do Parlamento Europeu, e Elżbieta
Łukacijewska, Membro do Parlamento Europeu.
A intervenção da Chefe da Delegação, Deputada Lina Lopes (PSD), ocorreu nos seguintes termos:
«Começo por cumprimentar todos os oradores e membros do Parlamento Europeu enquanto presidente da
SIND e chefe desta delegação. Agradeço o tema e o debate sobre estas violências e começo por parafrasear
Nelson Mandela: 'Muitos dos que vivem com violência dia após dia, assumem que ela é uma parte intrínseca da
condição humana. Mas isto não é verdade.' A violência contra as mulheres, e em especial a violência sobre as
mulheres e raparigas com deficiência é uma das mais cobardes e repugnantes formas de violação dos direitos
humanos. Em Portugal e no mundo, todos os dias, inúmeras mulheres são vítimas de algum tipo de violência.
Muitas vezes, estão privadas de todos os seus direitos e não conseguem aceder ao apoio de que necessitam
para ultrapassar o impacto da violência sobre as suas vidas. Este é um problema que atinge mulheres e
raparigas globalmente, há demasiado tempo.
Esta realidade assola todos os países sem exceção, assume diversas formas e manifesta-se em qualquer
lugar. Eu queria resumir o enquadramento legislativo em Portugal na área da violência sobre as mulheres e
concretamente na área da violência sobre as mulheres e raparigas com deficiência. Temos a Convenção sobre
a Eliminação de todas as Formas de Violência Contra as Mulheres, que foi assinada em Portugal em 1980 e
que em entrou em vigor em 1981; também a Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e Combate
à Violência Contra as Mulheres e Violência Doméstica, que foi assinada em Portugal 2007 e entrou em vigor em
Portugal em 2009; a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que foi assinada por Portugal
em 2007 e entrou em vigor relativamente em Portugal em 2009; o Código Penal, que criminaliza ou agrava as
penas aplicáveis certas condutas aplicadas sobre pessoas com deficiência e por fim, encontra-se em execução
a Estratégia Nacional para a Inclusão das Pessoas com Deficiência 2021-2025 (ENIPD), que prevê medidas de
prevenção da violência contra pessoas com deficiência.
A violência contra as mulheres e raparigas são fenómenos que atravessam todas as camadas da sociedade
e são uma triste realidade para demasiadas mulheres na Europa e no Mundo. Não basta condenar tais
comportamentos, devemos agir, a nossa responsabilidade enquanto cidadão impõe que coloquemos um ponto
final nestas violações dos direitos fundamentais. A violência contra as mulheres e raparigas trata-se pois de um
dos crimes com maiores dimensões e no entanto, muitas das vítimas continuam a aceitá-lo como um facto
inevitável da vida e abstêm-se de denunciá-lo. Os estudos demonstram que os fenómenos de violência seguem
um padrão de aumento em situações de emergência, mensagem muito perigosa na altura que estamos a viver
a pandemia do COVID-19, em que as vítimas são ainda mais vulneráveis. Para concluir, uma frase do Secretário
Geral das Nações Unidas, António Guterres, na sua mensagem para o Dia da Eliminação da Violência Contra
as Mulheres: 'Perante a evidência destes dados, resta-nos um caminho: eliminar para sempre a pandemia
silenciosa da violência contra as mulheres e raparigas.'»
Evelyn Regner encerrou esta sessão da reunião, agradecendo a todos os oradores e participantes no
debate, bem como realçando a importância do tema e a urgência de atuar sobre o mesmo.
III. Ciberviolência
Na abertura da sessão, Evelyn Regner, Presidente da Comissão para os Direitos das Mulheres e a Igualdade
de Género do Parlamento Europeu, referiu que aquela sessão também incluiria a LIBE, sendo copresidida por
Juan Fernando López Aguilar, e recordou que um ano antes tinha decorrido, em conjunto com os parlamentos
nacionais, uma sessão subordinada ao mesmo tema.
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Juan Fernando López Aguilar usou da palavra para mencionar a importância da realização daquela reunião
interparlamentar sobre um tema muito importante, o combate à violência com base no género, e sublinhar que
era o momento de avançarem para a elaboração de uma Diretiva relativa aquela temática, implementando as
normas que estavam plasmadas na Convenção de Istambul. Terminou, elencando os peritos que participariam
no debate.
Michela Palladino, Diretora do Departamento de Política de Segurança da EMEA e META (ex-Facebook),
referiu que dava e recebia informações sobre como a violência baseada no género existia na Internet. Lembrou
que trabalhavam em conjunto com organizações que combatiam a violência de género e que pretendiam que
as pessoas se sentissem seguras ao usar a plataforma, que tinha cerca de 3 mil milhões de utilizadores.
Salientou a necessidade de oferecerem um espaço livre de abusos e seguro, reconhecendo que existiam
comportamentos online que tinham impacto na vida das mulheres e a dificuldade em combatê-los.
Seguidamente, explicitou os elementos de segurança que utilizavam, designadamente políticas em relação à
intimidação, assédio, discurso de ódio e exploração sexual, que enumeravam o que era possível fazer, ou não,
na plataforma, políticas essas que tinham evoluído com o tempo. Mencionou também que existiam um conjunto
de instrumentos que permitam que os utilizadores controlassem a forma como partilhavam informações,
exemplificando, bem como tecnologias que visavam prevenir a exploração da imagem das mulheres ou a partilha
de imagens de terrorismo. Terminou a sua intervenção referindo que a META tinha parcerias com organizações
de segurança e sublinhando o papel da União Europeia na adoção de legislação para combater esses
fenómenos – para a qual a META estava disponível para contribuir – apoiar as vítimas e educar as novas
gerações para respeitarem as mulheres e não cometerem aquele tipo de ações.
Zuzanna Warso, Perita na área dos Direitos Humanos, agradeceu o convite e referiu que nos últimos cinco
anos muito se tinha ouvido falar sobre ciberviolência, debate enriquecido pelos testemunhos de algumas vítimas,
o que tinha contribuído para criar uma maior consciência desta forma de violência. Recordou também que
recentemente tinha sido publicado um Estudo sobre a violência digital contra as mulheres e que a violência de
género online era considerada a continuação de diferentes formas de violência contra as mulheres, que
resultavam de desigualdades estruturais da sociedade, sendo que a Convenção de Istambul tinha tido origem
nessas desigualdades. Lembrou que a ciberviolência podia resultar de relações pessoais ou profissionais e que
a pandemia tinha agravado este problema. A violência online afetava o direito à privacidade e a liberdade de
expressão, uma vez que muitas mulheres não exprimiam as suas opiniões nas redes sociais. Referiu que a
ciberviolência frequentemente não era considerada para efeitos legislativos ou de políticas públicas. Frisou que
as empresas tecnológicas/redes sociais deveriam reconhecer o seu papel/responsabilidade relativamente ao
que acontecia nas plataformas, uma vez que aquelas eram as maiores beneficiárias dos conteúdos gerados
pelos utilizadores. Neste sentido, reinvindicou maior transparência nos processos de governação das empresas
que gerem as redes sociais, que deveria ser objeto de legislação pelas entidades públicas, e defendeu que
aquela questão era indissociável da ciberviolência. Terminou a sua intervenção, apelando a que o Parlamento
Europeu liderasse a luta contra a ciberviolência.
Josephine Ballon, Chefe do departamento jurídico da HateAid, agradeceu o convite e apresentou um
exemplo do trabalho da HateAid, nomeadamente o caso de uma jornalista que era alvo de injurias online por ter
escrito um artigo sobre violência de género, injurias essas que não tinham sido eliminadas pela plataforma
apesar de terem sido consideradas crime por decisão de um tribunal. Referiu que a HateAid prestou mais de
1300 consultas jurídicas sobre ciberviolência e deu apoio jurídico a 150 ações judiciais, sendo que 62% das
pessoas que recorriam à HateAid eram mulheres. Notou que 40% dos casos de ciberviolência eram devido à
aparência física das mulheres e não ao conteúdo das respetivas publicações. A ciberviolência podia consistir na
publicitação de mensagens privadas, e-mails, divulgação de material pornográfico ou de fotos íntimas sem
consentimento. Sublinhou que a maioria das mulheres afetadas por esta forma de violência não sabia a quem
se dirigir para reportar os acontecimentos ou que não eram levadas a sério pelas autoridades policiais. Sugeriu
que fossem criados pontos de contacto ao nível das autoridades policiais para lidarem com esta forma de
violência, recordando que muitas vezes aquelas não estavam capacitadas para abordar estas situações, bem
como centros de aconselhamento específicos. Por último, apelou à responsabilização das plataformas onde
eram colocados conteúdos que constituíam ciberviolência, em estreita relação com o Regulamento sobre os
Serviços Digitais, para combater eficazmente aquela, e à necessidade de as plataformas retirarem do ar os
conteúdos logo que lhes fosse solicitado.
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Asha Allen, Diretora do Departamento Jurídico do Centro para a Democracia e Tecnologia, agradeceu o
convite para participar no debate, que se enquadrava em 16 dias de iniciativas de combate à violência de género,
abordou os processos legislativos em curso sobre esta temática na União Europeia, reforçando o apelo para o
combate, envolvendo diversas partes, à ciberviolência. Referiu dados estatísticos que demonstravam que as
mulheres eram vítimas de ciberviolência, cenário que se tinha agravado com a pandemia COVID-19 e abrange
particularmente as mulheres políticas. Este fenómeno impactava diretamente a capacidade das mulheres para
levarem a cabo a sua participação cívica na sociedade. Sublinhou que foram feitas campanhas online para
promover a narrativa de que as mulheres não eram boas líderes políticas, facto que afetava em particular as
mulheres negras. O espaço online era utilizado para perpetuar a violência psicológica e coerção. Lembrou que
as mulheres tinham o direito de usufruir do espaço online para exercerem a sua liberdade de expressão. Alertou
que a regulamentação dessa matéria pela União Europeia não deveria oprimir a liberdade de expressão,
destacando a necessidade de as pessoas com identidades intersexuais fruírem dessa liberdade. Sugeriu que
as plataformas eletrónicas adotassem políticas de avaliação de impacto de género, assim como guias de boas
práticas e permitissem a criação de espaços pelas comunidades de indivíduos para que pudessem ter
experiências seguras online. Referiu que ainda não existia o quadro jurídico adequado para combater a violência
de género online, pelo que aguardava o teor das novas propostas e sublinhou a urgência da União Europeia
ratificar a convenção de Istambul. Terminou sublinhando que igualdade de género e liberdade de expressão
ainda eram objetivos distantes, porquanto era necessário atuar para que o espaço digital fosse mais seguro.
No período destinado a intervenções dos membros do Parlamento Europeu e dos Parlamentos nacionais,
usaram da palavra a Elisavette Vozemberg, Membro do Parlamento Europeu, Judit Czunyiné Bertalan,
Membro da Assembleia Nacional da Hungria, Caterina Chinnici, Membro do Parlamento Europeu, Evelyn
Regner (em representação de Robert Biedron, Membro do Parlamento Europeu), Sabrina De Carlo, Membro
da Presidência do Conselho de Ministros de Itália, Yana Toom, Membro do Parlamento Europeu, Karen
Melchior, Membro do Parlamento Europeu, Eva-Maria Holzleitner, Membro do Conselho Nacional da Áustria,
Sylwia Spurek, Membro do Parlamento Europeu, Andzelika Mozdanowska, Membro do Parlamento Europeu,
Elena Kountoura, Membro do Parlamento Europeu, Anne-Sophie Pelletier, Membro do Parlamento Europeu,
Helen Fritzon, Membro do Parlamento Europeu, Margarita de la Pisa Carrion, Membro do Parlamento
Europeu, Alessandra Moretti, Membro do Parlamento Europeu.
Seguidamente, decorreu um período para comentários e observações dos peritos.
Michela Palladino, que agradeceu as intervenções dos membros do Parlamento Europeu e dos Parlamentos
nacionais, e reiterou que a violência online contra as mulheres provinha de estereótipos oriundos do mundo
offline, considerando importante a aposta na educação das novas gerações para que os jovens se afastassem
desses estereótipos e interagissem com os outros de forma respeitosa. Referiu também que concordava com
os princípios que enformavam a legislação sobre serviços digitais, designadamente de responsabilização das
plataformas pelas falhas do sistema de moderação. Recordou também que apoiavam uma maior transparência
das plataformas e a partilha de dados de forma clara. Considerou importante que a União Europeia trabalhasse
no sentido da clarificação do conteúdo legal das plataformas. Relativamente à utilização das plataformas por
menores, esclareceu que existia uma camada suplementar de proteção, porquanto estes eram mais vulneráveis.
Zuzanna Warso enfatizou que não só as mulheres eram alvo de violência online, mas que a violência
exercida online contra as mulheres era diferente da que existia contra os homens, o que provava que aquela
violência tinha raízes profundas em estereótipos em relação ao papel da mulher na sociedade.
Josephine Ballon referiu que, devido ao facto de as plataformas operarem em diversos Estados-Membros,
se exigia a cooperação das entidades policiais dos diversos países e que atualmente dependiam da colaboração
voluntária das plataformas, situação que deveria mudar. Alertou para os perigos de plataformas que não eram
objeto de qualquer regulamentação e que poderiam originar fenómenos como a revenge porn, mostrando-se as
plataformas muito relutantes em eliminar esses conteúdos.
Asha Allen sublinhou a necessidade de existir uma base sólida para a proteção das mulheres sobretudo no
âmbito dos serviços digitais, uma vez que estas eram mais atingidas por esses fenómenos. Terminou
sublinhando a dificuldade de acesso à justiça para pessoas negras ou não binárias e que estas e que esses
aspetos deveriam ser tidos em consideração no processo legislativo.
Evelyn Regner encerrou esta sessão da reunião, agradecendo a todos os oradores e participantes no debate
e sublinhando que aquele era o tempo de agir de forma harmonizada sobre aquela temática.
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IV. A Convenção de Istambul
Evelyn Regner abriu a sessão referindo que se tratava de uma sessão conjunta com a LIBE, os membros
do Parlamento Europeu e os membros dos Parlamentos nacionais e deu início à discussão sobre a Convenção
de Istambul, sublinhando que tinham passado dez anos desde a assinatura daquela, mas que ainda existia muito
trabalho por fazer para garantir a segurança das mulheres e evitar atos de violência contra aquelas.
Seguiu-se um período destinado a intervenções de peritos.
Tanja Altunjan, em representação de Leonie Steinl, agradeceu a oportunidade de participar na discussão
do papel preventivo da Convenção de Istambul quanto à violência contra as mulheres, que era uma violação
dos direitos humanos e uma forma de discriminação. Sublinhou que a Convenção de Istambul previa que a
violência contra as mulheres era uma manifestação de uma relação de poderes desigual entre géneros e
constituía um obstáculo para o desenvolvimento das mulheres, que as colocava numa posição subordinada em
relação aos homens. A Convenção de Istambul previa que todas as formas de violência de género deveriam ser
combatidas em todas as suas manifestações, independentemente da origem e do estatuto social de quem
exercia essa violência e das vítimas. A Convenção de Istambul, diferentemente de outros acordos internacionais
regulava a questão da violência de género de forma global, incluindo a prevenção, o apoio às vítimas, a respetiva
indemnização e forçava os Estados aderentes a criminalizar um conjunto de atos, tais como a violação, a
gravidez forçada e o aborto forçado. Referiu também que a organização que representava apoiava a ratificação
da Convenção de Istambul pela União Europeia. Prosseguiu, sublinhando que o apoio da União Europeia à
Convenção de Istambul seria muito importante, porque se tratava do instrumento mais abrangente e completo
na luta contra a violência de género e, assim, vincularia os Estados-Membros ao cumprimento daquela. Salientou
a importância da Convenção de Istambul, realçando alterações na legislação penal da Alemanha. Recordou que
o Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres assinalava que todos os dias mulheres
eram vítimas de violência sexual e de género, situação que tinha piorado com a pandemia COVID-19. Sustentou
que a Convenção de Istambul deveria funcionar como um guia para os legisladores nacionais, os quais a
deveriam executar na prática, e solicitou que as autoridades judiciárias e policiais tivessem formação na área da
violência de género para que a sua atuação melhorasse.
Iris Luarasi, Presidente do GREVIO (Grupo de Peritos para ação contra a Violência contra as Mulheres e a
Violência Doméstica), começou por dizer que, em 2021, se assinalaram os 10 anos da abertura para assinatura
pelos Estados da Convenção de Istambul, tendo em vista que as mulheres e raparigas pudessem viver
livremente, e que mais de 27 Estados participaram na negociação e assinaram a Convenção de Istambul.
Considerou que a violência contra as mulheres era inadmissível e que a Convenção de Istambul, que já tinha
sido ratificada por 24 dos 37 Estados-Membros do Conselho da Europa, seria um importante instrumento para
a combater. Lamentou o facto de Israel ter denunciado a Convenção de Istambul. Congratulou os Estados que
tinham maiores níveis de implementação da Convenção de Istambul, através de alterações legislativas ou
políticas públicas, e frisou que muitos Estados tinham transposto o princípio de que «não significa não», bem
como, criado ou ampliado, serviços de apoio às vítimas de violência. Nesta sequência, sublinhou que a
Convenção de Istambul era um roteiro para abordar os desafios em matéria de acesso à justiça, alojamento ou
a serviços de proteção policial. De igual modo, enfatizou a necessidade de se aumentar a formação dos serviços
policiais e médicos em matéria de violência de género. Referiu também que o grupo a que preside publicou uma
recomendação sobre a aplicação da Convenção de Istambul em matéria de violência digital contra as mulheres.
Katrin Hugendubel, Diretora Jurídico da ILGA-Europa, organização que trabalhava com várias entidades
europeias e asiáticas na área dos direitos LGBTQI+. Referiu que as pessoas LGBTQI+ também eram vítimas
de violência e salientou a necessidade de um quadro europeu nesta matéria que utilizasse como referencial os
padrões da Convenção de Istambul. Mencionou que os membros da comunidade LGBTQI+ eram diariamente
vítimas de violência, de homofobia, de transfobia e de fobia baseada no género. Deu nota de que, no dia 25 de
novembro, que tinha assinalado o Dia Internacional da Eliminação da Violência Contra as Mulheres, três
mulheres trans tinham sido atacadas por homens e que, em 2020, foram assassinadas cerca de 300 mulheres
trans em todo o mundo, atos, na sua maioria, relacionados com violência laboral ou violência doméstica.
Mencionou que para acabar com a violência contra as mulheres trans seria necessário acolher as mulheres com
sexualidade transectorial e intersectorial e referiu que a violência contra as mulheres trans era muito maior do
que a violência contra as restantes mulheres. Referiu que as mulheres com sexualidade intersectorial não eram
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incluídas na legislação contra a violência baseada no género, uma vez que este tipo de violência ocorria devido
à identidade do género, à expressão da identidade de género ou da identidade sexual. Neste sentido, sugeriu
que a legislação de combate à violência baseada no género inclua todos os tipos de mulheres, designadamente
as mulheres de sexualidade intersectorial. Pelo que, a iniciativa da FEMM precisava de incluir um conceito de
mulher mais abrangente e mencionou que a associação ILGA-Europa recomendava a melhoria do acesso a
cuidados de saúde para as mulheres vítimas de violência, incluindo as da comunidade LGBTQI+. Terminou a
sua intervenção, salientando a necessidade de uma abordagem mais inclusiva desta temática e que era preciso
obviar ao retrocesso dos direitos das mulheres, em especial das mulheres trans.
Enikő Pap, perita legal da NANE Associação dos Direitos das Mulheres (Hungria), referiu que, em 2014, a
Hungria assinou a Convenção de Istambul, mas que, anos mais tarde, a Convenção tinha sido atacada através
de uma campanha de fake news, semelhante às que tinham ocorrido noutros países. Em 2020, o Parlamento
húngaro adotou uma declaração política contra a ratificação da Convenção de Istambul e votou contra a adesão
da União Europeia à Convenção de Istambul. Sublinhou que, com a falta de vontade política, não podiam
depender da Convenção de Istambul para defesa das mulheres contra a violência e que a reação do Estado
húngaro contra este fenómeno estava muito aquém do preconizado pela Convenção de Istambul, nem existia
uma estratégia nacional contra a violência de género e a violência doméstica. Sublinhou que o último estudo
sobre a violência de género na Hungria já tinha mais de 10 anos e que o Estado húngaro recusou atualizar
aquele estudo. Prosseguiu, salientando as baixas sanções para os homicidas de mulheres e a falta de uma
formação integrada para os profissionais que lidavam com aquela temática, bem como a necessidade da Hungria
ratificar a Convenção de Istambul. Continuou, realçando que o Governo húngaro atacou Organizações Não
Governamentais que lutavam pelo fim da violência de género como sendo entidades que difundiam noticias
falsas e realçou o papel daquelas entidades, a nível europeu, no combate aquele fenómeno, assim como o papel
da Convenção de Istambul na adoção de políticas públicas e legislação, ainda que em graus diversos. Terminou
a sua intervenção, defendendo a premência da ratificação pela União Europeia da Convenção de Istambul, que
a legislação europeia de combate à violência de género tivesse um conteúdo claro e o envolvimento das
Organizações Não Governamentais nesse processo legislativo.
No período destinado a intervenções de membros do Parlamento Europeu e dos parlamentos nacionais,
usaram da palavra Nathalie Colin Oesterle, Membro do Parlamento Europeu, Arba Kokalari, Membro do
Parlamento Europeu, a Senhora Anca Dana Dragu, Presidente do Senado da Roménia, Anna Karamanli,
Presidente da Comissão Permanente para a Igualdade, Juventude e Direitos Humanos do Parlamento da
Grécia, Cyrus Engerer, Membro do Parlamento Europeu, Pina Picierno, Membro do Parlamento Europeu,
Carina Ödebrink, Membro do Parlamento da Suécia, Yana Toom, Membro do Parlamento Europeu, Samira
Rafaela, Membro do Parlamento Europeu, Alma Rivera, Deputada à Assembleia da República, Terry Reintke,
Membro do Parlamento Europeu, Sylwia Spurek, Membro do Parlamento Europeu, Helena Vilhelmsson,
Membro do Parlamento da Suécia, Elza Pais, Deputada à Assembleia da República, Yasmine Posio, Membro
do Parlamento da Suécia, Margarita de la Pisa Carrion, Membro do Parlamento Europeu, Beatriz Gomes
Dias, Deputada à Assembleia da República, Malin Björk, Membro do Parlamento Europeu, Sandra Pereira,
Membro do Parlamento Europeu, Veronica Giannone, Membro da Câmara dos Deputados de Itália, Helen
Fritzon, Membro do Parlamento Europeu, e Vilija Aleknaité-Abramikiené, Membro do Parlamento da
República da Lituânia.
Conforme explicitado supra, intervieram no debate as Senhoras Deputadas da Subcomissão para a
Igualdade e Não Discriminação, nos seguintes termos:
– Alma Rivera (PCP)
«Boa tarde a todos. Há muito a fazer nas frentes da Convenção, mas em primeiro lugar, queria focar-me na
prevenção da violência e não tanto nos aspetos legais. Se retirarmos os problemas de contexto, relacionados
com a pandemia, em Portugal tem havido avanços, particularmente ao nível da violência doméstica, no campo
da formação dos intervenientes, quer nos serviços públicos, nos apoios sociais e nas forças de segurança.
Continua a haver resistências na implementação de boas práticas pelos media, assim como na abrangência da
educação sexual virada para os afetos. Uma nota ainda sobre capacitação: só podemos falar com seriedade
sobre capacitação se estiverem garantidos direitos fundamentais, se as mulheres tiverem acesso a trabalho,
estabilidade e rendimentos dignos, apoios sociais e equipamentos sociais de cuidado com a infância e a terceira
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idade, acesso à habitação, acesso à educação para os seus filhos, essas são dimensões fundamentais da
autonomia das mulheres e sem autonomia não há capacitação, ou essa capacitação fica sem efeito na vida
prática.»
– Elza Pais (PS)
«Boa tarde. Começo por saudar a FEMM pela realização desta importante conferência. A violência de género
impede as mulheres de serem livres, trata-se, portanto, de um profundo desequilíbrio de poder entre mulheres
e homens, enraizada na sociedade e que não podemos tolerar mais.
A pandemia sombra colocou as vítimas de violência doméstica em situações dramáticas, quando tiveram de
ficar em casa, confinadas com os agressores. Estamos perante uma realidade atroz, que mata centenas de
mulheres por ano.
Em Portugal, o combate à violência de género tem tido prioridade política, com um quadro legislativo
harmonizado com a Convenção ao nível da violência física, psicológica e sexual. Fomos o primeiro país da
União Europeia a ratificar a Convenção e durante a recente presidência portuguesa da União Europeia,
promovemos uma conferência de alto nível para assinalar o impacto dos dez anos da Convenção de Istanbul.
Consideramos por isso que é urgente dar mais prioridade ao plano preventivo, para se mudarem as
mentalidades, para se eliminarem os estereótipos de género e por isso, para se atacar de raiz o problema.»
– Beatriz Gomes Dias (BE)
«Muito obrigado, Senhora Presidente, quero começar por saudar todas as pessoas que estão a assistir a
esta reunião e dizer que um dos aspetos fundamentais para a Convenção de Istanbul é alargar o seu âmbito e
nós temos que abandonar o discurso universalista sobre a violência doméstica sobre as mulheres.
Nós sabemos que a violência sexual contra as mulheres afeta predominantemente mulheres, mas a esta
violência somam-se as múltiplas discriminações a que as mulheres estão sujeitas. As discriminações que
resultam da pertença étnico-racial, de classe, de identidade de género, orientação sexual, capacidade e idade.
E por isso é preciso apostar em políticas e medidas transversais que tenham em conta estas múltiplas
discriminações e que possam responder às especificidades da discriminação única que resulta da soma da
discriminação de género com estas múltiplas discriminações.
Também é preciso garantir o financiamento às organizações da sociedade civil, organizações de mulheres
migrantes, que atendem a estas especificidades. Sabemos que há dificuldades no acesso à informação,
sabemos que há dificuldades na apresentação de queixas e todas estas devem ser tidas em conta.»
Evelyn Regner agradeceu os contributos dos Membros do Parlamento Europeu e dos parlamentos nacionais
e passou a palavra aos peritos para comentários e observações.
Tanja Altunjan agradeceu as questões formuladas, esclareceu que os Estados-Membros não estavam
impedidos de legislar para além dos padrões definidos na Convenção de Istambul e que a eventual adesão da
União Europeia à Convenção obrigaria os Estados Membros a respeitarem os padrões definidos na Convenção
de Istambul, considerando-a o instrumento mais importante na luta contra violência de género. Frisou também
que uma Diretiva da União Europeia sobre aquela matéria seria importante, desde que essa Diretiva fosse para
além dos padrões mínimos presentes na Convenção de Istambul. Salientou a obrigação, decorrente da
Convenção de Istambul, dos Estados Membros oferecerem alojamento às vítimas de violência sexual.
Iris Luarasi referiu que o GREVIO tinha um calendário para a realização das avaliações, que estava em
curso, apesar de ter sido condicionado pela pandemia COVID-19, sendo realizada uma avaliação por mês, que
abrangia a implementação da Convenção de Istambul em toda a sua extensão.
Katrin Hugendubel recordou que a Convenção de Istambul estabelecia padrões mínimos de combate à
violência de género e a necessidade de uma abordagem inclusiva a este tema. Sublinhou também que a
organização a que pertencia concordava que a União Europeia ratificasse a Convenção de Istambul.
Eniko Pap destacou que os abrigos para as vítimas da violência de género não eram responsabilidade das
Organizações Não Governamentais mas de outras entidades da sociedade civil que não cooperavam com as
primeiras. Referiu que os abrigos eram financiados por fundos comunitários e fundos nacionais. Defendeu o
alargamento da legislação de combate à violência de género. Reconheceu a necessidade de tratar de forma
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estrutural a relação de poder entre homens e mulheres, uma vez que essa seria a causa e a consequência da
violência. Pugnou por uma mudança de atitudes e melhoria da educação no que respeitava a esta matéria,
assim como a avaliação das políticas adotadas. Apelou à concessão de facilidades de acesso a financiamento
às Organizações Não Governamentais que lutavam pelos direitos das mulheres.
Seguiu-se a apresentação, por Erin Kenny e Fabienne Van Den Eede, de uma iniciativa, resultante de uma
parceria entre a União Europeia e a Organização das Nações Unidas, sobre a violência de género, denominada
Spotlight Initiative.
Terminada a apresentação, Juan Fernando López Aguilar usou da palavra para agradecer a todos os
participantes e afirmar que se tinha tratado de um debate com sentido. Sublinhou que os membros do
Parlamento Europeu eram eleitos democraticamente e participavam no processo legislativo, inclusivamente na
área penal, quando se tratava de crimes a nível europeu, nos termos do artigo 83.º do Tratado de Funcionamento
da União Europeia, como era o caso da violência com base no género, e, por isso, tinham o objetivo de criar um
instrumento jurídico vinculativo para combater aquele crime, tal como previsto em várias resoluções do
Parlamento Europeu. Frisou também a importância de a União Europeia ratificar a Convenção de Istambul e
lamentou que alguns Estados-Membros ainda não o tivessem feito.
Roberta Metsola, Vice-Presidente do Parlamento Europeu, agradeceu a todos os convidados por terem
participado no debate e, enquanto responsável pelas relações com os parlamentos nacionais, manifestou ter
ficado muito encorajada por os colegas se reunirem para abordarem um tema muito importante. Referiu que a
pandemia COVID-19 tinha tido impacto maior nas mulheres ao nível social e económico e realçou que os
confinamentos e quarentenas tinham conduzido ao aumento da violência doméstica. Sublinhou que, um mês
após o início da pandemia, os Estados-Membros já tinham reportado um aumento de 60% das chamadas de
emergência de mulheres sujeitas a violência por parte dos seus parceiros e que a aceleração da digitação tinha
exposto muitas mulheres à ciberviolência. Salientou que a transição digital teria que tratar da violência com base
no género, uma vez que se a violência era ilegal offline também o seria online. Lembrou que anteriormente tinha
sido referido que as mulheres e as crianças com deficiência eram as principais vítimas de abusos sexuais,
porquanto estavam excluídas socialmente e não tinham estruturas de apoio e reivindicou a necessidade de
políticas para combater também esta forma de violência. Elogiou também a troca de ideias relativamente à
Convenção de Istambul, mas enalteceu que desde a assinatura de tal Convenção existia uma dinâmica de
mutação da violência contra as mulheres e, como tal, era necessário um quadro político/ação para a combater.
Evelyn Regner encerrou o debate, agradecendo a todos os participantes pelos contributos, bem como aos
membros do Parlamento Europeu e dos Parlamentos nacionais envolvidos.
Assembleia da República, 30 de dezembro de 2021.
A Chefe da Delegação, Lina Lopes (Presidente da Subcomissão para a Igualdade e Não Discriminação da
Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias).
A DIVISÃO DE REDAÇÃO.