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Quinta-feira, 16 de março de 2023 II Série-D — Número 45
XV LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2022-2023)
S U M Á R I O
Delegação da Assembleia da República:
Relatório da participação de uma Delegação da Assembleia da República no ciclo de reuniões denominadas Call for Action — Helsinki +50 Process — O papel da OSCE na resolução do conflito na Ucrânia e as suas consequências —, no âmbito da APOSCE, que teve lugar em Hofburg, Viena, no dia 22 de fevereiro de 2023.
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DELEGAÇÃO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA
RELATÓRIO DA PARTICIPAÇÃO DE UMA DELEGAÇÃO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA NO
CICLO DE REUNIÕES DENOMINADAS CALL FOR ACTION — HELSINKI +50 PROCESS — O PAPEL DA
OSCE NA RESOLUÇÃO DO CONFLITO NA UCRÂNIA E AS SUAS CONSEQUÊNCIAS —, NO ÂMBITO DA
APOSCE, QUE TEVE LUGAR EM HOFBURG, VIENA, NO DIA 22 DE FEVEREIRO DE 2023
A Delegação portuguesa esteve representada nesta reunião pela Deputada Paula Cardoso (PSD, Presidente
da Delegação), pelo Deputado Luís Graça (PS, Vice-Presidente da Delegação), pelos Deputados Marta Freitas
(PS), André Coelho Lima (PSD) e Susana Amador (PS), membros efetivos da Delegação, e pelo Deputado João
Azevedo Castro (PS, membro suplente da Delegação).
A Delegação foi acompanhada pela Dr.ª Ana Margarida Isidoro, Assessora Parlamentar.
Esta reunião, Call for Action — Helsinki +50, sobre a situação atual na OSCE e as perspetivas futuras para
a arquitetura de segurança europeia, teve lugar em Viena na véspera da Reunião de Inverno da Assembleia
Parlamentar da OSCE 2023.
Esta reunião faz parte do ciclo de reuniões denominadas Call for Action – Helsinki +50 Process – O papel da
OSCE na resolução do conflito na Ucrânia e as suas consequências, que estão a ter lugar após o início da
Guerra na Ucrânia e na sequência da Sessão de Inverno da APOSCE, que se realizou nos dias 24 e 25 de
fevereiro, da Reunião Extraordinária da Comissão Permanente, que teve lugar no dia 11 de março, e das
reuniões deste ciclo realizadas a 23 de março, 11 de maio e 22 de junho, bem assim como da Sessão Plenária
Anual, que se realizou de 2 a 6 de julho, e a Sessão de Outono, que se realizou de 22 a 24 de novembro.
Esta reunião foi a primeira onde os Membros dos diversos Parlamentos se encontraram pessoalmente e
reuniu membros da APOSCE, palestrantes especialistas e representantes de delegações de Viena para refletir
sobre o impacto do atual estado de coisas na região da OSCE e sobre possíveis cenários futuros.
Este encontro teve como objetivo relançar uma ampla reflexão dos Parlamentares sobre o papel da OSCE,
face à atual guerra na Ucrânia.
Nos comentários introdutórios, a Presidente da APOSCE, Margareta Cederfelt, salientou que esta guerra
ilegal viola os Princípios de Helsínquia e afeta profundamente a OSCE. Referiu que está satisfeita ao ver que
várias organizações estão unidas e a cooperação está a crescer em todo o mundo, mas também há Estados
que não aderiram. Há tensão geopolítica na OSCE, restrições de financiamento, falta de consenso, ameaça à
segurança cibernética, desinformação e propaganda, e as operações no campo estão constantemente sob
ameaça de serem encerradas. No entanto, também há partes que funcionam muito bem e é preciso continuar a
usar as ferramentas que temos como parlamentares para apoiar o trabalho da OSCE.
O Secretário-Geral da APOSCE, Roberto Montella, observou que a OSCE está a passar por um desafio
existencial, no qual se destaca a utilidade da organização.
O Embaixador Zannier, durante as apresentações dos oradores, apontou que o grande dilema que a
organização enfrenta tem a ver com o papel e a natureza da OSCE. A CSCE criou um espaço de diálogo entre
os inimigos, que a OSCE herdou. A organização operou em tempos difíceis, mas com base em regras e
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princípios acordados. Referiu que este momento é difícil porque essas regras não são seguidas, o que prejudica
o diálogo, deixando de ser construtivo. Em vez disso, é propaganda e palavras vazias, dificultando a tomada de
decisões. A questão agora é: «o que vem depois?»
