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Sábado, 18 de Setembro de 2010 II Série-E — Número 1

XI LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2010-2011)

SUMÁRIO Provedor de Justiça: Comunicação dirigida à Assembleia da República acerca da Recomendação n.º 9-A/2010 — Confisco de bens eclesiásticos — restituição da Igreja de Santo António de Campolide/Igreja do antigo Convento de Santa Joana.

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PROVEDOR DE JUSTIÇA

Comunicação dirigida à Assembleia da República acerca da Recomendação n.º 9-A/2010 — Confisco de bens eclesiásticos — restituição da Igreja de Santo António de Campolide/Igreja do antigo Convento de Santa Joana

Muito me honra dirigir-me a V. Ex.ª, Sr. Presidente da Assembleia da República, ao ver-me inconformado com as explicações prestadas à chefe do meu Gabinete da parte do Sr. Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças para não adoptar uma recomendação formulada, de resto, a S. Ex.ª o Ministro de Estado e das Finanças.
Sem prejuízo do mais aprofundado conhecimento das razões éticas e jurídicas, que V. Ex.ª e os Srs. Deputados poderão identificar nos elementos juntos (em anexo), seja-me permitido enunciar brevemente os antecedentes da situação tratada e que, no passado, fora objecto de uma recomendação do meu antecessor junto do anterior governo.
A proximidade das comemorações oficiais do Centenário da República parece-me motivo dirimente para não retardar a tomada de conhecimento pela Assembleia da República de uma medida que, a ser adoptada pelo Governo, e sem encargos especiais, permitiria reparar um dos excessos cometidos há precisamente 100 anos, com efeitos que se arrastaram até aos nossos dias.
Refiro-me à igreja que, em 8 de Outubro de 1910, integrando o antigo Colégio de Campolide, em Lisboa, e confiscada à Companhia de Jesus, veio a ser cedida — e apenas cedida em uso — à Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e do Senhor Jesus dos Passos da Santa Via Sacra de Campolide, a título de compensação por ter sido privada da Igreja compreendida no denominado Convento de Santa Joana, à Rua de Santa Marta, também em Lisboa, e que o Estado recentemente alienou como património seu a terceiros.
Não se trata — note-se bem — da universalidade dos bens confiscados do antigo Colégio de Campolide, mas tão-só da Igreja adjacente afecta ao culto católico como Igreja paroquial e centro de actividades de solidariedade e assistência.
A verdade, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é que o imóvel confiscado encontra-se em notório estado de degradação com risco para a segurança e em manifesta incompatibilidade com o valor artístico que lhe reconheceu o Decreto n.º 45/93, de 30 de Novembro. Nunca o Estado, ao longo de 100 anos de confisco, providenciou pela conservação ou beneficiação da Igreja, mas recusa-se a abrir mão do imóvel sem uma contrapartida que, apesar de já revista no seu anterior cálculo (€1 260 000,00), continua a ser iníqua para os paroquianos de Santo António de Campolide — autores das centenas de queixas que recebi — e para a referida Irmandade.
Por razões de ordem estritamente formal, o Governo insiste em arrecadar €230 500,00 para restituir degradado o imóvel que subtraiu em bom estado há perto de um século. Furtando-se a examinar e acompanhar a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem — para casos semelhantes de confisco de bens eclesiásticos, na Turquia e em países da antiga órbita soviética — o Estado refugia-se na aplicação do princípio financeiro da onerosidade (Decreto-Lei n.º 280/2007, de 7 de Agosto) porque se abstém de considerar que se trata de um acto de reparação (e por factos bem anteriores), seja para adoptar uma providência legislativa singular seja para estipular um preço meramente simbólico e que cumpriria o citado regime normativo.
Exigir o preço de € 230 500,00 a uma comunidade que terá, em seguida, de obter fundos para dotar o imóvel das mínimas condições de segurança e funcionalidade, é a meu ver um encargo excessivo quanto a um bem que, segundo a Concordata, assinada em 18 de Maio de 2004, não pode ter outro destino, e que, para mais, o Estado classificou, por razões artísticas, como de interesse público. Pergunto-me que valor de mercado pode ter este imóvel? Vale a pena sublinhar que a referida Irmandade, a quem, por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Abril de 1927, foi reconhecido o direito à cedência do Convento de Santa Joana, jamais pôde reclamar a propriedade da Igreja de Santo António de Campolide, cujo uso lhe foi atribuído em substituição, dado que este imóvel — pertença, no seu passado, dos jesuítas — nunca foi incluído nas disposições concordatárias de 1940 nem de 2004.

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Vê-se esta Irmandade diante da venda pelo Estado da Igreja que poderia, de outro modo, ter reclamado como sua (a do Convento de Santa Joana, vendida?, há pouco, no mercado por €5 781 400,00) e perante um imóvel em cujo interior a água da chuva é insolitamente recolhida em banheiras sob o evidente risco de incêndio. Do vencimento judicial que obtivera, é o que lhe resta, hoje, para além da confiança num Estado de direito democrático e nas suas instituições.
Cumpre ao Provedor de Justiça suscitar dos poderes públicos um olhar que vá além da estrita legalidade. É um traço que o aparta da função jurisdicional, reservada aos tribunais. Não deve nem pode conformar-se com o pesado adágio — dura lex sed lex — e, por isso, confia que a Assembleia da República, dignamente presidida por V. Ex.ª, saberá persuadir o Governo a encontrar com a maior brevidade uma solução digna e justa.
Com a maior brevidade, porque, como digo, está prestes a cumprir-se primeiro século da República. O que de mais digno poderá assinalar o evento senão reparar um dos reconhecidos excessos que o zelo revolucionário deixou agravado até aos nossos dias? Os directos lesados são os católicos da Paróquia de Santo António de Campolide, em cuja Igreja chove abundantemente e onde não há condições o exercício culto para baptismos, casamentos nem enterros, tão-pouco — com numerosas áreas interditas — para os serviços de solidariedade social que a comunidade se dispõe a facultar. Mas lesados ainda somos todos nós, ao assistirmos, inverno após inverno, à perda de uma peça arquitectónica de valor excepcional.
Sr. Presidente, Srs. Deputados. o Estatuto do Provedor de Justiça, aprovado pela Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, com as sucessivas alterações que VV. Ex.as houveram por bem introduzir-lhe, contém, no seu artigo 38.º, n.º 6, uma norma que confia à Assembleia da República a última instância de apelo dos cidadãos, quando as suas queixas, atendidas pelo Provedor de Justiça, não encontrem da parte da Administração Pública o acolhimento apropriado.
O Provedor de Justiça confia no Parlamento que o elege, que aprova o seu Estatuto, o incumbe da sua missão e aprecia anualmente o seu relatório, para o ajudar a levar a bom porto a reparação das injustiças que o texto constitucional, no seu artigo 23.º, n.º 1, antevê como próprias da actividade administrativa.
É ancorado nesta matriz parlamentar democrática e pluralista do órgão de que sou titular que me dirijo a V.
Ex.ª, Sr. Presidente da Assembleia da República, solicitando urgência na divulgação da presente comunicação por entre os diferentes grupos parlamentares e comissões parlamentares.
Estou, com os meus colaboradores, ao dispor para prestar algum outro esclarecimento que os Srs. Deputados julguem oportuno.

14 de Setembro de 2010 O Provedor de Justiça, Alfredo José de Sousa.

Anexo: (1) cópia da Recomendação n.º 9/A/2010, de 28 de Junho (Anexo I); (2) cópia do ofício n.º 5313, do Gabinete do Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças, de 2 de Agosto de 2010 (Anexo II).

Anexo I

Recomendação n.º 9/A/2010 (artigo 20.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril)

É a V. Ex.ª, Sr. Ministro de Estado e das Finanças, que me dirijo com a presente recomendação, precedendo várias iniciativas do meu antecessor e a minha última intervenção, ao expor a V. Ex.ª razões e factos novos, cuja resposta, transmitida pelo Sr. Chefe do Gabinete de S. Ex.ª o Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças à Sr.ª Chefe do meu Gabinete, se revelou particularmente omissa.
Não creio que se justifique recapitular cada um dos passos da intervenção deste órgão do Estado a respeito da situação jurídica e patrimonial da Igreja de Santo António de Campolide, confiscada à Companhia de Jesus há perto de um século, de par com a Igreja do antigo Convento de Santa Joana, recentemente alienada pelo Estado.
Limito-me a rememorar, em quadro sinóptico, os factos mais relevantes e que remontam a 1910:

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Igreja de Santo António de Campolide Igreja do Convento de Santa Joana Decreto de 8 de Outubro de 1910 Confisco dos bens da Companhia de Jesus, compreendendo o Colégio de Campolide e respectiva igreja

Lei da Separação, de 20 de Abril de 1911 Confirma o confisco dos bens da Companhia de Jesus e banimento dos seus membros Confisco dos bens eclesiásticos com cedências excepcionais ao culto Decreto n.º 4:391, de 6 de Junho de 1918 Cedência à Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e Senhor Jesus dos Passos da Santa Via Sacra Decreto n.º 10:146, de 1 de Outubro de 1924 Nova desafectação ao culto Acórdão do Pleno do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Abril de 1927 Anulação do decreto de 1924 Despacho de 21 de Julho de 1937 Estado faculta a cedência a título precário à Irmandade

Acordo de 25 de Fevereiro de 1938 A Irmandade cede ao Patriarcado de Lisboa os seus direitos 7 de Outubro de 1938 Criação da Paróquia de Santo António de Campolide por desanexação à de S. Sebastião da Pedreira

Decreto-lei n.º 30:615, de 25 de Julho de 1940 Não compreende a reversão dos imóveis confiscados à Companhia de Jesus Reconhece à Igreja Católica a propriedade dos bens que lhe pertenciam em 1910 Decreto n.º 45/93, de 30 de Novembro Classificação como imóvel de interesse público

2004 Orçamento de € 355 000,00 para obras de beneficiação

Recomendação do Provedor de Justiça de 19 de Junho de 2008 Sugere restituição considerando a indisponibilidade do Estado para fazer obras

26 de Fevereiro de 2009 Reunião na Provedoria de Justiça com o Senhor Director-Geral do Tesouro e Finanças

13 de Março de 2009 DGTF propõe venda por € 1 260 000,00

8 de Outubro de 2009 DGTF revê proposta de venda depois de nova avaliação € 233 500,00

28 de Dezembro de 2009 Alienação de todo o edifício, por € 5.781.400,00, à Estamo, SA, incluindo a igreja do antigo convento 10 de Março de 2010 Intervenção do Provedor de Justiça invocando as receitas obtidas com a venda do antigo Convento de Santa Joana 28 de Abril de 2010 Resposta negativa do Gabinete do Secretário de Estado do Tesouro e Finanças

No mais, o que se justifica inventariar é o conjunto das mais significativas considerações de ordem jurídica, mas também de ordem ética e social e que me levam a considerar extremamente injusto, senão mesmo ilegítimo, fixar um preço como contrapartida para a restituição do imóvel ou à Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e do Senhor Jesus dos Passos da Santa Via Sacra ou ao Patriarcado de Lisboa.
Isto, quando num ou em outro caso, os beneficiários reais da restituição são, na verdade, as centenas de paroquianos católicos de Campolide que há cinco anos confiaram ao Provedor de Justiça uma queixa contra as mais que precárias condições de segurança em que se encontra o imóvel, propriedade do Estado.
Vêm comprometido o culto, a celebração de casamentos e de exéquias fúnebres, comprometida a segurança das crianças da catequese, grupos de jovens e escuteiros, como ainda boa parte das acções de solidariedade social desenvolvidas numa freguesia populosa e bastante assimétrica em termos económicos e sociais.

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Por conseguinte, seja-me permitido solicitar de V. Ex.ª que pondere nas considerações que passo a expor:

— O imóvel, confiscado em 19101, foi cedido, em 21 de Julho de 1937, a título precário à Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e do Senhor Jesus dos Passos da Santa Via Sacra, em contrapartida pelo incumprimento do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22 de Abril de 1927, que determinava restituir à mesma Irmandade a Igreja do antigo Convento de Santa Joana, sito à Rua de Santa Marta, em Lisboa, e que, em parte, o Estado manteve afectado a serviços públicos seus até à alienação recente; — O Estado jamais providenciou — em 100 anos, como proprietário — por executar obras de conservação, muito menos, de beneficiação do imóvel, apesar de conhecer os riscos que apresenta para a segurança das pessoas que frequentam o templo e dos prejuízos que apresenta a sua penosa deterioração para o património artístico nacional; — Embora classificado como o imóvel de interesse público, desde 19932, mercê do valor artístico e arquitectónico, nunca o Estado levou a cabo nenhum trabalho de restauro, de reparação ou de limpeza, não subvencionou nenhuma benfeitoria, das muitas benfeitorias que reconhece como necessárias e urgentes, nem se dispõe a restituir o imóvel aos seus utentes — a Irmandade e os paroquianos — em condições de poderem estes assumir o encargo com os trabalhos directamente ou através do apoio técnico e financeiro de mecenas e outros possíveis patrocinadores; — A Igreja de Santo António de Campolide não pode ser afecta a nenhum outro fim que não seja o do culto católico, como resulta peremptoriamente da Concordata entre Portugal e a Santa Sé, de 18 de Maio de 2004, motivo por que não se descortina sequer como possa ser calculado um valor pecuniário para o mesmo. É, de certo modo, um bem fora do comércio jurídico, por força do direito internacional concordatário, o que lhe retira todo o valor venal que pudesse ter; — O Estado alienou, recentemente, o Convento de Santa Joana, compreendendo a Igreja deste edifício que pertencia — segundo decisão judicial transitada em julgado — à Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e do Senhor Jesus da Via Sacra, a qual cedeu os seus direitos, em 25/2/1938, ao Patriarcado de Lisboa; — Desta Igreja conservou direitos o Patriarcado, pois a cessão precária da Igreja de Santo António de Campolide, por despacho de 21 de Julho de 1937, constituiu uma dação pro solvendo, ou seja, enquanto prestação diferente da devida pelo credor, em cumprimento da obrigação decretada no Acórdão do Pleno do Supremo Tribunal de Justiça, de 22 de Abril de 1927, de sorte que a obrigação só se extinguiria pela efectiva satisfação do crédito e na medida respectiva (artigo 840.º, n.º 1, do Código Civil); — O que jamais poderia suceder, uma vez que a Igreja de Santo António de Campolide, porque confiscada à Companhia de Jesus, estava e estaria sujeita a um regime bem mais desvantajoso do que a generalidade dos bens eclesiásticos outrora confiscados.
Sem essa ligação à Companhia de Jesus, poderia o Patriarcado de Lisboa ter solicitado a sua reversão nos termos do Decreto-Lei n.º 35 615, de 25 de Julho de 1940, aprovado em desenvolvimento da Concordata assinada nesse mesmo ano.
Sem o cumprimento perfeito da obrigação declarada pelo Supremo Tribunal de Justiça, a Irmandade manteve-se como mera detentora da Igreja de Santo António e o Estado como mero detentor da Igreja do antigo Convento de Santa Joana.
Ao alienar por inteiro o Convento de Santa Joana, o Estado alienou algo que, em parte, não lhe pertencia.
Como mero detentor e sem nunca ter invertido o título, nem sequer a prescrição aquisitiva pode invocar (artigo 1290.º do Código Civil).
Mas mesmo que o invocasse, seria sempre um comportamento que a boa fé repudiaria, na medida em que estaria a tirar vantagem de uma situação ilícita por si constituída.
Fora estas considerações, Sr. Ministro, é minha convicção estarmos diante de um imperativo ético que o Governo pode e deve satisfazer, se necessário por acto legislativo, restituindo a Igreja de Santo António de Campolide.
Na eventualidade de o Estado vir a arrecadar, como pretende, a receita de €233 500 00, a título de preço pela alienação da Igreja de Santo António de Campolide, e depois de ter alienado o Convento de Santa Joana por €5 781 400,00, compreendendo a non domino a Igreja respectiva, temos que, perante o sempre citado 1 Decreto de 8 de Outubro de 1910.
2 Decreto n.º 45/93, de 30 de Novembro.

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acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, o Estado tira proventos a dobrar: num e noutro caso, para mais, de bens que adquiriu de um modo hoje consensualmente considerado ilícito.
Vender duas vezes, arrecadar receitas duas vezes, sem nada restituir à Irmandade, não pode deixar de impressionar como um resultado desequilibrado, iníquo, injusto e, por conseguinte, a carecer de reparação.
A missão constitucional do Provedor de Justiça não se circunscreve à defesa da legalidade, antes se incumbe este órgão do Estado de prover à reparação de injustiças (artigo 1.º da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril) de par com o aperfeiçoamento da acção administrativa (artigo 22.º, n.º 1, alínea c)).
A pergunta que anteriormente o meu antecessor formulava, e sem dela obter resposta cabal — acerca do motivo por que insistia o Estado intransigentemente em exigir preço por um imóvel cuja única utilidade é a de prover ao culto — é uma pergunta a que hoje acresce outra. Não basta ao Estado a receita obtida com a alienação do Convento de Santa Joana para exigir ainda um preço pela restituição da Igreja de Santo António de Campolide? O edifício, pela sua agravada deterioração, encontra-se em condições lamentáveis para servir à prática religiosa ou a outra utilização colectiva, compromete a razão de ser da classificação arquitectónica que o Estado lhe reconheceu e permanece pouco honrosamente como vestígio dos actos de espoliação e confisco indignos de um Estado de direito, que a história julga hoje com reprovação.
A jurisprudência do Tribunal Europeu de Direitos do Homem tem-no afirmado, relativamente ao confisco de bens eclesiásticos nos Estados da antiga órbita soviética, como no confisco revolucionário turco ou grego3, mesmo em situações anteriores à Convenção Europeia para Salvaguarda dos Direitos do Homem e Liberdades Fundamentais e ao Protocolo Adicional n.º 1, respeitante às garantias da propriedade privada.
Insisto, Sr. Ministro, na oportunidade que representa o Centenário da Implantação da República como ocasião particularmente propícia à solução deste diferendo. Admitirá comigo que as comemorações não devem ficar-se pela memória e evocação dos acontecimentos. Antes interpelam a actos concretos e positivos que não deixem dúvidas sobre como o Estado encara, no presente, a separação entre o Estado e as igrejas, num pressuposto de reconhecimento do seu papel social e cultural.
O que, de modo algum, me parece de aceitar é a simples oposição do Decreto-Lei n.º 280/2007, de 7 de Agosto, e das disposições orçamentais que impedem a alienação gratuita de imóveis do Estado.
Estamos fora do âmbito de aplicação dessas normas. Trata-se de dar cumprimento a uma decisão judicial que o decurso do tempo deixou em aberto por via de uma solução transitória: a cessão da utilização da Igreja de Santo António de Campolide. Transitória porque, como se viu, o cumprimento na datio pro solvendo apenas tem lugar quando a prestação estiver em condições de satisfazer a obrigação na mesma medida. Este facto nunca teve lugar.
Todavia, a julgar-se necessário fazê-lo, sempre pode o Governo usar da sua competência legislativa própria (artigo 198.º, n.º 1, alínea a), da Constituição) para proceder à reparação da iniquidade que se vem perpetuando com prejuízo para todos.
Renovo, Sr. Ministro, a minha convicção de se encontrar o Estado perante uma verdadeira e própria obrigação jurídica. Contudo, a não ser assim entendido, queira considerar o dever de justiça que reflecte um imperativo de ordem moral e social, como é característico das obrigações naturais (artigo 402.º do Código Civil).
Em face de quanto vem exposto, e nos termos do disposto no artigo 23.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa e do disposto no artigo 20.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, Entendo recomendar a V. Ex.ª, Sr. Ministro de Estado e das Finanças, que, pelo instrumento que considere mais adequado, venha o Estado a restituir gratuitamente ao Patriarcado de Lisboa ou à Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e do Senhor Jesus dos Passos da Santa Via Sacra a Igreja de Santo António de Campolide, tomando como contrapartida a renúncia a todos e quaisquer direitos sobre o produto da venda do antigo Convento de Santa Joana, sito à Rua de Santa Marta, em Lisboa. 3 Por Acórdão de 1/9/1997 (SANTOS MOSTEIROS V. GRÉCIA), o Tribunal Europeu de Direitos do Homem confirma a reprovação dos encargos financeiros impostos pela Administração grega a oito mosteiros ortodoxos para reaverem imóveis de que tinham sido arbitrariamente privados. Também o PATRIARCADO ECUMÉNICO DE CONSTANTINOPLA obteve ganho de causa contra a Turquia, a respeito de um imóvel que adquirira em 1902 e de cuja propriedade fora privado pela REPÚBLICA DA TURQUIA, em 1935.(Acórdão de 8/7/2008).Recentemente, numa questão que opôs uma comunidade dos velhos crentes ortodoxos à República da Letónia, por Acórdão de 15/9/2009 (MIROLUBOVS E OUTROS V. LETÓNIA) o Tribunal Europeu de Direitos do Homem, sublinha que, «segundo jurisprudência constante (...), a noção de bens contida no artigo 1.º, do Protocolo n.º1, pode cobrir tanto os bens actuais como valores patrimoniais, compreendendo créditos, em virtude das quais a requerente pode ao menos ter uma expectativa legítima de obter o gozo efectivo de um direito de propriedade».

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Nos termos do artigo 38.º, n.º 2, da citada Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, dispõe V. Ex.ª do prazo de 60 dias para comunicar a posição assumida. Convicto de que não deixará de ser positiva, pondo termo a este porfiado processo, cumpre-me, todavia, assinalar o dever de expressa fundamentação, tal como resulta do enunciado do n.º 3 da mesma disposição legal.

O Provedor de Justiça, Alfredo José de Sousa.

Anexo II

Ofício n.º 5313, do Gabinete do Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças, de 2 de Agosto de 2010

Na sequência da Recomendação n.º 9/A/2010 veiculada pelo ofício supra referido, incumbe-me S. Ex.ª o Secretário de Estado do Tesouro e Finanças de reiterar o exposto relativamente ao assunto mencionado em epígrafe, designadamente, nos Ofícios n.os 18244 e 12625, da Direcção-Geral do Tesouro e Finanças, de 17 de Dezembro de 2008 e 8 de Outubro de 2009, respectivamente, bem como no Ofício n.º 5474, de 29 de Abril de 2010, deste Gabinete.
Com efeito, no actual quadro legislativo, a alienação da Igreja de Santo António de Campolide está impreterivelmente subordinada ao princípio da onerosidade, vertido no artigo 3.º da Lei do Orçamento do Estado, aprovada pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, e no artigo 54.º do Decreto-Lei n.º 280/2007, de 7 de Agosto, pelo que consideramos nunca ter havido uma «resposta (…) particularmente omissiva » quanto à questão sub judice mas, sim, uma resposta conforme ao antedito condicionamento legal.
Assim, a eventual transferência da titularidade da Igreja Paroquial de Santo António de Campolide não pode deixar de observar o regime legal vigente, sob pena de violação das mais elementares exigências em matéria de legalidade financeira, de que S. Ex.ª o Sr. Provedor de Justiça é particular conhecedor.
Por sua vez, no que concerne à aludida relação entre a situação patrimonial das Igrejas de Santos António de Campolide e do extinto Convento de Santa Joana, nunca existiu qualquer base legal que tivesse determinado o ingresso desta última Igreja na titularidade da Irmandade.
Com efeito, os Decretos n.os 3856 e 4391 consagraram a transferência da posse, e não da titularidade, da Igreja do Convento de Santa Joana para a Irmandade, pelo que o aludido Acórdão de 20 de Novembro de 1925 não foi, por isso, gerador da titularidade sobre o imóvel em causa.
Perante o que antecede, e independentemente do mérito ou adequação de uma solução negociada envolvendo duas situações relativas a imóveis que não se relacionam entre si, também não estão reunidas as condições para a existência de uma doação pro solvendo, nos termos do artigo 840.º do Código Civil, decorrente do citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Abril de 1927, dado que este imóvel nunca ingressou no património próprio da Irmandade.
Na presente Recomendação são, igualmente invocadas razões de ordem ética para a pretendida efectivação da transferência patrimonial a título gratuito do imóvel a favor da Irmandade ou do Patriarcado de Lisboa.
Contudo, no âmbito de um Estado de direito, a actuação dos órgãos da Administração Pública está primordialmente subordinada ao princípio da legalidade, segundo o qual as entidades administrativas podem actuar, apenas, em conformidade com a lei, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa e no n.º 1 do artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo.
Por outro lado, a invocada hipótese de adopção de uma medida legislativa ad hoc com vista a permitir a alienação gratuita da Igreja de Campolide, ao contrariar as características da generalidade e abstracção inerentes à natureza dos actos legislativos, seria susceptível de ferir a Lei Fundamental, pelo que não deve ser considerada.
Finalmente, acresce ainda sublinhar que eventuais questões acerca da relação entre o Estado e a Igreja Católica devem ser objecto de um tratamento global e abrangente, incluindo na vertente patrimonial, que, por isso mesmo, vai para além das competências e atribuições deste Ministério.

O Chefe de Gabinete, Eduardo Silva Lima.

A Divisão de Redacção e Apoio Audiovisual.

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