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Quarta-feira, 15 de junho de 2022 II Série-D — Número 11
XV LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2022-2023)
S U M Á R I O
Delegação da Assembleia da República: Relatório relativo à participação da Assembleia da República na visita ao Tribunal de Justiça da União Europeia, que teve lugar no dia 1 de junho de 2022, no Luxemburgo.
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DELEGAÇÃO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA
RELATÓRIO RELATIVO À PARTICIPAÇÃO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA NA VISITA AO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA, QUE TEVE LUGAR NO DIA 1 DE JUNHO DE 2022, NO
LUXEMBURGO
I. Enquadramento
No âmbito do grupo de trabalho da COSAC dedicado ao tema o lugar dos valores europeus como sentimento
de pertença à UE foi organizada, pela Presidência francesa, uma visita ao Tribunal de Justiça da União Europeia
(TJUE), no Luxemburgo, com o intuito de promover o debate, entre o Presidente e restantes juízes daquela
instituição e os parlamentares nacionais, sobre o trabalho do tribunal no que se refere ao Estado de direito e ao
primado do direito da União Europeia. A visita decorreu em formato híbrido (com participação presencial e
virtual).
O convite para participação nesta visita de trabalho foi remetido pela Presidência francesa aos Presidentes
da COSAC dos Parlamentos nacionais, podendo estes delegar a sua participação noutro membro da respetiva
Comissão.
Neste sentido, a visita teve lugar no dia 1 de junho e a delegação da Assembleia da República a esta visita
foi composta pela Deputada Nathalie Oliveira (PS), da Comissão de Assuntos Europeus.
A assessoria foi prestada pela Representante Permanente da Assembleia da República junto da União
Europeia, Catarina Ribeiro Lopes, e pela equipa de apoio da Comissão de Assuntos Europeus.
II. Visita ao Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE)
Do programa da visita constavam os seguintes pontos:
Sessão de trabalho com o Presidente do TJUE (Koen Lenaerts), Vice-Presidente do TJUE (L. Bay
Larsen), Presidentes das Câmaras do TJUE (A. Arabadijev e Rodin), Presidente da Câmara no TJUE (I.
Ziemele), Advogado-Geral (J. Kokott), Juízes do TJUE (L.S. Rossi, A. Kumin e Z. Csehi), Escrivão do
TJUE (A. Calot Escobar).
O programa previa, na sessão de trabalho, a discussão de dois temas distintos: O conceito de Estado de
direito e a sua consideração nos acórdãos do tribunal e o princípio do primado do direito da União e a sua
conciliação com a identidade constitucional dos Estados-Membros, com notas introdutórias por parte de Sabine
Thillaye, Presidente da Comissão de Assuntos Europeus da Assembleia Nacional francesa, e de Jean-François
Rapin, Presidente da Comissão de Assuntos Europeus do Senado francês.
L. Bay Larsen iniciou os trabalhos, substituindo momentaneamente o Presidente Koen Lenaerts. Começou
por referir-se ao primado do direito da União Europeia (UE) e relação com as estruturas constitucionais dos
Estados-Membros, a ausência de uma política judicial e o trabalho caso a caso, assim como ao procedimento
por infração e decisão prejudicial, que são os casos típicos tratados pelo TJUE, por oposição aos casos de
Estados-Membros contra Estados-Membros.
Tomou a palavra Sabine Thillaye para agradecer a disponibilidade dos presentes para discutir com os
membros da COSAC estas questões, dando nota da criação de dois grupos de trabalho da COSAC durante a
Presidência francesa dedicados aos temas o papel dos Parlamentos nacionais e o lugar dos valores europeus
como sentimento de pertença à UE, presidindo a este último. O seu objetivo primordial é compreender as
interpretações dos 27 Parlamentos nacionais em diferentes conceitos, de que é exemplo o Estado de direito.
Referiu as discussões centradas no artigo 7.º do Tratado, as interpretações do TJUE nesta sede, assim como o
mecanismo de condicionalidade, e questionou os membros do tribunal presentes sobre a forma como analisam
este mecanismo, a ligação com os mecanismos orçamentais, assim como a preservação de valores do Estado
e direito e a sua ligação com a liberdade de associação e liberdade de imprensa, o respeito pela identidade
constitucional dos Estados e a importância dos valores comuns.
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Seguiu-se a intervenção de Jean-François Rapin, dando nota do papel essencial do tribunal como guardião
dos Tratados e da legalidade dos atos da UE, assegurando que as questões prejudiciais são analisadas. Aludiu
ao reconhecimento dos princípios do efeito direto e do primado, à relação entre as normas nacionais e as normas
da UE e à importância de fixação de normas comuns, bem como aos casos Solange e ao seu impacto no direito
da UE, colocando duas questões sobre a atenção do TJUE à identidade constitucional dos Estados-Membros
nas suas decisões e sobre a aceitação das suas pronúncias. Terminou com uma referência ao princípio da
subsidiariedade e ao papel dos Parlamentos nacionais neste âmbito, frisando que esta troca de experiências e
ideias deve ser mantida regularmente.
A discussão sobre os dois tópicos foi assim iniciada pelas intervenções dos membros do TJUE presentes,
tendo L. Bay Larsen mencionado a diferença entre a interpretação do direito primário e derivado, sendo que no
primeiro caso apenas os Estados-Membros podem proceder à sua alteração, uma vez que não é possível ao
tribunal alterar os Tratados, tratando-se de uma escolha política dos Estados-Membros. Por outro lado, o
Presidente do TJUE, Koen Lenaerts, referiu-se à legitimidade democrática conferida pelos Parlamentos
nacionais e ao seu papel prévio à aprovação das normas. Reiterou o poder da parte política para alterar as
normas, dando exemplos concretos, e explicou que o primado do direito da UE é apenas uma regra de conflito
de normas e que a regra comum prevalece sobre a regra unilateral, devendo as normas nacionais ser aprovadas
de acordo com o disposto nos Tratados.
O Presidente prosseguiu aludindo à confiança que os Estados-Membros atribuíram à União em matérias de
high politics, ao pluralismo político e aos atos legislativos aprovados na sua base e à necessidade de o tribunal
interpretar as normas que se encontram numa zona cinzenta nestes atos, definindo-a. Mencionou a Diretiva
2006/24/CE e o facto de esta ter sido invalidada pelo TJUE pela sua falta de equilíbrio entre o seu objetivo e as
suas normas e deu nota das questões relativas ao Estado de direito, à situação da Polónia e da Hungria e ao
facto de este não ser um problema relativo ao primado do direito da UE, reiterando a responsabilidade do
processo político em detrimento da do tribunal. Referiu-se ainda à definição de Estado de direito vertida na
decisão do tribunal de 16 de fevereiro de 2022, relativo ao caso da Hungria, e ao princípio da atribuição da
competência, respondendo às questões levantadas por Sabine Thillaye sobre o diálogo entre juízes e
legisladores, tendo referido que o Estado de direito foi bastante discutido no grupo de trabalho da COSAC a que
preside.
Intervieram ainda no debate outros membros do TJUE, destacando-se a referência feita por L. S. Rossi à
aplicação do direito derivado e ao conceito progressivo de valores e de Estado de direito, frisando que o respeito
pelo artigo 2.º é condição para adesão à UE e para acesso aos direitos previstos nos Tratados. Aludiu ainda à
invocação da identidade nacional para procurar derrogar o primado do direito da UE, dando como exemplo o
caso do Tribunal Constitucional da Roménia, sendo essencial o equilíbrio entre princípios. Tomou ainda a
palavra I. Ziemele, notando que o tribunal recusou o argumento da Hungria de que o Estado de direito seria uma
filosofia, um termo político e não um conceito próprio. Destacou a importância desta visita e as iniciativas do
TJUE nas relações com os tribunais constitucionais, bem como a importância dos diálogos sobre a identidade
constitucional, a identidade da UE e a reunião sobre o assunto que decorreu com os tribunais constitucionais
dos 27 Estados-Membros.
Terminou esta ronda de intervenções S. Rodin, explicando que o conceito político e legal de Estado de direito
não é necessariamente o mesmo, mas que se baseia nos mesmos valores, tendo a UE funcionado sem esta
referência ao Estado de direito até agora. Frisou o caso crucial decidido pelo TJUE sobre os juízes portugueses,
no qual o TJUE e os tribunais nacionais são integrados no artigo 19.º, atribuindo aos tribunais nacionais
competência para verificar do cumprimento das normas europeias. Assegurou que a igualdade entre os Estados-
Membros deve ser uma realidade, garantida pelo primado do direito da UE, não sendo este um sistema unilateral
e não podendo os Estados-Membros utilizar a identidade constitucional nacional contra os valores fundamentais
do artigo 2.º
Houve também lugar a uma ronda de intervenções por parte dos membros dos Parlamentos nacionais,
iniciada por Domagoj Hajdukovic (Parlamento croata), que agradeceu a saudou a iniciativa da Presidência
francesa na criação dos grupos de trabalho da COSAC e organização desta visita, enfatizando a visita do TJUE
à Croácia e as discussões havidas, nomeadamente quanto ao alargamento da UE e ao interesse na questão do
Estado de direito neste âmbito. Aludiu à utilidade do relatório anual sobre o Estado de direito, permitindo o seu
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escrutínio, à influência da situação na Ucrânia nesta questão e à importância de os Parlamentos nacionais
poderem discutir esta questão.
Marina Berlinghieri, da Câmara dos Deputados italiana, referiu-se à conciliação do princípio da adesão com
outros princípios e à análise feita pelas comissões do Parlamento italiano aos acórdãos do TJUE, questionando
quais as novas possíveis formas de interação entre os Parlamentos nacionais e o tribunal. O Presidente Lenaerts
aproveitou para referir que esta reunião seria um exemplo disso e que o tribunal já reuniu com vários parlamentos
para explicação de jurisprudência, sobretudo nas decisões que afetam diretamente o Estado-Membro.
No caso da Roménia, Anca Dana Dragu (do Senado da Roménia) saudou a avaliação feita pela Comissão
Europeia sobre o Estado de direito, não descurando a importância que deve ser atribuída nesta sede à
independência da comunicação social e a pressão política exercida sobre estas questões, devendo o diálogo
com o Tribunal Constitucional romeno continuar. Do mesmo modo, Hajnalka Juhasz (Assembleia Nacional da
Hungria) deu nota dos assuntos complexos analisados pelo TJUE, como a relação entre o direito da UE e o
direito nacional, assim como da sua decisão relativa ao mecanismo de condicionalidade relativo à Hungria, tendo
o seu tribunal constitucional sido sempre um parceiro neste diálogo, podendo este ser mais construtivo, baseado
no respeito mútuo, ajudando a estreitar a relação entre os Estados-Membros e as instituições. Gaetan Van
Goidsenhoven (Senado belga) colocou uma questão sobre a possível revisão dos tratados e a sua ligação ao
primado do direito da UE
A Deputada Nathalie Oliveira (PS) interveio também neste debate, caraterizando-o como muito produtivo,
destacando a intervenção muito completa do Presidente do TJUE mas deixando uma questão sobre a
conciliação do conflito de normas e a redefinição do primado do direito da UE, encontrando-se Portugal a analisar
também esta questão complexa, respeitando a interpretação do tribunal e permitindo densificar o conceito de
identidade nacional. Frisou que o trabalho tribunal conciliava os valores europeus e a identidade nacional e que
seria o caminho principal e mais justo para estabelecer uma uniformidade de conceitos na jurisprudência do
TJUE. Terminou deixando um convite ao TJUE para visitar a Assembleia da República.
Nas suas palavras finais, Koen Lenaerts recordou que o Tribunal Constitucional espanhol havia já distinguido
entre supremacia e primado e que o tratado constitucional continha uma cláusula sobre o primado, que não foi
mantida no Tratado de Lisboa, bem como as questões internas de competência entre os tribunais nacionais no
reenvio prejudicial ao TJUE.
Notas Finais
Toda a documentação referente a esta visita pode ser encontrada em: IPEX.
Assembleia da República, 7 de junho de 2022.
A Deputada da Comissão de Assuntos Europeus, Nathalie Oliveira.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO.