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Terça-feira, 24 de janeiro de 2023 II Série-D — Número 37

XV LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2022-2023)

S U M Á R I O

Delegações da Assembleia da República: — Relatório da participação de uma Delegação da Assembleia da República na Conferência Interparlamentar sobre os desafios das migrações, que decorreu em Paris, nos dias 15 e 16 de maio de 2022.

— Relatório da participação de uma Delegação da Assembleia da República na Reunião Interparlamentar sobre «Jurisdição Universal – melhorar a responsabilização pelos crimes internacionais graves», que decorreu em Bruxelas, no passado dia 28 de novembro de 2022, por videoconferência.

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DELEGAÇÃO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA

RELATÓRIO DA PARTICIPAÇÃO DE UMA DELEGAÇÃO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA NA

CONFERÊNCIA INTERPARLAMENTAR SOBRE OS DESAFIOS DAS MIGRAÇÕES, QUE DECORREU EM

PARIS, NOS DIAS 15 E 16 DE MAIO DE 2022

Da agenda da reunião, constavam os seguintes pontos:

Domingo, 15 de maio de 2022

Jantar de receção às delegações.

Segunda-feira, 16 de maio de 2022

Discursos introdutórios (9h00 às 9h30)

Gérard Larcher, Presidente do Senado francês, abrindo a Conferência, deu as boas-vindas a todos os

participantes e congratulou-se pela oportunidade de se falar sobre a democracia na Europa, apontando a

necessidade de se debaterem as preocupações da população europeia, em especial a migração em massa.

Lembrou situações na Grécia e na Lituânia, com o apoio da Frontex, e mostrou-se bem impressionado pela ação

da Eslováquia, Roménia e Hungria de esforço pela garantia de condições dignas no acolhimento de refugiados

ucranianos – cerca de 5 mil pessoas. Enalteceu igualmente o apoio massivo e mútuo da Chéquia e dos Estados

dos Balcãs nas fronteiras. Apontou que a UE não estava preparada para a crise migratória de 2005 e que daí

se retiravam duas lições: a primeira em relação ao progresso alcançado e à importância das respostas nacionais

conjugadas com a ação de instituições europeias como a Frontex, respeitando os valores europeus e a tradição

europeia de receber pessoas respeitando a sua dignidade humana; e a segunda lembrando que a Europa não

era uma fortaleza e que o perigo era iminente. Sinalizou que o propósito da Conferência era encontrar os meios

adequados para melhorar a resposta europeia aos fluxos migratórios. Notou que Pacto para Migrações e Asilo

carecia de revisão e identificou vias importantes de trabalhos para as próximas sessões: a primeira relacionada

com a necessidade de responder a um imperativo humanitário, compreendendo o contexto geopolítico da

migração e reconhecendo que a instrumentalização das pessoas e a migração como ponto de pressão era um

fenómeno; a segunda no sentido do reforço da Frontex, desde 2015, salientando a importância da sua ação em

cooperação com as entidades nacionais; e a terceira sobre o asilo como um direito e uma obrigação moral,

decorrente dos valores comuns europeus, observando, contudo, a inexistência de um direito absoluto a migrar

e de uma obrigação de acolhimento e apontando a migração ilegal como uma questão a analisar, lembrando

uma decisão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos de 2020. Refletindo sobre a solidariedade europeia,

aludiu às diferenças de ação de país para país e citou um relatório francês publicado na semana anterior sobre

Delegação:

– Deputada Romualda Fernandes (PS) – Chefe da Delegação e Membro da Comissão de Assuntos

Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias

– Deputado Francisco César (PS) – Membro da Comissão de Negócios Estrangeiros

– Deputado Paulo Moniz (PSD) – Membro da Comissão de Assuntos Europeus

A assessoria foi prestada por Ana Cláudia Cruz, da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos,

Liberdades e Garantias, e Catarina Lopes, Representante da Assembleia da República junto das

instituições da União Europeia.

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«Migrações e os serviços do Estado», cujas conclusões considerou surpreendentes, frisando a urgência de um

mecanismo de reconhecimento mútuo a propósito da recusa de concessão de asilo. Concluiu apontando que os

países representantes dos parlamentos nacionais estavam perante uma oportunidade de apresentar contributos

úteis e ambiciosos, desejando a todos uma sessão profícua.

Mr. François-Nöel Buffet, Presidente da Comissão de Leis Constitucionais, de Legislação, do Sufrágio

Universal e do Regulamento de Administração Geral do Senado francês, começou por apresentar os seus

cumprimentos, congratulando-se com a oportunidade de debater, presencialmente, o tópico dos desafios das

migrações, o qual fora decidido antes da invasão russa, prestando o seu tributo de respeito e de admiração à

Ucrânia, bem como aos Estados vizinhos que a apoiavam. Caraterizou o período corrente como trágico para a

Europa, apontando a importância de os europeus se mobilizarem e tomarem decisões firmes e necessárias para

reforçar a solidariedade e a ajuda à Ucrânia. Reportou-se aos desafios das migrações, afirmando estar

consciente de que se tratava de matéria sensível para os governos e parlamentos, com impacto na opinião

púbica e suscetível de instrumentalização pelas figuras populistas. Por outro lado, considerou que as políticas

europeias, nomeadamente de coordenação na gestão das fronteiras externas e os mecanismos de solidariedade

em termos de asilo não respondiam adequadamente aos desafios que se colocavam, como o revelara a crise

de 2015. Observou que a pandemia da doença COVID-19 aliviou a pressão migratória nas fronteiras da UE,

mas não eliminou os problemas a longo prazo, pelo que para lhes fazer face, a Comissão Europeia apresentara,

em setembro de 2020, uma proposta para um novo pacto de migração e asilo, o qual levantara algumas dúvidas

e divergências, especialmente o procedimento de filtragem nas fronteiras, notando que o consenso não era de

fácil obtenção. Por outro lado, considerou que as divergências existentes não deviam obstar ao progresso nesta

matéria, aludindo ao relatório que apresentara na sua Comissão e constatando que o Regulamento de Dublin

não funcionava, já que os países fronteiriços estavam sobrelotados, pelo que frisou a necessidade da sua

revisão, possivelmente abandonando o critério do primeiro país de entrada e promovendo uma maior conversão

entre os países, nomeadamente através da concessão de um asilo conjunto. Nesse seguimento, considerou

que o novo pacto e a nova agência europeia ajudariam a ultrapassar alguns dos problemas identificados e,

terminando, salientou a importância de uma reflexão conjunta e de que, enquanto parlamentares, responsáveis

por alimentar o futuro da legislação europeia, os representantes dos Estados-Membros expressassem as suas

vozes, lembrando que, como o demonstrava a conjuntura de guerra, àquela data, o Estado de direito era frágil

e tinha de ser protegido.

Ms. Yäel Braun-Pivet, Presidente da Comissão de Leis Constitucionais, de Legislação e da Administração

Geral da Assembleia Nacional francesa, parabenizou a organização da conferência expressando o seu

contentamento por poder participar nela e afirmando que o tema das migrações era uma parte importante do

debate público pois tinha que ver com a relação entre a Europa e o resto do Mundo. De seguida, apresentou

observações que poderiam servir de guia para os debates: que a rejeição da migração por alguns era alarmante

e que esta devia ser vista também como fonte de riqueza e uma oportunidade de crescimento coletivo para cada

Estado-Membro e para a Europa; que a política de migrações obrigava a encontrar um equilíbrio entre

responsabilidade, solidariedade e humanidade observando que, desde os anos 80, as migrações eram vistas

como uma ameaça aos países, pelo que defendeu a necessidade de introduzir alguma racionalidade no debate

político, já que as migrações fazem parte da história da Humanidade, concordando que o problema da migração

ilegal tinha que ser resolvido, mas que os países estavam longe de estar sobrelotados, notando que a confusão

entre imigração e insegurança se tornara parte da imaginação coletiva e dos discursos populistas, evidenciado

a necessidade de mais educação, racionalidade e eficiência nos fluxos migratórios, bem como de uma melhor

integração dos imigrantes; que era crucial o equilíbrio entre abrir e gerir as fronteiras, notando que a UE tinha

progredido desde a crise de 2015, mas que havia ainda muito por onde melhorar, nomeadamente no que toca

à proteção das fronteiras externas pela Frontex, concretizando o dever humanitário de salvar vidas no mar e

dando continuidade à luta contra as redes de tráfico humano; e que o futuro da UE passaria por uma maior

civilidade na gestão das migrações, constatando que a livre circulação e a gestão de fronteiras eram duas partes

do mesmo problema, sendo essencial providenciar as ferramentas necessárias para os migrantes. Reconheceu

que existiam interesses nacionais diferentes, mas defendeu que coletivamente se poderiam ultrapassar os

desafios das migrações, identificando o reforço do Espaço Schengen como uma das prioridades da Presidência

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francesa e apontando a nova agência europeia para asilo como um recurso importante. Por fim, observou que

gerir fluxos migratórios implicava o estabelecimento de parcerias com África e os Balcãs e a reconstrução da

relação bilateral com os britânicos.

Ms. Marlène Schiappa, Secretária de Estado para a Cidadania do Ministério do Interior da República

Francesa, iniciou a sua intervenção salientando que o diálogo entre parlamentos de diferentes países fazia parte

da democracia europeia, congratulando a iniciativa e o tema escolhido. Pronunciou-se, de seguida, sobre a

guerra na Ucrânia e a urgência em assegurar assistência para as pessoas deslocadas, referindo que a UE se

tinha esforçado para dar resposta, desde logo através da ativação do Mecanismo de preparação para a migração

e gestão de crises migratórias, um mecanismo de proteção temporária que permite a milhares de pessoas

receber abrigo, encontrar trabalho e circular, felicitando os países pela sua rápida ativação. Enalteceu a ação

da Polónia e referiu que a França tinha já acolhido 8 mil pessoas, destacando uma onda de solidariedade

significativa por parte dos cidadãos. Constatou que esta era uma situação nova e que implicou inovação,

assinalando a importância de uma melhor coordenação entre Estados-Membros de forma a assegurar uma

resposta rápida de forma coletiva. Aludiu ao trabalho das ONG contra abusos sexuais e tráfico de pessoas,

sublinhando que esse combate era um desafio europeu. No que toca às prioridades da Presidência francesa,

apontou a reforma do Espaço Schengen, referindo que teria lugar a reunião de um primeiro Conselho para

avaliar as necessidades de melhoria do mecanismo, tendo em vista uma gestão mais eficiente e um controlo

mais forte das fronteiras contra a instrumentalização da migração. Identificou como outra prioridade a reforma

da política de migrações e asilo, referindo que a França acolhia a proposta de setembro de 2020 da Comissão

Europeia. Alertou para o problema da migração ilegal, constatando que o fardo do acolhimento não era

igualitariamente distribuído, razão pela qual a França propusera o estabelecimento de procedimentos robustos.

No sentido da introdução de melhorias, referiu que a França propunha um pacto gradual, esperando alcançar

acordo político no final de junho. Concluiu referindo que, no âmbito das migrações, tinham que ser encontradas

soluções a nível europeu e que esta crise europeia deveria servir de inspiração para o futuro pois estavam em

causa pessoas e partilhou a história de uma mãe que carregou ao colo a filha de 10 anos para atravessar a

fronteira em estado de exaustão, desejando que as sessões de trabalho subsequentes fossem produtivas.

Mr. Mathias Cormann, Secretário-Geral da OCDE, assinalou os anos difíceis marcados pela pandemia e,

mais recentemente, pelas atrocidades cometidas na Ucrânia. Observou que compaixão, generosidade e boa

vontade vinham sendo um padrão pela Europa fora no acolhimento aos refugiados. Apontou que mais de 5

milhões de ucranianos tinham fugido e que se estava perante o maior fluxo migratório desde a Segunda Guerra

Mundial, o que requeria uma enorme solidariedade internacional, desempenhando os vários países diferentes

papéis e observando que eram principalmente os países fronteiriços que mais esforços despendiam para dar

resposta. Transmitiu que a OCDE organizou um grupo de apoio em Varsóvia para articular respostas às

necessidades provocadas pela guerra, no âmbito do qual se constatou a rapidez e o volume de apoio a ser

prestado, apoio esse necessário e sem precedentes e saudou a decisão de concessão de fundos para ajudar

os refugiados, em mais de 6 milhões de euros. Congratulou também o Conselho Europeu pelos fundos

dispensados e pela ativação da medida excecional de concessão de apoio a ucranianos permitindo-lhes, durante

três anos, o acesso ao sistema de saúde, segurança social, mercado de trabalho e outros serviços essenciais.

Considerou que se aprendera significativamente com a crise de migração síria, trazendo a crise de migração

ucraniana novos desafios, nomeadamente no que tocava à mobilidade no Espaço Schengen e à demografia nos

refugiados – no caso da Ucrânia, tratava-se sobretudo de mulheres e crianças que têm necessidades especiais

– o ensino de línguas e o acesso ao mercado de trabalho através do reconhecimento das suas qualificações.

Alertou para o facto de aquela crise não ser temporária e não haver perceção de quanto tempo durará, frisando

a necessidade de encontrar respostas a longo prazo. Aludiu à ação da França a esse nível, notando que esta

tinha um enquadramento jurídico forte para acolhimento de refugiados, mas que ainda assim era necessário

reforçar as medidas de integração, atuar a um nível interministerial e em articulação com as organizações de

trabalho de poder local e fortalecer a ligação com comunidades locais e organizações não governamentais.

Reiterou que a guerra na Ucrânia afetava o Estado de direito, a democracia e os direitos humanos e que era

essencial integrar os refugiados ucranianos com dignidade.

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1.ª Sessão – «As lições a retirar, no contexto da guerra na Ucrânia, sete anos após a crise de

migrações de 2015»

Ao Sr. François-Nöel Buffet coube a moderação da primeira sessão tendo, após a apresentação do tema e

da metodologia seguidos, dado a palavra à primeira convidada.

A Sr.ª Yaël Braun-Pivet começou por assinalar que havia lições importantes a retirar da crise na Ucrânia.

Lembrou a crise da Síria e as 200 mil pessoas afogadas na costa grega. Apresentou dados estatísticos sobre

fluxos migratórios, demonstrando a sua dimensão e a dos pedidos de asilo e notando que estes geram diferentes

reações: solidariedade, por um lado; rejeição, por outro. Ilustrou as insuficiências do Regulamento de Dublin,

segundo o qual apenas um Estado é responsável pelos processos de pedido de asilo; normalmente o país de

entrada, criando sobre este um esforço pouco sustentável e não tendo em consideração as intenções dos

requerentes de asilo. Lembrou que, em 2015, a Comissão Europeia levou à votação um sistema de redistribuição

atendendo à situação económica e demográfica do país, o qual não teve aplicação prática por falta de adesão

de vários Estados e que, em 2016, se celebrou um acordo com a Turquia no sentido do reforço do sistema de

vigilância como forma de dissuadir a migração, tendo, mais recentemente, a Comissão Europeia apresentado

uma proposta para um novo pacto de asilo e migração no sentido de se partilharem responsabilidades. Aludiu

às prioridades da Presidência francesa e, reportando-se ao atual contexto de guerra e às ameaças à segurança

na Europa decorrentes da agressão russa, salientou a necessidade de uma resposta forte com sanções à Rússia

e ajuda militar e financeira à Ucrânia. Sublinhou que esta era a maior crise de refugiados desde a Segunda

Guerra Mundial e que muitas pessoas procuravam proteção nos Estados-Membros, elogiando a rápida ativação

pelo Conselho Europeu do mecanismo de proteção temporária, o qual foi ativado pela primeira vez, explicando

em que consistia. Agradeceu aos Estados-Membros que acolheram a maior parte dos refugiados,

principalmente, a Polónia, a Roménia, a Eslováquia e a Hungria, dando nota dos apoios prestados também pela

França. Constatou que a União Europeia tinha sido capaz de alcançar soluções temporárias eficientes, mas que

o modelo de solução a longo prazo ainda tinha que ser revisto.

A Sr.ª Monique Pariat, Diretora-Geral do Diretorado das Migrações e Assuntos Internos, referiu que era um

enorme prazer estar presente e dar o seu contributo para os trabalhos. Afirmou que a crise das migrações nos

Balcãs, no canal britânico, na fronteira com a Bielorrússia e naquele momento, a crise na Ucrânia, eram

ilustrativas dos desafios das migrações e das políticas de migração que a União Europeia tinha de enfrentar.

Questionou-se sobre qual seria a definição comum de migração, já que aquele era um campo complexo que

envolvia várias facetas, como a migração ilegal, a migração para trabalhar ou recuperar laços familiares, a

distinção entre migrante económico e refugiado, bem como diferentes escalas, pelo que considerou importante

estabelecer uma política europeia genuína a propósito da migração. Observou que a política de migração estava

pensada para gerir de forma desestruturada e antiquada os fluxos migratórios que vinham ter à UE em conjunção

com países terceiros. Reconheceu que, desde 2015, houve progresso significativo ao nível da melhoria da

compreensão das situações e da capacidade de gestão de crises, nomeadamente através do network blueprint,

o qual, por exemplo, no que tocava à situação vivida na Ucrânia, permitia obter relatórios diários para perceber

o que se passava no terreno, permitindo, assim, ativar mais cedo e de modo mais efetivo o apoio necessário.

Referiu que foram assegurados recursos financeiros adicionais para a gestão das fronteiras, aos quais se somou

o fundo para segurança europeia. Assinalou o aumento de recursos de agências europeias, como o Frontex e

a Agência Europeia para o Asilo observando, por outro lado, que carecia de melhoria a relação com países de

origem e de trânsito. Frisou a essencialidade de se alcançar uma frente europeia baseada na solidariedade,

distribuindo-se o encargo de acolhimento de refugiados e sendo necessário um equilíbrio entre responsabilidade

e solidariedade. Apontou que o Regulamento de Dublin gerava principalmente responsabilidade sobre os países

de entrada e aludiu a questões complicadas como a dos migrantes salvos no mar grego, entendendo que a

responsabilidade não pode recair apenas sobre os países onde estes chegam, sendo evidente que tinha que

haver genuína solidariedade como forma de dar resposta a estas situações. Reforçou a importância de existirem

mecanismos de solidariedade e regulação adicional para responder a crises e circunstâncias excecionais,

considerando que todos os Estados-Membros deveriam estar habilitados a prestar e assegurar asilo. Referiu

que foi lançada uma plataforma de solidariedade imediata a propósito da Ucrânia, citando-a como um bom

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exemplo de coordenação entre países. Partilhou que o novo pacto resulta de situações complicadas e de

negociações difíceis, salientando que o alinhamento político era crucial para evitar divergências e a importância

de os parlamentos nacionais trabalharem em conjunto com a Comissão Europeia uma base abrangente para

que se alcançasse progresso material. Finalizou, convidando os representantes dos parlamentos nacionais a

encorajar os seus colegas para chegarem a um acordo.

De seguida, usou da palavra o Sr. Marco Minniti, Ministro do Interior italiano e Presidente da Fundação Med-

Or, que agradeceu o convite e felicitou a iniciativa que considerou comportar uma mensagem importante para

todos os países europeus, e expressou o seu voto de esperança de que aquela fosse uma intensa discussão e

chegasse a outros países, pois era necessária uma resposta europeia a um desafio sem precedentes.

Considerou como históricas a solidariedade e a resposta demonstradas pela Europa, entendendo que os

agressores não a esperavam. Alertou para o facto de a guerra na Ucrânia estar a causar uma crise de comida

no resto no mundo, especialmente em África, e, consequentemente, para a urgência da criação de corredores

para a Ucrânia, por existir o risco sério de faltar comida no Norte de África, o que geraria tensão social,

recordando os acontecimentos de 2011. Considerou que se não se agisse, gerar-se-ia uma enorme crise

humanitária, pois existiria uma crise na Ucrânia e em África. Lembrou que a migração tem sido usada como uma

arma geopolítica e que situações desta natureza tinham que ser enfrentadas a todo o tempo, tratando-se de

uma corrida contra o tempo já que as migrações não podiam ser canceladas e as democracias tinham que gerir

os fluxos migratórios. Apontou a necessidade de uma política europeia para África, frisando que não se podia

abandonar aquela parte do mundo e que era preciso agir imediatamente através de um plano económico para

os países do norte africano que lhes permitisse enfrentar a crise de comida, eliminando a tensão social, e

ajudando ao crescimento económico e à prosperidade, bem como o tráfico de pessoas e refugiados, criando

corredores humanitários, ajudando com uma solução legal. Rematou referindo que não ajudar África constituía

a violação de vários princípios de direito internacional. Frisou que era imperativo mudar a dimensão interna da

Europa e do Regulamento de Dublin, pois este não cumpria os seus objetivos e que para tal era necessário

mudar a dimensão externa, lidando com os problemas em África; de outra forma esses fluxos chegariam sem

controlo à Europa, o que seria muito mais complicado de gerir e criaria divisões internas. Considerou que, dessa

forma e tendo em consideração as razões de todos os países, teríamos as condições necessárias para construir

um mecanismo estável. Concluiu referindo que existiam dois tipos de sentimentos que se manifestam a propósito

deste tema: por um lado, o da solidariedade; e por outro, o da segurança, notando que havia uma parte que

queria mostrar solidariedade, mas outra parte queria garantir segurança e que não podia existir um sem o outro,

sendo difícil conciliar estes dois aspetos, mas considerando isso fundamental e a razão pela qual a União

Europeia foi criada.

Aberto o período de debate, os parlamentos nacionais suscitaram sobretudo questões relacionadas com o

mecanismo de proteção temporária e o acesso à acomodação, serviços, educação e trabalho; os mecanismos

de redistribuição e partilha de recursos; a integração e ensino de línguas; a necessidade de revisão do

Regulamento de Dublin; a atribuição de fundos para garantir ajuda comunitária; a garantia de direito de

residência a longo prazo; a proteção internacional e controlo nas fronteiras e o esforço dos países fronteiriços

com a Ucrânia, tendo sido destacada a ação da Roménia, dado os compromissos assumidos a nível europeu;

a preservação do sentido de dignidade dos refugiados; a importância de uma política migratória que tenha no

centro a pessoa, a defesa dos direitos humanos e a necessidade de criar corredores humanitários; a distinção

entre refugiados e migrantes; a necessidade de uma resposta coerente da UE; a questão climática como causa

de uma futura crise migratória; a crise no Norte de África; a gestão de fluxos migratórios; a prestação de

assistência médica nas fronteiras; a migração ilegal; os salvamentos marítimos e a ação dos navios portugueses

no Mediterrâneo; o combate a políticas de discriminação, de duplos standards em função da origem e de

xenofobia entre migrantes; a consideração de fatores de género; a necessidade de uma política comum de asilo

por oposição a soluções à la carte; o uso da migração como instrumento geopolítico; o envolvimento da

comunidade civil, tendo Portugal sido citado como exemplo da promoção do envolvimento local; a ação do

Frontex e, ainda, a garantia da liberdade de circulação e da circulação intelectual como Erasmus.

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Após as intervenções de 28 representantes dos parlamentos nacionais, o Sr. François-Noël Buffet devolveu

a palavra aos convidados para uma intervenção final.

A Sr.ª Monique Pariat agradeceu as partilhas que davam conta das diferentes posições nacionais e

dificuldades sentidas clarificando, a propósito da Ucrânia, que o mecanismo de proteção temporária concede

uma proteção equivalente ao asilo, não estando dependente de um processo e lembrando o objetivo da

plataforma de solidariedade de registo conjunto dos cidadãos deslocados com acesso a proteção temporária,

de forma a que estes possam ser localizados rapidamente, especialmente num contexto de tráfico humano e

rapto. A propósito do apoio nacional, referiu que seriam concedidos 4 milhões de euros em fundos para asilo e

migração aos países da linha da frente, prestando a estes – Chéquia, Estónia, Polónia, Roménia, Moldávia – o

seu profundo agradecimento por tudo o que tinham feito.

O Sr. Marco Minniti referiu que o debate demonstrou algo muito importante que se prendia com o facto de

haver diferentes posições de diferentes países, mas ainda assim existir um sentimento comum de solidariedade.

Reiterou que existiam desafios complexos com que lidar, pois estávamos perante uma guerra que poderia durar

muito tempo e existia um perigo iminente na África do Norte associado ao tema da crise alimentar, urgindo atuar

para travar uma tensão social dramática em África. Expressou o seu contentamento com o sistema de

solidariedade na Europa mas salientou que era imperativo permanecerem atentos pois, se viesse um fluxo

significativo de África, esse mecanismo ficaria comprometido. Partilhou que estava preocupado e que por isso

insistia na necessidade de se discutir um pacto com os países do Norte de África, questionando a concessão

de fundos à Turquia, a qual tinha dificuldades em articular-se com a Tunísia ou Marrocos, e a falta de assistência

ao Norte de África.

2.ª Sessão – «As medidas a adotar para controlo das fronteiras externas»

A moderação da segunda sessão ficou a cargo da Sr.ª Yaël Braun-Pivet que iniciou os trabalhos,

apresentando os oradores e dando algumas notas sobre o tema e a metodologia a seguir.

Interveio no debate a Sr.ª Deputada Romualda Fernandes:

«Sr. Presidente, Sr.as e Srs., é uma honra para mim participar nesta admirável conferência. A Assembleia

da República portuguesa congratulou o Conselho da União Europeia pela celeridade na decisão, a 4 de

março, de forma unânime, de ativação do mecanismo de proteção temporária, a propósito do fluxo massivo

de refugiados da Ucrânia. O Governo português, no quadro da legislação nacional, aprovou uma resolução

em Conselho de Ministros, para definir os critérios específicos para implementar proteção temporária para as

pessoas deslocadas no seguimento da guerra da Ucrânia. Este mecanismo para receção de refugiados

permite-nos ter uma integração rápida e simplificada, munindo os cidadãos refugiados dos documentos

necessários para terem acesso a direitos fundamentais, tais como assistência médica, serviços públicos,

educação, ensino da língua portuguesa e integração no mercado de trabalho. Atualmente há cerca de 306

mil pedidos de proteção temporária, a maioria deles de mulheres, 30 % de crianças menores de 18 anos e

61 % de trabalhadores. O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras criou uma plataforma online para gestão

desses pedidos. Num curto prazo, conseguimos implementar um serviço que permite com facilidade acolher

os cidadãos deslocados. Não há razão para que não possamos integrar outros refugiados e pessoas

deslocadas, sejam eles de que nacionalidade forem. Todos eles merecem o mesmo tratamento humano. Sr.

Presidente, acabei de citar a Ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares portuguesa. Para terminar,

desejamos que haja disponibilidade para aplicar o acordo e que o princípio da solidariedade seja obrigatório

por um lado, mas flexível por outro, de forma a poder gerir as dificuldades enfrentadas. Acreditamos que

temos que implementar um pacto global de migrações que se aplique nos diferentes países.»

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Seguiu-se a intervenção do Sr. François-Nöel Buffet,que fezo enquadramento da segunda sessão de

discussão sobre as ações que podem ser levadas a cabo para controlo das fronteiras externas. Afirmou que o

controlo externo das fronteiras era um pré-requisito crucial de qualquer política de migração, notando que a

eficiência dos procedimentos de receção e integração dependiam diretamente da habilidade de controlo de

quem entra e circula no solo europeu e que a migração ilegal comprometia tais procedimentos. Apontou que um

controlo inadequado de fronteiras gerava insegurança e exposição a perigos como o terrorismo e salientou a

dificuldade de a Europa responder à migração ilegal. Notou que, durante a pandemia, as fronteiras foram

fechadas mas que, não obstante, a migração ilegal tinha aumentado. Identificou a rota do Mediterrâneo como a

principal rota de entrada na Europa e constatou que o controlo inadequado das fronteiras era especialmente

visível em tempos de crise, como a crise de 2015 decorrente do conflito sírio, enumerando como pontos de

bloqueio a pressão exercida sobre os operadores de receção, a falta de equipamento, as diferenças entre os

Estados-Membros e a necessidade de reformas. Salientou a necessidade de se lidar com a inadequação

estrutural na gestão de fronteiras, partilhando alguns dados estatísticos. Aludiu à política francesa sobre

migração, observando que os resultados do relatório da Comissão eram inequívocos e concluindo que apenas

uma abordagem europeia permitiria ultrapassar os constrangimentos sentidos a nível nacional. Frisou a

importância de garantir apoio policial nas áreas marítimas e portuárias, bem como de munir as agências de mais

recursos e maiores orçamentos para melhor controlar as fronteiras e considerou interessantes os instrumentos

a introduzir pelo Novo Pacto sobre Migração e Asilo, referindo-se aos procedimentos de filtragem e atribuição

de asilo nas fronteiras. Salientou a crucialidade de estabelecer parcerias com os países de origem e de fomentar

o desenvolvimento económico nessas áreas, deixando como nota final que cabia a cada Estado-Membro refletir

sobre a melhor forma de gerir as respetivas fronteiras.

A Sr.ª Monique Pariat, por sua vez, começou por lembrar que a necessidade de policiar as fronteiras

externas da UE e de adotar políticas de asilo se prendia com o objetivo de construir a maior área de livre

circulação – o Espaço Schengen, o qual, enquanto fator de desenvolvimento económico da UE e, principalmente,

de paz, carecia de proteção. Observou que a proteção das fronteiras externas requeria consenso e constituía

um pilar do pacto de asilo e migração, devendo ser uma responsabilidade partilhada. Aludiu ao papel do Frontex,

o qual se tinha transformado numa agência de controlo de fronteiras, cujos recursos e orçamento tinham sido

reforçados, operando em várias frentes, e saudou o acordo que fora alcançado para ativar a proteção das

fronteiras da Moldávia e da Ucrânia. Considerou que gerir fronteiras implicava a implementação de sistemas

interoperáveis e o equipamento da UE com sistemas modernos para controlo de fronteiras, dando o exemplo do

sistema de IT Schengen, que permitia verificar se um indivíduo estava a atravessar a fronteira e se representava

um perigo de segurança, partilhando que estava a ser desenvolvido um sistema de entrada e saída de

indivíduos, de forma a registar os seus fluxos, bem como um sistema para rastrear pessoas que não careciam

de visto. Frisou a essencialidade de estes sistemas serem interoperáveis, implicando o compromisso dos

Estados-Membros, bem como a necessidade de garantir a não divulgação de informações e a obtenção de

intelligence fiável. Transmitiu que para harmonizar práticas na gestão das fronteiras tinham recomendado a

adoção de legislação que permitisse identificar todas as pessoas que atravessavam fronteiras sem autorização.

Observou que a adoção desta estrutura implicava confiança mútua, dando conta da intenção de reformar o

Protocolo de Avaliação do Controlo do Espaço Schengen, bem como de rever o Código Schengen e a

Convenção de Prüm. Partilhou algumas preocupações relacionadas com a defesa dos direitos fundamentais

expostas por organizações não governamentais e a intenção de adotar mecanismos de controlo independentes

e transparentes. Referiu-se ainda ao combate à imigração ilegal e ao tráfico de pessoas, aludindo aos

procedimentos de concessão de asilo e à política europeia de retorno. Por fim, apontou a importância de

melhorar a coordenação através de planos de ação com países terceiros – como a Tunísia, Líbia, Bosnia-

Herzegovina, países do Norte de África – que tenham em conta os interesses de ambos os lados, concluindo

que as políticas de migração só poderiam ser bem-sucedidas se houvesse boas relações e boa cooperação.

O Sr. Claude D’Harcourt destacou os aspetos essenciais para França a propósito das medidas tinham de

ser adotadas para gerir as fronteiras, lembrando que as fronteiras garantiam a diversidade do mundo, pois, na

sua ausência, existiam muros e apontou como questão saber se seriam capazes de construir fronteiras

inteligentes. Referiu o aumento do número de pedidos de asilo em França nos últimos anos e, constatando que

o reforço do controlo das fronteiras era a outra face da liberdade de circulação nessa área comum, manifestou

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que suportava as propostas da Comissão para rever as regras do acordo de Schengen no sentido de proteger

a segurança pública e combater a imigração ilegal. De seguida, enumerou quatro pontos a propósito do Novo

Pacto para a Migração e Asilo: o primeiro, sobre o problema de confiança entre os Estados-Membros e adoção

de um mecanismo de solidariedade; o segundo, sobre a importância de mecanismos de triagem, apontando as

ferramentas de informação tecnológica como fundamentais para controlar tempos de estadia; o terceiro,

relacionado com a interoperabilidade dos sistemas e a necessidade de reconciliar forças e controlos tendo em

vista a circulação fluída, nomeadamente adotando medidas de verificação nas fronteiras como cabines de pré-

registo; e o quarto, quanto à credibilidade na gestão das migrações, implicando reflexão quanto à readmissão

de vistos, ao investimento em desenvolvimento e à liberdade de comércio. Concluiu, referindo que era importante

encarar a conferência como uma oportunidade para dar os primeiros passos para a adoção do pacto e preparar

a reunião do Conselho em junho.

Aberto o período de debate, os parlamentos nacionais suscitaram sobretudo questões relacionadas com os

fluxos de migração no Mediterrâneo; um novo acordo para África; o reforço da Frontex; a criação de corredores

humanitários; o outsourcing do acolhimento de refugiados; a gestão e o controlo de fronteiras; as suas diferenças

e a responsabilidade coletiva; a reforma do Acordo de Dublin; as parcerias com países terceiros e o

estabelecimento de acordo EUA-Turquia; o aumento do número de pedidos de asilo e a proteção internacional;

o novo pacto de migração; a instrumentalização da migração, o tráfico de seres humanos e a proteção das

vítimas; a monitorização de atividades ilegais; a deportação; as causas da migração; o equipamento moderno e

treinamento de funcionários nas fronteiras; as plataformas de troca de informações e a garantia de condições

para entrada no mercado de trabalho e o respeito pelos direitos humanos.

Interveio no debate o Sr. Deputado Francisco César:

«Caros colegas, eu venho de uma região insular de Portugal, os Açores. Uma terra de imigrantes que desde

cedo foi e ainda é um ponto de contacto e de ligação entre o mundo velho e o novo. Venho de uma região

que é a fronteira mais ocidental da UE e, consequentemente, partilhamos uma história cheia de adversidade,

mas também, e sobretudo, cheia de solidariedade e de comunhão de princípios e valores em nome da paz

e bem-estar social em relação àqueles que vêm e ficam na nossa terra. É com base nesta consideração que

temos que, juntos, alcançar uma posição positiva e aberta relativamente à procura pelas instituições

europeias da construção de uma política comum de migração, asilo e controlo de fronteiras. Não nos

esquecemos que cada Estado-Membro (EM) tem as suas próprias particularidades e preocupações – que

nos enriquecem –, mas também não nos podemos esquecer de que a verdadeira essência e força da União

Europeia reside precisamente no facto de diferentes Estados-Membros respeitarem os mesmos direitos

fundamentais, defenderem valores e princípios comuns e procurarem harmonizar políticas mesmo em áreas

que são de competência nacional por excelência. A gestão integrada de fronteiras externas da UE, baseada

nos princípios da solidariedade e igual partilha de responsabilidades entre EM é, portanto, também

inseparável destas premissas e é indispensável para a política de segurança da UE, para a política de

migração e para o sentimento dos cidadãos de pertença a um espaço comum. Para que isto aconteça,

precisamos de uma efetiva troca de informação, análise conjunta de risco, operações conjuntas e o uso

partilhado de recursos nacionais e europeus, com a mais recente tecnologia, articulação de medidas nos

países terceiros, nomeadamente sobre política comum de vistos. Mas também precisamos de construir

consensos entre os EM relativamente a vários aspetos do Novo Pacto para a Migração e Asilo, que

representa um novo e melhor mecanismo para o controlo externo de fronteiras. Além de todas as

possibilidades de articulação legal e do Frontex, no que respeita à gestão das fronteiras externas da UE,

uma das soluções que tem sido sugerida e representa um desafio para a União – com efeitos que são

verdadeiramente sustentáveis e estruturantes – é o estabelecimento paralelo de parcerias e apoio direto aos

países de origem para que tenham condições para melhorar o desenvolvimento socioeconómico e, dessa

forma, reduzirem o fluxo migratório. Vou concluir, reafirmando o nosso compromisso com as políticas

europeias nesta área e com a solidariedade e ajuda a todos os refugiados e migrantes nestas condições de

proteção e de vulnerabilidade.»

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Em resposta às questões colocadas e aos comentários dos representantes dos Estados-Membros, Claude

D’Harcourt saudou o debate, que considerou de valor crucial, e a partilha saudável de posições que não iam

necessariamente na mesma direção e o esforço para se encontrar um ponto de equilíbrio. Identificou como

pontos a ter em consideração o acesso ao mercado de trabalho, a segurança na circulação, a concessão de

asilo e o respeito pelo direito europeu e internacional. Referiu que a França tinha procurado fazer a sua parte e

reconheceu que o Chipre sofria maior pressão. Salientou a necessidade de um clima de confiança para que o

acolhimento e a proteção temporária corressem bem, traçando como objetivo a celebração de uma declaração

oficial de solidariedade.

A Sr.ª Monique Pariat afirmou subscrever as palavras do Sr. D’Harcourt e teceu algumas considerações

sobre a Frontex, por um lado recordando como surgiu e foi construída a agência e reconhecendo as suas

dificuldades, por outro enfatizando a sua importância e observando que a demissão do diretor tinha apenas que

ver com uma questão de conduta pessoal. Salientou que a proteção de fronteiras tinha que ter em consideração

a defesa de direitos fundamentais e o respeito pelas obrigações internacionais assumidas pelos EM, notando

que esta era uma área litigiosa e entendendo que seria melhor investir em recursos mais sofisticados, como

equipamento de deteção termodinâmico, que garantisse a integridade das pessoas que tentassem cruzar as

fronteiras, reiterando que as fronteiras físicas não eram exequíveis, não sendo possível assegurá-las a cem por

cento. Concluiu, partilhando que a Comissão sustentava que o necessário era destruir muros e não construí-los.

A Sr.ª Presidente da Comissão de Leis Constitucionais, de Legislação e da Administração Geral da

Assembleia Nacional francesa, Yaël Braun-Pivet, agradeceu a presença de todos e a qualidade do diálogo

estabelecido, observando que este demonstrou a complexidade do tema e salientando a importância de uma

abordagem conjunta com contributos de todos os EM. Partilhou duas convicções, a primeira relacionada com a

legitimidade dos EM para proteger as suas fronteiras, tendo presentes as diferentes experiências entre EM, e a

segunda, com um sentimento de urgência, quanto à gestão dos fluxos de migração e a necessidade de uma

política comum.

O Presidente da Comissão de Leis Constitucionais, de Legislação, do Sufrágio Universal e do Regulamento

de Administração Geral do Senado francês, Mr. François-Nöel Buffet, encerrou o debate, partilhando que a

reunião tinha sido muito produtiva, trazendo à luz múltiplas questões e vários interesses que poderiam parecer

Interveio no debate o Sr. Deputado Paulo Moniz:

«Obrigado, Sr.ª Presidente, caros colegas, Sr.as e Srs., quero, em primeiro lugar, enfatizar que o Presidente

Macron tem o privilégio de rever o Sistema Schengen, o que do nosso ponto de vista, é bastante oportuno. Se

bem nos lembramos, um dos problemas que todos vivemos foi a ausência de uma resposta uniformizada

durante a crise pandémica quanto à gestão das fronteiras; alguns países fecharam as fronteiras, outros não e

não se percebeu a existência de uma política comum e aceite de modo generalizado nessa matéria. O segundo

ponto que gostava de apontar, e ao qual me referi na Conferência sobre o Futuro da Europa, tem a ver com o

Schengen Digital. Temos que tentar entender e alcançar uma abordagem diferente relativamente ao chamado

Schengen Digital. As nossas fronteiras digitais estão a ser atacadas. A guerra na Ucrânia demonstra isso

claramente e nós, todos juntos, temos que perceber isso e construir uma política comum que nos proteja a

todos e que proteja a democracia dos ataques externos que chegam às nossas fronteiras digitais. Isto é algo

que não está no centro da discussão, mas tem de estar. Não estamos apenas a enfrentar ameaças tradicionais

e convencionais, estamos a enfrentar ameaças digitais que, atuando silenciosamente, são mais agressivas e

têm efeitos muito profundos na corrosão da nossa democracia e valores europeus. Por fim, eu venho dos

Açores, que é o último paraíso na Terra, e duas das nossas ilhas – Flores e Corvo – sendo as mais ocidentais

da Europa, nessas ilhas não temos controlo fronteiriço, o que significa que os barcos que chegam a estas ilhas

não são controlados de forma nenhuma. Já alertámos a União Europeia para esta falha e enfatizamos,

novamente, a necessidade de criar em todas as ilhas esse controlo que é difícil de conseguir devido à

dispersão das ilhas.»

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contraditórios, mas podiam ser alinhados. Lembrou que por trás dos desafios migratórios estavam homens,

mulheres e crianças que muitas vezes tentavam escapar de situações de pobreza e que enfrentavam perigos

na trajetória em busca de melhores condições de vida. Salientou a importância da definição de um

enquadramento comum para proteger eficientemente as fronteiras sem sacrificar os valores europeus,

considerando que chegara o tempo para que UE se munisse das necessárias ferramentas legais. Agradeceu a

participação de todos e desejou um bom regresso, bem como felicidades à Presidência checa.

Assembleia da República, 16 de maio de 2022.

A Chefe da Delegação,

(Romualda Fernandes)

Membro da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias

———

DELEGAÇÃO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA

RELATÓRIO DA PARTICIPAÇÃO DE UMA DELEGAÇÃO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA NA

REUNIÃO INTERPARLAMENTAR SOBRE «JURISDIÇÃO UNIVERSAL – MELHORAR A

RESPONSABILIZAÇÃO PELOS CRIMES INTERNACIONAIS GRAVES», QUE DECORREU EM

BRUXELAS, NO PASSADO DIA 28 DE NOVEMBRO DE 2022, POR VIDEOCONFERÊNCIA

Da agenda da reunião, dedicada ao tema «Jurisdição Universal – melhorar a responsabilização pelos crimes

internacionais graves», constavam os seguintes pontos:

– Sessão de abertura

Maria ARENA, Presidente da Subcomissão para os Direitos Humanos (DROI), agradeceu a presença dos

colegas dos parlamentos nacionais e apresentou o painel de oradores para debate deste tema.

A Delegação da Assembleia da República integrou os seguintes Deputados:

– Deputada Cláudia Santos (PS), Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e

Garantias – chefe da Delegação

– Deputada Patrícia Gilvaz (IL), Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias

– Deputado Pedro Cegonho (PS), Comissão de Assuntos Europeus

– Deputado Bruno Nunes (CH), Comissão de Assuntos Europeus

A assessoria foi prestada por Catarina Ribeiro Lopes, Representante da Assembleia da República junto

das instituições da União Europeia, e pelas equipas da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos,

Liberdades e Garantias e da Comissão de Assuntos Europeus.

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– Intervenções

Gabija GRIGAITĖ-DAUGIRDĖ, Ministra Adjunta do Ministério da Justiça da Lituânia, começou por felicitar o

Parlamento Europeu (PE) pelo reconhecimento da Rússia como um Estado patrocinador de terrorismo, assim

como o apoio nos esforços para levar a tribunal todos os crimes que estão a ser cometidos na Ucrânia e que

demonstram a importância da jurisdição universal. Referiu as investigações ao nível do Tribunal Penal

Internacional (TPI), bem como as falhas entre a responsabilização e a impunidade na jurisdição universal e a

necessidade da sua inclusão nas jurisdições nacionais.

Por seu turno, Matevž PEZDIRC, Chefe do Secretariado da Rede Genocídio da UE da Eurojust, apresentou

a Rede Genocídio e os seus objetivos e principais atividades, dando nota de que 33 jurisdições nacionais estão

conectadas através desta rede. Foram ainda apresentados vários casos de sucesso no âmbito da jurisdição

universal em vários países, de que é exemplo o processo Koblenz.

Almudena BERNABÉU, cofundadora do Guernica Group, copresidente do Guernica 37 International Justice

Chambers, codiretora do G37 Despacho Internacional e diretora do Guernica Centre for International Justice,

procurou demonstrar como funcionaram as reformas da jurisdição universal em Espanha, reconhecendo a

competência universal e a competência dos tribunais espanhóis numa série de crimes. Ao longo dos anos, o

princípio sofreu diferentes limitações, sobretudo devido a pressões políticas. Explicou que foram assim impostos

requisitos de nexo, por exemplo, que limitavam a aplicação da jurisdição universal, como seja a necessidade de

o acusado possuir nacionalidade espanhola ou um vínculo com o país. A oradora apresentou ainda alguns casos

exemplificativos da aplicação do princípio em Espanha.

Seguiu-se a intervenção de Catherine MARCHI-UHEL, Chefe do International Impartial and Independent

Mechanism to Assist in the Investigation and Prosecution of Persons Responsible for the Most Serious Crimes

under International Law Committed in the Syrian Arab Republic since March 2011, dando nota do seu trabalho,

que inclui a análise de informação e partilha com os tribunais que podem ter jurisdição para crimes com base

nessa informação. Referiu o envio de mais de 200 pedidos de apoio em várias investigações e a sua colaboração

com a sociedade civil, organizações internacionais e Estados-Membros, possuindo mais de 2 milhões de

registos e apoiando vários casos, de que foi exemplo também o caso de Koblenz. Frisou o facto de a legislação

nacional poder ser um facilitador ou um obstáculo neste campo, a importância de mecanismos como o que

dirige, e o investimento na confiança no sistema com a criação de plataformas para o efeito e com adoção de

uma abordagem baseada na vítima para garantir uma justiça inclusiva (também com recurso a estratégias

temáticas específicas incluindo, sobretudo, os jovens). Terminou salientando a importância de criar centros de

informação e de provas, primeiro instrumento para poder responder a pedidos de apoio das jurisdições

competentes e de investir em tecnologia neste campo.

As intervenções terminaram com Andreas SCHÜLLER, Diretor do International Crimes and Accountability

Program do European Center for Constitutional and Human Rights (ECCHR), que deu nota da gravidade dos

crimes cometidos e que se procuram julgar com base na jurisdição universal, não tendo o TPI capacidade para

apreciar todos esses casos. Referiu a importância de proteger os sistemas, destacando o papel da Rede

Genocídio, da necessidade de cooperação e coordenação, também com as organizações não governamentais,

e dos trabalhos desenvolvidos no caso da Síria, assim como a abordagem centrada nas vítimas. Terminou com

a apresentação de boas práticas a adotar e lacunas a colmatar.

– Debate com os membros do Parlamento Europeu e dos parlamentos nacionais da UE

O debate iniciou-se com a intervenção do Deputado SANCHEZ-AMOR (PE), que voltou a referir a situação

em Espanha e o projeto que existe, na legislatura em curso, para reverter as alterações que foram feitas à

aplicação inicial do princípio da jurisdição universal. Sobre um possível tribunal especial para a situação da

Ucrânia, recordou que será necessário pensar que os mecanismos de justiça universal podem tratar este caso

e que a multiplicação de âmbitos judiciais sobre os mesmos crimes pode não ser benéfica. Ainda sobre este

tema, e especificamente sobre a Ucrânia, foi referido por parte do representante do Parlamento húngaro, que

foi iniciada uma análise da situação ucraniana e iniciadas investigações sobre crimes de guerra e crimes contra

a humanidade por parte da Hungria.

Foram frisados problemas com os recursos para uma efetiva participação dos Estados-Membros na jurisdição

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universal, nomeadamente no caso da Áustria, tendo em conta o número de processos recebidos, os refugiados

ucranianos no país e as alterações legislativas necessárias para garantir a aplicação do princípio, sobretudo

pelo facto de a jurisdição universal estar ligada à estadia da vítima (Selma YILDRIM, Parlamento da Áustria).

Sobre esta questão, também Maria Soraya RODRIGUEZ (PE) referiu a tendência geral de introdução de

princípios de territorialidade (da vítima e/ou do agressor) na jurisdição nacional, o que desvirtua a jurisdição

universal. Foram ainda abordados tópicos como a responsabilização de empresas no âmbito da jurisdição

universal (Heidi HAUTALA, PE), o trabalho da Rede Genocídio e os casos ocorridos em Myanmar e na Turquia,

as abordagens divergentes dos Estados-Membros quanto ao conceito de «crime universal», a situação no Irão

e a possibilidade de um processo semelhante ao da Síria e a referência a um mecanismo específico de

apuramento de factos nestas situações.

Foram também apresentadas experiências de diferentes Estados-Membros: a aplicação do princípio da

jurisdição universal por parte dos tribunais gregos e alemães, uma referência à iniciativa MLA (Mutual Legal

Assistance), tendo sido também referido que os processos são, por norma, pesados e os Estados mais

pequenos ou com menos recursos no sistema judicial não conseguem avançar, perguntando Hannah

NEUMANN (PE) se seria possível estabelecer cooperação entre Estados para partilha de processos. Foram

colocadas questões sobre a Rede Genocídio e o apoio às autoridades nacionais, o papel dos parlamentos

nacionais nesta sede, que recomendações pode o Parlamento Europeu fazer aos Estados-Membros quanto a

alterações no âmbito do direito penal nacional, como facilitar a acusação e torná-la realidade, como reforçar o

trabalho da Eurojust neste sentido e como manter um repositório de informação acessível a todos os Estados.

Interveio neste ponto a Deputada Cláudia Santos (PS), referindo que, quando se admite a jurisdição

universal, cada Estado se considera competente para julgar agentes de crimes que não têm qualquer conexão

com o seu território ou com o interesse nacional, e que, em Portugal, é respeitado o princípio da jurisdição

universal, reconhecendo a supranacionalidade de certos valores. Sobre os crimes relativos ao direito

internacional humanitário, como o genocídio e crimes de guerra, referiu que Portugal reconhece o princípio da

universalidade já desde 2004 e, indo para além disso, se considera competente para julgar ainda outros crimes

de que é exemplo a escravidão, o tráfico de pessoas, danos contra a natureza, poluição, corrupção, entre outros.

Salientou que Portugal reconhece ainda um princípio de aplicação supletiva, considerando-se competente para

julgar crimes praticados no estrangeiro, por estrangeiros, desde que os agentes sejam encontrados em Portugal

e não seja possível a extradição ou entrega a qualquer outro título. Referiu também a norma do Código Penal

que prevê que em Portugal se possam julgar crimes cometidos fora de Portugal, desde que essa competência

resulte de um tratado ou convenção internacional. Mencionou, em síntese, que Portugal foi já muito longe para

evitar conflitos negativos de competência e consequente impunidade. Terminou referindo que, recentemente,

através da alteração legislativa ocorrida no final de 2021 (Lei n.º 94/2021, de 21 de dezembro, no âmbito do

pacote anticorrupção), haviam sido incluídos todos os crimes de tráfico de influência e de corrupção no catálogo

de crimes em que vale o princípio da jurisdição universal.

No final do debate, os oradores iniciais teceram considerações finais, das quais se destaca a importância

atribuída às provas, e sobretudo à prova testemunhal, nos processos de jurisdição universal, relevância dos

mecanismos permanentes e dos repositórios no apoio às procuradorias nacionais (Andreas SCHÜLLER). Foi

ainda enfatizada a aplicação desigual da jurisdição universal entre Estados-Membros, tornando-se a missão

mais importante uniformizar esta aplicação, assim como manter as discussões a nível nacional e da UE,

aumentar a consciencialização sobre os direitos das vítimas, procurar recursos suficientes e compromissos

estruturados e partilhar informação em rede entre as autoridades nacionais e com as agências (Eurojust e

Europol), conforme referido por Matevž PEZDIRC.

– Conclusões

Maria ARENA, agradeceu a todos a presença, sugerindo que, no futuro, se pudesse elaborar um projeto de

recomendações no final da reunião para compilar as ideias e propostas dos vários parlamentos nacionais sobre

este tema.

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O registo vídeo da reunião encontra-se disponível aqui.

Assembleia da República, 18 de janeiro de 2023.

A Chefe da Delegação da Assembleia da República,

(Cláudia Santos)

A DIVISÃO DE REDAÇÃO.

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