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Quinta-feira, 15 de junho de 2023 II Série-D — Número 59
XV LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2022-2023)
S U M Á R I O
Delegação da Assembleia da República: Relatório da participação da Delegação Portuguesa na reunião interparlamentar organizada pela Comissão de Assuntos Constitucionais do Parlamento Europeu (AFCO) sobre a reforma do Sistema Eleitoral Europeu, que teve lugar em Bruxelas, por videoconferência, no dia 26 de abril de 2023.
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DELEGAÇÃO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA
RELATÓRIO DA PARTICIPAÇÃO DA DELEGAÇÃO PORTUGUESA NA REUNIÃO
INTERPARLAMENTAR ORGANIZADA PELA COMISSÃO DE ASSUNTOS CONSTITUCIONAIS DO
PARLAMENTO EUROPEU (AFCO) SOBRE A REFORMA DO SISTEMA ELEITORAL EUROPEU, QUE
TEVE LUGAR EM BRUXELAS, POR VIDEOCONFERÊNCIA, NO DIA 26 DE ABRIL DE 2023
Da agenda da reunião, dedicada ao tema da reforma do sistema eleitoral europeu, constavam os seguintes
pontos:
Sessão de abertura e notas introdutórias (14:30 – 15:45)
Salvatore de Meo, Presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais do Parlamento Europeu
Domènec Ruiz Devesa, membro do Parlamento Europeu
Salvatore DE MEO, Presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais do Parlamento Europeu, deu início
à reunião, dando as boas-vindas aos 40 participantes de 23 câmaras parlamentares de 17 Estados-Membros
(EM).
Recordou a reunião interparlamentar antecedente, que fora promovida em junho de 2021, por
videoconferência, pela Comissão de Assuntos Constitucionais do Parlamento Europeu, sobre «A reforma do
direito eleitoral europeu».
Assinalou que, a partir dessa data, o Parlamento Europeu (PE) fizera grandes progressos na proposta de
regulamento do Conselho relativo à eleição dos Deputados ao Parlamento Europeu por sufrágio universal direto,
graças ao relatório de Domènec Ruiz devesa, membro do Parlamento Europeu. Lembrou que, à luz do
artigo 223.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia, a iniciativa carece ainda de ser aprovada por
unanimidade pelo Conselho, obter o consentimento do PE pela maioria dos membros que o compõem e receber
a aprovação por todos os EM, de acordo com os respetivos requisitos constitucionais.
Recordou que a Decisão (76/787/CECA, CEE, Euratom) do Conselho e o Ato relativo à eleição dos
Deputados ao Parlamento Europeu por sufrágio universal direto, anexo a essa decisão [2020/2220 (INL) –
2022/0902(APP)], que preconizara a revogação do regime jurídico eleitoral de 1976, não chegaram a entrar em
vigor, por não terem sido ratificados por todos os Estados-Membros.
Defendeu a oportunidade e importância da presente reunião para a intensificação do processo de diálogo e
cooperação com os Parlamentos nacionais, para reforçar a democracia parlamentar na UE e tendo em conta o
extenso debate já ocorrido sobre a matéria no Parlamento Europeu.
A delegação da Assembleia da República integrou os seguintes Deputados:
– Pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias:
• Deputado Pedro Delgado Alves (PS)
– Pela Comissão de Assuntos Europeus:
• Deputada Rosário Gambôa (PS)
• Deputado João Barbosa de Melo (PSD)
A assessoria foi prestada por Catarina Ribeiro Lopes, Representante da Assembleia da República junto
das instituições da União Europeia, e pelas equipas da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos,
Liberdades e Garantias e da Comissão de Assuntos Europeus.
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Domènec RUIZ DEVESA, membro do Parlamento Europeu, interveio em seguida, na qualidade de relator,
para agradecer aos participantes. Lembrou que a nova proposta fora adotada há quase um ano, em sessão
plenária, com 333 a favor, 262 contra e 48 abstenções, a primeira vez com uma maioria substancial desde há
20 anos para um círculo eleitoral pan-europeu, com o apoio de cinco partidos políticos, uma maioria relevante
em termos de número de Deputados e ideologias. Assinalou que o PE tem, nesta matéria, excecionalmente, o
direito de iniciativa, no sentido da apresentação de uma proposta ao Conselho (e não a Comissão), e lamentou
que ainda não tivesse havido iniciativa do Conselho para negociações com o PE, a um ano das próximas
eleições europeias.
Não considerou a proposta uma transformação radical, por não haver mudança dos círculos eleitorais, nem
prejuízo para o número de membros do PE, mas antes o aditamento de um círculo transnacional de 28 membros,
5 % da composição atual do PE, numa eleição com base num segundo boletim de voto, com a vantagem de dar
origem a três benefícios concretos, no sentido de tornar as eleições mais europeias.
Considerou que as eleições europeias enfrentavam grandes desafios: por estarem muito controladas pelas
dinâmicas nacionais de cada EM, e não pelo debate transnacional. O novo círculo trará a oportunidade de o
eleitor escolher uma UE mais social-democrata, mais verde ou mais liberal; a visibilidade e capacitação do
Parlamento Europeu, no sentido em que os candidatos e os partidos a eleição são os nacionais, um acrescento
aos temas eleitorais nacionais, sendo que agora a oportunidade será a de se escolher a família europeia, com
uma visibilidade que não detinham, numa lista multinacional, com os candidatos a fazer campanha em toda a
UE, dando lugar a um debate pan-europeu, para além do nacional, esperando-se que o primeiro candidato seja
o candidato à Comissão Europeia; com equilíbrio territorial, para evitar que haja só candidatos dos maiores EM
no início da lista.
Apelou a que os Deputados nacionais incentivassem à abertura de negociações por parte do Conselho.
Apresentações (14:45 – 15:00)
Erik Ottoson, Vice-Presidente da Comissão da Constituição do Parlamento sueco
Artemi Rallo, membro da Comissão de Assuntos Constitucionais do Senado espanhol
Erik OTTOSON, Vice-Presidente da Comissão da Constituição do Parlamento sueco,começou por
cumprimentar os participantes e felicitar o Parlamento Europeu pela reunião, possibilidade de troca de ideias
sobre tema comum. A presidência sueca tentou que se avançasse neste dossiê, para eleições plenamente
democráticas em 2024 e sem problemas de legitimidade. Defendeu ser possível avançar com prudência nesta
proposta legislativa muito importante, sem demasiada ingerência nas famílias políticas europeias.
Artemi RALLO, membro da Comissão de Assuntos Constitucionais do Senado espanhol, agradeceu a
oportunidade de apresentar a sua posição, em face da Presidência espanhola do Conselho do semestre
seguinte.
Manifestou a sua gratidão ao relator e à AFCO pelo esforço e consenso angariados. Recordou as palavras
do Presidente da Comissão LIBE, no sentido de que o PE é uma expressão única deste impulso federalista que
é o motor para a integração europeia, mas lembrou que o mesmo Deputado – Juan Fernando López Aguilar –
indicava como um dos maiores défices a falta de uma verdadeira ligação efetiva e direta entre o PE e a sociedade
que o elege. Entendeu que a proposta dava resposta a esta preocupação, dando oportunidade a um verdadeiro
debate político e a eleições com uma verdadeira dimensão europeia, como contrapartida a uma dívida para com
os pais fundadores: conferindo mais legitimidade ao PE, possibilitando a melhoria do seu funcionamento e da
governação europeia e aproximando os Deputados dos seus eleitores, tal como afirmado como essencial pela
Conferência sobre o futuro da Europa, através da seleção dos candidatos em processo aberto, transparente e
democrático; da eliminação de obstáculos à acessibilidade; promovendo a igualdade de género como
componente essencial da reforma eleitoral.
Defendeu as listas europeias com equilíbrio geográfico, com candidatos transnacionais com programas e
símbolos europeus, candidatos à presidência da CE, animando ligações pré-eleitorais e assinalou que a lei
espanhola já se mostrava adaptada a esta proposta, muito embora a proposta pudesse ainda ser melhorada,
no que toca à limitação das despesas da campanha, e a evitar interferências estrangeiras nas eleições.
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Debate com os membros dos Parlamentos nacionais e do Parlamento Europeu (15:00 – 17:05)
O debate contou com a intervenção intercalada de Deputados nacionais e de Deputados ao Parlamento
Europeu, com a seguinte ordenação: Elisabeth GROSSMAN, Bundesrat (Áustria); Paulo RANGEL (PE), em
nome do PPE; Jean-François RAPIN, Senado (França); Cyrus ENGERER (PE) em nome do S-D; Marina
NIKOLAOU (Chipre); Oana MURARIU (Roménia); Sandro GOZI (PE), em nome do RENEW; Alessandro GIGLIO
VIGNA, Câmara dos Deputados (Itália); Giulio Terzi di Sant’Agata, Senado (Itália); Damian M.BOESELAGER
PE), em nome do VERTS/ALE; Pedro DELGADO ALVES (Assembleia da República); Andrzej GRZYB, Sejm
(Polónia); Antonio Maria RINALDI (PE), em nome do ID; Vytautas GAPSYS (Lituânia); Chantal KOPF Bundestag
(Alemanha); Hajnalka JUHASZ (Hungria); Gabriela MORAWSKA-STANECKA, Senado (Polónia); Helmut
SCHOLZ (PE), em nome de The Left; Giedrus SURPLYS (Lituânia); João BARBOSA DE MELO (Assembleia da
República); Rosário GAMBÔA (Assembleia da República) e Guy M. VERHOFSTADT (PE), em nome do Renew.
Nas intervenções, foram partilhados comentários e expressas posições sobre a proposta de reforma eleitoral
para o Parlamento Europeu, quer em apoio das soluções preconizadas, quer como manifestação de reserva ou
de dúvida sobre o proposto, no sentido de que:
– A proposta constitui uma oportunidade para reforçar a consciencialização europeia e a identificação dos
cidadãos com a UE, através do círculo transnacional e dos spitzenkandidaten, bem como de reforço da igualdade
de género e da redução da idade de voto, que, acompanhada de iniciativas de formação política, poderá resolver
a atual sub-representação da juventude, à semelhança do que já aconteceu em alguns Estados-Membros nas
suas eleições nacionais;
– As relações com os Parlamentos nacionais são vitais, atenta a sua legitimidade democrática, a par da do
PE, no sentido de unir esforços para reforçar a democracia à escala europeia;
– A redução da capacidade eleitoral passiva para os 16 anos, o equilíbrio de género, o voto por
correspondência e a acessibilidade são pontos positivos da proposta;
– O círculo eleitoral transnacional não corresponde a uma solução de federalismo, o qual só seria alcançável
se o eleitorado se aproximasse dos seus representantes e não de pessoas que não conhecem e cuja língua
desconhecem; essa disposição da proposta fora aprovada com uma diferença de 17 votos, não havendo,
portanto, uma maioria significativa, mas um fosso divisório no PE, sendo que para uma reforma eleitoral é
necessária uma expressiva maioria, muito forte;
– Os Estados-Membros de maiores dimensões são os maiores defensores do círculo transnacional, os
demais são muito críticos; nos Estados verdadeiramente federais não há um tal círculo eleitoral único;
– A lista de 28 candidatos da lista transnacional, que desconhecem a realidade de todos os países, seria
uma oportunidade para os populistas conquistarem mais terreno; daria uma grande visibilidade nas redes sociais
aos partidos populistas, mas não reforçaria a democracia europeia;
– É problemática a questão dos spietzencandidate: uma questão de política dinâmica e não uma questão
jurídica, para cuja consideração é necessária cautela;
– O sistema europeu não é um sistema parlamentar, mas semipresidencial: alterar a forma de eleição do
Presidente da Comissão incrementará o poder do PE, mas pressuporá a alteração dos tratados, não é uma
questão de lei eleitoral;
– Desde 1976 a forma de eleição ao PE é uma verdadeira estrada sinuosa; num contexto de diminuição de
participação nas eleições em cada eleição, de aumento de extremismo na Europa e de distância entre eleitores
e eleitos, revela-se fundamental reforçar a democracia europeia, em face das eleições de 2024; o Qatargate
poderá ter conduzido a uma ainda maior perda de confiança nas instituições europeias;
– A lista transnacional poderia trazer dificuldades constitucionais e jurídicas a alguns Estados-Membros, e
pressupor a alteração das respetivas leis eleitorais, nomeadamente no que toca ao voto por correspondência,
podendo aumentar o desequilíbrio entre Estados-Membros em matéria de representação e agravar a sobre-
representatividade dos países mais populosos; outras respostas para problemas concretos serão preferíveis
para promover a reconciliação dos cidadãos com a UE;
– É necessária uma nova lei eleitoral e importará não sabotar o direito de iniciativa do PE e a sua tentativa
de reforçar a democracia; quanto às listas transnacionais, todos foram ouvidos, havendo Estados-Membros
pequenos a favor das listas transnacionais, que não retiram nenhum elemento às listas atuais,
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independentemente da dimensão das delegações; cada Estado-Membro manterá o número de membros das
suas delegações, para além dos novos 28 membros eleitos por todos os cidadãos para reforçar a UE e definir a
direção que a UE deve seguir;
– É necessário salvaguardar a integridade das eleições, base da democracia e da legitimidade democrática;
a harmonização de regras é necessária, mas não pode haver uniformidade e impõe-se o respeito pelas
específicas características dos Estados-Membros e dos seus sistemas constitucionais; a lista transnacional trará
maiores vantagens aos Estados-Membros de maiores dimensões; não se pode correr o risco de agravar a
redução do défice democrático na UE, importando ouvir a posição do Conselho;
– A reforma eleitoral é fundamental para reforço da integração europeia e da importância do trabalho dos
Deputados europeus, nomeadamente através das listas transnacionais, sobretudo em face dos movimentos
extremistas, mas levando em consideração as especificidades de todos os Estados; algumas propostas poderão
supor reformas constitucionais, por exemplo quanto à legitimidade eleitoral ativa e passiva, o que poderá ser um
entrave a esta reforma; o dia das eleições é outro problema, porque as tradições dos Estados poderão inibir os
eleitores de votar num dia distinto do habitual; é essencial um amplo debate público para a adesão ao voto em
listas transnacionais, públicas;
– É do interesse comum do PE e dos Parlamentos nacionais o tema da lei eleitoral, pelo que as posições
devem ser complementares, para reforço da dimensão democrática da UE, sem roubar às democracias
nacionais; será necessário cooperar para reforçar o escrutínio democrático, a nível nacional e europeu;
– A proposta quer criar algo novo em função da diversidade e equilíbrio entre pequenos e maiores Estados,
não favorecendo os maiores, ao contrário da proposta de 2018;
– Na Conferência sobre o Futuro da Europa, os cidadãos pediram que metade da composição do PE fosse
eleita por lista transnacional; a presidência sueca deve por isso começar as discussões formais, para um debate
livre e aberto, para que não fique ignorada uma iniciativa do PE e se respeite o processo democrático;
– A reforma apresenta vários elementos positivos, quer quanto ao equilíbrio de género, quer quanto à
participação da juventude, maior participação em geral e crescimento da visibilidade das instituições; é essencial
avançar-se tendo em vista as eleições de 2024, conhecendo-se as objeções do Conselho, mas esperando-se
uma solução de compromisso nas próximas semanas;
– Todos os Estados-Membros devem empenhar-se para participação máxima nas próximas eleições para o
PE, com uma comunicação política mais desenvolvida, sobretudo atento o interesse em temas europeus
concretos, como a economia, o desenvolvimento, a inovação e o trabalho, proteção de dados pessoais;
– Importa melhorar a democracia europeia, o status quo não é aceitável, é fundamental melhorar a UE e as
suas instituições, que parecem distantes; a possibilidade de segundo voto para um programa político europeu
permitirá aos cidadãos pensar em que Europa querem viver: mais progressiva? Mais conservadora? Mais
social? Mais ecológica? Mais solidária? A alteração da idade de capacidade eleitoral ativa e passiva poderá
ajudar à mudança demográfica dos políticos europeus;
– Realisticamente, não parece haver tempo para uma reforma comum antes das eleições de 2024. Será este
o momento para alcançar este objetivo? Num contexto de populismo e de recente pandemia, crise social e
política e do sistema partidário? As reformas levam tempo, cada país terá de fazer compromissos e alterar as
suas legislações nacionais, bem como preparar os procedimentos eleitorais; seria melhor adiar o debate e ter
mais tempo para estas reformas;
– Importa tornar o processo mais transparente para os eleitores e tornar as eleições mais europeias, bem
como assegurar que os candidatos de países de pequena e média dimensão estão ali representados e que a
diminuição da idade de voto incentivará a participação;
– Em vez das listas transnacionais, cumprirá apostar num sistema eleitoral verdadeiramente comum e
harmonizado, para verdadeira paridade, e evitar discriminação entre Estados-Membros;
– Tem havido uma interpretação enviesada das listas transnacionais, que são uma parte crucial da reforma:
cidadãos assim o querem, foi esse o resultado dos trabalhos da Conferência sobre o Futuro da Europa, no
sentido do desejo de envolvimento de forma mais direta no processo de liderança da UE, com oportunidade de
eleger Deputados com base nas listas transnacionais; mais de 70 % dos 800 participantes pediram que assim
fosse; não se está a mudar a representação dos Estados-nação, mantendo-se o sistema da proporcionalidade
degressiva, que protege os Estados mais pequenos da UE; foi pedida uma reserva para os novos Estados-
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Membros, será, aliás, necessário um novo tratado, para que a adesão seja acordada por todos e ajustado o
número de Deputados ao PE.
Nas suas intervenções, os Deputados da delegação da Assembleia da República aludiram à matéria objeto
da reunião nos termos a seguir destacados:
O Deputado Pedro DELGADO ALVES (PS) começou por assinalar a oportunidade fundamental para a
Assembleia da República (AR) de participação no debate e enunciou o que considerava serem alguns dos
elementos positivos da proposta: formas de exercício do direito de voto que alargam a possibilidade de
participação no ato eleitoral; garantias no que respeita à igualdade de género e a uniformização adicional,
explicando que vinham merecendo apoio significativo da AR.
Indicou outras matérias que integram o debate nacional, não gerando unanimidade, caso da idade de voto,
em discussão no processo de revisão constitucional em curso em Portugal, um entrave constitucional à
consagração desta solução à escala europeia, tal como noutros Estados-Membros.
Assinalou que o debate se tem focado nas listas transnacionais, mas que outros aspetos sobre o
funcionamento do processo eleitoral devem merecer atenção, na medida em que aparentes vantagens
uniformizadoras podem ter um efeito contraproducente: em alguns casos pondo em causa princípios
constitucionais, como no voto por procuração, no voto pela internet, numa fase ainda excessivamente
embrionária de fidedignidade e segurança desse meio; noutros casos, como na uniformização do dia das
eleições, cadernos eleitorais, prazo para apresentação de listas de candidatos, autoridade eleitoral europeia,
as propostas parecem responder diretamente a problemas que, de forma generalizada, as eleições para o PE
não têm enfrentado em Portugal e na maioria dos Estados-Membros, antes podendo trazer dificuldades.
Declarou que, apesar de ser sensível à necessidade de aproximação dos cidadãos relativamente ao
processo de eleição para o Parlamento Europeu, considerava que as listas transnacionais ofereciam sérias
dúvidas sobre constituírem o melhor caminho para alcançar esse objetivo. Por um lado, pela artificialidade
grande na solução da construção das listas, quer na forma como se procura superar a dificuldade da quebra
da proporcionalidade degressiva atualmente constante da legislação em vigor, quer também pela forma como
força a cooperação entre partidos políticos para se poderem apresentar no plano europeu. Assinalou a
dificuldade acrescida desta solução ao criar duas fontes de legitimidade diferentes aos Deputados ao PE, uns
representando os seus Estados, os outros podendo ser vistos como não representando diretamente os
cidadãos. Se o objetivo é o da aproximação aos cidadãos, assinalou que modelos eleitorais, especialmente
federais ou para-federais, nunca prescindem da ligação dos cidadãos aos seus Estados de origem, como forma
de assegurar essa representação.
Concluiu com a asserção de que, não obstante o caminho trilhado e as vantagens significativas de muitas
das soluções, mantinha muitas reservas ao proposto, considerando que muito do que se preconiza para a
melhoria dos processos eleitorais europeus corre o risco de ser insuficiente ou praticamente ineficaz, ou até
contraproducente, e alimentar os receios de muitos que, populisticamente, apresentam as instituições
europeias como afastadas ou divorciadas dos cidadãos dos seus EM.
O Deputado João BARBOSA DE MELO (PSD) interveio nos seguintes termos:
«Há demasiadas questões relevantes para os meus dois minutos. Vou apenas deixar algumas notas sobre
formas de voto e voto postal.
Acredito que em eleições para órgãos políticos relevantes, como um Parlamento, o voto presencial e secreto
é uma exigência democrática basilar. Votar numa cabine de voto fechada e privada é insubstituível.
Claro que dava jeito ser de outra maneira… era giro e dava um ar moderno… talvez garantisse mais
quantidade de votos, mas seriam menos “autênticos”.
Combater o desinteresse político de muitos europeus através da desqualificação do ato de votar é a pior
solução.
O desinteresse tem de ser combatido tornando a política apelativa e não com facilidades no ato de votar.
Nos últimos anos, habituámo-nos a dar opinião, em muitas matérias, frente ao computador, no sofá de casa,
ou ao correr do dedo no nosso smartphone. E é ótimo!
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Mas a representação política tem de estar num patamar diferente, porque dela depende a saúde
democrática das nossas sociedades, o que faz com que estes processos de escolha não devam ser tratados
como uma auscultação via formulário eletrónico…
Só o voto presencial, e obviamente secreto, permite, por exemplo, que cada um de nós diga uma coisa, em
público, e vote diferente em urna. E só o voto presencial e secreto impede alguém de votar por toda a família
ou por todo o prédio.
Pôr em causa o voto feito em cabine de voto abala o sistema democrático. Por muito que “dê jeito” abrir a
porta ao voto não presencial (por definição, não secreto), a opção é demasiado perigosa.
As leis eleitorais, no essencial, não devem ter como objetivo principal a facilidade de votar. Devem é
assegurar que a vontade íntima, pessoal e não transmissível de cada um é respeitada. Já agora, e sempre que
possível, uma vontade manifestada num único momento de tempo, no qual todos votam sem conhecer o voto
dos outros.
Compete aos decisores políticos assegurar que votar é o mais fácil possível! Mas não pode valer tudo,
transformando eleições em sondagens feitas ao telefone ou pela net!
É possível facilitar, por exemplo, através do reforço do voto em mobilidade, para que um português que
esteja em Itália, no dia da votação, se possa deslocar a uma mesa de voto italiana e votar num boletim de voto
português, impresso na hora, sendo o voto logo enviado para Portugal por via eletrónica ou postal.
Também me parece admissível votar em máquinas em vez de em papel (com blindagem face a hackers).
Mas votar em pessoa e numa cabine de voto não é negociável sem colocar em risco a democracia
representativa. A não ser que queiramos outra forma de governo!»
Interveio, por fim, a Deputada Rosário GAMBÔA (PS), começando por recordar que a iniciativa em
discussão é norteada por dois grandes objetivos, centrais à fundação da UE: o aumento da participação dos
cidadãos e o reforço da dimensão europeia. Recordou, porém, que a execução prática destes dois objetivos
exige reflexão e crítica ao nível da UE, mas também no contexto político, social e cultural de cada Estado-
Membro. Considerou que todos, PE e Estados-Membros, têm a responsabilidade de refletir e concertar
soluções num processo por natureza contínuo, permanentemente sujeito a novos desafios. Identificou, de
seguida, alguns pontos já debatidos sobre os quais cumpria refletir como a proposta de harmonização das
regras do processo eleitoral, sendo que algumas das sugestões sinalizadas são já vigentes em ordenamentos
jurídicos, como é o caso do português. Considerou a proposta meritória em vários aspetos, designadamente
quando chama a atenção para as questões da acessibilidade e igualdade de género, mas, por outro lado,
entende que há sugestões que suscitam dúvidas de natureza jurídica, tais como o modelo de funcionamento
do ato eleitoral, dos processos eleitorais, das campanhas eleitorais, ou dos prazos definidos. Apontou dúvidas
sobre a sua adequação à prática e sobre a sua eficácia e valor, pois considera que as mesmas podem gerar
efeitos contrários aos objetivos da proposta: em vez de aumentarem a participação, introduzem pouca clareza
no processo e ruído desincentivador da participação. Assim, para além de problemas de exequibilidade prática,
considerou, ainda, que algumas das sugestões propostas referidas, invadem a instância decisória do direito
eleitoral de cada EM, ultrapassando um pilar essencial da UE – os princípios da proporcionalidade e subsidiário.
Acrescentou que as listas transnacionais e o recurso ao voto duplo lhe parecem também oferecer vários
perigos, afetando a representação proporcional dos mandatos e o peso de cada EM na sua distribuição.
Neste sentido, reiterando a posição da AR, defendeu que muitas medidas poderão ser ponderadas como
melhor incentivo à transparência e mobilização do eleitorado, contribuindo para o aprofundamento da
democracia europeia, mas outras comportariam riscos que poderão conduzir a consequências inversas ao
pretendido.
No final do debate, o relator, Domènec RUIZ DEVESA, concluiu que a reunião fora uma oportunidade muito
importante e que as reservas apontadas não são obstáculo absoluto à proposta, constituindo antes mal-
entendidos.
A proposta deve ser aprovada numa cooperação construtiva, mas o Conselho ainda não o proporcionou.
Considerou ser da responsabilidade dos Governos durante um ano nem sequer ter sido aberta a negociação
pelo Conselho. Assinalou que as críticas formuladas não haviam sido acompanhadas de propostas alternativas,
sendo necessária coragem intelectual e valentia política para propor alternativas. Assinalou que também não
tinham sido deixados claros os riscos: ninguém justificou por que razão desencorajará a participação haver dois
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boletins de voto, nem por que motivo tal acarretaria distância face ao eleitor, uma vez que, hoje em dia, os
Deputados já representam o conjunto da UE, representam todos os eleitores. Acrescentou que o artigo 25.º da
proposta determina que todos os Deputados, independentemente de terem sido eleitos pelo círculo
transnacional ou pelos nacionais, devem indicar claramente o seu domicílio, aquele onde desenvolvem a sua
atividade parlamentar, o seu círculo eleitoral de referência, o que o fez discordar da posição que receava passar
a haver dois tipos de Deputados, uns que representam os Estados e outros que não os representam. Defendeu
que os Deputados eleitos nos Estados-Membros representam o conjunto da cidadania europeia, o conjunto dos
Estados, de acordo com o Tratado. Quanto à distância entre representantes e cidadãos no círculo transnacional,
lembrou que se tratava de 5 % dos Deputados e não de 50 % e que o serviço jurídico do Conselho a considerara
compatível com as disposições do Tratado, designadamente com os princípios da proporcionalidade e
subsidiariedade. Trata-se de eleição ao PE e não Deputados nacionais; a proposta não pretende harmonizar
todos os sistemas eleitorais nacionais, é mais modesta e pragmática: apenas apresenta um círculo de 28,
necessariamente com regras comuns, respeitando as tradições constitucionais eleitorais nacionais para a
eleição dos restantes 95 %, cujas regras não são alteradas.
Defendeu que o status quo é inaceitável e que a proposta deve ser analisada de espírito aberto e construtivo;
assinalou não haver alternativa a esta proposta equilibrada, moderada, e que dá resposta à preocupação dos
Parlamentos nacionais, como a representação dos Estados de pequena e média dimensão: dois terços destes
mandatos corresponderão a candidatos destes países, a proposta reserva-os para estes Estados, não cria um
mecanismo para favorecer Estados maiores, ficando clara a vontade de manter o equilíbrio territorial na
composição das listas. Refutou a ideia de que o cidadão não pode eleger quem não fala a sua língua ou quem
não é da sua nacionalidade e de que não se sentirá por aquele representado, considerando-a uma ideia redutora
da democracia.
Sessão de encerramento e notas finais (17:05)
Salvatore DE MEO, Presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais do Parlamento Europeu,
agradeceu a todos a presença e recordou que o objetivo era permitir aos representantes dos Parlamentos
nacionais debater com quem abriu o processo de reforma. Reunião muito profícua, várias posições, umas
críticas, outras menos, o objetivo foi atingido: espaço de encontro, onde as várias posições devem ser
apresentadas e justificadas e levar mais esclarecimentos para que o debate não se esgote, até em encontros
bilaterais, para se voltar a alguns aspetos, porque o tempo para tão complexo debate não foi suficiente e
elementos não suficientemente aprofundados para não conduzirem a más interpretações. Na Conferência sobre
o Futuro da Europa os cidadãos confirmaram esta mensagem clara: mais Europa, mas diferente, mais concreta,
mais próxima, que o projeto sirva para dar resposta a este pedido dos verdadeiros protagonistas do projeto
europeu, e não dos Deputados ao PE, seus representantes temporários.
A reunião foi gravada em vídeo e transmitida em streaming.
Assembleia da República, 26 de abril de 2023.
O Chefe da Delegação da Assembleia da República,
(Pedro Delgado Alves)
A DIVISÃO DE REDAÇÃO.