A primeira oradora, Katarzyna Gardapkhadze, CEO da Responsible Leadership Academy, apresentou
quatro cenários plausíveis para a OSCE em 2025. Estes são baseados em duas incertezas críticas: a presença
ou ausência de consenso e diálogo. Estes são exemplos do que poderia ser a intenção de estimular a discussão
sobre o que a organização poderia fazer. Depende muito de quando e como termina a guerra de agressão da
Rússia contra a Ucrânia.
1. Casamento de conveniência — mantém a organização a funcionar, mas não consegue discutir assuntos
relevantes. Concordam com as etapas principais, fazem concessões silenciosas, por exemplo, o mínimo
denominador comum na eleição de quatro cargos-chave. Isso pode resultar em liderança fraca e significar que
a organização não tem impacto.
2. Zumbi — discutem, mas são incapazes de chegar a qualquer decisão nos níveis de PC (Conselho
Permanente da OSCE em Viena) e MC (Conselho de Ministros, organizado anualmente na capital do país que
tem a Presidência em Exercício da OSCE). Sem nomeação de quatro postos-chave, sem CiO (Presidente em
Exercício da OSCE) para 2024 e 2026, sem UB (orçamento unificado — contribuições anuais dos países
participantes da OSCE), sem FO (Operações no Terreno da OSCE) e sem HDIM (Reunião de Implementação
da Dimensão Humana, organizada anualmente pela ODIHR como uma plataforma para rever a implementação
dos compromissos da dimensão humana da OSCE). Pode haver alguns resultados a nível da atividade, mas
sem impacto político significativo.
3. O abismo — a Rússia não está mais envolvida em questões ou diálogos da OSCE e não há nenhuma
ideia de cooperação construtiva dos países ocidentais. Nenhuma decisão existencial da OSCE é tomada,
tornando a OSCE não funcional. Haveria anúncios não consensuais de «suspensão temporária» das atividades
da OSCE.
4. Phoenix — consenso em todas as decisões importantes e a OSCE atua como um intermediário bem-
sucedido de um acordo de paz entre a Rússia e a Ucrânia. Renovação do espírito da Ata Final de Helsínquia e
reflexão coletiva sobre a melhor forma de superar as deficiências organizacionais. Reputação mais forte da
OSCE como uma organização de segurança importante e impactante.
O segundo orador, Walter Kemp, da Iniciativa Global contra o Crime Organizado Transnacional,
observou que a cooperação pode ser uma reação ao conflito ou um esforço para evitá-lo. A segurança
cooperativa costuma ser mais uma aspiração do que um facto, com os países a procurar administrar as relações
de forma pacífica. A OSCE é composta por 57 países que não pensam da mesma forma. Há um lugar para a
segurança coletiva e cooperativa. A Rússia foi surpreendida pela resolução da Ucrânia, mas a questão é se
Putin se pode dar ao luxo de se retirar. Ucrânia e Rússia terão de encontrar uma maneira de viver juntas. Quanto
mais forte for a Ucrânia, mais a Rússia é forçada a cooperar. O dilema de segurança não resolvido resultou em
dois conflitos simultâneos: um, entre a Rússia e a Ucrânia; e outro, entre a Rússia e o Ocidente. Será difícil
resolver um sem o outro.
O trabalho da OSCE está quase paralisado com o conflito, mas a organização precisa de sobreviver. A chave
é manter as pessoas em redor da mesa, mesmo que não haja muito diálogo. Não basta analisar o conflito —
precisamos de ação para desescalar essa espiral perigosa.
Para aqueles que dizem que a Rússia deveria ser expulsa da OSCE, qual seria o diálogo adicional da OSCE
sem a Rússia? Para aqueles que dizem que não pode haver negócios como sempre, isso significa nenhum
negócio? Os que ainda acreditam na segurança cooperativa deveriam pensar em como será a Europa do pós-
guerra. Há uma necessidade premente de encontrar fórmulas criativas para um diálogo informal, com o
envolvimento de parlamentares e da sociedade civil.
O terceiro orador, Cornelius Friesendorf, Diretor do Instituto de Pesquisa para a Paz e Política de
Segurança da Universidade de Hamburgo sublinhou que o foco principal da sua intervenção é a questão da
suspensão da Rússia da OSCE.
Qualquer tentativa de suspender um Estado de uma organização internacional deve considerar onde as
vantagens da suspensão superam as desvantagens e se a suspensão é viável na prática.
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Vantagens:
• Pode fortalecer a credibilidade da organização, ao sinalizar que ela defende os seus princípios;
• Pode levantar bloqueios de decisão;
• Ameaçar um estado com suspensão pode induzir uma mudança de comportamento.
Desvantagens:
• Será difícil fazer com que o Estado cumpra os princípios da organização;
• Pode prejudicar a reputação da organização, ao sinalizar que ela falhou em socializar esse Estado;
• Priva os indivíduos desse Estado de quaisquer vantagens obtidas com a participação na organização;
• Impede a cooperação com o Estado suspenso em assuntos de interesse comum;
• O Estado infrator pode não retornar à organização mesmo após uma mudança de comportamento;
• Pode aumentar a pressão financeira sobre a organização se o Estado suspenso for um dos principais
contribuintes;
• A suspensão pode não ser praticamente viável porque:
o Estados aliados ao Estado infrator não podem apoiar a suspensão;
o Estados aliados também podem deixar a organização;
o O Estado suspenso pode usar aliados remanescentes na organização para bloquear decisões;
o A suspensão pode ser legalmente questionável quando não há decisões estatutárias para
suspensão;
o Levanta o problema da seletividade.
Se as vantagens superam as desvantagens depende da organização e do Estado que viola as regras.
Algumas alternativas à suspensão são:
• Uma suspensão parcial de direitos, com representantes excluídos de algumas atividades da
organização;
• Saídas;
• Utilizar a organização como um fórum onde o Estado infrator tem de explicar o seu comportamento,
protegendo a norma que está a ser violada;
• Criar coalizões com aliados de Estados infratores;
• Tomar decisões sem acordo dos Estados infratores.
O Deputado André Coelho Lima disse:
Um ou dois pensamentos que gostaria de partilhar convosco. Em primeiro lugar, é claro que a OSCE está
em crise, toda a gente o diz, mas devo dizer que é uma crise estranha. E porque é que eu penso que é uma
crise estranha? Porque creio que a principal função da OSCE deveria ser nestes momentos e não em momentos
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de paz. Quando estamos em paz não existe a mesma necessidade da OSCE. Quando não estamos em paz,
nós precisamos da OSCE. Por isso digo que acho estranho, é claramente uma crise, mas é uma crise estranha,
que tenho dificuldade em compreender.
De todo o modo, «crise», como resulta da etimologia da palavra, é também oportunidade, oportunidade de
seguir em frente, de talvez dar um passo atrás para poder em seguida dar dois passos em frente. Acho que este
é o nosso objetivo para esta Reunião de Inverno. Temos de aproveitar este momento de crise para tornar a
OSCE visível.
Existem mais argumentos que podem ser utilizados. Temos um conflito no meio da Europa e nós, países
europeus não estamos habituados a isso. Mas há também um pouco de hipocrisia nessa abordagem porque
nós temos muitos conflitos entre Estados-Membros da OSCE, durante todo o tempo de existência da OSCE;
esta guerra não é diferente, está apenas mais perto de nós, mas não é diferente. Porque é que este conflito está
a criar um problema dentro da nossa organização que os outros conflitos não criaram? Tenho alguma dificuldade
em compreender. Claro que eu sei a resposta, todos nós sabemos a resposta: está mais perto, está na televisão,
todos nos pressionam, mas nós não deveríamos perder a nossa objetividade na análise a este conflito. É um
conflito como muitos outros e acho que aquilo que a nossa organização se deveria perguntar é qual é o nosso
papel na resolução deste conflito, o que podemos fazer para o ajudar a resolver.
Gostaria de terminar com dois tópicos da sua intervenção (de Cornelius Friesendorf). O tópico de que
«partilhamos os mesmos valores» e o tópico do «respeito pela diversidade de valores». Porque são assuntos
completamente diferentes e me ajudam a exemplificar a mensagem que pretendo passar. Porque nós não
partilhámos os mesmos valores, isso é claro. E esse deve ser o nosso propósito fundamental: estar aqui sabendo
que representamos países muito diferentes, culturas muito diferentes e pontos de vista muito diferentes. E é isto
que deveríamos fazer, conseguir juntar pessoas e países muito diferentes e não pensar no romantismo de que
somos todos iguais, porque não somos todos iguais. E é suposto que assim seja! Essa diferença é uma
dificuldade? Creio que não, creio que é precisamente uma oportunidade e esse é que devia ser o nosso objetivo.
Houve um consenso de que a organização é necessária e que deverá manter-se. Um dos fatores-chave é o
«fazer fazendo», usando tudo o que está disponível para tratar de questões práticas concretas por meio de
coligações de vontade. Isso requer algumas medidas concretas para demonstrar o potencial da organização
para se envolver num ambiente politicamente dividido e deve levar a um maior envolvimento dos decisores
políticos no fortalecimento do apoio prático à OSCE, como seja o financiamento. Isso, por sua vez, requer
liderança forte e disposição para assumir alguns riscos por parte dos líderes da organização. Especificamente
na Ucrânia, observou-se que há coisas que outros fizeram, que a OSCE também deveria fazer para demonstrar
que pode desempenhar um papel útil e ativo no terreno.
Os participantes pediram recomendações práticas mais específicas, como um plano de ação para a OSCE.
Foi apresentado o novo Plano de Ação da APOSCE.
Foram apresentadas por um dos membros do painel as seguintes sugestões para acompanhamento:
1 – Criar um grupo de tamanho limitado (Parlamentares, delegações, especialistas/académicos,
sociedade civil) e investir num processo facilitado de preparação de cenários reais para o futuro da
OSCE. Esta é uma das ferramentas mais poderosas para preparar qualquer organização para um
futuro incerto, e um processo de planeamento de cenário geraria as perguntas certas e forneceria uma
variedade de respostas e opções de ação.
2 – Elaborar um pequeno documento sobre possíveis mecanismos de financiamento para a OSCE que
sejam estáveis, previsíveis, suficientes e livres de interferência política, e incentive os Parlamentares
a advogar junto dos seus governos a disponibilização desses mecanismos de financiamento.
3 – Construir coligações, incluindo diversos representantes da sociedade civil (um pouco como
assembleias de cidadãos?), que possam coletivamente apresentar ideias para possíveis maneiras de
renovar o espírito da Ata Final de Helsínquia no 50.º aniversário, a nível nacional e na APOSCE.
4 – Considerar reabrir uma discussão sobre uma possível «carta da OSCE» que incluiria um «menu de
sanções» no caso de algum País violar os princípios fundamentais da OSCE.
Outro membro do painel sugeriu, levando em consideração vários pontos levantados durante a discussão, o
seguinte plano de ação para a OSCE:
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1 – Precisamos encontrar CiO 2024 antes de junho. A liderança política da OSCE está com o presidente,
então precisamos de um.
2 – Precisamos de algum tipo de continuidade nos próximos anos. Entre a troica, pode haver uma agenda
ou roteiro para cooperação.
3 – Iniciar uma série de consultas informais sobre o futuro da segurança europeia, envolvendo a sociedade
civil e os académicos.
4 – Exceto pela expulsão, precisamos de criar algum tipo de caixa de penalidade onde um País é
temporariamente suspenso.
5 – A APOSCE pode relembrar que a OSCE existe e que a segurança cooperativa é importante.
6 – Precisamos de mais pontos de entrada para que as pessoas sejam ativas na OSCE.
7 – Não espere que a OSCE acabe com a guerra na Ucrânia, mas pode construir a paz depois.
8 – A OSCE precisa de ser mais utilizada para o diálogo e a construção de confiança.
Houve ainda uma reflexão sobre os cenários iniciais, argumentou-se que os cenários Zumbi ou Abismo são
bastante improváveis. É tudo sobre como manter a vitalidade da OSCE, embora haja um risco bastante alto de
morte organizacional.
Existem muitas condições dentro da OSCE que são favoráveis à sobrevivência, como a ampla adesão, o
tamanho das estruturas e instituições, etc. O cenário de Phoenix pode ser excessivamente otimista, então será
necessária concentração para a sobrevivência e para a manutenção da OSCE como um fórum de diálogo
político.
Constatou-se que se está numa situação em que a paz não é do interesse de um Governo. Devemos reduzir
o risco de guerra inadvertida (incluindo guerra nuclear) e evitar a escalada. Os fóruns político-militares precisam
de ser usados para evitar a escalada e avançar para CSBM. Devemos continuar as atividades no campo, se
necessário por meio de financiamento extraorçamental.
Os Parlamentares desempenham um papel crucial, inclusive no orçamento, para criar orçamentos mais
confiáveis e plurianuais, em vez de anuais. Suspensas, as medidas de quarentena propostas, teriam de levar
em consideração o pensamento atual em Moscovo. Muitas vozes na Rússia pedem a retirada da OSCE, então
tais medidas podem encaixar-se na narrativa de «russofobia» do Kremlin.
No mecanismo de sanção, é importante não violar as regras da própria APOSCE.
A APOSCE tem força para sancionar um Estado infrator e, de facto, sanciona a Rússia desde 2010,
impedindo os seus membros de participar do Bureau, reduzindo o seu papel e influência no secretariado.
Assembleia da República, 7 de março de 2023.
A Assessora Parlamentar, Ana Margarida Isidoro.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO.