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Quarta-feira, 10 de maio de 2017 II Série-E — Número 16

XIII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2016-2017)

S U M Á R I O

Provedor de Justiça:

Relatório anual do Provedor de Justiça relativo a 2016 e anexos.

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Lisboa, 2017

PROVEDOR DE JUSTIÇA

RELATÓRIO À ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA 2016

INSTITUIÇÃO NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS

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Em cumprimento do disposto no artigo 23.º do Estatuto do Provedor de Justiça, tenho a honra de apresentar à Assembleia da República o Relatório Anual de Atividades relativo ao ano de 2016.

O Relatório é integrado por dois anexos. Um dos anexos consubstancia-se no acervo documental ilustrativo das diversas dimensões em que se desenvolve a atividade do Provedor de Justiça no âmbito da apreciação de queixas e da instrução de procedimentos, espelhando algumas das suas tomadas de posição na promoção e na defesa dos direitos fundamentais. O outro anexo respeita à intervenção deste órgão do Estado na veste de Mecanismo Nacional de Prevenção, criado na sequência da ratificação, pelo Estado português, do Protocolo Facultativo da Convenção contra a Tortura e outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes.

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Título: Relatório à Assembleia da República – 2016 Edição – Provedor de Justiça – Divisão de DocumentaçãoDesign – LagesdesignFotografia – Manuel Gomes Teixeira, Pedro Benevides, Sara DuarteImpressão – ArtipolTiragem – 100 exemplaresDepósito legal – 328808/11ISSN – 0872-9263

Como contactar o Provedor de Justiça Rua do Pau de Bandeira, 7-9 1249-088 LisboaTelefone: 213 92 66 00 | Faxe: 21 396 12 43provedor@provedor-jus.pthttp://www.provedor-jus.pt

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Índice

Mensagem do Provedor de Justiça 7

O Provedor de Justiça e seus colaboradores 16

1. A atividade do Provedor de Justiça na apreciação das queixas 19

1.1. Estatísticas: algumas notas 20

1.2. Defesa e promoção dos direitos fundamentais 381.2.1. Direitos ambientais, urbanísticos e culturais 391.2.2. Direitos dos agentes económicos,

dos contribuintes e dos consumidores 571.2.3. Direitos sociais 771.2.4. Direitos dos trabalhadores 961.2.5. Direitos à justiça e à segurança 1131.2.6. Direitos, liberdades e garantias; saúde, educação

e valorações de constitucionalidade 1241.2.7. Regiões Autónomas 142

1.2.7.1. Extensão da Região Autónoma dos Açores 1421.2.7.2. Extensão da Região Autónoma da Madeira 146

2. Núcleo da Criança, do Idoso e da Pessoa com Deficiência 153

3. O Provedor de Justiça enquanto Instituição Nacional de Direitos Humanos 171

3.1. Dizeres prévios 172

3.2. Projeto O Provedor de Justiça, as prisões e o século XXI: diário de algumas visitas 173

3.3. Atividades de participação e de divulgação na promoção e na proteção dos direitos humanos 174

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4. Relações internacionais 185

4.1. Dizeres prévios 186

4.2. A atividade internacional do Provedor de Justiça 186

4.3. O Provedor de Justiça na qualidade de Presidente da Federação Ibero-Americana de Ombudsman 191

5. Gestão de recursos 195

5.1. Gestão administrativa e financeira 1965.1.1. Recursos financeiros 1965.1.2. Despesas de investimento 1965.1.3. Recursos humanos 196

5.2. Relações públicas 1985.2.1. Atendimento presencial 1985.2.2. Atendimento telefónico 198

5.3. Acessos mensais ao sítio eletrónico do Provedor de Justiça 200

6. Publicações e comunicações – 2016 201

7. Outros índices 207

7.1. Índice de gráficos 2087.2. Índice de quadros 209

8. Principais siglas e abreviaturas 211

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Provedor de JustiçaMensagem do

> Pormenor da porta do edifício do órgão do Estado Provedor de Justiça

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José de Faria Costa, Provedor de Justiça

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Mensagem doProvedor de Justiça

1. Dizeres prévios

Quando o Provedor de Justiça apresenta o relatório anual da sua atividade ao Parla-mento e aos cidadãos tem, em esse momento, a oportunidade de a todos se dirigir, não só para revelar de um jeito cristalino e transparente a amplitude e os resultados da sua ação, mas também, para prestar, enquanto órgão do Estado, o seu testemunho sobre os desafios que, no plano nacional e no plano internacional, se desenham no horizonte para a nossa comunidade.

Temos por certo que nos atuais contextos político, social e cultural existem profundos e evidentes sinais de incerteza e de instabilidade que condicionam o espírito dos cidadãos e, por essa razão, exigem, também, por parte dos atores políticos, económicos e sociais, uma capacidade de ação firme, segura e determinada em nome da defesa do Estado, da democracia, da justiça e do bem-estar coletivo.

O Provedor de Justiça, por tudo isto, mas, por sobre tudo, por ser um órgão do Estado, autónomo e independente, mandatado pela Constituição e pela lei para promover e defen-der os direitos fundamentais dos cidadãos, tem o dever de participar e de contribuir, no espaço público, para a discussão e para o aprofundamento dos grandes temas que tocam a vida quotidiana dos nossos concidadãos e as escolhas que fazemos enquanto comunidade.

2. A cultura de direitos humanos. Riscos da tardo-modernidade

Enquanto Provedor de Justiça, de Mecanismo Nacional de Prevenção da Tortura, de Presidente da Federação Ibero-americana de Ombudsman e de membro de diversas orga-nizações regionais e internacionais de defesa dos direitos humanos, tenho tido a possibi-lidade de intervir, em várias ocasiões e em diversos palcos, a propósito das questões que mais profundamente têm marcado o tempo hodierno.

Sabemo-lo, pelo conhecimento, pela experiência e pelos ensinamentos do passado, que é do confronto de ideias, de vontades, de ambições e de desejos que se trilham os caminhos que moldam e refazem a história do mundo, das nações e dos povos. Sabemos, também, que muito do que hoje nos prende a atenção — a manchete, o soundbite, a tão castigada pela repetição «espuma dos dias» — não serão mais do que curtas linhas ou meras e

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insignificantes notas de rodapé quando amanhã se olhar para este nosso tempo presente. Mas sabemos, acima de tudo, que existem problemas que tocam, de um jeito particular-mente intenso, os grandes fios que tecem a estrutura de uma comunidade democrática, igual e justa. Certos de que nada é certo e de que nada, para o bem e para o mal, é eterno ou imutável — sejam as conquistas civilizacionais que a humanidade soube construir, mas também a angústia que resulta dos retrocessos a que assistimos — é imprescindível que nos mantenhamos atentos aos sinais de perigo que, aqui e ali, vão emergindo nos vários sectores da nossa sociedade global.

Sejamos claros: existem, neste nosso tempo, sinais inequívocos de que o progressivo reconhecimento e a crescente densificação dos direitos humanos que, com maior ou menor fulgor, podemos atestar nos últimos setenta anos estão em certa medida em risco. E são muitas as razões e os fatores que contribuem para esta realidade. Por todo o mundo temos tido a oportunidade de confirmar o ressurgimento não já apenas no plano discur-sivo, mas também no patamar da ação política concreta, de episódios que atentam contra os valores essenciais do Estado de direito democrático, assente nas ideias da liberdade, da igualdade, da paz e da justiça. Das ameaças à segurança dos cidadãos provocadas pelos fenómenos do terrorismo violento e global, às reações – não raras vezes incoerentes – que, em nome dessa mesma segurança, atropelam as liberdades que, com muito custo, foram conquistadas. Existe um campo muito fértil para a expansão de sentimentos com laivos de maior ou menor autoritarismo alimentados pela incerteza, pela insegurança e pela insta-bilidade social dos nossos dias. Não podemos negar, porque infelizmente já faz parte do nosso quotidiano, que as situações de desrespeito pelos direitos humanos estão a dissemi-nar-se, de um jeito particularmente intenso, por todo o mundo. E não apenas nas circuns-tâncias infelizmente comuns de guerra ou as vividas em estados não democráticos. Não. As ameaças à fibrilhação concreta dos direitos fundamentais não conhecem fronteiras, atingindo todos os espaços do globo, incluindo países com tradição democrática sólida. Na verdade, a ideia da efetiva concretização de uma cultura de direitos humanos – esteio da paz, da segurança e do desenvolvimento sustentável – parece estar, por meio de atos e de omissões, comprometida, pois, neste nosso tempo, e em sociedades democráticas, já se discutem, desbragadamente, os fundamentos dos direitos, liberdades e garantias, estrutu-rantes dos Estados progressistas e democráticos.

Se nos detivermos perante exemplos muito concretos de problemas que atingem de uma forma crua a nossa comunidade global, rapidamente podemos concluir que o que atrás se disse, não é um quadro impressionista, mas antes um infeliz retrato hiper-realista do mundo em que vivemos. Um desses exemplos que, quer pela proximidade, quer pela dimensão dramática que tem assumido nos últimos anos, é a tragédia humana sentida por milhões de pessoas que, já sem nada a perder – a não ser a própria vida – arriscam tudo para, na Europa, encontrar a paz, o acolhimento e a esperança que já, não existe, que já perderam nos seus países de origem. Pessoas de carne e osso, homens, mulheres,

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crianças, velhos, diferentes entre si, diferentes de cada um de nós, mas, como nós, pessoas. Pessoas que encontraram a morte na viagem desesperada que encetaram de tantos e de tão longínquos pontos do mundo. Para aqueles que conseguiram fintar esse amargo destino, resta-lhes o acolhimento em campos que, em muitos casos, e como já se encontra profu-samente demonstrado por instituições oficiais, estão muito aquém de atingir patamares de qualidade minimamente compatíveis com o respeito pelo princípio da dignidade da pessoa humana. E é neste preciso ponto, no respeito pelo princípio da dignidade da pessoa humana, sobre o qual se sustenta o nosso património cultural e civilizacional.

Como já tive oportunidade de referir, tenho testemunhado ao longo destes anos o extraordinário esforço – mas, ao mesmo tempo também, as imensas dificuldades – que os meus homólogos e outras instituições de defesa dos direitos humanos da bacia do medi-terrâneo e do leste europeu têm sentido para fazer face ao dramatismo de uma situação que tarda em encontrar respostas coerentes e eficazes. Na verdade, pese embora alguns esforços que têm sido desenvolvidos no sentido de encontrar políticas que permitam alcançar soluções sustentáveis para este problema, a realidade, porém, é bem diversa. Per-manecem sem resposta adequada muitas das questões que se fazem sentir desde o primeiro momento em que eclodiu esta crise. A falta de um sistema que, respeitando não só a letra, mas também o espírito dos compromissos internacionais assumidos pelos Estados, per-mita, em segurança, aferir humanamente os pedidos de asilo de quem chega às nossas fronteiras, é disso um claro exemplo. É preciso mais. É preciso muito mais. É preciso, neste caso concreto, que a ação política seja forte, inequívoca e consentânea com os direitos humanos, as grandes linhas de orientação da ação e que devem ser o apanágio de todos os homens e mulheres de bem. Refira-se a este propósito, e isso é inequívoco, quer no plano nacional, quer no plano internacional, que nesta matéria Portugal tem desempenhado um papel muito importante e com uma posição perfeitamente clara de afirmação instante e intransigente dos direitos humanos. Papel, diga-se, que não tem ficado nas meras pala-vras, mas que se tem traduzido também em atos, e por isso é hoje exemplo para a própria comunidade internacional no acolhimento e integração de pessoas migrantes.

Todavia, este problema não se cinge às fronteiras da Europa. Enquanto Presidente da Federação Ibero-americana de Ombudsman, o Provedor de Justiça tem acompanhado de perto o problema de milhões de migrantes da américa latina e das caraíbas na sua longa viagem em direção ao norte do continente. Não obstante as diferenças em algumas das causas que conduzem ao fenómeno migratório, existe uma forte similitude nas problemá-ticas que atingem estas pessoas. Também elas ambicionam segurança e uma vida melhor. Também elas encetam uma viagem que coloca em risco a sua vida. Também elas, em deses-pero, entregam o destino das suas vidas a traficantes. Também elas são pessoas de carne e osso como nós.

Esta perspetiva global dos problemas, nas suas diferenças e nas suas semelhanças, ali-menta a convicção forte e firme de que em um mundo precisamente global, repleto de

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paradoxos e de contradições, a ambição e a abundância individual – dos Estados ou de uma pessoa – não são capazes de gerar caminhos para o desenvolvimento sustentável e para uma prosperidade compartilhada da polis. A instabilidade social, mais o menos pre-sente, mais ou menos difusa, mas que mesmo assim se sente, que decorre do acantona-mento do pensamento em torno do eu, tem conduzido a resultados preocupantes que atingem já o próprio núcleo dos sistemas políticos, e, com isso, o bem-estar dos cidadãos.

É incontestável que a resposta que tem sido dada aos problemas que vamos sentindo tem ido na direção de um cada vez maior fechamento dos Estados, das instituições e das próprias pessoas. Encerrados sobre si mesmos, encerrados sobre nós próprios, distancia-mo-nos, cada vez mais, da concretização efetiva e generalizada dos direitos fundamen-tais de todos os cidadãos. Uma autorreclusão ensimesmada que potencia o surgimento do extremismo ideológico, da intolerância, da exclusão do outro. Autorreclusão ensimesmada que gera o florescimento da ideia de que a minha verdade, mesmo quando não é susten-tada em factos, ou então quando não é mais que pura e simplesmente mentira, é, por que tem que ser, a realidade. A pós-verdade – repete-se, a mentira –, que ocupa já não apenas o espaço mediático, mas também o espaço político, é, digamo-lo abertamente e sem pudor, inimiga da cultura dos direitos humanos. Tudo vale e tudo é legítimo para alcançar um fim individual, mesmo que para isso, muitos homens e mulheres, nossos concidadãos, sofram no seu quotidiano uma efetiva e concreta diminuição dos seus direitos fundamentais ou até, em casos mais extremos, o seu total desrespeito. Para adensar este nódulo – para acrescentar mais um pedaço de complexidade ao mundo atual – quando isso é assinalado, quando alguém aponta, clara e corajosamente, para os perigos do que pode vir a existir ou para os problemas que já existem, não raras vezes, as pessoas não querem aceitá-los como verdadeiros, fugindo, assim, à própria realidade. Vale por dizer que este nosso tempo é também marcado pela ideia da ante-verdade. Este conceito, que vou modelando, não tem nada de abstruso. É tão só a expressão na crença de uma razão crítica que só aceita factos e que quer pôr de sobreaviso, combatendo-a, toda a ideologia do comportamento que abre estrada às nefastas “profecias que se autorrealizam”.

Perceber estes sinais, entender e agir sobre esta realidade é também missão do Provedor de Justiça enquanto órgão constitucional de promoção e de defesa dos direitos humanos, pois só assim pode contribuir para a discussão séria e aprofundada das dimensões gerais e concretas dos efetivos problemas que tocam a vida dos seus concidadãos. Neste quadro, cabe ao Provedor de Justiça afirmar, com a força que decorre da sua eleição parlamentar e do específico mandato que lhe está confiado, que a natureza universal e indivisível dos direitos humanos não pode em momento algum, ser colocada em causa e que a coragem de atuar em defesa destes valores é a única forma de lutar contra os populismos que os colocam em crise.

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3. A atividade do Provedor de Justiça no ano de 2016. Avaliação retrospetiva e caminhos para o futuro

É neste complexo contexto histórico, social e político que o Provedor de Justiça desen-volveu e tem vindo a desenvolver a sua atividade e vem trilhando o seu caminho de afir-mação e de consolidação institucional no domínio, cada vez mais amplo diga-se, das atri-buições que lhe estão confiadas. Afirmação e consolidação institucional que não têm, nem nunca poderão ter, por horizonte a vacuidade da vaidade individual. A afirmação do Pro-vedor de Justiça no espaço público e político nacional e internacional são apenas instru-mentais ao reforço das garantias e da tutela dos direitos fundamentais, porque hoje – tal como no passado – a construção de uma comunidade mais justa e desenvolvida depende, por sobre tudo, da capacidade que essa mesma comunidade tem em criar condições de bem-estar para o desenvolvimento de todo o potencial humano inerente a cada um dos seus concidadãos.

Desde o primeiro momento afirmei que para prover era em primeira linha necessá-rio perceber. Perceber todos os sinais, todos os lamentos, todas as expressões – por mais silenciosas que fossem – de descontentamento dos cidadãos. Entendia, como entendo, que a atividade do Provedor de Justiça não podia, nem pode, ser apreciada ou medida, no âmbito da sua atividade clássica, apenas pelo número de queixas que recebe ou pelo número de procedimentos que abre. É indiscutível que esses números são e serão sempre importantes. Todavia, não espelham todos os episódios do real concreto que chegam ao conhecimento do Provedor de Justiça e que exigem a sua atenção e cuidado. Por essa razão, na avaliação da atividade do ano de 2016, entendi ser importante trazer à luz do dia todas as expressões de desconforto, de descontentamento ou de queixa dos cidadãos. Só assim é possível não só conhecer melhor o trabalho desenvolvido pelo Provedor de Justiça mas, principalmente, só assim, podemos ter a noção real e concreta das preocupações e dos sentimentos que perpassam a nossa comunidade e os nossos concidadãos.

Foi também com esta linha de máxima presente e imprimindo o dinamismo atuante que caracteriza o Provedor de Justiça que, no âmbito de outras responsabilidades que estão confiadas a este órgão do Estado, foram desenvolvidos projetos e iniciativas que tocam problemas sensíveis dos nossos concidadãos, designadamente daqueles que se encontram em situação de maior vulnerabilidade. Sem prejuízo de melhor se descrever e desenvol-ver a vastidão de atividades realizadas enquanto Instituição Nacional de Direitos Huma-nos, quer no plano nacional, quer no plano internacional, merece ser feita, nestas breves palavras iniciais, uma especial referência às visitas que pessoalmente o Provedor de Justiça tem realizado aos estabelecimentos prisionais. Esta iniciativa corporiza a natureza enér-gica deste órgão do Estado, recusando a passividade, indo ao encontro da realidade, para melhor conhecer os problemas e sobre eles intervir. Foi assim ao longo de todo o ano, o que tem permitido conhecer e dar a conhecer à comunidade e aos responsáveis políticos

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a especial complexidade e as principais dificuldades sentidas no microcosmo prisional. Com isso foi já possível alcançar mudanças e compromissos para melhorar as condições de vida de quem está privado da liberdade e das pessoas que interagem com o universo penitenciário.

No plano internacional o Provedor de Justiça tem assumido particulares responsabi-lidades, não só no âmbito dos sistemas universais e regionais de promoção e de proteção dos direitos humanos, mas também, e de um jeito particularmente forte, em organizações que juntam no seu seio países com os quais partilhamos ligações históricas fortes, afetos e cumplicidades. Enquanto Presidente da Federação Ibero-americana de Ombudsman e membro da Rede de Provedores de Justiça, de Comissões Nacionais de Direitos Humanos e demais Instituições de Direitos Humanos da Comunidade dos Países de Língua Portu-guesa tem sido possível desenvolver um trabalho profícuo no tratamento de questões que atingem milhões de cidadãos deste espaço geográfico. Atuar, neste espaço, assim como atuamos no plano nacional, potencia, em muito, a procura de políticas e de ações concre-tas de defesa dos direitos das crianças, dos direitos das mulheres, dos direitos daqueles que são vítimas de tráfico de seres humanos, enfim, políticas concretas de defesa dos direitos humanos de todos os cidadãos.

Aprofundar os laços com os cidadãos, fortalecer as redes institucionais, lutar contra a passividade e contra o imobilismo, são esses os caminhos que têm de ser hoje e sempre trilhados pelo Provedor de Justiça.

4. Dizeres finais

A vida coletiva da nossa comunidade está hoje, como sempre esteve, repleta de difíceis e exigentes desafios. Desafios antigos. Desafios novos. Desafios externos que se prendem com a instabilidade internacional, face aos sinais de mudança clara em dois dos eixos sobre os quais assentou o quadro de desenvolvimento do nosso país: a Europa e a relação tran-satlântica. Mas também desafios internos. Sabemos que, não obstante os problemas mais agudos provocados pela recente crise financeira, económica e social terem sido mitigados ou, em alguns casos, ultrapassados, persistem ainda muitas situações de grande vulnerabi-lidade dos cidadãos, designadamente em matéria de concretização de direitos económicos e sociais. Para muitas pessoas, para muitas famílias muitos dos seus problemas perduram.

Uma vez que a situação política, económica e financeira internacional traz consigo sinais de inquietação e que os meios para intervir são escassos é decisivo que Portugal conte com o contributo de todos. De todos os homens e de todas as mulheres. De todas as organizações da sociedade civil. De todas as forças sociais. De todos os atores políticos. Só assim poderemos construir aquilo que seguramente nos une, aquilo que seguramente todos ambicionamos: um país mais justo, mais desenvolvido e mais igual.

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Para esse alcançar esse desígnio, Portugal pode contar, como sempre contou, com a participação ativa, livre e independente do Provedor de Justiça. O compromisso ético que assumiu e o juramento constitucional que prestou são hoje, e terão que ser sempre, o teste-munho e a garantia de que Portugal tem um órgão do Estado que vela pela justiça concreta e pela defesa instante e intransigente dos direitos fundamentais de todos os cidadãos.

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O Provedor de Justiça e seus Colaboradores

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1. A atividade do Provedor de Justiça

na apreciação das queixas

> Escadas do edifício do órgão do Estado Provedor de Justiça

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1. A atividade do Provedor de Justiça na apreciação das queixas

1.1. Estatísticas: algumas notas

A missão do Provedor de Justiça, no tocante ao seu recorte clássico, consubstancia-se em uma intensa atividade de apreciação das queixas, bem como de todas as solicitações que os cidadãos lhe dirigem sobre a atuação administrativa dos poderes públicos ou de entidades privadas que prestam serviços essenciais à comunidade.

Este relatório dá a conhecer, pela primeira vez, toda a extensão do trabalho desenvol-vido pelo Provedor de Justiça, através da análise de todas as comunicações e solicitações recebidas, independentemente do meio utilizado, por este órgão do Estado com o relato de situações novas ou de elementos relevantes à instrução de questões já em apreciação. A análise que ora se faz ancora-se na circunstância de o ano de 2016 ser o primeiro ano completo de funcionamento pleno do projeto integrado de atendimento ao cidadão e do novo sistema informático de gestão procedimental, iniciados, respetivamente, em setem-bro e em abril de 2015.

Gráfico I

Solicitações dirigidas ao Provedor de Justiça no ano de 2016

4026 5824

28333

Registos de entradas de queixas e outras

comunicações

Chamadas - Linhas da Criança, do Cidadão Idoso e da Pessoa com Deciência

Atendimentos presenciais e telefónicos

0

5000

10000

15000

20000

25000

30000

Total =38 183

Por conseguinte, no ano de 2016, o Provedor de Justiça recebeu 38 183 solicitações, como se observa no gráfico supra. Estas solicitações correspondem a 28 333 registos de entrada de queixas e de outras comunicações, 4026 chamadas telefónicas recebidas através das Linhas da Criança (541), do Cidadão Idoso (2878) e da Pessoa com Deficiência (607) e 5824 atendimentos prestados, presencial ou telefonicamente, pela Divisão de Informação e Relações Públicas. Estes dados estatísticos – que serão objeto de análise desenvolvida ao longo do presente relatório – espelham o volume de trabalho que, diariamente e de modo

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instante, exigem a atenção do Provedor de Justiça, a que acrescem as atividades realiza-das por este órgão do Estado enquanto Instituição Nacional de Direitos Humanos(1) e de Mecanismo Nacional de Prevenção(2), bem como a intervenção no plano internacional(3).

De seguida apresentam-se alguns dados estatísticos que esclarecem, em termos quan-titativos, a atividade desenvolvida pelo Provedor de Justiça no tratamento de queixas e de outras comunicações novas e dos procedimentos que, por sua própria iniciativa, determi-nou a abertura com a finalidade de indagar as situações que chegam ao seu conhecimento e que podem ser lesivas dos direitos fundamentais.

Gráfico II Ano de 2016 – Atividade de apreciação de comunicações

1638 1602

10115

6875

TotalProcedimentos de queixa

Indeferimentosliminares

Arquivamentos liminares

0

2000

4000

6000

8000

10000

12000

O gráfico acima apresentado – introduzido, pela primeira vez, no Relatório à Assem-bleia da República 2013 – retrata o exercício da função do Provedor de Justiça na sua atividade tradicional de apreciação de queixas conjugada com os procedimentos que abre por sua iniciativa. Assim, qualquer comunicação dirigida a este órgão do Estado é objeto de uma análise preliminar, que pode, ou não, conduzir à decisão de abertura de procedi-mento. Deste modo, o exame da atividade anual do Provedor de Justiça não se deve esgo-tar nos procedimentos abertos, mas atender, de igual jeito, ao trabalho desenvolvido no âmbito dos indeferimentos liminares e nas exposições liminarmente arquivadas. Refira-se ainda que as comunicações subsequentes que versem sobre uma matéria já objeto de ins-trução em um procedimento aberto são neste integradas, não se contabilizando, por isso, de forma autónoma na representação gráfica em análise. Por outras palavras, um procedi-mento de queixa aberto pode englobar várias queixas que incidam sobre a mesma matéria, incorporando, assim, todas aquelas pretensões.

(1) Cf. infra ponto 3.(2) Cf. Relatório à Assembleia da República 2016. Anexo: Mecanismo Nacional de Prevenção.(3) Cf. infra ponto 4.

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Gráfico III

Total de procedimentos abertos

7329

85188512

Por queixa Iniciativa do Provedor de Justiça Reabertos

2013 2014 2015 2016

6875

89

14

8

8

6

00

No ano de 2016 foram abertos 6883 procedimentos, 6875 dos quais pela apresentação de queixa, o que corresponde a uma diminuição de 6% face ao valor registado em 2015. Não obstante esta diminuição – inferior à verificada de 2014 para 2015 –, o número de procedimento abertos no ano a que se refere este relatório é o quinto mais elevado nos 41 anos de atividade deste órgão do Estado, só sendo superado pelos valores registado entre os anos de 2012 a 2015.(4) Foram, ainda, abertos 8 procedimentos por iniciativa do Provedor de Justiça, valor idêntico ou semelhante ao registado nos últimos anos.

Gráfico IV

Total de queixas indeferidas liminarmente

1290

1710

2012 2013

17541638

1815

2015 20162014

Total de queixas indeferidas liminarmente

(4) Importa sublinhar que os valores, aparentemente idênticos ou até superiores, registados na segunda metade da primeira década deste século continham a consideração das queixas indeferidas liminarmente, desde 2011 não dando origem à abertura de procedimento. Em 2016, como adiante se verá, computaram-se 1638 casos desta natureza.

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O número de queixas indeferidas liminarmente desceu também, em idêntica propor-ção ao que se verificou no quantitativo dos procedimentos abertos (em termos absolutos, corresponde a menos 116 unidades). Sublinha-se que as queixas são indeferidas liminar-mente quando versem sobre matéria que esteja fora do âmbito de competência do Prove-dor de Justiça, quando seja prematura a sua intervenção por falta de intervenção prévia da entidade administrativa hierarquicamente competente ou com poderes de controlo interno ou de supervisão sobre a entidade visada. A estes fundamentos acrescem as ques-tões que visem temática envolvida por iniciativa legislativa que esteja a seguir a sua normal tramitação ou que tenha sido, ou esteja a ser, objeto de apreciação judicial.(5)

Não obstante não dar origem a abertura de procedimento de queixa(6), o indeferimento liminar é antecedido sempre por uma análise sumária da questão – tal como em todas as outras comunicações – e, por vezes, por um pedido de aperfeiçoamento dirigido ao quei-xoso, antes de se tomar a decisão sobre o destino a dar à queixa. É, de igual jeito, prestada sempre uma elucidação – por meio de contacto telefónico ou comunicação escrita – ao queixoso e, quando a situação o determine, procede-se ao encaminhamento para a enti-dade competente.

Gráfico V Exposições liminarmente arquivadas

Total de exposições liminarmente arquivadas

1430 1499

1602

2075

2012 2013 2015

1026

2014 2016

(5) Cf. n.os 2 e 3 do artigo 22.º e o n.º 2 do artigo 27.º do Estatuto do Provedor de Justiça (EPJ), aprovado pela Lei n.º 9/91, de 9 de abril, na redação dada pela sua última alteração operada pela Lei n.º 17/2013, de 18 de fevereiro. Veja-se, ainda, o artigo 17.º do Regulamento Interno, aprovado por Despacho do Provedor de Justiça n.º 10 974/2014, publicado no Diário da República, n.º 165, 2.ª série, de 28 de agosto de 2014.(6) O que, frisa-se, sucede desde 2011.

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Como resulta do gráfico supra, no que respeita às comunicações qualificadas como exposições(7), regista-se o prosseguimento da tendência de crescimento, observada desde 2014. Com efeito, em 2016, verificou-se um aumento de 7% do número de exposições face ao do ano de 2015. O tratamento destas comunicações, por regra, não exigem uma reação expressa por parte do Provedor de Justiça, todavia sempre se tomando boa nota, no quadro da matéria a que diz respeito, o respetivo teor. Todavia, caso se justifique, é tam-bém feita a elucidação do queixoso, explicando-se, por via desta, o âmbito de intervenção deste órgão do Estado.

Das 1602 exposições recebidas, 81 eram anónimas, o que corresponde a 70% do valor observado no ano anterior (116).

Quadro 1

Natureza dos primeiros queixosos em procedimentos abertosPessoas singulares 6578Pessoas coletivas 297Total de queixosos 6875

Como se pode observar no quadro supra, a propósito da natureza do primeiro queixoso em cada procedimento de queixa(8), em 2016 acentuou-se ligeiramente a predominância das pessoas singulares de 95,3% (face à proporção de 94,8% verificada no ano anterior).

No tocante à repartição por género das pessoas singulares, verifica-se que predomi-nam as queixas apresentadas por pessoas do género masculino (58,3%), valor que é ligei-ramente superior ao registado em 2015 (57,6%).

(7) São entendidas como exposições as comunicações que, pelo seu caráter anónimo ou genérico, não motivam in-tervenção específica do Provedor de Justiça, sendo liminarmente arquivadas. A título exemplificativo refiram-se as exposições que se limitam a dar conhecimento ao Provedor de Justiça de um facto ou de uma situação sem pretensão de qualquer intervenção, as exposições que não concretizam factos ou situações que contendam com direitos e interesses legalmente protegidos ou, ainda, as que configurem simples pedidos de informação sem ligação a uma situação concreta nem interesse geral.(8) Saliente-se que, em determinados casos, um único procedimento pode incorporar mais do que uma queixa pro-veniente de mais do que uma pessoa. Deste modo, os dados apresentados no presente relatório, e diversamente do que sucedeu em anos transatos, apenas dizem respeito à qualificação do primeiro queixoso de cada um dos procedimentos de queixa abertos.

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Gráfico VI Tipo de pessoa coletiva queixosa

0

50

100

150

109

5762

2313 10 6 3

14

Entidades públicas Comissões de residentes

Sociedades AssociaçõesSindicatos e Associações Sindicais Associações profissionais

Comissões de trabalhadores Partidos políticos

Outros

N = 297

No que respeita à tipologia de pessoas coletivas cuja queixa deu origem a procedi-mento, através do gráfico antecedente podemos observar que o primeiro lugar, em 2016, foi ocupado pelas empresas (109 casos face aos 97 ocorridos em 2015), seguindo-se os sindicatos (62 casos face aos 71 ocorridos em 2015) e as associações (57 casos face aos 71 ocorridos em 2015). Sublinha-se, ainda, o aumento do número de queixas apresenta-das por entidades públicas face ao ano anterior (de 6 casos em 2015 para 13 em 2016). Assinala-se, porém, que estas só são aceites se apresentadas no interesse de particulares, já que qualquer pedido de parecer ou de intervenção em conflitos internos à administração pública é objeto de indeferimento liminar.

Quadro 2

Número de procedimentos abertos e reabertosPor queixa escrita 1767Por queixa verbal ou presencial 282Por queixa recebida por via eletrónica 4826Por iniciativa do Provedor de Justiça 8Total de procedimentos abertos 6883Procedimentos reabertos 0Total de procedimentos abertos e reabertos 6883

Prosseguindo a tendência quase ininterrupta de décadas, o recurso aos meios eletróni-cos (que engloba a utilização do correio eletrónico e do formulário de queixa disponível

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no sítio institucional(9)) cresceu como meio de contacto privilegiado para a apresentação de queixa ao Provedor de Justiça, correspondendo em 2016 a 70% do total (valor que, em 2015, foi de 66%, ano em que verificou um recuo episódico de um ponto percentual face ao ano anterior). Por seu turno, a utilização da via postal diminuiu, face a 2015, em quatro pontos percentuais (26% em 2016 face aos 30% em 2015).(10)

No tocante à apresentação verbal de queixas verificou-se a diminuição de um ponto percentual, o que corresponde, em termos absolutos, a uma diminuição de 350 para 282 casos face ao ano de 2015. Refira-se também a ocorrência de uma quebra do número de queixas apresentadas verbalmente em um ponto percentual, o que corresponde, em ter-mos absolutos, a descida de 350 para 282 casos(11), em continuidade com a tendência veri-ficada nos anos anteriores.

Quadro 3

Número de procedimentos em instruçãoProcedimentos que transitaram de 2011 2Procedimentos que transitaram de 2012 31Procedimentos que transitaram de 2013 140Procedimentos que transitaram de 2014 652Procedimentos que transitaram de 2015 2711Soma dos procedimentos anteriores a 2016 3536Procedimentos abertos em 2016 6883Procedimentos de anos anteriores reabertos em 2016 0

Total de procedimentos em instrução 10 419

Conforme resulta do quadro supra, no ano de 2016, o volume dos procedimentos em instrução foi apenas muito ligeiramente inferior ao ocorrido em 2015, descendo apenas 90 unidades, de 10 509 para 10 419.(12) Este valor engloba os procedimentos abertos no próprio ano e os que transitaram de anos anteriores.

(9) Por utilização do formulário eletrónico, registaram-se 2625 casos, correspondendo a 54% do valor do uso de meios eletrónicos.(10) Incluem-se os casos, cada vez mais residuais, de utilização de faxe, que, no ano em apreço, ocorreu em 17 ocasiões.(11) Em que se incluem 27 queixas apresentadas por telefone.(12) Quebra de 0,9%.

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Quadro 4

Número de procedimentos arquivados e rearquivadosProcedimentos arquivados que transitaram de 2011 2

Procedimentos arquivados que transitaram de 2012 15

Procedimentos arquivados que transitaram de 2013 81

Procedimentos arquivados que transitaram de 2014 424

Procedimentos arquivados que transitaram de 2015 2049

Soma dos procedimentos arquivados anteriores a 2016 2571

Procedimentos arquivados abertos em 2016 4548

Procedimentos reabertos e rearquivados em 2016 0

Total de procedimentos arquivados e rearquivados 7119

Observado o quadro antecedente que traduz o número de procedimentos arquivados, por ano da respetiva entrada, destaca-se, em um primeiro momento, a subida, em três pontos percentuais, de 63% para 66%, da proporção de procedimentos abertos no ano de 2016 e que foram arquivados ainda durante o decurso do mesmo ano. Destaca-se, tam-bém, o arquivamento de mais de 145 procedimentos face ao ano anterior (6974 procedi-mentos em 2015 para 7119 procedimentos no ano de 2016).

Quadro 5

Número de procedimentos pendentes em 31 de dezembroProcedimentos transitados de 2011 0

Procedimentos transitados de 2012 16

Procedimentos transitados de 2013 59

Procedimentos transitados de 2014 228

Procedimentos transitados de 2014 662

Soma dos procedimentos anteriores a 2016 967

Procedimentos abertos em 2016 2335

Procedimentos reabertos em 2016 0

Total de procedimentos pendentes 3300

No tocante aos procedimentos pendentes em 31 de dezembro de 2016, assinala-se como muito positiva a diminuição em 7% da pendência procedimental, invertendo-se a tendência verificada nos anos anteriores. Com efeito, no final do ano de 2016 estavam pendentes 3300 procedimentos (valor que é inferior em 236 unidades àquele que se veri-ficava em igual período de 2015, o qual se cifrou em 3536 procedimentos). Sublinha-se que o valor da diminuição dos procedimentos pendentes (236 unidades, como referido)

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supera a diferença do número de procedimentos em instrução face ao ano anterior (apenas menos 90 procedimentos em instrução em 2016 face ao ano de 2015). Isto significa que existe um resultado líquido positivo em virtude do trabalho desenvolvido na resolução dos casos concretos que foram submetidos à apreciação do Provedor de Justiça.

Em termos que adiante se explicitarão com mais detalhe, a redução de pendências inci-diu com maior acuidade no universo de procedimentos mais recentes.

Gráfico VII

Procedimentos entrados, ndos e pendentes em 31 de dezembro

Entrados Findos Pendentes em 31/12

12297

2013 20140

1000

2000

3000

4000

5000

6000

7000

8000

9000 85408521 81147979

31672741

2015 2016

7342 6974 6883 7119

3536 3300

Da leitura do gráfico supra, evidencia-se que o aumento do número de procedimentos arquivados em 2016, de 2% face a 2015, ocorreu em contraposição à tendência de decrés-cimo no número de procedimentos abertos no mesmo ano (de 6% entre os dois anos acima referidos).

Como já vinha sendo assinalado nos últimos relatórios anuais de atividades, não obs-tante se verificar uma tendência de aumento de número de procedimentos pendentes no final de cada ano civil, o valor desse aumento em termos comparativos foi sofrendo uma atenuação gradual. No ano de 2016 alcançou-se o ponto de viragem da tendência, com o registo de um efetivo decréscimo dos procedimentos pendentes.

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Quadro 6

Resumo do movimento de procedimentosTotal de procedimentos transitados de 2015 3536

Total de procedimentos entrados (e reabertos) 6883

Total de procedimentos arquivados e rearquivados 7119

Procedimentos entrados e arquivados em 2016 4548

Procedimentos pendentes em 31 de dezembro 3300

O quadro anterior sumaria as observações tecidas, a propósito dos procedimentos tra-mitados em 2016. Dos 10 419 procedimentos instruídos em 2016, somando-se os tran-sitados de 2015 e os procedimentos abertos no ano a que se refere este relatório, 68,3% foi objeto de arquivamento (7119), proporção esta superior, em dois pontos percentuais, ao que ocorreu no ano anterior. Se tomarmos apenas em consideração os procedimentos abertos em 2016, observa-se que dois terços foram encerrados ainda durante este ano.

Gráfico VIII

Motivo de arquivamento

Reparação de ilegalidade ou injustiça durante instrução

3230

36117 4

506169 84

2334

302 1120

1000

3000

2000

3500

Arquivamento sumário

Emissão de recomendação do Provedor de Justiça

Iniciativa de ­scalização de constitucionalidade ou legalidade

Chamada de atenção ou sugestão

Encaminhamento do queixoso

Conhecimento superveniente de incompetência

Desistência expressa ou tácita do queixosoQueixa provida sem reparação posterior da ilegalidade ou da injustiça

Improcedência da queixa

N = 7119

Em um cenário de aumento do número de arquivamentos, no que respeita aos seus fundamentos, a principal observação incide no significativo crescimento dos casos em que

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se deu por alcançada a reparação da ilegalidade ou da injustiça verificadas, em linha de continuidade com a tendência já verificada anteriormente. Concretizando: com o men-cionado fundamento encerraram-se 45,4% dos procedimentos arquivados em 2016 (em 2015 o valor registado foi de 42,6% e, em 2014, foi de 39,2%. Refira-se, ainda, que, em termos relativos, ocorreu um pequeno aumento dos casos de encaminhamento para meio adequado de garantia dos direitos e interesses em presença. Assinala-se, também, que aquela subida percentual nos casos adequadamente resolvidos verificou-se com a similar descida no número de procedimentos arquivados com fundamento em improcedência da queixa (de 32,8%, em 2016, em comparação com o valor de 37,8%, verificado no ano de 2015, e o de 38,6%, registado no ano de 2014).(13)

Refira-se que se sinalizaram os casos em que, ocorrendo provimento da queixa, não foi alcançada a solução considerada como minimamente reparadora. Dito de outro modo: identificaram-se os casos em que, apesar de o Provedor de Justiça ter dado provimento, no todo ou pelo menos em parte significativa, à pretensão do queixoso, não se obteve solução que sanasse a ilegalidade ou a injustiça. Foi o que sucedeu em 112 casos, correspondendo a 1,6% do total de procedimentos arquivados.(14)

Em número praticamente similar ao registado no ano anterior (em 2016 fixou-se em 17, descendo uma unidade face a 2015), o procedimento terminou com a emissão de reco-mendação.(15) Foram dirigidas doze recomendações (oito em 2015), das quais seis tinham objeto geral ou normativo e as restantes seis visaram o aperfeiçoamento da atividade admi-nistrativa. Do mesmo modo, as três iniciativas de fiscalização abstrata sucessiva da consti-tucionalidade justificaram o arquivamento de quatro procedimentos.

Em 169 casos os procedimentos foram arquivados com a formulação de chamada de atenção aos órgãos ou serviços competentes, verificando-se uma ligeira diminuição deste fundamento de arquivamento face do ano de 2015 (em que o número se cifrou em 184 situações).

(13) Há que assinalar que, em 2014 e 2015, estão incluídos nesta categoria os procedimentos referidos no parágrafo seguinte, em proporção que não terá sido decerto radicalmente diversa.(14) Valor que se cifra em 3%, se retirarmos do universo total, os casos de improcedência ou em que não foi formulado qualquer juízo sobre a bondade da queixa.(15) Importa esclarecer, para uma melhor compreensão dos dados, que uma recomendação, não raras vezes, congrega o objeto de vários procedimentos. Por este motivo, o número de procedimentos concluídos com base em este funda-mento é necessariamente igual mas pode ser superior ao número das recomendações emitidas pelo Provedor de Justiça.

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Gráfico IX

Até 30 dias22%

Entre 31 e 90 dias 27%

Entre 91 e 180 dias 18%

Entre ano e meio e dois anos

4%Mais de 2 anos

4%Entre ano e ano e meio

7%

Entre 271 e 365 dias7%

Entre 181 e 270 dias11%

Duração dos procedimentos arquivados em 2016

N = 7119

A recuperação da pendência procedimental alcançada no ano de 2016 tem necessaria-mente impacto no maior peso de procedimentos com maior antiguidade face ao que se verificou em anos anteriores. Feita esta explicação, é com naturalidade que se verifica que em 85% dos procedimentos arquivados observou-se o prazo máximo tendencial, há muito definido, de doze meses desde a data da sua abertura, registando-se, em 2016, uma descida de seis pontos percentuais face ao ano anterior. Em 22% dos procedimentos, a decisão demorou menos do que 30 dias, proporção que alcança quase 50%, se tomarmos como referente o limiar de 90 dias para a conclusão dos procedimentos.

No que respeita à duração dos procedimentos abertos em 2015(16), e tendo por hori-zonte a referida pendência máxima por doze meses, conclui-se que a instrução daqueles cumpriu este prazo em 84% dos casos.

(16) Só possível de se conhecer a partir da realidade vivida doze meses depois do fim do ano de referência.

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Gráfico X

Assuntos tratados nos procedimentos abertos

N = 6883

Fiscalidade 18,9%

Assuntos penitenciários2,7%

Segurança social21,3%

Outros assuntos11,2%Nacionalidade

1,4%Assuntos �nanceiros1,6%

Ambiente e recursos naturais2,7%

Urbanismo e habitação3,0%

Direitos dos estrangeiros2,8%

Educação3,6%

Assuntos rodoviários2,1%

Saúde3,9%

Ordenamento do território

3,7%

Serviços públicos essenciais3,7%

Administração da justiça7,5%

Relação de emprego público

10,0%

No que se refere à repartição dos procedimentos instruídos em função dos assuntos mais tratados nos procedimentos instruídos, verifica-se a coincidência na identidade e na ordenação das quatro temáticas tradicionalmente mais frequentes: questões relativas à segurança social (verificando-se um aumento de quase dois pontos percentuais face a 2015), à fiscalidade (registou um aumento superior a três pontos percentuais face a 2015) e, mantendo o terceiro lugar, surgem as questões respeitantes ao emprego público, ainda que se tenha verificado um decréscimo de dois pontos percentuais face a 2015.(17) No seu conjunto, em 2016, as matérias referidas representaram 57,7% do total de procedimentos abertos, enquanto, no ano anterior, aquela representação cifrou-se em 54,4%.

Não curando das modificações de posição relativa em alguns casos ocorridas nas res-tantes temáticas, assinala-se, como casos de crescimento em termos absolutos mais impres-sivos,(18) os procedimentos de queixa relativos às matérias do urbanismo e da habitação (16%), os referentes às questões de educação (12%) e aos assuntos penitenciários (10%).

(17) Não obstante as diferenças percentuais indicadas, na comparação com o ano transato, a realidade, em termos absolutos, pode ter uma outra expressão. Assim, no que respeita à segurança social o aumento verificado corresponde a 33 situações, à fiscalidade, o aumento corresponde a 153 situações e à relação de emprego público verificou-se uma diminuição em 160 situações.(18) Superiores a 10%, interessando lembrar o decréscimo sofrido no número total de procedimentos.

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Em sentido inverso, assinala-se a diminuição, em termos absolutos, nos temas atinen-tes aos assuntos rodoviários (menos 37%)(19), às questões de ordenamento do território (menos 14%) e às de nacionalidade (menos 12%).

Gráfico XIEntidades visadas

Administração Central Administração Indireta e Autónoma Administração Regional dos Açores

Administração Regional da MadeiraAdministração Local

Entidades Independentes Entidades Particulares e Estrangeiros

N = 7425

0

500

1000

1500

2000

2500

3000

2487

44 51

717

35003075

561 360

Como nótula prévia à análise do gráfico supra refira-se que o número total de entidades visadas nos procedimentos abertos é superior ao número destes, uma vez que em um só procedimento de queixa pode ser visada mais do que uma entidade.(20)

A análise do gráfico permite verificar a grande regularidade na proporção relativa à administração central e à administração indireta e autónoma, com observância de varia-ções apenas na administração local e nas entidades independentes (em que se registou, respetivamente, um aumento de dois pontos percentuais e uma diminuição de três pontos percentuais).

Um olhar sobre os números absolutos, para além do que sustenta as variações assinala-das, permite registar o aumento dos procedimentos de queixas visando as administrações regionais, com maior ênfase no caso da Região Autónoma da Madeira (de 29 casos para 51)(21) do que no da Região Autónoma dos Açores (de 32 casos para 44).(22) Mantém-se atual a conclusão de que a maior parte das queixas oriundas de residentes no território

(19) Efeito que se conjuga e continua a quebra, para metade, já sofrida em 2015 face ao ano anterior.(20) Em cenário muito mais acentuado em 2016 do que no ano anterior, com os rácios, respetivamente, de 1,079 e 1,009.(21) A administração regional direta foi visada em 39 procedimentos de queixa e a administração indireta em 12.(22) A administração regional direta foi visada em 33 procedimentos de queixa e a administração indireta em 11.

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de qualquer das Regiões Autónomas visam entidades não integradas na administração regional.(23)

Gráfico XII

1005

363 358233

154 55 35 33 27224

0

Distribuição das queixas por ministério

N = 2487

500

1000

1500

Ministério das Finanças

Ministério da Educação Ministério da Administração Interna

Ministério da Justiça

Ministério da SaúdeMinistério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social

Ministério da Economia

Ministério da Defesa Nacional

Ministério dos Negócios Estrangeiros

Outros

O gráfico antecedente espelha a distribuição das queixas, em que foi visada a adminis-tração central, pelos diversos ministérios.(24)

Em linha de continuidade com o observado no ano anterior, os três ministérios mais visados, no ano de 2016, foram o das Finanças (1005), o da Educação (363) e o da Admi-nistração Interna (358), tendo o seu peso relativo total aumentado de 67% para 69%. Verifica-se, também e por comparação com o ano anterior, o aumento das queixas em que é visado o Ministério das Finanças (de 869 em 2015 para 1005 em 2016) e a diminuição das mesmas quanto à atuação do Ministério da Educação(25) (de 481 em 2015 para 363 em 2016). Uma vez mais, esta evolução reflete a subida de queixas em matéria de fiscalidade e, outrossim, a descida registada em matéria de relação de emprego público, sendo evidente o peso que, pelo quantitativo dos seus trabalhadores, representa o Ministério da Educaçãoquanto a esta última temática.

(23) Cf. infra pontos 1.2.7.1. e 1.2.7.2..(24) Assinale-se que, em idêntico lugar do relatório respeitante a 2015, utilizou-se orgânica governamental distinta:no caso a do XIX Governo Constitucional.(25) Não sendo significativa a cisão, com a criação do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.

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Nos demais ministérios, assinala-se o crescimento significativo de queixas visando o Ministério da Saúde, passando de 6% do total desta categoria, em 2015, para 14% em 2016.

Gráfico XIII

980

317

207 170 140 51 28235

0

Distribuição das queixas por ministério(excluindo as questões sobre relação de emprego público)

N = 2128

500

1000

1500

Ministério das Finanças

Ministério da Justiça

Ministério da Administração Interna

Ministério da Educação

Ministério da SaúdeMinistério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social

Outros

Ministério da Economia

Excluindo do universo de análise as queixas em que estavam em causa questões rela-cionadas com o emprego público na administração central (359 casos, comparando com os 535 casos registados no ano antecedente), verifica-se, com naturalidade, a manutenção dos ministérios mais visados, com exceção do Ministério da Educação, que, deste modo, passa do segundo lugar para o quarto, refletindo a dimensão do seu quadro de pessoal. Tal como se registou no ano anterior, em 2016 continuou a assistir-se a pouca expressão das questões laborais no seio das queixas em que a entidade visada foi o Ministério da Saúde.

Os procedimentos de queixa contra municípios aumentaram, invertendo-se a ten-dência anteriormente verificada (658 queixas recebidas em 2016 face às 553 em 2015). Mantendo-se a concentração de queixas em alguns municípios, os dez mais visados repre-sentam cerca de 1/3 do total de queixas visando entidade desta natureza. Assinala-se a per-manência, nos lugares cimeiros, dos municípios de Lisboa (92 procedimentos face a 81 no ano anterior, corrigindo ligeiramente a forte quebra então registada face a 2014) e de Sintra (subindo de 19 procedimentos, em 2015, para 27 casos no ano de 2016). Os muni-cípios do Porto e de Cascais mantêm os números de 2015, sendo de realçar o número de queixas recebidas contra o Município da Amadora (21), tornando-o a terceira autarquia mais visada em 2016.

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Gráfico XIV

.00

2.004.00

6.00

8.00

10.0012.0014.00

Queixas por 10 000 habitantes: distritos e Regiões Autónomas

2014 2015 Média nacional = 5,942016

Aveiro Beja

Braga

Bragança

Castelo Branco

Coimbra

Évora

Faro

Guarda

Leiria

Lisboa

Portalegre

Porto

Santarém

Setúbal

Vila Real

Vise

u

Açores

Madeira

Viana do Castelo

Quadro 7

Queixas em função da população - os cinco maiores valores2012 2013 2014 2015 2016

1.º Lisboa Lisboa Lisboa Lisboa Lisboa2.º Santarém Setúbal Setúbal Porto Setúbal3.º Madeira Madeira Coimbra Setúbal Madeira4.º Setúbal Faro Faro Viana

do CasteloViana

do Castelo5.º Açores Porto Porto Coimbra Coimbra

Para uma análise da distribuição das queixas oriundas consabidamente do território nacional, o gráfico supra apresenta a evolução nos últimos três anos, por confronto com a população residente em cada distrito ou Região Autónoma.

Computando-se a média nacional em 5,94 queixas por 10 mil habitantes,(26) superior a esta só se registam os valores respeitantes aos distritos de Lisboa (10,05), de Setúbal (7,46), da Região Autónoma da Madeira (6,39) e do distrito de Viana do Castelo (6,12). Sublinha-se a descida acentuada de queixas oriundas do distrito do Porto. Uma vez mais,

(26) Assinale-se que os valores em causa são influenciados, em cada ano, não só pelo maior ou menor peso das queixas oriundas do estrangeiro, mas principalmente pelo das queixas que, sendo apresentadas por via eletrónica, não chegam a ver identificada a sua origem geográfica. Em 2016, este valor foi de 494, em forte aumento face ao ano anterior (375).

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a litoralização do território é evidente, mesmo desconsiderando-se a da população, uma vez que não está em causa a apreciação de números absolutos.

Atentando, por seu turno, aos cinco distritos com valores mais baixos, encontramos, por ordem decrescente, com três repetições face a 2015, os distritos de Castelo Branco (3,41), de Leiria (3,36), de Viseu (2,91), de Vila Real (2,81) e da Guarda (1,93). Com exceção de Leiria, a marca de interioridade é evidente.

Em termos absolutos, as maiores quebras foram sentidas nos distritos de Lisboa (menos 428 queixas), do Porto (menos 354 queixas) e de Leiria (menos 59 queixas. Por contraposição, os maiores aumentos verificaram-se nos distritos de Viseu (mais 93 quei-xas, sextuplicando o valor de 2015), de Setúbal (mais 59 queixas) e na Região Autónoma da Madeira (mais 29 queixas).

Após o forte decréscimo ocorrido no ano anterior – em cerca de dois terços –, o número de queixas oriundas do estrangeiro aumentou, passando de 83 para 103 unidades (registando-se, pois, um aumento de 24%).

Em conclusão desta análise estatística inicial, tecem-se ora algumas observações que resultam da análise das respostas dadas pelos queixosos que preencheram o questionário, de cariz inteiramente facultativo e anónimo, que lhe é remetido no momento da comuni-cação da decisão de abertura de procedimento de queixa.

A proporção das respostas recebidas apresentou um valor intermédio face ao que se verificou nos dois anos antecedentes. Assim, registou-se uma subida de três pontos per-centuais, tendo sido validadas 2597 respostas, correspondendo a uma taxa de 38%. Esta taxa de resposta corresponde àquela que se verifica nos respondentes pessoas singulares (2527 casos), sendo o seu valor mais baixo (24%, correspondendo a 70 respostas) no uni-verso das pessoas coletivas.

Relativamente às pessoas singulares, foi indicado o género em 2409 questionários (correspondendo a 95%), verificando-se uma maioria de respostas dadas por pessoas do género masculino (59%).

No que respeita à circunstância de se tratar de pessoa que anteriormente já havia recor-rido ao Provedor de Justiça, observou-se que na maioria das situações tal tinha acontecido (77%). De entre as situações que mencionaram a apresentação de queixa anterior (em 594 casos), 45% apresentavam queixa por uma segunda vez, 46% fazia-o pela terceira, quarta, quinta ou sexta vezes, e 10% indicou que se tratava da sétima vez ou mais, em que se quei-xava ao Provedor de Justiça.(27)

(27) Em 4% dos casos não se especificou este elemento.

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Se estas indicações quantitativas são igualmente válidas para o universo das pessoas sin-gulares, a realidade no universo de pessoas coletivas respondentes mostra-se diverso. Assim, de entre estas, 74% apresentavam queixa pela primeira vez. Das demais, apenas 17% o faziam pela segunda vez, 56% pela terceira a sexta vezes e 28% mais do que seis vezes.

Em 2446 respostas foi indicada a idade, em termos muito similares ao que se verificou no ano anterior. Assim, há apenas a registar a descida (em três pontos percentuais, para 13%) na percentagem dos respondentes com idade compreendida entre os 60 e os 65 anos, e o aumento verificado, principalmente, da categoria com idade compreendida entre os 40 e os 49 anos (24%). Manteve-se em 18% a percentagem de respondentes com idade superior a 65 anos, em 17% a dos respondentes com idade compreendidas entre os 30 e os 39 anos e em 23% a dos que declararam ter entre 50 e 59 anos de idade. Com idade inferior a 18 anos, apenas foram recebidos seis questionários.

Relativamente às habilitações académicas, refira-se que 46% dos respondentes decla-raram possuir grau superior, valor em linha de continuidade com os verificados nos anos antecedentes, assim com a sua repartição pelos diversos ciclos de estudos definidos. Per-sistiu a tendência de ligeiro abaixamento dos respondentes que declaram apenas possuir o primeiro ciclo do ensino básico (11%). A separação por género indica, no caso feminino, uma maior proporção com habilitação superior (50%). Dividindo em três categorias o universo dos respondentes com mais de trinta anos, a proporção dos que detêm estudos superiores quase duplica, nos menores de 39 anos face aos que contam mais de 60 anos de idade. A proporção daqueles que declararam não possuir qualquer habilitação ou apenas o primeiro ciclo do ensino básico foi de 2,7%, no primeiro grupo, e de 25,2%, no segundo, ou seja, quase decuplica.

No que respeita à situação socioprofissional declarada, mostra-se singularmente uni-forme a percentagem de quem declarou encontrar-se em situação de desemprego (15%). A proporção de respondentes em situação de aposentação ou de reforma continuou a des-cer ligeiramente (um ponto percentual em cada um dos últimos dois anos). Refira-se, por fim, que 21% dos respondentes indicaram exercer a sua atividade no setor público.

1.2. Defesa e promoção dos direitos fundamentais

O Provedor de Justiça tem por missão tradicional a apreciação das queixas que os cida-dãos lhe dirigem relativamente aos atos ou às omissões da administração pública, no exer-cício da atividade administrativa, e, bem assim, à atuação «das entidades privadas que exercem poderes públicos ou que prestem serviços de interesse geral.»(28)

(28) N.º 1 do artigo 2.º do EPJ.

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Com vista a levar a cabo este desiderato, o Provedor de Justiça desenvolve esta ativi-dade, repartindo o tratamento dos procedimentos por seis unidades temáticas que tra-tam das seguintes matérias: a) direitos ambientais, urbanísticos e culturais; b) direitos dos agentes económicos, dos contribuintes e dos consumidores; c) direitos sociais; d) direitos dos trabalhadores; e) direito à justiça e à segurança; e, por fim, f ) direitos, liberdades e garantias; saúde, educação e valorações de constitucionalidade.

1.2.1. Direitos ambientais, urbanísticos e culturais

No ano de 2016, foram abertos nesta unidade temática 885 procedimentos de queixa, registando-se, assim, um aumento de aproximadamente 20% em relação ao ano ante-rior(29). É importante sublinhar que, no ano em análise, esta unidade temática, para além tratar de questões relativas aos direitos ambientais, urbanísticos e culturais passou, por afetação interna, a estar igualmente incumbida da análise das comunicações dos cidadãos sobre serviços públicos essenciais (v.g., água, gás e energia elétrica).

No tocante a esta última matéria, refira-se que foram instruídos 235 procedimentos de queixa novos, valor que representou 27% do total dos procedimentos abertos, em 2016, nesta unidade temática. Se a primeira observação a formular prende-se com a relevância estatística que as queixas relativas aos serviços públicos essenciais assumem agora na ati-vidade deste setor da assessoria do Provedor de Justiça, deve, igualmente, evidenciar-se que aquele valor indicia que persistem algumas dimensões de desproteção dos utentes, assim como de alguma fragilidade dos mecanismos de defesa dos consumidores, como adiante se desenvolverá. Além disso, a intervenção do Provedor de Justiça caracteriza-se pela urgência decorrente da sua relevância na vida dos cidadãos, uma vez que nos serviços de interesse geral, como são também designados, estão agregadas diversas relações jurí-dicas marcadas pela essencialidade do bem ou serviço fornecidos (v.g., fornecimento de água, de energia elétrica, de gás e as comunicações eletrónicas).

Tendo presente o referido número de queixas sobre os serviços públicos essenciais, deve assinalar-se, todavia, que, em termos de volume de trabalho, a principal consequência da nova afetação de matérias fez-se sentir, não só nos procedimentos, mas, por sobre tudo, nas comunicações e queixas classificadas como exposições gerais ou como indeferimentos liminares que ascenderam a 746. Em regra, a apresentação daquelas era prematura, na medida em que os interessados deveriam ter previamente suscitado a intervenção das enti-dades reguladoras, enquanto meio especialmente adequado para fiscalizar os serviços e as relações com os utentes. Não obstante não terem dado origem a abertura de procedimento, foram os queixosos elucidados e encaminhados para as entidades competentes.

(29) Cf. Relatório à Assembleia da República 2015, p. 35.

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Da repartição temática da atividade

Quadro 8

Distribuição de procedimentos por matérias – unidade temática 1 Urbanismo e habitação 185Obras de edificação 65Utilização das edificações 13Loteamentos e obras de urbanização 7Conservação e reabilitação de edifícios 9Áreas urbanas de génese ilegal 5Projetos das especialidades e ligação a redes públicas 20Habitação social e apoios à habitação 47Arrendamento urbano particular 2Propriedade horizontal 2Qualificações profissionais 7Outras questões de urbanismo e habitação 8

Ambiente e recursos naturais 168Água 5Ruído 103Floresta 9Qualidade do ar 10Salubridade 14Paisagem e luminosidade 1Gestão de resíduos e efluentes 12Produtos inflamáveis, tóxicos ou explosivos 6Outras questões de ambiente e recursos naturais 7

Ordenamento do território 246GeralInstrumentos de gestão territorial 10Regimes territoriais especiais (restrições de interesse público) 3Execução de obras públicas 9Domínio públicoInfraestruturas, equipamento e tráfego urbano 104Infraestruturas rodoviárias 45

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Domínio público hídrico e infraestruturas portuárias 5Zonas verdes 5Cemitérios 11Extração de inertes e águas mineromedicinais 2Outras questões de ordenamento do território 14Expropriações por utilidade públicaProcedimento 2Vias de facto 5Reversão 1Outras questões de expropriações 8Servidões administrativas 16Outros instrumentos 1Baldios 1Terrenos públicos em regime de domínio privado 4

Cultura 11Património arquitetónico e arqueológico 5Artes e espetáculos 2Direitos de autor e direitos conexos 1Património móvel e imaterial 1Outras questões de cultura 2

Lazeres 24Caça e pesca lúdica 1Turismo 1Jogo 5Animais de companhia 6Náutica e aeronáutica de recreio 3Desporto 5Outras questões de lazeres 3

Serviços públicos essenciais 235Água 54Correios 20Eletricidade 77Gás 16Internet 2

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Livro de reclamações 1Resíduos e saneamento 7Telefone fixo 7Telefone móvel 8Pacotes de serviços de comunicações eletrónicas 39Televisão 3Outras questões de serviços públicos essenciais 1Outros assuntos 16Total de procedimentos abertos 885

Da análise do quadro supra pode-se concluir que os procedimentos de queixa sobre obras particulares — incluindo-se aqui a utilização das edificações, loteamentos e obras de urbanização, a conservação e a reabilitação de edifícios, os projetos das especialidades e a ligação a redes públicas — representaram 13% do total (119 em 885). Se em anos ante-riores foi assinalado que o decréscimo das operações urbanísticas, em especial das obras de construção, teria tido reflexo na diminuição do número de procedimentos de queixa, cumpre agora registar que o aumento que se verificou, no ano de 2016, pode estar asso-ciado a indícios de um certo, mesmo que ténue, incremento na atividade económica. De todo o modo, persistem problemas de natureza social, o que se reflete no elevado número de queixas sobre habitação social e apoios à habitação.

Tanto nos domínios do urbanismo e da habitação, como no do fornecimento de ser-viços de interesse geral, impõe-se uma referência particular à Nova Agenda Urbana, ado-tada pelas Nações Unidas na Conferência sobre Habitação e Desenvolvimento Urbano Sustentável, conhecida como Habitat III. O referido documento estabelece padrões para o desenvolvimento urbano sustentável, repensando, assim, a forma como se constrói, se administra e se vive a cidade. Não é, pois, despropositado afirmar que, no que toca à sua ação concreta, cabe também ao Provedor de Justiça contribuir, como já o faz, para que sejam alcançados os objetivos do Habitat III, os quais se traduzem na defesa de um modelo de desenvolvimento urbano que integre as diferentes vertentes do desenvolvimento sus-tentado e promova a equidade e o bem-estar e combata a exclusão social, em uma perspe-tiva de proteção e promoção dos direitos humanos.(30)

(30) Esta perspetiva tem impacto na atuação do Provedor de Justiça nos domínios da habitação, do fornecimento de água e o saneamento e, ainda que reflexamente, no do ruído, na salubridade e qualidade do ar e, de um jeito mediato, no do fornecimento de serviços públicos essenciais como as comunicações eletrónicas ou os serviços postais.

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Gráfico XV

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100

150

300

250

200

350

20152012 2013 2014 2016

Distribuição de matérias nos procedimentos de queixa – unidade temática 1(comparativo 2012-2016)

199

297

246235

2335

180 168

212

13 11

38 37

182185

172

222

280

196 199 227

309

14 26 34 24

Urbanismo e habitação

Ambiente e recursos naturais

Ordenamento do território

Cultura Lazeres Serviços públicos essenciais

No cômputo geral, ainda que com naturais oscilações, é possível notar alguma estabi-lidade no número das queixas que, ao longo dos anos, constituíram o núcleo das matérias tratadas nesta unidade temática: o número mais elevado diz respeito ao ordenamento do território (perto das três centenas), um número menor relaciona-se com o urbanismo e a habitação, o ambiente e os recursos naturais (próximas das duas centenas) e, com um número substancialmente inferior, os assuntos culturais e de lazer.

Se tomarmos agora por referência a predominância do assunto por cada grupo prin-cipal de matérias, pode-se concluir que, de entre os procedimentos de queixa sobre ambiente e recursos naturais, predominam as questões sobre o ruído (61%). Por sua vez, de entre os procedimentos de queixa sobre ordenamento do território, predominam as questões sobre as infraestruturas(31) (61%). E, de entre os procedimentos de queixa sobre urbanismo e habitação, predominam as questões sobre obras de edificação (35%).

Já no que respeita aos procedimentos de queixa que versam sobre serviços públicos essenciais, regista-se um maior equilíbrio na distribuição das matérias, designadamente: a energia elétrica (33%), a água (23%), os pacotes de serviços de comunicações eletrónicas (17%), os correios (9%) e o gás (7%).

Em 2016, o Provedor de Justiça formulou quatro recomendações em procedimentos de queixa instruídos, nesta unidade temática, as quais incidiram em matérias tão distintas

(31) Nestas incluem-se as questões relacionadas com as infraestruturas, equipamento e tráfego urbano (104), assim como as rodoviárias (45).

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como a do referendo local (Recomendação n.º 1/A/2016)(32), a da gestão da zona ribei-rinha da cidade de Lisboa (Recomendação n.º 5/A/2016)(33), a dos direitos dos utentes das vias rodoviárias classificadas como autoestradas concessionadas (Recomendação n.º 6/A/2016)(34) e a do Programa Especial de Realojamento das Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto (Recomendação n.º 3/B/2016)(35).

Já no que tange a respostas recebidas em 2016 a recomendações formuladas pelo Prove-dor de Justiça em 2015, no âmbito das matérias que ora se analisam, refira-se que a Reco-mendação n.º 3/A/2015(36) veio a ser parcialmente acatada. Na mencionada tomada de posição, o Provedor de Justiça defendeu que a Câmara Municipal de Lisboa considerasse nulo o ato administrativo de aprovação do projeto de arquitetura relativo à demolição do edifício da Rua das Janelas Verdes, n.º 60 a 68, e à edificação de nova construção, por ter sido aprovado em desconformidade com a versão revista do Plano Diretor Municipal (PDM) e por se encontrar violado, quando à obra de demolição e construção, o Plano de Urbanização do Núcleo Histórico da Madragoa.(37) Foi igualmente acatada a Recomen-dação n.º 7/A/2015(38), tendo a Direção Regional da Agricultura e Pescas do Centro, dei-xado de liquidar taxas pela comunicação prévia de uso não agrícola de solos classificados.

Atenta a natureza das matérias em causa, refira-se que, em 2016, as câmaras munici-pais foram as principais entidades visadas nos procedimentos de queixa desta unidade temática. Esta circunstância verificou-se em 211 procedimentos de queixa; todavia, se somarmos as intervenções que envolveram empresas relativamente às quais as autarquias têm superintendência, o número eleva-se para 260. Só a Câmara Municipal de Lisboa foi visada em 44 procedimentos de queixa que versavam sobre diversos assuntos, designada-mente, o licenciamento e a fiscalização de obras e da utilização dos edifícios, o ruído, a responsabilidade civil extracontratual e a atribuição de habitações. Assinale-se, ainda que, a EMEL-Empresa Municipal de Mobilidade e Estacionamento de Lisboa, E.M. S.A. foi visada em 22 procedimentos de queixa.

Relativamente à intervenção do Provedor de Justiça unicamente junto das entida-des reguladoras, destacam-se a ANACOM-Autoridade Nacional de Comunicações (25

(32) Cf. Relatório à Assembleia da República 2016. Anexo: Tomadas de Posição [citado: Tomadas de Posição 2016], pp. 8-16.(33) Cf. Tomadas de Posição 2016, pp. 23-38.(34) Cf. Tomadas de Posição 2016, pp. 39-46.(35) Cf. Tomadas de Posição 2016, pp. 17-23.(36) Cf. Relatório à Assembleia da República 2015. Anexo: Tomadas de Posição [citado: Tomadas de Posição 2015], pp. 15-26.(37) A questão que motivou a queixa e a posterior emissão de recomendação do Provedor de Justiça foi, também, objeto de parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República que acompanha o entendimento deste órgão do Estado. Cf. Parecer n.º 37/2015, publicado no Diário da República, n.º 103, 2.ª série, de 30 de maio de 2016.(38) Cf. Tomadas de Posição 2015, pp. 40-47.

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procedimentos), a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (20 procedimentos) e a Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (3 procedimentos). Uma vez que, em um primeiro momento, o Provedor de Justiça encaminha os queixosos para os mecanismos regulatórios, as mencionadas intervenções, junto daquelas entidades visadas, ocorreram quando estas não atuaram atempada ou satisfatoriamente. Por vezes, a atuação junto das entidades reguladoras foi prosseguida a par do desenvolvimento de diligências diretamente junto dos prestadores de serviços públicos essenciais, seja no domínio das comunicações eletrónicas — designadamente junto da NOS (19 procedimentos), MEO (14 procedimentos) e Vodafone (3 procedimentos) —, seja no setor postal — CTT-Cor-reios de Portugal (18 procedimentos) —, seja no setor da energia elétrica e do gás, junto da EDP (31 procedimentos) ou da GALP (14 procedimentos).

Quadro 9

Urbanismo e habitação 185Obras de edificação 65Utilização das edificações 13Loteamentos e obras de urbanização 7Conservação e reabilitação de edifícios 9Áreas urbanas de génese ilegal 5Projetos das especialidades e ligação a redes públicas 20Habitação social e apoios à habitação 47Arrendamento urbano particular 2Propriedade horizontal 2Qualificações profissionais 7Outras questões de urbanismo e habitação 8

As intervenções do Provedor de Justiça assumem relevância na vida quotidiana de mui-tos milhares de cidadãos. Tome-se o exemplo do Regime Jurídico Excecional e Temporário da Reabilitação Urbana, e da permissão de execução de operações de reabilitação urbana sem prévia avaliação e sem reforço das condições de resistência sísmica dos edifícios, que levou o Provedor de Justiça a defender a avaliação das condições de resistência do edifício a reabilitar, por forma a evitar que se perpetue a fragilidade dos edifícios. Aliás, este órgão do Estado também tomou posição contra a possibilidade de serem afastadas certas normas técnicas, designadamente sobre barreiras arquitetónicas, as quais deveriam ter uma pro-teção acrescida, não só em face dos moradores com deficiência motora, mas também das pessoas com mais idade, que habitam maioritariamente os núcleos históricos, e as famí-lias com crianças. O Secretário de Estado Adjunto e do Ambiente acolheu a tomada de

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posição(39) do Provedor de Justiça, admitindo diligenciar pela revisão do referido diploma legal, no sentido de limitar a dispensa, nos casos de manifesta inviabilidade técnica ou eco-nómica, do cumprimento das normas regulamentares aplicáveis. Foi, igualmente, comu-nicado a este órgão do Estado, por aquele membro do Governo, que iria ser sugerido ao Ministério do Planeamento e das Infraestruturas a elaboração de recomendações de apoio ao projeto de estabilidade de edifícios antigos, mormente de reforço sísmico.

No ano de 2016, de entre os assuntos tratados pelo Provedor de Justiça nesta parti-cular temática, refere-se a intervenção deste órgão do Estado no caso da construção do Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia, a qual motivou a formulação da mencionada Recomendação n.º 5/A/2016. Com esta tomada de posição, o Provedor de Justiça mani-festou preocupação relativamente à gestão da zona ribeirinha da cidade de Lisboa. Com efeito, concluiu este órgão do Estado que o PDM de Lisboa permite que projetos na zona ribeirinha sejam declarados de excecional importância para a cidade, afastando a regra aplicável ao caso concreto, mas sem instituir qualquer alternativa ou regra subsidiária. A situação assume especial atenção por ser atribuído à câmara municipal o poder de criar a solução do caso concreto, no momento da aplicação do plano, com violação dos princí-pios da igualdade, da segurança jurídica, do direito de participação dos interessados e das garantias de racionalidade e de coordenação de interesses públicos que o procedimento de revisão e de alteração dos planos procura promover e salvaguardar. O Provedor de Justiça, por conseguinte, recomendou que o PDM de Lisboa fosse revisto, expurgando-se as nor-mas desconformes com o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial e com o Código de Procedimento Administrativo.(40)

Ainda no domínio das obras particulares verificou-se, de uma maneira geral, que os serviços de urbanismo dos diferentes municípios não conseguem atuar prontamente perante denúncias de obras ilegais nem dar resposta atempada aos pedidos de informação que lhes são dirigidos, o que compromete, não só os interesses dos queixosos, mas também a salvaguarda do património.

Para além da matéria das operações urbanísticas, é relevante assinalar as inúmeras soli-citações dirigidas ao Provedor de Justiça relativamente à atribuição de habitações sociais. Em regra, o problema reside, essencialmente, na discrepância entre a quantidade de fogos disponíveis e o número de agregados familiares carenciados, uma vez que a procura excede largamente a oferta. Também as dificuldades económicas sentidas pelas pessoas, impossi-bilita-as de aceder ao mercado de arrendamento, o que tem impacto no número de quei-xas que, sobre esta matéria, são apresentadas ao Provedor de Justiça. Neste âmbito, o prin-cipal problema identificado prende-se com a escassez de habitação social – quer se trata de

(39) Pode ver-se um resumo desta chamada de atenção em Tomadas de Posição 2016, pp. 49-50.(40) Já no ano de 2017, a entidade visada comunicou o acatamento parcial da recomendação.

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fogos habitacionais que pertencem às autarquias locais, quer a outras entidades públicas como é o caso do Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana, I.P..

Sobre esta matéria, sublinhe-se que, no ano de 2016, o Provedor de Justiça recebeu os Relatores Especiais da Organização das Nações Unidas para o Direito a uma Habitação Adequada e para o Direito a Água Potável e Saneamento, no âmbito da sua visita a Portu-gal, onde expressou o seu entendimento sobre os aspetos, positivos e negativos, no acesso à habitação e aos serviços de água e saneamento.

Diga-se, ainda, que motivaram a apresentação de queixa – se bem que em menor número –, as questões sobre a inadequação das habitações à dimensão dos agregados familiares, a necessidade de realização de obras de conservação nos fogos, particularmente no tocante à salubridade e à segurança, bem como aos critérios de atualização do valor das rendas.

Destaca-se que, em matéria da promoção e da defesa do direito a uma habitação con-digna(41), o Provedor de Justiça formulou a já referida Recomendação n.º 3/B/2016, no âmbito do acompanhamento que vem sendo realizado, desde o ano de 2012, às opera-ções de despejo e de demolição de algumas habitações precárias executadas pela Câmara Municipal da Amadora nos Bairros de Santa Filomena e 6 de Maio. Este órgão do Estado concluiu que o assunto assume um cariz eminentemente social e a resposta não pode ser encontrada somente pelos municípios, os quais não têm capacidade para suprir todas as situações em que se verifica a carência de habitação. Perante a ausência de soluções con-dignas para a situação dos agregados familiares que, em face de uma fiscalização insufi-ciente e de atuação retardada das entidades responsáveis, se instalaram nas construções desocupadas e criaram expetativas de ali continuarem a residir ou de poderem beneficiar de programas de apoio alternativos, foi recomendada a revisão do Programa Especial de Realojamento das Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 163/93, de 7 de maio, por estar manifestamente desatualizado. A resposta, ainda que aguardando concretização prática, foi favorável, isto é, a referida tomada de posição foi acatada.

Quadro 10

Ambiente e recursos naturais 168Água 5Ruído 103Floresta 9Qualidade do ar 10

(41) Este direito fundamental tem sido objeto de particular atenção por parte das Nações Unidas vertidas no Habitat III e, em um sentido mais lato, na Agenda 2030 que definiu os objetivos para um desenvolvimento global sustentável na próxima década e meia.

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Salubridade 14Paisagem e luminosidade 1Gestão de resíduos e efluentes 12Produtos inflamáveis, tóxicos ou explosivos 6Outras questões de ambiente e recursos naturais 7

Como já foi assinalado, dois terços dos procedimentos de queixas sobre ambiente e recursos naturais incidem sobre a matéria de poluição sonora. Ainda que a sua origem possa decorrer de atividades de iniciativa pública ou privada, o ruído importa sempre um prejuízo substancial para a saúde, o bem-estar e a qualidade de vida das pessoas. Esta pro-blemática relaciona-se também com o próprio ordenamento do território, o que se torna mais evidente em meio urbano, por via da proliferação de iniciativas de lazer, designada-mente, as que envolvem a abertura e exploração de estabelecimentos de diversão noturna e a promoção de espetáculos, de feiras, de ações de índole cultural e outros eventos ruido-sos na via pública, ao ar livre ou em recintos com precárias condições de insonorização, como pode ser o caso de quiosques, de tendas ou de esplanadas (estas últimas associadas ao aumento exponencial da procura turística e à simplificação do regime de abertura de esta-belecimentos de bebidas e restauração). A atuação do Provedor de Justiça visa o aperfei-çoamento do exercício dos poderes de prevenção e controlo do ruído, sendo muitas vezes sugerida a fixação de condicionalismos concretos nas licenças municipais especiais de ruído, concedidas a promotores de festejos e espetáculos. Em outras ocasiões, a interven-ção deste órgão do Estado direciona-se a atividades de iniciativa municipal, que a lei isenta de licenciamento, no sentido de advertir as autarquias de que a dispensa de licenciamento não as exime do dever de avaliar e precaver o prejuízo para o descanso dos moradores.

O Provedor de Justiça toma conhecimento, frequentemente, de situações de escassez de meios financeiros e humanos necessários a dar cumprimento às incumbências municipais de fiscalização e controlo do ruído. Esta circunstância pode explicar, pelo menos parcial-mente, que um número não despiciendo de municípios cobre uma taxa ou uma caução aos reclamantes para a realização de medição destinada a aferir o cumprimento dos parâme-tros regulamentares (a isto acresce a circunstância de aqueles montantes serem elevados e de o seu pagamento condicionar a ação de fiscalização). Em face disso, este órgão do Estado tem procurado, no exercício do seu magistério de persuasão, que as autarquias procedam à revisão dos regulamentos municipais que preveem que os encargos com as medições acústicas recaiam sobre os particulares lesados, sugerindo, até, a intimação do responsável pela atividade ruidosa para proceder aos ensaios acústicos.

Na verdade, se o legislador dispensou o prévio controlo administrativo da instalação de estabelecimentos de bebidas e da ocupação da via pública, não isentou o proprietário dos estabelecimentos da sujeição à aplicação das pertinentes disposições legais e regulamenta-res. O propósito determinante do denominado «Licenciamento Zero» é o de transpor

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o controlo tradicionalmente exercido a priori sobre algumas atividades económicas para um momento ulterior, da designada fiscalização, a qual não pode ser descurada, designa-damente quando sobrevenham queixas.

Assinale-se, também, que as emissões sonoras provenientes de sistemas de amplificação sonora instalados em torres sineiras de igrejas motivam um número crescente de queixas. Ainda que, por vezes, se reconheça que as emissões são feitas no interesse geral da comu-nidade, divulgando informação horária, anunciando cerimónias públicas ou respeitando tradição religiosa imemorial, tem sido muitas vezes possível alcançar a suspensão das mais incomodativas, como os toques no período noturno ou a propagação de música.

Neste âmbito do ambiente e dos recursos naturais, refira-se a diminuta expressão de procedimentos de queixas em matéria de conservação da natureza, qualidade do ar e pre-servação dos recursos hídricos.

Quadro 11

Ordenamento do território 246GeralInstrumentos de gestão territorial 10Regimes territoriais especiais (restrições de interesse público) 3Execução de obras públicas 9Domínio públicoInfraestruturas, equipamento e tráfego urbano 104Infraestruturas rodoviárias 45Domínio público hídrico e infraestruturas portuárias 5Zonas verdes 5Cemitérios 11Extração de inertes e águas mineromedicinais 2Outras questões de ordenamento do território 14Expropriações por utilidade públicaProcedimento 2Vias de facto 5Reversão 1Outras questões de expropriações 8Servidões administrativas 16Outros instrumentos 1Baldios 1Terrenos públicos em regime de domínio privado 4

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Como se pode observar no quadro supra, foram diversificadas as matérias tratadas nos procedimentos de queixa sobre o ordenamento do território, abarcando, desde logo e designadamente, os instrumentos de gestão territorial e os regimes territoriais especiais, a avaliação de impacto ambiental, a execução de obras públicas, o domínio público, as expropriações por utilidade pública, as servidões administrativas, os baldios e os terrenos públicos em regime de domínio privado.

É importante referir que algumas destas matérias tocam uma dimensão pessoalíssima, razão pela qual o Provedor de Justiça intervém na procura de uma solução que concilie o respeito pela intimidade pessoal e pela da lei. É o que sucede nas queixas, que continuam a chegar, relativas à administração do espaço público dos cemitérios sob jurisdição dos municípios e das freguesias. Estas queixas são apresentadas, em regra, por familiares que, no momento da visita aos cemitérios, se deparam com a reutilização de uma sepultura, no pressuposto do seu abandono. Tem-se verificado que o procedimento de declaração de abandono de sepulturas, perante o desconhecimento do paradeiro ou da identidade dos concessionários dos terrenos, é divulgado pelas autarquias através de editais publici-tados nos locais de estilo e nos jornais mais lidos da região. Contudo, os interessados, não raras vezes, residem fora do concelho e não tem acesso a tais meios de divulgação. Sal-vaguardando a situação dos terceiros concedentes, o Provedor de Justiça tem procurado sensibilizar as autarquias para a concessão de outro terreno no cemitério, como forma de minorar o pesar que a reutilização de sepulturas acarreta e, em termos mais genéricos, e no pressuposto de que tais situações podem ser evitadas, este órgão do Estado já teve oportu-nidade de assinalar a importância de se manterem os contactos dos legítimos interessados na concessão.

No ano de 2016, mais de metade das solicitações sobre ordenamento do território (168 em 246) referiam-se a problemas de infraestruturas, rodoviárias ou outras, a equipamento e ao tráfego urbano, assumindo particular o domínio público rodoviário. Igualmente no período em análise, o Provedor de Justiça recebeu um número significativo de queixas, solicitando a sua intervenção junto das entidades gestoras das vias rodoviárias, por motivo de acidentes consubstanciados no embate de viaturas automóveis em obstáculo existente na faixa de rodagem da autoestrada concessionada ou da estrada municipal, com vista ao ressarcimento dos danos sofridos.

Estando em causa a ocorrência de acidentes ocorridos em resultado do mau estado do pavimento de estradas camarárias, os municípios entendem ser suficiente o cumprimento genérico de deveres para afastar a aplicação do regime da responsabilidade civil extracon-tratual, nos termos estabelecidos na Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro. Alegam, outras vezes, que o acidente teria sido evitado se o veículo não circulasse em excesso de velocidade e tivesse adequado a velocidade da marcha ao estado do pavimento. Nestas situações, a intervenção do Provedor de Justiça ancora-se em diligências instrutórias junto das entida-des visadas de modo a que estas apresentem prova sobre a invocada circulação a velocidade

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excessiva ou a disponibilização de informações especificadas quanto às datas das ações de fiscalização ou de patrulhamento que ocorreram no preciso local e que precederam o momento em que se verificou o acidente, assim como as conclusões nelas extraídas e outras informações capazes de demonstrar que só as especiais circunstâncias do caso, por fortuitas e absolutamente imprevisíveis, explicam a existência dos obstáculos. Ainda que o Provedor de Justiça defenda o entendimento de que os utentes das vias são alheios à dimensão do património sob custódia das câmaras municipais – não podendo para eles ser transferido o ónus que resulte de dificuldades de ordem financeira, técnica, de gestão de pessoal ou outras, a que as câmaras municipais tenham de fazer face – muito vezes nada mais resta do que aconselhar os interessados a recorrer às instâncias judiciais próprias, em face da irredutível posição das entidades visadas e da dificuldade, quando não impossibili-dade, da apreciação da prova.

Situação diversa é a que se verifica em caso da ocorrência de acidente em autoestrada concessionada. Nesta, tem-se sublinhado a circunstância de estar legalmente consagrada (Lei n.º 24/2007, de 18 de julho(42)) a inversão do ónus da prova, correspondendo à pre-sunção legal de culpa a presunção legal de ilicitude. Não é, pois, suficiente a genérica invo-cação do cumprimento das obrigações de vigilância e assistência, ainda que se reconheça que, no âmbito das obrigações contratuais no domínio da segurança da circulação, não pode ser imposta à entidade gestora uma presença permanente e simultânea na totalidade da rede. Todavia, é exigível a especificação das ações de patrulhamento realizadas no dia do acidente, no troço em causa, com discriminação das ocorrências detetadas e resolvidas, e a prestação de informação sobre eventual cobertura do local onde ocorrera o sinistro por sistema de videovigilância. A recusa de uma empresa concessionária na assunção da responsabilidade pelos danos sofridos por veículo automóvel, em consequência de embate com objeto encontrado na faixa de rodagem em autoestrada, motivou a formulação da Recomendação n.º 6/A/2016, na medida em que o Provedor de Justiça concluiu não ter sido apresentada pela entidade visada prova de que, no caso concreto, foram tomadas as medidas adequadas a evitar o acidente, entendendo que a mera invocação de que à data do sinistro, estavam assegurados patrulhamentos com uma cadência diligente e aceitável, per-manente e regular e o veículo circulava em excesso de velocidade, não foi suficiente para ilidir a presunção legal de incumprimento das obrigações de segurança que especialmente impendem sobre ela.(43)

A diversidade das solicitações dirigidas a este órgão do Estado tem expressão em uma variedade material de tomadas de posição. Uma queixa contra obras de alteração da pavi-mentação de algumas vias de trânsito promovida pela Junta de Freguesia de Campolide

(42) Define os direitos dos utentes nas vias rodoviárias classificadas como autoestradas concessionadas, itinerários principais e itinerários complementares.(43) Já em 2017, a entidade visada comunicou que ira promover a solução extrajudicial junto do queixoso.

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levou a tomada de posição sobre o procedimento que foi adotado para a consulta da popu-lação recenseada na respetiva freguesia, tendo mesmo motivado a formulação da Reco-mendação n.º 1/A/2016. Com efeito, o Provedor de Justiça concluiu que foram preteri-das formalidades essenciais do Regime Jurídico do Referendo Local, nomeadamente a fis-calização prévia do Tribunal Constitucional e da Assembleia Municipal, e desrespeitadas garantias essenciais de isenção e imparcialidade, designadamente quanto à constituição e funcionamento das mesas de voto. Foi recomendado que a Junta de Freguesia de Campo-lide se abstivesse de atribuir qualquer valor jurídico ao referido procedimento e de tomar iniciativas com características semelhantes, que aparentam um referendo popular local, mas não observam as prescrições legalmente aplicáveis, tendo a posição do Provedor de Justiça tido acolhimento na entidade visada.

Refira-se também que têm sido formulados vários pedidos de intervenção deste órgão do Estado junto de concessionárias de estacionamento tarifado à superfície, por motivo de alegados abusos na forma de atuação dos agentes incumbidos da fiscalização. Embora dispersas pelo território nacional, e versando sobre uma grande diversidade de assuntos – desde os pressupostos da autuação até ao deficiente funcionamento de aplicações eletróni-cas, passando pelos critérios de atribuição de dísticos de residente –, a grande maioria das queixas tem por entidade visada a EMEL, importando dar conta de que permanece por suprir alguma desarticulação entre os serviços camarários competentes pela colocação da sinalização vertical e a referida empresa municipal.

Gráfico XVI

5

2

1 1

2

0

2

1

6

5

4

3

Património arquitetónico e

arqueológico

Museus arquivos e bibliotecas

Artes e espetáculos

Direitos de autor

e direitos conexos

Património móvel e imaterial

Cultura

Os procedimentos de queixa envolvendo questões relativas aos direitos culturais não assumiram, comparativamente com as restantes matérias tratadas pelo Provedor de Jus-tiça, um número expressivo (11 procedimentos de queixa em um total de 885). A aná-lise daqueles procedimentos de queixa permite dizer que a maioria dos casos trazidos ao

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Provedor de Justiça resulta da preocupação com a deterioração do património, tantas vezes afetado de forma irremediável por intervenções desacertadas. Deve ter-se presente, todavia, que a proteção destes bens culturais é, muitas vezes, objeto de procedimentos de queixa que incidem diretamente sobre o licenciamento das obras e, por isso, analisados no espaço dedicado ao urbanismo e habitação.

Gráfico XVII

1 1

5 5

6

3 3

0

2

1

6

5

4

3

1

Caça e pesca lúdica

Turismo Jogo Animais de companhia

Náutica e aeronáutica

de recreio

OutrasDesporto

Lazeres

Como resulta do gráfico supra, no ano de 2016, foram abertos 24 procedimentos de queixa sobre questões relacionadas com atividades em tempo de repouso, distração ou entretenimento, que se podem agregar sob a designação de lazeres(44).

De todo o modo, a maioria das solicitações recebidas dizem respeito aos animais de companhia, aos jogos de fortuna e azar — como o novo jogo M1lhão, da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, associado ao Euromilhões de forma não opcional —, e a algumas questões relacionadas com a prática desportiva federada.

Testemunho de que a relevância das tomadas de posição deste órgão do Estado é, mui-tas vezes, independente do número de queixas que as motivaram foi a consagração, na Lei do Orçamento de Estado para 2017, da equiparação dos montantes dos prémios atribuí-dos em reconhecimento do valor e mérito dos êxitos desportivos dos atletas paralímpicos aos atribuídos aos atletas olímpicos. O Provedor de Justiça havia precisamente chamado a atenção para o facto de o valor dos prémios atribuídos aos jogadores olímpicos constituir o dobro do valor dos prémios atribuídos aos jogadores paralímpicos, considerando-o uma intolerável discriminação, violadora da Declaração Universal dos Direitos do Homem e da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.

(44) Com exceção dos procedimentos de queixa relativos ao ruído, os quais foram tratados no espaço dedicado ao ambiente e recursos naturais.

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Ainda no domínio federativo, foi acolhida a sugestão de alteração dos Estatutos da Federação Portuguesa de Patinagem, pondo cobro a situação de violação do direito de acesso à justiça e o direito a uma proteção judicial efetiva, consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa (CRP). Entre outras inadmissíveis limitações, os associados da Federação e os clubes, bem como todos os membros dos seus corpos geren-tes e da federação, os praticantes desportivos, os árbitros, os juízes, os calculadores, os cronometristas, os técnicos, os colaboradores e todos os demais agentes desportivos ou diretivos da modalidade e dos clubes, não podiam apresentar recursos, reclamações ou impugnações, nem qualquer caso ou ação contra a federação ou contra as associações de patinagem ou contra os respetivos corpos gerentes, nem perante a Administração nem, tão pouco, perante os tribunais. Esta situação era tão mais grave quanto o incumprimento destas limitações seria sancionado com a imediata suspensão e exclusão do infrator, sem dependência de processo de inquérito disciplinar ou outro. Em resposta, a Federação asse-verou estar a trabalhar para alterar as normas em causa.

O Provedor de Justiça foi igualmente chamado a pronunciar-se sobre uma queixa apre-sentada pela SER+ Associação Portuguesa para a Prevenção e Desafio à Sida, relativa ao emprego de conceitos respeitantes a condições higio-sanitárias de acesso a piscinas susce-tíveis de discriminação de pessoas com risco agravado de saúde, designadamente pessoas portadoras de SIDA/VIH, uma vez que, por alegadas razões de saúde pública, um número considerável de regulamentos municipais de utilização das suas piscinas limitava o acesso dos utentes à apresentação de declaração médica comprovativa de inexistência de doen-ças contagiosa, infetocontagiosa ou transmissível. Não pondo em causa a possibilidade de aceitação de restrições adequadas — no caso em apreço, derivadas de patologias cuja transmissão ocorra simplesmente pela presença no meio aquático ou pela proximidade —, a declaração em causa não contemplava a forma efetiva de transmissão, sendo, por um lado, desajustada diante do fim prosseguido (a proteção da saúde dos demais utentes), e, por outro lado, discriminatória. O Provedor de Justiça consultou a Ordem dos Médicos, tendo os Colégios da Especialidade de Doenças Infeciosas e de Saúde Pública tomado posição no sentido de que aquelas restrições ou proibições eram vagas e infundadas. Aten-dendo a que expressão que referia em concreto as pessoas com VIH/SIDA era claramente discriminatória e sem qualquer fundamento clínico, foram auscultados 73 municípios acerca das medidas que ponderavam adotar, por forma a garantir a conformidade das nor-mas constantes dos respetivos regulamentos com o disposto na lei em matéria de prática desportiva. Não obstante o procedimento de queixa, no término de 2016, ainda se encon-trar em instrução, mais de metade dos municípios prontificou-se, de imediato, a rever ou alterar os respetivos regulamentos.

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Quadro 12

Serviços públicos essenciais 235Água 54Correios 20Eletricidade 77Gás 16Internet 2Livro de reclamações 1Resíduos e saneamento 7Telefone fixo 7Telefone móvel 8Pacotes de serviços de comunicações eletrónicas 39Televisão 3Outras questões de serviços públicos essenciais 1

Como já referido, a intervenção do Provedor de Justiça em queixas relacionadas com serviços de interesse geral ancora-se, na maioria delas, no encaminhamento dos queixo-sos para as entidades reguladoras do setor em causa, em respeito pelo que dispõe o n.º 1 do artigo 32.º do EPJ, na medida em que estas têm poderes para apreciar as queixas ou reclamações dos consumidores, emitir recomendações e determinar a adoção de medidas corretivas. Se, em um momento ulterior, o consumidor vier manifestar insatisfação com a demora na resposta da entidade reguladora ou, mesmo, com a decisão tomada, é pon-derada a abertura de procedimento, figurando então o regulador como entidade visada.

Sublinhe-se que, nas situações urgentes em que designadamente está em causa o pró-prio fornecimento dos serviços, este órgão do Estado assegura, em simultâneo, a realiza-ção de diligências diretamente junto dos prestadores de serviços.

No que especificamente diz respeito à matéria das comunicações eletrónicas, o Pro-vedor de Justiça tem em instrução um procedimento sobre o exercício das competências da ANACOM-Autoridade Nacional de Comunicações, tanto no campo da proteção dos direitos e interesses dos consumidores como, e especialmente, na resolução extrajudicial dos conflitos entre as entidades sujeitas à sua regulação e os consumidores.

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Procedimentos concluídos

Em 2016, foram concluídos 947 procedimentos de queixa — o que representa um significativo aumento de 31,8% relativamente ao ano anterior (+229 procedimentos de queixa arquivados) — com os seguintes fundamentos:

— 23, sumariamente arquivados com informação jurídica ao queixoso (2,4%);— 369, depois de obtida a reparação ou o seu compromisso (40%);— 3, com formulação de recomendação (0,3%);— 88, por ulterior encaminhamento do queixoso para outros meios de resolução (9,2%);— 24, com chamada de atenção em casos de menor gravidade, mas com o intuito de,

pelo menos futuramente, serem revistas práticas administrativas (2,5%);— 353, por improcedência da queixa (37,2%); — 90, por desistência dos queixosos (9,5 %);— 1, por incompetência superveniente (0,1%).

Boas práticas e apreciação final

A atividade tradicional do Provedor de Justiça na apreciação de queixas observa o prin-cípio do contraditório, isto é: a tomada de posição final é sempre precedida de audição da entidade visada, através da qual esta deve prestar todos os esclarecimentos necessários. Trata-se, pois, do cumprimento do dever legal de cooperação com este órgão do Estado.(45)

Em uma apreciação geral, as entidades mais visadas nos procedimentos de queixa ins-truídos nesta unidade temática são as autarquias locais, sendo, também, em estas que se verifica maiores dificuldades na obtenção de resposta atempada aos esclarecimentos solici-tados por este órgão do Estado. Estas dificuldades foram particularmente sentidas com os serviços de urbanismo da Câmara Municipal de Lisboa e com as Câmaras Municipais de Montemor-o-Novo, de Felgueiras e de Oliveira de Azeméis. Ainda no domínio da admi-nistração local, refira-se que também se sentiram dificuldades na obtenção de colaboração por parte das juntas de freguesia.

Sublinha-se, a este propósito, a proficiência e a disponibilidade das forças de segurança, designadamente da Polícia de Segurança Pública (PSP) e da Guarda Nacional Republi-cana (GNR), e, bem assim, da boa colaboração prestada pela EMEL. Não obstante o que atrás se disse sobre a generalidade das autarquias, as Câmaras Municipais de Sintra e de Oeiras e o Departamento de Ambiente da Câmara Municipal de Lisboa destacam-se pelo compromisso no pronto esclarecimento das situações e na rápida resolução dos problemas dos cidadãos.

(45) Artigos 29.º e 34.º do EPJ.

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No tocante aos serviços públicos essenciais, é justo referir a boa colaboração prestada pela EDP-Energias de Portugal, S.A. e a MEO-Serviços de Comunicações e Multimédia, S.A..

1.2.2. Direitos dos agentes económicos, dos contribuintes e dos consumidores

Ao longo dos últimos anos tem sido verificado o constante aumento das queixas diri-gidas ao Provedor de Justiça que versam sobre assuntos fiscais, financeiros e económicos. As alterações legislativas, o acréscimo de encargos financeiros e fiscais suportado por grande parte dos agregados familiares, as dificuldades de tesouraria das micro e das peque-nas empresas, são fatores que contribuem para explicar o aumento do número de queixas verificado.

Tal como aconteceu em anos anteriores, também em 2016 se registou a transferência do tratamento de algumas matérias afetas a esta unidade temática para a unidade temática que trata da apreciação de queixas sobre direitos ambientais, urbanísticos e culturais, com vista a um melhor equilíbrio na distribuição dos procedimentos, rentabilizando-se, assim, os recursos disponíveis.

Não obstante, no ano de 2016, o número de total de procedimentos de queixa abertos (1531) manteve-se próximo dos números de 2015, registando-se apenas a abertura de menos 39 procedimentos de queixa. Como adiante se verá, esta proximidade numérica está relacionada com o aumento de queixas registado em algumas das matérias que consti-tuem o núcleo essencial desta unidade temática e que foi bastante significativo.

No quadro infra, de estrutura análoga à de anos anteriores, foram efetuadas as altera-ções impostas pela referida transferência de matérias, tendo os assuntos de consumo que permaneceram nesta unidade temática sido deslocados para o capítulo dos assuntos eco-nómicos e financeiros. Esta modificação corresponde à sua real natureza, já que as queixas dos consumidores que continuam sendo aqui tratadas dão conta de problemas surgidos no âmbito de atividades económicas de venda de bens ou de prestação de serviços (v.g., transportes, comércio e outras atividades económicas).

Quadro 13

Distribuição de procedimentos por matérias - unidade temática 2

Fiscalidade 1281IRS 478Execuções fiscais 351IMI 79Taxas de portagem 77

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Infrações fiscais 52Tributação automóvel 48Direitos aduaneiros e desalfandegamento 38Matrizes prediais e avaliações 28Obrigações acessórias 17Contribuição para o audiovisual 17IVA 16Benefícios fiscais 15Imposto do selo e IMT 15Reclamações, impugnações e recursos 8IRC 6Vários 36Assuntos económico-financeiros 214Banca 80Transportes 48Comércio 43Seguros 17Outras atividades económicas/profissões 9Dívidas 4Empresas 4Mercado de capitais 2Concorrência 1Vários 6Fundos Europeus e Nacionais 36Agricultura 16Emprego 15Vários 3Educação e formação profissional 2Total de procedimentos abertos 1531

No ano de 2016, foram arquivados 1493 procedimentos de queixa, 74% dos quais (1112) foram abertos neste mesmo ano. Significa isto que praticamente ¾ do total dos procedimentos arquivados tiveram decisão final menos de um ano após a respetiva abertura. Refira-se que foi possível concluir procedimentos de queixa que apresenta-vam uma pendência mais longa, derivada da complexidade dos assuntos neles tratados ou das dificuldades verificadas na obtenção de todos os elementos essenciais à resolução

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do problema. Sublinhe-se que, pese embora a pequena relevância estatística dos procedi-mentos em causa (apenas 2% dos procedimentos arquivados haviam sido abertos antes de 2014), tudo se fez para que fosse possível finalizar a respetiva instrução e informar o queixoso das conclusões alcançadas.

A respeito deste assunto veja-se o gráfico infra.

Gráfico XVIII

Ano de abertura dos procedimentos arquivados em 2016

Abertos em 2015248

Abertos em 20161112

Abertos antes de 2014 24

Abertos em 2014 109

Os fundamentos do arquivamento dos procedimentos de queixa, em 2016, foram os seguintes:

– Em 646 (43,3%), ocorreu a reparação da ilegalidade ou injustiça durante a instrução do procedimento;

– Em 625 (41,9%), concluiu-se pela improcedência da queixa; – Em 121 (8,1%), veio a verificar-se ser indispensável, ou mais adequada, a resolução

da questão controvertida por outros meios, com o consequente encaminhamento do quei-xoso para meio considerado idóneo para fazer valer a sua pretensão;

– Em 42 (2,8%), factos novos, apurados durante a instrução do procedimento, revela-ram que a questão se encontrava fora do âmbito de atuação do Provedor de Justiça;

– Em 37 (2,5%), o arquivamento foi determinado por desistência de queixa;– Em 19 (1,3%) foi dirigida sugestão ou formulada chamada de atenção ao órgão ou

serviço competente; e – Em apenas dois casos (0,1%) o arquivamento foi determinado sem reparação da

ilegalidade ou injustiça detetada e só em um caso (0,1%) foi determinado o arquivamento sumário.

Para além destas 1493 tomadas de posição em procedimentos de queixa, com comu-nicação aos queixosos dos respetivos fundamentos, esta unidade temática procedeu à elucidação de outros 423 cidadãos cujas comunicações não deram origem à abertura de

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procedimento, antes tendo sido classificadas como exposição geral ou como queixa mere-cedora de decisão de indeferimento liminar.

Gráfico XIX

Distribuição de procedimentos por matérias - Direitos dos contribuintes (comparativo 2015-2016)

2015

2016

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200

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500

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189

478

259

351 340

77 7652 6048

2438 33 28 1717 17 2416 25

3615 14 13 118 9157 6

45

79

O gráfico supra espelha as três alterações mais relevantes na tipologia dos procedimentos de queixa sobre fiscalidade, de 2016, em comparação com o ano anterior: i) subida muito acentuada dos procedimentos de queixa sobre o Imposto sobre Rendimento das Pessoas Singulares (IRS); ii) subida relevante dos procedimentos de queixa sobre as execuções fis-cais; iii) e descida acentuada dos procedimentos de queixa sobre as taxas de portagem. No mais, para além de algum aumento dos procedimentos de queixa sobre o Imposto Muni-cipal sobre Imóveis (IMI) – que, no ano de 2016, ocupou o terceiro lugar – as matérias encontram-se distribuídas de um modo semelhante ao do ano anterior.

De seguida, procede-se à análise, com maior profundidade, sobre as matérias referidas.

Imposto sobre Rendimento das Pessoas Singulares

No Relatório à Assembleia da República de 2015 assinalara-se a circunstância de as alterações resultantes da Reforma do IRS, em vigor desde 1 de janeiro de 2015, terem

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gerado um acréscimo de queixas ainda no decurso daquele ano.(46) Esse acréscimo não só se manteve, como se acentuou, de forma notória, no ano de 2016. Dos 478 procedimentos de queixa abertos sobre IRS, mais de metade (cerca de 56%) versou sobre morosidade nos reembolsos (146) e sobre a impossibilidade de opção pelo regime da tributação conjunta em declarações entregues fora do prazo legal (123).

Desde os primeiros anos de vigência do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS)(47) que a morosidade no processamento dos reembolsos moti-vou a intervenção do Provedor de Justiça. Com efeito, o atraso, por vezes de anos, no processamento e pagamento dos reembolsos de IRS era uma das queixas mais frequentes nos primeiros anos da década de 90, após a última grande reforma fiscal, enquanto a então Direção-Geral das Contribuições e Impostos procurava adaptar-se – e adaptar o seu novo sistema informático – às exigências decorrentes pelo novo regime legal. Ultrapassada a fase inicial de vigência do CIRS, o problema dos atrasos nos reembolsos, embora não houvesse desaparecido, deixou de ter expressão quantitativa relevante. Esta factualidade levou a que este órgão do Estado direcionasse a sua intervenção no sentido de, não só o reembolso ser feito atempadamente, mas, no caso de não o ser, procurar assegurar que os cidadãos eram devidamente ressarcidos, nesses casos, através do pagamento automático de juros indemnizatórios, nos termos previstos na lei fiscal.

No ano de 2016, o problema da morosidade dos reembolsos de IRS teve uma expressão muito significativa nas matérias trazidas ao Provedor de Justiça, não somente pela verifi-cação do atraso propriamente dito, mas também pela dificuldade em obter, por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), um diagnóstico seguro quanto aos motivos que estiveram na origem destes atrasos.

As diligências efetuadas junto da Direção de Serviços de Imposto sobre o Rendi-mento das Pessoas Singulares da AT (DSIRS) entre o início de setembro(48) e meados de novembro, no sentido de aprofundar o conhecimento que este órgão do Estado tinha do assunto(49) permitiram obter, em meados de dezembro, alguns esclarecimentos por parte da DSIRS, bem como a disponibilidade da referida Direção de Serviços para a realização de reunião proposta pelo Provedor de Justiça com o objetivo, precisamente, de obten-ção de esclarecimentos indispensáveis à conclusão da instrução destes procedimentos e de apurar detalhadamente as causas dos atrasos, bem como, sempre que possível, contri-buir para a célere regularização dos atrasos remanescentes. Em 31 de dezembro, mais de

(46) Cf. Relatório à Assembleia da República 2015, p. 57.(47) O CIRS entrou em vigor em 1 de janeiro de 1989.(48) Nos termos do disposto nos artigos 96.º e 97.º do CIRS, o imposto pago em excesso deve ser reembolsado até 31 de agosto do ano da entrega da declaração de rendimentos, quando essa entrega haja sido efetuada no prazo previsto na alínea a) do artigo 60.º do citado Código.(49) Diligências das quais foi oportunamente dada nota no sítio eletrónico do Provedor de Justiça, a qual pode ser consultada em http://www.provedor-jus.pt/?idc=35&idi=16562

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metade dos procedimentos de queixa abertos sobre este assunto foram arquivados, mas os 68 pendentes (46,5% do total das queixas apresentadas sobre o assunto) e a necessidade de prevenir a repetição destes atrasos, no ano de 2017, justificam o acompanhamento do assunto por este órgão do Estado.

O segundo grande motivo de queixas em matéria de IRS – a impossibilidade de opção pelo regime da tributação conjunta em declarações entregues fora do prazo legal – regis-tou evolução bem mais célere e positiva, pois, no final do ano, foi promulogado o Decreto da Assembleia da República que consagrou um regime transitório destinado a resolver os problemas que o Provedor de Justiça tivera oportunidade de assinalar ao Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, em 22 de agosto, no âmbito da instrução do procedi-mento de inicitativa própria.(50) Sublinhe-se que, sobre esta matéria foram recebidas mais de uma centena de queixas de cidadãos que, por terem procedido à entrega fora de prazo da declaração anual de IRS, se viram impedidos de optar pela tributação conjunta dos rendimentos do seu agregado familiar. Esta questão foi apreciada pelo Provedor de Justiça, como se disse, no âmbito de procedimento aberto por sua iniciativa, para analisar esta e outras questões decorrentes da aplicação de normas introduzidas pela reforma do IRS ou de normas que, tendo sido mantidas, se entendia que deveriam ter sido alteradas por ocasião dessa reforma.(51)

O problema da alteração do regime regra de tributação conjunta dos membros do agre-gado familiar(52) para o regime regra precisamente oposto, da tributação separada, embora com possibilidade de opção pela tributação conjunta, surpreendeu diversos cidadãos que apenas deram conta da alteração quando se propuseram entregar as respetivas declarações de rendimentos.

Porém, em alguns casos, e por diferentes motivos, essa entrega aconteceu já fora do prazo legal. Ora, em 2016, por força da redação da alínea c), do n.º 2, do artigo 59.º do CIRS, introduzida pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro,(53) tal atraso não teve como consequência apenas a penalização prevista no Regime Geral das Infrações Tributá-rias (a aplicação de uma coima), tendo, cumulativamente, a consequência mais gravosa de tornar impossível a opção pela tributação conjunta. Considerando que a tributação sepa-rada tende a prejudicar especialmente os agregados familiares nos quais um dos membros aufere a totalidade ou a quase totalidade dos rendimentos, os casos que foram chegando ao Provedor de Justiça revelavam, não raro, que os agregados mais afetados pelo problema

(50) Trata-se do procedimento de iniciativa do Provedor de Justiça P-009/16. Cf. Tomadas de Posição 2016, pp. 57-61.(51) Incluem-se neste último caso as normas que permanecem em vigor em matéria de tributação de rendimentos reportados a anos anteriores ao do pagamento, os quais são sujeitos, não raro, a uma taxa de imposto superior à que seria aplicável se os rendimentos houvessem sido pagos atempadamente. (52) Regime em vigor desde o início da vigência CIRS e que, aliás, já vigorava em sede de Imposto Complementar. (53) Precisamente o diploma que concretizou a reforma da tributação das pessoas singulares.

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eram aqueles em que se registavam problemas de desemprego, de incapacidade ou de doença prolongada de um dos membros do casal, pelo que a impossibilidade de optar pela tributação conjunta colocava estes agregados em uma situação ainda mais debilitada do que aquela em que já se encontravam.

O Provedor de Justiça verificou que, não só a sua sugestão de alteração da legislação para futuro veio a ser acatada(54), como, de igual jeito, foi acolhida a sua sugestão de reso-lução dos casos ocorridos em 2016, relativamente à tributação dos rendimentos de 2015, o primeiro ano em que o problema foi sentido pelos contribuintes.(55)

Entre outras questões analisadas no âmbito do já mencionado procedimento aberto por iniciativa do Provedor de Justiça acerca do impacto de algumas normas do CIRS nos agregados familiares e oportunamente expostas ao Secretário de Estado dos Assuntos Fis-cais(56), encontra-se ainda o problema da diferença de tratamento dos montantes suporta-dos com serviços de explicações, consoante estes sejam prestados por pessoas singulares ou por centros de explicações, sendo que apenas as primeiras são dedutíveis, em sede de IRS, como despesas de educação. Esta diferença de tratamento, embora tenha respaldo na lei, já que os centros de explicações não se encontram isentos de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) nem são tributados à taxa reduzida,(57) cria uma discriminação que este órgão do Estado entendeu ser injustificada por tratar diferentemente agregados que suportam o mesmo tipo de despesa, sendo esta considerada relevante, ou não, para efeitos de dedução à coleta de IRS, consoante a taxa de IVA aplicável ao prestador de serviços. Considerou-se, pois, que tal circunstância seria apenas um requisito meramente formal e não atendível, impondo-se a ponderação deste assunto e, consequentemente, a revisão da legislação.

Sobre outros problemas relacionados com a dedução à coleta de despesas de educação e também com a dedução de despesas de saúde, foram igualmente efetuados contactos com o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, uma vez que continuaram a ser recebidas queixas sobre estas matérias.

(54) Através da alteração do artigo 59.º do Código do IRS, concretizada pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro (Orçamento do Estado para 2017).(55) O regime transitório que assegurou a resolução destes casos foi promulgado pelo Presidente da República, em 23 de dezembro de 2016, e foi publicado em 2017. Trata-se da Lei n.º 3/2017, de 16 de janeiro.(56) O texto integral do ofício dirigido ao Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais encontra-se disponível no sítio eletrónico do Provedor de Justiça, emhttp://www.provedorjus.pt/site/public/archive/doc/oficio_P_16_9_SEAF_tributacao_conjunta.pdf(57) Cf. alínea a), n.º 1, do artigo 78.º-D, do CIRS, nos termos da qual: «1-À coleta do IRS devido pelos sujeitos pas-sivos é dedutível um montante correspondente a 30 % do valor suportado a título de despesas de formação e educação por qualquer membro do agregado familiar, com o limite global de € 800:a) Que conste de faturas que titulem prestações de serviços e aquisições de bens, isentos do IVA ou tributados à taxa reduzida…»

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Em um primeiro ofício, datado de 29 de abril, foram enunciadas as disparidades que o regime legal pode gerar em razão da detenção, ou não, de Código de Atividade Econó-mica (CAE) do setor da educação pela entidade emitente das faturas, situação que pode, uma vez mais, configurar uma desigualdade de tratamento substantiva quanto ao IRS a pagar por diferentes agregados familiares com idêntico tipo de encargos.(58) A resposta a este ofício foi recebida no início de agosto e informava estar em preparação uma proposta de alteração legislativa «a apresentar oportunamente». Não obstante, o Provedor de Jus-tiça endereçou nova comunicação ao Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, alertando para a necessidade de ser equacionada a manutenção da conexão com a educação de des-pesas que foram historicamente aceites como tal, como canetas, lápis, cadernos, máquinas calculadoras eletrónicas exigidas para o estudo da matemática, materiais utilizados por alunos de cursos de artes, entre outros, bem como gastos com transporte de e para os esta-belecimentos de ensino, custos com alimentação em cantinas escolares, bem como com alojamento quando os alunos estudem longe da sua residência habitual.

Quanto à dedução de despesas de saúde, foi também remetido ao Secretário de Estado um primeiro ofício em abril(59), o qual foi igualmente merecedor de resposta no início de agosto. Nessa ocasião, o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais transmitiu a convicção do Executivo de que, no caso específico das despesas de saúde, o regime legal permite, em regra, a correta classificação das despesas que se pretendeu abranger, pelo que seria «de preservar o essencial do regime criado em 2014».

Ainda que em matéria de despesas de saúde os problemas que chegaram ao conheci-mento do Provedor de Justiça fossem de menor relevância quantitativa do que os pro-blemas com as despesas de educação, este órgão do Estado reafirmou a importância da prevalência dos princípios de justiça fiscal sobre questões de praticabilidade do sistema. Partindo do exemplo das pessoas com alergias e intolerâncias alimentares como seja a lac-tose ou o glúten, sugeriu-se que fosse considerada a hipótese de a presunção legal do CAE nas faturas de compra dos alimentos poder ser ilidida pela comprovação dessas doenças, caso a caso, assim se evitando que dois adquirentes de alimentos sem lactose ou sem glú-ten, ambos com a mesma patologia clínica, vejam a respetiva despesa ser dedutível, ou não, apenas consoante o estabelecimento onde adquirem os produtos tenha, ou não, CAE do setor da saúde.

O cumprimento, pelos operadores de transportes públicos, da obrigação de emissão de fatura e o correspondente direito à sua obtenção por parte dos utentes, motivou também a apresentação de algumas queixas, tendo, em consequência, a intervenção deste órgão do

(58) O ofício S-PdJ/2016/5330, de 29 de abril, expedido no âmbito do procedimento Q-4270/15, encontra-se dispo-nível no sítio eletrónico do Provedor de Justiça, em http://www.provedorjus.pt/site/public/archive/doc/Oficio_Se-cretario_de_Estado_dos_Assuntos_Fiscais.pdf(59) Ofício S-PdJ/2016/4668, de 28 de abril, disponível no sítio eletrónico do Provedor de Justiça, em http://www.provedorjus.pt/site/public/archive/doc/Q6359_2015_IRS_Despesas_de_saude_Deducoes.pdf

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Estado se consubstanciado, desde logo, no esclarecimento os cidadãos sobre os motivos pelos quais a referida obrigação pode ser cumprida, em determinado tipo de operações (como quando está em causa o serviço de transporte) de forma simplificada, através da emissão de um bilhete ou de outro comprovativo de pagamento, como o recibo. Ainda assim, a disposição legal que dá cobertura a este procedimento não deixa de estabelecer, também, que as faturas simplificadas «devem ainda conter o número de identificação fis-cal do adquirente ou destinatário que não seja sujeito passivo quando este o solicite.»(60)

A posição adotada pela AT, perante o desacordo de alguns cidadãos quanto às exigên-cias colocadas pelas transportadoras para a emissão de fatura com número de identificação fiscal do adquirente (NIF), foi a de que essa seria já uma questão do foro administrativo das transportadoras, extravasando, por isso, as competências da AT. O Provedor de Jus-tiça, concordando com este entendimento da AT, mas tendo tendo presente o seu dever de ajudar na resolução de problemas suscetíveis de contender com direitos dos cidadãos, não deixou de promover a audição das transportadoras visadas nas queixas, as quais colabora-ram de forma pronta. Esta colaboração consubstanciou-se na atualização dos respetivos sítios eletrónicos, bem como na prestação de informação documental afixada, de modo a que a possibilidade de emissão de fatura com o NIF do adquirente não ficasse dependente da condição de este ser sujeito passivo de IVA, condição que constava de alguns desses suportes informativos, não tanto por erro, mas por desatualização, já que essas informa-ções haviam sido redigidas em momento prévio ao da entrada em vigor do artigo 78.º-B do CIRS(61), ou seja, quando a emissão de fatura com NIF do adquirente interessava exclu-sivamente para efeitos de IVA e não de IRS.

Execuções fiscais

Os problemas ocorridos na tramitação de processos de execução fiscal deram origem à abertura de 351 procedimentos de queixa, representando cerca de 27,5% do total dos procedimentos abertos sobre fiscalidade. Daqueles, 197 tiveram como entidades visadas as secções de processo executivo da segurança social, enquanto 123 tiveram como entida-des visadas os serviços de finanças da AT.(62)

Pode pois afirmar-se, pelo terceiro ano consecutivo, que os casos em que é contestada a atuação das secções de processo executivo da segurança social têm vindo a aumentar de

(60) Cf. n.º 3 do artigo 40.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado.(61) O n.º 3 do referido artigo faz depender a dedução à coleta de IRS das despesas gerais e familiares da inclusão do NIF do adquirente na fatura.(62) As entidades visadas nos restantes procedimentos de queixa foram a Caixa Geral de Depósitos (16), enquanto entidade destinatária de ordens de penhora de saldos de contas bancárias, municípios e serviços municipalizados que têm os seus próprios serviços de cobrança coerciva (9) e os restantes contra entidades destinatárias de ordens de penho-ra, nomeadamente entidades pagadoras de vencimentos ou pensões (6).

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forma preocupante. Em 2014 os procedimentos de queixa sobre execuções fiscais apre-sentadas contra serviços de finanças da AT representavam cerca do dobro dos procedi-mentos de queixas em que as entidades visadas eram as secções de processos executivos da segurança social. Em 2015, o número de procedimentos de queixa sobre execuções fiscais em que a entidade visada era a AT era sensivelmente o mesmo que o dos procedimentos de queixa em que a entidade visada era a segurança social. Em 2016, porém, como resulta dos números acima referidos, os procedimentos de queixa sobre execuções fiscais em que as entidades visadas são os serviços da segurança social apresentam-se em número 1,6 vezes superior àqueles em que as entidades visadas são serviços de finanças. Pese embora as dificuldades que persistem no tocante à tramitação de processos de execução fiscal para cobrança de dívidas à segurança social, assinala-se, como dado positivo, a disponibilidade que vem sendo revelada pelos serviços do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. (IGFSS), enquanto interlocutores do Provedor de Justiça na instrução de pro-cedimentos em que são visadas as seções de processo executivo.

Foi precisamente com o objetivo de diagnosticar e de contribuir para a resolução dos principais problemas que afetam os executados em processos instaurados pela segurança social que se realizou, nas instalações do IGFSS, uma reunião entre colaboradores do Provedor de Justiça e colaboradores daquele Instituto. Um dos temas abordados – e que merecerá acompanhamento subsequente – foi o da indevida instauração de processos de execução fiscal, seja porque a dívida se encontra já paga, seja porque o executado beneficia, afinal, de isenção, seja por qualquer outro motivo que leve à indevida extração de certi-dões de dívida pelo Instituto da Segurança Social, I.P. (ISS). A este propósito foi possível apurar algumas alterações em curso, designadamente no plano informático, que poderão ajudar a ultrapassar este problema, mantendo-se, por isso, a monitorização da evolução da situação.

Refira-se ainda que, em um serviço que se debate, além de outros problemas, com a falta de recursos humanos, a instauração desnecessária e indevida de processos representa um desperdício de meios humanos e materiais, os quais deverão ser, como boa prática administrativa, direcionados para a célere e a rigorosa instrução dos processos efetiva-mente justificados. A falta de recursos humanos que continua a ser avançada, pelo IGFSS, como causa para a manutenção de uma situação muito preocupante: a da extrema morosi-dade no envio das oposições à execução a tribunal.(63) Face a esta factualidade, o Provedor de Justiça abriu procedimento de iniciativa própria destinado a reforçar os esforços de

(63) O prazo de 20 dias de que as secções de processo executivo da segurança social dispõem para o efeito, nos ter-mos do disposto no n.º 1 do artigo 208.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), é muito frequentemente ultrapassado em largos meses e, não raro, em largos anos.

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conhecimento e alteração desta realidade.(64) Em 31 de dezembro de 2016, a instrução deste procedimento não se encontrava ainda concluída.

Nas queixas sobre matéria de execuções fiscais mantém-se as problemáticas relativas a situações de violação dos mínimos de impenhorabilidade (em alguns casos sem que tal facto tenha subjacente qualquer irregularidade na atuação do órgão da execução ou do destinatário da ordem de penhora, como acontece quando o banco executa ordem de penhora de saldo de conta bancária na qual foi depositado o remanescente de vencimento ou pensão já penhorada na fonte). Nestas situações, este órgão do Estado procede à elu-cidação do queixoso e ao seu encaminhamento no sentido de este efetuar prova, junto do órgão da execução, de que o montante depositado naquela conta bancária é proveniente, designadamente, de salários, vencimentos ou pensões. Em face disso, o órgão da execução deverá apreciar tais provas e, a confirmar-se o alegado pelo executado, ordenar o cancela-mento ou a redução da penhora de modo a que seja garantido o respeito pelos mínimos de impenhorabilidade salvaguardados pelas normas constantes dos artigos 738.º e 739.º do Código de Processo Civil (CPC), subsidiariamente aplicável ao procedimento tributário por força do disposto na alínea e) do artigo 2.º do CPPT. Em alguns casos tem sido neces-sário intervir junto do órgão da execução(65) para que este proceda à efetiva apreciação desta prova e não remeta para o entidade bancária a responsabilidade de decidir penhorar, não penhorar ou penhorar parcialmente.

Em outros casos de penhora de saldos de contas bancárias é a atuação das próprias entidades bancárias que é posta em causa – e com razão – pelos queixosos. É o que ocorre quando o cumprimento da ordem de penhora do saldo de conta bancária viola os míni-mos de impenhorabilidade previstos no n.º 5 do artigo 738.º do CPC.(66),(67)

Tributação do património

Os procedimentos de queixa sobre IMI são os que assumem uma maior expressão quan-titativa de entre aqueles que versam sobre a tributação do património e que ocuparam, em 2016, o terceiro lugar entre os assuntos fiscais mais frequentemente objeto de queixa.

Registouse um aumento relevante de procedimentos abertos sobre este assunto, em especial no tocante à perda de isenções, na larga maioria dos casos a perda da isenção atual-mente prevista no artigo 11.º-B do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI),

(64) Procedimento de iniciativa do Provedor de Justiça P-001/16, o qual, em 31 de dezembro de 2016, ainda se en-contrava em instrução.(65) O problema apenas se tem colocado com os serviços da Segurança Social e não com a AT.(66) Nos termos do qual: «5 — Na penhora de dinheiro ou de saldo bancário, é impenhorável o valor global corres-pondente ao salário mínimo nacional (…).»(67) Sobre estas situações refletir-se-á mais adiante, a propósito da análise dos procedimentos de queixa sobre a banca.

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para prédios de reduzido valor patrimonial, de sujeitos passivos de baixos rendimentos. O motivo que mais frequentemente se verificou estar na origem da perda desta isenção não foi a alteração da situação patrimonial do sujeito passivo mas, antes, o aumento do valor patrimonial tributário dos imóveis, consequência da avaliação geral da propriedade urbana recentemente concluída. Por esse motivo, em comunicação dirigida ao Secretá-rio de Estado dos Assuntos Fiscais, datada de 12 de agosto, sobre questões de tributação do património, o Provedor de Justiça salientou o facto de os rendimentos dos agregados familiares não terem acompanhado proporcionalmente o crescimento do valor patrimo-nial tributário dos prédios, pelo que os limites previstos – de € 15 295,00 para o rendi-mento bruto total do agregado familiar e de € 66 500,00 para o valor patrimonial global da totalidade dos prédios pertencentes ao agregado familiar –, deveriam ser atualizados, por forma a garantir o respeito pelos imperativos constitucionais do direito à habitação e do direito de propriedade privada consagrados, respetivamente, nos artigos 65.º e 62.º CRP.

Na referida comunicação em que tal sugestão foi formulada, este órgão do Estado reto-mou uma outra questão relacionada com a tributação do património, a qual, embora já houvesse sido colocada junto da Secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais, não o fora, ainda, na legislatura em curso: o problema da aplicação da Verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS),(68) da qual resultava a tributação, em Imposto do Selo, dos direi-tos de propriedade, de usufruto, alternada ou conjuntamente, e do direito de superfície sobre prédios urbanos, com valor patrimonial tributário igual ou superior a um milhão de euros para efeitos de IMI.

Em resposta, provinda em finais de outubro, foi transmitido a este órgão do Estado que, na Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2017, fora incluída norma revo-gatória da Verba 28 da TGIS; todavia, no tocante às liquidações entretanto efetuadas, cuja legalidade, em alguns casos, o Provedor de Justiça questionara, nada foi informado; de igual modo, não foi recebida qualquer informação sobre a atualização dos limites para reconhecimento da isenção prevista no artigo 11.º-B do CIMI.

A insuficiência da resposta foi assinalada junto do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. Não obstante, é importante dizer que existiu, ao longo de todo o ano, uma muito boa relação institucional entre aquele membro do Executivo e o Provedor de Justiça, com a indicação de um ponto focal no gabinete do Secretário de Estados dos Assuntos Fiscais para acompanhamento e tratamento das solicitações deste órgão do Estado. A mencio-nada boa relação institucional tem permitido uma profícua troca de argumentos que se revelam úteis e esclarecedores relativamente a diversos assuntos. No entanto, no tocante à tributação do património, subsistem questões em aberto que continuarão a ser acompa-nhadas no ano de 2017.

(68) Procedimento Q-6794/12. Cf. Tomadas de Posição 2016, pp. 61-65.

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Outros assuntos fiscais

No ano de 2016 foi possível resolver, de forma justa, algumas situações relacionadas com a aplicação de coimas, tendo este órgão do Estado contado, novamente, com a boa colaboração da Direção de Serviços de Justiça Tributária da AT.(69)

Refira-se, ainda, a circunstância de, no ano de 2016, se ter verificado uma descida muito acentuada do número de procedimentos de queixa sobre a cobrança de taxas de portagem.

Desde que foi tomada a decisão de passar a portajar as ora chamadas por exSCUT(70) que esta matéria motivou um número significativo de queixas ao Provedor de Justiça. Um resumo dos principais motivos das queixas recebidas acerca desta matéria foi efetuado no Relatório à Assembleia da República 2015(71), no qual também se deu conta da publicação da Lei n.º 51/2015, de 8 de julho, que aprovou um regime excecional de regularização de dívidas decorrentes do não pagamento de taxas de portagem e coimas associadas, tendo, adicionalmente, introduzido alterações, há muito reclamadas, na Lei n.º 25/2006, de 30 de junho.(72)

Por ocasião da referência a estas alterações legislativas, no Relatório à Assembleia da República 2015 expressara-se o desejo de que tais alterações contribuíssem para a pacifi-cação das relações entre os cidadãos, as concessionárias e a AT. A descida do número de queixas que ora se verfica pode encontrar explicação na correção das deficiências mais flagrantes do sistema legal e no esclarecimento das principais dúvidas dos utentes.

Uma breve nota, por último e no que respeita a estas temáticas, sobre a verificação de um aumento dos procedimentos de queixa abertos sobre a cobrança da contribuição para o audiovisual (CAV). A sua expressão numérica absoluta não é muito relevante (17), mas, uma análise comparativa com o ano anterior revela um aumento de cerca de duas vezes e meia o número dos procedimentos de queixa instruídos pelo Provedor de Justiça sobre o assunto. A quase totalidade daqueles procedimentos resultou da cobrança, em 2016, da CAV respeitante ao ano de 2015 por não se ter confirmado o pressuposto que funda-mentara a isenção naquele ano (consumo anual de energia elétrica inferior a 400 kWh). A tomada de uma posição final sobre esta matéria terá lugar previsivelmente no ano de

(69) Uma dessas situações foi apreciada no procedimento de queixa Q-3821/15, referido no anexo documental ao presente relatório. Cf. Tomadas de Posição 2016, pp. 66-68.(70) Vias que à data da sua construção e exploração foram denominadas «Sem custos para o utilizador (SCUT)», a que acresceu o prefixo «ex» quando a sua utilização deixou de ser gratuita.(71) Cf. Relatório à Assembleia da República 2015, pp. 58-59.(72) Que aprovara o regime sancionatório aplicável às transgressões ocorridas em matéria de infraestruturas rodoviá-rias onde seja devido o pagamento de taxas de portagem.

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2017, a qual não deixará de ter em conta os antecedentes deste assunto, designadamente a formulação da Recomendação n.º 15/A/2013, de 7 de outubro.(73)

Gráfico XX

Distribuição de procedimentos por matérias - Assuntos económico-nanceiros(comparativo 2015-2016)

0

20 30

10

40 50 60

70

80 90

100 94

80

52 48

18

43

2 4 4 411 9

1517

9 9

Banc

a

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Outra

s ativ

idade

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Vário

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2015

2016

Tal como anteriormente mencionado, os assuntos relacionados com os direitos dos con-sumidores que continuam a ser apreciados nesta unidade temática encontram-se agora integrados no capítulo «assuntos económicos e financeiros». Com efeito, tendo sido atribuída a outra unidade temática a apreciação das questões de consumo relacionadas com os serviços públicos essenciais, permanecem nesta unidade temática as questões mais próximas do núcleo essencial correspondente aos assuntos fiscais, financeiros e económi-cos. É, pois, por esse motivo que o gráfico supra dos assuntos económicos e financeiros inclui, no ano de 2016, os procedimentos de queixa sobre transportes, sobre comércio e sobre outras atividades económicas.

Tal como se fez em outros anos, e com o objetivo de impedir que esta afetação interna de matérias prejudicasse a comparabilidade e a clareza da análise sobre a evolução dos assun-tos objeto de queixa, reorganizaram-se os dados de 2015 exibidos nos gráficos compara-tivos constantes do presente relatório, de modo a que, não só em relação ao ano de 2016, mas também relativamente ao de 2015, os procedimentos de queixa sobre transportes,

(73) Disponível no sítio eletrónico do Provedor de Justiça, em http://www.provedorjus.pt/site/public/archive/doc/Rec_15A2013.pdf

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comércio e outras atividades económicas tivessem expressão no gráfico ora em análise rela-tivo aos assuntos económicos e financeiros.(74)

Em termos quantitativos, e como bem demonstra o gráfico supra, poucas diferenças há a assinalar relativamente ao ano anterior, à exceção da subida que se registou nos assuntos relacionados com o comércio. De todo o modo, mantêm-se inalterados os assuntos mais frequentemente objeto dos procedimentos de queixa no que toca à atividade económica e financeira: banca, transportes e comércio ocupam, por esta ordem, os três primeiros lugares.

Banca

Nos procedimentos de queixa que versaram sobre esta matéria, mantêm-se as preocu-pações dos cidadãos com os gastos associados à cobrança de comissões (11), bem como alguns problemas relacionados com a concessão de crédito (10), embora nenhum destes grupos de procedimentos de queixa apresente especial expressão quantitativa. Os referi-dos procedimentos de queixa continuam a revelar algumas situações de carência econó-mica, de sobreendividamento e de um baixo grau de literacia financeira, o que leva, por exemplo, a situações de prestação de fiança sem o conhecimento mínimo exigível acerca das reais consequências dessa decisão. Não raramente, no momento em que tais proble-mas são expostos ao Provedor de Justiça pouco há já a fazer, à exceção de informar e de encaminhar os queixosos para a tentativa de negociar, com os bancos credores, um plano de regularização da dívida, eventualmente solicitando a intervenção do Mediador do Cré-dito. Igualmente é prestada informação aos queixosos sobre a possibilidade de interprelar extrajudicialmente ou de demandar judicialmente o mutuário, enquanto devedor princi-pal, para que este assuma o montante da dívida objeto da fiança cujo pagamento o fiador, entretanto, tenha assegurado.(75)

Tal como anteriormente referido, o modo como algumas instituições dão cumpri-mento às ordens de penhora de saldos de contas bancárias que lhes são dirigidas é fre-quentemente objeto de queixa, seja pela razão de a instituição de crédito cativar a totali-dade do saldo das contas bancárias, desrespeitando, designadamente, o limite mínimo de impenhorabilidade previsto no n.º 5 do artigo 738.º do CPC – levando a que o executado fique privado do valor imprescindível à sua subsistência –, seja pela existência de situações de cotitularidade das contas bancárias (neste último caso, algumas instituições penhoram o saldo pela totalidade, sem atender à quota-parte que cabe ao executado).

(74) Um olhar atento sobre o Relatório à Assembleia da República de 2015 permitirá, por exemplo, localizar os 52 pro-cedimentos de queixa abertos, nesse ano, sobre matéria de transportes, na tabela de assuntos e no gráfico respeitantes aos direitos dos consumidores. Cf. Relatório à Assembleia da República, pp. 52 62, respetivamente.(75) Cf. Artigo 644.º do Código Civil (CC), nos termos do qual: «O fiador que cumprir a obrigação fica subrogado nos direitos do credor, na medida em que estes foram por ele satisfeitos.»

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Sem prejuízo da intervenção do Provedor de Justiça junto da instituição de crédito visada, sempre que a respetiva natureza o permite(76), e de encaminhar os queixosos para os meios adequados à defesa dos seus direitos, designadamente o recurso aos embargos de terceiro, este órgão do Estado considerou justificar-se a colaboração do Banco de Portugal, desde, logo no sentido de obter informação sobre se as reclamações que lhe são dirigidas pelos clientes bancários incidem, de forma expressiva, sobre aqueles dois tipos de erros cometidos na penhora de saldos de contas bancárias. No final do ano ainda não haviam sido facultados os elementos estatísticos solicitados ao Banco de Portugal, razão pela qual não foi possível a análise da questão, à luz de tais dados, e a tomada de posição final do Provedor de Justiça sobre o assunto.

A instrução de procedimentos de queixa junto da Caixa Geral de Depósitos, S. A. (CGD) e a boa colaboração prestada por esta entidade, permitiu resolver casos como o da emissão de declaração essencial à obtenção de visto de residência por cidadã de nacionali-dade brasileira que, em um primeiro momento, vira a sua pretensão recusada pela CGD. A declaração em causa havia sido exigida à queixosa pelo Consulado Geral do Brasil em Portugal, para efeitos de concessão do visto permanente para aposentados, que a CGD recusara inicialmente a respetiva emissão por não possuir a cotação oficial para a moeda em causa (o real). No âmbito da instrução, foi ouvida a CGD sobre os motivos da falta de cotação do real, bem como sobre as possibilidades de ultrapassar tal impedimento. A CGD viria a esclarecer que o facto de não possuir a cotação do real se devia à circunstân-cia de a referida moeda não ser comercializada pela instituição no domínio das operações cambiais por si praticadas. Porém, a reanálise do assunto tornou possível a obtenção da informação necessária ao conhecimento da cotação do real e à emissão da declaração pre-tendida pela queixosa.

Em outra situação, a CGD aceitou também alterar a sua posição inicial, segundo a qual deveria ser o queixoso – mutuário em contrato de crédito à habitação que chegou ao fim após pagamento da totalidade do capital mutuado e respetivos juros – a suportar os custos de cancelamento de uma hipoteca constituída a favor da CGD pelo construtor e vendedor do imóvel. Alegava o queixoso, com razão, que adquirira o imóvel livre de ónus e encargos e que, por isso, não deveria ser responsável pelas despesas inerentes ao cancelamento de hipoteca que lhe era alheia. Reapreciada a questão a pedido do Provedor de Justiça, viria a CGD a informar ter procedido à emissão do termo de cancelamento da referida hipoteca

(76) Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 2.º do EPJ «[a]s ações deste órgão do Estado exercem-se, nomeada-mente, no âmbito da atividade dos serviços da administração pública central, regional e local, das Forças Armadas, dos institutos públicos, das empresas públicas ou de capitais maioritariamente públicos ou concessionárias de serviços públicos ou de exploração de bens do domínio público, das entidades administrativas independentes, das associações públicas, designadamente das ordens profissionais, das entidades privadas que exercem poderes públicos ou que pres-tem serviços de interesse geral», pelo que a atividade da banca privada se encontra, em regra, excluída do respetivo âmbito de atuação.

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«sem encargos, decorrido o tempo do registo de hipoteca, a inexistência de dívida perante [aquela] instituição e a impossibilidade verificada em se apurarem os verdadeiros factos». Relembra-se que o motivo pelo qual se deixam aqui apenas exemplos de casos tratados com a CGD decorre da circunstância de a banca privada se encontrar, em regra, excluída da intervenção do Provedor de Justiça.

Transportes

Em matéria de transporte não se registaram alterações relevantes na tipologia usual das queixas. Os atrasos, os cancelamentos de voos e o direito dos utentes às respetivas indemnizações continuam a ser objeto de procedimentos de queixa, tendo-se revelado necessário insistir junto da TAP Portugal (TAP) no sentido de esta se abster da prática, já censurada pelo Provedor de Justiça(77), de efetuar o pagamento das compensações pelo atraso ou pelo cancelamento de voos, através da emissão de vales de viagem sem cuidar de informar devidamente os lesados acerca das alternativas ao seu dispor, designadamente, o pagamento em numerário.

A propósito de um caso concreto de impossibilidade de transporte de bicicleta em composição da Linha do Douro, foi o queixoso informado de que a conduta da CP – Comboios de Portugal, E.P.E. (CP) era legal, porquanto justificada pelas características do material circulante. Não obstante, sugeriu-se junto da transportadora que esta efetuasse todos os esforços tendentes à concretização, tão breve quanto possível, da adaptação do material circulante essencial ao transporte de bicicletas.

A respeito de várias questões suscitadas por utentes dos transportes públicos de passa-geiros nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, o Provedor de Justiça tem promovido, há já alguns anos, diligências instrutórias junto da tutela, do Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P. (IMT) e, mais recentemente, da Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (AMT). Entre tais questões contam-se incidentes verificados com a realiza-ção de carreiras e o cumprimento de horários e, ainda com maior incidência, com o sis-tema de bilhética, no tocante ao tarifário, ao zonamento e aos próprios cartões de suporte. Em resposta às diligências efetuadas e às questões colocadas por este órgão do Estado, o Secretário de Estado Adjunto e do Ambiente informou que se encontra em preparação diploma destinado à regulamentação das regras relativas à disponibilização dos títulos de transporte, havendo sido assumido o compromisso de acautelar os direitos e os interesses dos consumidores em sede de criação e disponibilização desses títulos e de regulação do mercado e de tarifas, bem como ao nível da validade e das trocas dos cartões de suporte e das devoluções e reembolsos do valor dos títulos de transporte contidos nesses cartões. O assunto continuará a ser acompanhado pelo Provedor de Justiça.

(77) Cf. Tomadas de Posição 2015, pp. 74-76.

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Comércio

A demora na apreciação e na tomada de decisão, por parte da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE), levou alguns cidadãos a dirigirem-se ao Provedor de Justiça. O número de queixas sobre esta matéria não foi mais elevado do que em anos ante-riores e a colaboração prestada pela ASAE, na instrução dos procedimentos abertos com base nestas queixas, não é merecedora de reparo. Todavia, o Provedor de Justiça assinala que, em alguns casos, existem, de facto, grandes atrasos na tomada de posição final sobre os assuntos a cargo daquela autoridade.

Muito embora os problemas decorrentes do fornecimento e da faturação de energia elétrica tenham, como já referido anteriormente, transitado para outra unidade temática, juntamente com os restantes problemas relacionados com o fornecimento de serviços públicos essenciais, mantiveram-se em instrução nesta unidade os procedimentos que aqui haviam sido abertos em anos anteriores sobre esses assuntos. Em um desses casos foi dirigida uma chamada de atenção à Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos acerca da forma como fora tramitada uma reclamação lavrada no Livro de Reclamações do comercializador, para evitar que essa má prática administrativa fosse generalizada ou ou recorrente.(78) A resposta da entidade reguladora foi considerada satisfatória e esclare-cedora, quer quanto ao caso em apreço, quer quanto a casos análogos.

Refira-se, ainda, que, foi solicitado ao Provedor de Justiça, em duas ocasiões, que exer-cesse a competência que lhe é atribuída pela alínea c), do n.º 1, do artigo 26.º do Decreto- -Lei n.º 446/85, de 25 de outubro, e alterações subsequentes, isto é, que requeresse ao Minis-tério Público a instauração de ação destinada a obter a condenação na abstenção do uso de determinada cláusula contratual. Em um dos casos(79), o Provedor de Justiça concluiu não estarem reunidos os requisitos de aplicabilidade do diploma em questão, uma vez que as cláusulas cuja apreciação se suscitava não eram qualificáveis como cláusulas contratuais gerais. O outro caso, também, não motivou a formulação de qualquer pedido ao Ministério Público, uma vez que este órgão do Estado concluiu pela falta de fundamento da queixa.

Outros assuntos económicos e financeiros

As queixas sobre a atividade seguradora são, em regra, instruídas junto da respetiva entidade reguladora e de supervisão, a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF). O Provedor de Justiça pode contar com a colaboração desta entidade para a resolução de várias situações e, também, para a recolha de elementos destinados a elucidar queixosos, quando se concluiu não assistir-lhes razão.

(78) Procedimento de queixa Q-4823/15. Cf. Tomadas de Posição 2016, pp. 72-75.(79) Procedimento de queixa Q-3258/16. Cf. Tomadas de Posição 2016, pp.75-77.

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Um dos problemas ultrapassados que contou com a mencionada boa colaboração da ASF foi o de uma cidadã que, encontrando-se em remissão de linfoma de Hodgkin desde dezembro de 2009, vira recusada, pela Companhia de Seguros Allianz Portugal, S.A., a sua inclusão em seguro de saúde de grupo, subscrito pela sua entidade patronal, funda-mentando tal recusa em estados clínicos preexistentes. A queixosa solicitou a intervenção do Provedor de Justiça, alegando estar a ser vítima de discriminação em razão da existência de risco agravado de saúde, prática prevista e proibida pelo artigo 15.º do regime jurídico do contrato de seguro, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de abril. A instrução do procedimento em colaboração com a ASF e as diligências por esta efetuadas junto da seguradora visada levaram à inclusão da queixosa na apólice do seguro de saúde de grupo em questão, com exclusão das patologias preexistentes, as quais, conforme expressamente comunicado à queixosa, apenas se refeririam à cobertura de hospitalização e restantes atos médicos que necessitem de pré-autorização da seguradora. A seguradora esclareceu ainda que a exclusão inicial da queixosa teria ficado a dever-se a um lapso de interpretação dos serviços.

As dívidas do Estado a fornecedores e a prescrição de certificados de aforro titulados por aforrista falecido são temas que, embora não tenham expressão numérica relevante, originam todos os anos algumas queixas, o que se verificou também em 2016. No caso da prescrição de certificados de aforro verifica-se que, em regra, existe alguma confusão de conceitos – nomeadamente entre aforrista e movimentador –, circunstância que acaba por conduzir a que os herdeiros deixem prescrever os títulos que se mantêm em nome do aforrista por mais de 10 anos após o seu falecimento, data em que aqueles revertem a favor do Fundo de Regularização da Dívida Pública. Nesta situação, em regra, nada pode ser feito para evitar esse desfecho. Não obstante, este órgão do Estado esclarece os interessa-dos acerca dos equívocos em que incorreram, contribuindo, assim, para evitar a repetição de casos da mesma natureza.

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Distribuição de procedimentos por matérias – fundos europeus e nacionais(comparativo 2015-2016)

Agricultura Educação e formação prossional

Vários Emprego

2015

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No que respeita à matéria de Fundos Europeus e Nacionais, em 2016, foram apenas mais cinco procedimentos abertos face ao ano de 2015. Este aumento foi especialmente registado na área dos apoios e ajudas à atividade agrícola (+4). Apenas dois dos 16 proce-dimentos de queixa abertos sobre problemas na concessão de apoios e ajudas à atividade agrícola se encontravam pendentes no final do ano.

De entre aqueles que foram arquivados, realça-se o da situação em que a entidade ges-tora do Programa de Desenvolvimento Rural 20142020 (PDR 2020) aceitou reapreciar uma sua decisão de indeferimento de candidatura à Operação – 6.2.2. – Restabelecimento do potencial produtivo do PDR 2020.(80) A candidatura visava financiar a recuperação de um muro de pedra solta, na região do Douro, na sequência das intempéries do inverno de 2015, e o queixoso considerava ter cumprido todos os critérios de elegibilidade neces-sários para que a sua candidatura pudesse ser aceite, designadamente o da criação de um polígono de investimento, apenas não lhe tendo sido possível, por falha informática, inse-rir o número do polígono no campo da candidatura previsto para o efeito. O Provedor de Justiça defendeu, junto da entidade gestora, a admissibilidade do aperfeiçoamento a posteriori da candidatura, ou da documentação que a deve instruir, tendo sido solicitada a reapreciação da decisão de indeferimento, o que viria a acontecer, acabando a candidatura por merecer decisão de deferimento.

A questão do prazo de prescrição, aplicável ao direito de revogação dos atos de con-cessão de apoios financeiros comunitários, continua a motivar algumas queixas, exigindo

(80) Os apoios concedidos no âmbito desta operação visam apoiar a reconstituição ou reposição das condições de produção das explorações agrícolas afetadas por calamidades naturais, acidentes climáticos adversos ou eventos catas-tróficos por forma a criar condições para o seu regresso a uma atividade normal.

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uma constante atualização do conhecimento nesta matéria, bem como da evolução da jurisprudência e da doutrina. A propósito de um caso concreto foi efetuado, em 2016, novo e atualizado estudo deste assunto.(81)

1.2.3. Direitos sociais

As matérias relativas aos direitos sociais, e mais concretamente à proteção social, con-tinuaram a ser objeto de um elevado número de queixas dirigidas ao Provedor de Justiça. Em termos gerais, pode dizer-se que as queixas neste domínio abarcam uma diversidade de questões respeitantes aos regimes de segurança social, ao regime de proteção social convergente, aos regimes especiais e complementares.(82)

Começando por uma breve abordagem estatística, pode concluir-se que, no decurso do ano de 2016, as queixas sobre questões controvertidas que envolveram o tema dos direitos sociais fundamentaram a abertura e instrução de 1496 procedimentos de queixa, o que representa um ligeiro decréscimo relativamente ao número (1636) registado no ano de 2015. Não obstante, importa salientar que o número de queixas foi superior ao número de procedimentos de queixa efetivamente abertos, não só porque várias — em número de 325 — foram objeto de incorporação em procedimentos já anteriormente abertos e que tratavam de questões similares, mas também porque outras queixas — em número de 185 — foram liminarmente indeferidas com elucidação aos queixosos.(83)

À semelhança do que se verificou em anos anteriores, refira-se que as matérias relativas aos direitos sociais foram aquelas que mais frequentemente consubstanciaram as queixas apresentadas ao Provedor de Justiça, representando 22% do total de procedimentos aber-tos neste órgão do Estado.

No que respeita à tramitação e conclusão de procedimentos de queixa, no ano de 2016 procedeu-se ao arquivamento de 1574 procedimentos (mais 78 do que aqueles que foram abertos em igual período), sendo certo que 1083 procedimentos — aproximadamente 72% do total dos procedimentos abertos — foram concluídos no próprio ano. A este propósito, importa salientar que o número de procedimentos de queixa, com instrução inferior a um ano, representa mais de 90% dos procedimentos tramitados no âmbito dos direitos sociais. Por outro lado, cerca de 92% dos procedimentos, relativos a queixas

(81) Situação apreciada no procedimento de queixa Q-1469/16. Cf. Tomadas de Posição 2016, pp. 80-83.(82) Neste último caso observa-se, também, a receção de algumas queixas que incidem sobre os Fundos de Pensões, os quais, nos termos da lei, se encontram sob a supervisão da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões. Esta entidade administrativa independente é, nos termos da lei, responsável pela regulação e supervisão, quer pruden-cial, quer comportamental, da atividade seguradora, dos fundos de pensões e respetivas entidades gestoras.(83) Registe-se que foram ainda recebidas 101 comunicações classificadas como exposições gerais (em número de 96) ou anónimas (em número de cinco).

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consideradas procedentes, foram concluídos com sucesso ou, dito de outro modo, a inter-venção do Provedor de Justiça permitiu satisfazer, em tempo útil, a pretensão de aproxi-madamente 92% dos subscritores das queixas procedentes.

Estes resultados são elucidativos da celeridade e da eficácia da atuação deste órgão do Estado, a qual assume particular relevância quando — como é o caso — estão em causa os direitos de natureza social cuja lesão, consumada ou iminente, por ação ou omissão dos poderes públicos, importa que seja especialmente reparada em tempo útil.

A este propósito, refira-se que, no âmbito da atividade instrutória, o Provedor de Jus-tiça prosseguiu e intensificou, sempre que possível, o recurso a meios expeditos e infor-mais, bem como a realização de reuniões periódicas com as entidades mais visadas nas queixas, nomeadamente com os Conselhos Diretivos do ISS e do IGFSS e com a Direção da Caixa Geral de Aposentações, I.P. (CGA) no sentido não só de assegurar a melhoria da cooperação dessas entidades e de imprimir maior celeridade nas respetivas respostas, mas também de obter o esclarecimento e a resolução de casos concretos e, por sobre tudo, de questões do interesse geral dos cidadãos.

No tocante à pendência processual, salienta-se que a mesma diminuiu, tendo passado de 566 procedimentos de queixa, pendentes no final de 2015, para 488 procedimentos de queixa, no final de 2016, sendo a sua grande maioria procedimentos abertos apenas no último trimestre de 2016.

Relativamente aos 1574 procedimentos de queixa arquivados no ano de 2016, refira-se que 970 (61,6%) lograram a reparação da ilegalidade ou injustiça, na sequência da inter-venção do Provedor de Justiça, enquanto 507 (32,2%) foram objeto de arquivamento, após instrução, devido ao facto de a pretensão ter sido considerada improcedente. Quanto aos restantes procedimentos, 52 (3,3%) foram objeto de encaminhamento do queixoso para outros meios de resolução, com elucidação sobre os respetivos direitos, enquanto 24 (1,5%) foram arquivados por desistência dos queixosos, 17 (1,1%) foram concluídos com formulação de reparo ou chamada de atenção e quatro (0,3%) foram objeto de arquiva-mento por motivos diversos.

Quanto aos assuntos relatados nas queixas recebidas, no ano de 2016, não se registaram alterações muito significativas comparativamente com os anos anteriores. No quadro infra pode-se observar a distribuição dos procedimentos de queixas pelas matérias tratadas.

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Quadro 14

Distribuição de procedimentos de queixa por matérias - unidade temática 3

Sistema de Segurança Social 1318Prestações 944Velhice 132Pensão antecipada de velhice 61Invalidez 71Pensão unificada 20Morte 92Dependência 10Atualização, redução ou deduções nas pensões 8Desemprego e inscrição/anulação no IEFP, I.P. dos beneficiários subsidiados

201

Parentalidade 38Doença 98Abono de família e outras prestações familiares 89Deficiência (bonificação por deficiência; subsídio de educação especial; subsídio mensal vitalício; subsídio por assistência a terceira pessoa)

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Articulação com regimes e organismos de proteção social estrangeiros 15Complemento solidário para idosos 8Rendimento social de inserção 43Cumulação de prestações 3Ação social 17Ajudas técnicas (produtos de apoio) 3Serviços e estabelecimentos sociais 27Apoio domiciliário 1Acolhimento familiar 4Crianças - Creches, creches familiares, centros de ATL e outros 3Idosos - Estrutura residencial para pessoas idosas (EPRI), centros de dia e de noite

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Deficientes - Lar residencial, centro de atividades ocupacionais e outros 4Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) 1Fiscalização da segurança social 1Contribuições, quotizações, restituição de prestações indevidas, dívidas 342Inscrição, enquadramento e qualificação 26Registo de remunerações 39

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Contribuições e quotizações (isenções, taxas, base de incidência) 45Dívidas de contribuições e quotizações 115Restituição de contribuições e quotizações 53Restituição de prestações indevidas/Reposição de pagamentos indevidos 62Coimas e Contraordenações 2Outros - Sistema de Segurança Social 5Regime de proteção social convergente 129Prestações 109Aposentação por velhice 52Aposentação por invalidez 10Aposentação antecipada de velhice 10Pensão unificada 15Outras pensões 2Morte 10Abono de família e outras prestações familiares 1Deficiência 7Dependência 2Quotas, contribuições e dívidas 20Inscrição 7Quotas e contribuições 4Dívidas 1Contagem de tempo de serviço 8Situações especiais de proteção social 49Militares 15Bancários 10Advogados e solicitadores 6Profissionais de seguros (subsídio de lar) 3Bombeiros 2Trabalhadores inscritos marítimos 8Mineiros 3Fundos de pensões e similares 2Total de procedimentos de queixa abertos 1496

Atenta a natureza dos assuntos vertidos nas queixas recebidas pode concluir-se que as entidades mais visadas continuaram a ser, no que toca à administração central, o ISS

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— abrangendo os seus 18 centros distritais(84), o Centro Nacional de Pensões (CNP) e os respetivos serviços centrais —, o IGFSS, a CGA, o Instituto de Informática, I.P. e o Ins-tituto do Emprego e Formação Profissional, I.P. (IEFP). No que ao Governo diz respeito, foram especialmente visados o Ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, a Secretária de Estado da Segurança Social e a Ministra da Justiça.(85)

A este propósito, é de fazer uma breve referência relativamente ao cumprimento do dever de cooperação das entidades visadas com o Provedor de Justiça(86), essencial para uma instrução célere e eficaz dos procedimentos abertos neste órgão do Estado. Relativamente ao ISS importa salientar que a atuação do novo Conselho Diretivo — que iniciou as respe-tivas funções em 30 de junho de 2016 — veio imprimir maior celeridade nas respostas às interpelações do Provedor de Justiça(87), tendo expressado uma total abertura e disponibi-lidade para melhor cooperar com este órgão do Estado. Nesse sentido, realizaram-se várias reuniões conjuntas, das quais resultou não só a adoção de medidas para recuperar os atrasos nas respostas a pedidos de esclarecimentos que ficaram pendentes no anterior Conselho Diretivo, mas também a introdução de vários aprimoramentos ao modelo de cooperação daquele Instituto com o Provedor de Justiça. Assim, mantendo em funcionamento uma caixa de correio eletrónico direta e exclusiva para as diligências realizadas no âmbito da instrução dos procedimentos de queixa, supervisionada por uma interlocutora técnica e por um vogal do Conselho Diretivo, identificaram-se ainda interlocutores diretos em cada um dos 18 centros distritais daquele Instituto, bem como nos diferentes departamentos dos respetivos serviços centrais, reforçando, deste modo, a informalidade e a celeridade na prestação de esclarecimentos telefónicos essenciais para a instrução dos procedimentos, designadamente para a clarificação de eventuais respostas dirigidas ao Provedor de Justiça, consideradas insuficientes, incompletas ou indevidamente fundamentadas.

Foram desde logo acolhidas, pelo novo Conselho Diretivo do ISS, as sugestões ante-riormente formuladas pelo Provedor de Justiça no sentido de que vários atos lesivos dos direitos e interesses legítimos dos queixosos fossem, consoante os casos, objeto de revoga-ção e ou de anulação administrativa. Em causa, estavam, designadamente, atos indevidos de indeferimento de prestações sociais e atos que determinaram a compensação de dívidas

(84) Os centros distritais do ISS com maior incidência de queixas foram os de Lisboa, Porto, Setúbal, Faro, Braga, Coimbra e Aveiro, por esta ordem.(85) A Ministra da Justiça e o Ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social foram conjuntamente visados nas várias queixas recebidas sobre o novo Regulamento da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores, relati-vamente às quais nos deteremos mais adiante.(86) Este dever de cooperação encontra o seu fundamento legal na norma do artigo 29.º do EPJ. (87) Note-se que, no período de transição do anterior para o novo Conselho Diretivo, verificou-se um atraso signifi-cativo nas respostas aos pedidos de esclarecimento formulados pelos serviços do Provedor de Justiça, situação que veio a ser, entretanto, corrigida pelo atual Conselho Diretivo, logo após a tomada de posse dos seus membros.

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já prescritas com prestações sociais devidas aos beneficiários queixosos.(88) Em consequên-cia, foi reposta a justiça e a legalidade em vários casos concretos pendentes e, desse modo, foram finalmente satisfeitas as pretensões dos respetivos queixosos. De igual modo, foram fixadas orientações para os serviços do ISS no sentido de evitar situações futuras similares.

No tocante à cooperação do IGFSS há a salientar uma melhoria significativa nas respos-tas ao Provedor de Justiça, quer em termos de celeridade, quer na qualidade da informação e dos esclarecimentos prestados. Nesse sentido, realizou-se, em 20 de junho de 2016, uma reunião com um vogal do respetivo Conselho Diretivo e com as respetivas chefias técni-cas, visando, por um lado, esclarecer questões comuns a várias queixas e constrangimentos verificados no âmbito da instrução dos procedimentos e, por outro, aperfeiçoar o modelo de colaboração daquela entidade com o Provedor de Justiça.

Sobre a cooperação da CGA importa referir que continuou a verificar-se o acesso célere aos documentos necessários à instrução dos procedimentos de queixa, bem como a disponibilidade da respetiva Direção — e dos seus interlocutores — para o esclarecimento e resolução de várias situações reclamadas, podendo assim concluir-se que, de um modo geral, se mantém eficaz a cooperação desta entidade com o Provedor de Justiça.

Já no que respeita ao cumprimento do dever de cooperação de alguns membros do Governo com o Provedor de Justiça, verificou-se maior morosidade de resposta aos pedi-dos de esclarecimento e às sugestões formuladas por este órgão do Estado.

Algumas das queixas continuaram a evidenciar os mais fortes impactos da crise eco-nómica, financeira e social vivida, nos últimos anos, no nosso país. Este contexto refle-te-se, com particular intensidade, no domínio dos direitos sociais, assumindo expressão concreta nas queixas dos cidadãos que reclamam da preterição destes direitos, do atraso na atribuição de prestações sociais ou da sua cessação, da cobrança de dívidas não devi-damente fundamentadas, da falta de informação tempestiva e adequada, das sucessivas alterações legislativas, da insegurança e incerteza jurídicas, clamando, afinal, pela eficácia dos regimes de proteção social.

Efetivamente, uma parte muito significativa das queixas apresentadas ao Provedor de Justiça no âmbito desta temática reveste natureza urgente, exigindo um tratamento expe-dito para que o efeito útil pretendido e o direito social preterido sejam devida e opor-tunamente acautelados. Quando se está em face de queixas sobre o acesso às prestações de desemprego, parentalidade, doença, abono de família, rendimento social de inserção, pensões de invalidez, velhice ou sobrevivência, facilmente se compreende que se poderá estar perante situações de emergência social que se prendem, muitas vezes, com a própria

(88) Estas situações foram, aliás, objeto de referência no anterior Relatório à Assembleia da República2015, pp. 73-74.

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subsistência económica imediata dos queixosos e dos respetivos agregados familiares. Assim, continuou a privilegiar-se, sempre que possível, uma instrução informal dos proce-dimentos de queixa, com a evitação da morosidade inerente a uma troca de correspondên-cia, o que, em muitos casos, permitiu satisfazer as pretensões dos queixosos. Ou, tendo-se concluído pela falta de fundamento da queixa, a referida atuação permitiu que a eluci-dação daquele fosse também ela célere e fundamentada, pacificando-se, assim, na maior parte das situações, a relação entre os cidadãos (queixosos) e a Administração.

O ato de explicar também caracteriza a intervenção do Provedor de Justiça e contribui decisivamente para uma adequada e útil elucidação dos cidadãos sobre os seus direitos sociais. No confronto com a diversidade e a complexidade normativa relativa à atribuição das prestações sociais e com os procedimentos administrativos dos serviços, o cidadão (mormente aquele que se encontra em uma situação de maior vulnerabilidade) não com-preende o indeferimento ou a cessação de uma determinada prestação social ou a recusa de um qualquer outro apoio social. Nestes casos, após a instrução do procedimento, verifi-cada a regularidade e legalidade da decisão dos serviços visados, o Provedor de Justiça tem o cuidado de explicar os fundamentos da decisão e o regime legal aplicável ou, sendo caso disso, encaminhar o queixoso para qualquer outra resposta social adequada ao caso.

Por outro lado, a instrução dos procedimentos de queixa não fica circunscrita apenas ao esclarecimento e à resolução da situação concreta do queixoso. Sempre que tal se jus-tifica, o Provedor de Justiça intervém junto da Administração no sentido de ser aplicado procedimento idêntico a outras situações similares, contribuindo, assim, para o aper-feiçoamento dos procedimentos administrativos.(89) Para além disso, entendendo como adequada e justa a alteração da lei para melhor acautelar determinados direitos sociais, o Provedor de Justiça sugere ou recomenda ao poder legislativo ou ao Governo a adoção de medida legislativa nesse sentido.

No tocante às intervenções mais relevantes realizadas pelo Provedor de Justiça no domínio dos direitos sociais, expõem-se, em um primeiro momento, os desenvolvimentos verificados em anteriores tomadas de posição.

Neste sentido, salienta-se, desde logo, o acolhimento efetivo da Recomendação n.º 15-B/2012, de 28 de dezembro(90), formulada tendo em vista a revisão do regime jurí-dico do subsídio por frequência de estabelecimento de ensino especial, e das chamadas de atenção que o Provedor de Justiça, a este propósito, dirigiu, em 11 de abril de 2014,

(89) A título de exemplo, refere-se a adoção de circulares de orientação técnica por parte do ISS para harmonização e uniformização dos procedimentos dos respetivos centros distritais, conforme adiante melhor se explicará.(90) Vide texto integral da Recomendação em http://www.provedor-jus.pt/?idc=67&idi=15154.

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ao Ministro da Solidariedade, Emprego e Segurança Social e ao Ministro da Educação e Ciência.(91) Nesse sentido foi publicado o Decreto Regulamentar n.º 3/2016, de 23 de agosto, através do qual se pretende «ajustar e aperfeiçoar o regime do subsídio por fre-quência de estabelecimento de educação especial, de modo a garantir uma harmonização de critérios no que respeita à verificação da comprovação da situação de deficiência e da necessidade de frequência de estabelecimento de educação especial ou de apoio individual especializado»(92) e que, nesse sentido, «se protejam, de forma mais eficaz, as situações de deficiência que requerem apoio especial»(93). Para o efeito procedeu-se à atualização de alguns conceitos e à clarificação de aspetos da certificação médica, quer quanto aos efeitos da deficiência, quer quanto ao apoio necessário a prestar à criança ou jovem com deficiência.

Em tema bem diverso, mas ainda no domínio dos atos legislativos, importa referir que, a propósito de várias queixas apresentadas por militares da GNR, o Provedor de Justiça realizou diversas diligências com vista à harmonização do regime de reforma daqueles com o dos militares das Forças Armadas. Foi, entretanto, publicado o Decreto-Lei n.º 214-F/2015, de 2 de outubro, o qual, porém, não veio a ser tempestivamente aplicado pela CGA. Este facto motivou a apresentação, em 2016, de 150 novas queixas ao Provedor de Justiça.(94) Interpelada sobre o atraso no recálculo das pensões dos militares da GNR ao abrigo do referido diploma, a CGA veio informar que solicitara à Tutela a clarificação sobre «o modo de aplicação da harmonização dos regimes e determinação do universo de militares – da GNR e das Forças Armadas – a que se deverá aplicar o cálculo vigente da pensão em 31 de dezembro de 2015»(95). Já no decurso da elaboração do presente Rela-tório, veio a ser publicado, em 6 de janeiro, o Decreto-Lei n.º 3/2017, o qual veio regular as condições e as regras de atribuição e de cálculo das pensões de reforma dos militares das Forças Armadas e dos militares da GNR, abrangidos pelo regime de proteção social convergente ou pelo regime geral de segurança social.

A sugestão de alteração legislativa formulada pelo Provedor de Justiça, em 29 de abril de 2013, a propósito do dever de apresentação quinzenal a que estão sujeitos os beneficiá-rios de prestações de desemprego, nos termos do disposto no artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de novembro, foi igualmente acolhida. O incumprimento do referido dever tem por consequência não só o cancelamento da inscrição no IEFP, mas também a cessação do subsídio de desemprego. A este propósito, e sem questionar a necessidade

(91) Cf. Relatório à Assembleia da República de 2014– Anexo: Tomadas de Posição, pp. 128-137.(92) Preâmbulo do Decreto Regulamentar n.º 3/2016, de 23 de agosto.(93) Idem.(94) O que determinou a abertura de um único procedimento de queixa, com a referência Q-1873/16, no qual se incorporaram todas as queixas recebidas sobre o mesmo assunto. (95) Ofício da CGA datado de 30 de maio de 2016.

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de medidas legais que assegurem a verificação da procura ativa de emprego por parte dos beneficiários subsidiados, este órgão do Estado tem insistido, desde então, na pondera-ção da alteração ou da eliminação do dever de apresentação quinzenal, considerando que esta medida de controlo e de acompanhamento dos desempregados na procura ativa de emprego tem-se demonstrado manifestamente desadequada aos fins estabelecidos na lei, designadamente devido ao facto de tais apresentações se efetuarem, em muitos casos, junto de entidades externas ao IEFP, sem qualquer conexão com o processo de desem-prego dos cidadãos visados. Nesse sentido, a Lei n.º 34/2016, de 24 de agosto, eliminou a obrigatoriedade de apresentação quinzenal dos desempregados beneficiários do subsídio de desemprego, estabelecendo paralelamente medidas para o acompanhamento persona-lizado de quem se encontra em situação de desemprego.

Ainda no que respeita à proteção social dos cidadãos em situação de desemprego, o Provedor de Justiça, na sequência de anteriores intervenções(96), dirigiu ao Ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, em 3 de novembro de 2016, a Recomendação n.º 4/B/2016, visando a alteração do regime jurídico de proteção no desemprego, desig-nadamente no sentido de clarificar os limites a que deve estar sujeita a redução do subsídio de desemprego — prevista no n.º 2 do artigo 28.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de novembro, por referência ao valor do Indexante dos Apoios Sociais — e, de igual jeito, aclarar o âmbito de aplicação do regime de majoração do subsídio de desemprego, a fim de que possam beneficiar dela todos os agregados familiares em que ambos os cônjuges, ou pessoas que vivam em união de facto, se encontrem desempregados e tenham filhos a cargo.(97) A referida tomada de posição foi parcialmente acatada.

O Provedor de Justiça recebeu, também, várias queixas sobre um outro assunto, o qual se prende com a entrada em vigor do novo Regulamento da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 119/2015, de 29 de junho. Depois de apreciadas as diversas questões nelas expostas, este órgão do Estado enten-deu chamar a atenção dos Ministros da Justiça e do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social(98) para a necessidade de serem equacionadas diferentes soluções normativas e, nesse sentido, proceder:

a) À ponderação da obrigatoriedade de contribuição dos advogados e solicitadores esta-giários para o regime da Caixa de Providência dos Advogados e Solicitadores (CPAS), nos termos em que a mesma foi imposta pelo novo Regulamento, atendendo, designadamente,

(96) Para informação mais detalhada vide http://www.provedor-jus.pt/?idc=35&idi=15406(97) Para além das referidas recomendações no âmbito da proteção social dos cidadãos desempregados, beneficiários do subsídio de desemprego, o Provedor de Justiça também recomendou a adoção de uma disciplina legal especialmente aplicável aos cidadãos inscritos nos centros de emprego que não se encontram a receber qualquer prestação pecuniária pela eventualidade de desemprego. Vide texto integral da Recomendação em Tomadas de Posição 2016, pp. 108-118.(98) Os ofícios dirigidos aos referidos membros do Governo podem ser consultados em http://www.provedor-jus.pt/site/public/archive/doc/Q-3885-2015-RegimedeProteaaoSocialdosAdvogadoseSolicitadores_MM_0.pdf.

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à circunstância de estes poderem não vir a exercer no futuro a profissão (seja por opção, seja por insucesso nas provas de agregação ou, até, por desistência) e de, para além disso, ter sido eliminada a possibilidade de resgate das contribuições;

b) À introdução de uma cláusula ou de um escalão de salvaguarda para os advogados e solicitadores que não atinjam determinado patamar de rendimento ou cujo rendimento venha a regredir, ponderando-se a possibilidade de tal escalão contributivo ser fixado não apenas em função do número de anos de inscrição, mas também de determinado mon-tante dos rendimentos efetivamente auferidos, à semelhança do que é feito para os traba-lhadores independentes no regime da segurança social;

c) À consagração da possibilidade de totalização de períodos contributivos na CPAS com períodos abrangidos por outros regimes de proteção social obrigatórios, nos casos em que os interessados não perfaçam o tempo mínimo para preencherem o prazo de garantia;

d) À introdução de uma solução similar àquela que consta do artigo 262.º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social no sentido de permitir o reembolso de contribuições aos beneficiários que atinjam determinada idade sem que tenham, contudo, conseguido preencher o prazo de garantia necessário para ace-derem à pensão de velhice ou invalidez;

e) À fixação de um novo prazo, mais justo e adequado, para o exercício dos direitos pre-vistos no artigo 5.º do anterior Regulamento — pagamento retroativo de contribuições relativamente ao tempo de estágio em que os interessados não tenham estado inscritos na CPAS e relativamente ao tempo em que se tenha verificado a suspensão provisória dos efeitos da inscrição —, assim como ao estabelecimento da possibilidade do pagamento em prestações, de modo a que o exercício deste direito possa ser exequível pelos potenciais interessados;

f ) À adoção de uma norma que acautele a situação dos advogados (como os advogados de empresa) que são obrigados a contribuir para dois sistemas de proteção social obri-gatórios, ponderando-se a eventual eliminação desta obrigatoriedade de manutenção da inscrição na CPAS, por opção do interessado, de modo a evitar o acrescido esforço contri-butivo que lhes está a ser exigido;

g) E, por último, à consagração expressa no Regulamento da CPAS dos direitos às prestações sociais inerentes à parentalidade, com caráter obrigatório e em termos similares aos garantidos para a generalidade dos cidadãos, pondo termo ao que, neste âmbito, se encontra atualmente previsto em regulamento ad hoc.

Em conformidade com o que foi sugerido pelo Provedor de Justiça, verificou-se que, por Despacho n.º 10748/2016, de 30 de agosto, dos Gabinetes  da Ministra da Justiça e do Ministro do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social foi determinada a

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constituição de um grupo de trabalho interministerial para avaliação do novo Regula-mento da CPAS, no que respeita à matéria da proteção social.(99)

O Provedor de Justiça tem analisado, também e de modo reiterado, a aplicação do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social aos tra-balhadores independentes.(100) Assim, na sequência de novas queixas sobre o regime con-tributivo dos trabalhadores independentes, este órgão do Estado formulou novas suges-tões de alteração legislativa à Secretária de Estado da Segurança Social e de alteração de procedimentos administrativos ao Conselho Diretivo do ISS.(101) As alterações legislativas objeto da sugestão dirigida à Secretária de Estado da Segurança Social versaram sobre os temas relativos à data de produção de efeitos da isenção contributiva para os trabalhadores independentes, à determinação da sua base de incidência contributiva, à notificação e cita-ção daqueles trabalhadores por transmissão eletrónica de dados e à qualificação dos sócios ou membros de sociedades de profissionais aos quais é aplicado o regime da transparência fiscal. Relativamente às alterações de procedimentos administrativos, as sugestões do Pro-vedor de Justiça dirigidas ao Conselho Diretivo do ISS incidiram, designadamente, sobre a isenção contributiva, o apuramento do rendimento relevante, a dívida resultante do aumento do escalão contributivo, a fixação da base de incidência contributiva na sequên-cia de reinício da atividade e a qualificação dos sócios ou membros das sociedades de pro-fissionais abrangidas pelo regime da transparência fiscal.(102)

Ainda no que respeita aos trabalhadores independentes, e a propósito de uma queixa em que se alega a existência de uma discriminação daqueles no acesso à pensão anteci-pada de velhice, o Provedor de Justiça interpelou a Secretária de Estado da Segurança Social, chamando a atenção para o facto de os trabalhadores independentes, em situação de desemprego de longa duração, se encontrarem legalmente impossibilitados de, esgota-das as respetivas prestações de desemprego (subsídio por cessação de atividade), acederem ao regime da flexibilização da idade de acesso à pensão por velhice (pensão antecipada de velhice), ao contrário do que já se encontra há muito consagrado na lei para os traba-lhadores por conta de outrem.(103) Com efeito, nos termos do artigo 16.º do Decreto-Lei

(99) Esta matéria foi tratada no procedimento de queixa Q-3885/15. Cf. Tomadas de Posição 2016, pp. 92-93.(100) Efetivamente, a propósito de outras questões relativas à aplicação do Código Contributivo, o Provedor de Justi-ça já em anos anteriores apresentara ao Governo sugestões de alteração legislativa e ou de correções procedimentais por parte do ISS. Vide os ofícios remetidos por este órgão do Estado a 2 de maio de 2013 e a 10 de abril de 2014 em, respeti-vamente, http://www.provedor-jus.pt/site/public/archive/doc/OficioProvedor_SESSS_TrabalhadoresIndependen-tes.pdf e http://www.provedor-jus.pt/site/public/archive/doc/sugestoes_Regime_trabalhadores_independentes.pdf.(101) Procedimento de queixa Q-2658/16. Os ofícios, dirigidos em 14 de outubro de 2016 às referidas entidades, podem ser consultados no sítio institucional do Provedor de Justiça:http://www.provedor-jus.pt/site/public/archive/doc/Oficios.pdf.(102) Para mais informação, videTomadas de Posição 2016, pp. 84-86.(103) Vide artigos 57.º e ss. do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de novembro.

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n.º 65/2012, de 15 de março, não subsiste qualquer dúvida de que o atual regime de fle-xibilização da idade de acesso à pensão por velhice, previsto no regime jurídico de prote-ção no desemprego dos trabalhadores por conta de outrem, não se aplica aos trabalhadores independentes economicamente dependentes. Esta exclusão é extensível aos trabalhadores independentes com atividade empresarial e aos membros de órgãos estatutários, conforme estabelece o artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 12/2013, de 25 de janeiro. Suscitando-se na queixa que esta exclusão «é socialmente injusta e discriminatória» e considerando que o assunto era merecedor de apreciação para uma eventual alteração legislativa, o Provedor de Justiça sugeriu ao referido membro do Governo que fosse devida e oportunamente apreciada a questão de estender aos trabalhadores independentes, economicamente dependentes, o direito à pensão antecipada de velhice por desemprego de longa duração.(104)

Uma outra sugestão de alteração legislativa formulada pelo Provedor de Justiça prendeu--se com o prazo de prescrição para a restituição do valor das prestações sociais indevida-mente pagas, fixado em 10 anos, estabelecido no artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 133/88, de 20 de abril. Como se observou, a partir de uma significativa amostra de queixas recebidas ao longo dos últimos anos, os serviços do ISS procedem a compensações automáticas de alegadas dívidas antigas de prestações sociais indevidamente pagas, a que acresce o facto de, muitas vezes, não serem devidamente confirmadas a legalidade e a exigibilidade das mesmas.

Este órgão do Estado entendeu que a evolução legislativa impunha um novo olhar e uma outra ponderação sobre o tema, uma vez que, no quadro das alterações legislativas a que se vem assistindo, fica evidente a injustiça, a desproporcionalidade e a incerteza e insegurança jurídicas que um tão alargado prazo de prescrição acarreta para os cidadãos. Efetivamente, não só o Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de julho, veio prever um prazo prescricional de cinco anos para a reposição de dinheiros públicos (n.º 1 do artigo 40.º), como também foi reduzido para cinco anos o prazo de prescrição da obrigação do pagamento das quotizações e das contribuições (n.º 3 do artigo 60.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro) e do direito à restituição de contribuições e quotizações pagas indevidamente (artigo 272.º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social).

O Provedor de Justiça salientou ainda a necessidade de estabilização destes atos na ordem jurídica dentro do período temporal de cinco anos com vista à proteção da confiança legí-tima dos cidadãos, sugerindo à Secretária de Estado da Segurança Social a adoção de medida legislativa de alteração ao Decreto-Lei n.º 133/88, de 20 de abril, ou de aprovação de um novo regime de restituição de prestações indevidamente pagas e com uma redução do prazo prescricional.

A respeito da compensação automática das dívidas por prestações indevidamente pagas com prestações devidas pelas instituições de segurança social, o Provedor de Justiça apre-sentou, de igual modo, uma sugestão de natureza administrativa à Secretária de Estado

(104) Procedimento de queixa Q-0849/16.

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da Segurança Social, «no sentido de os procedimentos do Instituto da Segurança Social, I.P. serem corrigidos no tocante à compensação automática das prestações indevidamente pagas com prestações devidas».(105)

A propósito de várias queixas relativas à recusa da CGA em manter a inscrição no regime de proteção social convergente de vários docentes contratados que têm exercido ininterruptamente as respetivas funções, através da celebração de contratos anuais, o Pro-vedor de Justiça veio expressar o entendimento de que, à luz dos diplomas legais aplicáveis, existe continuidade do exercício de funções públicas nestas situações. Assim sendo, os docentes em causa devem considerar-se abrangidos pelo regime de proteção social conver-gente e não pelo regime geral de segurança social, inexistindo qualquer fundamento legal que legitime a recusa da CGA na manutenção da inscrição destes docentes com contra-tos anuais. A CGA veio acolher tal entendimento, tendo, porém, solicitado orientações à Tutela. Em face deste facto, o Provedor de Justiça chamou a atenção da Secretária de Estado da Segurança Social para a necessidade de serem emitidas orientações à CGA no sentido de manter a inscrição de todos os docentes que se encontrem nas situações acima descritas, bem como regularizar as situações passadas, mediante a articulação entre aquela entidade e o ISS.(106)

Ainda no tocante à proteção social dos docentes, o Provedor de Justiça sugeriu igual-mente à Secretária de Estado da Segurança Social a adoção de medida legislativa que acautele a situação dos docentes que, anteriormente à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 321/88, de 22 de setembro, exerceram simultaneamente funções docentes no ensino oficial e no ensino particular e cooperativo, com descontos, respetivamente, para o regime de proteção social da função pública (atual regime convergente) e para o regime geral da segurança social. Estes docentes deparam-se com a impossibilidade de os períodos contributivos poderem relevar simultaneamente para o cálculo das respetivas pensões de reforma, máxime no âmbito do regime da pensão unificada. No ofício de sugestão legislativa, este órgão do Estado assinalou que deverá ser garantido aos interessados, se necessário com recurso à totalização de períodos contributivos, a atribuição da pensão a que tenham direito em face das contribuições realizadas para o regime geral da segurança social ou, caso assim não se entenda, que seja assegurada pelo ISS a restituição oficiosa aos interessados das contribuições efetuadas, devidamente revalorizadas.(107)

(105) Procedimento de queixa Q-5292/15. Para mais informação, videTomadas de Posição 2016, pp. 89-90.(106) Procedimento Q-8480/14. O ofício de chamada de atenção pode ser consultado em http://www.provedor-jus.pt/site/public/archive/doc/Oficio_Secretaria_de_Estado_da_Seguranca_Social.pdf. Cf. Tomadas de Posição 2016, pp. 86-89.(107) Procedimento de queixa Q-2619/14. Para mais informação, videTomadas de Posição 2016, pp. 95-98.

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Para além de contribuir para o aperfeiçoamento dos atos legislativos e regulamentares, a missão confiada ao Provedor de Justiça compreende, ainda, a formulação de recomen-dações, sugestões ou reparos com vista à correção de atos ilegais ou injustos dos poderes públicos ou à melhoria da organização e dos procedimentos administrativos dos respeti-vos serviços. Assim, à semelhança do que sucedeu em anos anteriores, no ano de 2016 este órgão do Estado também contribuiu para o aperfeiçoamento da atividade administrativa e para o aprimoramento de boas práticas administrativas, como se ilustra com as interven-ções que seguidamente se apresentam.

Tendo por base um amplo conjunto de situações relatadas ao Provedor de Justiça, observou-se a falta de uniformização de procedimentos nos centros distritais do ISS rela-tivamente à inscrição na segurança social de trabalhadores estrangeiros (nacionais de paí-ses não pertencentes à União Europeia). Em causa estava a exigência feita aos requerentes para apresentarem uma cópia do visto de trabalho ou do título de residência válido, emi-tido pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), documentos que os mesmos não dispunham e que determinava um significativo atraso no procedimento de inscrição em apreço ou mesmo, em alguns casos, o indeferimento da inscrição, comprometendo a pos-sibilidade de recorrerem ao regime de legalização excecional constante do n.º 2 do artigo 88.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, cujo acesso (registo de manifestação de interesse junto do SEF) depende da atribuição do número de identificação na segurança social.

Na sequência de várias diligências do Provedor de Justiça, foi realizada uma reunião com o ISS, o SEF e o Alto Comissariado para as Migrações com vista a uniformizar os procedimentos sobre a inscrição de cidadãos estrangeiros na segurança social. Da mencio-nada reunião resultou que todos os centros distritais do ISS passariam a proceder à inscri-ção de trabalhadores estrangeiros, desde que se comprovasse a existência da relação laboral e se fizesse prova da legalidade da sua entrada e da permanência em território português. Posteriormente, e com vista à harmonização definitiva de procedimentos, a Direção-Ge-ral da Segurança Social emitiu uma circular de orientação técnica(108), da qual resulta que, para a inscrição de trabalhadores estrangeiros no sistema previdencial e correspondente identificação no sistema de segurança social, para além do documento de identificação e do contrato de trabalho, deverá ser apresentado documento de viagem válido que eviden-cie a sua entrada legal em Portugal ou em país do Espaço Schengen e que este documento esteja dentro do respetivo prazo de validade no momento da apresentação.(109) Com esta nova prática administrativa deixaram de ser recebidas novas queixas sobre o assunto.

A propósito de várias queixas recebidas sobre atrasos verificados em alguns centros dis-tritais do ISS na atribuição do subsídio parental, do subsídio de doença, do subsídio por risco clínico durante a gravidez e do abono de família, o Provedor de Justiça retomou uma

(108) Circular de Orientação Técnica n.º 2, de 12 de setembro de 2016.(109) Procedimento de queixa Q-7200/15. Cf. Tomadas de Posição 2016, pp. 94-95.

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já antiga e insistida sugestão para minimizar o problema, a qual passaria pela realização de dois processamentos mensais de algumas prestações sociais substitutivas da perda de remuneração, de modo a não comprometer a subsistência dos beneficiários e dos respeti-vos agregados familiares.(110)

Ainda sobre a matéria de atrasos dos serviços do ISS, importa referir a situação veri-ficada no CNP que continuou a registar atrasos significativos nos seguintes casos: a) atribuição das pensões; b) resposta aos requerimentos de cálculo do montante provável da pensão; c) envio dos formulários obrigatórios a instituições estrangeiras de segurança social (atrasando o recebimento de pensões desses países a ex-emigrantes ou ficando os interessados a receber indefinidamente pensões provisórias); d) tradução de formulários e documentos remetidos por instituições de segurança social estrangeiras com as quais Portugal está vinculado por instrumentos de direito internacional (comprometendo a contabilização de períodos contributivos no cálculo das respetivas pensões ou mesmo a atribuição das próprias pensões); e e) resposta aos pedidos de informação dos beneficiá-rios. Perante estas questões, o Provedor de Justiça reuniu com o Conselho Diretivo do ISS e chamou a atenção para os graves constrangimentos verificados na atuação do CNP que importava corrigir com urgência, atentos os prejuízos e incómodos causados aos cida-dãos.(111) Ciente dos problemas, o recentemente empossado Conselho Diretivo do ISS alegou que os constrangimentos assinalados se ficavam a dever à manifesta falta de recur-sos humanos e às muito deficientes condições de funcionamento dos serviços do CNP, resultantes da degradação das instalações, dos equipamentos e dos meios técnicos. Assim, foi assumido o compromisso de se adotarem medidas urgentes e de que a Tutela iria ser informada em conformidade, tendo em vista a resolução dos problemas identificados. O Provedor de Justiça continua a acompanhar a situação.(112)

A este propósito, importa fazer referência a algumas queixas sobre a articulação entre o CNP e os organismos de proteção social estrangeiros (dos Estados-Membros da União Europeia) relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes da aplicação do direito comunitário, designadamente quanto ao acesso de prestações sociais por parte de ex-trabalhadores emigrantes. Verifica-se, em alguns casos, que a responsabilidade pelo atraso na atribuição das pensões pelo CNP resulta também de atrasos significati-vos dos organismos congéneres estrangeiros no envio de informações essenciais exigidas pelo Direito da União Europeia. Em face da impossibilidade de intervenção do Prove-dor de Justiça junto de entidades estrangeiras, e estando em causa o cumprimento dos regulamentos da União Europeia quanto a prestações sociais por parte de organismos da

(110) Mais informações sobre esta intervenção emhttp://www.provedor-jus.pt/?idc=35&idi=16201.(111) Reuniões realizadas em 6 e 14 de julho de 2016.(112) Esta questão relativa aos constrangimentos verificados no funcionamento do CNP foi ainda objeto de especial chamada de atenção dirigida ao Conselho Diretivo do ISS em 8 de julho de 2016.

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administração pública de Estados-Membros, este órgão do Estado diligenciou junto do Centro SOLVIT Portugal(113) no sentido de averiguar a disponibilidade desta entidade para, em articulação com os Centros SOLVIT dos outros Estados-Membros, resolver este tipo de problemas. Acolhendo a preocupação do Provedor de Justiça, o Centro SOLVIT Portugal disponibilizou-se, desde logo, para tratar dos casos sinalizados ou encaminhados por este órgão do Estado. E acolheu, de igual modo, a sugestão de poder colaborar mais ativamente com o CNP por forma a tratar igualmente os casos que viessem a ser, por este Centro, diretamente sinalizados. Com vista a instituir a articulação entre o CNP e o Centro SOLVIT Portugal, prevê-se a realização de uma reunião conjunta dos serviços do Provedor de Justiça com o Conselho Diretivo do ISS e o Centro SOLVIT.(114)

Questão diversa, mas também objeto de várias queixas em 2016, prende-se com a atribuição(115), o indeferimento(116), a suspensão ou a cessação(117) irregular de prestações sociais por parte dos serviços do ISS, as quais vieram a ser resolvidas na sequência de inter-venções do Provedor de Justiça.

Ainda a propósito de vicissitudes na relação jurídica prestacional, importa fazer refe-rência aos pedidos irregulares de restituição de prestações sociais, feitos através de notas de

(113) Efetivamente, na União Europeia há um rede de Centros SOLVIT vocacionados para a resolução informal de problemas decorrentes da aplicação incorreta do direito comunitário pelas administrações nacionais. Trata-se de estru-turas sediadas na administração pública de cada EstadoMembro que, através de meios informais e de forma gratuita, promovem o encaminhamento para o Centro SOLVIT do Estado-Membro da União Europeia em que o problema tiver ocorrido, das queixas que lhe são dirigidas para que estae providencie junto das autoridades públicas do respetivo país no sentido de resolver a situação reclamada. O Centro SOLVIT Portugal funciona junto da Direção-Geral dos Assuntos Europeus, no Ministério dos Negócios Estrangeiros.(114) Procedimento de queixa Q-0905/16.(115) Procedimento de queixa Q-4655/15. Refira-se, a título de exemplo, o caso de um beneficiário a quem foi inde-vidamente atribuído um período de 360 dias de subsídio de desemprego, por lhe ter sido erradamente aplicada a norma de salvaguarda constante do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 64/2012, de 15 de março, quando, afinal, essa norma não lhe era aplicável, tendo apenas direito, nos termos gerais, a 180 dias de subsídio. Tratou-se de um erro na aplicação informá-tica, replicado, por isso, a outros beneficiários. O Provedor de Justiça formulou um reparo aos Conselhos Diretivos do ISS e do Instituto de Informática, I.P., chamando a atenção para a necessidade de correção e aperfeiçoamento dos pro-cedimentos de comunicação entre os dois Institutos e para serem envidados esforços no sentido de conferir ao Sistema de Informação da Segurança Social o rigor e a eficiência exigível que permitam aos respetivos serviços a correta execução das suas atribuições e, desse modo, assegure aos beneficiários a proteção social devida, com eficácia e em tempo útil. (116) Pela singularidade da intervenção, refere-se o procedimento de queixa Q-1922/16. Em causa estava o não reco-nhecimento da incapacidade permanente para o trabalho de um doente tetraplégico por parte do Serviço de Verificação de Incapacidades do ISS. Perante a evidência de se tratar de um caso de erro grave ou manifesto da peritagem médica dos serviços do ISS e, não obstante, se estar perante uma questão de discricionariedade técnica, a intervenção do Provedor de Justiça permitiu esclarecer e resolver a questão do reconhecimento da situação de invalidez do queixoso. (117) Como exemplo, refere-se o procedimento de queixa Q-2515/15. Em causa estava a cessação da prestação do subsídio de lar, regulada pela Portaria n.º 233/90, de 29 de março, tendo-se demonstrado que o interessado reuniu desde sempre — e manteve — as condições legais para poder beneficiar desta prestação social e, em conformidade, conclui-se pela ilegalidade da respetiva cessação. Acolhida a posição defendida pelo Provedor de Justiça, foi reposta em pagamento, com efeitos retroativos, a prestação social em causa.

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reposição indevida ou insuficientemente fundamentadas pelos serviços do ISS. Em alguns casos, tratava-se de dívidas irregularmente constituídas e notificadas ou que, a existirem, estavam já manifestamente prescritas ou haviam sido irregularmente compensadas com prestações sociais. Em outros casos, as dívidas haviam sido objeto de compensação com outras prestações sociais sem o devido respeito pelo limite legalmente estabelecido para o efeito(118) ou compensadas mediante deduções nas prestações sociais na pendência da apreciação dos requerimentos para pagamento voluntário em prestações(119). Observou-se ainda casos de revogação e de anulação administrativa de atos de atribuição de prestações sociais em desrespeito aos prazos e aos efeitos estabelecidos no Código do Procedimento Administrativo (CPA), no Decreto-Lei n.º 133/88, de 20 de abril(120), e no Despacho n.º 143-I/SESS/92, de 24 de julho. Com vista à resolução destes problemas, o Provedor de Justiça, para a além da formulação de chamadas de atenção dirigidas ao ISS, reuniu com o novo Conselho Diretivo daquele Instituto, o qual veio a acolher a posição deste órgão do Estado e, em conformidade, resolveu várias situações reclamadas, algumas já antigas.(121)

Questões similares se colocaram também em algumas queixas, em que era visada a CGA, relativamente à aplicação do novo CPA em sede de anulação administrativa de atos constitutivos de direitos à obtenção de prestações periódicas (como é o caso das pensões), designadamente no tocante aos prazos e aos efeitos(122), tendo sido possível, após a inter-venção do Provedor de Justiça, corrigir as situações reclamadas e fixar um entendimento para situações futuras similares.(123)

A propósito da aposentação antecipada dos educadores de infância e dos professores do 1.º ciclo do ensino básico em regime de monodocência, este órgão do Estado solicitou a intervenção da Secretária de Estado da Segurança Social junto da CGA com vista ao acolhimento de uma interpretação corretiva do disposto no n.º 3 do artigo 2.º da Lei n.º 77/2009, de 13 de agosto, em conformidade com o sentido que resulta da conjugação das normas que integram o referido artigo 2.º e com o entendimento defendido pela juris-prudência. Em causa está o facto de a CGA se recusar a considerar os 34 anos referidos no n.º 1 do artigo 2.º daquele diploma, como carreira completa para o cálculo da pensão

(118) Procedimento de queixa Q-2407/16.(119) Procedimento de queixa Q-1216/16. Na sequência da intervenção do Provedor de Justiça, o ISS, I.P. veio reconhecer o problema, informando estar prevista para breve «a implementação de um sistema aplicacional que auto-nomizará a apreciação dos requerimentos para pagamento em prestações e colmatará a situação de atrasos na respetiva apreciação».(120) Diploma que regula especialmente a responsabilidade emergente do pagamento de prestações sociais indevidas e a anulação administrativa dos atos de atribuição dessas prestações.(121) A título de exemplos, referem-se os procedimentos de queixa Q-0866/13, Q-0789/13 e Q-0696/16, bem como outros procedimentos conexos: Q-0774/13, Q-3334/14 e Q-5227/14.(122) Vide artigos 168.º e 171.º do CPA.(123) Procedimento de queixa Q-6674/15. Para mais informação, videTomadas de Posição 2016, pp. 90-92.

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dos monodocentes, sempre que estes requeiram a pensão antecipadamente, ao abrigo da faculdade que lhes é conferida pelo n.º 3 da mesma norma, tendo vindo a aplicar-lhes, em 2015 e 2016, os 40 anos previstos para o cálculo das pensões da generalidade dos subscri-tores da CGA.(124)

Se as considerações tecidas até ao momento se referem a queixas recebidas pelo Pro-vedor de Justiça e a sua intervenção no âmbito das vicissitudes verificadas no domínio das relações jurídicas prestacionais, as observações que se seguem prendem-se com quei-xas apresentadas a este órgão do Estado no âmbito das relações jurídicas contributivas. O volume destas representou 18,8% do total das queixas recebidas nesta unidade temática e as mesmas versaram sobre as seguintes temáticas: inscrição, enquadramento e qualificação, registo de remunerações no Sistema de Informação da Segurança Social, taxas, isenções e base de incidência contributiva, mas também — e em número mais expressivo — sobre dívidas de contribuições e sobre a restituição de contribuições indevidamente pagas.

Efetivamente, e tal como já foi observado em anos anteriores, registaram-se, ainda em 2016, muitas queixas sobre atrasos na restituição de contribuições indevidamente pagas, atrasos esses que resultaram, essencialmente, de uma deficiente articulação entre os servi-ços envolvidos, pertencentes a institutos públicos diferentes (do ISS, do IGFSS e, várias vezes, também, do Instituto de Informática, I.P.). Verificou-se que o fundamento para o pagamento indevido de contribuições resulta, muitas vezes, da anulação de dívida con-tributiva no âmbito de processos de execução e que a sua participação tem origem em vicissitudes de gestão de contas correntes ou em lapsos de enquadramento, qualificação, liquidação ou pagamento das contribuições por parte dos contribuintes. Circunstâncias para as quais podem concorrer algumas insuficiências das plataformas informáticas dis-poníveis ou a prestação de informação aos interessados de modo incompleto. Com vista à resolução destes constrangimentos, o Provedor de Justiça tem feito algumas sugestões para os prevenir, pretendendo-se que as dívidas contributivas, objeto da participação do ISS ao IGFSS(125), sejam efetivamente certas, líquidas e exigíveis à data em que transitam para a fase executiva. Neste sentido, este órgão do Estado tem insistido para a necessidade de, por um lado, em momento prévio à mencionada participação, as contas correntes dos contribuintes serem devidamente regularizadas (com exclusão das dívidas indevidas), e de, por outro, o contribuinte ser previamente notificado da dívida contributiva cuja cobrança coerciva esteja prevista

Nas reuniões que foram realizadas com os Conselhos Diretivos do IGFSS e do ISS, res-petivamente em 20 de junho de 2016 e em 14 de julho de 2016, o Provedor de Justiça assi-nalou as suas preocupações e as suas sugestões, obteve esclarecimentos mais aprofundados

(124) Procedimento de queixa Q-5677/15.(125) A quem cabe, nos termos da lei, através das respetivas secções de processo executivo, a cobrança coerciva das dívidas contributivas.

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sobre estas questões e tomou conhecimento das medidas já adotadas ou a adotar no sen-tido de uma melhor articulação entre os serviços dos dois Institutos não só para a correta participação das dívidas contributivas para execução, mas também para imprimir maior celeridade na restituição aos contribuintes das contribuições indevidamente pagas. Foi possível apurar que os dois Institutos estão a trabalhar com vista à simplificação dos pro-cedimentos, devendo as recentes alterações introduzidas na plataforma informática para a apresentação das declarações de remunerações por parte dos contribuintes evitar erros e, assim, garantir uma melhor gestão das contas correntes dos contribuintes, acautelando, para o futuro, a criação de dívidas irregulares de contribuições e a participação indevida dessas mesmas dívidas para execução.(126)

Observam-se ainda algumas dificuldades de comunicação dos contribuintes com os serviços e a falta de apoio para ultrapassar os problemas — muitas vezes, de natureza infor-mática — com que os mesmos são confrontados. À medida que a informação circula cada vez mais rapidamente e o mundo fica mais dependente das novas tecnologias, o sistema de segurança social tem exigido cada vez mais aos contribuintes que se mantenham infor-mados e recorram a essas tecnologias para o cumprimento dos seus deveres. Contudo, os recursos informáticos disponibilizados não são, em muitos casos, compatíveis com a referida exigência, deparando-se o Provedor de Justiça com queixas sobre aplicações infor-máticas que são pouco intuitivas para o utilizador e sobre dificuldades em conseguir um esclarecimento ou uma informação em tempo útil sobre como ultrapassar problemas ou dúvidas de natureza técnica. E é para evitar os prejuízos e os constrangimentos que daqui advêm para os cidadãos, bem como para avaliar, quer a articulação das várias entidades públicas envolvidas, quer as medidas entretanto já eventualmente adotadas para resolver os aludidos problemas, que o Provedor de Justiça prevê realizar uma reunião conjunta com os Conselhos Diretivos do ISS, do IGFSS e do Instituto de Informática, I.P.

Uma nota final para o facto de, no final do ano de 2016, ter entrado em vigor um regime excecional de regularização de dívidas de natureza fiscal e de dívidas de natureza contribu-tiva à segurança social, através de pagamento integral ou pagamento em prestações, deno-minado Programa Especial de Redução do Endividamento ao Estado (PERES), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 67/2016, de 3 de novembro. Este regime permitiu a regularização de numerosas situações de dívidas contributivas à segurança social, o que poderá vir even-tualmente a traduzir-se em uma diminuição do número de queixas sobre esta matéria.

(126) Será, sem dúvida, um bom contributo para evitar futuramente a dívida mal participada, embora os seus efeitos não devam revelar-se de imediato, uma vez que só está a aplicar-se para as novas declarações de remunerações, manten-do-se em aberto e por resolver as dívidas irregulares acumuladas no passado cujos planos de superação têm-se revelado ineficazes, mormente pela escassez de recursos, técnicos e humanos para a sua implementação.

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1.2.4. Direitos dos trabalhadores

Em 2016, o número global de procedimentos de queixa abertos em matérias relaciona-das com o trabalho, o emprego e a formação profissional, assim como com a contratação pública, registou, comparativamente com o ano de 2015, uma diminuição de 14,5%: de 1021 procedimentos abertos em 2015 para 873 procedimentos criados no ano de 2016. Destes, foram abertos 872 procedimentos de queixa e um por iniciativa oficiosa do Pro-vedor de Justiça.(127)

Mencione-se, de igual jeito, que, no ano de 2016, foi possível concluir 1013 procedi-mentos de queixa, o que representa 116% do volume de procedimentos abertos durante o mesmo período.

Uma leitura mais detalhada sobre os procedimentos de queixa abertos revela-nos que o decréscimo de procedimentos registado se ficou a dever, por sobre tudo, à redução daque-les que têm origem em queixas apresentadas por trabalhadores em funções públicas (que sofreram uma diminuição de 23%), o que se pode explicar, pelo menos em parte, pela redução do número de queixas apresentadas por docentes do ensino não superior. Na ver-dade, ao Provedor de Justiça chega, todos os anos, um número significativo de queixas de docentes sobre questões relacionadas com o seu estatuto profissional, o que tem justifica-ção no peso relativo desta carreira (de educadores de infância e de professores dos ensinos básico e secundário) no conjunto das administrações públicas (19,6%)(128). Muitas destas queixas incidem, em regra, sobre o concurso anual de pessoal docente, o qual conheceu, em 2016, menor litigância, refletindo-se na redução do número global de queixas em matéria de emprego público.

O número de procedimentos abertos na sequência de queixas relacionadas com os outros conjuntos de matérias atribuídos a esta unidade temática (relações laborais priva-das, emprego e formação profissional  e contratação pública) registou, em todos os casos, um aumento, em especial nas matérias relacionadas com as relações laborais privadas e com a contratação pública, não obstante o número global de procedimentos incluídos neste grupo tenha pouca expressão.(129)

(127) O procedimento de iniciativa do Provedor de Justiça que, aberto a 6 de setembro de 2016, está em instrução nesta unidade temática surge na sequência da morte de instruendo, ocorrida no dia 4 de setembro do mesmo ano, do 127.º Curso de Comandos do Exército, no Campo de Tiro de Alcochete. Entretanto verificou-se o óbito de um segundo instruendo.(128) De acordo com a Síntese Estatística do Emprego Público do 3.º trimestre de 2016, publicado pela Direção--Geral da Administração e do Emprego Público em 15 de novembro de 2016 (Quadro 2.6.   Emprego no sector das administrações públicas por cargo/carreira/grupo), disponível em http://www.dgaep.gov.pt.(129) Embora tenham praticamente duplicado — por comparação com o ano anterior —, os 17 procedimentos de queixa criados em 2016 sobre contratação pública representam cerca de 2% dos procedimentos abertos no mesmo período.

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Gráfico XXII

848

104 60 9

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170

200

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800

1000

Distribuição de procedimentos por matérias - Direitos dos trabalhadores e contratação pública(comparativo 2015-2016)

Relação laboral privada

Educação e formação prossional

Contratação pública

Relação de emprego público

2015

2016

Os números representados no gráfico(130) supra permitem concluir que, no domí-nio das relações laborais privadas, aumentou o número de queixas de trabalhadores ou extrabalhadores de empresas em situação de insolvência ou em situação económica difícil que pretendem ter acesso ao Fundo de Garantia Salarial  (FGS). Este Fundo assegura o pagamento aos trabalhadores de créditos emergentes do contrato de trabalho, da sua vio-lação ou da sua cessação, cabendo a sua gestão ao Estado e a representantes dos parceiros sociais com assento na Comissão Permanente de Concertação Social.(131) Na verdade, dos 135 procedimentos de queixa em matérias relacionadas com as relações laborais privadas, 63 (46,7%) são atinentes a queixas sobre o acesso ao FGS. São, predominantemente, duas as razões que motivam a apresentação de queixa ao Provedor de Justiça.

A primeira razão traduz-se na ausência de decisão dos requerimentos para pagamento de créditos laborais. Com efeito, embora a lei determine que o requerimento é decidido no prazo de 30 dias a contar da data em que o mesmo se encontre devidamente instruído, observa-se que em diversos casos decorre mais de um ano (e por vezes mais) até a decisão ser proferida. Fica, assim, significativamente comprometido o efeito útil subjacente à cria-ção do Fundo: auxiliar, de modo célere, quem, por incumprimento da entidade patronal, fica privado do pagamento dos créditos laborais que lhe são devidos.

(130) A estes números acresce um procedimento de queixa classificado na categoria residual «outros».(131) Cf. artigo 336.º do Código do Trabalho (CT), aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro  que transpõe a Diretiva n.º 2008/94/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2008, relativa à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador – e o Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, que aprova o novo regime do Fundo de Garantia Salarial.

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A segunda razão prende-se, por seu turno, com o indeferimento do requerimento com o fundamento de não ter sido apresentado no prazo de um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, conforme disposto no n.º 8 do artigo 2.º do novo regime do FGS. Antes da entrada em vigor do novo regime do FGS, exigia-se que o requerimento fosse apresentado «até três meses antes da prescrição dos respetivos crédi-tos».(132) Daqui decorre que, à luz do anterior regime e ao contrário do que agora sucede, o prazo de apresentação do requerimento ao FGS prolongava-se durante a ocorrência de alguma circunstância que determinasse a interrupção do prazo de prescrição do crédito laboral, designadamente a citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprimisse, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito (cf. n.º 1 do artigo 323.º do CC). Deste modo, o novo prazo de apresentação do requerimento ao FGS veio a revelar-se substancialmente mais reduzido.

Nos procedimentos abertos na sequência de queixas em matéria de contratação pública, foram, sobretudo, os problemas relacionados com o funcionamento de platafor-mas eletrónicas de contratação pública — infraestruturas tecnológicas constituídas por um conjunto de aplicações, meios e serviços informáticos necessários ao funcionamento dos procedimentos eletrónicos de contratação pública nacional, sobre a qual se desenro-lam os referidos procedimentos(133) — que estiveram em causa e que trataremos adiante ainda neste capítulo.

A generalidade das queixas apresentadas por trabalhadores em funções públicas ao Provedor de Justiça prendia-se com a tramitação de concursos para recrutamento de tra-balhadores, as condições de prestação de trabalho (com especial ênfase nos problemas de organização dos tempos de trabalho e de aplicação dos regimes de férias e de faltas) e as remunerações. Seguem-se-lhes as questões relacionadas com o vínculo de emprego público, a mobilidade, a carreira e a atuação da administração quando ocorrem acidentes de trabalho ou doenças profissionais, (vide quadro infra).

(132) Cf. n.º 3 do artigo 319.º da Lei n.º 35/2004, de 29 de julho.(133) Previstas no Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2009, de 29 de janeiro, e regu-ladas pela Lei n.º 96/2015, de 17 de agosto.

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Quadro 15

Distribuição de procedimentos por matérias - relação de emprego público Ação disciplinar 9Acidentes de trabalho 36Doenças profissionais 18Avaliação do desempenho 20Cargos dirigentes 11Carreira 60Contratos de prestação de serviços 6Garantias de imparcialidade 4Igualdade e não discriminação 12Requalificação de trabalhadores 2Mobilidade geral 67Proteção da parentalidade 14Prestação do trabalho 98Recrutamento 104Relações coletivas de trabalho 11Remunerações 85Segurança e saúde no trabalho 1Vínculo 78Outros - relação de emprego 16Total 652

Nos últimos anos, os relatórios de atividade do Provedor de Justiça têm enumerado alguns problemas detetados nos procedimentos de concurso para recrutamento de traba-lhador público, os quais se repetem sem, todavia, ter existido alterações legislativas signi-ficativas e a jurisprudência se apresentar, nesta matéria, consolidada. Assim, se, em muitos casos — por sobre tudo nos serviços de menor dimensão, como são os estabelecimentos escolares ou algumas autarquias —, as irregularidades praticadas podem resultar da impre-paração dos trabalhadores que asseguram a tramitação dos concursos, em outros casos é a Administração que não releva as consequências que a seleção sustentada em um procedi-mento de recrutamento irregular ou ilegal acarreta, seja para o candidato preterido, seja para a própria Administração. Expliquemo-nos: para o candidato preterido porque, para além da restrição à liberdade de escolha de profissão e ao exercício do direito de acesso a emprego público, o seu afastamento traduz-se no desemprego ou na frustração de uma

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expetativa evolutiva da sua vida profissional. Para a Administração, porque, deste modo, esta não garante o recrutamento do melhor candidato — que é o fim último a que se des-tina o concurso —, desperdiçando a oportunidade de melhorar os seus recursos e, logo, a sua capacidade funcional, em prejuízo dos interesses públicos que prossegue. Acresce que a litigiosidade resultante de muitos procedimentos concursais organizados pela Adminis-tração consome parte dos seus recursos (humanos e financeiros).

De entre os diversos problemas de ilegalidade ou de irregularidade que foram tratados por este órgão do Estado, assinalam-se os seguintes:

Restrição do universo dos potenciais candidatos a concurso através da exigência de concreta licenciatura quando a lei apenas permite a exigência de um nível de habilitação académica e, quando indispensável e previsto no mapa de pessoal, de uma determinada área de formação;(134)

Introdução do requisito habilitacional inovatório, com base na diferenciação entre diplomados “pré-” ou “pós-Bolonha”, em recrutamentos para a carreira geral de técnico superior, para cujo ingresso é legalmente exigida a titularidade de uma licenciatura, e aqueles são, à luz da lei, titulares desse mesmo grau académico;(135)

Exclusão de candidatos por falta de datação ou de assinatura do currículo, quando a ausência do currículo não impede sequer a avaliação das candidaturas, devendo o júri pon-derar, na seleção, todos os elementos existentes no processo de cada candidato;(136)

Utilização de critérios de seleção vagos ou discriminatórios;(137)Deficiente ou irregular concretização da notificação pessoal.(138)Repetem-se igualmente as queixas sobre a utilização, pela Administração, de diferentes

formas precárias de trabalho — tituladas, designadamente, por contratos de trabalho a termo, de prestação de serviços, de emprego-inserção, de estágio e de bolsa de investiga-ção — que têm justificado diversas intervenções do Provedor de Justiça nos últimos anos.

O artigo 19.º da Lei do Orçamento do Estado para 2016(139) determina que o Governo deveria, durante o ano de 2016, definir uma estratégia plurianual de combate à precarie-dade, bem como proceder, no prazo de seis meses, ao levantamento de todos os instru-mentos de contratação (em situação irregular) utilizados pelos vários serviços da Admi-nistração e do Setor Empresarial do Estado. Para este efeito, foi criado, pelo Despacho n.º 9943/2016(140), um grupo de trabalho, tendo este órgão do Estado acompanhado

(134) Procedimentos de queixa Q-7603/14, Q-1900/15, Q-1660/16 e Q-6051/16.(135) Procedimento de queixa Q-3670/16.(136) Procedimento de queixa Q-0175/16.(137) Procedimentos de queixa Q-4193/15, Q-4918/15, Q-5007/15 e Q-4258/16.(138) Procedimento de queixa Q-1073/16.(139) Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março.(140) Publicado no Diário da República,n.º 150, 2.ª série, de 5 de agosto de 2016.

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estas matérias junto do Governo e, em função dos desenvolvimentos que as mesmas conhecerem, ponderará futuras intervenções.

Reitera-se, também, a apreciação que já foi feita em anos anteriores sobre a gestão que os empregadores públicos fazem, muitas vezes, dos tempos de trabalho e dos horários dos seus trabalhadores. Mantém-se elevado o número de queixas de trabalhadores que veem recusados os seus pedidos de jornada contínua e de horários flexíveis.(141) As entidades visadas continuam, por vezes, a manifestar alguma resistência em avaliar, em concreto, as necessidades do trabalhador e a efetiva repercussão da satisfação da sua pretensão no funcionamento do serviço, recorrendo, destarte, a argumentos de ordem geral de conve-niência do serviço ou de natureza formal. A título de exemplo, refira-se que a situação de um determinado hospital que, para não cumprir pareceres vinculativos da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego — que não consideraram atendíveis os motivos aduzidos pela Administração para indeferir os pedidos de horários flexíveis —, invocou a circunstância de os pareceres não estarem acompanhados das atas das reuniões em que foram aprovados.

Acresce que a conciliação da vida profissional com a vida pessoal e familiar, para além de ser um direito constitucional(142), constitui uma área de intervenção prioritária em matéria de igualdade de género, quer da União Europeia(143), quer do Estado português(144).

Às dificuldades de aplicação do quadro legal do trabalho, em geral e do emprego público em particular, sujeito a múltiplas e constantes alterações, somam-se as dificuldades de interpretação da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LGTFP), atento o sistema de múltiplas remissões para o CT que esta contém. Como exemplo do que se acabou de afirmar, note-se a diversidade de interpretações e aplicações, por parte dos órgãos e dos serviços da Administração Pública, do regime de faltas por doença e dos seus efeitos no direito a férias dos trabalhadores abrangidos pelo regime de proteção social convergente. Com efeito, se algumas pessoas defendem que o regime das faltas por doença daqueles tra-balhadores, hoje contido nos artigos 15.º a 41.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, face à sua especificidade, obsta a que se opere a suspensão do contrato nas ausências prolongadas por doença, e a que, consequentemente se produzam os efeitos dessa vicissitude no direito a férias, previstos no artigo 129.º da LGTFP, outras há que entendem que aqueles artigos

(141) Referimo-nos ao horário flexível de trabalhador com responsabilidades familiares, previsto no artigo 56.º do CT. (142) Cf. alínea b), do n.º 1, do artigo 59.º da CRP.(143) Cf., entre outros, a Estratégia Europa 2020 para um crescimento inteligente, sustentável e inclusivo, lançada pela Comissão Europeia em 3 de março de 2010; o Pacto Europeu para a Igualdade entre Homens e Mulheres (2011-2020), aprovado pelo Conselho da União Europeia em 7 de março de 2011; e o Compromisso estratégico para a igualdade de género 2016-2019, da Comissão Europeia.(144) Cf. VPlano Nacional para a Igualdade de Género, Cidadania e Não-Discriminação 2014–2017, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 103/2013, de 31 de dezembro.

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apenas afastam as normas da LGTFP e do CT que disciplinam as mesmas matérias, pelo que, nada dispondo naqueles sobre os efeitos das faltas por doença que se prolongue por mais de 30 dias, o artigo 278.º da LGFTP aplica-se a todos os trabalhadores em funções públicas, independentemente do regime de proteção social a que se encontram sujeitos. Da opção por uma ou por outra solução normativa resultam efeitos concretos bem distin-tos, já que, com a suspensão do vínculo, não se vencem férias e o trabalhador tem direito, quando regressar ao serviço, a dois dias úteis de férias por cada mês completo de trabalho.

Neste sentido, o Provedor de Justiça sugeriu à Secretária de Estado da Administração Pública a alteração da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, com vista a, por um lado, clarifi-car os efeitos das faltas por doença nas férias dos trabalhadores integrados no regime de proteção social convergente e, por outro, harmonizar os efeitos das faltas por doença dos trabalhadores em funções públicas, eliminando distinções baseadas no regime de prote-ção social que lhes é aplicável, designadamente em matéria de antiguidade. A clarificação legislativa sugerida não foi acolhida; contudo, a Secretária de Estado da Administração Pública informou que, quanto à harmonização dos efeitos das faltas por doença na anti-guidade, «a revogação do n.º 6 do artigo 15.º da Lei n.º 35/2014 se encontra prevista na proposta de lei de alteração à LTFP, em apreciação no Parlamento»(145).

Este órgão do Estado interveio, de igual modo, na temática conexa aos acidentes de tra-balho e às doenças profissionais, por sobre tudo quando os sinistros ocorreram ao serviço de entidades empregadoras públicas.

O Provedor de Justiça considerou que o direito à reparação da incapacidade perma-nente por acidentes de trabalho e doenças profissionais dos trabalhadores ao serviço de entidades empregadoras públicas está em crise. Em causa está a nova redação conferida pela Lei n.º 11/2014, de 6 de março, à alínea b), do n.º 1, do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, e a proibição que daí resulta de os trabalhadores sinistra-dos ou afetados por doença acumularem prestações por incapacidade permanente parcial «com a parcela da remuneração correspondente à percentagem de redução permanente da capacidade geral de ganho do trabalhador» e, bem assim, com as pensões de aposenta-ção e reforma, salvo na parte em que estas excedam as prestações periódicas por incapaci-dade permanente.(146)

Questão de diferente natureza, mas que compromete o direito à reparação por acidente de trabalho, é a que se prende com o âmbito de aplicação do Decreto-Lei n.º 503/99, 20

(145) Vide síntese da intervenção em Tomadas de Posição 2016, pp. 152-155.(146) A eventual desconformidade desta solução legal com a CRP será desenvolvida infra. Vide p. 129 e Tomadas de Posição2016, pp. 209-223.

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de novembro. Foi requerida a intervenção do Provedor de Justiça por trabalhadores em funções públicas, invocando que, tendo sido vítimas de acidentes de trabalho ao serviço de hospitais com natureza de entidades públicas empresariais, não beneficiaram da inte-gral proteção que lhes era devida. Esta situação deveu-se, segundo alegado, ao de facto de, por um lado, a CGA entender não lhe caber o ressarcimento da incapacidade permanente e, por outro, a entidade empregadora não ter transferido para uma seguradora a responsa-bilidade pela reparação dos danos decorrentes do acidente.

Apreciada a questão, concluiu-se que assistia razão à CGA, por ser aplicável o regime dos acidentes de trabalho constante do CT e da Lei n.º 98/2009, de 4 de novembro (Lei dos acidentes de trabalho e doenças profissionais, conhecida por LAT), e não o Decre-to-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, que estabelece o regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais ocorridos ao serviço de entidades empregadoras públicas. Do regime jurídico constante do CT e da LAT resulta que as entidades empre-gadoras devem transferir a sua responsabilidade infortunístico-laboral para uma segu-radora, sendo que, se não o tiverem feito, mantêm-se como primeiras responsáveis por aquela reparação (n.º 5 do artigo 283.º do CT e artigos 7.º e 79.º da LAT). Assim, uma vez que, nos casos submetidos à apreciação do Provedor de Justiça, a responsabilidade não se encontrava transferida à data dos acidentes e os trabalhadores invocaram não ter benefi-ciado integralmente da proteção que a lei lhes confere, foi sugerida às entidades públicas empresariais a participação judicial dos acidentes, a fim ser aferido o cumprimento dos deveres de reparação dos danos decorrentes dos acidentes, sugestão que foi acolhida.(147)

Ainda em matéria de reparação de acidentes de trabalho ocorridos ao serviço de enti-dades empregadoras públicas, refira-se a atuação da CGA que suspende ou extingue os procedimentos para reconhecimento do direito a pensão por incapacidade permanente resultante de acidente de trabalho de militares por falta de apresentação de dois formulá-rios — a participação do acidente e o boletim de acompanhamento médico — que nunca poderão ser apresentados, por inaplicáveis(148), sem valorar a prova produzida relativa-mente aos mesmos factos. Esta atuação da CGA pode desrespeitar, destarte, o princípio

(147) Vide síntese da intervenção em Tomadas de Posição 2016, pp 146-148.(148) Nos termos do artigo 55.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, apenas é aplicável aos militares das Forças Armadas o Capítulo IV deste diploma, ou seja, o disposto nos artigos 34.º a 43.º. Assim sendo, a participação e a qualificação do acidente, assim como o direito a assistência médica e a reparação da incapacidade temporária para o tra-balho, regulados no Capítulo II do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, não se aplicam aos acidentes sofridos por militares. Não é igualmente aplicável o artigo 55.º que prevê modelos a utilizar para efeitos daquela participação, quando efetuada por escrito, e para registo da situação clínica do sinistrado.

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do inquisitório(149), assim como os princípios da desburocratização, economia, celeridade e informalidade da atividade administrativa, negando àqueles trabalhadores o direito à justa reparação do acidente que a CRP confere a natureza de direito fundamental.

Em 2016, o Provedor de Justiça formulou, sobre matérias relacionadas com os direitos dos trabalhadores, cinco recomendações.

Este órgão do Estado recomendou à Assembleia da República que ponderasse a alte-ração da norma, aprovada em 2015(150), que impõe a todos os trabalhadores e a todos os voluntários que, no desenvolvimento da sua atividade, contactem regularmente com menores o dever de apresentar anualmente o certificado de registo criminal. Não igno-rando que a medida legislativa visa garantir que as entidades empregadoras ou promotoras destas atividades avaliem, com regularidade, a idoneidade dos seus trabalhadores e dos seus colaboradores — a fim de reduzir os potenciais riscos para a segurança dos menores —, concluiu-se que estes objetivos poderiam ser atingidos por outros meios, menos one-rosos para os cidadãos abrangidos e para os serviços públicos responsáveis pela emissão dos certificados. Efetivamente, a execução desta medida não só obriga os trabalhadores e os voluntários a suportar encargos acrescidos com o cumprimento das necessárias diligên-cias burocráticas, como também não poderá deixar de onerar os serviços de identificação criminal, atento o elevado número de cidadãos cuja atividade envolve um contacto regular com menores. Tais custos que seriam obviáveis se, à semelhança do que se encontra pre-visto para os trabalhadores em funções públicas relativamente a todo o tipo de crimes, a condenação pela prática de crimes de natureza sexual contra menores tivesse de ser comu-nicada às entidades empregadoras e afins. Por estas razões, o Provedor de Justiça dirigiu ao Parlamento a Recomendação n.º 2/B/2016, tendo em vista o aperfeiçoamento deste regime legal.(151)

Na sequência de diversas queixas apresentadas por cidadãos desempregados, benefi-ciários e não beneficiários de prestações de desemprego, o Provedor de Justiça formulou a Recomendação n.º 4/B/2016, endereçando-a ao Ministro do Trabalho, Solidariedade

(149) E do consequente dever do responsável pela direção do procedimento de averiguar todos os factos cujo conhe-cimento seja adequado e necessário à tomada de uma decisão legal e justa, para o que pode recorrer a «todos os meios de prova admitidos em direito» (artigo 58.º e n.º 1 do artigo 115.º, ambos do CPA). Dever que se mantém mesmo que os interessados não apresentem as provas que lhe sejam pedidas pelo instrutor (n.º 2 do artigo 119.º). Assim, suster ou extinguir o procedimento com base na falta de um meio de prova específico e a desconsideração dos demais meios de prova apresentados constitui violação expressa do dever de apuramento oficioso dos factos de que depende a decisão.(150) Cf. n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com a redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 103/2015, de 24 de agosto.(151) Cf. Tomadas de Posição2016, pp. 104-108.

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e Segurança Social. Com esta tomada de posição, este órgão do Estado recomendou que fossem promovidas as seguintes medidas: a) adoção de uma disciplina legal especialmente aplicável aos cidadãos inscritos nos centros de emprego que não se encontram a receber qualquer prestação pecuniária pela situação de desemprego; b) clarificação dos limites a que deve estar sujeita a redução do subsídio de desemprego, prevista no n.º 2 do artigo 28.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de novembro, por referência ao valor do Indexante de Apoios Sociais; e, c), clarificação do âmbito de aplicação do regime de majoração do subsídio de desemprego, a fim de que dela possam beneficiar todos os agregados familiares em que ambos os cônjuges, ou pessoas que vivem em união de facto, se encontram desem-pregados e têm filhos a cargo.(152)

Este órgão do Estado, na sequência de algumas queixas que lhe foram apresentadas, verificou que continua por regulamentar a norma legal que admite que os titulares do grau de mestre em ensino de Inglês e em outra língua estrangeira no ensino básico, que não tenham realizado a prática de ensino supervisionado de inglês no 1.º ciclo, possam adquirir qualificação para a docência desta disciplina e nível de ensino, desde que realizem formação complementar nos termos a definir por portaria do membro do Governo res-ponsável pela área da educação. Com efeito, a regulamentação que foi emitida (Portaria n.º 260-A/2014, de 15 de dezembro) contempla apenas uma parte das situações previstas no regime legal da habilitação para a docência da mencionada disciplina. De tal omissão resulta, para os docentes nas condições referidas, a impossibilidade de lecionarem Inglês no 1.º ciclo, independentemente da natureza pública ou privada das escolas. Deste modo, mais do que por imposição do princípio da legalidade, estaria em causa a observância da liberdade de exercício de profissão e do direito de acesso a funções públicas em condições de igualdade, urgindo suprir a omissão ilegal do dever de regulamentar. Face ao exposto, o Provedor de Justiça recomendou ao Ministro da Educação a emissão da regulamentação em falta (Recomendação n.º 5/B/2016).(153)

Em resultado da instrução de diversas queixas apresentadas por trabalhadores que exer-cem funções públicas, relativas a decisões de reposição de montantes avultados que foram estavelmente abonados como contrapartida da prestação de trabalho, durante períodos que podem ascender a cinco anos, com base em decisões ou normas regulamentares de cuja validade os trabalhadores não colocam em causa, o Provedor de Justiça dirigiu a Recomendação n.º 6/B/2016 ao Ministro das Finanças.

(152) Cf. Tomadas de Posição 2016, pp. 108-118. Por, entretanto, ter dado entrada na Assembleia da República, a proposta de Lei do Orçamento do Estado para ano de 2017 e prevenindo a possibilidade de, no âmbito da discussão, as matérias objeto da Recomendação merecerem a atenção daquela Assembleia, o Provedor de Justiça deu ainda conheci-mento da comunicação àquele órgão de soberania.(153) Cf. Tomadas de Posição2016, pp. 118-123. Esta recomendação foi acatada e, já em 2017, por despacho da Se-cretária de Estado Adjunta e da Educação, foi dada publicitação do início do procedimento conducente à alteração da Portaria n.º 260-A/2014 sobre aquisição de qualificação profissional para a docência no grupo de recrutamento 120.

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Mercê da densidade e complexidade das normas jurídicas aplicáveis, verificou-se que a confiança na validade de tais decisões era partilhada pelos órgãos administrativos res-ponsáveis pelo processamento das retribuições, só mais tarde vindo a ser posta em causa, por exemplo, na sequência da realização de auditorias ou ações inspetivas. Raros foram os casos relatados a este órgão do Estado em que a ilegalidade dos pagamentos de remu-nerações e abonos a repor era manifesta ou não podia ser contestada à luz de atendíveis argumentos jurídicos. Foi, de igual forma, observado, com frequência, os órgãos ou os ser-viços se limitavam a comunicar aos interessados que fora determinada a reposição de um certo montante ou abono — sem explicitar os motivos pelos quais se considerara que tais quantias eram indevidas —, e que os montantes a repor seriam deduzidos da retribuição mensal dos trabalhadores.

A instrução destes procedimentos de queixa permitiu concluir que era pertinente rever o Regime de Administração Financeira do Estado(154), por forma a conciliar, de um modo mais equilibrado, o interesse público na recuperação de verbas indevidamente despendi-das com o direito fundamental à retribuição do trabalho, à luz dos princípios da juridici-dade administrativa, da segurança jurídica, da tutela da confiança e da boa-fé. Impunha-se, destarte, definir, com clareza, os procedimentos e os limites a que deve obedecer a reposi-ção de verbas indevidamente recebidas através de compensação com créditos remunerató-rios. Mas importava também clarificar o prazo após o qual se pode confiar na estabilização dos atos de processamento de remunerações, tendo em devida consideração as profundas alterações introduzidas no regime de anulação de atos administrativos pelo novo CPA, que resultaram de uma reforma ponderada e devidamente autorizada pela Assembleia da República.

Na sequência das intervenções do Provedor de Justiça sobre esta matéria, foi publi-cado o Decreto-Lei n.º 85/2016, de 21 de dezembro, o qual introduziu alterações no Regime de Administração Financeira do Estado, em parte acolhendo as propostas e as recomendações deste órgão do Estado. No entanto, atentos os prazos previstos no novo CPA para anulação de atos administrativos constitutivos de direitos à obtenção de presta-ções pecuniárias, a solução legislativa entretanto adotada quanto ao prazo de prescrição da obrigação de repor dinheiros públicos indevidamente recebidos permanece sob a análise do Provedor de Justiça.(155)

O Provedor de Justiça, na sequência de algumas queixas que recebeu, verificou que diversos serviços regionais da Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares enfrentam dificuldades na realização regular de juntas médicas de verificação de doença. Tais cons-trangimentos — em uns casos motivados pela omissão da designação, pelo Ministério da Saúde, do médico que deve integrar as juntas e, em outros, por razões ligadas a falta de

(154) Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de julho.(155) Cf. Tomadas de Posição 2016, pp. 129-143.

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disponibilidade orçamental para a contração de médicos — conduziram à suspensão da realização de juntas médicas, por longos períodos, em várias delegações regionais.

Constitui entendimento deste órgão do Estado que a omissão de realização de juntas médicas de verificação de doença, para além de ilegal, produz danos relevantes no plano da economia e da eficiência que devem nortear a atividade administrativa, incluindo aquela em que a Administração Pública reveste a qualidade de empregadora. Com efeito, enquanto aguardam pela realização da junta médica — no período que medeia entre o termo dos primeiros 60 dias de doença e o final do período total de 18 meses(156) —, os trabalhadores mantêm-se abrangidos pelo regime de faltas por doença, sem que o motivo da incapacidade para o trabalho seja objeto de qualquer avaliação. À carência de recursos humanos daí decorrente aliar-se-á o aumento de encargos na substituição dos trabalhado-res indispensáveis, como é o caso em especial dos docentes com componente letiva que, em caso de falta ao trabalho, pode implicar o recurso à contratação a termo de novos trabalhadores.

Para além disso, o Provedor de Justiça entende que a cessação antecipada do regime de proteção em caso de doença prolongada que o Ministério da Educação impõe, como resultado da falta da junta médica, desrespeita o regime vinculativo aplicável, na medida que trata da mesma forma situações a que a lei conferiu tratamento diferenciado.

Por estas razões, o Provedor de Justiça recomendou à Secretária de Estado Adjunta e da Educação a adoção de medidas necessárias com vista à supressão, tão célere quanto possível, da omissão de realização de juntas médicas de verificação de doença nos serviços regionais em que tal se verifica e a divulgação, junto das escolas, das orientações necessá-rias com vista ao respeito pelo regime aplicável aos trabalhadores em situação de doença prolongada (Recomendação n.º 4/A/2016).(157)

O Provedor de Justiça tomou, de igual modo, posição sobre outras questões que afetam um grande número de cidadãos, formulando sugestões para o aperfeiçoamento da ação administrativa ou de legislação.

Neste âmbito, destaca-se a posição assumida junto da Secretária de Estado Adjunta e da Educação em sede de processo legislativo de revisão do Decreto-Lei n.º 132/2012, de 27 de junho, diploma que contém o regime do recrutamento e contratação dos docentes

(156) As faltas por doença têm, em regra, o limite máximo de 18 meses, podendo este prazo ser prorrogado por mais 18 meses no caso de faltas por «doença incapacitante que exija tratamento oneroso e ou prolongado» (cf. artigos 25.º e 37.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho). (157) Cf. Tomadas de Posição 2016, pp. 123-129.

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e técnicos especializados das escolas do ensino público não superior.(158) Este órgão do Estado entendeu que a revisão então iniciada deste regime constituía uma oportunidade relevante de, mediante a alteração e a clarificação de soluções normativas ali consagradas, ser alcançada a resolução de um conjunto de problemas frequentemente narrados ao Pro-vedor de Justiça e que motivaram a sua intervenção no passado.

Neste sentido, o Provedor de Justiça transmitiu à Secretária de Estado Adjunta e da Educação que importa rever o regime de contratação a termo, quer de docentes, quer de formadores e técnicos especializados, em moldes que permitam prosseguir, com eficácia, os fins e o efeito-útil da Diretiva 1999/70/CE do Conselho, de 28 de junho de 1999, ou seja, evitar a contratação sucessiva a termo nas escolas do ensino público.

Para além disso, em matéria de incumprimento dos deveres de aceitação e de apresen-tação, sob pena de violação dos princípios da igualdade, da justiça e da proporcionalidade, não deve sereliminada a relevância da conduta do docente que, embora infrinja o dever de aceitação eletrónica da colocação, se apresenta na escola, no mesmo prazo, para iniciar funções, nem deve ser-lhe imputado o mesmo desvalor que merece a conduta do docente que não manifesta, por qualquer meio, a intenção de aceitar a colocação. Do mesmo passo, deve ser regulado o procedimento prévio à aplicação das sanções, com respeito pelas exi-gências que o direito constitucional de audiência e de defesa em matéria sancionatória envolve, em especial no que respeita à notificação prévia da acusação, à instrução contra-ditória a requerimento do visado, à fundamentação da decisão — mediante a pronúncia relativamente à defesa — e à notificação desta.(159)

Foi, de igual modo, transmitida a necessidade de proceder à revisão da tabela remune-ratória dos formadores e dos técnicos especializados, anexa ao Decreto-Lei n.º 132/2012, de 27 de junho, não só porque a referência a certificado de aptidão profissional se encontra desatualizada(160), mas também porque a tabela prevê a remuneração de formadores sem certificado de competências pedagógicas quando este título é condição de exercício dessa atividade.(161) Por outro lado, a aplicação da tabela por parte da Administração não tem sido uniforme por parte da Direção-Geral da Administração Escolar (DGAE), além de que os técnicos especializados devem ser remunerados de modo diverso consoante o regime

(158) Vide texto integral do ofício em http://www.provedor-jus.pt/site/public/archive/doc/Oficio_SEAEduc.pdf.(159) Vide síntese da posição adotada pelo Provedor de Justiça sobre esta matéria no Tomadas de Posição 2015, pp. 124-129. O ofício expedido poderá ser lido na íntegra em http://www.provedor-jus.pt/site/public/archive/doc/DGAE_20112015.pdf. (160) O certificado de aptidão profissional não existe desde 2011. O Decreto-Lei n.º 92/2011, de 27 de julho, que ins-tituiu o Sistema de Regulação do Acesso a Profissões, veio simplificar o acesso a diversas profissões através da eliminação de cursos de formação obrigatória, certificados de aptidão profissional e carteiras profissionais, tornando o acesso às profissões e atividades profissionais, em regra, livre. Por outro lado, no quadro do reforço das qualificações prosseguido pela Reforma da Formação Profissional e pelo Sistema Nacional de Qualificações, o acesso à atividade de formador passou a depender da titularidade de certificado de competências pedagógicas.(161) Cf. n.º 1 do artigo 3.º da Portaria n.º 214/2011, de 30 de maio.

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jurídico de acesso à correspondente profissão exija apenas uma habilitação académica ou outros requisitos para além desta.

Este órgão do Estado assinalou, do mesmo jeito, a importância de clarificar o regime aplicável à remuneração dos docentes sem qualificação profissional para a docência, cuja contratação apenas pode ocorrer na falta de docentes qualificados. A Administração entende que a falta de qualificação implica que não lhes seja aplicável o índice retribu-tivo previsto para os demais docentes, mas sim, por analogia, a remuneração dos técnicos especializados licenciados sem certificado de aptidão profissional. O Provedor de Justiça considera, contudo, que esta interpretação se afasta de teleologia da norma, defendendo, por isso, a adoção de uma das seguintes medidas: ou a aplicação que tem sido feita é a que corresponde ao “pensamento legislativo”, este terá que merecer expressão adequada na lei, ou, diversamente, se o não for, a DGAE deverá receber as instruções necessárias para alterar as orientações que tem divulgado junto das entidades a quem cabe o pagamento das remunerações.

O Provedor de Justiça considera também que, atentas as interpretações divergentes em matéria de graduação relevante para o concurso, designadamente dos candidatos ao Grupo 120 que detenham habilitação para outros grupos no domínio do Inglês, o Decre-to-Lei n.º 132/2012, de 27 de junho, deve regular, de modo exaustivo, todos os desvios ao regime regra de graduação profissional e definir, com clareza, o que, relativamente a cada situação, se entende por classificação profissional e tempo de serviço a considerar para efeitos de graduação.

Revela-se ainda pertinente a clarificação do regime aplicável aos contratos de trabalho a termo incerto celebrados para substituição de docentes que não se apresentam ao serviço até ao termo do ano escolar, no que respeita ao momento da cessação do contrato, face às dúvidas interpretativas e às diferentes decisões que esta questão tem originado.

Em alguns casos, as intervenções do Provedor de Justiça, mesmo que não tivessem solu-cionado imediatamente os casos concretos objeto das queixas que lhe foram apresentadas, tiveram eco na atividade administrativa ou regulamentar futura da Administração. Em outros casos ainda, não se tendo conseguido convencer a entidade administrativa visada a alterar a sua atuação, a posição do Provedor de Justiça acabou por ser refletida na jurispru-dência dos tribunais administrativos.

Assim, por exemplo, na sequência das sugestões formuladas pelo Provedor de Justiça ao IEFP no sentido de serem aperfeiçoados os procedimentos adotados na relação com os cidadãos desempregados não beneficiários de prestações de desemprego(162), o referido

(162) Vide texto integral do ofício em http://www.provedorjus.pt/site/public/archive/doc/Of._16137-2015_IEFP.pdf.

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Instituto comunicou, no decurso de 2016, que as sugestões seriam ponderadas na revisão das regras internas. O IEFP informou também que haviam sido emitidas orientações com vista a minorar as consequências da anulação, não comunicada aos utentes, da inscrição nos centros de emprego. Na instrução de vários procedimentos de queixa verificou-se, de facto, uma maior abertura dos dirigentes dos centros de emprego para, depois de recorrer a outros meios de comprovação da manutenção da situação de desemprego, repor as datas de inscrição dos utentes, de modo a permitir que estes tenham acesso, v.g., a medidas reser-vadas para pessoas em situação de desemprego de longa duração.

O Provedor de Justiça interveio, outrossim, junto da Secretária de Estado Adjunta e da Educação por forma a estender o regime de mobilidade por doença aos docentes que tenham a seu cargo “filho ou equiparado”(163). Esta tomada de posição surge na sequência de uma queixa apresentada por uma docente que tinha visto indeferido a mobilidade por doença para prestar apoio imprescindível à enteada, uma cidadã com deficiência que integra o seu agregado familiar nuclear, com o fundamento de esta não ser “descendente em linha direta”.

Um conjunto relevante de queixas apresentadas em 2011 por adjuntos de conservador relativamente à sua situação funcional levou o Provedor de Justiça, em 2012, a recomen-dar à Ministra da Justiça o reconhecimento de que aqueles trabalhadores são titulares de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, com efeitos desde a entrada em vigor do novo regime de vínculos, carreiras e remunerações, ou seja, desde 1 de janeiro de 2009.(164)Este órgão do Estado recomendou ainda que, caso assim não se enten-desse, e independentemente de processo legislativo dirigido à revisão da carreira especial de conservador, fosse aprovada medida legal que fizesse cessar a situação de precariedade laboral em que os adjuntos de conservador se encontravam, prevenindo, por conseguinte, e de forma expressa, a titularidade de um vínculo público por tempo indeterminado, bem como a sujeição às regras de mobilidade aplicáveis aos demais trabalhadores em funções públicas. Embora a então Ministra da Justiça tenha apenas informado que se encontra-vam em curso diligências no sentido de conseguir resolver a situação «por via legislativa» (o que não chegou a suceder), a posição defendida na recomendação foi recentemente acolhida em Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo(165) e, em 22 de dezembro de 2016, foi aberto um procedimento concursal para ocupação de postos de trabalho de

(163) Cf. n.º 1 do Despacho da Secretária de Estado Adjunta e da Educação n.º 9004-A/2016, publicado no Diário da República n.º 133, 2.ª série, 1.º suplemento, de 13 de julho, que estabelece as condições em que os docentes dos ensinos básico e secundário podem requerer a mobilidade por motivo de doença.(164) Recomendação n.º 4/A e B/2012, de 2 de março de 2012, disponível em: http://www.provedor-jus.pt/site/public/archive/doc/Rec_4AB2012.pdf.(165) Acórdão de 7 de dezembro de 2016, proc. n.º 360/16, consultável em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e-1bb1e680256f8e003ea931/70c81565b5320b2d80258089005250ab?OpenDocument.

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conservador de 2.ª e de 3.ª classe, a que os adjuntos de conservador poderão candidatar--se.(166) Assim, será possível, aos adjuntos, o ingresso na carreira de conservador e a ocupa-ção de um dos correspondentes lugares a título permanente e não provisório.

As situações que a seguir se relatam exemplificam alguns casos em que este órgão do Estado decidiu não intervir, uma vez que existem entidades com poderes de fiscalização ou o desvalor jurídico dos atos administrativos praticados justifica a sua participação a outras instâncias.

A apreciação de diversas queixas, apresentadas por opositores a concursos para recru-tamento e seleção de técnicos responsáveis pela lecionação de atividades de enriqueci-mento curricular — promovidos por autarquias locais ou por estabelecimentos de ensino do Ministério da Educação —, evidenciou o recurso frequente a critérios de seleção e de desempate que, por privilegiarem, v.g., a experiência e a formação adquiridas em especí-ficos contextos institucionais ou o local de residência dos candidatos, contendem com o direito de acesso à função pública em condições de igualdade e liberdade (n.º 2 do artigo 47.º da CRP) e não encontram na lei qualquer arrimo. Tendo presente que compete à Ins-peção-Geral de Finanças promover a ação inspetiva da atividade dos órgãos e serviços das autarquias locais e à Inspeção-Geral de Educação e Ciência promover o controlo e fiscali-zação do sistema educativo — podendo esta desenvolver as suas atribuições em articulação e cooperação com serviços de outros ministérios, designadamente com a Inspeção-Geral de Finanças —, foi colocada à consideração destas duas entidades a pertinência de promo-ver uma ação inspetiva conjunta, com vista a clarificar e a harmonizar os limites que devem impor-se às autarquias locais e aos estabelecimentos de ensino na elaboração das regras procedimentais e critérios de seleção adotados neste âmbito.

O Provedor de Justiça recebeu diversas queixas a propósito dos serviços prestados, em especial, por uma plataforma eletrónica de contratação pública. As questões nelas expos-tas foram levadas ao conhecimento do Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção, I.P., entidade a quem compete, nos termos da Lei n.º 96/2015, de 17 de agosto, assegurar a fiscalização da atividade das plataformas eletrónicas.(167) Estavam em causa, em geral, problemas relacionados com o acesso, por parte dos operadores económi-cos, à plataforma e aos respetivos serviços, com a cobrança de serviços que, nos termos da lei, deveriam ser gratuitamente prestados, bem como com a insuficiência das informações prestadas pela linha de apoio disponibilizada por esta plataforma eletrónica.

(166) Cf. Aviso do Instituto de Registo e Notariado, I.P. n.º 16206/2016, publicado no Diário da República n.º 250, 2.ª série, de 30 de dezembro de2016.(167) Cf. alínea d), do n.º 2, do artigo 7.º e artigo 78.º e ss. da Lei n.º 96/2015, de 17 de agosto.

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No segundo caso, tinha sido solicitada a intervenção do Provedor de Justiça por docen-tes a quem foi aplicada a sanção prevista na alínea c) do artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 132/2012, de 27 de junho(168) — no âmbito do procedimento concursal designado por Bolsa de Contratação de Escola, aberto para satisfação de necessidades letivas no ano escolar de 2015/2016(169) —, por não terem logrado comprovar documentalmente os elementos que fizeram constar da sua candidatura. Apreciada a atuação da DGAE con-testada nas queixas, este órgão do Estado concluiu estar em causa a aplicação de sanções administrativas restritivas de um direito fundamental — o de acesso a funções públicas —, sem a observância do conteúdo essencial do direito também fundamental de audiên-cia e de defesa e de outras garantias do direito sancionatório de igual natureza, ínsitas às ideias de Estado de Direito material e de dignidade da pessoa humana. Em consequência, o Provedor de Justiça solicitou, primeiro à Diretora-Geral da Administração Escolar e, em 2016, à Secretária de Estado Adjunta e da Educação, que considerassem nulas as decisões sancionatórias aplicadas aos docentes.(170) Não tendo a Administração extraído as devidas consequências da invalidade dos atos sancionatórios, foram os casos concretos levados ao conhecimento do Ministério Público para que, caso assim se entenda, serem instauradas as competentes ações administrativas especiais.

Os princípios da informalidade e da celeridade que norteiam a atuação deste órgão do Estado(171) determinam que algumas das situações que são comunicadas ao Provedor de Justiça sejam resolvidas através de contactos telefónicos ou de correio eletrónico, podendo a sua intervenção traduzir-se no esclarecimento de factos ou do regime jurídico aplicável. Assim sucedeu, por exemplo, no âmbito de um procedimento concursal para recruta-mento de trabalhador público, em que havia sido projetado excluir um candidato por ale-gadamente «não ter demonstrado possuir relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado». Esclarecidas, junto do júri, as dúvidas sobre os documentos apresenta-dos pelo candidato acerca da sua situação jurídica funcional, este veio a ser admitido.(172)

(168) Alterado pelo Decreto-Lei n.º 146/2013, de 22 de outubro, pela Lei n.º 80/2013, de 28 de novembro, pelo Decreto-Lei n.º 83-A/2014, de 23 de maio, pelo Decreto-Lei n.º 9/2016, de 7 de março, e pela Lei n.º 12/2016, de 28 de abril.(169) O concurso de Bolsa de Contratação de Escola constituía o processo de seleção dirigido à contratação de do-centes para os agrupamentos de escolas ou escolas não agrupadas designados por Território Educativos de Intervenção Prioritária e com contrato de autonomia. Por força das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 9/2016, de 7 de março, no Decreto-Lei n.º 132/2012, de 27 de junho, o concurso de Bolsa de Contratação de Escola foi eliminado.(170) Vide pp.107-108 e nota 158 do presente relatório.(171) Cf. n.º 1 do artigo 28.º do EPJ.(172) Procedimento de queixa Q-1206/16.

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Para além disso, não raras vezes, a intervenção informal permite superar entraves de natureza procedimental ou de dificuldades de comunicação entre a Administração e os interessados. Para a resolução dos casos que são apresentados ao Provedor de Justiça é, porém, essencial a boa colaboração das entidades públicas visadas e em tempo útil.

Uma última nota atinente ao cumprimento do dever de colaboração das entidades visadas nos procedimentos com este órgão do Estado. Em 2016, registou-se uma evolu-ção positiva nos casos em que se procurou encontrar estratégias facilitadoras da comuni-cação, designadamente com a indicação de interlocutores privilegiados e a realização de reuniões regulares, em especial com entidades com competência em matérias referidas em um grande número de queixas, como sejam as que versam sobre questões relacionadas com os docentes.

1.2.5. Direitos à justiça e à segurança

Em 2016, a apresentação de queixas sobre diversas questões relativas à administração da justiça e à segurança originou a abertura de 762 procedimentos de queixa. No mesmo período foram arquivados 911 procedimentos.

Refira-se que a instrução dos procedimentos relativos às Regiões Autónomas dos Aço-res e da Madeira é levada a cabo por assessores que integram esta unidade temática. Não obstante, a análise dos dados será realizada autonomamente.(173)

Seguidamente, apresentam-se no quadro infra as matérias dos procedimentos de queixa abertos nesta unidade temática, no ano de 2016, sem prejuízo de uma análise mais detalhada tendo presente a repartição da tipologia de matérias.

Quadro 16

Distribuição de procedimentos por matérias – unidade temática 5 Administração da justiça 479Atrasos judiciais 358

Magistratura judicial 199Ministério Público 22Secretaria judicial 5Agentes de execução 95

(173) Vide os pontos 1.2.7.1. e 1.2.7.2. infra.

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Peritos 3Administradores da insolvência 14Segurança Social / Santa Casa da Misericórdia de Lisboa 2Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I.P. 1Balcão Nacional de Injunções 5Julgados de Paz 2Outros atrasos judiciais 10

Outros problemas administrativos da justiça 19Proteção de Crianças e Jovens em Perigo 4Programas Especiais de Segurança 0Proteção às Vítimas de Crimes 0Garantia de alimentos devidos a menores 1Registo criminal e de contumazes 1Custas processuais 4Outros problemas administrativos 9

Acesso ao direito 61Deontologia dos advogados 26Deontologia dos solicitadores e agentes de execução 6Organização e infraestruturas judiciárias 0Cooperação judiciária internacional 0Decisão judicial 1Outros problemas da administração da justiça 8Segurança interna 43Atuação policial 22Omissão de intervenção policial 6Armas e explosivos 11Outros problemas de segurança interna 4Assuntos rodoviários 133Sinalização e ordenamento rodoviário 17Contraordenações rodoviárias 57Cartas e escolas de condução 33Outros assuntos rodoviários 26Registos e notariado 84Registos 38Notariado 10

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Cartão de Cidadão 26Outros problemas de registos e notariado 10Outras matérias 23Total 762

Em linha de continuidade com os anos anteriores, mantêm-se a preponderância dos procedimentos de queixa relativos à administração da justiça que, no ano de 2016, cor-respondem a 63% das solicitações feitas a este órgão do Estado, no tocante a esta unidade temática. Tais procedimentos envolvem questões de atrasos judiciais e que, por essa razão, a intervenção do Provedor de Justiça é feita junto dos Conselhos Superiores da Magistra-tura e dos Tribunais Administrativos e Fiscais (199), bem como do Conselho Superior do Ministério Público (22)(174). É ainda de relevar o número de procedimentos de queixa quanto à atuação de auxiliares da justiça, a saber agentes de execução (95) e administrado-res de insolvência (14).

Sublinha-se que a matéria de acesso ao direito e aos tribunais apresenta, também, um número assinalável de procedimentos de queixa (61, o que representa um aumento de 5% face ao ano anterior), correspondendo a 8% do total. Foram ainda abertos 26 pro-cedimentos de queixa relativos a matéria de deontologia dos advogados, o que motivou diligências junto dos Conselhos de Deontologia da Ordem dos Advogados portugueses.

As questões relativas aos assuntos rodoviários ocupam o segundo lugar (133), cor-respondendo a 18% do total de procedimentos abertos, no ano de 2016, nesta unidade temática. Neste grupo incluem-se as questões atinentes aos processos contraordenacionais (57), seguindo-se as questões relativas a cartas e escolas de condução (33) e, finalmente, a atuação, ou a ausência desta, das entidades responsáveis em matéria de sinalização e orde-namento rodoviário (17).

Em sede de registos e de notariado foram abertos 84 procedimentos de queixa (o que representa um aumento de 5% face ao ano anterior), dos quais 38 correspondem a inter-venções em matéria registral e, apenas, 10 versaram sobre a atuação dos cartórios notariais.

No tocante às questões sobre segurança interna foram abertos 43 procedimentos de queixa, estando aqui em causa quer a atuação policial por ação (22) ou omissão (6), a ati-vidade no âmbito da aplicação do regime jurídico das armas e suas munições (11) e outros problemas de segurança interna com o valor residual de quatro procedimentos.

Quanto às entidades visadas nos procedimentos de queixa, para além das intervenções que, em matéria de administração de justiça, são realizadas junto dos respetivos Conse-lhos Superiores, foram também visadas, no ano em análise, a PSP e a GNR, mas também a Polícia Judiciária (PJ) e as polícias municipais. Refira-se ainda que, em sede de direito rodoviário, o IMT foi visado em 53 procedimentos de queixa e a Autoridade Nacional de

(174) Cf. n.º 3 do artigo 22.º do EPJ.

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Segurança Rodoviária em 49. De igual modo, foram entidades visadas as empresas muni-cipais como a ECALMA, de Almada, ou a EMEL, de Lisboa.

Tendo como referência as decisões finais de arquivamento de procedimentos toma-das, no ano de 2016, sublinha-se a formulação de duas recomendações(175) em matéria de direito estradal e 10 chamadas de atenção.

No que respeita aos principais fundamentos de arquivamento, destacam-se os seguintes:a) Em 45% das situações apreciadas, foi feita a reparação da ilegalidade ou injustiça no

decurso da instrução; b) Em 35% das situações, a instrução não conduziu ao acolhimento das pretensões dos

queixosos; c) Em 7% das situações, este órgão do Estado procedeu ao encaminhamento dos quei-

xosos para meio considerado idóneo para fazer valer a sua pretensão;d) Em 7% das situações, houve desistência de queixa;e) Em 4% das situações, pese embora se considerasse assistir razão aos queixosos, não

foi possível, de imediato, obter da entidade visada a alteração ou resolução da questão objeto de queixa.

Seguidamente procede-se à análise dos principais assuntos tratados no ano de 2016.

Administração da justiça

A matéria da administração da justiça compreende os segmentos que se enunciam: atrasos judiciais, acesso ao direito, deontologia dos advogados e dos agentes de execução e outros problemas administrativos da justiça.

Gráfico XXIII

0

100

200

300

400

1 862661

20

358

Atras

os jud

iciais

Proble

mas

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Decis

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Outro

s

Distribuição de procedimentos - administração da justiça

(175) Cf. Tomadas de Posição 2016, pp. 159-171.

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Como já foi anteriormente mencionado, a matéria dos atrasos judiciais é aquela que maior expressão numérica apresenta (358), no tocante à administração da justiça, que envolve a cooperação com os Conselhos Superiores da Magistratura (152), dos Tribunais Administrativos e Fiscais (47) e do Ministério Público (22), a qual é indispensável para o pontual acompanhamento das situações em análise.

Para ilustrar a intervenção do Provedor de Justiça, far-se-á alusão a alguns casos con-cretos. Refira-se, pois, a atuação deste órgão do Estado, junto da Direção-Geral da Admi-nistração da Justiça (DGAJ), por ter sido apresentada uma queixa, na qual se contestava a obrigatoriedade, sob cominação de recusa do requerimento, de indicação do NIF do executado nas ações executivas, que devem ser instauradas através do programa Citius. No âmbito da instrução do respetivo procedimento de queixa, a DGAJ avançou uma solução: a de o interessado poder, eventualmente, lançar mão do «justo impedimento» a que alude a primeira parte do n.° 1 do artigo 3.° da Portaria 282/2013, de 29 de agosto, procedendo à entrega do requerimento em suporte físico. Esta entrega seria acompanhada de fundamentação sobre a impossibilidade de apresentação por via eletrónica por falta de NIF do executado, bem como sobre a impossibilidade de o obter, de modo a obstar à recusa imediata, levando, assim, a questão à apreciação do juiz de direito.

Também a propósito da questão das pendências na 1.ª secção de Trabalho da Instância Central de Loures, ouviu-se aquela entidade que, neste caso, recordando ainda as restri-ções de índole orçamental, informou que a equipa de recuperação processual da DGAJ já havia calendarizado, para o segundo semestre do ano de 2016, o apoio à elaboração de conta dos cerca de 1200 processos, em cumprimento do plano de atividades aprovado. Em face do exposto, sinalizado o atraso e tomadas as medidas com vista a ultrapassar a demora verificada nos processos da secção em apreço, deu-se por concluída a intervenção deste órgão do Estado.

Uma outra situação que mereceu apreciação por parte do Provedor de Justiça foi a de uma queixa apresentada por um recluso, na qual era defendido que a sua audição no âmbito do processo de liberdade condicional(176) deveria ser gravada, a fim de reforçar os meios de defesa. Elucidou-se o queixoso, aludindo a que, sempre que o contrário não resulte do CEPMPL, ao processo no Tribunal de Execução das Penas são «correspon-dentemente aplicáveis as disposições do Código do Processo Penal» (artigo 154.º do CEPMPL). Das normas aplicáveis resulta que a lei assegura uma adequada documentação da audiência do procedimento de concessão de liberdade condicional, designadamente no tocante às provas produzidas oralmente, não impondo o seu registo fonográfico ou vídeo,

(176) Vide artigos 155.º e 176.º do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (CEPMPL), publicado em anexo à Lei n.º 115/2009, de 12 de outubro, e alterado pela Lei n.º 40/2010, de 3 de setembro e pela Lei n.º 21/2013, de 21 de fevereiro.

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embora também o não proíba (vide artigo 99.º, n.º 1 do artigo 101.º e n.º 1 do artigo 364.º do Código do Processo Penal).

Já em sede das regras relativas ao acesso ao direito houve lugar a intervenção do Prove-dor de Justiça junto da Direção-Geral da Política de Justiça. O Provedor de Justiça – consi-derando que o valor da causa comporta reflexos diretos no montante da taxa de justiça ini-cial e da taxa de justiça subsequente e, em necessária decorrência, no número de prestações a liquidar pelo beneficiário de proteção jurídica, na modalidade de pagamento faseado de taxa de justiça – sugeriu que fosse apurado se o contributo suportado pelo beneficiário (nos termos do anexo à Lei n.º 34/2004, de 29 de julho) deve ou não prolongar-se por período de tempo mais ou menos alargado, em sede de pagamento prestacional, não se revelando suficiente, para o efeito, a invocação das cláusulas de salvaguarda do n.º 3 do artigo 16.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, e artigo 13.º da Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de agosto. Assim, por um lado, não são exigíveis as prestações que se vençam após o decurso de quatro anos desde o trânsito em julgado da decisão final da causa, circunstância aplicável a qualquer situação de apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado, sem ponderar o montante global das custas em função do valor da causa. Por outro lado, o beneficiário titula a faculdade de requerer a suspensão do pagamento faseado sempre que o somatório de prestações pagas for superior a quatro vezes o valor da taxa de justiça inicial, prerrogativa que, contudo, contabiliza apenas o valor das custas de parte que sejam devidas a final, sem atender à repercussão negativa que o pagamento das ulteriores presta-ções possa ter na capacidade económica do interessado.(177)

O número de procedimentos de queixa relativos ao atraso na apreciação dos procedi-mentos disciplinares por parte dos Conselhos de Deontologia da Ordem dos Advogados portugueses apresentou uma ligeira subida face ao ano de 2015 (de 24 para 26). Ainda em matéria disciplinar, foram seis os procedimentos de queixa atinentes à atuação de agentes de execução.

Assuntos rodoviários

Como acima se referiu e se demonstra no gráfico infra, em 2016, foram instruídos 133 procedimentos de queixa relativos a problemas, por ordem decrescente, decorrentes da instauração de processo relativos a contraordenações rodoviárias (57), da emissão ou renovação de cartas de condução ou a atuação de escolas de condução (33), da sinalização e ordenamento rodoviário (17) e, por fim, 26 procedimentos de queixa sobre questões integradas na categoria «outros assuntos rodoviários».

(177) Veja-se a síntese do procedimento de queixa Q-2343/16, em Tomadas de Posição 2016, pp. 178-182.

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Gráfico XXIV

Distribuição de procedimentos - assuntos rodoviários

Contraordenações

17

57

3326

0

25

50

Sinalização e ordenamento

Cartas e escolas de condução

Outrosassuntos

Neste âmbito temático, o Provedor de Justiça emitiu duas recomendações (n.º 2/A/2016(178) e n.º 3/A/2016(179)) em que foram entidades visadas, respetivamente, o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa e o Diretor Nacional da PSP. O procedimento de queixa, que culminou com as referidas tomadas de posição, versava sobre o atraso na intervenção das forças policiais, na sequência do estacionamento indevido de veículo de combustão em terminal de abastecimento de viaturas elétricas. A instrução realizada permitiu concluir que: i) a questão da remoção de veículos indevidamente estacionados em terminais de abastecimento de viaturas elétricas, inicialmente motivo de discórdia, se encontra legitimada pela correta utilização, naquelas localizações, da sinalização legal-mente prevista; ii) a verificação dos excessivos tempos de resposta, envolvendo o processo de remoção de viaturas na cidade de Lisboa (sobretudo quando estejam em questão meios humanos afetados à PSP e Polícia Municipal). Neste contexto, afigurou-se impraticável que o particular que formaliza a queixa se veja forçado a permanecer no local por períodos excessivamente longos e sem que seja acautelada a reintegração da legalidade.

O Provedor de Justiça recomendou não só a regulação do estacionamento, através de aposição da adequada sinalização, mas também a realização do registo de todos os pontos ativos de abastecimento de viaturas elétricas no concelho de Lisboa, reforçando, por este modo, a capacidade de resposta das entidades fiscalizadoras. Mais considerou ser necessá-ria uma atuação coordenada entre as principais entidades que regulam e fiscalizam o esta-cionamento na área concelhia, revela-se, por isso, premente a articulação conjunta da PSP, da EMEL e da Polícia Municipal, nas situações de estacionamento indevido em locais revestidos de especial perigosidade ou envolvendo grave perturbação para o trânsito. Em face do exposto, o Provedor de Justiça recomendou ao Presidente da Câmara Municipal de Lisboa que fossem tomadas providências no sentido de determinar a sinalização para

(178) Cf. Tomadas de Posição 2016, pp. 159-165.(179) Cf. Tomadas de Posição 2016, pp. 165-171.

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o estacionamento de veículos em todos os pontos de abastecimento de viaturas elétricas no concelho de Lisboa, assim como a realização de inventário dos terminais na cidade, em conformidade com o disposto no regime jurídico da mobilidade elétrica. Ademais, o Pro-vedor de Justiça recomendou ao Diretor Nacional da PSP que, em regime de articulação com a EMEL, Polícia Municipal e Câmara Municipal de Lisboa, fosse definido procedi-mento de atuação que assegurasse a imediata comparência de membro de órgão de polícia no local onde houvesse sido sinalizado o estacionamento indevido especialmente perigoso ou com grave perturbação para o trânsito. Estas tomadas de posição foram acatadas.

No que respeita aos procedimentos de queixa relativos a processos de contraordenação rodoviária, as questões neles apreciadas prenderam-se com a legibilidade da informação contante dos respetivos autos.(180)

Em uma outra situação, o Provedor de Justiça assinalou, junto da entidade visada – a Direção Regional do Norte de Mobilidade e Transportes –, a razoabilidade de reservar, diariamente, um número diminuto de senhas para os casos de atendimento prioritário (no caso por deficiência motora), para evitar casos de recusa de atendimento por inexis-tência das mesmas. Tendo em conta a posição há muito defendida pelo Provedor de Jus-tiça(181), foi dirigida chamada de atenção à entidade visada no sentido de dar cumprimento à Orientação Técnica n.º 02/DGAP/2006, de 28 de abril de 2006, a qual fora emitida na sequência de uma anterior tomada de posição do Provedor de Justiça.

Este órgão do Estado alertou ainda o IMT para duas outras situações: a necessidade de, sem exceção, ser garantida a resposta às reclamações apresentadas no respetivo livro e a conveniência de recordar que, sempre que possível, os autos de notícia contraordena-cionais devem mencionar, em observância do disposto na alínea a), n.º 1, do artigo 170.º do CE, a identificação de, pelo menos, uma testemunha que possa depor sobre os factos.

(180) Veja-se, a este propósito, e com vista à uniformização dos autos, o Despacho do Presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária n.º 7103/2016, de 20 de maio, publicado no Diário da República n.º 104, 2.ª série, de 31 de maio.(181) Importa salientar que, já anteriormente, o Provedor de Justiça tomou posição sobre a afixação de avisos, con-tendo o essencial das normas sobre o atendimento preferencial ou prioritário, bem como a existência de balcões, filas ou senhas especiais para estes casos, assim permitindo uma prévia orientação dos utentes e a prevenção de situações de conflito no momento do atendimento posição essa acolhida pela DGAEP, através da Orientação Técnica n.º 02/DGAP/2006, de 28 de abril de 2006. Cf. nota divulgada no sítio institucional do Provedor de Justiça http://www.provedor-jus.pt/?idc=35&idi=69

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Registos e notariado

Gráfico XXV

10

38

10

26

0

10

20

30

40

Registos Notariado Cartão de cidadão

Outros problemas

Distribuição de procedimentos - registos e notariado

Como resulta do gráfico supra, foram abertos 38 procedimentos de queixa relativos a diversas questões atinentes à matéria de registo. Merecem, contudo, especial referência as questões sobre o cartão de cidadão e que originaram a abertura de 26 procedimentos de queixa – grupo que ocupa o segundo lugar naquelas temáticas –, uma vez que continuam a registar-se queixas decorrentes da retenção ou da extração de fotocópia indevida do cartão de cidadão, por parte de entidades públicas e privadas.(182) Uma outra situação, esporá-dica, mas ainda assim recorrente, foi a dos cidadãos que contestavam a obrigatoriedade de indicação de uma morada para obtenção do cartão de cidadão. Em um caso concreto, era defendida a suficiência de indicação de apartado postal.

Sublinhou-se, porém, que ainda que o cartão de cidadão cumpra, primacialmente, uma função de identificação civil, não deixa de se revestir de uma importância transver-sal a várias entidades públicas, em moldes que exigem particulares cautelas na recolha e no preenchimento dos elementos que o integram, com especial destaque para a morada, dado que a mesma assumirá papel fulcral na comunicação entre os serviços do Estado e da Administração Pública e o titular daquele documento.

Nesta matéria, a lei que regula a emissão e a utilização do cartão de cidadão estabe-lece que «a morada é o endereço postal físico, livremente indicado pelo cidadão, cor-respondente ao local de residência onde pode ser regularmente contactado.»(183) Assim sendo, em bom rigor, o apartado não corresponde ao local de residência. De facto, tendo o mesmo por finalidade o depósito de correspondência, não integra o conceito de resi-dência, comummente entendida como o lugar que serve de base de vida a uma pessoa

(182) Esta situação foi já objeto de interpelação ao Governo por parte deste órgão do Estado, havendo o compromisso de que a situação será ponderada em próxima alteração legislativa do regime daquele documento identificativo.(183) Cf. n.º 1 do artigo 13.º da Lei n.º 7/2007, de 5 de fevereiro, na sua redação atual.

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singular, onde a mesma pode ser encontrada. O Instituto dos Registos e Notariado (IRN) informou ser aceite a morada de instituição de apoio, nas situações em que o titular do documento de identificação em causa não tenha residência fixa e esteja a ser acompanhado por aquela mesma entidade.

Também objeto de várias queixas foram as questões relativas à grafia do nome, tanto quanto à necessidade de que a mesma seja conforme aos registos de nascimento, como quanto à necessidade de recurso ao mecanismo do artigo 103.º do Código do Registo Civil (intervenção do IRN, por intermédio da Conservatória dos Registos Centrais). No âmbito da instrução procedimental, este órgão do Estado concluíu que, nesta matéria, a atuação da administração não era merecedora de censura.

No que respeita à matéria de registo automóvel, continuam a ser suscitadas questões, ainda que com caráter residual, sobre a exigência de pagamento de Imposto Único de Cir-culação (IUC) perante o não cancelamento da matrícula do veículo. Foi, de igual modo, contestado o custo de atos de registo.

No âmbito de um procedimento em que era reclamado o agravamento do custo de um ato de registo, não foi reconhecida razão ao queixoso, uma vez que tal agravamento tem fundamento legal. Não obstante, no âmbito da instrução daquele procedimento, este órgão do Estado verificou que os serviços não discriminavam os valores cobrados na fatura emitida. Na sequência da intervenção do Provedor de Justiça junto do IRN, a atuação administrativa veio a ser alterada no sentido de o comprovativo de pedido de registo, com valor de recibo, passar a ser emitido com a discriminação da conta de emolumentos cobra-dos, com a especificação de todas as verbas que a compõem, por referência à respetiva regulamentação, com indicação da importância devida.(184)

Segurança Interna

Gráfico XXVI

Distribuição de procedimentos - segurança interna

0

10

5

20

15

Ação Omissão Armas e explosivos

Outros

4

22

6

11

25

(184) Tomadas de Posição 2016, pp. 171-172.

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No domínio da segurança interna, e como resulta do gráfico supra, a atuação (22) ou a omissão (6) das forças policiais desencadeou também a intervenção deste órgão do Estado. As situações mais frequentes prendem-se com o atendimento ou a atenção dis-pensados às solicitações dos cidadãos.(185) Sempre que esteja em causa uma conduta sus-cetível de integrar a prática de uma infração disciplinar e o respetivo procedimento esteja a ser objeto de instrução pela Inspeção-Geral da Administração Interna, o Povedor de Justiça procede ao acompanhamento da situação. Refira-se, exemplificativamente, o caso em que haviam sido formuladas reservas à atuação dos agentes policiais em uma interven-ção relativa a ruído produzido por canídeos. Realizadas as diligências instrutórias, e não tendo justificado a realização de inquirições adicionais, pelo recorte factual da situação, o Provedor de Justiça, ainda assim, assinalou que «os membros das forças de segurança devem comportar-se de maneira a preservar a confiança, a consideração e o prestígio inerentes à função policial, tratando com cortesia e correção todos os cidadãos, nacionais, estrangei-ros ou apátridas, promovendo a convivencialidade e prestando todo o auxílio, informação ou esclarecimento que lhes for solicitado, no domínio das suas competências».(186)

Em um procedimento concluído no ano a que respeita o presente relatório contesta-va-se, por seu turno, a atuação do SEF por ter realizado, no mesmo dia e à mesma cidadã, duas operações de controlo, aquando da sua saída e reentrada em território nacional. Não obstante o referido controlo ter fundamento legal válido – uma vez que o processo no âmbito do qual ocorreram as referidas operações não se encontrava extinto – e, do mesmo modo, a informalidade da atuação do SEF assegurar que as viagens fossem realizadas com normalidade, o Provedor de Justiça assinalou, junto daquela entidade, que o incómodo causado por aquela duplicação poderia ter sido evitado com a rápida e boa inserção dos dados na respetiva base de dados, porquanto nos documentos de viagem já constaria a data de regresso.

Ainda neste domínio da segurança interna, continuam a suscitar pedidos de interven-ção deste órgão do Estado as reservas manifestadas quanto à aplicação do regime jurídico das armas e suas munições (11), mormente no que ao pagamento de taxas diz respeito, em especial quando está em causa a substituição de documentos administrativo, sendo, porém certo, que estamos perante atividade carecida de autorização prévia.

Neste âmbito, em um caso concreto, houve oportunidade de sublinhar que a CRP não consagra um direito ao uso e porte de arma. Seguindo-se a jurisprudência do Tribunal Constitucional, referiu-se que «não existe um direito constitucional ao uso e porte de armas, sem excetuar as de caça, independentemente de condicionamentos, entre eles os ditados pelo interesse público em evitar os perigos inerentes, o qual pode ser acautelado

(185) Veja-se, a título de exemplo, Tomadas de Posição 2016, pp. 175-178.(186) Vide n.º 2 do artigo 7.º do Código Deontológico do Serviço Policial, publicitado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 37/2002, de 7 de fevereiro, publicada no Diário da República n.º 50, 1.ª série-B, de 28 de fevereiro.

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através da concessão de licenças e da retirada delas», sendo que «é legítimo afirmar que a licença visa excluir a ilicitude de um acto que é genericamente proibido» (vide Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 1010/96). A queixa não mereceu provimento.

Refira-se, ainda, uma outra situação que foi objeto de apreciação(187) por este órgão do Estado, a qual se prendia com o não carregamento atempado dos dados identificativos da queixosa no sistema informático da PSP que havia perdido a sua carteira. Esta carteira, porém, fora encontrada antes mesmo da apresentação de queixa do respetivo extravio. Não obstante, por lapso do elemento policial, não foram inseridos os dados identificativos da queixosa no expediente relativo à recuperação da carteira. Tal circunstância impossi-bilitou a sua entrega imediata à queixosa, o que somente veio a ocorrer meses depois. A instrução do procedimento aberto neste órgão do Estado permitiu concluir ter-se tratado de lapso dos serviços. Ainda assim, a PSP comunicou ao Provedor de Justiça de que seriam melhorados os procedimentos a fim de evitar a repetição da situação.

Boas práticas e apreciação final

As questões colocadas pelos cidadãos, nos diferentes temas tratados por esta unidade temática, foram objeto de instrução, no âmbito da qual foi possível contar com a colabo-ração das entidades visadas, as quais prestaram os pertinentes esclarecimentos, e, quando justificado, acolheram as tomadas de posição do Provedor de Justiça, alterando atuações procedimentais com vista a corrigir ou a melhorar a atividade administrativa nas áreas da justiça, da segurança interna e em matéria rodoviária.

Sublinha-se, de um jeito particular, a boa cooperação institucional entre o Provedor de Justiça e o Conselho Superior de Magistratura. De igual modo, assinala-se a profícua colaboração prestada pelo IRN, em resposta às solicitações que lhe foram dirigidas.

1.2.6. Direitos, liberdades e garantias; saúde, educação e valorações de constitucionalidade

Esta unidade temática procede ao tratamento dos procedimentos de queixa e das ini-ciativas tomadas que incidam sobre questões relativas aos direitos à saúde, à educação, ao direito dos estrangeiros, ao vínculo da nacionalidade e ao sistema penitenciário. Refira-se que as duas questões primeiramente elencadas são tratadas na perspetiva dos utentes de tais serviços públicos. São também apreciadas as solicitações dirigidas ao Provedor de Jus-tiça para que exerça as suas competências de iniciativa de fiscalização abstrata sucessiva da

(187) Tomadas de Posição 2016, pp. 175-176.

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constitucionalidade ou da legalidade de normas junto do Tribunal Constitucional, assim como de verificação da inconstitucionalidade por omissão. De igual modo, e de forma subsidiária em relação às demais unidades temáticas, são ainda tratadas outras questões que integram o catálogo dos direitos, liberdades e garantias, designadamente o acesso à informação, a proteção de dados e a liberdade de acesso e de exercício de profissão.

No quadro que se segue, apresentam-se os dados relativos à distribuição temática dos procedimentos instruídos, nesta unidade temática, no ano a que respeita o presente relatório.

Quadro 17

Distribuição de procedimentos por matérias – unidade temática 6Assuntos político-constitucionais 14Ciência 9Comunicação social 9Direitos, liberdades e garantias 58Educação 242Pré-escolar 221.º ciclo do ensino básico 442.º e 3.º ciclos do ensino básico 39Ensino secundário 28Ensino superior 95Diversos 14Direito dos estrangeiros 191Atrasos 140Substância 43Outros 8Fiscalização da constitucionalidade 29Nacionalidade 93Atrasos 69Substância 24Outros 0Assuntos penitenciários 178Alimentação 7Alojamento 7Correspondência / telefone 6Flexibilização 6

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Ocupação 7Organização do estabelecimento prisional 9Saúde 34Segurança e disciplina 29Transferência 27Violência 14Visitas 13Outros 19Saúde 257Serviço nacional de saúde 31Taxas moderadoras 36Subsistemas 65Prestação de cuidados 39Instalações 1Socorro e transporte de doentes 10Procedimentos administrativos 32Fiscalização e regulação 15Medicamentos 18Outros 8Diversos 8Total 1088

No conjunto, os procedimentos abertos – nos quais se incluem cinco procedimen-tos abertos por iniciativa do Provedor de Justiça(188) – sobre estas matérias mantiveram o quantitativo globalmente observado no ano anterior, com pequena descida, em trinta unidades. Como resulta do gráfico infra, as variações mais significativas ocorreram, em termos proporcionais em cerca de 10%, em movimento ascendente nas questões sobre educação e, em sentido inverso, nas matérias sobre saúde (que, ainda assim, mantém a predominância desde o ano de 2013), nacionalidade e direito dos estrangeiros.

(188) Tais procedimentos de iniciativa própria incidem sobre: i) aferição da constitucionalidade de algumas normas do Regulamento do PDM de Lisboa, designadamente no tocante à ausência de critérios supletivos a observar caso o projeto seja declarado de excecional importância para a cidade e, por conseguinte, se afastam os critérios de construção definidos no PDM; ii) averiguação da existência de constrangimentos registados em alguns hospitais na dispensa de medicamentos (antirretrovirais) para um período mínimo de 90 dias; iii) verificação do acesso de terceiros a dados de cidadãos portugueses emigrantes inscritos na rede de postos consulares nacionais; iv) análise da situação da alimentação fornecida nos estabelecimentos prisionais; v) aferição do modo de realização das visitas aos reclusos que se encontrem em regime de segurança.

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No âmbito da instrução dos procedimentos, foram realizadas diversas visitas a estabe-lecimentos prisionais e de ensino, como adiante se explicitará.

Gráfico XXVII

Distribuição de procedimentos por matéria – unidade temática 6(comparativo 2011–2016)

0

50

100

150

200

250

300

350

400

2011 2012 2013 20152014 2016

EducaçãoAssuntospenitenciários

Direito dos estrangeiros

Nacionalidade Saúde

Foram arquivados, durante o ano de 2016, 1000 procedimentos, assim distribuídos quanto ao respetivo fundamento:

a) Em 425 casos concluiu-se pela procedência, total ou parcial, da pretensão do quei-xoso, obtendo-se satisfação da mesma;

b) Em 340 casos não se concordou, posto que parcialmente, com a pretensão do queixoso;

c) Em 152 casos encaminhou-se o queixoso para o meio apropriado à defesa dos seus interesses, sem se formular exato juízo sobre a sua atendibilidade, ou prestaram-se os escla-recimentos necessários a uma correta compreensão da situação objeto de queixa;

d) Em 51 casos, na inviabilidade de outra atuação, concluiu-se pela formulação de cha-mada de atenção à entidade visada;

e) Em 26 casos ocorreu desistência expressa ou tácita do queixoso;(189)f ) Em 6 casos, reconhecendo-se a razoabilidade, total ou parcial da queixa, não se

alcançou esse reconhecimento pela entidade visada.

(189) Para este número anomalamente alto, face a anos anteriores, contribuiu essencialmente o recebimento, ainda em 2015, de diversas queixas, incompletamente fundamentadas, respeitantes a processos de concessão de autorização de residência para atividade de investimento, sem que fossem respondidos os pedidos de aperfeiçoamento formulados.

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Valorações de constitucionalidade

Seguindo a tendência verificada no ano anterior, ocorreu uma nova descida no número de procedimentos de queixa abertos (29 em 2016 face a 44 em 2015), por meio dos quais e de modo direto, os cidadãos solicitavam ao Provedor de Justiça o eventual exercício do poder de iniciativa de processos de fiscalização ou de verificação da constitucionalidade, regressando ao mesmo patamar registado em 2008, após cinco anos de forte crescimento e um outro de estabilização. Face a anos anteriores, foi mais diversa a fundamentação invo-cada, quase desaparecendo a violação do princípio da confiança, temática forte em tempos recentes, mas com significativas invocações do princípio da igualdade e de vícios orgâni-co-formais, neste caso muito associadas a questões tributárias.

Todavia, durante o ano de 2016, o Provedor de Justiça apresentou ao Tribunal Consti-tucional três requerimentos de fiscalização da constitucionalidade de normas, todos ainda sem decisão no final daquele mesmo ano.

Assim, o Provedor de Justiça solicitou a fiscalização abstrata sucessiva da constitucio-nalidade da norma constante da alínea f ), do n.º 4, do artigo 94.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário). Esta norma previa a possibili-dade de, por proposta do presidente do tribunal, o Conselho Superior da Magistratura proceder à «reafetação de juízes, respeitado o princípio da especialização dos magistra-dos, a outra secção da mesma comarca ou a afetação de processos, para tramitação e deci-são, a outro juiz que não o seu titular, tendo em vista o equilíbrio da carga processual e a eficiência dos serviços». Este órgão do Estado considerou que a referida norma violava o princípio do juiz natural, o direito a um processo equitativo, o princípio da inamovibili-dade dos juízes e o princípio da independência dos tribunais, acolhidos no n.º 9 do artigo 32.º, no n.º 4 do artigo 20.º, no n.º 1 do artigo 216.º e no artigo 203.º, todos da CRP.(190) A mencionada norma foi entretanto alterada pela Lei n.º 40-A/2016, de 22 de dezembro, utilizando a iniciativa na sua origem linha argumentativa consistente com a fundamenta-ção do requerimento em apreço.(191)

Foi ainda requerida, em 2016, a fiscalização abstrata sucessiva da constitucionalidade da norma constante da alínea d), do n.º 1, do artigo 22.º da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio, bem como, por remissão, dos n.os 2, 3 e 4 do mesmo artigo, por violação do n.º 4 do artigo 30.º e do artigo 47.º ambos da CRP, isto ao condicionarem a concessão de licença ou de autorização para o exercício da atividade de segurança privada à inexistência de con-denação transitada em julgado pela prática de crime doloso.(192)

(190) Esta iniciativa pode ser consultada em http://www.provedor-jus.pt/site/public/?idc=46&idi=16106(191) Vide Proposta de Lei n.º 30/XIII, no n.º VII da sua exposição de motivos.(192) Esta iniciativa pode ser consultada em http://www.provedor-jus.pt/site/public/?idc=46&idi=16444

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Refira-se, outrossim, que, no seguimento de diversas queixas – na maioria nem com-preendendo nem alegando a dimensão constitucional da questão –, foi igualmente reque-rida a fiscalização abstrata sucessiva das normas constantes da alínea b), do n.º 1, bem como dos n.ºs 3 e 4, quanto a este último, na parte em que remete para aquelas normas, todas do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro (Regime dos aciden-tes de trabalho e das doenças profissionais ao serviço de entidades empregadoras públi-cas), na redação dada pelo artigo 6.º da Lei n.º 11/2014, de 6 de março. O Provedor de Justiça entendeu que as mencionadas normas, ao limitarem o ressarcimento dos danos em um âmbito aliás não inteiramente coincidente com o que a epígrafe do diploma faria supor, violam o direito fundamental dos trabalhadores à justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional, e o princípio da igualdade, acolhidos, respetivamente, na alínea f ), do n.º 1, do artigo 59.º e no artigo 13.º, ambos da CRP.(193)

De entre os casos em que se entendeu não ser de tomar a iniciativa peticionada, exem-plifica-se a queixa na qual eram suscitadas dúvidas quanto à conformidade constitucional do novo Regulamento da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 119/2015, de 29 de junho. Ponderado o sentido da jurisprudência do Tribunal Constitucional nesta matéria, relevando do direito à segurança social e com incidência sobre o princípio da proteção da confiança, não procederam as alegações de inconstitucionalidade, por motivação que foi dada a conhecer aos queixosos, todavia sem prejuízo da iniciativa que, em outro patamar, tinha sido tomada pelo Provedor de Justiça junto do Governo, para melhoramento daquele regime.(194)

De igual modo, em queixa que se fundamentava em parâmetros de constitucionali-dade, o Provedor de Justiça entendeu dirigir-se à Ministra da Administração Interna a respeito das soluções contidas no Regulamento Disciplinar da PSP vigente, respeitantes à sujeição dos aposentados ao poder disciplinar, à aplicação automática de medidas cautela-res e ao regime da reabilitação. Em resposta, foi transmitido por este membro do Governo o acolhimento favorável, no seu cerne, das observações ali tecidas, no quadro da elabora-ção da proposta de lei que visa aprovar novo estatuto disciplinar da PSP.(195)

Nacionalidade

Persistiu a tendência, firme e contínua, de diminuição no número de procedimentos de queixa a propósito de questões relacionadas com a nacionalidade portuguesa, embora de forma muito mais suave. Recordando a quebra de 31% verificada em 2015 face ao ano anterior, no ano de 2016 registou-se nova descida, de 13%, correspondente a menos 13.

(193) Esta iniciativa pode ser consultada em http://www.provedor-jus.pt/site/public/?idc=46&idi=16664(194) No âmbito do procedimento de queixa Q-4114/15.(195) No âmbito dos procedimentos de queixa Q-7848/13 e Q-5842/14.

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Este movimento assentou, na totalidade, na descida do número de queixas alegando atraso administrativo, mantendo-se o número de situações substantivas em que existia desacordo com a decisão tomada pelos serviços públicos competentes.

Se em 2015 se mencionou o quase desaparecimento de queixas respeitantes a pessoas oriundas do ex-Estado Português da Índia, em 2016 essa qualificação deve ser tomada literalmente, computando-se o número de queixas em escassas unidades.

Em contrapartida, foram recebidas diversas queixas respeitantes à ausência de regu-lamentação da nova redação dada à alínea d), do n.º 1, e ao n.º 3 do artigo 1.º da Lei da Nacionalidade, por via da Lei Orgânica n.º 9/2015, de 29 de julho, em alguns casos adi-cionalmente suscitando questões relacionadas com a própria solução em esse lugar consa-grada para os netos de portugueses.

Sublinha-se que o número de queixas respeitantes a processos de naturalização se man-teve relevante, crescendo as situações substantivas colocadas à consideração do Provedor de Justiça, seja quanto à verificação dos requisitos previstos nas diversas tipologias enun-ciadas no artigo 6.º da Lei da Nacionalidade, seja quanto ao delineamento dos casos de dispensa aí mencionados.

Foram raras as queixas apresentadas no interesse de crianças nascidas em Portugal, pretendendo beneficiar da cláusula de prevenção da apatridia, constante da alínea g), do n.º 1, da Lei da Nacionalidade. Posto que em número escasso, retira-se das mesmas uma linha interpretativa que pretende fazer operar a causa de atribuição em apreço, afinal, da simples vontade dos pais, neste caso recusando tomar as providências para que, de acordo com a lei nacional, seja reconhecida a respetiva cidadania ao seu descendente. Com as dificuldades inerentes ao conhecimento das mais diversas ordens jurídicas estrangeiras, tem sido defendido que só perante a prova da inviabilidade jurídica da atribuição da nacio-nalidade pelo(s) Estado(s) de origem dos pais, não excluindo situações fáticas limite, será viável considerar preenchida a previsão daquela norma.

A atuação deste órgão do Estado continuou a pautar-se pelo contacto desburocratizado com as entidades mais frequentemente visadas: a Conservatória dos Registos Centrais e a Conservatória do Registo Civil de Lisboa. Importa assinalar a muito menor necessidade de contacto, na matéria aqui em apreço, com o SEF, podendo tal indiciar uma melhoria no seu funcionamento, in casu a prestação mais rápida das respostas solicitadas pelos serviços de registo civil.

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Direito dos estrangeiros

Após o franco crescimento registado no ano anterior(196), o número de procedimentos de queixa, em 2016, sobre direito dos estrangeiros desceu em cerca de 10% (191 em 2016 face a 211 em 2015), com proporção similar (três para quarto) entre as queixas motivadas por atraso e as relacionadas com questões substantivas.

De modo congruente com o que se indicou em relatório anterior, a observação decor-rente dos números alcançados corresponde à evolução, nos anos mais recentes, do fenó-meno migratório e da relação com o mesmo do conjunto de soluções disponibilizado pela Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, também nas modificações que sofreu. Assim, é de assinalar a predominância muito significativa das situações envolvendo a aplicação dos mecanis-mos excecionais enunciados nos artigos 88.º e 89.º da referida Lei. Em sentido inverso, manteve-se, face ao número já bastante baixo registado em 2015, o número de queixas relativas a visto, seja por atraso, seja quanto aos motivos da sua recusa.

O número, anormalmente alto, de queixas a respeito da concessão de autorização de residência a detentores de visto, ocorrido no ano anterior, foi fortemente corrigido no ano em curso (de 85 queixas para apenas 19). Explicado aquele pela aparente apresen-tação concertada de queixas relativas a autorizações motivadas em atividade de investi-mento,(197) a situação registada em 2016 incorpora ainda algumas queixas similares, mais esparsamente suscitadas durante o ano.

Questão particularmente grave, pelo que representa de limitação no acesso ao direito por parte de pessoas em situação particular de vulnerabilidade, foi a que se conheceu, quer por queixa, quer pela comunicação social, no que respeita ao condicionamento de acesso de advogado a pessoa internada em centro de instalação temporária, no caso concreto situado dentro do Aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa. Não sendo de criticar a sujeição de qualquer visitante, incluindo advogados, aos mesmos procedimentos de segu-rança que são aplicados a qualquer passageiro que aceda a zonas restritas aeroportuárias, o Provedor de Justiça entendeu intervir junto do SEF e da entidade reguladora em causa, a Autoridade Nacional de Aviação Civil, tendo em conta a exigência do pagamento de determinada taxa para o efeito.(198)

Concentrando-se as situações evidenciadas em algumas direções regionais do SEF, manteve-se o contacto frequente e informal com as mesmas, através da realização ocasio-nal de reuniões, obtendo-se boa colaboração. Mais uma vez, realce-se a colaboração que, no quadro de protocolo celebrado entre o Provedor de Justiça e o Alto-Comissariado para

(196) Recorde-se que, no ano de 2015, os procedimentos de queixa sobre direitos dos estrangeiros cresceu cerca de 50% face ao ano de 2014. Cf. Relatório à Assembleia da República 2015, p. 120.(197) Idem, ibidem. (198) Cf. Tomadas de Posição 2016, pp. 229-230.

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as Migrações, I.P.(199), tem motivado a referenciação mútua, no quadro das especificidades de cada instituição e da sua missão.

Educação

O número de queixas recebidas a propósito do sistema educativo, na perspetiva dos alunos, corrigiu a descida ocorrida no ano anterior dos respetivos procedimentos (242 no ano de 2016 face a 220 no ano de 2015), o que, em período significativo, traduz um aumento mais relevante do exercício do direito de queixa ao Provedor de Justiça neste seg-mento da atividade administrativa. Face a 2015, verifica-se que o crescimento registado se concentra na educação pré-escolar (22 em 2016, representando um aumento de 45% face ao ano anterior, que computava 12), ocorrendo manutenção do número de queixas, em paralelismo estreito, nos ensinos básico, secundário e superior.

Decorrendo aquele aumento na educação pré-escolar do alargamento da universali-dade às crianças com 4 anos de idade até final do ano civil,(200) a obtenção de vaga em certo estabelecimento de educação ou de ensino constitui um importante motivo de queixa, concentrando-se nos meses de julho e agosto de cada ano, não raras vezes sendo evidente a dificuldade com que se deparam as escolas na interpretação e aplicação das regras em vigor.

Com uma dimensão transversal a todo o sistema educativo não superior, parte signifi-cativa das queixas assenta ou na obtenção de vaga ou na qualificação dos apoios adequados a crianças com necessidades educativas especiais. Neste último caso, a intervenção do Pro-vedor de Justiça centra-se na promoção do diálogo entre todos os interessados, aprofun-dando a fundamentação das decisões tomadas em função das apreciações sucessivamente produzidas.

Para além das questões relativas à seriação e à colocação das crianças, ainda na educação pré-escolar, faça-se menção de intervenção em benefício de uma criança que via negada a possibilidade de ter atenuados os efeitos de patologia de que padecia, ao não ser autori-zada a presença na sala de terapeuta contratado pela família.(201) Garantida que estava a ausência de prejuízo para o decurso das atividades educativas, e assim para terceiro, foi viável superar a indefinição administrativa que, pelo decurso do tempo, negava no caso concreto a minimização da dor e do desconforto, prejudicando correlativamente a parti-cipação no decurso da vida escolar.

No que respeita ao ensino básico, para além das condições das instalações de algumas escolas, é de enunciar como relevante a apresentação de queixas em matéria de transporte

(199) Cf. Relatório à Assembleia da República 2012, p. 132.(200) Lei n.º 65/2015, de 3 de julho.(201) Cf. Tomadas de Posição 2016, pp. 232-233.

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escolar, cada vez mais suscitando-se conflitos negativos entre as autarquias, motivadas, para além da não coincidência perfeita entre a rede escolar e a estruturação concelhia, pelas centralidades igualmente avessas às fronteiras estabelecidas e pelo reconhecimento de maior liberdade de escolha aos pais e encarregados de educação. A propósito, refira-se que este órgão do Estado tem sempre defendido que esta liberdade de escolha deve ser res-peitada, beneficiando de apoio financeiro no limite do que seria prestado, se frequentada a escola indicada pela rede como atinente à residência.

Situação diversa que evidencia alguma fragilidade da Administração na gestão do que deve ser a sua atuação imparcial perante as famílias, designadamente quando, por divór-cio ou separação, não existe consenso entre os progenitores das crianças, tem igualmente motivado a intervenção do Provedor de Justiça. Sempre balizada pelo teor da decisão judi-cial que tenha fixado os termos do exercício das responsabilidades parentais (sem prejuízo da sua modificabilidade, a requerimento de quem o entenda solicitar), esta intervenção tem sublinhado à Administração as consequências que há a retirar das referidas pronún-cias judiciais, evitando ou combatendo os dois extremos frequentemente encontrados, seja o do exacerbamento do papel da escola, seja o do seu apagamento, ambos podendo conduzir a uma efetiva tomada de partido – posto que muitas vezes não querida – por um dos progenitores, sem legitimidade para tal.

Ainda no plano da inovação, sem título, pela Administração, indique-se a intervenção corretiva que, com sucesso, o Provedor de Justiça conseguiu que a afixação das notas de final de período não estivesse dependente do pagamento de dívidas em sede de alimenta-ção escolar.(202)

Por último, ainda no tocante ao sistema educativo não superior, é de realçar a frequên-cia com que são alegadas, com muita plausibilidade, situações de verdadeira fraude aos mecanismos de colocação nos estabelecimentos de educação pré-escolar e dos ensinos básico e superior, previstos atualmente no Despacho Normativo n.º 7-B/2015, de 7 de maio, com as suas posteriores modificações. Estão em causa as normas de seriação que conferem prioridade em função da residência do encarregado de educação e do respetivo local de trabalho. Não desconhecendo a viabilidade de, por motivos muitas vezes impe-riosos mas sempre legítimos, poder ser inevitável a delegação das funções em causa em um terceiro, que não um dos progenitores, tem-se verificado ser muito frequente a ocorrência de factos similares em situações que não importam nenhuma outra vicissitude na vida familiar da criança. Significa isto que se está perante o aproveitamento de um certo meca-nismo, justamente criado e aceite pelo Direito – o da delegação em terceiro das funções de encarregado de educação –, para única e exclusivamente se poder prevalecer do respe-tivo endereço de residência ou de trabalho, na verificação dos correspondentes critérios de prioridade.

(202) Esta intervenção ocorreu no âmbito do procedimento de queixa Q-2246/15.

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O Provedor de Justiça tem testemunhado a indignação dos pais que não recorrem a esta possibilidade ou simplesmente preenchem eles mesmos os referidos critérios, vendo as suas crianças ultrapassadas por outro critério subsequente de desempate, apenas con-vocado por aquela situação ocorrer, mas também a dos responsáveis pelos agrupamentos, que se sentem manietados no efetivo controlo de cada situação. Para correção dos abusos, o Provedor de Justiça propôs ao Governo, através do Ministério da Educação, que, de forma adequada, se adotasse entendimento restritivo das normas de prioridade em causa, apenas as fazendo atuar em concreto se se verificasse ocorrer coincidência de residência entre o encarregado de educação e a criança interessada. Não se alcançou conhecer a este respeito qualquer avanço que obviasse à reiteração futura da situação verificada.

No que respeita ao ensino superior, têm-se acentuado as queixas atinentes ao paga-mento de propinas, mais frequentemente respeitantes a anos letivos anteriores. Conhe-cendo-se os procedimentos de cobrança de dívidas relativamente antigas, também em seguimento de observações feitas pelo Tribunal de Contas, este órgão do Estado teve já ocasião de – em situação mais reiterada de ação no limiar do prazo de prescrição, qual seja a da Universidade de Coimbra – fazer notar a bondade de se adotarem os procedi-mentos aptos a garantir uma cobrança mais precoce, com vantagem para ambas as partes. Este mesmo entendimento foi, de modo global, dirigido à generalidade das instituições de ensino superior, por comunicações dirigidas aos respetivos Conselhos.(203)

Ainda em matéria de propinas, enunciando atuações com sucesso em casos atípicos, refira-se a intervenção do Provedor de Justiça junto da Universidade de Aveiro, no sentido de ser eliminada a exigência de pagamento prévio das quantias em dívida como condição para a anulação da inscrição(204). Refira-se, de igual modo, a intervenção deste órgão do Estado junto da Universidade de Coimbra no tocante à cessação da exigibilidade de pro-pinas por prazo em que esta não forneceu orientador para a realização da tese(205) e à neces-sidade de qualquer compensação, designadamente para cômputo de juros, ser sempre efe-tuada com a maior retroatividade permitida pela causa das dívidas mútuas em apreço.(206)

Em queixa que intersetava a definição das propinas devidas com a concessão de equi-valências, o Provedor de Justiça considerou que em uma situação estava claramente deter-minado que certa inscrição só tinha ocorrido por o interessado ter sido induzido em erro, pelos serviços do Instituto Politécnico de Portalegre, quanto à sua situação, no que

(203) Procedimento de queixa Q-1899/16.(204) Procedimento de queixa Q-6739/15, por este modo evitando-se que, em desistência por carência económica, esta última implicasse o agravamento das quantias em dívida.(205) Procedimento de queixa Q-0643/15.(206) Procedimento de queixa Q-5572/16.

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subjazia ao aproveitamento de formação anterior. Assinalado esse facto à entidade visada, foi rapidamente acatada a proposta de desconsideração da dívida reclamada.(207)

Já não no âmbito do pagamento de propinas, mas no de taxas cobradas pela modifi-cação dos horários escolhidos, este órgão do Estado propôs ao Instituto Politécnico de Leiria a sua eliminação, isto quando, como sucedia na situação exposta ao Provedor de Justiça, era inviável a atempada fixação de horário definitivo, por causa imputável à insti-tuição de ensino, o que veio a ser acatado.(208)

Em sede dos procedimentos burocráticos para a realização da matrícula, o Provedor de Justiça interveio junto da Universidade do Minho com vista à cessação da prática de, durante o preenchimento de formulário eletrónico de matrícula/inscrição, estar por defeito assinalado o campo que manifesta a vontade de inscrição na associação de estudan-tes respetiva. Devendo valorizar-se o exercício livre e consciente da liberdade de associa-ção, o Provedor de Justiça propôs que fosse omitido qualquer valor por defeito, exigindo, assim, uma expressa atuação por parte de cada interessado, assinalando o que tivesse por adequado. Caso tal fosse tecnicamente inviável, notou-se que, a existir valor por defeito, esse devia ser o de recusa de inscrição, não impedindo a correção de eventual lapso em momento ulterior.(209) Esta posição foi acatada.

Completando a resenha de 2016 em matéria de educação, mencione-se ainda a inter-venção do Provedor de Justiça no conflito que opôs o Ministério da Educação às escolas particulares que tinham celebrado, no início do ano letivo de 2015/2016, contrato trienal de associação, em termos centrais, estando em causa conhecer se era ou não devida, em cada um dos anos letivos abrangidos pelo prazo contratual, a abertura do mesmo número de turmas autorizado naquele ano. Foi oportunamente tomada posição, indicando a necessidade de qualquer conclusão radicar nas regras de interpretação contratual, rejei-tando-se a imposição, por via constitucional ou legal, de qualquer das teses em presença.

Em 2016, foram visitados quatro estabelecimentos de ensino, sendo dois do primeiro ciclo do ensino básico e um, cada, do 2.º e 3.º ciclos e do ensino secundário.

Saúde

As questões de saúde, prosseguindo a correção verificada em 2015 do forte crescimento anteriormente sentido, apresentam uma descida de cerca de 10% face àquele ano. Para esta modificação, contribuiu de forma mais significativa a diminuição das queixas a propósito do pagamento de taxas moderadoras ou da respetiva isenção ou dispensa, bem como, em menor grau, das queixas relativas à prestação de cuidados em meio hospitalar.

(207) Procedimento de queixa Q-1856/15.(208) Procedimento de queixa Q-3589/16.(209) Procedimento de queixa Q-5220/16.

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Em sentido inverso, verificou-se algum acréscimo de queixas a propósito de atraso ou falta de comparticipação, por subsistemas de saúde públicos, em despesas de saúde, sendo imanente um sentido de maior exigência, fruto, no caso do Instituto de Proteção e Assistên-cia na Doença, I.P. (vulgarmente conhecido como ADSE), da autossustentabilidade finan-ceira e consequente aumento da quotização devida.

No que respeita às relações com os subsistemas de saúde, sem prejuízo do peso signifi-cativo que tem a ADSE, o leque de queixas apresentadas tem cada vez mais incidido sobre os demais subsistemas, designadamente a propósito da Assistência na Doença aos Militares (ADM) e do Serviço de Assistência na Doença da PSP (SAD/PSP). Visando este último, indicam-se duas iniciativas deste órgão do Estado que foram acolhidas. A primeira dizia res-peito à recusa de comparticipação em certos cuidados de saúde, invocando-se determinação interna que obrigaria à autorização prévia dos mesmos.(210) O Provedor de Justiça considerou essa exigência como contraditória com a reforma do regime desse subsistema, empreendida pelo Decreto-Lei n.º 158/2005, de 20 de setembro, o qual, ao disciplinar os termos de acesso aos benefícios previstos, tinha o propósito de substituir as orientações avulsas anteriormente existentes, harmonizando o regime com o vigente na ADSE. Não se encontrando, no regime legal em causa nem tão-pouco no da ADSE, designadamente, nas suas tabelas de compar-ticipação em regime livre, necessidade de autorização prévia para os cuidados de saúde em causa, este órgão do Estado propôs a cessação imediata da aplicação de tal condição, dan-do-se informação à generalidade dos beneficiários e reavaliando-se a sua concreta situação.

O Provedor de Justiça analisou, de igual modo e no âmbito do SAD/PSP, a recusa de manutenção de inscrição de determinado interessado como beneficiário familiar, assente na consideração de que a sua situação académica – frequência de um curso de especialização tecnológica – não preencheria os critérios legais estipulados para o efeito, por virtude de a letra da lei ser omissa no que toca aos cursos pós-secundários. Na verdade, a letra da lei exigia, para os descendentes maiores e até aos 26 anos de idade, a frequência de «curso do ensino de nível secundário ou equivalente, ou superior, até à conclusão da licenciatura, mestrado ou doutoramento». Com base na teleologia da norma, o Provedor de Justiça sugeriu ao Diretor Nacional da PSP a reapreciação do assunto, tendo por referência a analogia substancial da oferta educativa que se estabeleceu entre o ensino secundário e o ensino superior, como sejam os cursos pós-secundários, desde que se verificassem os demais requisitos, designadamente de dependência económica. Não obtendo sucesso, foi esta proposta dirigida à Secretária de Estado Adjunta e da Administração Interna, que professou entendimento concordante com a posição do Provedor de Justiça, promovendo iniciativa junto do Ministério da Saúde com vista à adequação da letra da norma, sem prejuízo de se firmar desde já interpretação oficial nesse sentido.(211)

(210) Procedimento de queixa Q-0232/16.(211) Cf. Tomadas de Posição 2016, pp. 224-227.

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Ainda no âmbito dos subsistemas, a maior parte das queixas recebidas quanto à inscrição de beneficiários dizia respeito à cessação da qualidade de beneficiário familiar pela passa-gem do interessado à condição de pensionista, por direito próprio, muitas vezes adquirido por atividade profissional há muito cessada. Não se censurando a correta aplicação da lei, a reforma anunciada das condições de inscrição na ADSE poderá dissipar os efeitos negativos de situação que é em geral inesperada pelos afetados.

No quadro do Serviço Nacional de Saúde (SNS), tendo ocorrido uma subida no número de queixas referentes à articulação entre as unidades de cuidados de saúde primários e a rede hospitalar, sublinham-se duas situações em que se comprovou estar longe da articulação desejável dentro da mesma unidade de saúde, em sentido amplo. Assim, no Hospital Bea-triz Ângelo, este órgão do Estado teve ocasião de intervir a respeito de queixa de utente sobre o acompanhamento dispensado no período pós-operatório tardio. Segundo indi-ciado, perante a impossibilidade de obter orientações clínicas precisas ou mesmo observação médica não planeada com quem a havia operado, a doente recorreu diversas vezes aos servi-ços de urgência, hospitalar e outros, propiciando diagnósticos e terapêuticas desagregadas, sempre recebidos de forma insatisfatória. Apenas um mês e meio depois, a cidadã logrou o atendimento de especialidade com o médico responsável pela intervenção cirúrgica, con-cluindo-se pela necessidade de repetição desta. No plano da humanização dos cuidados de saúde, do respeito pela dignidade do utente e, outrossim, do aperfeiçoamento da qualidade assistencial prestada no período pós-operatório tardio, o Provedor de Justiça propôs que fosse diligenciado pela total disponibilidade clínica do médico assistente (ou de quem o substitua) para responder a intercorrências que lhe sejam comunicadas, em um tempo de espera considerado razoável, atendendo à condição clínica do doente e à presumível gravi-dade da situação. Adicionalmente foi sugerida a adoção de ferramenta apta a assegurar que a presença no serviço de urgência de um utente, durante a fase pós operatória, seja pronta-mente notificada ao médico assistente da especialidade cirúrgica em casa, como forma de beneficiar a plena articulação entre serviços. A situação foi reconhecida e lamentada pela entidade visada, acolhendo-se com especial interesse esta última proposta.(212)

Em uma outra situação, ocorrida no Centro Hospitalar de Lisboa Norte, E.P.E. na sequência de referenciação efetuada por unidade hospitalar no mesmo integrada, uma utente aguardava há mais de um ano por consulta de cirurgia plástica destinada à conclusão do plano de tratamento cirúrgico iniciado (colocação de banda gástrica), solicitada a outra unidade hospitalar do mesmo Centro. No âmbito da instrução do respetivo procedimento, apurou-se que a consulta pedida tinha sido declinada, alegando-se a necessidade de serem enviados, pelo médico referenciador, elementos clínicos adicionais. A responsabilidade pela sua obtenção foi devolvida à utente. Em um primeiro momento, após a intervenção do Pro-vedor de Justiça, o constrangimento foi desbloqueado. Não obstante, foi reforçada junto dos

(212) Procedimento de queixa Q-6942/15. Cf. Tomadas de Posição 2016, pp. 234-236.

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responsáveis pela entidade hospitalar visada a pertinência de assegurar, para o futuro, melhor e mais eficaz articulação entre os respetivos serviços hospitalares privilegiando-se, designa-damente, uma comunicação direta entre os profissionais que possa evitar uma devolução ao doente da responsabilidade por aclaramentos referentes a elementos de natureza clínica.(213)

Prosseguindo atenção anterior ao funcionamento do Sistema de Atribuição de Produ-tos de Apoio, foi, em termos gerais, apreciada a extrema morosidade e desadequada rigidez associadas ao modelo de financiamento de certos produtos de apoio, de natureza clínica e consumo diário (v.g., equipamento para traqueostomia, para ostomia, sistemas de drenagem de urina e produtos coletores de urina, bem como produtos para absorção de urina e fezes), o qual obrigava à intervenção do ISS. Após troca de contactos com o ISS e com a Admi-nistração Central do Sistema de Saúde, I.P. (ACSS), apurou-se que a solução reclamada, igualmente sustentada pelo Provedor de Justiça, de regresso do sistema que reconhecia a res-ponsabilidade pela sua distribuição e financiamento aos hospitais e centros de saúde (como sucedia em um passado recente), viria a ser adotada a partir de outubro de 2016. No âmbito do acompanhamento da matéria, foi confirmado o acatamento da solução proposta, ten-do-se concretizado a alteração preconizada relativamente aos procedimentos de acesso aos produtos de apoio no âmbito da ostomia, no quadro do Sistema de Atribuição de Produtos de Apoio, designadamente, através do Despacho n.º 10909/2016, de 8 de setembro, e do Despacho n.º 11233/2016, de 19 de setembro.(214)

Para além de queixas respeitantes à demora no acesso à Rede Nacional de Cuidados Con-tinuados Integrados (RNCCI), este órgão do Estado interveio a respeito de dois aspetos de ordem geral e de natureza normativa, passíveis de originarem a desproteção e a discriminação de doentes, independentemente da real verificação das condições de dependência que fun-damentem o seu ingresso. O primeiro prendia-se com a exclusão normativa do acesso a uni-dades de longa duração por doentes que apresentassem necessidade de medidas de suporte respiratório de forma permanente ou quase permanente, conforme expressamente previsto no disposto na alínea b), n.º 4, do artigo 19.º da Portaria n.º 174/2014, de 10 de setembro. Para além de diligências realizadas pelo Provedor de Justiça junto da Administração Regio-nal de Saúde competente, as quais permitiram o encaminhamento da situação concreta, foi a ACSS sensibilizada para a desadequação da solução normativa. Por fim, foi transmitida a adoção de uma iniciativa tendente à revisão da Portaria n.º 174/2014, prevendo-se a revoga-ção do sobredito critério de exclusão.

Em segundo lugar, analisaram-se as condições de acesso à RNCCI pelos beneficiários de subsistemas de saúde públicos. No caso em concreto, a dificuldade devia-se ao facto de o subsistema de saúde de que beneficiava o utente – Instituto de Apoio Social das For-ças Armadas/ADM – dispor de escassos acordos com unidades naquela região, gerando,

(213) Procedimento de queixa Q-2613/16. (214) Procedimento de queixa Q-1875/16.

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consequentemente, tempos de espera bastante superiores aos praticados para os demais utentes do SNS. Foi reiterado pelo Provedor de Justiça, junto do Secretário de Estado da Saúde, o repúdio de condutas que viabilizem a discriminação de utentes do SNS apenas pela circunstância de complementarmente assumirem a categoria de beneficiários de um subsis-tema público de saúde.(215)

Assinala-se ainda que, não sendo raras as queixas decorrentes da ausência de inscrição em médico de família, tem sido dada especial atenção aos casos de maior vulnerabilidade. É o que sucede no caso de utentes grávidas, em particular no Agrupamento de Centros de Saúde Almada-Seixal, relativamente às dificuldades no acesso a consultas materno-fetais. Atendendo à especial vulnerabilidade da situação em apreço, e tendo presente o disposto no n.º 3 do artigo 3.º do Despacho do Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde n.º 4389/2015, de 30 de abril, foi a situação sinalizada, significando-se a premência de se providenciar a superação célere dos constrangimentos verificados. A emergência da situação concreta foi devidamente apreendida e, nesse seguimento, foi decidido integrar a utente no centro de saúde da sua área de residência, pese embora as listas médicas se encontrassem completas. O acompanhamento médico da utente, assim como do respetivo agregado fami-liar, foi, nessa sequência, imediatamente garantido, de modo considerado satisfatório para os interessados

Assuntos penitenciários

Os procedimentos de queixa abertos a respeito do funcionamento do sistema prisional foram em número ligeiramente superior ao ocorrido em 2015 (178 em 2016 face a 168 no ano de 2015). Em termos qualitativos, nota-se um agravamento das condições relacionadas com a sobrelotação, com o aumento das queixas relativas a alimentação e ao alojamento, mas também com situações de segurança e de disciplina e, igualmente regressando ao patamar de 2014, a alegações de violência, seja entre pares, seja imputada ao pessoal de vigilância. No seguimento destes casos de violência, há que distinguir, nos primeiros, a opção priori-tária pela garantia da integridade física, no segundo caso tendo muita relevância os meios de prova que, para além da testemunhal, possam existir, aqui interessando em particular a imediata observação médica e o visionamento de gravações.

Em sentido contrário, sentiu-se forte descida no número de queixas atinente a pretensões de transferência, por causas mais difíceis de antecipar (27 procedimentos em 2016 face a 47 do ano anterior).

Uma outra matéria com relevância foi, de igual modo, a da não realização, em absoluto ou com a periodicidade aproximada ao limite legalmente fixado, de visitas íntimas. Na maior parte dos casos, estava em causa a incapacidade de o sistema responder afirmativamente, por

(215) Cf. Tomadas de Posição 2016, pp. 227-228.

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falta de meios logísticos, por se tratar de casais em que ambos os elementos estavam em reclusão.

As questões de acesso a cuidados de saúde mantiveram-se em patamar relevante, tendo sido, quando necessário, esclarecidas por contacto com as instâncias pertinentes do SNS.

Não se esgotando a atenção do Provedor de Justiça no universo de pessoas em reclusão, interessa referir o tratamento que teve queixa atinente às condições de acesso por visitan-tes ao Estabelecimento Prisional de Caxias, sendo ademais relatada a ausência de conside-ração de situações de maior vulnerabilidade. Averiguados os factos descritos e as condições de espera, prévia à identificação e à entrada no espaço prisional, foi garantida a vontade de cumprimento dos critérios de prioridade, previstos no Decreto-Lei n.º 58/2016, de 29 de agosto, negando-se a existência de obstáculos à mobilidade nos dois redutos. Foi expressa-mente afirmada a necessidade de reiteração das instruções dadas ao pessoal de vigilância, o que foi executado. Para maior consciencialização de todos os intervenientes, obteve-se pos-teriormente notícia de terem sido fixadas placas informativas adequadas.(216)

O Provedor de Justiça privilegiou a manutenção dos canais de comunicação mais rápidos e informais com os responsáveis dos estabelecimentos prisionais. Regista-se, todavia, a con-tinuidade de determinação da orientação da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisio-nais, há mais de dez anos, no sentido da centralização da comunicação escrita com este órgão do Estado. Esta circunstância tem levado a atrasos na prestação das informações solicitadas no âmbito das diligências de instrução dos procedimentos.

Para além das visitas aos estabelecimentos prisionais realizadas no âmbito das funções próprias do Mecanismo Nacional de Prevenção(217) e, durante todo o ano, das visitas aos esta-belecimentos escolhidos para corporizar o projeto O Provedor de Justiça, as prisões e o século XXI: diário de algumas visitas(218), decorreram durante 2016 quinze deslocações a estabele-cimentos prisionais, para observação dos mesmos ou reunião com pessoas em reclusão, assim se discriminando os Estabelecimentos Prisionais de Lisboa (em 3 ocasiões), de Tires, de Vale de Judeus (em 3 ocasiões), de Coimbra, de Monsanto (em 2 ocasiões), de Alcoentre (em 2 ocasiões), de Évora, de Aveiro e o instalado junto da Polícia Judiciária de Lisboa.

Outros assuntos

De entre os outros assuntos tratados nesta unidade temática, destaca-se ainda o cresci-mento de queixas atinentes ao acesso a documentos administrativos – que no ano de 2016 (14 procedimentos) duplicou face ao valor de 2015 (7 procedimentos) – e à proteção de dados pessoais (12 procedimentos em 2016 face a 9 procedimentos no ano de 2015). De

(216) Procedimento de queixa Q-4078/16.(217) Cf. o respetivo anexo ao presente relatório.(218) Cf. infra ponto 3.2.

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igual modo foi mais frequente a crítica a órgãos de comunicação social, estando muitas vezes em causa a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC). Precisamente visando esta entidade e a respeito de questão que tem sido ultimamente objeto de grande atenção pública, qual seja a da exigência, para os mais variados fins, de cópia do cartão de cidadão, foi alegando, em termos que se confirmaram, que as instruções atinentes à apresentação de participação por via eletrónica àquela entidade reguladora exigiam o acompanhamento de cópia do bilhete de identidade ou do cartão de cidadão, fundando-se na «entrada em vigor do novo Código do Procedimento Administrativo.» Era ainda expressa a recusa da parti-cipação, caso assim se não procedesse. Este órgão do Estado assinalou não se encontrar no referido Código norma que impusesse esta solução, bastando-se o disposto na sua alínea b), n.º 1, do artigo 102.º, em sede de requisitos do requerimento inicial, com a necessidade de o mesmo conter a «identificação do requerente, pela indicação do nome, domicílio, bem como, se possível, dos números de identificação civil e identificação fiscal.» Mais se alertou a ERC para o teor do n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 7/2007, de 5 de fevereiro, ao claramente considerar como «interdita a reprodução do cartão de cidadão em fotocópia ou qualquer outro meio sem consentimento do titular, salvo nos casos expressamente previstos na lei ou mediante decisão de autoridade judiciária.» Por fim, desdisse-se a possibilidade de se considerar o presente caso como o de consentimento, uma vez que, «colocada esta reprodu-ção como conditio sine qua non para prosseguimento da atividade regulatória impetrada, [a cominação estabelecida] retira qualquer autonomia ao cidadão, por essa forma impedindo uma declaração de vontade singularmente destinada à prestação do consentimento (livre, naturalmente), previsto por Lei.» A pronta resposta da ERC foi de acatamento do entendi-mento assumido, modificando, em consequência, os seus procedimentos.(219)

Em situação próxima, foi invocado que no Centro Hospitalar do Médio Tejo, E.P.E. para cedência temporária de cadeira de rodas para uso por pessoa com mobilidade reduzida, era solicitada a retenção do cartão de cidadão, como garantia da posterior devolução do equipa-mento. O Provedor de Justiça chamou a atenção da entidade visada para a proibição legal de, salvo superior habilitação legal ou judicial, um serviço público reter em seu poder bilhete de identidade ou cartão de cidadão dos visitantes, mesmo com suposta anuência do seu titular, certamente forçada pelas circunstâncias, sendo a perpetração desse ato punida com coima (cf. n.º 1 do artigo 5.º e n.º 1 do artigo 43.º da Lei n.º 7/2007, de 5 de fevereiro).(220) No final de 2016 ainda não tinha sido obtida resposta.

No confronto entre o acesso à informação e a proteção de dados pessoais, importa sina-lizar o recebimento de queixa respeitante ao regime de acesso a denúncias ou participações

(219) Procedimento de queixa Q-1545/16.(220) Procedimento de queixa Q-3941/16. Situação generalizada similar motivou a Recomendação n.º 100/2003, cujo texto é consultável em http://www.provedor-jus.pt/. O seu acatamento deu origem a circular da, então, Inspeção--Geral da Administração Pública.

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apresentadas pelos cidadãos, estando em causa, na situação concreta, a atuação da Polícia Municipal de Lisboa. No caso concreto, no seguimento do acesso à denúncia pelo próprio cidadão nela visado e aos dados pessoais do cidadão denunciante ali constantes, este último fora sujeito a atos de retaliação por parte do denunciado. Apurados os procedimentos pre-vistos e concluindo-se ter sido a atuação da entidade visada orientada pelo respeito ao prin-cípio da administração aberta, com observância das restrições legais ao direito de acesso, o Provedor de Justiça transmitiu àquela entidade, no quadro legal vigente e sem embargo da diversidade de situações de vida conjeturáveis, a identificação de algumas linhas de atuação para decisão no tratamento dos pedidos de acesso a denúncias por outrem, que não o pró-prio denunciante, tendo muito particularmente em atenção a necessidade de preservar, na medida devida, a informação individual respeitante a determinada pessoa, prevenindo a sua devassa.(221)

1.2.7. Regiões Autónomas

O tratamento dos procedimentos em que a entidade visada se localiza nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira – independentemente do assunto sobre o qual ver-sam – é levado a cabo pelos colaboradores deste órgão do Estado designados para a sua instrução, sendo certo que aqueles fazem parte dos elementos da unidade temática que trata das matérias referentes aos direitos à justiça e à segurança.

1.2.7.1. Extensão da Região Autónoma dos Açores

No ano de 2016, foram abertos 93 procedimentos de queixa. Não obstante, o número de procedimentos tramitados, durante o mencionado período temporal, foi de 179 (dos quais, 86 procedimentos transitados, no final do ano de 2015). Relembra-se que entre os anos de 2011 e 2015 foram abertos, respetivamente, 82, 127, 70, 93 e 88 procedimentos.

Quadro 18 Movimentação anual de procedimentos - Extensão da Região Autónoma dos Açores

Instruídos em 2016 179No seguimento de queixa 93Por iniciativa própria 0Transitados de anos anteriores 86Arquivados em 2016 26Do ano 15

(221) Procedimento de queixa Q-0004/15.

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De anos anteriores 11Transitados para 2017 153De 2016 78De anos anteriores 75

Por referência ao ano de 2016, e no tocante às decisões de arquivamento, foram encer-rados 26 procedimentos, 15 dos quais abertos nesse mesmo ano. Os fundamentos do arquivamento foram os seguintes:

— Em 7 (26,9%) foi reparada a ilegalidade ou a injustiça durante a instrução;— Em 1 (3,8%), o Provedor de Justiça dirigiu chamada de atenção à entidade visada,

em face das deficiências ou insuficiências da respetiva atuação, nos termos previstos no artigo 33.º do EPJ;

— Em 3 (11,5%) foi feito o encaminhamento dos queixosos para outro meio idóneo para fazer valer a sua pretensão, nos termos previstos no artigo 32.º do EPJ;

— Em 14 (53,8%) concluiu-se pela improcedência da queixa;— Em 1 (3,8%) houve desistência de queixa.

Gráfico XXVIII

Distribuição de procedimentos por matérias Extensão da Região Autónoma dos Açores

19%

15%

33%

9%11%

13%

0

5

20

15

25

30

35

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10

Como resulta do gráfico supra, as questões sobre os direitos dos trabalhadores conti-nuaram, à semelhança do que vinha sucedendo em anos anteriores, a ser predominantes

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(33%). As vicissitudes da relação jurídica de emprego público suscitaram, pois, o maior número de procedimentos de queixas, quer as apresentadas por cidadãos individual-mente, mas também por associações sindicais. Naquelas queixas manifestavam-se as preo-cupações com a carreira, com irregularidades em procedimentos concursais, suplementos remuneratórios, assim como com os regimes de trabalho.

Em um segundo lugar, representando 15% do total de procedimentos abertos, sur-gem as questões relativas à administração da justiça, à atuação policial e aos assuntos rodoviários.

Em terceiro lugar, surgem as questões relativas à tributação fiscal e à atividade econó-mica (cumprindo referir que quatro procedimentos versaram especificamente sobre IRS), assim como as de consumo (quatro procedimentos), representando 13% do total de pro-cedimentos abertos.

Seguem-se, por ordem decrescente, as matérias relativas ao direito ao ambiente e à qua-lidade de vida, as quais se repartiram entre questões atinentes ao urbanismo e ao ordena-mento do território, bem como sobre assuntos sobre a proteção do meio ambiente (11%); as relativas aos direitos sociais, estando em causa essencialmente questões referentes à per-ceção de prestações sociais (9%). Finalmente, a categoria mais abrangente representada no gráfico em análise (19%), engloba diversas questões relacionadas com o direito à educação (v.g., propinas), o direito à saúde (atuação clínica, atendimento e transporte de doentes) e questões sobre o tratamento de reclusos.

Além de três queixas coletivas, foram 83 os cidadãos que individualmente solicitaram a intervenção do Provedor de Justiça (56 do género masculino e 27 do género feminino). Refira-se, ainda, que foram abertos sete procedimentos na sequência de queixas apresen-tadas por associações sindicais. Das 93 queixas apresentadas, 18 foram entregues presen-cialmente nas instalações da Extensão, no solar da Madredeus, sublinhando-se, por isso, a contínua disponibilidade e colaboração institucional do Representante da República para a Região Autónoma dos Açores. Das restantes, 45 corresponderam a queixas remetidas por via postal e 30 por via eletrónica.

Como resulta do gráfico infra, 76 queixas provieram das Ilhas de São Miguel (38) e da Terceira (38). Seguiram-se, em termos de origem geográfica, as oriundas da Ilha do Faial (7), do Pico (4), das Flores (3) e de Santa Maria (1). A este número há que acrescentar, duas outras queixas sem identificação de origem.

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Gráfico XXIX

Origem geográca das queixas – Extensão da Região Autónoma dos Açores

38 38

47

300 0

9

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10

20

10

40

30

No tocante à caracterização das entidades cuja atuação era contestada nas queixas, refi-ra-se que, em 2016, a Administração Regional Autónoma foi visada em 51% daquelas, designadamente, nas áreas de educação, da saúde, da segurança social, mas também os departamentos com responsabilidade em matéria de agricultura, do ambiente e dos trans-portes. Foram visadas, em segundo lugar, as entidades da Administração Central (26%), excluindo as relativas à administração da justiça (Tribunais, registo e notariado) que, apre-sentadas autonomamente, representam 6% do total. A Administração Local foi visada em 9% dos procedimentos de queixa, destacando-se neste ponto as Câmaras Municipais de Angra do Heroísmo, da Horta e da Ribeira Grande.

Gráfico XXX

Entidades visadas – Extensão da Região Autónoma dos Açores

9%

51%

26%

6%8%

3%

Outrosentes

públicos

Outrasentidades privadas

Administraçãocentral

Administração regional

autónoma

0

20

10

60

50

30

40

Autarquias Administraçãoda justiça

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Das várias temáticas que suscitaram a intervenção do Provedor de Justiça, destacam-se, a título de exemplo: a formulação de chamada de atenção à Vice-Presidência do Governo Regional dos Açores, relativamente ao pagamento de senhas de presença em atraso aos membros dos Conselhos de Ilha, por verificação dos seus pressupostos;(222) e uma outra situação que envolveu a conciliação prática entre os direitos de maternidade e a fixação de horário de trabalho de elementos de uma força de segurança. Finda a instrução do respe-tivo procedimento, este órgão do Estado, pese embora tenha concluído pela inexistência da ilegalidade invocada, logrou obter a sensibilização da entidade visada para esta impor-tante questão, realçando-se aqui a boa colaboração prestada ao Provedor de Justiça.(223)

1.2.7.2. Extensão da Região Autónoma da Madeira

No ano 2016 foram instruídos pela Extensão da Região Autónoma da Madeira 155 novos procedimentos. Ao quantitativo aqui elencado acresceram 65 transitados de anos anteriores(224), originando assim um volume total de 220 procedimentos tramitados no período de referência do presente relatório.

Em 2016 consideraram-se arquivados 154 procedimentos, sendo que em 69,5% das situações foi possível concluir os procedimentos relativos a queixas apresentadas no pró-prio ano. Regista-se, do mesmo modo, que, em mais de metade dos casos referidos se obteve, após a intervenção deste órgão do Estado, uma resolução satisfatória.

O quadro que se segue apresenta, em jeito de síntese, o número de processos instruídos e arquivados em 2016, bem como o quantitativo transitado para 2017:

Quadro 19Movimentação anual de procedimentos - Extensão da Região Autónoma da Madeira

Procedimentos instruídos em 2016 220No seguimento de queixas novas 155Transitados de anos anteriores 65Procedimentos arquivados em 2016 154Procedimentos abertos no mesmo an 107Procedimentos abertos em anos anteriores 47Procedimentos transitados para 2017 66De 2016 48De anos anteriores 18

(222) Cf. Tomadas de Posição 2016, pp. 242-246.(223) Cf. Tomadas de Posição 2016, pp. 251-253.(224) Dos 64 procedimentos de queixa que transitaram de 2015 para 2016, acresce um procedimento de iniciativa do Provedor de Justiça que foi aberto em 2015.

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Dos 154 procedimentos arquivados no ano de 2016, 77 foram resolvidos na sequên-cia de intervenção do Provedor de Justiça. Três arquivamentos ocorreram na sequência de emissão de chamada de atenção à entidade visada e quatro foram concluídos com o encaminhamento dos queixosos para outras entidades. No decurso da instrução dos pro-cedimentos, 52 foram arquivados por se considerar que as pretensões dos queixosos eram improcedentes e, em outros sete, este órgão do Estado conclui não ter competência para intervir. Em um caso foi concretizada a sua resolução sem que a ilegalidade tivesse sido, contudo, posteriormente reparada. Os restantes 10 procedimentos foram arquivados com base na desistência — expressa ou tácita — da queixa apresentada.

Os anos mais recentes vêm mostrando um cenário de reforço e de consolidação da administração regional autónoma (41%) enquanto principal entidade visada nas quei-xas dirigidas ao Provedor de Justiça, seguindo-se-lhe a administração regional autárquica (21%). Quanto a esta, o concelho do Funchal consolidou a predominância, visado em 52% no conjunto das queixas recebidas, seguido pelos concelhos de Ponta do Sol e de Santa Cruz (13% cada). No tocante ao Governo Regional da Madeira, a Direção Regional da Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais e o Instituto da Segurança Social da Madeira assumiram maior preponderância, com 21% cada.

Os casos em que foram visados os órgãos jurisdicionais representaram, em 2016, um ligeiro acréscimo comparativamente ao ano anterior, com 14% do total de situações.(225)

Gráfico XXXI

Entidades visadas – Extensão da Região Autónoma da Madeira

Gráco XXXI

Empresas/associações

Administração regional

autónoma

Administraçãocentral

0

20

10

40

30

50

21%

14%

41%

14%10%

Autarquias Administraçãoda justiça

(225) No ano de 2015, os procedimentos que visaram os órgãos jurisdicionais cifraram-se em 12%.

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Da leitura do gráfico supra resulta, de igual modo, que, em comparação com os anos transatos, as queixas que tiveram como destinatários organismos e entidades da Adminis-tração Central mais que duplicaram em relação ao ano anterior (14% em 2016 face a 6% registado em 2015). Esta circunstância pode dever-se, em parte, aos constrangimentos advenientes do processamento de subsídio social de mobilidade aos residentes na Região Autónoma da Madeira.

No que respeita à temática das queixas trazidas à apreciação do Provedor de Justiça através desta Extensão — ilustrada no gráfico infra —, registou-se, no ano de 2016 e pela primeira vez na última década, a predominância dos assuntos relativos aos direitos dos contribuintes e dos consumidores (28%), logo seguidos pelas matérias atinentes ao ambiente e à qualidade de vida (26%).(226) Em terceiro lugar surgem os 32 procedimentos de queixas sobre o direito à justiça e à segurança, o que corresponde a 21% dos procedi-mentos desta Extensão(227), seguido pelas questões atinentes aos direitos sociais (12%). No tocante aos restantes assuntos, verifica-se que os respetivos procedimentos de queixa apresentam uma distribuição equitativa.

Gráfico XXXII

(226) Em comparação com os dados de 2015, pode verificar-se que as questões sobre direitos dos contribuintes, dos consumidores e dos agentes económicos ocupavam, ex aequo com as questões relacionadas como direitos, liberdades e garantias e outros direitos fundamentais, o terceiro lugar com 17 procedimentos cada. No ano supra referido, e à semelhança dos anteriores, a distribuição dos procedimentos pelas matérias neles tratadas era liderada por aqueles que versassem sobre o ambiente e a qualidade de vida. Cf. Relatório à Assembleia da República 2015, p. 138.(227) Prevalecendo as questões relacionadas com atrasos judiciais e deontologia dos advogados.

Distribuição de procedimentos por matériasExtensão da Região Autónoma da Madeira

0

10

20

30

40

50

12

32

8

19

41 43

Outro

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No plano da distribuição de queixas quanto à origem geográfica — e como se pode observar no gráfico infra —, manteve-se o predomínio do concelho do Funchal (46%)(228), a considerável distância das localidades de Santa Cruz, de Machico e de Ribeira Brava (a primeira destas com 16% e as duas últimas com 6% cada). Mencione-se, de igual modo, que 8% dos procedimentos tiveram origem em queixas provenientes do continente, o que, em comparação com o ano anterior, corresponde a um ligeiro decréscimo.(229)

Gráfico XXXIII

Origem geográca das queixas – Extensão da Região Autónoma da Madeira

46%

5% 3%1%

5% 3% 6% 6%

14%8%

1%0

10

20

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40

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No que diz respeito ao tipo de queixosos, a esmagadora maioria dos procedimentos da Extensão da Região Autónoma da Madeira foi instruída com base em queixas apresenta-das por pessoas singulares e somente 3% o foram por queixas de entes coletivos. De entre os primeiros, por sua vez, cerca de 60% das queixas foram formalizadas por pessoas do género masculino.

À semelhança do que vem acontecendo desde 2011 (ano em que se procedeu à rees-truturação dos serviços do Provedor de Justiça na Região Autónoma da Madeira), as duas modalidades principais de apresentação de queixas consistem no recurso a meios eletróni-cos, com 61% do total registado, e a formalização escrita, com 39%.

(228) Em termos relativos, a população residente no município do Funchal representa 41,8% da população total. Cf. http://estatistica.gov-madeira.pt/DRE_SRPC/EmFoco/Populacao_Sociedade/Demografia/Censos/Emfoco.htm.(229) No ano de 2015, 12% dos procedimentos desta Extensão foram instruídos na sequência de queixas oriundas do território continental.

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Na sequência de deslocações à Região Autónoma da Madeira realizadas no ano de 2016, foram recebidos presencialmente 32 queixosos, ao que acresceu a realização de oito diligências externas com representantes dos organismos visados.

Tal como vem sucedendo nos últimos anos, manteve-se a boa colaboração dos orga-nismos interpelados, pertencentes à administração regional autónoma e à administração autárquica, os quais continuaram a responder com regular prontidão às solicitações a si dirigidas, contribuindo assim para a agilização dos mecanismos processuais aplicados.

O ano de 2016 permitiu desenvolver de forma substancial e quase concluir as diligên-cias atinentes ao procedimento de iniciativa própria instaurado no ano anterior(230), com o intuito de averiguar do procedimento adotado pelas autarquias em matéria de fiscalização de atos ilícitos urbanísticos — e da eventual cobrança de taxa na sequência de partici-pações dirigidas pelos munícipes —, ao suscitarem a averiguação de factos que poderão revelar-se lesivos do interesse público confiado à edilidade. Sem prejuízo das conclusões que serão avançadas em tempo oportuno, é de sublinhar a colaboração dispensada pelos municípios no tocante à revisão dos respetivos normativos, tendo em vista a reposição da legalidade.

No tocante às matérias tratadas e às posições adotadas por este órgão do Estado, salien-ta-se a chamada de atenção junto da Empresa de Eletricidade da Madeira, S.A., na sequên-cia de emissão de fatura de acerto de consumo de eletricidade, relativa ao período com-preendido entre novembro de 2013 e dezembro de 2015.

A Lei dos Serviços Públicos, aprovada pela Lei n.º 23/96, de 26 de julho (e sua alte-rações), introduziu, na ordem jurídica nacional, um conjunto de mecanismos que visam a proteção daqueles que estão, em geral, em uma posição desfavorável: os consumidores de serviços públicos essenciais. Entre os mencionados mecanismos, o legislador fixou em seis meses o prazo de prescrição para que o prestador do serviço público possa cobrar as quantias que lhe são devidas e, se não o fizer no referido período, o seu direito de crédito prescreve, não podendo, por essa razão, ser exercido. Com o artigo 10.º do diploma legal citado quis-se assim, ainda que como efeito mediato, obviar ao progressivo endividamento dos consumidores de serviços públicos essenciais.

Atendendo ao exposto, a chamada de atenção formulada pelo Provedor de Justiça à empresa de fornecimento de energia elétrica centrou-se na impossibilidade de, após o decurso do prazo de seis meses sobre a prestação do serviço prestado, o prestador não poder apresentar uma fatura com novos valores a debitar. Mesmo que devidos por não terem sido atempadamente contabilizados, tais valores encontram-se prescritos e não são exigíveis.(231)

(230) Procedimento P-0005/15.(231) Procedimento de queixa Q-4049/16. Cf. Tomadas de Posição 2016, pp. 258-259.

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Em um outro caso, a intervenção deste órgão do Estado teve por fundamento a apre-sentação de uma queixa que contestava a atuação da autarquia de Machico e as medidas de tutela administrativa por esta adotadas em face das normas regulamentares aplicáveis. Tendo-se concluído que a referida edilidade deveria ter sido mais diligente na gestão dos procedimentos administrativos — por forma a assegurar a prossecução do interesse público e a proteção dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares —, o Provedor de Justiça formulou chamada de atenção por concluir que a aquela edilidade deveria ter sido mais célere. Afinal, é sobre a câmara municipal que recai o dever de fiscali-zar as operações urbanísticas, ainda que estas não careçam de prévio licenciamento ou de prévia autorização.(232)

No tocante às sugestões formuladas pelo Provedor de Justiça, refira-se, a título de exem-plo, a posição que foi adotada na sequência de uma queixa sobre a decisão de anulação da inscrição de uma pessoa em situação de desemprego — que não auferia o respetivo subsí-dio — por parte do Instituto de Emprego da Madeira, I.P.-RAM. Tendo em consideração as repercussões que uma nova inscrição pode ter para os cidadãos e para os seus direitos, este órgão do Estado sugeriu que fossem reforçados os modos de articulação da entidade visada com os cidadãos, os quais consistiam, grosso modo, na prestação de informação com-pleta e adequada, no célere tratamento das reclamações apresentadas e na utilização de recursos informáticos para contacto entre eles. Para além disso, foi igualmente sugerido que as decisões atinentes a pessoas em situação de desemprego que não recebem qualquer prestação por esse facto fossem objeto de um processo observador das normas gerais que regulam o exercício da função administrativa, em particular do direito de audiência prévia e do direito de impugnação administração.(233)

(232) Procedimento de queixa Q-3135/16. Cf. Tomadas de Posição 2016, pp. 256-257.(233) Procedimento de queixa Q-1133/16. Cf. Tomadas de Posição 2016, pp. 253-254.

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2. Núcleo da Criança, do Idoso e da Pessoa com

Deficiência

> Fachada interior do orgão de Estado Provedor de Justiça

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2. Núcleo da Criança, do Idoso e da Pessoa com Deficiência

O Provedor de Justiça tem uma estrutura, composta por uma equipa multidisciplinar, especialmente vocacionada para a análise e o tratamento das questões relacionadas com os cidadãos que, em razão da sua idade, da sua condição de saúde ou de outra circunstân-cia que os limite, se encontram em uma situação de maior vulnerabilidade: o Núcleo da Criança, do Idoso e da Pessoa com Deficiência (N-CID).

A atividade do N-CID desenvolve-se em diversas vertentes que se consubstanciam, desde logo, na colaboração em sede de instrução procedimental de queixas que se pren-dem com os direitos da criança, do idoso e da pessoa com deficiência, com a realização de diligências informais junto das competentes entidades. Os colaboradores deste órgão do Estado que integram a equipa do N-CID asseguram, de igual jeito, o funcionamento das três linhas telefónicas especializadas (Linha da Criança, Linha do Cidadão Idoso e Linha da Pessoa com Deficiência), procedendo ao atendimento personalizado aos cidadãos que, por meio daquelas, contactam o Provedor de Justiça, o qual se traduz na prestação de informações, no encaminhamento dos queixosos para as entidades competentes e no contacto direto com as entidades visadas de forma a fazer valer os direitos dos cidadãos. Não raras vezes, a atuação do N-CID não se esgota em uma pontual intervenção, antes se cristalizando no acompanhamento das situações que lhe são comunicadas e tratadas. Em outros casos, a solicitação dirigida a este órgão do Estado através das mencionadas Linhas origina a abertura de procedimento de queixa, o qual é ulteriormente instruído pela asses-soria na unidade temática competente em razão da matéria, em articulação com o N-CID.

No ano de 2016, o Provedor de Justiça recebeu 4026 chamadas telefónicas, as quais se dividiram pelas três Linhas nos termos que, de seguida, melhor se explicarão. À seme-lhança do que sucedeu em anos anteriores, os dados estatísticos que se apresentam não contabilizam as chamadas feitas por engano ou a título não sério. Sublinhe-se, outros-sim, que uma única chamada pode, com frequência, versar sobre diversos assuntos, razão pela qual, o número total de chamadas recebidas não encontra correspondência exata no número de questões tratadas.

Linha da Criança

A Linha da Criança recebeu, em 2016, 541 chamadas, valor inferior ao registado no ano de 2015 (671). Refira-se, ainda, que, no mesmo período, foram efetuadas 35 chamadas.

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Quadro 20Chamadas telefónicas – Linha da Criança

Recebidas Efetuadas*

541 35

* Neste número incluem-se as chamadas efetuadas para os queixosos, assim como as realizadas para as entidades visadas nas solicitações dirigidas ao Provedor de Justiça através da Linha da Criança

Comparativamente com as restantes Linhas(234), a Linha da Criança é a que apresenta um valor inferior de contactos telefónicos recebidos. Esta circunstância pode encontrar fundamento na existência de outras linhas telefónicas que prestam apoio às crianças, aos jovens e respetivas famílias, assim como no papel desenvolvido, em uma lógica de inter-venção de proximidade, pelas entidades tidas como de “primeira linha” – como o são as escolas, os estabelecimentos de saúde e as forças de segurança – na referenciação e no acompanhamento das situações de risco.

Gráfico XXXIV Evolução anual – Linha da Criança

701584

2083

1256986 981 883

558

856740 682

20142004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

541671

2015 20160

500

1000

1500

2000

2500

Da análise do gráfico supra resulta que, não obstante a variação sofrida no seu número, tem sido sempre superior a meio milhar o número de chamadas recebidas na Linha da Criança.

Da representação gráfica infra resulta que a atuação maioritária da Linha da Criança (54%), à semelhança do sucedido nos anos anteriores, corporiza-se na simultaneidade de prestação de informação e encaminhamento dos queixosos (291 chamadas). É ainda

(234) No ano de 2016, as Linhas do Cidadão Idoso e da Pessoa com Deficiência receberam, respetivamente, 2878 e 607 chamadas telefónicas.

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significativo o número de chamadas (123) através do qual é prestada informação sobre os direitos humanos das crianças e dos jovens. Deste modo, e em jeito de síntese, pode concluir-se que mais de dois terços da atuação desta Linha prendem-se com a prestação de informação, alternada ou conjuntamente, com o encaminhamento dos queixosos para as entidades competentes.

Gráfico XXXV

Atuação – Linha da Criança

0

50

100

150

200

250

123

291

21 16

300

Informação Informaçãoe encaminhamento

Acompanhamento

90

OutraIntermediação

No tocante às questões que motivaram a realização das chamadas, como resulta do quadro infra, o exercício das responsabilidades parentais continua a ser o principal assunto tratado. Neste âmbito, destacam-se os problemas de incumprimento do acordo de regula-ção das responsabilidades parentais, como sejam os relacionados com o regime de visitas e de férias e o pagamento dos montantes definidos a título de prestação de alimentos. Em segundo lugar surgem as questões relacionadas com situações de negligência (55), as quais conjugadas com as de maus-tratos (44) e as de alegada exposição a violência doméstica (14) se cifram em 113 chamadas. Registe-se que, a par destas, nesta Linha receberam--se 11 chamadas sobre situações de bullying, o que corresponde a um aumento de quatro contactos telefónicos face ao ano anterior sobre esta matéria. Refira-se também o número significativo de chamadas sobre educação e problemas escolares (47).

O Provedor de Justiça recebeu, ainda por meio da Linha da Criança, várias solicita-ções que versavam sobre a atuação das comissões de proteção de crianças e jovens (26), de outras entidades com competência em matéria de infância e juventude (22) e da segurança social (10).

Salienta-se a receção de 19 chamadas sobre situações de crianças expostas a comporta-mentos de risco ou desviantes (v.g., toxicodependência, alcoolismo).

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Sublinha-se que na categoria residual «outras questões», em que o número se cifra em 90 chamadas, enquadram-se diversos assuntos, designadamente, sobre a atuação do tribunal (atrasos judiciais), a solicitação de informações jurídicas ou sobre as prestações sociais, assim como informações sobre o Provedor de Justiça e a própria Linha da Criança.

Quadro 21

Principais questões colocadas – Linha da CriançaExercício de responsabilidades parentais 134Negligência 55Educação e problemas escolares 47Maus-tratos (físicos e psíquicos) 44Atuação das comissões de proteção de crianças e jovens 26Atuação de outras entidades com competência em matéria de infância e juventude

22

Exposição a comportamentos desviantes e a comportamentos de risco 19Cuidados de saúde 15Exposição a violência doméstica 14Bullying 11Atuação da segurança social 10Instituições de acolhimento 8Visitas das crianças aos avós 8Abuso sexual 1Outras questões (v.g., atrasos judiciais, adoção, informações jurídicas, informações sobre o Provedor de Justiça e sobre a Linha da Criança, prestações sociais)

90

Total 504

No que respeita à identificada relação do contactante com a criança – observando-se a tendência verificada nos últimos anos e como resulta do gráfico seguinte –, são os pais que, em regra, estabelecem a ligação para a Linha da Criança (199), a que se segue o grupo integrado por outros familiares (140) e o da comunidade, onde se incluem as chamadas realizadas pelos vizinhos que utilizam este meio para pedir informações ou para comuni-car situações de crianças em perigo (69).

Assinala-se o aumento significativo, ocorrido em 2016, das chamadas efetuadas pela própria criança (21), o que representa a quintuplicação do valor registado em 2015 (4).

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Gráfico XXXVIRelação contactante/criança

0

100

150

50

200

250

16

8369

2113

140

199

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nça

Tomando como universo as crianças que foram identificadas quanto ao seu género, no ano de 2016, verificou-se, à semelhança de anos anteriores, a predominância de crianças do sexo feminino (222) relativamente às do masculino (199).

Já no tocante à faixa etária, como resulta do gráfico infra, a maioria das chamadas em que se identificou aquele dado referente a crianças e jovens com idades compreendidas entre os três e os sete anos (113), logo seguido pelo grupo dos os oito e os 12 anos (111) e, por último, a faixa etária até aos três anos (105).

Gráfico XXXVII

Faixa etária - Crianças e jovens

0

100

150

50

133

12

67

111113105

Até 3

anos

Dos 3

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16

17 e 1

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Como se pode observar no gráfico infra, as principais fontes de conhecimento da Linha da Criança foram, por ordem decrescente e idêntica à verificada no ano anterior, as seguintes: a Internet (203), os anteriores contactos com a Linha da Criança (94) e a lista telefónica (90).

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Gráfico XXXVIII

Origem do conhecimento da Linha da Criança

0

100

150

50

200

250

1527

94

203

90

Lista

telefó

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Outro

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Linha do Cidadão Idoso

De entre os três serviços especializados, é por meio da Linha do Cidadão Idoso que, desde a sua criação, o Provedor de Justiça recebe o maior número de solicitações tele-fónicas. Esta circunstância encontra a sua razão de ser no facto de esta linha telefónica ser de âmbito nacional de natureza gratuita, além de constituir uma das poucas respos-tas que está especialmente dirigida ao tratamento de questões atinentes à população mais velha. Por outro lado, o gradual envelhecimento da população portuguesa concorre para o número de chamadas recebidas.

Por conseguinte, no ano de 2016, o Provedor de Justiça recebeu, através da Linha do Cidadão Idoso, 2878 chamadas, tendo-se registado 132 chamadas efetuadas que incluem os contactos com entidades visadas, mas também os contactos estabelecidos no âmbito de intermediação entre os utentes e as entidades visadas.

Quadro 22

Chamadas telefónicas – Linha do Cidadão IdosoRecebidas Efetuadas*

2878 132

* Neste número incluem-se as chamadas efetuadas para os queixosos, assim como as realizadas para as entidades visadas nas solicitações dirigidas ao Provedor de Justiça através da Linha do Cidadão Idoso

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Sublinha-se que o número total das chamadas recebidas, através desta Linha, está em consonância com a tendência anual verificada desde a sua criação: em regra, os contactos telefónicos recebidos cifram-se próximo das 3000 chamadas, com oscilações pontuais.

Gráfico XXXIX

Evolução anual – Linha do Cidadão Idoso

20142004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

3348

318429503040 2819

3099 3202

1982

2706 2685

3139

2015 2016

2864 2878

0

500

1000

1500

2000

2500

3000

3500

Os números relativos à atividade no último ano mostram que, em média, foram rece-bidas e efetuadas 58 chamadas semanais na Linha do Cidadão Idoso. No ano de 2016, as principais intervenções deste serviço relacionaram-se com a prestação de informações (968) e o encaminhamento (33). Em 1328 chamadas, as intervenções deste órgão do Estado consistiram na prestação de informações acompanhadas pelo encaminhamento do queixoso para as entidades competentes.

Refira-se que, em 135 situações, este órgão do Estado efetuou diligências instrutórias junto das entidades visadas e, em cinco casos, o contacto telefónico originou a proposta de abertura de procedimento que foi, posteriormente, instruído pela assessoria do Provedor de Justiça. De salientar ainda que em 409 atuações procedeu-se, entre outras, à prestação de informação sobre o acompanhamento do caso concreto e ao atendimento de cidadãos idosos em situação de isolamento ou de solidão.

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Gráfico XLAtuação – Linha do Cidadão Idoso

0

1500

500

1000

5245481

1328

33

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47

Inform

ação

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o

338

Outra

No quadro seguinte identificam-se as principais questões colocadas pelas pessoas que, no ano de 2016, se dirigiram ao Provedor de Justiça por meio da Linha do Cidadão Idoso.

Quadro 23

Principais questões colocadas – Linha do Cidadão IdosoQuestões gerais (v.g., operadores de telecomunicações, conflitos de vizinhança, renovação cartão cidadão ou carta de condução) 534

Saúde (v.g., RNCCI, taxas moderadoras, saúde em geral, transporte de doentes, ajudas técnicas, saúde mental) 317

Pensões 226Serviços de apoio (v.g., centros de dia, serviço de apoio domiciliário, teleassistência) 219

Estrutura residencial para idosos 201Complementos de dependência e solidário para idosos e outros subsídios relativos a idosos 201

Ação social 126Negligência de cuidados 115Serviços públicos (v.g., IMT, lojas de cidadão, serviços municipais) 111Conflitos familiares 111Maus-tratos (na família, na instituição) 105Atuação entidades (v.g., segurança social, instituições particulares de solidariedade social, forças de segurança, autarquias) 87

Habitação 75

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Isolamento ou solidão 74Outros direitos fundamentais (v.g., autodeterminação) 72Contactos úteis 61Abuso material e financeiro 58Ruído 32Carência económica 32Informação jurídica (v.g., testamento vital, proteção jurídica, direito sucessório) 30

Informação sobre o Provedor de Justiça ou sobre a Linha do Cidadão Idoso 28

Ações de interdição e inabilitação 24Abandono 20Total 2859

No ano de 2016, à semelhança do que ocorreu no ano anterior, a temática da ação social – entendida em um sentido amplo e indiciando situações de desproteção e espe-cial fragilidade das pessoas mais velhas – originou o maior número de chamadas recebi-das (546, o que corresponde a 19% do total das chamadas recebidas), englobando esta categoria a ação social (126), os serviços de apoio (219) e as estruturas residenciais para idosos (201). Seguem-se outros dois grandes temas: a saúde (317) e os maus-tratos (298), representando, respetivamente 11% e 10% do total de chamadas recebidas. No tocante às questões relativas ao direito à saúde, na maior parte dos contactos foram invocadas as dificuldades no acesso a serviços vários, como sejam a RNCCI, os cuidados de saúde primários, o transporte de doentes e mesmo o contacto com as entidades de saúde. Os maus-tratos, por seu turno, abrangeram as situações de violência doméstica e os maus-tra-tos alegadamente praticados em instituições (105), o abuso material e financeiro (58), a negligência de cuidados (115) e os casos de abandono (20).

Refira-se que, relativamente ao ano anterior, no ano de 2016, verificou-se um aumento do número de solicitações relacionadas com pensões (226, representando um aumento de 30%), abrangendo situações tão distintas como a da mera incompreensão do valor aufe-rido ou a dos pedidos de esclarecimento sobre apoios pecuniários devidos a idosos (201).

Pese embora as solicitações identificadas no parágrafo anterior poderem indiciar, de alguma forma, situações de carência económica, este tema, por si só, apenas foi expressa-mente mencionado em 32 das situações.

Outros temas recorrentes disseram respeito ao funcionamento dos serviços (198), incluindo-se aqui não só queixas sobre a respetiva atividade (87), mas também pedidos de esclarecimento sobre procedimentos, assim como a forma de contacto com os serviços públicos (111). Recorrentes foram, também, as questões relacionadas com os direitos dos

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cidadãos idosos (72), envolvendo, por sobre tudo o desrespeito pelo direito à autodeter-minação por parte de familiares próximos ou responsáveis por estruturas residenciais, bem como as dificuldades relacionadas com a habitação (75), maxime, no tocante ao aumento das rendas.

É de assinalar, outrossim, a crescente utilização da Linha do Cidadão Idoso, por parte destes e dos seus familiares, com vista à resolução de conflitos existentes na própria famí-lia (111) ou com os vizinhos, encontrando-se esta última situação registada em «outras questões», o que é demonstrativo do reconhecimento do Provedor de Justiça como uma entidade mediadora.

Tal como referido em outros anos, da análise dos dados anuais e da experiência que resulta do atendimento prestado aos cidadãos, pode-se concluir que, nas situações mais graves – como sejam as de abuso material e financeiro, maus-tratos ou saúde mental –, existe uma grande dificuldade de intervenção das entidades com competência na matéria, por sobre tudo quando subsiste a falta de apoio por parte da família ou quando esta é inexistente.

Ensaiando uma caracterização da população idosa que recorre ao Provedor de Justiça, ou que pode beneficiar da intervenção deste órgão do Estado, conclui-se, como resulta do gráfico infra, que são os próprios idosos interessados que mais vezes recorreram, no ano de 2016, à Linha do Cidadão Idoso. O contacto do próprio cidadão idoso ocorreu, pois, em 48% das situações, perfazendo o número de 1376 chamadas. É também relevante, como se verificou nos anos anteriores, a percentagem de contactos telefónicos efetuados pelos familiares (856, o que equivale a 30%) – e, dentro deste grupo, dos descendentes (311) –, pelos amigos (139, o que corresponde a 5% das chamadas) e pelos vizinhos (116, o que equivale a 4%).

Gráfico XLI

Relação contactante/cidadão idoso

05858116139

856

1376

Próprio idoso

Familiar Comunidade

275

Nãoidenticado

Amigos Vizinhos Serviços

1500

500

1000

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Da análise do gráfico infra resulta a predominância da faixa etária de idades compreen-didas entre os 71 e os 80 anos (969), logo seguida de perto pela de idades compreendidas entre os 81 e os 90 anos (823), ambas correspondendo a 62% das chamadas recebidas (1792). Estas conclusões são coerentes com o progressivo envelhecimento da nossa popu-lação e, de igual modo, com uma maior consciencialização dos direitos fundamentais dos mais velhos. Saliente-se que a promoção e a defesa destes direitos constituem uma das ver-tentes de intervenção do Provedor de Justiça, sendo, por isso, um dos principais objetivos da Linha do Cidadão Idoso.

Gráfico XLII

Faixa etária – Cidadãos idosos

0

1000

500 484

202

823

969

339

61

Menos de 65

de 65 a 70

de 71 a 80

de 81 a 90

Mais de 90

Desconhecida

Mencione-se que, no que respeita ao género e à semelhança dos anos anteriores, no ano de 2016, existiu uma clara predominância das chamadas feitas por pessoas do sexo feminino (1724), o que corresponde a mais do dobro daquelas feitas por pessoas do sexo masculino (apenas 823).

A observação do gráfico que supra permite concluir que, no que toca à origem do conhecimento da Linha do Cidadão Idoso, a lista telefónica (1317 chamadas), a Internet (612) e o contacto anterior com este órgão do Estado (414) continuam a figurar como as fontes principais.

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Gráfico XLIII

Origem do conhecimento da Linha do Cidadão Idoso

0

500

1000

1500

966021

612

1317

Lista

telefó

nica

Intern

et

Comu

nicaçã

o soci

al

Amigo

s e fa

milia

res

Serviç

os

414334

24

Conta

ctos a

nterio

res

Não i

denti

cad

o

Outro

s

Linha da Pessoa com Deficiência

A Linha da Pessoa com Deficiência é o serviço telefónico especializado do Provedor de Justiça mais recentemente criado e que funciona desde abril de 2013, após um período experimental de, aproximadamente, dois anos. Não obstante tal circunstância, sublinhe-se que, no ano de referência deste relatório, foi a segunda mais utilizada para contacto com o Provedor de Justiça (como já havia sucedido no ano de 2013).

Como resulta do quadro infra, no ano de 2016 foram recebidas 607 chamadas e efe-tuadas 38.

Quadro 24

Chamadas telefónicas – Linha da Pessoa com DeficiênciaRecebidas Efetuadas*

607 38

* Neste número incluem-se as chamadas efetuadas para os queixosos, assim como as realizadas para as entidades visadas nas solicitações dirigidas ao Provedor de Justiça através da Linha da Pessoa com Deficiência.

Desde a sua entrada em funcionamento, a Linha da Pessoa com Deficiência recebe, em média, 600 chamadas por ano, conclusão que é possível extrair da observação do gráfico infra.

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Gráfico XLIV

Evolução anual – Linha da Pessoa com Deciência

2011

177 180

645586

2012 2013 20140

100

200

300

400

500

600

700622 607

2015 2016

Talqualmente vem sucedendo nos anos anteriores, no ano de 2016, como resulta da análise do gráfico infra, a atuação da Linha da Pessoa com Deficiência concentra-se na prestação de informações e no encaminhamento dos queixosos.

Gráfico XLV

Atuação – Linha da Pessoa com Deciência

Inform

ações

Inform

ação e

encam

inham

ento

Interm

ediaç

ão

Acom

panh

amen

to

Abert

ura de

proced

imen

to

022 116

302

Outra

59

207

100

200

300

No quadro infra estão elencados os principais motivos que, no ano de 2016, levaram os cidadãos a contactar a Linha da Pessoa com Deficiência.

O assunto mais tratado, no âmbito das solicitações recebidas através desta Linha, em 2016, foi o relacionado com as prestações sociais (105), registando um aumento signifi-cativo face a 2015 (aumento de aproximadamente 32%), ano em que apenas 71 chamadas recebidas versaram sobre esta temática. Em segundo lugar, surgiram as solicitações rela-cionadas com a legislação aplicável e as obrigações familiares, com 64 chamadas recebidas

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(as quais, no ano de 2015, consubstanciaram os assuntos mais tratados). Seguem-se, por ordem decrescente, as questões referentes a reabilitação e cuidados de saúde (39), a atri-buição e verificação do grau de incapacidade e as acessibilidades, ambas com 27 chamadas, registando, desse jeito, um gradual aumento face ao ano de 2015 (respetivamente, de 24 e de 20 chamadas).

Quadro 25

Principais questões colocadas – Linha da Pessoa com DeficiênciaPrestações sociais (v.g., pensões de invalidez, subsídio mensal vitalício, complemento por dependência)

105

Legislação e obrigações familiares 64Reabilitação e cuidados de saúde física e mental 39Atribuição e verificação de grau de incapacidade 27Acessibilidades 27Produtos de apoio 21Mercado de trabalho 18Benefícios fiscais 16Discriminação e violação de direitos 16Centros de referência 16Serviços públicos 14Regimes especiais de aquisição de bens (imóveis e viaturas) 14Estacionamento 12Educação 11Parqueamento automóvel 10Negligência e maus-tratos 10Habitação 9Ação de interdição e inabilitação 8Atendimento prioritário 6Outras questões 139Total 582

No que respeita ao universo de pessoas que contactou o Provedor de Justiça, através da Linha da Pessoa com Deficiência – e que identificou a relação com o cidadão interessado –, em 2016 continuou a verificar-se, à semelhança dos anos anteriores, a circunstância de terem sido, com mais frequência, os próprios cidadãos com deficiência a contactar esta Linha (299), seguindo-se os grupos integrado pelos pais (79), por outros familiares (53), pelos vizinhos e amigos (39), pelos cônjuges (36), pelos técnicos e outros funcionários de

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serviços que cuidam daqueles cidadãos (22), pelos seus filhos (15) e, por fim, pela comu-nidade em geral (6).

Gráfico XLVI

Relação contactante/pessoa com deciência

299

6 1536

79 5322 39

Própri

o

Comu

nidad

e

Cônju

geOu

tro

familia

rFil

hos

Pais

Serviç

os

Vizin

hos/a

migo

s

58

Não

identi

cad

o 0

100

200

300

400

Como se observa no gráfico seguinte, e tendo em consideração a natureza das deficiên-cias dos interessados que motivaram a realização das chamadas, em 2016 foram predomi-nantes as deficiências orgânicas (179), ao contrário do que se verificou em anos antece-dentes, em que preponderavam as deficiências motoras, as quais, no período em apreço, totalizaram 148 chamadas.

Gráfico XLVII

Tipo de deciência

50

100

150

200

06

66 58

91

59

179148

Moto

ra

Sensor

ial

Orgân

ica

Mult

idec

iência

Intele

ctual

Outra

Não i

denti

cad

a

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Relativamente aos graus de incapacidade identificados, e tal como verificado nos anos anteriores, mantém-se a predominância das incapacidades situadas entre os 61% e os 79% (123). As incapacidades iguais ou superiores a 90%, com 81 chamadas, mantêm a tendên-cia de subida que se tem verificado nos últimos anos (de 52 em 2014 para 73 em 2015).

Gráfico XLVIII

Não i

denti

ficad

a

Grau de incapacidade

6681

322

123

15

Até 6

0%

Entre

61%

e 79%

Entre

80%

e 89%

Mais

de 90

%0

50

100

150

200

250

300

350

No tocante ao género, continuou a verificar-se, em 2016, que as pessoas com deficiên-cia que, por si ou por intermédio de outrem, recorreram ao Provedor de Justiça através da Linha da Pessoa com Deficiência foram predominantemente do género masculino (317) face às do género feminino (225).

Gráfico XLIX

Faixa etária – Pessoas com deciência

0

200

100

150

50

201

18

104136123

25

Até 17 de 18 a 40

de 41 a 60

de 61 a 80

Mais de 80

Desconhecida

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Da análise do gráfico supra, verifica-se que o escalão etário mais representativo dos cidadãos que beneficiaram da atuação desta Linha, durante o ano de 2016, foi o dos 41 aos 60 anos de idade (136), seguido do que compreende as pessoas com idade entre os 18 e 40 anos (123), invertendo-se, assim, a situação verificada em 2015.(235)

Gráfico L

Origem do conhecimento da Linha da Pessoa com Deciência

0

150

200

250

100

501821

108

221

130

Lista

telefó

nica

Intern

et

Comu

nicaçã

o soci

al

Amigo

s

Serviç

os

74

305

Conta

ctos a

nterio

res

Não i

denti

cad

oOu

tro

Da observação do gráfico anterior, resulta que a Internet (221), tal como se verificou no ano transato, apresentou-se como a principal fonte de conhecimento da existência desta Linha, seguida pelo conhecimento resultante da consulta da lista telefónica (130) e, por fim, pelos contactos anteriormente realizados com o Provedor de Justiça (108).

(235) Tais escalões etários apresentaram, em 2015, respetivamente, 142 e 157 chamadas.

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3. O Provedor de Justiça enquanto Instituição Nacional de Direitos

Humanos > Pormenor da porta principal do edifício do órgão do Estado Provedor de Justiça

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3. O Provedor enquanto Instituição Nacional de Direitos Humanos

3.1. Dizeres prévios

Após o conflito mundial de 1939-1945, os Estados-Membros da Organização das Nações Unidas foram incentivados a conceberem entidades que, local e autonomamente, promovessem e defendessem os direitos humanos. Com esta alteração de paradigma, passou a entender-se, então, que os diversos Estados-Membros deveriam consagrar a existência de comissões de direitos humanos que fossem independentes dos poderes do Estado (legisla-tivo, executivo e judicial), às quais incumbiria o papel de divulgação daqueles direitos. Foi, contudo, na década de noventa que, no seguimento da reunião de trabalhos ocorrida em Paris sob o mote Instituições Nacionais para a Promoção e Proteção dos Direitos Humanos e no sequente acolhimento dos Princípios dela emanados, as instituições nacionais de direitos humanos, nas suas diferentes conformações, se afirmaram.

Em Portugal, o recorte das funções atribuídas ao Provedor de Justiça sempre compreen-deu um quid diferenciador da instituição Ombudsman que lhe serviu de inspirição. Com efeito, a par da atividade clássica de apreciação das queixas que recebe sobre a (in)justiça e a (i)legalidade do exercício de poderes públicos, cabe a este órgão do Estado promover e defender os direitos, as liberdades e as garantias essenciais dos cidadãos.

Por esta razão, o Provedor de Justiça detém, desde o ano de 1999, a qualidade de Institui-ção Nacional de Direitos Humanos, devidamente acreditada pela Aliança Global de Insti-tuições Nacionais de Direitos Humanos (anteriormente denominado por Comité Interna-cional de Coordenação das Instituições Nacionais para a Promoção e Proteção dos Direitos Humanos) com o estatuto «A». Isto significa que a atuação desenvolvida por este órgão do Estado nesta veste está em plena conformidade com os Princípios de Paris.

Como Instituição Nacional de Direitos Humanos que é, incumbe ao Provedor de Justiça a constante promoção e a intransigente defesa dos direitos humanos. Com vista à prosse-cução deste desiderato, este órgão do Estado pode abrir, por sua iniciativa, procedimentos, tendo ao seu dispor diversos meios para apurar os factos, como sejam a realização de visitas inspetivas, a consulta de documentos vários e a audição das pessoas que considere neces-sário auscultar. Para além disso, o Provedor de Justiça apresenta-se como um interlocutor privilegiado, junto de organizações nacionais e internacionais, possuindo, por isso, um leque de direitos de participação no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas e dos Comités especiais previstos em instrumentos jurídico-internacionais. Entre os menciona-dos direitos de participação encontram-se o de elaboração de contributos autónomos, o de assistência a reuniões e o de intervenção (oral e escrita) no âmbito do mecanismo de revisão universal periódica, assim como nos específicos mecanismos de verificação do cumprimento das obrigações internacionalmente assumidas pelo Estado português.

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Esta competência reflete-se, de igual modo, em diversas iniciativas de promoção e de tutela dos direitos humanos, por sobre tudo daqueles que, em razão da idade, condição de saúde ou outra que os limite (v.g., crianças, idosos, pessoas com deficiência, migran-tes ou pessoas privadas da sua liberdade), se encontram em uma situação de especial vulnerabilidade.

3.2. Projeto O Provedor de Justiça, as prisões e o século XXI: diário de algumas visitas

As questões referentes ao sistema prisional sempre integraram o múnus que está cons-titucional e legalmente atribuído a este órgão do Estado. Se a missão de promover e de defender os direitos humanos é, de per si, tão nobre quanto complexa, ela assume o intri-cado desenho de uma filigrana quando em causa está a tutela dos direitos das pessoas que se encontram em uma maior situação de vulnerabilidade, como sejam aquelas que estão privadas ou limitadas na sua liberdade. Por esta razão, o Provedor de Justiça determinou que, no decurso do ano de 2016, iria visitar as prisões portuguesas, por forma a conhecer e a compreender, com atualidade e na voz de quem está em reclusão, os problemas que são, também eles, parte do nosso sistema prisional. Problemas que, diga-se, respeitam não só aos reclusos e aos seus direitos, mas também abrangem as inquietudes e os descontenta-mentos dos guardas prisionais, dos funcionários e de todas as pessoas que representam e constituem o universo penitenciário.

Neste sentido, o ano de referência deste relatório foi marcado pela concretização do projeto O Provedor de Justiça, as prisões e o século XXI: diário de algumas visitas, no âmbito do qual o próprio Provedor de Justiça visitou os seguintes estabelecimentos penitenciá-rios: Estabelecimento Prisional de Lisboa (19 de janeiro)(236), Estabelecimento Prisional de Tires (4 de fevereiro)(237), Estabelecimento Prisional de Vale de Judeus (23 de feverei-ro)(238), Estabelecimento Prisional de Coimbra (18 de abril)(239), Estabelecimento Prisio-nal de Ponta Delgada (4 de maio)(240), Estabelecimento Prisional de Monsanto (27 de

(236) O relatório desta visita pode ser consultado em http://www.provedor-jus.pt/site/public/archive/doc/Estabe-lecimento_Prisional_de_Lisboa_capeada.pdf.(237) O relatório desta visita pode ser consultado em http://www.provedor-jus.pt/site/public/archive/doc/Estabe-lecimento_Prisional_de_Tires_versao_capeada.pdf.(238) O relatório desta visita pode ser consultado em http://www.provedor-jus.pt/site/public/archive/doc/Rel_Es-tabelecimento_Prisional_Vale_de_Judeus.pdf.(239) O relatório desta visita pode ser consultado em http://www.provedor-jus.pt/site/public/archive/doc/Relato-rio_da_Visita_do_Provedor_de_Justica_ao_Estabelecimento_Prisional_de_Coimbra.pdf.(240) O relatório desta visita pode ser consultado em http://www.provedor-jus.pt/site/public/archive/doc/02_08_2016_Estabelecimento_Prisional_de_Ponta_Delgada.pdf.

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junho)(241), Estabelecimento Prisional do Funchal (19 de junho)(242), Estabelecimento Pri-sional de Leiria para Jovens (16 de setembro)(243), Estabelecimento Prisional de Évora (17 de novembro)(244) e o Estabelecimento Prisional Militar (7 de dezembro)(245).

Das mencionadas visitas, foi elaborado um conjunto de relatórios que, redigidos em jeito de diário, deram a conhecer à comunidade as principais observações e preocupações que, a propósito de cada uma das visitas, o Provedor de Justiça salientou, assim fomen-tando a reflexão conjunta sobre o sistema prisional e os problemas que o assolam.

Assinale-se, do mesmo jeito, que a realidade encontrada nestas visitas — aliada, em parte, a algumas comunicações e queixas recebidas remetidas por ou no interesse de reclu-sos — motivaram a abertura de dois procedimentos de iniciativa do Provedor de Justiça, um sobre a quantidade e a qualidade da alimentação que é fornecida nas prisões portu-guesas e outro relativo às condições de concretização do direito de visita dos reclusos em regime de segurança, por sobre tudo no que respeita às visitas e ao contacto dos filhos.(246)

O projeto O Provedor de Justiça, as prisões e o século XXI: diário de algumas visitas con-tinua em desenvolvimento no ano de 2017.

3.3. Atividades de participação e de divulgação na promoção e na proteção dos direitos humanos

À semelhança do que sucedeu em anos anteriores, a atividade que o Provedor de Justiça desenvolveu, em 2016, na veste de Instituição Nacional de Direitos Humanos espraiou-se para várias iniciativas que, a par da instrução das queixas que lhes chegam, comungaram do desiderato de promover e defender os direitos humanos.(247) Nesse sentido, e para além das ações que se encontram referidas ao longo do presente relatório, importa enunciar

(241) O relatório desta visita pode ser consultado em http://www.provedor-jus.pt/site/public/archive/doc/Relato-rio_Estabelecimento_Prisional_de_Monsanto_.pdf.(242) O relatório desta visita pode ser consultado em http://www.provedor-jus.pt/site/public/archive/doc/Relat_Estabelecimento_Prisional_Funchal.pdf.(243) O relatório desta visita pode ser consultado em http://www.provedor-jus.pt/site/public/archive/doc/Estabe-lecimento_Prisional_Especial_de_Leiria.pdf.(244) O relatório desta visita pode ser consultado em http://www.provedor-jus.pt/site/public/archive/doc/Rel_Es-tabelecimento_Prisional_Evora.pdf.(245) O relatório desta visita pode ser consultado em http://www.provedor-jus.pt/site/public/archive/doc/Rel_visi-ta_Estabelecimento_Prisional_Militar.pdf.(246) Para mais informações, vide pp. ---------.(247) Sublinhe-se que a atividade do Provedor de Justiça se cumpre, também, em outros momentos que cristalizam o cumprimento de uma ética de comprometimento de circunstância, como sejam tomadas de posse e outras sessões sole-nes (v.g., de abertura ou de encerramento de determinados eventos) que se entendeu, pela sua índole, não se indicarem especificamente no presente relatório.

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outras em que este órgão do Estado participou, começando, desde logo, por aqueles que contaram com a presença do próprio Provedor de Justiça:

• No dia 6 de maio, intervenção intitulada «Saúde: uma questão do Provedor de Justiça»(248), proferida na Conferência Justiça em Saúde, organizada pela Secreta-ria Regional da Saúde da Região Autónoma dos Açores e pela Inspeção Regional de Saúde, em Angra do Heroísmo;

• No dia 19 de maio, intervenção intitulada «Discurso proferido na Sessão de Aber-tura do Ciclo de Conferências em Homenagem ao Professor Doutor Jorge Ribeiro de Faria», proferida no Ciclo de Conferências em Homenagem ao Professor Doutor Jorge Ribeiro de Faria, organizado pela Universidade do Porto, no Porto;

• No dia 20 de maio, intervenção intitulada «A defesa dos direitos fundamentais e os comportamentos aditivos: o papel do Provedor de Justiça», proferida no Congresso Nacional de Adictologia – O tempo e as adições: ligando a ciência, a clínica e a polí-tica, em Coimbra;

• No dia 2 de junho, intervenção na sessão de abertura da Conferência A Europa e os Refugiados – Riscos e Oportunidades, promovida pelo Sindicato da Carreira de Investigação e Fiscalização do SEF, no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, em Lisboa;

• No dia 17 de julho, intervenção na sessão de abertura da I Conferência Ibérica de Justiça Restaurativa, promovida pela Associação Confiar, em Cascais. Refira-se, ainda, no decurso de 2016, o Provedor de Justiça participou com alguns escri-

tos para obras ou revistas. Um dos textos elaborados, subordinado ao tema «La Consti-tution portugaise de 1976 et le Provedor de Justiça: 40 ans de chemin commun», integra a obra coletiva dedicada ao 40.º aniversário da Constituição da República Portuguesa, organizada pelo Instituto de Estudos Ibéricos e Ibero-Americanos da Université de Pau et des pays de l’Adour. Um outro versou sobre o papel do poder local eleito na promoção e na defesa dos concidadãos, contributo que serviu, assim, para que o Provedor de Justiça se associasse à evocação dos 40 anos do poder local eleito.

Foram, ainda, escritos dois artigos para publicação em obras coletivas nacionais. O artigo intitulado «O Provedor de Justiça na promoção e na defesa dos direitos dos migrantes» destinou-se a integrar o livro da Cátedra Sérgio Vieira de Mello, subordinado ao tema Imigração, Refugiados e Igualdade dos Povos, organizado pelo Instituto de Direito Brasileiro da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Por sua vez, o artigo inti-tulado «A Justiça e o seu Provedor» teve como propósito a sua integração na obra sobre justiça portuguesa, uma edição do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa.

(248) O texto que serviu de base a esta conferência foi, entretanto, publicado no Cadernos da IReS, n.2 (julho-dezem-bro de 2016), pp. 14-21.

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Apresentam-se, de seguida, as participações e as intervenções dos ProvedoresAdjuntos nos seguintes eventos:

• No dia 17 de fevereiro, participação na Sessão de Abertura do ano da CPLP contra o Trabalho Infantil, organizado pela Assembleia da República, pela Comunidade dos Países de Língua Portuguesa e pela Organização Internacional do Trabalho, na Assem-bleia da República, em Lisboa;

• No dia 23 de fevereiro, participação na apresentação do livro Conferências Come-morativas do 10.º Aniversário do Tribunal Central Administrativo Sul, em Lisboa;

• No dia 25 de fevereiro, intervenção sobre o tema «Evaluation de la législation relative à l’Ombudsman», no âmbito de um projeto de cooperação entre a AOM (Association des Ombudsman de la Méditerranée), com o apoio da Comissão Europeia, através da Comissão de Veneza, com vista à avaliação e à capacitação da instituição Médiateur Administratif da Tunísia, na Tunísia;

• No dia 4 de abril, participação na Sessão de Abertura da Campanha Nacional do Mês da Prevenção dos Maus-Tratos à Infância, organizada pela Câmara Municipal de Lisboa, pela Associação de Mulheres contra a Violência e pela Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens, em Lisboa;

• No dia 15 de abril, participação no Seminário Diplomacia e Grande Guerra: cem anos da entrada de Portugal na Primeira Guerra Mundial, organizado pelo Insti-tuto Diplomático e pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, em Lisboa;

• No dia 26 de abril, participação nas Comemorações dos 40 anos da Constituição da República Portuguesa, promovidas pela Assembleia da República, em Lisboa;

• No dia 3 de maio, participação na cerimónia militar do 105.º aniversário da GNR, organizada pela GNR, na Escola da Guarda, em Queluz;

• No dia 9 de maio, participação na comemoração do Dia da Europa, organizada pela Representação da Comissão Europeia em Portugal, em Lisboa;

• No dia 23 de junho, participação na cerimónia de comemoração dos 100 anos da Lei n.º 621, de 23 de junho de 1916, organizado pela Assembleia da República e pela Associação Nacional de Freguesias, na Assembleia da República, em Lisboa;

• No dia 30 de junho, participação na cerimónia oficial de atribuição do Prémio Norte-Sul do Conselho da Europa 2015, na Assembleia da República, em Lisboa;

• No dia 30 de junho, participação na sessão solene das Comemorações dos 90 Anos da Ordem dos Advogados Portugueses, promovida pela Ordem dos Advogados, em Cascais;

• No dia 7 de setembro, participação na Conferência Que Justiça Queremos?, orga-nizada pela Associação Sindical dos Juízes Portugueses, em Lisboa;

• No dia 10 de setembro, participação na cerimónia comemorativa do 80.º aniver-sário «A Revolta dos Marinheiros de 8 de Setembro de 1936» – Dia Nacional da

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Praça das Forças Armadas, promovida pela Associação de Praças e pelo Clube de Pra-ças da Armada, no Feijó;

• No dia 16 de setembro, participação na sessão solene de abertura do 32.º Curso de Formação de Magistrados para os Tribunais Judiciais e do 4.º Curso de Formação de Juízes dos Tribunais Administrativos e Fiscais, promovida pelo Centro de Estudos Judiciários, em Lisboa;

• No dia 28 de setembro, participação na cerimónia de lançamento da Ficha Seto-rial «Desafios e Oportunidades da Responsabilidade Social nas Sociedades de Advo-gados», organizado pelo GRACE – Grupo de Reflexão e Apoio à Cidadania Empre-sarial, em Lisboa;

• No dia 4 de outubro, participação na cerimónia de inauguração da Exposição Comemorativa do Cinquentenário do Código Civil, em Pampilhosa da Serra;

• No dia 10 de outubro, participação na cerimónia oficial de abertura da XXIV Assembleia Geral Ordinária da Associação Ibero-Americana de Ministérios Públicos, organizada pela Associação Ibero-Americana de Ministérios Públicos, em Lisboa;

• No dia 10 de outubro, participação na Conferência Women in Diplomacy, orga-nizada pela Associação das Mulheres Embaixadoras, no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas e do Instituto Diplomático, em Lisboa;

• No dia 12 de outubro, participação no Seminário Internacional, subordinado ao tema Estatuto Ético-Deontológico dos Procuradores e Fiscales, em Lisboa;

• No dia 20 de outubro, participação na Conferência Funções Soberanas do Estado, organizada pela Associação de Funcionários de Investigação Criminal da Polícia Judi-ciária, pela Associação Sindical dos Diplomatas Portugueses, pela Associação Sindi-cal dos Profissionais de Polícia, pela Associação dos Oficiais das Forças Armadas, pela Associação Nacional de Sargentos, pela Associação de Praças, pelo Sindicato da Car-reira de Investigação e Fiscalização do SEF, pelo Sindicato dos Funcionários Judiciais, pelo Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, pelo Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional, pelo Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos, pelo Sin-dicato dos Trabalhadores dos Registos e Notariado e pela Associação Sócio Profissio-nal da Polícia Marítima, em Lisboa;

• No dia 20 de outubro, participação na cerimónia comemorativa do 71.º aniversá-rio da Polícia Judiciária, em Lisboa;

• No dia 21 de outubro, participação na sessão de abertura da Conferência Interna-cional As nossas prisões: que presente e que futuro?, promovida pela Ordem dos Advo-gados, em Lisboa;

• No dia 3 de novembro, participação na Conferência Audição da Criança em Tribunal e lançamento do livro ilustrado O João vai ao tribunal / O dia que a Mariana não queria, eventos organizados pelo Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados, em Lisboa;

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• No dia 21 de novembro, participação no 27.º aniversário da Convenção sobre os Direitos da Criança – Encontro de Reflexão subordinado ao tema «A Convenção dos Direitos da Criança HOJE», promovido pela Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Criança e Jovens, em Lisboa;

• No dia 24 de novembro, participação na sessão de abertura do Congresso Interna-cional Comemorativo dos 50 Anos do Código Civil, organizado pela Comissão Come-morativa do Cinquentenário do Código Civil, em Coimbra;

• No dia 25 de novembro, participação na apresentação da Plataforma Para a Inclu-são e Reinserção, promovido pelo Vice-Presidente da CONFIAR – Associação de Fra-ternidade Prisional, em Sintra;

• No dia 7 de dezembro, participação na sessão evocativa do 15.º aniversário da publicação das Leis que Reconheceram o Direito ao Associativismo Socioprofissional dos Militares, promovida pelas Associações Profissionais de Militares, em Lisboa;

• No dia 13 de dezembro, participação na cerimónia de abertura solene do ano aca-démico 2016/2017 do Instituto Superior de Ciências Policiais e de Segurança Interna, em Lisboa;

• No dia 13 de dezembro, participação no debate público sobre o tema «Nova Agenda Urbana» – Conclusões da Conferência das Nações Unidas sobre Alojamento e Desenvolvimento Urbano Sustentável, organizado pela Comissão de Ambiente, Ordenamento do Território, Descentralização, Poder Local e Habitação, na Assem-bleia da República, em Lisboa;

• No dia 16 de dezembro, participação na 6.ª reunião plenária, subordinada ao tema «Saúde Mental e Direitos Humanos», da Comissão Nacional para os Direitos Huma-nos, em Lisboa;

• No dia 23 de dezembro, participação na cerimónia comemorativa do Dia Nacio-nal dos Direitos Humanos, na Assembleia da República, em Lisboa.

Elencam-se, doravante, as participações e as intervenções do Gabinete do Provedor de Justiça e da Assessoria nas seguintes iniciativas:

• De 7 de janeiro a 2 de fevereiro, participação no curso à distância Taller virtual sobre Informes Temáticos, organizado pela Universidade de Alcalá, Madrid;

• No dia 21 de janeiro, participação nos Encontros de Direito da Família, evento dedicado ao tema «A criança e a casa: a guarda partilhada dos filhos após a separação dos pais», organizado pelo Centro de Investigação de Direito Privado e pela Confede-ração Nacional das Associações de Família, na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, em Lisboa;

• Nos dias 12 e 16 de fevereiro, participação em encontro da Plataforma sobre Direitos dos Migrantes e Requerentes de Asilo, organizado pela Agência de Direitos

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Fundamentais da União Europeia, tendo em vista a reflexão conjunta sobre aqueles direitos por parte da mencionada Agência, do Conselho da Europa, de Instituições Nacionais de Direitos Humanos e de Ombudsman, em Viena, Áustria;

• No dia 27 de abril, participação em reunião do Comité Consultivo do projeto europeu THEAM – Formação especializada em direitos das crianças – a Convenção em prática, organizada pelo Centro de Estudos para a Intervenção Social (CESIS), em Lisboa;

• No dia 10 de maio, participação em Conferência Direitos Humanos e os Desafios do século XXI: Globalizar Dignidades, organizada pela Fundação Calouste Gulbenkian, pelo Robert F. Kennedy Center for Human Rights e pelas Embaixadas da Áustria e dos Estados Unidos da América, em Lisboa. A iniciativa incluiu a assinatura da Declaração de Lisboa, através da qual várias organizações se comprometeram a defender os Direi-tos Humanos e a dignidade humana;

• No dia 11 de maio, participação na sessão de apresentação final das atividades desenvolvidas pelo Centro Anti Discriminação, no âmbito do mecanismo europeu EEA Grants, programa Cidadania Ativa, em Lisboa;

• No dia 27 de maio, participação na ação de formação sobre O regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais no âmbito da Administração Pública, organizada pelo Centro de Estudos Judiciários, em Lisboa;

• De 30 de maio a 3 de junho, participação na ação de formação National Human Rights Institutions Academy 2016, organizada pela Rede Europeia de Instituições Nacionais de Direitos Humanos (ENNHRI) e pelo Gabinete de Instituições Demo-cráticas e Direitos Humanos da Organização para Segurança e Cooperação na Europa (OSCE/ODIRH), em Tbilisi, Geórgia;

• No dia 18 de junho, participação no Seminário Urban Breakfast, organizado pela Direção-Geral do Território, pelas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto e pelo Secretariado do Habitat III da Organização das Nações Unidas, em Lisboa;

• No dia 20 de setembro, participação em conferência sobre O novo regulamento de proteção de dados, realizada na Assembleia da República, organizada pela Comissão Nacional de Proteção de Dados, em Lisboa;

• No dia 10 de outubro, participação no Seminário (In)tolerância e discriminação – Cidades mais justas e seguras para todos, organizado pela Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) e pela Câmara Municipal de Lisboa, em Lisboa;

• No dia 14 de outubro, intervenção intitulada «O exercício do Provedor como promoção da justiça, coesão e desenvolvimento: considerações a partir da instituição Provedor de Justiça», proferida no âmbito do VI Encontro Nacional de Provedores do Estudante, na Universidade da Beira Interior, na Covilhã;

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• No dia 15 de outubro, participação no XII Congresso Nacional de Deficientes, organizado pela Confederação Nacional dos Organismos de Deficientes, no módulo «Prioridade à Inclusão é a Nossa Direcção», em Lisboa;

• No dia 21 de outubro, intervenção intitulada «O Provedor de Justiça e a reali-dade prisional», proferida na Conferência Internacional As nossas prisões: que presente e que futuro?, promovida pela Ordem dos Advogados, em Lisboa;

• No dia 7 de novembro, participação nos Encontros de Direito Internacional, dedi-cados ao tema «Atualidade e Tendências na Cooperação Judiciária Civil e Comer-cial», organizados pelo Gabinete de Relações Internacionais da Direção-Geral da Política da Justiça, em Lisboa;

• No dia 11 de novembro, participação na Formação Contínua «Migrações», promovida pelo Centro de Estudos Judiciários, que decorreu no Instituto Superior de Ciências da Administração, em Lisboa;

• No dia 21 de novembro, intervenção no encontro de reflexão subordinado ao tema A Convenção dos Direitos da Criança HOJE, promovido pela Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens, em Lisboa;

• Nos dias 24 e 25 de novembro, participação na Conferência Internacional Políti-cas e Práticas na Intervenção em Violência de Género, organizada pela Câmara Munici-pal de Lisboa, Lisboa;

• Nos dias 2 e 3 de dezembro, participação no II Congresso Europeu de Direito do Trabalho, promovido pela Associação de Estudantes da Faculdade de Direito da Uni-versidade de Lisboa, em Lisboa;

• Nos dias 6 e 7 de dezembro, participação em oficina sobre a criação e a implemen-tação de um mecanismo individual de queixas da FRONTEX (Agência Europeia das Fronteiras e da Guarda Costeira), em articulação com os Estados-Membros e os países subscritores do Acordo Schengen, em Bruxelas.

No dia 15 de novembro, o Provedor de Justiça associou-se às comemorações do 40.º aniversário da Constituição da República Portuguesa e promoveu a Conferência O Prove-dor de Justiça e os 40 anos da Constituição. Este evento decorreu no Salão Nobre da Assem-bleia da República e contou com a participação do Presidente da Assembleia da Repú-blica, do Provedor de Justiça e, como orador, do Professor Doutor José Gomes Canotilho que proferiu a conferência «Razões de uma razão e a compaixão dos cidadãos».

No âmbito desta veste, o Provedor de Justiça apresenta-se, reitera-se, como um inter-locutor privilegiado junto de organizações internacionais que desenvolvem a sua ativi-dade na promoção e na defesa dos direitos humanos, elaborando contributos, respostas a questionários e solicitações várias que foram endereçadas a este órgão do Estado com o

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propósito de conhecer e compreender, no todo ou em parte, a cultura de respeito pelos direitos humanos em Portugal.

Cumpre, por isso, mencionar o papel ativo e empenhado do Provedor de Justiça nas avaliações periódicas decorrentes das obrigações internacionalmente assumidas pelo Estado português. Este papel consubstanciou-se, no ano de 2016, na elaboração de dois contributos autónomos, solicitados pelas instituições do sistema internacional de tutela dos direitos humanos: um traduziu-se no contributo para a 15.ª Sessão do Comité das Nações Unidas para os Direitos das Pessoas com Deficiência; e, o outro, relativo aos 15.º e 17.º relatórios de Portugal no âmbito da implementação da Convenção sobre a Elimi-nação de Todas as Formas de Discriminação Racial, para a 91.º sessão do Comité para a Eliminação da Discriminação Racial.

No tocante a outras solicitações, no ano de 2016, o Provedor de Justiça elaborou os seguintes contributos:

• Resposta a questionário da Agência de Direitos Fundamentais da União Europeia sobre a cooperação entre as Instituições Nacionais de Direitos Humanos e os Parla-mentos Nacionais;

• Resposta a questionário para elaboração de um estudo da Aliança Global de Ins-tituições Nacionais de Direitos Humanos (GANHRI) relativa ao reforço e à harmoni-zação da intervenção das partes signatárias dos tratados internacionais com as Institui-ções Nacionais de Direitos Humanos;

• Resposta a questionário do Alto Comissariado das Nações Unidas para os direitos humanos sobre pessoas apátridas;

• Resposta a questionário do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direi-tos Humanos relativo à elaboração de relatório especial sobre os direitos das pessoas com deficiência;

• Resposta a questionário do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direi-tos Humanos como contributo deste órgão do Estado para o relatório da Relatora Especial para o direito a uma habitação condigna;

• Resposta a questionário Aliança Global de Instituições Nacionais de Direitos Humanos (GANHRI) sobre a cooperação entre Instituições Nacionais de Direitos Humanos e os Parlamentos;

• Resposta a questionário do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direi-tos Humanos sobre os direitos laborais em um contexto de ajustamento e consolidação de políticas fiscais;

• Resposta a pedido de informação formulado pelo Comité Europeu para a Preven-ção da Tortura sobre a situação das pessoas privadas da liberdade e questões relativas ao sistema prisional, à intervenção policial e ao papel do Provedor de Justiça enquanto Mecanismo Nacional de Prevenção;

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• Resposta a pedido de informação do Instituto Nacional para a Reabilitação, I.P. sobre a Lei n.º 46/2006, de 28 de agosto, atinente à instrução de queixas neste órgão do Estado relativas a questões de discriminação em razão da deficiência e da existência de risco agravado de saúde;

• Resposta a pedido de informação do Centro de Estudos para a Intervenção Social (CESIS) para elaboração de contributo nacional para o relatório da Agência para os Direitos Fundamentais da União Europeia, subordinado ao tema Short tematic report: National intelligence authorities and surveillance in the EU: Fundamental rights, safe-guards and remedies;

• Resposta a pedido de informação do Instituto Nacional para a Reabilitação, I.P. sobre a existência de queixas neste órgão do Estado relacionadas com o atendimento prioritário;

• Revisão jurídica da tradução portuguesa do Handbook on European law relating to access to justice, ação que contou com os apoios da Agência de Direitos Fundamentais da União Europeia (FRA), do Conselho da Europa e da Secretaria do Tribunal Euro-peu dos Direitos do Homem.

Nos dias 5 a 13 de dezembro, Portugal recebeu a visita da Relatora Especial das Nações Unidas para o direito a uma habitação condigna e do Relator Especial das Nações Unidaspara o direito à água potável e saneamento. No âmbito desta visita, o Provedor de Jus-tiça recebeu em audiência, no dia 6 de dezembro, os dois Relatores Especiais, tendo-lhes prestado informações sobre a atividade deste órgão do Estado, em matéria de promoção e defesa do direito à água potável e saneamento assim como do direito a uma habitação adequada. Nesta reunião foram discutidos o impacto da crise económica e as medidas de austeridade no acesso àqueles direitos.

No dia 20 de dezembro, este órgão do Estado acompanhou a chegada a Portugal de um conjunto de famílias de refugiados provenientes da Grécia, requerentes de proteção internacional, ao abrigo do mecanismo de recolocação de emergência adotado pelos Esta-dos-Membros da União Europeia, por ocasião do seu desembarque no Aeroporto de Lis-boa, organizado pelo SEF e pela Plataforma de Apoio aos Refugiados, em Lisboa. Esta participação permitiu observar os trâmites dos procedimentos inerentes ao acolhimento e à integração dos refugiados.

Estando ciente da necessidade de, a todo o tempo, promover uma cultura forte de res-peito pelos direitos humanos, o Provedor de Justiça publicou, à semelhança do que sucedeu em anos anteriores, breves notas no sítio institucional deste órgão do Estado. Por meio des-tas mensagens, o Provedor de Justiça repudiou, de um jeito veemente, todo e qualquer ato que consubstancie uma ofensa, individual ou coletiva, aos nossos direitos fundamentais. Para além disso, este meio de comunicação constituiu o recurso privilegiado para assinalar

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os seguintes dias que, por todo o mundo, se evocam: Dia Internacional de Comemoração em Memória das Vítimas do Holocausto (27 de janeiro), Dia Internacional da Tolerância Zero à Mutilação Genital Feminina (6 de fevereiro), Dia da Discriminação Zero (1 de março), Dia Internacional da Mulher (8 de março), Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial (21 de março), Dia Internacional para o Direito à Verdade sobre Graves Violações de Direitos Humanos e pela Dignidade das Vítimas (24 de março), Dia Mundial da Saúde (7 de abril), Dia Mundial para a Segurança e Saúde no Trabalho (28 de abril), Dia Mundial da Diversidade Cultural para o Diálogo e o Desenvolvimento (21 de maio), Dia da Criança (1 de junho), Dia Mundial contra o Trabalho Infantil (12 de junho), Dia Mundial de Sensibilização sobre a Prevenção da Violência Contra Idosos (15 de junho), Dia Mundial do Refugiado (20 de junho)(249), Dia Internacional de Apoio às Vítimas de Tortura (26 de junho)(250), Dia Mundial contra o Tráfico de Pessoas (30 de junho), Dia Mundial da Ajuda Humanitária (19 de agosto), Dia Internacional em Memó-ria do Comércio de Escravos e sua Abolição (23 de agosto), Dia Internacional das Vítimas de Desaparecimentos Forçados (30 de agosto), Dia Internacional da Democracia (15 de setembro), Dia Internacional da Paz (21 de setembro), Dia Internacional do Idoso (1 de outubro), Dia Mundial da Saúde Mental (10 de outubro), Dia Internacional para a Erra-dicação da Pobreza (17 de outubro), Dia Universal da Infância (20 de novembro), Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres (25 de novembro), Dia Internacional para a Abolição da Escravatura (2 de dezembro), Dia Internacional da Pes-soa com Deficiência (3 de dezembro), Dia Internacional dos Direitos Humanos (10 de dezembro) e Dia Internacional dos Migrantes (18 de dezembro).

Sublinhe-se, de igual modo, que, no âmbito das comemorações do Dia da Criança, este órgão do Estado promoveu, na sua sede, uma ação de sensibilização sobre os direitos humanos e o Provedor de Justiça, a qual contou com a presença de alunos da Escola Básica e Secundária Josefa de Óbidos de Lisboa. Para além disso, este órgão do Estado organi-zou, com o apoio da Fundação Oriente, um concerto da Orquestra Geração de Vialonga, o qual decorreu, no dia 1 de junho de 2016, no auditório do Museu Oriente, em Lisboa.

As ações de divulgação da atividade do Provedor de Justiça, por sobre tudo como Insti-tuição Nacional de Direitos Humanos, concretizaram-se, outrossim, no desenvolvimento do protocolo celebrado com o Ministério da Educação, através da concretização de uma ação de sensibilização para os direitos humanos junto da comunidade escolar. Este evento correspondeu a uma ação de sensibilização sobre os direitos humanos, a Organização das

(249) Esta data foi igualmente assinalada com a visita do Provedor de Justiça ao Centro de Acolhimento de Refugia-dos, sito na Bobadela, em iniciativa promovida pelo Centro Português para os Refugiados.(250) A mensagem alusiva a esta data foi disponibilizada não só em texto, mas também através de um pequeno vídeo.

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Nações Unidas e o Provedor de Justiça, a qual teve lugar junto da população escolar da Escola Secundária da Amora, no dia 13 de dezembro.

No desenvolvimento do protocolo de cooperação que foi estabelecido entre o Prove-dor de Justiça e o (então) Alto Comissariado para a Imigração e o Diálogo Intercultural, I.P. (atual Alto Comissariado para as Migrações, I.P.), no dia 29 de abril, dois colabora-dores deste órgão do Estado levaram a cabo a realização de um workshop subordinado ao tema «Atividade do Provedor de Justiça na promoção e defesa dos direitos dos cidadãos estrangeiros». Este evento teve lugar no Centro Nacional de Apoio ao Imigrante e Migra-ções, sito em Lisboa, e consistiu em uma ação de índole formativa dirigida a colaboradores do Alto Comissariado para as Migrações, I.P., de organizações da sociedade civil e das autarquias.

Mencione-se, de igual jeito, que, no decurso de 2016, o Provedor de Justiça, em articu-lação com o Alto Comissariado para as Migrações, I.P., procedeu à conceção de materiais informativos sobre a atuação deste órgão do Estado na promoção e na defesa dos direitos dos migrantes. Estes volantini serão objeto de divulgação, no presente ano, em cinco lín-gua estrangeiras (francês, inglês, mandarim, romeno e russo), para além da língua portu-guesa, com vista a alcançar um maior universo dos seus destinatários.

O Provedor de Justiça, na qualidade de observador convidado, esteve representado nas reuniões da Comissão Nacional de Direitos Humanos e nas dos seus grupos de trabalho.

Este órgão do Estado, representado pelo Provedor-Adjunto designado para o efeito, participou também nas reuniões do Conselho Nacional da Comissão Nacional de Pro-moção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens, que tiveram lugar em Lisboa, nos dias 31 de março, 3 de maio e de 21 de junho.

Na sequência da ratificação, pelo Estado português, da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, firmada no seio da Organização das Nações Unidas, foi criado o Mecanismo Nacional de Monotorização da Implementação da referida Conven-ção. Nesse sentido, por meio da Resolução do Conselho de Ministros n.º 68/2014, de 13 de novembro(251), Portugal criou o seu Mecanismo, o qual é composto, entre outros, por um representante do Provedor de Justiça. No dia 6 de dezembro, em Lisboa, realizou-se a primeira reunião deste Mecanismo.

(251) Publicada no Diário da República n.º 226, 1.ª série, de 21 de novembro de 2014.

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4. Relações internacionais

> Congresso Anual e XXI Assembleia Geral da Federação Ibero-Americana de Ombudsman

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4. Relações Internacionais

4.1. Dizeres prévios

A universalidade que caracteriza os direitos humanos reflete-se na constante e intensa consolidação de uma teia de relações internacionais entre os diversos atores comunitários que têm como missão a promoção e a defesa daqueles direitos. Por esta razão, e tendo em conta que o Provedor de Justiça assumiu, desde a sua génese, uma dimensão de Ombuds-man de direitos humanos — dimensão que é paulatinamente reforçada com a atribuição a este órgão do Estado de outras competências, como seja a de Instituição Nacional de Direitos Humanos —, o desenvolvimento da sua atividade espraia-se para o plano inter-nacional, o que se manifesta, desde logo, com a sua pertença em um amplo conjunto de organizações internacionais, de âmbito universal ou regional, que comungam do deside-rato de fomentar uma cultura de respeito pelos direitos humanos.

4.2. A atividade internacional do Provedor de Justiça

A concretização da missão do Provedor de Justiça no patamar internacional consubs-tancia-se na colaboração com diversas instituições ou organizações. De entre estas, cum-pre enfatizar que o Provedor de Justiça colabora com o Alto Comissário para os Direitos Humanos e com o Conselho de Direitos Humanos, organismos que foram concebidos sob a égide das Nações Unidas e que estão mandatados para, junto das instituições nacionais de direitos humanos de cada país, solicitarem os elementos necessários ao conhecimento e à análise da situação de direitos humanos de cada comunidade (seja esta entendida como um país, uma região ou, até, globalmente). Este órgão do Estado é, também, membro da Aliança Global de Instituições Nacionais de Direitos Humanos (atual denominação do Comité Internacional de Coordenação de Instituições Nacionais para a Promoção e Proteção dos Direitos Humanos), organização responsável pela acreditação e pela reacre-ditação das Instituições Nacionais de Direitos Humanos e seus estatutos de conformidade — total ou parcial — com os Princípios de Paris.

Este órgão do Estado faz, de igual modo, parte da Rede Europeia de Instituições Nacio-nais de Direitos Humanos que, sob o mandato da mencionada Aliança Global, acompa-nha, de um jeito próximo, a atividade das instituições nacionais de direitos humanos da Europa, prestando-lhes formação e outros apoios diversos.

Ainda no tocante ao continente europeu, merecem destaque as relações de colaboração do Provedor de Justiça com os vários mecanismos que se encontram sob a influência do

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Conselho da Europa, a Rede Europeia de Provedores de Justiça e a Agência para os Direi-tos Fundamentais da União Europeia.

No âmbito da lusofonia, saliente-se o trabalho desenvolvido por este órgão do Estado na dinamização da Rede de Provedores de Justiça, de Comissões Nacionais de Direitos Humanos e demais Instituições de Direitos Humanos da Comunidade de Países de Lín-gua Portuguesa.

Refira-se, outrossim, o contínuo reforço da cooperação bilateral com diversos países, densificado pelas ações de cariz formativo junto de colaboradores de instituições congéne-res e de outros servidores do Estado de outros países da lusofonia e da Europa, assim como pelo desenvolvimento de projetos twinning e taiex com outras organizações estrangeiras.

É, ainda, objeto de relevo a assunção, pelo Provedor de Justiça, da presidência da Fede-ração Ibero-Americana de Ombudsman, o que ocorreu no dia 10 de março de 2016. Este facto e o labor que foi concretizado no seio da referida Federação e das suas Redes Temá-ticas justificam que, no presente relatório, se autonomizem as iniciativas que contaram com a participação, a intervenção e a organização deste órgão do Estado nesta qualidade.

Para além do exposto, e como mencionado em outra sede, este órgão do Estado elabora contributos autónomos e específicos, assim como presta as informações que lhe sejam requeridas por organizações internacionais ou por instituições homólogas.

Participação em projetos de cooperação twinning e taiex

Uma outra dimensão em que se materializa a atividade internacional do Provedor de Justiça, e que assume particular importância, é a de participação em iniciativas de coope-ração institucional no âmbito de projetos twinning e taiex.

No ano de 2016, o Provedor de Justiça prosseguiu a sua participação no Twinning Project Support to Establishment of Ombudsman Institution in Turkey, iniciada no último trimestre do ano anterior. Das várias atividades desenvolvidas, sublinha-se a deslocação do Provedor de Justiça a Ancara, na Turquia, entre os dias 8 a 11 de fevereiro, onde proferiu a conferência intitulada «The Portuguese Ombudsman: from the inception to the presente and towards the future. Overview of its mission and responsabilities». Este evento contou ainda com a participação do Provedor-Adjunto que realizou uma intervenção intitulada «A Convenção de Istambul».

Sublinha-se, de igual jeito, a participação de colaboradores do Provedor de Justiça, em Ancara, nas seguintes atividades de desenvolvimento do mencionado projeto:

• Nos dias 11 a 16 de janeiro, participação em workshops sobre as temáticas dos refugiados, dos migrantes, dos requerentes de asilo e minorias;

• Nos dias 26 a 29 de janeiro, participação no workshop subordinado ao tema do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, com o objectivo de habilitar a entidade beneficiária com informação teórico-prática sobre os termos adotados pelo referido

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Tribunal na interpretação e aplicação da Convenção Europeia dos Direitos do Homem sobre a execução das respetivas decisões e sobre as intervenções de Instituições Nacio-nais de Direitos Humanos junto daquele;

• Nos dias 25 a 30 de janeiro, participação no módulo de debate «Interpretação e aplicação da Convenção Europeia dos Direitos do Homem: Princípios Fundamentais»;

• Nos dias 8 a 13 de fevereiro, participação em seminários de apoio ao fortaleci-mento do Ombudman turco sobre Direitos das Mulheres. Participação nos painéis «Meios de atuação do Ombudsman», «A Convenção de Eliminação de todas as for-mas de Discriminação contra as Mulheres», «Discriminação positiva e igualdade de géneros», «Violência contra as mulheres», «Mobbing», «Grupos vulneráveis» e «Tráfico de mulheres»;

• Nos dias 1 a 5 de março, participação em seminário sobre a atuação do Provedor de Justiça de Portugal e o Defensor del Pueblo de Espanha na área da saúde.Também no âmbito da cooperação internacional com a Turquia, este órgão do Estado

recebeu, no dia 24 de fevereiro, uma delegação da Turkish General Directorate of Migra-tion Management, no âmbito do projeto «Taiex Study Visit on Child Migration Policy for Turkey», organizado pela Comissão Europeia.

No tocante à cooperação com o Azerbaijão, referira-se a participação de uma colabo-radora deste órgão do Estado, nos dias 13 e 14 de junho, no módulo «Expert Mission on Taxpayers’ Rights», no âmbito do programa TAIEX, em Baku, no Azerbaijão. O objetivo deste programa foi o de proporcionar ao Ministério das Finanças do Azerbaijão informa-ção detalhada sobre o estabelecimento e o funcionamento de uma instituição que pro-mova a defesa dos direitos dos contribuintes.

De igual jeito, assinala-se a participação de colaboradores do Provedor de Justiça no projeto twinning «Support to the strenghtening of the Commissioner for Human Rights (Ombudsman) of the Republic of Azerbaijan», organizado pela Comissão Europeia, o Ministério dos Negócios Estrangeiros português e o Defensor dos Direitos Humanos da Polónia. Esta participação traduziu-se na concretização das seguintes iniciativas que decorreram em Baku, no Azerbaijão:

• Nos dias 13 a 26 de novembro, participação subordinada à temática da aplicação do Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e outras formas de Tratamento Cruéis, Desumanas ou Degradantes, com vista a providenciar uma interação efetiva e eficaz entre as instituições centrais, as organizações internacionais, os países estrangei-ros e a sociedade civil;

• Nos dias 21 a 25 de novembro, participação subordinada à temática da saúde em contexto penitenciário;

• Nos dias 29 de outubro a 12 de novembro, participação subordinada aos direitos das pessoas idosas e com deficiência.

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Ainda neste âmbito, menciona-se a participação no projeto taiex, que decorreu em Erevan, na Arménia, entre os dias 12 a 15 de dezembro, com o objetivo de apoiar o serviço estadual de migrações, especialmente no tocante à missão em curso de elaboração de um plano nacional de ação sobre migração.

Iniciativas de cooperação bilateral

A atuação internacional do Provedor de Justiça consubstancia-se, também, no esta-belecimento e no reforço das relações com instituições homólogas e congéneres, com as quais comunga a missão de promover e de defender os direitos humanos.

O Provedor de Justiça participou em um projeto sobre o Funcionamento e Estratégia de Comunicação e Expansão da Provedoria de Justiça da República de Angola, promovido pelo Provedor de Justiça de Angola e pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvol-vimento, o qual teve os seguintes objetivos principais: i) transmitir aos serviços de apoio do Provedor de Justiça de Angola critérios técnicos e experiências positivas no domínio da promoção institucional e da comunicação; ii) promover a relação entre as instituições da sociedade civil e as instituições do Estado, mediante a realização de um seminário para a partilha de conhecimentos e de experiências.

A primeira iniciativa, desenvolvida no âmbito deste projeto, contou com a participa-ção de uma representante deste órgão do Estado que, entre os dias 19 e 30 de setembro, integrou o grupo de trabalho, composto por elementos do Provedor de Justiça de Angola e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Este grupo realizou diversas reuniões com os serviços centrais, bem como com as autoridades provinciais e os represen-tantes locais do Provedor de Justiça de Angola nas Províncias do Cunene, de Cabinda e do Huambo. Nestas duas últimas províncias decorreram, ainda, sessões de esclarecimento junto da sociedade civil.

Esta atividade culminou com a realização, em Luanda, nos dias 29 e 30 de setembro, de um workshop subordinado ao tema Transversalidade da Função do Provedor de Justiça ver-sus Pragmatismo – O Poder Decisório. Este encontro juntou altos representantes de diver-sas regiões e sub-regiões transnacionais, assinalando-se, no âmbito da Comunidade de Países de Língua Portuguesa, as presenças do Provedor de Justiça de Angola, do Provedor de Justiça de Cabo Verde e do Provedor de Justiça de Portugal, tendo, este último, pro-ferido a comunicação «O Provedor de Justiça de Portugal: missão, poderes e desafios». O referido evento contou, ainda com a participação, do Provedor de Justiça da Namíbia e Presidente do Instituto Internacional de Ombudsman e o Provedor de Justiça do Quénia.

Em prosseguimento da cooperação entre o Provedor de Justiça de Portugal e o Pro-vedor de Justiça de Cabo Verde, este órgão do Estado recebeu, nos dias 7 de junho, e nos dias compreendidos entre 11 e 14 de julho, uma delegação do Provedor de Justiça de Cabo Verde, tendo em vista a prestação de informação sobre o sistema de promoção e de

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proteção dos direitos humanos, sobre a colaboração com as Nações Unidas e o procedi-mento de acreditação internacional da instituição.

À semelhança do que tem acontecido em anos anteriores, este órgão do Estado recebeu, entre os dias 22 a 25 de novembro, uma delegação do gabinete do Provedor de Justiça de Moçambique, no âmbito da cooperação entre as duas instituições, a qual pôde in loco conhecer as boas práticas e a atividade desenvolvida pelo Provedor de Justiça na promoção e na defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos.

No dia 14 de junho, o Provedor de Justiça recebeu uma delegação de autoridades do Governo e municipais, e peritos da sociedade civil da Ucrânia, no âmbito de um projeto – Project Coordinator in Ukraine –,com o apoio da Organização para a Segurança e Coo-peração na Europa (OSCE), o qual tem por finalidade o melhoramento do sistema de ser-viços sociais pelas organizações da sociedade civil, com financiamento público ucraniano baseado nas experiências internacionais.

Outras iniciativas de cooperação

Refira-se que, para além da cooperação estabelecida com instituições homólogas ou congéneres, o Provedor de Justiça desenvolve, de igual modo, junto de outras entidades ações de formação ou de troca de experiências e de conhecimentos. Como exemplo das primeiramente referidas, assinala-se a participação em uma ação de formação, promovida pelo INA – Direção-Geral da Qualificação dos Trabalhadores em Funções Públicas, na qual participou uma delegação de juízes dos Tribunais Administrativos de Moçambique.

No dia 7 de outubro, o Provedor de Justiça recebeu uma delegação de magistrados do Centro de Formação Jurídica e Judiciária de Macau. Esta visita, inserida no âmbito do 5.º curso de formação deste Centro, teve por objetivo conhecer a missão, o mandato e as competências atribuídas à atuação deste órgão do Estado.

No dia 19 de outubro este órgão do Estado recebeu, a pedido do Grupo de Reflexão e Apoio à Cidadania Empresarial – GRACE, uma jovem licenciada pela Direito Universi-dade Católica de Moçambique que, ao abrigo do programa desenvolvido em Moçambique pela Academia Girls Move, pôde durante um dia acompanhar os trabalhos desenvolvidos por este órgão do Estado, bem como perceber o seu funcionamento.

No dia 24 de outubro, o Provedor de Justiça recebeu, uma delegação da República Popular da China, chefiada pela Chief Inspector of the Inspector’s Office of the Central Com-mission for Discipline Inspection of the Communist Party of China at Central Foreign Affairs Office. Este encontro permitiu a apresentação das instituições, a troca de saberes e de expe-riências relativos ao âmbito de intervenção da figura do Ombudsman e o seu desenvolvi-mento face aos desafios que hoje a comunidade globalmente considerada lhes coloca.

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Sublinha-se, por fim, que o Provedor de Justiça recebeu, em audiência, o Procurador Federal dos Direitos dos Cidadãos do Brasil e o Provedor de Justiça de Moçambique, respetivamente nos dias 13 de janeiro e 18 de novembro.

4.3. O Provedor de Justiça na qualidade de Presidente da Federação Ibero-Americana de Ombudsman

A Federação Ibero-Americana de Ombudsman (FIO) reúne 104 Instituições Ombud-sman e de Defesa dos Direitos Humanos de 20 países do espaço geográfico ibero-ameri-cano, que, desde 1995, se dedicam à proteção e à promoção dos Direitos Humanos.

O Provedor de Justiça assumiu, em 10 de março de 2016, a Presidência da Federação Ibero-Americana de Ombudsman, instituição da qual era já vice-presidente pela Região Europa, na sequência da renúncia do anterior Presidente, eleito na XX Assembleia Geral da FIO, de novembro de 2015, que decorreu na cidade de Montevideu, no Uruguai. Na mesma ocasião, mediante proposta do Provedor de Justiça de Portugal, aprovada pelo Conselho Reitor da FIO, foi designado como secretário técnico da FIO, o Provedor- -Adjunto Jorge Miranda Jacob.

Na referida reunião do Conselho Reitor da FIO, que decorreu em 10 de março de 2016, na cidade de Lisboa, foi aprovado o Plano Estratégico Institucional da FIO para o quadriénio 2016-2020, no qual se definiram os seguintes objetivos estratégicos: posi-cionar a FIO como instituição de referência na defesa, promoção e proteção dos Direitos Humanos no espaço geográfico ibero-americano; melhorar os processos de comunicação interna e externa da Federação; assegurar o princípio da igualdade de género na FIO; apoiar e fortalecer o modelo de trabalho assente em redes temáticas; fortalecer o relacio-namento entre as instituições que constituem a FIO e melhorar a sua capacidade de ação; e desenvolver uma estrutura técnica permanente.

No decurso da atividade corrente da FIO e com vista ao seu fortalecimento institu-cional, verificada a desadequação dos seus Estatutos face à atual dimensão e atividade da Federação, foram dados os passos necessários para a reforma destes, que correspondiam ainda, no essencial, ao texto aprovado em 1995, ano da sua fundação, com ulteriores reti-ficações de pormenor. Para o efeito, foram efetuadas consultas aos membros da FIO, ela-borado um primeiro estudo de atualização e foi constituída uma comissão incumbida de apresentar uma proposta de reforma estatutária à Assembleia Geral da FIO.

A FIO elabora anualmente um relatório temático relativo a questões de direitos huma-nos. O primeiro relatório elaborado e publicado sob a presidência portuguesa ateve-se ao tema da pobreza, opção ditada pela atualidade e visibilidade do tema, que constitui, aliás, o tema essencial da Agenda 2030 das Nações Unidas, cujo objetivo N.º 1 consiste preci-samente em pôr fim à pobreza em todas as suas formas e em todo o mundo e, até 2030,

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erradicar a pobreza extrema. Este relatório, que contou com a participação de 19 das 20 Instituições Nacionais da FIO, foi publicamente apresentado no seu Congresso Anual, subordinado ao tema Pobreza, Dignidad y Derechos Humanos, que decorreu, no dia 23 de novembro, em Santa Cruz de Tenerife, nas Canárias. Neste mesmo lugar realizou-se, no dia 24 de novembro, a XXI Assembleia Geral ordinária da FIO, onde foram discutidos diversos assuntos de relevância para a atividade desenvolvida na promoção e na defesa dos direitos humanos no espaço ibero-americano.

Simultaneamente, dando seguimento a um plano de acompanhamento dos principais temas de violação de direitos humanos e sem perder de vista a necessidade de conferir maior visibilidade à Federação no espaço geográfico europeu, a FIO associou-se à orga-nização de uma conferência internacional, sobre fluxos migratórios, intitulada Les défis des instituitions d’Ombudsman liés aux flux migratoires – que decorreu, nos dias 7 e 8 de setembro, em Tirana, na Albânia –, em parceria com a Associação de Ombudsman do Mediterrâneo (AOM), a Associação dos Ombudsman e Mediadores da Francofonia (AOMF) e o International Ombudsman Institute (IOI), que culminou com a aprovação da Declaração de Tirana, tendo ainda sido negociado um memorandum de entendimento entre as várias instituições participantes, que se encontra em fase de finalização. O Prove-dor de Justiça interveio nas sessões de abertura e de encerramento e proferiu uma comuni-cação em que apresentou as conclusões daquela conferência internacional.

No âmbito do fortalecimento institucional da FIO, sublinha-se também a partici-pação do Provedor de Justiça, enquanto Presidente daquela Federação, na Conferência Internacional, subordinada ao tema Human Rights Challenges Now: The Ombudsman facing treats, que decorreu em Barcelona nos dias 26 e 27 de abril. Neste evento, o Pro-vedor de Justiça proferiu duas comunicações: a primeira na sessão subordinada ao tema «The freedom-security dilema», intitulada «The freedom-security dilema: contributions for a human rights based approach» e a segunda na sessão de encerramento. Em esta ocasião foi assinado um memorandum de entendimento entre a FIO e o International Ombuds-man Institute (IOI), visando fortificar as duas instituições, incrementando o intercâmbio de informação relevante e o desenvolvimento de atividades conjuntas.

Ainda na sequência da política de alianças que vem sendo desenvolvida pela FIO, foi acordada a prorrogação do Convénio existente com a Corte Interamericana de Derechos Humanos até 2020, tendo também sido assinado um documento de trabalho que tem por objetivo desenvolver uma efetiva implementação dos termos do Convénio.

Porém, o aspeto porventura mais relevante desta política de alianças estratégicas é o que se evidencia na recente investigação desenvolvida em parceria com o Instituto Aus-chwitz em matéria de justiça transicional, tendo em vista a preservação da memória e a indemnização às vítimas em países afetados por complexos períodos de instabilidade e violência. A referida investigação teve por base as experiências vivenciadas pelo Brasil,

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pela Colômbia, pelo Equador e pela Guatemala e que deu origem a um estudo intitulado «El Rol del Ombudsman en los Procesos de Justicia Transicional».

Um outro ponto que muito contribuiu para a visibilidade internacional da FIO no ano de 2016 consistiu na participação no processo HABITAT, evento que decorreu sob a égide das Nações Unidas. Destacam-se, neste âmbito, as seguintes iniciativas: i) a partici-pação no evento regional para a América Latina e o Caribe, em abril de 2016, em Toluca, no México, através da realização de uma mesa aberta, onde o Provedor de Justiça e Presi-dente da FIO se fez representar pelo secretário técnico; ii) a participação do Provedor de Justiça no HABITAT Mundial, em Quito, no Equador, no mês de outubro, assegurando a intervenção de abertura da mesa aberta promovida pela plataforma liderada pela FIO, cumpre realçar que esta presença foi a única assegurada neste evento por instituições do universo da promoção e defesa dos direitos humanos.

A Federação Ibero-Americana de Ombudsman desenvolveu, no atual mandato, os pri-meiros passos para o acompanhamento e apoio às instituições que integram a Federação e que desempenham competências no domínio da prevenção da tortura, nomeadamente, as que são também Mecanismo Nacional de Prevenção da Tortura. Em Junho de 2016, a FIO apoiou a realização, em Zacatecas, no México, sob os auspícios da Comissão Nacio-nal de Direitos Humanos do México, do Primeiro Encontro Internacional de Mecanismos Nacionais de Prevenção da Tortura. No âmbito desta iniciativa, o secretário técnico pro-feriu uma intervenção subordinada ao tema «Actuación de las INDH como Mecanismos Nacionales de Prevención de la Tortura».

Esta nova linha de trabalho, inserida no horizonte traçado no Plano Estratégico da FIO, levou ao desenvolvimento de contactos institucionais com a APT – Associação para a Prevenção da Tortura, estando em preparação um memorando que visa institucionalizar a gestão de iniciativas conjuntas.

No âmbito da cooperação interinstitucional foram, ainda, desenvolvidas diversas ini-ciativas versando a agilização das chamadas Boas Práticas, com especial relevo para as ini-ciativas respeitantes à consulta prévia dos povos indígenas e à gestão de conflitos sociais.

Sublinha-se, ainda, que parte muito significativa da atividade corrente da Federação desenvolve-se através das respetivas redes temáticas, segundo planos de atividade previa-mente aprovados pelo Conselho Reitor. A FIO conta atualmente com quatro redes temá-ticas: Red de Niñez y Adolescencia, Red de Defensorías de Mujeres; Red sobre Migrantes y Trata de Personas e Red de Comunicadores de la FIO (ComFIO).

Em 2016 a Red de Niñez y Adolescencia participou em diversos eventos em articulação com outras instituições, nomeadamente, com a UNICEF, sendo de destacar a partici-pação em investigações temáticas centradas em comportamentos desviantes e em migra-ção infantil não acompanhada na América Central. Assinala-se, também, a participação do representante do Provedor de Justiça na mencionada rede temática no seminário, que decorreu de 26 a 28 de setembro, em Lima, no Perú, subordinado ao tema Los Derechos

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de los Niños, Niñas y Jóvenes – Métodos y Orientaciones para su Aplicación en la Prática, promovido pela Rede da Infância e da Adolescência da FIO, com o apoio da GIZ – Deu-tsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit, da UNICEF, da União Europeia e do Instituto Alemão de Direitos Humanos, em Lima.

A Red de Defensorías de Mujeres de la FIO promoveu, em 1 e 2 de junho, o Congresso «Violencia Obstétrica en Iberoamérica: desafíos de los derechos sexuales y reproductivos», realizado em São José, na Costa Rica. Este evento contou com a presença do secretário téc-nico que proferiu uma breve alocução sobre o tema. Assinale-se ainda o desenvolvimento, pela mencionada rede temática, de uma investigação sobre direitos sexuais e reprodutivos.

A Red sobre Migrantes y Trata de Personas realizou o diagnóstico relativo ao tráfico de pessoas na região andina, o que permitiu o desenvolvimento de estratégias conjuntas de diversos membros da FIO, tendo também elaborado um conjunto de indicadores que per-mitirão, após a sua implementação, construir mecanismos de acompanhamento e levar a cabo ações concertadas entre instituições. Para além disso, deram-se os passos necessários para a preparação da segunda cimeira sobre migração, que se realizará no México, em maio de 2017.

Assinala-se, de igual jeito, que, no âmbito da reunião anual da rede que decorreu no dia 22 de novembro, em Santa Cruz de Tenerife, a representante do Provedor de Justiça na Red sobre Migrantes e Trata de Personas foi designada como coordenadora para a Região Europa, circunstância que ocorre pela primeira vez desde a sua criação.

A Red de comunicadores da FIO, por seu turno, procedeu à difusão dos eventos desen-volvidos pela FIO.

Nos dias 1 e 2 de dezembro, este órgão do Estado participou no seminário «Práti-cas Institucionais em situações de conflitos sociais», organizado pela GIZ, pela FIO e pela Defensoria del Pueblo de Bolivia, em La Paz, através da apresentação dos módulos «Papel das Instituições nos Processos de Conflito – conciliar mediador, observador e garante», «Definição de conflitos, tipologia e classificação» e «Instrumentos de Gestão de Conflitos».

Menciona-se a colaboração deste órgão de Estado na elaboração de resposta ao questio-nário da FIO sobre o papel das instituições de direitos humanos na Nova Agenda Urbana Habitat III.

Cabe realçar, por fim, o empenhamento do Provedor de Justiça enquanto Presidente da FIO em iniciativas fundamentais para o futuro da Federação, tais como a sua sustenta-bilidade técnica e financeira, consubstanciadas na procura de novas alianças estratégicas e no alargamento da sua atividade a novos domínios de intervenção, em um esforço de permanente acompanhamento dos temas tratados no plano nacional, em cada país mem-bro da FIO, como também no patamar internacional, garantindo assim uma permanente visibilidade da Federação nos principais fóruns de direitos humanos.

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5. Gestão de recursos

> Pormenor da fachada do edifício do órgão do Estado Provedor de Justiça

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5. Gestão de recursos

5.1. Gestão administrativa e financeira

Em linha de continuidade com os anos anteriores, no ano de 2016 manteve-se o obje-tivo de, no tocante à gestão de recursos disponíveis, melhorar a qualidade do serviço pres-tado ao cidadão e o tempo de resposta às solicitações que são dirigidas a este órgão do Estado.

5.1.1. Recursos financeiros

O orçamento da Provedoria de Justiça foi, no ano de 2016, sujeito a um ligeiro aumento decorrente da gradual reposição salarial verificada no mesmo período.

Quadro 26

Orçamento de 2016Despesas correntes € 5 149 880,00Despesas de investimento € 120 000,00 Total € 5 269 880,00

5.1.2. Despesas de investimento

À semelhança do que sucedeu em anos anteriores, no ano de 2016 foi dada especial atenção à manutenção do edifício, com a realização das obras necessárias à conservação das instalações deste órgão do Estado de forma a melhorar o aproveitamento do espaço. Para além disso, no ano em análise, tornou-se necessário proceder a ajustes e aprimora-mentos no novo sistema procedimental em funcionamento desde abril de 2015.

5.1.3. Recursos humanos

Os recursos humanos representam um dos pilares estruturantes ao bom e contínuo funcionamento de toda e qualquer organização. Nesse sentido, o Provedor de Justiça continuou a privilegiar os conhecimentos e as competências dos seus colaboradores, promovendo a sua formação contínua e específica.

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Quadro 27

Pessoal em funções (31 de dezembro de 2016)

Gabinete do Provedor de Justiça e Provedores-Adjuntos 13*Assessoria 46Apoio técnico e administrativo 43Linhas da Criança, do Cidadão Idoso e da Pessoa com Deficiência 2

* Um dos elementos do Gabinete exerce funções especializadas no âmbito do N-CID.

No tocante ao género, assinale-se que a maioria dos trabalhadores e colaboradores que exercem funções neste órgão do Estado é do género feminino, como resulta do quadro seguinte.

Quadro 28

Género

Género masculino 25Género feminino 79

Refira-se que, relativamente à faixa etária, a mais representativa continua a ser, à seme-lhança do ano anterior, a compreendida entre os 45 e os 49 anos de idade, como se observa no quadro infra.

Quadro 29

Faixa etária25-29 30-34 35-39 40-44 45-49 50-54 55-59 +60

1 5 17 14 33 16 11 7

Mencione-se, também, que o grau académico preponderante é o da licenciatura em Direito, atentas as atribuições deste órgão do Estado, definidas no artigo 1.º do EPJ.

Uma última nota para salientar que, nos termos do disposto no artigo 28.º da Lei Orgânica da Provedoria de Justiça, a relação de emprego predominante é a de comissão de serviço.

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5.2. Relações públicas

Em 2016 continuou a ser prestado um atendimento personalizado quer presencial, quer telefónico, visando:

• Aproximar o cidadão do Provedor de Justiça;• Informar o cidadão sobre o direito de queixa ao Provedor de Justiça;• Dar uma resposta célere aos pedidos de informação sobre procedimentos em instrução;• Informar o cidadão sobre os diversos direitos que lhe assistem e, sempre que necessário,

proceder ao devido encaminhamento para as competentes entidades.

5.2.1. Atendimento presencial

A atividade desenvolvida pela Divisão de Informação e Relações Públicas consiste, essencialmente, no atendimento presencial e no atendimento telefónico aos cidadãos.

Em 2016, foram realizados 629 atendimentos presenciais, sendo que destes, 278 consubstanciaram-se na apresentação de queixa, 279 na prestação de informações sobre procedimentos em instrução e os restantes 72 na prestação de outras informações. Não obstante a crescente e primordial utilização de meios eletrónicos para contactar o Provedor de Justiça, sublinhe-se o facto de ainda ser significativo o número de atendimen-tos presenciais dos cidadãos que se deslocam à sede deste órgão do Estado.

Quadro 30

Atendimento presencial (relações públicas) – variação 2015-2016

AnoAtendimento presencial

Informação sobre procedimentos

Outras informações

Queixas novas Total

2015 336 113 401 8502016 279 72 278 629

Variação (%) -16,96% -36,28% -30,67% -26%

No ano de 2016, registaram-se 5195 atendimentos telefónicos, os quais foram feitos, respetivamente, através do número geral (4488) e do número da Linha Azul (707).

5.2.2. Atendimento telefónico

Como resulta do quadro infra, os 4488 atendimentos telefónicos relativos ao número geral, repartiram-se do seguinte modo: 3739 resultaram na prestação de informação sobre procedimentos em instrução, 722 na prestação de outras informações e os restantes

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27 na apresentação de queixa. Com exceção da apresentação de queixa ao Provedor de Justiça, através do contacto telefónico – que registou um aumento de 22,72%, os pedidos de informações sobre procedimentos ou outras informações sofreram um ligeiro decrés-cimo, o qual pode encontrar explicação no número de procedimentos abertos.

Quadro 31

Atendimento telefónico (número geral) – variação 2015-2016

AnoAtendimento telefónico (número geral)

Informação sobre procedimentos

Outras informações

Queixas novas Total

2015 4266 868 22 51562016 3739 722 27 4488

Variação (%) -12,35% -16,82% 22,72% -12,95%

No quadro que se segue observa-se a tendência inversa, isto é, o atendimento realizado através da Linha Azul sofreu um aumento global de 28,77%, que se reparte por diferentes percentagens consoante a finalidade do atendimento. Note-se, porém, que, se em termos percentuais o atendimento com vista à obtenção de informação sobre procedimentos em instrução ter superado os 60%, em termos absolutos foi no atendimento através do qual foram prestadas outras informações que se verificou um maior acréscimo (+84). Registe--se, por outro lado, que o atendimento para apresentação de queixa superou o dobro do valor verificado no ano anterior (de 4 para 9).

Quadro 32

Atendimento telefónico (Linha Azul) – variação 2015-2016

AnoAtendimento telefónico (Linha Azul)

Informação sobre procedimentos

Outras informações

Queixas novas Total

2015 114 431 4 5492016 183 515 9 707

Variação (%) 60,52% 19,48% 125% 28,77%

O quadro infra apresenta uma leitura conjugada dos dados relativos ao atendimento dos cidadãos que, por telefone ou presencialmente, se dirigiram a este órgão do Estado. Recorde-se, todavia, que a par do atendimento realizado pela Divisão de Informação e

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Acessos mensais ao sítio eletrónico do Provedor de Justiça

0

jane

iro

feve

reiro

mar

ço

abril

mai

o

junh

o

julh

o

agos

to

sete

mbr

o

outu

bro

nove

mbr

o

deze

mbr

o

11 593 11 782 11 625 13 569

28 528

21 78318 061 20 478

22 605

25 454 26 658

21 175

5

15

10

20

25

30

Relações Públicas, o Provedor de Justiça tem ainda ao serviço dos cidadãos as três linhas telefónicas especializadas e integradas no N-CID.(252)

Quadro 33

Total de cidadãos atendidos – variação 2015-2016

Total de cidadãos atendidos

2015 65552016 5824

Variação (%) -11,15%

5.3. Acessos mensais ao sítio eletrónico do Provedor de Justiça

O crescente desenvolvimento tecnológico tem vindo a fomentar a utilização recor-rente dos meios e das ferramentas informáticas como uma forma privilegiada e célere de acesso à informação. Por isso, em 2016 manteve-se o constante trabalho de atualização e de criação de conteúdos para o sítio institucional do Provedor de Justiça, o qual constitui um meio importante de divulgação deste órgão do Estado.

No gráfico infra apresentam-se, em termos quantitativos, os acessos mensais ao sítio eletrónico do Provedor de Justiça, os quais, em 2016, se computaram em 233 311. Refira--se, por fim, que o mês de maio foi aquele em que se registou o maior número de acessos.

Gráfico LI

(252) Vide ponto 2. supra.

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> Pormenor dos edifícios do órgão do Estado Provedor de Justiça

6. Publicações e comunicações – 2016

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6. Publicações e comunicações – 2016

Relatório à Assembleia da República, 2015 http://www.provedor-jus.pt/?idc=16&idi=16128

Relatório à Assembleia da República, 2015 Anexo Tomadas de Posiçãohttp://www.provedor-jus.pt/?idc=16&idi=16130

Provedor de Justiça – Mecanismo Nacional de PrevençãoRelatório à Assembleia da República, 2015 http://www.provedor-jus.pt/?idc=16&idi=16129

Portuguese Ombudsman – National Human Rights InstitutionReport to the Parliament, 2015http://www.provedor-jus.pt/?idc=16&idi=16385

Portuguese Ombudsman – National Preventive MechanismReport to the Parliament, 2015http://www.provedor-jus.pt/?idc=16&idi=16386

O Mecanismo Nacional de Prevenção e os centros educativos – Relatório das visitas realizadas durante o ano de 2015

http://www.provedor-jus.pt/?idc=83&idi=16497

O Provedor de Justiça, as prisões e o século XXI. Diário de algumas visitas (I)Relatório da visita ao Estabelecimento Prisional de Lisboahttp://www.provedor-jus.pt/?idc=83&idi=16117

O Provedor de Justiça, as prisões e o século XXI. Diário de algumas visitas (II)Relatório da visita ao Estabelecimento Prisional de Tireshttp://www.provedor-jus.pt/?idc=83&idi=16149

O Provedor de Justiça, as prisões e o século XXI. Diário de algumas visitas (III)Relatório da visita ao Estabelecimento Prisional de Vale de Judeushttp://www.provedor-jus.pt/?idc=83&idi=16159

O Provedor de Justiça, as prisões e o século XXI. Diário de algumas visitas (IV)Relatório da visita ao Estabelecimento Prisional de Coimbrahttp://www.provedor-jus.pt/?idc=83&idi=16258

O Provedor de Justiça, as prisões e o século XXI. Diário de algumas visitas (V)Relatório da visita ao Estabelecimento Prisional de Ponta Delgadahttp://www.provedor-jus.pt/?idc=35&idi=16274

O Provedor de Justiça, as prisões e o século XXI. Diário de algumas visitas (VI)Relatório da visita ao Estabelecimento Prisional de Monsanto http://www.provedor-jus.pt/?idc=83&idi=16476

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O Provedor de Justiça, as prisões e o século XXI. Diário de algumas visitas (VII)Relatório da visita ao Estabelecimento Prisional do Funchalhttp://www.provedor-jus.pt/?idc=35&idi=16491

O Provedor de Justiça, as prisões e o século XXI. Diário de algumas visitas (VIII)Relatório da visita ao Estabelecimento Prisional de Leiria para Jovenshttp://www.provedor-jus.pt/?idc=83&idi=16631

O Provedor de Justiça, as prisões e o século XXI. Diário de algumas visitas (IX)Relatório da visita ao Estabelecimento Prisional de Évorahttp://www.provedor-jus.pt/?idc=83&idi=16873

The Portuguese Ombudsman: from the inception to the present and towards the future. Overview of its mission and responsibilities

Twinning Project Support to Establishment of Ombudsman Institution in TurkeyAncara, 2016-02-09http://www.provedor-jus.pt/?idc=97&idi=16076

The freedom-security dilemma: contributions for a human rights based approachInternational Workshop: Human rights challenges now: The Ombudsman facing threatsBarcelona, 2016-04-26http://www.provedor-jus.pt/?idc=97&idi=16138

Human Rights challenges now: the Ombudsman facing threatsClosing session of the International Workshop: Human rights challenges now: The Ombuds-man facing threatsBarcelona, 2016-04-27http://www.provedor-jus.pt/?idc=97&idi=16147

Saúde: uma questão do Provedor de JustiçaConferência Justiça em SaúdeAngra do Heroísmo, 2016-05-06http://www.provedor-jus.pt/?idc=97&idi=16165

Discurso proferido na Sessão de Abertura do Ciclo de Conferências em Homenagem ao Professor Doutor Jorge Ribeiro de Faria

Ciclo de Conferências em Homenagem ao Professor Doutor Jorge Ribeiro de FariaPorto, 2016-05-19http://www.provedor-jus.pt/?idc=97&idi=16861

A defesa dos direitos humanos e os comportamentos aditivos: o papel do Provedor de Justiça

Congresso Nacional de Adictologia «O Tempo e as adições: ligando a ciência, a clínica e a política»Coimbra, 2016-05-20http://www.provedor-jus.pt/?idc=97&idi=16863

Conferência a Europa e os Refugiados – Riscos e OportunidadesLisboa, 2016-06-02http://www.provedor-jus.pt/?idc=97&idi=16865

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Sessão de Abertura da I Conferência Ibérica de Justiça RestaurativaI Conferência Ibérica de Justiça Restaurativa Cascais, 2016-07-15http://www.provedor-jus.pt/?idc=97&idi=16951

Tirana high-level International Conference: The role of the Ombudsman in the migra-tion crisis – Conclusions

High-level International Conference: Challenges for Ombudsman Institutions with respect to mixed migratory flows – The role of the Ombudsman in the migration crisisTirana, 2016-09-08http://www.provedor-jus.pt/?idc=97&idi=16432

O Provedor de Justiça de Portugal: missão, poderes e desafioshttp://www.provedor-jus.pt/?idc=97&idi=16457

O Provedor de Justiça e a realidade prisionalConferência Internacional - As nossas prisões: que presente e que futuro?Lisboa, 2016-10-21http://www.provedor-jus.pt/?idc=97&idi=16527

O exercício do Provedor como promoção da justiça, coesão e desenvolvimento: conside-rações a partir da instituição Provedor de Justiça

VI Encontro Nacional de Provedores do EstudanteCovilhã, 2016-10-14http://www.provedor-jus.pt/?idc=97&idi=16531

Razões de uma razão (XIII) Artigo publicado no Diário de Notícias, de 14 de janeiro de 2016 http://www.provedor-jus.pt/site/public/archive/doc/14_01_2016DN_Artigo_Razoesdeumarazao_XIII_pag4e5.pdf

Razões de uma razão (XIV) Artigo publicado no Diário de Notícias, de 7 de março de 2016 http://www.provedor-jus.pt/site/public/archive/doc/Razoes_XIV__.pdf

Razões de uma razão (XV) Artigo publicado no Diário de Notícias, de 20 de abril de 2016 http://www.provedor-jus.pt/site/public/archive/doc/20_04_2016_DN_Artigo_Razoes_de_uma_razao_XV_pags_6e7.pdf

Razões de uma razão (XVI) Artigo publicado no Diário de Notícias, de 25 de maio de 2016 http://www.provedor-jus.pt/site/public/archive/doc/25_05_2016_DN_Razoesdeumarazao_XVIpags_6e7.pdf

Razões de uma razão (XVII) Artigo publicado no Diário de Notícias, de 26 de julho de 2016 http://www.provedor-jus.pt/site/public/archive/doc/26_07_2016_Razoes_de_uma_razao_XVII_pub.pdf

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Razões de uma razão (XVIII) Artigo publicado no Diário de Notícias, de 15 de setembro de 2016 http://www.provedor-jus.pt/site/public/archive/doc/15_09_2016_DN_Artigo_Razoes_de_uma_Razao_XVIII_pags_6e7.pdf

Razões de uma razão (XIX)Artigo publicado no Diário de Notícias, de 3 de novembro de 2016 http://www.provedor-jus.pt/site/public/archive/doc/03_11_2016_Razoes_de_umarazao_XIX.pdf

Razões de uma razão (XX)Artigo publicado no Diário de Notícias, de 11 de dezembro de 2016http://www.provedor-jus.pt/site/public/archive/doc/11122016_Razoes_de_uma_razao_XX.pdf

Uma questão de direitosArtigo publicado no Público, de 14 de julho de 2016http://www.provedor-jus.pt/site/public/archive/doc/14_07_2016_Uma_questao_de_direitos_Publico_pag4.pdf

A Justiça Penal (é) restaurativaArtigo publicado no Expresso, de 16 de julho de 2016http://www.provedor-jus.pt/site/public/archive/doc/16_07_2016_Expresso_Artigo_A_Justica_Penal_e_restau-rativa_pag35.pdf

Boletim informativo n.º 1 – setembro e outubro de 2016http://www.provedor-jus.pt/?idc=98&idi=16556

Boletim informativo n.º 2 – novembro e dezembro de 2016http://www.provedor-jus.pt/?idc=98&idi=16843

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7. Outros índices

> Pormenor da varanda existente no edifício do órgão do Estado Provedor de Justiça

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7. Outros índices

7.1. Índice de gráficos

Estatísticas: algumas notasGráfico I – Solicitações dirigidas ao Provedor de Justiça no ano de 2016 20Gráfico II – Ano de 2016 – Atividade de apreciação de comunicações 21Gráfico III – Total de procedimentos abertos 22Gráfico IV – Total de queixas indeferidas liminarmente 22Gráfico V – Exposições liminarmente arquivadas 23Gráfico VI – Tipo de pessoa coletiva queixosa 25Gráfico VII – Procedimentos entrados, findos e pendentes em 31 de dezembro 28Gráfico VIII – Motivos de arquivamento 29Gráfico IX – Duração dos procedimentos arquivados em 2016 31Gráfico X – Assuntos tratados nos procedimentos abertos 32Gráfico XI – Entidades visadas 33Gráfico XII – Distribuição das queixas por ministério 34Gráfico XIII – Distribuição das queixas por ministério (excluindo as questões sobre relação de emprego público)

35

Gráfico XIV – Queixas por 10 000 habitantes: distritos e Regiões Autónomas 36

Defesa e promoção dos direitos fundamentaisGráfico XV – Distribuição de matérias nos procedimentos – unidade temática 1 (comparativo 2012-2016)

43

Gráfico XVI – Cultura 52Gráfico XVII – Lazeres 53Gráfico XVIII – Ano de abertura dos procedimentos arquivados em 2016 59Gráfico XIX – Distribuição dos procedimentos por matérias – direitos dos contribuintes (comparativo 2015-2016)

60

Gráfico XX – Distribuição dos procedimentos por matérias – assuntos económicos e financeiros (comparativo 2015-2016)

70

Gráfico XXI – Distribuição dos procedimentos por matérias – fundos europeus e nacionais (comparativo 2015-2016)

76

Gráfico XXII – Distribuição de procedimentos por matérias – direitos dos trabalhadores e contratação pública (comparativo 2015-2016)

97

Gráfico XXIII – Distribuição de procedimentos – administração da justiça 116Gráfico XXIV – Distribuição de procedimentos – assuntos rodoviários 119Gráfico XXV – Distribuição de procedimentos – registos e notariado 121Gráfico XXVI – Distribuição de procedimentos – segurança interna 122

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Gráfico XXVII - Distribuição de procedimentos por matérias – unidade temática 6 (comparativo 2011-2016)

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Gráfico XXVIII – Distribuição de procedimentos por matérias – Extensão da Região Autónoma dos Açores

143

Gráfico XXIX – Origem geográfica das queixas – Extensão da Região Autónoma dos Açores 145Gráfico XXX – Entidades visadas – Extensão da Região Autónoma dos Açores 145Gráfico XXXI – Entidades visadas – Extensão da Região Autónoma da Madeira 147Gráfico XXXII – Distribuição de procedimentos por matérias – Extensão da Região Autónoma da Madeira

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Gráfico XXXIII – Origem geográfica das queixas – Extensão da Região Autónoma da Madeira

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Núcleo da Criança, do Idoso e da Pessoa com DeficiênciaGráfico XXXIV – Evolução anual – Linha da Criança 155Gráfico XXXV – Atuação – Linha da Criança 156Gráfico XXXVI – Relação contactante/criança 158Gráfico XXXVII – Faixa etária – crianças e jovens 158Gráfico XXXVIII – Origem do conhecimento da Linha da Criança 159Gráfico XXXIX – Evolução anual – Linha do Cidadão Idoso 160Gráfico XL – Atuação – Linha do Cidadão Idoso 161Gráfico XLI – Relação contactante/cidadão idoso 163Gráfico XLII – Faixa etária – cidadãos idosos 164Gráfico XLIII – Origem do conhecimento da Linha do Cidadão Idoso 165Gráfico XLIV – Evolução anual – Linha da Pessoa com Deficiência 166Gráfico XLV – Atuação – Linha da Pessoa com Deficiência 166Gráfico XLVI – Relação contactante/pessoa com deficiência 168Gráfico XLVII – Tipo de deficiência 168Gráfico XLVIII – Grau de incapacidade 169Gráfico XLIX – Faixa etária – pessoas com deficiência 169Gráfico L – Origem do conhecimento da Linha da Pessoa com Deficiência 170

Gestão de recursosGráfico LI – Acessos mensais ao sítio eletrónico do Provedor de Justiça 200

7.2. Índice de quadrosEstatísticas: algumas notas

Quadro 1 – Natureza dos primeiros queixosos em procedimentos abertos 24Quadro 2 – Número de procedimentos abertos e reabertos 25

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Quadro 3 – Número de procedimentos em instrução 26Quadro 4 – Número de procedimentos arquivados e rearquivados 27Quadro 5 – Número de procedimentos pendentes em 31 de dezembro 27Quadro 6 – Resumo do movimento de procedimentos 29Quadro 7 – Queixas em função da população – os cinco maiores valores 36

Defesa e promoção dos direitos fundamentais Quadro 8 – Distribuição de procedimentos por matérias – unidade temática 1 40Quadro 9 – Urbanismo e habitação 45Quadro 10 – Ambiente e recursos naturais 47Quadro 11 – Ordenamento do território 49Quadro 12 – Serviços públicos essenciais 55Quadro 13 – Distribuição de procedimentos por matérias – unidade temática 2 57Quadro 14 – Distribuição de procedimentos por matérias – unidade temática 3 79Quadro 15 – Distribuição de procedimentos por matérias – relação de emprego público 99Quadro 16 – Distribuição de procedimentos por matérias – unidade temática 5 113Quadro 17 – Distribuição de procedimentos por matérias – unidade temática 6 125Quadro 18 – Movimentação anual de procedimentos – Extensão da Região Autónoma dos Açores

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Quadro 19 – Movimentação anual de procedimentos – Extensão da Região Autónoma da Madeira

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Núcleo da Criança, do Idoso e da Pessoa com DeficiênciaQuadro 20 – Chamadas telefónicas – Linha da Criança 155Quadro 21 – Principais questões colocadas – Linha da Criança 157Quadro 22 – Chamadas telefónicas – Linha do Cidadão Idoso 159Quadro 23 – Principais questões colocadas – Linha do Cidadão Idoso 161Quadro 24 – Chamadas telefónicas – Linha da Pessoa com Deficiência 165Quadro 25 – Principais questões colocadas – Linha da Pessoa com Deficiência 167

Gestão de recursosQuadro 26 – Orçamento de 2016 196Quadro 27 – Pessoal em funções (31 de dezembro de 2016) 197Quadro 28 – Género 197Quadro 29 – Faixa etária 197Quadro 30 – Atendimento presencial (relações públicas) – variação 2015-2016 198Quadro 31 – Atendimento telefónico (número geral) – variação 2015-2016 199Quadro 32 – Atendimento telefónico (Linha Azul) – variação 2015-2016 199Quadro 33 – Total de cidadãos atendidos – variação 2015-2016 200

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8. Principais siglas e abreviaturas

> Pedaço de azulejaria existente no edifício do órgão do Estado Provedor de Justiça

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8. Principais siglas e abreviaturas

ACSS – Administração Central do Sistema de Saúde, I.P.

ADM – Assistência na Doença aos Militares

ADSE – Instituto de Proteção e Assistência na Doença, I.P.

ANSR – Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária

AMT – Autoridade da Mobilidade e dos Transportes

ASAE – Autoridade de Segurança Alimentar e Económica

ASF – Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões

AT – Autoridade Tributária e Aduaneira

CAE – Código de Atividade Económica

CAV – Contribuição para o Audiovisual

CC – Código Civil

CE – Código da Estrada

CEPMPL – Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade

CGA – Caixa Geral de Aposentações, S.A.

CGD – Caixa Geral de Depósitos, S. A.

CIMI – Código do Imposto Municipal sobre Imóveis

CIRS – Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares

CNP – Centro Nacional de Pensões

CP – CP - Comboios de Portugal, E.P.E.

CPA – Código de Procedimento Administrativo

CPAS – Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores

CPC – Código de Processo Civil

CPPT – Código de Procedimento e de Processo Tributário

CRP – Constituição da República Portuguesa

CT – Código do Trabalho

DGAE – Direção-Geral da Administração Escolar

DGAJ – Direção-Geral da Administração da Justiça

EMEL – Empresa Municipal de Mobilidade e Estacionamento de Lisboa, E.M. S.A.

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EPJ – Estatuto do Provedor de Justiça

ERC – Entidade Reguladora para a Comunicação Social

FGS – Fundo de Garantia Salarial

GNR – Guarda Nacional Republicana

IEFP – Instituto do Emprego e Formação Profissional, I.P.

IGFSS – Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P.

IMI – Imposto Municipal sobre Imóveis

IMT – Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P.

IRN – Instituto dos Registos e Notariado, I.P.

IRS – Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares

ISS – Instituto da Segurança Social, I.P.

IUC – Imposto Único de Circulação

IVA – Imposto sobre o Valor Acrescentado

LAT – Lei dos Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais

LGTFP – Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas

N-CID – Núcleo da Criança, do Idoso e da Pessoa com Deficiência

NIF – Número de Identificação Fiscal

p./ p.p. – página/ páginas

PDM – Plano Diretor Municipal

PDR 2020 – Programa de Desenvolvimento Rural 2014-2020

PERES – Programa Especial de Redução do Endividamento ao Estado

PJ – Polícia Judiciária

PSP – Polícia de Segurança Pública

RNCCI – Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados

SAD/PSP – Serviço de Assistência na Doenças da PSP

SEF – Serviço de Estrangeiros e Fronteiras

SNS – Serviço Nacional de Saúde

TAP – TAP Portugal

TGIS – Tabela Geral do Imposto do Selo

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RELATÓRIO À ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA 2016

Lisboa, 2017

PROVEDOR DE JUSTIÇAMECANISMO NACIONAL DE PREVENÇÃO

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O presente documento descreve a atividade autonomamente desenvolvida, no ano de 2016, pelo Provedor de Justiça enquanto Mecanismo Nacional de Prevenção, no âmbito do Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes.

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Título: Mecanismo Nacional de PrevençãoRelatório à Assembleia da República – 2016Edição – Provedor de Justiça – Divisão de DocumentaçãoDesign – LagesdesignFotografia – Manuel Gomes Teixeira, Sara DuarteImpressão – ArtipolTiragem – 100 exemplaresDepósito legal – 390963/15ISSN – 2183-508X

Como contactar o Mecanismo Nacional de PrevençãoRua do Pau de Bandeira, 7-91249-088 LisboaTelefone 213 92 67 45 – Faxe 21 396 12 43mnp@provedor-jus.pthttp://www.provedor-jus.pt/mnp

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ÍndiceMensagem 7

Atividade do Mecanismo Nacional de Prevenção 9

1. Mecanismo Nacional de Prevenção: Estrutura de Apoio e demais recursos 10

2. Visitas a locais de detenção 11

2.1. Dados estatísticos 11

2.2. Visitas realizadas no ano de 2016 16

3. Relatório temático sobre os centros educativos: breves notas 92

4. Recomendações do Mecanismo Nacional de Prevenção 94

4.1. Apreciação geral 94

4.2. Recomendações emitidas em 2016 98

5. Atividades de participação em iniciativas e de divulgação institucional 123

5.1. Participação em iniciativas 123

5.2. Divulgação institucional 125

Outros índices 127

1. Índice de gráficos 128

2. Índice de quadros 128

3. Índice analítico das visitas a locais de detenção 128

4. Índice analítico das recomendações do Mecanismo Nacional de Prevenção 137

Siglas e abreviaturas 139

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José de Faria Costa, Provedor de Justiça

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Mensagem O dealbar de um novo ano corresponde, em geral, a um momento de reflexão sobre

o período que findou e os acontecimentos que, pela sua constância ou peculiaridade, o marcaram.

Ao olharmos, no presente, para a atividade que o Mecanismo Nacional de Prevenção desenvolveu no seu terceiro ano de existência, 2016 está, de um jeito forte e indelével, associado ao esforço e à dedicação de um conjunto de pessoas e de entidades que se empe-nharam, de um modo abnegado, na promoção e na defesa dos direitos humanos e, por sobre tudo, dos direitos das pessoas que se encontram privadas ou limitadas na sua liber-dade. 2016 foi, portanto, um ano de reforço dos laços institucionais que se entretecem entre diversos atores da nossa comunidade — comunidade aqui entendida como no seu sentido local mas também global — e que, não obstante a diferença da sua natureza, da sua função e da sua finalidade, comungam do desiderato de proporcionar, de iure e de facto, um tratamento condigno a quem está com a sua liberdade restringida.

A figura do Mecanismo Nacional de Prevenção foi consagrada na ordem jurídica inter-nacional pela adoção, pela Assembleia Geral das Nações Unidas, do Protocolo Faculta-tivo à Convenção contra a Tortura e outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, em finais de 2002. Este documento derivou da necessidade de se criarem um conjunto de medidas que, nos planos nacional e internacional, assegurassem a prossecu-ção das finalidades daquela Convenção.

Na sequência da assinatura e da ratificação dos mencionados instrumentos jurídicos, o Estado português assumiu o compromisso de criar um organismo que, de modo inde-pendente, averigue, in loco, as condições a que as pessoas privadas da liberdade estão sujei-tas. Neste sentido, por meio da Resolução do Conselho de Ministros n.º 32/2013, de 20 de maio, a competência de Mecanismo Nacional de Prevenção foi atribuída ao órgão do Estado que, desde a sua origem, orienta e define a sua atuação pela tutela dos direitos fun-damentais dos cidadãos: o Provedor de Justiça.

A autonomia orgânica e funcional da atividade desenvolvida pelo Mecanismo Nacio-nal de Prevenção, aliada à sua especificidade, determinou a constituição de uma estrutura de apoio que possibilitasse o cumprimento da missão que lhe fora cometida e, de igual jeito, a participação plural e disciplinar da nossa comunidade. Tendo por base estes pres-supostos, foi criada, no segundo trimestre de 2014, a Estrutura de Apoio ao Mecanismo Nacional de Prevenção, composta por um Conselho Consultivo, uma Comissão de Coor-denação e um Núcleo de Visitadores, sem olvidar o respetivo apoio administrativo. Desde então, e até ao final de 2016, mais de uma centena de locais detentivos — como sejam os

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estabelecimentos prisionais, as celas das forças policiais e os centros educativos — foram objeto de visitas realizadas por este organismo independente.

O múnus que cumpre ao Mecanismo Nacional de Prevenção consubstancia-se na pre-venção de comportamentos que possam ser considerados como a prática de tortura ou de outras formas de tratamentos que, pela ofensa aos direitos humanos que corporizam, pos-sam ser qualificados como cruéis, desumanos ou degradantes. É, destarte, eminentemente preventiva a sua atuação, para a qual contribui, de modo vincado, o conhecimento que a comunidade tem sobre este autónomo organismo. Por esta razão, o ano a que alude o presente relatório fica associado não só à consolidação e ao desenvolvimento da atividade do Mecanismo Nacional de Prevenção, mas também à divulgação da sua existência, da sua natureza e do alcance das suas funções.

A pluralidade de locais de detenção espelha, em parte, a diversidade de fundamentos que podem ancorar a restrição da liberdade de uma pessoa. A privação da liberdade pode, portanto, derivar do resultado de um comportamento anterior (ainda que indiciado), do padecimento de patologia(s) do foro mental ou, até, e sendo estrangeiras, da irregulari-dade da sua situação em Portugal. Em todas estas situações, as pessoas ficam à guarda das instituições que as acolhem e as acompanham, cabendo ao Estado o dever de lhes pro-porcionar condições de vida condignas. Ou, dito por outras palavras, incumbe ao Estado assegurar que os seus direitos fundamentais são observados e que, em consequência, não são alvo de atos de tortura, penas ou tratamentos cruéis, desumanos e degradantes. Esta é a génese do Mecanismo Nacional de Prevenção. Este é o seu desafio e o seu horizonte finalístico.

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Atividade do Mecanismo Nacional de Prevenção

> Pormenor da entrada das instalações do Mecanismo Nacional de Prevenção

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1. Mecanismo Nacional de Prevenção: Estrutura de Apoio e demais recursos

Após a sua designação como Mecanismo Nacional de Prevenção (MNP), este órgão do Estado concebeu uma estrutura organizatória(1) que possibilitasse a concretização de um regime de visitas regulares aos locais onde se encontram as pessoas privadas ou limitadas na sua liberdade, através das quais eram verificadas as condições a que as mesmas estão sujeitas. Foi, por conseguinte, criada a Estrutura de Apoio ao MNP, a qual é composta por: (i) um Conselho Consultivo, (ii) uma Comissão de Coordenação, (iii) um Núcleo de Visitadores e, (iv), o apoio administrativo.

O órgão de aconselhamento do MNP denominase Conselho Consultivo e é consti-tuído por um conjunto de personalidades e de entidades com conhecimentos e experiências demonstrados em áreas conexas com as finalidades prosseguidas pelo Protocolo Faculta-tivo à Convenção contra a Tortura e outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes.(2) Aos seus membros cabem, entre outras funções, a emissão de parecer sobre os plano e relatório anuais de atividades e o acompanhamento da atuação do MNP, podendo propor locais que possam ser por ele visitados. De acordo com o seu regimento, o Conselho Consultivo reúne, pelo menos, duas vezes por ano, o que sucedeu no ano de 2016. A pri-meira das suas reuniões ocorreu a 28 de janeiro e, entre outros os diversos pontos constantes da ordem de trabalhos, foi apresentado e discutido o plano de atividades para o ano de 2016, documento que mereceu, em unanimidade, parecer favorável. A segunda reunião, por seu turno, teve lugar no dia 23 de setembro e, entre outros assuntos, submeteu à apreciação dos membros deste órgão o relatório anual de atividades de 2015 do MNP, o qual foi objeto de parecer favorável, uma decisão que foi adotada por unanimidade.

Inicialmente com três elementos, a Comissão de Coordenação passou a ser integrada, no decurso de 2016, por cinco membros. A este órgão cabe a elaboração da proposta do plano de atividades e respetiva execução. É também da sua competência a conceção do relatório anual de atividade e a preparação da planificação das visitas a concretizar pelo MNP, nas quais também participa.(3) Tendo em vista o exercício das funções que lhes estão atribuídas, os elementos da Comissão de Coordenação reúnem, de forma regular e informal, para, de acordo com as orientações do Provedor de Justiça enquanto MNP, preparar as visitas e a demais atividades a serem levadas a cabo pelo MNP, designadamente a prestação de apoio à

(1) O Regulamento da Estrutura de Apoio ao MNP (doravante REAMNP), aprovado por Despacho Interno do Pro-vedor de Justiça n.º 1/2014 (MNP), de 29 de abril, alterado e republicado por Despacho Interno do Provedor de Justiça n.º 9/2016 (MNP), de 12 de outubro, pode ser consultado em http://www.provedor-jus.pt/site/public/archive/doc/Regulamento_EMNP_0.pdf(2) A composição do Conselho Consultivo do MNP está discriminada no artigo 4.º do REAMNP. Vide também os artigos 5.º a 8.º do mesmo Regulamento.(3) Cf. artigo 9.º do REAMNP.

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construção e ao desenvolvimento de laços institucionais com MNPs de outros países, entida-des internacionais que comungam da finalidade de prevenir a prática de tortura e maus-tra-tos em locais privativos da liberdade e outros atores institucionais relevantes neste contexto junto dos quais foram projetadas ações de formação ou de sensibilização.

Ao Núcleo de Visitadores, composto por nove colaboradores deste órgão do Estado, cumpre a realização das visitas inspetivas e a redação das respetivas atas, assim como a apre-sentação de propostas de recomendações.(4)

Mencione-se, ainda, que um dos colaboradores deste órgão do Estado presta apoio admi-nistrativo ao MNP, desempenhando, entre outras tarefas, a de registo da documentação, sua organização e consequente arquivo.

À semelhança do sucedido em 2015, no ano de 2016 o MNP contou com recursos finan-ceiros próprios e inscritos, de modo autónomo, no orçamento do Provedor de Justiça, mais especificamente na verba que tem como fito custear as despesas com o seu funcionamento.

2. Visitas a locais de detenção

2.1. Dados estatísticos

No ano de 2016, foram realizadas 53 visitas a locais onde se encontram pessoas pri-vadas ou limitadas na sua liberdade, sendo que uma delas contou com a participação do próprio Provedor de Justiça.

As equipas de visitadores foram constituídas por membros da Comissão de Coordena-ção e do Núcleo de Visitadores, contando, de igual modo, com a pontual participação de outros colaboradores deste órgão do Estado e de um perito externo ao MNP. No tocante ao seu quantitativo, e à semelhança do sucedeu em anos anteriores, este oscilou entre os dois e os quatro elementos.

A planificação que antecedeu a concretização destas visitas teve como objetivo esten-der a atuação do MNP a todo o território nacional. Por esta razão, os distritos que, no final de 2015, não contabilizavam visitas foram preferencialmente apontados para serem objeto da intervenção deste autónomo organismo. Para além deste desiderato, foi tida em conta a pluralidade tipológica dos locais detentivos, incluindo-se, entre outros, a inspeção a estabelecimentos prisionais, centros de instalação temporária de estrangeiros e zonas de detenção das forças policiais e dos tribunais.

(4) Cf. artigo 10.º do REAMNP.

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Gráfico I

Distribuição geográca das visitas realizadas no ano de 2016

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42 2

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3

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Da análise do gráfico supra resulta que, tal como aconteceu no ano anterior(5), Lisboa foi o distrito mais visitado em 2016 (14 visitas, o que corresponde a 26% do total das visitas realizadas naquele ano), circunstância que se justifica com a grande concentração — geográfica e tipológica — de instituições privativas da liberdade nesta zona do país. Seguem-se-lhe os distritos de Santarém, com sete visitas, e, com quatro visitas cada, os de Braga, Bragança e Setúbal. Com três visitas cada, foram objeto da atuação do MNP os distritos de Castelo Branco e Viseu. Aveiro, Coimbra, Porto, Viana do Castelo e Vila Real receberam duas visitas cada e, por fim, Faro contou com uma visita do MNP.

A representação gráfica infra traduz a dispersão espacial da intervenção do MNP desde o início efetivo da sua atividade — que, recorde-se, remonta ao segundo semestre de 2014 —, podendo, desde logo, concluir-se que todos os distritos de Portugal e as Regiões Autó-nomas foram já objeto de visitas por parte deste organismo independente. Das 122 visi-tas realizadas, e em tendência com o verificado em cada ano, Lisboa apresenta-se como o distrito mais visitado (30 visitas, o que equivale, aproximadamente, a ¼ do seu total). Seguem-se-lhes os distritos de Santarém (10 visitas), Faro (9 visitas), Porto (9 visitas), Coimbra (8 visitas) e Setúbal (8 visitas). Os restantes distritos apresentam uma distribui-ção equilibrada no que respeita ao quantitativo de visitas do MNP neles efetuadas.

(5) No ano de 2015, o MNP efetuou 15 visitas no distrito de Lisboa. Cf. Relatório à Assembleia da República 2015: Mecanismo Nacional de Prevenção (citado Mecanismo Nacional de Prevenção 2015), p. 14.

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Gráfico II

Distribuição geográca do total das visitas realizadas(2014, 2015 e 2016)

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2 2324 4 3 3 3 3 3

1098

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10

20

30

Aveir

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Braga

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Vila R

ealVi

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R. A.

Açore

s

R. A.

Mad

eira

Vian

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Gráfico IIIDistribuição tipológica das visitas realizadas no ano de 2016

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tais p

siquiá

tricos

Centr

os de

insta

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tempo

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nciai

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20

Da observação do gráfico acima apresentado decorre que, das 53 visitas, 24 (ou, em termos percentuais, 45%) versaram sobre locais de detenção sitos em instalações das forças policiais.(6) Inverteu-se, assim, a preponderância dos estabelecimentos prisionais que, no

(6) A distribuição destas visitas pelos tipos de forças policiais em causa é objeto de tratamento mais detalhado em momento posterior. Vide pp. 15-16.

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tocante ao ano de referência do presente relatório, surgem em terceiro lugar com 11 visitas, ocupando o número de visitas às celas das nossas instâncias judiciais (12) a segunda posição.(7)

Os centros de instalação temporária de estrangeiros que se encontrem em situação irre-gular no nosso país ou requerentes de asilo, assim como as unidades residenciais a eles equiparadas, foram, por seu turno, objeto de cinco visitas, sendo que uma delas serviu para recolha de informações complementares a uma visita anterior. Quer isto significar que, no ano de 2016, o MNP visitou quatro instalações que servem aquele fim, tendo em vista a preparação de um relatório sobre as condições a que os cidadãos estrangeiros privados da sua liberdade se encontram em Portugal.(8)

Refira-se, ainda, que este autónomo organismo visitou, no período em apreço, uma unidade de internamento em Psiquiatria de um hospital, diligência que contou com a colaboração de um perito médico externo ao MNP.

Gráfico IV

Distribuição tipológica do total das visitas realizadas(comparação entre 2014, 2015 e 2016)

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2014 2015 2016

Da análise do gráfico supra, atinente à distribuição das visitas realizadas de acordo com o tipo de local visitado, conclui-se que, à semelhança dos anos anteriores, predominam as visitas a locais privativos da liberdade que, pela sua natureza e pela sua população, podem

(7) Cf. Mecanismo Nacional de Prevenção 2015, pp. 15-16.(8) O relatório temático aludido será apresentado durante o ano de 2017.

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ser mais propícios a comportamentos que possam ser qualificados como tortura ou maus--tratos: as zonas de detenção das forças policiais (48 visitas no total) e os estabelecimen-tos prisionais (39 visitas no total(9)). Importa, contudo, registar que, no ano de referência deste relatório, os tipos de locais mais visitados pelo MNP sofreram mudanças no ano de 2016, por comparação com os dados relativos aos anos anteriores. Assim, os estabele-cimentos prisionais que, em 2015, ocupavam, pelo segundo ano consecutivo, a primeira posição, passaram a figurar, com as visitas de 2016, no segundo lugar(10), verificando-se o oposto com os locais de detenção das forças policiais. O terceiro lugar é, por sua vez, ocupado pelo quantitativo de visitas efetuadas aos espaços detentivos existentes nas nossas instâncias judiciais (17), facto para o qual terá contribuído o aumento superior a 50% das visitas que o MNP fez, em 2016 e por comparação com o ano de 2015, aos tribunais. A maior atenção que, como anteriormente mencionado, foi dedicada, no ano de 2016, aos centros de instalação temporária de estrangeiros explica o aumento do seu número de visitas (8), equiparando o seu cômputo global ao do dos centros educativos (8)(11), ainda que estes locais não tenham sido objeto, no período em apreço, da atividade inspetiva deste autónomo organismo. Saliente-se, por último, as duas visitas que o MNP realizou a unidades hospitalares com internamento na área de Psiquiatria, as quais contaram, em ambos os casos, com a cooperação de peritos médico-psiquiatras.

A aproximadamente meia centena de visitas realizadas a locais de detenção existen-tes nas instalações das forças policiais justifica que se efetue uma análise da sua distri-buição pelas diversas forças policiais. Deste modo, das 48 visitas efetuadas, 24 foram-no a esquadras da Polícia de Segurança Pública (PSP), 20 a unidades da Guarda Nacional Republicana (GNR) e quatro a departamentos da Polícia Judiciária. Diferença valora-tiva que encontra fundamento na multiplicidade de estabelecimentos que as duas pri-meiras forças policiais possuem, atendendo à sua maior proximidade junto dos cidadãos. Saliente-se ainda que, diversamente do equilíbrio registado no número de visitas a insta-lações pertences à Polícia Judiciária, é paulatinamente crescente o quantitativo de visitas a estabelecimentos da PSP e da GNR, tendo estas alcançado, no ano de 2016, um valor paritário: 11.

(9) Recorde-se que uma destas visitas, concretizada no ano de 2015, incidiu sobre o Estabelecimento Prisional Militar. Cf. Mecanismo Nacional de Prevenção 2015, pp. 15 e 28-30.(10) Para que dúvidas não subsistam, impõe-se um esclarecimento: no âmbito da análise do gráfico III resulta que, da distribuição tipológica das visitas pelo tipo de local visitado, os estabelecimentos prisionais surgem em terceiro lugar. Esta conclusão não é, todavia, contraditória com a que se extrai da apreciação da representação gráfica IV, uma vez que nesta tem-se em consideração o número total de visitas efetuadas desde o início efetivo da atividade do MNP e não tão-só as que foram realizadas naquele ano. Por esta razão, o somatório de todas as visitas feitas aos estabelecimentos prisionais determina que este tipo de local foi o que registou o segundo maior número de visitas.(11) Sublinhe-se que uma destas visitas — visita n.º 4-2015(S) — consistiu no follow-up de situações anteriormente identificadas pelo MNP e que foram objeto de uma recomendação (Recomendação n.º 1/2015/MNP). Cf. Mecanismo Nacional de Prevenção 2015, pp. 15, 20-21 e 84-86.

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Gráfico VDistribuição pelas diversas forças policiais das visitas realizadas

às suas zonas de detenção (comparação entre 2014, 2015 e 2016)

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12

Guarda Nacional Republicana

Polícia Judiciária Polícia de Segurança Pública

2.2. Visitas realizadas no ano de 2016

Nas páginas que se seguem, apresentam-se os registos individualizados das observações relativas às visitas que o MNP efetuou no decurso do ano de 2016, sendo estas enumera-das sequencialmente — ordenadas de modo crescente por referência ao número que lhes foi atribuído — e inicialmente identificadas com a data da sua realização, o local visitado e o objeto analisado.

Visita n.º 1-2016Data: 2016.06.08Local de detenção: Instância Local de Cascais do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste (Lisboa)Objeto: Condições de habitabilidade: iluminação, ventilação, isolamento contra o frio e o calor e sanitários das zonas de detenção. Condições do setor da alimentação. Condições de transporte de detidos em viatura celular ou em outro meio de transporte utilizado para o efeito

Na manhã do dia 8 de junho de 2016, o MNP visitou a Instância Local de Cascais do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, por forma a averiguar as condições de habitabilidade das celas de detenção — designadamente no tocante às suas condições de iluminação, temperatura, limpeza e arejamento —, os procedimentos de fornecimento de refeições às pessoas detidas e as condições de transporte de detidos em viatura celular ou em outro meio de transporte utilizado para o efeito.

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Como sucede em outros tribunais, o espaço está pensado apenas para albergar pessoas detidas que aguardam, por períodos relativamente curtos (de algumas horas, no máximo), as diligências judiciais que lhes respeitam.

A zona de detenção é composta por seis celas idênticas, situadas no piso -1 do tribunal, servidas por uma instalação sanitária exterior, situada no centro da ala das celas e com-posta por sanita e lavatório, ambos em louça.

As celas são amplas e não dispõem de maciços em betão nem lavatórios, possuindo apenas um estrado de ferro, muito amplo, com madeira embutida. Não há iluminação artificial, uma vez que — segundo foi referido — as lâmpadas dos candeeiros de teto terão sido arrancadas, assim permanecendo à data da visita. Não sendo o pé direito muito ele-vado, os tetos estavam sujos, por terem sido feitas algumas inscrições.

A circunstância de uma das paredes ser constituída unicamente por grades de ferro permite que as celas tenham luminosidade e que a vigilância das pessoas que se encontrem no seu interior seja feita por observação direta de funcionários situados no corredor de acesso às celas.

No átrio comum está afixada informação sobre os direitos e os deveres do detido, a qual consiste na reprodução das normais legais e regulamentares aplicáveis. Todavia, o tama-nho dos caracteres e a localização escolhida (ainda que frontal às celas, mas no corredor exterior a estas) não permitirá que seja cumprida, na totalidade, a sua função informativa.

No tocante à limpeza das celas, esta é feita diariamente, nos dias úteis, à semelhança das restantes instalações do tribunal.

Durante a visita observou-se que se encontrava presente uma pessoa privada da sua liberdade proveniente do Estabelecimento Prisional de Tires. Aproveitou-se o ensejo para verificar as condições da viatura celular que pode transportar até 10 pessoas, sendo sete os lugares destinados a quem está em reclusão. Refira-se ainda que estes lugares não possuem quaisquer mecanismos de retenção de passageiros.

No que respeita à alimentação, está previsto que esta seja fornecida pela messe da Esquadra de Cascais da PSP ou por um restaurante local, onde é encomendada conforme as necessidades.

Visita n.º 2-2016Data: 2016.06.08Local de detenção: Esquadra do Estoril da Polícia de Segurança Pública (Lisboa)Objeto: Cumprimento dos direitos dos detidos de constituir advogado, de contactar telefonicamente com o defensor e de comunicar com familiar ou pessoa da sua confian-ça. Tempos de detenção. Condições de transporte de detidos em viatura celular ou em

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outro meio de transporte utilizado para o efeito. Procedimentos com vista a indagar se o detido tem pessoas à sua responsabilidade (v.g., menores) e medidas de proteção

No dia 8 de junho de 2016, no final da manhã, o MNP realizou uma visita à Esquadra do Estoril da PSP, por meio da qual se pretendia verificar os seguintes aspetos: cumpri-mento dos direitos dos detidos de constituir advogado, de contactar telefonicamente com o defensor e de comunicar com familiar ou pessoa de confiança; existência de procedi-mentos com vista a indagar se o detido tem pessoas à sua responsabilidade (v.g., meno-res) e medidas de proteção; tempos de detenção e condições de transporte de detidos em viatura celular ou em outro meio de transporte utilizado para o efeito. Refira-se que, no tocante aos dois últimos aspetos, se visava proceder à audição de pessoas privadas da liber-dade, se presentes. Todavia, como, no momento da visita, não havia detidos não se pôde proceder à sua entrevista nem à observação das viaturas que os transportavam.

A zona de detenção é composta, apenas, por uma cela individual, situada em área recuada do piso térreo, mas nas proximidades do átrio de entrada de esquadra. A cela tem um maciço em betão para cama, a baia de proteção e o lavatório em aço inox, todos com cantos arredondados. Para além disso, possui uma bacia de retrete tipo turco, com fluxó-metro embutido na parede, assim como uma janela, localizada a altura adequada, prote-gida por rede metálica e grade exterior e um ponto de iluminação artificial, protegido com rede metálica e acessível pelo exterior e comandado a partir deste. A porta da cela é feita de grades. A limpeza da cela é efetuada cinco dias por semana.

Segundo apurado, pode não ser entregue, a cada detido, roupa de cama descartável, nem cobertores limpos, o que é merecedor de reparo.

De acordo com a informação prestada, aos detidos é comunicado o direito a constituir advogado, podendo contactar o defensor ou o advogado através da linha telefónica fixa da esquadra. É também por este meio que se concretiza o contacto com familiar ou pessoa de confiança. Todavia, foi reconhecido que não existe o hábito — nem indicações nesse sentido — de indagar se os detidos têm pessoas à sua responsabilidade, designadamente crianças ou idosos.

Mencione-se ainda que, da observação do local efetuada pelo MNP, não se vislumbrou nenhum material informativo quanto aos direitos das pessoas privadas da sua liberdade.

Visita n.º 3-2016Data: 2016.06.09Local de detenção: Estabelecimento Prisional de Sintra (Lisboa)Objeto: Procedimentos disciplinares (audição de reclusos que estejam a cumprir sanção em cela disciplinar). Condições do setor da alimentação

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No período da manhã do dia 9 de junho de 2016, o MNP efetuou uma visita ao Esta-belecimento Prisional de Sintra, de modo a aferir o seu espaço físico e as condições do setor da alimentação, designadamente a qualidade e a quantidade das refeições servidas. Procedeu-se também à análise dos procedimentos disciplinares instaurados, tendo em vista a verificação do cumprimento da legislação em vigor nesta matéria, designadamente no tocante à tempestividade do exercício dos direitos dos reclusos visados. No âmbito do objeto da visita previamente definido, o MNP ouviu os reclusos que se encontravam em cumprimento de sanção disciplinar, com o intuito de apurar se os direitos inerentes à sua específica condição estavam a ser respeitados.

No que à alimentação diz respeito, foi possível apurar que a ementa é autorizada men-salmente. Face a tal calendarização, indagou-se a direção acerca da existência de prováveis alterações à mesma, tendo sido informado que, quando tal se revele justificado, as mesmas são autorizadas. No decurso da visita foi possível proceder à prova do almoço, tendo-se concluído pela diversidade de dietas confecionadas (geral, dieta por razões médicas, dieta por razões religiosas e vegetariana), assim com pela razoabilidade da refeição a servir, quer quanto à sua qualidade, quer quanto à sua quantidade. Foi ainda referido que as refeições principais (almoço e jantar) são diariamente objeto de prova por parte da diretora (ou da sua adjunta) e que, semanalmente ou sempre que tal se revele necessário, se procede à pesagem dos elementos que integram a refeição, para aferir do respeito pelas capitações estabelecidas no caderno de encargos.

Nesta matéria foi ainda informado, pela direção, que o estabelecimento prisional se tem debatido com diversas carências, resultantes não só de avarias dos equipamentos de confeção (v.g., panelas), decorrentes do facto de os mesmos estarem, em alguns casos, obsoletos e, a par disso, de a cozinha estar pouco equipada para o que seria expetável e desejável em um estabelecimento com a dimensão do visitado. Mencione-se, todavia que, e ainda de acordo com o afirmado, esta situação tem vindo a ser paulatinamente resolvida, designadamente através da aquisição e da reparação de algumas máquinas. Foi, de igual modo, esclarecido que as instalações afetas a este fim (cozinha e zonas contíguas para lava-gem e armazenamento dos alimentos) têm vindo a ser alvo de intervenção no sentido da sua renovação, em moldes que vieram a ser presencialmente verificados aquando da sua visita.

Verificados os últimos dez processos disciplinares abertos, concluiu-se que, entre a data de entrada da participação e a aplicação de medidas sancionatórias ou disciplinares decor-reram, em média, dois meses, tendo sido sempre ouvidos os arguidos e as suas declarações registadas em auto de interrogatório. Mais se verificou que, nos casos em que houve revista e apreensão de objetos ou substâncias, integravam os processos consultados os registos formais de revista, autos de apreensão, autos de pesagem e autos de entrega na Polícia Judi-ciária. Mais se observou que foi sempre a diretora do Estabelecimento Prisional de Sintra a

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proferir despacho final de aplicação das medidas, precedido do competente relatório final, factual e juridicamente fundamentado.

Manteve-se conversa reservada com todos os cidadãos em cumprimento de medida disciplinar (com duração variável entre os três e os 10 dias), dela resultando, de forma positiva e generalizada, a prestação de cuidados médicos e, alternada ou conjuntamente, de enfermagem, o que era diariamente assegurado.

Visita n.º 4-2016Data: 2016.06.09Local de detenção: Instância Local de Sintra do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste (Lisboa)Objeto: Condições de habitabilidade: iluminação, isolamento contra o frio ou calor, arejamento e sanitários das zonas de detenção. Condições do setor da alimentação. Condições de transporte de detidos em viatura celular ou em outro meio de transporte utilizado para o efeito

No final da manhã do dia 9 de junho de 2016, a Instância Local de Sintra do Tribu-nal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste foi visitada pelo MNP. Com esta visita visou averiguar-se as condições das celas de detenção e do setor da alimentação, assim como as condições de transporte de detidos.

O local visitado possui dois espaços de detenção, sendo a sua utilização feita em função da situação jurídica dos visados (v.g., detidos e presos). O acesso a ambos é reservado e é feito diretamente através da garagem do tribunal, no interior da qual permanecem os carros que asseguram o transporte daqueles: os detidos acedem por meio da garagem dos magistrados, dada a melhor acessibilidade aos serviços do tribunal para identificação e apresentação ao juiz e os reclusos, por seu turno, pela garagem dos funcionários judiciais.

A área de detenção reservada aos presos que aguardam a realização de diligências pro-cessuais é composta por oito celas individuais e por uma casa de banho. A zona de espera dos detidos é, por sua vez, composta por duas celas, servidas por duas casas de banho. Não obstante o facto de se tratar de uma infraestrutura relativamente recente (com 11 anos), os espaços em causa não apresentam as condições mínimas e legalmente exigidas para o efeito: não possuem iluminação natural nem ponto luminoso interior, as suas dimen-sões não são as regularmente exigidas, sem instalações sanitárias e cama, os revestimentos são em cerâmica (azulejo) e o arejamento é, apesar de condutas de ar para climatização, insuficiente.

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Também as instalações sanitárias não respeitam os preceitos normativos a observar neste domínio, uma vez que o lavatório, embora seja em inox, não está incrustado e a bacia de retrete não é de tipo turco.

Os espaços detentivos contam apenas com um banco em alvenaria, semelhante a um balcão que percorre toda a extensão da parede oposta ao gradão e que acompanha o pé direito do local. Esse gradão substitui a porta e delimita a área das celas da do corredor de acesso às mesmas. Refira-se que esta instalação é potencialmente lesiva, dado que é com-posta por barras verticais a espaços atravessadas por outras horizontais que podem facultar a concretização de ideações suicidas.

Na antecâmara de ambas as zonas de detenção visitadas verificou-se a afixação de diver-sas folhas de papel, de fácil acesso pelos ocupantes, das quais consta o elenco de direitos e de deveres dos detidos. Tal informação é disponibilizada nas línguas portuguesa, inglesa, francesa e espanhola.

Os espaços apresentam boas condições de higiene, sendo a sua limpeza, de acordo com a informação prestada, assegurada diariamente, existindo, ainda e em permanência, um elemento do pessoal da empresa contratada que, sempre que necessário, ali se desloca.

As celas em causa não têm sistema de chamada, falha que, no quotidiano do local visi-tado, se colmata com a presença constante de elementos da guarda prisional, das forças de segurança ou dos órgãos de polícia criminal que vigiam as pessoas privadas da liberdade.

Segundo se apurou, não existem dispositivos de vigilância (áudio e vídeo). Quanto à alimentação, apurou-se que as regras observadas são distintas consoante a

situação jurídico-penal dos visados. No caso dos detidos, e dada a existência de refeitó-rio no interior do edifício, as refeições são asseguradas pelos serviços do tribunal, através daquele. Quando estejam em causa reclusos, a referida responsabilidade recai sobre os ser-viços prisionais.

O MNP observou, também, as duas carrinhas celulares que se encontravam presentes no local, uma com uma lotação de seis pessoas e a outra com capacidade para transportar sete reclusos. Nenhum dos veículos estava equipado com cintos de segurança. O interior de ambos, revestido a metal, estava limpo, embora as características estruturais dos mes-mos não favorecessem a devida salubridade e a necessária regulação da temperatura — não possuíam janelas e os espaços laterias abertos estão tapados por rede e grades —, não havendo, por conseguinte, iluminação natural nos mesmos. Os veículos em causa estão equipados com sanitários.

Foi também observado, no local, um veículo policial descaracterizado pertencente à Polícia Judiciária, o qual era bastante antigo.

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Visita n.º 5-2016Data: 2016.06.09Local de detenção: Esquadra de Benfica da Polícia de Segurança Pública (Lisboa)Objeto: Cumprimento dos direitos dos detidos de constituir advogado, de contactar telefonicamente com o defensor e de comunicar com familiar ou pessoa da sua con-fiança. Tempos de detenção. Audição de detidos, designadamente sobre os tempos de detenção e as condições de transporte. Condições de transporte de detidos em viatura celular ou em outro meio de transporte utilizado para o efeito. Procedimentos com vista a indagar se o detido tem pessoas à sua responsabilidade (v.g., menores) e medidas de proteção

Na tarde do dia 9 de junho de 2016, o MNP visitou a Esquadra de Benfica da PSP, tendo em vista aferir o cumprimento dos direitos dos detidos de constituir advogado, de contactar telefonicamente com o defensor e com o familiar ou pessoa de confiança. Verificaram-se igualmente os tempos de detenção e as condições de transporte de deti-dos, bem como a existência de procedimentos para indagar se o detido tem pessoas à sua responsabilidade.

O MNP concluiu que o detido era informado dos seus direitos de constituir advo-gado, de contactar telefonicamente com o respetivo defensor e o familiar ou a pessoa de confiança. Sempre que necessário, a esquadra procede ao contacto com os serviços das embaixadas, a fim de ser disponibilizado um intérprete. Ainda assim, verificou-se que não era facultado folheto traduzido em outros idiomas que não o português, contendo informação sobre os direitos e os deveres de quem se encontra privado da sua liberdade. Observou-se, contudo, que os painéis informativos sobre os direitos e os deveres dos deti-dos encontram-se já atualizados à luz da nova redação introduzida pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, em particular quanto à alínea b), do n.º 3, do artigo 61.º do Código de Processo Penal, de acordo com modelo cedido pela Direção Nacional da PSP.

O detido é autorizado a contactar telefonicamente com o seu defensor, sendo facultada a utilização do telefone da esquadra, por período limitado, quando aquele não estiver na posse de telemóvel. Os contactos presenciais podem ocorrer a qualquer hora do dia ou da noite, em espaço identificado em função das necessidades de cada caso, devidamente salvaguardadas as restrições relativas à privacidade dos detidos.

À data da visita, não se encontravam pessoas detidas na Esquadra de Benfica da PSP, conquanto o espaço possua duas celas individuais, devidamente preparadas em conformi-dade com as normas regulamentares em vigor. De acordo com o relatado, o período da detenção na esquadra assume natureza provisória, com média aproximada de três horas, podendo, no máximo, chegar às seis horas. Uma detenção suscetível de assumir períodos de tempo mais prolongados passa para a responsabilidade do Serviço de Transporte de Detidos do Comando Metropolitano de Lisboa da PSP, o qual se encarrega do respetivo

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levantamento e condução dos cidadãos aos espaços de privação da liberdade ali existentes. O transporte é acompanhado pelo oficial ao serviço da esquadra. Nos casos excecionais de se verificar sobrelotação dos espaços detentivos do local visitados, as pessoas privadas da liberdade são encaminhadas para o mencionado Comando.

A esquadra de Benfica não dispõe de viatura celulares preparadas para o transporte de detidos, titulando apenas quatro veículos destinados à deslocação dos agentes policiais em funções.

Concluiu-se, de igual modo, que a esquadra visitada diligenciava, sempre que necessá-rio, para que fosse prestada assistência aos familiares a cargo da pessoa detida, designada-mente crianças, jovens e idosos, promovendo os contactos com a comissão de proteção de crianças e jovens da área de residência e recorrendo à Linha de Emergência Social (144) destinada a conferir resposta imediata a situações de risco e de exclusão, nesta matéria.

Visita n.º 6-2016Data: 2016.06.09Local de detenção: Esquadra de Telheiras da Polícia de Segurança Pública (Lisboa)Objeto: Cumprimento dos direitos dos detidos de constituir advogado, de contactar telefonicamente com o defensor e de comunicar com familiar ou pessoa da sua con-fiança. Tempos de detenção. Audição de detidos, designadamente sobre os tempos de detenção e as condições de transporte. Condições de transporte de detidos em viatura celular ou em outro meio de transporte utilizado para o efeito. Procedimentos com vista a indagar se o detido tem pessoas à sua responsabilidade (v.g., menores) e medidas de proteção

No período da tarde do dia 9 de junho de 2016, o MNP realizou uma visita à Esquadra de Telheiras da PSP, por forma a aferir o cumprimento dos direitos dos detidos de consti-tuir advogado, de contactar telefonicamente com defensor, bem como com o familiar ou pessoa de confiança. Verificaram-se, igualmente, os tempos de detenção, assim como as condições de transporte de detidos. Por último, foi sinalizada a existência de procedimen-tos para aferir se o detido tem pessoas à sua responsabilidade.

Relativamente ao direito de constituir advogado e de contactar telefonicamente o respetivo defensor, bem como o familiar ou pessoa de confiança, concluiu-se que é asse-gurada a prestação da respetiva informação ao detido, podendo este realizar os referidos contactos através de telemóvel próprio ou do telefone da esquadra.

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Não existindo uma sala própria para reunião com o defensor ou familiar do detido, sempre que necessário é disponibilizada a sala de apoio à vítima ou o gabinete do gra-duado de serviço.

No âmbito da informação sobre os direitos e deveres dos detidos, a esquadra dispõe do respetivo painel. No entanto, foi possível apurar que não é facultado ao detido folheto traduzido nos diversos idiomas, tal como previsto regulamentarmente.

A esquadra de Telheiras não dispõe de celas de detenção, sendo que à data e hora da visita ali não se encontravam pessoas detidas. Por norma, os detidos são notificados e liber-tados. Sempre que a detenção assume um período de tempo mais prolongado, o detido é transferido para o Comando Metropolitano de Lisboa. Raramente se dá a transferência de detidos para a Esquadra de Benfica da PSP, o que, todavia, pode ocorrer por razões de segurança.

A esquadra de Telheiras da PSP não tem viaturas celulares preparadas para o transporte de detidos, dispondo apenas de um veículo destinado à deslocação dos agentes em fun-ções. Assim, o transporte de detidos é assegurado pelo Serviço de Transporte de detidos do Comando Metropolitano de Lisboa da PSP que se encarrega do levantamento e con-dução dos cidadãos aos espaços de privação da liberdade ali existentes.

Foi, ainda, observado que é sempre verificada a existência de pessoas a cargo do detido, designadamente crianças, jovens e idosos, promovendo-se as diligências e os contactos necessários ao controle destas situações.

Visita n.º 7-2016Data: 2016.06.23Local de detenção: Comando Metropolitano de Lisboa da Polícia de Segurança Pública (Lisboa)Objeto: Condições de transporte de detidos em viatura celular ou em outro meio de transporte utilizado para o efeito. Audição de detidos, designadamente sobre os tempos de detenção e as condições de transporte

No dia 23 de junho de 2016, no período da manhã, o Comando Metropolitano de Lisboa da PSP foi objeto de uma visita do MNP, com vista a verificar as condições em que se realiza o transporte das pessoas privadas da liberdade.

O serviço de transporte é efetuado por duas viaturas celulares, com capacidade para seis pessoas cada. Os veículos têm horas específicas para saída, sendo que, mediante autoriza-ção do oficial de dia, o transporte poderá ser realizado fora do horário previamente con-vencionado. O mencionado serviço encarrega-se do levantamento de todos os cidadãos

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detidos nas esquadras da PSP sitas em Lisboa, em zonas certificadas, assegurando a respe-tiva condução aos espaços de privação de liberdade existentes em Moscavide (13 celas com capacidade para 25 pessoas).

Em regra, a detenção não excede as seis ou sete horas, com exceção dos casos especifi-camente discriminados pelo mandado de detenção.

Os pedidos são formalizados através de correio eletrónico pela esquadra competente ou por intermédio da central telefónica existente no Comando. Segundo foi transmitido, não foram identificadas quaisquer anomalias quanto à operacionalização das pretensões efetuadas. Após dar entrada, o pedido é encaminhado para o oficial ao serviço.

O quantitativo de viaturas disponíveis apresenta-se suficiente, havendo a possibilidade de, em situações excecionais, ser requisitado o auxílio do Núcleo de Logística.

Por norma, os pedidos não são registados, apenas se exigindo procedimento diverso em duas situações particulares: quando está em causa o transporte de refeições, ou quando a entidade requisitante é a Polícia Judiciária ou o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), no âmbito do cumprimento de mandados de detenção europeu. De acordo com o que foi transmitido, o relatório do motorista da viatura celular revela-se suficiente para controlo das situações sinalizadas.

Verificou-se, de igual modo, que o serviço de transporte de detidos do Comando Metropolitano de Lisboa da PSP se processa em estreita colaboração com a Divisão de Loures da PSP, a qual dispõe também de uma viatura celular.

Nos termos de circular interna emitida já no decurso de 2016, a Divisão de Loures procede à recolha de detidos e respetiva condução às celas existentes no Comando visi-tado, durante os sábados e domingos, sendo que na segunda-feira seguinte os detidos são novamente recolhidos por aquela Divisão e conduzidos ao tribunal competente.

Visita n.º 8-2016Data: 2016.09.28Local de detenção: Posto Territorial da Costa da Caparica da Guarda Nacional Republicana (Setúbal)Objeto: Condições de habitabilidade da zona de detenção. Cumprimento dos direitos dos detidos de constituir advogado, de contactar telefonicamente com o defensor e de comunicar com familiar ou pessoa da sua confiança. Condições de trabalho dos mili-tares, designadamente quanto ao alojamento e à alimentação

No período da manhã do dia 28 de setembro de 2016, o MNP realizou uma visita ao Posto Territorial da Costa da Caparica da GNR, tendo como propósito averiguar as

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condições de habitabilidade dos espaços de detenção — designadamente em termos de salubridade, climatização e iluminação —, aferir os termos do exercício dos direitos de comunicação dos detidos e, outrossim, verificar as condições de trabalho dos militares.

O edifício afeto ao posto é composto por dois pisos e tem, segundo informado, cerca de oito anos de existência, apresentando, em geral, boas condições físicas. A zona de deten-ção localiza-se no rés-do-chão, sendo próxima da área de permanência dos funcionários policiais e não confinante com espaços abertos ao público. É constituída por duas celas que estão paralelamente dispostas, sendo mediadas por uma antecâmara comum.

Na antecâmara está instalado um sistema de videovigilância que abrange as zonas de acesso às celas, sendo as imagens gravadas e conservadas durante 30 dias. A vigilância é monitorizada, em tempo real, pelos funcionários policiais que se encontram no gabinete de atendimento ao público.

Cada cela dispõe de uma cama composta por um maciço em betão, uma bacia de retrete tipo turco, protegida por uma baia e, em frente, um lavatório em aço inox com torneira temporizada. A torneira de segurança encontra-se no exterior. Existe um dispositivo de alarme para chamada do militar vigilante em caso de necessidade de assistência. As portas das celas são feitas em chapa de ferro, abrindo para o exterior, e contêm um visor de por-tinhola que permite uma visão total do interior. O pavimento é constituído por material cerâmico, de cor cinzenta, e as paredes têm textura de tinta de areia de cor clara (bege). A pintura apresenta-se uniforme, com exceção de algumas zonas degradadas por suposta atuação dos detidos. A necessidade de realização de obras de conservação de pintura já foi sinalizada superiormente.

As celas têm iluminação natural, proveniente de uma janela protegida por grade inte-rior de proteção, sendo a sua abertura realizada pelo exterior. Para além disso, os mencio-nados espaços possuem iluminação artificial, proveniente de um foco luminoso situado no interior de cada cela na parede contígua com a antecâmara, por cima da porta, devida-mente protegido por grade metálica

Todos os espaços e os equipamentos referidos cumprem as medidas e as formas (arestas e ângulos arredondados) legalmente estabelecidas.

A cada detido é dispensado um conjunto de roupa de cama descartável e um cober-tor. Os cobertores são devidamente lavados após cada utilização. Não foi, possível apurar, porém, se este processo de limpeza inclui uma desinfeção adequada.

A limpeza das celas é feita diariamente, por empresa especializada, a qual é também responsável pela realização de operações periódicas de desinfeção. Anualmente, é ainda realizado um processo de desinfestação, nomeadamente contra ratos e baratas.

Consoante o tempo de permanência, a cada detido é fornecida alimentação adequada (pequeno-almoço, almoço, lanche, jantar), providenciada por uma empresa de restaura-ção local.

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Segundo apurado, por ocasião de cada detenção é transmitida oralmente ao detido toda a informação relativa aos direitos e aos deveres de que é titular. Idêntica informação encontra-se reproduzida por escrito (nas línguas portuguesa, espanhola, inglesa e fran-cesa) em painel visível afixado na parede da antecâmara que medeia as celas.

De acordo com o relatado, o contacto telefónico do detido com familiares ou pessoas de confiança e com o defensor é sempre garantido, existindo uma sala própria reservada para encontro presencial com este último.

Por ocasião da visita do MNP, não se encontrava presente qualquer pessoa detida. No que respeita às situações de patologias do foro mental, verificou-se existir um livro

de registos próprio, devidamente assinalado e diferenciado dos restantes. Nos casos de internamento compulsivo — quer seja por ação oficiosa ou por mandato do Delegado de Saúde Pública —, é feito um auto de notícia e o doente é transportado para o hospital de referência através de ambulância, solicitada por via do Instituto Nacional de Emergência Médica, I.P. (INEM), sendo o expediente imediatamente comunicado, via faxe, ao Minis-tério Público. De acordo com o apurado, estes casos de conduções de doentes a unidades hospitalares são semanalmente recorrentes, verificando-se que a maior parte derivam de mandados de condução emitidos pelas Autoridades de Saúde.

No que respeita às condições de trabalho dos 43 militares que ali laboram, verificou-se que as mesmas são bastante satisfatórias.

A entrada na instituição visitada é feita pelo rés-do-chão, onde se situam o gabinete de atendimento ao público, um gabinete de inquérito, um gabinete apto para se fazer o reco-nhecimento e salas próprias reservados para os Núcleos de Apoio Técnico e para o Núcleo de Investigação e Apoio a Vítimas Específicas.

O atendimento em casos de violência doméstica considerada de baixo ou médio risco — que se registam, em média, cerca de 50 casos por ano — é realizado no gabinete comum de inquéritos. O atendimento em casos de violência doméstica considerado de alto risco — registam-se, em média, cerca de dez casos por ano — é feito, com maior privacidade, em uma sala própria que também está preparada, em termos de decoração, conforto, cli-matização e acessórios (brinquedos), para receber crianças.

Este andar dispõe, ainda, de duas instalações sanitárias para os utentes do posto, uma das quais se encontra preparada e equipada para pessoas com mobilidade reduzida.

No piso superior situam-se o gabinete do Primeiro-Sargento e dos dois Sargentos-Ad-juntos, as casernas feminina e masculina (14 no cômputo geral), bem como os respetivos vestiários e instalações sanitárias (com duches), também diferenciados para os géneros feminino e masculino. A circulação e estada de militares com mobilidade reduzida tam-bém estão acauteladas através de um quarto preparado para o efeito e de um elevador que permite a deslocação entre pisos.

Existe, no piso superior, uma sala dividida em zona de estar (com sofás e matraquilhos) e em zona para refeições, equipada com todos os pequenos e médios eletrodomésticos

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(designadamente, fogão, máquina de lavar loiça, frigorífico, micro-ondas) necessários para armazenamento, confeção e aquecimento da comida dos funcionários policiais, que são responsáveis pela sua própria alimentação.

O posto dispõe ainda de uma sala de convívio (com televisão, sofás e mesa de ping--pong) e de uma sala onde funciona um ginásio para os militares.

Quanto ao sistema informático, foi referido que o mesmo é adequado, tendo, aliás, todo o hardware sido recentemente substituído por equipamento mais moderno.

Verificou-se que todos os arquivos se encontram bem organizados, existindo um livro de registo de detidos e boletins individuais dos detidos, cada um contendo todos os ele-mentos legalmente exigidos.

Refira-se, ainda, que, a par da realização de pequenas reparações estruturais no decor-rer do presente ano, fica por arranjar os portões automáticos de acesso à garagem, os quais se encontram avariados.

Visita n.º 9-2016Data: 2016.09.28Local de detenção: Posto Territorial da Charneca da Caparica da Guarda Nacional Republicana (Setúbal)Objeto: Condições de habitabilidade da zona de detenção. Cumprimento dos direitos dos detidos de constituir advogado, de contactar telefonicamente com o defensor e de comunicar com familiar ou pessoa da sua confiança. Condições de trabalho dos mili-tares, designadamente quanto ao alojamento e à alimentação

No dia 28 de setembro de 2016, no período da manhã, o Posto Territorial da Charneca da Caparica da GNR foi objeto de uma visita do MNP, a qual teve como desiderato a ave-riguação das condições de habitabilidade dos espaços de detenção — designadamente, em termos de salubridade, climatização e iluminação —, a aferição dos termos do exercício dos direitos de comunicação dos detidos e, outrossim, a verificação das condições de trabalho dos militares.

O edifício afeto ao posto é composto por dois pisos e tem, segundo informado, cerca de 10 anos de existência, apresentando, em geral, boas condições físicas.

A zona de detenção localiza-se no rés-do-chão, sendo próxima da área de permanência de funcionários policiais e não confinante com espaços abertos ao público. É constituída por duas celas contíguas, ambas confluindo para uma antecâmara comum. Nesta antecâmara está instalado, há cerca de três meses, um sistema de videovigilância que abrange as principais zonas de acesso às celas, sendo as imagens gravadas e conservadas durante trinta dias.

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Cada cela dispõe de uma cama composta por um maciço em betão, uma bacia de retrete tipo turco, protegida por uma baia e, em frente, um lavatório em aço inox com torneira temporizada. A torneira de segurança encontra-se no exterior. Existe um dispositivo de alarme para chamada do militar vigilante em caso de necessidade de assistência. As portas das celas são feitas em chapa de ferro, abrindo para o exterior, e contêm um visor de por-tinhola que permite uma visão total do interior. O pavimento é constituído por material cerâmico, de cor cinzenta, e as paredes têm textura de tinta de areia de cor clara (bege), aparentando bom estado. Indica-se que as últimas obras de conservação foram realizadas há cerca de seis meses. Ambas as celas beneficiam de iluminação artificial, proveniente de um foco luminoso situado no teto da antecâmara, e de iluminação natural, proporcionada por uma janela intermediada por grade interior de proteção. No entanto, verificou-se que as janelas instaladas não abrem e, em consequência, o arejamento das celas é insuficiente.

Todos os espaços e equipamentos referidos cumprem as medidas e formas (arestas e ângulos arredondados) legalmente estabelecidas.

A cada detido é dispensado um conjunto de roupa de cama descartável e um cobertor. Verificou-se, porém, que os cobertores existentes apresentam visível sujidade, tendo-se apurado que nem sempre são lavados após a utilização.

A limpeza das celas é feita diariamente, por uma empresa especializada, sendo mensal-mente realizado um processo de desinfestação.

Segundo aduzido, por ocasião de cada detenção é transmitida oralmente ao detido toda a informação relativa aos direitos e aos deveres de que é titular. Idêntica informação encontra-se reproduzida a escrito (nas línguas portuguesa, espanhola, inglesa e francesa) em painel visível afixado na parede da antecâmara que confina com ambas as celas.

De acordo com o relatado, o contacto telefónico do detido com familiares ou pessoas de confiança e com o defensor é sempre garantido, existindo uma sala própria reservada para reunião presencial com este último.

Verificou-se que existem cofres onde os detidos podem depositar os seus pertences sob a elaboração de um auto de depósito.

Por ocasião da visita, não se encontrava presente qualquer pessoa detida.No que toca às situações de patologias do foro mental, foi asseverado o cumprimento

de todos os procedimentos legalmente estabelecidos, sendo os doentes sujeitos a pedidos de internamento compulsivo imediatamente encaminhados para o hospital de referência através de ambulância, solicitada através do INEM, sem nunca permanecerem detidos no posto.

No que respeita às condições de trabalho dos 38 militares que ali laboram, verificou-se que as mesmas são bastante satisfatórias. As casernas, os vestiários e as instalações sanitárias encontram-se diferenciados para os géneros feminino e masculino e apresentam, em geral, boas condições físicas. Por comparação com a logística denotada no Posto Territorial da Costa da Caparica da Guarda Nacional Republicana, sob a responsabilidade do mesmo

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Comandante, verificou-se, todavia, alguma ausência de rigor no que toca à organização e arrumação dos espaços comuns aos militares. Existe, ainda, uma sala de convívio e uma cozinha equipada com todos os pequenos e médios eletrodomésticos (designadamente, fogão, máquina de lavar loiça, frigorífico e micro-ondas) necessários para armazenamento, confeção e aquecimento da comida dos funcionários policiais, que são responsáveis pela sua própria alimentação.

Não obstante se as condições físicas das instalações visitadas se apresentarem razoáveis, saliente-se a insuficiente limpeza dos cobertores e a reduzida ventilação das celas, já ante-riormente mencionadas.

Visita n.º 10-2016Data: 2016.09.28Local de detenção: Instância Local do Barreiro do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa (Setúbal)Objeto: Condições de habitabilidade da zona de detenção. Condições do setor da alimentação

No final da manhã do dia 28 de setembro de 2016, o MNP efetuou uma visita à Instân-cia Local do Barreiro do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa para verificar as condi-ções de habitabilidade dos espaços de detenção — em termos de iluminação, temperatura, limpeza e arejamento —, bem como o fornecimento da alimentação a quem se encontra privado da liberdade.

A zona de detenção do tribunal está ativa e situa-se na cave, sem acesso direto aos espa-ços abertos ao público, mas com acesso direto à garagem, onde estacionam as carrinhas celulares e, através de elevador, à sala de audiências, permanecendo os funcionários poli-ciais na proximidade.

A zona de detenção destina-se a detidos que aguardam audiência e, não obstante ser composta por 10 celas, apenas duas estão ativas para detenção (uma delas com a porta avariada), destinando-se as restantes a arrumação ou simplesmente inativas.

As celas têm as dimensões adequadas, em área e pé direito. O pavimento é revestido a material cerâmico e as paredes e tetos pintados, lisos e a cor branca. Apenas dispõem de iluminação artificial, com um ponto luminoso no seu interior e por cima da porta, o qual não está protegido por grade metálica, sendo que o acesso está impossibilitado pela altura a que se encontra e o comando é efetuado pelo exterior. Existem outros pontos luminosos no corredor de acesso às celas. Não há qualquer tomada de corrente ou comando de ilumi-nação nas celas. Há um banco corrido para descanso. A porta da cela é em grades verticais,

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abrem para o exterior e permitem uma visão total da cela. Não há dispositivo de chamada dentro da cela. Nas suas paredes estão afixados os direitos e os deveres dos detidos, sendo que, em uma delas a mencionada informação estava nas línguas portuguesa, inglesa, fran-cesa e espanhola, tal como legalmente exigido.

As duas instalações sanitárias — para ambos os géneros — situam-se fora das celas e os seus sanitários são em loiça, tendo o lavatório torneira temporizada e a retrete autoclismo de mochila. O ar tem renovação permanente. Existe uma boca-de-incêndio no exterior da cela.

A climatização está assegurada em tempo de calor excessivo, como verificado no dia da visita, mas poderá estar comprometida em situação de frio, pela localização das celas. Apesar de não ter arejamento natural, o ar é renovado de forma permanente.

A cela ativa é objeto de limpeza diária, por empresa de limpeza contratada, apresen-tando-se limpa e, quando necessário, sujeita a operação de desinfeção e de desinfestação, tendo a última ocorrido no mês de outubro do ano de 2014.

Com exceção da verificação das fechaduras, o tribunal não foi sujeito a quaisquer obras, mantendo-se, ainda assim, conservado.

A vigilância é feita através de dispositivos de áudio e de vídeo, situados no exterior da cela, com painel visível na receção. A gravação e o arquivo de imagens estão a cargo de uma empresa externa. É feita guarda à vista.

A alimentação, no caso de ser necessária, é assegurada por restaurante da área, cons-tando habitualmente de sopa, sandes e sumo.

A garagem dispõe de três lugares para estacionamento de viaturas celulares.

Visita n.º 11-2016Data: 2016.09.28Local de detenção: Instância Central do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa (Lisboa)Objeto: Condições de habitabilidade da zona de detenção. Condições do setor da alimentação

Na tarde do dia 28 de setembro de 2016, o MNP realizou uma visita à Instância Cen-tral Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, com vista a averiguar as condições de habita-bilidade dos espaços de detenção — em termos de iluminação, temperatura, limpeza e are-jamento —, bem como o fornecimento da alimentação às pessoas privadas da liberdade.

A zona de detenção do tribunal está ativa e com duas áreas distintas, uma afeta à PSP e outra aos serviços prisionais. São contíguas, ainda que formalmente separadas, sem acesso

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direto aos espaços abertos ao público e os funcionários policiais permanecem na proxi-midade. Ambas as áreas estão integradas na cave, sendo a sua ventilação artificial e o ar monitorizado pela empresa que gere o condomínio. Os filtros são mudados com frequên-cia e de acordo com os relatórios elaborados para o efeito. A climatização e o isolamento estão assegurados. Dispõem de equipamento de alarme de incêndio, designadamente de extintores de forma regulamentar e detetores de fumos que acionam ao alarme.

A ligação com o exterior é feita em segurança: os portões abrem apenas com comando interior, os carros entram na garagem e, só depois de o portão estar fechado, abrem as por-tas de acesso direto à zona de detenção, sendo os detidos conduzidos diretamente às celas. O acesso às zonas é feito com cartões magnéticos individualizados que cada agente possui.

O sistema de vigilância consiste em um circuito fechado de televisão que as áreas dispõem nos respetivos corredores, assegurado por empresa externa. Já o tratamento de dados é assegurado por central de segurança à qual se poderão pedir as gravações caso seja necessário.

A limpeza é assegurada por uma empresa contratada pelos serviços do Ministério da Jus-tiça, procedendo à desinfeção e à desinfestação regulamentares ou sempre que necessário.

Os tradutores são sempre assegurados, com maior ou menor rapidez consoante seja fim de semana ou a língua menos comum.

As refeições — compostas por sopa, prato, fruta e pão — são asseguradas, sempre que necessário e em qualquer das zonas, pelo Estabelecimento Prisional instalado junto da Polícia Judiciária de Lisboa.

Especificamente, a área de detenção afeta à PSP destina-se a pessoas detidas em fla-grante delito ou em situação de passagem. Nesta zona estão sempre dois elementos vigi-lantes em permanência, os quais revistam os detidos e apreendem-lhes os seus bens, após procedimento de elaboração de auto de apreensão, assinado pelos detidos, quer à entrada quer à saída (após a devolução), sempre com referência à data e hora. Os telefonemas são facultados desde que autorizados com ordem do juiz.

Esta área é composta por 10 celas ativas, sendo nove utilizadas com o fim de deten-ção, uma das quais, mais resguardada, afeta a mulheres. No caso de haver idosos, estes são colocados na cela mais próxima dos agentes policiais. A cela não utilizada para detenção funciona como refeitório. Estão dotadas de banco corrido embutido em cimento para descanso. Apenas dispõem de iluminação artificial, com dois pontos luminosos dentro das celas e inacessíveis, sendo que a iluminação de referência se encontra no teto do corredor e fora das celas. As portas das celas são feitas com barras de ferro verticais permitindo plena visualização. Todas possuem as dimensões adequadas, em área e pé direito, sendo o pavi-mento revestido a material cerâmico e as paredes e tetos pintados e lisos em creme claro. Algumas paredes apresentavam-se com alguns desenhos, frases ou mesmo localmente van-dalizadas, tendo sido referido a este respeito que foi pedido um estudo arquitetónico no

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sentido de encontrar solução com vista à utilização de materiais que impossibilitem a sua vandalização.

Este espaço dispõe de duas instalações sanitárias — para ambos os géneros — dotadas de lavatório, com torneira temporizada, e retrete com fluxómetro embutido na parede, ambos em inox. Dispõe ainda de uma instalação com chuveiro em poliban de loiça embutido.

Existe, também, uma sala para advogados, a qual apresenta boas condições. A área de detenção afeta à zona prisional e à vigilância do corpo da guarda prisional é

composta por oito celas, seis das quais com arquitetura e tipologia idêntica às que com-põem a zona de detenção afeta à PSP e antes descritas. Duas das celas diferem, estando afetas a pessoas do género feminino e com vista a um maior resguardo. Por esta razão, as portas são em chapa de ferro, com abertura para o exterior e com visor de portinhola em vidro e adequado. Este espaço dispõe de duas instalações sanitárias — para os dois géneros —, dotadas de lavatório, com torneira temporizada, e retrete com fluxómetro embutido na parede, ambos em inox. Os caixotes do lixo disponíveis são descartáveis.

Visita n.º 12-2016Data: 2016.09.30Local de detenção: Centro de Instalação Temporária do Aeroporto de Lisboa (Lisboa)Objeto: Condições de vida das pessoas que se encontram no centro de instalação temporária de estrangeiros. Averiguação, por meio da realização de entrevistas, da observância do direito a um tratamento digno

Na manhã do dia 30 de setembro de 2016, o MNP visitou o Centro de Instalação Temporária (CIT) do Aeroporto de Lisboa, de modo a averiguar, por meio de realização de entrevistas, as condições ali existentes para a permanência de estrangeiros em situação de recusa de entrada e requerentes de asilo, aferindo se o tratamento a que estão sujeitos é condigno.

O CIT está situado no próprio edifício do aeroporto, tendo acesso, para utentes e outros visitantes, apenas pelo seu interior, o que dificulta, por via das formalidades de registo e autorização associadas, a circulação de pessoas e bens.

Os elementos da empresa de segurança privada que estão afetos ao CIT eram, no momento, de ambos os géneros.

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As entrevistas com os ocupantes — realizadas em diversos idiomas (português, inglês, francês e espanhol) — decorreram sempre em ambiente reservado e em locais escolhidos pelos ocupantes.

A população do CIT era constituída por cidadãos originários de África, da América do Sul e da Europa.

O CIT dispõe de duas alas simétricas ocupadas em função do motivo da permanência (requerentes de asilo ou cidadãos inadmissíveis no nosso território), não existindo divisão em função do género.

Não se observou a existência de locais específicos destinados ao alojamento de famílias ou menores, tendo-se verificado, porém, que, nos quartos femininos, existiam camas de grades.

À data da visita, encontravam-se na ala dos inadmissíveis 15 ocupantes, dos quais 11 eram do género masculino e quatro do género feminino, sendo seis oriundos do Brasil, dois da Albânia e, cada um dos restantes, do Afeganistão, da Ucrânia, da Guiné Bissau, da Índia, da Rússia, da Suécia e da Arménia. Por seu turno, na ala dos requerentes de asilo, estavam 16 ocupantes, dos quais 13 eram do género masculino e três do género feminino, sendo dois oriundos da Venezuela, dois do Senegal, dois da Guiné-Bissau, dois da Gâm-bia, dois de Angola e, cada um dos restantes, da Serra Leoa, do Reino Unido, do Gana, da Guiné Conacri, do Congo e de França.

O MNP verificou que metade dos ocupantes da ala dos inadmissíveis permanecia no local visitado muito para além do limite das 48 horas. Com efeito duas pessoas encon-travam-se no CIT há 28 dias, outras duas há 18 dias, uma há 12 dias, outra há 11 dias e, ainda, uma outra há sete dias.

Na sequência da audição de todos as pessoas que ali se encontravam privadas da liber-dade, conclui-se que os contactos com quem desejaram (v.g., familiares, advogados ou defensores e representações diplomáticas ou consulares) foram permitidos, designada-mente por meio de chamada telefónica com a duração máxima de cinco minutos. Este contacto telefónico é, contudo, realizado na receção do CIT, na presença de quem ali se encontre a prestar serviço e, portanto, sem qualquer privacidade. Quando esgotado o período de tempo referido, apenas é autorizada a realização de chamadas a expensas próprias, nos telefones que se encontram nas alas. Verificámos, ainda, não ser possível a posse de telemóveis nem acesso a computador. É, de igual modo, de registar que o telefone público existente na ala dos requerentes de asilo se encontrava avariado há mais de 20 dias. Mencione-se, também, que as pessoas privadas da liberdade que ali se encontrem não podem receber chamadas do exterior nem efetuar chamadas cobradas no destino.

No tocante aos meios de ocupação dos tempos livres, registou-se a escassez de recursos: não existem livros nem revistas. Para além disso, na ala dos requerentes de asilo, existia uma televisão sem imagem há cerca de 24 dias, sendo que o televisor instalado na ala dos inadmissíveis se encontrava em funcionamento.

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Os espaços exteriores, um em cada ala, correspondem a pátios descobertos que podem ser acedidos intermitentemente, no horário estabelecido no regulamento do CIT (que se encontra apenas afixado, na portaria, em língua portuguesa). Tais áreas são exíguas face à lotação prevista e não possuem quaisquer equipamentos.

No interior de cada uma das alas existe uma sala de estar e de convívio, a qual se apre-senta como um espaço amplo com mesas e cadeiras.

As instalações revelavam a necessidade de serem objeto de obras de conservação, como se verificou com o facto de a tela do teto de um dos quartos pender sobre um dos beliches. A iluminação natural dos quartos é escassa e o arejamento insuficiente, características que se mostram inadequadas para o alojamento de pessoas. O local visitado encontrava-se em bom estado de limpeza

Em geral, a alimentação foi considerada inapropriada em termos de qualidade e de quantidade (a comida é fornecida em unidoses). É, contudo, assegurada resposta ade-quada às diversas necessidades, seja por causa da religião seja por motivos de saúde.

O MNP escutou várias queixas sobre a ocorrência de manchas na pele que apareceram durante a permanência no CTI, assim como relatos de recusa de tratamento médico (em ambas as alas). Alguns ocupantes do CIT transmitiram ao MNP que as ocorrências são triadas pelo pessoal em serviço e a decisão sobre a necessidade de assistência médica é por eles tomada de forma arbitrária. O apoio médico é centrado na atividade da Cruz Verme-lha, sediada no Aeroporto de Lisboa.

Foram também ouvidos relatos de um episódio de violência física (duas bofetadas) sobre um dos ocupantes da ala dos requerentes de asilo, que informou não pretender apre-sentar queixa.

Os ocupantes da ala dos inadmissíveis queixaram-se de não ter acesso à bagagem e de não lhes ser facultada muda de roupa. Em ambas as alas verificou-se inexistir espaço ou equipamento próprio para a lavagem e secagem de roupa.

A cada um dos ocupantes é fornecido um kit de higiene, bem como uma toalha de rosto, um cobertor, e lençóis descartáveis. Registe-se que, ainda a propósito das condições de higiene, algumas pessoas queixaram-se da temperatura (fria) da água dos duches e da inexistência de secador para cabelo.

Visita n.º 13-2016Data: 2016.09.30Local de detenção: Estabelecimento Prisional de Elvas (Portalegre)Objeto: Contactos com a direção. Condições de alojamento em regime aberto. Formas de ocupação dos reclusos

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No dia 30 de setembro de 2016, no período da manhã, o MNP levou a cabo uma visita ao Estabelecimento Prisional de Elvas, tendo em vista verificar as condições dos seus alo-jamentos e as formas de ocupação dos reclusos ali afetos.

À data da visita estavam presentes 56 reclusos para uma lotação total de 54 pessoas, encontrando 51 deles a frequentar atividades de formação escolar. No tocante à ocupa-ção laboral, foi indicado que 16 pessoas estão a exercer funções de limpeza, encontrando outras seis na reparação de máquinas de café e outras 18, em regime de voluntariado, na recuperação do próprio alojamento.

São asseguradas várias atividades de ocupação de tempos livres. No âmbito das ativida-des socioculturais e desportivas, foram realizadas sessões com a colaboração de entidades externas que englobaram uma média de 19 reclusos por sessão. Foram, igualmente, reali-zadas ações de sensibilização na área da saúde (prevenção do suicídio e comportamentos aditivos), dos crimes estradais e de empregabilidade. Estas ações contam com uma forte adesão dos reclusos.

Existem parcerias com entidades externas que promovem a realização de ciclos de cinema, musicais, sessões de leitura e atividades no âmbito das artes plásticas.

Relativamente aos contactos com a direção, foi informado que, uma vez por semana, a diretora recebe os reclusos que se inscreveram no livro de registos disponibilizado na zona prisional para o efeito. Existe também uma caixa de comunicação, localizada na zona prisional, onde os reclusos colocam variados pedidos, os quais são reencaminhados para os respetivos departamentos após triagem realizada pelo chefe de ala.

O MNP visitou a camarata destinada aos reclusos em regime aberto, bem como a que se utiliza para o cumprimento de prisão por dias livres. A primeira tem capacidade para 12 pessoas, albergando, no momento da visita, apenas 10. Este espaço foi ampliado e as suas condições de ventilação são razoáveis. No verão, devido às altas temperaturas que se fazem sentir na região, são autorizadas ventoinhas. Registe-se, ainda, as satisfatórias condições dos sanitários, bem como a privacidade resultante da sua individualização. A camarata destinada ao cumprimento da prisão em dias livres apresenta, por sua vez, boas condições de habitabilidade e ventilação. Tem capacidade para seis pessoas e possui um acesso pelo exterior, de modo a evitar o contacto destes cidadãos com os que se encontram em regime fechado. Atualmente, das 13 pessoas que deveriam cumprir esta pena substi-tutiva apenas três se apresentam. Os sanitários têm, também, boas condições de higiene e de privacidade.

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Visita n.º 14-2016Data: 2016.09.30Local de detenção: Instância Local de Elvas do Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre (Portalegre)Objeto: Condições de habitabilidade da zona de detenção. Condições do setor da alimentação

No final da manhã do dia 30 de setembro de 2016, a Instância Local de Elvas do Tri-bunal Judicial da Comarca de Portalegre foi objeto de uma visita do MNP, tendo como fito verificar as condições de habitabilidade da sua zona de detenção e o modo como se processa, se necessário, o fornecimento de alimentação a quem ali se encontra privado da sua liberdade.

A zona de detenção é composta por duas celas, situadas no rés-do-chão e servidas por uma instalação sanitária exterior, mas contígua, a reclamar obras de conservação. Os dois espaços de detenção têm a mesma área e iluminação natural, a qual provém da claridade que entra pela janela de grades em ferro na parede frontal do espaço. A porta é de madeira, à semelhança daquela que dá acesso ao átrio comum, no qual as janelas não ostentam gra-des nem possuem hipótese de abertura. Esta circunstância prejudica o isolamento contra o calor.

As celas não têm condições para que os detidos nelas pernoitem, não tendo quaisquer maciços em betão (lavatório, cama ou baia de proteção), estando apetrechadas somente com um banco de madeira que serve de assento. De acordo com o informado, o espaço está pensado apenas para albergar pessoas detidas que aguardam, durante períodos rela-tivamente curtos (de algumas horas, no máximo), pelas diligências judiciais que lhes res-peitem. Para eventuais períodos de detenção mais longos, o tribunal solicita a colaboração das forças policiais.

No átrio comum às celas está afixada informação sobre os direitos e os deveres do detido. Fica, todavia, a perceção de que, embora formalmente cumprida a obrigação de afixação, o tamanho dos caracteres e a localização escolhida não permitirá que seja cum-prida a sua função informativa.

A limpeza das celas é feita diariamente, à semelhança das restantes instalações do tribunal.

Durante a visita não se encontrava qualquer pessoa detida.

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Visita n.º 15-2016Data: 2016.09.30Local de detenção: Posto Territorial de Elvas da Guarda Nacional Republicana (Portalegre)Objeto: Condições de habitabilidade da zona de detenção. Cumprimento dos direitos dos detidos de constituir advogado, de contactar telefonicamente com o defensor e de comunicar com familiar ou pessoa da sua confiança

No dia 30 de setembro de 2016, no período da tarde, o MNP visitou o Posto Territo-rial de Elvas da Guarda Nacional Republicana, tendo em vista verificar as condições de habitabilidade da sua zona de detenção, assim como a observância dos direitos dos detidos de constituir advogado, de contactar telefonicamente com o defensor e de comunicar com familiar ou pessoa de confiança.

Por ocasião da visita, não se encontrava presente qualquer pessoa detida. O espaço de detenção, situado no piso térreo de edifício distinto do edifício central, é

composto por uma antecâmara e duas celas individuais. As condições de ventilação e de iluminação natural não são plenamente satisfatórias. As condições de higiene são igual-mente negativas, notando que os colchões, as almofadas e os cobertores dispostos sobre as camas estavam sujos. De acordo com o informado, a cada detido é entregue roupa de cama descartável, a qual é recolhida no final da detenção. Embora sustentado que a lim-peza é assegurada após a saída de cada detido, tal facto não pode ser aferido nem resultou indiciado.

Na cela localizada à direita do vestíbulo, a janela conflui para um espaço interior, dificilmente fornecendo adequada iluminação natural e ventilação. No outro espaço de detenção, por seu turno, o vidro da janela estava partido. Em ambos faltava vidro no visor da porta de acesso.

O MNP foi informado da indisponibilidade para acolhimento de detidos em número superior a dois, hipótese que a verificar-se exige o pedido de apoio de outras unidades do Comando. Não é habitualmente praticada guarda à vista, devendo os detidos recorrer ao dispositivo para emissão de sinal sonoro para chamada do militar vigilante em caso de necessidade de assistência.

Na parede do local onde se situa a receção do posto, bem como na antecâmara das celas de detenção, encontravam-se afixados painéis com informação sobre os direitos e os deveres dos detidos com redação em português, inglês, francês e espanhol. Embora formalmente cumprida a obrigação de afixação, o tamanho dos caracteres e a localização escolhida, usada meramente para passagem, cria a perceção de que não é efetivamente cumprida a sua função informativa.

Em caso de permanência de detidos nas celas é facultado o acesso ao refeitório das ins-talações e ali fornecidas as refeições.

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Segundo comunicado ao MNP, constitui prática usual a conferência do cumprimento do direito dos detidos de informar imediatamente as famílias ou outras pessoas da con-fiança e contactar o advogado ou o defensor.

Visita n.º 16-2016Data: 2016.10.03Local de detenção: Unidade Habitacional de Santo António (Porto)Objeto: Condições de vida das pessoas que se encontram na instituição visitada. Averiguação, por meio da realização de entrevistas, da observância do direito a um tratamento digno

Na manhã do dia 3 de outubro de 2016, o MNP visitou a Unidade Habitacional de Santo António (UHSA), sita na cidade do Porto, com o propósito de verificar as condições de vida das pessoas que ali se encontram privadas ou limitadas na sua liberdade, aferindo, por meio da realização de entrevistas, se o tratamento a que estão sujeitas é condigno.

No dia da visita estavam instalados 11 cidadãos estrangeiros, sendo um deles do género feminino. Eram naturais de países muito diversos, como a Federação Russa, Bangladesh, Gana, Nepal, Brasil, Sudão, Porto Rico e Índia. O SEF desconhecia a nacionalidade de um dos cidadãos e o próprio também não a esclarecia. Não havia famílias nem crianças.

O MNP procedeu à audição de quase todas as pessoas — excetua-se um cidadão que se mostrou indisponível para dialogar —, tendo as entrevistas (realizadas nas línguas portu-guesa, inglesa, francesa e espanhola) decorrido sempre em ambiente reservado e nos locais escolhidos pelos entrevistados. Para além disso, o MNP visitou os três pisos das instala-ções e o espaço exterior da quinta.

A duração da permanência das pessoas privadas da sua liberdade na UHSA oscilava entre os dois dias (mínimo) até, aproximadamente, os dois meses (máximo).

Os contactos com os familiares, os advogados ou defensores e as representações diplo-máticas ou consulares eram permitidos, designadamente por meio de chamadas telefóni-cas. Para este efeito, a cada cidadão é fornecido, à entrada, um cartão telefónico, carregado com o valor de € 5,00, para realização de chamadas na cabine pública instalada no corre-dor. Quanto esgotado este montante, é autorizada a realização de chamadas no telefone da UHSA, mais concretamente no que está instalado no gabinete social. As pessoas que estejam afetas ao local visitado podem, ainda, receber chamadas do exterior ou efetuar chamadas cobradas no destino. Caso os cidadãos disponham de dinheiro, podem, con-tudo, solicitar aos serviços a aquisição de novos cartões telefónicos. Mais se apurou que os cidadãos podem fazer uso dos respetivos aparelhos de telemóvel, diariamente e entre as

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14h00 e as 16h00, podendo mesmo ligar-se à internet, caso disponham de recursos finan-ceiros para adquirir, através dos serviços da UHSA, cartões telefónicos.

As formas de ocupação dos tempos livres são diversas. Uma vez que a UHSA fun-ciona em uma quinta, o seu espaço exterior é amplo, podendo ser acedido, sob vigilância, durante uma hora por dia. Existe, outrossim, um campo de jogos que corresponde a uma zona cimentada mas sem aparelhos ou outros equipamentos que convidem à prática des-portiva. Os espaços relvados não estão cuidados. Há, ainda, um pátio coberto, no qual está colocada uma mesa de ping pong que se apresentava bem cuidada. Este espaço é muito frequentado, por sobre tudo como zona onde as pessoas podem fumar.

No interior do edifício existe uma sala de estar e de convívio, um espaço igualmente amplo com mesas, cadeiras, sofás individuais e dois aparelhos de televisão que transmitem canais televisivos pagos, incluindo canais de filmes. Situa-se aqui uma pequena biblioteca, com algumas dezenas de livros, a grande maioria em francês, e revistas.

O facto de a iluminação dos quartos ser desligada às 22h00 e somente restabelecida às 8h00 do dia seguinte foi relatado como queixa por parte de um dos ocupantes da UHSA.

Em geral, a alimentação foi considerada apropriada em termos de qualidade e de quan-tidade (a comida é fornecida por meio de acondicionamento em utensílios de dimensão considerável), sendo dada resposta adequada às diversas necessidades, sejam estas funda-das na religião professada ou em motivos de saúde. Assinala-se, todavia, que o jantar é servido por volta das 20h00, sendo que a refeição seguinte (pequeno-almoço) apenas tem lugar doze horas depois.

A UHSA conta com a colaboração de intérpretes em regime de prestação de serviços, tendo sido reportada a dificuldade de encontrar intérpretes de mandarim e para os nacio-nais dos países indostânicos.

O apoio médico é prestado na atividade dos “Médicos do Mundo” que se deslocam ao local duas vezes por semana, a que acresce a assistência de enfermagem, tudo em regime de voluntariado. Estes profissionais efetuam rastreios de hepatite e de infeção pelo vírus da imunodeficiência humana, assim como realizam campanhas de vacinação com a colabora-ção da Administração Regional de Saúde do Norte, I.P.

Ao MNP não foram transmitidos relatos de maus-tratos nem se observaram indícios da sua existência.

Refira-se que, na sala destinada a acolher crianças, se verificou que as camas de grades se encontravam colocadas junto à janela e às fitas dos estores. A proximidade destas fitas às camas das crianças facilita o seu acesso e o risco de estrangulamento.

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Visita n.º 17-2016Data: 2016.10.03Local de detenção: Centro de Instalação Temporária do Aeroporto do Porto (Porto)Objeto: Condições de vida das pessoas que se encontram no centro de instalação tem-porária de estrangeiros. Averiguação, por meio da realização de entrevistas, da obser-vância do direito a um tratamento digno

Na manhã do dia 3 de outubro de 2016, o MNP efetuou uma visita ao CIT do Aero-porto do Porto, de modo a averiguar as condições de vida das pessoas que ali se encontra-vam privadas ou limitadas na sua liberdade, aferindo, por meio da realização de entrevis-tas, se o tratamento a que estão sujeitas é condigno.

O CIT possui duas alas simétricas que são ocupadas em função do género das pessoas, com ressalva das famílias, havendo total separação de espaços. Os menores ficam alojados em quartos contíguos existentes em ambas as alas, equipados com camas de grades. Men-cione-se que os quatro elementos da empresa de segurança privada que estão afetos ao CIT são do género masculino, os quais também asseguram a vigilância da ala feminina.

A comunicação verbal com as pessoas que ali possam estar provadas da liberdade é efe-tuada em línguas estrangeiras, por sobre tudo em inglês e, se necessário, em francês, com auxílio do inspetor de turno do SEF (instalado em outra zona).

No tocante aos cuidados de saúde, estes são prestados pelo serviço de enfermagem do aeroporto e, se necessário, o doente é conduzido ao hospital.

À data da visita, apenas uma pessoa se encontrava no CIT havia, aproximadamente, dois meses, tendo mesmo informado que, nos últimos 12 dias, era o único ocupante do espaço. A inexistência de recursos financeiros impossibilitava a aquisição de cartão tele-fónico, pelo que há algum tempo que não contactava com a sua família. Perguntado sobre se, em algum momento, foi vítima de maus-tratos, respondeu negativamente.

No que respeita aos meios de ocupação dos tempos livres, estes são parcos e desadequa-dos, limitando ao visionamento de canais de televisão em língua portuguesa e à leitura de escassas revistas antigas.

As dificuldades sentidas na comunicação, em língua francesa, com o patrono oficioso nomeado pela Ordem dos Advogados motivaram-no a prescindir dos seus serviços. Sobre este aspeto, mencione-se a existência de uma sala com privacidade para realização dos con-tactos com os advogados.

Segundo apurado, a qualidade da alimentação não merece reparo, respeitando as res-trições alimentares religiosas e pessoais, conquanto a quantidade — seja esta em termos de porções, seja quanto ao número de refeições diárias — possa ser melhorada. Na sala de refeições, estava afixado um quadro com os direitos e os deveres das pessoas que ali se pos-sam encontrar, informação que se lia nas línguas portuguesa, inglesa, francesa e espanhola.

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As instalações encontravam-se, em geral, em bom estado de conservação, com mobiliá-rio suficiente e as casas de banho devidamente equipadas. Note-se, contudo, que os espa-ços encontram-se pouco humanizados, em virtude da inexistência de quaisquer elementos decorativos. A par disso, a iluminação natural nos espaços interiores é escassa, o areja-mento insuficiente e o espaço a céu aberto reduzido, características que, no seu conjunto, tornam este espaço pouco adequado ao alojamento de pessoas.

Visita n.º 18-2016Data: 2016.10.12Local de detenção: Centro de Instalação Temporária do Aeroporto de Faro (Faro)Objeto: Condições de vida das pessoas que se encontram no centro de instalação temporária de estrangeiros. Averiguação, por meio da realização de entrevistas, da observância do direito a um tratamento digno

No período da tarde do dia 12 de outubro de 2016, o CIT do Aeroporto de Faro foi objeto de uma visita do MNP, por meio da qual se averiguou as condições de vida das pes-soas que ali se encontravam privadas da sua liberdade, aferindo-se, por meio da realização de entrevistas, se o tratamento a que estão sujeitas é condigno.

O CIT é constituído por duas alas simétricas que são ocupadas em função do estatuto jurídico dos utentes — salvo tratando-se de famílias, situação em que se privilegia a proxi-midade dos agregados —, existindo total separação de espaços. Os menores ficam alojados em quartos contíguos existentes em ambas as alas, equipados com camas de grades.

Os quatro elementos da empresa de segurança privada que estão afetos ao CIT são do género masculino, havendo, todavia, a possibilidade de recurso a elementos do género feminino. Está ainda previsto o reforço do quadro de pessoal quando se atinja a lotação máxima ou especiais razões de segurança o justifiquem. Refira-se, também, que é o ele-mento da empresa de segurança que recebe as queixas, selecionando-as e transmitindo-as aos funcionários do SEF, o que não assegura a sua confidencialidade.

No tocante à comunicação verbal com as pessoas que ali se encontrem privadas da sua liberdade, apurou-se que a mesma é feita em vários idiomas, predominando o inglês. Foi também mencionada a possibilidade de recurso à bolsa de intérpretes da direção regional do Algarve do SEF.

Os cuidados de saúde são prestados, a pedido da pessoa, pelo serviço de enfermagem do aeroporto e, se necessário, o doente é conduzido ao hospital.

À data da visita, encontravam-se no CIT nove pessoas, uma das quais saiu do CIT no decurso da visita, por alteração da medida de coação. Refira-se também que a maioria das

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pessoas aguardavam o seu afastamento do território nacional e duas delas eram requeren-tes de proteção internacional.

O MNP dialogou, de modo individual, com cada um dos seis dos ocupantes que mani-festaram interesse em conversar, procurando aferir se os mesmos têm vindo a receber um tratamento condigno. Não se registaram queixas sobre a prática de maus-tratos.

A qualidade da alimentação não mereceu reparo, respeitando as restrições alimentares religiosas e pessoais, mas foi referida a insuficiência do número diário de refeições (três) e, designadamente, a ausência de um reforço alimentar noturno, bem como o diminuto número de garrafas de água fornecidas.

No que respeita ao acesso a cuidados de saúde e à assistência medicamentosa, foram recebidas algumas queixas por, alegadamente, tais cuidados terem sido requeridos à equipa de segurança, sem que ainda se tivessem concretizado.

As pessoas entrevistadas referiram também a escassez dos meios de ocupação dos tem-pos livres, os quais consistem em um número reduzido de revistas e de livros, a par de uns jogos de cartas, damas e dominó. No que toca ao visionamento de canais televisivos, note-se que estes apenas estão disponíveis na língua portuguesa.

O MNP concluiu que apenas os detidos com alguns recursos económicos tinham pos-sibilidade de adquirir cartões telefónicos, os quais estavam a ser fornecidos com alguns dias de atraso.

Foi, de igual modo, manifestada a preocupação quanto à quantidade dos produtos de higiene fornecidos, situação agravada pelo facto de estes se destinarem não só à higiene pessoal, mas também à lavagem do respetivo vestuário, dada a inexistência de um sistema de lavagem e secagem para a roupa.

As instalações encontravam-se, em geral, em bom estado de conservação, com mobiliá-rio suficiente e as casas de banho devidamente equipadas. Note-se, contudo, que os espa-ços encontram-se pouco humanizados, em virtude da inexistência de quaisquer elementos decorativos. É de registar, contudo, a inexistência de uma sala própria para reuniões entre as pessoas privadas da sua liberdade e os seus advogados, os quais atualmente são recebidos nas instalações provisórias do SEF, situadas em outra zona do aeroporto e sem qualquer privacidade.

Visita n.º 19-2016Data: 2016.10.20Local de detenção: Centro de Instalação Temporária do Aeroporto de Lisboa (Lisboa)Objeto: Informações complementares à visita n.º 12-2016

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Na tarde do dia 20 de outubro de 2016, o MNP visitou o CIT do Aeroporto de Lisboa, em ordem a recolher informações complementares à visita efetuada no final de setembro, por sobre tudo no que respeita à alimentação fornecida, ao acesso a cuidados médicos, ao acesso aos bens pessoais, à ocupação dos tempos livres, à concretização dos contactos com o exterior e ao cumprimento do direito à informação.

Persistia, ao momento desta visita, a inoperacionalização da televisão instalada em uma das alas, o que significa que dezenas de pessoas se mantinham confinadas — algumas há largas semanas — em um espaço que não tinha qualquer meio de ocupação do tempo livre.

Ao contrário do que ocorrera na visita anterior, uma família iraquiana estava afeta à ala de asilo do CIT. Este agregado familiar era composto pelos pais e duas crianças, estas com idades compreendidas entre os nove meses e os cinco anos, padecendo a mais velha de uma determinada doença. Sucede, porém, que nenhum cuidado especial era tido com base na sua doença; sobre este aspeto acresciam dificuldades derivadas da relutância à alimentação servida e sonos agitados.

No que toca à criança mais nova, mencione-se que, apesar de se encontrarem alguns brinquedos na sala de estar, não foi observado qualquer equipamento adequado à satisfa-ção das suas específicas necessidades, designadamente uma cama de grades ou outra de ade-quadas dimensões, uma cadeirinha para refeições ou transporte, um parque ou um tapete de lazer. Refira-se, ainda, que o quarto onde ela dormia dispunha apenas de beliches, os quais, face à sua inadequabilidade e perigosidade, determinavam que a criança dormisse em um colchão no chão juntamente com a mãe e o irmão. O pai, por seu turno, dormia no quarto afeto às pessoas do género masculino, sendo que a mãe tinha que acorrer por si só às necessidades dos filhos no período noturno, situação particularmente agravada pela sua tenra idade e a patologia do rapaz. Para além disso, não existem condições adequadas para que se dê banho de uma criança tão pequena, não existindo qualquer equipamento adap-tado para o efeito, nomeadamente um banquinho ou uma banheira própria. Ou seja, e tal como referido na sequência da visita anterior, as instalações do CIT visitado estão ineptas para acolher famílias, tendo em conta a ausência de quarto familiar que salvaguarde a pri-vacidade e a permanência conjunta dos seus membros.

Da consulta à documentação que respeitava àquela família observou-se que os pro-genitores detinham e haviam assinado documentos escritos em língua portuguesa (v.g., declaração comprovativa de apresentação de pedido de proteção internacional), a qual não compreendiam e que, por essa razão, impossibilitava o conhecimento do teor daque-les. Verificou-se, de igual jeito, que o serviço de tradução também não foi utilizado.

No que especificamente diz respeito aos cuidados médicos, confirmou-se que cabe ao pessoal da empresa de segurança fazer a avaliação dos problemas suscitados pelos interna-dos, ainda que não tenham competências técnicas para o efeito, que não lhes tenha sido ministrada qualquer formação sobre o assunto, nem que existem regras predefinidas sobre os procedimentos que devem ser seguidos. Ainda assim, é o mencionado funcionário que

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faz a avaliação da prioridade clínica, triagem essa que pode originar, ou não, a convocação da equipa de enfermagem do Aeroporto de Lisboa. Não há médico disponível para assistir os ocupantes no CIT.

No que tange à formação dos elementos da equipa de segurança, o domínio das línguas estrangeiras pareceu-nos incipiente para assegurar a boa comunicação com os utentes, revelando uma parte dos funcionários dispor de conhecimentos elementares. As equipas de segurança são constituídas por elementos dos dois géneros.

Quanto à alimentação, apurou-se que, juntamente com o jantar, é entregue um reforço alimentar contendo um pacote de leite e um pão.

Foi também possível observar o regime de acesso aos bens pessoais pelos detidos: os que estão na ala de inadmissíveis apenas têm acesso à sua bagagem de mão, a única que é guardada no centro de instalação (uma vez que a restante ficará em armazém); já os cida-dãos estrangeiros colocados na ala de asilo podem aceder, em regra, uma vez em cada dia, à sua bagagem pessoal. Assinale-se que a roupa pessoal não é submetida a qualquer processo de lavagem ou outro tratamento, a não ser pelos próprios, pelo que, em caso de acolhi-mento prolongado — que pode estender-se até aos 60 dias —, pode redundar em uma má higiene, provocando maus-cheios e originando perigo para a saúde de todos os residentes, dos funcionários do SEF e dos trabalhadores da empresa de segurança. Refira-se, ainda, que os ocupantes utilizam o pátio para colocar a roupa a secar, não obstante o mesmo não possuir qualquer equipamento destinado a pendurar as peças de vestuário.

A par do que, em momento anterior, se havia apurado quanto à realização dos con-tactos telefónicos, o MNP observou que era disponibilizada uma lista de organizações que os utentes podem contactar, sob a advertência de que os contactos telefónicos estão disponíveis nos serviços administrativos (designadamente o Conselho Português para os Refugiados, a Associação de Imigrantes, a Organização Internacional para as Migrações, a Amnistia Internacional, a Ordem dos Advogados, o Alto Comissariado para as Migra-ções, I.P., bem como consulados e embaixadas. Saliente-se que, no entanto, os serviços do CIT não facultam o acesso gratuito à linha telefónica, o que impede uma boa parte dos detidos de comunicar com as entidades externas.

No decurso do diálogo encetado com os cidadãos estrangeiros, o MNP verificou que algumas pessoas desconheciam que podiam contactar com um advogado ao abrigo do regime de proteção jurídica. Mais se apurou que o montante cobrado aos advogados (€ 11,00) era, no final, imputado às pessoas privadas da liberdade afetas ao CIT. Da consulta dos registos parece resultar que existe um recurso recorrente aos mesmos advogados, des-conhecendo-se a forma de angariação de clientes pelos próprios.

O regulamento interno do CIT está apenas disponível em língua portuguesa e na por-taria, sítio pouco frequentado pelos seus ocupantes que, em regra, desconhecem as regras nele vertidas. Para além disso, verificou-se que, embora o regulamento interno determine

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que as alas devem ser ocupadas por género, a sua ocupação ocorre de acordo com a razão da detenção (pedidos de asilo versus inadmissíveis).

Visita n.º 20-2016Data: 2016.11.08Local de detenção: Posto Territorial de Samora Correia da Guarda Nacional Repu-blicana (Santarém)Objeto: Condições de habitabilidade da zona de detenção. Condições no âmbito da alimentação aos detidos. Cumprimento dos direitos dos detidos de constituir advo-gado, de contactar telefonicamente com o defensor e de comunicar com familiar ou pessoa da sua confiança. Cumprimento das normas legais e regulamentares dos proce-dimentos de internamento compulsivo. Tempos de detenção. Condições de transporte de detidos. Condições de trabalho dos militares

No período da manhã do dia 8 de novembro de 2016, o Posto Territorial de Samora Correia da GNR foi objeto de uma visita do MNP, por meio da qual se procedeu à averi-guação das condições de habitabilidade das zonas de detenção e à aferição das condições em que é assegurado o cumprimento dos direitos dos detidos — designadamente em ter-mos de alojamento, alimentação e de comunicação com o exterior —, bem como se verifi-cou o cumprimento das normas aplicáveis ao internamento compulsivo e se analisaram as condições de trabalho dos militares.

O edifício afeto ao posto é composto por dois pisos e não foi objeto de quaisquer obras de conservação desde a sua entrada em funcionamento na década de 90 do século passado. Através de uma análise à sua fachada, observou-se que o edifício apresentava visíveis fen-das na sua estrutura.

A zona de detenção localiza-se no rés-do-chão, sendo próxima da área de permanência de funcionários policiais e confinante com um pátio exterior não aberto ao público. É constituída por duas celas que estão paralelamente dispostas, sendo mediadas por uma antecâmara comum. Não há qualquer sistema de videovigilância instalado.

Cada cela dispõe de uma cama composta por um maciço em betão, uma bacia de retrete tipo turco, protegida por uma baia, e um lavatório em aço inox com torneira temporizada. A torneira de segurança encontra-se no exterior. Existe um dispositivo de alarme para chamada do militar vigilante em caso de necessidade de assistência. As portas das celas são feitas de chapa em ferro, abrindo para o exterior, e contêm um visor de portinhola que permite uma visão total do interior. O pavimento é constituído por material cerâmico, de cor cinzenta, e as paredes são lisas de cor clara (bege). Ambas as celas têm iluminação

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artificial e natural, sendo esta providenciada por uma janela protegida, no interior, por chapa metálica com várias pequenas perfurações circulares. A exiguidade destas perfura-ções, para além de tornarem a iluminação natural reduzida, torna o arejamento das celas insuficiente, verificando-se que uma delas apresentava uma estagnação sufocante do ar, associado a mau-cheiro por falta de ventilação adequada. Nessa mesma cela, o cobertor existente para uso apresentava, ainda, algum índice de sujidade.

O MNP concluiu que a limpeza das celas é efetuada após cada utilização e que a lim-peza dos cobertores é efetuada sempre que necessário. Já quanto a eventuais operações de desinfeção ou de desinfestação, as mesmas não se verificaram, nem periódica nem oca-sionalmente. Refira-se, a este propósito, que a roupa de cama dispensada a cada detido é descartável, pelo que quanto a esta, nenhuma exigência de limpeza se afigura necessária.

Verificou-se, da mesma forma, a existência de um sistema de segurança contra incên-dios, o qual se encontra em cumprimento de todas as exigências legais.

Consoante o tempo de permanência, a cada detido é fornecida alimentação adequada (pequeno-almoço, almoço, lanche, jantar), providenciada por uma instituição particular de solidariedade social com sede na localidade.

Segundo aduzido, por ocasião de cada detenção, é transmitida oralmente ao detido toda a informação relativa aos direitos e aos deveres de que é titular. Idêntica informação encontra-se reproduzida a escrito (nas línguas portuguesa, espanhola, inglesa e francesa), em painel visível afixado na parede da antecâmara que medeia as celas e em painel afi-xado em uma parede junto à porta de entrada principal do Posto. Caso se trate de cida-dãos estrangeiros, existe a possibilidade de solicitar a presença de intérprete, o que se faz mediante requerimento dirigido ao Comando de Santarém, que nomeia um tradutor de entre a lista de contactos disponível.

De acordo com o relatado, o contacto telefónico do detido com familiares ou pessoas de confiança e com o defensor é sempre garantido (através do telefone fixo do posto), exis-tindo uma sala própria reservada para reunião presencial com este último.

Por ocasião da visita, não se encontrava presente qualquer pessoa detida.No que respeita às situações de patologias do foro mental, foi asseverado o cumpri-

mento de todos os procedimentos legalmente estabelecidos, sendo os doentes sujeitos a pedidos de internamento compulsivo imediatamente encaminhados para o hospital de referência através de ambulância, solicitada por via do INEM, nunca permanecendo deti-dos no posto.

No que toca às condições de trabalho dos militares, verificou-se que são, em geral, satis-fatórias, salvaguardando-se a humidade que se notava no teto das instalações sanitárias, localizadas no primeiro piso, reservadas aos militares.

A entrada no posto é feita pelo rés-do-chão, onde se situa o gabinete de atendimento ao público, dois gabinetes de inquérito e uma sala de apoio à vítima, sendo que, nesta divisão, se encontra um militar com formação para o atendimento em casos de violência

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doméstica, o qual é sempre efetuado com privacidade. Refira-se que não existe um gabi-nete especificamente adaptado para se fazer o reconhecimento presencial.

No piso superior situam-se as casernas, diferenciadas para os géneros feminino e mas-culino (quatro no cômputo geral), amplas e compostas, cada uma, por várias camas indivi-duais, bem como os vestiários e instalações sanitárias (com chuveiros). Existe, ainda, uma sala para convívio, uma sala de aula (para instrução) e uma sala para refeições equipada com todos os pequenos e médios eletrodomésticos (designadamente, fogão, máquina de lavar loiça, frigorífico, micro-ondas) necessários para armazenamento, confeção e aque-cimento da comida dos funcionários policiais, os quais são responsáveis pela sua própria alimentação.

Foi, ainda, feita referência à antiguidade e à insuficiência do parque automóvel afeto ao posto. Com efeito, existem quatro veículos que circulam de modo contínuo, sendo que o mais recente já supera os 300 000 quilómetros percorridos.

Visita n.º 21-2016Data: 2016.11.08Local de detenção: Instância Local de Benavente do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém (Santarém)Objeto: Condições de habitabilidade da zona de detenção. Condições em que é assegurada a alimentação aos detidos. Condições de transporte de detidos em viatura celular

No dia 8 de novembro de 2016, durante a manhã, o MNP realizou uma visita à Ins-tância Local de Benavente do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, com vista a averiguar as condições de habitabilidade dos seus espaços de detenção — em termos de iluminação, temperatura, limpeza e arejamento —, bem como o fornecimento da alimen-tação a quem ali se encontre privado da sua liberdade.

A zona de detenção do Tribunal está ativa e situa-se na cave, com acesso direto ao exte-rior, espaço público onde estacionam as carrinhas celulares e, com acesso de escadas, até à sala de audiências, neste caso, sem acesso direto a espaço aberto ao público, permanecendo os elementos do corpo da guarda prisional na proximidade. Esta área destina-se a detidos que aguardam as respetivas diligências e é composta por quatro celas, não obstante apenas uma estar a funcionar como tal, estando as restantes, bem como o corredor da antecâmara, afetas a armazém. Registe-se a presença de grandes sacos de plástico preto com papéis no corredor, o que não só dificulta a passagem como, ao impossibilitar o uso de algumas celas,

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determina que, sendo mais do que um arguido, todos aguardem pelas suas diligências judiciais na única cela ativa.

A cela ativa, não obstante cumprir o legalmente determinado quanto a área e ao pé direito, encontra-se legalmente desconforme em todos os demais aspetos: é notória a humidade no pavimento de material cerâmico — pavimento que, nas celas não ativas, ainda é em tacos de madeira — e nas paredes que, além disso, estavam bastante vanda-lizadas. A janela, por sua vez, tem uma dimensão muito superior e situa-se a um altura menor que as regulamentarmente exigíveis, estando protegida por rede metálica e pos-suindo uma grade exterior de proteção em barras horizontais por meio da qual se acede à via pública. Este espaço dispõe ainda de um lavatório, com torneira à vista e não tempori-zada, com as canalizações também à vista. A porta da cela abre para o exterior e possui um visor de portinhola que permite a visão total do interior da cela. A sua iluminação natural é boa, devido ao tamanho e à localização da janela, e a artificial provém de uma lâmpada, com proteção de plástico mas sem revestimento a grade metálica, comandada no exterior. Não possui dispositivo de alarme ou chamada e, para descanso dos seus ocupantes, dispõe de uma cadeira de madeira. As folhas com os direitos dos detidos estavam agrafadas e penduradas na janela por meio de um arame, apresentando-se molhadas em virtude da humidade que se fazia sentir. Apesar de arejada pela janela aberta, a climatização é má, não só como consequência da humidade, mas também por causa da inexistência de isolamento contra o frio e o calor.

As instalações sanitárias localizam-se fora da cela e são diferenciadas para os dois géne-ros, sendo os seus sanitários em loiça com as arestas e os ângulos arredondados. O lavatório possui uma torneira não temporizada e à vista e a retrete tem um autoclismo de mochila.

Não existe qualquer vigilância eletrónica ou dispositivos de áudio e vídeo.Quer a cela, quer as instalações sanitárias, não possuem condições de higiene e lim-

peza, tendo sido apurado que há aproximadamente seis meses que a zona de detenção não é sujeita a qualquer limpeza. Para esta circunstância contribui o facto de, para todo o edifício do tribunal, estar contratada uma empregada de limpeza por duas horas diárias. A desinfeção não é feita e a desinfestação, estando assegurada pela Câmara Municipal de Benavente, apenas é efetuada se e quando os magistrados se queixam e o solicitam.

A alimentação, caso seja necessária disponibilizá-la, é assegurada com recurso a um estabelecimento de restauração da zona.

As últimas obras na cela ativa ocorreram no ano de 2003 e foram suportadas pelos recursos camarários.

No decurso da visita do MNP foi possível concluir que o estado da zona de detenção não é diverso do restante edifício do tribunal, tendo-se observado diversos problemas, como sejam a antiguidade da instalação elétrica que provoca curtos-circuitos constantes, a desadequação do pavimento em tacos de madeira, o que dificulta a sua limpeza, a sua manutenção e circulação dos carrinhos com processos e documentos.

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A limpeza não é efetuada em todo o edifício do tribunal — excetuando-se os gabinetes dos magistrados —, atendendo às escassas duas horas diárias que uma empregada de lim-peza dispõe para o efeito.

Visita n.º 22-2016Data: 2016.11.08Local de detenção: Instância Central do Tribunal Judicial da Comarca da Santarém (Santarém)Objeto: Condições de habitabilidade da zona de detenção. Condições em que é assegurada a alimentação aos detidos. Condições de transporte de detidos em viatura celular

No período da tarde do dia 8 de novembro de 2016, o MNP levou a cabo uma visita à Instância Central do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, através da qual se ave-riguaram as condições de habitabilidade dos seus espaços de detenção — em termos de iluminação, temperatura, limpeza e arejamento —, bem como o fornecimento da alimen-tação que é disponibilizada a quem ali se encontre privado da sua liberdade.

A zona de detenção do tribunal está ativa e situa-se no rés-do-chão, com acesso direto ao exterior, espaço público onde estacionam as carrinhas celulares e, com acesso de escadas, até à sala de audiências, neste caso, sem acesso direto a espaço aberto ao público, perma-necendo os elementos do corpo da guarda prisional na proximidade. Esta zona destina-se a pessoas que aguardam a realização das diligências que lhes respeitem e é composta por três celas com dimensões adequadas em área e em pé direito. O pavimento é em cimento, as paredes e tetos lisos e pintados com cor bege claro. A iluminação é artificial, dispondo cada cela de um ponto luminoso no teto, havendo também luz no corredor da antecâmara onde está o comando.

Na antecâmara há uma janela para o exterior e para a via pública, mas a proteção de grades impede a passagem de luz, ainda que permita a ventilação. As portas são em grades de ferro verticais, fecham com cadeado e abrem para o exterior. As celas não dispõem de equipamento de alarme, assim como não possuem equipamento para descanso dos seus ocupantes. A ventilação é assegurada por meio da janela da antecâmara e do acesso ao exterior após a antecâmara.

As instalações sanitárias situam-se no exterior das celas, estando equipadas com o dis-posto regulamentarmente: lavatório com torneira temporizada e retrete munida de fluxó-metro embutido na parede, ambos em aço inox e com as arestas e os ângulos arredonda-dos. A qualidade do ar é boa provindo diretamente do exterior.

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A limpeza é feita diariamente pela empresa que a assegura em todo o tribunal, sendo feita uma desinfestação mensalmente.

A segurança e a vigilância são realizadas à vista, não dispondo as celas ou a zona de qualquer sistema de vídeo ou de áudio.

A alimentação, quando necessária, é fornecida pela messe da PSP, de acordo com pro-tocolo estabelecido para este efeito.

Os direitos dos detidos estão afiados, em todas as línguas legalmente exigíveis, na ante-câmara, junto à última cela.

Todas as celas estavam ocupadas no momento da visita, tendo o MNP conversado com todas as pessoas privadas da sua liberdade que estavam a aguardar as suas diligências judi-ciais há pouco tempo. Não foram sinalizados quaisquer problemas. A presença de argui-dos nas celas durante a visita permitiu, ainda, verificar as condições do seu transporte nas respetivas viaturas celulares, as quais estão afetas ao Estabelecimento Prisional de Leiria e ao Estabelecimento Prisional de Caldas da Rainha. As suas condições foram descritas como estando em péssimo estado devido à grande antiguidade e à quilometragem percor-rida, com motores incapazes de percorrer grandes distâncias com o peso que suportam e os seus interiores com insuficiente arejamento e sem possibilidade de regulação de tempe-ratura. Para além disso, um dos referidos veículos não possuía cintos de segurança e tinha as fechaduras estragadas.

Visita n.º 23-2016Data: 2016.11.08Local de detenção: Esquadra de Santarém da Polícia de Segurança Pública (Santarém)Objeto: Condições de habitabilidade da zona de detenção. Condições em que é asse-gurada a alimentação aos detidos. Cumprimento dos direitos dos detidos de constituir advogado, de contactar telefonicamente com o defensor e de comunicar com fami-liar ou pessoa da sua confiança. Cumprimento das normas legais e regulamentares dos procedimentos de internamento compulsivo. Tempos de detenção e condições de transporte dos detidos. Condições de trabalho dos agentes policiais

Na tarde do dia 8 de novembro de 2016, o MNP visitou a Esquadra de Santarém da PSP, com o propósito de verificar as condições de habitabilidade dos seus espaços de detenção, as condições em que é assegurada a alimentação aos detidos e se os seus direitos (v.g., contactos e tempos de detenção) são respeitados.

A zona de detenção situa-se no rés-do chão, próxima de áreas de permanência dos fun-cionários policiais e sem contacto direto para espaços abertos ao público. Foi objeto de

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obras de remodelação e adequação regulamentar no passado mês de julho. Esta área é composta por duas celas, iguais e contíguas, com área e pé direito adequados a um detido, sendo o pavimento revestido a material cerâmico, as paredes revestidas de azulejos, do chão até meio da parede, sendo a restante parede, como o teto, lisos e pintados com cor creme. A iluminação é natural indireta — cada cela possui três janelas com dimensão e altura regulamentares, protegidas com rede metálica e grade exterior de proteção sem acesso do interior, não dando para a via pública — e artificial, provendo esta de um ponto luminoso em cima da porta e protegido por grade metálica e comandado pelo exterior. As portas são em chapa de ferro, de abrir para o exterior e com um óculo que permite uma visão total do interior da cela. Dispõem de dispositivo de chamada, sendo esta visualizada pelo agente de serviço na receção.

Cada cela dispõe de instalações sanitárias separadas pelo maciço da cama e equipadas com lavatório em loiça embutido no betão, possuindo uma bacia de retrete tipo turco, em plano inferior ao pavimento e munida de fluxómetro embutido na parede. Todo o equi-pamento está revestido a pequenos azulejos com as arestas e os ângulos arredondados. A qualidade do ar é boa.

A higiene e a limpeza são asseguradas. No tocante à roupa de cama, os lençóis são des-cartáveis e os cobertores são mudados e enviados para a lavandaria após cada utilização. A limpeza é feita diariamente no âmbito da limpeza geral das instalações da esquadra por empresa do exterior. A desinfeção e a desinfestação são periódicas.

A vigilância é feita pelos agentes que ficam na proximidade das celas. A câmara de áudio e vídeo instalado junto das celas estava desligada e desativada.

Os jovens, os idosos, as grávidas, os detidos que apresentem sinais de estar sob a influên-cia de álcool, droga ou medicamentos e as vítimas não são colocados nas celas, sendo, ao invés, conduzidos para salas diferentes, aproveitando-se a sala de apoio à vítima em uns casos ou outras salas, em qualquer caso com vigilância à vista. A esquadra dispõe de uma agente especializada no tratamento de casos de vítimas de violência doméstica.

Nos casos de internamento compulsivo são efetuados e registados os procedimentos legais, sendo estas situações diretamente tratadas com o INEM e as pessoas conduzidas, geralmente, a hospitais de Lisboa, uma vez que unidade hospitalar local não tem urgência de Psiquiatria.

A alimentação é assegurada pela messe existente na esquadra. Os direitos dos detidos estão afixados, nas línguas legalmente exigíveis, na antecâmara

das celas. As condições de trabalho dos agentes policiais são boas, por sobre tudo no que se refere

aos gabinetes, às instalações sanitárias, aos vestiários e ao aquartelamento, embora este seja quase inexistente. O material informático está atualizado. A sua alimentação é assegurada pela messe existente na esquadra, possuindo excelentes instalações de cozinha, de sala de cantina e bar (cuja exploração é assegurada pela Associação de Reformados da PSP). Está

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a ser aproveitada uma sala para ginásio, sendo a sua construção e o seu apetrechamento da exclusiva responsabilidade dos agentes policiais.

No dia da visita não havia detidos na Esquadra de Santarém da PSP.

Visita n.º 24-2016Data: 2016.11.08Local de detenção: Instância Local do Cartaxo do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém (Santarém)Objeto: Condições de habitabilidade da zona de detenção. Condições em que é assegurada a alimentação aos detidos. Condições de transporte de detidos em viatura celular

No dia 8 de novembro de 2016, durante a tarde, o MNP concretizou uma visita à Instância Local do Cartaxo do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, com vista a averiguar as condições de habitabilidade dos espaços de detenção — designadamente em termos de salubridade, climatização e iluminação —, bem como as condições em que é assegurada a alimentação e o transporte dos detidos.

A zona de detenção possui boas condições físicas, localizando-se no rés-do-chão, em área não confinante com espaços diretamente abertos ao público. Existem duas celas con-tíguas, fechadas com portas de grades (barras de ferro verticais), que confluem em um espaço comum onde permanecem os funcionários policiais. Dentro das celas existe um banco corrido embutido em cimento. Cada cela tem iluminação artificial, proveniente de um foco luminoso instalado no teto protegido por uma grade metálica, e iluminação natural, decorrente da existência de uma janela protegida com grade. No entanto, registe--se que as janelas não abrem, pelo que não existe arejamento natural. A adequada ventila-ção do espaço é, ainda assim, garantida através de um sistema de ar condicionado eficaz.

Consoante o tempo de permanência, a cada detido é fornecida alimentação adequada (pequeno-almoço, almoço, lanche, jantar), provida por uma empresa de restauração local.

Não existe sistema de videovigilância nem dispositivo de alarme, alegando-se a desne-cessidade de ambos os equipamentos, uma vez que os detidos estão sempre vigiados à vista por agentes policiais. Nesta matéria, verificou-se existirem boas condições para que os agentes policiais permaneçam na antecâmara. O espaço é salubre, a temperatura e a ilumi-nação são adequadas, estando algumas cadeiras e sofás disponíveis. Este espaço está, tam-bém, preparado para se trabalhar com um computador na eventualidade de, por razões de segurança, o juiz decidir inquirir os detidos nas celas.

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Na antecâmara existe uma instalação sanitária que serve as pessoas de ambos os géne-ros, a qual dispõe de uma janela com grades, um lavatório em loiça com torneira tempo-rizada, uma sanita e uma bacia de retrete tipo turco, com fluxómetro embutido na parede em inox. Nesta divisão é, ainda, visível um painel contendo a reprodução, por escrito, dos direitos e deveres do detido, nas línguas portuguesa, espanhola, inglesa e francesa. No caso de cidadãos estrangeiros, existe a possibilidade de se solicitar a presença de intérprete.

A escolta dos detidos até à cela é feita em segurança, através de corredor, reservado sem acesso ao público, que faz a ligação entre a zona de detenção e uma porta das traseiras que dá acesso à rua, onde estacionam as carrinhas celulares

A limpeza do tribunal é assegurada diariamente por duas pessoas. A limpeza e a desin-feção das celas apenas se verificam, porém, quando se considera necessário, o que não é frequente, atendendo à diminuta afluência de detidos ao local visitado.

O edifício encontra-se em boas condições de conservação e não se revelou premente, até à data, efetuar qualquer operação de desinfestação.

Visita n.º 25-2016Data: 2016.11.08Local de detenção: Posto Territorial do Cartaxo da Guarda Nacional Republicana (Santarém)Objeto: Condições de habitabilidade da zona de detenção. Condições em que é asse-gurada a alimentação aos detidos. Cumprimento dos direitos dos detidos de constituir advogado, de contactar telefonicamente com o defensor e de comunicar com fami-liar ou pessoa da sua confiança. Cumprimento das normas legais e regulamentares dos procedimentos de internamento compulsivo. Tempos de detenção e condições de transporte dos detidos. Condições de trabalho dos militares

Na tarde do dia 8 de novembro de 2016, o MNP efetuou uma visita ao Posto Territo-rial do Cartaxo da GNR, em ordem a averiguar as condições de habitabilidade das suas zonas de detenção, a aferir as condições em que são assegurados os direitos dos detidos — designadamente em termos de alimentação, de comunicação com o exterior e de demais condições de detenção —, a verificar o cumprimento das normas aplicáveis ao interna-mento compulsivo e as condições de trabalho dos militares.

O edifício afeto ao posto é composto por dois pisos e apresenta, em geral, boas condi-ções físicas e estruturais. Para além de outras obras de conservação que têm sido realizadas, destacam-se as recentes alterações na zona de detenção com o fito de a conformar com todas as normas legais e regulamentares aplicáveis.

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As duas celas existentes apresentam-se em conformidade com todos os parâmetros normativos exigidos. Estão localizadas no rés-do-chão, em zona próxima de área de per-manência de funcionários policiais e não confinante com espaços abertos ao público. Cada cela dispõe de uma cama composta por um maciço em betão, uma bacia de retrete tipo turco, um lavatório em aço inox com torneira temporizada, uma porta em chapa de ferro com visor de portinhola, que abre para o exterior e um dispositivo de alarme para chamada do militar vigilante, em caso de necessidade de assistência. O pavimento é constituído por material cerâmico, de cor cinzenta, e as paredes estão pintadas com tinta de cor clara. As celas beneficiam de iluminação artificial — fornecida por foco luminoso situado no interior de cada cela na parede contígua com a antecâmara, por cima da porta, devidamente protegido por grade metálica — e de iluminação natural proveniente de uma janela protegida, no interior, por rede metálica.

Verificou-se, ainda, a existência de um sistema de segurança contra incêndios que se encontra em cumprimento de todas as exigências legais.

Não há nenhum sistema de videovigilância instalado. A cada detido é dispensado um conjunto de roupa de cama descartável e um cobertor.

Os cobertores são devidamente lavados e desinfetados após cada utilização. A limpeza das celas é feita diariamente por uma empresa especializada (três horas por

dia de limpeza em todo o posto), a qual é também responsável pela realização de operações periódicas de desinfeção e desinfestação.

Consoante o tempo de permanência, a cada detido é fornecida alimentação adequada (pequeno-almoço, almoço, lanche, jantar), providenciada por uma empresa externa com quem o posto estabeleceu um acordo para o efeito.

Segundo aduzido, por ocasião de cada detenção é transmitida oralmente ao detido toda a informação relativa aos direitos e aos deveres de que é titular. Idêntica informação encontra-se reproduzida, por escrito (nas línguas portuguesa, espanhola, inglesa e fran-cesa), em painel visível afixado na parede da antecâmara que confina com as celas. No caso de cidadãos estrangeiros, existe a possibilidade de se solicitar a presença de um intérprete. Para além disso, e de acordo com o relatado, o contacto telefónico do detido com o fami-liar ou pessoa de confiança e com o defensor ou advogado é sempre garantido, existindo uma sala própria reservada para reunião presencial com este último.

Por ocasião da visita, não se encontrava presente qualquer pessoa detida.No tocante às situações de problemas de saúde mental, foi asseverado o cumprimento

de todos os procedimentos legalmente estabelecidos, sendo os doentes sujeitos a pedidos de internamento compulsivo imediatamente encaminhados para o hospital de referência atra-vés de ambulância, solicitada por via do INEM, sem nunca permanecerem detidos no posto.

No que respeita às condições de trabalho dos militares, verificou-se que são bastante satisfatórias.

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A entrada na instituição visitada é feita pelo rés-do-chão, onde se situam o gabinete de atendimento ao público, um gabinete de inquérito e uma sala própria para o apoio às vítimas. No atendimento do apoio à vítima está um militar com formação para o atendi-mento de casos de violência doméstica, o qual é sempre efetuado com privacidade.

No piso superior situam-se as camaratas, os vestiários e as instalações sanitárias para utilização dos militares, devidamente diferenciados para os géneros feminino e masculino. Este piso não é, porém, acessível a pessoas com mobilidade reduzida ou condicionada, devido à inexistência de elevador. Em termos de condições de acessibilidade e de circula-ção a pessoas com deficiência, refira-se que apenas existe uma rampa de acesso à entrada do posto. Existe, ainda, uma sala para convívio e uma sala para refeições, equipada com todos os pequenos e médios eletrodomésticos (designadamente, fogão, máquina de lavar loiça, frigorífico, micro-ondas) necessários para armazenamento, confeção e aquecimento da comida dos militares, os quais são responsáveis pela sua própria alimentação.

A antiguidade e a insuficiente da frota automóvel afeta ao posto e a insuficiência dos serviços da manutenção do edifício constituem as vicissitudes relatadas quanto ao funcio-namento do local visitado. Mencione-se, de igual modo, que, em geral, as operações de conservação e de reparação do edificado (v.g., reparação de focos de iluminação e pinturas) são suportadas pela Câmara Municipal do Cartaxo. Quanto a este último aspeto refere--se, porém, que as obras de manutenção e beneficiação necessárias à boa manutenção do estado de conservação do edifício já foram identificadas, tendo, em sequência, sido pedido orçamento com o fim de viabilizar a sua concretização.

Visita n.º 26-2016Data: 2016.11.14Local de detenção: Estabelecimento Prisional de Torres Novas (Santarém)Objeto: Condições de habitabilidade: ocupação, ventilação, isolamento contra o frio e o calor. Condições de acesso à saúde: em particular no âmbito da saúde mental. Procedimentos observados na comunicação da população prisional com a direção

Na manhã do dia 14 de novembro de 2016, o Estabelecimento Prisional de Torres Novas foi visitado pelo MNP, com o fito de verificar as suas condições de habitabilidade e a assistência que, em matéria de saúde, é proporcionada aos reclusos, assim como os procedimentos que são observados na comunicação da população reclusa com a direção.

À data da visita estavam afetos ao local visitados 41 reclusos, sendo a sua lotação de 38 pessoas.

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O MNP visitou a zona prisional, com particular destaque para os espaços de aloja-mento, os quais são compostos por 12 celas e duas camaratas, divididas por dois andares, apresentando boas condições de habitabilidade. Todos os espaços de alojamento tinham sanitários próprios e as camaratas possuíam chuveiros Os balneários tinham boas condi-ções de ventilação e salubridade, sendo transmitido que a água quente é disponibilizada em dois períodos do dia, durante duas horas e meia.

Registe-se o facto de, em todos os espaços de alojamento, os sanitários permitirem pri-vacidade, a qual derivava da existência de uma porta que os separava da zona de dormir. Todos os alojamentos tinham mobiliário adequado.

Não existe refeitório pelo que as refeições são realizadas nos alojamentos. Quanto à comunicação com a direção existe uma caixa na zona principal onde são

colocados os pedidos para atendimento. A triagem dos pedidos é feita pela adjunta da diretora. Existe, igualmente, uma caixa para pedidos dirigidos aos serviços clínicos. Esta, contudo, à data da visita, não se encontrava disponível porque estava em reparação, sendo que os pedidos entretanto efetuados apenas indicavam a necessidade de atendimento sem indicação de qualquer outra informação que colocasse em causa o resguardo sobre a con-dição de saúde dos reclusos.

O médico de clínica geral presta serviços no estabelecimento prisional nas manhãs de sábados. Contudo, sempre que necessário, o clínico comparece quando chamado, o que se baseia em uma parceria informal. Mencione-se que as consultas da especialidade de Esto-matologia são realizadas o Hospital Prisional de São João de Deus, havendo, contudo, a possibilidade de os reclusos serem transportados a uma clínica privada para a colocação de próteses dentárias. Os serviços de enfermagem, por seu turno, são prestados durante três horas e meia, no período da manhã, a que acresce uma hora à tarde.

A psicóloga presta serviço uma vez por semana durante duas horas, o que apenas lhe permite atender quatro pessoas. Em termos de saúde mental, foi também referido que um recluso padece de uma patologia do foro mental e sete são consumidores de psicotrópicos, sendo estes seguidos no hospital de Tomar e, alternada ou conjuntamente, pelo médico do Centro de Reabilitação e Integração de Abrantes.

No tocante à toma da medicação, esta é assistida e a sua recusa é sempre objeto de registo. Se esta situação ocorrer é comunicada à direção. A medicação dita “SOS” que se encontra disponível resume-se a analgésicos, a anti-inflamatórios e a anti-histamínicos. Os medicamentos ansiolíticos só são disponibilizados caso tenha sido previamente prescritos pelo médico.

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Visita n.º 27-2016Data: 2016.11.16Local de detenção: Estabelecimento Prisional de Viana do Castelo (Viana do Castelo)Objeto: Cumprimento dos direitos e deveres dos reclusos que tenham dado entrada no estabelecimento prisional há oito dias ou menos. Condições de habitabilidade. Proce-dimentos observados na comunicação da população prisional com a direção. Tradução do documento informativo sobre os direitos e os deveres dos reclusos. Disponibiliza-ção do kit higiénico individual. Prestação de serviço de assistência religiosa e espiritual

No período da tarde do dia 16 de novembro de 2016, o MNP visitou o Estabeleci-mento Prisional de Viana do Castelo, com o objetivo de verificar o cumprimento dos direitos e dos deveres de reclusos recentemente entrados, verificar as condições de habita-bilidade e do procedimento de comunicação com a direção, assim como foram analisadas a disponibilização aos reclusos de um kit higiénico e a assistência religiosa e espiritual que lhes é proporcionada.

O estabelecimento visitado está instalado em um edifício que apresenta um bom estado de conservação e boas condições de higiene e limpeza, acolhendo, à data da visita, 70 reclusos condenados, todos do género masculino, os quais se acomodam em 14 celas (três individuais, duas disciplinares e uma de separação) e 13 camaratas.

O MNP visitou a zona de detenção, tendo analisada as condições de duas celas — que possuíam dois beliches de três camas e vários cacifos para arrumação — e de uma cama-rata. Estes espaços encontravam-se limpos, tendo sido referido que são objeto de limpeza duas vezes por dia, tarefa levada a cabo por 16 reclusos.

O estabelecimento prisional possui um pátio, de pequenas dimensões, onde os reclusos podem praticar desporto e uma biblioteca, na qual os reclusos realizam alguns trabalhos manuais e que está equipada com seis computadores.

O procedimento de comunicação existente entre os reclusos e a direção funciona regu-larmente. Perante um pedido de atendimento que não seja urgente, o recluso é recebido no dia seguinte pelos elementos da direção.

No que respeita a cuidados de saúde, o estabelecimento prisional dispõe de um médico e de uma enfermeira que ali prestam serviço, respetivamente, cinco e 25 horas por semana. A este propósito refira-se, de igual modo, que todos os reclusos são observados pelo médico aquando da sua entrada na prisão e, posteriormente, sempre que necessário ou quando tal seja por aquele expressamente solicitado.

No momento da entrada do recluso no estabelecimento prisional é-lhe facultado um kit higiénico, assim como se lhe faculta o boletim informativo dos seus direitos e dos seus deveres, o qual, em resultado de contactos junto das embaixadas, está disponível em espa-nhol e romeno, para além da língua portuguesa. Mencione-se, ainda, que têm sido desen-volvidos contactos efetuados diretamente pela direção, os quais resultaram na reunião de

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várias instituições que colaboram no fornecimento, a título gratuito, do kit higiénico aos reclusos.

No tocante à assistência religiosa, o MNP concluiu que esta é proporcionada aos reclu-sos do local visitado, sendo que os que são católicos contam com a celebração semanal da eucaristia.

Visita n.º 28-2016Data: 2016.11.16Local de detenção: Esquadra de Viana do Castelo da Polícia de Segurança Pública (Viana do Castelo)Objeto: Cumprimento dos direitos e dos deveres dos detidos, designadamente no tocante ao respetivo tratamento. Condições de habitabilidade da zona de detenção, designadamente no tocante ao conforto térmico. Condições de trabalho dos agentes policiais, por observação direta e audição destes

Na noite do dia 16 de novembro de 2016, a Esquadra de Viana do Castelo da PSP foi objeto de uma visita do MNP, por meio da qual se aferiram as condições de habitabilidade das celas e o cumprimento dos direitos dos detidos, designadamente o de contactar com o seu defensor e com familiar ou pessoa da sua confiança.

A esquadra visitada situa-se no rés-do-chão do edifício onde, para além daquela, fun-cionam outros departamentos da PSP: o Comando Distrital, a Esquadra de Trânsito, a Esquadra de Intervenção e Fiscalização Policial e a Esquadra de Investigação Criminal.

A esquadra visitada possui duas celas de detenção, ambas operacionais e que têm portas em chapa de ferro e janelas com rede metálica e grades de proteção exterior. As janelas, ao abrirem para o exterior, propiciam o arejamento destes espaços, registando-se, todavia, que estes são frios. Existe dispositivo de chamada e a privacidade dos seus ocupantes é assegurada pela baia de proteção das instalações sanitárias. Refira-se, ainda, que a limpeza da zona é efetuada diariamente.

À entrada do detido é-lhe entregue um conjunto de roupa de cama (lençóis) e um cobertor que é objeto de desinfestação após a sua saída.

A esquadra ostenta um painel informativo com os direitos e os deveres dos detidos, os quais estavam também traduzidos para inglês, francês e espanhol.

À data da visita, não se encontravam pessoas privadas da sua liberdade naquele local, tendo sido mencionado que são poucos os cidadãos que ali ficam detidos.

Segundo apurado pelo MNP, a pessoa em situação de detenção é autorizada a contac-tar telefonicamente o seu defensor, sendo facultada a utilização do telefone da esquadra.

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Para além disso, e sempre que necessário, a PSP diligencia para que seja prestada assistên-cia aos familiares a cargo da pessoa detida — designadamente crianças, jovens e idosos —, promovendo os contactos e os devidos encaminhamentos.

No que respeita ao transporte, é, via de regra, o agente policial que procedeu à deten-ção que acompanha o detido ao tribunal. Situação diversa verifica-se com o transporte de doentes — incluindo os casos de internamento compulsivo —, o qual é efetuado em ambulância do INEM, sempre acompanhado por um agente da PSP.

Verificadas as condições de trabalho dos 52 agentes policiais (sendo 10 deles do género feminino), não foram assinalados problemas. Quanto ao aquartelamento, note-se que o local visitado possui quartos onde os agentes da PSP podem, em circunstâncias pontuais, pernoitar, vestiário e, ainda, um bar que se encontra em funcionamento, permitindo, assim, que os agentes policiais se alimentem.

Visita n.º 29-2016Data: 2016.11.16Local de detenção: Estabelecimento Prisional de Izeda (Bragança)Objeto: Cumprimento dos direitos e dos deveres dos reclusos que tenham dado en-trada no estabelecimento prisional há oito dias ou menos. Condições de habitabilida-de. Procedimentos observados na comunicação da população prisional com a direção. Condições de transporte dos reclusos

No dia 16 de novembro de 2016, no período da tarde, o MNP levou a cabo uma visita ao Estabelecimento Prisional de Izeda, com o desiderato de se analisarem as suas condi-ções de habitabilidade, o cumprimento dos direitos e dos deveres dos reclusos que tenham entrado recentemente e os procedimentos observados na comunicação da população reclusa com a direção.

À data da visita estavam afetos ao estabelecimento prisional visitado 270 reclusos.O MNP visitou a zona prisional, designadamente aos espaços de alojamento, tendo

concluído que as suas condições de habitabilidade são más, sendo praticamente inexis-tente o isolamento contra o frio e o calor. Não obstante nada se assinalar quanto à lim-peza, à iluminação e ao arejamento das camaratas e das celas, a existência de janelas em madeira — evidenciando a ausência de obras de reparação recentes (v.g., janelas partidas ou sem massa de vidro) —, associada à amplitude dos espaços em causa (ilustrada, por exemplo, pela lotação de algumas camaratas que podem acomodar até 16 pessoas), assim como ao rigor das condições atmosféricas que se fazem sentir na região do país onde o estabelecimento prisional se localiza — onde os invernos são, tradicionalmente, muito

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frios e os verões muito quentes — mostra-se preocupante. Esta situação é potenciada com o facto de o sistema de aquecimento instalado no edifício não estar em funcionamento. Como alternativa, verificou-se que é assegurado o fornecimento ilimitado de cobertores, possibilitando-se aos reclusos a posse de (até) 50 peças de roupa por pessoa (armazenadas em espaço próprio e mudadas a cada 15 dias).

Foi, do mesmo jeito, analisado o fornecimento de água ao estabelecimento prisional, tendo-se apurado que a sua direção está a equacionar a prospeção de água nos seus terre-nos agrícolas, por forma a solucionar os constrangimentos que, por sobre tudo no verão, se sentem.

Foram visitadas as duas celas disciplinares, as quais são merecedoras de reparo quanto ao seu estado de conservação. O sistema de chamada estava operacional.

No denominado Pavilhão de Segurança alojam-se os reclusos em cumprimento de medidas disciplinares, os mais velhos e aqueles que, pela tipologia do crime cometido, inspiram maiores cuidados quanto à segurança do próprio e de terceiros. Para além destes, verificou-se que ali permanecem, há já alguns anos, quatro pessoas com doenças psiquiá-tricas, casos já sinalizados, porém, junto da Clínica Psiquiátrica de Santa Cruz do Bispo, estando a aguardar resposta. No entretanto, estas pessoas são acompanhadas pelo médico psiquiatra que, durante quatro horas semanais, presta apoio ao local visitado.

No que à comunicação com a direção diz respeito, foi observado e posteriormente con-firmado — tanto pela direção como pelos reclusos ouvidos — que as exposições ou pedi-dos dirigidos à direção são depositados em caixa existente na zona prisional. Esta não é, todavia, exclusivamente destinada às comunicações dirigidas para o diretor do estabeleci-mento prisional, servindo, de igual modo, o estabelecimento de contactos com os técnicos de educação, assim como com os serviços administrativos e a chefia do pessoal de vigilân-cia. Refira-se, ainda, que o pedido é lavrado em formulário próprio, disponibilizado para o efeito pelo chefe de ala, devendo o recluso assinalar a quem o mesmo se dirige e indicar não só a sua pretensão mas também o motivo que a sustenta. A abertura da caixa de comu-nicações é feita, diariamente, pelos serviços da secretaria do estabelecimento prisional, os quais procedem à triagem dos pedidos apresentados.

No tocante aos meios de transporte da população reclusa, e de acordo com a informa-ção prestada, estão afetas ao local visitado quatro carrinhas celulares, três das quais com lotação para seis pessoas e que, atendendo à sua vetustez, não possuem cintos de segurança nem equipamento de comunicação. Situação diversa ocorre com a quarta carrinha ao ser-viço deste estabelecimento prisional, a qual tem três anos, mas que tem a sua utilização limitada pelo facto de ter uma lotação de apenas duas pessoas. No entanto, não se regis-taram constrangimentos na execução das tarefas cometidas ao estabelecimento prisional, associadas à antiguidade do seu parque automóvel.

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Mencione-se, outrossim, a escassez de transportes públicos que assegurem não só as deslocações das pessoas que visitam quem ali se encontram privado da sua liberdade, mas também todos aqueles que trabalham no estabelecimento prisional.

Visita n.º 30-2016Data: 2016.11.16Local de detenção: Posto Territorial de Izeda da Guarda Nacional Republicana (Bragança)Objeto: Cumprimento dos direitos e dos deveres dos detidos, designadamente no tocante ao respetivo tratamento. Condições de habitabilidade da zona de detenção, designadamente no tocante ao conforto térmico. Condições de trabalho dos militares, por observação direta e mediante audição destes. Procedimentos de articulação en-tre o Comando Territorial e o Posto Territorial da Guarda Nacional Republicana em matéria de alocação de detidos

No período da tarde do dia 16 de novembro de 2016, o Posto Territorial de Izeda da GNR foi objeto de uma visita do MNP, a qual visou aferir o cumprimento dos direitos e dos deveres dos detidos, as condições de habitabilidade da sua zona de detenção e as de trabalho dos militares, bem como os procedimentos de articulação entre o local visitado e respetivo comando territorial em matéria de alocação de pessoas privadas da sua liberdade.

O posto territorial visitado, de construção recente, tem duas celas; todavia, a descon-formidade das suas características com o que está legalmente previsto (v.g., fluxómetros não embutido) determinou que, na sequência de uma visita da Inspeção-Geral da Admi-nistração Interna, estes espaços de detenção ficassem inoperacionais. Segundo apurado, não se conhece prazo para a realização das obras necessárias para a resolução da situação.

Na portaria encontra-se afixado a informação sobre os direitos e os deveres dos detidos, a qual está disponível em três idiomas estrangeiros (inglês, francês e espanhol), para além do português. Os referidos elementos informativos constam também de folhetos que ali se encontram.

Relativamente à limpeza das celas, obteve-se a indicação de que esta é assegurada, nas atuais circunstâncias, três vezes por semana, por uma funcionária que ali a presta serviço.

No que respeita à articulação entre o posto territorial em causa e o respetivo comando territorial, obteve-se a informação de que o primeiro, atendendo ao facto de ter um parque automóvel suficiente para as suas necessidades, é autónomo na gestão dos recursos para, designadamente, realizar as diligências necessárias.

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Foram analisadas as condições de trabalho dos 14 militares que trabalham no local visitado; as instalações são amplas e modernas, possuindo duas casas de banho e condi-ções de acessibilidade e de circulação a pessoas com mobilidade reduzida; à data da visita, encontravam-se em bom estado de conservação e de limpeza.

No tocante ao transporte de doentes em situação de internamento compulsivo, e de acordo com as declarações prestadas, é, nesta matéria, dada preferência à utilização de viaturas dos bombeiros, sendo a escolta assegurada por elementos da GNR.

Visita n.º 31-2016Data: 2016.11.17Local de detenção: Estabelecimento Prisional de Braga (Braga)Objeto: Cumprimento dos direitos e dos deveres dos reclusos que tenham dado entra-da no estabelecimento prisional há oito dias ou menos. Condições de habitabilidade, em particular as condições de funcionamento das caldeiras. Procedimentos observa-dos na comunicação da população prisional com a direção. Procedimentos relativos à separação física dos reclusos: preventivos versus condenados

Na manhã do dia 17 de novembro de 2016, o MNP efetuou uma visita ao Estabele-cimento Prisional de Braga, tendo por objeto a verificação do cumprimento de direitos e deveres de reclusos recentemente entrados, a aferição das suas condições de habitabili-dade, a análise do procedimento de comunicação com a direção, bem como a verificação do funcionamento das caldeiras.

À data da visita, eram 144 os reclusos afetos ao local visitado, todos do género mascu-lino, sendo que 46 encontravam-se em cumprimento da medida processual de coação de prisão preventiva.

Sendo este estabelecimento prisional especialmente vocacionado para a receção de pre-sos preventivos, indagou-se a direção sobre a separação entre reclusos preventivos e reclu-sos condenados; em resposta, foi referido que a separação depende da disponibilidade de alojamento, tendo também em conta a natureza do crime (alegadamente) praticado.

A zona prisional possui 40 celas habitáveis e cinco camaratas. Foram verificadas as condições de uma cela e de uma camarata, habitadas por quatro e seis reclusos, respetiva-mente. As celas dispõem de arejamento (janelas basculantes), mas as loiças das instalações sanitárias são de cerâmica. A zona de detenção encontra-se limpa, tendo sido referido que é objeto de limpeza duas vezes por dia, após os banhos, tarefa levada a cabo por reclusos. Foi igualmente visitada a zona de convívio, com separação entre fumadores e não fuma-dores, e a sala de jogos.

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O procedimento de comunicação existente entre os reclusos e a direção funciona regu-larmente, sem demoras no atendimento que, não sendo urgente, ocorre no dia seguinte.

No que respeita a cuidados de saúde, o Estabelecimento Prisional de Braga dispõe de assistência médica e de enfermagem, sendo que todos os reclusos são observados por um médico aquando da sua entrada e, posteriormente, sempre que necessário ou quando tal seja expressamente solicitado pelo recluso, em modelo existente para o efeito.

No que respeita à específica questão do funcionamento regular das caldeiras, foi refe-rido que, de momento, não existe qualquer problema, o que foi confirmado pelos reclusos entrevistados.

Foi, ainda, possível confirmar a existência de assistência religiosa, o que ocorre uma vez por semana, sendo celebrada, com igual periodicidade, a eucaristia para os católicos.

Visita n.º 32-2016Data: 2016.11.17Local de detenção: Estabelecimento Prisional de Guimarães (Braga)Objeto: Cumprimento dos direitos e dos deveres dos reclusos que tenham dado entra-da no estabelecimento prisional há oito dias ou menos. Condições de habitabilidade, em particular as condições de funcionamento das caldeiras. Procedimentos observa-dos na comunicação da população prisional com a direção. Disponibilização do kit higiénico individual

No dia 17 de novembro de 2016, durante a tarde, o MNP visitou o Estabelecimento Prisional de Guimarães, com vista a verificar o cumprimento de direitos e deveres de reclu-sos recentemente entrados, a aferir as suas condições de habitabilidade, a analisar o pro-cedimento de comunicação com a direção, bem como o funcionamento das caldeiras e a disponibilização de kit higiénico individual aos reclusos recém-entrados.

Os reclusos afetos ao Estabelecimento Prisional de Guimarães são do género mascu-lino e, à data da visita, a sua ocupação cifrava-se em número inferior ao da sua lotação: 59 presos para 73 vagas. As pessoas em situação de reclusão acomodavam-se nas suas 23 celas, ocupadas com dois ou três reclusos cada, ou nas suas quatro camaratas, duas delas com seis pessoas e outras duas com sete reclusos.

Os espaços de acolhimento apresentam-se, em regra, bem conservados, sendo suportá-vel o frio derivado das baixas temperaturas típicas daquela região do país. Foram também ultrapassados os problemas advenientes do funcionamento da caldeira.

O mecanismo de comunicação existente entre reclusos e direção não suscitou proble-mas, ressalvando-se que, muito embora em exercício de funções apenas desde o mês de

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setembro, o diretor já havia reunido com a totalidade dos reclusos. Após a formalização do pedido de entrevista (em espaço criado para o efeito), o recluso é recebido no dia seguinte.

À entrada dos reclusos no estabelecimento prisional é-lhes disponibilizado um kit higiénico composto por produtos que a direção do local visitado vai assegurando junto da sociedade civil. Aos reclusos recém-chegados é igualmente facultado um documento informativo com os respetivos direitos e deveres, documento esse que, na sequência de diligências realizadas pela direção junto de representações diplomáticas, se encontra tra-duzido para as línguas romena, espanhola e inglesa.

Foi mantida conversação com sete cidadãos detidos, não sendo sinalizada qualquer situação de maus-tratos.

Visita n.º 33-2016Data: 2016.11.17Local de detenção: Posto Territorial de Guimarães da Guarda Nacional Republicana (Braga)Objeto: Cumprimento dos direitos e dos deveres dos detidos, designadamente no tocante ao respetivo tratamento. Condições de habitabilidade da zona de detenção, designadamente no tocante ao conforto térmico. Condições de trabalho dos militares, por observação direta e mediante audição destes. Procedimentos de articulação entre o Comando Territorial e o Posto Territorial em matéria de alocação de detidos

No período da tarde do dia 17 de novembro de 2016, o MNP visitou o Posto Territo-rial de Guimarães da GNR para verificar o cumprimento de direitos e deveres detidos e as condições da sua zona de acolhimento — em particular, o conforto térmico das celas — e de trabalho dos militares, bem como para analisar a articulação com o Comando Distrital no que respeita ao transporte de detidos.

No local visitado trabalham 37 militares de ambos os géneros, embora predomine o masculino (sendo 25% dos militares do género feminino). Se, porém, atendermos ao número de militares que laboram no Destacamento de Guimarães da GNR — o qual funciona nas mesmas instalações —, este ascende aos 257 elementos.

À data da visita, não se encontravam pessoas privadas da liberdade no local visitado. Foi também informado que as duas celas existentes no posto apenas são utilizadas em situações excecionais de clara sobrelotação, uma vez que, por norma, são usadas as celas existentes nos Postos Territoriais de Vizela e de Cabeceiras de Basto.

Nesta medida, o transporte dos detidos a tribunal processa-se em situações muito específicas, sendo utilizadas as viaturas à disposição do posto (cinco automóveis) ou do

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destacamento (quatro veículos). Não se processa, neste particular, qualquer articulação específica com o comando distrital, em face da autonomia dos destacamentos.

Ainda que raramente utilizadas, as celas de detenção apresentavam-se em razoável estado de conservação e de limpeza, não se registando sinais de desconforto térmico. As normas regulamentares eram cumpridas no tocante às características dos espaços de detenção.

Foram igualmente aferidas as condições de trabalho dos militares, salientando-se a amplitude de espaços disponibilizados e a diversidade de equipamentos colocados à dis-posição do contingente. Em regra, cerca de uma dezena de militares pernoita no destaca-mento, o que sucede em condições consideradas adequadas e autonomizadas em função do género.

Visita n.º 34-2016Data: 2016.11.17Local de detenção: Esquadra de Mirandela da Polícia de Segurança Pública (Bragança)Objeto: Cumprimento dos direitos e dos deveres dos detidos, designadamente no tocante ao respetivo tratamento. Condições de habitabilidade da zona de detenção, designadamente no tocante ao conforto térmico. Condições de trabalho dos agentes policiais, por observação direta e mediante audição destes. Procedimentos de articula-ção entre o Comando Distrital e a Esquadra em matéria de alocação dos detidos

Na manhã do dia 17 de novembro de 2016, a Esquadra de Mirandela da PSP foi visi-tada pelo MNP, tendo-se averiguado as condições de habitabilidade dos seus espaços de detenção.

A esquadra, de construção recente (cerca de cinco anos), tem duas celas, ambas locali-zadas no piso térreo e dotadas de boas condições estruturais, as quais observam, em geral, a legislação em vigor nesta matéria. É, contudo, de assinalar o facto de, à data da visita, os espaços em causa não estarem equipados com colchões ou estrados.

Segundo informado, os procedimentos a adotar em situações de detenção observa o legalmente determinado, designadamente no que toca ao registo de detidos e à entrega de roupa de cama.

Na parede, junto à porta de entrada da antecâmara através da qual se acede às celas, é visível o painel dos direitos e dos deveres dos detidos, disponíveis nas línguas portuguesa, espanhola, inglesa e francesa. Merece, todavia, reparo, o reduzido tamanho dos caracteres utilizados.

A limpeza das celas é feita, única e exclusivamente, aquando da sua efetiva utilização.

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Foi ainda referida a articulação existente com a unidade da GNR localizada naquela cidade, podendo as suas duas celas serem utilizadas sempre que o número de detenções da PSP exceda a lotação dos seus espaços detentivos.

No tocante à articulação existente entre a esquadra e o respetivo comando distrital, obteve-se a informação de que a primeira, atendendo ao facto de ter um parque automóvel suficiente para as suas necessidades, é autónoma na gestão dos recursos para, designada-mente, realizarem as diligências necessárias.

Foram analisadas as condições de trabalho dos 65 agentes policiais que exercem fun-ções na esquadra visitada; as instalações são amplas e modernas, possuindo condições de acessibilidade e de circulação a pessoas com mobilidade reduzida.

Refira-se, de igual modo, que a esquadra dispõe de gabinete de apoio às vítimas de vio-lência doméstica, junto do qual existe um quarto para assegurar a sua (eventual) pernoita.

As instalações encontram-se em bom estado de conservação e de limpeza.O MNP apurou, outrossim, que, relativamente ao transporte de doentes em situação

de internamento compulsivo, este é preferencialmente realizado em viaturas descarateri-zadas, operadas por elementos da PSP que não estejam fardados.

Visita n.º 35-2016Data: 2016.11.17Local de detenção: Posto Territorial de Mirandela da Guarda Nacional Republicana (Bragança)Objeto: Cumprimento dos direitos e dos deveres dos detidos, designadamente no tocante ao respetivo tratamento. Condições de habitabilidade da zona de detenção, designadamente no tocante ao conforto térmico. Condições de trabalho dos militares, por observação direta e mediante audição destes. Procedimentos de articulação entre o Comando Territorial e o Posto Territorial em matéria de alocação de detidos

No dia 17 de novembro de 2016, durante a manhã, o MNP realizou uma visita ao Posto Territorial de Mirandela da GNR, de modo a verificar o cumprimento dos direitos e dos deveres dos detidos e as condições de habitabilidade do seu espaço de detenção — por sobre tudo no que respeita ao seu conforto térmico — e de trabalho dos militares, bem como se analisaram os procedimentos de articulação entre o local visitado e o respetivo comando distrital.

O posto territorial visitado foi, outrora, um estabelecimento prisional que, em 1980, foi adaptado às suas atuais funções. No entanto, o edifício ainda pertence ao Ministério da Justiça, razão pela qual não se efetuaram as obras necessárias ao melhoramento das

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suas condições estruturais. Ainda assim, as duas celas foram objeto de intervenção em 2014, estando, segundo transmitido ao MNP, orçada a substituição dos seus equipamen-tos sanitários (v.g. retrete turca em inox e torneiras com as características regulamentares). Refira-se, outrossim, que a localização das janelas é relativamente baixa e inexistem grades que impeçam o acesso dos detidos ao pátio interior que as serve. O MNP não detetou, nas camas embutidas nas paredes interiores das celas, a existência de estrado de madeira, conforme o legalmente exigido.

O MNP observou a existência, tanto na portaria como no corredor de acesso aos espa-ços de detenção, de quadros com os direitos e os deveres dos detidos.

Relativamente à limpeza das celas, obteve-se a indicação de que a mesma é assegurada diariamente, por uma funcionária que ali presta serviço.

Foi igualmente informado que os espaços de detenção do local visitado podem acolher detidos da PSP sempre que a lotação das celas existentes na esquadra de Mirandela esteja completa.

De acordo com a informação transmitida, existe estreita articulação entre o posto ter-ritorial em causa, o respetivo comando territorial e o destacamento (que integra quatro postos territoriais) o que se deve, em parte, à proximidade física dos meios disponíveis.

Foram analisadas as condições de trabalho dos 25 militares do posto, havendo a regis-tar as deficiências estruturais da zona de aquartelamento, vestiário e balneário, situadas no piso superior do edifício (v.g., infiltrações, falta de isolamento contra o frio e o calor excessivos). Refira-se, também, que existem condições de acessibilidade e de circulação a pessoas com mobilidade reduzida nas áreas de trabalho e de detenção. Para além disso, mencione-se que o posto territorial dispõe de gabinete de apoio às vítimas de violência doméstica.

As instalações encontram-se em bom estado de limpeza.No tocante ao transporte de doentes em situação de internamento compulsivo, ao

MNP foi transmitido que, para este efeito, são utilizadas as viaturas afetas ao posto, nas quais se incluem as caracterizadas.

Visita n.º 36-2016Data: 2016.11.18Local de detenção: Departamento de Investigação Criminal de Braga da Polícia Judiciária (Braga)Objeto: Cumprimento dos direitos e dos deveres dos detidos, designadamente no tocante ao respetivo tratamento. Condições de habitabilidade da zona de detenção. Condições em que é assegurada a alimentação aos detidos

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Na tarde do dia 18 de novembro de 2016, o MNP visitou o Departamento de Inves-tigação Criminal de Braga da Polícia Judiciária, com o propósito de observar o cumpri-mento dos direitos e dos deveres dos detidos, aferir as condições de habitabilidade da sua zona de detenção e a verificar as de trabalhos dos seus agentes e funcionários.

À data da visita, não foi identificada a presença de pessoas privadas da sua liberdade no local visitado.

O Departamento de Investigação Criminal de Braga da Polícia Judiciária não possui, na sua entrada e desde 2014, nenhum funcionário que proceda à identificação das pessoas e dos bens que acedem às suas instalações nem à revista das primeiras. Para além disso, o local visitado não dispõe de um pórtico detetor de metais, não se controlando, assim, quem e o que ali entra. O MNP observou, contudo, que as pessoas que se deslocam à insti-tuição visitada são atendidas por um assistente operacional e duas especialistas auxiliares, pessoas que, conquanto sejam funcionárias do Departamento de Investigação Criminal de Braga da Polícia Judiciária, não têm os conhecimentos e as habilitações necessárias à execução da revista de outrem.

No tocante aos agentes e funcionários que laboram no Departamento de Investigação Criminal de Braga da Polícia Judiciária, aliada à sua ampla competência territorial — a qual compreende os círculos judiciais de Barcelos, Braga, Guimarães, Viana do Castelo e Vila Real —, verificou-se a insuficiência de recursos humanos. Tendo por referência o volume processual do ano anterior (que ultrapassa largamente os 2000 processos entra-dos), e comparando este departamento com os restantes pertencentes à Polícia Judiciária, concluiu-se que o número de inspetores em funções (49) não assegura o aumento de tra-balho que o local visitado tem registado nos últimos anos. O défice do quadro de pessoal afeto à investigação criminal é ainda agravado pela situação de incapacidade temporária para o serviço por motivo de doença de, pelo menos, dois elementos.

O MNP observou, também que as instalações em causa não são adequadas para o seu salutar funcionamento, não só porque são exíguas para acomodar, de forma condigna, todos os funcionários, mas também porque próximo do local visitado existe uma antiga unidade fabril (entretanto desativada) que emprega, no seu edifício, materiais revestidos a fibrocimento. Este facto revela-se preocupante atento o número elevado de trabalhado-res do Departamento de Investigação Criminal de Braga da Polícia Judiciária que foram diagnosticados com problemas oncológicos, admitindo-se, destarte, a hipótese da existên-cia de um nexo causal entre os referidos materiais nocivos e a verificação de doenças que podem derivar de uma exposição constante aos mesmos.

Verificou-se, de igual jeito, que não há um espaço autónomo preparado para a realiza-ção de inquirições a vítimas e, por sobre tudo, a crianças e jovens, o que pode redundar, por conseguinte, no não respeito dos direitos das pessoas que foram vítimas de crime.

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Visita n.º 37-2016Data: 2016.11.18Local de detenção: Esquadra de Vila Real da Polícia de Segurança Pública (Vila Real)Objeto: Cumprimento dos direitos e dos deveres dos detidos, designadamente no tocante ao respetivo tratamento. Condições de habitabilidade da zona de detenção, designadamente no tocante ao conforto térmico. Condições de trabalho dos agentes policiais, por observação direta e mediante a audição destes. Procedimentos de articu-lação entre o Comando Distrital e a Esquadra em matéria de alocação dos detidos

No dia 18 de novembro de 2016, durante a noite, a Esquadra de Vila Real da PSP foi objeto de uma visita do MNP, por meio da qual se analisou o cumprimento dos direitos e dos deveres dos detidos, se averiguaram as condições de habitabilidade dos seus espaços de detenção — por sobre tudo no tocante ao conforto térmico — e as de trabalho dos agen-tes policiais, bem como se verificaram os procedimentos de articulação entre o comando distrital e a esquadra.

A esquadra visitada, inserida em um edifício antigo, tem uma cela localizada no piso térreo, próximo das áreas de permanência dos elementos policiais que ali prestam serviço. A utilização desta cela é feita, sempre que necessário, pela Polícia Judiciária, assim como pelo SEF. Foi também transmitido ao MNP que, sempre que esteja ocupada, pode-se recorrer aos espaços de detenção existentes nas instalações da GNR.

Face à antiguidade do edificado, associada ao espaço onde se situa a cela, verifica-se que, embora se tente dar resposta à legislação em vigor neste domínio, alguns dos requi-sitos nela fixados não são observados. Assim sucede com a dimensão da área — inferior ao mínimo legalmente estabelecido — e com a ausência de iluminação natural e de venti-lação conveniente, uma vez que a zona em apreço é interior e não possui qualquer janela. Para além disso, inexiste qualquer equipamento de chamada.

De acordo com a informação comunicada ao MNP, nada há a assinalar quanto aos procedimentos observados nas situações de detenção, designadamente no que ao registo de detidos e à entrega de roupa de cama dizem respeito.

Na parede, junto à porta de entrada da antecâmara que nos conduz ao espaço em ques-tão, é visível o painel dos direitos e deveres dos detidos, os quais estão disponíveis nas línguas portuguesa, espanhola, inglesa e francesa.

A limpeza da cela é feita diariamente e sempre após a sua efetiva utilização. No tocante à articulação entre a esquadra e o respetivo comando distrital, obteve-se a

informação de que a primeira, atendendo ao facto de ter um parque automóvel suficiente para as suas necessidades, é autónoma na gestão dos recursos para, designadamente, reali-zarem as diligências necessárias.

Foram observadas as condições de trabalho dos 44 agentes policiais afetos à esqua-dra visitada, e não obstante a antiguidade das instalações, nada há a assinalar. Verificou-se

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também que existem condições de acessibilidade e de circulação a pessoas com mobilidade reduzida para acesso à zona de detenção e às áreas de trabalho. O local visitado dispõe, de igual modo, de um gabinete de apoio às vítimas de violência doméstica.

No que toca ao transporte de doentes em situação de internamento compulsivo, é, para este efeito, dada preferência à utilização de viaturas descaraterizadas, operadas por agentes policiais não fardados.

Visita n.º 38-2016Data: 2016.11.18Local de detenção: Estabelecimento Prisional de Vila Real (Vila Real)Objeto: Cumprimento dos direitos e dos deveres dos reclusos que tenham dado entra-da no estabelecimento prisional há oito dias ou menos. Condições de habitabilidade, em particular as condições de funcionamento das caldeiras de aquecimento de água. Procedimentos observados na comunicação da população prisional com a direção. Condição de transporte dos reclusos

No período da manhã do dia 18 de novembro de 2016, o MNP realizou uma visita ao Estabelecimento Prisional de Vila Real, a qual teve como desiderato a observação do cum-primento dos direitos e dos deveres dos reclusos recentemente entrados, a verificação das suas condições de habitabilidade — em particular quanto ao funcionamento das caldeiras — e dos procedimentos praticados na comunicação da população reclusa com a direção, sendo também analisadas as condições de transporte dos reclusos.

À data da visita estavam afetos ao estabelecimento prisional visitado 93 reclusos.O MNP visitou a zona prisional — designadamente os espaços de alojamento —,

concluindo-se pelas boas condições de habitabilidade (limpeza, iluminação, arejamento e isolamento contra o frio e o calor). Refira-se, também, que, em alternativa ao sistema de aquecimento existente (pouco eficaz e dispendioso), foram instalados novos aparelhos (reutilizados, excedentários ou provenientes dos serviços administrativos), aguardando-se apenas que sejam concluídas as ligações necessárias para a sua entrada em funcionamento.

No que respeita às caldeiras de aquecimento de água, foi transmitido que estas foram renovadas há pouco tempo. Para além disso, e tendo em vista a sua racional utilização, o acesso a banhos passou a obedecer a um horário previamente definido, o qual é do conhe-cimento da população prisional.

No que à comunicação com a direção diz respeito, foi observado e posteriormente con-firmado — tanto pela direção como pelos reclusos ouvidos — que as exposições ou pedi-dos dirigidos àquela são depositados em caixa existente na zona prisional. Esta caixa não

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é, todavia, exclusivamente destinada ao diretor do estabelecimento prisional, uma vez que serve também para o estabelecimento de contactos com os técnicos de educação, assim como com os serviços administrativos e a chefia do pessoal de vigilância. O pedido em causa é lavrado em formulário próprio, disponibilizado para o efeito, devendo o recluso assinalar a quem o mesmo se dirige, a sua pretensão e o motivo que a sustenta. A abertura deste meio de comunicação é feita, diariamente, pelo graduado de serviço que procede à triagem dos pedidos apresentados.

Manteve-se conversa reservada com três pessoas detidas, assim como cidadãos em reclusão, nada havendo a assinalar por parte destes. Diversamente, no que aos casos de detenção diz respeito, registaram-se algumas queixas por parte de um de dois cidadãos estrangeiros detidos na véspera. Estas queixas derivaram do alegado uso da força física aquando da imobilização de um cidadão — marcas visíveis derivadas da utilização de algemas — que, segundo apurado, terá tentado a fuga aos agentes que procederam à sua detenção, assim como do facto de não lhes ter sido dada a oportunidade de contactarem com advogado. Após a sinalização desta situação feita pelo MNP, esta circunstância foi prontamente ultrapassada pelos serviços de vigilância.

Observado que foi o parque automóvel afeto ao estabelecimento prisional visitado, concluiu-se que o mesmo era muito antigo, o que, aliada ao número elevado de diligências a que tem que responder, não se mostra apropriado às suas finalidades.

Visita n.º 39-2016Data: 2016.11.23Local de detenção: Estabelecimento Prisional de Aveiro (Aveiro)Objeto: Condições de habitabilidade: ocupação, ventilação, isolamento contra o frio e o calor. Condições de acesso à saúde, em particular no âmbito da saúde mental. Pro-cedimentos observados na comunicação da população prisional com a direção

Na manhã do dia 23 de novembro de 2016, o Estabelecimento Prisional de Aveiro foi visitado pelo MNP, tendo como fito a verificação das suas condições de habitabilidade, a assistência que, em matéria de saúde — e, por sobre tudo, de saúde mental — que é pro-porcionada à população reclusa e os procedimentos que esta observa na comunicação com a direção.

À data da visita estavam afetos 130 reclusos, sendo que o local visitado tem uma lotação de 88 pessoas.

A zona prisional foi visitada e observaram-se as condições de habitabilidade dos seus espaços de alojamento. Estes são constituídos por 23 camaratas, sendo que a sua ocupação

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varia entre três e 12 pessoas, com exceção daquela onde estão alojados os 16 indivíduos presos pela prática de crimes sexuais. Esta camarata apresentava más condições de venti-lação e salubridade. Parte dos reclusos que a habitam têm que fazer as refeições no pátio contíguo ao alojamento, por falta de espaço. A camarata tem sanitários próprios que se encontravam em razoável estado de conservação.

Os demais alojamentos encontravam-se em razoável estado de higiene e conservação embora a ventilação seja insuficiente nas camaratas com maior número de reclusos.

Dada a existência de sobrelotação, o cumprimento da medida disciplinar de perma-nência obrigatória no alojamento é concretizado em um alojamento coletivo.

No que respeita ao acesso à saúde, verificou-se a existência de uma caixa para pedidos dirigidos aos serviços clínicos, na zona prisional. O médico de clínica geral presta serviços duas vezes por semana durante cerca de cinco horas no total. Os serviços de enfermagem são prestados pelo período de cinco horas diárias. A especialidade de estomatologia, por sua vez, está disponível em um outro estabelecimento prisional: o de Santa Cruz do Bispo. Foi, a este propósito, transmitido ao MNP que há dificuldade na marcação das consultas, bem como no transporte dos reclusos, o que se deve à escassez de meios humanos e logís-ticos. Existe, também, a possibilidade de os reclusos, a suas expensas, recorrerem aos servi-ços de uma clínica privada. A direção informou, outrossim, estar a desenvolver contactos para que as consultas de estomatologia sejam realizadas no Estabelecimento Prisional de Coimbra, o qual é geograficamente mais perto. Foi também comunicado que a psicóloga presta serviço, uma vez por semana, durante cinco horas, não existindo lista de espera para esta valência.

No tocante à saúde mental, foi referida a inexistência de reclusos com necessidade de cuidados especiais. Foi ainda mencionado que os reclusos que careçam de assistência neste âmbito são seguidos pela Clínica Psiquiátrica de Santa Cruz do Bispo e, alternada ou con-juntamente, no Hospital Prisional de São João De Deus. As situações urgentes são enca-minhadas para o hospital de Aveiro. Em caso de necessidade a medicação psicotrópica é prescrita pela médica de clínica geral. O médico psiquiatra do Centro de Reabilitação e Integração de Aveiro segue os reclusos que já se encontravam afetos a este serviço.

A toma da medicação é assistida. A medicação “SOS” disponível resume-se a analgé-sicos, anti-inflamatórios e anti-histamínicos. A medicação ansiolítica só é disponibilizada caso tenha sido previamente prescrita pelo médico.

Quanto à comunicação com a direção, observou-se que existe uma caixa na zona prin-cipal onde são colocados os pedidos da população reclusa para atendimento, sendo a sua triagem efetuada pelo adjunto do diretor. Os atendimentos são realizados uma vez por semana pelo diretor, duas vezes por semana pelo adjunto e diariamente pelos técnicos.

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Visita n.º 40-2016Data: 2016.11.23Local de detenção: Departamento de Investigação Criminal de Aveiro da Polícia Judiciária (Aveiro)Objeto: Condições de habitabilidade da zona de detenção. Cumprimento dos direitos dos detidos de constituir advogado, de contactar telefonicamente com o defensor e de comunicar com familiar ou pessoa da sua confiança

No período da tarde do dia 23 de novembro de 2016, o MNP realizou uma visita ao Departamento de Investigação Criminal de Aveiro da Polícia Judiciária, por forma a veri-ficar as condições de habitabilidade da sua zona de detenção e o cumprimento dos direitos dos detidos de constituir advogado, de contactar telefonicamente com o defensor e de comunicar com familiar ou pessoa de confiança.

Foi visitada a zona de detenção, composta por quatro celas, localizadas no rés-do-chão. O vestíbulo que dá acesso às celas está dotado de uma câmara de vigilância e aquelas pos-suem um dispositivo para emissão de sinal sonoro para chamada do vigilante em caso de necessidade de assistência.

O espaço apresentava boas condições de limpeza e de arejamento, embora não estivesse dotado de meios de aquecimento artificial que fizessem face ao frio que se fazia sentir. Foram observados quatro cobertores dispostos nas camas e uma almofada com fronha limpa. A restante roupa de cama é entregue aos detidos aquando da sua chegada e higie-nizada após a sua saída. As portas das celas são de chapa em ferro, abrindo para o exterior, com um visor que permite a vista total do interior da cela. As janelas das celas são prote-gidas com grades no exterior e possuem rede perfurada. Não foram identificados desvios relevantes aos requisitos regulamentares aplicáveis ao interior das celas, as quais estavam adicionalmente apetrechadas com uma mesa e uma cadeira.

No que respeita aos direitos das pessoas detidas, foi referido que, previamente ao seu ingresso nas celas, é-lhes entregue um folheto com os seus direitos e os seus deveres. O cumprimento deste procedimento deve ser atestado pelos próprios detidos através de subscrição do “termo de notificação”, em local próprio da folha de registo de detenção, conforme comprovado. Foi ainda aferida a concretização de contactos efetuados pelos detidos para pessoa da sua confiança, ou a sua escusa, a qual deve ficar registada no livro de detenção.

Em caso de permanência de detidos nas celas são facultadas três refeições (pequeno-al-moço, almoço e jantar).

Foi também mencionada a possibilidade de permanência de bebés nas celas a pedido das suas mães que estejam privadas da liberdade. O recurso a guarda à vista não é possível. Se a situação desaconselhar o isolamento em cela — como sejam em caso de fragilidade emocional ou física —, a unidade hospitalar é acionada.

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Visita n.º 41-2016Data: 2016.11.23Local de detenção: Instância Local da Figueira da Foz do Tribunal Judicial da Comar-ca de Coimbra (Coimbra)Objeto: Condições de habitabilidade da zona de detenção

No dia 23 de novembro de 2016, a Instância Local da Figueira da Foz do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra foi visitada pelo MNP, com o intuito de se verificarem as condições de habitabilidade da sua zona de detenção.

A zona de detenção é composta por duas celas, servidas por uma instalação sanitária exterior, contíguas a dois espaços de arrumação instalados em duas antigas celas inativadas.

As celas não têm condições para que os detidos nelas pernoitem, não tendo quaisquer maciços em betão que sirvam de cama; estes espaços estão apetrechados com um banco de madeira que serve de assento e com um lavatório de cerâmica com torneira em aço saliente. Apesar de possuírem portas em ferro — uma delas ostentando apenas grades ver-ticais e horizontais, a outra em chapa de ferro maciço com visor —, a presença dos detidos requer o acompanhamento permanente por guarda.

A iluminação natural provém das janelas (uma das quais tinha um vidro partido) que asseguram a adequada ventilação. Sem aquecimento artificial, a zona de detenção não apresenta adequado isolamento contra o frio ou meios para prevenir calor excessivo.

A entrada dos detidos é assegurada por porta própria para o efeito e que se situa no rés-do-chão.

A zona de detenção encontrava-se razoavelmente limpa e a higienização das celas é assegurada em conjunto com as restantes instalações do tribunal.

Segundo apurado, o espaço raramente é utilizado, servindo apenas para albergar pes-soas detidas em trânsito para outros locais ou a aguardar, durante curtos períodos, as dili-gências judiciais que lhes respeitem. Foi, também, referido que há mais de um ano que não há detidos neste espaço.

Visita n.º 42-2016Data: 2016.11.23Local de detenção: Departamento de Controlo Costeiro da Figueira da Foz da Guarda Nacional Republicana (Coimbra)Objeto: Condições de habitabilidade da zona de detenção. Cumprimento dos direitos dos detidos de constituir advogado, de contactar telefonicamente com o defensor e de comunicar com familiar ou pessoa da sua confiança

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Na tarde do dia 23 de novembro de 2016, o MNP efetuou uma visita Destacamento de Controlo Costeiro da Figueira da Foz da GNR, com vista a aferir as condições de habi-tabilidade da zona de detenção e o cumprimento dos direitos dos detidos de constituir advogado, de contactar telefonicamente com o defensor e de comunicar com familiar ou pessoa da sua confiança.

O MNP foi, todavia, informado de que, àquela data, já não existiam espaços de deten-ção nas instalações que foram visitadas.

Ainda assim, foi possível apurar que, em caso de detenção, as pessoas privadas da sua liberdade ficam sob a vigilância da PSP, o que tem lugar nos seus locais detentivos.

Visita n.º 43-2016Data: 2016.12.15Local de detenção: Unidade de Internamento de Psiquiatria do Centro Hospitalar Barreiro Montijo, E.P.E. (Setúbal)Objeto: Prática seguida no uso de medidas de restrição física e química

Na manhã do dia 15 de dezembro de 2016, o MNP realizou uma visita à Unidade de Internamento de Psiquiatria do Centro Hospitalar Barreiro Montijo E.P.E., tendo sido aferidos diversos aspetos relacionados com o uso de medidas de restrição física e química, recorrendo-se para o efeito à audição dos responsáveis clínicos pelo serviço (médico e enfermeira), à visita das instalações, à consulta de processos clínicos, bem como a troca de impressões com doentes internados.

O espaço visitado alberga a unidade de internamento de doentes agudos de curta dura-ção, único serviço destinado ao internamento psiquiátrico do Centro Hospitalar, o qual está dotado de 24 camas destinadas a adultos de ambos os géneros. A demora média de internamento é de 19 dias, contando-se, durante o período de 2016 decorrido, 58 inter-namentos compulsivos (31 mulheres e 27 homens). No dia da visita estariam presentes 18 doentes, quatro dos quais sujeitos a medida de internamento compulsivo.

As instalações apresentavam-se limpas, luminosas e em boas condições de manutenção. A maioria dos quartos está equipada com três camas, existindo ainda três quartos duplos e três quartos individuais (os quais não são usados para o isolamento dos doentes em contexto de medida de contenção). Destaca-se, pela positiva, uma enfermaria destinada à prestação de cuidados intensivos (“SO”), reservada ao acolhimento de doentes que apre-sentem maior fragilidade e que exijam a presença permanente de um membro da equipa clínica.

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Embora parca em elementos decorativos, a zona comum de lazer tinha uma árvore de Natal e uma tela com desenhos, ali se encontrando alguns doentes a ver televisão. Foi mencionado que os internados podem usar roupa própria, embora tal requeira um apoio familiar de que muitos não usufruem. Os doentes avistados vestiam roupa de dormir.

Em concreto, sobre a utilização de medidas de contenção face a doentes que ponham em causa a sua segurança ou a envolvente, foi demonstrado pelos diversos profissionais auscultados durante a visita, pleno conhecimento do princípio da menor restrição pos-sível. Mais foi asseverado que o recurso a restrições é necessariamente precedido de uma autorização médica, a qual deve constar do processo clínico individual do doente. Sempre que desencadeada, impõe-se a imediata comunicação ao médico responsável pelo doente ou, na sua ausência, ao médico de prevenção. Foi ainda referido que as orientações sobre monitorização do doente são cumpridas. Na sequência de pergunta sobre os procedimen-tos a seguir na hipótese de surgir necessidade de recorrer à restrição, física ou química de doentes internados voluntariamente, o MNP foi informado de que deve ser desencadeado o respetivo internamento ou tratamento compulsivo.

A prescrição e a administração de medicação na ausência do médico (designada “mediação SOS”) obedecem aos mesmos requisitos. Existem protocolos gerais afixados na sala de trabalho dos profissionais, embora tivesse sido afirmado que estes não substituem a necessidade de uma autorização individual constante do processo clínico do doente. A administração de medicação com efeito calmante, neste contexto, não é, porém, for-malmente qualificada como uma medida de restrição, nem resultou inequivocamente que assim fosse percecionada pelos profissionais envolvidos.

No que tange às instruções internas aplicáveis, apurou-se que se encontra em revisão o protocolo existente, procurando-se a maior conformidade com a Orientação da Direção--Geral da Saúde n.º 21/2011, de 6 de junho de 2011.

O registo de episódios de medidas de restrição é efetuado no processo clínico indivi-dual de cada doente. Não existe qualquer registo autonomizado. Esta circunstância difi-cultou a obtenção de dados gerais quantitativos e qualitativos sobre as mesmas.

A consulta dos registos clínicos dos últimos quatro doentes internados compulsi-vamente permitiu confirmar a existência, em alguns deles, de prescrição de medidas de restrição, sempre associadas à indicação de utilização “em SOS”. Em nenhum dos casos consultados foram efetivamente aplicadas. Foi, todavia, mencionado que um dos doentes internados compulsivamente, tendo ingressado na unidade durante aquela madrugada, oriundo do serviço de urgência, manteve a contenção física que lhe amarrava os pulsos à cama até ao completo despertar já durante a manhã. Trata-se de uma situação plausivel-mente causadora de intenso desconforto e facilmente entendida como cruel pelos doen-tes. Tratando-se de uma atuação externa à unidade de psiquiatria, não existiam no pro-cesso clínico registos que permitissem aferir da justificação da medida.

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Durante conversa mantida com os doentes, foi por um deles mencionada a perceção de sobremedicação (referindo-se à sensação de boca seca e à dificuldade em articular frases).

Visita n.º 44-2016Data: 2016.12.20Local de detenção: Estabelecimento Prisional de Viseu (Viseu)Objeto: Cumprimento dos direitos e dos deveres dos reclusos que tenham dado entra-da no estabelecimento prisional há oito dias ou menos. Condições de habitabilidade, em particular as condições de funcionamento das caldeiras. Procedimentos observa-dos na comunicação da população prisional com a direção. Disponibilização do kit higiénico individual

Na tarde do dia 20 de dezembro de 2016, o Estabelecimento Prisional de Viseu foi visi-tado pelo MNP, constituindo objeto da visita a verificação do cumprimento dos direitos e dos deveres dos reclusos preventivos, a aferição do procedimento de comunicação com a direção, a confirmação de disponibilização de kit higiénico individual aos reclusos recém--entrados e a avaliação das condições da zona de acolhimento (em particular na zona das caldeiras).

O Estabelecimento Prisional de Viseu apenas acolhe reclusos do género masculino, sendo a prisão de referência para a permanência de reclusos preventivos. A sua ocupação situava-se, no dia da visita, nas 55 pessoas, número que excede o das suas vagas (37).

Foram contabilizadas nove camaratas que acomodavam entre 10 e 13 reclusos cada. Conquanto se registe o esforço empreendido na manutenção e na recuperação dos espa-ços comuns, bem como da zona de acolhimento, observaram-se alguns constrangimen-tos, como seja o facto de a abertura das portas das celas apenas se processar de fora para dentro, o que suscita preocupações de segurança em caso de evacuação do local visitado e da própria integridade física dos reclusos, designadamente em situações de possível ten-tativa de suicídio. Verificou-se, do mesmo modo, que os reclusos não fumadores ficavam alojados em camaratas maioritariamente ocupadas por reclusos fumadores. Esta situação foi mesmo denunciada por alguns dos reclusos que informaram ter já solicitado, junto da direção, transferência para outra cela ou, até, para outro estabelecimento prisional.

O mecanismo de comunicação existente entre a população reclusa e a direção não sus-citou problemas, sendo que, muito embora em exercício de funções apenas desde o mês de setembro, o diretor já havia reunido com a quase totalidade dos reclusos. Após a forma-lização do pedido de entrevista (em espaço criado para o efeito), o recluso é recebido, em regra, no dia seguinte ou no posterior.

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Aquando da entrada no estabelecimento prisional, os reclusos recebem um kit higiénico composto por produtos que, pelo menos em parte, são assegurados pelos contactos da direção junto da sociedade civil.

Foi ainda mantida conversação com sete cidadãos privados da sua liberdade, tendo sido sinalizada uma situação de maus-tratos, na sequência de atuação perpetrada por agentes afetos à Esquadra de Coimbra da PSP.

Visita n.º 45-2016Data: 2016.12.20Local de detenção: Posto Territorial de Viseu da Guarda Nacional Republicana (Viseu)Objeto: Cumprimento dos direitos e dos deveres dos detidos, designadamente no tocante ao respetivo tratamento. Condições de habitabilidade da zona de detenção, designadamente no tocante ao conforto térmico. Condições de trabalho dos militares, por observação direta e mediante audição destes. Procedimentos de articulação entre o Comando Territorial e o Posto Territorial em matéria de alocação dos detidos

No final da manhã do dia 20 de dezembro de 2016, o MNP realizou uma visita ao Posto Territorial de Viseu da GNR, com o fito de verificar as condições de habitabilidade da sua zona de detenção, as condições de trabalho dos militares e as formas de articulação entre o local visitado e o respetivo comando territorial em matéria de alocação dos detidos.

O posto territorial visitado, integrado fisicamente na estrutura do Comando Territo-rial de Viseu da GNR, ocupa parte do rés-do-chão do edifício comum e tem três celas, todas operacionais. Registe, desde logo, o distanciamento dos espaços de detenção face aos serviços que asseguram o seu funcionamento (área de atendimento e gabinetes de apoio, entre outros), dado que aqueles se localizam ao fundo de um grande corredor, orga-nicamente inserido já na área de funcionamento do comando territorial acima identifi-cado. Esta circunstância determina que, sempre que haja detidos, tenha de haver reforço do pessoal que ali presta serviço, para assegurar a vigilância e o apoio presencial. Refira-se, não obstante, que as celas possuem sistema de chamada que se encontrava operacional. Na antecâmara encontra-se um quadro informativo, o qual patenteia, em várias línguas (português, inglês, francês e espanhol), os direitos e os deveres dos detidos.

Segundo informado, a reafetação dos espaços partilhados está a ser equacionada, em articulação entre as citadas unidades da GNR, para garantir a proximidade da área de detenção. Foi igualmente transmitido ao MNP que aquela unidade presta apoio, nesta matéria, às restantes forças de segurança presentes no concelho de Viseu, com particular

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destaque para o SEF — que não dispõe de celas — e para o Núcleo de Investigação da GNR.

No que às condições de habitabilidade dos espaços visitados diz respeito, assinala-se a existência de aquecimento central no espaço contíguo às celas, que serve de acesso às mesmas. Também se observou que na antecâmara das celas estão instaladas uma mesa e três cadeiras, tendo em vista a toma das refeições por parte dos primeiros, tendo-se, a este propósito, apurado que, em caso de necessidade, a alimentação é, nos dias úteis, fornecida pela messe do comando territorial e, aos fins de semana, por dois restaurantes locais.

As instalações encontram-se em bom estado de conservação e limpeza. Relativamente à limpeza das celas obteve-se a indicação de que a mesma é assegurada, nas atuais circuns-tâncias (isto é, sem detidos), uma vez por semana, por funcionária que ali presta serviço. Aquando da presença de detidos, este serviço é feito diariamente.

Não obstante a articulação existente entre o posto territorial em causa e o respe-tivo comando territorial, obteve-se a informação de que o primeiro é, face ao segundo, autónomo.

O MNP observou as condições de trabalho dos 31 militares do posto, nada havendo a assinalar em jeito de reparo, uma vez que o mesmo é bastante moderno e amplo, bene-ficiando aqueles também das boas condições das instalações do Comando Territorial de Viseu (v.g., messe, vestiário e aquartelamento). Refira-se ainda o facto de o posto territo-rial dispor de gabinete de apoio às vítimas de violência doméstica.

No que respeita ao transporte de doentes em situação de internamento compulsivo, concluiu-se que, neste domínio, é dada preferência à utilização de viaturas dos bombeiros, sendo a escolta assegurada por elementos daquela força de segurança.

Visita n.º 46-2016Data: 2016.12.20Local de detenção: Esquadra de Viseu da Polícia de Segurança Pública (Viseu)Objeto: Cumprimento dos direitos e dos deveres dos detidos, designadamente no tocante ao respetivo tratamento. Condições de habitabilidade da zona de detenção, designadamente no tocante ao conforto térmico. Condições de trabalho dos agentes policiais, por observação direta e mediante audição destes. Procedimentos de articula-ção entre o Comando Distrital e a Esquadra em matéria de alocação dos detidos

No dia 20 de dezembro de 2016, o MNP realizou uma visita à Esquadra de Viseu da PSP, na qual foram aferidas as condições de habitabilidade das celas, o cumprimento dos direitos dos detidos — designadamente o de contactar com o seu defensor e com familiar

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ou pessoa da sua confiança —, a existência de procedimentos para aferir se o detido tem pessoas à sua responsabilidade e as condições de transporte de detidos e de pessoas doen-tes, bem como as condições de trabalho dos agentes policiais.

A esquadra visitada situa-se no rés-do-chão do edifício onde funciona o respetivo comando distrital, tendo as últimas obras sido realizadas em dezembro de 2015.

A esquadra tem três celas de detenção, todas operacionais, com arejamento — propor-cionado por janelas que abrem para o exterior e que possuem grades de proteção exterior e rede metálica, estando, porém situadas a uma altura inferior à legalmente estabelecida —, dispositivo de chamada e boas condições de higiene e de limpeza, sendo esta feita diariamente. Observou-se a existência de baia de proteção nas instalações sanitárias e, no corredor, de câmaras de videovigilância que, no entanto, estão inativas. Em relação à cli-matização, as instalações são frias.

À entrada do detido é-lhe entregue um conjunto de roupa de cama não descartável (lençol e cobertor), o qual é objeto de desinfestação após a sua saída.

Existe apenas um painel informativo dos direitos e dos deveres dos detidos, mas a sua redação reflete as últimas alterações legislativas nesta matéria.

O detido é autorizado a contactar telefonicamente com o seu defensor, sendo facultada a utilização do telefone da esquadra.

À data da visita, não se encontravam pessoas detidas na Esquadra de Viseu da PSP, tendo sido referido que a última detenção ocorrera a 14 de dezembro último. Foi, ainda, transmitido que esta esquadra acomoda detidos do SEF.

A esquadra visitada dispõe de um gabinete de apoio às vítimas de violência doméstica que funciona também como a sala onde o detido pode ser recebido pelo seu advogado. Sempre que necessário, a PSP diligencia para que seja prestada assistência aos familiares a cargo da pessoa detida, designadamente crianças, jovens e idosos. Para este efeito, são promovidos os contactos com a comissão de proteção de crianças e jovens da área de resi-dência ou com a segurança social.

No que respeita ao transporte de detidos, quando eles pertencem à PSP é a respetiva esquadra que providencia o transporte em viatura do comando. Ao invés, no que respeita ao transporte de doentes em casos de internamento compulsivo, há articulação com a Cruz Vermelha ou com o INEM para que o doente seja transportado em condições ade-quadas, o que, em regra, acontece por meio de uma ambulância. Foi ainda informado que, em casos excecionais, pode o doente ser transportado em carro-patrulha ou em viatura celular e, por questões de segurança, aquele pode ter que ser algemado, sendo o seu trans-porte sempre acompanhado por agente da PSP.

A Esquadra dispõe de quatro carros-patrulha e dois carros da escola segura.Verificadas as condições de trabalho dos 78 agentes da Esquadra de Viseu da PSP —

quatro dos quais são do género feminino —, foi assinalada a utilização de algum mate-rial obsoleto, como sejam computadores, fotocopiadoras e impressoras. Quanto ao

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aquartelamento e à alimentação dos agentes policiais, estas valências são asseguradas pelo respetivo comando distrital.

Visita n.º 47-2016Data: 2016.12.22Local de detenção: Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa – zona de detenção (Lisboa) Objeto: Condições em que é assegurada a alimentação aos detidos. Condições de ha-bitabilidade da zona de detenção. Cumprimento dos direitos e dos deveres dos detidos, designadamente no tocante ao respetivo tratamento e às condições em que o seu trans-porte se efetua

No período da manhã do dia 22 de dezembro de 2016, foi objeto da atuação do MNP a zona de detenção do Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa, com vista a se averiguarem as condições em que é assegurada a alimentação das pessoas que ali se encontrem privadas da sua liberdade, as condições de habitabilidade da zona de detenção e do transporte dos detidos ou reclusos, assim como o cumprimento dos seus direitos e dos seus deveres.

O Departamento de Investigação e de Ação Penal de Lisboa situa-se no Campus de Jus-tiça, espaço que congrega uma pluralidade de serviços e instâncias do sistema judicial. Por esta razão, o espaço de detenção é unitário, conquanto a responsabilidade pelas pessoas que nele se encontrem privadas da sua liberdade seja repartida entre a PSP e os serviços prisionais. A zona de detenção encontra-se vocacionada para alojar pessoas em situação de detenção ou de reclusão que aguardam a realização das diligências judiciais que lhes res-peita, o que ocorrerá por curtos períodos de tempo e sem necessidade de pernoita no local.

Ao início da visita do MNP encontravam-se presentes, na área da responsabilidade da PSP, 10 cidadãos detidos – os quais aguardavam ser presentes a autoridade judicial de turno da Instância Central do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa –, dois dos quais eram do género feminino. Aquele número foi, contudo, variando em função da sua com-parência em diligências judiciais e de novas entradas.

Refira-se que as pessoas do género feminino ocupam uma cela separada, estando pre-sente, nestas circunstância e no mínimo, um elemento do pessoal de vigilância do mesmo género feminino — seja na zona da PSP, seja na zona dos serviços prisionais —, o qual fica encarregue da revista corporal daquelas e do seu acompanhamento às instalações sani-tárias e duches (exteriores à cela). As grávidas, as mulheres acompanhadas de crianças e os cidadãos com deficiência são alojados na sala destinada à reunião com os advogados,

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sendo promovidos contactos com os serviços da segurança social relativamente à situação das crianças.

Os detidos que se encontrem sob efeito do consumo de substâncias estupefacientes ou de álcool são objeto de vigilância permanente.

Na zona da detenção encontrava-se afixada informação, em vários idiomas, sobre os direitos e deveres dos arguidos, a qual consiste na reprodução do artigo 61.º do Código de Processo Penal, completado por outros preceitos jurídicos (v.g., da Constituição da Repú-blica Portuguesa e da Declaração Universal dos Direitos do Homem).

Durante a visita, o MNP observou o almoço fornecido às pessoas privadas da liberdade que ali que se encontravam, o qual consistia em sopa (canja), pão, feijoada acompanhada de arroz e uma maçã. Foram também, e a pedido, servidos copos de água. Apesar de algu-mas queixas quanto à consistência e ao tempero da comida, a sua quantidade e a sua qua-lidade revelaram-se razoáveis.

O espaço da cela utilizada para a refeição conjunta dos cidadãos do género masculino mostrou-se, atendendo ao número de pessoas presentes no momento da visita, exíguo.

O MNP verificou que a circulação de ar era insuficiente, tendo sido referido que são utilizadas ventoinhas portáteis para melhorar as condições de ventilação do espaço. As instalações permanecem em bom estado de conservação, com exceção do interior das celas que se apresenta danificado pelas inscrições executadas nas paredes.

Não obstante os detidos presentes não aguardarem diligências a realizar no Departa-mento de Ação e de Investigação Penal de Lisboa, como se referiu, o MNP, aproveitando a sua presença, promoveu entrevistas individuais a 10 cidadãos privados da sua liberdade, as quais ocorreram na sala destinada a reuniões com advogados e, por isso, com privaci-dade. As pessoas entrevistadas ingressaram nesta Esquadra do Campus de Justiça da PSP na manhã do dia da visita e provieram de outras esquadras da PSP (Musgueira e Comando Metropolitano de Lisboa). Foram registadas algumas queixas pela alegada prática de agressões físicas perpetradas por agentes daquela força policial associadas ao momento da detenção, não se verificando, porém, marcas visíveis dessas ofensas. Os próprios detidos afirmaram, também, não existirem quaisquer marcas das agressões, nem testemunhas do alegado. As condições de alojamento na Esquadra da Musgueira (sobrelotação de cela) e a ausência do fornecimento de refeições representaram, também, as temáticas objeto das queixas transmitidas por alguns detidos ao MNP.

Questionados sobre as condições de transporte, a maioria dos detidos entrevistados respondeu que nada tinha relatar nesta matéria; um deles, porém, revelou que o seu trans-porte foi efetuado no chão do veículo, junto aos pés dos elementos da força de segurança que os acompanhavam.

Mencione-se, de igual forma, que na ala afeta aos serviços prisionais, no momento da visita, nenhuma das celas se encontrava ocupada, tendo os elementos da guarda prisional afirmado que a lotação máxima de cada cela era de cinco pessoas. É, ainda, de referir a

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inexistência de equipamento de alarme ou de chamada no interior das celas, equipamento que não só é legalmente exigido como se afigura necessário mormente nas celas com porta em chapa de ferro e, por conseguinte, com reduzida comunicação visual com o exterior.

Visita n.º 48-2016Data: 2016.12.22Local de detenção: Instância Local de Lisboa do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – zona de detenção (Lisboa)Objeto: Condições em que é assegurada a alimentação aos detidos. Condições de habitabilidade da zona de detenção. Cumprimento dos direitos e dos deveres dos detidos, designadamente no tocante ao respetivo tratamento

Na manhã do dia 22 de dezembro de 2016, a zona de detenção da Instância Local de Lisboa do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa foi objeto de atuação por parte do MNP destinada a verificar as condições em que é assegurada a alimentação das pessoas que ali se encontrem privadas da sua liberdade, as condições de habitabilidade da zona de detenção e o cumprimento dos direitos e dos deveres dos cidadãos detidos ou presos.

A instância judicial visitada situa-se também no Campus de Justiça, espaço que con-grega uma pluralidade de serviços e instâncias da administração da justiça. Neste sentido, o espaço detentivo visitado coincide com o da visita anterior, para a qual se remete no tocante à caraterização deste espaço.

Visita n.º 49-2016Data: 2016.12.22Local de detenção: Posto Territorial da Malveira da Guarda Nacional Republicana (Lisboa)Objeto: Cumprimento dos direitos e dos deveres dos detidos, designadamente no tocante ao respetivo tratamento. Condições de habitabilidade da zona de detenção, designadamente no tocante ao conforto térmico. Condições de trabalho dos militares, por observação direta e mediante audição destes. Procedimentos de articulação entre o Comando Territorial e o Posto Territorial em matéria de alocação dos detidos

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No período da manhã do dia 22 de dezembro de 2016, o MNP visitou o Posto Terri-torial da Malveira da GNR, tendo esta visita como objeto a verificação do cumprimento de direitos e deveres detidos, a avaliação das condições da zona de acolhimento (em par-ticular, o conforto térmico das celas), a aferição das condições de trabalho dos militares e articulação com o Comando Distrital em matéria de transporte de detidos.

À data da visita, não foi identificada a presença de detidos. Foi, todavia, informado que as duas celas ali existentes constituem ponto de referência em todo o Destacamento, o qual é composto pelos núcleos de Mafra, Livramento, Malveira e Ericeira. Foi também transmitido ao MNP que, em situações de sobrelotação, é sinalizado o encaminhamento dos detidos para a cela do Posto Territorial de Pêro Pinheiro.

O transporte dos detidos a tribunal processa-se sempre pela entidade responsável pela detenção. No caso da Malveira, é utilizada uma viatura descaracterizada. Diversamente, a condução de doentes é sempre efetivada em viaturas dos bombeiros ou do INEM.

As celas de detenção apresentavam-se em regular estado de conservação e de limpeza, não se observando particular desconforto em termos de climatização. As normas regula-mentares eram igualmente cumpridas.

No local visitado trabalham 28 pessoas, sendo que quatro militares são do género feminino. Verificadas as suas condições de trabalho, conclui-se pela amplitude de espaços disponibilizados no edifício. Sobre esta matéria foi comunicado que, em regra, quatro militares pernoitam nas instalações do posto, em condições consideradas adequadas para o efeito e autonomizadas em função do género. A sua alimentação é realizada nas instala-ções da cantina existente no local visitado.

Visita n.º 50-2016Data: 2016.12.22Local de detenção: Esquadra de Oeiras da Polícia de Segurança Pública (Lisboa)Objeto: Cumprimento dos direitos e dos deveres dos detidos, designadamente o tocante ao respetivo tratamento. Condições e habitabilidade da zona de detenção, designadamente no tocante ao conforto térmico. Condições de trabalho dos agentes policiais, por observação direta e mediante audição destes. Procedimentos de articula-ção entre o Comando Distrital e a Esquadra em matéria de alocação dos detidos

No dia 22 de dezembro de 2016, durante a manhã, a Esquadra de Oeiras da PSP foi objeto de uma visita do MNP, a teve por base aferir as condições de habitabilidade das celas, o cumprimento dos direitos dos detidos — designadamente o de contactar com o seu defensor e com familiar ou pessoa da sua confiança —, a existência de procedimentos

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para indagar se o detido tem pessoas à sua responsabilidade, as condições de transporte de detidos e de pessoas doentes e as condições de trabalho dos agentes policiais.

O local visitado situa-se no rés-do-chão de um edifício com 44 anos. À data da visita encontrava-se totalmente em obras, razão pela qual, de momento, a esquadra se encon-trava a funcionar apenas em duas salas.

A Esquadra de Oeiras dispõe de duas celas de detenção, ambas operacionais, que, de uma forma geral, respeitam a legislação aplicável, designadamente em termos de segurança (portas em chapa de ferro e janelas com rede metálica e grades de proteção exterior), are-jamento (janelas que abrem para o exterior), condições de higiene e limpeza (efetuada diariamente) e privacidade (existência de proteção nas instalações sanitárias). Assinalam--se, contudo, a inexistência de um dispositivo de chamada nas celas, de torneira exterior embutida nas instalações sanitárias e de climatização, prevendo-se que as celas serão muito frias, especialmente no inverno.

À entrada do detido é-lhe entregue um kit de roupa de cama descartável e cobertores que são objeto de desinfestação após a sua saída. O detido é autorizado a contactar telefo-nicamente com o seu defensor, sendo facultada a utilização do telefone da esquadra.

Foi referido que, em média, são detidos dois ou três cidadãos por semana, sendo que, em caso de sobrelotação, recorre-se à Esquadra de Cascais e, se necessário, ao Comando Metropolitano de Lisboa.

A Esquadra dispõe de um gabinete de apoio à vítima, intitulada «a casa da Maria», e, em resultado de uma parceria com a APAV e a rede social da Câmara Municipal de Oeiras, estas entidades dispõem de um gabinete nas instalações da PSP.

Sempre que necessário, a PSP diligencia para que seja prestada assistência aos familia-res a cargo da pessoa detida, designadamente crianças, jovens e idosos, promovendo os contactos necessários e encaminhando a situação para as entidades competentes.

Quando são detidos cidadãos estrangeiros, é, sempre que necessário, providenciada a presença de um intérprete.

No que respeita ao transporte do detido, e de forma geral, o agente policial que proce-deu à detenção acompanha-o ao tribunal.

Relativamente ao transporte de doentes em casos de internamento compulsivo, foi referida a articulação com os bombeiros e o transporte daqueles é efetuado em ambulân-cia, sempre acompanhado por agente da PSP. Em situações excecionais, quando não há disponibilidade de transporte por parte dos bombeiros, pode ser utilizada viatura da PSP.

O local visitado dispõe de dois carros patrulha e uma viatura celular da divisão.Foram verificadas as condições de trabalho dos 49 agentes da Esquadra de Oeiras —

cinco do género feminino —, tendo sido assinalado o facto de o material informático existente ser razoável mas não suficiente.

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Visita n.º 51-2016Data: 2016.12.29Local de detenção: Estabelecimento Prisional de Castelo Branco (Castelo Branco)Objeto: Condições de habitabilidade: ocupação, ventilação, isolamento contra o frio e o calor. Condições de acesso à saúde, em particular no âmbito da saúde mental. Procedimentos observados na comunicação da população prisional com a direção

No período da tarde do dia 29 de dezembro de 2016, o MNP efetuou uma visita ao Estabelecimento Prisional de Castelo Branco, com vista a verificar as suas condições de habitabilidade, as condições de acesso à saúde — em particular no âmbito da saúde mental — e os procedimentos observados na comunicação da população reclusa com a direção.

Encontravam-se presentes, no dia da visita, 123 pessoas em reclusão, 12 das quais em regime aberto no interior. Não existindo casos de regime aberto no exterior, encontra-se em curso procedimento que eventualmente concluirá com a concessão deste regime em um caso. O estabelecimento tinha, assim, uma taxa de ocupação de cerca de 75%.

Os espaços de alojamento visitados consistiam, em geral, em camaratas para 11 pes-soas, estando cada uma ocupada com oito ou nove pessoas. Tais espaços encontravam-se em boas condições, com áreas amplas para circulação e mobiliário suficiente para a lota-ção. As janelas funcionavam corretamente, permitindo a regulação do arejamento e da temperatura, em conformidade com as condições exteriores.

Os espaços sanitários próprios de cada alojamento estavam em boas condições e ofere-ciam privacidade.

Foi transmitido ao MNP que era autorizada a posse de aquecedor a óleo ou de venti-lador, fornecidos pelos interessados, o que se verificou ser o caso nos espaços visitados, os quais estavam adequadamente climatizados.

O espaço designado e utilizado como cela de separação era uma antiga camarata. Tendo condições físicas similares aos demais alojamentos, é de difícil observação a totalidade do espaço, a partir da vigia da porta, situação a que acresce a presença de barras horizontais na janela.

As celas disciplinares, apenas com barras verticais, encontravam-se em condições nor-mais, face ao seu uso. Estando o sistema de chamada funcional, notou-se, todavia, a grande dificuldade, senão mesmo impossibilidade de acionamento do mesmo, estando fechada a porta da cela.

Nas instalações sanitárias e balneários comuns não se registaram sinais de infiltração e observou-se que as mesmas proporcionam boa privacidade a quem as utilize.

No que se refere à prestação de cuidados de saúde no próprio estabelecimento, foi notada a dificuldade gerada pela contratualização deste serviço com empresas que, alega-damente, não possuirão quadro próprio de pessoal, recorrendo preferencialmente à con-tratação do pessoal que já prestava serviço no estabelecimento, no quadro de contrato

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com o anterior adjudicatário. Embora esta circunstância vise traduzir uma desejável con-tinuidade na relação interpessoal, não pareceu, contudo, estar assegurada, no processo de contratação, o conhecimento e articulação com a realidade do estabelecimento.

A valência de Psiquiatria dá apoio igualmente aos estabelecimentos prisionais de Covi-lhã, Guarda e Viseu, existindo uma escala para atribuir os tempos de consulta. Não foi relatada demora na realização do atendimento, existindo um projeto de articulação para diminuição do risco de suicídio e de patologias graves, envolvendo o psiquiatra, o psicó-logo, os serviços de educação e os de vigilância.

As relações com o Centro de Respostas Integradas local, do Serviço de Intervenção dos Comportamento Aditivos e Dependências, foram descritas como normais e sem registo de problemas, o mesmo sucedendo com as unidades do Serviço Nacional de Saúde de Castelo Branco.

No tocante à comunicação da população reclusa com a direção, foram verificados os pedidos de atendimento pendentes, todos com data recente. Em cada piso existe uma caixa de sugestões, para depósito das comunicações que não se queiram entregar ao pessoal de vigilância. Esta caixa é aberta pelo graduado de serviço.

Visita n.º 52-2016Data: 2016.12.29Local de detenção: Instância Central do Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco (Castelo Branco)Objeto: Condições de habitabilidade da zona de detenção. Condições do setor da alimentação

No dia 29 de dezembro de 2016, durante a manhã, a Instância Central do Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco foi visitada pelo MNP, tendo como propósito a averiguação das condições de habitabilidade dos seus espaços de detenção — designada-mente em termos de salubridade, de climatização e de iluminação —, e as condições em que é assegurada a alimentação das pessoas que ali se encontrem privadas da sua liberdade.

O edifício afeto ao tribunal aparenta boas condições estruturais, tendo as últimas obras (incidindo sobre várias partes do edifício) sido realizadas em agosto deste ano.

A zona de detenção localiza-se na cave, em zona não confinante com espaços abertos ao público. É composta por duas celas contíguas, fechadas com portas de grades (barras de ferro verticais), que confluem em um espaço comum onde permanecem os funcioná-rios policiais. Dentro das celas não existem quaisquer bancos, cadeiras ou equipamentos similares para descanso dos detidos. Foi esta omissão justificada com o facto de não ser

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permitido colocar mobiliário amovível no interior das celas. Esta lacuna já se encontra superiormente sinalizada — junto da Direção-Geral da Administração da Justiça —, estando previsto a construção de um banco de cimento.

Ambas as celas beneficiam de iluminação artificial — proporcionada por um foco luminoso situado no teto, sendo acedido e comandado a partir da antecâmara — e de iluminação natural, a qual é providenciada por seis janelas, basculantes com abertura para o interior, instaladas, em frente das celas, na parede da antecâmara. No que toca à ilumina-ção artificial, cumpre, porém, assinalar o facto de a lâmpada existente no interior das celas não se encontrar protegida por grade metálica.

O pavimento é constituído por material cerâmico, de cor cinzenta, e as paredes e os tetos são lisos e pintados com cor clara (branco).

Verifica-se que uma das celas (a que se situa mais próxima da porta de entrada para a antecâmara) se encontra em mau estado de conservação. Para além da degradação evi-dente das paredes, é visível um tubo de canalização, com cerca de 20 centímetros de diâ-metro, que se encontra a descoberto e trespassa parcialmente o teto. Foi indicado que esta situação derivou de um problema de infiltração ocorrido no edifício, tendo a necessidade de sua resolução já sido superiormente sinalizada.

Na antecâmara existe uma instalação sanitária, para pessoas de ambos os géneros, dotada de um lavatório, em aço inox, incrustado em um maciço de betão, com torneira temporizada, de um espelho e de uma sanita com fluxómetro embutido na parede, tam-bém em inox.

O sistema de videovigilância existente — limitado a dispositivo de vídeo e não de áudio — é constituído por uma câmara instalada no corredor que dá acesso à antecâmara e monitorizado em permanência pelo agente de segurança do tribunal que se encontra, no átrio principal, na zona de receção. Na antecâmara é, ainda, visível um conjunto de folhas, penduradas na parede, contendo a reprodução, por escrito, dos direitos e deveres do detido nas línguas portuguesa, espanhola, inglesa e francesa.

Consoante o tempo de permanência, a cada detido é fornecida alimentação adequada (pequeno-almoço, almoço, lanche, jantar), provida por um estabelecimento de restaura-ção local

A limpeza do local visitado é efetuada diariamente por três pessoas, uma das quais exerce funções no tribunal em permanência e duas, pertencentes a empresa de prestação de serviços, exercem funções em regime parcial. As operações de desinfeção e de desinfes-tação das celas apenas se verificam quando se considera necessário.

A escolta dos detidos até à cela é feita em segurança, através de corredor, reservado sem acesso ao público, o qual faz a ligação entre a zona de detenção e uma porta das traseiras que dá acesso à rua, onde estacionam as carrinhas celulares

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Visita n.º 53-2016Data: 2016.12.29Local de detenção: Posto Territorial de Castelo Branco da Guarda Nacional Republi-cana (Castelo Branco)Objeto: Condições de habitabilidade da zona de detenção. Cumprimento dos direitos dos detidos de constituir advogado, de contactar telefonicamente com o defensor e de comunicar com familiar ou pessoa da sua confiança

No dia 29 de dezembro de 2016, no final da manhã, o MNP realizou uma visita ao Posto Territorial de Castelo Branco da GNR, visita que se centrou na averiguação das condições de habitabilidade dos espaços de detenção — designadamente em termos de salubridade, de climatização e de iluminação — e na aferição dos termos do exercício dos direitos de comunicação dos detidos.

O edifício afeto ao posto é composto por dois pisos e foi inaugurado, pela GNR, em 2007, apresentando, em geral, boas condições físicas. Para além das atividades normais de manutenção do edifício, não foram realizadas, até à data, obras estruturais de conservação.

O edifício tem, no interior, boas condições de circulação e, no exterior, de acessibili-dade para pessoas com mobilidade reduzida, existindo uma rampa de acesso na entrada principal.

A zona de detenção localiza-se no rés-do-chão, sendo próxima da área de permanência de funcionários policiais e não confinante com espaços abertos ao público. É constituída por quatro celas, que estão dividas por duas subzonas paralelamente dispostas, mediadas por uma parede. Em uma subzona estão instaladas três celas que confluem para uma ante-câmara comum; em outra subzona existe uma quarta cela que conflui, igualmente, em uma antecâmara.

Cada cela dispõe de uma cama composta por um maciço em betão, uma bacia de retrete tipo turco, protegida por uma baia, e um lavatório em aço inox com torneira temporizada. A porta da cela é em chapa de ferro, abrindo para o exterior, e contém um visor de por-tinhola que permite uma visão total do interior. Existe um dispositivo de alarme para chamada do militar vigilante em caso de necessidade de assistência. Uma vez acionada a campainha, o alarme toca no gabinete de atendimento ao público.

O pavimento é constituído por material cerâmico, de cor cinzenta, e as paredes são lisas de cor clara (bege).

As celas beneficiam de iluminação natural — fornecida por janela basculante prote-gida, interiormente, por rede metálica e, exteriormente, por grade com barras verticais de ferro, sendo a abertura realizada pelo exterior — e de iluminação artificial, a qual provém de um foco luminoso situado no interior de cada cela na parede contígua com a antecâ-mara, por cima da porta, devidamente protegido por grade metálica.

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No que toca ao arejamento desejável, verifica-se que existe alguma dificuldade de aber-tura das janelas em face das limitações físicas impostas pela aposição das barras verticais de ferro instaladas no exterior, razão pela qual foi depreendida a não abertura regular das mesmas.

A cada detido é dispensado um conjunto de roupa de cama descartável e um cobertor. Os cobertores são devidamente lavados após cada utilização.

A limpeza das celas é feita, sempre, por ocasião da sua vacatura. Não se procedeu, até à data, a qualquer operação de desinfeção ou de desinfestação.

Consoante o tempo de permanência, a cada detido é fornecida alimentação adequada (pequeno-almoço, almoço, lanche, jantar), providenciada, nos dias úteis, pela própria GNR e, aos fins de semana e feriados, por uma empresa de restauração local.

Segundo aduzido, por ocasião de cada detenção é transmitida oralmente ao detido toda a informação relativa aos direitos e aos deveres de que é titular. Idêntica informação encontra-se reproduzida a escrito — nas línguas portuguesa, espanhola, inglesa e francesa —, em painel visível afixado na parede que confina com as duas zonas de detenção. No caso de cidadãos estrangeiros, existe a possibilidade de se solicitar a presença de intérprete.

Refere-se ser sempre garantido o contacto telefónico do detido com familiares ou pes-soas de confiança e com o defensor. No entanto, não se encontrou registo da realização de quaisquer contactos nos boletins individuais de detido. Foi esta ausência justificada com o facto de os contactos efetivamente efetuados serem muito escassos, devido ao curto espaço de tempo em que as pessoas ali permanecem privadas da sua liberdade.

Não existe uma sala própria reservada para reunião presencial com o defensor, sendo para o efeito utilizada, sempre que necessário, a sala de aula existente no posto, a qual apresenta condições adequadas.

Verificou-se, igualmente, a existência de um livro de registo de detidos, organizado em conformidade com todos os elementos formais e materiais impostos.

No que toca às situações de saúde mental, verificou-se existir um livro de registos próprio, devidamente assinalado e diferenciado dos restantes. Foi também asseverado o cumprimento de todos os procedimentos legalmente estabelecidos nesta matéria, sendo as pessoas, sujeitas a pedidos de internamento compulsivo, imediatamente encaminha-das para o hospital de referência através de ambulância, solicitada por via do INEM, sem nunca permanecerem detidas no local visitado.

Por ocasião da visita, não se encontrava presente qualquer pessoa detida, tendo sido informado que, de acordo com os registos, o último cidadão a se encontrar naquela cir-cunstância retroage a meados de agosto.

O sistema de videovigilância existente no posto não cobre a zona de detenção.

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3. Relatório temático sobre os centros educativos: breves notas

O início efetivo da atividade do MNP está indelevelmente associado à sua primeira visita, ocorrida a 27 de agosto de 2014, ao Centro Educativo da Bela Vista, em Lisboa. É, pois, preocupação primordial do MNP compreender o universo detentivo de jovens que, entre os 12 e os 16 anos de idade, praticaram factos qualificados como crime, atenta a sua especial situação de dupla vulnerabilidade — uma que resulta da sua idade e, uma outra, que deriva da privação de liberdade como consequência da sua conduta mesmo estando em causa uma finalidade reeducativa —, procurando, desde logo, conhecer a adaptação da população feminina que foi transferida do Centro Educativo de Santa Clara, em Vila do Conde, entretanto encerrado.

Com aquela visita, o MNP visou, assim, aferir a acomodação do espaço às especifici-dades das jovens educandas, uma vez que aquele estava vocacionado para receber somente jovens do género masculino. Sucede, porém, que, no decurso da visita, o MNP deparouse com o acolhimento em centro educativo de jovens que apresentavam, de modo notório, perturbações do foro mental. Esta situação foi sinalizada e, a par das recentes alterações à Lei Tutelar Educativa(12), motivou a realização, no ano de 2015, de visitas a todos os centros educativos(13) e a consequente elaboração de um relatório especial dedicado a estas temáticas, concluído e divulgado no ano de referência deste relatório.

O documento O Mecanismo Nacional de Prevenção e os centros educativos – Relató-rio das visitas realizadas durante o ano de 2015(14)consubstancia o retrato da realidade encontrada pelo MNP nas suas visitas aos centros educativos existentes em Portugal e dos 150 jovens que neles cumpriam a medida tutelar de internamento (140 educandos) ou a medida de guarda (10 educandos) que lhes fora aplicada.

O MNP conclui que, do universo de jovens internados em centros educativos, a maio-ria tem a sua idade compreendida entre os 16 e os 18 anos e, de entre aqueles que cumprem uma medida tutelar de internamento, cerca de 75% estão privados na sua liberdade por um período de tempo igual ou superior a 12 meses. Para além disso, e no tocante à escola-ridade destes jovens, verificou-se que mais de ¾ dos jovens frequentam ou possuem os 2.º e 3.º ciclos de estudos do ensino básico (ou Cursos de Educação e Formação de Adultos equivalentes).

(12) Aprovada pela Lei n.º 166/99, de 14 de setembro, alterada pela Lei n.º 4/2015, de 15 de janeiro, com a redação dada pela Declaração de Retificação n.º 9/2015, de 3 de março.(13) Tratam-se das visitas n.os 5-2015 (Centro Educativo Navarro de Paiva), 6-2015 (Centro Educativo Padre Antó-nio Oliveira), 13-2015 (Centro Educativo do Mondego), 20-2015 (Centro Educativo dos Olivais), 24-2015 (Centro Educativo de Santo António) e 25-2015 (Centro Educativo da Bela Vista). Cf. Relatório à Assembleia da República 2015 – Anexo: Mecanismo Nacional de Prevenção, pp. 21-25, 34-36, 42-44, 47-51.(14) Este relatório pode ser consultado em http://www.provedor-jus.pt/?idc=83&idi=16497.

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No que respeita às condições infraestruturais dos centros educativos, o MNP observou que quatros deles têm alojamentos para jovens do género masculino e somente dois deles possuem instalações para receber — em simultâneo, de forma separada mas em instalações ainda não cabalmente preparadas para as acolher — jovens do género feminino, as quais representam quase 1/7 do total dos jovens educandos.

O regime de execução da sua medida de internamento e as competências que os jovens possuem e que vão entretanto adquirindo norteiam a sua distribuição pelas unidades resi-denciais, as quais apresentam, em geral, boas condições de habitabilidade, não obstante a antiguidade de alguns dos edifícios onde estão instalados. Verificou-se, de igual jeito, que as características de dois centros educativos (Santo António e Olivais) possibilitam o seu acesso por parte de pessoas com mobilidade reduzida, dispondo o primeiro, ainda, de ins-talações sanitárias a elas adequadas. Mais se apurou que, em geral, os outros centros educa-tivos não possuem plano de emergência contra incêndios nem dispositivos de alarme (v.g., botões de alarme, avisadores ou luzes), conquanto dois deles possuam orientações a seguir em caso de emergência ou risco acrescido de incêndio.

Mencione-se que, via de regra, os centros educativos estão providos com espaços pró-prios para as atividades escolares e formativas e de enfermaria, assim como a sua maioria possui uma área distinta para toma das refeições. A propósito da alimentação, refira-se que, em regra, são proporcionadas quatro refeições aos jovens internados, constituindo o Centro educativo da Bela Vista exceção nesta matéria dado que fornece seis refeições diárias.

Atendendo ao facto de qua a aplicação de uma medida de internamento determina a restrição dos espaços por onde os jovens se podem mover, a que se junta a necessidade da prossecução dos seus estudos, os centros educativos possuem zonas de lazer e outras aptas à prática de atividades desportivas, sendo que cinco deles têm, ainda, uma área de biblioteca.

A par da verificação das condições organizativas e das infraestruturas dos centros edu-cativos, o MNP cuidou de saber os programas (psico)terapêuticos que são proporciona-dos aos jovens, por sobre tudo, aos 94 educandos que são acompanhados por psicólogos e aos 44 que, conjunta ou isoladamente, são assistidos em pedopsiquiatria ou psiquiatria. Ficou, porém, patente que persistem carências em matéria de saúde mental, designada-mente quanto à identificação e ao diagnóstico de patologias infanto-juvenis, bem como à prevenção de comportamentos contrários ao direito.

Para além do exposto, o MNP preocupou-se com o seguimento dos jovens após a sua saída do centro educativo, momento que lhes é particularmente complexo. Nesse sen-tido, foram perscrutados os mecanismos de orientação e apoio profissional que auxiliem e permitam a conclusão dos projetos educativos pessoais dos jovens. Ou, dito de um outro jeito, procurou-se saber em que medida estão concretizados os conceitos de «período de supervisão intensiva» e de «acompanhamento pós-internamento» que foram, em 2015,

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introduzidas na Lei Tutelar Educativa, tendo em vista a boa (re)inserção dos jovens na comunidade.

Na sequência das conclusões extraídas e vertidas no referido relatório temático, o MNP procedeu à emissão autónoma de cinco recomendações, as quais foram dirigidas à Minis-tra da Justiça(15), ao Diretor-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais(16), ao Ministro da Saúde(17), ao Presidente do Conselho Superior da Magistratura(18) e à Procuradora-Geral da República(19).

4. Recomendações do Mecanismo Nacional de Prevenção

4.1. Apreciação geral

Na sequência da realidade observada nas visitas que efetuou, o MNP emitiu, em uma apreciação conjunta dos anos 2015 e 2016, 12 recomendações. Destas recomendações, sete datam de 2016 e as restantes cinco do ano anterior. Registe-se, de igual modo, que, três das 12 recomendações foram emitidas na sequência de visitas efetuadas no mesmo ano: i) recomendação n.º 3/2015/MNP, no seguimento da visita à Cadeia de Apoio da Horta; ii) recomendação n.º 5/2015/MNP, no seguimento de três visitas a estabelecimentos pri-sionais situados na Região Autónoma dos Açores, entre os quais se encontra a mencionada Cadeia de Apoio da Horta; e, iii), recomendação n.º 7/2016/MNP, no seguimento da visita ao Departamento de Investigação Criminal de Braga da Polícia Judiciária.(20)

Como se pode observar no quadro que se segue, o Diretor-Geral de Reinserção e Ser-viços Prisionais foi a entidade mais visada, tendo-lhe sido dirigidas quatro recomendações

(15) Recomendação n.º 2/2016/MNP. Vide pp. 101-106.(16) Recomendação n.º 3/2016/MNP. Vide pp. 106-113.(17) Recomendação n.º 4/2016/MNP. Vide pp. 113-116.(18) Recomendação n.º 5/2016/MNP. Vide pp. 116-118.(19) Recomendação n.º 6/2016/MNP. Vide pp. 118-119.(20) Em jeito de informação complementar, refira-se que, na sequência de nove visitas realizadas pelo MNP no ano de 2016, foram emitidas, no início de 2017, nove recomendações, as quais podem ser consultadas em http://www.provedor-jus.pt/?idc=127&dta=2017.

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do MNP (duas em cada uma dos anos mencionados) (21), o que encontra justificação na cir-cunstância de os locais visitados integrarem a sua específica esfera de intervenção. O MNP endereçou também três recomendações a membros do Governo — mais precisamente à Ministra da Justiça(22), ao Ministro da Saúde(23) e à Secretária de Estado da Justiça(24) —, o mesmo sucedendo com os responsáveis pelas instituições visitadas (Diretor do Centro Educativo da Bela Vista(25), Comandante do Comando Regional da Região Autónoma da Madeira da PSP(26) e Presidente do Conselho de Administração do Conselho de Adminis-tração do Hospital Magalhães de Lemos, E.P.E.(27)). Ao Presidente do Conselho Superior de Magistratura(28) foi remetida uma recomendação, o mesmo sucedendo com a Procura-dora-Geral da República(29).

Quadro 1

Entidades visadas nas recomendações do MNP (2015 e 2016)Membros do Governo 3Presidente do Conselho Superior de Magistratura 1Procuradora-Geral da República 1Diretor-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais 4Responsável pela instituição visitada 3Total 12

Da análise da distribuição das recomendações emitidas pelo MNP de acordo com a tipologia dos locais de detenção em causa resulta, tal como se ilustra no gráfico infra, a preponderância daquelas que se referem a centros educativos (seis recomendações nos dois últimos anos(30)), sendo que as cinco recomendações de 2016 surgem na sequência

(21) Tratam-se das recomendações n.os 3/2015/MNP, 5/2015/MNP, 1/2016/MNP e 3/2016/MNP. As duas recomendações de 2015 podem ser consultadas em Mecanismo Nacional de Prevenção 2015, pp. 89-90 e 94-96. As duas recomendações de 2016 estão transcritas infra.(22) Recomendação n.º 2/2016/MNP.(23) Recomendação n.º 4/2016/MNP.(24) Recomendação n.º 7/2016/MNP. Vide pp. 120-123.(25) Recomendação n.º 1/2015/MNP. Cf. Mecanismo Nacional de Prevenção 2015, pp. 84-86.(26) Recomendação n.º 2/2015/MNP. Cf. Mecanismo Nacional de Prevenção 2015, pp. 87-88.(27) Recomendação n.º 4/2015/MNP. Cf. Mecanismo Nacional de Prevenção 2015, pp. 91-94.(28) Recomendação n.º 5/2016/MNP.(29) Recomendação n.º 6/2016/MNP. (30) Trata-se das recomendações n.os 1/2015/MNP, 2/2016/MNP, 3/2016/MNP, 4/2016/MNP, 5/2016/MNP e 6/2016/MNP.

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do relatório especial a eles dedicados e suas conclusões(31). Por esta razão, estes cinco docu-mentos são subsequentes a um conjunto de visitas e não, como sucede com as restantes recomendações, a uma única visita.

Refira-se, de igual modo, que as situações merecedoras de reparo que o MNP encon-trou nas suas visitas a estabelecimentos prisionais motivaram a emissão de três recomen-dações (uma em 2016(32) e duas em 2015(33)), as quais foram dirigidas ao Diretor-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais.

As condições de detenção em instalações de forças policiais sustentaram a emissão de duas recomendações: uma em 2015(34) e outra em 2016(35). Tais recomendações assinalam melhoramentos em uma esquadra da PSP e em um departamento da Polícia Judiciária, tendo sido remetidas, respetivamente, ao Comandante do Comando Regional da Região Autónoma da Madeira da PSP e à Secretária de Estado da Justiça.

Conquanto o MNP não tenha elaborado, no período de referência ao presente relató-rio, nenhuma recomendação sobre hospitais psiquiátricos, assinale-se a anterior emissão, no ano de 2015, de uma recomendação ao Presidente do Conselho de Administração do Hospital Magalhães de Lemos, E.P.E.(36)

A atividade desenvolvida pelo MNP — reafirmamos — consubstancia-se na verifica-ção, in loco, do tratamento a que são sujeitas as pessoas privadas ou limitadas da sua liber-dade e que, por esta razão, se encontram em locais detentivos, prevenindo-se, deste jeito, a prática de comportamentos que possam ser qualificados como tortura e maus-tratos. Reveste-se, por conseguinte, de especial complexidade a concretização das condições de tratamento de quem está restringido na sua liberdade, as quais conglutinam as condições das infraestruturas, sua organização e sua ocupação, assim como os respetivos recursos humanos. A dignidade do tratamento que é proporcionado às pessoas privadas ou limita-das na sua liberdade espraia-se, ainda, para outras dimensões, algumas de âmbito genérico — e, portanto, referentes a todos os tipos de locais de detenção, como sejam o cumpri-mento do direito de informação sobre os demais direitos e deveres que assistem a quem ali se encontra, a prestação de cuidados médicos e a observância dos contactos (presenciais ou telefónicos) com o exterior — e para outras, mais específicas, porém, atendendo às particularidades dos locais visitados que lhes serviram de base, como acontece com as medidas de contenção que são aplicadas em unidades hospitalares.

(31) Estas são as recomendações de 2016 elencadas na nota anterior.(32) Recomendação n.º 1/2016/MNP.(33) Recomendações n.os 3/2015/MNP e 5/2015/MNP. Recorde que estas recomendações versam sobre as especifi-cidades da realidade prisional da Região Autónoma dos Açores.(34) Recomendação n.º 2/2015/MNP.(35) Recomendação n.º 7/2016/MNP.(36) Recomendação n.º 4/2015/MNP.

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Gráfico VI

Distribuição das recomendações do MNP por tipo de local de detenção em análise (2015 e 2016)

2015 2016

0

2 1 1 1 12

5

4

6

10

Centros educativos

Estabelecimentos prisionais

Instalações de forças policiais

Hospitais psiquiátricos

Da observação do quadro infra resulta que o assunto tratado com mais frequência nas recomendações do MNP(37) corresponde ao das condições das instalações visitadas (seis(38)), englobando-se nesta categoria não só o mau estado de algumas, mas também a sua desconformidade com as normas regulamentares aplicáveis. O direito a ser informado sobre os demais direitos que assistem às pessoas privadas da liberdade, o direito a receber visitas e o direito a ser acompanhado após a sua saída do local detentivo constituem, entre outras, as temáticas abordadas em cinco recomendações do MNP.(39) A prestação de cui-dados médicos — prestação que inclui também a assistência no âmbito de patologias do foro mental — foi tratada em quatro recomendações do MNP.(40) Os recursos humanos, por seu turno, foram objeto de três recomendações(41) e, com uma referência cada, o MNP recomendou melhorias na adoção de medidas de contenção(42) e nas condições de trans-porte de quem se encontram privado da sua liberdade(43).

(37) Importa, neste momento, salientar que uma recomendação do MNP pode versar — como, aliás, em regra acon-tece — sobre mais do que um único assunto. Por esta razão, as considerações que se tecerão a propósito das matérias que são objeto das recomendações deste autónomo organismo excedem, em termos numéricos, o quantitativo de reco-mendações emitidas.(38) Recomendações n.os 1/2015/MNP, 2/2015/MNP, 5/2015/MNP, 1/2016/MNP, 3/2016/MNP e 7/2016/MNP.(39) Recomendações n.os 2/2015/MNP, 5/2015/MNP, 2/2016/MNP, 5/2016/MNP e 6/2016/MNP.(40) Recomendações n.os 1/2015/MNP, 2/2015/MNP, 2/2016/MNP e 4/2016/MNP.(41) Recomendações n.os 3/2015/MNP, 2/2016/MNP e 7/2016/MNP.(42) Recomendação n.º 4/2015/MNP.(43) Recomendação n.º 2/2015/MNP.

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Quadro 2

Assuntos tratados nas recomendações do MNP (2015 e 2016)Condições das instalações 6Cuidados médicos 4Medidas de contenção (física e química) 1Outros direitos das pessoas privadas da liberdade (v.g., informação, visitas, acompanhamento após saída)

5

Condições de transporte 1Recursos humanos 3

Mencione-se, ainda, que, das 12 recomendações emitidas pelo MNP, 11 foram, total ou parcialmente, acatadas, aguardando a restante a resposta por parte da entidade visada. Dito de um jeito, mais de 90% das recomendações dos anos de 2015 e de 2016 já tiveram resposta, sendo esta, em oito situações, de cabal acolhimento das propostas recomenda-das(44) e, em três casos(45), de acatamento parcial.

4.2. Recomendações emitidas em 2016

Recomendação n.º 1/2016/MNPVisita n.º: 46-2015 Entidade visada: Diretor-Geral de Reinserção e Serviços PrisionaisData: 2016.04.14Assunto: Estabelecimento prisional. Condições de alojamento. Caves do Estabeleci-mento Prisional de LisboaSequência: Parcialmente acatada. Situação em acompanhamento

IAo abrigo da disposição contida na alínea b) do artigo 19.º do Protocolo Facultativo

à Convenção contra a Tortura e outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, recomendo a V. Exa. que sejam tomadas medidas para melhorar as condi-ções de alojamento da população feminina no Centro Educativo da Bela Vista, a saber:

(44) Recomendações n.os 1/2015/MNP, 3/2015/MNP, 4/2015/MNP, 5/2015/MNP, 2/2016/MNP, 3/2016/MNP, 5/2016/MNP e 7/2016/MNP.(45) Recomendações n.os 2/2015/MNP, 1/2016/MNP e 4/2016/MNP.

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i) Adaptação da unidade residencial para a eventualidade de pernoita das jovens mães com os descendentes recém-nascidos;

ii) Criação de espaços próprios para o aleitamento, introdução de berçários e fraldários; iii) Adaptação dos sanitários; iv) Ponderação de celebração de protocolo com o Ministério da Saúde em matéria

de prestação de cuidados de saúde uniformizados (v.g., assistência psicológica durante a pré-natalidade e após o nascimento).

IIA questão da particularidade de género mereceu especial referência por parte do Gabi-

nete do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, durante a semana da dignidade e justiça para detidos, integrada na comemoração dos 60 anos da Declara-ção Universal dos Direitos Humanos(46), aí se concluindo que os espaços e organizações pertencentes à delinquência juvenil eram, em regra, desenhados para jovens do género masculino.

De forma genérica, pode dizer-se que o modelo tutelar educativo tem sido aplicado numa perspetiva predominantemente masculina, não sendo alheia a este facto a asserção de que o número de jovens do género feminino presentes no sistema representará apenas cerca de um quinto(47) do total.

Devem, porém, ser tidas em conta as especificidades inerentes ao desenvolvimento físico, emocional e intelectual de cada uma das populações, as quais geram diversas necessidades concretas pessoais e de crescimento, impondo respostas adequadas por parte do sistema.

Revela-se, assim, essencial que o modelo de intervenção seja pensado em função das questões de género, mostrando-se aconselhável a ponderação de espaços próprios adap-tados ao universo feminino, e imprescindíveis ao seu completo, integrado e harmónico desenvolvimento.

IIIEsta minha tomada de posição vem na sequência da visita que fiz, no passado dia 27 de

agosto de 2014 e na qualidade de MNP(48), ao Centro Educativo da Bela Vista que V. Exa. superiormente dirige.

(46) Cf. Ponto 9.5. do Guia para a Reforma Legislativa da Justiça Juvenil, publicado em maio de 2011, pela UNI-CEF, in http://www.unicef.org/search/search.php?querystring_en=juvenile+justice+legislative+justice+reform+-guide&hits=&type=&navigation=&Go.x=0&Go.y=0.(47) Cf. Audição Parlamentar N.º 83-CACDLG-XII da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberda-des e Garantias sobre o Relatório de Fiscalização dos Centros Educativos, 2012, in http://media.parlamento.pt/videos--canal/XII/SL2/02_com/01_cacdlg/20130522cacdlg.wmv(48) Em Portugal, a qualidade de MNP foi atribuída ao Provedor de Justiça, através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 32/2013, de 20 de maio.

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Em consonância com o caráter preventivo do MNP(49), e conforme então transmiti, constituiu objeto da visita a averiguação de condições adequadas à efetivação do conceito de «particularidade de género», na medida em que, tendo sido pensado apenas para o internamento de crianças e jovens do género masculino, o Centro havia recebido, em 30 de julho de 2014, um total de treze jovens do género feminino, em resultado do encerra-mento do Centro Educativo de Santa Clara, em Vila do Conde.

Em termos organizacionais, identifiquei três espaços de alojamento (cada um deles dis-posto com quartos individuais), realojando-se a população masculina em duas zonas resi-denciais ao passo que as jovens recém-chegadas foram integradas na valência excedente.

Tendo em consideração o hiato decorrido desde a chegada das novas educandas, não aferi, contudo, elementos diferenciadores suscetíveis de traduzir as «particularidades de género» (v.g., logística afetada a necessidades diárias próprias).

Segundo apurei, nesta data(50) ainda permanecem institucionalizadas no Centro onze pessoas do género feminino, esbatendo-se pois o caráter transitório do alojamento da população feminina. Também de acordo com o que apurei, o Centro Educativo Navarro de Paiva não se encontra dotado de lotação adequada à incorporação de todas as jovens provenientes de Vila do Conde.

Em suma, concluo que o Centro Educativo da Bela Vista, por consubstanciar uma valência originariamente destinada a integrar elementos do género masculino, não está totalmente preparado para dar resposta às exigências específicas advenientes do interna-mento do género feminino, asserção adensada pelo então nascimento iminente de três crianças em contexto de detenção.

(49) O Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, que tem por objetivo estabelecer um sistema de visitas regulares, efetuadas por organismos internacionais e nacionais independentes, aos locais onde se encontram pessoas privadas de liberdade, a fim de prevenir a tortura e outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, foi ratificado por Portugal em 2012, através do Decreto do Presidente da República n.º 167/2012, de 13 de dezembro. (50) A informação foi obtida telefonicamente no dia 20 de março de 2015.

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Recomendação n.º 2/2016/MNPVisitas n.os 5-2015; 6-2015; 13-2015; 20-2015; 24-2015; 25-2015Entidade visada: Ministra da JustiçaData: 2016.09.05Assunto: Centros educativos. Jovens do género feminino. Assistência médica. Perío-do de supervisão intensiva. Acompanhamento pós-internamento. Carreira especial de técnico de reinserção socialSequência: Acatada. Situação em acompanhamento

IAo abrigo da disposição contida na alínea b) do artigo 19.º do Protocolo Facultativo à

Convenção contra a Tortura e outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degra-dantes, recomendo a Vossa Excelência que, com vista ao aperfeiçoamento das condições de permanência dos jovens em centros educativos, sejam tomadas as seguintes medidas:

1. Que se equacione a (re)abertura de um centro educativo destinado exclusivamente ao acolhimento de jovens do género feminino;

2. Que, em uma atuação concertada entre a Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais e a Direção-Geral de Saúde, se realize o levantamento exaustivo dos princi-pais constrangimentos registados em matéria de acesso e de agendamento de consultas de especialidade por parte dos jovens educados;

3. Que se leve a cabo a celebração de protocolos entre a Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais e a Direção-Geral de Saúde para que se dê uma resposta imediata às solicitações dos jovens internados nos centros educativos em matéria de assistência médica;

4. Que, no tocante ao específico problema da saúde mental, mediante a articulação entre a Direção-Geral de Reinserção e dos Serviços Prisionais e a Direção-Geral de Saúde, se proceda ao levantamento das situações que, com mais frequência ou com maior com-plexidade, se observam nos jovens educandos;

5. Que se concretizem duas das principais inovações introduzidas pela alteração da Lei Tutelar Educativa(51), ocorrida pela Lei n.º 4/2015, de 15 de janeiro: o «período de supervisão intensiva» e o «acompanhamento pós-internamento»

6. Que se equacione a ponderação da reintrodução, no nosso ordenamento jurídico, da carreira especial de técnico de reinserção social.

(51) Aprovada pela Lei n.º 166/99, de 14 de setembro, e doravante referida somente como LTE.

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IIEsta minha tomada de posição surge na sequência de um conjunto de visitas que, no

decurso do ano transato, o MNP(52) efetuou a todos os centros educativos, com o propó-sito de elaborar um relatório especial que proporcionasse o retrato da realidade que se vive nos referidos estabelecimentos. Para que a recolha da informação ocorresse de forma constante, o objeto das referidas visitas foi definido de modo unitário. Entre os diversos aspetos que se perscrutaram incluiu-se a verificação do confinamento espacial e tempo-ral dos centros educativos — por sobre tudo no tocante à componente educativa e ao envolvimento de entidades terceiras (públicas e privadas) no processo de reinserção social dos jovens —, os sistemas de follow-up dos educandos após a sua saída, as condições das infraestruturas, seu funcionamento e sua organização administrativa, assim como os pro-gramas terapêuticos e os modelos de assistência psicológica que são proporcionados aos jovens internados.

IIIDos elementos recolhidos durante as visitas do MNP aos centros educativos — e das

informações complementares entretanto solicitadas — foi possível concluir que as condi-ções de execução da medida de internamento em centro educativo podem ser objeto de aprimoramentos em nome de uma melhor defesa dos direitos dos jovens educandos.

§ 1. (Re)Abertura de um centro educativo femininoA aplicação de uma medida tutelar educativa tem por fito «a educação do menor para

o direito e a sua inserção, de forma digna e responsável, na vida em comunidade.»(53) Para alcançar estes desideratos pode revelar-se como necessário e adequado o internamento em centro educativo de um jovem que praticou, entre os 12 e os 16 anos, factos qualificados como crime. A determinação de uma medida de internamento ancora-se, pois, em uma finalidade reeducativa, a qual, «por via do afastamento temporário do seu meio habitual e da utilização de programas e métodos pedagógicos, [deve proporcionar] a interiorização de valores conformes ao direito e a aquisição de recursos que lhe permitam, no futuro, conduzir a sua vida de modo social e juridicamente responsável.»(54)

Os jovens que se encontram inseridos em centros educativos vivenciam — não só pelas situações por que passaram e que culminaram com a privação da sua liberdade, mas tam-bém por causa da sua idade — uma fase complexa do seu desenvolvimento. Este é, por-tanto, um período onde o acompanhamento terapêutico é estruturante e uma intervenção

(52) Idem notas supra 48 e 49.(53) N.º 1 do artigo 2.º da LTE.(54) N.º 1 do artigo 1.º do Regulamento Geral e Disciplinar dos Centros Educativos (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 323-D/2000, de 20 de dezembro, e doravante referido como RGDCE). Cf. também n.º 1 do artigo 17.º da LTE.

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educativa em um contexto em que não existe homogeneidade de género poderá não ser tão profícua quanto o desejável. Poder-se-á, destarte, ponderar se o acolhimento de pessoas de um só género, com uma correlativa semelhança de problemas relativamente específicos do aludido escalão etário, e sem prejuízo do contacto com todos em diversas atividades — como sejam as escolares ou formativas — não seria mais proveitoso.

Por esta razão, aliada ao facto de os centros educativos (Bela Vista e Navarro de Paiva) que acolhem jovens do género feminino não estarem cabalmente preparados para este fim, entendo pertinente a equação da (re)abertura de um centro educativo com alojamento exclusivo para as jovens educandas.

§ 2. Consultas de especialidadeO internamento de um jovem em um centro educativo exige que sejam respeitados os

direitos daquele que são compatíveis com a execução da medida tutelar educativa que lhe foi aplicada(55); o direito à saúde é deles paradigmático. Neste sentido, importa mencio-nar que cumpre ao centro educativo «zelar pela saúde e bem-estar do educando, promo-vendo, designadamente, a sua vigilância clínica regular (…)»(56).

A especificidade da assistência médica em determinadas áreas reclama o acesso a con-sultas de especialidade, tendo como destinatários os jovens internados nos centros educa-tivos. Sucede, porém, que, não raras vezes, verificam-se constrangimentos de diversa natu-reza e, por esta razão, os jovens educandos ficam desprotegidos, ainda que esta desproteção não seja total, antes se consubstanciando na protelação do diagnóstico e do tratamento.

Uma vez que «os menores dispõem de assistência hospitalar ou outra sempre que necessidades de saúde a exijam»(57) e, como se referiu anteriormente, cabe ao centro edu-cativo concretizar o acompanhamento médico regular e necessário, considero importante compreender as principais dificuldades que se fazem sentir no tocante ao agendamento de consultas de especialidades. Por isso, recomendo o levantamento das mesmas por parte das competentes entidades.

§ 3. Celebração de protocolosNa sequência do que foi mencionado no parágrafo subsequente, entendo ser pertinente

a celebração de protocolos entre a Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais e a Direção-Geral de Saúde. Tais protocolos devem, pois, garantir uma resposta imediata às necessidades que, nesta matéria, os jovens internados nos centros educativos manifestam, não os discriminando, perante os demais, com fundamento na sua situação de privação da liberdade.

(55) Vide nos. 1 e 2 do artigo 159.º da LTE e n.º 1 do artigo 2.º do RGDCE.(56) N.º 1 do artigo 56.º do RGDCE. Cf., de igual modo, o n.º 3 do artigo 171.º da LTE.(57) N.º 1 do artigo 174.º da LTE.

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§ 4. Específico problema da saúde mentalA problemática da saúde mental constitui uma das questões a que o MNP dedicou

particular atenção com a realização das visitas que efetuou aos centros educativos, assim como com a solicitação de colaboração no preenchimento de um questionário subordi-nado àquele tema. Concluí, após a análise da informação recolhida, que subsistem carên-cias quanto à identificação e ao diagnóstico de patologias infanto-juvenis, bem como à prevenção de comportamentos contrários ao direito. Registei, de igual jeito, a existência de um défice de atuação específica nos casos de jovens que apresentam, em simultâneo, problemas de saúde mental e patologias comportamentais profundas.

Pelo exposto, e no que respeita ao específico problema da saúde mental, considero pre-mente a realização do levantamento das situações que, com mais frequentes ou com maior complexidade, se observam nos jovens educandos, trabalho que melhor se fará em articu-lação entre a Direção-Geral de Reinserção e dos Serviços Prisionais e a Direção-Geral de Saúde.

§ 5. «Período de supervisão intensiva» e «acompanhamento pós-internamento»A aludida alteração à LTE, datada de meados de janeiro de 2015, trouxe importan-

tes modificações no recorte do regime jurídico tutelar educativo que tocam a execu-ção da medida de internamento, entre as quais se encontra a introdução dos conceitos de «período de supervisão intensiva» e de «acompanhamento pós-internamento». Quanto ao primeiro, a LTE passa a consagrar a possibilidade de, por decisão judicial, a execução da medida de internamento ser integrada por um «período de supervisão inten-siva», durante o qual se averiguam as competências entrementes adquiridas pelo jovem e a forma como se refletem no seu comportamento.(58) No tocante ao segundo, e caso não tenha havido «período de supervisão intensiva», cumpre aos serviços de reinserção social acompanhar o jovem educando após a cessação da sua medida de internamento(59).

Os conceitos recentemente inseridos na LTE prendem-se, pois, com a monitorização da execução da medida de internamento e ulterior seguimento do jovem após a execução daquela. Pela importância de que se revestem, importa que se clarifiquem os moldes em que os mesmos deverão ser concretizados, mediante a respetiva articulação com os servi-ços centrais, bem como a afetação, a curto e a longo prazos, dos recursos humanos neces-sários. Deve, de igual modo, estabelecer-se os critérios de participação e envolvimento dos centros educativos no follow-up dos jovens após a cessação da sua medida de internamento e, ainda, fomentar a criação das unidades residenciais de transição para eles destinadas e já previstas legalmente.

(58) Cf.artigo 158.º-A da LTE. (59) Cf.artigo 158.º-B da LTE. Para este efeito, prevê-se a possibilidade de criação de unidades residenciais de transição.

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O momento da saída do centro educativo é particularmente complexo para o jovem. Nesta fase de (re)inserção na comunidade, o jovem educando deve poder contar com mecanismos de orientação e de apoio profissional que possibilitem a conclusão do seu projeto educativo pessoal. Importa, pois, que se desenvolvam tais mecanismos, revelando--se premente a ponderação da celebração de protocolos com algumas entidades que viabi-lizem alternativas profissionais e uma melhor consolidação e integração na comunidade.

§ 6. Carreira especial de técnico de reinserção socialAs finalidades reeducativa e de (re)inserção social que presidem à aplicação de medidas

tutelares educativas implicam o acompanhamento constante dos jovens que se encontram inseridos em centros educativos, função que é desempenhada pelos técnicos (superiores e profissionais) de reinserção social. Atendendo à especificidade das tarefas que por eles são desenvolvidas — e que não se esgotam no cuidar dos jovens que têm à sua responsabi-lidade, antes se espraiando para um outro patamar: o da sua reeducação —, entendo que se possa propugnar por uma carreira diversa da geral, à semelhança do que se verificou até 2007.(60)

O n.º 3 do artigo 84.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas(61) determina que «[s]ão especiais as carreiras cujos conteúdos funcionais caracterizam postos de tra-balho de que apenas um ou alguns órgãos ou serviços carecem para o desenvolvimento das respetivas atividades.» As atividades que são prosseguidas pelos técnicos (superiores e profissionais) de reinserção social nos centros educativos são, pela sua diversidade, com-plexidade e finalidade, específicas dos mencionados estabelecimentos. Estes profissionais integram o que atualmente se denomina por setor técnico-pedagógico, o serviço dos cen-tros educativos competente para «assegurar todas as tarefas relacionadas com o acolhi-mento e o enquadramento residencial, educativo, formativo e terapêutico dos educandos, através da gestão das unidades residenciais e do desenvolvimento de programas e ações decorrentes do projeto de intervenção educativa do centro, tendo em vista a execução das decisões judiciais e a reinserção social dos educandos».(62) Está, portanto, verificada a singularidade do conteúdo funcional da sua carreira e, em consequência, está preenchido o primeiro requisito para a criação de uma carreira especial(63), como se se justifica para o caso dos técnicos de reinserção social.

(60) O diploma legal que procedeu à reestruturação do (então) Instituto de Reinserção Social — Decreto-Lei n.º 204-A/2001, de 26 de julho, e suas alterações — previa, nos seus artigos 61.º e 62.º, as carreiras de técnico superior de reinserção social e de técnico profissional de reinserção social.(61) Aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, na redação da sua alteração mais recente operada pela Lei n.º 18/2016, de 20 de junho, referida infra como LGTFP.(62) N.º 1 do artigo 132.º do RGDCE. Cf., a este propósito, os anexos II e III do aludido Decreto-Lei n.º 204-A/2001, de 26 de julho.(63) Vide alínea a) do n.º 4 do artigo 84.º da LGTFP.

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O n.º 4 do artigo 84.º da LGTFP exige, contudo, mais dois pressupostos para que se conceba uma carreira especial: deveres funcionais mais exigentes (alínea b)) e cursos de formação específica ou, em alternativa, posse de uma determinada habilitação académica (alínea c)). Atendendo ao tipo de funções desenvolvidas, os técnicos de reinserção social encontram-se já sujeitos a uma maior exigência no que toca às obrigações a que estão fun-cionalmente ligados. Ter ao seu cuidado pessoas que, a par da sua menoridade (em regra), se encontram privadas da liberdade com o propósito de serem reeducadas para o direito implica o cumprimento de deveres mais rigorosos. Além disso, a concretização dos proje-tos educativos pessoais acarreta um grau de conhecimento e de experiência que se coaduna com a frequência e conclusão de um específico curso de formação ou a detenção de uma dada (entenda-se, superior) habilitação literária.

Considero, ainda, que a exigência das funções em apreço dificilmente se compatibiliza com as de uma carreira geral, a qual tem sido objeto de diversos constrangimentos no que toca ao regime da sua contratação (v.g., limite de idade de admissão, especificidades de género, aptidão psicológica ou requisitos físicos). Constrangimentos que se poderão dissipar com a criação ou recuperação — com distinção entre quem labora no seio dos centros educativos e quem trabalha em estabelecimentos prisionais — da carreia especial de técnico de reinserção social.

Pelas referidas razões, entendo formular a presente recomendação, solicitando a Vossa Excelência a adoção das medidas anteriormente discriminadas, garantindo, deste jeito, a melhor salvaguarda dos interesses daqueles que, em virtude da sua idade e da restrição da liberdade que lhe foi imposta, se encontram em uma situação de particular vulnerabilidade.

Termino, estando convicto de que o empenho pessoal de Vossa Excelência muito con-tribuirá para reforçar a defesa dos direitos dos jovens educandos e, em concomitância, melhorar o sistema tutelar educativo.

Recomendação n.º 3/2016/MNPVisitas n.os 5-2015; 6-2015; 13-2015; 20-2015; 24-2015; 25-2015Entidade visada: Diretor-Geral de Reinserção e Serviços PrisionaisData: 2016.09.05Assunto: Centros educativos. Condições de segurança. Acessibilidades. Formação escolar dos jovens educandos. Adaptação das instalações. Alimentação. Quartos de isolamento cautelar Sequência: Acatada. Situação em acompanhamento

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IAo abrigo da disposição contida na alínea b) do artigo 19.º do Protocolo Facul-

tativo à Convenção contra a Tortura e outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, recomendo a Vossa Excelência que, com vista ao aperfeiçoa-mento das condições de permanência dos jovens em centros educativos, sejam tomadas as seguintes medidas:

1. Que se realize, em colaboração com a Autoridade Nacional de Proteção Civil, o levantamento exaustivo do parque habitacional existente nos centros educativos, com particular atenção aos mecanismos de alerta, de alarme e de extinção de incêndio ou outros riscos, tendo em vista a elaboração de planos de emergência individualizados e a instalação, a breve trecho, dos referidos recursos quando os mesmos sejam inexistentes ou estejam inoperacionais;

2. Que se efetue um estudo aprofundado sobre as acessibilidades para pessoas com mobilidade reduzida existentes nos centros educativos;

3. Que, em articulação com a Direção-Geral de Educação, se concebam programas de promoção do sucesso escolar dos jovens educandos, em especial no tocante ao ensino secundário;

4. Que se leve a cabo a adaptação das instalações — mormente sanitárias — às jovens educandas que estão internadas no Centro Educativo Navarro de Paiva e no Centro Edu-cativo da Bela Vista;

5. Que se crie uma biblioteca no Centro Educativo Padre António Oliveira;6. Que se analise a quantidade das refeições proporcionadas aos jovens educandos, bem

como a composição semanal das ementas;7. Que se esclareça a utilização dos quartos destinados ao cumprimento da medida de

contenção de isolamento cautelar, por sobre tudo por parte do Centro Educativo Padre António Oliveira e do Centro Educativo Navarro de Paiva;

8. Que se promova a melhoria das condições de salubridade e ventilação do quarto de isolamento do Centro Educativo Padre António Oliveira;

Que se faça a instalação de sanitários no quarto de isolamento do Centro Educativo da Bela Vista.

IIEsta minha tomada de posição surge na sequência de um conjunto de visitas que, no

decurso do ano transato, o MNP(64) efetuou a todos os centros educativos, com o pro-pósito de elaborar um relatório especial que proporcionasse o retrato da realidade que se vive nos referidos estabelecimentos. Para que a recolha da informação ocorresse de forma constante, o objeto das referidas visitas foi definido de modo unitário. Entre os diversos aspetos que se perscrutaram incluiu-se a verificação do confinamento espacial e

(64) Idem notas supra 48 e 49.

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temporal dos centros educativos — por sobre tudo no tocante à componente educativa e ao envolvimento de entidades terceiras (públicas e privadas) no processo de reinserção social dos jovens —, os sistemas de follow-up dos educandos após a sua saída, as condições das infraestruturas, seu funcionamento e sua organização administrativa, assim como os programas terapêuticos e os modelos de assistência psicológica que são proporcionados aos jovens internados.

IIIDos elementos recolhidos durante as visitas do MNP aos centros educativos — e das

informações complementares entretanto solicitadas — foi possível concluir que as condi-ções de execução da medida de internamento em centro educativo podem ser objeto de aprimoramentos em nome de uma melhor defesa dos direitos dos jovens educandos.

§ 1. Mecanismos de alerta, de alarme e de extinção de incêndio ou outros riscos O quotidiano de um centro educativo deve pautar-se pelo cumprimento de regras de

segurança basilares que permitam a breve sinalização em caso de emergência e sua rápida resolução. Assim o determina o n.º 1 do artigo 76.º do Regulamento Geral e Discipli-nar dos Centros Educativos(65): «[a] vivência em centro educativo organiza-se segundo regras que garantam um ambiente tranquilo e ordenado e proporcionem condições de segurança.»

Para que se assegure um ambiente minimamente seguro, cada estabelecimento que acolhe jovens em cumprimento de medida tutelar educativa deve, de acordo com o n.º 2 do mencionado preceito legal, possuir os necessários equipamentos à deteção e combate de incêndios ou outros riscos, os quais devem ser «testados e revistos periodicamente, de acordo com as normas técnicas aplicáveis»(66).

Sucede, porém, que na maioria dos centros educativos inexiste um plano de atuação em caso de emergência — excetua-se o Centro Educativo dos Olivais(67) —, assim como, não raras vezes, se observou a ausência ou a inoperacionalidade de botões de alarme, avisado-res ou luzes. E, no que toca aos extintores, verificou-se que estes estão presentes nos estabe-lecimentos visitados, mas, em algumas situações, o seu prazo de validade já havia expirado.

(65) Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 323-D/2000, de 20 de dezembro, doravante referido abreviadamente como RGDCE.(66) N.º 3 do artigo 76.º do RGDCE. (67) Saliente, de igual modo, que, apesar de não terem plano de emergência, outros dois centros educativos (Mondego e Santo António) apresentaram orientações a seguir em caso de emergência ou risco acrescido de incêndio.

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Pela importância que tais dispositivos assumem na segurança das pessoas e dos edifí-cios(68), entendo que se deve promover, em colaboração com a Autoridade Nacional de Pro-teção Civil, o levantamento exaustivo dos mecanismos de alerta, de alarme e de extinção de incêndio ou outros riscos que se encontram nos centros educativos, com vista à elaboração de planos de emergência individualizados e à instalação, a brevíssimo trecho, dos referidos recursos quando os mesmos sejam inexistentes ou não estejam a funcionar devidamente.

§ 2. Acessibilidades para pessoas com mobilidade reduzidaComo resulta do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 163/2006, de 8 de agosto, «[a] pro-

moção da acessibilidade constitui um elemento fundamental na qualidade de vida das pessoas, sendo um meio imprescindível para o exercício dos direitos que são conferidos a qualquer membro de uma sociedade democrática, contribuindo decisivamente para um maior reforço dos laços sociais, para uma maior participação cívica de todos aqueles que a integram e, consequentemente, para um crescente aprofundamento da solidariedade no Estado social de direito.»

Concluí, todavia, que a maioria dos centros educativos não se encontra preparada para receber pessoas com mobilidade reduzida ou com deficiência, sejam estas jovens inter-nados, funcionários ou visitantes. Somente dois dos centros educativos possuem acessos para aqueles cidadãos: o Centro Educativo de Santo António, dotado de ascensor na zona residencial, e o Centro Educativo dos Olivais, o qual dispõe também de ascensor, assim como de rampa de acesso. E apenas um deles está realmente apto para acolher pessoas com mobilidade reduzida ou com deficiência, uma vez que só o Centro Educativo de Santo António possui, a par dos acessos, instalações sanitárias para elas adaptadas.

Considero pertinente que, em nome da igualdade de acesso e de participação de todos na elaboração e concretização dos projetos educativos dos jovens educandos, se proceda a um estudo aprofundado sobre as acessibilidades para pessoas com mobilidade reduzida existentes nos centros educativos e, nas situações em que elas são inexistentes, se ponde-rem as alterativas possíveis para solucionar a questão em causa.

§ 3. Programas de promoção do sucesso escolarOs jovens que se encontram internados nos centros educativos «continuam sujeitos

aos deveres decorrentes da escolaridade obrigatória, devendo ser incentivados a prosseguir

(68) Como se pode ler no n.º 2 do artigo do regime jurídico da segurança contra incêndios em edifícios — aprovado pelo Decreto-Lei n.º 22/2008, de 12 de novembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 224/2015, de 9 de outubro —, o respeito pelas normas de segurança possibilita «a) Reduzir a probabilidade de ocorrências de incêndios; b) Limitar o desenvolvimento de eventuais incêndios, circunscrevendo e minimizando os seus efeitos, nomeadamente a propagação do fumo e gases de combustão, c) Facilitar a evacuação e o salvamento dos ocupantes em risco; [e] d) Permitir a inter-venção eficaz e segura dos meios de socorro.»

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ou a completar [os seus] estudos»(69). Faz, portante, parte da composição dos seus pro-jetos educativos a frequência de atividades formativas, entre as quais se encontram as escolares(70).

Dos 150 jovens educandos que constituíram o universo referência na elaboração do relatório especial anexo, cerca de 75% frequentava ou possuía os 2.º e 3.º ciclos de estudo (ou cursos EFA equivalentes), o que, em conjugação com as suas idades, representa um baixo grau de escolaridade. Para que se possa alterar este dados, considero oportuno que, em uma atuação articulada com a Direção-Geral de Educação, se criem programas pro-motores do sucesso escolar entre os jovens educandos, em especial no que diz respeito ao ensino secundário que regista um reduzido quantitativo de jovens internados a frequentá--lo ou com ele terminado.

§ 4. Adaptação das instalações às jovens educandasEm dois dos centros educativos estão internadas 21 jovens educandas. O internamento

de jovens do género feminino processa-se de forma separada dos jovens do género mas-culino, mas as instalações do Centro Educativo Navarro de Paiva e do Centro Educativo da Bela Vista não estão totalmente preparadas para as acolher. Importa, contudo, que, a breve trecho, esta circunstância se modifique, por forma a proporcionar um espaço mini-mamente adequado ao cumprimento de uma medida tutelar educativa privativa da liber-dade de uma pessoa que, não só está em uma fase complexa do seu desenvolvimento, como tem, em virtude do seu género, específicas necessidades.

Recomendo, pelas razões referidas, que se efetuem as obras essenciais à adaptação das instalações — mormente sanitárias — às jovens educandas que estão internadas no Cen-tro Educativo Navarro de Paiva e no Centro Educativo da Bela Vista.

§ 5. Criação de biblioteca no Centro Educativo Padre António OliveiraO Centro Educativo Padre António Oliveira recebe jovens em cumprimento de uma

medida tutelar de internamento em regime fechado, o que significa que eles «são edu-cados e frequentam atividades formativas e de tempos livres exclusivamente dentro do estabelecimento»(71). Interessa, por isso, que o centro educativo proporcione um espaço provido de livros e outros recursos passíveis de consulta por parte dos jovens educandos.

A criação de uma biblioteca no Centro Educativo Padre António Oliveira revela-se, assim, não só como mais uma opção para ocupação dos tempos livres dos jovens internados

(69) N.º 1 do artigo 160.º da LTE.(70) Cf. artigo 27.º do RGDCE.(71) N.º 1 do artigo 169.º da LTE. Vide também o artigo 15.º do RGDCE.

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que estão totalmente confiando ao seu interior, antes se assumindo como uma necessidade ao se autonomizar uma zona fundamental para a frequência e o sucesso escolar daqueles.

§ 6. AlimentaçãoDe acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 59.º do RGDCE, compete ao centro edu-

cativo «assegura[r] aos educandos alimentação adequada em qualidade e quantidade.» Para este efeito, o legislador determinou que fossem quatro as refeições fornecidas dia-riamente aos jovens educandos(72) e que a composição das ementas fosse revista, de modo periódico, pela direção e por um nutricionista ou por um médico(73).

Os jovens educandos encontram-se em pleno desenvolvimento, requerendo, por esta razão, específicas necessidades nutricionais que se conseguem com uma alimentação diversa (na sua composição) e diversificada (na sua confeção). Da análise da documenta-ção que foi remetida ao MNP verifiquei, contudo, que nem sempre as ementas semanais são tão variadas quanto seria desejável. Refiro-me, por exemplo, à ementa da semana que decorreu entre os dias 19 e 25 de outubro de 2015, atinente ao Centro Educativo de Santo António, na qual se repete, com demasiada frequência, a proteína derivada da carne, sendo o peixe praticamente inexistente.

Em face do exposto, considero pertinente a realização de um estudo à composição das ementas das refeições proporcionadas aos jovens educandos, assim como à sua quantidade e à sua distribuição diária.

§ 7. Utilização dos quartos de isolamentoA medida de contenção de isolamento cautelar — a par do que sucede com a conten-

ção física e pessoal — só pode ser aplicada em situações excecionais e devidamente funda-mentadas(74), precedidas de autorização da direção do centro educativo, com comunicação ao tribunal e observação do jovem educando por um médico. Esta medida, com duração máxima de 24 horas seguidas, «pode ter lugar em dependência especialmente adequada a evitar os atos e a situações justificativas do recurso a este tipo de medidas»(75). Ou seja,

(72) Cf. n.º 1 do artigo 60.º do RGDCE. Saliente-se, a este propósito, que o Centro Educativo da Bela Vista dispo-nibiliza seis refeições diárias os jovens que ali estão internados em cumprimento de medida tutelar educativa, os quais manifestaram, contudo, queixas quanto à quantidade de alimentos fornecidos.(73) Cf. n.º 2 do artigo 59.º do RGDCE.(74) As referidas medidas de contenção estão reguladas nos artigos 178.º e seguintes da LTE e nos artigos 89.º e se-guintes do RGDCE. Como decorre do artigo 179.º da LTE, a adoção de uma medida desta natureza somente se encon-trará legitimada se a mesma tiver por fito a não colocação em perigo em perigo da integridade física do próprio jovem educando ou de terceiro, a não destruição de bens, a não concretização de fugas do centro educativo ou a eliminação da violência com que resiste às orientações que lhe são dadas por parte do estabelecimento.(75) N.º 1 do artigo 183.º da LTE.

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pode ocorrer em um quarto de isolamento, o qual estará desprovido de objetos que pos-sam colocar a integridade física do jovem internado em perigo.

Das visitas realizadas pelo MNP e da análise da documentação que foi solicitada, con-cluí, contudo, que nem sempre os quartos de isolamento são utilizados para o exclusivo fim a que se destinam. No Centro Educativo Padre António Oliveira, o quarto de isola-mento serve para acolher os jovens nas suas primeiras horas no estabelecimento, prática que, à luz da lei e do superior interesse dos jovens educandos, é incorreta. Inexistem fun-dadas e concretas razões para colocar o jovem educando no quarto de isolamento cautelar e a medida que deveria ser excecional é, na verdade, regra. No Centro Educativo Navarro de Paiva identificou-se, por seu turno, a execução da medida disciplinar de suspensão do convívio com os companheiros(76) em um quarto despojado de objetos perigosos, o que permite inferir a existência de confusão entre o cumprimento da referida medida discipli-nar e a aplicação da medida de contenção de isolamento cautelar.

Atendendo às extraordinárias finalidades que deve suprir, considero premente que se esclareça a utilização dos quartos destinados ao cumprimento da medida de contenção de isolamento cautelar, por sobre tudo por parte do Centro Educativo Padre António Oli-veira e do Centro Educativo Navarro de Paiva.

§ 8. Quarto de isolamento do Centro Educativo Padre António OliveiraA divisão que o Centro Educativo Padre António Oliveira destinou para fazer face

às pontuais situações de indisciplina ou de descompensação grave por parte dos jovens educandos e, de modo menos correto, acolher, durante as primeiras horas, cada jovem que ingressa no estabelecimento apresenta um arejamento deficiente e insuficiente limpeza.

O RGDCE prevê que o centro educativo «deve zelar para que os quartos, instalações sanitárias, salas de convívio e demais espaços da unidade sejam organizados e mantidos com as condições de habitabilidade e de segurança adequadas, nomeadamente no que se refere a higiene e limpeza, iluminação, ventilação e manutenção de mobiliário e equipa-mento.»(77) Por esta razão, aliada à finalidade a que se destina a área em apreço, entendo que, com a maior brevidade possível, devem ser efetuadas as obras necessárias à melhoria das condições de salubridade e ventilação do quarto de isolamento do Centro Educativo Padre António Oliveira.

§ 9. Quarto de isolamento do Centro Educativo da Bela VistaO espaço que os centros educativos reservam para a execução da medida de contenção

de isolamento cautelar devem estar providos com os equipamentos necessários à estada de

(76) Medida prevista na alínea g) do artigo 196.º da LTE. Note-se, a este propósito, que as medidas disciplinares estão tipificadas no artigo 194.º da LTE, norma onde não consta qualquer alusão à afetação de um jovem internado a um quarto de isolamento.(77) N.º 3 do artigo 58.º do referido diploma legislativo.

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um jovem educando por um período de tempo que pode ir até às 24 horas. Importa, por isso, que, a par de boas condições de habitabilidade — estas modestamente entendidas, pois, não se esqueça, trata-se de um quarto de isolamento e, por isso, desabastecido de objetos perigosos —, tais divisões possuam instalações sanitárias, o que não acontece no Centro Educativo da Bela Vista.

Tendo em conta que o confinamento de um jovem internado a um quarto de isola-mento pode fazer-se com uma duração relativamente longa e que os espaços dos estabele-cimentos devem, como explanado supra, ter as condições adequadas para que uma pessoa ali permaneça, entendo que urje dotar o quarto de isolamento do Centro Educativo da Bela Vista de sanitários.

Pelas referidas razões, entendo formular a presente recomendação, solicitando a Vossa Excelência a adoção das medidas anteriormente discriminadas, garantindo, deste jeito, a melhor salvaguarda dos interesses daqueles que, em virtude da sua idade e da restrição da liberdade que lhe foi imposta, se encontram em uma situação de particular vulnerabilidade.

Termino, estando convicto de que o empenho pessoal de Vossa Excelência muito con-tribuirá para reforçar a defesa dos direitos dos jovens educandos e, em concomitância, melhorar o sistema tutelar educativo.

Recomendação n.º 4/2016/MNPVisitas n.os 5-2015; 6-2015; 13-2015; 20-2015; 24-2015; 25-2015Entidade visada: Ministro da SaúdeData: 2016.09.05Assunto: Centros educativos. Assistência médica. Acompanhamento psicoterapêuticoSequência: Parcialmente acatada. Situação em acompanhamento

IAo abrigo da disposição contida na alínea b) do artigo 19.º do Protocolo Facultativo à

Convenção contra a Tortura e outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degra-dantes, recomendo a Vossa Excelência que, com vista ao aperfeiçoamento das condições de permanência dos jovens em centros educativos, sejam tomadas as seguintes medidas:

1. Que se leve a cabo a designação de médico de família aos jovens internados nos cen-tros educativos ou, enquanto isso não for possível, a criação de uma resposta que garanta o acompanhamento médico de modo homogéneo e célere;

2. Que, em uma atuação concertada entre a Direção-Geral de Saúde e a Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, se realize o levantamento exaustivo dos principais

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constrangimentos registados em matéria de acesso e de agendamento de consultas de especialidade por parte dos jovens educandos;

3. Que se promova a celebração de protocolos entre a Direção-Geral de Saúde e a Dire-ção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais para que se dê uma resposta imediata às solicitações dos jovens internados nos centros educativos;

4. Que, no tocante ao específico problema da saúde mental, mediante a articulação entre a Direção-Geral de Saúde e a Direção-Geral de Reinserção e dos Serviços Prisionais, se proceda ao levantamento das situações que, com mais frequentes ou com maior com-plexidade, se observam nos jovens educandos;

5. Que, ainda no que toca à matéria previamente aludida, se ultrapassem as dificul-dades advenientes da ausência de quadros médicos especializados, designadamente na pedopsiquiatria, no âmbito do processo de instalação de unidade terapêutica autónoma para casos agudos, atualmente em curso e com data de conclusão esperada para este ano.

IIEsta minha tomada de posição surge na sequência de um conjunto de visitas que, no

decurso do ano transato, o MNP(78) efetuou a todos os centros educativos, com o propó-sito de elaborar um relatório especial que proporcionasse o retrato da realidade que se vive nos referidos estabelecimentos. Para que a recolha da informação ocorresse de forma constante, o objeto das referidas visitas foi definido de modo unitário. Entre os diversos aspetos que se perscrutaram incluiu-se a verificação do confinamento espacial e tempo-ral dos centros educativos — por sobre tudo no tocante à componente educativa e ao envolvimento de entidades terceiras (públicas e privadas) no processo de reinserção social dos jovens —, os sistemas de follow-up dos educandos após a sua saída, as condições das infraestruturas, seu funcionamento e sua organização administrativa, assim como os pro-gramas terapêuticos e os modelos de assistência psicológica que são proporcionados aos jovens internados.

IIIDos elementos recolhidos durante as visitas do MNP aos centros educativos — e das

informações complementares entretanto solicitadas — foi possível concluir que a assis-tência médica disponibilizada aos jovens internados nos centros educativos padece algu-mas insuficiências que urgem dissipar.

§ 1. Acompanhamento médico homogéneo e célereO internamento de um jovem em um centro educativo exige que sejam respeitados os

direitos daquele que são compatíveis com a execução da medida tutelar educativa que lhe

(78) Idem notas supra 48 e 49.

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foi aplicada(79); o direito à saúde é deles paradigmático. Neste sentido, importa mencionar que cumpre ao centro educativo «zelar pela saúde e bem-estar do educando, promovendo, designadamente, a sua vigilância clínica regular (…)»(80). Para alcançar este desiderato, releva-se essencial a designação de médico de família aos jovens educandos, o que, como atestei, nem sempre acontece.

Deste modo, para que os jovens educandos possam ter a assistência médica regular de que carecem — e que, sublinhe-se, dela carecem porque são pessoas que estão em uma fase complexa do seu desenvolvimento —, importa que se adotem as medidas necessárias a possibilitar um acompanhamento médico homogéneo e célere, preferencialmente pres-tado pelo médico de família.

§ 2. Consultas de especialidadeA especificidade da assistência médica em determinadas áreas reclama o acesso a con-

sultas de especialidade, tendo como destinatários os jovens internados nos centros educa-tivos. Sucede, porém, que, não raras vezes, verificam-se constrangimentos de diversa natu-reza e, por esta razão, os jovens educandos ficam desprotegidos, ainda que esta desproteção não seja total, antes se consubstanciando na protelação do diagnóstico e do tratamento.

Uma vez que «os menores dispõem de assistência hospitalar ou outra sempre que necessidades de saúde a exijam»(81) e, como se referiu anteriormente, cabe ao centro edu-cativo concretizar o acompanhamento médico regular e necessário, considero importante compreender as principais dificuldades que se fazem sentir no tocante ao agendamento de consultas de especialidades. Por isso, recomendo o levantamento das mesmas por parte das competentes entidades.

§ 3. Celebração de protocolosNa sequência do que foi mencionado nos parágrafos anteriores, entendo ser pertinente

a celebração de protocolos entre a Direção-Geral de Saúde e a Direção-Geral de Reinser-ção e Serviços Prisionais. Tais protocolos devem, pois, garantir uma resposta imediata às necessidades que, nesta matéria, os jovens internados nos centros educativos manifestam, não os discriminando, perante os demais, com fundamento na sua situação de privação da liberdade.

§ 4. Específico problema da saúde mentalA problemática da saúde mental constitui uma das questões a que o MNP dedicou

particular atenção com a realização das visitas que efetuou aos centros educativos, assim

(79) Vide nos. 1 e 2 do artigo 159.º da LTE e n.º 1 do artigo 2.º do RGDCE.(80) N.º 1 do artigo 56.º do RGDCE. Cf., de igual modo, o n.º 3 do artigo 171.º da LTE.(81) N.º 1 do artigo 174.º da LTE.

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como com a solicitação de colaboração no preenchimento de um questionário subordi-nado àquele tema. Concluí, após a análise da informação recolhida, que subsistem carên-cias quanto à identificação e ao diagnóstico de patologias infanto-juvenis, bem como à prevenção de comportamentos contrários ao direito. Registei, de igual jeito, a existência de um défice de atuação específica nos casos de jovens que apresentam, em simultâneo, problemas de saúde mental e patologias comportamentais profundas.

Pelo exposto, e no que respeita ao específico problema da saúde mental, considero pre-mente a realização do levantamento das situações que, com mais frequentes ou com maior complexidade, se observam nos jovens educandos, trabalho que melhor se fará em arti-culação entre a Direção-Geral de Saúde e a Direção-Geral de Reinserção e dos Serviços Prisionais.

§ 5. Quadros médicos especializadosAs dificuldades supra indicadas resultam, pelo menos em parte, da insuficiência de

recursos humanos especializados. Importa, por isso, que, a breve trecho, se suprimam os constrangimentos verificados por causa da ausência de quadros médicos especializados, designadamente na área de pedopsiquiatria. Esta é uma circunstância particularmente ins-tante no âmbito do processo de instalação de unidade terapêutica autónoma para casos agudos, atualmente em curso e com data de conclusão esperada ainda para este ano.

Pelas referidas razões, entendo formular a presente recomendação, solicitando a Vossa Excelência a adoção das medidas anteriormente discriminadas, garantindo, deste jeito, a melhor salvaguarda dos interesses daqueles que, em virtude da sua idade e da restrição da liberdade que lhe foi imposta, se encontram em uma situação de particular vulnerabilidade.

Termino, estando convicto de que o empenho pessoal de Vossa Excelência muito con-tribuirá para reforçar a defesa dos direitos dos jovens educandos e, em concomitância, melhorar o sistema tutelar educativo.

Recomendação n.º 5/2016/MNPVisitas n.os 5-2015; 6-2015; 13-2015; 20-2015; 24-2015; 25-2015Entidade visada: Presidente do Conselho Superior da MagistraturaData: 2016.09.05Assunto: Centros educativos. Visitas dos magistrados judiciaisSequência: Acatada

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IAo abrigo da disposição contida na alínea b) do artigo 19.º do Protocolo Facultativo

à Convenção contra a Tortura e outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, recomendo a Vossa Excelência que sejam desenvolvidas ações de sensibiliza-ção para os magistrados judiciais com competência na área do Direito dos Menores, com vista à concretização de visitas e contactos regulares aos centros educativos.

II

Esta minha tomada de posição surge na sequência de um conjunto de visitas que, no decurso do ano transato, o MNP(82) efetuou a todos os centros educativos, com o propó-sito de elaborar um relatório especial que proporcionasse o retrato da realidade que se vive nos referidos estabelecimentos. Para que a recolha da informação ocorresse de forma constante, o objeto das referidas visitas foi definido de modo unitário. Entre os diversos aspetos que se perscrutaram incluiu-se a verificação do confinamento espacial e tempo-ral dos centros educativos — por sobre tudo no tocante à componente educativa e ao envolvimento de entidades terceiras (públicas e privadas) no processo de reinserção social dos jovens —, os sistemas de follow-up dos educandos após a sua saída, as condições das infraestruturas, seu funcionamento e sua organização administrativa, assim como os pro-gramas terapêuticos e os modelos de assistência psicológica que são proporcionados aos jovens internados.

IIIDos elementos recolhidos durante as visitas do MNP aos centros educativos — e das

informações complementares entretanto solicitadas — foi possível concluir que os magis-trados judiciais com jurisdição nos processos tutares educativos encetam, com alguma regularidade, contactos com os estabelecimentos onde os jovens estão em cumprimento de uma medida de internamento. Registo, todavia, que não são tão frequentes quanto desejáveis as suas deslocações aos centros educativos.

A alínea h), do n.º 2, do artigo 39.º da LTE(83) determina a realização de visitas aos cen-tros educativos por parte dos magistrados judiciais, assim como a manutenção de contac-tos com os jovens educandos. Este dever corresponde à concretização de um dos direitos dos jovens internados em centro educativo: «O educando tem o direito de estabelecer contacto, em privado, com o juiz (…), podendo fazê-lo através do telefone, por correspon-dência ou pessoalmente.»(84)

(82) Idem notas supra 48 e 49.(83) Idem nota supra 51.(84) N.º 1 do artigo 47.º RGDCE.

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O cumprimento da obrigação de, periodicamente, os magistrados judiciais visitarem os centros educativos assegura o conhecimento, por parte daqueles, das reais condições em que os jovens educandos se encontram, podendo, em alguns casos, conduzir à adoção das ações que, em nome do superior e legítimo interesse do jovem, devam ser tomadas.

Pelas referidas razões, entendo formular a presente recomendação, solicitando a Vossa Excelência a promoção da concretização de visitas regulares aos centros educativos e dos contactos dos magistrados judiciais com jurisdição nos processos tutelares educativos, garantindo, deste jeito, a melhor salvaguarda dos interesses daqueles que, em virtude da sua idade e da restrição da liberdade que lhe foi imposta, se encontram em uma situação de particular vulnerabilidade.

Termino, estando convicto de que o empenho pessoal de Vossa Excelência muito con-tribuirá para reforçar a defesa dos direitos dos jovens educandos e, em concomitância, melhorar o sistema tutelar educativo.

Recomendação n.º 6/2016/MNPVisitas n.os 5-2015; 6-2015; 13-2015; 20-2015; 24-2015; 25-2015Entidade visada:Procuradora-Geral da RepúblicaData: 2016.09.05Assunto: Centros educativos. Visitas dos magistrados do Ministério PúblicoSequência: Aguarda resposta

I

Ao abrigo da disposição contida na alínea b) do artigo 19.º do Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, recomendo a Vossa Excelência que sejam emanadas orientações aos magis-trados do Ministério Público com competência na área do Direito dos Menores, com vista à concretização de visitas e contactos regulares aos centros educativos.

II

Esta minha tomada de posição surge na sequência de um conjunto de visitas que, no decurso do ano transato, o MNP(85) efetuou a todos os centros educativos, com o propó-sito de elaborar um relatório especial que proporcionasse o retrato da realidade que se vive nos referidos estabelecimentos. Para que a recolha da informação ocorresse de forma

(85) Idem notas supra 48 e 49.

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constante, o objeto das referidas visitas foi definido de modo unitário. Entre os diversos aspetos que se perscrutaram incluiu-se a verificação do confinamento espacial e tempo-ral dos centros educativos — por sobre tudo no tocante à componente educativa e ao envolvimento de entidades terceiras (públicas e privadas) no processo de reinserção social dos jovens —, os sistemas de follow-up dos educandos após a sua saída, as condições das infraestruturas, seu funcionamento e sua organização administrativa, assim como os pro-gramas terapêuticos e os modelos de assistência psicológica que são proporcionados aos jovens internados.

IIIDos elementos recolhidos durante as visitas do MNP aos centros educativos — e das

informações complementares entretanto solicitadas — foi possível concluir que os magis-trados do Ministério Público com jurisdição nos processos tutares educativos encetam, com alguma regularidade, contactos com nistério Público (…), podendo fazê-lo através do telefone, por correspondência ou pessoalmente.»(86)

O cumprimento da obrigação de, periodicamente, os magistrados do Ministério Público visitarem os centros educativos assegura o conhecimento, por parte daqueles, das reais condições em que os jovens educandos se encontram, podendo, em alguns casos, determinar o impulso processual necessário à adoção das ações que devam ser tomadas em nome do superior e legítimo interesse do jovem.

Pelas referidas razões, entendo formular a presente recomendação, solicitando a Vossa Excelência a emissão de orientações que possam tornar mais regulares as visitas e os con-tactos dos magistrados do Ministério Público com jurisdição nos processos tutelares educativos, garantindo, deste jeito, a melhor salvaguarda dos interesses daqueles que, em virtude da sua idade e da restrição da liberdade que lhe foi imposta, se encontram em uma situação de particular vulnerabilidade.

Termino, estando convicto de que o empenho pessoal de Vossa Excelência muito con-tribuirá para reforçar a defesa dos direitos dos jovens educandos e, em concomitância, melhorar o sistema tutelar educativo.

(86) N.º 1 do artigo 47.º do RGDCE.

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Recomendação n.º 7/2016/MNPVisita n.º 36-2016Entidade visada:Secretária de Estado da JustiçaData: 2016.12.22Assunto: Forças policiais. Polícia Judiciária. Recursos humanos. Condições de segurança. Condições das instalaçõesSequência: Acatada. Situação em acompanhamento

IAo abrigo do disposto na alínea b) do artigo 19.º do Protocolo Facultativo à Conven-

ção contra a Tortura e outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, recomendo a Vossa Excelência que, com vista ao aperfeiçoamento das condições de traba-lho dos funcionários que laboram no Departamento de Investigação Criminal de Braga da Polícia Judiciária, sejam tomadas as seguintes medidas:

a) Promoção do reforço do contingente de recursos humanos afeto ao sobredito Departamento;

b) Destacamento de um funcionário da área da segurança para prossecução das fun-ções de identificação de pessoas e bens, assim como para a revista de pessoas;

Viabilização da transferência do Departamento de Investigação Criminal de Braga da Polícia Judiciária para outras instalações.

IIEsta minha tomada de posição surge na sequência da visita que o MNP(87), no passado

dia 18 de novembro, realizou ao Departamento de Investigação Criminal de Braga da Polícia Judiciária.

Em consonância com o caráter preventivo do MNP, constituiu objeto da referida visita a averiguação de condições de habitabilidade da zona de detenção, assim como a aferição das condições de trabalho de agentes e funcionários ali ao serviço.

IIIDos elementos recolhidos durante a visita do MNP ao Departamento de Investigação

Criminal de Braga da Polícia Judiciária — e dos documentos consultados — foi possível concluir que as condições de trabalho dos funcionários do local visitado, assim como as de segurança, podem ser objeto de aprimoramentos em nome de uma melhor defesa dos direitos de todas as pessoas que trabalham e que se deslocam àquela instituição.

Permita-me Vossa Excelência, portanto, que teça brevíssimas considerações sobre a recomendação ora formulada.

(87) Idem notas supra 48 e 49.

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§ 1.º Reforço dos recursos humanosA competência territorial do Departamento de Investigação Criminal de Braga da

Polícia Judiciária estende-se por uma ampla área, a qual compreende os círculos judiciais de Barcelos, Braga, Guimarães, Viana do Castelo e Vila Real, nos termos em que se encon-tram definidos na Portaria n.º 472/2001, de 10 de maio, sem prejuízo da recente alteração efetuada pelo Mapa Judiciário, no ano 2014.

No ano de 2015, o volume processual do Departamento de Investigação Criminal de Braga da Polícia Judiciária ultrapassa largamente dois milhares de processos entrados(88), número que apenas é superado por aqueles que se verificam em Lisboa e no Porto. O quantitativo de inspetores em funções – que se cifra em 49 pessoas – não tem acompa-nhado o progressivo aumento de expediente e de trabalho, resultando inequívoco que o quadro de investigação criminal é atualmente deficitário. Este contexto é, ainda, agravado pela situação de incapacidade temporária para o serviço por motivo de doença de, pelo menos, dois elementos.

Neste sentido, e não ignorando que as atribuições cometidas à instituição visitada determinam uma atuação célere, eficaz e, não raras vezes, particularmente sensível – o que, note-se, implica uma análise e um tratamento especialmente cuidado e detalhado –, os recursos humanos que estão adstritos ao Departamento de Investigação Criminal de Braga da Polícia Judiciária são insuficientes para a execução atempada de todas as tarefas que, em muitos casos, se revestem de cariz urgente. Por esta razão, entendo pertinente que seja reforçado o contingente de trabalhadores do local visitado, permitindo, deste modo, fazer face ao crescimento processual e, em simultâneo, contribuindo para uma investiga-ção criminal rápida e, por conseguinte, a uma boa aplicação da justiça.

§ 2.º Segurança de pessoas e bensO Departamento de Investigação Criminal de Braga da Polícia Judiciária não possui,

na sua entrada, funcionário que possa proceder à identificação das pessoas e dos bens que acedem às suas instalações nem à revista das primeiras(89), assim como não está provido, de momento, com um pórtico detetor de metais. Ou seja, não há um rigoroso controlo de quem e do que entra na instituição visitada. Local que, sublinhe-se, pelas funções que nele se desenvolvem, pode ser alvo da prática de atos ofensivos de pessoas e bens.

O referido Departamento de Investigação Criminal é o único que não tem nenhum funcionário da área de segurança na entrada do seu edifício. A equipa de visitadores do

(88) São, em termos exatos, 2414 os processos entrados no Departamento de Investigação Criminal de Braga da Polícia Judiciária no ano de 2015, conforme informação constante do seu relatório anual de atividade referente àquele ano, ao qual o MNP teve acesso. De acordo com a informação facultada aos visitadores do MNP, em outubro de 2016, os processos entrados no referido Departamento cifravam-se já em número de 2232. (89) O que sucede desde o ano de 2014, momento a partir do qual o funcionário que exercia as referidas funções se aposentou.

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MNP observou, contudo, as pessoas que se deslocam ao local visitado são atendidas por um assistente operacional e duas especialistas auxiliares, pessoas que conquanto sejam funcionárias do Departamento de Investigação Criminal de Braga da Polícia Judiciária, não têm os conhecimentos e as habilitações necessárias à execução da revista de outrem.

Tendo em conta que o local visitado pode ser objeto da prática de comportamentos violadores da integridade físico-psíquica e, no limite, da vida de pessoas, assim como da destruição de bens materiais, revela-se necessária a presença de um funcionário da área de segurança que, com as devidas formação e experiência, faça a identificação e a revista das pessoas que ali acedem, salvaguardando-se, destarte, as condições de segurança mínimas a quem trabalha e se desloca a um estabelecimento de um órgão de polícia criminal.

§ 3.º Mudança de instalaçõesAs instalações do Departamento de Investigação Criminal de Braga datam de 1983,

tempo em que eram de menor expressão as solicitações que requeriam a intervenção das pessoas que ali laboravam, as quais também se contabilizavam em número inferior ao do presente. É, portanto, um espaço exíguo para acomodar, de forma condigna e respeitadora dos seus direitos, todos os funcionários da instituição visitada.

Acresce que face à proximidade a uma antiga unidade fabril (entretanto desativada) que emprega, no seu edifício, materiais revestidos a fibrocimento, não deixa de se revelar preocupante a existência de um número elevado de trabalhadores do Departamento de Investigação Criminal de Braga da Polícia Judiciária com diagnóstico de problemas onco-lógicos, admitindo a hipótese da existência de um nexo causal entre os referidos materiais nocivos e a verificação de doenças que podem derivar de uma exposição constante aos mesmos. Este circunstancialismo foi já objeto de análise por parte da Direção Nacional da Polícia Judiciária(90), mas, ainda assim, saliento os riscos de exposição ao amianto durante a jornada de trabalho e a correlativa necessidade de adoção de medidas de proteção sanitária dos funcionários do local visitado.(91)

Além do exposto, importa, do mesmo modo, sublinhar a inexistência de um local autó-nomo preparado para a realização de inquirições a vítimas e, por sobre tudo, a crianças e jovens, podendo não se assegurar, por conseguinte, o respeito pelos direitos das pessoas que foram vítimas de crime.

Neste sentido, considero que se deve proceder, a breve trecho, à transferência de instalações do Departamento de Investigação Criminal de Braga da Polícia Judiciária para outras instalações que possibilitem a acomodação dos seus funcionários em boas e

(90) O MNP teve conhecimento de que, no fim do ano transato, foi realizada uma visita às instalações em apreço.(91) Esta matéria está profusamente densificada pela legislação comunitária, com particular enfoque para a Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho 2003/18/CE, de 27 de março de 2003, transposta para o ordenamento jurídico português pelo Decreto-Lei n.º 266/2007, de 24 de julho.

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saudáveis condições, assim como a criação de uma divisão independente para audição de vítimas de crimes, mormente crianças e jovens.

Pelas referidas razões, entendo formular a presente recomendação, solicitando a Vossa Excelência a adoção das medidas anteriormente discriminadas, garantindo, deste jeito, a melhor salvaguarda dos direitos dos funcionários do Departamento de Investigação Cri-minal de Braga da Polícia Judiciária, assim como de todos aqueles que ali se deslocam.

Termino, estando convicto de que o empenho pessoal de Vossa Excelência, Senhora Secretária de Estado da Justiça, muito contribuirá para reforçar a defesa dos direitos referidos e, em concomitância, melhorar o funcionamento dos nossos órgãos de polícia criminal.

5. Atividades de participação em iniciativas e de divulgação institucional

5.1. Participação em iniciativas

A observação, in loco, das condições a que estão sujeitas as pessoas privadas da liberdade exige um vasto conjunto de específicos e atualizados conhecimentos, os quais são aprimo-rados com a troca de experiências — nacionais e internacionais — entre os colaboradores do MNP e os diversos organismos que assumem responsabilidades neste âmbito, assim como com as reflexões que tais momentos possibilitam. Por esta razão, o MNP concebeu, realizou e participou, ao longo do ano de 2016, em várias atividades de índole formativa que partilharam do desiderato de proporcionar os instrumentos necessários prevenção da prática e comportamentos que se possam considerar como tortura ou maus-tratos.

Nos dias 7 e 8 de junho de 2016, um elemento do Núcleo de Visitadores participou, em Viena, no workshop «O fortalecimento da implementação dos direitos fundamen-tais na legislação da União Europeia em matéria penal, através da cooperação entre os MNP e o poder judiciário». Este evento foi organizado pelo Instituto Ludwig Boltzmann de Direitos Humanos e pela Academia de Direito Europeu e reuniu os representantes de MNP’s de vários países da União Europeia, do Comité Europeu para a Prevenção da Tortura e do Subcomité das Nações Unidas sobre a Prevenção da Tortura, bem como elementos da sociedade civil. O seu objetivo principal foi a apresentação de um estudo de referência sobre a cooperação entre os MNP e o poder judicial no território da União Europeia, elaborado pelas entidades promotoras.

No dia 13 de junho, o ponto focal do MNP junto do Subcomité das Nações Unidas para a Prevenção da Tortura e outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degra-dantes participou na 29.ª Reunião da Secção deste Subcomité para a Região Europa, a

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qual decorreu em Genebra. Esta reunião foi promovida pelo mencionado Subcomité e teve como propósito a troca de informação sobre as atividades desenvolvidas pelo MNP português, a sua estrutura, o seu âmbito de competência e a metodologia adotada.

Nos dias 13 e 14 de outubro de 2016, um elemento da Comissão de Coordenação esteve presente, em Viena, no ODIHR/APT Annual Meeting of National Preventive Mechanisms from the OSCE region, iniciativa organizada pelo Departamento para as Ins-tituições Democráticas e Direitos Humanos da Organização para a Segurança e Coope-ração na Europa e pela Associação para a Prevenção da Tortura. Este evento contou a participação de representantes de vários MNP’s, do Comité Europeu para a Prevenção da Tortura e do Subcomité das Nações Unidas sobre a Prevenção da Tortura e da Associação para a Prevenção da Tortura. O propósito deste evento centrou-se na análise dos resulta-dos obtidos nos 10 anos do Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes e na definição das práticas e das dificuldades que surgem no âmbito da prevenção de comportamentos que possam ser qualificados como tortura.

Nos dias 16 e 17 de novembro de 2016, um membro do Núcleo de Visitadores parti-cipou na conferência final do projeto «As Decisões-Quadro relativas à Detenção como Oportunidades e Desafios para a Prevenção de Maus-Tratos: O papel dos Tribunais e dos Mecanismos Nacionais de Prevenção». Este evento decorreu em Viena e foi organi-zado pelo Instituto Ludwig Boltzmann de Direitos Humanos e pela Academia de Direito Europeu. Neste seminário estiveram presentes representantes de diversos MNP’s, magis-trados judiciais e do Ministério Público de vários países da União Europeia, elementos do Comité Europeu para a Prevenção da Tortura e da Comissão Europeia, bem como da sociedade civil, designadamente a Associação para a Prevenção da Tortura e a Fair Trials International. A reflexão conjunta sobre as formas de colaboração entre os MNP’s e o poder judicial, no sentido da prevenção da tortura e dos maus-tratos, constituiu a princi-pal finalidade desta iniciativa.

Também no dia 17 de novembro, mas em Genebra, o MNP participou, por meio da presença de um dos membros da sua Comissão de Coordenação, na conferência que se realizou no âmbito da 30.ª sessão do Subcomité para a Prevenção da Tortura e outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos e Degradantes.

A participação nas referidas iniciativas, assim como a preparação e o trabalho realizado por todos aqueles que visitaram os locais de detenção, permitiram aprofundar os conhe-cimentos técnicos que, no ano de 2016, foram partilhados por todos os elementos da Comissão de Coordenação e do Núcleo de Visitadores, assim como pelos demais colabo-radores deste órgão do Estado que têm vindo a cooperar com o MNP, através da realização de duas ações denominadas Encontros na Pausa para Café, sessões de formação interna que vêm acontecendo desde o ano de 2015. Estas ações de natureza formativa decorreram nos dias 10 de novembro e 21 de dezembro, e subordinaram-se, respetivamente, às seguintes

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temáticas: «Tomar o pulso a 10 anos de aplicação do Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes» e «Reflexões sobre a colaboração entre os MNP’s e o poder judicial na prevenção da tortura e dos maus-tratos».

5.2. Divulgação institucional

A atividade que cumpre ao MNP desenvolver prende-se com a verificação das condi-ções de tratamento das pessoas que estão privadas ou limitadas da sua liberdade, preve-nindo-se, assim, a prática de atos de tortura ou de maus-tratos. Por esta razão, revela-se de primordial importância o conhecimento — generalizado mas, por sobre tudo, por parte daqueles que têm a sua liberdade restringida e dos que com eles trabalham — da existência de um organismo que, de modo autónomo, visita os locais detentivos e afere as reais con-dições em que aquelas pessoas se encontram.

Assim, e à semelhança da prática de anos pretéritos, as equipas de visitadores continua-ram, nas suas visitas, a prestar as informações que lhes eram solicitadas sobre este autó-nomo organismo, facultando cartazes e trípticos que divulgam a atividade e os contactos do MNP.

No decurso do ano de 2016 encetaram-se contactos com os estabelecimentos de ensino ou de formação das forças policiais, por forma a se desenharem protocolos de colaboração entre o MNP e estas entidades e, alternada ou conjuntamente, a se realizarem ações de cariz formativo, com vista a alcançar dois principais objetivos: a divulgação do trabalho realizado pelo MNP e a contribuição para a formação dos profissionais daquelas forças.

Também em linha de continuidade com o trabalho efetuado em anos anteriores, no período de referência a este relatório, o MNP continuou a elaborar e a disponibilizar novos conteúdos nas páginas do sítio institucional do Provedor de Justiça especificamente dedicadas a este organismo. Conteúdos que são passíveis de consulta em ambas as ver-sões (portuguesa e inglesa) e que permitem conhecer, com atualidade, a atuação do MNP, designadamente quais os locais visitados — com respetivas datas e objetos — e as reco-mendações emitidas.

Refira-se, por último, que, nas mensagens com que este órgão do Estado evoca algu-mas datas, o MNP assinalou, o Dia Internacional de Apoio às Vítimas de Tortura (26 de junho)(92), o Dia Mundial da Saúde Mental (10 de outubro)(93) e o Dia Internacional dos Migrantes (16 de dezembro)(94).

(92) Disponível em http://www.provedor-jus.pt/?idc=35&idi=16235. Esta mensagem está acompanhada de um pe-queno vídeo, visualizável no mesmo endereço.(93) Disponível em http://www.provedor-jus.pt/?idc=35&idi=16486.(94) Passível de consulta em http://www.provedor-jus.pt/?idc=35&idi=16643.

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Outros índices

> Pormenor do gradeamento da varanda da sede do órgão de Estado Provedor de Justiça

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Outros índices

1. Índice de gráficosGráfico I – Distribuição geográfica das visitas realizadas no ano de 2016 12Gráfico II – Distribuição geográfica do total das visitas realizadas (2014, 2015 e 2016) 13Gráfico III – Distribuição tipológica das visitas realizadas no ano de 2016 13Gráfico IV – Distribuição tipológica do total das visitas realizadas

(comparação entre 2014, 2015 e 2016) 14Gráfico V – Distribuição pelas diversas forças policiais das visitas realizadas

às suas zonas de detenção (comparação entre 2014, 2015 e 2016) 16Gráfico VI – Distribuição das recomendações do MNP por tipo de local de detenção

em análise (2015 e 2016) 97

2. Índice de quadrosQuadro I – Entidades visadas nas recomendações do MNP (2015 e 2016) 95Quadro II – Assuntos tratados nas recomendações do MNP (2015 e 2016) 98

3. Índice analítico das visitas a locais de detenção

Local de detençãoVisita n.º

DataN.º Pág

Assunto

Centro de Instalação Temporária do Aeroporto de Faro (Faro)

18-20162016.10.12Pág. 42

Condições de vida das pessoas que se encontram no centro de instalação temporária de estrangeiros. Averiguação, por meio da realização de entrevistas, da observância do direito a um tratamento digno

Centro de Instalação Temporária do Aeroporto de Lisboa (Lisboa)

12-20162016.09.30Pág. 33

Condições de vida das pessoas que se encontram no centro de instalação temporária de estrangeiros. Averiguação, por meio da realização de entrevistas, da observância do direito a um tratamento digno

Centro de Instalação Temporária do Aeroporto de Lisboa (Lisboa)

19-20162016.10.20Pág. 43

Informações complementares à visita n.º 12-2016

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Centro de Instalação Temporária do Aeroporto do Porto (Porto)

17-20162016.10.03Pág. 41

Condições de vida das pessoas que se encontram no centro de instalação temporária de estrangeiros. Averiguação, por meio da realização de entrevistas, da observância do direito a um tratamento digno

Comando Metropolitano de Lisboa da Polícia de Segurança Pública (Lisboa)

7-20162016.06.23Pág. 24

Condições de transporte de detidos em viatura celular ou em outro meio de transporte utilizado para o efeito. Audi-ção de detidos, designadamente, sobre os tempos de deten-ção e as condições de transporte

Departamento de Investigação Criminal de Aveiro da Polícia Judiciária (Aveiro)

40-20162016.11.23Pág. 74

Condições de habitabilidade da zona de detenção. Cum-primento dos direitos dos detidos de constituir advogado, de contactar telefonicamente com o defensor e de comuni-car com familiar ou pessoa de confiança

Departamento de Investigação Criminal de Braga da Polícia Judiciária (Braga)

36-20162016.11.18Pág. 68

Cumprimento dos direitos e dos deveres dos detidos, de-signadamente no tocante ao respetivo tratamento. Condi-ções de habitabilidade da zona de detenção. Condições em que é assegurada a alimentação aos detidos

Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa – zona de detenção (Lisboa)

47-20162016.12.22Pág. 82

Condições em que é assegurada a alimentação aos detidos. Condições de habitabilidade da zona de detenção. Cum-primento dos direitos e dos deveres dos detidos, designa-damente no tocante ao respetivo tratamento e às condições em que o seu transporte se efetua

Destacamento de Controlo Costeiro da Figueira da Foz da Guarda Nacional Republicana (Coimbra)

42-20162016.11.23Pág. 75

Condições de habitabilidade da zona de detenção. Cumprimento dos direitos dos detidos de constituir advogado, de contactar telefonicamente com o defensor e de comunicar com familiar ou pessoa de confiança

Esquadra de Benfica da Polícia de Segurança Pública (Lisboa)

5-20162016.06.09Pág. 22

Cumprimento dos direitos dos detidos de constituir ad-vogado, de contactar telefonicamente com o defensor e de comunicar com familiar ou pessoa de confiança. Tempos de detenção. Audição de detidos, designadamente, sobre os tempos de detenção e as condições de transporte. Con-dições de transporte de detidos em viatura celular ou em outro meio de transporte utilizado para o efeito. Procedi-mentos com vista a indagar se o detido tem pessoas à sua responsabilidade (v.g., menores) e medidas de proteção

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Página 345

Esquadra de Mirandela da Polícia de Segurança Pública (Bragança)

34-20162016.11.17Pág. 66

Cumprimento dos direitos e dos deveres dos detidos, desig-nadamente no tocante ao respetivo tratamento. Condições de habitabilidade da zona de detenção, designadamente no tocante ao conforto térmico. Condições de trabalho dos agentes policiais, por observação direta e mediante audição destes. Procedimentos de articulação entre o Comando Distrital e a Esquadra em matéria de alocação dos detidos 

Esquadra de Oeiras da Polícia de Segurança Pública (Lisboa)

50-20162016.12.22Pág. 85

Cumprimento dos direitos e dos deveres dos detidos, desig-nadamente no tocante ao respetivo tratamento. Condições de habitabilidade da zona de detenção, designadamente no tocante ao conforto térmico. Condições de trabalho dos agentes policiais, por observação direta e mediante audição destes. Procedimentos de articulação entre o Comando Distrital e a Esquadra em matéria de alocação dos detidos

Esquadra de Santarém da Polícia de Segurança Pública (Santarém)

23-20162016.11.08Pág. 51

Condições de habitabilidade da zona de detenção. Condi-ções em que é assegurada a alimentação aos detidos. Cum-primento dos direitos dos detidos de constituir advogado, de contactar telefonicamente com o defensor e de comu-nicar com familiar ou pessoa de confiança. Cumprimento das normas legais e regulamentares dos procedimentos de internamento compulsivo. Tempos de detenção e condi-ções de transporte dos detidos. Condições de trabalho dos agentes policiais

Esquadra de Telheiras da Polícia de Segurança Pública (Lisboa)

6-20162016.06.09Pág. 23

Cumprimento dos direitos dos detidos de constituir ad-vogado, de contactar telefonicamente com o defensor e de comunicar com familiar ou pessoa de confiança. Tempos de detenção. Audição de detidos, designadamente, sobre os tempos de detenção e as condições de transporte. Con-dições de transporte de detidos em viatura celular ou em outro meio de transporte utilizado para o efeito. Procedi-mentos com vista a indagar se o detido tem pessoas à sua responsabilidade (v.g., menores) e medidas de proteção

Esquadra de Viana do Castelo da Polícia de Segurança Pública (Viana do Castelo)

28-20162016.11.16Pág. 59

Cumprimento dos direitos e dos deveres dos detidos, desig-nadamente no tocante ao respetivo tratamento. Condições de habitabilidade da zona de detenção, designadamente no tocante ao conforto térmico. Condições de trabalho dos agentes policiais, por observação direta e audição destes 

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10 DE MAIO DE 2017____________________________________________________________________________

345

Página 346

Esquadra de Vila Real da Polícia de Segurança Pública (Vila Real)

37-20162016.11.18Pág. 70

Cumprimento dos direitos e dos deveres dos detidos, desig-nadamente no tocante ao respetivo tratamento. Condições de habitabilidade da zona de detenção, designadamente no tocante ao conforto térmico. Condições de trabalho dos agentes policiais, por observação direta e mediante a audi-ção destes. Procedimentos de articulação entre o Comando Distrital e a Esquadra em matéria de alocação dos detidos

Esquadra de Viseu da Polícia de Segurança Pública (Viseu)

46-20162016.12.20Pág. 80

Cumprimento dos direitos e dos deveres dos detidos, desig-nadamente no tocante ao respetivo tratamento. Condições de habitabilidade da zona de detenção, designadamente no tocante ao conforto térmico. Condições de trabalho dos agentes policiais, por observação direta e mediante audição destes. Procedimentos de articulação entre o Comando Distrital e a Esquadra em matéria de alocação dos detidos

Esquadra do Estoril da Polícia de Segurança Pública (Lisboa)

2-20162016.06.08Pág. 17

Cumprimento dos direitos dos detidos de constituir ad-vogado, de contactar telefonicamente com o defensor e de comunicar com familiar ou pessoa de confiança. Tempos de detenção e condições de transporte em viatura celular ou em outro meio de transporte utilizado para o efeito. Existência de procedimentos com vista a indagar se o de-tido tem pessoas à sua responsabilidade (v.g., menores) e medidas de proteção

Estabelecimento Prisional de Aveiro (Aveiro)

39-20162016.11.23Pág. 72

Condições de habitabilidade: ocupação, ventilação, isola-mento contra o frio e o calor. Condições de acesso à saúde, em particular no âmbito da saúde mental. Procedimentos observados na comunicação da população prisional com a direção

Estabelecimento Prisional de Braga (Braga)

31-20162016.11.17Pág. 63

Cumprimento dos direitos e dos deveres dos reclusos que tenham dado entrada no estabelecimento prisional há oito dias ou menos. Condições de habitabilidade, em particular as condições de funcionamento das caldeiras. Procedimen-tos observados na comunicação da população prisional com a direção. Procedimentos relativos à separação física dos reclusos: preventivos versus condenados

Estabelecimento Prisional de Castelo Branco (Castelo Branco)

51-20162016.12.29Pág. 87

Condições de habitabilidade: ocupação, ventilação, isola-mento contra o frio e o calor. Condições de acesso à saúde, em particular no âmbito da saúde mental. Procedimentos observados na comunicação da população prisional com a direção

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II SÉRIE-E — NÚMERO 16____________________________________________________________________________

346

Página 347

Estabelecimento Prisional de Elvas (Portalegre)

13-20162016.09.30Pág. 35

Contactos com a direção. Condições de alojamento em re-gime aberto. Formas de ocupação dos reclusos

Estabelecimento Prisional de Guimarães (Braga)

32-20162016.11.17Pág. 64

Cumprimento dos direitos e dos deveres dos reclusos que tenham dado entrada no estabelecimento prisional há oito dias ou menos. Condições de habitabilidade, em particular as condições de funcionamento das caldeiras. Procedimen-tos observados na comunicação da população prisional com a direção. Disponibilização do kit higiénico individual

Estabelecimento Prisional de Izeda (Bragança)

29-20162016.11.16Pág. 60

Cumprimento dos direitos e dos deveres dos reclusos que tenham dado entrada no estabelecimento prisional há oito dias ou menos. Condições de habitabilidade. Procedimen-tos observados na comunicação da população prisional com a direção. Condições de transporte dos reclusos

Estabelecimento Prisional de Sintra (Lisboa)

3-20162016.06.09Pág. 18

Procedimentos disciplinares (audição de reclusos que estejam a cumprir sanção em cela disciplinar). Condições do setor da alimentação

Estabelecimento Prisional de Torres Novas (Santarém)

26-20162016.11.14Pág. 56

Condições de habitabilidade: ocupação, ventilação, isola-mento contra o frio e o calor. Condições de acesso à saúde: em particular, no âmbito da saúde mental. Procedimentos observados na comunicação da população prisional com a direção

Estabelecimento Prisional de Viana do Castelo (Viana do Castelo)

27-20162016.11.16Pág. 58

Cumprimento dos direitos e deveres dos reclusos que te-nham dado entrada no estabelecimento prisional há oito dias ou menos. Condições de habitabilidade. Procedi-mentos observados na comunicação da população prisio-nal com a direção. Tradução do documento informativo sobre os direitos e os deveres dos reclusos. Disponibili-zação do kit higiénico individual. Prestação de serviço de assistência religiosa e espiritual

Estabelecimento Prisional de Vila Real (Vila Real)

38-20162016.11.18Pág. 71

Cumprimento dos direitos e dos deveres dos reclusos que tenham dado entrada no estabelecimento prisional há oito dias ou menos. Condições de habitabilidade, em particular as condições de funcionamento das caldeiras de aqueci-mento de água. Procedimentos observados na comunica-ção da população prisional com a direção. Condições de transporte dos reclusos

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10 DE MAIO DE 2017____________________________________________________________________________

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Página 348

Estabelecimento Prisional de Viseu (Viseu)

44-20162016.12.20Pág. 78

Cumprimento dos direitos e dos deveres dos reclusos que tenham dado entrada no estabelecimento prisional há oito dias ou menos. Condições de habitabilidade, em particular as condições de funcionamento das caldeiras. Procedimen-tos observados na comunicação da população prisional com a direção. Disponibilização do  kit  higiénico indivi-dual

Instância Central do Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco (Castelo Branco)

52-20162016.12.29Pág. 88

Condições de habitabilidade da zona de detenção. Condi-ções do setor da alimentação

Instância Central do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa (Lisboa)

11-20162016.09.28Pág. 31

Condições de habitabilidade da zona de detenção. Condi-ções do setor da alimentação

Instância Central do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém (Santarém)

22-20162016.11.08Pág. 50

Condições de habitabilidade da zona de detenção. Condi-ções em que é assegurada a alimentação aos detidos. Con-dições de transporte de detidos em viatura celular

Instância Local da Figueira da Foz do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra (Coimbra)

41-20162016.11.23Pág. 75

Condições de habitabilidade da zona de detenção

Instância Local de Benavente do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém (Santarém)

21-20162016.11.08Pág. 48

Condições de habitabilidade da zona de detenção. Condi-ções em que é assegurada a alimentação aos detidos. Con-dições de transporte de detidos em viatura celular

Instância Local de Cascais do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste (Lisboa)

1-20162016.06.08Pág. 16

Condições de habitabilidade: iluminação, isolamento con-tra o frio ou calor, arejamento e sanitários das zonas de de-tenção. Condições do setor da alimentação. Condições de transporte de detidos em viatura celular ou em outro meio de transporte utilizado para o efeito

Instância Local de Elvas do Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre (Portalegre)

14-20162016.09.30Pág. 37

Condições de habitabilidade da zona de detenção. Condi-ções do setor da alimentação

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II SÉRIE-E — NÚMERO 16____________________________________________________________________________

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Página 349

Instância Local de Lisboa do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – zona de detenção (Lisboa)

48-20162016.12.22Pág. 84

Condições em que é assegurada a alimentação aos detidos. Condições de habitabilidade da zona de detenção. Cum-primento dos direitos e dos deveres dos detidos, designa-damente no tocante ao respetivo tratamento

Instância Local de Sintra do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste (Lisboa)

4-20162016.06.09Pág. 20

Condições de habitabilidade: iluminação, isolamento con-tra o frio ou calor, arejamento e sanitários das zonas de de-tenção. Condições do setor da alimentação. Condições de transporte de detidos em viatura celular ou em outro meio de transporte utilizado para o efeito

Instância Local do Barreiro do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa (Setúbal)

10-20162016.09.28Pág. 30

Condições de habitabilidade da zona de detenção. Condi-ções do setor da alimentação

Instância Local do Cartaxo do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém (Santarém)

24-20162016.11.08Pág. 53

Condições de habitabilidade da zona de detenção. Condi-ções em que é assegurada a alimentação aos detidos. Con-dições de transporte de detidos em viatura celular

Posto Territorial da Charneca da Caparica da Guarda Nacional Republicana (Setúbal)

9-20162016.09.28Pág. 28

Condições de habitabilidade da zona de detenção. Cum-primento dos direitos dos detidos de constituir advogado, de contactar telefonicamente com o defensor e de comuni-car com familiar ou pessoa de confiança. Condições de tra-balho dos militares, designadamente quanto ao alojamento e à alimentação

Posto Territorial da Costa da Caparica da Guarda Nacional Republicana (Setúbal)

8-20162016.09.28Pág. 25

Condições de habitabilidade da zona de detenção. Cum-primento dos direitos dos detidos de constituir advogado, de contactar telefonicamente com o defensor e de comuni-car com familiar ou pessoa de confiança. Condições de tra-balho dos militares, designadamente quanto ao alojamento e à alimentação

Posto Territorial da Malveira da Guarda Nacional Republicana (Lisboa)

49-20162016.12.22Pág. 84

Cumprimento dos direitos e dos deveres dos detidos, desig-nadamente no tocante ao respetivo tratamento. Condições de habitabilidade da zona de detenção, designadamente no tocante ao conforto térmico. Condições de trabalho dos militares, por observação direta e mediante audição destes. Procedimentos de articulação entre o Comando Territorial e o Posto Territorial em matéria de alocação dos detidos

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10 DE MAIO DE 2017____________________________________________________________________________

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Página 350

Posto Territorial de Castelo Branco da Guarda Nacional Republicana (Castelo Branco)

53-20162016.12.29Pág. 90

Condições de habitabilidade da zona de detenção. Cum-primento dos direitos dos detidos de constituir advogado, de contactar telefonicamente com o defensor e de comuni-car com familiar ou pessoa de confiança

Posto Territorial de Elvas da Guarda Nacional Republicana (Portalegre)

15-20162016.09.30Pág. 38

Condições de habitabilidade da zona de detenção. Cum-primento dos direitos dos detidos de constituir advogado, de contactar telefonicamente com o defensor e de comuni-car com familiar ou pessoa de confiança

Posto Territorial de Guimarães da Guarda Nacional Republicana (Braga)

33-20162016.11.17Pág. 65

Cumprimento dos direitos e dos deveres dos detidos, desig-nadamente no tocante ao respetivo tratamento. Condições de habitabilidade da zona de detenção, designadamente no tocante ao conforto térmico. Condições de trabalho dos militares, por observação direta e mediante audição destes. Procedimentos de articulação entre o Comando Territorial e o Posto Territorial em matéria de alocação dos detidos

Posto Territorial de Izeda da Guarda Nacional Republicana (Bragança)

30-20162016.11.16Pág. 62

Cumprimento dos direitos e dos deveres dos detidos, desig-nadamente no tocante ao respetivo tratamento. Condições de habitabilidade da zona de detenção, designadamente no tocante ao conforto térmico. Condições de trabalho dos militares, por observação direta e mediante audição destes. Procedimentos de articulação entre o Comando Territorial e o Posto Territorial em matéria de alocação dos detidos

Posto Territorial de Mirandela da Guarda Nacional Republicana (Bragança)

35-20162016.11.17Pág. 67

Cumprimento dos direitos e dos deveres dos detidos, desig-nadamente no tocante ao respetivo tratamento. Condições de habitabilidade da zona de detenção, designadamente no tocante ao conforto térmico. Condições de trabalho dos militares, por observação direta e mediante audição destes. Procedimentos de articulação entre o Comando Territorial e o Posto Territorial em matéria de alocação dos detidos

Posto Territorial de Samora Correia da Guarda Nacional Republicana (Santarém)

20-20162016.11.08Pág. 46

Condições de habitabilidade da zona de detenção. Condi-ções no âmbito da alimentação dos detidos. Cumprimento dos direitos dos detidos de constituir advogado, de contac-tar telefonicamente com o defensor e de comunicar com familiar ou pessoa de confiança. Cumprimento das normas legais e regulamentares dos procedimentos de internamen-to compulsivo. Tempos de detenção e condições de trans-porte dos detidos. Condições de trabalho dos militares

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Página 351

Posto Territorial de Viseu da Guarda Nacional Republicana (Viseu)

45-20162016.12.20Pág. 79

Cumprimento dos direitos e dos deveres dos detidos, desig-nadamente no tocante ao respetivo tratamento. Condições de habitabilidade da zona de detenção, designadamente no tocante ao conforto térmico. Condições de trabalho dos militares, por observação direta e mediante audição destes. Procedimentos de articulação entre o Comando Territorial e o Posto Territorial em matéria de alocação dos detidos

Posto Territorial do Cartaxo da Guarda Nacional Republicana (Santarém)

25-20162016.11.08Pág. 54

Condições de habitabilidade da zona de detenção. Condi-ções em que é assegurada a alimentação aos detidos. Cum-primento dos direitos dos detidos de constituir advogado, de contactar telefonicamente com o defensor e de comu-nicar com familiar ou pessoa de confiança. Cumprimento das normas legais e regulamentares dos procedimentos de internamento compulsivo. Tempos de detenção e condi-ções de transporte dos detidos. Condições de trabalho dos militares

Unidade de Internamento de Psiquiatria do Centro Hospitalar Barreiro Montijo, E.P.E. (Setúbal)

43-20162016.12.15Pág. 76

Prática seguida no uso de medidas de restrição física e química

Unidade Habitacional de Santo António (Porto)

16-20162016.10.03Pág. 39

Condições de vida das pessoas que se encontram na insti-tuição visitada. Averiguação, por meio da realização de en-trevistas, da observância do direito a um tratamento digno

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10 DE MAIO DE 2017____________________________________________________________________________

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Página 352

4. Índice analítico das recomendações do Mecanismo Nacional de Prevenção

Recomendação n.ºVisita n.ºN.º Pág.

Assunto Entidade Visada

1/2016/MNP46-2015Pág. 98

Estabelecimento prisional. Condições de aloja-mento. Caves do Estabelecimento Prisional de Lisboa

Diretor-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais

2/2016/MNP5-2015; 6-2015; 13-2015; 20-2015; 24-2015; 25-2015Pág. 101

Centros educativos. Jovens do género femini-no. Assistência médica. Período de supervisão intensiva. Acompanhamento pósinternamen-to. Carreira especial de técnico de reinserção social

Ministra da Justiça

3/2016/MNP5-2015; 6-2015; 13-2015; 20-2015; 24-2015; 25-2015Pág. 106

Centros educativos. Condições de segurança. Acessibilidades. Formação escolar dos jovens educandos. Adaptação das instalações. Alimen-tação. Quartos de isolamento cautelar

Diretor-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais

4/2016/MNP5-2015; 6-2015; 13-2015; 20-2015; 24-2015; 25-2015Pág. 113

Centros educativos. Assistência médica. Acom-panhamento psicoterapêutico

Ministro da Saúde

5/2016/MNP5-2015; 6-2015; 13-2015; 20-2015; 24-2015; 25-2015Pág. 116

Centros educativos. Visitas dos magistrados judiciais

Presidente do Conselho Superior da Magistratura

6/2016/MNP5-2015; 6-2015; 13-2015; 20-2015; 24-2015; 25-2015Pág. 118

Centros educativos. Visitas dos magistrados do Ministério Público

Procuradora-Geral da República

7/2016/MNP36-2016Pág. 120

Forças policiais. Polícia Judiciária. Recursos humanos. Condições de segurança. Condições das instalações

Secretária de Estado da Justiça

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II SÉRIE-E — NÚMERO 16____________________________________________________________________________

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Página 353
Página 354

Siglas e abreviaturas

> Triptico do Mecanismo Nacional de Prevença: visão interior

Página 355

Siglas e abreviaturas

CIT – Centro de Instalação Temporária GNR – Guarda Nacional RepublicanaINEM – Instituto Nacional de Emergência Médica, I.P. LGTFP – Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas LTE – Lei Tutelar EducativaMNP – Mecanismo Nacional de Prevençãon.o(s) – número(s)p./pp. – página/ páginasPSP – Polícia de Segurança PúblicaREAMNP – Regulamento da Estrutura de Apoio ao Mecanismo Nacional de PrevençãoRGDCE – Regulamento Geral e Disciplinar dos Centros EducativosSEF – Serviço de Estrangeiros e FronteirasUHSA – Unidade Habitacional de Santo António v.g. – verbi gratia

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10 DE MAIO DE 2017____________________________________________________________________________

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Página 356

RELATÓRIO À ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA 2016

ANEXO: TOMADAS DE POSIÇÃO

Lisboa, 2017

PROVEDOR DE JUSTIÇAINSTITUIÇÃO NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS

Página 357
Página 358

O Provedor de Justiça dá a conhecer, à semelhança dos anos anteriores, alguns dos assuntos e algumas das suas tomadas de posição mais relevantes, no exercício da sua atividade de apreciação de queixas no ano de 2016.

A composição e o formato editorial do presente anexo continuam a ter por desiderato a facilidade de leitura e a síntese na exposição das matérias abordadas.

Por conseguinte, incluem-se todas as recomendações formuladas pelo Provedor de Justiça no ano de 2016, bem como algumas tomadas de posição ilustrativas do trabalho desenvolvido por este órgão do Estado e que espelham a diversidade temática da sua intervenção.

Página 359

Título: Relatório à Assembleia da República – 2016 Anexo: Tomadas de PosiçãoEdição – Provedor de Justiça – Divisão de DocumentaçãoDesign – LagesdesignFotografia – Manuel Gomes TeixeiraImpressão – ArtipolTiragem – 100 exemplaresDepósito legal – 390962/15ISSN – 0872-9263

Como contactar o Provedor de Justiça Rua do Pau de Bandeira, 7-9 1249-088 LisboaTelefone: 213 92 66 00 | Faxe: 21 396 12 43provedor@provedor-jus.pthttp://www.provedor-jus.pt

Página 360

ÍndiceTomadas de Posição do Provedor de Justiça na Defesa e Promoção dos Direitos Fundamentais 7

1. Direitos ambientais, urbanísticos e culturais 8

1.1. Tomadas de posição favoráveis aos queixosos 8

a) Recomendações 8b) Sugestões 46c) Chamadas de atenção 49

1.2. Tomadas de posição de não provimento de queixa 53

2. Direitos dos agentes económicos, dos contribuintes e dos consumidores 57

2.1. Tomadas de posição favoráveis aos queixosos 57

a) Sugestões 57b) Chamadas de atenção 68

2.2. Tomadas de posição de não provimento de queixa 75

3. Direitos sociais 84

3.1. Tomadas de posição favoráveis aos queixosos 84

a) Sugestões 84b) Chamadas de atenção 92

3.2. Tomadas de posição de não provimento de queixa 98

4. Direitos dos trabalhadores 104

4.1. Tomadas de posição favoráveis aos queixosos 104

a) Recomendações 104b) Sugestões 144c) Chamadas de atenção 148

4.2. Tomadas de posição de não provimento de queixa 152

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Página 361

5. Direitos à justiça e à segurança 159

5.1. Tomadas de posição favoráveis aos queixosos 159

a) Recomendações 159b) Sugestões 171c) Chamadas de atenção 175

5.2. Tomadas de posição de não provimento de queixa 182

6. Direitos, liberdades e garantias; saúde, educação e valorações de constitucionalidade 187

6.1. Tomadas de posição favoráveis aos queixosos 187

a) Recomendações 187b) Pedidos de Fiscalização da Constitucionalidade 191c) Sugestões 224d) Chamadas de atenção 230

6.2. Tomadas de posição de não provimento de queixa 236

7. Regiões Autónomas 242

7.1. Extensão da Região Autónoma dos Açores 242

7.1.1. Tomadas de posição favoráveis aos queixosos 242a) Chamadas de atenção 242

7.1.2. Tomadas de posição de não provimento de queixa 249

7.2. Extensão da Região Autónoma da Madeira 253

7.2.1. Tomadas de posição favoráveis aos queixosos 253

a) Sugestões 253b) Chamadas de atenção 256

7.2.2. Tomadas de posição de não provimento de queixa 260

8. Índice analítico 265

9. Principais siglas e abreviaturas 276

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Página 362

Tomadas de Posição do Provedor de Justiça na Defesa e Promoção dos

Direitos Fundamentais

> Pormenor da fachada do edifício do órgão do Estado Provedor de Justiça

Página 363

1. Direitos ambientais, urbanísticos e culturais

1.1. Tomadas de posição favoráveis aos queixosos

a) Recomendações

Recomendação n.º 1/A/2016Proc. Q-1477/15 Entidade visada: Presidente da Junta de Freguesia de CampolideData: 2016/04/08Assunto: Procedimento de partilha de decisão. Referendo. Alteração de pavimentoSequência: Acatada

Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a), do n.º 1, do artigo 20.º da Lei n.º 9/91, de 9 de abril, na redação da Lei n.º 17/2013, de 18 de fevereiro, e em face da moti-vação seguidamente apresentada, recomendo à Junta de Freguesia presidida V. Exa. que:

Se abstenha de atribuir qualquer valor jurídico ao resultado do denominado «Processo de Partilha de Decisão», que decorreu em 4 e 5 de março de 2015, com vista à alteração da pavimentação de algumas vias de trânsito pedonal na freguesia de Campolide, por ser nulo o ato, nos termos e com os efeitos previstos no n.º 1 dos artigos 133.º e 134.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), por preterição de formalidades essenciais previstas no Regime Jurídico do Referendo Local, nomeadamente por ter sido preterida a fisca-lização prévia do Tribunal Constitucional e da Assembleia Municipal, e por não terem sido respeitadas garantias essenciais de isenção e imparcialidade (designadamente quanto à constituição e funcionamento das mesas de voto).

Bem assim, se abstenha a Junta de Freguesia de Campolide de iniciativas com carac-terísticas semelhantes, simulando um referendo popular local, mas sem observância das prescrições legalmente aplicáveis.

Queira V. Exa. atender às motivações que se apresentam, no termo da apreciação das questões controvertidas, a qual compreendeu, como não poderia deixar de ser, as explica-ções prestadas por V. Exa., em observância do princípio do contraditório (artigo 34.º da Lei n.º 9/91, de 9 de abril, na redação da Lei n.º 17/2013, de 18 de fevereiro).

§ 1.º Da queixa

Foi-me apresentada uma queixa em que se contestava o procedimento de consulta à população recenseada na freguesia de Campolide, promovido pela Junta de Freguesia de Campolide, a respeito de uma alteração dos passeios de algumas vias de trânsito, indu-zindo-se os eleitores a manifestarem o seu apoio à substituição da denominada calçada portuguesa por outro tipo de passeio.

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Página 364

Entendia-se que o procedimento não havia observado os requisitos legais previstos na Lei Orgânica n.º 4/2000, de 24 de agosto, na redação dada pela Lei Orgânica n.º 3/2010, de 15 de dezembro.

Por um lado, as perguntas revelavam-se parcialmente enunciadas. Por outro lado, não tinham sido submetidas à fiscalização preventiva do Tribunal Constitucional. Por fim, a iniciativa referendo não tinha sequer sido deliberada pela Assembleia de Freguesia.

§ 2.º Do contraditório

Em abono da legalidade do ato, V. Exa. valeu-se do princípio da autonomia local, do princípio da descentralização democrática da administração pública e da posição privile-giada das juntas de freguesia como interlocutoras dos eleitores de Campolide.

Considerou que «neste âmbito foi adotado um procedimento informal de consulta à população procurando-se com o referido, o levantamento das necessidades da população da Freguesia, tendo em vista encontrar as soluções mais adequadas para os seus anseios».

Adiantou ter-se tratado de uma mera consulta sem carácter vinculativo, ao abrigo do princípio da autonomia local, consignado no n.º 1 do artigo 235.º, n.º 1 e 2 do artigo 242.º e n.º 1 e 2 do artigo 243.º da CRP.

Invocou ainda a Carta Europeia de Autonomia Local ao estipular, nomeadamente, o direito de os cidadãos participarem na gestão dos assuntos públicos, devendo as autar-quias locais beneficiar de uma ampla autonomia quanto às competências, às modalidades do seu exercício e aos meios necessários ao cumprimento da sua missão.

Reforçou esta linha de argumentação, afirmando que só há poder local quando as autarquias são verdadeiramente autónomas e têm amplo grau de autonomia administra-tiva e financeira.

Por fim, referiu-se a uma crise na democracia que se refletiria numa crise de participação.Entendeu desviar-se do procedimento próprio do referendo local por se tratar de «um

procedimento excessivamente onerado em termos burocráticos que a estrutura da Junta de Freguesia de Campolide não poderia suportar, devido aos parcos recursos financeiros e humanos de que dispõe».

As numerosas quedas e acidentes de pessoas por deficiente estado do pavimento justifi-cariam porém um investimento de vulto, pois a calçada portuguesa não satisfaz os requisi-tos de mobilidade e acessibilidade próprios do Decreto-Lei n.º 163/2006, de 8 de agosto.

§ 3.º Análise da situação reclamadaI — Enquadramento legal

A CRP consagra no artigo 48.º o direito de todos os cidadãos a tomar parte na vida política e na direção dos assuntos públicos do País, bem como o direito de ser esclarecidos objetivamente sobre atos do Estado e demais entidades públicas.

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O referendo local encontra-se previsto no artigo 240.º da CRP e regulado na Lei Orgâ-nica n.º 4/2000, de 24 de agosto, na redação dada pela Lei Orgânica n.º 3/2010, de 15 de dezembro.

A CRP e a lei pretendem, ao regularem os procedimentos participativos dos cida-dãos, com as suas convicções e sugestões, evitar condicionamentos da opinião pública, por forma a imputar-lhe a responsabilidade pela adoção de decisões controvertidas que o decisor político não quer assumir.

A iniciativa do referendo local por parte das freguesias não é uma novidade, nem uma impossibilidade. A freguesia de Milheirós de Poiares, por exemplo, submeteu a referendo a integração da freguesia no município de S. João da Madeira e a freguesia de Serralheis submeteu a referendo a construção de um campo de jogos.

II — Dos termos em que decorreu o procedimento

No Boletim da Junta de Freguesia de Campolide, de fevereiro de 2015, anunciou-se esta iniciativa como «consulta popular». Na capa do mesmo boletim pode ler-se que «a JFC organizou um debate e uma consulta popular». No editorial, assinado por V. Exa., é afirmado que «decidimos, então, lançar uma nova Consulta Popular». No mesmo Bole-tim também se denomina a iniciativa como «referendo», designadamente no cabeçalho da reportagem denominada «Tradição ou Segurança». E no conteúdo desta reportagem (página 4) utilizam-se as duas denominações na mesma frase «consulta popular invulgar, pois não é comum este tipo de referendo à população». Por seu turno, o regulamento aprovado para o efeito denomina a iniciativa como «Processo de Partilha de Decisão».

Esta volatilidade de denominação da iniciativa constitui uma fonte de equívocos. Quanto aos termos formais em que se desenvolveu a iniciativa, importa ter presente que os poderes públicos não dispõem de liberdade para configurar consultas à população como se não estivessem subordinados ao princípio da legalidade. E contra este princípio de nada vale invocar a autonomia local ou a descentralização democrática.

Com efeito, estes princípios da organização administrativa encontram o seu funda-mento e limite no princípio da legalidade.

Por conseguinte, ou a iniciativa preenchia os pressupostos de uma participação popu-lar regulada na Lei n.º 83/95, de 31 de agosto, ou os de um referendo local nos termos da Lei Orgânica n.º 4/2000, de 24 de agosto.

Analisada a iniciativa quanto ao seu enquadramento na Lei n.º 83/95, de 31 de agosto, verifica-se que não houve nenhum estudo ou projeto previamente elaborados sujeito a consulta pública, nem a participação dos interessados decorreu em conformidade com este regime jurídico.

No procedimento de participação popular não há sufrágio, ao contrário do que tem lugar nos referendos. O que se pretende é recolher observações ou sugestões dos interessa-dos. Por esta razão, não se apresenta nenhuma pergunta, ao contrário do que sucedeu com

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a iniciativa promovida pela Junta de Freguesia de Campolide.Por outro lado, no procedi-mento de participação popular, os sujeitos habilitados a participar no procedimento não se confinam aos eleitores recenseados na freguesia, como no referendo local. A participa-ção é aberta a todos os cidadãos interessados e às coletividades que se propõem defender os chamados interesses difusos que possam vir a ser afetados por aquelas decisões.

O procedimento adotado pela Junta de Freguesia destinou-se aos eleitores recenseados na freguesia e não a todos os possíveis interessados.

Além de o procedimento não se enquadrar no procedimento de participação popular regulado pela Lei n.º 83/95, de 31 de agosto, nem no objetivo prosseguido, nem no colé-gio convocado, foram atropeladas formalidades essenciais.

Com efeito, quer a publicidade do procedimento, nos termos previstos no artigo 5.º deste diploma (publicitação em jornais diários e regionais) quer a disponibilização dos estudos e outros elementos instrutórios das obras sob consulta, conforme resulta do artigo 6.º, não foram asseguradas. Nem parece ter sido observado o prazo de cinco dias para os interessados comunicarem a pretensão de serem ouvidos oralmente ou apresentarem as suas observações por escrito.Assim, a iniciativa adotada pela Junta de Freguesia não obser-vou, absolutamente, o procedimento de consulta popular previsto na Lei n.º 83/95, de 31 de agosto.

E como veremos em seguida, também não observou o Regime Jurídico do Referendo Local, aprovado pela Lei Orgânica n.º 4/2000, de 24 de agosto, não obstante dele se ter aproximado deliberadamente na aparência.

Embora submetida aos eleitores uma pergunta, cujas respostas seriam o desiderato deste instrumento usado, a verdade é que, nos termos do artigo 24.º da Lei Orgânica n.º 4/2000, de 24 de agosto, a deliberação sobre a realização do referendo competiria, não à Junta de Freguesia de Campolide, mas à Assembleia de Freguesia.

Além do mais, nos termos do artigo 25.º, o presidente do órgão deliberativo deveria ter submetido a deliberação ao Tribunal Constitucional para fiscalização preventiva da constitucionalidade e da legalidade. Nenhum destes requisitos foi observado. Note-se que o Regulamento do Processo de Partilha da Decisão, aprovado pela Junta de Freguesia de Campolide, reproduz algumas normas da Lei Orgânica n.º 4/2000, de 24 de agosto. Veja--se que o artigo 3.º daquele regulamento transcreve quase na íntegra o artigo 7.º deste diploma, determinando que o processo não poderá «comportar mais de três perguntas (...) as perguntas são formuladas com objetividade, clareza e precisão (...) as perguntas não podem ser precedidas de quaisquer considerandos, preâmbulos ou notas explicativas». De notar que já foi omitida a transcrição do artigo 7.º da Lei n.º 4/2000, de 24 de agosto, quando este determina que as respostas devem ser «de sim ou não». Quanto à eficácia do procedimento determinou-se no regulamento que os resultados do processo de partilha da decisão não seriam vinculativos, cabendo aos órgãos autárqui-cos avaliar os resultados do processo de partilha de decisão e optar pela melhor solução

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para os cidadãos da freguesia (cf. artigo 8.º), contrariamente ao prescrito no Regime Jurídico do Referendo Local onde se determina que o resultado do referendo vincula os órgãos autárquicos (cf. artigo 219.º) ao ponto de a inobservância do mesmo pelas assembleias autárquicas implicar a sua dissolução, nos termos da lei (cf. artigo 220.º). Mais se determina no artigo 221.º que, se da votação resultar resposta que implique a produção de um ato pela autarquia sobre a questão ou questões submetidas a referendo, o órgão competente aprovará o ato de sentido correspondente no prazo de 60 dias. Tam-bém esta regra não foi adotada pelo Regulamento do Processo de Partilha de Decisão. Ora, não é possível em democracia aplicar umas e desaplicar outras normas nos procedi-mentos de intervenção política dos eleitores.

Ao reconhecer direito de sufrágio aos cidadãos recenseados na freguesia de Campo-lide, tendo por base os cadernos eleitorais disponíveis no Sistema de Informação e Gestão do Recenseamento Eleitoral (cf. artigo 4.º do Regulamento), cria-se a convicção legítima de estar em curso um verdadeiro referendo. De resto, nos artigos 4.º e 5.º do Regulamento transcreve-se o teor dos artigos 35.º e 36.º da citada Lei Orgânica quanto ao princípio geral do direito à participação e às incapacidades que impedem o gozo do direito à parti-cipação. Foram ainda constituídas mesas de voto (cf. artigo 7.º do Regulamento) mas sem critérios quanto à nomeação dos membros, constituição das mesas, isenção ou fiscalização do seu funcionamento. Insisto. Aplicaram-se e desaplicaram-se as disposições próprias do referendo sem que se alcancem os critérios nem o motivo.

Não é suposto utilizar-se uma aproximação ao instituto democrático do referendo e, do mesmo passo, desvirtuá-lo por utilização de um outro nomen iuris, furtando-se ao cum-primento dos requisitos formais e materiais legalmente exigidos, designadamente a sua vinculatividade, os meios de fiscalização (nomeadamente, pelo Tribunal Constitucional e pela Assembleia de Freguesia) as garantias de isenção (nomeadamente quando olhamos para a constituição dos membros da mesa de assembleia de voto quanto aos termos, pro-cesso e requisitos de designação dos membros da mesa, assim como da observância das incompatibilidades legalmente previstas) introduzindo variantes à margem da lei.

A não submissão da iniciativa promovida pela Junta de Freguesia ao Regime Jurídico do Referendo Local permite ainda a não sujeição da mesma às disposições aplicáveis ao ilícito referendário (artigos 167.º e seguintes), nomeadamente o ilícito penal e o ilícito de mera ordenação social.

III — Da pergunta sufragada

A pergunta sujeita a votação foi a seguinte:

«Na sequência do protocolo de delegação de competências em que a Câmara Muni-cipal de Lisboa delega na Junta de Freguesia de Campolide a competência de recuperação

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da pavimentação de algumas vias de trânsito pedonal da Freguesia de Campolide, qual a sua preferência de tipo de pavimento a colocar.Hipóteses:Calçada, tradicional, à semelhança do que já existe. Outro tipo de pavimento contínuo, mais moderno e seguro.»

Na instrução do processo solicitou-se à Junta de Freguesia de Campolide o envio do designado «protocolo de delegação de competências», de modo a verificar se a alteração da calçada estava sequer nas atribuições da freguesia.

Após alguma insistência, foi-nos remetido o designado «Contrato de Delegação de Competências na Junta de Freguesia no Âmbito da Acessibilidade Pedonal», outorgado entre o município de Lisboa e a Junta de Freguesia de Campolide.

O principal problema observado não está na designação «protocolo» ou «contrato», mas na data em que este foi celebrado.

Como já foi mencionado, a designada consulta à população ocorreu em 4 e 5 de março de 2015. A delegação apenas em 23 de dezembro de 2015. A consulta antecipou-se a uma delegação de tarefas na freguesia pelo município que podia muito bem nunca chegar a ser deliberada.

Mais grave é o facto de a população ter sido erroneamente informada, pois na pergunta sujeita a consulta indiciava-se que o designado «protocolo de delegação de competên-cias» já tinha sido outorgado, afirmando-se «Na sequência do protocolo de delegação de competências em que a Câmara Municipal de Lisboa delega na Junta de Freguesia de Campolide a competência de recuperação da pavimentação de algumas vias de trânsito pedonal».

Também no «Regulamento do Processo de Partilha de Decisão da Junta de Freguesia de Campolide» se alude ao «processo de partilha de decisão (...) a realizar no âmbito das competências que lhe foram delegadas por Protocolo celebrado entre a Câmara Munici-pal e a Junta de Freguesia de Campolide». E no artigo 3.º deste regulamento determina-se que «a pergunta (...) deverá remeter para o Protocolo de delegação de competências cele-brado entre a Câmara Municipal de Lisboa e a Junta de Freguesia de Campolide para que esta intervencione as ruas de Campolide». Da parte da Junta de Freguesia foi prestada uma falsa informação à população.

E não se encontrando delegadas as competências, ao realizar a consulta, a Junta de Freguesia arrogou-se a uma atribuição (e às competências orgânicas decorrentes) que per-manecia inteiramente na pessoa coletiva municipal, violando o disposto no artigo 3.º, n.º 1 do Regime Jurídico do Referendo Local.

Ao tempo, uma deliberação sobre esta matéria mostrava-se nula por incompetência absoluta. Aquela que se deve, não à simples infração de normas de competência entre órgãos de uma mesma pessoa coletiva pública, mas a incompetência primária – por falta de atribuições. Nos termos da alínea c), do artigo 12.° da Lei n.º 56/2012, de 8 de novembro,

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que aprovou a reorganização administrativa de Lisboa, as juntas de freguesia apenas têm competência para «manter e conservar pavimentos pedonais». Não obstante o facto de essa lei se mostrar frágil no que toca à precisão terminológica, estamos claramente no campo das atribuições.

E sem a atribuição à freguesia, o seu órgão executivo não dispõe de poderes para alterar o tipo de pavimento porque o contexto cultural e histórico da calçada em pedra não se circunscreve a Campolide, identificando-se com toda a cidade de Lisboa.

Compreende-se, pois, que as atribuições neste domínio se encontrem confiadas aos municípios. Trata-se de garantir a uniformidade dos passeios como elemento de identi-dade e de continuidade nos arruamentos confinantes com outras freguesias.

Por seu turno, na alínea f ), do n.º 1, do artigo 16.° da Lei n.° 75/2013, de 12 de setem-bro, determina-se, em consonância, que compete às juntas de freguesia proceder à manu-tenção e conservação de caminhos, armamentos e pavimentos pedonais. Quer isto dizer que já não lhes cumpre proceder à sua alteração.

Quanto ao restante teor da pergunta efetuada na designada consulta popular consi-dero que a mesma não reúne os requisitos de objetividade, clareza e precisão legalmente exigidos. Primeiro, a pergunta não obedece aos critérios enunciados no n.º 2 do artigo 7.º do Regime Jurídico do Referendo Local, na parte em que dispõe que as perguntas são formuladas «(…) para respostas de sim ou não (…)».Com efeito, o teor da segunda hipótese - «Outro tipo de pavimento contínuo, mais moderno e seguro» - não está for-mulado para respostas de sim ou não, comportando várias hipóteses alternativas distintas da calçada, tradicional.

A resposta de sim à segunda hipótese da pergunta não permite apurar com qual (ou quais) das várias hipóteses subjacentes à pergunta o eleitor concorda em relação a cada uma das hipóteses distintas. Com efeito, a segunda pergunta pode ser subdividida em outras três, ou seja:

i) Prefere outro tipo de pavimento contínuo? ii) Prefere outro tipo de pavimento mais moderno? iii) Prefere outro tipo de pavimento mais seguro?A hipótese, formulada num todo, com estes três requisitos, parece induzir sempre à

exclusão da calçada portuguesa. Com efeito, o eleitor pode, por exemplo, não preten-der um piso contínuo embora perfilhe a opção de pisos mais seguros e modernos. E não podendo excluir da segunda hipótese a opção de pavimento contínuo optará pela resposta positiva à hipótese da calçada portuguesa.

De resto, haverá pisos modernos mas que não são mais seguros ou vice-versa.A pergunta assim formulada não permitia que o aparente referendo viesse a saldar-se

em uma resposta concludente ou inequívoca quanto à real vontade do eleitorado chamado a pronunciar-se. De acordo com a jurisprudência do Tribunal Constitucional, considera--se «estarmos perante três questões que não têm entre si qualquer relação de dependência,

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podendo subsistir cada uma delas e fazer sentido sem a(s) outra(s), sem que, portanto, a concordância ou não concordância do cidadão eleitor quanto a uma das questões se reper-cuta na concordância ou não concordância quanto às demais».

A interpretação da pergunta no sentido de nela se conterem três questões autónomas compromete a exigência constitucional e legal de que seja formulada para uma resposta de sim ou de não.

Seguindo a mesma jurisprudência, podemos afirmar que:

«o princípio da bipolaridade ou dilematicidade impõe que a pergunta, devendo ser respondida por uma afirmativa ou uma negativa, não abra espaço para soluções matizadas (...) por adesão parcial ou condicionada a uma das duas soluções opostas pro-postas (...) cada uma das questões, por si só, pode conduzir quer a uma resposta de sim quer a uma resposta de não, colocando o cidadão eleitor perante a dificuldade de saber como votar quando a resposta não for a mesma para todas as questões que lhe são postas (....) No fundo, o que se pretende assegurar com uma formulação bipolar ou dilemática é que o sentido do voto coincida, em toda a sua extensão, com o conteúdo desse mesmo voto».

E a pergunta tão-pouco satisfaz o requisito da precisão, pois não permite a compreen-são de qual a alteração a introduzir nos passeios de Campolide.

Se a primeira alternativa se limita a um elemento notório «Calçada, tradicional, à semelhança do que já existe», a segunda deixa uma amplíssima margem de incerteza no tipo de piso a adotar.

Com efeito, a pergunta é formulada sem indicação concreta do tipo de pavimento a adotar, apenas se referindo que é «contínuo, mais moderno e seguro». O princípio da transparência exigiria sempre uma informação clara e precisa ao público, que só poderá opinar (e tomar responsabilidade sobre as suas opções) perante a análise de todos os factos.

E, note-se, poderia ter sido adotada terminologia técnica mais objetiva, como por exemplo, a que veio ser adotada pela Câmara Municipal de Lisboa (CML) para seleção do material de revestimento do percurso pedonal, no documento denominado «Modelo de Revestimento de Passeios»:

a) Resistência inicial ao escorregamento;b) Resistência ao polimento;c) Regularidade;d) Refletância;e) Irradiação de calor;f ) Facilidade de construção;g) Adequação a superfícies empenadas;h) Facilidade em remates, recortes e reparações;i) Facilidade de limpeza.

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Ainda de acordo com o n.° 2 do artigo 7.° da Lei Orgânica n.º 4/2000, de 24 de agosto, as perguntas devem ser formuladas «sem sugerirem direta ou indiretamente o sentido das respostas». Ora, a segunda hipótese da pergunta efetuada pela Junta de Freguesia quali-fica o tipo de piso, com adjetivos qualitativos no grau comparativo, sugerindo o sentido da resposta a quem privilegia estas qualidades ou, pelo contrário, as subestima: «pavimento contínuo, mais moderno e seguro.» Esta redação influencia certamente o sentido da res-posta contra todos os cuidados que o regime do referendo impõe, de modo a impedir intervenções plebiscitárias e incompatíveis com o princípio democrático.

O Tribunal Constitucional considera que o princípio da objetividade implica a proi-bição de juízos de valor implícitos aos quesitos ou sugestões sobre o sentido das respostas.

Não pode a pergunta conter «quaisquer referências valorativas, de juízos de valor, induções, conclusões ou considerações subjetivas, que pressionem ou induzam o eleitor a votar num determinado sentido.»

E, por fim, também por estas razões, a pergunta escolhida pela Junta de Freguesia de Campolide também não respeita o requisito da objetividade na medida em que contém juízos de valor e considerações subjetivas.

§ 4.º Conclusões

a) A iniciativa de consulta da população por parte da Junta de Freguesia de Campolide, cumprida em 4 e 5 de março de 2015, constituiu mera simulação de um referendo popular sem observar prescrições legais essenciais como sejam as relativas à isenção, objetividade e fiscalização do procedimento, nem as relativas ao direito sancionatório aplicável, razão pela qual é nulo;

b) A Junta de Freguesia de Campolide deve abster-se de extrair qualquer consequência do resultado da iniciativa e abster-se ainda de adotar iniciativas com tramitação idêntica.

c) A população deve ser informada acerca do equívoco por meio do boletim que anun-ciou a iniciativa descrita.

Dignar-se-á V. Exa., em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 38.º, da Lei n.º 9/91, de 9 de abril, transmitir-me, dentro de 60 dias, a posição que vier a assumir.

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Recomendação n.º 3/B/2016Proc. Q-6312/15Entidade visada: Ministro do AmbienteData: 2016/08/17Assunto: Bairros de Santa Filomena e 6 de Maio, demolições executadas pela Câmara Municipal da Amadora. Programa Especial de Realojamento nas Áreas Metropolita-nas de Lisboa e do Porto (PER)Sequência: Acatada

Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 20.º da Lei n.º 9/91, de 9 de abril, na redação da Lei n.º 17/2013, de 18 de fevereiro, e em face das moti-vações seguidamente apresentadas, recomendo a Vossa Excelência que:

— Em prazo não superior a cento e oitenta dias, seja adotada iniciativa legislativa ten-dente a rever o Decreto-Lei n.º 163/93, de 7 de maio, que aprovou o Programa Especial de Realojamento nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto (PER), o qual, por se tra-tar de um instrumento manifestamente desatualizado, decorridos que estão mais de vinte anos desde a sua aprovação, não tem permitido que os Municípios aderentes alcancem os objetivos pretendidos nem, tão-pouco, tem permitido dar a resposta devida aos cidadãos interessados.

§1.º Considerações preliminares

Na sequência de averiguação oficiosa de factos transmitidos pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, secundada por queixa coletiva apresentada pelo Coletivo Habita – Coletivo pelo Direito à Habitação e à Cidade, este órgão do Estado tem acompanhado ativamente, desde julho de 2012, as operações de despejo e de demoli-ção de algumas habitações precárias nos Bairros de Santa Filomena e 6 de Maio, executa-das pela Câmara Municipal da Amadora. No essencial, eram reclamadas práticas arbitrá-rias nas desocupações coercivas e desconsideração de preocupações sociais e humanitárias.

A requalificação dos bairros — nos quais foram sendo erigidas barracas e outras cons-truções muito precárias, em especial a partir dos anos de 1975 e de 1976 — estava con-templada no PER(1), tendo sido, para o efeito, recenseadas as famílias que ali moravam.

A atualização do recenseamento dos agregados familiares, que foi sucessivamente sendo realizada de 1993 até 2013, considerou os agregados originários — sendo que, mesmo relativamente a estes, nem sempre se teve em atenção as situações de ausência pro-longada por motivo de saúde ou de trabalho —, excluindo todos os novos moradores que ulteriormente se fixaram nos referidos bairros.

(1) Decreto-Lei n.º 163/93, de 7 de maio, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 271/2003, de 28 de outubro.

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Para uma cabal compreensão do problema, foram consultados centenas de processos (com o intuito de verificar, designadamente, as reclamadas omissões de notificação de demolição) e realizadas visitas ao local. Desde logo, concluiu-se estarem as intervenções legitimadas pelo Acordo Geral de Adesão ao PER, celebrado em 11 de julho de 1995, pelo Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado (IGAPHE), o Instituto Nacional de Habitação (INH) e o Município da Amadora, através do qual foram colocados à disposição da Autarquia os recursos financeiros indispensáveis à con-cretização dos objetivos propostos em matéria de realojamento das famílias constantes do levantamento socioeconómico efetuado.

Também se concluiu pela existência de um acompanhamento de proximidade de todos os agregados residentes nos Bairros pela Divisão de Intervenção Social da Câmara Munici-pal da Amadora, a qual assegura atendimentos regulares em uma perspetiva de orientação na procura de alternativa habitacional e de informação quanto aos apoios de que poderão beneficiar (designadamente o Rendimento Social de Inserção, o Banco Alimentar ou a Renda Apoiada).

Simultaneamente, dúvidas não restam quanto à circunstância de ainda integrarem aqueles bairros inúmeras habitações extremamente precárias e insalubres. À precariedade material acresce uma fragilidade social tão acentuada que, por diversas ocasiões, foi con-vocando sucessivas intervenções do Provedor de Justiça.

A conjuntura que observei é socialmente muito sensível, a que acresce uma relevante complexidade jurídica. Tenha-se presente, por exemplo, que os solos dos Bairros de Santa Filomena e 6 de Maio não integram, pelo menos na sua totalidade, o património do muni-cípio, não se vislumbrando, também, que os respetivos proprietários tenham assegurado aos mesmos uma função útil, nem tão-pouco que os tenham adquirido sem conhecimento das construções clandestinas que, desde há várias décadas, ali foram sendo implantadas. Isto, não obstante o Decreto-Lei n.º 804/76, de 6 de novembro, dispor que: «logo que se torne desaconselhável o prolongamento da manutenção da área de construção clan-destina, pôr-se-á fim à ocupação da mesma», não apenas pela demolição, como também «expropriando-se, se for necessário, os respetivos terrenos»(2).

Por este motivo, sugeri à Câmara Municipal da Amadora que ponderasse a expropria-ção dos solos por utilidade pública, até porque era razoável antecipar que os proprietários viessem a ter um vultuoso benefício com a desocupação dos terrenos, sem terem participa-ção ativa no custo social, designadamente com o realojamento dos moradores.

Note-se que em outros concelhos, como é o caso do de Lisboa, situações semelhantes, fortemente marcadas por desigualdades sociais, económicas, urbanísticas e ambientais,

(2) N.º 2 do artigo 12.º.

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foram objeto de uma abordagem baseada em processos participativos em que se procura conciliar a visão tradicional dos decisores com as ideias dos cidadãos(3).

Acompanhei, também, a situação do Bairro da Cova da Moura, face a queixas relativas à atuação das forças de segurança. Sem prejuízo de, em cada momento, dever ser garantida a legalidade democrática — e por isso todos os direitos e deveres pela mesma conferi-dos — reforcei a minha convicção da necessidade de intervenção integradora não apenas urbanística, mas também social, que permita a religação à cidade, à cidadania plena, de todos os cidadãos, mormente dos que se encontram em situação fáctica de exclusão.

Há, de resto, um regime próprio que se aplica às expropriações por utilidade pública em zonas consideradas degradadas e que se encontra contemplado no Decreto-Lei n.º 273-C/75, de 3 de junho, o qual estipula que os terrenos ocupados por barracas ou «bair-ros de lata» serão avaliados «atendendo exclusivamente ao seu destino como prédios rústicos»(4), permitindo obter um conjunto significativo de solos para construir novas habitações a custos controlados.

A sugestão que formulei foi, todavia, rejeitada pelo município.Não obstante, prossegui o acompanhamento das situações que suscitavam preocupa-

ções de ordem humanitária, designadamente por contingências relativas à idade, a doença grave ou invalidez e a carência económica extrema. Assinalou-se à Câmara Municipal da Amadora a necessidade de garantir a razoabilidade e a proporcionalidade próprias do exer-cício dos poderes públicos, de modo a que as demolições pudessem conter-se ao mínimo indispensável.

Na presente conjuntura económica e social, há imperativos de justiça que importa atender. Em dado momento apelei, mesmo, à suspensão das demolições e dos despejos, até que o município, o Estado e eventualmente outras instituições estivessem em condições de realojar todos os agregados familiares que não dispusessem de alternativa habitacional.

Chegados aqui, devo concluir que a solução passa, indubitavelmente, por uma interven-ção legislativa urgente, o que me leva a dirigir a Vossa Excelência a presente Recomendação.

§ 2.º Breve enquadramento jurídico-constitucional

A CRP incumbiu o Estado de desempenhar as tarefas necessárias para assegurar a cada cidadão a dignidade social através da adoção de políticas públicas socialmente ativas que se concretizam pela criação de pressupostos materiais para a realização da democracia social e económica.

(3) O programa BIP-ZIP – Bairros de Intervenção Prioritária / Zonas de Intervenção Prioritária criado pela Câmara Municipal de Lisboa tem permitido levar a cabo projetos de melhoria dos bairros com a participação de associações, instituições particulares de solidariedade social, paróquias, juntas de freguesia, escolas e grupos de cidadãos.(4) Cf. N.º 4 do artigo 1.º conjugado com o n.º 3 do mesmo artigo.

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Acresce que «todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimen-são adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar» (artigo 65.º da CRP), direito este que integra o amplo catálogo de direitos sociais consagrados no texto fundamental e corporiza o princípio da democracia económica e social enquanto «mandato para a política activa sob o ponto de vista social, económico e cultural»(5), sendo o Estado responsável pela garantia das prestações neces-sárias a uma «existência humanamente digna».

Por sua vez, o artigo 12.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem(6) e o artigo 8.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem(7) contemplam o direito de qualquer pessoa ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicílio e da sua correspondên-cia.Aliás, o direito à habitação tem sido objeto de amplo debate na jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, sendo-lhe reconhecido, para além de uma dimensão positiva, cuja satisfação impõe ao Estado determinadas obrigações concretas, um conjunto de prerrogativas negativas relacionadas com o seu acesso(8), a sua ocupação(9), a sua não destruição(10) e a não expulsão dos seus ocupantes(11). Também o Pacto Interna-cional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas contem um fundamento significativo do direito a uma habitação condigna no conjunto dos princí-pios jurídicos que constituem o direito internacional dos direitos humanos (n.º 1 do seu artigo 11.º).

§ 3.º Preocupações do Provedor de Justiça

Estou ciente de que o PER é um instrumento particularmente penoso e que acarreta graves dificuldades de execução para o concelho da Amadora — densamente povoado e com uma notória escassez de terrenos disponíveis para serem afetos à construção de

(5) Veja-se a este propósito, J.J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, Coim-bra 1997, pp. 374 e ss.(6) Esta ideia é reforçada pela redação do artigo 25.º da Declaração Universal do Direitos do Homem que dispõe que «toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento (...)».(7) A Convenção Europeia dos Direitos do Homem vincula o Estado Português, desde 9 de novembro de 1978, data em que foi depositado o respetivo instrumento de ratificação.(8) Cf. Acórdão Chipre c. Turquia, de 10 de maio de 2001, Queixa n.º 25781/94, http://hudoc.echr.coe.int., §§ 171 a 175. (9) Cf. Relatório da Comissão, de 11 de janeiro de 1995, proferido no caso Buckley c. Reino-Unido, Queixa n.º 20348/92, http://hudoc.echr.coe.int., § 69.(10) Cf. Relatório adotado pela Comissão, em 31 de outubro de 1997, no caso Isiyok c. Turquia, Queixa n.º 22309/93, http://hudoc.echr.coe.int. (11) Cf. Decisão da Comissão de 15 de maio de 1996, proferida no âmbito do caso Röosli c. RFA, Queixa n.º 28318/95, http://hudoc.echr.coe.int.

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habitação social —, mas tais circunstâncias não podem justificar a subsistência de bairros de barracas, frequentemente focos de exclusão e de desfragmentação social.

Estou, também, ciente de que o assunto em causa assume um cariz eminentemente social e que o problema ultrapassa largamente as fronteiras do Município da Amadora e, bem assim, a sua capacidade de resposta a todas as situações de carência de habitação.

Preocupa-me a circunstância de, volvidas mais de duas décadas sobre o início da sua aplicação, o PER permanecer por executar cabalmente, com as gravosas consequências sociais que tal demora implica.

Tenho presente as dúvidas que se levantam a propósito do escrupuloso cumprimento do referido diploma, o qual prevê uma rigorosa fiscalização da ocupação do solo por novas construções, a imediata demolição das barracas, uma vez realojados os agregados fami-liares residentes, a garantia de que a propriedade ou a posse dos terrenos indevidamente ocupados reverte a favor do Município e a afetação dos mesmos à execução do programa ou à promoção de habitação a custos controlados(12).

De resto, não foi sequer possível apurar o fim a que a Câmara Municipal da Amadora pretende destinar os terrenos desocupados, aplicando-se, na falta de planos de ordena-mento do território de nível inferior (planos de pormenor ou planos de urbanização), o disposto no Regulamento do Plano Diretor Municipal da Amadora (aprovado pela Reso-lução do Conselho de Ministros n.º 44/94, publicada no Diário da República, 1.ª série B, de 22 de junho de 1994) que os qualifica como «área urbana» ou «área de recuperação industrial», consoante o bairro.

Em termos procedimentais, assinalo, como aspeto negativo e que deve merecer melhor atenção por parte dos poderes públicos envolvidos, a ausência de notificações escritas das operações de demolição a executar, ao arrepio do que foi estabelecido pela Relatora Espe-cial das Nações Unidas para a Habitação no relatório apresentado, em 2015, ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas(13). Mas a minha principal preocupação reside, hoje, na circunstância de não se prever uma solução condigna para os agregados familia-res que, em consequência de uma fiscalização deficiente e de uma atuação retardada, se foram instalando nas construções desocupadas e fundaram, durante anos, expectativas de ali poderem continuar a residir ou de beneficiarem de programas de apoio alternativo(14) — os quais, contudo, apenas são aplicáveis aos recenseados para efeitos do PER.

(12) Cf. Artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 163/93, de 7 de maio.(13) Cf. Anexo 1 (princípios básicos e linhas gerais de desenvolvimento – despejos e desalojamentos) do Relatório sobre o direito à habitação como uma componente do direito à qualidade de vida e do direito à não discriminação, apresentado na 31.ª Sessão do Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas, em 30 de dezembro de 2015.(14) Veja-se, a este propósito, o PER famílias, o Programa de Apoio ao Auto Realojamento (PAAR+), o Programa Retorno e o Programa de Apoio ao Auto Realojamento 06/05, entre outros.

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A tudo isto acresce o facto de os programas promovidos pelo Estado destinados a con-ceder apoios à reabilitação urbana(15), e que se afiguravam como alternativa para os agrega-dos não recenseados no âmbito do levantamento inicial do PER, terem sido desativados por falta de verbas, pese embora recentemente se assista ao resgate de alguns e à criação de novos incentivos.

Refira-se, ainda, que a crise económica dificulta, quando não impede, o sólido acom-panhamento dos agregados familiares afetados, frequentemente compostos simultanea-mente por crianças, idosos e cidadãos com deficiência, e que, fruto das demolições, se veem na situação de desalojados, recorrendo, tantas vezes, apenas a abrigos temporários.

§ 4.º Conclusões

À luz das motivações precedentemente expostas, e nos termos do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 20.º da Lei n.º 9/91, de 9 de abril, recomendo a Vossa Excelência que — em face da visão estratégica no domínio da habitação promovida pela Resolução de Conselho de Ministros n.º 48/2015, de 15 de julho, e das iniciativas que vêm sendo desenvolvidas pela XI Comissão Parlamentar (Ambiente, Ordenamento do Território, Descentralização, Poder Local e Habitação), no âmbito do grupo de trabalho dedicado ao tema «Habitação, Reabilitação Urbana e Políticas de Cidades» — seja adotada iniciativa legislativa tendente a rever o PER das Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto, apro-vado pelo Decreto-Lei n.º 163/93, de 7 de maio, ponderando, designadamente:

a) Reforçar a monitorização da implementação das soluções propostas pelos Municí-pios no momento da celebração dos acordos gerais de adesão por forma a garantir:

i) Uma fiscalização rigorosa da ocupação do solo por novas construções;ii) A imediata demolição das edificações precárias, uma vez realojados os agregados

familiares residentes; e,iii) A afetação dos terrenos indevidamente ocupados à execução de programas de

realojamento;b) Promover uma melhor coordenação no acompanhamento das situações pelas

várias entidades envolvidas (o Governo, o Instituto da Segurança Social, I.P. (ISS) e os Municípios);

c) Proceder a novas formas de recenseamento que permitam encontrar soluções con-dignas para os moradores excluídos do recenseamento inicial, tendo especial atenção aos agregados compostos por crianças, idosos e cidadãos com deficiência;

d) Privilegiar a implementação de programas complementares de apoio, promovendo a habitação a custos controlados para arrendamento ou venda, com aproveitamento de

(15) Cf. O Regime Especial de Comparticipação na Recuperação de Imóveis Arrendados (RECRIA), o Regime Espe-cial de Comparticipação e Financiamento na Recuperação de Prédios Urbanos em Regime de Propriedade Horizontal (RECRIPH) e o Programa de Financiamento para Acesso à Habitação (PROHABITA).

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fogos devolutos e incentivando o recurso ao arrendamento apoiado em concelhos limí-trofes realizado de forma coordenada.

Transmito, ainda, a Vossa Excelência que, em função da matéria em causa, darei conhe-cimento da presente Recomendação à Comissão Parlamentar do Ambiente, Ordena-mento do Território, Descentralização, Poder Local e Habitação.

Dignar-se-á Vossa Excelência, em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 38.º do Estatuto do Provedor de Justiça, transmitir-me, nos próximos 60 dias a posição que vier a assumir.

Recomendação n.º 5/A/2016Proc. Q-2308/13Entidade visada: Presidente da Câmara Municipal de Lisboa Data: 2016/12/14Assunto: Plano Diretor Municipal. Cláusulas de dispensa de parâmetros urbanísticos. Interpretação. EstacionamentoSequência: Parcialmente acatada

Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a), do n.º 1, do artigo 20.º da Lei n.º 9/91, de 9 de abril, na redação dada pela Lei n.º 17/2013, de 18 de fevereiro, e em face da motivação seguidamente apresentada, recomendo à CML, presidida por Vossa Excelên-cia, que:

— Sejam dadas orientações aos serviços municipais para que adotem o entendimento de que, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 75.º e do anexo X do Regulamento do Plano Diretor Municipal (PDM) de Lisboa, não é ao requerente do licenciamento que compete determinar a dotação de lugares de estacionamento a afetar a cada operação urbanística, antes cabendo à Câmara Municipal, enquanto entidade licenciadora, deter-minar aquele número, em função dos limites definidos no anexo X e dos critérios defini-dos naquela disposição regulamentar, a saber, a proximidade à rede de transporte coletivo de 1.º nível e a disponibilidade de espaço público para estacionamento;

— Seja desencadeado o procedimento tendente a expurgar ou a alterar os segmentos das normas regulamentares contidas na alínea b), n.º 2, do artigo 18.º; no n.º 2 do artigo 53.º; no n.º 3 do artigo 57.º; e no n.º 6 do artigo 66.º, todos do PDM, por violarem o dis-posto na alínea g), do n.º 1, do artigo 3.º, nas alíneas a) e b), do n.º 2, do artigo 8.º e artigo 49.º da Lei de Bases Gerais da Política Pública de Solos, de Ordenamento do Território e

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de Urbanismo e o disposto(16), nos artigos 6.º, 88.º e alínea k), do n.º 1, do artigo 96.º do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial(17) e, supervenientemente, o n.º 2 do artigo 142.º do CPA, na medida em que afastam a aplicação dos índices, parâmetros e indicadores de referência às operações urbanísticas na zona ribeirinha que sejam declara-das de excecional importância para a cidade sem, contudo, fixarem outra regra quanto aos outros índices, parâmetros e indicadores.

Queira atender às motivações que se apresentam, no termo da apreciação das questões controvertidas, a qual compreendeu, como não poderia deixar de ser, as explicações pres-tadas pelos serviços da Câmara Municipal presidida por Vossa Excelência, em observância do princípio do contraditório (artigo 34.º da Lei n.º 9/91, de 9 de abril, na redação dada pela Lei n.º 17/2013, de 18 de fevereiro).

§ 1.º A queixa

Foi-me apresentada uma queixa em que se contestava o licenciamento do anterior-mente denominado Centro de Artes da Fundação EDP, agora denominado MAAT--Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia, afirmando-se que o projeto foi classificado de excecional importância municipal para a cidade sem que o PDM permitisse tal expediente.

Concluí pela improcedência da queixa quanto a este aspeto concreto. Todavia, por-que a minha intervenção não está limitada ao pedido formulado pelos queixosos, foi efe-tuada uma análise mais extensa do projeto, abrangendo ainda o teor e a interpretação das normas regulamentares do PDM aplicáveis, o que motivou uma circunstanciada troca de informações com os serviços municipais e as demais entidades envolvidas no proce-dimento, a saber, a APL Administração do Porto de Lisboa, S.A., a Agência Portuguesa do Ambiente, a Secretaria de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza e as Soluções Integradas de Registo.

§ 2.º A questão do estacionamento

O n.º 3 do artigo 75.º do PDM determina que:

«Os valores mínimos e máximos dos parâmetros de dimensionamento de estaciona-mento no interior da parcela ou lote, para cada zona de estacionamento identificadas na Planta de acessibilidades e transportes, em função da proximidade à rede de transporte

(16) Aprovada pela Lei n.º 31/2014, de 30 de maio.(17) Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14 de maio. À data da revisão do PDM vigorava o Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de setembro, que dispunha, de igual modo, na alínea j), do n.º 1 do artigo 85.º que: «O plano director municipal define um modelo de organização municipal do território nomeadamente estabelecendo: (…) A especifica-ção qualitativa e quantitativa dos índices, indicadores e parâmetros de referência, urbanísticos ou de ordenamento, a estabelecer em plano de urbanização e plano de pormenor, bem como os de natureza supletiva aplicáveis na ausência destes».

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coletivo de 1.º nível e da disponibilidade de espaço público para estacionamento, são os constantes do Anexo X ao presente Regulamento, do qual faz parte integrante.»

Determina-se, assim, a observância de um limite mínimo e máximo de dotação de estacionamento e faz-se depender a definição do número exato de lugares, em cada caso concreto, da proximidade à rede de transporte coletivo de 1.º nível e à disponibilidade de espaço público para estacionamento.

O Vereador com o Pelouro do Urbanismo transmitiu-me que:

«face ao consagrado no artigo 75.º, que apenas exige que o projeto garanta o valor mínimo e não exceda o valor máximo de estacionamento, não pode esta Câmara Muni-cipal impor que o projeto cumpra o parâmetro de estacionamento pelo máximo admi-tido para o local como condição de deferimento do pedido de licenciamento formu-lado, sob pena de violação do artigo atrás referido».

Pelo que se conclui, então, que «a Câmara Municipal não pode impor a um particular cujo projeto já cumpre os parâmetros mínimos fixados pelo PDM que os cumpra pelo máximo».(18)

Não subscrevo este entendimento, desde logo porque esse não é o sentido da norma regulamentar acima citada: perante a existência de limites mínimos e máximos relativos à dotação de estacionamento, é à Câmara Municipal que compete, enquanto entidade licenciadora — no âmbito dos respetivos poderes de apreciação discricionária e consi-derando os elementos objetivos a que já aludi — decidir e impor o número de lugares adequado para cada projeto. De outro modo, a atuação da CML configuraria caso de renúncia ao exercício de competência que lhe é atribuída em ordem ao correto ordena-mento da cidade.

A apreciação dos critérios fixados no n.º 3 do artigo 75.º cabe, em ultima ratio, ao órgão licenciador, não podendo ficar à disposição dos interesses do requerente do licenciamento do projeto.

De todo o modo, não pode a Câmara Municipal subjugar-se estritamente ao que é pedido pelo requerente, abstendo-se de aferir e ponderar o prejuízo para a cidade em uma matéria tão crucial como é o estacionamento, público ou privado. Naturalmente, os requerentes do licenciamento deste tipo de projetos, nos quais o número de lugares de estacionamento não releva para a valorização do prédio no mercado imobiliário, optarão por aproveitar para outros fins as áreas que poderiam ser afetas ao limite máximo de luga-res previstos no PDM e preferirão, em regra, cumprir apenas o limite mínimo de lugares de estacionamento previsto no PDM. Cabe ao município ajuizar, em cada caso concreto, se esse valor mínimo é adequado a satisfazer as necessidades do local e do projeto.

(18) A coberto do ofício n.º 388/GVMS/15, de 8 de julho de 2015.

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Por exemplo, verifico que no projeto do MAAT foram admitidos apenas 34 lugares de estacionamento de uso privativo para 6392m2 de área de construção de uso cultural para mais de 250.000 visitantes previstos, sendo que o PDM prevê a possibilidade de se impor 64 lugares (n.º 3 do artigo 75.º e anexo X).

Os 34 lugares previstos (dos quais pelo menos três serão, e bem, reservados para cida-dãos com deficiência) mostrar-se-ão insuficientes, por certo, mesmo para o restrito uni-verso dos trabalhadores do MAAT. Antecipo, pois, que não restarão nenhuns para uso dos utentes e interrogo-me quanto à previsão de lugares de estacionamento adstritos a grávidas, acompanhantes de crianças de colo ou idosos, o que, em face da escassez de esta-cionamento na zona, se impunha, mesmo não sendo legalmente obrigatório.

O Vereador do Pelouro reconheceu o problema do estacionamento, prevendo uma passagem superior à linha ferroviária para aceder a um parque de estacionamento — lon-gínquo — junto à Avenida da Índia (o qual tem uma lotação que parece, de antemão, de pouco servir, dada a procura intensa). Em momento ulterior, foi este órgão do Estado informado da possibilidade de criação de um parque de estacionamento na Rua Alexandre Sá Pinto, a cerca de 2km do MAAT (solução ainda incerta, que será equacionada apenas no âmbito do Plano de Pormenor da Calçada da Ajuda).

Reconhecerá Vossa Excelência que, na zona em apreço, o estacionamento é cada vez mais procurado, designadamente por milhares de turistas, estudantes e docentes da Uni-versidade Lusíada, funcionários e utentes do Hospital Egas Moniz, assim como por uten-tes dos equipamentos públicos ali situados. E o problema não é, sequer, de agora: já no Documento Estratégico Frente Tejo (2008), aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 78/2008, de 15 de maio, era proposta a realização de ações tendentes a resol-ver os problemas de estacionamento e de mobilidade na zona Ajuda/Belém, gerados pelos novos polos culturais a instalar.

Observo ainda que o local não é servido diretamente por transportes coletivos urba-nos, ficando apenas próximo da estação ferroviária de Belém e da estação fluvial com liga-ção à Trafaria e a Porto Brandão.

Importaria, por isso, que a escassez de estacionamento na zona fosse suprida, em face do aumento, na zona, de equipamentos dirigidos a um elevado número de utentes e visitantes.

Por outro lado, não posso deixar de fazer notar que me parece indesejável, do ponto de vista do ordenamento do território, que o PDM autorize um tão escasso número de luga-res de estacionamento privativos em semelhantes equipamentos, nem sequer exigindo, ao contrário do que sucede com as construções destinadas a habitação e comércio, a previsão de qualquer lugar de estacionamento público nas imediações.

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§ 3.º As cláusulas de dispensa de parâmetros urbanísticos no PDM de LisboaToda a zona ribeirinha da cidade de Lisboa encontra-se sob limitações e restrições qua-

lificadas, seja por razões paisagísticas, seja por razões de segurança marítima ou urbanística (cf. artigos 17.º, 18.º, 33.º, 53.º, 56.º, 57.º e 66.º, todos do PDM). No entanto, algumas das disposições regulamentares deste instrumento de gestão territorial permitem que o execu-tivo municipal derrogue singularmente, nesta zona, muitos dos parâmetros urbanísticos, bastando que a Câmara Municipal reconheça a excecional importância para a cidade e a insusceptibilidade de satisfazer as prescrições do plano.

Este expediente indicia ilegalidade das normas do PDM, em face do disposto na Lei de Bases Gerais da Política Pública de Solos, de Ordenamento do Território e de Urba-nismo e no Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, porquanto tem como resultado a alteração, por mero ato administrativo, do ali disposto. Demoro-me um pouco mais na análise das normas:

a) Os novos edifícios e as obras de ampliação, nos arruamentos que formem um ângulo igual ou inferior a 45º com a margem do rio,

«têm que respeitar os enfiamentos visuais preexistentes a manter e não podem constituir frentes contínuas de dimensão superior a 50 metros, salvointervenções urba-nísticas cujo programa não seja compatível com estas exigências, se a Câmara Municipal considerar que revestem excecional importância para a cidade»,

devendo, neste caso, ser promovido debate público (cfr. alínea b), do n.º 2, do artigo 18.º, sob a epígrafe “subsistema da frente ribeirinha”);

b) Admite-se a construção de novos edifícios, no âmbito de ações de reorganização daqueles espaços, por substituição dos edifícios preexistentes,

«desde que não se verifique um aumento da área total de construção, os novos edifí-cios tenham uma altura de fachada máxima de dois pisos e não superior a 10 metros e se situem a menos de uma faixa que varia entre 25 e 20 metros a contar da margem do leito do rio Tejo, em função do enquadramento urbanístico e paisagístico local, para garantia do acesso e fruição da margem ribeirinha, salvo casos excecionais»

cujo programa não seja compatível com esta exigência, «se a Câmara Municipal consi-derar que revestem excecional importância para a cidade»e respeitem o sistema de vistas (cfr. n.º 2 do artigo 53.º, sob a epígrafe “espaços ribeirinhos”);

c) Nestes espaços preconiza-se a reutilização dos edifícios existentes, admitindo-se a respetiva substituição quando estes não constituam elementos com interesse urbanístico, arquitetónico ou cultural, tanto individualmente como para o conjunto em que se inte-gram, e o projeto apresentado para a sua substituição

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«contribua para a evidente valorização arquitetónica, urbanística e ambiental da área e do conjunto edificado em que os edifícios se integram, não preveja ampliação cuja implantação se situe a menos de uma faixa que varia entre 25 e 20 metros a contar da margem do leito do rio Tejo»,

em função do enquadramento urbanístico e paisagístico local,«para garantia do acesso e fruição da margem ribeirinha, salvo casos excecionais» cujo programa «não seja compatível com esta exigência, se a Câmara Municipal considerar que revestem excecio-nal importância para a cidade»e respeite o sistema de vistas (cfr. n.º 3 do artigo 57.º, sob a epígrafe “espaços de uso especial ribeirinho”);

d) As novas construções e as obras de ampliação «não podem ocupar uma faixa que varia entre 25 e 20 metros a contar da margem do leito do rio Tejo», em função do enqua-dramento urbanístico e paisagístico local, para garantia do acesso e fruição da margem ribeirinha, salvo casos excecionais cujo programa não seja compatível com esta exigência, «se a Câmara Municipal considerar que revestem excecional importância para a cidade» (cfr. n.º 6 do artigo 66.º, sob a epígrafe “espaços de uso especial ribeirinho”).

Nos termos da alínea i) do artigo 70.º do anterior Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de setembro, pres-creve-se que os planos diretores municipais visam estabelecer os parâmetros de uso do solo devendo, de acordo com a alínea j), do artigo 85.º, determinar, obrigatoriamente, a «especificação qualitativa e quantitativa dos índices, indicadores e parâmetros de referên-cia, urbanísticos ou de ordenamento, a estabelecer em plano de urbanização e plano de pormenor, bem como os de natureza supletiva aplicáveis na ausência destes»(19). Ou seja, de acordo com a prescrição legal, o PDM tem como conteúdo obrigatório, para além dos índices, indicadores e parâmetros, urbanísticos ou de ordenamento que devem ser tidos como referência no planos de urbanização e de pormenor, os índices, indicadores e parâ-metros de natureza supletiva aplicáveis quando estes ainda não tenham sido elaborados. E é a alínea d), do n.º 1 do artigo 91.º que nos indica que os parâmetros a definir que serão, designadamente, índices, densidade de fogos, número de pisos e cérceas(20).

Ora, para a zona da cidade em questão ainda não se encontra aprovado qualquer plano de urbanização e plano de pormenor. Assim sendo, deveriam ser aplicados os índices, indi-cadores e parâmetros de natureza supletiva previstos no PDM. É aqui que chegamos a um problema que carece de resolução. Como acima observei, ao serem declarados de excecio-nal importância para a cidade, os projetos deixam de estar sujeitos aos índices, indicadores e parâmetros definidos no PDM. E nestas situações de exceção, quais são os parâmetros a

(19) Vide a atual alínea i) do artigo 75.º e alínea k), do n.º 1, do artigo 96.º, ambas do Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14 de maio. (20) Nesta matéria rege atualmente, em termos similares, a alínea d), do n.º 1, do artigo 102.º do Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14 de maio.

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aplicáveis? Concluo que não foram definidos. Na alínea c), do n.º 2, do artigo 18.º apenas têm de ser garantidos afastamentos laterais contínuos por forma a ser assegurado o enfia-mento de vistas, e não já a regra geral que obriga à observância dos enfiamentos preexis-tentes. Quando à dimensão das frentes contínuas nada se dispõe, afastando-se, sem mais, a regra da proibição da frente contínua exceder 50 metros. Por sua vez, no n.º 2 do artigo 53.º e no n.º 3 do artigo 57.º afasta-se a regra da altura de fachada máxima de dois pisos e não superior a 10 metros, apenas se determinando que tem de ser assegurado o sistema de vistas. Quanto ao mais nada se dispõe, nomeadamente quanto à área de construção admissível para novos edifícios, quanto à altura da fachada máxima, bem como quanto ao número de pisos. Em todas estas normas é afastada a regra geral de uma faixa de 20 a 25 metros de afastamento ao rio e não há qualquer outro parâmetro de referência em substituição, contrariando o objetivo declarado da norma, por se criarem segmentos de percurso pedonal e ciclável onde pode ser impedido ou limitado o acesso e a fruição da margem ribeirinha, uma vez que não é estabelecido qualquer limite mínimo de afasta-mento à margem do rio.

Em suma, afastam-se deliberadamente as regras aplicáveis e não se define qualquer outra aplicável à exceção criada, nem mínimos ou máximos, para definir os índices, indi-cadores e parâmetros urbanísticos aplicáveis em face da derrogação dos previstos na regra geral. Não se trata de um problema de interpretação da norma. Com efeito, a estatuição da norma que deveria, por obrigação legal, prever índices, indicadores e parâmetros urba-nísticos não existe, salvo quanto à obrigação do respeito pelo sistema de vistas. Nem se trata, sequer, de um problema de discricionariedade excessivamente ampla nas normas do PDM. Trata-se, isso sim, de uma omissão total de regulamentação quanto à definição do regime aplicável à exceção ali consagrada, permitindo que a Câmara Municipal crie esse regime caso a caso, sem qualquer parâmetro normativo conformador. Omissão ilegal por violar o conteúdo legalmente obrigatório dos planos diretores municipais.

A este propósito, a título de exemplo, sinalizo que foi permitida, no MAAT, uma frente edificada de 188 metros, o que representa quase o quádruplo do máximo permitido pelas normas do PDM cuja aplicação foi afastada (50 metros), tendo igualmente sido ultrapas-sada a altura máxima de 10 metros e o alinhamento guarda apenas 5 metros da margem do leito do rio, ao invés da regra dos 20 a 25 metros. Além do mais foi aumentada a área de construção quando a regra geral consignada no PDM o proíbe. E para tanto bastou que se entendesse estarem verificados os dois pressupostos que permitem o afastamento das prescrições que condicionam intensamente a edificação nas zonas ribeirinhas de Lisboa, a saber: a excecional importância para a cidade e a incompatibilidade do programa com as exigências do PDM.

Sublinho que o problema não reside na consagração de normas excecionais para a zona ribeirinha, uma vez que é ao Município que cabe decidir tal matéria de política de orde-namento do território, no âmbito e no limite dos seus poderes de planificação territorial,

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não me competindo ajuizar da sua pertinência. A questão reside nos termos em que tais normas excecionais se encontram consagradas, cabendo a este órgão do Estado avaliar da sua legalidade, bem como da sua conformidade com os critérios de justiça definidos constitucionalmente.

Seja-me permitido reforçar a minha posição lembrando o seguinte: no próprio PDM de Lisboa encontram-se normas que, não obstante reconhecerem situações excecionais determinam, e bem, os limites dentro dos quais a exceção deve operar (veja-se a alínea b) do n.º 4 do artigo 46.º e a alínea f ) do n.º 3 do artigo 60.º, onde a possibilidade de majorar o índice de edificabilidade encontra um limiar máximo e obedece a pressupostos definidos).

Esta questão remete, no essencial, para a repisada questão do princípio da inderroga-bilidade singular do regulamento administrativo — aqui com o risco agravado a que se presta o plano urbanístico, na sua qualidade de regulamento autónomo ou independente —, transposto para a legislação nacional no n.º 2 do artigo 142.º do novo Código do Procedimento Administrativo, que expressamente determina que os regulamentos não podem ser derrogados por atos administrativos de caráter individual e concreta. Será igualmente proibido que, no próprio regulamento, se habilite o órgão executivo a derro-gações singulares e incontidas do ali prescrito. Ou seja, não será permitido que no con-teúdo dos regulamentos, como sucede no PDM, se habilite a Câmara Municipal a praticar atos administrativos que derroguem as normas ali prescritas. Na mesma linha, a ordem jurídica espanhola proíbe expressamente os planos que contenham reservas de dispensa da sua aplicação (primeiro, de âmbito nacional(21), com a Lei do Regime do Solo e da Orde-nação Urbana e, atualmente, também quanto à legislação autonómica).

Ademais, parece-me contraditório que, ao mesmo tempo que se entendeu que a cons-trução e a ampliação na zona ribeirinha deveriam submeter-se a condições (muito) aper-tadas, se permita a eliminação total dessas limitações, abrindo-se as portas, de par em par, ao arbítrio na gestão da zona ribeirinha. É que as normas dos instrumentos de gestão terri-torial visam ordenar o território. Quando elas não existem, permite-se o desordenamento do território, em violação dos ditames legais e constitucionais.

Por seu turno, na previsão da norma, há uma incongruência. Determina-se que os pro-jetos, declarados de excecional importância para a cidade, que não sejam compatíveis com as exigências do PDM podem ser isentos do cumprimento das suas normas. Este requisito é, efetivamente, incongruente com as disposições legais aplicáveis e com a própria razão ser do plano: se um operador urbanístico não quiser cumprir as prescrições do plano, simples-mente desaplica-se o previsto no plano para essa operação. Ou seja, nos termos do PDM

(21) Cf. n.º 3 do artigo 57.º do Texto Refundido aprovado pelo Real Decreto 1346/1976, de 9 de abril de 1976: «São nulas as reservas de dispensa que se contiverem nos planos ou ordenanças, assim como as que independentemente deles se concedessem».

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de Lisboa, uma operação urbanística que seria legalmente nula por violar um instrumento de gestão territorial(22) transforma-se, afinal, em um pressuposto de desaplicação do plano. E — sublinho a traço grosso — fica na dependência do requerente do licenciamento do projeto configurá-lo de modo desconforme com o PDM para incentivar a declaração de excecional importância para a cidade e subtrair-se ao cumprimento das regras ali plas-madas. É, pois, a própria ilegalidade do projeto em face das normas regulamentares do PDM que constitui a premissa para conferir a certas operações um estatuto acima da lei, ou melhor, do plano.

Ainda no domínio da previsão da norma, o critério da excecional importância para a cidade é tributário de um conceito demasiadamente vago e indeterminado, que o execu-tivo municipal vai preenchendo de modo singular. Sobre o que seja «a excecional impor-tância para a cidade» não existe um mínimo de densificação e parametrização. Em rigor, dejure condendo poder-se-ia concretizar este conceito por referência a interesses limitados e justificados, como sejam interesses turísticos, de ordenamento da cidade ou outros equi-valentes. Tão-pouco se exige a fundamentação da medida da derrogação, quer pelo autor do projeto, quer pela Câmara Municipal (nessa linha, a fundamentação haveria de dar conta, designadamente, da imprescindibilidade da redução da faixa de 25 a 20 metros a contar da margem do leito do rio Tejo, ou seja, das razões que justificam a incompatibili-dade do programa com o PDM e o fundamento da exceção).

A fundamentação da excecional importância não pode bastar-se com considerações abonatórias acerca do mérito arquitetónico e funcional do projeto, devendo revelar um juízo de ponderação entre o interesse público do passeio marítimo — como área de lazer privilegiada — e a excecional importância do projeto. Impõe uma reflexão sobre os moti-vos que levam a preterir a regra pela exceção.

Fernanda Paula Oliveira(23) afirma que o órgão planeador não deve elaborar normas de tal forma vagas ou conceitos de tal modo indeterminados que torne impossível identificar a regulamentação nelas contidas. Tratar-se-iam de normas com apenas uma aparência de planeamento. Será o caso do plano que remeta a decisão concreta para uma ponderação caso a caso, dispondo, por exemplo, que as condições de edificabilidade serão estabeleci-das para cada caso concreto pela câmara municipal. Admitindo que, para situações exce-cionais se devem prever regras excecionais, não se deve admitir a simples devolução das normas do plano para juízos concretos de oportunidade e conveniência, sob pena de um desvio de procedimento. Esta prática configura uma rarefação da legalidade, por ser con-trária aos mínimos de segurança e certeza. A mesma autora lembra que a elaboração dos

(22) Ao abrigo do disposto na alínea a) do artigo 68.º do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro(23) Oliveira, Fernanda Paula, A Discricionariedade Administrativa Municipal na Dogmática da Discricionariedade Administrativa, Almedina, Coimbra, 2011, pp. 470 e 481.

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instrumentos de planeamento do território, maxime dos planos municipais, serviu preci-samente para evitar decisões casuísticas sobre os solos, pelo que não devem existir normas nos planos que as permitam ou incentivem.

As normas que autorizem derrogações deveriam estar sujeitas a limites admissíveis, fixando-se desde logo a fronteira da exceção consentida em nome da extraordinária impor-tância para a cidade. Além do mais, as exceções devem ser devidamente fundamentadas(24), sob pena de violação do princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2.º da CRP.

Nem a Constituição nem a lei determinam o conteúdo da planificação, mas apontam os objetivos que com ela devem ser atingidos: a definição das regras de ocupação, uso e transformação dos solos urbanos.

É consabido que a gestão urbanística não pode cingir-se a operações de subsunção de normas regulamentares de modo inteiramente vinculado e é o próprio interesse público a reclamar que a densidade dessas normas comporte alguma indeterminação e conceda poderes discricionários. No planeamento urbanístico, à margem da comum livre decisão sobre os meios, soma-se uma margem de natureza próxima da função política: a margem de livre escolha dos fins a alcançar. Mas a margem de discricionariedade na elaboração do plano não é igual à margem da discricionariedade no conteúdo do plano: uma vez elaborado o plano, a previsão da norma deve ser precisa, concreta e densa, de modo a garantir o princípio da segurança jurídica em três vertentes: i) como norma de atuação para a administração que vai decidir os pedidos de licenciamento de operações urbanísticas; ii) como norma com conteúdo expectável para os destinatários e restantes interessados; e, iii), como norma de controlo, que permita a fiscalização da legalidade e a defesa dos direi-tos e interesses dos cidadãos. Assinalo que o pressuposto da excecional importância para a cidade terá um controlo jurisdicional limitado, uma vez que assenta em uma vastíssima margem de livre apreciação.

Em suma: é necessário que se verifique a determinação das circunstâncias que levam à aplicação da exceção, bem como a concretização da solução alternativa. O que equivale a dizer que, sendo admitidas alternativas em termos de ocupação do território em função das circunstâncias concretas, tanto estas circunstâncias como as regras aplicáveis terão de estar definidas de modo preciso, por forma a conferir à norma a previsibilidade que faz parte da sua natureza jurídica(25). Trata-se, destarte, de garantir uma constância na inter-pretação das normas.

A matriz constitucional asseverou ao plano urbanístico uma função determinante na definição das regras de ocupação, uso e transformação dos solos (n.º 4 do artigo 65.º), apontando para um princípio de precedência e de reserva do plano, o qual permite a

(24) Oliveira, Fernanda Paula, ob. cit., p. 481.(25) Oliveira, Fernanda Paula, ob. cit., p. 479.

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proteção da confiança e contém um equilíbrio desejável das desigualdades(26)/(27). Esta mesma norma traduz ainda a invocada separação vertical de poderes como necessidade de conciliar e otimizar soluções entre o Estado, as regiões autónomas e os municípios, refle-tindo a unidade do “Todo Nacional” avessa a uma ideia de soma dos territórios munici-pais. Essa competência concorrente, porque definida logo em termos constitucionais, não pode ficar na inteira disposição do legislador ou de quem elabora os planos. Não pode, em suma, ser anulada ou esvaziada de conteúdo(28).

Na tarefa do planeamento devem participar vários sujeitos públicos que, naturalmente, aportam ao procedimento de elaboração dos planos os vários interesses que representam: nacionais, regionais e municipais. Por isso, é indispensável proceder a uma apropriada ponderação de todos eles, a fim de conseguir a sua harmonização. O que reclama que o poder de decisão, em vez de se entregar por inteiro às autarquias locais, seja compartilhado pelo Estado(29).

O procedimento de elaboração dos instrumentos de gestão territorial resulta, assim, da harmonização e concertação de vários interesses conflituantes e confluentes, com vista a atingir certos fins. Trata-se de um procedimento complexo que se desenvolve, se não em pirâmide, pelo menos em cascata. Na base estão vários estudos e pré-decisões que con-fluem na decisão final consubstanciada no plano. Durante este procedimento, o poder conformador da Câmara Municipal encontra vários limites e parametrizações, na necessá-ria concertação com outros órgãos do município, nomeadamente a assembleia municipal, e com o Estado, designadamente a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regio-nal, a Agência Portuguesa de Ambiente, I.P. e a Direção-Geral do Património Cultural, entre muitos outros.

De acordo com o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de setembro, em vigor ao tempo da elaboração do PDM, depois de decorrido o procedimento legalmente previsto, designadamente os períodos de “concertação”, de “acompanhamento” e de “discussão pública” (cf. artigos 76.º e 77.º), a câmara municipal elabora a versão final da proposta para aprovação (n.º 8 do artigo 77.º), a qual, uma vez concluída, é objeto de “parecer” da respetiva Comissão de Coordenação Regional que incide «sobre a conformidade com as disposições legais e regulamentares vigentes, bem como sobre a articulação e coerência da proposta com

(26) Correia, Fernando Alves, O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, 1.ª edição, Almedina, Coimbra, 1990, p. 451.(27) Sobre o princípio da igualdade como fundamento da inderrogabilidade singular dos regulamentos, cf. Ramón Parada, Derecho Administrativo I – Parte General, Marcial Pons, Madrid, 2008, p. 81.(28) Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 432/93, de 13 de julho, e n.º 379/96, de 6 de março, ambos disponíveis in http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos (consultados em 2 de dezembro de 2016).(29) Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 379/96, de 6 de março, e n.º 379/96, de 6 de março, ambos disponíveis in http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos (consultados em 24-11-2016).

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os objetivos, princípios e regras aplicáveis no município em causa, definidos por quais-quer outros instrumentos de gestão territorial eficaz» (artigo 78.º). Os planos são pos-teriormente aprovados «pela assembleia municipal, mediante proposta apresentada pela câmara municipal» (n.º 1 do artigo 79.º).

Por seu turno, a Assembleia Municipal dispõe de poderes para introduzir alterações à proposta apresentada pela Câmara Municipal que eventualmente considere adequadas (n.º 2 do artigo 79.º). Em certos casos, os planos estão ainda sujeitos a ratificação governa-mental (cfr. artigo 80.º)(30).

Outro aspeto crucial para o Provedor de Justiça: a elaboração dos planos está consti-tucional e legalmente(31) vinculada à observância do direito de participação de todos os interessados, algo que não é garantido, de todo, quando se permite que um ato adminis-trativo derrogue o conteúdo do plano. Com efeito, a Constituição concede um relevo significativo à participação de todos os interessados na elaboração dos instrumentos de gestão territorial, ao prever autónoma e expressamente este direito fundamental, no n.º 5 do artigo 65.º, que vai além do direito geral de participação dos interessados na forma-ção das decisões administrativas previsto no n.º 5 do artigo 267.º. Há ali uma exigência constitucional específica e reforçada em relação à participação dos interessados e o n.º 5 do artigo 65.º não contém qualquer remissão para a lei, apresentando-se diretamente apli-cável, sem prejuízo da liberdade de conformação do legislador na concretização do modo como tal participação se formaliza.(32)

É, antes de mais, um direito dos cidadãos e o seu respeito é essencial para legitimar a atuação da Administração Pública, proporcionando-lhe a consideração mais completa dos interesses privados na ocupação do solo. Mas é também um direito de participação em sentido amplo, seja quanto à legitimidade dos interessados e ao motivo da participação, seja quanto ao objeto, abrangendo qualquer modificação substancial dos instrumentos de gestão do território a que se aplica.(33)

O direito de participação assume-se, assim, como um direito com valor constitucional, de defesa ou de compensação dos cidadãos contra a ampla margem de apreciação de que goza a Administração Pública na conformação dos seus direitos e interesses no planea-mento territorial.(34) A garantia deste direito depende da possibilidade da prestação aos interessados de todas as informações relevantes sobre os objetivos dos planos e sobre as

(30) Atualmente, artigos 85.º, 87.º a 89.º e n.º 1 do artigo 90.º do Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14 de maio.(31) Cf. artigo 6.º do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de setembro. Atualmente, rege nesta matéria o artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14 de maio.(32) Cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 387/12, de 25 de julho, disponível in http://www.tribunalconsti-tucional.pt/tc/acordaos (consultado em 25 de novembro de 2016) e vide Miranda, Jorge / Medeiros, Rui, Constituição Portuguesa anotada, Tomo I, Coimbra Editora, 2005, p. 678.(33) Idem, ibidem.(34) Neste sentido, vide Oliveira, Fernanda Paula, ob. cit., p. 359.

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opções que nele se pretendem consagrar, bem como sobre o estádio dos trabalhos e a evo-lução do procedimento de elaboração.

Em contrapartida, este direito implica o dever para os poderes públicos de examina-rem e ponderarem todas as sugestões, reclamações, observações e pedidos de esclareci-mento apresentados pelos particulares no exercício do direito de participação, assim como o dever de levar ao conhecimento dos interessados o resultado dessa ponderação. Nem se diga que o debate público que o PDM prevê apenas em uma das disposições citadas preenche a função da participação pública prevista na lei, uma vez que aquele é uma for-malidade atípica, que nem sequer está regulamentado no próprio plano quanto à forma da sua realização, nem ali se remete para o disposto no Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (cf. Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14 de maio), nem tão-pouco para a Lei do Direito de Participação Procedimental e de Ação Popular (cf. Lei n.º 83/95, de 31 de agosto).

Todas estas garantias, constitucional e legalmente consagradas, se perdem quando é permitido ao órgão executor do plano que derrogue as indicações, previsões e determina-ções do plano, como vimos suceder com as normas apontadas do PDM de Lisboa. A invo-cação da excecional importância para a cidade permite às autoridades municipais desapli-carem regimes enunciados nos planos quando a execução se lhes encontra confiada, o que escapa, em grande parte, à participação cívica e às garantias de coordenação de interesses públicos com expressão territorial que se alcançou na formação de um plano, por mera deliberação da câmara municipal. Quebra-se assim o «quadro de interação coordenada» que a Lei n.º 31/2014, de 30 de maio (Lei de Bases Gerais da Política Pública de Solos, de Ordenamento do Território e de Urbanismo), afirma como base do sistema de instrumen-tos de gestão territorial (cf. n.º 2 do artigo 38.º), na medida em que o executivo municipal atua singularmente e ao arrepio da separação vertical de poderes, criando a norma no caso concreto.

Permite-se, em síntese, uma modificação substancial do PDM, no sentido tido como relevante pelo Tribunal Constitucional, mutatis mutandis, sem a observância do corres-pondente procedimento e garantias constitucionalmente instituídas nos n.os 4 e 5 do artigo 65.º.(35)

Precisamente, porque nesta situação, ao invés de nos situarmos na aplicação e execução do plano, retrocedemos à fase da (re)elaboração das normas dos planos, mas para encon-trar solução diferente daquele que veio a merecer acolhimento.

Por outro lado, o órgão municipal consegue, no momento da aplicação do plano e da sua execução, exorbitar até a ampla discricionariedade que lhe é conferida para elaboração

(35) Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 387/2012, de 25 de julho, publicado no Diário da República n.º 155/2012, 1.ª série, de 10 de agosto.

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do plano, ao não ter de se concertar com os protagonistas dos demais interesses públicos e privados que tomaram voz ativa na formação dos instrumentos de gestão territorial.

Trata-se de uma solução não aceitável, uma vez que a lei prevê procedimentos próprios e extremamente formalizados, especialmente exigentes (suspensão total ou parcial, revisão ou alteração do plano, elaboração de planos de pormenor), que visam obter um desejado equilíbrio e concordância dos interesses carreados pelos diversos intervenientes – locais e nacionais, públicos e privados – quando ao plano sobrevenha facto que reclame impe-riosamente a sua desaplicação (cf. artigos 93.º e seguintes do anterior Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial)(36).

Ora, no caso das disposições do PDM de Lisboa que permitem à Câmara Municipal exorbitar a discricionariedade própria da fase constitutiva do plano, com fundamento na simples declaração de excecional importância para a cidade, as garantias de participação no procedimento não operam, simplesmente porque não há procedimento de elaboração ou de revisão do plano. Trata-se, apenas, da prática de um ato administrativo com a mera intervenção do órgão executivo municipal.

Tenha-se presente que, até às alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 316/2007, de 19 de setembro, a necessária ratificação dos planos diretores municipais pelo Conselho de Ministros impedia, muitas vezes, que normas análogas a estas chegassem a adquirir eficácia. Todavia, diminuída a intensidade do controlo preventivo, resta o simples parecer das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional e o acompanhamento das vicissitudes dos planos, os quais não têm logrado obstar à aprovação de planos municipais dotados de normas desconformes com a lei, na medida em que o controlo se mostra agora apostado, principalmente, em assegurar as relações de conformidade ou de simples com-patibilidade com outros instrumentos de gestão territorial.

O controlo sucessivo dos planos urbanísticos, reservado aos tribunais, além de inciden-tal, leva a declarar a nulidade de normas deste tipo com todos os encargos que a reposição da legalidade pode comportar. Quanto à consequência da declaração de nulidade de um instrumento de gestão territorial, é paradigmático o que sucedeu com a declaração de nulidade do PDM de Lagos que, só ao fim de mais de uma década, foi suprida pela apro-vação de um novo plano em agosto de 2015.

Por estar firmemente convicto, não só da utilidade como, mais ainda, da necessidade da situação ser alterada, adverti a Senhora Secretária de Estado do Ordenamento do Ter-ritório e da Conservação da Natureza para a necessidade de serem adotadas as medidas adequadas a não admitir este tipo de normas nos instrumentos de gestão territorial, o que culminou em parecer da Comissão Nacional do Território, no sentido das previsões nor-mativas de exceção deverem estar suficientemente densificadas e deverem ser portadoras de indicadores que permitam uma aplicação isenta de dúvidas, rejeitando normas que não

(36) Atualmente, regem os artigos 115.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14 de maio.

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contenham parâmetros concretizadores do seu âmbito de aplicação. Foi ainda entendido que não são de admitir critérios que sejam, eles próprios, portadores de indeterminação e abstração, desvirtuando a finalidade da sua fixação. Este parecer foi homologado pela Senhora Secretária de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natu-reza, e determinada a sua comunicação a todas as Comissões de Coordenação e Desen-volvimento Regional, para que seja seguido no âmbito do acompanhamento dos planos municipais do ordenamento do território.

§ 4.º A questão dos riscos de cheia e inundações

Outras das minhas preocupações reside nos riscos de inundações, em face da exce-ção prevista no PDM que permite a desaplicação, nos projetos declarados de excecional importância para a cidade, a regra do afastamento de 20 a 25 metros do leito do rio Tejo.

Por exemplo, no caso do MAAT, permitiu-se um afastamento do equipamento de ape-nas 5 metros à margem do rio (para mais dotado de uma cave destinada a espaço exposi-tivo e, por isso, de utilização pelo público).

Na instrução do processo apurou-se que a Agência Portuguesa do Ambiente não emi-tiu parecer sobre o projeto invocando — erroneamente, por desconsiderar as suas próprias atribuições e o alcance do parecer que teria de dar acerca dos riscos de cheia — que se trataria de área de jurisdição da APLAdministração do Porto de Lisboa, S.A. Observa-se, assim, que não foi analisado, pela Agência Portuguesa do Ambiente, o risco de cheia em um projeto tão próximo da margem do rio.

Assinalo que a Lei da Água (Lei n.º 58/2005, de 29 de dezembro) determina que, enquanto não forem delimitadas e classificadas as zonas inundáveis ou ameaçadas por cheias, estão sujeitos a parecer vinculativo o licenciamento de operações de urbanização ou edificação, quando se localizem dentro do limite da cheia, com período de retorno de 100 anos, ou de uma faixa de 100m para cada lado da linha de água, quando se des-conheça aquele limite (n.º 7 do artigo 40.º). Mesmo que o artigo 13.º disponha que, nas áreas do domínio público hídrico afetas às administrações portuárias, a competência para licenciamento e fiscalização da utilização dos recursos hídricos considera-se delegada na administração portuária com jurisdição local, deve ter-se presente que, no caso em apreço, não está apenas em causa o licenciamento nem a fiscalização da utilização dos recursos hídricos, mas a obtenção de parecer no âmbito do licenciamento de uma operação urba-nística. Assim sendo, e sem prejuízo da intervenção da APLAdministração do Porto de Lisboa, S.A., o parecer da Agência Portuguesa do Ambiente é não só obrigatório como vinculativo.

Todavia, a não emissão de parecer substancial por parte da Agência Portuguesa do Ambiente não é geradora de irregularidade no procedimento e, consequentemente, não é impugnável, atendendo a que ocorreu a pronúncia formal.

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Ainda assim, não deixei de censurar a tomada de posição da Agência Portuguesa do Ambiente, radicada no entendimento (que tinha à data da consulta efetuada pela CML) de que nas áreas de jurisdição da administração portuária apenas a esta competia emitir parecer sobre o assunto. Assinalo, satisfatoriamente, que a posição foi, entretanto, alterada em consonância com a posição que manifestei.

§ 5.º Conclusões

a) É à CML que compete decidir, enquanto entidade licenciadora de operações urba-nísticas, qual a dotação de lugares de estacionamento a afetar a cada projeto, de acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 75.º do PDM de Lisboa e com o limite mínimo e máximo previsto no anexo X do mesmo instrumento de gestão territorial. O entendimento de que é ao requerente do licenciamento do projeto que compete definir se há de observar o limite mínimo ou máximo, ou um qualquer valor situado entre estes dois, configura uma situação de renúncia ao exercício de uma competência que é atribuída à CML em ordem ao correto ordenamento da cidade;

b) O PDM de Lisboa, ao permitir que determinados projetos na zona ribeirinha sejam declarados de excecional importância para a cidade, afasta a regra aplicável ao caso con-creto, sem que institua qualquer alternativa ou regra aplicável, atribuindo à Câmara Muni-cipal o poder de criar a solução do caso concreto, no momento da aplicação do plano, com violação dos princípios da igualdade, da segurança jurídica e da imparcialidade, do direito de participação dos interessados e das garantias de racionalidade e de coordena-ção de interesses públicos que o procedimento de formação, de revisão e de alteração dos planos procura promover e salvaguardar, abrindo as portas ao livre arbítrio na gestão da zona ribeirinha. As normas do PDM supra identificadas comportam uma omissão total de regulamentação da exceção criada, violando-se, desta forma, o conteúdo mínimo obri-gatório que o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial impõe a estes ins-trumentos de gestão territorial. É ainda desconforme com o Código de Procedimento Administrativo em vigor.

Em face do exposto, dignar-se-á Vossa Excelência, em cumprimento do disposto no n.° 2 do artigo 38.° da Lei n.° 9/91, de 9 de abril, transmitir-me, dentro de 60 dias, a posição que vier a assumir relativamente ao que ora recomendo.

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Recomendação n.º 6/A/2016Proc. Q-4162/14Entidade visada: Presidente do Conselho de Administração da SCUTVIAS — Autoestradas da Beira Interior, S.A. Data: 2016/12/16Assunto: Direitos dos utentes das vias rodoviárias classificadas como autoestradas concessionadasSequência: Já em 2017, a entidade visada comunicou que irá promover a solução extrajudicial junto do queixoso

Nos termos e para os efeitos do disposto da alínea a), do n.° 1, do artigo 20.° do Esta-tuto do Provedor de Justiça, aprovado pela Lei n.°9/91, de 9 de abril, na redação da Lei n.°17/2013, de 18 de fevereiro, e em face das motivações seguidamente apresentadas, recomendo à empresa SCUTVIAS – Autoestradas da Beira Interior, S.A. (designada doravante por SCUTVIAS), presidida por V. Exa. que:

Em face da não demonstração do cabal cumprimento, em concreto, dos deveres de vigilância, assuma a responsabilidade pela produção do sinistro ocorrido em 14 de maio de 2014, pelas 02h00, consubstanciado no embate da viatura automóvel com a matrícula (…) em obstáculo (parte de um pneu) existente ao Km 44 da A23, no sentido Castelo Branco/Torres Novas; e, em consequência, indemnize o acidentado pelos danos sofridos, cumprindo o que a este respeito é legalmente estabelecido no regime jurídico da respon-sabilidade das concessionárias pelos acidentes ocorridos em autoestradas por objetos exis-tentes na faixa de rodagem, aprovado pela Lei n.º 24/2007, de 18 de julho.

Queira V. Exa. atender às motivações que apresento, no termo da apreciação das ques-tões controvertidas, a qual compreendeu, como não poderia deixar de ser, as explicações prestadas pela SCUTVIAS, em observância do princípio do contraditório plasmado no artigo 34.° do Estatuto do Provedor de Justiça.

§ 1.° A queixa

O queixoso […] requereu a intervenção deste órgão do Estado junto da SCUTVIAS, reclamando o ressarcimento dos danos que sofreu na viatura automóvel com a matrícula (…), em resultado do embate em obstáculo (parte de um pneu) existente ao Km 44 da A23, no sentido Castelo Branco/Torres Novas.

O acidente ocorreu em 14 de maio de 2014, pouco antes das 02h00, e a confirmação da causa foi verificada no local pelos serviços de assistência da própria SCUTVIAS. O queixoso solicitou à SCUTVIAS a assunção da responsabilidade pelos danos decorrentes do sinistro. Todavia, a empresa a que V. Exa. preside eximiu-se dessa responsabilidade, argumentando em síntese que:

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«no âmbito das suas obrigações contratuais no domínio da segurança da circulação, à SCUTVIAS não pode ser exigida uma presença permanente e simultânea na totali-dade da rede, mas sim uma cadência diligente e aceitável de patrulhamentos, que são efetivamente realizados por esta empresa.

Relativamente ao incidente em questão, podemos assegurar a V. Exa., que foram efe-tuados os patrulhamentos permanentes e regulares, quer pelo pessoal da Assistência desta Concessionária, quer pelo Destacamento de Trânsito da GNR em serviço na nossa rede, não tendo sido detetada qualquer anomalia, naquele período, que pudesse afetar a normal segurança da circulação»(37).

§ 2.º O contraditório

Analisados os elementos apresentados na queixa, os meus serviços solicitaram à SCU-TVIAS que especificasse as ações de patrulhamento levadas a cabo nos dias 13 e 14 de maio de 2014. Com efeito, a simples invocação, por parte da SCUTVIAS, de que à data estavam assegurados patrulhamentos com uma cadência diligente e aceitável, permanente e regular, não se mostrava suficiente, o que motivou um pedido de esclarecimentos adicio-nais. Nessa sequência, a SCUTVIAS veio esclarecer que os patrulhamentos são realizados em turnos de oito horas, 24 horas por dia, 365 dias por ano, em uma concessão de 177km, divididos em três troços. Cada um destes troços é, por sua vez, patrulhado por um vigi-lante motorista, em viatura apropriada(38).

A informação prestada continuava a afigurar-se demasiado vaga, razão pela qual se soli-citou a concretização das ações de patrulhamento realizadas no dia do acidente, no troço em causa, quer pelo pessoal de assistência da concessionária, quer pelo Destacamento de Trânsito da GNR em serviço na rede. Foi ainda solicitado que fossem materializadas as ocorrências detetadas e resolvidas, bem como a prestação de informação sobre eventual cobertura do local onde ocorrera o sinistro por sistema de videovigilância.

Em resposta, a SCUTVIAS informou que a câmara de videovigilância(39) mais próxima do local do acidente se situa a 6400 metros e que não dispunha de informação quanto aos patrulhamentos efetuados sob responsabilidade da GNR.

Apreciados os elementos carreados para a instrução(40), apurou-se o seguinte:

(37) Tomada de posição comunicada ao queixoso, pela SCUTVIAS, por correio eletrónico de 19 de maio de 2014, sob a ref.ª DEX/14/O.993/00621.(38) Ofício DEX/15/O.993/00111, de 30 de janeiro de 2015.(39) A qual serve unicamente o propósito de monitorização, não procedendo, portanto, ao registo de imagens. Cf. informação prestada pela SCUTVIAS, em 10 de março de 2015.(40) Ofício DGR/15/00887, de 9 de julho de 2015; ofício DGR/15/O.993/01630, de 17 de dezembro de 2015 e ofício DGR/16/O.993/00607, de 21 de abril de 2015.

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i) No dia 13 de maio de 2014, as últimas passagens no troço onde ocorreu o acidente, realizadas pelo serviço de assistência da SCUTVIAS, deram-se às 19h37 (sentido N/S) e às 19h53 (sentido S/N).

ii) Não foi detetada a presença de qualquer objeto que pudesse pôr em causa a segu-rança da circulação.

iii) Tendo o sinistrado solicitado telefonicamente a presença da assistência à 01h52, do dia 14 de maio de 2014, por motivo do acidente, esta chegou ao local às 02h27.

iv) Até então não havia sido dado notícia de qualquer ocorrência.v) Assume a SCUTVIAS que o veículo acidentado circulava em excesso de velocidade

(superior a 120km/hora), conforme resultaria do inscrito em quadro e gráfico que juntou.

§ 3.º A análise da situação reclamada

Sendo a autoestrada uma via onde é permitida a circulação à velocidade mais elevada (120 km/hora), entendeu o legislador que o risco acrescido inerente a esta permissão exigiria da concessionária um cuidado redobrado de garantia da segurança do trânsito. Assim, viria a Lei n.º 24/2007, de 18 de julho(41), a estabelecer que:

«Nas auto-estradas, com ou sem obras em curso, e em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, desde que a respectiva causa diga respeito a objectos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem» (alínea a), n.º 1, do artigo 12.º da referida Lei).

Ficou, assim, legalmente consagrado o princípio a favor do utente, pondo-se fim a uma ampla querela doutrinária e jurisprudencial.

«Estando-se perante especiais actividades económicas geradoras de riscos elevados de lesão de bens e direitos de terceiros, muitas vezes ínsitos ao próprio tipo de bens cuja aquisição se oferece, afigura-se como previsível que o legislador possa submeter essa acti-vidade concreta a especial regime de responsabilidade e isso principalmente quando ela é levada a cabo em regime de concessão pública, pois dela poderá sobrar para o Estado a emergência de ter de suprir as consequências danosas para os utilizadores desses bens, mormente através do cumprimento dos deveres de prestação dos serviços de saúde e de segurança social.»(42)

Querendo fazer-se cessar a especial onerosidade que recaía sobre o utente de apresentar prova da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil — por efeito da aplicação

(41) Define os direitos dos utentes nas vias rodoviárias classificadas como autoestradas concessionadas, itinerários principais e itinerários complementares.(42) Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16 de dezembro de 2009 (processo 47/05.0TBSTS.P1), in http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/7e065f1c5d64c747802576b6003cbabc?OpenDocu-ment (consultado em 15 de dezembro 2016).

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dos termos gerais deste instituto —, ficou estabelecida a inversão do ónus da prova, trans-ferindo-se para a concessionária a obrigação de demonstrar ter tomado as medidas ade-quadas a evitar o sinistro.

A presunção legal de culpa, na fórmula adotada pelo regime legal em referência, ao assumir o utente como a parte mais fraca e mais carente de proteção, visa prosseguir duplo objetivo: o de agilizar e facilitar o reconhecimento da obrigação de indemnizar, por um lado, e o de incentivar o reforço, por parte da concessionária, das medidas necessária a evitar acidentes em resultado da causa descrita, por outro. Isto, porquanto vinham a dou-trina e a jurisprudência assinalando um evidente desequilíbrio entre as partes: à redobrada dificuldade do utente em fazer prova das circunstâncias que determinaram o acidente cor-respondia, da parte das concessionárias, a opacidade na apresentação dos resultados da investigação. A justa repartição do ónus da prova aconselhava, pois, à adoção da fórmula que viria a ser acolhida pelo diploma legal citado.

Refirase que esta presunção legal de culpa não deixa de constituir também uma pre-sunção legal de ilicitude, uma vez que o acidente que decorra da circunstância elencada indicia incumprimento por parte da concessionária do dever que sobre ela impende de assegurar a segurança da circulação, o que constituiu a prática de um facto ilícito (v.g., omissão do dever de vigilância, omissão da tomada das ações necessárias à remoção do obstáculo em tempo útil)(43).

O legislador introduziu, assim, no nosso ordenamento jurídico, um juízo de censura legal ao pressupor que o acidente se terá dado porque a concessionária não agiu com o zelo devido, incumprindo as suas obrigações. Demonstrado pelo lesado o nexo de causalidade entre o facto e o dano, cabe à concessionária ilidir a presunção, provando que tomou as providências devidas por forma a evitar o sinistro, ou invocando as causas de escusa elen-cadas na norma do n.º 3, do mesmo artigo 12.º da Lei n.º 24/2007, de 18 de julho, ou defendendo-se, provando que a conduta do lesado foi determinante do acidente.

Impende, pois, sobre a concessionária o ónus de apresentar prova de que atuou com a diligência devida para assegurar a comodidade e segurança de quem circula na autoes-trada, através do patrulhamento regular da via em períodos que garantam uma proteção efetiva dos utentes. Não basta a genérica invocação do cumprimento das obrigações de vigilância e assistência.

À especial perigosidade associada à permissão da circulação à velocidade absoluta mais elevada admitida pelo CE, em razão da natureza da autoestrada, corresponde o dever de a concessionária atuar com diligência devida a evitar a produção de danos, por via de uma suficiente supervisão, monotorização e conservação. Todavia, porque não pode ser exigido

(43) Neste sentido, vide a decisão jurisprudencial exarada pelo Supremo Tribunal de Justiça, datada de 21 de março de 2012 (processo n.º 6123/03.7TBVFR.P1.S1 – 7.ª Secção), in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b-5f003fa814/898c1fc49e76cfb680257a0e0037e766?OpenDocument (consultado em 15 de dezembro de 2016).

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à concessionária que a supervisão, a monitorização e a conservação se faça de forma per-manente e ininterrupta, a análise do cumprimento de tais deveres há de fazer-se de forma casuística, importando, pois, em face das considerações tecidas, apreciar o caso concreto.

A SCUTVIAS explicou que não detetou o objeto na via antes da ocorrência do sinis-tro, nem foi informada por qualquer meio, antes do acidente, da existência dele. Concluo, pois, que não existia qualquer sinalização a advertir os condutores de veículos sobre a exis-tência de objetos caídos no pavimento. Aquela entidade afirmou ainda que, no dia do acidente, os seus funcionários efetuaram diversos patrulhamentos, tendo passado algumas vezes no local, sem que tivessem observado o objeto, e referiu que tais os patrulhamentos são efetuados em turnos de oito horas, durante as 24 horas de cada dia, todos os 365 dias do ano.

Não obstante, no tocante aos patrulhamentos no troço em questão, a SCUTVIAS assegurou que, no dia 13 de maio de 2014, os últimos ocorreram às 19h37 (sentido N/S) e às 19h53(44). Ou seja, quase 6 horas antes do sinistro. A esta circunstância acresce que o aparelho de videovigilância mais próximo do local onde se deu o acidente se encontra a 6400 metros, não tendo a SCUTVIAS esclarecido se este está apto a servir de suporte à monotorização das condições de segurança naquele preciso ponto.

Não se vê, pois, como perante esta factualidade, a SCUTVIAS possa concluir que cumpriu devidamente o dever de vigiar as condições de circulação, assegurando que esta se processava em segurança, sendo que cabia à empresa demonstrá-lo, o que não fez.

Na verdade, não basta a genérica alegação de que adota um sistema de vigilância e que possui meios técnicos para o fazer; cabe-lhe, outrossim, provar a sua utilidade e cumpri-mento eficaz. Perante as parcas informações prestadas pela SCUTVIAS, subsistem fun-dadas dúvidas quanto à suscetibilidade de ser evitado o acidente.

É sobre a concessionária que recai o dever de impedir a permanência de objetos na via, de sorte que seja posta em perigo a segurança rodoviária, pelo que a questão dos meios adequados para o impedir é problema que apenas diz respeito à própria.

Como refere a jurisprudência:

«Só ela [a concessionária] tem (e se não tem, deveria ter) os meios idóneos a respon-der a isso, por ser a concessionária da via, com as inerentes obrigações, designadamente, as de permanentemente garantir uma via desobstruída e em adequadas condições, de molde a permitir a circulação rápida (dada a natureza da via) dos veículos em total

(44) A SCUTVIAS referiu a realização de ações de patrulhamento efetuadas pelo Destacamento de Trânsito da GNR, mas quanto a estas esclareceu não possuir qualquer informação. Havendo que assumir que a SCUTVIAS desco-nhece a sua cadência, não poderá sustentar-se nelas como complementando das ações que realiza.

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segurança e comodidade, a qualquer hora do dia e/ou da noite, aos respectivos utentes pagadores da correspondente taxa».(45)

Em um outro aresto pode ler-se que:

«Em caso de acidente rodoviário com danos para pessoas ou bens, a Lei 24/2007 de 18/7 veio estabelecer no seu art.º 12, nº 1, uma presunção de incumprimento pelas concessionárias da obrigação de manter aquelas vias – cuja exploração e conservação lhes está cometida – em condições de segurança para o tráfego que ali é suposto processar-se.

A elisão dessa presunção não se basta com a demonstração pela concessionária da observância de procedimentos de patrulhamento e verificação rotineiros, designada-mente das vedações laterais e da desobstrução da via.

Essa elisão apenas pode ser lograda com a prova de que acidente proveio da ocorrên-cia de um facto que, em termos normais, não poderia ser tempestivamente evitado ou controlado pela estrutura logística ao serviço da concessionária.» (46)

Se fosse aceite como suficiente a mera alegação genérica de cumprimento para ilidir a presunção legal de culpa, defraudar-se-ia a proteção que o legislador quis garantir por meio da fórmula que consagrou. Transpor-se-ia, a final, para o utente um ónus despropor-cionado de prova, exigindo-lhe que alegasse e demonstrasse que a concessionária devia saber da existência do objeto na via e que, nessa hipótese, nada fez para o remover e, alter-nada ou conjuntamente, o sinalizar(47).

Alega a empresa a que V. Exa. preside que o veículo acidentado circulava a velocidade excessiva, porque superior ao limite velocidade de 120Km/hora estabelecido para o local. Todavia, os elementos que a SCUTVIAS me disponibilizou, e nos quais sustentava esta afirmação, não se afiguram minimamente claros. Desde logo, os quadros que a suporta-vam não apresentavam a identificação dos veículos em circulação, nem imputavam discri-minadamente a velocidade a que cada um circulava no preciso local onde se deu o embate. Tão-pouco prestou informação quanto à natureza do aparelho, modelo e identificação da empresa acreditada responsável pela aferição dos resultados que regista. E, igualmente, não esclareceu o modo e a periodicidade das eventuais verificações (controlos metrológi-cos de métodos e instrumentos de medição e controlo de velocidade), ficando assim por demonstrar a fiabilidade da informação transmitida a este respeito; questão tanto mais

(45) Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 5 de maio de 2009 (processo n.º 0827903), in http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/85d07a075cce0f2c802575be0034eb40?OpenDocument (consul-tado em 15 de dezembro de 2016).(46) Como se pode ler no sumário do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 17 de julho de 2014 (apelação n.º 2533/11.4TBVIS.C1 – 1.ª Secção Cível), in http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/ed2f653e07d2701b80257d5b0048ce13?OpenDocument (consultado em 15 de dezembro de 2016).(47) Neste sentido, vide acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 4 de dezembro de 2015 (processo n.º 00371/13.9BEPRT – 1.ª Secção - Contencioso Administrativo), in http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2d-d49c802575c8003279c7/9f8c008bb86a05aa80257f1c0058be3d?OpenDocument (consultado em 15 de dezembro de 2016).

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importante quanto o controlo automático da velocidade por radar se revela como meio adequado à redução da sinistralidade rodoviária(48).

A este propósito, importará recordar que a concessionária não tem competência legal para fiscalizar o trânsito, muito menos para emitir juízos decisórios sobre eventuais infra-ções que detete. Com efeito, o artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de fevereiro(49), contém o elenco taxativo das entidades fiscalizadoras, o qual não inclui as concessionárias. Para além de que só o auto de notícia levantado e assinado pela autoridade ou agente de autoridade faz fé sobre os factos presenciados, mesmo admitindo prova em contrário, só assumem idêntica força probatória os elementos obtidos através de aparelhos ou instru-mentos aprovados nos termos legais e regulamentares (n.º 3 e n.º 4 do artigo 170.º do CE).

De todo o modo, refira-se que à concessionária não bastaria demonstrar (se possível fosse) que o veículo circulava a velocidade excessiva, porque superior à legalmente admi-tida; impor-se-lhe-ia a prova da causalidade adequada.

«As infracções estradais praticadas pelos intervenientes em acidente de viação podem nada ter a ver com a ocorrência do mesmo. O que há a considerar, em todos os casos, é a gravidade das infracções e a forma determinante, num juízo de causalidade, que as mesmas tiveram na produção do sinistro.» (50)

A referenciação da velocidade máxima permitida no local haveria, pois, de ser conca-tenada com a natureza do acidente e as características da via, não sendo bastante por si só, frisa-se, para formular juízo quanto à culpa pela produção do sinistro. Assim, ainda que se assumisse sem reservas que no preciso momento do embate o veículo acidentado circulava acima do limite de velocidade legalmente estabelecido (o que não pode conceder-se face à fragilidade da argumentação exposta), essencial era saber se, circulando de noite e na falta de qualquer aviso, teria o condutor a possibilidade de evitar aquele obstáculo abrup-tamente surgido.

§ 4.° Conclusões

À luz das motivações precedentemente expostas, e nos termos do disposto na alínea a), do n.º 1, do artigo 20.º da Lei n.º 9/91, de 9 de abril, recomendo à SCUTVIAS que

(48) Daí a necessidade da colocação de sinalização avisadora (cf. Preâmbulo do Decreto Regulamentar n.º 2/2011, de 3 de março, que introduziu novos símbolos e sinais de informação relativos à cobrança eletrónica de portagens em lanços e sublanços de autoestradas e aos radares de controlo de velocidade).(49) No uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 53/2004, de 4 de novembro, altera o CE, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 114/94, de 3 de maio.(50) Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 6 de maio de 2008 (processo n.º 08A1279), in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/9a551a998b84afb88025744b0048c4a9?OpenDocument (consul-tado em 15 de dezembro de 2016). No mesmo sentido também acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 19 de fevereiro de 2013 (processo n.º 1814/08.9TBAGD.C2, in http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d-9005cd5bb/0674bc079aaa05ac80257b1e0035b334?OpenDocument (consultado em 15 de dezembro de 2016).

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assuma a responsabilidade pela produção do sinistro, indemnizando o acidentado pelos danos sofridos, desse modo cumprindo o que a este respeito é estabelecido no regime jurí-dico da responsabilidade das concessionárias pelos acidentes ocorridos em autoestradas por objetos existentes na faixa de rodagem, aprovado pela Lei n.º 24/2007, de 18 de julho.

Dignar-se-á V. Exa., em cumprimento do disposto no n.° 2 do artigo 38.° da Lei n.° 9/91, de 9 de abril, transmitir-me, dentro de 60 dias, a posição que vier a assumir.

b) Sugestões

Proc. Q-1834/16Entidade visada: SIMAR — Serviços Intermunicipalizados de Águas e Resíduos de Loures e OdivelasData: 2016/08/17Assunto: Ruído. Horário de recolha de resíduos Sequência: Sugestão acolhida

Este órgão do Estado recebeu uma queixa, solicitando a sua intervenção junto dos Ser-viços Intermunicipalizados de Águas e Resíduos de Loures e de Odivelas por se abste-rem de atender à reclamação sobre incomodidade ruidosa imputada a operações de reco-lha de resíduos de ecopontos, entre as 07h00 e as 07h15, nas traseiras de cinco prédios habitacionais.

Os referidos serviços foram ouvidos, em particular quanto à disponibilidade em provi-denciar para que a recolha ocorra em período mais propício aos moradores, tendo comu-nicado a este órgão do Estado que prestam o serviço de recolha de resíduos nos Municí-pios de Loures e de Odivelas, não sendo possível, face à extensa área geográfica, assegurar a recolha exclusivamente em um único turno. Assim, a recolha de resíduos urbanos, quer de indiferenciados, quer de matérias recicláveis, é distribuída por turnos diurnos e noturnos.

Na área residencial do queixoso, a recolha de resíduos indiferenciados e de embalagens de vidro era efetuada entre as 13h00 e as 20h00 e a recolha de papel, de cartão e outras embalagens entre as 06h00 e as 13h00. As viaturas cumpriam os requisitos legais em maté-ria de emissões sonoras.

Perante a sugestão deste órgão do Estado, os mencionados serviços acederam retardar a recolha para as 08h00, sempre que possível, instruindo os serviços nesse sentido.

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Proc. Q-1080/14Entidade visada: Câmara Municipal de Torres VedrasData: 2016/03/17Assunto: Taxa por ocupação de ossário municipalSequência: Sugestão acolhida

O Provedor de Justiça interveio, na sequência de apresentação de queixa, junto da Câmara Municipal de Torres Vedras, a respeito da liquidação da taxa, no valor de € 15,00, exigida pela ocupação de ossário no Cemitério Municipal.

Não obstante a ocupação ter ocorrido durante pouco mais de um mês, foi exigida o pagamento da taxa anual, com fundamento no disposto no Regulamento de Liquidação e Cobrança de Taxas e Emissão de Licenças do Município de Torres Vedras, o qual não permitia que o valor da taxa pudesse ser fracionado.

Este órgão do Estado solicitou esclarecimentos sobre o assunto à entidade visada rela-tivamente ao procedimento de aplicação da norma regulamentar.

Ao contrário dos impostos, as taxas caracterizam-se por serem prestações pecuniárias exigidas por uma entidade pública em contrapartida de uma prestação administrativa efe-tivamente aproveitada pelo sujeito passivo, o que significa que o pagamento de uma taxa não tem o fim de custear encargos gerais da comunidade mas antes prestações de que o sujeito passivo é beneficiário.

Apurou-se, também, que a norma regulamentar em causa conduzia à inexistência de equivalência entre a efetiva utilização do ossário e o tributo liquidado e levando a que con-tribuintes que aproveitassem benefícios por períodos desiguais pagassem tributo igual. Uma vez que este correspondia sempre a uma prestação anual, não fazia sentido que o valor da taxa exigida pela ocupação de um ossário fosse o mesmo independentemente de esta ter ocorrido durante escassos dias ou durante um ano.

O Provedor de Justiça sugeriu ao município que alterasse o disposto no Regulamento de Liquidação e Cobrança de Taxas e Emissão de Licenças, tendo aquele transmitido que o Regulamento em questão estava a ser alterado, conforme sugerido.

Proc. Q-4795/14Entidade visada: Câmara Municipal de LisboaData: 2016/05/24Assunto: Obras de conservação. Omissão de medidasSequência: Sugestão acolhida

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O Provedor de Justiça acompanhou a situação habitacional e social de um cidadão idoso que morava, como ocupante único, um edifício residencial no centro de Lisboa, no qual não eram executadas as obras de conservação necessárias e obrigatórias. A situação perdurava há mais de 25 anos, sem que a CML tivesse adotado as medidas adequadas a compelir o pro-prietário a executar os referidos trabalhos ou a substituir-se ao mesmo nessa tarefa.

Ao longo do tempo em que este órgão do Estado seguiu o caso ocorreram diversas vicissitudes, materiais e jurídicas, como um procedimento de licenciamento das obras de demolição do edifício e de construção de um novo, que depois caducou; uma ação de despejo, julgada improcedente e um procedimento de intimação municipal para obras de conservação. Acrescente-se que chegou até a deflagrar um incêndio, o que degradou ainda mais o estado de conservação do imóvel.

Este órgão do Estado reforçou, junto da CML, a necessidade de uma ação firme em defesa do património edificado e dos munícipes moradores, designadamente em face dos inúmeros expedientes dilatórios que foram sendo adotados pelo proprietário do edifício para ficar desobrigado da execução das obras intimadas, e para o risco do agravamento da vetustez da edificação.

O Provedor de Justiça questionou a autarquia relativamente às medidas que estavam a ser ponderadas, mormente sobre a instauração de procedimento contraordenacional e o agravamento dos tributos que incidem sobre o edifício.

A CML comunicou que, relativamente a um dos fogos, havia sido agravada em 30% a taxa do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) e aplicada taxa municipal de prote-ção civil de 0,3%, por não terem sido executadas as obras necessárias à correção das más condições de segurança ou salubridade. Quanto aos restantes fogos, ficaram sujeitos ao pagamento do triplo da taxa do IMI e seriam objeto de aplicação da Taxa Municipal de Proteção Civil de 0,6%, por se encontrarem devolutos.

A CML procurou, mediante a realização de várias reuniões e encontros, alcançar acordo para o realojamento do arrendatário, o que não foi conseguido. Deste modo, o senhorio foi intimado a realizar obras, mas o prazo fixado esgotouse sem a respetiva concretização, o que originou a instauração de procedimento contraordenacional e que culminou na condenação do proprietário ao pagamento de uma coima no valor de € 2800,00.

O Provedor de Justiça entendeu tomar posição perante a CML devido à inconsistência da atuação dos seus serviços, tendo em atenção a idade do inquilino e a fragilidade dos meios de defesa dos seus direitos. A autarquia acedeu na realização de nova vistoria ao local.

Em resultado, a CML intimou o proprietário a executar as obras de conservação e de reabilitação necessárias à correção das deficiências descritas no auto de vistoria, tendo fixado o prazo de 30 dias para o seu início e de nove meses para a sua conclusão.

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c) Chamadas de atenção

Proc. Q-2675/14 e Q-2576/14 Entidade visada: Secretário de Estado do Ordenamento do Território e da Conserva-ção da NaturezaData: 2016/12/16Assunto: Regime Jurídico da Reabilitação Urbana Excecional e Temporária. Seguran-ça sísmica. AcessibilidadeSequência: Chamada de atenção acolhida

A intervenção do Provedor de Justiça foi solicitada relativamente à revisão do Regime Jurídico Excecional e Temporário da Reabilitação Urbana, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2014, de 8 de abril. Reclamava-se da dispensa, por um lado, do reforço sísmico dos edifícios a reabilitar ao abrigo deste regime jurídico e, por outro, dos requisitos da acessibilidade.

Este órgão do Estado, reconhecendo as debilidades apontadas no referido regime jurí-dico — ideia reforçada na sequência dos contactos estabelecidos com a Ordem dos Enge-nheiros, que igualmente defendia a alteração do regime jurídico —, interpelou os mem-bros do Governo responsáveis pelas pastas do Ambiente e Ordenamento do Território, e da Energia.

O Provedor de Justiça chamou a atenção para a circunstância de o regime jurídico per-mitir a execução de operações de reabilitação urbana em edifícios sem prévia avaliação e sem reforço das suas condições de resistência sísmica. Defendeu também, após audição da Ordem dos Engenheiros, que deveria ser efetuada uma avaliação das condições de resis-tência do edifício a reabilitar por forma a evitar que as obras, sem nenhuma exigência adicional, perpetuassem a fragilidade daqueles.

O referido regime jurídico veio ainda dispensar toda e qualquer justificação científica, técnica ou jurídica para o não cumprimento de certas normas técnicas, excetuando-se as relativas à eficiência energética e à qualidade térmica. Nestes casos, a não observância das normas obrigava à apresentação de um termo de responsabilidade que fundamentasse o não cumprimento. Todavia, o mesmo não sucedia, por exemplo, com o afastamento das regras sobre reforço estrutural do edifício e sobre barreiras arquitetónicas, as quais, à par-tida, pareceriam credoras de uma proteção acrescida, não se tratando apenas da condição dos moradores com deficiência motora, mas também da das pessoas com mais idade que habitam maioritariamente os núcleos históricos e das famílias com crianças.

O Provedor de Justiça reiterou, de igual modo, a necessidade de serem acautelados os interesses dos futuros adquirentes ou arrendatários dos edifícios reabilitados, devendo-se publicitar que as edificações reabilitadas ao abrigo do regime excecional foram-no não só a custos menos elevados, como também com padrões de construção menos exigentes.

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Com efeito, o Provedor de Justiça sustentou que, se o regime permitia uma considerável diminuição dos custos da reabilitação urbana — por força da preterição de aspetos rela-cionados com áreas mínimas de habitação, pé-direito, instalação facultativa de elevadores e de reforço da estrutura antissísmica, para além do regime jurídico sobre acessibilidades, requisitos acústicos, eficiência energética e qualidade térmica, instalações de gás e infraes-truturas de telecomunicações em edifícios —, os investidores na reabilitação urbana pode-riam vir a locupletar-se indevidamente com a alienação dos prédios, na eventualidade de os adquirentes não serem conhecedores das menores condições de segurança, qualidade e conforto. Importava, por isso, garantir que a diminuição dos custos se refletisse, na mesma medida, na redução do preço de venda e das rendas e que, do mesmo passo, não fossem apenas beneficiados os investidores, em prejuízo dos demais intervenientes.

Em resposta, o Secretário de Estado Adjunto e do Ambiente comunicou que iria suge-rir ao Ministério do Planeamento e das Infraestruturas a elaboração de recomendações de apoio ao projeto de estabilidade de edifícios antigos, mormente de reforço sísmico, preocupação vincada na posição transmitida por este órgão do Estado.

Proc. Q-1722/15Entidade visada: Câmara Municipal de CascaisData: 2016/09/13Assunto: Regulamento da Urbanização e Edificação do Município de Cascais. Obras isentas de controlo prévio. Obrigatoriedade de informação prévia. Ilícito contraorde-nacionalSequência: Chamada de atenção acolhida

O Provedor de Justiça recebeu uma queixa sobre a tipificação como contraordenação, em regulamento municipal, da não prestação de informação à câmara municipal, com a antecedência mínima de cinco dias, da execução dos trabalhos e da identificação do pro-motor e da pessoa responsável, ainda que o Regime Jurídico da Urbanização e da Edifica-ção os tivesse isentado de controlo prévio.

A norma regulamentar em causa podia ser interpretada no sentido de que trabalhos de simples conservação, reparação e limpeza — como sejam o afagamento do soalho, a pintura de uma parede interior, a aplicação de alcatifa no pavimento, a reparação de um elemento da canalização ou a substituição de telhas na cobertura — obrigariam a uma comunicação às autoridades municipais, sob pena de o dono da obra cometer uma infra-ção contraordenacional.

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O Provedor de Justiça entendeu que o dever de informar as autoridades municipais de atividades que sejam inteiramente livres — pois sem sequer há normas de direito público para confrontar antes ou depois de serem levadas a cabo — era excessivo, tanto mais que, a ser assim, a não comunicação seria geradora de responsabilidade contraordenacional. Considerou, ainda, que, no n.º 1 do artigo 80.º-A do RJUE (que a norma regulamentar pretendia executar), o legislador usou o conceito de trabalhos com o objetivo de alcançar todas as obras preliminares ou consequentes de operações urbanísticas, pelo que os sim-ples trabalhos de conservação que se limitem a reparar, limpar ou substituir, sem nenhuma incorporação acrescida de materiais estariam fora do seu âmbito.

Este órgão do Estado chamou a atenção da Câmara Municipal de Cascais para a neces-sidade de serem tomadas medidas em ordem a desobrigar de informação prévia os traba-lhos que, por definição, não representassem operações urbanísticas, não tivessem com elas um nexo de antecedência ou consequência necessária e se mostrassem inteiramente livres, ou seja, fora da previsão de prescrições legais e regulamentares de direito público que limi-tavam, condicionavam ou simplesmente regulavam a sua prática.

A câmara municipal acolheu o entendimento sufragado pelo Provedor de Justiça, reconhecendo a necessidade de rever o seu Regulamento.

Proc. Q-7841/2013Entidade visada: Infraestruturas de Portugal, S.A.Data: 2016/12/13Assunto: Empreitada de obras públicas. Prejuízos. Responsabilidade do dono da obra Sequência: Aguarda resposta

O Provedor de Justiça recebeu uma queixa em quer a entidade visada era a Estradas de Portugal, E.P.E. — atual Infraestruturas de Portugal, S.A. — a respeito dos prejuízos sofridos pelos proprietários de um edifício, no decorrer da construção do lanço da estrada IC2-Variante Sul de Coimbra, e da demora na resolução dos processos de ressarcimento.

No âmbito da instrução do procedimento foi ouvida a entidade visada que confirmou ter recebido várias reclamações, as quais encaminhou para o empreiteiro (uma empresa de direito espanhol) para, ao abrigo do contrato celebrado, tomar conhecimento, analisar o assunto e encetar contactos com os interessados. Por sua vez, a empresa estrangeira reme-teu as diversas situações para a respetiva seguradora.

Atendendo à demora na resposta, foi, de novo, ouvida a entidade visada que, por sua vez, comunicou não poder exercer qualquer ação adicional para além das de fiscalizar

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eficazmente a empreitada, reunir elementos, notificar o empreiteiro para regularizar as situações e dar conhecimento do encaminhamento feito aos particulares.

Tendo presente as competências estatutárias do Provedor de Justiça, foram solicitados esclarecimentos à empresa que executou a obra. Com efeito, o contrato de empreitada prevê que o empreiteiro é responsável por todas as deficiências e erros relativos à execução dos trabalhos, sendo indemnizáveis danos corporais, materiais e prejuízos materiais ou patrimoniais primários. Por outro lado, decorre do regime jurídico das empreitadas de obras públicas que constitui obrigação do empreiteiro a execução dos trabalhos necessá-rios para garantir a segurança da obra e do público, em geral, e evitar danos nos prédios vizinhos. Assim sendo, a não execução dos trabalhos necessários para evitar a deterioração dos edifícios sitos nas imediações da obra poderia configurar ato ilícito e culposo susce-tível de gerar uma obrigação de indemnização. Todavia, os interessados continuavam a aguardar o desfecho dos processos.

O Provedor de Justiça chamou à atenção a Infraestruturas de Portugal, S.A. para a necessidade de ser encontrada uma solução equitativa, uma vez que, a par das obrigações que recaem sobre o empreiteiro na realização da obra, existem deveres de fiscalização e de direção do dono da obra, pois o contrato de empreitada de obras públicas consubstancia um contrato administrativo.

Note-se que o dono da obra detém poder de direção sobre o modo de execução das prestações que ultrapassa a mera fiscalização, o qual se traduz em um verdadeiro “acom-panhamento diretivo”. Assim, muito embora a colaboração do empreiteiro seja necessária para a realização das obras, a administração continua responsável perante a coletividade pela sua boa realização, bem como pela segurança pública, exercendo poderes de direção, de controlo e de vigilância. Por conseguinte, derivando os danos na edificação do exer-cício de uma atividade pública — a construção de uma estrada —, o Provedor de Justiça defendeu que a pessoa coletiva de direito público responde civilmente perante terceiros pelas ofensas dos seus direitos, resultantes de atos ilícitos culposamente praticados pelos respetivos órgãos ou agentes no exercício das suas funções e por causa desse exercício.

Foi, igualmente, referido que, neste caso, não é aceitável a invocação da prescrição do direito, tanto mais que os queixosos haviam criado expectativas quanto à boa-fé do dono da obra e do próprio empreiteiro, no sentido de estar a ser efetivamente a reparação dos prejuízos sofridos.

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1.2. Tomadas de posição de não provimento de queixa

Proc. Q-3059/2015 Entidade visada: Empresa Municipal de Mobilidade e Estacionamento de Lisboa, E.M.S.A. (EMEL)Data: 2016/05/24 Assunto: Zonas de estacionamento exclusivas para residentes

O Provedor de Justiça recebeu uma queixa contra a EMEL, a respeito da criação ale-gadamente arbitrária de zonas de estacionamento exclusivas a residentes que assentava na circunstância de, em diversos locais da cidade de Lisboa, terem sido criadas bolsas de estacionamento onde só os residentes podem estacionar. Entendia o queixoso existir claro prejuízo para os demais automobilistas, na medida em que, na maioria das vezes, a difi-culdade de estacionamento que justificou a adoção deste tipo de medidas se limitava a um determinado período diário pelo que, nas horas restantes do dia, os demais automobilistas não podiam utilizar os inúmeros lugares disponíveis.

No âmbito da instrução do procedimento, concluiu-se que a definição de bolsas de estacionamento destinadas a residentes tem por base, para além do disposto no Regula-mento Geral de Estacionamento na Via Pública da Cidade de Lisboa, pressupostos especí-ficos, destacando-se a reduzida procura de estacionamento de curta duração em determi-nados arruamentos — que consubstanciam áreas predominantemente residenciais, sem atividades relevantes de comércio e serviços —, a procura de estacionamento residencial superior à oferta disponível na via pública e, bem assim, a análise efetuada pelas juntas de freguesia e pelos serviços municipais. Observou-se, pois, que a criação de zonas reservadas a moradores obedece a critérios objetivamente fixados, que se prendem com as caracterís-ticas e necessidades específicas de cada local.

Proc. Q-2240/16Entidade visada: Infraestruturas de Portugal, S.A.Data: 2016/07/22Assunto: Publicidade visível nas estradas. Taxas

A este órgão do Estado foi dirigida uma queixa relativamente à publicidade que é colo-cada de forma visível nas estradas, na qual se questionada a compatibilização entre o dis-posto no artigo 59.º da Lei n.º 34/2015, de 27 de abril (Estatuto das Estradas da Rede

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Rodoviária Nacional), e o estabelecido no Regime de Afixação e Inscrição de Mensagens de Publicidade e Propaganda (Lei n.º 97/88, de 17 de agosto).

Na queixa era referido que a liquidação de taxas pelos municípios e pela Infraestruturas de Portugal, S.A., poderia significar uma duplicação de coleta, o que, nos termos previstos no n.º 1 artigo 205.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) significa que «estando pago por inteiro um tributo, se exige um outro de igual natureza, referente ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo.»

O Provedor de Justiça já se pronunciou, em momento anterior(51), sobre a intervenção da então EP-Estradas de Portugal, S.A., relativamente à tributação da afixação de mensa-gens de publicidade, no seguimento de casos concretos expostos pelos sujeitos passivos das taxas.

De acordo com o Regime de Afixação e Inscrição de Mensagens de Publicidade e Pro-paganda, o pedido de licenciamento era dirigido ao presidente da câmara municipal da respetiva área e a deliberação da câmara municipal deveria ser precedida de parecer das entidades com jurisdição sobre os locais onde a publicidade for afixada, nomeadamente a, então, Estradas de Portugal, S.A..

A par disso, o Supremo Tribunal Administrativo entendeu, no acórdão de 29 de outu-bro de 2015, que a Lei n.º 97/88, de 17 de agosto, regulava:

«a afixação e inscrição de mensagens de publicidade e propaganda atribuindo o licenciamento de forma universal às câmaras municipais, na área do respetivo concelho, sem prejuízo da intervenção obrigatória, através da emissão do respectivo parecer, por parte de entidades com jurisdição exclusiva para defesa de interesse públicos específicos que têm de ser tidos em conta na emissão de licença final pelo respetivo município.»(52)

Este órgão do Estado defendeu que, após a entrada em vigor Lei n.º 97/88, de 17 de agosto, a então Estradas de Portugal, S.A. deixou de ter competência para liquidar taxas pelo licenciamento de afixação de mensagens publicitária, dispondo apenas de competên-cia para a emissão de parecer, no âmbito do procedimento de licenciamento da autoria das câmaras municipais.

O Decreto-Lei n.º 13/71, de 23 de janeiro, veio, entretanto, a ser expressamente revo-gado pelo Estatuto das Estradas da Rede Rodoviária Nacional, de acordo com o qual publi-cidade visível das estradas fica sujeita a obtenção de uma licença, a emitir pelo município territorialmente competente. Recebido o pedido de licenciamento, o município remete cópia à administração rodoviária para que se pronuncie, através da emissão de um parecer,

(51) Cf. as Recomendações n.os 5/A/2012 e 16/A/2013, consultável, respetivamente, em http://www.provedor-jus.pt/?idc=67&idi=14869 e em http://www.provedor-jus.pt/?idc=67&idi=15279(52) O referido acórdão pode ser consultado em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/f564cb23971f929580257d8800442f83?OpenDocument&ExpandSection=1#_Section1

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o qual cuidará da segurança rodoviária das estradas a que se aplica o mesmo Estatuto (n.º 1 e n.º 2 do artigo 59.º da Lei n.º 34/2015, de 27 de abril).

O legislador remeteu, contudo, para outro diploma as regras aplicáveis à afixação de publicidade visível das estradas, designadamente quanto às matérias com potencial impacto para a segurança rodoviária, como a localização permitida, o conteúdo da mensa-gem, a luminosidade, os critérios para a instalação, manutenção e conservação dos respeti-vos suportes publicitários. Tais regras, bem como as relativas à taxa devida à administração rodoviária, serão estabelecidas por portaria a aprovar pelos membros do Governo respon-sáveis pelas áreas das finanças, das infraestruturas rodoviárias, das autarquias locais, da segurança rodoviária e da área com competências genéricas no domínio da publicidade.

Por estas razões, o Provedor de Justiça considerou que não havia duplicação de coleta, uma vez que não estavam a ser liquidadas quaisquer taxas neste domínio, atendendo a que, a portaria em causa, ainda não havia sido publicada.

Proc. Q-0545/15Entidade visada: Sociedade Portuguesa de Autores, CRLData: 2017/12/16Assunto: Liquidação de taxa para remuneração de autor por conta de emissão de música difundida em estabelecimento de restauração e bebidas

A intervenção do Provedor de Justiça foi solicitada, junto da Sociedade Portuguesa de Autores, CRL, por esta entidade exigir à queixosa a regularização do pagamento pela difusão de música ambiente no respetivo estabelecimento de restauração e bebidas. Era alegado que a empresa procedia há 20 anos ao pagamento de avenças mensais à Sociedade Portuguesa de Autores, CRL para utilizar música ambiente e TV satélite ou cabo.

Contudo, ao tomar conhecimento do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 15/2013, de 16 de dezembro(53) — que fixou jurisprudência no sentido de «[a] aplicação, a um televisor, de aparelhos de ampliação de som, difundido por canal de televisão, em estabelecimento comercial, não configura uma nova utilização da obra transmitida, pelo que o seu uso não carece de autorização do autor da mesma, não integrando consequente-mente essa prática o crime de usurpação, p. e p. pelos arts. 149.º, 195.º e 197.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos» [itálico no original] —, a queixosa dirigiu uma comunicação à Sociedade Portuguesa de Autores, CRL que prosseguiu na cobrança das avenças mensais.

(53) Publicado no Diário da República n.º 243, 1.ª série, de 16 de dezembro de 2013.

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O Provedor de Justiça já tomara posição, por duas vezes(54), sobre a liquidação de taxa por difusão de obra em estabelecimentos abertos ao público, tais como cafés, restaurantes, bares, hotéis, entre outros, via emissões de rádio ou televisão.

No âmbito da instrução do procedimento, foi ouvida a Sociedade Portuguesa de Auto-res, SRL que invocou o despacho do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), de 14 de julho de 2015(55), que, no âmbito de um processo de reenvio, decidiu que:

«o conceito de “comunicação ao público”, na aceção do artigo 3.°, n.º 1, da Diretiva 2001/29/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação, deve ser interpretado no sentido de que abrange a transmissão, através de um aparelho de rádio ligado a colunas e/ou amplificadores, pelas pessoas que explo-ram um café-restaurante, de obras musicais e de obras musico-literárias difundidas por uma estação emissora de rádio aos clientes que se encontram presentes nesse estabeleci-mento.» [negrito no original]

A Sociedade Portuguesa de Autores, SRL entende, pois, que não está impedida de tomar as necessárias diligências para garantir a remuneração devida aos autores pela comunicação pública de obras radiodifundidas e — mais —, que deve fazê-lo, uma vez que consta das suas atribuições legais e estatutárias. A Sociedade Portuguesa de Autores, CRL manteve o entendimento de que qualquer pessoa, singular ou coletiva, deve garantir as necessárias autorizações para a difusão de música ambiente ou TV cabo ou satélite no respetivo estabelecimento, e remunerar os autores por essa utilização, pagando o valor correspondente à entidade que os representa em Portugal.

Tendo em conta que a matéria em causa passou a ser objeto de apreciação em sede juris-dicional, o Provedor de Justiça entendeu estar esgotada a sua intervenção.

(54) Na Recomendação n.º 4/B/2002 propunha-se a ponderação de uma medida legislativa tendente a interpretar autenticamente ou, mesmo, a alterar, as normas do Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos no sentido de estabelecer se a receção de emissões de rádio ou de televisão em lugares como cafés, restaurantes, hotéis, bares e esta-belecimentos análogos abertos ao público se encontrava, ou não, sujeita a autorização específica dos autores das obras veiculadas nesses programas de rádio e televisão, em termos distintos da autorização concedida aos organismos difu-sores das referidas emissões. Por sua vez, a Recomendação n.º 8/B/2013 preconizou a adoção de iniciativa legislativa tendente a alterar as normas do Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos, no sentido de estabelecer uma cláu-sula de razoabilidade de não exigência nem de autorização dos autores nem de qualquer contrapartida patrimonial pela mera receção das emissões de radiodifusão e televisão que insiram obras literárias ou artísticas nos normais recetores, ainda que compostos de instrumentos difusores de sons, alternada ou conjuntamente, imagens, desde que aquela não se traduza em nova utilização da obra radiodifundida, com ou sem prévia fixação, através de altifalante ou de qualquer instrumento análogo transmissor de sinais, sons ou imagens.Como foi referido anteriormente, o mencionado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça veio preconizar entendi-mento semelhante.(55) Este despacho pode ser consultado em http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?docid=165973&-doclang=PT

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2. Direitos dos agentes económicos, dos contribuintes e dos consumidores

2.1. Tomadas de posição favoráveis aos queixosos

a) Sugestões

Proc. P-009/16Entidade visada: Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais Data: 2016/08/22Assunto: Fiscalidade. Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS). O impacto de algumas normas do Código do IRS (CIRS) nos agregados familiares portuguesesSequência: No que respeita à opção pelo regime de tributação conjunta de sujeitos passivos casados ou unidos de facto, o Ministério das Finanças viria a anunciar a sua intenção de resolver o problema, quer para futuro, quer relativamente aos rendimentos auferidos em 2015 e declarados em 2016. No final do ano, a legislação em causa encontrava-se aprovada e já havia sido promulgada pelo Presidente da República

Decorrido um ano e meio sobre a entrada em vigor da Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro, que procedeu à reforma da tributação das pessoas singulares, e encontrando-se ainda em preparação a proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2017, o Provedor de Justiça entendeu ser importante fazer um balanço do impacto de algumas das disposições legais ali previstas, bem como reafirmar a necessidade de resolução do iníquo regime de tributação de rendimentos devidos em anos anteriores, questão sobre a qual continuava a receber queixas. Fê-lo através de ofício dirigido ao Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, no qual abordou os seguintes temas:

1) Impossibilidade de opção pela tributação conjunta em declarações apresentadas fora do prazo legal

A alteração de paradigma de um regime de tributação conjunta obrigatório para os sujeitos passivos casados e optativo para os unidos de facto, para um regime regra de tribu-tação separada para ambos os casos, era há já muito apoiada por grande parte da doutrina fiscal portuguesa. Foram a «referência expressa, no n.º 1 do artigo 104.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), ao agregado familiar» e o «facto de a tributação con-junta proteger os casais em que os sujeitos passivos obtenham rendimentos de valores dís-pares, sendo que, na realidade atual, tal corresponde, em numerosos casos, a situações de

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desemprego de um dos sujeitos passivos»(56)que ditaram a consagração da possibilidade de opção pela regra de tributação conjunta.

A alínea c), do n.º 2, do artigo 59.º do CIRS determinava, no entanto, que a opção pela tributação conjunta só seria válida se exercida dentro dos prazos de entrega das decla-rações de IRS, o que motivou, em 2016, um elevado número de queixas ao Provedor de Justiça, face ao prejuízo extraordinário que a entrega das declarações de rendimentos fora do prazo legal causou aos agregados familiares.

Sendo certo que o legislador pretendeu, manifestamente, salvaguardar a constitucio-nalidade da norma inserta no artigo 59.º do CIRS, criando a possibilidade de opção pela tributação conjunta, não deixava de se revelar contraditório que essa opção fosse tratada na alínea c) do mesmo artigo como um mero benefício fiscal, ou seja, que o exercício de uma faculdade com dignidade constitucional extrafiscal, como é a da proteção do agregado familiar, pudesse ser prejudicado por uma mera formalidade como a entrega em prazo da declaração de IRS. Por outro lado, ainda que tendo em conta o princípio da não retroa-tividade da lei fiscal, salientaram-se junto do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais os elevados danos financeiros que, entretanto, aquele regime já provocara em inúmeros agregados familiares, desprotegendo, por sobre tudo, aqueles agregados cujos membros haviam obtido, em 2015, rendimentos de valores díspares — justificados muitas vezes por desemprego, incapacidade ou doença de um dos membros do casal —, ou seja, atingindo principalmente as pessoas de maior vulnerabilidade.

O Provedor de Justiça ilustrou com dois exemplos: o de um cidadão cujo agregado familiar, em lugar de ser reembolsado em cerca de € 4000,00, se confrontou com imposto a pagar de € 350,00 — € 4350,00 de prejuízo efetivo —, bem como de uma pessoa com deficiência e na situação de desemprego, cujo agregado familiar teria a pagar € 800,00 de IRS quando, se houvesse optado atempadamente pelo regime de tributação conjunta, seria reembolsado em € 3500,00 (o que correspondia a um prejuízo efetivo de € 4300,00).

As famílias, desprevenidas relativamente a um regime legal inovador, insatisfatoria-mente divulgado, ficaram assim, na prática, desprotegidas, apesar do direito que lhes assis-tia de verem os respetivos rendimentos tributados por agregado familiar, direito que o legislador deixou claro dever ser salvaguardado, ao manter a possibilidade de opção pela tributação conjunta. O Provedor de Justiça considerou, por isso, que seria essencial, não só alterar a situação para futuro, como também desenvolver todos os esforços tendentes a encontrar uma solução que possibilitasse a reversão das situações ocorridas na tributação dos rendimentos de 2015, declarados em 2016.

(56) Excertos retirados da página 18 do Projeto de Reforma do IRS, disponível em http://www.portugal.gov.pt/me-dia/1548208/20140930%20mf%20rel%20comissao%20reforma%20irs.pdf, acedido em 17 de agosto de 2016.

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2) Despesas relacionadas com prestação de serviços de explicaçõesPara além dos efeitos dos novos regimes de dedução à coleta das despesas de saúde e

de educação — para cujas fragilidades o Provedor de Justiça já havia anteriormente aler-tado o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais(57) —,este órgão do Estado deparou-se, entretanto, com outra questão ainda relacionada com as despesas de educação, trazida ao seu conhecimento através de queixas de cidadãos cujos filhos frequentavam centros de explicações: as famílias queixavam-se de não poder deduzir as despesas com a frequência de tais centros, ao invés do que aconteceria caso as explicações houvessem sido ministradas por pessoas singulares.

Antecipadamente ouvida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), a diferença de tratamento destes encargos merecera a seguinte justificação:

«(…) as explicações prestadas por centros de explicações [ao invés do que acontece com explicações prestadas por pessoas singulares] não cumprem com o requisito cons-tante da alínea a) do n.º 1 do art.º 78º-D do CIRS, i.e. não se encontram isentas de IVA nem são tributados à taxa reduzida de IVA, pelo que não podem ser deduzidas à coleta do IRS.»

O Provedor de Justiça transmitiu ao Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais que a norma em causa introduzia uma discriminação injustificável ao tratar diferentemente agregados que haviam suportado o mesmo tipo de despesa, uma vez que apenas razões for-mais não atendíveis — a taxa de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) aplicável ao prestador de serviços — prejudicavam a equidade substantiva no tratamento das famílias relativamente a despesas com serviços em tudo semelhantes.

3) A tributação das indemnizações devidas por renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a bens imóveis

No ano de 2016 o Provedor de Justiça recebeu queixas sobre uma outra questão resul-tante da reforma do IRS relativas à norma constante da nova alínea e), do artigo 9.º, do CIRS, a qual foi também levada ao conhecimento do Secretário de Estado dos Assun-tos Fiscais. Por efeito da mencionada norma, «as indemnizações devidas por renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a bens imóveis» passaram de não tributáveis a tributáveis, enquanto incrementos patrimoniais. Incluem-se aqui, por exemplo, indemnizações pagas por senhorios a inquilinos que usam

(57) O ofício n.º S-PdJ/2016/4668, de 28 de abril de 2016 e o ofício n.º S-PdJ/2016/5330, de 29 de abril de 2016, sobre despesas de saúde e de educação, dirigidos pelo Provedor de Justiça ao Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, podem ser consultados, respetivamente, em http://www.provedor-jus.pt/site/public/archive/doc/Q-6359_2015_IRS_Despesas_de_saude_Deducoes.pdf e em http://www.provedorjus.pt/site/public/archive/doc/Oficio_Secreta-rio_de_Estado_dos_Assuntos_Fiscais.pdf

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os imóveis como habitação permanente, com vista a reaverem o uso dos mesmos, indem-nizações que assim passaram a ser tributáveis.

A proteção do direito constitucional a uma habitação (cf. artigos 65.º e 67.º da CRP) justifica a exclusão da tributação de mais-valias, caso o sujeito passivo reinvista o valor de realização da venda da sua habitação própria e permanente em uma habitação também própria e permanente para si e para o seu agregado familiar (cf. n.º 5 do artigo 10.º do CIRS). Contudo, o total incondicionalismo daquela nova norma, no que respeita ao des-tino a dar à indemnização recebida, não salvaguarda a situação material do sujeito passivo. É que, também neste caso, o valor recebido pelo sujeito passivo será muito provavelmente reinvestido no arrendamento ou compra de uma outra habitação com igual destino, não prevendo o regime legal qualquer exclusão de tributação nessa situação.

4) A tributação de rendimentos reportados a anos anteriores (retroativos)

O Provedor de Justiça assinalou novamente o problema da pertinência de introdução de um regime jurídico que permita o reporte de rendimentos produzidos em anos ante-riores(58), assunto que já fora abordado não só junto da Secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais de anteriores Executivos, como também junto do Presidente da Comissão para a Reforma do IRS(59), e que, todavia, continua a gerar queixas reveladoras da iniquidade do regime vigente.

O regime que previa a possibilidade de reporte de rendimentos produzidos em anos anteriores, permitindo que fossem tributados de acordo com as regras vigentes no ano em que haviam sido auferidos e não no ano do efetivo pagamento, foi há muito substituído pelo regime constante do artigo 74.º do CIRS. As recentes alterações introduzidas a este regime, primeiro pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, e depois pela Lei n.º 82E/2014, de 31 de dezembro, apenas limitaram o seu impacto negativo de forma restrita: em um primeiro momento, permitindo que o valor dos rendimentos fosse dividido pela soma do número de anos ou frações a que se reportavam, até ao máximo de seis, e, depois, com a reforma do IRS, que o fosse pelo número de frações ou anos a que aqueles rendimentos respeitassem, sem quaisquer limites.

A ratio do artigo 74.º do CIRS, bem como a do artigo 62.º do mesmo diploma, é, porém, a de que a soma de todos os rendimentos (os auferidos em anos anteriores e os auferidos no próprio ano do pagamento) seja sujeita a englobamento no ano do recebi-mento e apenas considerada uma parte desse valor para aplicação da taxa, mais concreta-mente a resultante da divisão do montante recebido pelo número de anos ou frações a que

(58) Cf. Recomendação n.º 7/B/2008 disponível em: http://www.provedor-jus.pt/site/public/archive/doc/Re-c7B08.pdf(59) Cf. Comunicação disponível em http://www.provedorjus.pt/site/public/archive/doc/Oficio_Comissao_Re-forma_IRS.pdf

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os retroativos respeitem. O resultado prático da aplicação deste mecanismo resulta que, não raro, rendimentos que se houvessem sido pagos no ano em que foram produzidos, não alcançariam sequer o mínimo para tributação, passem a estar sujeitos a imposto uma vez considerados em conjunto com os rendimentos auferidos no ano do efetivo recebimento. Mais: são sujeitos, nesse ano, a uma taxa de imposto que em nada reflete a real capacidade contributiva destes sujeitos passivos, posto que o seu rendimento médio não é, de todo, próximo do rendimento auferido no ano em que lhes são pagos retroativos.

O Provedor de Justiça apresentou como exemplo a situação de um sujeito passivo que vira ser-lhe paga a sua pensão de invalidez desde novembro de 2011 até maio de 2013 e que denunciava que teria de pagar € 4000,00 de imposto relativamente aos rendimentos de 2013, o que corresponderia a cerca de metade do que recebera de retroativos nesse ano. O Provedor de Justiça salientou, ainda, a injustiça que se verifica quando rendimentos desta natureza são fiscalmente tratados como rendimentos inesperados (windfall profits) a que, em circunstâncias normais, o contribuinte não teria direito, quando, na verdade, este se encontra duplamente penalizado: pelo atraso no pagamento dos rendimentos que lhe eram há muito devidos e pelo imposto que incide sobre esses rendimentos.

Proc. Q-6794/12Entidade visada: Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais Data: 2016/08/12Assunto: Fiscalidade. Tributação do património. Verba 28 da Tabela Geral do Impos-to do Selo (TGIS). Isenção do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) aplicável aos prédios de reduzido valor patrimonial de sujeitos passivos de baixos rendimentos Sequência: Este órgão do Estado foi informado de que a Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2017 previa a revogação da verba 28 da TGIS

1 - Quanto à verba 28 da TGIS

O artigo 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, aditou à TGIS a verba 28 que prevê a tributação, em sede de Imposto do Selo (IS), dos direitos de propriedade, de usu-fruto e de superfície sobre prédios urbanos, com valor patrimonial tributário (VPT) igual ou superior a um milhão de euros para efeitos de IMI.

Este novo encargo deu origem a várias queixas dirigidas ao Provedor de Justiça por parte de contribuintes, na sua maioria proprietários de imóveis, em propriedade vertical ou total, compostos por andares ou partes suscetíveis de utilização independente.

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No âmbito da instrução do procedimento de queixa foram promovidas diversas dili-gências junto dos serviços da AT, bem como junto do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais do Executivo em funções à data desta alteração legislativa, não tendo sido obtidas respostas que permitissem esclarecer as questões colocadas.

Na sequência da intenção manifestada pelo XXI Governo Constitucional de rever o quadro legal vigente, com o objetivo de eliminar os efeitos perniciosos de uma sua apli-cação menos correta e razoável, o Provedor de Justiça entendeu ser oportuno levar ao conhecimento do novo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais as suas reflexões sobre o assunto, tendo em vista contribuir para o aperfeiçoamento e a clarificação do regime jurí-dico em causa, sem deixar de ter em consideração a posição do Tribunal Constitucional fixada no acórdão n.º 620/2015, de 3 de dezembro de 2015(60) e no acórdão n.° 692/2015, de 16 de dezembro de 2015(61).

Efetuado o enquadramento legal do tributo e tendo em conta que só com a alteração introduzida pelo artigo 194.° da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro — que aprovou o Orçamento de Estado para 2014, foi dada uma nova redação à verba 28.1 da TGIS — a qual passou a dispor: «Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edi-ficação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI — 1 %,» foi abordada, desde logo, a questão do regime aplicável aos terrenos para construção.

Atendendo à classificação do artigo 6.° do Código do Imposto Municipal sobre Imó-veis (CIMI),(62) o Provedor de Justiça considerou que, para o legislador, um prédio urbano habitacional, comercial, industrial ou para serviços pressupõe a existência de uma cons-trução ou edificação com aptidão para poder ser afeta à habitação, ao comércio, à indús-tria ou aos serviços, o que não é o caso dos terrenos para construção, onde apenas existe uma expectativa de neles virem a ser implantadas construções ou edificações que possam, elas sim, ter como destino qualquer um dos anteriormente referidos. Este entendimento habilita a concluir que os terrenos para construção não cabem no âmbito de incidência da nova verba da TGIS, na redação vigente nos anos de 2012 e 2013 e, consequentemente, as liquidações efetuadas relativamente a esta espécie de prédios urbanos e a estes anos care-cerão de fundamento legal.

(60) Disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20150620.html, acedido em 8 de agosto de 2016.(61) Disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20150692.html, acedido em 8 de agosto de 2016.(62) Que no seu n.º 1 subdivide os prédios urbanos em: «a) habitacionais, b) comerciais, industriais ou para serviços, c) terrenos para construção e d) outros»; no seu n.º 2 considera como «Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços (...) os edifícios ou construções para tal licenciadas ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins»; e, no seu n.º 3, define terrenos para construção como sendo «os situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização de operação de loteamento ou de cons-trução, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo».

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A referida alteração do texto da verba 28.1 da TGIS — que consagrou que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, são considera-dos para efeitos de incidência deste tributo como prédios urbanos com afetação habitacio-nal — não colide com o entendimento exposto supra, antes o confirmando, uma vez que a aquela, não tendo caráter interpretativo, apenas dispôs para o futuro.

O Provedor de Justiça concluiu, assim, que só poderia ser liquidado o imposto a que se refere a verba 28.1 da TGIS em relação a terrenos para construção com VPT superior a um milhão de euros cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, quando os factos tributários se encontrassem verificados nos anos de 2014 e seguintes.

A segunda questão abordada junto do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais foi a da tributação dos prédios urbanos habitacionais em propriedade total ou vertical, tendo o Provedor de Justiça questionado a sujeição desses prédios, compostos por andares ou partes suscetíveis de utilização independente, ao IS da verba 28.1 da TGIS, uma vez que, fiscalmente, estes imóveis sempre haviam tido o mesmo tratamento dos imóveis consti-tuídos em propriedade horizontal, atento o princípio da prevalência da verdade material sobre a realidade jurídico-formal.

Por força do n.º 6 do artigo 1.º do Código do Imposto do Selo (CIS), para efeitos do IS, o conceito de prédio é o definido no CIMI, acrescentando o n.º 2, do artigo 67.°, tam-bém do CIS, que é aplicável subsidiariamente o CIMI quanto às matérias não reguladas no CIS relativas à verba 28 da TGIS, pelo que as dúvidas quanto ao alcance daquela verba teriam de ser dissipadas pelo disposto no CIMI.

Por conseguinte, o conceito de prédio relevante para o CIS resulta da conjugação dos artigos 2.° a 6.º do CIMI, tanto mais que o conceito de «prédio com afetação habi-tacional» constante da verba 28.1 da TGIS, na sua versão original, não figura nem no CIMI, nem em qualquer outra lei fiscal. A alteração introduzida pela Lei do Orçamento do Estado para 2014, nos termos da qual passou a figurar a expressão «prédio habitacio-nal» no texto da verba 28.1 da TGIS, veio reforçar e cristalizar, de forma inequívoca, que o conceito é o mesmo no CIMI e no CIS. Nestes termos, o conceito de prédio urbano deriva da conjugação dos artigos 1.º e 4.° do CIMI, encontrando-se a espécie de prédios urbanos habitacionais prevista na alínea a), do n.º 1, do artigo 6.º, acrescentando-se no n.º 2 do mesmo artigo do CIMI que estes são os edifícios ou construções para tal licenciadas ou, na falta de licença, que tenham como destino normal este fim.

Este órgão do Estado salientou, ainda, a importância de ter presente, nesta análise, o disposto no n.º 3 do artigo 12.°, no n.º 1 do artigo 119.º e na alínea h), do n.º 3, do artigo 130.°, todos do CIMI. Assim:

— Ao definir o tombo cadastral predial no n.º 3, do citado artigo 12.º, o legislador do CIMI estipulou que «cada andar ou parte de prédio suscetível de utilização indepen-dente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respetivo valor patrimonial tributário»;

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— Por seu turno, o n.º 1 do artigo 119.° acrescenta que a liquidação do IMI é feita de forma individualizada, constando do documento de cobrança a «discriminação dos prédios, suas partes suscetíveis de utilização independente, respetivo valor patrimonial tributário...»;

— Sendo que a falta de «discriminação do valor patrimonial dos prédios urbanos por andares ou divisões de utilização autónoma» constitui fundamento de reclamação das matrizes, nos termos do disposto na alínea h), do n.º 3, do artigo 130.°.

Do exposto resulta que, para o CIMI, os andares (ou partes) de um prédio urbano não constituído em propriedade horizontal, passíveis de serem utilizados de forma inde-pendente, estão dotados de uma autonomia em tudo idêntica à das frações autónomas de um prédio urbano constituído em propriedade horizontal, o que justifica a obrigação de inscrição individualizada na matriz, a atribuição de um valor patrimonial próprio, a liquidação e cobrança do IMI de forma autónoma e a admissibilidade de reclamação da matriz, caso os respetivos valores patrimoniais não se encontrem especificados por andares ou divisões de utilização autónoma. Isto é: para o CIMI, a verdade material — realidade existente e afetação — subjacente aos prédios urbanos compostos por andares ou par-tes suscetíveis de utilização em separado, não constituídos em propriedade horizontal, representa o fator determinante, pouco interessando o rigor jurídico-formal civilista da realidade concreta daqueles imóveis.

Deste modo, por força das remissões do n.º 6 do artigo 1.° e do n.º 2 do artigo 67.° do CIS — que, de forma expressa, mandam aplicar o CIMI quanto ao conceito de prédio a atender no CIS e às questões referentes à interpretação da verba 28 da TGIS — concluiu--se que, quer em sede de IMI, quer em sede de IS, se impunha o tratamento diferenciado de cada andar ou parte independente de um prédio em propriedade vertical, como se de frações autónomas se tratassem, pelo que, para efeitos de liquidação do IS da verba 28 da TGIS, não se afiguraria legítimo considerar como matéria tributável o somatório dos VPT de cada andar ou parte independente destinados à habitação.

É entendimento do Provedor de Justiça que o conceito fiscal de prédio não se recon-duz ao conceito civilista, sendo a própria AT a reconhecê-lo quando, ao liquidar o IS da verba 28.1 TGIS, expurga o VPT dos andares ou divisões afetas a outros fins que não a habitação, aceitando, deste modo, que as partes passíveis de utilização independente são verdadeiras partes autónomas, apesar de englobadas em um imóvel em propriedade verti-cal, preenchendo, pois, o conceito de prédio para efeitos fiscais.

Se a lei não distingue, não deve o intérprete criar distinções, pelo que não pode deixar de concluir-se que a AT, ao liquidar o IS da verba 28.1 da TGIS, relativa a prédios urbanos, em regime de propriedade vertical, compostos por andares ou partes suscetíveis de utili-zação autónoma, tomando como matéria tributável o somatório dos VPT de cada parte, criou uma distinção ilegal, incorrendo em vício de violação de lei por erro nos pressupos-tos de direito, que fere todas as liquidações realizadas.

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Embora ciente de que a norma de incidência em causa beneficiava de respaldo consti-tucional, o Provedor de Justiça fez notar o seguinte:

Entendeu o Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 620/2015, de 3 de dezembro, de 2015(63), que:

«(...) se num prédio constituído em propriedade horizontal, essa titularidade só pode reportar-se a cada uma das frações autónomas, pois cada uma das diferentes fra-ções pode ser objeto de uma situação jurídica real própria, o mesmo não sucede num prédio em que, apesar de dividido fisicamente em unidades suscetíveis de utilização independente, a sua titularidade reporta-se necessariamente ao todo correspondente à soma das diferentes unidades, não podendo os direitos reais referidos na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo ter por objeto isolado uma dessas unidades».

Não obstante, este Tribunal não se pronuncia sobre a questão da exclusão, da incidên-cia objetiva, das unidades afetas ao comércio, indústria, alternada ou conjuntamente, aos serviços que possam integrar aqueles edifícios.

O Provedor de Justiça manteve o entendimento de que cada andar ou parte suscetível de utilização em separado de um imóvel em regime de propriedade vertical constitui, em termos fiscais, um «prédio», pelo que só poderão ser subsumidos à previsão legal aqueles andares ou aquelas partes cujo VPT, de per si, seja igual ou superior a um milhão de euros.

Ainda relativamente ao tributo previsto na verba 28 da TGIS foi também solicitada a atenção do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais para:

a) A necessidade de clarificar se, ao abrigo do disposto nas alíneas c) e d), do artigo 6.º e do disposto n.º 6, do artigo 7.º, do CIS, as instituições particulares de solidariedade social e as pessoas coletivas de utilidade pública administrativa e de mera utilidade pública podem beneficiar da isenção daquele imposto;

b) A situação das Áreas Urbanas de Génese Ilegal, com vista à eliminação das iniquida-des que subjazem à tributação do respetivo património;

c) A tributação das cooperativas de habitação, considerando que aquelas cooperati-vas prosseguem um objetivo constitucionalmente consagrado no n.º 1, do artigo 65.º, da CRP: o direito à habitação; tendo o Provedor de Justiça sugerido que fosse ponderada a aplicação a estes casos da solução avançada para as situações de tributação de prédios urbanos habitacionais em regime de propriedade total ou vertical, isto é, subsumindo à previsão legal apenas os andares ou partes cujo VPT, de per si, seja igual ou superior a € 1 000 000,00.

(63) Disponível em: http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20150620.html

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2 - Quanto à isenção de IMI aplicável aos prédios de reduzido valor patrimonial de sujeitos passivos de baixos rendimentos

Considerando, por um lado, que o acréscimo do VPT dos prédios urbanos, resultante da operação de avaliação geral da propriedade urbana determinou, em muitos casos, a perda da isenção de IMI prevista para prédios de reduzido VPT de sujeitos passivos de baixos rendimentos e, por outro, que os rendimentos dos agregados familiares cujos membros são titulares daqueles imóveis não acompanharam proporcionalmente o crescimento do VPT dos prédios, o Provedor de Justiça pronunciou-se no sentido de uma atualização significa-tiva dos limites máximos previstos para o rendimento bruto total do agregado familiar e do valor patrimonial global da totalidade dos prédios pertencentes a esse mesmo agregado familiar(64), por forma a garantir o respeito pelos imperativos constitucionais do direito à habitação e do direito de propriedade privada, consagrados nos artigos 65.° e 62.º da CRP.

O Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais transmitiu ao Provedor de Justiça que constava do n.º 2, do artigo 160.º, da Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2017, a revogação da Verba 28 da TGIS. Por deixar em aberto todas as restantes questões e observações constantes da comunicação, o Provedor de Justiça dirigiu uma chamada de atenção.

Proc. Q-3821/15Entidade visada: Direção de Serviços de Justiça Tributária da Autoridade Tributária e Aduaneira Data: 2016/04/06Assunto: Fiscalidade. Infrações tributárias. Processos de contraordenação. Coimas. Comunicação de faturasSequência: A sugestão foi expressa e integralmente acolhida

Uma sociedade queixou-se ao Provedor de Justiça por lhe terem sido instaurados três processos de contraordenação, devido à não comunicação de faturas, através da transmis-são eletrónica de dados, nos períodos 2013/04, 2013/05 e 2013/06(65), estando em causa o pagamento, a título de coimas e de custas, os valores de € 376,50, € 384,45 e € 376,50, respetivamente. Estes valores foram pagos em julho de 2014 e, por conseguinte, os proce-dimentos de contraordenação foram extintos por pagamento voluntário.

(64) Limites constantes do artigo 11.º-A do CIMI.(65) O Decreto-Lei n.º 198/2012, de 24 de agosto, estabelece, nomeadamente, medidas de controlo da emissão de faturas e outros documentos com relevância fiscal e define a forma da sua comunicação à Autoridade Tributária e Aduaneira.

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No âmbito de procedimento anteriormente instruído acerca deste mesmo assunto(66), no qual a sociedade queixosa alegava não ter praticado as infrações de que era acusada, o Provedor de Justiça efetuara diligências junto do competente serviço de finanças, que informou, em 19 de dezembro de 2015, que, havendo fundadas dúvidas sobre os factos que haviam dado origem às contraordenações, mesmo após colaboração da Direção de Finanças de Lisboa, entendera ser de arquivar os processos de contraordenação, o que traduzir-se-ia na consequente restituição das importâncias pagas pela sociedade queixosa.

O procedimento em questão foi, por essa razão, arquivado, sem prejuízo de a sociedade queixosa poder voltar a solicitar a intervenção do Provedor de Justiça caso as importâncias em questão não lhe fossem restituídas em prazo razoável.

A sociedade queixosa voltou, efetivamente, a dirigir-se a este órgão do Estado, por nada ter recebido. Retomado o assunto junto do serviço de finanças, foi obtida a informação de que o processo havia sido remetido, em 27 de julho de 2015, à Direção de Serviços de Justiça Tributária (DSJT), entidade competente para proceder às diligências com vista à restituição das coimas pagas.

No âmbito da instrução a DSJT referiu, no âmbito do indeferimento do pedido de restituição das coimas pagas nos processos de contraordenação, o seguinte:

«Não concordando com as coimas a pagar, deveria a contribuinte, no momento e em sede própria, ter apresentado a sua defesa. Contudo, apesar de notificada para o efeito em 2014.04.14, a arguida efetuou o pagamento voluntário das coimas em julho de 2014, sem que tivesse apresentado defesa nos termos dos artigos 70º e/ou 80º do RGIT [Regime Geral das Infrações Tributárias].»(67)

Face a esta decisão, foi enviado, em 6 de abril de 2016, ofício ao novo Diretor de Ser-viços da DSJT, solicitando a ponderação da restituição dos valores pagos nos processos de contraordenação em questão, com base na argumentação que seguidamente se resume:

No âmbito dos aludidos processos, e já posteriormente ao pagamento das coimas, a sociedade queixosa apresentara três requerimentos no serviço de finanças, alegando que não havia emitido qualquer fatura naqueles períodos. Após consulta do serviço de finan-ças, a sociedade queixosa verificou que a «Sociedade B», «…no envio da sua informação de vendas, enviou essa informação como “consumidor” em vez de “comerciante”. Em fun-ção deste erro, a administração fiscal partiu do princípio que a (…) [sociedade queixosa] não declarou vendas, e de forma automática, sem confirmar o sucedido, aplicou as referi-das coimas».(68)

(66) Procedimento Q-7312/14.(67) Resposta enviada por correio eletrónico em 20 de outubro de 2015.(68) Nos termos da defesa apresentada pela queixosa.

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Este órgão do Estado referiu, adicionalmente, que a sociedade queixosa remetera uma declaração da «Sociedade B», acompanhada do extrato do IVA liquidado em julho de 2013, bem como a fatura em questão, de 21 de junho de 2013, emitida à sociedade queixosa, documentação que se anexou ao ofício dirigido à DSJT(69). Do respetivo anexo consta também o recibo de 26 de julho de 2013, emitido à sociedade queixosa, em que a «Sociedade B» declara ter recebido a quantia de € 4969,02, relativa à fatura em questão.

Uma vez que a sociedade queixosa não foi a emitente da fatura, mas sim a adquirente, e considerando o princípio da verdade material, com o intuito de fazer prevalecer a justiça da substância sobre a justiça da forma, foi solicitado ao Diretor de Serviços da DSJT que ponderasse ordenar a restituição dos valores pagos nos processos de contraordenação em questão, como, aliás, já tinha sido decidido pelo serviço de finanças.

Através de correio eletrónico de 15 de julho de 2016, o Diretor de Serviços da DSJT comunicou que, por despacho da Subdiretora-Geral para a área da justiça tributária, pro-ferido em 12 de julho de 2016, fora autorizada a restituição das coimas pagas nos proces-sos de contraordenação em questão.

A restituição das referidas importâncias concretizou-se em 8 de dezembro de 2016, após nova intervenção deste órgão do Estado.

b) Chamadas de atenção

Proc. Q-1461/14Entidade visada: Direção de Serviços do Imposto Municipal sobre Imóveis (DSIMI)Data: 2016/05/30Assunto: Fiscalidade. IMI. Cláusula de salvaguarda prevista no artigo 15.º-O do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro. Prédios inscritos com verbeteSequência: Caso concreto encerrado. Questão em acompanhamento

O procedimento teve origem em uma queixa que dava conta de que, na liquidação do IMI do ano de 2012, após o prédio ter visto o respetivo VPT fixado no âmbito da

(69) A Declaração, datada de 2 de novembro de 2015, referia o seguinte:«(…) [Sociedade B] (…) vem por este meio declarar que a fatura n.º (…) por si emitida em 21-6-2013 se encontra bem inserida no sistema das finanças e-fatura, constando a sociedade [sociedade queixosa] como cliente e a nossa empresa como emitente. Mais se declara que, em face disto, a mesma fatura ficou registada no Portal das Finanças e-fatura de forma correta e nos prazos legais, tendo o respetivo valor de IVA (281,27 euros) sido por nós liquidado nos prazos legais junto da entidade competente. A veracidade desta declaração é atestada pela nossa página do Portal das Finanças e-fatura bem como pelo extrato de IVA liquidado em julho de 2013 (…)».

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operação de avaliação geral da propriedade urbana, a administração tributária não con-siderou a cláusula de salvaguarda prevista no n.º 1, do artigo 15.º-O, do Decreto-Lei n.º 287/2013, de 12 de novembro, a qual, visando prevenir acréscimos abruptos das coletas devidas em relação aos anos de 2012 e 2013, introduziu um mecanismo de faseamento do aumento, ao longo dos dois anos da respetiva cobrança (2013 e 2014).

Nos termos do disposto na alínea c), do n.º 4, do citado artigo 15.º-O, o regime da cláusula de salvaguarda não era, no entanto, aplicável aos prédios relativamente aos quais tivesse ocorrido uma alteração de sujeito passivo do IMI após 31 de dezembro de 2011, com exceção «das transmissões por morte de que forem beneficiários o cônjuge, descen-dentes e ascendentes quando estes não manifestem vontade expressa em contrário».

No caso em apreço, por omissão do cumprimento da obrigação declarativa imposta pelo artigo 23.º do Decreto-Lei n.º 287/2013, de 12 de novembro, o queixoso mantivera o imóvel inscrito com número de verbete até 2013, tendo apenas nesse ano promovido a sua identificação com o respetivo número de identificação fiscal.

Na sequência de diligências efetuadas junto de serviço local da AT, o queixoso apurara que a DSIMI havia divulgado, pelos serviços, o entendimento de que «a alteração da identificação do sujeito passivo é assumida pelo sistema informático como alteração do sujeito passivo», pelo que, nestes casos, não seria aplicável a cláusula de salvaguarda.

No âmbito da instrução, Provedor de Justiça interpelou a DSIMI por, no caso em apreço, não lograr alcançar a ratio da equiparação da alteração da identificação fiscal do contribuinte (isto é, a mera passagem de número de verbete a número de identificação fiscal) a uma alteração do sujeito passivo do imposto — como se tivesse ocorrido uma qualquer transmissão do imóvel —, duvidando, por isso, da correção da tese que defendia a inaplicabilidade do regime de salvaguarda previsto no artigo 15.º-O, do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro. Fê-lo manifestando a sua apreensão pela circunstância de uma equiparação que resulta de meras razões de ordem técnica, atinentes ao sistema informático, funcionar como uma penalização dos contribuintes não prevista na lei. Por esta razão, este órgão do Estado solicitou à DSIMI que fundamentasse a sua posição e ponderasse determinar a reapreciação do assunto, bem como a revisão das liquidações de IMI afetadas.

Em resposta, a DSIMI reiterou o entendimento que vinha defendendo, ora sancio-nado por despacho da Subdiretora-Geral para a área da tributação do património, datado de 11 de janeiro de 2016, sem, contudo, apresentar quaisquer elementos que permitissem sustentar aquela posição.

Em face da posição assumida pela DSIMI e da falta de elementos que permitissem compreender o entendimento sustentado pelos serviços da AT, o Provedor de Justiça diri-giu à Diretora da DSIMI as chamadas de atenção que se impunham.

Pese embora o Provedor de Justiça concorde com o afirmado pela DSIMI no sentido de que a cláusula de salvaguarda prevista no artigo 15.º-O do Decreto-Lei n.º 287/2003,

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de 12 de novembro, não é aplicável aos prédios em que se verifique a alteração do sujeito passivo após 31 de dezembro de 2011, conforme consta da alínea c), do n.º 4, daquele artigo, salientou, no entanto, a necessidade de se atentar na circunstância de o n.º 3 do artigo 18.º da Lei Geral Tributária (LGT) definir o sujeito passivo da relação tributária como «a pessoa singular ou coletiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte direto, substituto ou responsável». No caso específico do IMI, o artigo 8.º do respetivo Código considera como sujeito passivo do imposto o proprietário, o usu-frutuário, o superficiário, isto é, a pessoa que, à data de 31 de dezembro do ano a que o imposto respeita, detinha o direito de propriedade, de usufruto ou de superfície sobre o imóvel.

Resulta, assim, da própria lei que o sujeito passivo da relação jurídico-tributária, no caso das pessoas singulares, é um indivíduo, independentemente da nomenclatura que tenha sido convencionada para identificar aquela pessoa perante a administração fiscal.

Deste modo, este órgão do Estado, reiterando que não se questionava a obrigação imposta pelo artigo 23.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, aos contri-buintes proprietários de imóveis inscritos com número de verbete de comunicarem os respetivos números de identificação fiscal, nem que o incumprimento daquela obriga-ção declarativa acessória deveria ter sido sancionado nos termos do disposto no artigo 117.º do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), ex vi n.º 2 do citado artigo 23.º, salientou que a posição da AT era ilegal e consubstanciava a desumanização do relaciona-mento entre a AT e os contribuintes, pondo em causa as estratégias de aproximação que pudessem ter sido ou estar a ser intentadas.

O Provedor de Justiça sublinhou que a equiparação da alteração do método de identi-ficação fiscal do contribuinte a uma alteração do sujeito passivo do imposto, ficcionando, de forma ilegítima, uma efetiva transmissão do prédio, não encontra qualquer arrimo na letra da lei, parecendo servir, apenas, para colmatar lacunas na conceção da plataforma informática de gestão do imposto, constituindo uma flagrante violação dos direitos dos contribuintes. Por esta razão, o Provedor de Justiça chamou a atenção da AT, pois a sua atuação distorcia o quadro normativo, compatibilizando-o com a plataforma informática quando deveria ser o inverso, isto é, que a ferramenta informática servisse a lei e se confor-masse com os respetivos ditames.

O assunto continua a ser acompanhado pelo Provedor de Justiça.

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Proc. Q-6242/14Entidade visada: Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. (IGFSS) Data: 2016/02/22Assunto: Fiscalidade. Execuções fiscais. Oposição à execução. Morosidade no envio ao Tribunal Tributário de 1.ª instânciaSequência: Sem resposta expressa. Caso concreto resolvido

A intervenção do Provedor de Justiça foi solicitada por dois cidadãos, irmãos, contra os quais a Secção de Processo Executivo da Segurança Social de Braga fizera reverter execu-ção fiscal instaurada para cobrança de dívidas de sociedade que não possuía bens penho-ráveis. Os queixosos recusavam qualquer responsabilidade – ainda que subsidiária – no pagamento da dívida exequenda, alegando que jamais haviam sido sócios ou gerentes da devedora originária.

Em junho de 2013, os queixosos, patrocinados por advogado, haviam reagido às rever-sões através do meio próprio para o efeito: a dedução de oposição à execução. Não obs-tante os requerimentos entretanto dirigidos à Secção de Processo Executivo junto da qual entregaram as oposições à execução, à data em que se dirigiram ao Provedor de Justiça, estas não haviam, ainda, sido remetidas ao tribunal competente para proceder à respetiva apreciação e decisão nem, tão-pouco, o ato de reversão havia sido revogado pelo órgão da execução.

Recorde-se que, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 208.º do CPPT, «[a]utuada a petição, o órgão da execução fiscal remeterá, no prazo de 20 dias, o processo ao tribunal de 1.ª instância competente com as informações que reputar convenientes», dispondo o n.º 2 do mesmo artigo que «[n]o referido prazo (…) o órgão da execução fiscal poderá pro-nunciarse sobre o mérito da oposição e revogar o ato que lhe tenha dado fundamento».

O problema do incumprimento deste prazo e dos prejuízos causados aos executados pela excessiva morosidade no envio das oposições à execução a tribunal (ou na revogação do ato que lhes dá fundamento) há muito que é acompanhado pelo Provedor de Justiça(70), pelo que, sem prejuízo dos esforços efetuados no sentido de obviar à verificação de casos desta natureza, não deixa de procurar apurar, em relação a cada novo caso, as circunstân-cias da sua ocorrência. Foi nesse contexto que este órgão do Estado solicitou esclareci-mentos sobre o assunto ao IGFSS, entidade interlocutora nos casos em que está em causa a atuação das Secções de Processo Executivo da Segurança Social.

Em resposta, o IGFSS informou que o órgão responsável pela execução justificara o atraso no envio das mencionadas peças processuais com o facto de as mesmas não se

(70) Cf. Chamada de atenção dirigida ao IGFSS e ao ISS, Relatório à Assembleia da República 2014. Anexo: Tomadas de Posição [citado Tomadas de Posição 2014], pp. 74-77, disponível emhttp://www.provedorjus.pt/site/public/archive/doc/Relatorio_AR_Anexo_Tomadas_de_Posicao_2014.pdf.

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enquadrarem «nas prerrogativas de seleção de envio urgente», tendo o envio a tribunal vindo a ocorrer cerca de dois anos após a apresentação das oposições à execução e já depois da apresentação de queixa junto do Provedor de Justiça.

Esta circunstância determinou uma nova chamada de atenção ao IGFSS, salientando o facto de, uma vez mais, a norma constante do n.º 1 do artigo 208.º do CPPT, ter sido flagrantemente violada, sugerindo-se a sensibilização das diversas Secções de Processo Executivo para a importância de evitarem a repetição de casos desta natureza.

Proc. Q-4823/15Entidade visada: Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE)Data: 2016/03/03Assunto: Consumo. Eletricidade. Atuação da entidade reguladora. Livro de reclamaçõesSequência: A entidade visada esclareceu que, no âmbito do caso concreto objeto de queixa, instaurou dois processos de contraordenação e salientou o seu empenho no exercício das competências que lhe estão legalmente cometidas

A intervenção do Provedor de Justiça foi solicitada por alegada inobservância, por parte da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (doravante abreviadamente ERSE), do disposto na alínea h), do n.º 1, do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15 de setembro, que lhe impõe a fiscalização e instrução dos processos relativos às con-traordenações previstas no n.º 1, do artigo 9.º, do mesmo diploma.

Em síntese, decorria da queixa apresentada que:— Em 4 de junho de 2015, a consumidora formulara uma reclamação no livro de recla-

mações da EDP Comercial — Comercialização de Energia, S.A. (EDP);— Contactada pela queixosa em 16 de julho de 2015, a ERSE informara-a de que a

folha de reclamação original ainda não havia sido ali rececionada;— Tendo, na mesma data, remetido à ERSE uma cópia do duplicado da reclamação,

a consumidora alertara desde logo esta entidade reguladora para o incumprimento, pelo comercializador (EDP), do n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15 de setembro;

— Por carta de 23 de setembro de 2015, a reclamante voltara a chamar a atenção da ERSE para a omissão de envio da folha de reclamação original.

No âmbito da instrução do procedimento, a ERSE transmitiu que:— A comunicação de 16 de julho de 2015 motivara a abertura, no serviço de Apoio ao

Consumidor de Energia, de processo;

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— Ouvida no processo, a EDP respondera por carta de 17 de dezembro de 2015, opor-tunamente levada ao conhecimento da interessada;

— Quanto à falta de envio dos originais das folhas de reclamação, o regulador, com vista à resolução dos problemas reportados pelos consumidores através do livro de recla-mações, vinha estabelecendo com as entidades reguladas o alargamento do prazo previsto, desde que a remessa do original da folha de reclamação fosse acompanhada da resposta prestada ao reclamante;

— Em 1 de fevereiro de 2016, os originais das folhas de reclamação preenchidas pela queixosa ainda não tinham dado entrada nos seus serviços.

A situação objeto de queixa, bem como a resposta assim prestada pela ERSE, em obser-vância do princípio do contraditório, foram analisadas à luz do regime legal aplicável, constante do Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15 de setembro, que instituiu a obrigatorie-dade de existência e disponibilização do livro de reclamações nos estabelecimentos dos prestadores de serviços públicos essenciais a que se refere a Lei n.º 23/96, de 26 de julho, incluindo o serviço de fornecimento de energia elétrica(71).

Resulta do mencionado Decreto-Lei que:— Após o preenchimento da folha de reclamação, o prestador do serviço ou o funcio-

nário do estabelecimento visado tem a obrigação de destacar do livro de reclamações o original que, no prazo de 10 dias úteis, deve ser remetido à entidade reguladora do sector (n.º 1 do artigo 5.º);

— Para o efeito, a remessa do original da folha de reclamação pode ser acompanhada das alegações que o prestador de serviço entenda dever prestar, bem como dos esclareci-mentos dispensados ao reclamante em virtude da reclamação (n.º 3 do artigo 5.º);

— Após o preenchimento da folha de reclamação, o prestador de serviços ou o funcio-nário do estabelecimento tem ainda a obrigação de entregar o duplicado da reclamação ao utente, conservando em seu poder o triplicado, que faz parte integrante do livro de reclamações e dele não pode ser retirado (n.º 4 do artigo 5.º);

— Sem prejuízo do dever de envio que impende sobre o prestador, o utente pode tam-bém remeter o duplicado da folha de reclamação à entidade reguladora do setor, de acordo com as instruções constantes da mesma (n.º 5 do artigo 5.º);

— À entidade reguladora do setor cabe, nos termos das alíneas a) e b), do n.º 1, do artigo 6.º):

a) Receber as folhas de reclamação e, se for o caso, as respetivas alegações;b) Instaurar o procedimento adequado se os factos resultantes da reclamação indicia-

rem a prática de contraordenação prevista em norma específica aplicável;

(71) Cf. alínea b), do n.º 2, do artigo 1.º da Lei n.º 23/96, de 26 de julho.

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— Fora dos casos referidos na alínea b), a entidade reguladora deve notificar o forne-cedor de bens ou prestador de serviços para que, no prazo de 10 dias úteis, apresente as alegações que entenda por convenientes (n.º 2 do artigo 6.º);

— A violação da obrigação de envio, no prazo de 10 dias úteis, do original da recla-mação à entidade reguladora do setor, constitui contraordenação punível com coima de € 250 a € 3500 e de € 3500 a € 30 000, consoante o infrator seja pessoa singular ou pessoa coletiva (alínea a), n.º 1, do artigo 9.º);

— A negligência é punível, sendo os limites mínimos e máximos das coimas aplicáveis reduzidos a metade (n.º 2 do artigo 9.º);

— Estando em causa a prestação dos serviços de fornecimento de energia elétrica ou gás natural, a fiscalização e a instrução dos processos relativos a estas contraordenações compete à ERSE (alínea h), n.º 1, do artigo 11.º).

Subsumidos os factos a este regime jurídico, o Provedor de Justiça concluiu que a atua-ção da entidade reguladora era merecedora de reparo, conclusão alcançada com base nos fundamentos seguintes: i) acompanhado ou não das alegações que o prestador entenda desde logo prestar, o original da folha de reclamação terá de ser enviado à entidade regula-dora no prazo de 10 dias úteis, a contar da data do seu preenchimento; ii) a remessa, pelo consumidor, do duplicado da reclamação à entidade reguladora não desonera o prestador da obrigação de envio do original no prazo de 10 dias úteis; iii) a violação do prazo assina-lado constitui contraordenação que, quando praticada em estabelecimento de prestador do serviço de fornecimento de energia elétrica, compete à ERSE fiscalizar e instruir.

Assim sendo, sempre estaria vedado à entidade reguladora estabelecer com os regula-dos o alargamento do prazo legalmente fixado, cujo cumprimento lhe compete, tão-só, controlar e sancionar.

Nesta conformidade, e sendo inquestionável que, cerca de oito meses após o seu preen-chimento pela queixosa, o original da folha de reclamação continuava sem dar entrada na ERSE, foi esta entidade chamada a atenção para, em geral, tomar de decisão que pusesse fim à prática convencionada com os regulados, repondo a legalidade procedimental e, em con-creto, promovesse a devida fiscalização e instrução dos factos em sede contraordenacional.

Em resposta, a ERSE informou que não celebrara, com as empresas sujeitas à sua regu-lação qualquer acordo desconforme com a lei que permitisse, como se verificou no caso concreto, a remessa dos originais das folhas do livro de reclamações cerca de oito meses após o seu preenchimento. Mais informou que, no caso concreto, os originais das folhas do livro de reclamações haviam sido rececionados a 3 de fevereiro de 2016, na sequên-cia de interpelação expressa do Apoio ao Consumidor de Energia, de 1 de fevereiro de 2016 e que, a partir dos elementos recolhidos, tinham sido instaurados dois processos de contraordenação.

A ERSE referiu, ainda, que, no exercício das suas competências, tem aplicado sanções por infrações previstas, quer no Regime Sancionatório do Setor Energético, aprovado pela

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Lei n.° 9/2013, de 28 de janeiro, quer em outros diplomas aplicáveis, como o Decreto-Lei n.° 156/2005, de 15 de setembro.

Este órgão do Estado tendo-se assegurando do cumprimento, pela ERSE, do quadro legal e regulamentar aplicável, arquivou este procedimento.

2.2. Tomadas de posição de não provimento de queixa

Proc. Q-3258/16Entidade visada: CTCV – Centro Tecnológico da Cerâmica e do VidroData: 2016/07/25Assunto: Assuntos económicos. Comércio. Cláusulas contratuais gerais

Foi solicitado ao Provedor de Justiça que requeresse ao Ministério Público a instaura-ção de uma ação destinada a obter a condenação na abstenção do uso ou na recomendação de uma determinada cláusula inserida em um contrato de prestação de serviços celebrado entre particulares, de acordo com o disposto na alínea c), do n.º 1, do artigo 26.º do Decre-to-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro(72), diploma que instituiu o Regime das Cláusulas Contratuais Gerais.

Esse pedido de intervenção, formulado pela representante de uma sociedade comer-cial, achava-se desde logo condicionado pela qualificação do contrato em questão como um contrato composto por cláusulas contratuais gerais. O âmbito de aplicação do men-cionado diploma está circunscrito às situações em que se esteja perante documentos pre-viamente elaborados, que apenas sejam submetidos ao consumidor para efeitos de mera subscrição ou aceitação sem possibilidade de negociação ou de introdução de alterações ao texto proposto pela outra parte contratante.(73)

Será exatamente a desigualdade ou o desequilíbrio entre as posições das duas partes contratantes, aliada à ausência de uma fase negocial prévia à celebração do contrato, que justifica a intervenção do legislador em um campo que tradicionalmente é deixado à livre disponibilidade das partes, desempenhando as normas legais uma função meramente supletiva face aos compromissos reciprocamente assumidos em um contexto contratual, nos termos do artigo 406.º do Código Civil (CC), quanto à exigência de cumprimento pontual dos contratos. Nesse domínio e, em particular, quando está em causa matéria de natureza comercial ou negocial, como será o caso, vigora o princípio da liberdade

(72) Com a última redação dada pelo Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de dezembro. (73) Cf. Artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro.

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contratual expressamente previsto no artigo 405.º do CC, que postula a faculdade de as partes fixarem livremente o conteúdo dos contratos a que se vinculam e de incluir neles as cláusulas que lhes aprouverem.

Não obstante se desconhecesse se a assinatura do contrato em causa havia ou não sido precedida de negociação particular, admitiu-se que, à semelhança do procedimento seguido pelas sociedades comerciais, o CTCV — Centro Tecnológico da Cerâmica e do Vidro tivesse procurado uniformizar os contratos que celebra com os particulares como forma de salvaguardar os seus interesses nessa relação contratual.

No entanto, desde que seja assegurada ao particular a faculdade de negociar as con-dições contratuais que lhes são propostas, não pode dizer-se que, nos casos de contratos padronizados ou normalizados se está, automaticamente, perante um contratotipo que coarte a liberdade negocial e que se destine à mera adesão de cláusulas-modelo préfixadas, tal como seria necessário para se poder aplicar o regime específico das cláusulas contra-tuais gerais.

Neste sentido, pode invocar-se, pela sua clareza, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 1 de julho de 2010(74), segundo o qual:

«(…) [p]ara que o contrato fique sujeito ao regime das cláusulas contratuais gerais necessário se torna, desde logo, que as condições negociais previamente elaboradas pelo proponente tenham de ser aceites tal como apresentadas, sem possibilidade de negocia-ção individual. O requisito da rigidez constitui um dos pressupostos indispensáveis para que o contrato se passe a reger pela disciplina daquele diploma legal (...)».

Como resultava da queixa, a condição de que «o pagamento será efetuado apenas após bom recebimento da empresa onde decorre o trabalho» constava da própria nota de encomenda que foi, naturalmente, dada a conhecer e sujeita à aprovação prévia da empresa queixosa, existindo, portanto, não apenas a mera cognoscibilidade dessa cláusula, como o seu consentimento, expresso na contratação, para que a mesma pudesse reger a oportunidade do pagamento.

A este propósito mencione-se também o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de março de 2011(75), no qual é dito que:

«(…)[e]mbora considerando que o aderente está numa situação de maior fragili-dade, face à superioridade e poder económico da parte que impõe as cláusulas, o legis-lador não tratou o aderente como pessoa inábil e incapaz de adotar os cuidados que são inerentes à celebração de um contrato e por isso lhe exigiu também um comportamento

(74) Disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/08b0965c2dd4337c802577 5400325524?OpenDocument&Highlight=0,4477%2F05, acedido em 29 de junho de 2016.(75) Disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/7806dfc2d897d50e802578 63004f92e2?OpenDocument, acedido em 29 de junho de 2016.

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diligente tendo em vista o conhecimento real e efetivo das cláusulas que lhe estão a ser impostas (…)».

Por outro lado, ainda que se pudessem ter por verificadas as caraterísticas da prédispo-sição, unilateralidade e rigidez, sempre faltaria a essa cláusula o requisito da generalidade (ou o da indeterminação(76)), que seria essencial para que se pudesse afirmar estar-se na presença de cláusulas contratuais gerais.

Essas conclusões militarão, pois, a favor da qualificação do contrato em discussão como um contrato atípico, sujeito ao estipulado nas cláusulas convencionadas por mútuo acordo, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 406.º do CC.

Face ao exposto, o Provedor de Justiça conclui que não dispunha de elementos que lhe permitissem, com a certeza legalmente exigível, usar da prerrogativa que lhe foi atribuída pela alínea c), do n.º 1, do artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro, para remeter o processo ao Ministério Público, com o objetivo de ser intentada uma ação judi-cial destinada a obter a condenação na abstenção do uso ou da recomendação da cláusula constante do contrato em apreço.

O procedimento foi arquivado, tendo a queixosa sido informada dos fundamentos de tal decisão, bem como da possibilidade de poder vir a solicitar diretamente ao Ministério Público a instauração de uma ação inibitória do uso da cláusula contratual cuja validade contestou, cabendo depois, naturalmente, a esse órgão decidir se deve ou não satisfazer tal pedido.

Proc. Q-5340/16Entidade visada: Agrupamento de Escolas da BeneditaData: 2016/12/20Assunto: Fiscalidade. Execuções fiscais. Penhora. Mínimo de impenhorabilidade. Subsídios de Natal e de férias. Quota sindical

A intervenção do Provedor de Justiça foi solicitada a propósito da alegada violação dos mínimos legais de impenhorabilidade por parte do Agrupamento de Escolas da Benedita que, na qualidade de entidade patronal da queixosa, vinha dando cumprimento a ordem de penhora do respetivo vencimento.

(76) Neste sentido, cf. Pinto Monteiro, António, «O novo regime jurídico dos contratos de adesão/cláusulas con-tratuais gerais», o qual pode ser consultado em http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?ids-c=3328&ida=3346, acedido em 29 de junho de 2016.

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A queixosa juntou cópia dos recibos de vencimento de maio a setembro de 2016, nos quais figuravam discriminados os valores retidos por conta da penhora, verificandose que os totais líquidos entregues a título de remuneração se situavam sempre abaixo do mon-tante equivalente a um salário mínimo nacional.

No âmbito da instrução do procedimento, aquele agrupamento esclareceu e documen-tou que, para a emissão da nota de abonos e descontos, utiliza um sistema de processa-mento que separa, por um lado, em duas folhas a remuneração principal e, por outro, os montantes pagos a título de subsídio de Natal, acrescendo em junho um terceiro recibo, referente ao subsídio de férias.

A queixosa baseara a sua exposição somente nos recibos correspondentes à remunera-ção principal, não incluindo, portanto, os pagamentos recebidos por conta dos subsídios de Natal e de férias. Em sequência, a queixosa foi elucidada de que sobre a penhorabili-dade destes subsídios já se pronunciou o Tribunal Constitucional no sentido de:

«(...) não julgar inconstitucional a norma extraída (...) do artigo 824.º [atual 738.°] do CPC [Código de Processo Civil], na parte em que permite a penhora até 1/3 das prestações periódicas, pagas ao executado que não é titular de outros bens penhorá-veis suficientes (...), a título de regalia social ou de pensão, cujo valor não seja superior ao salário mínimo nacional mas que, coincidindo temporalmente o pagamento desta e subsídio de natal ou de férias se penhore, somando as duas prestações, na parte que excede aquele montante».(77)

A queixosa foi, pois, esclarecida de que, submetida esta questão àquele Tribunal, o mesmo não considerou inconstitucional a norma aplicável, na parte em que admite a penhora do subsídio de Natal ou de férias no montante em que, adicionado ao salário, exceda o salário mínimo nacional.

Analisados os demais recibos remuneratórios recolhidos no âmbito da instrução, este órgão do Estado concluiu que o agrupamento adotou uma linha de atuação conforme à lei e à jurisprudência referidas, uma vez que à queixosa foram entregues, nos meses em causa, remunerações líquidas que salvaguardaram o mínimo de impenhorabilidade apli-cável. Mais se elucidou a queixosa de que a mencionada conclusão não ficava prejudicada pelo facto de o total líquido das últimas três remunerações se cifrar em € 523,51 (em vez de € 530,00), na medida em que a diferença (de € 6,49) respeitava ao pagamento de quota sindical.

Para o efeito, esclareceu-se que o montante retido a título de quota sindical não integra o universo dos descontos legalmente obrigatórios, sendo que só estes é que são

(77) Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 770/2014 (Processo n.º 485/2013), publicado no Diário da República, n.º 26, 2.ª série, de 6 de fevereiro de 2015, disponível em https://dre.pt/application/file/66442523, acedido em 31 de outubro de 2016.

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considerados para apuramento da parte líquida das prestações, necessário ao cálculo do que possa ser, ou não, penhorado(78). O trabalhador não pode ser obrigado a pagar quotas para associação sindical em que não esteja inscrito (cf. o disposto no n.º 1 do artigo 457.º do Código do Trabalho (CT), inscrição essa que é livre, resultando do exercício de um direito que assiste ao trabalhador.(79)

A mesma liberdade caracteriza a forma de pagamento das quotas sindicais, que poderá ser processada pela entidade patronal, ou diligenciada pelo trabalhador, a quem pertence a última palavra sobre a modalidade adotada para o efeito.(80)

A queixosa estará sempre em tempo — do que foi informada — de optar pela não intermediação do agrupamento em matéria de pagamento das quotas sindicais e de assim receber os € 530,00 procedendo ao pagamento dos € 6,49 diretamente junto do Sindicato.

Este enquadramento em nada se confunde com a impenhorabilidade de «bens móveis e imóveis de associação sindical ou associação de empregadores cuja utilização seja estri-tamente indispensável ao seu funcionamento»(81), impenhorabilidade que os tribunais interpretam como incluindo, ou não, as quotas, consoante as circunstâncias de cada caso concreto. Trata-se de norma aplicável na esfera das associações em causa, visando assegu-rar meios para a prossecução da respetiva atividade, a qual tutela e representa os interesses coletivos dos trabalhadores de determinada categoria profissional, independentemente dos meios disponíveis para a defesa dos seus direitos individuais, incluída a proteção jurídica dispensada pela Segurança Social a quem não reúna capacidade económica para suportar honorários de advogado, alternada ou conjuntamente, custas judiciais.

Em conclusão, com base nos elementos instrutórios recolhidos e nos esclarecimentos suscitados pelos contornos da exposição dirigida ao Provedor de Justiça, a queixosa foi elucidada sobre a regularidade dos termos aplicados pelo agrupamento para dar cumpri-mento à ordem de penhora do respetivo vencimento.

(78) De facto, nos termos do artigo 738.° do CPC: «1 - São impenhoráveis dois terços da parte líquida dos vencimentos (...).

2 - Para efeitos de apuramento da parte líquida das prestações referidas no número anterior, apenas são conside-rados os descontos legalmente obrigatórios.3 - A impenhorabilidade prescrita no n.º 1 tem como (...) limite mínimo, quando o executado não tenha outro rendimento, o montante equivalente a um salário mínimo nacional (...)».

(79) Cf. N.º 1 do artigo 444.º do CT.(80) Cf. Artigo 458.° do CT. (81) Cf. Artigo 453.° do CT.

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Proc. Q-1469/16Entidade visada: Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P. (IFAP)Data: 2016/08/26Assunto: Fundos Europeus e Nacionais. Agricultura. Restituição de ajudas. Prescrição

O Provedor de Justiça recebeu uma queixa apresentada por herdeira de um fiador de projeto apoiado pelas medidas florestais nas explorações agrícolas, através da qual se ques-tionava o pedido de devolução do valor pago a título de obrigação de reembolso desse apoio financeiro, por se considerar que essa dívida já se mostrava prescrita.

A posição transmitida pelo IFAP, no âmbito da instrução do procedimento, reiterou o entendimento já defendido junto da queixosa, isto é, de que a dívida cujo pagamento foi reclamado, e que acabou por ser efetuado em 15 de junho de 2007, não se mostrava prescrita, justificando a ausência de notificação do fiador do projeto, primeiro com a sua incapacidade psíquica atestada por uma instância judicial e, depois, com o respetivo falecimento.

Face ao exposto, o Provedor de Justiça concluiu que não poderia instar o IFAP a reco-nhecer a prescrição da dívida, reconhecimento esse que seria necessário para efeitos de restituição do valor pago em sede de execução fiscal. Com efeito, a promotora do projeto fora notificada da decisão de rescisão unilateral do contrato de atribuição de ajuda cele-brado com o IFAP, com a consequente exigência de reembolso das ajudas indevidamente recebidas, no valor de € 17 541,08, acrescidas de juros, através de ofício datado de 9 de outubro de 1992.

Conforme certidão de citação negativa emitida pelo Tribunal em 26 de novembro de 1996, não havia sido possível — depois de várias diligências junto da morada do fiador — proceder à sua citação no estabelecimento de saúde onde se encontrava internado, por o mesmo não dispor de suficiente capacidade psíquica para esse efeito.

Tal como decidido no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 3 de novembro de 2005(82),

«(…) muito embora a fiança seja acessória da obrigação principal, é uma obriga-ção distinta desta, pelo que (…) mesmo que a obrigação principal seja a prazo, a fiança reveste sempre a natureza de uma obrigação pura, sujeita por conseguinte a interpela-ção, nos termos do artigo 805.° do Código Civil (…)».

Conforme foi judicialmente atestado, foi tentada a interpelação do fiador, sem que tal se tenha mostrado possível, cabendo aqui a aplicação do disposto no artigo 791.º do CC, segundo o qual «[a] impossibilidade relativa à pessoa do devedor importa igualmente a

(82) Disponível em http://www.dgsi.pt/Jtrl.nsf/0/cb95b3134f7b1fe1802570cf004032a2?OpenDocument, acedi-do em 27 de junho de 2016.

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extinção da obrigação, se o devedor, no cumprimento desta, não puder fazer-se substituir por terceiro».

Encontrando-se o fiador em situação de incapacidade psíquica, desconhecia-se, no entanto, se, e em que momento, lhe teria sido nomeado qualquer representante legal que pudesse ter sido então notificado (antes do respetivo falecimento e da abertura de herança) para efeitos de assunção da dívida reclamada pelo IFAP, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 223.º e no artigo 234.º do CPC.

A questão do prazo de prescrição aplicável ao direito de revogação dos atos de conces-são de apoio financeiros comunitários não é isenta de discussão, quer em sede administra-tiva, quer junto dos tribunais (nacionais e comunitários) que têm vindo a ser chamados a decidir conflitos desta natureza. A esse respeito, será de destacar, desde logo, a orientação defendida no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 9 de junho de 2010, pro-ferido no processo 185/10(83), segundo o qual: i) «O reembolso das quantias indevida-mente recebidas pelos beneficiários das ajudas, incluindo a sua prescrição, é regulado pela legislação nacional (…)»; ii) Assim, o prazo de prescrição desse reembolso é de vinte anos, nos termos do prazo geral estabelecido no artigo 309.º do CC.

Essa decisão acompanhou o que havia sido decidido pelo TJUE, em acórdão de 29 de janeiro de 2009, processos C-278/07 a C280/07(84), quando declarou que:

«o prazo de prescrição previsto no artigo 3.º, n.º 1, primeiro parágrafo, do Regula-mento (CE, Euratom), n.º 2988/95, do Conselho, de 18 de dezembro, relativo à prote-ção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias, é aplicável às medidas admi-nistrativas como a recuperação de uma restituição à exportação indevidamente recebida pelo exportador em virtude de irregularidades por ele cometidas (…)».

Acrescentando ainda que:

«(…) os prazos de prescrição mais longos que os Estados membros continuam a ter a faculdade de aplicar ao abrigo do artigo 3.º, n.º 3, do Regulamento n.º 2988/95 podem resultar de disposições de direito comum anteriores à data de adoção desse regulamento (…)».

Aquele Tribunal justificou esta posição em sede de definição dos prazos de prescri-ção com o interesse da comunidade na recuperação de ajudas indevidamente concedidas ou recebidas, que manda que as regras previstas pelo direito nacional não possam tornar impossível ou excessivamente difícil a recuperação dos auxílios indevidos e que a aplicação

(83) Disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/d0a5fafd90de6af48025774 5003b86b1?OpenDocument, acedido em 27 de junho de 2016.(84) Disponível em http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/HTML/?uri=CELEX:62007CJ0278&rid =1#Footnote*, acedido em 27 de junho de 2016.

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do mesmo se deva fazer de modo não discriminatório em relação aos processos destinados a resolver os litígios nacionais do mesmo tipo.

Mais tarde, veio o Supremo Tribunal Administrativo, no seu acórdão de 30 de outubro de 2014 (Proc. 092/14)(85) estabelecer que:

«(…) I – Mercê da interpretação firmada pelo «TJUE» no seu acórdão de 17.09.2014 [Proc. n.º C-341/13] e em aplicação dos princípios comunitários da prima-zia do Direito Europeu, da lealdade comunitária e da interpretação conforme aos Tra-tados e às normas jurídicas da União, o prazo de prescrição do procedimento visando a aplicação de sanções e a restituição de ajudas comunitárias irregulares, no âmbito da política agrícola comum, é de quatro anos nos termos dos arts. 01.º e 03.º do Regula-mento (CE/EURATOM) n.º 2988/95.

II – Não existindo, no direito interno um prazo especialmente previsto para tal fina-lidade, deve ser aplicado o referido prazo, em detrimento do prazo geral da prescrição do art. 309.º do CC e do prazo de 05 anos previsto no n.º 1 do art. 40.º do DL n.º 155/92.

III – Aquele prazo de prescrição interrompe-se, nos termos do art. 03.º do referido Regulamento, com a emissão de qualquer ato que dê conhecimento à pessoa/entidade visada que se irá instruir ou instaurar procedimento por irregularidade, regime esse que afasta, pelos seus termos, a regra de direito interno constante do art. 323.ºdo CC (…)».

Essa decisão, ainda recente, que tem sido seguida pela jurisprudência superior domi-nante, foi tomada depois de o TJUE ter revisto a sua posição inicial, decidindo, através do mecanismo do reenvio prejudicial, que a aplicação de um prazo ordinário de prescrição de vinte anos, constante do CC, excederia o que seria necessário para atingir o objetivo de proteção dos interesses financeiros da União Europeia.

Aliás, através do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 1/2015, de 7 de maio de 2015, foi mesmo uniformizada jurisprudência no sentido de que, na ausência de legislação nacional consagrando prazo de prescrição mais longo do que o previsto no n.º 1 do artigo 3.º do Regulamento da Comunidade Europeia da Energia Atómica (CE/EURATOM) n.º 2988/95, do Conselho, de 18 de dezembro, é este o aplicável(86).

Contudo, à data em que o IFAP executou a decisão de revogação dos apoios finan-ceiros, a jurisprudência nacional e comunitária ainda não se encontravam sedimentadas neste último sentido.

Por outro lado, como decorre do já citado acórdão do Supremo Tribunal Administra-tivo de 30 de outubro de 2014 (Proc. 092/14), na ausência de disposição nacional espe-cífica, também a interrupção do prazo de prescrição reger-se-á pelas normas de direito

(85) Disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b3a26aebb6646b6480257 d88003b942d?OpenDocument, acedido em 27 de junho de 2016.(86) Disponível em https://dre.pt/web/guest/home/-/dre/67164533/details/maximized?p_auth=6HOC71Wm, acedido em 27 de junho de 2016.

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comunitário, designadamente pelo 4.º parágrafo do n.º 1 do artigo 3.º do Regulamento (CE/EURATOM) n.º 2988/95, que dispõe que «a prescrição tem lugar o mais tardar na data em que termina um prazo igual ao dobro do prazo de prescrição sem que a autoridade competente tenha aplicado uma sanção (…)».

No momento em que esse prazo máximo poderia ter sido atingido, o IFAP já há vários anos tinha tomado a decisão de aplicar uma sanção pelo incumprimento do projeto de investimento, nomeadamente logo em 1992 quando notificou a beneficiária do projeto para repor a ajuda e, em 1996, quando diligenciou junto do fiador para o mesmo efeito.

Acresce que, como constitui orientação praticamente unânime da jurisprudência civil e administrativa, a prescrição não extingue a obrigação, mas tão-só o meio de exigir a ação creditória(87), já que:

«(…)[o] pagamento feito em processo executivo é sempre «espontâneo» e «livre de toda a coação», uma vez que o exercício normal de direitos processuais de carácter executivo não constitui coação ilegítima.

IV - O pagamento voluntário, feito pelo executado por conta de dívida sob execução fiscal extinta por prescrição da obrigação respetiva, não pode fundamentar a devolu-ção ou «repetição do indevido», pois esse pagamento corresponde ao cumprimento de uma obrigação natural (…)».

Ou seja, ainda que, ao arrepio do que constituía o entendimento jurisprudencial à data dos factos, se pudesse considerar a dívida paga pela queixosa como prescrita, o Provedor de Justiça não poderia interpelar o IFAP a proceder ao reembolso pretendido na queixa, porquanto, dispõe o n.º 2 do artigo 304.º do CC que:

«Não pode, contudo, ser repetida a prestação realizada espontaneamente em cum-primento de uma obrigação prescrita, ainda quando feita com ignorância da prescrição; este regime é aplicável a quaisquer formas de satisfação do direito prescrito, bem como ao seu reconhecimento ou à prestação de garantias».

O procedimento foi arquivado por inexistência de fundamentos para intervenção do Provedor de Justiça no sentido da concretização do reembolso pretendido pela queixosa.

(87) Neste sentido, cf. acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, de 27 de maio de 2008 (proc.º 02339/08), disponível em http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/a10cb5082dc606f9802565f600569da6/7158d20da587981c-8025745d00371ba5?OpenDocument e acórdão do Tribunal Central do Norte, de 10 de janeiro de 2008 (proc.º 01489/07.2BEPRT), disponível em http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/4e5f5e29d5f13c3d802573d00062061 5?OpenDocument, ambos acedidos em 27 de junho de 2016. Administrativo Sul

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3. Direitos sociais

3.1. Tomadas de posição favoráveis aos queixosos

a) Sugestões

Proc. Q-2658/16Entidades visadas: Secretária de Estado da Segurança Social e ISSData: 2016/10/14Assunto: Aplicação do regime contributivo dos trabalhadores independentes, previs-to no Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança SocialSequência: Aguarda-se resposta da Secretária de Estado da Segurança Social e do ISS, muito embora este já tenha acatado uma das duas sugestões relativas ao cálculo do valor da remuneração anual para reconhecimento da isenção da obrigação contributiva

Na sequência de novas queixas recebidas sobre o regime contributivo dos trabalhado-res independentes estabelecido no Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previ-dencial de Segurança Social (doravante abreviadamente Códigos dos Regimes Contribu-tivos), o Provedor de Justiça formulou novas sugestões de alteração legislativa à Secretária de Estado da Segurança Social e de alteração de procedimentos administrativos ao Con-selho Diretivo do ISS.

Entre as alterações legislativas objeto da sugestão dirigida à Secretária de Estado da Segu-rança Social, visava o artigo 60.º do Decreto Regulamentar n.º 1-A/2011, de 3 de janeiro, a respeito da data de produção de efeitos da isenção contributiva para os trabalhadores inde-pendentes, cuja alteração fora anunciada pelo anterior Governo como estando em fase final de aprovação e publicação mas que não chegou a ser concretizada, o que prejudica alguns trabalhadores independentes que só podem ver reconhecida a sua isenção contributiva no mês seguinte ao do requerimento ou da verificação dos factos para esse efeito.

A questão da determinação da base de incidência contributiva — que tem merecido a preocupação e a intervenção do Provedor de Justiça ao longo dos anos, desde logo, por-que o atual regime contributivo dos trabalhadores independentes não acautela a situação daqueles que trabalham por conta própria auferindo rendimentos muito baixos —, foi igualmente exposta à Secretária de Estado. Tendo em conta os compromissos assumidos no Programa do atual Governo e o previsto no n.º 1 do artigo 76.º da Lei do Orçamento do Estado para 2016, foi salientada a premência de ser agilizado o processo legislativo que introduza alterações significativas ao Código dos Regimes Contributivos que permitam maior justiça no apuramento da obrigação contributiva dos trabalhadores independentes, tendo em consideração, sobretudo, a situação dos trabalhadores precários (os comum-mente denominados «falsos recibos verdes»).

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Foi ainda evidenciada a omissão legislativa quanto à regulamentação do regime de obrigatoriedade de caixa postal eletrónica e a necessidade de alteração da letra da alínea d) do artigo 63.º do Código dos Regimes Contributivos, de modo a que não seja necessário ao intérprete o recurso à interpretação extensiva para considerar também abrangidos por aquela norma os sócios gerentes das sociedades de profissionais abrangidas pelo regime da transparência fiscal descritas na subalínea 2), aditada à alínea a), do n.º 4, do artigo 6.º do CIRC pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, entretanto alterada pela Lei do Orçamento do Estado para 2015.

Relativamente às alterações de procedimentos administrativos, as sugestões dirigidas ao Conselho Diretivo do ISS resultaram, na sua maioria, da necessidade de regulariza-ção de situações concretas de trabalhadores independentes ainda pendentes nos respeti-vos serviços, não obstante as intervenções a esse respeito do Provedor de Justiça. As res-tantes prenderam-se com novas situações de errada interpretação jurídica por parte dos serviços daquele Instituto a respeito do Código dos Regimes Contributivos, legislação complementar e direito subsidiariamente aplicável. Entre estas é de destacar a sugestão de correção da interpretação que é feita dos artigos 164.º e 165.º do Código dos Regimes Contributivos, a fim de que os trabalhadores independentes que reiniciam atividade não vejam a sua base de incidência contributiva ser fixada no escalão correspondente ao do seu rendimento relevante, sem a possibilidade de alteração da mesma senão nos meses de feve-reiro, junho, ou na sequência de um novo posicionamento em outubro, contrariamente ao pretendido pelo legislador, em particular no que respeita aos trabalhadores independentes cuja situação se subsume na previsão da alínea b), do n.º 2, do artigo 165.º do Código, e em que a sua letra é expressa e inequívoca quanto à possibilidade de escolha da base de incidência entre os dois escalões superiores ou inferiores aquando do reinício da atividade.

A isenção da obrigação contributiva também foi objeto de sugestão de correção inter-pretativa ao Conselho Diretivo do ISS relativamente a duas questões que se prendem com a interpretação do artigo 157.º do Código dos Regimes Contributivos.

A primeira foi a do cálculo do «valor da remuneração anual» dos trabalhadores inde-pendentes que acumulam atividade independente com atividade profissional por conta de outrem, cálculo esse que deve ser feito nos termos da subalínea iii), da alínea a), do n.º 1, do citado artigo 157.º e no n.º 1 do artigo 59.º do Decreto Regulamentar n.º 1-A/2011, de 3 de janeiro, mas que não está a ser corretamente efetuado por parte do ISS e conduz mesmo à violação do princípio da igualdade na apreciação das remunerações dos traba-lhadores independentes no primeiro mês da acumulação de atividade. O ISS emitiu sobre esta matéria a Orientação Técnica n.º 21/2013, de 20 de dezembro de 2013, e o Provedor de Justiça entendeu justificar-se a respetiva correção e a reapreciação das decisões de não reconhecimento total ou parcial da isenção contributiva aos cidadãos que lhe dirigiram queixas sobre o assunto.

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A segunda questão que mereceu sugestão do Provedor de Justiça a respeito da isenção da obrigação contributiva prende-se com a determinação da base de incidência contribu-tiva e a fixação do valor das contribuições aos trabalhadores independentes com baixos rendimentos. Nesse contexto, foi defendido que o ISS corrija a interpretação feita da alí-nea d), do n.º 1, do artigo 157.º do Código dos Regimes Contributivos e passe a reco-nhecer a isenção da obrigação contributiva aos trabalhadores independentes que estejam a pagar contribuições pelo período exato de um ano resultante de rendimento relevante igual ou inferior a seis vezes o valor do Indexante dos Apoios Sociais (IAS), e não que esse reconhecimento aconteça, decorrido aquele ano, apenas aquando da fixação anual da base de incidência, o que pode conduzir a que um trabalhador independente nestas condições seja obrigado a contribuir durante 23 meses.

O Provedor de Justiça, a propósito das sociedades de profissionais abrangidas pelo regime da transparência fiscal, também sugeriu ao ISS a correção da Orientação Técnica emitida em 20 de janeiro de 2016, da qual resulta uma errada interpretação das normas previstas na alínea d) do artigo 63.º e alínea b), do n.º 1, do artigo 133.º do Código dos Regimes Contributivos(88).

Proc. Q-8480/14Entidade visada: Secretária de Estado da Segurança SocialData: 2016/05/18Assunto: Manutenção do direito de inscrição na Caixa Geral de Aposentações, I.P. (CGA)Sequência: Aguarda resposta definitiva

O Provedor de Justiça recebeu, ao longo dos últimos anos, várias queixas sobre a recusa da CGA relativamente à manutenção da inscrição no regime de proteção social conver-gente de vários docentes contratados que exerceram ininterruptamente as respetivas fun-ções através da celebração de contratos anuais.

De acordo com as referidas queixas, a CGA tem-se recusado a manter as inscrições destes docentes, considerando que, havendo lugar à celebração de novos contratos, há igualmente lugar ao início de novas funções públicas, pelo que, nos termos do disposto no

(88) Os ofícios dirigidos, respetivamente, à Secretária de Estado da Segurança Social e ao Conselho Diretivo do ISS podem ser consultados no sítio institucional do Provedor de Justiça: http://www.provedor-jus.pt/site/public/archive/doc/Oficios.pdf

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n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, os docentes devem ser inscritos no regime geral da segurança social.

No entanto, na sequência da intervenção do Provedor de Justiça, a CGA veio defender, mais recentemente, que, a partir de 1 de agosto de 2014 — data da entrada em vigor da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LGTFP), aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho —, o disposto no n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, deixou de se aplicar às situações abrangidas pela referida Lei, limitando-se a sua aplicação apenas àqueles que ingressem pela primeira vez na Administração Pública.

A CGA fundamentou a respetiva alteração de entendimento no facto de que, de acordo com a referida Lei, o contrato em funções públicas é celebrado com o Estado em sentido lato, abrangendo por isso todas as entidades públicas, com exceção das referidas no artigo 2.º da LGTFP, pelo que mesmo ocorrendo a extinção de um vínculo púbico seguido de um novo vínculo de emprego público com «(...) outra pessoa coletiva pública que esteja sujeita à presente lei» haverá «(...) sucessão na posição jurídica de empregador público» (artigo 25.º). Tal é corroborado, segundo a CGA, pela garantia da aplicação do princípio da continuidade do exercício de funções públicas previsto no artigo 11.º da LGTFP.

Ora, se bem que tal entendimento – com efeitos a partir de 1 de agosto de 2014 – vá ao encontro da posição defendida há muito pelo Provedor de Justiça à luz do regime anterior à LGTFP, o certo é que se mantém a prolação de decisões da CGA de recusa da inscrição de docentes, quer, em geral, quanto a situações anteriores à referida data, quer – já na vigência deste novo entendimento – no que respeita a novas situações, em que é invocado o regime de recrutamento dos docentes como fundamento para a recusa da manutenção da respetiva inscrição, sendo certo que tal regime não assume nenhuma relevância neste contexto.

Na verdade, qualquer que seja a modalidade do procedimento concursal pelo qual se verifica o recrutamento, salienta-se que os docentes são vinculados por contratos de tra-balho em funções públicas a termo certo, pelo que a via da sua colocação nas escolas é um fator irrelevante à face dos critérios que o legislador erigiu para definir quando se está perante uma nova inscrição não admitida: tal sucederá no caso de constituição de uma nova relação jurídica de emprego público (e não a alteração de uma relação subsistente), em momento posterior a 1 de janeiro de 2006. A distinção das situações em função de qualquer outro fator, como a natureza do procedimento de recrutamento, envolverá, por isso, violação de lei.

Quanto à referida posição defendida pelo Provedor de Justiça à luz do regime ante-rior à LGTFP, a verdade é que já com a entrada em vigor da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro, — Lei de Vínculos, Carreiras e Remunerações (LVCR) —, ficou claro que os regimes de vínculos e de carreiras ali regulados assentam na constituição de uma relação jurídica de emprego público com o Estado (n.º 3 do artigo 9.º), cuja manutenção não é posta em causa pelas vicissitudes jurídico-funcionais a que ficam sujeitos os trabalhadores

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no decurso do exercício ininterrupto de funções públicas e que são inerentes à sua normal evolução profissional.

A consagração legal desta realidade encontra-se no princípio da continuidade do exer-cício de funções públicas, previsto no artigo 84.º da LVCR, do qual decorre que o ser-viço prestado ao abrigo de qualquer das modalidades de constituição da relação jurídica de emprego público, sem distinção, releva como exercício de funções públicas. E, deste modo, este exercício mantém-se mesmo que tenha havido a alteração da modalidade de vínculo ou do órgão ou serviço onde foi prestado.

Por outro lado, no plano do regime jurídico da proteção social convergente (Lei n.º 4/2009, de 29 de janeiro), surge regra similar que não pode ser ignorada, mas sim conside-rada prevalecente, porque posterior ao disposto na Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro. Efetivamente, no artigo 15.º da Lei n.º 4/2009, de 29 de janeiro, determina-se que os tra-balhadores integrados no regime de proteção social convergente não perdem a qualidade de beneficiários deste regime quando vejam alterada a sua relação jurídica de emprego público, designadamente por mudança da modalidade de vinculação ou por aplicação de instrumentos de mobilidade.

Note-se que a mudança da modalidade de vinculação envolve necessariamente um novo título jurídico, seja a celebração de um novo contrato de trabalho em funções públi-cas (quando um contrato por tempo indeterminado suceda a um contrato a termo certo ou a uma nomeação, por exemplo), seja a emissão de um ato administrativo de nomeação. Se a norma em causa qualifica estas situações como de mera alteração da relação jurídica de emprego público insuscetível de determinar a perda da qualidade de beneficiário do regime de proteção social convergente, então não poderá deixar de se considerar integrado no mesmo grupo de situações a celebração sucessiva de contratos a termo.

Também a jurisprudência que vem sendo proferida sobre o assunto tem defendido ser de reconhecer aos interessados a manutenção do direito de inscrição na CGA.

O Provedor de Justiça, discordando, assim, da posição assumida pela CGA, entende que, à luz dos diplomas legais aplicáveis, quando existe continuidade do exercício de fun-ções públicas nestas situações, em data anterior a 1 de agosto de 2014 — e independen-temente da modalidade de recrutamento dos docentes —, não há qualquer fundamento legal que legitime a recusa da CGA na manutenção da inscrição destes docentes com con-tratos anuais.

Na sequência de várias diligências infrutíferas realizadas junto da CGA no sentido de regularização da situação dos docentes em causa, o Provedor de Justiça dirigiu um ofício à Secretária de Estado da Segurança Social, sugerindo que fossem emitidas orientações à CGA em ordem a manter a inscrição de todos os docentes que se encontrem nas situações

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acima descritas e a proceder à regularização das situações passadas, mediante a articulação entre aquela Caixa e o ISS.(89)

Proc. Q-5292/15Entidade visada: Secretária de Estado da Segurança Social Data: 2016/02/05Assunto: Alteração legislativa quanto ao prazo de prescrição para a restituição do valor de prestações sociais indevidamente pagas estabelecido no artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 133/88, de 20 de abrilSequência: Aguarda resposta

O Provedor de Justiça recebeu várias queixas de cidadãos que contestavam a exigência de reposição, por parte da Segurança Social, de prestações que lhes foram indevidamente pagas há mais de cinco anos.

Após intervenção deste órgão do Estado com vista ao esclarecimento das situações em concreto e estudada a questão à luz da legislação aplicável, foi possível concluir que os serviços da Segurança Social não mereciam censura por estarem sujeitos ao princípio da legalidade e se limitarem a cumprir o previsto no artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 133/88, de 20 de abril, que estabelece o prazo prescricional de 10 anos para a restituição do valor das prestações dos regimes de segurança social indevidamente pagas e não foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de julho.

O Provedor de Justiça entendeu, porém, que a evolução legislativa impunha um novo olhar e uma outra ponderação sobre o tema já que, no quadro das alterações legislativas a que se vem assistindo, fica evidente a injustiça, a desproporcionalidade e a incerteza e segu-rança jurídicas que um tão alargado prazo de prescrição acarreta agora para os cidadãos. Não só o Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de julho, veio prever um prazo prescricional de cinco anos para a reposição de dinheiros públicos (n.º 1 do artigo 40.º), como também foi reduzido para cinco anos o prazo de prescrição da obrigação do pagamento das quoti-zações e das contribuições (n.º 3 do artigo 60.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro) e do direito à restituição de contribuições e quotizações pagas indevidamente (artigo 272.º do Código dos Regimes Contributivos).

(89) O ofício dirigido à Secretária de Estado da Segurança Social pode ser consultado no sítio institucional do Provedor de Justiça: http://www.provedor-jus.pt/site/public/archive/doc/Oficio_Secretaria_de_Estado_da_Segu-ranca_Social.pdf

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Por outro lado, com a evolução do sistema de informação da segurança social, no sen-tido de ser assegurada «a eficácia da cobrança das contribuições e do combate à fraude e evasão contributivas, bem como evitar o pagamento indevido de prestações» (artigo 98.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro), e as novas regras da anulação administrativa previstas no atual CPA relativamente aos atos constitutivos de direitos à obtenção de prestações periódicas no âmbito de uma relação continuada, tudo aponta para a necessidade de esta-bilização destes atos na ordem jurídica dentro do período temporal de cinco anos com vista à proteção da confiança legítima dos cidadãos de boa-fé, justificando-se mesmo a revisão de todo o enquadramento normativo em causa.

Assim sendo, o Provedor de Justiça sugeriu à Secretária de Estado da Segurança Social a adoção de medida legislativa de alteração ao Decreto-Lei n.º 133/88, de 20 de abril, ou de aprovação de um novo regime de restituição de prestações indevidamente pagas, com adequação ao novo CPA e com uma redução do prazo prescricional contado a partir da data do último pagamento, mais se sugerindo que a todos os prazos em curso seja aplicada a regra do novo prazo prescricional, afastando-se a aplicação do artigo 297.º do CC.

Por estar relacionado com este tema o problema da compensação automática das dívi-das por prestações indevidamente pagas com prestações devidas pelas instituições de segurança social, o Provedor de Justiça apresentou ainda uma sugestão de natureza admi-nistrativa à Secretária de Estado da Segurança Social, no sentido de os procedimentos do ISS serem corrigidos no tocante à compensação automática das prestações indevidamente pagas com prestações devidas.

Proc. Q-6674/15Entidade visada: Caixa Geral de Aposentações, I.P. (CGA) Data: 2015/04/14Assunto: Anulação administrativa do ato de atribuição da pensão de aposentação. Eficácia para o futuro da anulação administrativa dos atos constitutivos de direitos à obtenção de prestações periódicas após o decurso do prazo de um ano. Aplicação do novo CPA, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiroSequência: A posição do Provedor de Justiça foi acolhida, o caso concreto resolvido e foi fixado um entendimento futuro

Foi apresentada uma queixa ao Provedor de Justiça, na qual se contestava o pedido de reposição da quantia de € 7919,42 que lhe fora endereçado pela CGA, a título de pensões indevidamente pagas, na sequência da anulação administrativa do ato que lhe reconhecera o direito à aposentação antecipada.

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Da análise da queixa apresentada resultou que, por despacho proferido em 20 de junho de 2014, foi reconhecido à interessada o direito à aposentação antecipada, ao abrigo do disposto no artigo 37.º-A do Estatuto da Aposentação, o qual veio a ser posteriormente objeto de anulação administrativa, por despacho de 7 de outubro de 2015, com funda-mento no facto de ter existido um lapso na contagem de tempo de serviço por parte da CGA.

Com efeito, invocando a aplicação do disposto no n.º 3 do artigo 171.º do Decreto--Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, que aprovou o novo CPA, a CGA exigiu à interessada a reposição das quantias indevidamente recebidas a título de pensão (entre 1 de dezembro de 2014 – data do início do pagamento da pensão por parte da CGA – e 31 de outubro de 2015) e, por outro lado, notificou a entidade empregadora para proceder à reintegração da interessada na vida ativa, com a reconstituição de «toda a situação como se o primeiro despacho não tivesse sido proferido, com acertos que têm de ser feitos entre remunerações e descontos devidos e pensões indevidamente pagas».

A queixosa contestou essa, assim como o próprio serviço, por entenderem que a res-ponsabilidade pela situação criada não lhes poderia ser imputada. De facto, decorre do disposto na alínea b), do n.º 4, do artigo 168.º do Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, que a anulação administrativa dos atos constitutivos de direitos, ainda que ultrapassado o prazo de um ano, é possível até um prazo máximo de cinco anos, sendo que a mesma só terá, contudo, eficácia para o futuro quando se trate de atos constitutivos de direitos à obtenção de prestações periódicas.

Tal significa que, uma vez praticado o ato anulatório, cessam as prestações periódicas continuadas, isto é, cessa o pagamento da pensão de aposentação, não estando previstos quaisquer outros efeitos a atribuir a este ato, pelo que, no caso em análise, verificou-se a inexistência de cobertura jurídica para a exigibilidade das prestações indevidamente pagas pela CGA.

Em face da conclusão de que a CGA estava a fazer uma incorreta aplicação da lei, o Pro-vedor de Justiça solicitou a reapreciação da situação reclamada à luz do normativo vigente e aplicável ao caso concreto — alínea b), do n.º 4, do artigo 168.º do novo CPA —, dele retirando todas as consequências jurídicas, designadamente a anulação da nota de reposição emitida, no montante de € 7919,42, e o consequente reconhecimento da inexigibilidade daquela quantia à interessada e da inexigibilidade de qualquer responsabilidade à respetiva entidade empregadora, como aquela que lhe estava a ser imputada pela CGA no sentido de pagar remunerações como contrapartida de uma prestação de trabalho que, no período em causa, manifestamente não se verificou.

Nesta sequência, a Direção da CGA veio expressar o acolhimento da posição defendida pelo Provedor de Justiça no sentido de que, à luz do novo CPA, a anulação administra-tiva dos atos de atribuição de pensões, como atos constitutivos de direitos à obtenção de

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prestações periódicas, é possível ultrapassado o prazo de um ano e até um prazo máximo de cinco anos, mas só tem eficácia para o futuro.

No tocante ao caso concreto, a CGA veio dar sem efeito o pedido de restituição de pensões que havia anteriormente endereçado à interessada, tendo igualmente fixado este entendimento para situações futuras similares.

b) Chamadas de atenção

Proc. Q-3885/15Entidades visadas: Ministra da Justiça e Ministro do Trabalho, Solidariedade e Segu-rança SocialData: 2016/04/15Assunto: Alteração de algumas normas do novo Regulamento da Caixa de Previdên-cia dos Advogados e Solicitadores, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 119/2015, de 29 de junhoSequência: Foi determinada a constituição de um grupo de trabalho interministerial para avaliação do Novo Regulamento da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores, no que respeita à matéria da proteção social, através do Despacho n.º 10748/2016, de 30 de agosto, dos Gabinetes da Ministra da Justiça e do Ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social

O Provedor de Justiça recebeu várias queixas sobre o novo Regulamento da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 119/2015, de 29 de junho. Depois de apreciadas as distintas questões nelas expostas, o Provedor de entendeu chamar a especial atenção da Ministra da Justiça e do Ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social(90) para a necessidade de serem equacionadas diferentes soluções normativas e, nesse sentido, proceder:

a) À ponderação da obrigatoriedade de contribuição dos advogados e solicitadores estagiários para o regime da Caixa de Previdência dos Advogados e dos Solicitadores (CPAS), nos termos em que a mesma foi imposta pelo novo Regulamento, atendendo, nomeadamente, à circunstância de, por um lado, estes poderem não vir a exercer no futuro

(90) Os ofícios dirigidos aos referidos membros do Governo podem ser consultados em http://www.pro-vedor-jus.pt/site/public/archive/doc/Q-3885-2015-RegimedeProteaaoSocialdosAdvogadoseSolicitado-res_MM_0.pdf

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a profissão (seja por opção, seja por insucesso nas provas de agregação ou por desistência) e, por outro, de ter sido eliminada a possibilidade de resgate das contribuições;

b) À introdução de uma cláusula ou escalão de salvaguarda para os advogados e solici-tadores que não atinjam determinado patamar de rendimento ou cujo rendimento venha a regredir, ponderando-se, designadamente a possibilidade de tal escalão contributivo ser fixado não apenas em função do número de anos de inscrição, mas também de determi-nado montante dos rendimentos efetivamente auferidos, à semelhança do que é feito para os trabalhadores independentes no regime da segurança social;

c) À consagração da possibilidade de totalização de períodos contributivos na CPAS com períodos abrangidos por outros regimes de proteção social obrigatórios, nos casos em que os interessados não perfaçam o tempo mínimo para preencherem o prazo de garantia;

d) À introdução de uma solução similar àquela que consta do artigo 262.º do Código dos Regimes Contributivos no sentido de permitir o reembolso de contribuições aos beneficiários que atinjam determinada idade sem que tenham conseguido preencher o prazo de garantia necessário para acederem à pensão de velhice ou invalidez;

e) À fixação de um novo prazo mais justo e adequado para o exercício dos direitos pre-vistos no artigo 5.º do anterior Regulamento — pagamento retroativo de contribuições relativamente ao tempo de estágio em que os interessados não tenham estado inscritos na CPAS e relativamente ao tempo em que se tenha verificado a suspensão provisória dos efeitos da inscrição —, assim como a necessidade de ser estabelecida a possibilidade do pagamento em prestações, de modo a que o exercício deste direito possa ser exequível pelos potenciais interessados;

f ) À adoção de uma norma que acautele a situação dos advogados (designadamente os advogados de empresa) que são obrigados a contribuir para dois sistemas de proteção social obrigatórios, ponderando-se a eventual eliminação desta obrigatoriedade de manu-tenção da inscrição na CPAS, por opção do interessado, de modo a evitar o acrescido esforço contributivo que lhes está a ser exigido;

g) E, por último, à consagração expressa no Regulamento da CPAS dos direitos às prestações sociais inerentes à parentalidade, com caráter obrigatório e em termos similares aos garantidos para a generalidade dos cidadãos, pondo termo ao que, neste âmbito, se encontra atualmente previsto em regulamento ad hoc.

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Proc. Q-7200/15Entidade visada: Instituto da Segurança Social, I.P. (ISS)Data: 2016/02/01Assunto: Inscrição na Segurança Social de trabalhadores estrangeiros (nacionais de países não pertencentes à União Europeia)Sequência: A chamada de atenção foi tida em consideração, tendo sido clarificado o entendimento do ISS acerca do assunto e tomadas medidas com vista à uniformização de procedimentos em todos os Centros Distritais. Nesse sentido veio a ser emitida uma circular de orientação técnica pela Direção-Geral da Segurança Social

Na sequência de várias queixas relativas à inscrição na segurança social de trabalhado-res estrangeiros (nacionais de países não pertencentes à União Europeia), respeitantes na sua quase totalidade ao Centro Distrital de Faro, o Provedor de Justiça dirigiu uma cha-mada de atenção ao Conselho Diretivo do ISS.

Estava em causa a exigência aos requerentes da apresentação de cópia do visto de traba-lho ou título de residência válido emitido pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) — documentos de que os mesmos não dispunham — e que determinava um significativo atraso no procedimento de inscrição em apreço ou mesmo, em alguns casos, a sua recusa.

Os queixosos entendiam que a exigência de tais documentos não tinha sentido ou fun-damento legal e sublinhavam que a recusa ou demora do ISS em proceder à sua inscrição na Segurança Social e à consequente atribuição de Número de Identificação da Segurança Social (NISS) redundava na impossibilidade de recorrerem ao regime de legalização exce-cional constante do n.º 2 do artigo 88.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, cujo acesso (registo de manifestação de interesse junto do SEF) depende da atribuição de NISS.

Acresce que, no âmbito da instrução de algumas das queixas que lhe haviam sido diri-gidas, o Provedor de Justiça verificou que o ISS não adotara uma posição formal, clara e uniforme sobre o assunto, observando-se que em muitos casos, após diligências promovi-das pelos serviços do Centro Distrital de Faro junto do SEF e apesar de terem concluído que os interessados não eram titulares de autorização de residência nem tinham visto que os habilitasse a trabalhar em Portugal, tinham-lhes sido deferidos os pedidos de inscrição e atribuídos os NISS.

Em face da incongruência no tratamento conferido aos processos em causa e na sequên-cia de várias diligências realizadas pelo Provedor de Justiça, veio a realizar-se uma reunião entre o ISS, o SEF e o Alto Comissariado para as Migrações com vista a uniformização de procedimentos sobre a inscrição de cidadãos estrangeiros na Segurança Social.

Subsequentemente, e em face da receção de novas queixas, o Provedor de Justiça diri-giu uma chamada de atenção ao Conselho Diretivo do ISS, assinalando a necessidade de ser devidamente clarificada a atuação dos serviços daquele Instituto sobre a matéria.

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Correspondendo ao solicitado, o ISS informou que, no seguimento da mencionada reunião, ficara assente que todos os Centros Distritais do ISS passariam a proceder à ins-crição de trabalhadores estrangeiros, desde que comprovada a existência da relação laboral edesde que fizessem prova de que entraram legalmente em Portugal e de que aqui permane-ciam legalmente. Nessa ocasião foi ainda estabelecida uma colaboração mais estreita entre os Serviços do SEF e do ISS, no âmbito nacional, sempre que tal se mostrasse necessário.

Com vista à harmonização definitiva de procedimentos, a Direção-Geral da Segurança Social emitiu uma circular de orientação técnica(91), da qual resulta que, para a inscrição de trabalhadores estrangeiros no sistema previdencial e correspondente identificação no sistema de segurança social, para além do documento de identificação e do contrato de trabalho, deverá ser apresentado documento de viagem válido que evidencie a sua entrada legal em Portugal ou em país do Espaço Schengen e que este documento esteja dentro do respetivo prazo de validade no momento da apresentação.

Desde então, verificou-se uma maior celeridade no tratamento e conclusão dos pro-cessos de inscrição dos trabalhadores estrangeiros, tendo sido favoravelmente resolvida a maior parte dos casos sinalizados pelo Provedor de Justiça.

Proc. Q-2619/14Entidade visada: Secretária de Estado da Segurança SocialData: 2016/05/19Assunto: Relevância, no âmbito da pensão unificada, dos períodos contributivos como docente do ensino particular e cooperativo em acumulação com o ensino oficial anteriormente à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 321/88, de 22 de setembroSequência: Aguarda resposta definitiva

O Provedor de Justiça recebeu uma queixa relativamente ao facto de os períodos con-tributivos do regime geral da segurança social dos professores do ensino particular e coo-perativo, anteriores à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 321/88, de 22 de setembro, em acumulação com os períodos de exercício de funções como docente do ensino público, não relevarem para efeitos de atribuição de uma pensão.

A propósito da situação reclamada, foi ouvido o Conselho Diretivo do ISS, o qual, por sua vez solicitou a emissão de parecer sobre o assunto à Direção-Geral da Segurança Social. Neste documento, concluiu-se:

(91) Circular de Orientação Técnica n.º 2, de 12 de setembro de 2016.

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«Em nosso entender, embora não seja essa a posição desde sempre assumida pela DGSS e pelo CNP, esses períodos deveriam dar lugar à abertura do direito a uma pen-são do regime geral ainda que por recurso ao instituto da totalização dos períodos contributivos.

Contudo, no momento atual, face à posição dos serviços, afigura-se não poder ser esta a solução a adotar, sem medida legislativa ou regulamentar que determine de forma clara e para o futuro este tipo de procedimento.

Se tal não vier a acontecer, resta a possibilidade do reembolso de contribuições (reva-lorizados nos termos da lei) ao abrigo e nos termos previstos nos artigos 262º e ss do CRC [Código dos Regimes Contributivos] já que as contribuições pagas, relativas a períodos anteriores à data da entrada em vigor do DL nº 321/88, eram devidas».

No caso concreto, verificou-se que o ISS, em face de tal parecer, procedeu à restituição das contribuições em causa ao interessado, dando o assunto por encerrado. Porém, ana-lisado o regime jurídico em causa, verifica-se que, até à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 321/88, de 22 de setembro, o pessoal docente do ensino não superior, particular e cooperativo, estava abrangido, quanto a essa atividade, exclusivamente, pelo regime geral da segurança social.

A partir da entrada em vigor deste último diploma legal, todos os docentes — quer do ensino público, quer do ensino privado e cooperativo — passaram a estar obrigatoria-mente inscritos na CGA e a ter direito, como docentes, apenas a uma pensão, calculada nos termos do Estatuto da Aposentação, de acordo com as regras aplicáveis à generalidade dos funcionários públicos (n.º 1 do artigo 6.º), sendo que, no cálculo da referida pen-são, não poderão ser consideradas remunerações superiores às que respeitem à categoria e escalão de carreira docente instituída para o ensino oficial correspondente ao mesmo tempo de serviço (n.º 2 do artigo 6.º). Deste modo, passou a aplicar-se o mesmo regime de aposentação, tanto aos docentes do ensino público, como aos do ensino particular e cooperativo.

Nos termos daquele diploma legal, as denominadas prestações sociais mediatas, nomea-damente de velhice, invalidez e morte, passaram a estar exclusivamente a cargo da CGA.

No regime geral da Segurança Social mantiveram-se as prestações sociais imediatas, designadamente as que se referem às eventualidades de encargos familiares, de incapaci-dade temporária para o trabalho por motivo de doença e maternidade, de doença profis-sional e de desemprego, sendo os descontos para a cobertura destes riscos sociais feitos pelas entidades empregadoras (estabelecimentos de ensino)e não pelos docentes(artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 179/90, de 5 de junho, que retroage os seus efeitos à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 321/88, de 22 de setembro).

A CGA passou a contar, a requerimento dos interessados, todo o tempo de serviço docente prestado anteriormente à entrada em vigor do referido diploma, desde que não tivesse sido prestado em acumulação com a função pública, sem prejuízo de poder ser

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contado o serviço prestado em acumulação com o ensino não superior, até ao limite do horário completo, conforme disposto nos artigos 1.º e 2.º do mesmo diploma legal.

Face à lei atualmente em vigor, os únicos docentes que poderão receber, de forma unifi-cada ou não, uma pensão da segurança social serão aqueles que tiverem efetuado descontos para o regime geral da segurança social pelo exercício de uma outra atividade que não a de docente.

O referido Decreto-Lei n.º 321/88, de 22 de setembro, foi regulamentado pelo Decre-to-Lei n.º 142/92, de 17 de julho, nada tendo ficado estabelecido, porém, quanto ao des-tino a dar às contribuições realizadas pelos docentes do ensino particular e cooperativo para o regime geral da segurança social em simultâneo com o pagamento à CGA das quo-tas para a aposentação e sobrevivência como docentes do ensino público.

No entanto, a verdade é que aquelas contribuições eram legalmente devidas, pois os referidos docentes, à data do respetivo pagamento, encontravam-se obrigatoriamente enquadrados no regime geral da segurança social.

Por esse motivo, importa que as mesmas contribuições possam relevar, se necessário com o recurso ao mecanismo de totalização de períodos contributivos, para efeitos de pensão de velhice a atribuir pelo regime geral da segurança social.

Com efeito, estabelece o n.º 4 do artigo 63.º da CRP que: «[t]odo o tempo de traba-lho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, indepen-dentemente do sector de atividade em que tiver sido prestado.»

Apesar de atualmente se tratar de um grupo fechado, existe ainda um elevado número de docentes nestas circunstâncias cujos direitos importa acautelar já que se encontram privados de qualquer contrapartida pelas contribuições que realizaram e a que legalmente se encontravam obrigados.

Tal é, aliás, a situação em que se encontram, além daqueles em situação similar à aqui relatada, os seguintes docentes:

a) Aposentados na função pública que exerciam funções docentes no ensino privado e cooperativo à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 321/88, de 22 de setembro;

b) Com acumulação (sobreposição) de atividade docente no ensino oficial e no ensino particular e cooperativo e com períodos contributivos para os dois regimes de proteção social (regime geral da segurança social e regime de proteção social convergente) cuja con-tagem foi requerida, tendo, porém, apenas relevado os períodos de tempo até ao limite do horário completo;

c) Com acumulação de atividade docente nos dois tipos de ensino e com períodos con-tributivos para os dois regimes de proteção social cuja contagem não foi requerida.

Assim, e a fim de acautelar este tipo de situações, o Provedor de Justiça dirigiu uma chamada de atenção à Secretária de Estado da Segurança Social, assinalando a necessidade de legislar sobre esta matéria, de modo a que seja garantido aos interessados nestas circuns-tâncias, se necessário com recurso à totalização de períodos contributivos, a atribuição

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da pensão a que têm direito em face das contribuições realizadas para o regime geral da segurança social ou, caso assim não se entenda, que seja assegurada pelo ISS a restituição oficiosa aos interessados das referidas contribuições, devidamente revalorizadas.

3.2. Tomadas de posição de não provimento de queixa

Proc. Q-2204/16Entidade visada: Instituto da Segurança Social, I.P. (ISS)Data: 2016/12/22Assunto: Prestações de parentalidade. Atribuição de subsídio parental inicial ao pai nos casos de licença parental inicial não partilhada e em que a mãe trabalhadora se mantenha ininterruptamente a trabalhar

O Provedor de Justiça recebeu uma queixa subscrita por um pai trabalhador que recla-mava do tratamento conferido ao seu processo de parentalidade, contestando, designada-mente, o facto de o ISS lhe ter atribuído apenas 74 dias de subsídio parental inicial, em vez dos 120 dias a que entendia ter direito.

O queixoso sustentava a sua pretensão no facto de a mãe do seu filho, sendo advogada e, como tal, beneficiária da CPAS, não ter direito a subsídio de maternidade, não tendo, por conseguinte, gozado qualquer licença, antes se mantendo ininterruptamente a trabalhar.

Analisada a situação apresentada, o Provedor de Justiça concluiu que a pretensão do queixoso carecia de fundamento e que não lhe podia ter sido atribuído o subsídio parental inicial de 120 dias. Com efeito, o regime legal das licenças de parentalidade constante do Código do Trabalho e a correspondente proteção social, prevista do Decreto-Lei n.º 91/2009, de 9 de abril, preveem, essencialmente, três tipos de licenças:

a) A licença parental inicial exclusiva da mãe (à qual se refere o artigo 41.º do CT e o artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 91/2009, de 9 de abril), e que implica o gozo obrigatório de seis semanas (42 dias) de licença imediatamente a seguir ao parto.

b) A licença parental inicial exclusiva do pai (à qual se refere o artigo 43.º do CT e o artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 91/2009, de 9 de abril) e que, à data dos factos, implicava o gozo obrigatório de 10 dias úteis de licença(92).

c) A licença parental inicial de 120 ou 150 dias que pode ser gozada por um ou ambos os progenitores de forma exclusiva ou partilhada, conforme opção dos mesmos, desde que

(92) Atualmente são 15 dias de gozo obrigatório, por efeito da alteração introduzida pela Lei nº 120/2015, de 1 de setembro.

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respeitado o período de gozo de licença obrigatória da mãe. Esta licença está prevista no artigo 40.º do CT e no artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 91/2009, de 9 de abril.

No que se refere à licença parental inicial exclusiva da mãe, importa sublinhar que, para além de ser obrigatório o gozo das seis semanas a seguir ao parto, esse período integra (e portanto é descontado ao) o período de concessão da licença parental inicial de 120 ou 150 dias (artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 91/2009, de 9 de abril).

Verifica-se, assim, que a lei determina um período de licença destinado exclusivamente a cada um dos progenitores, individualmente, a par de um período de licença que é con-ferido aos dois progenitores em conjunto, do qual podem dispor livremente, decidindo entre si como o pretendem gozar.

O período exclusivo do pai corresponde, atualmente, a 15 dias obrigatórios e 10 facul-tativos, acrescendo esses 25 dias ao período da licença parental inicial de 120 ou 150 dias. Diferentemente, contudo, a licença obrigatória da mãe integra-se, como acima referido, no período dos 120 ou 150 dias da licença parental inicial.

Do exposto resulta que, se a licença parental inicial não for partilhada (como aconte-cera no caso concreto), o subsídio parental inicial pode ser concedido ao pai, caso este o requeira, e desde que a mãe trabalhe e não tenha requerido o referido subsídio, mas sem-pre sem prejuízo do período de seis semanas que é, obrigatoriamente e sempre, reservado à mãe.

Assim sendo, e como o período de seis semanas obrigatoriamente reservado à mãe (42 dias) se integra no período da licença parental inicial de 120 dias, sobram 78 dias que podem ser gozados pelo pai, para além da sua licença exclusiva (120 - 42 = 78).

Nesse sentido, sublinhou-se ter sido clara a intenção do legislador de assegurar a cada um dos progenitores, individualmente, um período de licença de gozo exclusivo e obriga-tório. Assim, as seis semanas reservadas à mãe nunca podem ser concedidas ao pai, mesmo que a mãe não as goze, mantendo-se a trabalhar imediatamente após o parto.

Deste modo, o Provedor de Justiça concluiu que, no caso concreto, o queixoso teria direito ao subsídio parental inicial exclusivo do pai (que à data dos factos tinha a duração máxima de 20 dias úteis), aos quais acresceriam os 78 dias de subsídio parental inicial, contados a partir do quadragésimo segundo dia posterior ao parto (ou seja, contados a partir de 6 de julho de 2015, data em que acabava o período de licença obrigatória da mãe). Não obstante, como o mesmo gozara a licença parental inicial exclusiva do pai até 10 de julho de 2015, apenas lhe foram pagos 74 dias de licença parental inicial (tendo sido descontado o período que mediou entre 7 de julho de 2015 e 10 de julho de 2015, durante o qual gozou a licença parental exclusiva).

Sublinhou-se, ainda que os advogados têm um regime próprio, do qual resulta o paga-mento pela CPAS às respetivas beneficiárias, de um «benefício de maternidade», por ocasião do nascimento dos filhos, cujo valor corresponde a dez vezes o valor da contri-buição mensal paga pela beneficiária à data da maternidade, com o valor mínimode três

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retribuições mínimas mensais garantidas e o valor máximo de seis retribuições mínimas mensais garantidas.

Tal benefício tem obviamente em vista compensar as beneficiárias da CPAS pela even-tual perda de remuneração decorrente da interrupção da sua atividade profissional durante o período — mais ou menos longo conforme opção de cada uma — que se segue ao parto.

O Provedor de Justiça concluiu, por conseguinte, não ser passível de censura o enten-dimento do ISS, motivo pelo qual o procedimento foi arquivado.

Proc. Q-1012/16Entidade visada: Instituto da Segurança Social, I.P. (ISS)Data: 2016/05/23Assunto: Acesso dos trabalhadores independentes a prestações sociais. Situação contributiva regularizada

O queixoso veio solicitar a intervenção do Provedor de Justiça junto do ISS por lhe ter sido negado o acesso ao subsídio de doença devido a uma dívida de contribuições enquanto trabalhador independente. Entendia o queixoso que pelo facto de se encontrar a pagar a referida dívida em prestações no âmbito de acordo celebrado com os serviços da Segurança Social, a sua situação contributiva deveria ser considerada regularizada e, por conseguinte, o subsídio de doença deferido.

Analisada a questão concreta à luz da legislação aplicável, o Provedor de Justiça não reconheceu fundamento à pretensão do queixoso de apresentar a situação contributiva regularizada enquanto trabalhador independente para poder beneficiar de prestações sociais, em particular o subsídio de doença reclamado.

O n.º 1 do artigo 217.º do Código dos Regimes Contributivos prevê, como condição geral do pagamento das prestações aos trabalhadores independentes (e aos beneficiários do seguro social voluntário), que os mesmos tenham a sua situação contributiva regulari-zada até ao termo do terceiro mês imediatamente anterior ao do evento determinante da atribuição da prestação. E no n.º 2 do mesmo artigo o legislador determina que, para este efeito, a situação contributiva só se encontra regularizada se estiverem efetivamente pagas as contribuições da responsabilidade do trabalhador independente.

Ao estabelecer esta condição especial de acesso por parte dos trabalhadores indepen-dentes às prestações sociais, o legislador afastou, pois, expressamente a regra geral prevista na alínea a), do n.º 2, do artigo 208.º do mesmo Código, que prevê que a situação contri-butiva se considera regularizada quando exista um plano prestacional e enquanto o mesmo estiver a ser cumprido. Assim acontece porque as contribuições para a Segurança Social

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dos trabalhadores independentes são autoliquidáveis e o respetivo regime contributivo é especialmente gravoso, já que, no atinente à qualidade de contribuintes, são equiparados às entidades empregadoras abrangidas pelo regime de segurança social dos trabalhado-res por conta de outrem (n.º 2 do artigo 150.º do Código dos Regimes Contributivos). Esta conjugação, na mesma pessoa jurídica, da qualidade de contribuinte e de beneficiário exige uma maior responsabilização pela regularização da obrigação contributiva do traba-lhador independente, sob pena de inviabilização da sua proteção social.

Situação distinta é a dos trabalhadores por conta de outrem. Sendo a responsabilidade pelo pagamento das contribuições e quotizações da entidade empregadora, o trabalhador não pode ser penalizado no acesso às prestações quando esteja em causa um atraso no pagamento das mesmas, que não lhes é imputável.

De todo o modo, não deixa de estar prevista a possibilidade de o trabalhador indepen-dente readquirir o direito ao pagamento das prestações suspensas desde que regularize a sua situação contributiva nos três meses civis subsequentes ou, não o fazendo, perdendo o direito às prestações suspensas mas podendo retomar o direito àquelas a que ainda haja lugar no caso de vir a ocorrer a regularização (artigo 219.º do Código dos Regimes Contributivos).

Este órgão do Estado concluiu que a atuação dos serviços de Segurança Social se encontrava conforme o enquadramento legal desta questão, o queixoso foi devidamente elucidado e o procedimento arquivado.

Proc. Q-3358/16Entidade visada: Instituto da Segurança Social, I.P. (ISS). Centro Nacional de Pensões (CNP)Data: 2016/07/04Assunto: Indeferimento da pensão antecipada por velhice

O Provedor de Justiça recebeu uma queixa, na qual se contestava a decisão de indeferi-mento do requerimento de pensão antecipada por velhice.

Não obstante todos os esclarecimentos que foram telefonicamente prestados ao quei-xoso, designadamente quanto ao facto de não se encontrarem reunidos os requisitos legais para aceder àquela pensão, o mesmo não se conformou. Assim, para sua cabal elu-cidação, foi dirigido ao queixoso um ofício, através do qual se transmitiu que, conforme apurado junto do Conselho Diretivo do ISS, não reunia os requisitos de acesso à pensão antecipada, isto é, não dispunha de 30 anos com registo de remunerações aos 55 anos de idade, conforme imperativamente estabelecido pelo n.º 2 do artigo 28.º do Decreto-Lei

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n.º 187/2007, de 10 de maio. Na verdade, o queixoso apenas dispunha de 28 anos de registos de remunerações em Portugal.

No que respeita aos 14 anos de trabalho em Angola alegados pelo queixoso,esclareceu--se que, nos termos da lei, aquele período não poderia relevarpara efeito de abertura do direito à pensão antecipada por velhice. De acordo com o Decreto-Lei n.º 335/90, de 29 de outubro (e das sucessivas alterações do Decreto-Lei n.º 45/93, de 20 de fevereiro, do Decreto-Lei n.º 401/93, de 3 de dezembro, do Decreto-Lei n.º 278/98, de 11 de setembro e do Decreto-Lei n.º 465/99, de 5 de novembro), apenas foram reconhecidos, no âmbito do regime geral de segurança social, os períodos contributivos verificados nas caixas de previdência ultramarinas de inscrição obrigatória.

As instituições de previdência em causa vieram a ser identificadas pela Portaria n.º 52/91, de 18 de janeiro, sendo as seguintes: Caixa Sindical de Previdência dos Emprega-dos do Comércio e Ofícios Correlativos da Província de Cabo Verde; Caixa Sindical dos Operários das Empresas Fornecedoras de Combustíveis e Água à Navegação da Provín-cia de Cabo Verde; Caixa Sindical de Previdência dos Sócios do Sindicato Nacional dos Empregados do Comércio, Indústria e Agricultura da Província de São Tomé e Príncipe; Caixa Sindical de Previdência do Sindicato Nacional dos Empregados do Comércio e da Indústria da Província da Guiné e Caixa de Previdência do Pessoal do Caminho de Ferro de Benguela.

A este respeito, este órgão do Estadosalientou que, nos ex-territórios ultramarinos, não havia um regime obrigatório de segurança social destinado a assegurar a proteção social dos trabalhadores que não pertencessem à Administração Pública Ultramarina.

De acordo com as informações prestadas pelo queixoso, no período em que traba-lhou nos ex-territórios ultramarinos, nomeadamente em Angola, não fez descontos para nenhuma das Caixas acima referidas. Habitualmente os descontos eram feitos para um sindicato de inscrição obrigatória. Ora, os sindicatos tinham, primordialmente, uma vocação distinta da das caixas de previdência — a representação dos interesses da classe —, embora alguns tivessem, para além disso, fundos de proteção social muito limitada (normalmente tratava-se de proteção na doença). Aqueles nunca tiveram, em caso algum, como missão a atribuição de pensões de reforma (de invalidez ou de velhice). Por isso, os descontos efetuados pelos respetivos associados tinham também uma natureza distinta e correspondiam ao pagamento inicial de uma joia e, subsequentemente, de uma quota mensal fixa.

Não obstante, mais foi referido que os trabalhadores que prestaram serviço nos ex-ter-ritórios ultramarinos e que não efetuaram contribuições para caixas de previdência de inscrição obrigatória puderam beneficiar do pagamento retroativo das mesmas, nos ter-mos do Decreto-Lei n.º 380/89, de 29 de outubro, de modo a que os respetivos tempos de serviço fossem reconhecidos perante o sistema de segurança social português. Sucede,

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porém, que este diploma legal já terminou a respetiva vigência, pelo que não é hoje possí-vel beneficiar do seu regime.

Mais se fez notar ao queixoso que, embora compreendendo este problema que afeta não só muitos cidadãos portugueses que regressaram daqueles territórios, mas, também, muitos outros cidadãos portugueses que, tendo trabalhado em Portugal, não puderam descontar para qualquer regime de segurança social em determinado período das suas vidas profissionais (designadamente, por não serem obrigatórios a inscrição e o desconto para a Segurança Social), não pode deixar de se reconhecer que o Estado, através do alu-dido Decreto-Lei n.º 380/89, de 29 de outubro, permitiu que os interessados pudessem requerer (até novembro de 1994) o reconhecimento desses períodos por parte da Segu-rança Social.

Por conseguinte, não reunindo os requisitos legais (v.g., o prazo de garantia) para ace-der a uma pensão antecipada por velhice do regime contributivo e uma vez que o queixoso informava encontrar-se com graves problemas de saúde, foram igualmenteprestadas infor-mações sobre a possibilidade de apresentar um requerimento de pensão por invalidez (em que o prazo de garantia legalmente exigível é inferior).

Esta pensão é reconhecida aos beneficiários que tenham uma incapacidade perma-nente, relativa ou absoluta, para o trabalho, de causa não profissional certificada pelo Sis-tema de Verificação de Incapacidades (SVI) e que preencham o prazo de garantia.

No caso da invalidez relativa, o prazo de garantia é de cinco anos civis, seguidos ou interpolados, com registo de remunerações. Já no caso da invalidez absoluta – situação de incapacidade permanente e definitiva para toda e qualquer profissão ou trabalho em que o beneficiário não apresente capacidades de ganho remanescentes, nem se presuma que venha a recuperar, até à idade legal de acesso à pensão de velhice, a capacidade de obter quaisquer meios de subsistência – o prazo de garantia é apenas de três anos.

Foi, ainda, sugerido ao queixoso que, no âmbito do subsistema de solidariedade, agen-dasse uma entrevista com a técnica de ação social do serviço local de Segurança Social da sua área de residência, de modo a que pudesse ser equacionada a eventual prestação de algum apoio pecuniário, bem como da possibilidade de requerer o Rendimento Social de Inserção.

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4. Direitos dos trabalhadores

4.1. Tomadas de posição favoráveis aos queixosos

a) Recomendações

Recomendação n.º 2/B/2016Proc. Q-7094/15Entidade visada: Presidente da Assembleia da RepúblicaData: 2016/06/07Assunto: Exercício de atividades que envolvem um contacto habitual com menores. Obrigação de apresentação anual do certificado de registo criminal Sequência: Aguarda resposta

Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b), n.º 1, do artigo 20.º da Lei n.º 9/91, de 9 de abril, na redação dada pela Lei n.º 17/2013, de 18 de fevereiro, recomendo à Assembleia da República que:

Seja promovida a alteração do n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 113/2009, de 17 de setem-bro, com a redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 103/2015, de 24 de agosto, no sen-tido de substituir o dever de apresentação anual do certificado de registo criminal por meios de comunicação da condenação pela prática de crimes contra a autodeterminação e a liberdade sexual de menores, aptos a garantir que as entidades, responsáveis pelo desen-volvimento de atividades que impliquem um contacto regular com crianças, podem tomar tempestivo conhecimento das decisões judiciais relevantes de modo mais célere, mais seguro e menos oneroso para os trabalhadores e para os serviços de identificação criminal.

A presente Recomendação resulta da apreciação de diversas queixas apresentadas ao Provedor de Justiça por trabalhadores em funções públicas, que contestam o dever de apresentar anualmente às entidades empregadoras o certificado de registo criminal, para os efeitos previstos no n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 113/2009, tal como reformulado pela Lei n.º 103/2015. Alegam os queixosos que o cumprimento anual de tal obrigação repre-senta um significativo investimento de tempo em diligências burocráticas e um encargo acrescido(93), porventura evitáveis. Vejamos.

A Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, tal como alterada pela Lei n.º 103/2015, de 24 de agosto, visa não apenas consagrar medidas de prevenção da reincidência e da exposição de menores ao abuso e exploração sexuais, mas também satisfazer as exigências que nesta matéria emanam do direito internacional e do direito da União Europeia.

(93) A taxa aplicável pela emissão do certificado de registo criminal para este fim é de € 5,00, não podendo ser solici-tada através de meios eletrónicos.

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É, porém, certo que os compromissos assumidos pelo Estado Português no plano internacional, à luz do artigo 5.º da Convenção do Conselho da Europa para a Proteção das Crianças contra a Exploração Sexual e os Abusos Sexuais(94) e da Diretiva n.º 2011/93/UE(95), incidem especialmente sobre o momento do recrutamento e seleção de trabalhado-res ou voluntários para exercer atividades que envolvem o contacto regular com menores.

Inicialmente, a Lei n.º 113/2009 respondia estritamente a tais exigências (cf. os n.os 1 e 2 do artigo 2.º, na sua redação original), mas com as alterações introduzidas em 2015, o legislador português optou por impor a apresentação do certificado de registo crimi-nal, não apenas no momento do recrutamento e seleção dos trabalhadores, mas durante toda a vigência da relação jurídico-laboral ou da relação de colaboração em regime de voluntariado.

Para tal, impôs às entidades empregadoras e afins a obrigação de requerer anualmente o certificado de registo criminal e de «ponderar a informação constante do mesmo na aferição da idoneidade para o exercício das funções»(vide o n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 113/2009, na sua redação atual). Esta obrigação abrange as relações constituídas antes da entrada em vigor da Lei n.º 103/2015 que perdurem (artigo 6.º), e o seu incumprimento constitui contraordenação punível com coima, cujo montante pode ascender a € 3740,98 ou € 44 891,81 (se o responsável for pessoa singular ou coletiva, respetivamente), podendo também ser aplicadas sanções acessórias (nos termos do n.º 8 do artigo 2.º da Lei n.º 113/2009).

De acordo com a Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 305/XII, «a introdução de uma norma que impõe a verificação anual da situação do trabalhador em face do registo criminal» com o intuito de «aferir se se mantêm as condições existentes à data do recru-tamento» é justificada pela «necessidade de proteção das crianças», a qual «reclama igual tratamento para todos aqueles que no seu desempenho diário têm contatos regulares com elas».E sublinha-se que:

«Na verdade, não se compreenderia que um trabalhador, apenas por ter mais anti-guidade no exercício de uma determinada atividade ou função, não estivesse sujeito à obrigação de ser ponderada a sua situação face ao registo criminal, pois a necessidade de

(94) Também designada Convenção de Lanzarote, onde foi assinada em 25.10.2007, tendo sido posteriormente apro-vada pela Resolução da Assembleia da República n.º 75/2012, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 90/2012, publicados no Diário da República, 1.ª série, n.º 103, de 28 de maio. O n.º 3 do artigo 5.º da Convençãocinge-se à adoção de medidas no âmbito das «condições de acesso às profissões cujo exercício implique, de forma habitual, contactos com crianças», referindo-se expressamente aos «candidatos a tais profissões». (95) O n.º 2 do artigo 10.º da Diretiva n.º 2011/93/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro, estabelece que cada Estado-Membro deve garantir que as entidades empregadoras, «ao recrutarem pessoal para actividades profissionais ou para actividades voluntárias organizadas que impliquem contactos directos e regulares com crianças, tenham o direito de solicitar informação nos termos da legislação nacional, por qualquer meio apropriado». A Diretiva foi publicada no Jornal Oficial da União Europeia, Série L, n.º 355, de 17 de dezembro de 2011, pp. 1 e ss., e retificada no Jornal Oficial, Série L, n.º 18, de 21 de janeiro de 2012, p.7.

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proteção das crianças reclama igual tratamento para todos aqueles que no seu desempe-nho diário têm contatos regulares com elas.»(96)

Não se afigura, todavia, que estejamos perante uma questão de «igualdade de trata-mento», já que o momento de seleção e recrutamento é, naturalmente, um momento de avaliação liminar da aptidão dos candidatos para o exercício das funções a desempe-nhar. Depois desse momento, e no âmbito de uma relação continuada, tal aptidão pode ser continuamente avaliada com base no desempenho, direta e imediatamente observado. Assim, parece evidente que existe uma diferença objetiva entre a necessidade de o empre-gador ponderar os antecedentes criminais do trabalhador no momento do recrutamento e a necessidade de requerer o certificado de registo criminal para fazer renovada avaliação na pendência da relação laboral.

Com esta medida, terá o legislador procurado em todo o caso garantir que as entidades empregadoras ou promotoras de atividades podem solicitar a apresentação do certificado de registo criminal em qualquer momento, de modo a justificar uma atuação tempestiva, caso concluam pela falta de idoneidade dos trabalhadores e colaboradores para o exercício das funções em questão. Do mesmo passo, a medida responsabiliza estas entidades pela contínua verificação dos dados com relevância criminal atinentes aos respetivos trabalha-dores ou voluntários.

Ora, como já houve oportunidade de referir, a adoção da norma em apreço vai, em certo sentido das coisas, para lá do que é imposto pelo direito internacional e pelo direito da União Europeia, adotando medidas preventivas inovadoras e reforçadas para minimi-zar o risco de exposição dos menores à prática deste tipo de crimes. Mas afigura-se de facto questionável se tão relevante desígnio não poderia ser prosseguido de modo porventura mais eficaz se, em lugar da apresentação anual de um certificado de registo criminal, fosse devidamente efetivada a comunicação, pelas autoridades judiciárias, das decisões judiciais relevantes neste domínio às entidades empregadoras ou afins.

Relembro, aliás, que no que respeita aos trabalhadores em funções públicas, o n.º 2 do artigo 179.º da LGTFP prevê já que a condenação pela prática de qualquer crime (e, nos casos previstos no n.º 1 do mesmo artigo, também o despacho de pronúncia) deve ser comunicado à entidade empregadora pública pelo Ministério Público, o que, face às finalidades prosseguidas, parece tornar redundante a obrigação de apresentação anual do certificado de registo criminal pelos trabalhadores com vínculo de emprego público(97).

Não deixei de notar que, no contexto do programa SIMPLEX, o Governo, através do Ministro da Educação, se propõe adotar um mecanismo de agilização do cumprimento

(96) Os trabalhos preparatórios da Lei n.º 103/2015, de 24 de agosto, encontram-se publicados em: http://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=39169 [consultado em 27.04.2016].(97) Refira-se ainda que este dever de comunicação não é uma inovação da LTFP, encontrando-se já previsto no Esta-tuto Disciplinar dos trabalhadores em funções públicas, seja pelo artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de janeiro, seja pelo artigo 7.º da Lei n.º 58/2008, de 9 de setembro.

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da obrigação legal apreçada, por meio da autorização, pelos docentes, de acesso ao seu registo criminal na plataforma do SIGRHE — Sistema Interativo de Gestão de Recur-sos Humanos da Educação — e na ulterior formulação de um requerimento pela direção dos estabelecimentos escolares, com a listagem dos docentes que concederam autorização para aquele acesso.

Noto, todavia, que esta solução, por se referir apenas a docentes, não abrange todo o universo dos sujeitos passivos daquela obrigação, pelo que mantém inteira pertinência e atualidade esta Recomendação, ao menos no tocante a trabalhadores que, não sendo docentes, contactam regularmente com crianças.

Não creio, outrossim, que nada obste a que solução análoga à que vigora para os tra-balhadores com vínculo de emprego público possa ser adotada em relação a todos os tra-balhadores ou voluntários que exercem atividades que envolvam o contacto regular com menores, com evidentes vantagens: não só seria mais tempestiva a tomada de conheci-mento das decisões judiciais relevantes pelas entidades empregadoras ou dinamizadoras de tais atividades; como também se reduziriam os custos associados à emissão anual dos certificados de registo criminal, que oneram não apenas os cidadãos obrigados, como tam-bém os competentes serviços públicos.

Neste sentido se pronunciou também o Conselho Superior do Ministério do Público no douto Parecer emitido sobre a Proposta de Lei n.º 305/XII:

«Mau grado a bondade e atratividade abstratas da medida, reputa-se de elevado custo económico e administrativo a sua execução, sendo certo que o seu escopo poderia ser atingido pela instituição do dever de comunicação à entidade patronal por parte da autoridade judiciária da condenação, tanto mais que, com a proibição prevista no art. 69.º-A do Código Penal se mostra incontornável – mesmo obrigatória para o Ministé-rio Público na investigação – a determinação da profissão do arguido, o seu emprego e o conteúdo funcional do mesmo, isto, bem entendido, para além da identidade do empregador. (…)

Se se pensar apenas no número de professores, educadores, auxiliares de ação educa-tiva, profissionais de saúde, profissionais forenses, entre outros, serão largas as dezenas de milhar de certificados de registo criminal a solicitar, isto para além de a previsão não dar adequada cobertura às zonas cinzentas de obrigatoriedade/dispensas.» (98)

Na verdade, entre outras soluções que poderiam ser ponderadas – v.g., a isenção do pagamento de taxas pela emissão de certificados de registo criminal para este efeito; ou o acesso à informação necessária ao cumprimento de exigência legal de apresentação do certificado do registo criminal pelas entidades empregadoras, mediante autorização dos

(98) Vide as páginas 9 e 10 do Parecer, disponível no sítio citado supra.

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trabalhadores(99) – a alteração proposta afigura-se a que melhor concilia, à luz de critérios de razoabilidade, eficiência e celeridade, não apenas os interesses dos trabalhadores (em funções públicas e privadas), dos voluntários e das entidades empregadoras ou promoto-ras, com os interesses públicos em presença.

Razões pelas quais me permito assinalar à Assembleia da República a bondade de pro-mover a alteração do n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com a redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 103/2015, de 24 de agosto, no sentido de substituir o dever de apresentação anual do certificado de registo criminal por meios de comunicação das decisões processuais penais tidas por relevantes, que permitam de modo mais célere, mais fiável e menos oneroso alcançar os fins visados pela norma em apreço.

Recomendação n.º 4/B/2016Proc. Q-3094/13, Q-0985/13, Q-2873/15 et al.Entidade visada: Ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança SocialData: 2016/10/14Assunto: Proteção social na eventualidade de desemprego. Regime aplicável aos cidadãos desempregados não beneficiários de qualquer prestação. Regime de redução e majoração do subsídio de desemprego Sequência: Parcialmente acatada

Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b), n.º 1, do artigo 20.º, da Lei n.º 9/91, de 9 de abril, na redação dada pela Lei n.º 17/2013, de 18 de fevereiro, e pelos moti-vos seguidamente expostos, recomendo a Vossa Excelência que:

I. Promova a adoção de uma disciplina legal especialmente aplicável aos cidadãos inscri-tos nos centros de emprego, que não se encontram a receber qualquer prestação pecuniá-ria pela eventualidade de desemprego;

(99) Realmente, as relações jurídicas que forem precedidas da realização de um «procedimento administrativo», do qual dependa «a concessão de emprego», encontram-se abrangidas pelo n.º 3 do artigo 8.º da Lei n.º 37/2015, de 15 de maio, que permite às entidades públicas competentes pela instrução dos procedimentos aceder às informações relevantes, mediante autorização dos candidatos. A letra da lei é todavia clara ao identificar o seu âmbito, o qual – no que respeita aos procedimentos relacionados com a concessão de emprego – se cinge ao grupo restrito de aspirantes a trabalhadores, que sejam recrutados através de um procedimento administrativo, instruído por entidades públicas.

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II. Promova a clarificação dos limites a que deve estar sujeita a redução do subsídio de desemprego, prevista no n.º 2 do artigo 28.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de novem-bro(100), por referência ao valor do Indexante de Apoios Sociais;

III. Clarifique o âmbito de aplicação do regime de majoração do subsídio de desem-prego(101), a fim de que dela possam beneficiar todos os agregados familiares em que ambos os cônjuges, ou pessoas que vivem em união de facto, se encontram desempregados e têm filhos a cargo.

I — O regime jurídico aplicável aos cidadãos desempregados não subsidiados inscritos nos Centros de Emprego e Formação Profissional

Em que diploma legal se encontram elencados os deveres a observar pelos cidadãos não beneficiários de prestações de desemprego, e qual o enquadramento jurídico da aplicação de sanções pelo incumprimento desses deveres, são questões frequentemente colocadas ao Provedor de Justiça nas queixas apresentadas pelos utentes não subsidiados dos serviços do Instituto do Emprego e Formação Profissional, I.P. (IEFP). Estas questões não podem deixar de considerar-se pertinentes, já que o RJPD não inclui no seu âmbito subjetivo os cidadãos desempregados que não se encontrem a receber qualquer prestação. De facto, os artigos 41.º e seguintes deste diploma, na sua redação atual, claramente estatuem que o cumprimento das obrigações aí previstas é devido «Durante o período de concessão das prestações de desemprego».

No quadro da missão e das atribuições que a lei atribui ao IEFP (artigo 3.º do Decre-to-Lei n.º 143/2012, de 11 de julho), os direitos e deveres de que são titulares os utentes não beneficiários de prestações de desemprego vêm sendo objeto de regulamentação atra-vés de circulares normativas(102), as quais compõem um regime claramente inspirado pelo RJPD. Nos termos de tais regulamentos, aos cidadãos inscritos nos centros de emprego, não beneficiários de prestações, são reconhecidos os mesmos direitos e deveres de que são titulares os cidadãos beneficiários de prestações, com as necessárias adaptações(103).

Os deveres impostos aos utentes não subsidiados parecem encontrar sentido em uma ideia de compromisso para com a «procura ativa de emprego», para a qual deve igualmente

(100) Que aprovou o Regime Jurídico de Proteção Social na Eventualidade de Desemprego dos Trabalhadores por Conta de Outrem (RJPD). (101) Introduzido pelo Decreto-Lei n.º 64/2012, de 15 de março, e mantido em vigor pelo artigo 118.º da Lei do Orçamento do Estado para 2013, pelo artigo 116.º da Lei do Orçamento do Estado para 2014, pelo artigo 119.º da Lei do Orçamento do Estado para 2015 e pelo artigo 75.º da Lei do Orçamento do Estado para 2016.(102) Encontrando-se presentemente em vigor em vigor a Circular Normativa n.º 18/2013, de 11 de outubro, que aprovou o Manual de Normas de Colocação.(103) Vide o Folheto Direitos e Deveres – beneficiários das prestações de desemprego e candidatos não beneficiários, dis-ponível em: https://www.iefp.pt/inscricao-para-emprego e geralmente disponibilizado aos utentes, no momento da inscrição nos centros de emprego.

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concorrer a atividade do IEFP (v.g., o dever de acordar um Plano Pessoal de Emprego; o dever de aceitar emprego conveniente, formação profissional, e outras medidas propostas e definidas pelos centros de emprego); enquanto outros se acharão justificados por razões de mera praticabilidade (v.g., o dever de comunicar a alteração de residência e as situações de doença e de incapacidade).

Importa, no entanto, ter presente que, quando impostos a cidadãos não beneficiários de prestações sociais, os deveres que impendem sobre os utentes dos Centros de Emprego e Formação Profissional deixam de poder assumir-se como a obrigação «naturalmente»(104) decorrente da perceção de prestações pecuniárias na situação de desemprego involuntário, para constituírem o necessário contraponto do direito aos serviços prestados pelo IEFP, cuja titularidade mantêm.

Assumir os direitos e deveres inerentes à relação jurídica que assim se estabelece com o IEFP não é, ademais para os cidadãos desempregados, uma opção livre de constrangimen-tos, porquanto a duração da situação de desemprego releva para diversos efeitos (v.g., para acesso prioritário a determinadas medidas, como a medida «Vida Ativa», ou para poder requerer a aposentação antecipada em situação de desemprego de longa duração). E em regra, a duração da situação de desempregosó pode ser comprovada através da apresenta-ção de uma declaração emitida pelos serviços do IEFP. Ou seja, o que determina o acesso a essas medidas não é a «efetiva»duração dasituação de desemprego, mas sim a «duração do período de inscrição»nos centros de emprego.

Consequentemente, a decisão de anulação das inscrições por violação do cumprimento dos deveres impostos aos utentes tem importantes consequências na esfera jurídica dos visados, ainda que estes não sejam beneficiários de quaisquer prestações sociais(105). Esta-mos, pois, perante a adoção de decisões que não podem deixar de ser reconhecidas como verdadeiros atos administrativos (vide o artigo 148.º do CPA). Como tal, tem defendido este órgão do Estado que os cidadãos desempregados não subsidiados não se encontram desprotegidos ante a lei e a Constituição: impõe-se a observância dos princípios e regras gerais que disciplinam o exercício da função administrativa, devendo ser salvaguardados os direitos e garantias constitucional e legalmente reconhecidos a todos os administrados.

No entanto, as questões recorrentemente colocadas a este órgão do Estado revelam que, muitas vezes, os utentes não subsidiados não são devidamente informados dos deveres e

(104) Vide Canotilho, J.J. Gomes/ Moreira, Vital, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4.ª Ed. revis-ta, Coimbra, 2007, p. 766.(105) Desde logo, caso a anulação seja acompanhada da sanção de não reinscrição pelo prazo de 90 dias (em termos idênticos aos previstos no n.º 6 do artigo 49.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de novembro), esta determina que durante esse período os cidadãos desempregados não podem ter acesso aos serviços e ofertas formativas do IEFP. Em se-gundo lugar, após a anulação da inscrição, a data de reinscrição será tida como a data de inícioda situação de desempre-go. Esta interrupção da contagem da duração da situação de desemprego pode, pois, impedir os cidadãos efetivamente desempregados há um longo período de tempo de aceder a medidas que lhes são especialmente destinadas, por razões que não resultam de qualquer alteração da sua situação profissional.

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direitos que lhes assistem; não são notificados das decisões de anulação de inscrição e da respetiva fundamentação; não são ouvidos no âmbito desses procedimentos e não têm acesso aos meios de impugnação administrativa geralmente ao dispor dos administrados.

Chamada a atenção do IEFP para estes problemas(106), reconheceu este Instituto que:

«as regras relativas à inscrição e anulação das candidaturas a emprego dos desem-pregados que não auferem prestações de desemprego não se encontram suportadas em diploma legal, pelo que tem o IEFP entendido e refletido na sua regulamentação interna, que a estes candidatos se aplique, com as devidas adaptações, o regime de direi-tos e deveres definido para os beneficiários de prestações de desemprego»(107).

Muito embora, nessa ocasião, o IEFP tenha manifestado disponibilidade para pon-derar as alterações propostas por este órgão do Estado às normas regulamentares perti-nentes, não foi possível observar que tenha sido efetivamente acolhida pelo Instituto a necessidade de obedecer — na ausência de um regime especial — às regras gerais de pro-cedimento administrativo. Assim, por exemplo, o êxito da contestação de uma decisão de anulação de inscrição, ou do pedido de reposição da data original de inscrição no Centro de Emprego, continuou em grande medida dependente da razoabilidade e sensibilidade jurídica dos técnicos e diretores dos Centros de Emprego e Formação Profissional.

Mais recentemente, veio o IEFP esclarecer que «procedeu à reanálise dos impactos que a adoção, imediata, dos procedimentos por V. Exas. defendidos e suportados no CPA» poderia ter, tendo concluído que esses seriam significativos «para o IEFP, I.P., nomea-damente ao nível do aumento muito considerável dos custos anuais com a expedição de documentos, do aumento do fluxo de candidatos nos serviços de emprego e da alocação de um maior número de técnicos a atividades de cariz administrativo, com implicações evi-dentes na qualidade e quantidade dos serviços prestados». Não obstante, em 21 de julho deste ano, terá sido adotada pelo Conselho Diretivo uma deliberação por meio da qual se determinou que os serviços de emprego «devem ter em conta o princípio da boa-fé e devem reverter a anulação e repor a data da inscrição para emprego», desde que seja pos-sível comprovar por outros meios que a situação de desemprego se manteve inalterada(108).

Em suma — e devendo ser assinalada a abertura que muitos serviços têm demonstrado, em vários casos concretos, para acolher as posições defendidas por este órgão do Estado —, continua a verificar-se uma omissão normativa que urgiria suprir.

A favor dos utentes não subsidiados dos centros de emprego deverão ser reconhecidos e modelados, designadamente: a) o direito a conhecer o conteúdo e fundamentação dos

(106) Através do nosso ofício com a Ref.ª S-PdJ/2015/16137, de 2 de novembro de 2015, que se encontra disponível em: http://www.provedor-jus.pt/?idc=32&idi=15802.6 de n(107) Em ofício com a Ref.ª 1145/CD-IEFP,IP/2015, de 29 de dezembro de 2015. (108) Cita-se o ofício com a Ref.ª 766/CD-IEFP,IP/2016, de 20 de setembro de 2016.

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atos de anulação de inscrição nos centros (n.os 1 e 3 do artigo 268.º da CRP); b) o direito de audiência prévia (artigos 12.º e 121.º do CPA); e c) o direito de impugnar administra-tivamente a anulação da inscrição nos centros de emprego, nos termos gerais (nos termos dos artigos 184.º e seguintes do CPA).

Existem, ainda, várias circunstâncias em que o cumprimento dos deveres impostos aos utentes – que não se encontram empregados, nem beneficiam de qualquer prestação de proteção no desemprego – não será exigível, por se revelar desproporcionado ou exces-sivamente oneroso(109). Mereceria ainda expressa previsão a possibilidade de recusar for-mação profissional, quando esta não é minimamente adequada ao perfil dos utentes; e de recusar emprego conveniente ou trabalho socialmente necessário, quando as condições concretamente propostas aos utentes possam ser consideradas ilegais ou ofensivas da sua dignidade(110).

Por fim, mesmo admitindo que o reconhecimento de alguns direitos pode legitimar a imposição dos correspetivos deveres aos utentes dos serviços de emprego e formação profissional, haverá outrossim que reconhecer que é frágil a habilitação legal do IEFP para emissão de regulamentos com eficácia externa neste domínio.

Razões pelas quais assinalo que a disciplina jurídica que deve reger as relações entre o Estado e estes cidadãos desempregados é merecedora de uma iniciativa legislativa, que pondere as especiais circunstâncias em que se encontram os cidadãos que não recebem subsídio de desemprego ou qualquer outra prestação pecuniária, por sobre tudo na con-formação dos deveres que lhes são impostos.

II — A aplicação da redução de 10%, nos casos em que o montante do subsídio de desemprego inicial atribuído aos beneficiários é igual ou inferior ao indexante dos apoios sociais

Foram dirigidas diversas queixas ao Provedor de Justiça por cidadãos desempregados, aos quais foi inicialmente atribuído o subsídio de desemprego em montante igual ou infe-rior ao IAS, e que, após seis meses a auferir esta prestação, foram confrontados com a notificação de que tal montante iria ser reduzido em 10% a partir do 181.º dia, nos termos do n.º 2 do artigo 28.º do RJPD.

A mencionada redução do valor do subsídio de desemprego foi introduzida pelo Decreto-Lei n.º 64/2012, de 15 de março, com o intuito de «incentivar a procura ativa de emprego por parte dos beneficiários», conforme consta do Preâmbulo deste instrumento jurídico. Ao referir-se à alteração do limite máximo do montante mensal do subsídio de

(109) Temos presente, por exemplo, a situação relatada por uma queixosa que: tendo um filho em idade pré-escolar a seu cargo; não dispondo de meios para o inscrever numa instituição ou o deixar ao cuidado de alguém contratado; e não podendo fazer-se acompanhar do menor às sessões do IEFP, se via impossibilitada de se deslocar e comparecer nas datas e locais indicados pelos serviços do IEFP, senão em circunstâncias excecionais.(110) Quanto à recusa de prestar trabalho socialmente necessário, vide a posição assumida por este órgão do Estado em: http://www.provedor-jus.pt/?idc=35&idi=15472.

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desemprego, não deixou o legislador de realçar, na parte preambular do diploma, que se mantinham «os valores mínimos de forma a salvaguardar os beneficiários com menores salários». E, efetivamente, o artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, 3 de novembro, continua a prever que o montante mensal do subsídio de desemprego não pode ser infe-rior ao valor do IAS, salvo nos casos em que o valor líquido da remuneração de referência, que serviu de base de cálculo ao subsídio de desemprego, é inferior a esse montante(111) (n.os 1 e 3 do artigo 29.º).

Sendo esta a única exceção expressamente prevista no diploma referido, e tendo em consideração os propósitos assumidos no Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 64/2012, 15 de março, poderia pois entender-se que o montante do IAS — cujo valor em 2015 continuou a ser o de € 419,22 — foi fixado pelo legislador como um montante mínimo, que não pode deixar de ser garantido em situações de desemprego.

O ISS, devidamente auscultado no âmbito da instrução do procedimento Q-3094/2013, vem adotando, porém, uma interpretação distinta das normas legais em causa. Em resposta dirigida a este órgão do Estado, considerou o ISS(112) que, uma vez que à luz da letra do n.º 2 do artigo 28.º a redução de 10% é aplicável a todos os subsídios concedidos há mais de 180 dias, não sendo expressamente salvaguardada a observância dos limites previstos no n.º 1 do artigo 29.º, os beneficiários de subsídio de desemprego de montante igual ou inferior ao IAS deveriam sofrer também os efeitos da redução: «Se assim não fosse», acrescentou a então Presidente do Conselho Diretivo do ISS, «criar--se-ia, como V. Exa. certamente reconhecerá, uma situação de desigualdade entre benefi-ciários claramente contrária ao espírito da justiça social, na medida em que uns ficariam sujeitos à redução e outros não.»

No mesmo sentido, defendeu o Gabinete do então Secretário de Estado da Solida-riedade e da Segurança Social(113) que, «concretizando a medida que constava no MoU [Memorandum of Understanding]o legislador pretendeu que a redução dos 10% incidisse sobre todas as prestações do subsídio de desemprego, independentemente de estas terem ou não beneficiado da garantia dos limites previstos no artigo 29.º, pois só assim se conse-gue garantir a aplicação equitativa da referida redução a todos os beneficiários. (…) Assim, não tendo havido essa salvaguarda expressamente prevista na lei, o valor do subsídio, após aplicação daquela redução, pode ser perfeitamente inferior ao limite mínimo do mon-tante mensal do subsídio de desemprego.»

(111) Hipótese em que o montante mensal do subsídio de desemprego deverá ser igual ao valor da remuneração de referência.(112) Através de comunicação enviada por correio eletrónico, com data de 20 de agosto de 2013, em resposta ao nosso ofício n.º 9773, de 9 de agosto de 2013.(113) Em ofício subscrito pelo Senhor Chefe do Gabinete, datado de 25 de julho de 2014, com o n.º 1670, e corrobo-rado pelas Informações do ISS e da Direção-Geral da Segurança Social, de que foi dado conhecimento a este órgão do Estado com o ofício n.º 2156, de 17 de setembro de 2014.

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Ora, à luz da CRP, assiste a todos os trabalhadores o direito «à assistência material, quando involuntariamente se encontrem em situação de desemprego» (alínea e), do n.º 1, do artigo 59.º), direito este que deve ser realizado através do sistema de segurança social (n.º 3 do artigo 63.º). E muito embora seja «evidente que, tratando-se de um direito pres-tacional, de natureza positiva, a sua realização depende do legislador e da sua implemen-tação administrativa e financeira»(114), «não pode deixar de reconhecer-se que haverá sempre de ressalvar, ainda que em situação de emergência económica, o núcleo essencial da existência mínima já efetivado pela legislação geral que regula o direito às prestações nas eventualidades de doença ou desemprego»(115), tal como recentemente salientou o Tribunal Constitucional.

Neste contexto(116), relembrou o Tribunal Constitucional que «[o]s limites mínimos que o legislador fixa para essas prestações compensatórias, ainda que não tenham por referência os critérios de fixação do salário mínimo nacional, não deixam de constituir a expressão de um mínimo de existência socialmente adequado». Evocando, assim, as exi-gências que decorrem do reconhecimento do direito à realização da pessoa na sua digni-dade(117), concluiu aquele Tribunal que:

«a norma sindicada, ao instituir a contribuição sobre os subsídios de doença e de desemprego, não salvaguardou a possibilidade de a redução do montante que resulta da sua aplicação vir a determinar o pagamento de prestações inferiores àquele limite mínimo, não garantindo o grau de concretização do direito que deveria entender-se como correspondendo, na própria perspetiva do legislador, ao mínimo de sobrevivência de que o beneficiário não pode ser privado.»(118)

Novamente chamado a responder à questão de «saber se é constitucionalmente legítimo operar a diminuição do montante pecuniário que é devido nas situações de doença ou desemprego», o Tribunal Constitucional volta a invocar o princípio da pro-porcionalidade e reforça a relevância do «exame» de razoabilidade, de cuja aplicação des-sume que:

«[r]evestindo estas prestações uma função sucedânea da remuneração salarial de que o trabalhador se viu privado, por ter caído nas situações de desemprego ou de doença,

(114) Canotilho, J.J. Gomes/ Moreira, Vital, op. cit., p. 774.(115) Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 187/2013, de 5 de abril, disponível em http://www.tribunalconsti-tucional.pt/.(116) Recordo que em causa estava a apreciação da validade da norma orçamental que impunha aos beneficiários de prestações por doença ou desemprego o pagamento de uma contribuição de, respetivamente, 5% e 6%.(117) Pois é a dignidade da pessoa humana, «compreendida como dimensão aberta e carecedora de prestações que legitima e justifica a socialidade, traduzida, desde logo, na garantia de condições dignas de existência (…).»,Canotilho, J.J. Gomes/ Moreira, Vital, op. cit., p. 199. (118) Vide o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 187/2013, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/.

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impor-se-ia que se não atingissem, sem uma justificação reforçada, aqueles que auferem prestações de menor valor e cuja redução só poderia constituir uma iniciativa extrema, de ultima ratio, fundada na sua absoluta indispensabilidade e insubstituibilidade. Uma diferente opção legislativa é desrazoável na medida em que afeta especialmente cidadãos que se encontram em situação de particular vulnerabilidade.»(119)

Afigura-se, à luz do exposto, difícil descortinar que «justificações reforçadas» permi-tiram sustentar a proporcionalidade e a razoabilidade da medida em apreço, quando apli-cada aos beneficiários de subsídios de montante igual ou inferior ao valor do IAS. Desde logo, se com a redução de 10% do montante do subsídio de desemprego, se pretende pro-mover a «procura ativa de emprego», sempre deverá reconhecer-se que até o êxito de um tal esforço depende da possibilidade de dispor de um mínimo de meios materiais. Por outro lado, e ainda que tal propósito não haja sido expressamente referido pelo legislador, é questionável que, à luz do intuito de reduzir a despesa e consolidar as contas públicas, possa considerar-se necessária, adequada e «razoável» a oneração dos beneficiários de prestações de desemprego de mais reduzido montante.

Não se afigura, pois, que o compromisso assumido quanto a esta matéria, no Memo-rando de Entendimento, obstasse à salvaguarda de um montante mínimo de prestações substitutivas da remuneração(120); nem se crê que o princípio da igualdade, ou que impera-tivos de justiça social, possam ser convocados para sustentar posições como as assumidas pelas entidades visadas e supra citadas.

Como vem sendo constantemente reconhecido, o princípio da igualdade não proíbe, mas antes impõe, que seja reservado um tratamento diferenciado a situações que se reve-lem objetivamente distintas: é o caso da situação dos cidadãos desempregados que aufe-rem prestações de montante igual ou inferior àquele que o legislador considerou, nas palavras do Tribunal Constitucional, «expressão de um mínimo de existência socialmente adequado»(121).

(119) Vide o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 413/2014, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/.(120) Na redação original do Memorando sobre as específicas condições de política económica, este compromisso foi formulado nos seguintes termos: «The Government will prepare by Q4-2011 an action plan to reform along the following lines the unemployment insurance system, with a view to reduce the risk of long-term unemployment and strengthen social safety nets: (…) ii. capping unemployment benefits at 2.5 times the social support index (IAS) and in-troducing a declining profile of benefits over the unemployment spell after six months of unemployment (a reduction of at least 10% in the benefit amount). The reform will concern those becoming unemployed after the reform (…).» VidePortugal: Memorandum of Understanding on Specific Economic Policy Conditionality, de 17 de maio de 2011, di-sponível em: http://ec.europa.eu/economy_finance/publications/occasional_paper/2011/pdf/ocp79_en.pdf, p. 78.(121) Ou a situação dos cidadãos desempregados que, tendo filhos ou equiparados a cargo, dependem unicamente do subsídio de desemprego de um, ou ambos os cônjuges ou unidos de facto, para assegurar a subsistência do agregado familiar, aos quais foi reservado um tratamento diferenciado pelo mesmo Decreto-Lei n.º 64/2012, 15 de março, que seguidamente será objeto de análise.

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Razões pelas quais recomendo que a redação do n.º 2 do artigo 28.º do RJPD, seja clarificada de modo a que sejam estabelecidos limites por referência aos fixados no n.º 1 do artigo 29.º do mesmo diploma, assim garantindo o acesso a um mínimo de assistência material na eventualidade de desemprego aos cidadãos que auferem subsídios de reduzido montante.

III — O regime de majoração do montante do subsídio de desemprego

O regime de majoração foi igualmente instituído pelo Decreto-Lei n.º 64/2012, de 15 de março, o qual, tendo em vista adequar o regime jurídico de proteção no desemprego dos trabalhadores por conta de outrem «à realidade económica e financeira do país, sem esquecer a realidade social subjacente a esta eventualidade»(122), estabeleceu um regime de apoio aos desempregados com filhos a cargo, traduzido na concessão de uma majora-ção de 10% no montante do subsídio de desemprego, designadamente, nos casos em que, no mesmo agregado familiar, ambos os membros do casal sejam titulares do subsídio de desemprego e tenham filhos ou equiparados a cargo.

Tal previsão não abrangeu, por conseguinte, as situações em que apenas um dos cônju-ges ou membros da união de facto fosse titular de subsídio de desemprego, muito embora ambos estivessem desempregados e inscritos como tal nos centros de emprego.

Na verdade, logo em 2013, a propósito de uma queixa sobre esta questão, contestou este órgão do Estado o referido regime de majoração(123), tal como ficou vertido no artigo 118.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (Orçamento do Estado para 2013). Isto, porquanto o legislador restringiu a sua aplicação às situações em que ambos os membros do casal se encontravam em uma situação de desemprego subsidiado (auferindo, por con-seguinte, subsídio de desemprego)(124), deixando de fora a situação, porventura bem mais gravosa, em que, embora ambos os cônjuges ou unidos de facto estivessem desemprega-dos, apenas um auferia aquele subsídio.

Dando um passo no sentido de estender tal previsão à situação assinalada, o n.º 3 do artigo 118.º, da Lei nº 66-A/2012, de 31 de dezembro, veio estabelecer o seguinte:

«Sempre que um dos cônjuges ou uma das pessoas que vivam em união de facto deixe de ser titular de subsídio de desemprego e lhe seja atribuído subsídio social de desemprego subsequente ou, permanecendo em situação de desemprego, não aufira qualquer prestação social por essa eventualidade, mantém-se a majoração do subsídio de desemprego em relação ao outro beneficiário».

(122) Preâmbulo do mencionado Decreto-Lei.(123) Vide o nosso ofício n.º 3779, dirigido ao então Secretário de Estado da Solidariedade e da Segurança Social em 4 de abril de 2013. (124) Veja-se o disposto na alínea a), do n.º 1, do citado artigo 118.º da Lei do Orçamento do Estado para 2013.

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Esta alteração veio permitir que um casal de desempregados em que ambos aufiram o subsídio de desemprego e que, por isso, beneficiem da majoração, cessado que seja o sub-sídio de um deles (mas permanecendo em situação de desemprego), o outro possa manter o direito à majoração, o que anteriormente não sucedia.

Não obstante, concluiu este órgão do Estado que a situação que o legislador viera acau-telar através do mencionado preceito da Lei do Orçamento do Estado para 2013 não era materialmente diferente daquela em que, no seio de um casal de desempregados (inscritos no centro de emprego como candidatos), apenas um dos seus membros auferia subsídio de desemprego, não tendo os cônjuges beneficiado concomitantemente de tal prestação.

Na verdade, e recuperando aqui os argumentos tal como nesse momento foram expres-sos, quer em um, quer em outro caso, a situação vivida pelo casal desempregado é exa-tamente a mesma: ambos os cônjuges se encontram desempregados (estando inscritos nos centros de emprego como candidatos a emprego), auferindo um deles o subsídio de desemprego. A única diferença entre as situações descritas reside no facto de, enquanto no caso legalmente previsto o cônjuge não subsidiado ter sido já titular de subsídio de desem-prego em concomitância com o outro cônjuge (tendo beneficiado da referida majoração), no outro caso tal não aconteceu, ou seja, o cônjuge não subsidiado não ser, nem ter sido concomitantemente com o cônjuge subsidiado, titular de tal prestação e majoração.

Neste sentido e desconhecendo as razões que terão levado o legislador a dar tratamento desigual a situações que materialmente são iguais, sublinhou este órgão do Estado que a situação não prevista na lei era ainda mais grave do que aquela que o legislador acautelara: no caso previsto na lei, ambos os cônjuges estiveram a receber subsídio de desemprego e ambos beneficiaram da majoração, encontrando-se, por conseguinte, em situação mais benéfica do que aquela vivida pelo casal em que um deles, embora desempregado, não pôde por qualquer razão, aceder às prestações de desemprego, ou, tendo acedido, cessou--as antes de o respetivo cônjuge ter começado a beneficiar do subsídio de desemprego.

Ainda em 2013, em resposta ao Provedor de Justiça, informou o Gabinete do então Secretário de Estado da Solidariedade e da Segurança Social(125) o seguinte:

«o regime de majoração do subsídio de desemprego, previsto no artigo 118.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, consubstancia uma opção legislativa que estabe-lece um regime transitório e excecional de apoio aos desempregados com filhos a cargo, tendo em conta a realidade social subjacente a essa eventualidade e a necessidade de garantir a sustentabilidade das contas públicas num contexto de exigência financeira e de cumprimento dos limites definidos no Programa de Assistência Económica e Finan-ceira, celebrado em 17 de maio de 2011, entre a República Portuguesa, a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional.»

(125) Ofício de 26 de abril de 2013 (recebido neste órgão do Estado em 29 de abril de 2013).

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Neste enquadramento, observa-se que as posteriores Leis do Orçamento do Estado mantiveram inalterado, no que ora releva, o regime de majoração do montante do subsí-dio de desemprego, permanecendo assim, a situação de iniquidade retratada. Esta é tanto mais grave quanto é indubitavelmente apreensível uma condição de maior vulnerabili-dade económica destes agregados familiares, em que, embora ambos os membros do casal se encontrem em situação de desemprego, apenas um aufere o correspondente subsídio.

Deste modo, o assunto foi novamente retomado junto do atual Governo em janeiro último(126), reiterando a necessidade de ser revisto, no sentido proposto, o regime legal em questão.

Em resposta, a Senhora Secretária de Estado da Segurança Social manifestou vontade de proceder a uma ponderação mais profunda do assunto, à luz das preocupações expres-sas por este órgão do Estado(127).

Neste sentido, recomendo que seja ponderada a alteração do regime da majoração do subsídio de desemprego para que seja, também, concedida nos casos em que, no mesmo agregado familiar, os cônjuges ou pessoas que vivam em união de facto com filhos a cargo tenham ficado ambos desempregados e estejam inscritos no centro de emprego, mas ape-nas um deles aufira subsídio de desemprego: seja pelo facto de o outro não ter podido aceder às prestações de desemprego por não reunir as respetivas condições de atribuição ou por, tendo acedido a tais prestações, as ter visto cessar antes de o respetivo cônjuge ter começado a receber o respetivo subsídio de desemprego.

Na expetativa de que a presente Recomendação possa merecer o melhor acolhi-mento de Vossa Excelência, desde já agradeço que, em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 38.º do Estatuto do Provedor de Justiça, me seja transmitida nos próximos 60 dias a posição que sobre esta vier a ser assumida.

Recomendação n.º 5/B/2016Proc. Q-2363/15Entidade visada: Ministro da EducaçãoData: 2016/11/18Assunto: Qualificação profissional para o grupo de recrutamento 120. Omissão do dever de regulamentar Sequência: Acatada. Já em 2017 foi publicitado o início do procedimento legislativo

(126) Através do nosso ofício com a Ref.ª S-PdJ/2016/1326, dirigido à Senhora Secretária de Estado da Segurança Social, em 25 de janeiro de 2016.(127) Ofício com a Ref.ª n.º 958, datado de 29 de março de 2016.

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Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b), n.º 1, do artigo 20.º da Lei n.º 9/91, de 9 de abril, na redação dada pela Lei n.º 17/2013, de 18 de fevereiro, recomendo a Vossa Excelência que:

— Seja regulada, por portaria, a aquisição de qualificação profissional para a docência no grupo 120 por parte dos titulares do grau de mestre em ensino de Inglês e de outra língua estrangeira no ensino básico que não tenham realizado a prática de ensino supervi-sionado de Inglês no 1.º ciclo, mediante a definição dos complementos de formação e do procedimento de certificação.

§ 1.º Da questão subjacente às queixas apresentadas

A introdução da disciplina de Inglês no 1.º ciclo, concretizada pelo Decreto-Lei n.º 176/2014, de 12 de dezembro, tornou necessária a criação de um novo grupo de recruta-mento – a que foi conferida a denominação de «grupo 120» – e, bem assim, a definição dos requisitos de que depende a qualificação profissional para a docência no âmbito deste grupo.

O referido diploma, se por um lado determinou que a obtenção de qualificação pro-fissional para a docência no grupo 120 passa a depender da conclusão de mestrado com a especialidade de «Ensino de Inglês no 1.º ciclo do Ensino Básico»(128), na linha da exigên-cia consagrada no novo regime da qualificação profissional para a docência(129), não dei-xou, por outro lado, de regular o acesso à docência da disciplina em questão por parte dos docentes que adquiriram anteriormente outras habilitações pertinentes ou que dispõem já de experiência relevante na lecionação daquela disciplina ou nível de ensino.

Neste enquadramento, o artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 176/2014, de 12 de dezem-bro, determina as condições para que os detentores de habilitações académicas adquiridas anteriormente sejam considerados como possuidores de qualificação profissional para a docência no grupo 120. O artigo 9.º do mesmo diploma prevê, também, a possibilidade de os mesmos docentes, que não reúnam todos os requisitos previstos no artigo 8.º, poderem vir a completar formação complementar que lhes confira aquela qualificação.

De entre as situações contempladas no artigo 8.º figuram, no n.º 1, os titulares do grau de mestre em ensino de Inglês e de outra língua estrangeira no ensino básico, os quais se consideram, sem mais, qualificados profissionalmente para o grupo 120, desde que tenham realizado, no âmbito do ciclo de estudos de mestrado, a prática de ensino supervi-sionada de inglês no 1.º ciclo do ensino básico.

O artigo 9.º, por seu turno, dispõe que:

«os titulares do grau de mestre referido no artigo anterior que não tenham reali-zado a prática de ensino supervisionada de Inglês no 1.º ciclo, assim como aqueles que

(128) Artigo 7.º e anexo III do Decreto-Lei n.º 176/2014, de 12 de dezembro.(129) Decreto-Lei n.º 79/2014, de 14 de maio.

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tenham obtido qualificação profissional para a docência nos grupos de recrutamento 110, 220 e 330 que já detenham, ou venham a obter, após a entrada em vigor do presente decreto-lei, formação certificada no domínio do ensino de Inglês no 1.º ciclo do ensino básico, podem adquirir qualificação profissional para a docência no grupo 120» (n.º 1).

O n.º 2 do mesmo preceito prescreve que:

«para efeitos do disposto no número anterior, o membro do Governo responsável pela área da educação define, por portaria, os complementos de formação e o respetivo procedimento de certificação dos docentes, ouvidas as organizações representativas das instituições de ensino superior».

Ora, a regulamentação emitida ao abrigo desta norma habilitante, contida na Portaria n.º 260-A/2014, de 15 de dezembro, contempla apenas a segunda das situações que inte-gram a previsão do n.º 1 do artigo 9.º, ou seja, a dos titulares de qualificação profissional para a docência nos grupos de recrutamento 110, 220 e 330, definindo qual a natureza da «formação certificada no domínio do ensino de inglês no 1.º ciclo do ensino básico» que lhes conferirá a possibilidade de lecionar Inglês no 1.º ciclo com qualificação profissional. O que vale por dizer que se encontra absolutamente omissa quanto à formação comple-mentar que, para o mesmo efeito, pode ser adquirida pelos detentores do grau de mestre referido na primeira parte do n.º 1 do artigo 9.º que, como ali se prevê, não tenham reali-zado a prática de ensino supervisionada da disciplina no 1.º ciclo.

Em face da ausência de regulamentação que discipline as condições para a aquisição da qualificação profissional para o referido grupo 120, os docentes nesta situação veem-se impedidos de lecionar esta disciplina, o que motivou a apresentação de queixas ao Prove-dor de Justiça.

Os docentes queixosos manifestam em comum a circunstância de, no âmbito do mes-trado em ensino de Inglês e de outra língua estrangeira que concluíram, terem realizado a prática de ensino supervisionada, não no domínio do 1.º ciclo, mas dos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico, uma vez que estes níveis de ensino também se compreendiam no referido mestrado. Invocam que a situação se revela tanto mais iníqua quanto, à luz do regime legal que se encontrava em vigor na data em que a frequência do mestrado foi iniciada, este conferia qualificação profissional para a lecionação de Inglês em todo o ensino básico (referência 7 do anexo ao Decreto-Lei n.º 43/2007, de 22 de fevereiro).

§ 2.º Da omissão do dever de regulamentar

O artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 176/2014, que se citou, impõe à Administração – e, em concreto, ao membro do Governo responsável pela área da educação – um dever de regulamentar e o seu não cumprimento integral traduzse em uma omissão ilegal. Ancora--se tal asserção, desde logo, na previsão expressa da dependência regulamentar da norma ou de falta de autoexequibilidade, ínsita no segmento normativo que faz depender os

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«efeitos do disposto no número anterior» da emissão de regulamentação. Por outro lado, a própria norma, no cotejo dos seus números 1 e 2, torna evidente a sua insuficiente den-sidade normativa e a consequente necessidade do seu suprimento através da definição, por via regulamentar, do conceito de formação complementar apta a conferir aos docentes, em complemento da formação e da experiência já adquiridas, a qualificação profissional necessária para ensinarem Inglês às crianças do 1.º ciclo.

A carência de exequibilidade da norma comporta, para o órgão a que foi atribuída a competência regulamentar, uma verdadeira imposição legal: embora disponha de alguma autonomia na conformação do «como» da regulamentação, ele está vinculado a emitir a regulamentação necessária, por exigência do princípio da legalidade e da consequente preferência de lei.

Não há que curar de saber, hoje, qual seria o prazo para o cumprimento deste específico dever de regulamentação. Na verdade, a Portaria n.º 260-A/2014, de 15 de dezembro, ao conter apenas uma regulamentação parcial da norma em causa, definindo, assim, a forma-ção complementar a realizar por apenas uma fração dos destinatários da norma, envolve uma diferenciação de tratamento sem fundamento material bastante que a legitime. Por essa razão, o prazo para completar a regulamentação em falta é ditado pela necessidade de conferir aos docentes abrangidos pelo segmento da norma não regulamentada as mesmas condições proporcionadas aos restantes docentes, ou seja, a possibilidade de complemen-tarem a sua formação e de concorrerem ao procedimento concursal pendente, com vista ao exercício de funções docentes naquele grupo.

Em qualquer caso, e como é sabido, o novo CPA, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, passou a prever que, no silêncio da lei, é de 90 dias o prazo para a emissão de regulamento necessário para dar exequibilidade a ato legislativo carente de regulamen-tação (n.º 1 do artigo 137.º), prazo que, no caso, se encontra há muito ultrapassado(130).

§ 3.º Da liberdade de trabalho e do acesso a funções públicas

Como se deixou antever já, a omissão assinalada envolve igualmente a preclusão do direito fundamental de acesso a funções públicas em condições de igualdade. Ao ado-tar a regulamentação necessária para que apenas uma parte dos docentes já detentores de formação e experiência relevantes possa obter a qualificação profissional para a docên-cia no grupo 120, excluindo os demais docentes em situação que a lei qualifica como paralela à daqueles(131), a Administração comprime o conteúdo essencial do seu direito de acesso a funções públicas (n.º 2 do artigo 47.º da CRP). Mais: considerando que o regime jurídico de habilitação profissional para a docência neste nível de ensino se aplica

(130) Mesmo que contado desde a entrada em vigor do novo CPA.(131) N.º 1 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 176/2014, de 12 de dezembro.

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não só aos estabelecimentos de ensino públicos, mas também aos particulares e cooperati-vos(132), a obstrução à aquisição das habilitações necessárias traduz-se em uma compressão injustificada da liberdade fundamental de exercício de profissão (n.º 1 do artigo 47.º da CRP). Como é sabido, a liberdade de profissão compreende, quer a liberdade de escolha, quer a liberdade de exercício de qualquer profissão. E esta última integra, entre outros, o direito «de obter, sem impedimentos, nem discriminações, as habilitações legais (que não somente as escolares) e os restantes requisitos para o exercício da profissão»(133).

Dada a sua inscrição no catálogo dos direitos fundamentais, a liberdade de profissão, assim como o direito de acesso à função pública, que é uma manifestação daquela liber-dade, só podem conhecer restrições estatuídas por lei — e não por via regulamentar ou administrativa — que se ancorem em fundamento consentâneo com o quadro de valores constitucionais e que se revelem proporcionadas ao objetivo que prosseguem.

Ora, no caso, a compressão destes direitos resulta da omissão de uma atividade admi-nistrativa devida e traduz-se, até ao momento, na impossibilidade de lecionar a disciplina de inglês no 1.º ciclo por dois anos escolares.

Ademais, a inércia da Administração perpetua a desigualdade entre os dois grupos de docentes destinatários da norma contida no artigo 9.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 176/2014, de 12 de dezembro, uma vez que os professores privados do exercício de funções disporão tendencialmente, no futuro, de tempo de serviço inferior ao dos docentes que já se encon-tram habilitados e, portanto, deterão menor vantagem nos concursos de recrutamento a que, uma vez suprida a omissão, poderão vir a candidatar-se(134).

§ 4.º Do cumprimento do dever de audição da entidade visada nas queixas

Em cumprimento do dever de audição da entidade visada nas queixas, em 19 de junho de 2015, solicitei a Sua Excelência o Ministro da Educação a pronúncia sobre a questão, bem como a informação das medidas que previa tomar com vista a superar a situação descrita(135). Não obstante as diligências de insistência desenvolvidas, tal comunicação não mereceu resposta. Sobre a matéria, veio apenas a Diretora-Geral da Administração Esco-lar, sem referência expressa àquela (ou outra) comunicação, informar, em 2 de outubro de 2015, que «reconhecendo a omissão regulamentar apresentada por V. Exa., a curto prazo a DGAE apresentará ao Ministério da Educação e Ciência a premência de ultrapassar este

(132) Alínea b) do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 79/2014, de 12 de dezembro.(133) Miranda, Jorge; Medeiros, Rui, Constituição Portuguesa: Anotada, Tomo I, Coimbra, Coimbra Editora, 2005, p. 475. (134) Na medida em que a ordenação no concurso toma em consideração, entre outros fatores, o tempo de lecionação no grupo a que o docente se candidata.(135) Comunicação com a referência S-PdJ/2015/2613.

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constrangimento, mediante regulamentação do segmento inicial do n.º 1 do art. 9.º do Decreto-Lei n.º 176/2014, de 12 de dezembro».

Por fim, transmitido o assunto ao gabinete de Vossa Excelência, em abril de 2016(136), não se logrou obter qualquer pronúncia sobre a matéria, nem se observou, entretanto, a emissão da regulamentação em falta.

Dou, pois, por cumprido o dever de audição prévia preceituado no artigo 34.º do Esta-tuto do Provedor de Justiça.

§ 5.º Conclusão

Em face do exposto, concluo que, não só por imposição do princípio da legalidade, mas também por estar em causa a observância da liberdade de exercício de profissão e do direito de acesso a funções públicas em condições de igualdade, urge suprir a omissão ilegal do dever de regulamentar, mediante a definição, por portaria, das condições neces-sárias para que os titulares do grau de mestre em ensino de Inglês e de outra língua estran-geira no ensino básico, que não tenham realizado a prática de ensino supervisionado de Inglês no 1.º ciclo, possam adquirir qualificação profissional para lecionar esta disciplina.

Dignar-se-á Vossa Excelência, em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 38.º do Estatuto do Provedor de Justiça, transmitir-me, dentro de 60 dias, a posição assumida quanto à presente recomendação.

Recomendação n.º 4/A/2016Proc. Q-2095/16Entidade visada: Secretária de Estado Adjunta e da Educação Data: 2016/12/07Assunto: Atraso na realização de juntas médicas em várias Direções de Serviços da Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEstE). Doença prolongadaSequência: Acatada.

Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a), n.º 1, do artigo 20.º, da Lei n.º 9/91, de 9 de abril, na redação dada pela Lei n.º 17/2013, de 18 de fevereiro, recomendo a Vossa Excelência que sejam tomadas as medidas necessárias com vista:

a) À supressão, tão célere quanto possível, da omissão de realização de juntas médicas de verificação de doença nos serviços da Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEstE) em que tal se verifica;

(136) Comunicação com a referência S-PdJ/2016/6975.

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b) À divulgação, junto das escolas, do entendimento de que as situações de doença de trabalhadores abrangidos pelo regime de proteção social convergente, que tenham sido qualificadas como doença prolongada no certificado de incapacidade temporária e que, por motivo imputável à Administração, não tenham sido avaliadas por junta médica da DGEstE podem prolongar-se até ao período máximo de 36 meses, nos termos do artigo 37.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho.

§ 1.º Da questão subjacente às queixas apresentadas

Foi requerida a minha intervenção por parte de diversos docentes que, em comum, invocaram:

i. Terem estado ausentes do trabalho por motivo de doença comprovada por certifi-cado de incapacidade temporária, no qual a doença foi qualificada como prolongada;

ii. Antes de decorridos 60 dias em tal situação, as escolas em cujos quadros se encon-tram integrados solicitaram a sua submissão a junta médica, conforme previsto na alínea a), n.º 1, do artigo 23.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, sem que, até então, tivessem recebido convocatória para esse efeito;

iii. Não obstante, uma vez atingido o limite de 18 meses de faltas justificadas por doença, as escolas foram informadas pela DGEstE de que os trabalhadores deviam dar «cumpri-mento ao previsto no artigo 34.º da Lei n.º 35/2014» e, portanto, requerer a apresentação à junta médica da CGA ou a passagem à situação de licença sem remuneração.

Em sede de instrução das queixas foi apurado que várias delegações regionais da DGEstE enfrentam dificuldades na realização regular de juntas médicas de verificação da doença. Tais constrangimentos – em uns casos motivados pela omissão da designação, pelo Ministério da Saúde, do médico que, nos termos do n.º 2 do artigo 11.º do Decreto--Lei n.º 266-F/2012, de 31 de dezembro, deve integrar as juntas e, em outros, por razões ligadas a falta de disponibilidade orçamental para a contração de médicos – conduziram à suspensão da realização de juntas médicas, por longos períodos, nas Delegações Regionais de Lisboa e Vale do Tejo, do Norte e do Alentejo.

De acordo com a informação mais recente sobre a matéria, o problema apenas foi ate-nuado na Delegação Regional de Lisboa e Vale do Tejo, no âmbito da qual foi possível retomar temporariamente a realização das juntas médicas.§ 2.º Da omissão da verificação da doença dos trabalhadores dos estabelecimentos de educação e ensino dependentes do Ministério da Educação

O regime jurídico das faltas por doença dos trabalhadores em funções públicas abran-gidos pelo regime de proteção social convergente assume natureza vinculada: não con-voca a aplicação de critérios valorativos, nem confere espaço de autonomia à Administra-ção para escolher a melhor solução para cada caso. Encontra-se enformado pela ideia de

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eficiência na gestão dos recursos humanos de que a Administração dispõe para prosseguir a sua missão, em conciliação com o direito dos trabalhadores à proteção na doença.

A inobservância daquele regime injuntivo, para além de implicar a invalidade da atua-ção ou omissão em causa, conduz necessariamente à lesão dos interesses — aparentemente opostos — cuja harmonização o mesmo prossegue.

Por conseguinte, a omissão de realização de juntas médicas de verificação de doença, para além de ilegal, produz, desde logo, danos não despiciendos no plano da economia e eficiência que devem nortear a atividade administrativa, incluindo aquela em que a Admi-nistração reveste a qualidade de empregadora.

Na verdade, enquanto aguardam pela realização da junta médica, no período que medeia entre o termo dos primeiros 60 dias de doença e o final do período total de 18 meses, os trabalhadores mantêm-se abrangidos pelo regime de faltas por doença, sem que o motivo da incapacidade para o trabalho seja objeto de qualquer avaliação e sem qualquer desconto na remuneração (n.º 1 e n.º 2 do artigo 15.º Lei n.º 35/2014, de 20 de junho), situação que se mantém durante o período em que, se for o caso, os trabalhadores aguar-dam a posterior submissão a junta médica da CGA (n.º 2 do artigo 34.º daquela Lei).

À carência de recursos humanos daí decorrente aliar-se-á o aumento de encargos na substituição dos trabalhadores indispensáveis, como é o caso em especial dos docentes com componente letiva, cuja falta ao trabalho pode implicar o recurso à contratação a termo de trabalhadores não detentores de prévia relação de emprego público.

§ 3.º Da preclusão dos direitos dos trabalhadores em situação de doença prolongada

A omissão de realização de juntas médicas de verificação de doença tem igualmente comportado a preclusão dos direitos dos trabalhadores que padecem de doença pro-longada. Com efeito, a Lei impõe a submissão obrigatória(137) a junta médica uma vez decorridos 60 dias na situação de faltas comprovadas por doença(138). Tal junta pode justificar faltas por doença dos trabalhadores por períodos sucessivos de 30 dias, até ao limite de 18 meses, ou de 36 meses no caso de se tratar de doença prolongada (artigos 25.º e 37.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho). Destas normas infere-se claramente a fixação de prazo para a realização da junta médica: esta deve ocorrer logo após 60 dias de faltas por doença, podendo repetir-se, se necessário, até ao limite dos 18 ou 36 meses, conforme os casosNos termos do artigo 37.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, enten-de-se por doença prolongada a «doença incapacitante que exija tratamento oneroso e ou prolongado», encontrando-se o respetivo elenco definido no Despacho Conjunto n.º

(137) Da natureza obrigatória da junta decorre que a não comparência do trabalhador, sem fundamento válido, im-plica que sejam consideradas injustificadas as faltas dadas desde o termo do período de faltas anteriormente concedido (n.º 2 do artigo 28.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho).(138) Durante os primeiros 60 dias de doença, esta é comprovada nos termos do artigo 17.º.

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A-179/89XI(139). São consideradas doenças prolongadas, por exemplo, tumores malignos, hemopatias graves, doenças graves e invalidantes do sistema nervoso central e periférico e acidentes vasculares cerebrais com acentuadas limitações. O que, por regra, as caracteriza é, por um lado, a sua natureza incapacitante, ou seja, a impossibilidade de o trabalhador por elas afetado manter a sua atividade profissional e, por outro, envolverem um trata-mento «oneroso» e «prolongado». Reconhecendo que, nestas situações, o trabalhador ficará necessariamente impossibilitado de trabalhar por período superior ao da generali-dade das situações de doença, a Lei operou uma distinção de regime relevante, duplicando o período em que o trabalhador pode ficar abrangido pelo regime de faltas por doença.

A Lei não atribui a competência para qualificar a doença como prolongada exclusiva-mente a qualquer dos intervenientes na comprovação da doença, pelo que, deve entender--se que a mesma assiste também aos médicos que emitem as declarações comprovativas da doença, nos primeiros 60 dias(140). Na verdade, o modelo de certificado de incapaci-dade temporária, aprovado pela Portaria n.º 666-A/2007, de 1 de junho, inclui um campo para preenchimento pelo médico, respeitante à qualificação da doença nos termos indi-cados(141). E tal qualificação comportará, desde logo, os efeitos jurídicos previstos no n.º 4 do artigo 37.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, já que, nos termos desta norma, «as faltas por doença prolongada não descontam para efeitos de antiguidade, promoção e progressão».

Não obstante esta qualificação inicial, à junta médica caberá igualmente pronunciar-se sobre a natureza da doença, até porque a sua competência para justificar faltas para além de 18 meses de doença está dependente da caracterização da doença como prolongada.

Do regime transcrito resulta que a ausência de juntas médicas por período superior a 18 meses envolve, desde logo, o não exercício por parte da DGEstE de uma competência que lhe é conferida por lei, no prazo que esta determina. Do incumprimento de tal dever — motivado por circunstâncias a que os trabalhadores são totalmente alheios — não pode

(139) Publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 219, de 22 de setembro de 1989.(140) No mesmo sentido se pronunciou a Direção-Geral da Administração e do Emprego Público, ao afirmar que «cabe ao médico atestante, no âmbito das suas competências profissionais, a qualificação de cada situação de doença como doença natural, prolongada ou direta (conceitos do foro predominantemente clínico), assinalando-a no campo respetivo do modelo de certificado de incapacidade temporária para o trabalho» - FAQ n.º XII/5, sobre o regime de faltas por doença constante da Lei do Trabalho em Funções Públicas (disponível em www.dgaep.gov.pt). Na FAQ n.º XII/24, na mesma Página, refere-se também que «as faltas por doença prolongada, previstas no artigo 37.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, devem ser justificadas nos moldes previstos nos artigos 17.º a 19.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, para a justificação das demais faltas por doença, dadas pelos trabalhadores integrados no regime de proteção social convergente, face à inexistência, neste diploma, de norma específica para a respetiva justificação».(141) A Portaria n.º 666-A/2007, de 1 de junho, mantém-se em vigor por força do disposto no n.º 2 do artigo 42.º da Lei n.º 35/2014. O modelo de certificado de incapacidade temporária faz ainda menção, na parte que se refere à doença prolongada, ao artigo 49.º do Decreto-Lei n.º 100/99, de 31 de março, norma a que corresponde hoje o artigo 37.º daquela Lei.

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resultar, para estes, o desrespeito pelos direitos que a Lei lhes confere na situação de inca-pacidade temporária por motivo de doença.

No entanto, ao entender que os trabalhadores devem realizar a opção prevista no artigo 34.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, logo que atingidos 18 meses sem que tenha sido realizada a junta médica, mesmo nos casos em que a doença tenha sido qualificada como doença prolongada, a DGEstE faz recair sobre os trabalhadores os efeitos negativos do seu deficiente funcionamento. Ao invés de evitar danos na esfera jurídica dos trabalhado-res decorrentes da atuação administrativa ilícita, aqueles serviços admitem expressamente que os prejuízos se produzam por aquele motivo. E o certo é que, mesmo que a junta seja realizada tardiamente e venha a concluir pela natureza prolongada da doença, nem sempre será possível reconstituir a situação que existiria se esta deliberação tivesse sido tomada oportunamente, por se terem entretanto produzidos os efeitos da opção que o trabalhador foi compelido a tomar.

Não cabe, aqui, invocar que, em qualquer caso, optando o trabalhador pela submissão à junta médica da CGA, esta apreciará a situação de doença e os seus efeitos na capacidade para trabalhar. É que, ao contrário do que uma leitura apressada do artigo 34.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, pode sugerir(142), a deliberação da junta médica da CGA não se pronuncia sobre a extinção da doença, nem sobre a incapacidade temporária para o traba-lho. Na verdade, àquele órgão cabe apreciar se a doença é fundamento para a declaração de que o trabalhador se encontra absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções, caso em que haverá lugar à sua aposentação, nos termos da alínea a), n.º 2, do artigo 37.º do Estatuto da Aposentação(143).

Deste modo, o que parece determinante no regime do artigo 34.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, é a fixação de um período máximo durante o qual o trabalhador goza de proteção quase total na situação de doença, período que, como se viu, é elevado para o dobro nos casos de doença qualificada como prolongada. Decorrido este, justifica-se afe-rir se a doença motiva a incapacidade permanente do trabalhador, caso em que dará lugar à sua aposentação e, se assim não suceder, cessa o regime de proteção remuneratória da doença do trabalhador.

Assim, impor ao trabalhador afetado por doença prolongada que realize a opção pre-vista no artigo 34.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, ao fim de 18 meses terá por efeito a cessação antecipada do aludido regime de proteção remuneratória da ausência ao traba-lho por motivo de doença, qualquer que seja o sentido da opção que o trabalhador venha

(142) Em especial do seu o n.º 5 que prevê a passagem à situação de licença sem remuneração do trabalhador que, «tendo sido considerado apto pela junta médica da CGA, volte a adoecer sem que tenha prestado mais de 30 dias de serviço consecutivos, nos quais não se incluem férias».(143) Aliás, as comunicações por parte da CGA do resultado de tais juntas médicas são, por regra, do seguinte teor: «a Junta Médica não considerou o(a) subscritor(a) absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções, pelo que o pedido de aposentação por incapacidade foi indeferido».

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a tomar: se optar pela licença sem remuneração, mas também se escolher a submissão a junta médica da CGA, o trabalhador deixará de beneficiar do regime que a lei expressa-mente lhe confere. Caso opte pela submissão a junta da CGA e se esta o considerar abso-luta e definitivamente incapaz, aposentar-se-á com menor tempo de serviço do que se tal ocorresse ao fim de 36 meses; ao invés, se a junta considerar que a doença não é causa de incapacidade absoluta e permanente para o exercício das suas funções (o que não prejudica que ainda seja causa de incapacidade temporária, juízo que, como se referiu, a junta não fará), o trabalhador deixará de estar abrangido pelo regime de faltas por doença, ficando obrigado, sob pena de passagem à situação de licença sem remuneração, à prestação de, pelo menos, 30 dias consecutivos de trabalho (n.º 5 do artigo 34.º Lei n.º 35/2014, de 20 de junho).

Esta cessação antecipada do regime de proteção na doença, que a DGEstE impõe, para além de violar frontalmente o regime vinculativo que se deixou descrito, revela-se também lesiva da igualdade, princípio estruturante do Estado de direito democrático que, em uma aceção positiva, postula o tratamento distinto do que for essencialmente diferente. Na verdade, a Administração acaba por aplicar aos trabalhadores com doença prolongada o regime da doença não prolongada, quando é a própria Lei que, ao reconhecer a distinção destas situações no plano da incapacidade temporária para o trabalho que delas resulta, lhes conferiu tratamento diferenciado.

Assim, impõe-se afirmar que, até à realização da junta médica, valerá, para efeitos de aplicação do regime em questão, a qualificação da doença feita pelo médico que a com-provou nos primeiros 60 dias de duração da incapacidade temporária. Ou, dito de outro modo, a certificação e qualificação iniciais da doença valerão enquanto não forem confir-madas ou infirmadas por junta médica(144) (145).

§ 4.º Do cumprimento do dever de audição da entidade visada nas queixas

Como certamente recordará, foram dirigidas a V. Exa., em abril do ano em curso, duas comunicações sobre o problema enunciado, que mereceram uma resposta insuficiente

(144) Note-se que esta solução é expressamente adotada para as faltas dadas no período compreendido entre o termo dos 60 dias e a realização da primeira junta médica, as quais, nos termos do n.º 2 do artigo 24.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, são consideradas justificadas por doença mesmo que a junta venha a considerar o trabalhador apto para o trabalho.(145) À solução proposta não se opõe a possibilidade de a junta médica, realizada tardiamente, vir a discordar do mé-dico assistente na qualificação da doença como prolongada. Nessa situação, haverá que observar-se o regime que seria aplicável caso a deliberação tivesse sido tomada atempadamente, ou seja, antes de decorrido o termo do período de 18 meses: o trabalhador ficará, então, sujeito ao regime do artigo 34.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho e, consequente-mente, ao dever de realizar a opção ali prevista.

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do Gabinete de V. Exa., conforme foi evidenciado em nova comunicação deste órgão do Estado remetida em setembro(146).

Esta última comunicação não mereceu, até ao presente, a pronúncia de V. Exa., pelo que dou por cumprido o dever de audição prévia preceituado no artigo 34.º do Estatuto do Provedor de Justiça.

§ 5.º Conclusão

Em face de todo o exposto, permito-me concluir que se revelam necessárias e urgen-tes medidas tendentes a garantir a verificação regular e atempada, por junta médica, das situações de doença dos trabalhadores dos estabelecimentos de educação e ensino do Ministério da Educação e o cumprimento do regime legal vinculativo em caso de doença prolongada.

Dignar-se-á V. Exa., em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 38.º do Estatuto do Provedor de Justiça, transmitir-me, dentro de 60 dias, a posição assumida quanto à presente recomendação.

Recomendação n.º 6/B/2016Proc. Q-2428/15, Q-6028/15, Q-1031/16 Entidade visada: Ministro das FinançasData: 2016/12/19Assunto: Reposição de quantias indevidamente recebidas por trabalhadores que exer-cem funções públicasSequência: Parcialmente acatada

Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b), n.º 1, do artigo 20.º da Lei n.º 9/91, de 9 de abril, na redação dada pela Lei n.º 17/2013, de 18 de fevereiro, e pelos moti-vos seguidamente expostos, recomendo a Vossa Excelência que:

I. Clarifique o regime aplicável à reposição de dinheiros públicos, quando esta pressu-põe a anulação de atos administrativos constitutivos de direitos à obtenção de prestações pecuniárias devidas pela prestação de trabalho em funções públicas;

II. Promova a imposição de limites e o aperfeiçoamento das regras aplicáveis à compen-sação dos créditos emergentes da obrigação de restituir dinheiros públicos com os créditos salariais.

(146) Refiro-me aos nossos ofícios com as referências S-PdJ/2016/8699, S-PdJ/2016/9112 e S-PdJ/2016/19276, respetivamente, de 26 de abril e de 14 de setembro.

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I — Considerações introdutórias A apresentação de diversas queixas ao Provedor de Justiça por trabalhadores que exer-

cem funções públicas tem confrontado este órgão do Estado com decisões de reposição de montantes avultados, que foram estavelmente abonados como contrapartida da prestação de trabalho, durante períodos que podem ascender a cinco anos, com base em decisões ou normas regulamentares de cuja validade os trabalhadores não podiam duvidar.

Mercê da densidade e complexidade dos regimes jurídicos pertinentes, é comum veri-ficar-se que a confiança na validade de tais decisões é partilhada pelos órgãos adminis-trativos responsáveis pelo processamento das retribuições e sustentada e confirmada por despachos, orientações, informações, pareceres, relatórios, etc., de que os trabalhadores têm conhecimento e que só mais tarde vêm a ser postos em causa, em regra após ações inspetivas ou por determinação de outros órgãos. Raros foram os casos expostos ao Pro-vedor de Justiça em que a ilegalidade do pagamento de remunerações e abonos a repor era manifesta ou não podia ser contestada à luz de atendíveis argumentos jurídicos(147).

Observou-se também que, com frequência, os órgãos ou serviços se limitam a comuni-car aos interessados que foi determinada a reposição de um certo montante ou abono sem, contudo, explicitar os motivos pelos quais se consideraram que tais quantias eram, afinal, indevidas. Verificado o erro ou o vício, e sempre que possível, as entidades competentes tendem a compensar os créditos apurados com os créditos devidos aos trabalhadores a título de remuneração, ou outros créditos emergentes da relação jurídica de emprego. E casos há em que a compensação de créditos não obedece a qualquer limite nem, deste modo, é precedida de qualquer comunicação.

Sublinho que qualquer pessoa deve poder confiar que no final do mês vai receber um determinado montante de salário, o que é fundamental para a organização e planificação da vida de qualquer trabalhador. Saber que, em qualquer momento, e desconhecendo o que motiva tal decisão, se pode ser confrontado com o dever de devolver quantias avulta-das, ou de suportar uma significativa redução da remuneração mensal para satisfazer tal dívida, não apenas mina a confiança dos trabalhadores no Estado-empregador, como é suscetível de gerar uma insegurança dificilmente suportável.

(147) Assim, por exemplo, os procedimentos Q5178/2013 e Q6028/2015 evidenciaram dúvidas quanto à vigência das normas relativas ao suplemento remuneratório de «ónus de função», que levaram o ISS a Direção-Geral do Or-çamento e a Inspeção-Geral do Ministério da Solidariedade, Emprego e Segurança Social a adotarem posições, em par-te, contraditórias. No tocante ao procedimento Q2428/2015, às interpretações recomendadas pelo serviço inspetivo opunha-se um juízo emitido por um tribunal. Neste caso, foi determinada a reposição de diuturnidades recebidas por trabalhadores da Imprensa Nacional - Casa da Moeda, S.A., entre 2011 e 2013, apesar de o Conselho de Administra-ção ter pugnado por distinta interpretação do direito vigente, e de ter alertado a Administração para a muito provável procedência de uma ação judicial proposta pelos trabalhadores junto do Tribunal do Trabalho, já que este, em sede de decretamento de providência cautelar, havia entendido que a decisão de determinar a devolução das diuturnidades «é claramente ilegal».

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A instrução destes procedimentos de queixa evidenciou, assim, a pertinência de pro-mover uma revisão do Regime de Administração Financeira do Estado (RAFE)(148), com vista a uma mais equilibrada conciliação do interesse público na recuperação de verbas indevidamente despendidas com o direito fundamental à retribuição do trabalho, à luz dos princípios da juridicidade administrativa, da segurança jurídica, da tutela da confiança e da boafé. Este órgão do Estado concluiu, em especial, que urge clarificar o prazo após o qual se pode confiar na estabilização dos atos de processamento de remunerações(149) e definir claramente os procedimentos e limites a que deve obedecer a reposição de verbas indevidamente recebidas através de compensação com créditos remuneratórios.

Com esse intuito, propus à antecessora de Vossa Excelência o aperfeiçoamento do regime jurídico de reposição de dinheiros públicos, que encontra positivação nos artigos 36.º a 40.º do RAFE. As propostas então formuladas(150) foram objeto de apreciação pela Direção-Geral do Orçamento, sobre a qual recaiu a decisão do então Secretário de Estado Adjunto e do Orçamento de promover «a constituição de um grupo de trabalho de revi-são do Decreto-Lei n.º 155/92»(151).

Ainda que da evolução de tais trabalhos não tenha chegado notícia a este órgão do Estado, o parecer da Direção-Geral do Orçamento exprimia o acolhimento de algumas das sugestões formuladas, no sentido de serem ponderadas as especificidades do problema da reposição de quantias indevidamente recebidas como contrapartida da prestação de trabalho, no âmbito de uma Administração Pública que, enquanto entidade emprega-dora, se distanciou assinalavelmente da prefigurada pelo legislador em 1992.

Uma das principais preocupações que motivaram essa tomada de posição, reitero, era a questão do prazo em que pode ser determinada a reposição dos montantes indevidamente abonados aos trabalhadores, quando esta implica a anulação administrativa de atos cons-titutivos de direitos. Questão que, como adiante se exporá, tem suscitado dificuldades aos

(148) Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de julho e alterado pelo Decreto-Lei n.º 275-A/93, de 9 de agosto, pelo Decreto-Lei n.º 113/95, de 25 de maio, pela Lei n.º 10-B/96, de 23 de março, pelo Decreto-Lei n.º 190/96, de 9 de outubro; pela Lei n.º 55-B/2004, de 30 de dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 29-A/2011, de 1 de março e pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro. (149) A fim de simplificar a exposição, entender-se-á aqui o ato de processamento de remunerações, em sentido am-plo, como o conjunto de atos e operações tendentes à liquidação e ao pagamento de qualquer tipo de prestação pecuniá-ria devida como contrapartida da prestação de trabalho, incluindo a remuneração base, os suplementos remuneratórios, prémios de desempenho, subsídios de refeição e transporte, ajudas de custo e demais abonos. Sobre a distinção entre atos de processamento e liquidação, vide Veiga e Moura, Paulo, Função Pública– Regime Jurídico, Direitos e Deveres dos Funcionários e Agentes, 1.º Vol., 2.ª Ed., Coimbra, 2001, p. 390, nota 1015.(150) Através do ofício n.º 656, de 22 de janeiro de 2015, que se encontra publicado em: http://www.provedor-jus.pt/?idc=35&idi=15544.(151) A apreciação da Direção-Geral do Orçamento (vertida no Parecer Jurídico do Gabinete de Consultadoria Jurí-dica e Orçamental n.º 1128/2015) e a decisão citada foram comunicadas a este órgão do Estado pelo Gabinete, em 24 de junho 2015, através do ofício n.º 689.

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serviços e aos tribunais administrativos, e que este órgão do Estado esperava que pudesse vir a ser ultrapassada com a entrada em vigor do novo CPA.

Com efeito, entre as mais relevantes alterações introduzidas pelo novo CPA desta-cam-se as inovações em matéria de revisão dos atos administrativos que não se esgotam na distinção entre a revogação (extintiva) e a anulação administrativa (com fundamento em invalidade). Foram repensados e densificados os «condicionalismos» da anulação admi-nistrativa e identificadas as circunstâncias em que à Administração é concedido o poder de anular atos constitutivos de direitos no prazo mais longo de cinco anos:

«a) Quando o respetivo beneficiário tenha utilizado artifício fraudulento com vista à obtenção da sua prática; b) Apenas com eficácia para o futuro, quando se trate de atos constitutivos de direitos à obtenção de prestações periódicas, no âmbito de uma relação continuada; c) Quando se trate de atos constitutivos de direitos de conteúdo pecuniá-rio cuja legalidade, nos termos da legislação aplicável, possa ser objeto de fiscalização administrativa para além do prazo de um ano, com imposição do dever de restituição das quantias indevidamente auferidas» (n.º 4 do artigo 168.º).

À luz da redação deste preceito parecia tornar-se claro que, salvo nos casos previstos nas alíneas a) e b), os atos constitutivos do direito à retribuição só poderiam ser objeto de anulação administrativa, com imposição do dever de repor as quantias indevidamente recebidas, no prazo de um ano, porquanto a alínea c) do n.º 4 não se aplica aos atos de processamento de remunerações. O que sucede por não se encontrar prevista a possibili-dade de aqueles serem objeto de fiscalização administrativa para além desse mesmo prazo.

No entanto, as considerações então tecidas por este órgão do Estado mereceram, por parte da Direção-Geral do Orçamento, a seguinte reação:

«somos de opinião que os atos administrativos que estão na base dos procedimentos de reposição de dinheiros públicos encontram, relativamente à sua anulação, regulamentação expressa no art. 168.º, nº 4, alínea c), do novo Código do Procedimento Administrativo, norma que mantém inalterado o prazo prescricional de cinco anos consignado no art. 40.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 155/92, uma vez que permite a anulação administrativa dos mesmos atos por igual período».(152)

Posteriormente veio a Direção-Geral da Administração e do Emprego Público adotar orientação coincidente.(153)

(152) Realçado no original.(153) No âmbito da instrução do procedimento Q-4408/2014 foi dado conhecimento a este órgão do Estado do parecer desta Direção-Geral, vertido no ofício com a ref.ª 11866, datado de 19 de maio de 2015. Estava em causa, neste caso, a reposição de montantes prestados a mais a título de abono de família.

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Segundo creio, esta posição distancia-se do espírito reformador do regime de anulação de atos constitutivos de direitos consagrado no novo CPA e vem renovar o receio de que o problema da conciliação entre este regime e o regime de reposição de dinheiros públicos continue a gerar dificuldades e a confrontar os trabalhadores com decisões que, frustrando expetativas legitimamente depositadas na validade e regularidade dos atos praticados pela Administração, impõem aos visados consequências, não raras vezes, muito gravosas.

II — O regime de reposição e o regime de anulação administrativa dos atos administrativos constitutivos de direitos a prestações pecuniárias devidas pela prestação de trabalho

As decisões de reposição de montantes indevidamente recebidos por trabalhadores vinculados por uma relação jurídica de emprego público implicam, em regra, a retifica-ção ou a revisão de atos administrativos, constitutivos de direitos a prestações pecuniárias devidas pela prestação de trabalho, anteriormente adotados pela Administração.

É certo que é controversa a qualificação de cada ato isolado de processamento, liquida-ção e pagamento de remunerações, como um autónomo ato administrativo constitutivo de direitos. Salvo no que diz respeito ao ato que primeiramente define a posição jurídica de um trabalhador quanto ao seu estatuto remuneratório — consensualmente qualificado como um ato constitutivo de direitos(154), porquanto é neste momento que se dão por verificados e reunidos os pressupostos para que ao trabalhador seja devido um certo mon-tante retributivo (v.g., se pode ser integrado numa determinada posição remuneratória ou se exerce as suas funções em condições tais que justifiquem a atribuição de determi-nado suplemento) – esta questão continua a dividir a doutrina e a jurisprudência(155). No entanto, a corrente jurisprudencial maioritária vai no sentido de assumir que:

«Cada acto de processamento de vencimentos constitui, em princípio, um ver-dadeiro acto administrativo, e não uma simples operação material, já que, como acto jurídico individual e concreto, define a situação do funcionário abonado perante a

(154) Assim, Veiga e Moura, Paulo, ob. cit., p. 395; Maçãs, Maria Fernanda, «Dever de reposição e direito a não repor», Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 0, Novembro/Dezembro de 1996, p. 62.(155) João Alfaia define o ato de processamento de abonos como o «o conjunto de operações materiais e de actos jurídicos administrativos de natureza processual conducentes ao pagamento de um abono e, como tal ao pagamento de quaisquer vencimentos em sentido lato», sendo por isso o «o acto segundo o qual o serviço processador reconhece ao direto ao abono» (em itálico no original). Alfaia, João, Conceitos Fundamentais do Regime Jurídico do Funcionalismo Público, Vol. II, Almedina, Coimbra, 1988, pp. 749-750. Em sentido divergente, vide Maçãs, Maria Fernanda, «Dever de repo-sição e direito a não repor», ob. cit., pp. 58-65 e Veiga e Moura, Paulo, ob. cit., pp.394-395. Vejam-se, ainda, os votos de vencido de Rosendo Dias José e Jorge Manuel Lopes de Sousa, apostos ao acórdão do Supremo Tribunal Administrati-vo, de 6 de dezembro de 2005 (proc. n.º 0672/05) disponível em www.dgsi.pt. Os demais acórdãos do Supremo Tribu-nal Administrativo e dos Tribunais Centrais Administrativos doravante citados encontram-se igualmente publicados neste sítio, para o qual genericamente se remete, tendo sido consultados em 29 de novembro de 2016.

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Administração e que, por isso, se vai sucessivamente firmando na ordem jurídica, se não for objecto de oportuna impugnação ou revogação.»(156)

Assim, e a fim de determinar o regime a que deve obedecer a reposição de quantias indevidamente recebidas, importa, antes de mais, identificar o tipo de «erro» que está na origem dos pagamentos indevidos: estes podem resultar de um erro material ou con-tabilístico (v.g., um mero lapso no processamento ou na liquidação, erro de cálculo ou erro informático) que reclama uma simples retificação; ou resultar de um erro quanto aos pressupostos de facto ou de direito do processamento, caso em que os vícios geradores de invalidade devem convocar o regime de anulação dos atos administrativos.(157)

No primeiro caso, crê-se não haver dúvida de que o regime de reposição de montantes indevidamente recebidos previsto no RAFE é especialmente vocacionado para a retifica-ção dos erros de cálculo ou erros materiais detetados neste tipo de atos, devendo ser afas-tada a aplicação das normas gerais sobre a retificação (artigo 174.º do CPA).

Já quando está em causa uma decisão de reposição que pressupõe um juízo sobre a invalidade dos atos que titularam os pagamentos indevidos, deve reclamar-se a devida convocação e ponderação dos interesses públicos e dos princípios jurídico-constitucio-nais que inervam o regime jurídico de anulação de atos administrativos: de um lado, o interesse público na reposição de verbas indevidamente despendidas e o princípio da juri-dicidade(158), a reclamar a reintegração da normatividade violada; do outro, os legítimos interesses e expetativas dos particulares de boa-fé, a exigir a intervenção dos princípios da tutela da confiança(159) e da segurança jurídica(160).

Não cuido aqui, note-se, de uma pura contraposição: o interesse público na remoção da invalidade não se satisfaz com a aplicação de qualquer critério de decisão que, tornando absoluto o interesse na restituição de verbas indevidamente despendidas, sacrifique a

(156) Acórdão do Pleno da Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 6 de dezembro de 2005 (proc. n.º 0672/05). Questão que se dá como «consolidada» também no acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 4/2009, de 5 de junho de 2008 (proc. n.º 01212/06). (157) Vide o Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, n.º 20/1996. Quanto à distinção entre «erro de cálculo ou material» e «erro jurídico», vide o acórdão do Pleno da Secção do Supremo Tribunal Ad-ministrativo, de 5 de julho de 2005, Proc. n.º 159/04. (158) Sobre a evolução de uma conceção de legalidade estrita para a afirmação de um princípio de juridicidade admi-nistrativa, e a relevância dos princípios jurídicos materiais como concretizações deste princípio, cf. Vieira de Andrade, José Carlos, Lições de Direito Administrativo, 2.ª Ed., Imprensa da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2011, pp. 37-42; e, também, Rebelo de Sousa, Marcelo/Salgado de Matos, André, Direito Administrativo Geral, Tomo I - Introdução e princípios fundamentais, 3.ª Ed., Lisboa, 2008, pp. 159 e ss. (159) Vide Moniz Lopes, Pedro, Princípio da Boa Fé e Decisão Administrativa, Almedina, Coimbra, 2011, pp. 397 e ss.(160) Assim, por exemplo, Robin de Andrade defende que seria «intolerável para a segurança jurídica que actos constitutivos de direitos pudessem ser anulados a qualquer momento, com fundamento na invalidade dos actos que os criaram, mesmo depois de decorrido o prazo para o recurso contencioso de tais actos», in «Revogação administrativa e a revisão do Código do Procedimento Administrativo», Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 28, Julho/Agosto de 2001, p. 45.

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legítima confiança depositada pelos particulares na estabilidade e validade dos atos ado-tados pela Administração, assim «repondo a legalidade», enquanto ofende o direito. Como sintetizavam, a propósito do recentemente revogado CPA, Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, referem que:

«se os princípios da legalidade e da prossecução do interesse público favorecem prima facie a revogação de actos administrativos ilegais ou tidos por inconvenientes, os princípios da tutela da confiança (…) e do respeito pelas posições jurídicas subjectivas dos particulares (…) podem apelar à manutenção dos mesmos actos; no mesmo sentido depõe, aliás, a função estabilizadora dos actos administrativos (…). O regime jurídico da revogação constante do CPA visa, precisamente, atingir um ponto de equilíbrio entre a necessidade de reintegração da legalidade e da boa administração e as exigências de estabilidade, segurança e previsibilidade da actuação administrativa (…).»(161)

Diversamente, o regime de reposição de quantias indevidamente recebidas consagrado no RAFE não tem no seu horizonte este «ponto de equilíbrio», próprio de um regime de anulação de atos administrativos constitutivos de direitos. Embora considere, em certos aspetos, a boa ou a má-fé do destinatário da decisão (vide o n.º 3 do artigo 38.º e o n.º 2 do artigo 39.º), não define quaisquer «condicionalismos» e não determina o momento a partir do qual os atos, ainda que inválidos, devem estabilizar-se em prol da segurança jurídica e da proteção da confiança dos destinatários. Estabelece, apenas, no n.º 1 do artigo 40.º, um prazo de prescrição que não deveria, em rigor, ser confundido com o prazo de anulação.(162)

Não obstante, a conciliação entre as disposições relativas à reposição de dinheiros públicos(163) e as normas que proibiam a anulação administrativa de atos constitutivos de direitos, após o decurso do prazo de um ano, gerou divergências no seio da jurisprudência administrativa. Acabou por se consolidar a orientação segundo a qual o prazo previsto pelo CPA deveria prevalecer, sempre que as decisões de reposição de remunerações impli-cassem uma decisão tácita quanto à validade do ato que previamente definiu o montante

(161) Rebelo de Sousa, Marcelo/Salgado de Matos, André, Direito Administrativo Geral, Tomo III - Actividade admi-nistrativa, 1.ª Ed., Lisboa, 2007, pp. 190-191.(162) Pois a exigibilidade da reposição no prazo de cinco anos depende, nestes casos, da anulação tempestiva dos atos constitutivos do direito à obtenção das prestações. Como claramente distinguia o Conselho Consultivo da Procurado-ria Geral da República, no parecer n.º 8/2000: «o reembolso das importâncias indevidamente recebidas só é exigível se os actos de processamento tiverem sido revogados nos termos legais. (…) no caso de revogação tempestiva do acto de processamento, com a consequente exigibilidade do crédito, de acordo com o disposto no nº 1 do artigo 40º do Decre-to-Lei nº 155/92, de 28 de Julho, ([34]), a obrigatoriedade de reposição das quantias indevidamente recebidas prescreve decorridos cinco anos após o seu recebimento.»(163) A questão colocou-se ainda durante a vigência do Decreto-Lei n.º 324/80, de 25 de agosto, que versava sobre a «reposição de importâncias indevidamente ou a mais recebidas dos cofres do Tesouro por quaisquer funcionários, agentes ou credores do Estado», em geral, e manteve-se com a entrada em vigor do RAFE, que revogou aquele diploma.

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remuneratório.(164) A sujeição ao prazo mais curto de um ano era, pois, a mais consonante com o que se entendia ser uma ponderação razoável dos princípios da legalidade, da segu-rança jurídica e da proteção da confiança em matéria de anulação dos atos administrativos constitutivos de direitos, quando os interessados se encontram de boa-fé.

Note-se, aliás, que uma vez que se entende que cada ato de processamento de retribui-ção constitui um ato administrativo autónomo, em caso de os atos serem praticados pela Administração com vícios geradores da respetiva anulabilidade, ao particular é concedido um prazo de três meses para os impugnar(165). Assim, quando a Administração erra no cômputo da retribuição em prejuízo do trabalhador, decorridos três meses da prática do ato, pode em teoria opor-lhe a sua inimpugnabilidade(166). Seria, pois, dificilmente justifi-cável que os mesmos atos, praticados com vícios de idêntica natureza e gravidade, adquiris-sem estabilidade no prazo de três meses, quando contestados pelos particulares, e no prazo de cinco anos, quando revistos por iniciativa da Administração.

A entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2005 (Lei n.º 55B/2004, de 30 de dezembro), que aditou o n.º 3 do artigo 40.º do RAFE, veio todavia confundir novamente o âmbito dos regimes de anulação e de reposição. E acabou por impor uma rutura com aquela que era já uma corrente jurisprudencial constante e sustentada, uma vez que no acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 4/2009, o Supremo Tribunal Administrativo veio a determinar que:

«O despacho que ordena a reposição nos cofres do Estado de quantias indevida-mente recebidas, dentro dos cinco anos posteriores ao seu recebimento, ao abrigo do art. 40º, nº 1 do DL nº 155/92, de 28 de Julho, não viola o art. 141º do Código do Procedimento Administrativo, atento o disposto no nº 3 do art. 40.º do DL nº 155/92,

(164) Visando a uniformização de jurisprudência neste sentido, vejam-se, v.g., os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 17 de dezembro de 1997 (proc. n.º 040416), de 31 de março de 1998 (proc. n.º 039625), de 31 de março 1998 (proc. n.º 039392), de 29 de abril de 1998 (proc. n.º 040276) e de 10 de novembro de 1998 (proc. n.º 041173). A posição contrária, segundo a qual o ato de processamento de remunerações, «ainda que constitutivo de direitos», poderia ser revogado para além do prazo de um ano, foi sustentada, v.g. nos acórdãos daquela instância juris-dicional de 22 de novembro de 1994 (proc. n.º 033318), de 14 de maio de 1996 (proc. n.º 039403) e de 9 de outubro de 1997 (proc. n.º 037914). (165) Que corresponde ao prazo de impugnação contenciosa pelos destinatários dos atos, previsto na alínea b), do n.º 1, do artigo 58.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, para o qual remete também o n.º 2 do artigo 193.º do novo CPA.(166) Uma vez que não é consensual que exista, também à luz do novo Código, um dever de anular os atos administra-tivos inválidos. Neste sentido, vide Vieira de Andrade, José Carlos, «A Anulação Administrativa de Actos no Código do Procedimento Administrativo Revisto», inO Novo Código do Procedimento Administrativo – Conferências do CEJ 2014-2015, Lisboa, Centro de Estudos Judiciários, 2016, p. 223. Disponível em www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/Administrativo_fiscal/eb_novo_CPCA.pdf e consultado em 25 de novembro de 2016.

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de 28 de Julho, preceito de natureza interpretativa introduzido pelo art. 77º da Lei nº 55-B/2004, de 30 de Dezembro».(167)

A esta alteração legislativa não terá sido alheia a influência do direito da União Euro-peia, o qual, em matéria de reposição de subvenções abonadas com recurso a verbas da União, opôs ao regime interno de revogação de atos administrativos a necessidade de haver prazos mais dilatados para a respetiva anulação.(168) Contudo, a jurisprudência e a doutrina(169) sempre foram alertando para a precariedade própria deste tipo de atos que, concedendo apoios ou subsídios, fazem depender tal atribuição da observação de condi-ções que só a posteriori podem ser verificadas pela Administração. Nestes casos, o bene-ficiário sabe, ou deve saber, que o direito à obtenção das prestações só poderá dar-se por consolidado se, e quando, a Administração confirmar que foram observadas as condições da sua atribuição. A este propósito, o Supremo Tribunal Administrativo salientou que: «Efectivamente, a diferença pode estar na necessidade de defender a boa-fé do beneficiá-rio», a qual impõe que se distingam estes atos daqueloutros «em que os pressupostos são reunidos na fase instrutória pela Administração e por ela analisados antes da prolação do acto final». (170)

No momento em que a Administração adota a decisão de prestar a retribuição a um trabalho estão reunidos, e podem por esta ser verificados, os pressupostos da atribuição da parte mais relevante da remuneração, ou seja, da remuneração base e dos suplementos remuneratórios de caráter permanente e de montante fixo, eventualmente abonados ao trabalhador. Quanto aos montantes que não são regularmente auferidos (tais como ajudas de custo ou subsídio de transporte) ou que dependem da prestação de um certo número de horas de trabalho efetivo (v.g., o subsídio de refeição ou o suplemento devido pela pres-tação de trabalho suplementar), apesar de serem já «verificáveis» no momento em que é definido o montante a pagar ao trabalhador, são normalmente computados em momento posterior. Efetivamente pode haver factos determinantes da realização de descontos (v.g.,

(167) Acórdão de 5 de junho de 2008, proferido no âmbito do proc. n.º 01212/06, em que estava em causa uma decisão de reposição de subsídios pagos a título de retribuição pela prestação de trabalho. Por ser de tal modo abrupta a inversão da corrente jurisprudencial prevalecente, esta solução não foi pacificamente aceite e assumida pela jurispru-dência administrativa. Em sentido crítico e sugerindo a inconstitucionalidade da norma interpretativa aplicada sem re-servas pelo Supremo Tribunal Administrativo, «por se poder reconhecer no efeito de caso decidido uma força jurídica análoga à do caso julgado (n.º 2 do artigo 205.º e n.º 3 do artigo 282.º, ambos da Constituição)». Cf.,Folque, André, Notas sobre a Revisão do Ato Administrativo no NovoCódigo, Almedina, Coimbra, 2016, p. 75.(168) Cf. o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 19 de dezembro de 2013 (proc. n.º 09849/13), e doutrina citada. (169) Cf. Vieira de Andrade, José Carlos, «A revisão dos actos de concessão de ajudas públicas – Anotação ao acórdão do STA de 20 de Outubro de 2004», Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 135.º, n.º 3934, Setembro/Outubro de 2005, pp. 60-61. (170) Excerto do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 19 de setembro de 2006 (proc. n.º 01038/05).

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por falta de assiduidade) ou do processamento esporádico de montantes a mais que os serviços nem sempre conseguem verificar oportunamente, tornando-se prática usual que aqueles se projetem na remuneração prestada, só um ou dois meses depois de terem ocorrido.

Em qualquer caso, não se vê como pode sustentar-se que estamos perante o tipo de «atos constitutivos de direitos de conteúdo pecuniário cuja legalidade, nos termos da legislação aplicável, possa ser objeto de fiscalização administrativa para além do prazo de um ano, com imposição do dever de restituição das quantias indevidamente auferidas», a que se refere a alínea c), do n.º 4, do artigo 168.º do novo CPA. Como esclarece Vieira de Andrade, a hipótese contemplada nesta alínea pressupõe «a existência de um regime legal específico de precariedade de direitos a prestações pecuniárias, na prática fundamen-talmente associado a ajudas europeias, reguladas por normas supranacionais.»(171) E não se conhece nenhum regime específico que preveja ou regulamente «a precariedade» do direito às prestações retributivas, nem tal vocação pode ser atribuída ao artigo 40.º do RAFE. Este consagra apenas um prazo de prescrição, não atribuindo à Administração a competência para, no prazo de cinco anos, apreciar se estavam ou não reunidas as condi-ções para que ao trabalhador fosse prestado um determinado montante a título de retri-buição. Como tal, a menos que se pretenda ficcionar que os atos de processamento de retribuição estão permanentemente sujeitos à condição de a Administração não ter errado na apreciação dos factos ou na interpretação e aplicação do direito, não podem estes mere-cer o tratamento que a lei reserva aos atos precários.

Parece, assim, como oportunamente defendi, que, à luz do novo Código, os atos admi-nistrativos constitutivos do direito à obtenção de prestações retributivas só poderiam ser anulados no prazo de um ano, após o qual não podem dar origem ao dever de repor (n.º 2 do artigo 168.º), salvo quando os beneficiários tenham recorrido a artifícios fraudulentos para a sua obtenção (nos termos da alínea a), do n.º 4, do artigo 168.º).

Esta posição pressupõe que a adoção de um novo regime legal de anulação de atos admi-nistrativos constitutivos de direitos, que veio consagrar soluções e prazos diferenciados

(171) Vieira de Andrade, José Carlos, «A Anulação Administrativa de Actos no Código do Procedimento Admi-nistrativo Revisto», cit., pp. 221-222. Cf.,ainda, Comentários à revisão do Código do Procedimento Administrativo, Almedina, Coimbra, 2016, pp. 358 e ss., da autoria da Comissão de revisão do CPA. Nestes Comentários afirmase claramente que «[a] alínea c) do n.º 4 vem dar satisfação à jurisprudência do TJUE sobre questões prejudiciais (…)», relacionadas com os auxílios concedidos pelos EstadosMembros e o dever de «revogar[em], se necessário ex officio, os atos administrativos que sejam inválidos ou ineficazes por violarem o Direito da União (…). Daqui se depreende que a jurisprudência prejudicial do TJUE obriga os Estados- Membros por si própria, não sendo, portanto, necessário, para o efeito, que lei nacional, neste caso concreto, o CPA, o diga. Todavia, a Comissão de revisão entendeu que seria conve-niente, por razões pedagógicas, incluir-se neste Código este preceito.» Para esta questão, este órgão do Estado já havia chamado a atenção no supracitado ofício.

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(como desde há muito alguma doutrina vinha reclamando(172)), e que expressamente expli-citou os «condicionalismos» a que deve obedecer a anulação no prazo mais dilatado de cinco anos, deveria decisivamente afastar a aplicação das disposições do RAFE. Mesmo que não se entenda, como André Folque afirma, que o n.º 3 do artigo 40.º do RAFE cadu-cou(173), mal se compreenderia que a profunda e refletida revisão do CPA quanto a este regime tivesse sido empreendida, para que tudo permanecesse inalterado: continuando a aplicar-se, por força da supracitada norma interpretativa, as normas do RAFE, mesmo quando a reposição de dinheiros públicos pressupõe a anulação de atos administrativos constitutivos de direitos, que assim ficaria «liberta» da obediência aos «condicionalis-mos» previstos no novo Código.

Também a mais recente jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo parece pressupor a prevalência das normas do novo CPA, mas em termos que não se afiguram plenamente esclarecedores. Efetivamente, apesar de se ter afirmado em acórdão de 1 de junho de 2016(174) que a «questão da aplicação do controverso n.º 3 do artigo 40.º do DL n.º 155/92» é uma «questão que, aliás, o novo CPA já veio resolver no seu artigo 168.º», também se refere que: «(uma vez que não houve revogação expressa daquela alí-nea [subentende-se, do n.º 3, do artigo 40.º do RAFE]), não parece que vá continuar a colocar-se nos tribunais da jurisdição administrativa o problema do prazo prescricional aplicável nos casos de reposição de quantias remuneratórias indevidamente pagas.»

Decorrido um ano de vigência do novo CPA temo, contudo, que o problema conti-nue a suscitar decisões e juízos administrativos divergentes, com evidente prejuízo da uni-formidade ou igualdade de tratamento destes casos pela Administração e pelos tribunais administrativos, assim como da estabilidade e previsibilidade da atuação administrativa. Está, outrossim, em causa, a equidade e razoabilidade do ordenamento jurídico, já que, também à luz de um princípio de ponderação entre o interesse público e os direitos e interesses legítimos dos particulares (n.º 1 do artigo 266.º da Constituição), é dificilmente justificável que os atos de processamento de remunerações, quando praticados em prejuízo do trabalhador e do direito à retribuição do trabalho, possam estabilizar-se no prazo de três meses, enquanto idênticos atos, padecentes de vícios de igual gravidade, se estabilizam no prazo de cinco anos quando em causa está o interesse na restituição de verbas públicas, mesmo que o beneficiário do ato esteja de boa-fé.

(172) Cf., entre outros, Vieira de Andrade, José Carlos, «A “revisão” dos actos administrativos no direito portu-guês», Legislação – Cadernos de Ciência e Legislação, INA, n.º 9/10, Janeiro/Junho de 1994, pp. 187-188 e 193-198; Robin de Andrade, José, «Revogação administrativa e a revisão do Código do Procedimento Administrativo», cit., pp. 37-49; e Calvão, Filipa Urbano, «Revogação dos actos administrativos no contexto da reforma do Código do Pro-cedimento Administrativo», Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 54, Novembro-Dezembro de 2005, pp. 34 e ss.(173) Folque, André, ob. e loc. cit.(174) Proferido no âmbito do proc. n.º 0300/14.

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Razões pelas quais recomendo a V. Exa. que adote as medidas necessárias para clarificar que o regime de anulação de atos administrativos constitutivos de direitos, consagrado no novo CPA, prevalece sobre as normas do RAFE, sempre que esteja em causa a anulação de atos constitutivos de direitos, para o que se afigura recomendável a revogação expressa do n.º 3 do artigo 40.º do RAFE e a promoção de uma interpretação adequada e uniforme das normas do novo CPA.

III — A satisfação dos créditos emergentes da reposição de verbas públicas através da compen-sação com os créditos remuneratórios

Enquanto regime de execução de decisões que impliquem a restituição de montantes indevidamente recebidos a qualquer título, o RAFE prevê que a reposição possa ser efe-tuada através de compensação, por dedução não abatida, ou por pagamento através de guia (n.º 1 do artigo 36.º), sendo certo que a compensação deve ser adotada «sempre que possível» quando os devedores sejam trabalhadores da Administração Pública (n.º 2 do mesmo artigo).(175)

Assim, para assegurar que as verbas reentram rapidamente nos cofres do Estado, os serviços tendem a proceder à compensação através da dedução das quantias a repor nas remunerações auferidas pelos trabalhadores, independentemente da natureza do abono prestado a mais ou da circunstância que gerou o dever de repor(176). Não prevendo o RAFE qualquer limite máximo para os descontos que podem ser efetuados, casos há em que os órgãos competentes determinam a dedução da totalidade da remuneração(177) ou de montantes que excedem amplamente o limite máximo de um sexto previsto nos regimes laborais (n.º 3 do artigo 174.º da LGTFP e n.º 3 do artigo 279.º do CT); ou de um terço, previsto na lei processual civil (artigo 738.º do CPC).

(175) Sobre a desejável adaptação desta norma à diversidade da organização administrativa hodierna e à prevalência da celebração de contratos individuais de trabalho em diversas pessoas coletivas administrativas — sejam estas de direito público ou de direito privado — remeto para o nosso ofício n.º 656, de 22 de janeiro de 2015, citado supra.(176) Na instrução das queixas apresentadas ao Provedor de Justiça, verificou-se que este é o procedimento adotado em situações tão distintas como a dedução de quantias relativas a faltas que foram consideradas injustificadas (procedi-mentos Q-118/14 e Q-5164/14), a restituição de prestações como o abono de família ou o subsídio por doença (proce-dimentos Q-4408/14 e Q-4936/14), a reposição dos montantes correspondentes às reduções remuneratórias impostas pelas normas orçamentais, que não foram prontamente aplicadas aos trabalhadores de pessoas coletivas administrativas de direito privado (procedimento Q749/14) e a reposição de suplementos remuneratórios atribuídos por erro quanto aos pressupostos de facto ou de direito (procedimentos Q-5178/13, Q-27/14, Q-3479/14 e Q-7569/14). (177) Modo de atuação denunciado nas queixas que deram origem aos procedimentos Q-118/14, Q-4936/14 e Q-5164/14.

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Esta prática contende abertamente com a especial proteção conferida pelo ordena-mento jurídico português aos créditos salariais(178). Relembre-se que o princípio da intan-gibilidade da retribuição preside à regra de que os créditos que o empregador detenha sobre o trabalhador não podem ser compensados com retribuição em dívida, salvo nos casos especialmente previstos (vide o n.º 2 do artigo 174.º da LGTFP e o n.º 2 do artigo 279.º do CT(179)). Ademais, a lei nega ao próprio trabalhador a possibilidade de dispor dos créditos salariais na sua totalidade (artigos 175.º da LGTFP e 280.º do CT) bem como veda aos órgãos judiciais a possibilidade de, em sede de execução, penhorar por completo as remunerações, bem como quaisquer prestações que «assegurem a subsistência do exe-cutado» (artigo 738.º do CC).

Devem, pois, ter-se por inadmissíveis, à luz do direito à retribuição e dos limites impos-tos pela garantia do mínimo necessário a uma existência condigna(180), as decisões que, visando a reposição de quantias indevidamente recebidas pelos trabalhadores, os privam da totalidade ou de uma parte excessiva dos seus rendimentos, especialmente quando recorrem à compensação com os créditos salariais.

É certo que o recurso à compensação é imposto pelo próprio RAFE, o que se justifica por razões de praticabilidade, de eficácia e de celeridade na recuperação de verbas públi-cas e pode considerar-se admitido pela alínea e), do n.º 2, do artigo 174.º da LGTFP. Mas nesse caso, há exigências acrescidas que não podem deixar de ser observadas, a fim de evitar decisões «surpresa» ou compensações «selvagens», e de modo a permitir ao trabalhador que acione os necessários meios de defesa. Assim, deve ser comunicada ao tra-balhador a intenção de assegurar a reposição através da compensação, no mesmo ato que informa o destinatário da decisão de anulação dos atos de processamento e os respetivos fundamentos (se esta for um pressuposto necessário da obrigação de repor), assim como

(178) Consagrado na alínea a), do n.º 1, do artigo 59.º da Constituição, e consensualmente reconhecido como um direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias. Cf.Gomes Canotilho, José Joaquim/Moreira, Vital, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4.ª Ed. (revista e ampliada), Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 770 e ss. (179) Sobre a mesma norma, na vigência da anterior versão do Código, sublinhou Júlio Manuel Vieira Gomes que esta «não abrange situações em que por erro o empregador tenha pago ao trabalhador um montante superior ao que era efetivamente devido já que um pagamento por erro não se enquadra na al. f) do n.º 2 do art. 270.º que respeita a “abonos ou adiantamentos por conta da retribuição”», in Direito do Trabalho, Vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 792.(180) Vide os acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 177/2002, de 23 de abril (publicado no Diário da República, n.º 150, 1.ª série, de 2 de julho de 2002) e n.º 96/2004, de 11 de fevereiro (publicado no Diário da República, n.º 72, 2.ª série, de 1 de abril de 2004), em que se reafirma que do princípio da dignidade humana, inerente ao Estado de Direito, decorre que «A qualquer executado – e não apenas àquele que se encontra numa situação de debilidade, incapacidade laboral ou desprotecção e que, por isso, recebe uma regalia social – deve ser assegurado o mínimo necessário a uma subsistência digna. Ora, esse mínimo necessário a uma subsistência digna não pode manifestamente considerar-se asse-gurado nos casos em que, não tendo o executado outros bens penhoráveis, se admite a penhora de uma parcela do seu salário e, por essa razão, o executado fica privado da disponibilidade de um montante equivalente ao salário mínimo nacional».

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do montante global das quantias a repor e da possibilidade de se opor à compensação, se o crédito for inexigível(181) ou, ainda, de se pronunciar sobre os termos e prazo em que essa será efetivada.

Ainda que o RAFE não estabeleça expressamente os limites a que deverá obedecer a redução da remuneração (com vista à extinção da obrigação de repor através da compen-sação), não deixa de prever que pode ser autorizada a reposição em prestações e, em casos especiais, que:

«o número de prestações exceda o prazo referido no número anterior [i.e., o ano económico seguinte àquele em que for proferido o despacho que autoriza a reposição em prestações], não podendo, porém, cada prestação mensal ser inferior a 5% da tota-lidade da quantia a repor, desde que não exceda 30% do vencimento base, caso em que pode ser inferior ao limite de 5%» (n.º 2, do artigo 38.º).

Este regime especial de reposição em prestações levanta, no entanto, diversos pro-blemas. Desde logo, o limite máximo de dedução de 30%, previsto no n.º 2 do artigo 38.º, não coincide com o limite de um sexto, previsto na LGTFP como limite aplicável às «compensações e descontos» (n.º 3 do artigo 174.º da LGTFP). Em segundo lugar, fica excluída a possibilidade de autorizar a reposição em prestações «quando os interessa-dos tiveram conhecimento, no momento em que receberam as quantias em causa, de que esse recebimento era indevido» (n.º 3 do artigo 38.º do RAFE). Se o primeiro problema poderá facilmente ser superado através de uma interpretação do RAFE que seja sistemá-tica e teleologicamente adequada, além de conforme à Constituição, já não se crê que a resolução do segundo problema possa prescindir de uma alteração legislativa.

Na verdade, não sendo admissível, nos casos previstos pelo n.º 3 do artigo 38.º, o paga-mento em prestações, tão-pouco pode considerar-se possível assegurar a restituição atra-vés da compensação quando esta exceda os limites de intangibilidade dos créditos salariais, devendo então o pagamento ser efetuado através de guia e observado o procedimento de execução para pagamento de quantia certa.(182) Seria, de igual jeito, até do ponto de vista do interesse público na eficiência e celeridade da reposição, permitir que os devedores que tiveram conhecimento de que o recebimento era indevido fossem autorizados a restituir os montantes devidos em prestações.

(181) Estas garantias mais não fariam do que traduzir, com as devidas adaptações, os requisitos de reciprocidade, exigibilidade e liquidez a que tradicionalmente deve obedecer a compensação, à luz do direito civil português (artigos 847.º e ss. do CC). Cf. Menezes Cordeiro, António, Da Compensação no Direito Civil e no Direito Bancário, Almedina, Coimbra, 2003, pp. 105 e ss.(182) No âmbito dos procedimentos instruídos por este órgão do Estado observou-se que algumas entidades visadas procuram justificar a dedução da totalidade da remuneração auferida pelos trabalhadores com a circunstância de os visados serem conhecedores de que o recebimento era indevido e, por isso, não ser permitida a reposição em prestações.

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É certo que através destas normas, o RAFE procura, de algum modo, sancionar o comportamento dos beneficiários da atuação administrativa, os quais tendo tido conhe-cimento do «enriquecimento» indevido,à custa do erário público, não são considerados merecedores das vantagens da reposição em prestações (n.º 3 do artigo 38.º) e da relevação da dívida (n.º 2 do artigo 39.º).

No entanto, há circunstâncias em que esta «sanção» não poderá deixar de conside-rar-se excessiva. Deve, desde logo, assinalar-se que o facto de o trabalhador estar ciente do recebimento indevido não atesta, por si só, a sua «má-fé». Em uma das queixas dirigidas a este órgão do Estado, por exemplo, relatou-se o caso de o trabalhador ter prontamente alertado os serviços para a irregularidade no processamento das suas remunerações, tendo esta perdurado após a advertência, por inércia da Administração.(183) Por outro lado, há circunstâncias em que os rendimentos do interessado são de tal modo baixos, que a repo-sição imediata da totalidade dos montantes pode constituir um sacrifício ponderoso não apenas para o interessado, mas também para o seu agregado familiar(184).

Acresce que, mesmo estando de má-fé, basta que o devedor não disponha dos meios necessários à pronta e integral reposição dos montantes indevidamente recebidos para que se deva lançar mão do processo de execução. Atendendo aos custos acrescidos que tal representa, não apenas para o trabalhador como também para o Estado, parece questioná-vel que o n.º 3 do artigo 38.º do RAFE, à luz de critérios de praticabilidade, de razoabili-dade e de eficiência, seja a solução mais adequada à prossecução do interesse na reposição de verbas públicas.

Razões pelas quais, no que se refere à compensação da obrigação de restituição do inde-vido com os créditos salariais, recomendo que o regime jurídico de reposição de dinheiros públicos contemple regras claras quanto aos deveres de comunicação da entidade empre-gadora e quanto aos limites aplicáveis à compensação, possibilitando também o paga-mento em prestações pelos devedores que tinham conhecimento de que o recebimento era indevido, assim salvaguardando o direito fundamental à retribuição e o direito a uma existência condigna.

Na expetativa de que a presente recomendação possa merecer o melhor acolhimento de Vossa Excelência, desde já agradeço que, em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 38.º do Estatuto do Provedor de Justiça, me seja transmitida nos próximos 60 dias a posição que sobre esta vier a ser assumida.

(183) Neste caso (procedimento Q-4936/2014), a remuneração base do queixoso era de € 485,00, pelo que, em virtude dos baixos rendimentos, as limitadas possibilidades de aforro tornavam particularmente onerosa a reposição imediata da totalidade dos montantes recebidos. (184) Note-se que a situação financeira ou económica do executado, bem como as previsíveis consequências económi-cas que poderão advir da execução, são circunstâncias a relevar na autorização do pagamento em prestações das dívidas exequendas no âmbito do processo tributário (artigo 196.º do CPPT, aprovado pela Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de outubro, na sua redação atual).

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b) Sugestões

Proc. Q-4482/15 Entidade visada: Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia/Espinho, E.P.E.Data: 2016/04/19Assunto: Cálculo da remuneração a descontar por adesão a greveSequência: Sugestão acolhida

Um trabalhador, enfermeiro especialista, veio contestar o modo como foi calculado o desconto da sua remuneração em virtude da sua ausência ao serviço por adesão a dois dias de greve.

Encontrando-se adstrito, de acordo com os turnos previamente estabelecidos, à presta-ção de 14 horas de serviço no primeiro dia de greve e de 8 horas no seguinte, no cálculo do desconto da sua remuneração por adesão à greve a entidade visada atendeu não ao número de dias de ausência mas sim ao número de horas de trabalho que concretamente naqueles dias deixou de prestar; ou seja, foi-lhe descontado, não o montante correspondente a dois dias do seu vencimento mensal, mas sim o valor correspondente a 22 horas de trabalho.

Apreciada a questão, este órgão do Estado concluiu que o desconto da remuneração devia ser recalculado tendo por referência a remuneração diária do trabalhador, com a consequente restituição do valor remanescente que lhe fora indevidamente descontado. Com efeito: do n.º 1 do artigo 536.º do CT, aplicável ex vi n.º 1 do artigo 4.º e do n.º 4 do artigo 393.ºda LGTFP, resulta que a ausência ao serviço por greve determina a perda do direito à remuneração correspondente ao período da respetiva adesão.

Assim, uma vez que o trabalhador não aderiu à greve por um determinado período de horas mas sim pelos dois dias em que esta ocorreu, caberia apurar, para efeitos do cálculo do correspondente desconto remuneratório, qual a sua remuneração diária.

A LGTFP, estabelecendo que «a remuneração, quando seja periódica, é paga men-salmente» (cf. n.º 2 do artigo 145.º), não só determina expressamente, no n.º 3 do artigo 155.º, que «a remuneração diária corresponde a 1/30 da remuneração mensal», como esta-tui, no número anterior, que a fórmula de cálculo do valor da remuneração horária fixada no n.º 1 «serve de base de cálculo da remuneração correspondente a qualquer outra fração de tempo de trabalho inferior ao período de trabalho diário.»

Das normas transcritas decorre que, pela adesão do trabalhador aos dois dias de greve era devido o desconto de 2/30 da sua remuneração mensal, sendo certo que não estava aqui em causa o cômputo de qualquer fração de tempo de trabalho inferior ao período de tra-balho diário.

Em face da intervenção do Provedor de Justiça, a entidade visada informou que o desconto da remuneração do trabalhador seria regularizado «tendo por referência a sua remuneração diária», tendo por isso, acolhido a sugestão.

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Proc. Q-0590/2016Entidade visada: Polícia de Segurança Pública (PSP)Data: 2016/09/15Assunto: Agentes da PSP. Proteção na parentalidade. Suplementos remuneratóriosSequência: Sugestão acolhida

Uma Associação Sindical requereu a intervenção do Provedor de Justiça relativamente à decisão de suspensão do pagamento dos suplementos de turno e de patrulha a duas agen-tes da PSP, durante a gravidez e, posteriormente, durante o período de amamentação.

Analisada a queixa apresentada, verificou-se que:1. Divisão Policial de [...], ao recusar o pagamento dos suplementos de turno e de

patrulha não acautelou os direitos que assistem às trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes, contrariamente ao que se encontra previsto no artigo 62.º do CT. As normas de proteção na parentalidade, que se aplicam transversalmente no ordenamento jurídico- -laboral preveem que:

a) Todas as trabalhadoras gozam de uma especial proteção quanto à sua segurança e saúde, pelo que lhes é vedado o exercício de atividades «que ponham em perigo a sua segurança ou saúde ou o desenvolvimento do nascituro»(185).

b) O trabalho em período noturno e o serviço de patrulha são potencialmente peri-gosos e colocam em sério risco a mãe, conjunta ou alternadamente, o nascituro. O ser-viço de patrulha, pela sua especificidade, pelo uso e porte de arma, pelo perigo real de contacto direto com terceiro agressor constitui, por si só, um risco específico da profis-são de agente policial. Pelo que há lugar a «dispensa do exercício da atividade laboral, determinada pela existência de risco específico». Não obsta, assim, ao direito à perceção dos suplementos o facto de às trabalhadoras

terem sido atribuídas «outras tarefas compatíveis com o seu estado e categoria profissio-nal» e com vista a «evitar a exposição da trabalhadora a esses riscos»(186).

1.1. Quer na situação de gravidez quer no regresso ao exercício de funções, as interes-sadas encontram-se ao abrigo das normas de defesa da parentalidade prevista nos artigos 33.º ss. do CT. O que abrange a dispensa da prestação de trabalho noturno e de trabalho em condições de risco por parte da trabalhadora grávida, puérpera ou lactante, por motivo de proteção da sua segurança e saúde(187).

(185) Cf. N.º 5 do artigo 62.º do CT.(186) Cf. Alínea b), do n.º 3, do artigo 62.º do CT. Neste caso não estamos perante uma opção do trabalhador ou de uma reafectação por interesse do empregador. Situação que daria por findo o direito aos suplementos em causa.(187) Cf. Alínea f), do n.º 1, do artigo 35.º do CT.

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1.2. A dispensa para amamentação é, aliás, válida «durante o tempo que durar a ama-mentação» e «é considerada como prestação efetiva de trabalho» também para efeitos de retribuição.(188)

No caso de uma das trabalhadoras estava ainda em causa uma situação de licença de risco clínico durante a gravidez. Foi pago subsídio em substituição da remuneração durante a licença por risco clínico durante a gravidez, cujo cálculo não teve em consi-deração os valores correspondentes aos suplementos de turno e de patrulha, entretanto suspensos. O que, reflexamente, afetou o cálculo das prestações sociais substitutivas dos rendimentos de trabalho, a cargo da Segurança Social.(189)

Foi sugerida a reposição dos valores dos suplementos suspensos e a respetiva comunica-ção à Segurança Social, para os correspondentes efeitos, sugestão que foi acolhida.

Proc. Q-2661/16 e Q-6060/15 Entidade visada: Entidades públicas empresariais (hospitais)Data: 2016/06/16 e 2016/10/25Assunto: Acidente de trabalho. Trabalhadores em funções públicas ao serviço de enti-dades públicas empresariaisSequência: Sugestão acolhida

Foi requerida a intervenção do Provedor de Justiça por trabalhadores em funções públicas, invocando que, tendo sido vítimas de acidentes de trabalho ao serviço de hos-pitais com natureza de entidades públicas empresariais, não beneficiaram da integral pro-teção que lhes era devida, em virtude de, por um lado, a CGA entender não lhe caber o ressarcimento da incapacidade permanente e, por outro, a entidade empregadora não ter transferido para uma seguradora a responsabilidade pela reparação dos danos decorrentes do acidente.

Apreciada a questão, este órgão do Estado concluiu que assistia razão à CGA, por ser aplicável o regime dos acidentes de trabalho constante do CT e da Lei n.º 98/2009, de 4 de novembro (LAT), e não o Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, que estabelece o regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais ocorridos ao ser-viço de entidades empregadoras públicas. Do regime injuntivo constante do CT e da LAT resulta que as entidades empregadoras devem transferir a responsabilidade pela reparação

(188) Cf. N.º 2 do artigo 65.º do CT.(189) O cálculo do subsídio tem em consideração os rendimentos do trabalho auferidos nos seis meses imediatamente anteriores (cf. artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 89/2009, de 9 de abril).

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dos acidentes de trabalho, sendo que, se não o tiverem feito, mantêm-se como primeiras responsáveis por tal reparação (n.º 5 do artigo 283.º do CT e artigos 7.º e 79.º da LAT).

Na verdade, na redação originária do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, determinava-se a aplicação deste regime aos trabalhadores da administração direta e indi-reta do Estado, com a qualidade de subscritor da CGA e, em consonância, excluíam-se os trabalhadores dos mesmos serviços vinculados por contrato individual de trabalho e enquadrados no regime geral da Segurança Social.

No entanto, a nova redação conferida pela Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro, ao artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, tornou necessário determinar o regime aplicável em função de fatores diferentes dos estabelecidos anteriormente. Com a nova redação, o fator determinante em matéria de acidentes de trabalho deixou de ser a natureza do vínculo laboral e o regime de proteção social aplicável, mas sim a natureza da entidade onde o trabalhador presta funções. Deste modo, o Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, passou a aplicar-se «a todos os trabalhadores que exercem funções públicas, nas modalidades de nomeação ou de contrato de trabalho em funções públicas, nos serviços da administração direta e indireta do Estado» (n.º 1 do artigo 2.º), bem como nas entidades referidas nos n.º 2 e n.º 3 do mesmo preceito.

Para este efeito e porque o legislador não distingue, deve entender-se que deixou de ser relevante a qualidade de subscritor da CGA: mesmo os trabalhadores em funções públicas, integrados nos serviços referidos nos n.ºs 1, 2 e 3, inscritos no regime da segu-rança social, passaram a ficar abrangidos pelo regime do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, em matéria de acidentes de trabalho.

Pelo contrário,

«aos trabalhadores que exerçam funções em entidades públicas empresariais ou noutras entidades não abrangidas pelo disposto nos números anteriores [qualquer que seja a modalidade de vinculação] é aplicável o regime de acidentes de trabalho previsto no Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, devendo as respetivas entidades empregadoras transferir a responsabilidade pela reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho nos termos previstos naquele Código» (n.º 4).

Também nesta situação é irrelevante o regime de proteção social, pelo que, aos traba-lhadores em funções públicas abrangidos pelo regime de proteção social convergente (e, portanto, inscritos na CGA) que desempenhem funções em entidades públicas empresa-riais e nas demais referidas no n.º 4, aplica-se o regime de acidentes de trabalho, constante do CT e da LAT.

Na mesma linha, o n.º 4 do artigo 4.º da LGTFP, dispõe igualmente que «o regime do Código do Trabalho e legislação complementar, em matéria de acidentes de trabalho e doenças profissionais, é aplicável aos trabalhadores que exercem funções públicas nas entidades referidas nas alíneas b)e c)do n.º 1 do artigo 2.º», ou seja, nas entidades públicas

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empresariais e nas entidades administrativas independentes com funções de regulação da atividade económica dos setores privado, público e cooperativo e Banco de Portugal.

Neste enquadramento, às juntas médicas da ADSE não cabe determinar a incapaci-dade temporária destes trabalhadores por motivo de acidente de trabalho, uma vez que a sua competência está prevista no Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, pelo que se restringe às situações reguladas por este diploma. Do mesmo jeito e pela mesma ordem de razões, não compete à CGA determinar a incapacidade permanente destes sinistrados, nem pagar as correspondentes prestações.

Para além da imputação da responsabilidade pela reparação do acidente às entidades empregadoras ou às seguradoras para quem aquela tenha sido transferida, da aplicação do Código do Trabalho e da LAT resulta ainda que:

a) A reparação inclui prestações em espécie – onde se incluem as de natureza médica, as de transporte e todas as demais necessárias e adequadas ao restabelecimento do estado de saúde e da capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado e à sua recuperação para a vida ativa – e prestações em dinheiro, como é o caso das indemnizações por incapacidade temporária e das pensões por incapacidade permanente (artigos 23.º e seguintes da LAT);

b) A entidade empregadora está obrigada, em curto prazo, a participar o acidente à seguradora ou ao tribunal competente, consoante tenha ou não transferido a responsabili-dade pela reparação do acidente de trabalho (artigos 87.º e 88.º da LAT).

Assim, uma vez que, nos casos submetidos à apreciação do Provedor de Justiça, a res-ponsabilidade não se encontrava transferida à data dos acidentes e os trabalhadores invo-caram não ter beneficiado integralmente da proteção que a lei lhes confere, foi sugerido às entidades públicas empresariais a participação judicial dos acidentes, a fim de que, neste âmbito, pudesse ser aferido o cumprimento dos deveres de reparação dos danos decorren-tes dos acidentes. Esta sugestão que foi acolhida.

c) Chamadas de atenção

Proc. Q-5044/15Entidade visada: Secretária de Estado Adjunta e da EducaçãoData: 2016/04/12Assunto: Retroação dos efeitos dos contratos celebrados com docentes colocados em horários anuais Sequência: Não acolhida

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Foram dirigidas ao Provedor de Justiça diversas queixas apresentadas por docentes que, nos anos escolares de 2014/2015 e 2015/2016, ficaram colocados em horários anuais, na aceção do n.º 11 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 132/2012, de 27 de junho, tal como interpretado pela DGAE (190).

Através de Notas Informativas publicadas em 3 de outubro de 2014 e em 22 de julho de 2015, estes docentes foram informados de que os contratos celebrados no âmbito da colocação em tais horários retroagiriam a 1 de setembro, para todos os efeitos, incluindo a remuneração(191). Também o Instituto de Gestão Financeira da Educação, I.P. (IGeFE), divulgou em 31.07.2015 a Nota Informativa n.º 1/IGeFE/2015, em que manifestava ade-rir ao entendimento de que «as colocações retroagem, para todos os efeitos, a 1 de setem-bro de 2014».(192)

A remuneração referente ao período entre 1 de setembro e a data em que efetivamente iniciaram funções foi, consequentemente, processada e paga a alguns dos docentes colo-cados em 2014, em horários anuais. Todavia, em agosto de 2015, o IGeFE suspendeu o pagamento de tais montantes remuneratórios aos demais docentes e já não procedeu a qualquer pagamento aos docentes colocados no ano escolar de 2015/2016.

Em novembro de 2015 viria o IGeFE a esclarecer, através de nova Nota Informativa, os motivos pelos quais decidira suspender o pagamento de tais montantes remunerató-rios(193): considerou o Instituto que, à luz do disposto no n.º 1, do artigo 145.º, da LGTFP, aos docentes colocados em horários anuais só seria devida remuneração a partir da data de efetivo início de exercício de funções – posição que a DGAE viria posteriormente a subscrever.

A adoção de novas orientações interpretativas pela Administração Educativa não foi sustentada pela convicção de ser contrária à lei a interpretação anteriormente defendida pelas mesmas entidades. Aliás, analisadas as pertinentes normas legais, foi possível con-cluir que ambas as orientações interpretativas poderiam encontrar respaldo no direito em vigor. Na verdade, atendendo às especificidades das funções docentes e à complexidade dos procedimentos anuais de recrutamento e seleção – cuja morosidade é frequentemente imputável à Administração –, não repugnaria considerar que a remuneração do período anterior à data de colocação visava retribuir a disponibilidade para o exercício de funções e

(190) A qual emitiu orientações no sentido de serem considerados anuais todos os horários cujo preenchimento hou-vesse sido solicitado pelas escolas até ao último dia estabelecido pelo calendário escolar para o início das aulas.(191) Vide as Notas Informativas da DGAE de 3.10.2014 e de 22.07.2015, disponíveis em http://www.dgae.mec.pt/web/14654/192 (consultado em 10.01.2017).(192) Documento disponível em: http://www.igefe.mec.pt/uploads/files/NOTAINF_1_IGeFE_2015_V3.pdf (consultado em 10.01.2017).(193) Através da Nota Informativa n.º 3/IGeFE/DGRH/2015, que se encontra publicada em: http://www.igefe.mec.pt/uploads/files/Nota_informativa_n3_igefe_2015_vf.pdf (consultado em 10.01.2017).

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a necessária preparação do ano escolar, justificando-se a prevalência de um regime especial, face ao regime geral dos trabalhadores com vínculo de emprego público.

Assim, foram simplesmente adotadas e imediatamente aplicadas pela Administração Escolar orientações contraditórias com as previamente divulgadas - em momento em que já haviam sido retificados os contratos celebrados com os docentes colocados em 2014; já havia sido autorizado o pagamento das remunerações devidas a alguns dos docentes nessas circunstâncias; já havia sido emitida pela DGAE nova Nota Informativa segundo a qual tal interpretação se manteria no novo ano escolar; e já havia decorrido mais de um mês desde o seu início.

Ora - ainda que se entenda que à Administração não pode ser vedada a possibilidade de rever e alterar os critérios e orientações adotados, v.g., sobre a mais adequada inter-pretação do direito vigente -, é claro que da alteração em apreço resultou a frustração da confiança legitimamente depositada pelos docentes na informação veiculada, formal e publicamente, pela Administração Escolar; bem como uma arbitrária diferenciação de tratamento entre os docentes aos quais foram prestados, até agosto de 2015, os montantes retributivos em questão, e os docentes igualmente colocados em horários anuais em 2014, cuja situação não foi regularizada até essa data.

Todavia, apesar de este órgão do Estado ter apelado a que fossem devidamente observa-dos os princípios jurídicos da boa-fé, da proteção da confiança e da igualdade, a Adminis-tração Educativa manifestou-se indisponível para prestar os montantes retributivos que, em 2014, se comprometera a pagar aos docentes.

Proc. Q-6520/15 Entidade visada: Centro Hospitalar Psiquiátrico de LisboaData: 2016/04/12Assunto: Sucessão de contratos de trabalho. Cessação de funções. Indemnização por incumprimento do prazo de aviso prévioSequência: Questão, entretanto, sujeita a apreciação judicial

O Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa (CHPL) exigiu o pagamento de uma indemnização por incumprimento do prazo de aviso prévio legalmente estabelecido em caso de denúncia do contrato de trabalho a vários trabalhadores que ali cessaram funções, em virtude de, em resultado de procedimentos concursais a que se candidataram, terem passado a ocupar postos de trabalho noutros serviços da Administração Pública.

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Apreciada a questão na sequência de queixas apresentadas junto deste órgão do Estado, verificou-se que o pagamento da indemnização em causa – estatuído no artigo 306.º da LTFP –, apenas se mostra devido nos casos de extinção do vínculo de emprego público.

Na verdade, se já na vigência da LVCR e da Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro, que aprovou o Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas (RCTFP), se entendia que na situação em apreço não havia lugar à observância do aviso prévio estabelecido para os casos de denúncia do contrato, atualmente a questão deixou de oferecer controvérsia à luz do que a este propósito veio dispor a LGTFP.

Isto porque — e ao contrário do que antes sucedia — a LGTFP, dispondo no n.º 1 do artigo 25.º que «o empregador público é o Estado ou outra pessoa coletiva pública que constitui vínculos de emprego público nos termos da presente lei», veio estabele-cer expressamente, no n.º 2 do mesmo artigo, que «há sucessão na posição jurídica de empregador público quando um trabalhador com vínculo de emprego público com uma pessoa coletiva pública passa a exercer a sua atividade a título definitivo para outra pessoa coletiva pública que esteja sujeita à presente lei.».

Nestes termos, tendo as entidades onde os trabalhadores passaram a exercer funções sucedido ao CHPL na posição jurídica do empregador público, com a ocupação do novo posto de trabalho verificou-se uma mera modificação da relação jurídico-funcional daque-les, mantendo-se a relação jurídica de emprego público anteriormente constituída.

Assim, na inexistência de fundamento legal que legitime o pagamento da indemniza-ção que aos trabalhadores foi exigida, foi a entidade visada instada a determinar a devolu-ção dos montantes que a esse título lhes foram indevidamente cobrados.

Porém, o CHPL veio comunicar que a matéria seria discutida em sede judicial na sequência de ações entretanto interpostas.

Proc. Q-5978/16Entidade visada: Câmara Municipal de MafraData: 2016/12/06Assunto: Utilização de informação extraída de dispositivos de geolocalização (GPS) para controlo do desempenho profissional de trabalhadorSequência: Sem objeção do destinatário

A queixa que deu origem a este procedimento relatava um episódio, ocorrido na Câmara Municipal de Mafra, em que um trabalhador havia sido confrontado com dados extraídos de um equipamento de geolocalização do tipo «GPS» (Global Positioning

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System), instalado no veículo do Município por si utilizado e que contraditavam as decla-rações do trabalhador vertidas em um relatório de atividades.

A vulgarização da instalação de equipamentos do tipo «GPS», em diversos instru-mentos de trabalho colocados à disposição dos trabalhadores pelos empregadores (v.g., telemóveis, tablets, computadores pessoais, automóveis), já levou a Comissão Nacional de Proteção de Dados a emitir deliberação(194) em que clarifica que se deve ter por proibida — nos termos do artigo 20.º do CT(195) — a utilização deste tipo de dispositivos para con-trolo do desempenho dos trabalhadores. Desta orientação interpretativa não deixou tam-bém aquela Comissão de extrair as devidas consequências em matéria disciplinar(196),(197).

Tendo sido possível apurar que o queixoso não era ainda visado em qualquer procedi-mento disciplinar, o Provedor de Justiça não deixou de chamar a atenção do Município para a circunstância de os dispositivos «GPS» deverem ser considerados «meios de vigi-lância à distância», cuja utilização é vedada às entidades empregadoras para efeitos do controlo do desempenho profissional dos trabalhadores e, por maioria de razão, inidónea para substanciar a adoção de qualquer medida disciplinar.

4.2. Tomadas de posição de não provimento de queixa

Proc. Q-7605/14 e outrosEntidade visada: VáriasData: 2016/09/26Assunto: Reflexo no direito a férias das faltas dadas por motivo de doença prolongada

(194) Referimo-nos à deliberação n.º 7680/2014, publicada em https://www.cnpd.pt/bin/orientacoes/DEL_7680-2014_GEO_LABORAL.pdf (195) Aplicável aos trabalhadores em funções públicas por força do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 4.º da LGTFP.(196) Vide a deliberação n.º 1015/2015 da Comissão Nacional de Proteção de Dados, que foi adotada na sequência de uma queixa apresentada contra uma Sociedade Anónima que havia baseado a aplicação de sanções disciplinares em dados extraídos de dispositivos GPS. A deliberação encontra-se publicada em: https://www.cnpd.pt/bin/decisoes/Delib/20_1015_2015.pdf(197) Este entendimento tem encontrado acolhimento em alguma jurisprudência, não obstante, em acórdão de 13 de novembro de 2013, proferido no âmbito do Proc. n.º 73/12.3TTVNF.P1.S1, o Supremo Tribunal de Justiça ter enten-dido que «um “dispositivo de GPS” instalado, pelo empregador, em veículo automóvel utilizado pelo seu trabalhador no exercício das respetivas funções, não pode ser qualificado como meio de vigilância à distância no local de trabalho». Em sentido divergente, vejam-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 3 de março de 2016, proferido no âmbito do Proc. n.º 20/14.7T8VRL.G1; e o Acórdão de 22 de abril de 2013, do Tribunal da Relação do Porto, proferido no Proc. n.º 73/12.3TTVNF.P1. Todos os acórdãos se encontram disponíveis em www.dgsi.pt

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A apreciação de um número considerável de queixas de trabalhadores em funções públicas abrangidos pelo regime de proteção social convergente sobre os efeitos das faltas por doença prolongada no seu direito a férias permitiu verificar a existência de divergên-cias de atuação dos serviços da Administração. Entendiam os queixosos que durante a sua ausência por doença prolongada continuariam a vencer férias no dia 1 de janeiro de cada ano, tendo direito ao seu gozo total aquando do regresso ao trabalho.

O regime de faltas por doença e a sua repercussão no direito a férias dos trabalhadores com vínculo de emprego público regia-se pelo Decreto-Lei n.º 100/99, de 31 de março, à luz do qual foi permitida a acumulação de dias de férias não gozados por motivo de doença prolongada. Este regime conheceu alterações substanciais com a entrada em vigor do RCTFP, a partir de 1 de janeiro de 2009, momento em que aquele diploma deixou de ser genericamente aplicável aos trabalhadores que, nos termos do n.º 4 do artigo 88.º da LVCR, transitaram para o regime do contrato de trabalho em funções públicas, man-tendo a sua aplicação, no que ora releva, em matéria de direito à remuneração, justifica-ção, verificação e efeitos das faltas por doença (cf. n.º 2 e n.º 3 do artigo 19.º da Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro, na sua redação inicial).

As normas do Decreto-Lei n.º 100/99, de 31 de março, que dispunham sobre férias — designadamente sobre a sua acumulação — não se subsumiam no elenco das matérias res-salvadas por aqueles preceitos, deixando, por isso, de ser aplicáveis. Por outro lado, man-tendo-se o regime anteriormente aplicável na doença, a ausência ao trabalho não conduzia à suspensão do contrato, ditada pelo n.º 1 do artigo 232.º do RCTFP, segundo o qual «determina a suspensão do contrato o impedimento temporário por facto não imputável ao trabalhador que se prolongue por mais de um mês, nomeadamente doença»(198). Por esta razão, não havia lugar à aplicação do disposto no artigo 179.º do RCTFP, que esta-belecia os efeitos, nas férias, da suspensão do contrato, continuando os trabalhadores – ao contrário do que sucederia se o contrato de trabalho estivesse suspenso – a vencer férias no início de cada ano, independentemente da ausência de serviço efetivamente prestado. A acumulação das férias ficou, no entanto, sujeita às limitações prescritas no artigo 175.º do RCTFP, de acordo com o qual não é permitida a acumulação de férias relativas a anos anteriores.

Face à redação introduzida pelo artigo 4.º da Lei n.º 66/2012, o n.º 6 do artigo 19.º da Lei n.º 59/2008 passou a determinar que:

«até à regulamentação do regime de proteção social convergente na eventualidade de doença, no caso de faltas por doença, se o impedimento se prolongar efetiva ou

(198) Neste sentido, na sua redação original o n.º 5 do artigo 19.º do RCTFP determinava que «o disposto no n.º1 do artigo 232.º do Regime, quando a suspensão resultar de doença, aplica-se aos trabalhadores referidos nos n.os 2 e 3 a partir da data da entrada em vigor dos diplomas previstos no número anterior», ou seja, a partir da regulamentação da doença no âmbito do regime de proteção social convergente, o que, até ao presente, não ocorreu.

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previsivelmente para além de um mês, aplica-se aos trabalhadores referidos nos n.o 2 e n.º 3(199) os efeitos no direito a férias estabelecidos no artigo 179.º do Regime(200) para os trabalhadores a que se refere o n.º 1 com contrato suspenso por motivo de doença».

Deste modo, a partir de 1 de janeiro de 2013(201), relativamente aos trabalhadores que se encontrassem a faltar por doença e cujo impedimento se prolongasse efetiva ou pre-visivelmente para além de um mês, havia lugar à aplicação dos efeitos estabelecidos no artigo 179.º do RCTFP. Neste contexto, os trabalhadores que, no início de cada ano civil se encontrassem ausentes por doença há mais de um mês(202), não venciam férias, sem pre-juízo da remuneração a que teriam eventualmente direito, correspondente ao período de férias vencido e não gozado no ano em que se iniciara o período da ausência prolongada por doença.

Com a entrada em vigor da LGTFP, o regime dos efeitos das faltas por doença no direito a férias dos trabalhadores sujeitos ao regime de proteção social convergente pres-tou-se a controvérsia: se, por um lado, se reproduziu, no essencial, o regime de faltas por doença que constava do Decreto-Lei n.º 100/99(203), 31 de março, por outro não se man-teve a ressalva que havia sido introduzida pela Lei n.º 66/2012, 31 de dezembro, agora revogada, traduzida na aplicação dos efeitos da suspensão do contrato no direito a férias.

Face a esta circunstância, colocou-se a questão de saber se o regime das faltas por doença dos trabalhadores abrangidos pelo regime de proteção social convergente, hoje contido nos artigos 15.º a 41.º da LGTFP face à sua especificidade, obstava a que, nas ausências prolongadas por doença, se operasse a suspensão do contrato (conforme pre-visto no artigo 278.º da LGTFP) e, em consequência, se produzissem os efeitos dessa vicis-situde no direito a férias, previstos no artigo 129.º da LGTFP, em termos idênticos aos estatuídos no artigo 179.º do RCTFP.

O Provedor de Justiça considerou fundada a posição assumida pela Administração, por entender que os artigos 15.º a 41.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, apenas afastam as normas da LGTFP e do CT que disciplinam as mesmas matérias(204), pelo que, nada dispondo aqueles artigos sobre os efeitos das faltas por doença que se prolongue por mais de trinta dias, a disposição do artigo 278.º da LGFTP, que determina a suspensão do vín-culo de emprego público por impedimento respeitante ao trabalhador, aplica-se a todos os trabalhadores em funções públicas, independentemente do regime de proteção social a

(199) Trata-se dos trabalhadores abrangidos peloregime de proteção social convergente.(200) O Regime é o RCTFP publicado como anexo I da Lei nº 59/2008, 11 de setembro.(201) Data da entrada em vigor da Lei n.º 66/2012, 31 de dezembro.(202) Ou, antes desse momento, quando fosse previsível que a doença viesse a ter essa duração.(203) Mediante a reprodução grosso modo, nos artigos 15.º a 40.º do diploma preambular, dos artigos 29.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 100/99, 31 de março.(204) Designadamente, no que respeita a remunerações, contribuições das entidades empregadoras, justificação e verificação da doença.

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que se encontram sujeitos. Este entendimento é, aliás, o que melhor atende à progressiva convergência de regimes laborais que tem vindo a ser concretizada desde a entrada em vigor do RCTFP e, em particular nesta matéria, pela Lei n.º 66/2012, 31 de dezembro.

Não obstante, reconhecendo-se que o regime da LGTFP pode prestar-se a dúvidas de aplicação, entendeu este órgão do Estado sugerir à Secretária de Estado da Administração Pública a alteração da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, no sentido de:

a) Clarificar os efeitos das faltas por doença nas férias dos trabalhadores integrados no regime de proteção social convergente;

b) Harmonizar os efeitos das faltas por doença dos trabalhadores em funções públicas, eliminando distinções baseadas no regime de proteção social que lhes é aplicável, designa-damente em matéria de antiguidade.

Em resposta, a entidade visada informou sufragar o entendimento da Direção-Geral da Administração e do Emprego Público (DGAEP), de que resulta clara a aplicação dos artigos 129.º e 278.º da LTFP, sendo desnecessária a alteração legislativa sugerida. Mais informou que, no tocante à harmonização dos efeitos das faltas por doença na antigui-dade, «a revogação do n.º 6 do artigo 15.º da Lei n.º 35/2014 se encontra prevista na proposta de lei de alteração à LTFP, em apreciação no Parlamento».

Proc. Q-1073/16Entidade visada: Direção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços MarítimosData: 2016/02/29Assunto: Recrutamento para cargo de direção intermédia de 2.º grau. Notificações

Uma candidata a concurso para recrutamento de titular de cargo de direção intermé-dia(205) apresentou queixa ao Provedor de Justiça, alegando, em síntese, que, desde a admis-são da respetiva candidatura, não havia tido qualquer notícia acerca do respetivo proce-dimento, nem havia sido notificada para a realização da entrevista pública, que é aqui um método de seleção obrigatório.

A queixa foi instruída junto da presidente do júri, fundamentalmente, no sentido de se apurar qual o procedimento seguido em matéria de notificação dos candidatos e, em concreto, se a queixosa tinha sido notificada das deliberações pertinentes.

No âmbito da instrução do procedimento, confirmou-se assim que, no caso, foi deci-dido que os candidatos admitidos à fase de entrevista pública seriam convocados por cor-reio eletrónico; e que a queixosa, incluída entre aqueles, fora de facto convocada para

(205) Cf. Aviso n.º 11690/2015, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 200, de 13 de outubro de 2015.

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a realização daquele método, através de mensagem de correio eletrónico enviada com antecedência razoável para a caixa postal eletrónica institucional do organismo em que ela trabalhava no momento da candidatura e que, para ulterior contacto, indicara, muito embora não se pudessem já, na altura, recuperar os recibos eletrónicos correspondentes. E por que não compareceu na data e hora marcadas, acabou por ser excluída, sendo disso notificada por ofício registado, enviado para o endereço postal respetivo, mas que não foi levantado.

Entretanto, foi ainda apurado que a queixosa, já depois de se candidatar a este con-curso, passou a ocupar, em regime de mobilidade, posto de trabalho em outro organismo público, sem que haja comunicado ao júri esta alteração, assim como não transmitiu a sua nova caixa postal eletrónica.

Apreciados todos estes elementos no quadro legal pertinente, ponderou-se, no funda-mental, o seguinte:

a) A notificação eletrónica, mesmo através do correio eletrónico simples, constitui uma forma legal de notificação no âmbito dos concursos para recrutamento de trabalhadores públicos (cf. n.º 1 do artigo 63.º, alínea c), n.º 1, e n.º 2 do artigo 112.º e n.º 5 e n.º 6 do artigo 113.º, todos do CPA, e alínea a), n.º 3, do artigo 30.º e n.º 2 do artigo 33.º da Por-taria n.º 83-A/2009, de 22 de janeiro, na versão dada pela Portaria n.º 145-A/2011, de 6 de abril(206)).

b) A queixosa, no processo de candidatura, indicou expressamente uma caixa postal eletrónica para contacto, assim consentindo na utilização desta forma de comunicação no âmbito do concurso em questão.

c) Não se pode, portanto, censurar a opção do júri de a convocar para a realização da entrevista pública, utilizando para o efeito aquela única caixa postal eletrónica de que dispunha.

d) Não obstante, é forçoso concluir que tal notificação não foi eficaz. E isto porque, na verdade, não comprovou o júri e, em bom rigor, nem se verificou o acesso da queixosa «ao específico correio enviado» para aquela caixa postal eletrónica.

e) De todo o modo, a falta de eficácia dessa notificação mostrou-se, em concreto, inoponível ao júri do concurso. Isto porque a queixosa, estando já ao tempo do envio daquela notificação em funções em um diferente organismo público, não comunicou ao júri esta alteração, nem indicou outra caixa postal eletrónica. Assim, tendo sido utilizada uma forma de notificação legalmente admitida e sido esta corretamente endereçada, o seu não recebimento, exclusivamente da responsabilidade da queixosa, acaba por não merecer tutela jurídica.

(206) Na alínea a), do n.º 3, do artigo 30.º da Portaria n.º 83-A/2009, de 22 de janeiro, exige-se «e-mail com recibo de entrega da notificação». Dos n.º 5 e n.º 6 do artigo 113.º do CPA resulta que a notificação por correio eletrónico deve considerar-se efetuada no «momento em que o destinatário aceda ao específico correio enviado para a sua caixa postal eletrónica»; ou, em caso de ausência à caixa postal eletrónica, «no vigésimo quinto dia posterior ao seu envio».

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f ) Quanto à notificação da exclusão, fundada na falta de comparência à entrevista pública, ela foi legalmente promovida através de carta registada (cf. alínea a), n.º 1, do artigo 112.º do CPA e alínea b), n.º 2, do artigo 30.º da citada Portaria n.º 83-A/2009).

g) A notificação por carta registada presume-se efetuada no terceiro dia posterior ao registo ou, quando este não seja dia útil, no primeiro dia útil que se lhe siga (cf. n.º 1 do artigo 113.º do CPA).

h) No caso concreto, dado que a carta foi devolvida com as menções «Entrega não conseguida» e «Objeto não reclamado. Devolvido», poder-se-ia discutir se tal presun-ção operaria, pois que, comprovadamente, não se verificou a efetiva receção da mesma.(207) Acontece que essa discussão mostrou-se em concreto prejudicada sob o ponto de vista da posição da queixosa no concurso. Isto porque, como dito, é desde logo inoponível ao júri a ineficácia da notificação para a comparência na entrevista de seleção; e, em sede concursal, a falta de comparência a um método de seleção constituiu fundamento válido e inatacável para a exclusão.

Deste modo, muito embora não haja sido garantida, neste concurso, a perfeição das notificações efetuadas à queixosa, concluiu-se pela inutilidade de outra intervenção deste órgão do Estado na perspetiva da tutela da posição da mesma neste concurso.

Sem prejuízo, e tendo em vista futuros concursos de recrutamento de trabalhadores públicos, foi dirigido ofício ao júri do concurso em questão, sublinhando a necessidade de ser sempre garantida a perfeição das notificações dos que neles são candidatos (cf. a propósito, os n.º 3 do artigo 268.º CRP, artigo 113.º do CPA e n.º 3 do artigo 30.º e n.º 1 do artigo 31.º da Portaria n.º 83-A/2009, de 22 de janeiro).

(207) Vide, a este respeito, a posição defendida pela doutrina e firmada pela jurisprudência na vigência do artigo 70.º do anterior CPA, que não exigia expressamente a notificação por carta registada. De acordo com essa posição, nos procedimentos desta natureza havia que aplicar a regra da notificação por carta registada, consagrada no artigo 254.º do CPC (hoje, artigo 249.º), por ser a que oferecia garantias da possibilidade do seu conhecimento pelo destinatário. Todavia, nestes procedimentos, não havia já que aplicar a presunção legal estabelecida na mesma sede de que a notificação produz efeitos mesmo se o expediente vier devolvido, desde que a remessa tenha sido feita para a residência ou a sede da parte ou para o domicílio escolhido para o efeito, considerando, em síntese: a) a função de garantia da notificação e o facto de não se verificar a “situação objetiva de certeza legal da cognoscibilidade do acto notificando”; b) essa presunção só pode valer nos processos em que o Código do Processo Civil se aplica direta ou subsidiariamente. Cf. Esteves de Oliveira, Mário; Costa Gonçalves, Pedro e Pacheco de Amorim, João, em Código do Procedimento Administrativo – Comentado, 2.ª Ed., Livraria Almedina, Coimbra, 1997, p. 361, e Acórdão da 2.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo de 14 de janeiro de 2015, proferido no processo 01618/13, onde se cita o Acórdão do mesmo Tribunal de 1 de outubro de 2008, relativo ao processo n.º 0337/08, ambos disponíveis em ww.dgsi.pt

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Proc. Q-1379/16Entidade visada: Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP)Data: 2016/04/27Assunto: Guarda prisional. Exclusão de procedimento concursal. Altura mínima. Mudança de sexo na pendência do procedimento

Um candidato a um concurso para o exercício de funções de guarda prisional foi excluído por, na pendência do concurso, ter concluído procedimento de mudança de sexo e de nome próprio no registo civil. Entendeu o júri que o mesmo não podia manter-se como candidato ao concurso para postos de trabalho a preencher por elementos do sexo feminino, a que se havia candidatado, por não preencher um dos requisitos e que o júri não podia oficiosamente alterar a sua candidatura para o concurso concomitante dirigido a postos de trabalho de guardas do sexo masculino. O júri considerou ainda que, mesmo que assim não se entendesse, o candidato não cumpria o requisito de altura mínima exi-gida aos guardas masculinos (1,65m) por deter a altura de 1,60m, limite mínimo reque-rido para a candidatura a guarda do sexo feminino.

O queixoso invocou que a sua situação deveria merecer tratamento diverso por revestir natureza específica, não expressamente prevista no regime que regula o referido procedi-mento concursal.

Apreciada a queixa, bem como a decisão do júri do concurso, foi considerado que, inde-pendentemente da questão de saber se, após a mudança de sexo, era exigível ao júri consi-derar a candidatura no âmbito do procedimento dirigido a candidatos do sexo masculino, o certo é que tal candidatura não poderia deixar de ser objeto de decisão de exclusão por falta de cumprimento de um dos requisitos de admissão ao concurso: a altura mínima. Na verdade, o aviso de abertura do concurso(208), em conformidade com o disposto no artigo 36.º do Estatuto do Pessoal do Corpo da Guarda Prisional, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 3/2014, de 9 de janeiro, incluía, entre os requisitos gerais de admissão ao concurso, a altura mínima de 1,60m ou 1,65m de altura, respetivamente, para os candidatos de sexo feminino e do sexo masculino. Tendo o candidato a altura de 1,60m, não poderia manter--se no concurso para guarda prisional masculino.

Este órgão do Estado ponderou, ainda, no que respeita à necessidade de cumprimento da condição relativa à altura, não se vislumbrar fundamento válido para conferir trata-mento diferenciado aos casos de transexualidade, conforme se defendeu na queixa. Trata--se de condição estritamente ligada às exigências da função, exigências que são acrescidas nos casos de guardas prisionais masculinos por força das características da comunidade prisional cuja segurança têm de garantir; ou seja, a todos os guardas prisionais masculi-nos são exigidas as mesmas condições físicas essenciais ao cumprimento das suas funções.

(208) Aviso n.º 12655/2014, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 12 de novembro de 2014.

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Sendo esta a razão de ser da previsão de uma altura mínima, aquele factor (a transexua-lidade) não assume relevância, pelo que não pode constituir fundamento para a previsão de condições físicas distintas, isto é, para a determinação de um tratamento diferenciado.

5. Direitos à justiça e à segurança

5.1. Tomadas de posição favoráveis aos queixosos

a) Recomendações

Recomendação n.º 2/A/2016Proc. Q-4042/15Entidade visada: Presidente da Câmara Municipal de Lisboa (CML)Data: 2016/07/20Assunto: Veículos de combustão em pontos de abastecimento de viaturas elétricas. Sinalização. Estacionamento em locais revestidos de especial perigosidade ou com grave perturbação para o trânsito. Articulação entre entidades fiscalizadorasSequência: Acatada

Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a), do n.º 1, do artigo 20.º da Lei n.º 9/91, de 9 de abril, na redação dada pela Lei n.º 17/2013, de 18 de fevereiro, e em face das motivações seguidamente apresentadas, recomendo a V. Exa. que:

i) Seja colocada sinalização para o estacionamento de veículos em todos os pontos de abastecimento de viaturas elétricas no concelho de Lisboa, nos termos determinados pelo Regulamento de Sinalização de Trânsito;

ii) Seja realizado o inventário dos pontos de abastecimento elétrico na cidade de Lis-boa, em conformidade com o disposto no regime jurídico da mobilidade elétrica;

iii) Seja definido e concretizado o procedimento de atuação que assegure a imediata comparência de membro de órgão de polícia no local onde tenha sido sinalizado o esta-cionamento indevido especialmente perigoso ou com grave perturbação para o trânsito, ainda que não seja, desde logo, possível a remoção legalmente prevista;

iv) A definição e a operacionalização dos procedimentos para tal necessários se façam assegurando a articulação da EMEL, e da Polícia Municipal com a PSP;

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v) No prazo de 180 (cento e oitenta) dias sejam uniformizados os procedimentos e a sis-tematização das matérias acima elencadas, através de postura ou regulamento municipal.

É a seguinte a motivação da minha Recomendação:

§ 1.º A Queixa

O assunto trazido à minha apreciação radica em uma situação ocorrida no mês de junho de 2015, durante o período noturno, motivando pedido de intervenção da 2.ª Esquadra de Lisboa da PSP, junto ao Cais do Sodré.

Uma vez relatado telefonicamente o estacionamento indevido de veículo de combus-tão em ponto de abastecimento para viaturas elétricas, a queixosa foi informada de que seria acionado, no imediato, reboque para proceder à competente remoção, solicitando--se, contudo, a sua permanência no local para efeitos de identificação. O reboque, con-tudo, nunca chegou ao local.

Em consequência da queixa formulada, resultou clara a deficiente articulação entre as diferentes entidades fiscalizadoras, maxime no que respeita à verificação do estaciona-mento indevido de veículos em locais exclusivamente destinados a viaturas elétricas.

§ 2.º A Instrução do Procedimento

Em sede instrutória, foram solicitados esclarecimentos à Direção Nacional da PSP, à Polícia Municipal de Lisboa e à EMEL, com especial enfoque para os seguintes pontos:

a) Atuação em matéria de fiscalização de pontos de abastecimento de veículos elétricos e eventual articulação com restantes entidades para remoção de viaturas indevidamente estacionadas, na área concelhia de Lisboa;

b) Modelo de articulação com as restantes entidades fiscalizadoras;c) Existência de mecanismos informáticos de identificação e acesso aos diversos pontos

de abastecimento localizados no município.A Direção Nacional da PSP(209)transmitiu que a consequência jurídica da prática de

uma infração consubstanciada no estacionamento em terminais de abastecimento exclusi-vamente destinados a viaturas elétricas produzirá apenas a aplicação de uma coima e não a remoção do veículo, sempre que aí inexistir o uso da correta sinalização, não se afigurando subsumível o caso sub judice ao artigo 164.º do CE.

A Polícia Municipal(210) defendeu que «não se afigura legítimo proceder à remoção de veículos indevidamente estacionados, por não existir previsibilidade no artigo 164.° do Código da Estrada, sendo aqueles apenas autuados, com a coima no valor de 19,95€ a 99,76€, prevista no artigo 24.° do Regulamento de Sinalização do Trânsito».

(209) Comunicação escrita datada de 5 de fevereiro de 2016.(210) Resposta circunstanciada de 2 de novembro de 2015 (ofício n.º 052044.15.5.1).

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Por fim, a EMEL(211) aduziu que:

«sempre que o ponto de abastecimento para veículos elétricos se encontre em zona de estacionamento sob gestão, e o local se apresente devidamente sinalizado como exclusivo para veículos em abastecimento elétrico, os agentes de fiscalização de estacio-namento procedem à autuação do veículo em infração, e podem, nos termos e com fun-damento no artigo 164.º, n.º 2, al. g), do Código da Estrada, promover à sua remoção».

Acrescenta a Empresa que:

«muitos dos lugares de estacionamento junto aos pontos de abastecimento para veí-culos elétricos não se encontram com a sinalização vertical a privatizar o espaço para veículos elétricos em carga, ou a proibir o estacionamento exceto a veículos para aquele efeito, o que impede a atuação da EMEL por falta de fundamento legal para o efeito».

No tocante ao modelo de articulação com as restantes entidades fiscalizadoras (v.g., Polícia Municipal e EMEL), a Direção Nacional da PSPesclareceu que qualquer tipo de intervenção decorria do regime previsto no Regulamento de Estacionamento na Cidade de Lisboa (quanto à EMEL) e no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de feve-reiro (quanto à Polícia Municipal).

Por seu lado, a Polícia Municipal de Lisboa reconheceu um défice de articulação com os restantes organismos, em razão da autonomia procedimental que lhe é reconhecida, divulgando que não possui «qualquer mecanismo informático de identificação e acesso aos diversos pontos de abastecimento existentes em Lisboa bem como a sua localização».

No exercício da respetiva atividade de fiscalização do estacionamento na cidade de Lis-boa, referiu a EMEL que atua em articulação com a PSP e a Polícia Municipal, havendo contactos privilegiados entre todas as entidades mencionadas.

Relativamente a eventuais mecanismos informáticos de identificação e acesso aos diversos pontos de abastecimento localizados no município de Lisboa, todas as entidades visadas informaram desconhecer a existência de instrumentos suscetíveis de possibilitar a localização dos diversos terminais, em tempo real, desde o início das operações de remo-ção ao consequente depósito nos parques destinados a esse efeito.

Sem embargo, a instrução do procedimento permitiu verificar a existência de atuações, nem sempre concertadas, por parte dos órgãos que procedem à fiscalização do estacio-namento de veículos em pontos de abastecimento exclusivamente destinados a viaturas elétricas, designadamente, da PSP e da Polícia Municipal.

(211) Comunicação com data de 20 de janeiro de 2016.

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Muito embora subsista a mesma unidade telefónica de atendimento(212), verificou-se que o processamento das chamadas não se efetiva de forma coordenada, dependendo, acima de tudo, da celeridade e prioridade conferida por cada uma das sobreditas entidades à situação concreta.

Por outro lado, ainda que a CML realize reuniões periódicas com a PSP e a Polícia Municipal para tratamento de questões relacionadas com o trânsito na cidade, não terá sido ainda abordada a necessidade de proceder à devida articulação interinstitucional para uma resolução mais célere e eficaz dos problemas suscitados neste âmbito.

Ademais, justificar-se-á o envolvimento da EMEL no sobredito processo de colabora-ção, atentas as respetivas competências em matéria de fiscalização de estacionamento na cidade de Lisboa, em decorrência do disposto no Regulamento de Sinalização de Trânsito.

Por último, face à inexistência de um inventário sistematizado dos terminais de abas-tecimento ativos no concelho de Lisboa, prevalece a necessidade premente de sinalização uniforme, para efeitos de regulação do estacionamento naqueles locais.

§ 3.º Da Sinalização Aplicável no Caso Concreto

A Resolução do Conselho de Ministros n.º 20/2009, de 20 de fevereiro(213), criou o Programa para a Mobilidade Elétrica, o qual visou estabelecer as bases para a introdução do veículo elétrico em território nacional.

Por sua vez, a Resolução do Conselho de Ministros n.º 81/2009, de 7 de setembro(214), instituiu os objetivos e as fases de desenvolvimento do sobredito Programa, prevendo-se, em uma etapa inicial (até ao ano 2011), a integração de pontos de carregamento de veícu-los elétricos, composta por 1350 terminais instalados em 25 municípios.

O estabelecimento e o acesso da rede piloto de mobilidade elétrica vieram a ser apro-vados pelo Decreto-Lei n.º 39/2010, de 26 de abril, na versão conferida pelo Decreto-Lei n.º 90/2014, de 11 de junho.

Nos termos do n.º 1, do artigo 3.º, do Decreto-Lei n.º 39/2010, de 26 de abril:

«Consideram-se veículos elétricos o automóvel, o motociclo, o ciclomotor, o trici-clo ou o quadriciclo, dotados de um ou mais motores principais de propulsão elétrica que transmitam energia de tração ao veículo, incluindo os veículos híbridos elétricos, cuja bateria seja carregada mediante ligação à rede de mobilidade elétrica ou a uma fonte de eletricidade externa, e que se destinem, pela sua função, a transitar na via pública, sem sujeição a carris».

(212) Concluiu-se que a PSP e a Polícia Municipal partilham a mesma central, sendo a resolução das queixas atribuída em função da ordem de atendimento.(213) Cf. Diário da República, n.º 36, 1.ª série, de 26 de fevereiro de 2009. (214) Cf. Diário da República, n.º 173, 1.ª série, de 7 de setembro de 2009.

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E dispõe o n.º 2 daquele preceito que «[o]s veículos elétricos estão sujeitos, em fun-ção da respetiva categoria, às regras previstas no Código da Estrada e demais legislação aplicável».

A situação de estacionamento de viatura em lugar reservado a veículo de diferente cate-goria é regulada pela alínea c), do n.º 1, e pela alínea g), do n.º 2, do artigo 164.º do CE. Enquanto a citada alínea c) integra a tutela dos elementos de perigosidade e perturbação para o trânsito, resulta, por sua vez, da alínea g) a possibilidade de remoção de veículos que se encontrem estacionados em local destinado ao estacionamento de viaturas de certas categorias (cf. ainda o disposto na alínea c), n.º 1, do artigo 71.º do CE).

Sendo certo que o ilícito resultante da violação das disposições do artigo 71.º (que compele à existência de sinalização no local) consubstanciará a aplicação da referida alínea g), n.º 2, do artigo 164.º, a violação do regime ínsito nas alíneas c) e d) daquele primeiro preceito justificará a remoção do veículo, desde que afixada a correta sinalização(215).

Não está aqui em causa a proibição de estacionamento adveniente da colocação dos sinais «C15»(216) ou «C16»(217), já que em tal situação, a violação do regime vertido no artigo 26.º do Regulamento de Sinalização do Trânsito conduz apenas à prática de uma contraordenação, não pressupondo a remoção do veículo. Ou seja, com a colocação do sinal de informação de estacionamento autorizado «H1a» e aposição de dístico adicional adequado, o desrespeito da afetação do lugar de paragem a uma categoria de veículos não comportará uma mera sanção resultante da previsão de uma coima subsumível ao evento concreto, resultando, antes, da aplicação do disposto nas alíneas c) e d) do artigo 71.º do CE a consequente admissibilidade de se proceder à remoção, conjunta ou alternadamente, com o bloqueamento do veículo nos termos do artigo 164.º do mesmo diploma legal.

Neste sentido, o n.º 1 do artigo 55.º do Decreto-Lei n.º 39/2010, de 26 de abril, intro-duziu uma alteração ao artigo 46.º do Regulamento de Sinalização de Trânsito, passando a prever-se, no quadro dos painéis adicionais representados no quadro XXXV do respe-tivo anexo, destinados a completar a indicação dada pelos sinais verticais, a utilização dos Modelos «10c» e «11l». No primeiro caso, está em causa uma prescrição não aplicável ou apenas aplicável a veículos elétricos; no segundo caso, o dístico destina-se a informar que a indicação ou a prescrição constante do sinal apenas se aplica à categoria de veículo que figura no painel.

Assim, a autuação e remoção de viaturas, indevidamente estacionadas em locais para uso exclusivo de veículos elétricos em abastecimento, estará legitimada pela utilização de sinalização aferidora de estacionamento autorizado apenas para veículos daquela categoria.

(215) Cf. Farinha, Luís et al., Código da Estrada Anotado, 1.ª Edição, Lisboa, Encontro da Escrita, 2014, pp. 233 e ss.(216) Estacionamento proibido.(217) Paragem e estacionamento proibido.

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§ 4.º A Fiscalização e Remoção de VeículosAqui chegados, julgo pertinente sublinhar os excessivos tempos de resposta que envol-

vem o processo de remoção de viaturas na cidade de Lisboa(218), sobretudo quando estejam em questão meios humanos afetos à PSP e à Polícia Municipal. Os elementos instrutórios carreados para o presente procedimento permitiram concluir que, em regra, não se afigura possível concluir a intervenção em menos de três horas, mostrando-se impraticável que o particular que formaliza a queixa, e cuja presença se revela imperiosa, seja forçado a per-manecer no local por idêntico período. Acresce que, na maioria das situações, o infrator não sofre qualquer tipo de sanção, uma vez que a excessiva dilação na resposta possibilita a deslocação do veículo em infração em momento anterior.

No sentido de precaver um contexto de duplo prejuízo para o queixoso, será, pois, pre-mente uma intervenção alternativa, de natureza urgente, em contexto prévio à remoção, sempre esta que não se revele exequível nos termos da legislação vigente.

Reconhecendo a insuficiência de recursos materiais suscetíveis de viabilizar o blo-queamento imediato do veículo sinalizado, para posterior remoção, entendi recomendar ao Senhor Diretor Nacional da PSP (por meio de expediente que faço juntar em anexo, para melhor conhecimento de V. Exa.) que fosse definido e concretizado procedimento de atuação que assegure a imediata comparência de membro de órgão de polícia no local onde tenha sido sinalizado o estacionamento indevido especialmente perigoso ou com grave perturbação para o trânsito, possibilitando que o queixoso se ausente do local, ainda que não seja, desde logo, possível a remoção legalmente prevista.

Em tal enquadramento, a contribuição do executivo camarário a que V. Exa. superior-mente preside assume um papel central na articulação permanente entre a PSP, o contin-gente pertencente à EMEL e a Polícia Municipal, designadamente para efeitos de atuação em situações de estacionamento indevido em locais revestidos de especial perigosidade ou envolvendo grave perturbação para o trânsito no município de Lisboa. A intervenção de cada uma das entidades deverá desencadear-se à luz das competências legalmente defini-das na presente matéria.

§ 5.º Conclusão

Considero, assim, que a questão da remoção de veículos, indevidamente estacionados em terminais de abastecimento de viaturas elétricas, encontra-se legitimada pela correta utilização de sinalização nos locais em apreço.

(218) Refiro-me a situações que envolvem não apenas o estacionamento indevido em locais de abastecimento de veículos elétricos, mas, igualmente, do estacionamento que envolva situação de perigo ou grave perturbação para o trânsito, designadamente, em passadeiras (alínea c), do n.º 2, do artigo 164.º) e garagens (alínea f), do n.º 2, do artigo 164.º). Nestes dois casos, a remoção de viaturas processa-se a coberto do regime previsto na alínea c), do n.º 1, do artigo 164.º, do CE.

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A regulação do estacionamento em tal enquadramento deverá ser complementada pelo registo de todos os pontos ativos no concelho de Lisboa, reforçando, por este modo, a capacidade de resposta das entidades fiscalizadoras.

Em um contexto de atuação coordenada entre as principais entidades que exercem a regulação do estacionamento na área concelhia, revela-se, também, premente o reforço da articulação da PSP, da EMEL e da Polícia Municipal, em todas as situações de esta-cionamento indevido em locais revestidos de especial perigosidade ou envolvendo grave perturbação para o trânsito.

Para uniformização de procedimentos e sistematização das matérias acima elencadas, creio revelar-se útil a elaboração de postura ou regulamento municipal, a submeter à apre-ciação da Assembleia Municipal.

Com efeito, tendo presente que, nos termos do disposto na alínea g), do n.º 1, do artigo 25.º, da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, «compete à Assembleia Municipal, sob proposta do município, aprovar as posturas e os regulamentos com eficácia externa do município», e na medida em que a regulação da sinalização rodoviária comporta eficácia externa, deverá o executivo camarário, superiormente presidido por V. Exa., elaborar e submeter à aprovação da Assembleia os projetos regulamentares externos tendentes à con-secução de tal desiderato, em decorrência do estabelecido na alínea k), do n.º 1, do artigo 33.º, do mesmo diploma.

Em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 38.º da Lei n.º 9/91, de 9 de abril, dignar-se-á, por fim, V. Exa., transmitir-me, dentro de 60 dias, a posição que vier a assumir em face da presente Recomendação, maxime, quanto à decisão de execução dos procedi-mentos ora fixados, sem prejuízo do posterior acompanhamento dos termos da operacio-nalização das sobreditas medidas.

Recomendação n.º 3/A/2016Proc. Q-4042/15Entidade visada: Diretor Nacional da Polícia de Segurança PúblicaData: 2016/07/20Assunto: Veículos de combustão em pontos de abastecimento de viaturas elétricas. Sinalização. Estacionamento em locais revestidos de especial perigosidade ou com gra-ve perturbação para o trânsito. Articulação entre entidades fiscalizadorasSequência: Acatada

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Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a), do n.º 1, do artigo 20.º da Lei n.º 9/91, de 9 de abril, na redação dada pela Lei n.º 17/2013, de 18 de fevereiro, e em face das motivações seguidamente apresentadas, recomendo a V. Exa. que:

i) No prazo de 180 (cento e oitenta) dias, seja definido e concretizado o procedimento de atuação que assegure a imediata comparência de membro de órgão de polícia no local onde tenha sido sinalizado o estacionamento indevido especialmente perigoso ou com grave perturbação para o trânsito, ainda que não seja, desde logo, possível a remoção legal-mente prevista;

ii) A definição e operacionalização dos procedimentos para tal necessários se façam em articulação com o Município de Lisboa, designadamente através da Polícia Municipal e da EMEL.

É a seguinte a motivação da minha Recomendação:

§ 1.º A Queixa

O assunto trazido à minha apreciação radica em uma situação ocorrida no mês de junho de 2015, durante o período noturno, motivando pedido de intervenção da 2.ª Esquadra de Lisboa da PSP, junto ao Cais do Sodré.

Uma vez relatado telefonicamente o estacionamento indevido de veículo de combus-tão em ponto de abastecimento para viaturas elétricas, a queixosa foi informada de que seria acionado, no imediato, reboque para proceder à competente remoção, solicitando--se, contudo, a sua permanência no local para efeitos de identificação. O reboque, con-tudo, nunca chegou ao local.

Em consequência da queixa formulada, resultou clara a deficiente articulação entre as diferentes entidades fiscalizadoras, maxime no que respeita à verificação do estaciona-mento indevido de veículos em locais exclusivamente destinados a viaturas elétricas.

§ 2.º A Instrução do Procedimento

Em sede instrutória, foram solicitados esclarecimentos à Direção Nacional da PSP, à Polícia Municipal de Lisboa e à EMEL, com especial enfoque para os seguintes pontos:

a) Atuação em matéria de fiscalização de pontos de abastecimento de veículos elétricos e eventual articulação com restantes entidades para remoção de viaturas indevidamente estacionadas, na área concelhia de Lisboa;

b) Modelo de articulação com as restantes entidades fiscalizadoras;c) Existência de mecanismos informáticos de identificação e acesso aos diversos pontos

de abastecimento localizados no município de Lisboa.A Direção Nacional da PSP(219) transmitiu que a consequência jurídica da prática de

uma infração consubstanciada no estacionamento em terminais de abastecimento

(219) Comunicação escrita datada de 5 de fevereiro de 2016.

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exclusivamente destinados a viaturas elétricas produzirá apenas a aplicação de uma coima e não a remoção do veículo, sempre que aí inexistir o uso da correta sinalização, não se afigurando subsumível o caso sub judice ao artigo 164.º do CE.

A Polícia Municipal(220) defendeu que «não se afigura legítimo proceder à remoção de veículos indevidamente estacionados, por não existir previsibilidade no artigo 164.° do Código da Estrada, sendo aqueles apenas autuados, com a coima no valor de 19,95€ a 99,76€, prevista no artigo 24.° do Regulamento de Sinalização do Trânsito».

Por fim, a EMEL(221) aduziu que:

«sempre que o ponto de abastecimento para veículos elétricos se encontre em zona de estacionamento sob gestão, e o local se apresente devidamente sinalizado como exclusivo para veículos em abastecimento elétrico, os agentes de fiscalização de estacio-namento procedem à autuação do veículo em infração, e podem, nos termos e com fun-damento no artigo 164.º, n.º 2, al. g), do Código da Estrada, promover à sua remoção».

Acrescenta a Empresa que:

«muitos dos lugares de estacionamento junto aos pontos de abastecimento para veí-culos elétricos não se encontram com a sinalização vertical a privatizar o espaço para veículos elétricos em carga, ou a proibir o estacionamento exceto a veículos para aquele efeito, o que impede a atuação da EMEL por falta de fundamento legal para o efeito».

Quanto ao modelo de articulação com as restantes entidades fiscalizadoras (v.g., Polí-cia Municipal e EMEL), a Direção Nacional da PSP esclareceu que qualquer tipo de atuação decorria do regime previsto no Regulamento de Estacionamento na Cidade de Lisboa (EMEL) e no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de fevereiro (Polícia Municipal).

Por seu lado, a Polícia Municipal de Lisboa reconheceu um défice de articulação com os restantes organismos, em razão da autonomia procedimental que lhe é reconhecida, divulgando que não possui «qualquer mecanismo informático de identificação e acesso aos diversos pontos de abastecimento existentes em Lisboa bem como a sua localização».

No exercício da respetiva atividade de fiscalização do estacionamento na cidade de Lis-boa, referiu a EMEL que atua em articulação com a PSP e a Polícia Municipal, havendo contactos privilegiados entre todas as entidades mencionadas.

Relativamente a eventuais mecanismos informáticos de identificação e acesso aos diversos pontos de abastecimento localizados no município de Lisboa, todas as entidades visadas informaram desconhecer a existência de instrumentos suscetíveis de possibilitar a

(220) Resposta circunstanciada de 2 de novembro de 2015 (ofício n.º 052044.15.5.1).(221) Comunicação com data de 20 de janeiro de 2016.

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localização dos diversos terminais, em tempo real, desde o início das operações de remo-ção até ao consequente depósito nos parques destinados a esse efeito.

Sem embargo, a instrução do procedimento permitiu verificar a existência de atuações, nem sempre concertadas, por parte dos órgãos que procedem à fiscalização do estacio-namento de veículos em pontos de abastecimento exclusivamente destinados a viaturas elétricas, designadamente, da PSP e da Polícia Municipal.

Muito embora subsista a mesma unidade telefónica de atendimento(222), verificou-se que o processamento das queixas não se efetiva de forma coordenada, dependendo, acima de tudo, da celeridade e prioridade conferida por cada uma das sobreditas entidades à situação concreta.

Por outro lado, ainda que a CML realize reuniões periódicas com a PSP e a Polícia Municipal para tratamento de questões relacionadas com o trânsito na cidade, não terá sido ainda abordada a necessidade de proceder à devida articulação interinstitucional para uma resolução mais célere e eficaz dos problemas suscitados neste âmbito.

Ademais, justificar-se-á o envolvimento da EMEL no sobredito processo de colabora-ção, atentas as respetivas competências em matéria de fiscalização de estacionamento na cidade de Lisboa, em decorrência do disposto no Regulamento de Sinalização de Trânsito.

Por último, face à inexistência de um inventário sistematizado dos terminais de abas-tecimento ativos no concelho de Lisboa, prevalece a necessidade premente de sinalização uniforme, para efeitos de regulação do estacionamento naqueles locais.

§ 3.º Da Sinalização Aplicável no Caso Concreto

A Resolução do Conselho de Ministros n.º 20/2009, de 20 de fevereiro(223), criou o Programa para a Mobilidade Elétrica, o qual visou estabelecer as bases para a introdução do veículo elétrico em território nacional.

Por sua vez, a Resolução do Conselho de Ministros n.º 81/2009, de 7 de setembro(224), instituiu os objetivos e as fases de desenvolvimento do sobredito Programa, prevendo-se, em uma etapa inicial (até ao ano 2011), a integração de pontos de carregamento de veícu-los elétricos, composta por 1350 terminais instalados em 25 municípios.

O estabelecimento, a organização e o acesso da rede piloto de mobilidade elétrica vie-ram a ser aprovados pelo Decreto-Lei n.º 39/2010, de 26 de abril(225), na versão conferida pelo Decreto-Lei n.º 90/2014, de 11 de junho.

Nos termos do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 39/2010, de 26 de abril,

(222) Concluiu-se que a PSP e a Polícia Municipal partilham a mesma central, sendo a resolução das queixas atribuída em função da ordem de atendimento.(223) Cf. Diário da República, n.º 36, 1.ª série, de 26 de fevereiro de 2009. (224) Cf. Diário da República, n.º 173, 1.ª série, de 7 de setembro de 2009. (225) Estabelece o regime jurídico da mobilidade elétrica.

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«Consideram-se veículos elétricos o automóvel, o motociclo, o ciclomotor, o trici-clo ou o quadriciclo, dotados de um ou mais motores principais de propulsão elétrica que transmitam energia de tração ao veículo, incluindo os veículos híbridos elétricos, cuja bateria seja carregada mediante ligação à rede de mobilidade elétrica ou a uma fonte de eletricidade externa, e que se destinem, pela sua função, a transitar na via pública, sem sujeição a carris».

E de acordo com o n.º 2 daquele preceito «[o]s veículos elétricos estão sujeitos, em função da respetiva categoria, às regras previstas no Código da Estrada e demais legislação aplicável».

A situação de estacionamento de viatura em lugar reservado a veículo de diferente cate-goria é regulada pela alínea c), do n.º 1, e pela alínea g), do n.º 2, do artigo 164.º do CE. Enquanto a citada alínea c) integra a tutela dos elementos de perigosidade e perturbação para o trânsito, resulta, por sua vez, da alínea g) a possibilidade de remoção de veículos que se encontrem estacionados em local destinado ao estacionamento de viaturas de certas categorias (cf. ainda o disposto na alínea c), do n.º 1, do artigo 71.º do CE).

Sendo certo que o ilícito resultante da violação das disposições do artigo 71.º (que compele à existência de sinalização no local) consubstanciará a aplicação da referida alínea g), do n.º 2, do artigo 164.º, a violação do regime ínsito nas alíneas c) e d) daquele pri-meiro preceito justificará a remoção do veículo, desde que afixada a correta sinalização(226). Ou seja, com a colocação do sinal de informação de estacionamento autorizado «H1a» e a aposição de dístico adicional adequado, o desrespeito da afetação do lugar de paragem a uma categoria de veículos não comportará uma mera sanção resultante da previsão de uma coima subsumível ao evento concreto, resultando antes da aplicação do disposto nas alíneas c) e d) do artigo 71.º do CE a consequente admissibilidade de se proceder à remo-ção, conjunta ou alternadamente, com o bloqueamento do veículo nos termos do artigo 164.º do mesmo diploma legal.

Neste sentido, o n.º 1 do artigo 55.º do Decreto-Lei n.º 39/2010, de 26 de abril, veio introduzir uma alteração ao artigo 46.º do Regulamento de Sinalização de Trânsito, pas-sando a prever-se, no quadro dos painéis adicionais representados no quadro XXXV do respetivo anexo, destinados a completar a indicação dada pelos sinais verticais, a utiliza-ção dos Modelos «10c» e «11l». No primeiro caso, está em causa uma prescrição não aplicável ou apenas aplicável a veículos elétricos; no segundo caso, o dístico destina-se a informar que a indicação ou a prescrição constante do sinal apenas se aplica à categoria de veículo que figura no painel.

Neste sentido, a autuação e remoção de viaturas, indevidamente estacionadas em locais para uso exclusivo de veículos elétricos em abastecimento, estará legitimada pela utilização

(226) Cf. Farinha, Luís et al., Código da Estrada Anotado, 1.ª Edição, Lisboa, Encontro da Escrita, 2014, p. 233 e ss.

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de sinalização aferidora de estacionamento autorizado apenas para a categoria de veículos elétricos.

Tais foram as razões que me levaram a formular uma recomendação ao Senhor Presi-dente da CML (por meio de expediente que faço juntar em anexo, para melhor conheci-mento de V. Exa.), sugerindo, inter alia, que fosse determinada a sinalização para o esta-cionamento de veículos em pontos de abastecimento de viaturas elétricas no concelho de Lisboa, mediante colocação do sinal de informação de estacionamento autorizado «H1a», ao qual deverá estar associado o painel adicional «11l», ambos previstos nos artigos 34.º e 46.º, respetivamente, do Regulamento de Sinalização de Trânsito.

§ 4.º A Fiscalização e Remoção de Veículos

Aqui chegados, permito-me sublinhar junto de V. Exa. os excessivos tempos de res-posta que envolvem o processo de remoção de viaturas na cidade de Lisboa(227), sobretudo quando estejam em causa meios humanos afetos à PSP e à Polícia Municipal. Os elemen-tos instrutórios carreados para o presente procedimento permitiram concluir que, em regra, não se afigura possível findar a intervenção em menos de três horas. Ora, mostrase impraticável que o particular que formaliza a queixa, devendo estar presente, seja forçado a permanecer no local por idêntico período.

Acresce que, na maioria das situações, o infrator não sofre qualquer tipo de sanção, uma vez que a excessiva dilação na resposta possibilita a deslocação do veículo em infração em momento anterior.

Assim, e no sentido de precaver um contexto de duplo prejuízo para o queixoso, julgo premente a efetivação de intervenção alternativa, de natureza urgente, em contexto prévio à remoção, sempre esta que não se revele exequível nos termos da legislação vigente.

Reconheço a insuficiência de recursos materiais suscetíveis de viabilizar o bloquea-mento imediato do veículo sinalizado, para posterior remoção. Julgo, porém, que, sem prejuízo desta, deverá, desde logo, ser definido e concretizado o procedimento de atuação que assegure a imediata comparência de membro de órgão de polícia no local onde tenha sido sinalizado o estacionamento indevido especialmente perigoso ou com grave pertur-bação para o trânsito. Desta forma, possibilitar-se-á que o queixoso se ausente do local, ainda que não seja, desde logo, possível a remoção legalmente prevista, designadamente:

i) Nos locais de abastecimento de veículos elétricos, em decorrência do disposto no n.º 2, do artigo 70.º, e na alínea c), do n.º 1, do artigo 71.º do CE;

(227) Refiro-me a situações que envolvem não apenas o estacionamento indevido em locais de abastecimento de veículos elétricos, mas, igualmente, do estacionamento que envolva situação de perigo ou grave perturbação para o trân-sito, designadamente em passadeiras (alínea c), n.º 2, do artigo 164.º) e garagens (alínea f), n.º 2, do artigo 164.º). Nestes dois casos, a remoção de viaturas processa-se a coberto do regime previsto na alínea c), do n.º 1, do artigo 164.º do CE.

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ii) Sempre que estiver em causa o estacionamento em passadeiras e garagens, circuns-tância em que a autuação tem lugar por via do estabelecido na alínea d), do n.º 1, do artigo 49.º do CE e no artigo 26.º do Regulamento de Sinalização do Trânsito, respetivamente.

A atuação aqui recomendada deverá ser concatenada com as restantes entidades fiscali-zadoras, Polícia Municipal e EMEL, devendo a respetiva intervenção desencadear-se à luz das competências legalmente definidas.

§ 5.º Conclusão

Considero, assim, que a remoção de veículos, indevidamente estacionados em termi-nais de abastecimento de veículos elétricos, encontra-se legitimada pela correta utilização de sinalização nos locais em apreço.

Destarte, afigura-se, igualmente essencial, que os agentes policiais envolvidos na fiscali-zação do estacionamento passem a comparecer, de forma mais célere ou ágil (ou em tempo útil) e independentemente da remoção do veículo, em benefício da segurança rodoviária para salvaguarda do interesse dos munícipes. Para esse efeito, revela-se indispensável a arti-culação com a Polícia Municipal de Lisboa e com a EMEL.

Em face do exposto, dignar-se-á V. Exa., em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 38.º da Lei n.º 9/91, de 9 de abril, transmitir-me, dentro de 60 dias, a posição que vier a assumir em face da presente recomendação, maxime, quanto à decisão de execução dos procedimentos ora fixados, sem prejuízo do posterior acompanhamento dos termos da operacionalização das sobreditas medidas.

b) Sugestões

Proc. Q-5231/15Entidade visada: Instituto dos Registos e do Notariado, I.P. (IRN) Data: 2017/07/07Assunto: Registo AutomóvelSequência: O IRN alterou os seus procedimentos

O Provedor de Justiça recebeu uma queixa sobre o agravamento do preço do ato de registo por alteração de residência do proprietário do automóvel, por atraso no registo da alteração superior a 60 dias. Foi ainda contestada a não discriminação dos valores a pagar na fatura emitida pelos serviços do Registo Nacional de Pessoas Coletivas.

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No que respeita ao primeiro aspeto, note-se que, nos termos da lei, é obrigatório o registo da mudança da residência habitual ou sede dos proprietários(228) e, sendo o registo requerido fora de prazo, é devido valor igual ao do emolumento.(229) Assim, no caso con-creto, os emolumentos foram devidamente cobrados.

No tocante ao segundo ponto questionado na queixa, este órgão do Estado realizou diligências de instrução junto do IRN, na sequência das quais — e face à obrigatoriedade de inclusão das verbas legais relativas ao pagamento da conta, que resulta do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 201/2015, de 17 de setembro(230) — a situação foi ultrapassada, com a atualização dos comprovativos dos pedidos quanto à indicação das disposições legais refe-rentes aos valores cobrados. Com efeito, foi determinado que o comprovativo de pedido de registo, com valor de recibo, passasse a ser emitido com a discriminação da conta de emolumentos cobrados, com a especificação de todas as verbas que a compõem, por refe-rência à respetiva regulamentação, com indicação da importância devida.

Proc. Q-6374/15Entidade visada: Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e JovensData: 2016/12/14Assunto: Cessação da medida de proteção. Maioridade. Processo de jurisdição volun-táriaSequência: Está em curso iniciativa legislativa

Foi requerida a intervenção do Provedor de Justiça, na sequência da publicação da Lei n.º 122/2015, de 1 de setembro, que procedeu à alteração do CC e do CPC, no que res-peita ao regime de alimentos em caso de filhos maiores ou emancipados. Na queixa sus-tentava-se que a aparente discrepância de regimes respeitantes à atribuição de prestações alimentares ao filho em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração

(228) Artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 54/75, de 12 de fevereiro, que aprovou o Registo da Propriedade Automóvel, com a redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 178-A/2005, de 28 de outubro.(229) Artigo 25.º, n.º 1.8 do Decreto-Lei n.º 322-A/2001, de 14 de dezembro, com a redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 209/2012, de 19 de setembro.(230) Que aprova o novo modelo de contabilidade dos serviços de Registo do IRN e entrou em vigo no passado dia 1 de novembro.

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de nulidade ou anulação do casamento, designadamente entre a nova redação do n.º 2 do artigo 1905.º do CC, e o disposto na Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo.(231)

De facto, dispõe o artigo 1880.º do CC que:

«Se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não hou-ver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a que se refere o número anterior na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete».

Por sua vez, e com a vigência da citada Lei n.º 122/2015, de 1 de setembro, o artigo 1905.º do CC passou a dispor, no seu n.º 2, que:

«Para efeitos do disposto no artigo 1880.º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irra-zoabilidade da sua exigência».

Com a mencionada alteração legislativa passou a consagrar-se a possibilidade de pror-rogação imediata da atribuição de prestações alimentares em favor do jovem que atingiu a maioridade, até perfazer os 25 anos de idade, para efeitos de conclusão do respetivo pro-cesso de educação ou formação profissional, isentando-o do ónus de instauração de ação judicial com vista a tal desiderato.

No âmbito dos processos de promoção e proteção de crianças e jovens em risco, dispõe a alínea d), n.º 1, do artigo 63.º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, que «as medidas de proteção de direitos cessam quando (…) o jovem atinja a maioridade ou, nos casos em que tendo solicitado a continuação da medida para além da maioridade, complete 21 anos.» Conjugando esta norma com a da alínea c), n.º 3, do artigo 62.º do mesmo diploma, a medida aplicada é suscetível de se manter até que o jovem atinja os 21 anos se este assim o solicitar.

A análise atenta das disposições legais acima citadas parece fazer transparecer uma diferenciação de regime entre os processos de promoção e de proteção e as providências tutelares cíveis em questão, na medida em que, neste último domínio, o legislador permite que os alimentos em benefício dos filhos maiores possam estender-se até aos 25 anos, se o processo de educação ou a formação profissional não estiver concluído, mas, no processo de promoção, a medida aplicada cessará necessariamente aos 21 anos (para além de se

(231) Lei n.º 147/99, de 1 de setembro, na redação conferida pela última das suas alterações dada pela Lei n.º 142/2015, de 8 de setembro.

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exigir ao jovem que atingiu a maioridade civil que venha solicitar a continuação da inter-venção iniciada antes de atingir os 18 anos(232)).

Ainda assim, sempre se poderá argumentar que, ao abrigo da disposição contida no n.º 5 do artigo 62.º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, a medida de promoção e proteção aplicada não deverá considerar-se cessada enquanto se mostrar necessária.

Uma vez que, seguindo de perto o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23 de maio de 2006(233), o processo judicial de promoção e proteção titula a natureza de um processo de jurisdição voluntária, nos termos do disposto no artigo 100.º da Lei de Prote-ção de Crianças e Jovens em Perigo, incumbirá ao Tribunal o dever de pautar a respetiva intervenção por um critério de adequação das decisões tomadas ao superior interesse da criança e do jovem, em todas as fases processuais.(234)

Em conformidade com o disposto nos artigos 987.º e 988.º do CPC a atuação dos órgãos jurisdicionais competentes deverá ater-se, acima de tudo, à justiça do caso con-creto e à proteção do jovem em situação de risco, em detrimento de critérios de legalidade estrita.

Sem embargo das considerações precedentes, no âmbito da realização de diligência de instrução junto da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens, o Provedor de Justiça tomou conhecimento de que, relativamente à matéria em causa e já na sequência da diligência assumida, havia sido desencadeado procedimento legislativo ainda em curso.(235) Deste modo, uma vez que está vedada ao Provedor de Jus-tiça qualquer iniciativa de fiscalização da atuação política dos órgãos de soberania, por força do enquadramento jurídico-normativo que decorre do disposto no artigo n.º 2 do artigo 22.º do respetivo Estatuto (Lei n.º 9/91, de 9 de abril) e considerando que o proce-dimento em questão acolherá algumas das reflexões formuladas por este órgão do Estado, foi determinado o arquivamento do procedimento.

(232) Cf. Alínea a) do artigo 5.º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo.(233) Consultável em http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/e6e1f17fa82712ff80257583004e3ddc/e9740bd32d81f90a8025 71a000432013?OpenDocument .(234) Cf. Artigo 106.º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo.(235) Cf. o Projeto de Lei n.º 350/XIII, através da seguinte ligação: https://www.parlamento.pt/ActividadeParla-mentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=40803 (consultado em 13 de dezembro de 2016).

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Proc. Q-3866/16Entidade visada: Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P.Data: 2016/11/22Assunto: Carta de condução. Caducidade. Exame. ReclamaçãoSequência: Sem objeção

Foi apresentada uma queixa a este órgão do Estado, através da qual o queixoso relatou ter recebido, do departamento competente da entidade visada, uma comunicação admi-nistrativa para comparência em centro de exames, a fim de realizar prova prática de auto-móveis ligeiros – Categoria B. Sem embargo, no dia aprazado, após um período de espera de duas horas, o queixoso foi informado de que o seu processo não se encontrava naquele centro. Na ocasião, e de acordo com o narrado na queixa, foi rasurada a data anterior-mente indicada no documento e, em forma manuscrita, fixada nova data, sem que tenham sido prestados outros esclarecimentos. Por discordar do procedimento, o queixoso solici-tou o livro próprio, que lhe terá sido presente apenas após insistência, e nele redigiu uma reclamação, expondo o ocorrido e identificando os prejuízos causados pela situação.

À data da queixa, a devida resposta não lhe tinha ainda sido transmitida, sendo certo que a mesma é obrigatória, no prazo de 15 dias, conforme determinado no n.º 5 do artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 135/99, de 22 de abril.

No decurso da instrução, a entidade visada explicou os procedimentos desenvolvidos após a reclamação, dando também conta de que fora emitida uma nova carta. Ultrapas-sado o constrangimento causado por erro da administração — engano na convocatória para a realização da prova prática de condução — e feito o reparo à entidade visada no sentido de esta tornar imediatamente disponível o livro de reclamações e de decidir, no prazo assinalado na lei, a reclamação nele exarada, foi o procedimento instruído por este órgão do Estado arquivado.

c) Chamadas de atenção

Proc. Q-3147/15Entidade visada: Polícia de Segurança Pública (PSP)Data: 2016/08/03Assunto: Atuação policial. Extravio de documentosSequência: Foram adotadas medidas adequadas a evitar a repetição da situação reclamada

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A queixa apresentada ao Provedor de Justiça visava a atuação da PSP, na sequência da comunicação de extravio de carteira com valores e documentos. A queixosa foi informada de que, caso houvesse algum desenvolvimento sobre o assunto, seria contactada, o que aconteceu decorridos cerca de três meses. Nessa altura a Secção de Achados informou-a de que parte do conteúdo da carteira tinha sido entregue em uma esquadra daquela força policial, antes mesmo da participação do extravio da carteira.

Após instrução, foi o possível apurar o seguinte que o Comando Metropolitano de Lis-boa da PSP e demais subunidades dependentes utilizam um sistema informático, no qual é inserido toda a informação de relevo operacional e elaborado o devido expediente, sendo possível consultar uma peça de expediente e a respetiva informação inserida em qualquer um dos pontos desta plataforma existentes em todas as esquadras da PSP.

No caso em apreço, não tinha sido inserida a identificação da queixosa, no momento da elaboração do expediente, por lapso procedimental do elemento policial que efetuou a recuperação dos documentos achados, não se tendo, assim, relacionada esse expediente com a participação apresentada.

Aquela força policial reconheceu que, na situação em apreço, ocorreu uma manifesta falha procedimental, já que, na carta de condução recuperada, estavam disponíveis os dados identificativos suficientes para inserção no sistema policial.

Pelo facto, a entidade visada lamentou o sucedido e apresentou desculpas. Para além disso, o Comando Metropolitano de Lisboa da PSP mencionou que iria sensibilizar o respetivo efetivo para os procedimentos em vigor quanto a esta temática dos achados, dos extravios de documentos e objetos em geral, os quais se encontram devidamente estipula-dos e definidos internamente.

Da instrução foi possível concluir que o caso em apreço teve caráter excecional. Apesar disso, foi comunicado ao Provedor de Justiça a adoção de medidas adequadas a evitar a repetição da situação.

Proc. Q-0732/16 Entidade visada: Comando distrital de Aveiro da Polícia de Segurança Pública (PSP)Data: 2016/09/29Assunto: Atuação policial. Pedido de preservação de imagensSequência: Não contestada

A queixa apresentada ao Provedor de Justiça referia-se a pedido apresentado junto da Esquadra de Investigação Criminal de Aveiro da PSP para preservação de imagens

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recolhidas no parque de estacionamento de um estabelecimento comercial, na sequência de danos provocados em um automóvel.

O queixoso solicitara à PSP a preservação das imagens referentes a um dia específico, mas esta força policial terá pedido à entidade competente a preservação das imagens de uma outra data. O queixoso alegou que tal atuação prejudicara irremediavelmente a pos-sibilidade de apuramento da verdade.

No âmbito da instrução, o Provedor de Justiça solicitou esclarecimentos à Esquadra de Investigação Criminal de Aveiro e, em resposta, foi informado de que a denúncia efetuada havia dado origem aos procedimentos adequados ao caso em questão e de forma atem-pada, não obstante o lapso verificado na concretização da notificação. Veio a ser determi-nado o arquivamento daquele processo, face ao carácter civil da ocorrência.

A entidade visada salientou ainda que o recurso à videovigilância, embora legalmente previsto, está sujeito a objetivos de prevenção ou repressão criminal, sendo ilegal e incons-titucional para todo o fim que não seja aquele. Assim, pese embora o lapso na notificação, a decisão dos serviços do Ministério Público no sentido do arquivamento do processo cri-minal, veio a tornar inócuas as consequências daquele, na medida em que jamais poderia haver acesso àqueles dados para o fim pretendido (a ação cível).

De facto, a utilização de equipamento eletrónico de vigilância deve sempre ressalvar os direitos e interesses constitucionalmente protegidos.(236) Precisamente para salvaguarda dessa proteção é prevista a destruição do respetivo registo de imagens, findo o prazo de 30 dias desde a sua obtenção(237)/(238), uma vez que os sistemas de videovigilância têm por finalidade a proteção de pessoas e bens e a prevenção da prática de crimes.(239)

Nos termos do n.º 4 do artigo 31.º da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio, é «proibida a cessão ou cópia das gravações obtidas de acordo com a presente lei, só podendo ser utiliza-das nos termos da legislação processual penal». Ou seja, decidindo o Ministério Público

(236) Vide n.º 1 do artigo 31.º da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio, que estabelece o Regime do Exercício da Atividade de Segurança Privada e procede à primeira alteração à Lei n.º 49/2008, de 27 de agosto (Lei de Organização da Inves-tigação Criminal): «1 - As entidades titulares de alvará ou de licença para o exercício dos serviços previstos nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 3.º podem utilizar sistemas de vigilância por câmaras de vídeo para captação e gravação de imagem com o objetivo de proteger pessoas e bens, desde que sejam ressalvados os direitos e interesses constitucional-mente protegidos, sendo obrigatório o seu registo na Direção Nacional da PSP, nos termos definidos por portaria do membro do Governo responsável pela área da administração interna».(237) Vide n.º 2 do artigo 31.º da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio: «As gravações de imagem obtidas pelos sistemas videovigilância são conservadas, em registo codificado, pelo prazo de 30 dias contados desde a respetiva captação, findo o qual são destruídas».(238) Vide também os artigos 8.º (Aspetos procedimentais) e 9.º (Conservação de gravações) da Lei n.º 9/2012, de 23 de fevereiro, que procede à terceira alteração à Lei n.º 1/2005, de 10 de janeiro, que regula a utilização de câmaras de vídeo pelas forças e serviços de segurança em locais públicos de utilização comum.(239) Vide artigo 95.º n.º 1 da Portaria n.º 273/2013, de 20 de agosto, que regula a Lei n.º 34/2013, de 16 de maio: «Os sistemas de videovigilância por câmaras de vídeo para captação e gravação de imagens, deve ser monitorizado a partir da central de controlo, e tem por finalidade a proteção de pessoas e bens e prevenção da prática de crimes».

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que a situação em apreço não configurava a prática de crime, não poderiam as imagens ser disponibilizadas para outro fim. Sendo certo que o Ministério Público detém o exclusivo da ação penal, o Provedor de Justiça não poderia intervir.

Sem embargo, tratando-se de um lapso administrativo o Provedor de Justiça chamou a atenção do Comando Distrital de Aveiro da PSP para aquele erro, no sentido de serem tomadas as medidas necessárias a assegurar que situações idênticas possam ser evitadas.

Proc. Q-2343/16Entidade visada: Diretora-Geral da Política de JustiçaData: 2016/12/07Assunto: Acesso ao direito. Prestações pagas pelo beneficiário de proteção jurídica na modalidade de pagamento faseado de taxa de justiçaSequência: Está em curso processo legislativo sobre a matéria

Em resposta a interpelação dirigida por este órgão do Estado relativamente à forma-lização de pedidos de proteção jurídica para tramitação de processos que correm termos em conservatórias do registo foi comunicada pela entidade visada a constituição de grupo de trabalho multidisciplinar destinado a proceder ao «estudo e análise do atual funcio-namento do sistema de acesso ao direito e aos tribunais, tendo em vista a futura alteração do regime legal vigente.»

O Provedor de Justiça entendeu, por isso, assinalar a situação atinente ao funciona-mento do apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado da taxa de justiça para efeitos judiciais. Com efeito, o sistema de proporcionalidade das custas em relação ao valor da ação, pode conduzir, no limite, a situações que desvirtuam os objetivos definido-res do próprio regime de acesso ao direito e aos tribunais, traduzido em «(...)assegurar que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, o conhecimento, o exercício ou a defesa dos seus direitos.»(240)

(240) Cf. o n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, na redação conferida pela Lei n.º 47/2007, de 28 de agosto.

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Algumas normas do anterior Código das Custas Judiciais foram já julgadas inconsti-tucionais pelo Tribunal Constitucional, quando interpretadas no sentido de, em certos casos, não ser aplicado um teto máximo para o valor devido a título de custas(241).

Paralelamente, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 159/2008(242), não julgou inconstitucionais as normas constantes do anexo à Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, e dos artigos 6.º a 10.º da Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de agosto(243), na interpretação segundo a qual o valor da ação não releva na apreciação da situação de insuficiência econó-mica para efeitos de concessão do benefício do apoio judiciário, nos casos em que é reco-nhecido o direito ao benefício do apoio judiciário, na modalidade de pagamento faseado de taxa de justiça e demais encargos com o processo.

O arrazoado em questão procedeu assim àanálise dos efeitos que um valor da ação crescente tem nos custos (absolutos) a suportar pelas partes, como a taxa de justiça, ainda que estas se encontrem em um estado de insuficiência económica que justifique a atribui-ção de proteção jurídica.

Obteve vencimento a tese que defendia que o sistema permitia o pagamento das custas em prestações, por um lado, e que está previsto um prazo de quatro anos, findo o qual as prestações deixam de ser exigíveis, por outro lado. Contudo, como nota o Conselheiro Benjamim Rodrigues no respetivo voto de vencido, do procedimento de determinação da insuficiência está ausente qualquer consideração relativa ao montante das custas, cuja ponderação prévia influencia decisivamente a decisão do cidadão de recorrer a juízo para fazer valer os seus direitos.(244)

Ademais, as soluções normativas que acautelam o perigo de pagamento de custas judi-ciais excessivas parecem não refletir qualquer ponderação relativa à capacidade do sujeito que paga as custas, respeitando, antes, a ratio entre o valor das custas e o do valor do ser-viço público exigido pela natureza de taxa do tributo em causa.

Tal como se refere no texto do acórdão citado, se é certo que no artigo 13.º da Portaria n.º 1085-A/2004, 31 de agosto, e no n.º 2 do artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, são estabelecidos limites ao pagamento de custas, de que apenas beneficia

(241) Cf., a título exemplificativo, os acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 643/2006, de 28 de novembro, e n.º 40/2007, de 23 de janeiro, disponíveis em http://www.tribunalconstitucional.pt, acedido a 25 de novembro de 2016). No primeiro caso, julgada inconstitucional a norma do n.º 2 do artigo 66.º do então Código das Custas Judiciais, por violação das disposições conjugadas do n.º 2 do artigo 18.º e do n.º 1 do artigo 20.º da CRP. No segundo caso, foi julgada inconstitucional a norma que se extrai da conjugação do disposto no n.º 1 do artigo 13.º, alínea o), n.º 1, do artigo 15.º e n.º 2 do 18.º do mesmo Código, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da CRP, conjugado com o princípio da proibição do excesso, decorrente do artigo 2.º deste mesmo diploma.(242) Publicado no Diário da República, n.º 96, 2.ª série, de 19 de maio de 2008. (243) Fixa os critérios de prova e de apreciação da insuficiência económica para a concessão da proteção jurídica.(244) Cf. o citado acórdão do Tribunal Constitucional n.º 159/2008.

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quem goza de apoio judiciário, o facto é que essas custas se constituíram em função de um pressuposto materialmente distinto daquele que preside ao instituto da proteção jurídica.

No primeiro caso, atende-se à capacidade da generalidade dos cidadãos e não à dos carenciados, sendo que o critério para pagamento das custas, por parte destes últimos, é aferido pelo padrão daqueles. Assim:

«o devedor que goze de apoio judiciário pagará prestações que são determinadas apenas em função da capacidade aferida ao cidadão médio, sem qualquer consideração do montante das custas, mas o esforço concreto do pagamento final que é lhe é pedido (valor da ação e custas) assentará, por inerência, no pressuposto de uma capacitação que não tem».

De onde resulta que as pessoas com igual insuficiência poderão ter de pagar montantes concretos diferentes das custas apenas em razão da diferença dos valores das ações. Anali-semos um caso concreto trazido à apreciação do Provedor de Justiça: a ação em causa teria um valor de € 6400,53, com uma taxa de justiça associada de € 204,00, por aplicação do Regulamento de Custas Processuais.

No momento da liquidação mensal das prestações, em regime de duodécimos equiva-lentes a € 80,00, de acordo com a instrução do Centro Distrital de Segurança Social com-petente, o queixoso viria a ser informado de que, em conformidade com o regime vertido no n.º 1 do artigo 13.º da Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de agosto, deveria pagar cerca de quatro vezes o valor da taxa de justiça (no total de € 816,00), uma vez que era benefi-ciário do apoio judiciário.

Nesta medida, a aplicação dos critérios plasmados na Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de agosto, parece ter conduzido à penalização do requerente, onerando – ao invés de desobrigar – a prestação por ele mensalmente devida.

Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 13.º da Portaria n.º 1085-A/2004, 31 de agosto, o requerente pode solicitar a suspensão do pagamento faseado se:

«o somatório das prestações pagas (…) for, em dado momento, superior a quatro vezes o valor da taxa de justiça inicial, o beneficiário pode suspender o pagamento das restantes prestações; tratando-se de processo em que não seja devida taxa de justiça inicial, a suspensão pode ter lugar quanto o somatório das prestações pagas pelo beneficiário for superior a 2 UC».

Em tais situações, o pedido de reembolso poderá ser apresentado junto do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I.P.. Contudo, a medida em causa não se repercute no montante total das custas a pagar, consubstanciando apenas uma suspensão dos pagamentos mensais; por outro lado, o sistema de pagamento faseado parece traduzir a «mera garantia do Estado pelo eventual crédito futuro das custas, na medida em que as

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prestações a que se refere não dizem respeito às custas finais da acção mas às custas prová-veis, caso o litigante as tenha de pagar à face das respectivas regras processuais».(245)

Resulta, ainda, do n.º 1 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais que o valor da causa reflete-se diretamente nos montantes da taxa de justiça inicial e da taxa de justiça subsequente e, em necessária decorrência, no número de prestações a liquidar pelo beneficiário do apoio judiciário.

Em suma, foi defendido o entendimento de que o sistema de proteção jurídica deverá apurar se o contributo suportado pelo beneficiário (apurado nos termos do anexo à Lei n.º 34/2004, de 29 de julho) pode prolongar-se por período de tempo mais ou menos alargado, em sede de pagamento prestacional, não se revelando suficiente, para o efeito, a invocação das cláusulas de salvaguarda do n.º 3 do artigo 16.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, e 13.º da Portaria n.º 1085-A/2004, 31 de agosto. No primeiro caso, não são exigíveis as prestações que se vençam após o decurso de quatro anos desde o trânsito em julgado da decisão final da causa, hipótese aplicável a qualquer situação de proteção jurí-dica na modalidade de pagamento faseado, sem ponderar o montante global das custas em função do valor da causa. No segundo caso, como visto, o beneficiário titula a faculdade de requerer a suspensão do pagamento faseado, sempre que o somatório de prestações pagas for superior a quatro vezes o valor da taxa de justiça inicial, prerrogativa que contabiliza apenas o valor das custas de parte que sejam devidas a final, sem atender à repercussão negativa que o pagamento das ulteriores prestações possa ter na capacidade económica do interessado.

Uma última reflexão sobre a formalização de pedidos de proteção jurídica, tendo em vista a resolução de litígios transfronteiriços, ao abrigo do regime instituído pelo Decre-to-Lei n.º 71/2005, de 17 de março. Em tal enquadramento, cabe ao Estado-Membro do domicílio ou da residência habitual do requerente a obrigação de suportar os encargos com a assistência jurídica a prestar ao requerente até à apresentação do pedido de proteção jurídica no Estado-Membro do foro e com a tradução do referido pedido e dos necessários documentos comprovativos. Neste sentido, prescreve o artigo 8.º do diploma em apreço que os documentos juntos com o pedido de proteção jurídica, apresentado por residente em outro Estado-Membro da União Europeia para ação em que os tribunais portugue-ses sejam competentes, devem acompanhados da respetiva tradução em português ou em inglês, tal como acontece, com os pedidos formalizados por residente em Portugal para ação a interpor em Estado-membro do foro, os quais deverão ser traduzidos em uma das línguas previstas nas alíneas do n.º 2 do artigo 7.º.

No caso de a documentação referida ser apresentada à autoridade nacional de trans-missão e receção sem a correspondente tradução, deve esta traduzi-los, se necessário (cf. o n.º 3 do artigo 8.º). Contudo, na prática, o Provedor de Justiça tem vindo a deparar-se

(245) Cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 159/2008, já citado.

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com um conjunto de queixas que versam a impossibilidade de ser garantida a tradução atempada dos pedidos, em face da atuação conduzida pelo ISS, enquanto autoridade nacional. Cabe a esta entidade a contratação de profissionais certificados, no âmbito de procedimentos concursais organizados em regime anual, e por uma única vez, sendo que os pedidos de proteção desencadeados após o preenchimento dos sobreditos serviços se veem perante a contingência de aguardar (em certos casos quase um ano) até à abertura de novos concursos.

Refira-se, ainda, que está para ser criado um registo ou uma lista de tradutores e intér-pretes em contexto jurídico, através do lançamento de procedimento concursal, a levar a cabo pela Secretaria-Geral do Ministério da Justiça, na sequência da Diretiva 2010/64/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de outubro de 2010(246), relativa ao direito à interpretação e à tradução em processo penal, tendo em vista a efetivação de garantias processuais no que diz respeito à assistência linguística de suspeitos e arguidos.

De facto, a constituição de um ou vários registos de tradutores ou de intérpretes com as qualificações adequadas aos serviços prestados poderá revelar-se como uma forma de resolução para os constrangimentos que são colocados pelos beneficiários.

5.2. Tomadas de posição de não provimento de queixa

Proc. Q-2713/15 Entidades visadas: Instituto dos Registos e do Notariado, I. P. (IRN). Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)Data: 2015/08/26Assunto: Dados pessoais. Acesso

O Provedor de Justiça recebeu uma queixa sobre a decisão proferida pelo conserva-dor do registo predial, tendo em vista o apuramento da existência de prédios registados naquele serviço desconcentrado do IRN, em nome de terceiro.

Na verdade, face à ausência da informação atinente ao artigo matricial e à freguesia, necessária para a realização da pesquisa em causa, a reclamante terá sido informada da impossibilidade de virem a ser facultados os dados pretendidos, com a fundamentação constante de parecer do conselho técnico daquele instituto público, então invocado e dis-ponibilizado. De igual modo, foi solicitado ao serviço de finanças do mesmo concelho

(246) Disponível em http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/ALL/?uri=celex%3A32010L0064 (acedido a 25 de novembro de 2016).

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que informasse se, nas matrizes à guarda daquela repartição, se encontrava algum prédio rústico, urbano ou misto, em nome da mesma pessoa.

A resposta a tal pedido dava conta da impossibilidade de assim acontecer, tendo sido invocado, para o efeito, o dever de confidencialidade a observar neste domínio.

É certo afirmar, nos moldes de resto positivados no artigo 1.º do Código do Registo Predial(247) que «o registo predial destina-se essencialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário». Daqui decorre que «o registo predial não está organizado para certificar quais os prédios em nome de certa pessoa mas sim para certificar em nome de quem está registado certo prédio devidamente individualizado.»(248)

De facto, o registo predial encontra a sua base «na realidade prédio: regista factos jurídicos respeitantes ao prédio e de que decorrem situações jurídicas, como seja, por exemplo, a qualidade de proprietário. Se fosse um registo de base pessoal, como acon-tece noutros países, centrar-se-ia nos titulares dos direitos.»(249) Determina, por sua vez, o artigo 104.º do mesmo diploma legal, sob a epígrafe «caráter público do registo» que «qualquer pessoa pode pedir certidões dos actos de registo e dos documentos arquivados, bem como obter informações verbais ou escritas sobre o conteúdo de uns e de outros».

Daqui não decorre, ao contrário do reclamado, que cabe às conservatórias do registo predial pronunciarem-se sobre a situação patrimonial de determinada pessoa. Na verdade, o que está legalmente garantido é o acesso a partir dos elementos que definem a situação jurídica do prédio — atos de registo e documentos arquivados — mas já não o «acesso à informação dos direitos de que é titular determinada pessoa, como seria, por exemplo a informação dos prédios de que determinado indivíduo é proprietário(250)», já que se estaria a centrar a informação na pessoa, contrariando a finalidade do registo em destaque, de igual modo positivada na letra da lei. Por outro lado, e conforme decorre da leitura do parecer invocado, em moldes merecedores de aval, e que aqui se reproduzem, a publici-dade formalmente invocada «não abrange os verbetes, designadamente os verbetes pes-soais, que não são nem «actos de registo» nem «documentos arquivados», antes meras anotações auxiliares na realização da função assinalada ao sistema de registo predial.(251)

(247) Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224/84, de 11 de dezembro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 201/2015, de 17 de setembro.(248) Circular n.º 19, de 6 de dezembro de 1951, citada no parecer n.º 125/94, do Conselho Técnico do atual IRN, in Boletim dos Registos e do Notariado, n.º 3/2002, pp. 8-13. Este parecer, homologado por despacho do diretor-geral, de 12 de julho de 2001, pode ser consultado em http://www.irn.mj.pt/sections/irn/legislacao/publicacao-de-brn/docs--brn/2002/brn-3-de-2002/downloadFile/attachedFile_1_f0/brn_pareceres_marco02.pdf?nocache=1207762075.88 (acedido em 7 de outubro de 2016). (249) Cf. Lopes, Joaquim Seabra, Direito dos Registos e do Notariado, 7.ª ed., Coimbra, Almedina, 2014, pp. 351 e 352.(250) Idem.(251) Parecer n.º 125/94, ob. cit..

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Nesse sentido, o Código do Registo Predial, no seu artigo 106.º, determina que «as bases de dados do registo predial têm por finalidade organizar e manter actualizada a informação respeitante à situação jurídica dos prédios, com vista à segurança do comércio jurídico, nos termos e para os efeitos previstos na lei, não podendo ser utilizada para qual-quer outra finalidade com aquela incompatível».

Nem mesmo o disposto no n.º 1 do artigo 109.º-A do mesmo diploma permite infir-mar a validade de tal conclusão, uma vez que o referido acesso apenas será permitido no que «aos dados referentes à situação jurídica de qualquer prédio constantes das bases de dados» disser respeito. Mencione-se ainda, e se dúvidas restassem quanto à legalidade de tal entendimento, o disposto no n.º 1 do artigo 109.º-F do Código do Registo Predial consagra que «a comunicação ou a revelação dos dados pessoais registados na base de dados só podem ser efectuadas nos termos [nele] previstos»(252). Quer isto significar que os dados pessoais em causa apenas poderão ser divulgados ou comunicados nos termos e às entidades legalmente definidas como tendo legitimidade para o efeito (v.g., n.º 2 do artigo 109.º-A, artigos 109.º-B e 109.º-C, todos do Código do Registo Predial).

Atendendo ao exposto, será através desta perspetiva que se analisarão as regras de publicidade do registo. Dito de um outro jeito: a publicidade que é legalmente garantida consiste na dos factos registados. Por esta razão, não se mostra passível de censura o enten-dimento concretamente perfilhado pela conservatória do registo predial.

Relativamente à posição adotada pelos serviços da AT, importa ter presente o relevo do direito à informação, bem como o do direito à privacidade, ambos pertinentes para a situação em apreço. Como decorre da jurisprudência que tem vindo a pronunciar-se sobre este tema:

«o direito à informação encontra expressão normativa na Constituição da República Portuguesa e foi transposto para a lei ordinária através do Código de Procedimento Administrativo. Todavia, face ao reconhecimento, também constitucional, do direito à privacidade, o legislador foi obrigado a estabelecer restrições ao direito à informação e a criar instrumentos jurídicos que funcionem como garantias do direito à privacidade»(253).

A regra do sigilo fiscal, constante do artigo 64.º da LGT, corresponde, precisamente, à extensão e ao reconhecimento do direito à privacidade no âmbito da atividade tributária, o qual abrange tanto os dados de natureza pessoal dos contribuintes (pessoa singular ou coletiva) como os dados expressivos da sua situação tributária. Este direito implica, assim,

(252) No mesmo sentido, a lei que regulava o Acesso aos Documentos Administrativos determinava que «o acesso aos documentos notariais e registrais (...) rege-se por legislação própria» (n.º 5 do artigo 2.º da Lei n.º 46/2007, de 24 de agosto, e suas alterações).(253) Vide acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 16 de novembro de 2011, consultado em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/9c83ee66d375b29580257953003a2d44?OpenDocument (acedido a 7 de outubro de 2016).

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a observância de um dever de sigilo que impende sobre os funcionários da administração fiscal, através do qual se pretende, por um lado, salvaguardar a confiança nela depositada pelos cidadãos e, por outro, tutelar a intimidade da vida privada.(254) Ou seja:

«encontram-se abrangidos pelo sigilo fiscal, integrando-se nos dados relativos à situação tributária dos contribuintes (...), quaisquer informações, quaisquer elementos informatizados ou não, que reflictam de alguma forma a situação patrimonial dos sujei-tos passivos da obrigação de imposto, sejam pessoas singulares ou colectivas, comercian-tes e não comerciantes.»(255)

Assim sendo, os dados recolhidos para uma determinada finalidade apenas podem ser facultados a outras entidades — entenda-se, a outros órgãos ou serviços da administração — nas hipóteses legalmente previstas e «para responder a um motivo social imperioso e na medida estritamente necessária, no justo equilíbrio entre o interesse que postula a revelação e a protecção da intimidade da vida privada»(256). O que, a ocorrer, só pode ser feito na medida estritamente necessária para satisfazer o equilíbrio entre os interesses em presença. Esta regra não será, todavia, aplicável aos dados pessoais livremente cognoscí-veis, bem como aos dados fiscais que não reflitam, nem denunciem, a situação tributária dos contribuintes(257), o que, in casu, não se verificava.

Proc. Q-4026/15 Entidade visada: Conselho dos Oficiais de JustiçaData: 2016/06/22Assunto: Atuação de funcionário judicial

O Provedor de Justiça recebeu uma queixa sobre a atuação de um funcionário judicial, na qual se alegava, como falta disciplinar, a recusa de consulta dos autos e de entrega de fotocópia do «juramento de curador».

(254) Parecer n.º 22/96, de 26 de março, emitido pela (então) Comissão Nacional de Proteção de Dados Pessoais Informatizados.(255) Parecer n.º 20/94, de 9 de Fevereiro, emitido pelo Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República.(256) Idem.(257) Vide acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 16 de novembro de 2011, consultado em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/9c83ee66d375b29580257953003a2d44?OpenDocument, acedido a 7 de outubro de 2016.

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Atendendo à matéria em causa, este órgão do Estado elucidou o queixoso sobre as nor-mas do CPC (artigos 163.º e seguintes) atinentes à publicidade e ao acesso dos processos judiciais, as quais determinam, como regra, que o processo é público, o que, por sua vez, acarreta a consulta dos documentos que os compõem. O acesso aos autos não é, porém, ilimitado, restringindo-se a sua consulta quando esta possa ofender os direitos fundamen-tais dos intervenientes processuais ou colocar em crise a eficácia da decisão que se vier a proferir. Existindo dúvidas quanto às consequências da consulta do processo, o oficial de justiça submete a questão ao juiz e é este que decide se aquele é ou não facultado.

Em jeito de síntese: é a lei processual civil que fixa os termos em que é possível o acesso, mas também os meios adequados de reação à recusa de acesso por parte de funcionário judicial. Não se está, pois, no último caso, perante uma atividade administrativa que possa ser sindicada por este órgão do Estado.

Proc. Q-5127/16 Entidade visada: Instituto dos Registos e do Notariado, I.P. (IRN)Data: 2016/11/10Assunto: Cartão de cidadão. Substituição. Atraso

A queixa apresentada neste órgão do Estado contestava a demora registada na substi-tuição do cartão de cidadão.

Na sequência de contacto com os serviços de identificação civil do IRN, o Provedor de Justiça foi informado de que o pedido em causa foi formulado no dia 11 de agosto e entre-gue à reclamante no dia 22 de setembro, tendo então sido pago o valor correspondente à taxa de prioridade normal do serviço solicitado. Analisada, por sua vez, tanto a lei que criou e regula a emissão e a utilização do cartão de cidadão(258), como a portaria que estipula o montante das taxas devidas pela emissão e pela substituição do documento em causa(259), verificou-se que a legislação vigente sobre a matéria não determina qualquer prazo para a substituição do documento (quando esta não é solicitada sem caráter de urgência).

Não obstante, o instituto público visado comunicou que os seus serviços assumiram a emissão mais célere possível do documento de identificação, na sequência da solicitação da sua substituição. Ainda assim, assinala-se que, pontualmente, regista-se maior demora no processamento de pedidos idênticos, em particular nos tradicionais períodos de gozo férias, aos quais está associado não só o aumento do número de solicitações como, de igual

(258) Lei n.º 7/2007, de 5 de fevereiro.(259) Portaria n.º 203/2007, de 13 de fevereiro.

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modo, a diminuição dos recursos humanos disponíveis para a sua receção e posterior tratamento.

Relativamente à situação relatada a este órgão do Estado, esta ocorreu no verão, pelo que foi reconhecida a incapacidade de resposta reclamada. Por esta razão, e face à urgência então declarada, foi colocada a hipótese ao queixoso de este proceder ao pagamento de uma taxa especialmente estabelecida para o efeito. O queixoso pagou a referida taxa atenta a necessidade de dar resposta imediata à sua situação apresentada. A liquidação deste tri-buto fez com que o seu pedido fosse considerado urgente e, por conseguinte, foi apreciado dentro de prazo legal estipulado(260), sobrepondo-se, naturalmente, aos demais.

Mencione-se, ainda, que a lei que criou e regula a emissão e a utilização do cartão de cidadão determina que a sua substituição, ocorrendo pelo decurso do prazo de validade, seja promovida atempadamente, isto é, durante os últimos seis meses contados da data de validade do documento. Desta forma, a legislação confere a possibilidade de os cidadãos virem a solicitar, com a antecedência razoável, a renovação do cartão de cidadão de que são titulares, acautelando a ocorrência de imprevistos geradores de situações em tudo seme-lhantes à relatada.

6. Direitos, liberdades e garantias; saúde, educação e valorações de constitucionalidade

6.1. Tomadas de posição favoráveis aos queixosos

a) Recomendações

Recomendação n.º 1/B/2016Proc. Q-6433/12Entidade visada: Presidente da Assembleia da RepúblicaData: 2016/02/17Assunto: Organizações de moradores. Omissão legislativa (artigos 263.º a 265.º da CRP)Sequência: Aguarda resposta definitiva

(260) De acordo com a alínea b) do n.º 1 e n.º 3 do artigo 1.º da Portaria n.º 203/2007, de 13 de fevereiro, e seu anexo, pelo pedido urgente de cartão de cidadão é devida a taxa de € 30,00, sendo neste caso o prazo de entrega máximo do cartão de três dias.

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Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 20.º da Lei n.º 9/91, de 9 de abril, na redação da Lei n.º 17/2013, de 18 de fevereiro, recomendo à Assembleia da República que:

Seja promovida a elaboração e aprovação do regime jurídico das organizações de mora-dores, nos termos previstos pelos artigos 263.º, 264.º e 265.º da CRP.

Foi solicitada a atenção do Provedor de Justiça para a ausência de normas legais que estabeleçam uma disciplina das organizações de moradores, contempladas pelo legislador constituinte no Capítulo V, Título VIII, da Parte da CRP reservada à Organização do Poder Político (atuais artigos 263.º a 265.º da CRP)(261).

A CRP, dando testemunho da relevância assumida por estas organizações no con-texto pós-revolucionário, prevê que as organizações de moradores sejam constituídas para «intensificar a participação das populações na vida administrativa local» (n.º 1 do artigo 263.º) e esboça uma caracterização da sua composição, da estrutura e da atividade que se pretende que as mesmas coletividades exerçam.

De acordo com a CRP, as organizações de moradores:a) Reúnem moradores residentes «em área inferior à da respectiva freguesia», que

poderão ser demarcadas pela assembleia de freguesia, por iniciativa desta, ou mediante requerimento dos moradores associados, em caso de conflito (n.ºs 1 e 2 do artigo 263.º);

b) São compostas por uma assembleia de «residentes inscritos no recenseamento da freguesia» (n.º 2 do artigo 264.º), que detém o poder de eleger e destituir o órgão execu-tivo, ou seja, a comissão de moradores (n.º 3 do artigo 264.º);

c) Têm direito de petição perante as autarquias locais para prossecução dos interesses que representam (alínea a), do n.º 1, do artigo 265.º) e de participação na assembleia de freguesia (sem direito a voto, nos termos da alínea b), do n.º 1, do mesmo artigo); e

d) «Realiza[m] as tarefas que a lei lhes confiar ou os órgãos da respectiva freguesia nelas delegarem» (n.º 2 do artigo 265.º).

No entanto, escassas são as menções às organizações de moradores que é possível encontrar na legislação nacional. Não chegou nunca a ser aprovada a lei que, nos ter-mos expressamente determinados na CRP, devia fixar «[a] estrutura das organizações de moradores» (n.º 1 do artigo 264.º) e explicitar as «tarefas» que a estas organizações competiria realizar (n.º 1 do artigo 265.º).

A Lei n.º 169/99, de 18 de setembro, previa, no seu artigo 18.º, que pudessem ser delegadas nas organizações de moradores «tarefas administrativas que não envolvam o exercício de poderes de autoridade, nos termos que vierem a ser regulamentados». Esta norma foi revogada pela Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro (alínea c), do n.º 1, do artigo 3.º), que contudo passou a prever que pudesse ser autorizada pela assembleia de freguesia

(261) Na redação que resultou da Revisão Constitucional de 1989. Na versão originária, estas organizações eram designadas por organizações populares de base territorial.

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«a celebração de protocolos de delegação de tarefas administrativas entre a junta de fre-guesia e as organizações de moradores» (alínea h), do n.º 1, do artigo 9.º), competindo ao órgão executivo da autarquia «discutir e preparar (…) protocolos de delegação de tarefas administrativas que não envolvam o exercício de poderes de autoridade» (alínea k), do n.º 1, do artigo 16.º).

Também com os municípios poderão ser celebrados acordos de colaboração, nos ter-mos do n.º 1, do artigo 46.º, do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (inicial-mente aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro), que prevê poder

«[a] gestão das infra-estruturas e dos espaços verdes e de utilização colectiva (…) ser confiada a moradores ou a grupos de moradores das zonas loteadas e urbanizadas, mediante a celebração com o município de acordos de cooperação ou de contratos de concessão do domínio municipal».

Por sua vez, no que respeita ao direito de petição, a Lei n.º 43/90, de 10 de agosto (alte-rada e republicada pela Lei n.º 45/2007, de 24 de agosto) remete para legislação especial a disciplina do exercício de direito de petição pelas organizações de moradores ante as autarquias locais (alínea c), do n.º 2, do artigo 1.º do citado diploma), legislação esta que, ao que foi possível apurar, tão-pouco foi aprovada.

Assim, não parecem restar dúvidas de que estamos perante uma omissão legislativa inconstitucional(262), porquanto a CRP impõe ao legislador que sejam adotadas medidas legislativas claramente dirigidas quanto à fixação da «estrutura das organizações de mora-dores» (nos termos do n.º 1 do artigo 264.º, «[a] estrutura das organizações de morado-res é fixada por lei …»); e quanto à definição das competências destas organizações (nos termos do n.º 2 do artigo 265.º, «[à]s organizações de moradores compete realizar as tarefas que a lei lhes confiar…»), tudo sendo necessário para conferir exequibilidade ao estatuto constitucional de relevo pretendido para esta figura associativa.

Trata-se, pois, de:

«uma incumbência ou “imposição”, não só claramente definida quanto ao seu sentido e alcance, sem deixar ao legislador qualquer margem de liberdade quanto à sua própria decisão de intervir (isto é, quanto ao an da legislação) – em tais termos que bem se pode falar, na hipótese, de uma verdadeira “ordem de legislar” – como o seu

(262) Assim claramente o afirmam Jorge Miranda e Rui Medeiros inConstituição Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 548.

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cumprimento fica satisfeito logo que por uma vez emitidas (assim pode dizer-se) as cor-respondentes normas»(263).

É certo que, tal como observam Gomes Canotilho e Vital Moreira, poder-se-á defen-der que:

«[n]a falta de normas legais, rege o princípio de auto-organização, dentro dos limites deste artigo [264.º], não podendo a constituição e o funcionamento das organizações – que são resultado de um direito constitucional dos cidadãos – estar dependentes de regulamentação legal»(264).

Não menos seguro será afirmar que não deixarão de ser reconhecidas a capacidade e a legitimidade das associações de moradores regularmente constituídas para exercer os direitos e aceder aos meios de representação e defesa dos interesses dos moradores, nos mesmos termos em que são outorgados para defesa de interesses coletivos às associações ou outras formas de organização coletiva que a lei reconheça.

É contudo igualmente inegável que o legislador constituinte pretendeu atribuir a estas organizações um estatuto especial, do qual, por falta das pertinentes normas legais, nunca puderam beneficiar.

De igual modo, e no quadro da recente reorganização administrativa territorial autár-quica,(265) com extinção, por agregação, de muitas freguesias, pode assumir renovada importância esta figura, que reúne por definição moradores em área parcelar das novas autarquias criadas, permitindo a continuidade da representação de interesses específicos de povoações que passaram a partilhar com outras os órgãos da autonomia local.

Em sentido confluente, a existência e valorização da figura constitucional em causa permitirá às autarquias locais uma melhor articulação com as populações pelas mesmas servidas.

Razões pelas quais assinalo à Assembleia da República a bondade de se suprir esta omis-são inconstitucional, promovendo-se a entrada em vigor de regime jurídico adequado aos termos previstos na CRP, designadamente nos seus artigos 263.º a 265.º.

(263) Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 276/89, de 28 de fevereiro, disponível em: http://www.tribunalcons-titucional.pt/tc/acordaos/19890276.html. Como esclarece Gomes Canotilho, «[a]s ordens de legislar, diferentemente das imposições constitucionais (que são determinações permanentes e concretas), traduzem-se, em geral, em imposi-ções únicas (isto é: imposições concretas mas não permanentes) de emanação de uma ou várias leis necessárias à criação de uma nova instituição ou à adaptação das velhas leis a uma nova ordem constitucional.» in Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª Ed., Coimbra: Ed. Almedina, 2003, p. 1035.(264) Canotilho, J. J. Gomes/Moreira, Vital, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. II, 4.ª Ed. revista, Coimbra: Coimbra Editora, 2010, pp. 787-788.(265) Iniciada em 2012 com a aprovação do regime jurídico da reorganização administrativa territorial autárquica (Lei n.º 22/2012, de 30 de maio) e concretizada, no que às freguesias diz respeito, pela Lei n.º 11-A/2013, de 28 de janeiro.

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b) Pedidos de Fiscalização da Constitucionalidade

Proc. Q-4100/15Data: 2016/03/18 Assunto: Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ). Princípio do juiz naturalSequência: Situação pendente em 31 de dezembro de 2016

O Provedor de Justiça, no uso da competência prevista na alínea d), do n.º 2, do artigo 281.º da CRP, vem requerer ao Tribunal Constitucional a fiscalização abstrata sucessiva da constitucionalidade da norma constante da alínea f ), do n.º 4, do artigo 94.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto (LOSJ).

Considera o Provedor de Justiça que a referida norma viola o princípio do juiz natural, o direito a um processo equitativo, o princípio da inamovibilidade dos juízes e o princípio da independência dos tribunais, acolhidos no n.º 9, do artigo 32.º, no n.º 4, do artigo 20.º, no n.º 1, do artigo 216.º e no artigo 203.º da CRP, respetivamente, nos termos e com base na fundamentação a seguir aduzidos.

1.ºA norma objeto do presente pedido encontra-se vertida na Lei n.º 62/2013, de 26 de

agosto, diploma que corporiza a LOSJ.2.º

Neste enquadramento, dispõe o preceito visado sobre as competências do juiz presi-dente do tribunal de comarca, sendo o seguinte o respetivo teor:

«Artigo 94.º Competências(…)4 – O presidente do tribunal possui as seguintes competências de gestão processual,

que exerce com observância do disposto nos artigos 90.º e 91.º:(…)Propor ao Conselho Superior da Magistratura a reafetação de juízes, respeitado o

princípio da especialização dos magistrados, a outra secção da mesma comarca ou a afe-tação de processos, para tramitação e decisão, a outro juiz que não o seu titular, tendo em vista o equilíbrio da carga processual e a eficiência dos serviços;

(…).»3.º

À luz do disposto na citada alínea f ), do n.º 4, do artigo 94.º da LOSJ, tem o presi-dente do tribunal de comarca o poder de apresentar proposta ao Conselho Superior da Magistratura para reafetação de juízes ou redistribuição de processos, poder que exerce ao abrigo das suas competências de gestão processual, no âmbito da respetiva circunscrição

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territorial e com observância do disposto nos artigos 90.º e 91.º do mesmo diploma (estes últimos versando, respetivamente, sobre os objetivos estratégicos para o desempenho dos tribunais de primeira instância e os objetivos processuais da comarca e dos tribunais de competência territorial alargada, aí sediados).

4.ºNeste sentido, resulta da norma, cuja sindicância motiva esta minha iniciativa, que a

competência conferida pela lei ao presidente do tribunal de comarca compreende tanto a mudança de juízes para outra secção da mesma comarca (respeitado o princípio da espe-cialização dos magistrados), como a subtração de processos ao respetivo juiz titular (isto é, ao juiz natural ou juiz legal) em vista da respetiva afetação, para tramitação e decisão, a outro juiz.

5.ºTal como resulta da Proposta de Lei n.º 114/XII, que esteve na base da Lei n.º 62/2013,

de 26 de agosto, a referida solução normativa fundeia-se em um conjunto de «alterações cruciais no sistema de gestão dos recursos humanos dos tribunais, designadamente dos magistrados e dos funcionários de justiça», conforme pode ler-se na respetiva exposição de motivos (n.º 12).

6.ºDe igual modo e em termos de enquadramento, a montante, da reforma da organização

judiciária impulsionada pela referida iniciativa governamental, com relevo para a questão gestionária dos recursos humanos dos tribunais, importa ainda fazer notar a seguinte alu-são igualmente ali feita (n.º 8):

«A reorganização consagrada na presente proposta de lei não se confina (…) a uma simples modificação da conformação territorial das novas comarcas. Pretende-se ir mais além, aprofundando e alargando substancialmente ao interior do país a especialização da oferta judiciária e introduzindo uma clara agilização na distribuição e tramitação processual, uma facilitação na afetação e mobilidade dos recursos humanos e uma auto-nomia das estruturas de gestão dos tribunais, que lhes permita, designadamente, a ado-ção de práticas gestionárias por objetivos.»

7.ºVislumbrados, deste feito, os propósitos que presidiram a uma determinação norma-

tiva que, em conformidade, “agiliza” e “facilita”, na esfera jurisdicional da comarca, a reafe-tação e redistribuição — de base casuística e discricionária, sob proposta individual —de juízes e processos, como desvela a norma constante da alínea f ), do n.º 4, do artigo 94.º da LOSJ, considero que a mesma viola, antes de mais e, desde logo, no tocante às causas em matéria criminal, o princípio constitucional do juiz natural ou do juiz legal.

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8.º O princípio do juiz natural encontra-se consagrado na CRP especificamente em sede

de «garantias de processo criminal» (artigo 32.º da CRP), estas materializando já uma densificação das próprias exigências do processo justo ou equitativo (veja-se J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4.ª edi-ção revista, Coimbra: Coimbra Editora, 2007, p. 415).

9.ºDestarte, segundo o disposto no n.º 9 do artigo 32.º da CRP, «[n]enhuma causa pode

ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior».10.º

Em anotação de J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira a este preceito constitucio-nal, realçam os mesmos Autores o seguinte (In: Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, ob. cit., p. 525):

«O princípio do juiz legal (…) consiste essencialmente na predeterminação do tri-bunal competente para o julgamento, proibindo a criação de tribunais ad hoc ou a atri-buição da competência a um tribunal diferente do que era legalmente competente à data do crime. A escolha do tribunal competente deve resultar de critérios objectivos predeterminados e não de critérios subjetivos.»

11.ºSempre pela pena dos constitucionalistas que vimos citando, o sentido e alcance do

princípio do juiz natural ou juiz legal vêm compendiados conforme aqui se deixa igual-mente transcrito (ibid.):

«A doutrina costuma salientar que o princípio do juiz legal comporta várias dimensões fundamentais: (a) exigência de determinabilidade, o que implica que o juiz (ou juízes) chamado(s) a proferir decisões num caso concreto estejam previamente indi-vidualizados através de leis gerais, de uma forma o mais possível inequívoca; (b) princípio da fixação de competência, o que obriga à observância das competências decisórias legal-mente atribuídas ao juiz e à aplicação dos preceitos que de forma mediata ou imediata são decisivos para a determinação do juiz da causa; (c) observância das determinações de procedimento referentes à divisão funcional interna (distribuição de processos), o que aponta para a fixação de um plano de distribuição de processos (embora esta distribui-ção seja uma atividade materialmente administrativa, ela conexiona-se com o princípio da administração judicial).»

12.ºNo patamar da elaboração doutrinal, importa, outrossim, reavivar aqui o pensamento

de Jorge de Figueiredo Dias, tendo já como referente normativo a CRP de 1976, nos primórdios da sua vigência (In: «Sobre o sentido do princípio jurídico-constitucional do “juiz-natural”», Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 111.º, N.º 3615, pp. 83-88).

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13.ºAí o Autor coloca em evidência que o princípio em questão (ibid., p. 83)

«constitui – como emanação que é, ao nível processual, do princípio da legalidade em matéria penal – uma necessária garantia dos direitos da pessoa, ligada à ordenação da administração de justiça penal, à exigência de julgamentos independentes e imparciais e à confiança da comunidade naquela administração.»

14.ºProsseguindo em densificação do seu pensamento, Jorge de Figueiredo Dias esclarece

igualmente o seguinte (ibid., p. 86,nota de rodapé omitida):

«o princípio do juiz legal não obsta a que uma causa penal venha a ser apreciada por tribunal diferente do que para ela era competente ao tempo da prática do facto que constitui o objeto do processo, só obsta a tal quando, mas também sempre que, a atribuição de competência seja feita através da criação de um juízo ad hoc (isto é: de excepção), ou da definição individual (e portanto arbitrária) da competência, ou do desaforamento concreto (e portanto discricionário) de uma certa causa penal, ou por qualquer outra forma discriminatória que lese ou ponha em perigo o direito dos cida-dãos a uma justiça penal independente e imparcial.»

15.ºTambém o Tribunal Constitucional se pronunciou, em variadíssimas ocasiões, sobre o

alcance do princípio constitucional do juiz natural.16.º

A este respeito e nele evidenciando uma dimensão de «garantia da independência e da imparcialidade dos tribunais (artigo 203.º da CRP)», encontra-se firmado na jurispru-dência constitucional o seguinte olhar sobre o princípio em questão, concretamente tal como transparece no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 614/2003 (publicado no Diário da República, n.º 85, 2.ª série, de 10 de abril de 2004):

«a exigência de determinabilidade do tribunal a partir de regras legais (juiz legal, juiz predeterminado por lei, gesetzlicher Richter) visa evitar a intervenção de terceiros, não legitimados para tal, na administração da justiça, através da escolha individual, ou para um certo caso, do tribunal ou dos juízes chamados a dizer o direito. Isto, quer tais influências provenham do poder executivo – em nome da raison d’État – quer prove-nham de outras pessoas (incluindo de dentro da organização judiciária). Tal exigência é vista como condição para a criação e manutenção da confiança da comunidade na admi-nistração dessa justiça, “em nome do povo” (artigo 202.º, n.º 1, da Constituição), sendo certo que esta confiança não poderia deixar de ser abalada se o cidadão que recorre à justiça não pudesse ter a certeza de não ser confrontado com um tribunal designado em função das partes ou do caso concreto.»

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17.ºNeste enquadramento, seguindo de muito perto o citado aresto, para além de uma

dimensão positiva, que é possível reconhecer no princípio do juiz natural, «consistente no dever de criação de regras, suficientemente determinadas, que permitam a definição do tribunal competente segundo características gerais e abstractas» (e que contempla, para além do mais, a definição dos “concretos juízes” que compõem a formação judiciária inter-veniente), é ao mesmo princípio igualmente assinalada uma dimensão negativa, «consis-tente na proibição de afastamento das regras referidas, num caso individual», e mediante a qual se afirma «a ideia de perpetuatio jurisdictionis, com “proibição do desaforamento” depois da atribuição do processo a um tribunal, quer a proibição de tribunais ad hoc ou ex post facto, especiais ou excepcionais».

18.ºTem-se, naturalmente, presente, conforme já mencionado, que o princípio do juiz

natural não proíbe alterações legais da organização judiciária, nem tão-pouco que estas, a terem lugar, possam ser de aplicação imediata, incluindo a processos pendentes: a este pro-pósito, e socorrendo-me sempre do aresto do Tribunal Constitucional que vimos citando, «[p]onto é, porém, que o novo regime – ou a revogação, e não apenas derrogação, para um caso concreto, do anterior – valha em geral, abrangendo um número indeterminado de processos futuros, e não exprima razões discriminatórias ou arbitrárias, que permitam afir-mar que se está perante uma constituição ou determinação ad hoc da formação judiciária em causa».

19.ºConsubstanciando a própria Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, uma reforma da organi-

zação judiciária, não é, todavia, dessa última e específica problemática que trata o presente pedido, ao ter por objeto a norma vertida na alínea f ), do n.º 4, do artigo 94.º da LOSJ, a ilegitimidade constitucional deste preceito emanando do sentido da própria solução nor-mativa que o mesmo enforma.

20.ºNa verdade, a reafetação que esta norma autoriza não só não garante a ausência de

arbitrariedade ou discricionariedade — sendo, ao invés, apta a induzi-las, com quebra do imperativo de aleatoriedade — na atribuição de um concreto processo a determinado juiz (ou juízes), como também ampara, per se, a possibilidade de práticas de desaforamento ou determinação ad hoc, superveniente ou a posteriori, do foro concreto de apreciação de determinada causa, o que, com tais contornos casuísticos e, por conseguinte, discrimina-tórios, é proibido à luz das exigências constitucionais no domínio da administração da jus-tiça (veja-se, outrossim, na mais recente jurisprudência do Tribunal Constitucional, com enfoque na dimensão garantística do princípio do juiz natural, o acórdão n.º 41/2016).

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21.ºEfetivamente, considero que o disposto na alínea f ), do n.º 4, do artigo 94.º da LOSJ,

ao permitir uma apreciação discricionária na base da proposta que compete aos presiden-tes dos tribunais de comarca, leva em si um risco de “manipulação arbitrária” das regras de atribuição da competência judicativa, o que é dizer, da competência para julgar uma causa concreta, o que não é de todo compatível com as exigências do princípio do juiz natural, conforme anteriormente expostas.

22.ºE tal pode ocorrer não apenas por via da reafetação de juiz a outra secção da mesma

comarca, como, e de forma ainda mais intensamente manifesta, mediante a afetação de processo a outro juiz que não o seu titular, o que acarreta, como efeito necessário, a sub-tração da causa ao seu juiz natural ou legal.

23.ºEm qualquer uma destas hipóteses, o que o legislador franqueou foi a possibilidade,

dentro da própria organização judiciária, da interferência e escolha não só individual — logo, subjetiva — como casuística do juiz ou tribunal da causa.

24.ºNo que especificamente toca à reafetação de juízes a outra secção da mesma comarca,

importa fazer notar que a determinação normativa que emana da alínea f ), do n.º 4, do artigo 94.º da LOSJ encontra-se bem distante de poder sustentar um critério legal de preordenação objetiva de transferência de juízes, nomeadamente para outra secção onde os mesmos façam mais falta.

25.ºReitero: a mobilidade de juízes ali visada tem na sua base um critério de aplicação sub-

jetiva e casuística, o que autoriza uma influência arbitrária e discricionária na composição judiciária que há de intervir nas causas submetidas a juízo, vulnerando-se, destarte, o sen-tido nuclear do princípio do juiz natural.

26.ºNeste sentido, a questão respeita, outrossim, ao princípio da inamovibilidade dos juí-

zes (afirmado no n.º 1 do artigo 216.º da CRP), o qual não sendo absoluto, não deixa de estar «constitucionalmente associado ao princípio do juiz natural (…), pois este não só implica a proibição absoluta de escolha do juiz por parte de qualquer cidadão (“juiz a pedido”), mas também a imposição de “sistema tabelar” definidor de critérios objetivos e predeterminados para a individualização do juiz da causa (“juiz natural”)», conforme escrevem J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (In: Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. II, 4.ª edição revista, Coimbra: Coimbra Editora, 2010, p. 587).

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27.ºÉ ainda significativa, com plena validade para a questão que nos ocupa, a compreensão

dos mencionados constitucionalistas, a propósito desta imbricação entre o princípio do juiz natural e o princípio da inamovibilidade dos juízes, e que aqui recuperamos (ibid.):

«O princípio da inamovibilidade convoca estas duas dimensões, pois, por um lado, garante o juiz no cargo contra esquemas apócrifos de violação da estabilidade pessoal, e, por outro, levanta barreiras ao próprio esvaziamento da objetividade e predeterminabi-lidade da fixação do juiz natural. A inamovibilidade não é incompatível com a transfe-rência de juízes para tribunais onde eles são mais necessários, mas esta transferência deve estar predeterminada na lei».

28.ºEm harmonia com o que antecede, também Paula Ribeiro de Faria (In: Jorge Miranda

e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra: Coimbra Editora, 2007, pp. 177 e 178), relevando, outrossim, a inamovibilidade dos juízes como «[u]ma das garantias tradicionalmente associada ao princípio da independência», assinala que a mesma:

«Consiste na proibição da transferência, suspensão, aposentação ou demissão dos juízes fora dos casos previstos na lei, e encontra a sua justificação material no receio, porventura fundado, de que um juiz pudesse sofrer consequências negativas (ou rece-ber favores imerecidos) pelo exercício da função de julgar e pela sua decisão neste ou naquele sentido e, ao mesmo tempo, pelo temor de que, através do exercício de qualquer poder se pudessem vir a transferir juízes, ou a colocar juízes em posição de decidir casos que, por princípio, não lhes caberiam.»

29.ºÉ, justamente, este tipo de receio e temor que o segmento normativo visado, relativo

ao poder dos presidentes dos tribunais de comarca de proporem ao Conselho Superior da Magistratura a reafetação casuística de juízes, suscita, em termos que colidem quer com o princípio do juiz natural, quer com o princípio da inamovibilidade dos juízes.

30.ºAcresce a absoluta desnecessidade da medida, porquanto, sem embargo da legitimi-

dade, em si, dos fins legalmente afirmados de “equilíbrio da carga processual” e de “efi-ciência dos serviços”, certo é que o legislador aparelhou já o sistema judiciário com meca-nismos aptos a dar resposta às referidas preocupações de gestão processual e de recursos humanos, como seja através dos movimentos judiciais ou da criação de bolsas de juízes (vejam-se, respetivamente, o artigo 38.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, bem como o artigo 88.º da LOSJ e a Deliberação n.º 1729/2015 do Conselho Superior da Magistra-tura relativa ao Regulamento do Quadro Complementar de Juízes).

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31.ºA violação do princípio do juiz natural ocorre ainda no tocante ao segmento da norma

criticada, na parte em que autoriza, sempre com base em critério subjetivo e casuístico, a expropriação de determinado juiz do seu poder judicativo relativamente a um dado pro-cesso, para o qual fora previamente designado para intervir nos termos da lei, ou seja, após a definição ou individualização, segundo regras gerais e abstratas, do concreto juiz (ou concreta formação judiciária) competente para a sua apreciação.

32.ºA esta luz, não pode deixar de afirmar-se que, nessa “afetação de processos”, a alteração,

impulsionada ao abrigo do disposto na alínea f ), do n.º 4, do artigo 94.º da LOSJ, da concreta composição judiciária para certa causa, sempre resultará de uma determinação de base discricionária, para que outro juiz, que não o respetivo juiz natural ou juiz legal, intervenha nesse mesmo processo.

33.ºDe outro modo dito: o problema da norma aqui reprovada reside na possibilidade de

subtração ao juiz ou tribunal de causa que já lhe estava afeta por lei, privando-o desse con-creto poder judicativo, na sequência de proposta formulada pelo presidente do tribunal de comarca, no exercício de competências de gestão processual, visando a sua atribuição a outro juiz ou tribunal.

34.ºNem se argumente que presidem também ao segmento normativo ora questionado os

fins — reitero, em si legítimos — de “equilíbrio da carga processual” e de “eficiência dos serviços”, em uma busca do bem fundado da medida gestionária em causa, que pudesse afastar o excesso ou desproporcionalidade da opção do legislador ordinário.

35.ºNão sendo os fins visados estranhos a valores cuja dignidade constitucional é irrefu-

tável, como seja, nomeadamente, a celeridade processual (vejam-se os n.os 4 e 5 do artigo 20.º e o n.º 2 do artigo 32.º da CRP), inclusive enquanto “princípio de ordenação eficaz” dos meios de realização da administração da justiça (veja-se o acórdão do Tribunal Cons-titucional n.º 482/2014, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 143, de 28 de julho de 2014), a reafetação de processos nos termos autorizados pela alínea f ), do n.º 4, do artigo 94.º da LOSJ importa, porém, um sacrifício absolutamente desmedido do con-teúdo significante do princípio do juiz natural.

36.ºIsto, porquanto, uma vez mais, a norma em causa não evita o risco de arbitrariedade ou

discricionariedade desvelada pela possibilidade de alocação casuística e a posteriori de um concreto processo a outro juiz ou coletivo de juízes.

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37.ºE basta a existência desse risco, seja ele real ou aparente, para a norma estar ferida do

vício de inconstitucionalidade que lhe apontamos, colocada que está em causa a própria razão de ser do princípio do juiz natural, que é a de «evitar a designação arbitrária de um juiz ou tribunal para decidir um caso submetido a juízo», nas palavras de Germano Mar-ques da Silva e Henrique Salinas (In: Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portu-guesa Anotada, Tomo I, 2.ª edição, Coimbra: Coimbra Editora, 2010, p. 738).

38.ºO raciocínio até aqui expendido — dirigido a alicerçar as razões pelas quais considero

que a norma constante da alínea f ), do n.º 4, do artigo 94.º da LOSJ carrega em si uma inaceitável subjetivação da “escolha do decisor”, incluindo a possibilidade de subtração da causa ao seu juiz legal, sendo, consequentemente, expressão de desconformidade constitu-cional por vulneração do princípio do juiz natural que a CRP acolhe especificamente em sede das garantias de processo penal, bem como, quanto ao primeiro segmento da norma, do princípio da inamovibilidade dos juízes, nos termos expostos — é válido, justamente e conforme inicialmente antecipei, em relação às causas em matéria criminal.

39.ºNão considero, todavia, que as conclusões sejam diferentes se o exercício da compe-

tência definida na citada norma da LOSJ disser antes respeito a causas do foro civil, já que também em sede de processo civil é similarmente aplicável a garantia de que nenhuma causa será apreciada por juiz ou tribunal designado arbitrária ou discricionariamente, isto é, segundo critérios casuísticos e, portanto, discriminatórios.

40.ºIsto, seja por força do princípio do juiz natural, qua tale — ou, na eventualidade de se

entender que este é um princípio constitucional específico do processo penal —, seja por força do direito a um processo equitativo, direito fundamental cujo âmbito de proteção abrange o direito de toda a pessoa a que uma causa em que intervenha seja apreciada por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei.

41.ºTrilha-se, em seguida, o caminho que permite sustentar tais pontos de vista, no que

especificamente tange à relevância, enquanto parâmetro de controlo na situação vertente, do princípio do juiz natural ou do direito a um processo equitativo consoante esteja em causa matéria criminal ou matéria civil, mantendo-se válidas, mutatis mutandis, as demais considerações já tecidas a respeito da incidência do princípio da inamovibilidade dos juízes.

42.ºDestarte e antes de mais, conforme ficou evidenciado, nomeadamente, no acórdão do

Tribunal Constitucional n.º 82/2014, compreende-se que o legislador constituinte tenha optado por consagrar o princípio do juiz natural especificamente na esfera das garantias

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de processo penal, «uma vez que a teleologia do juiz natural se associa à ideia de “impedir que motivações de ordem política ou análoga – aquilo em suma, que compreensivamente se pode designar pela raison d’État – conduzam a um tratamento jurisdicional discriminatório e, por isso mesmo, incompatível com o princípio do Estado-de-direito” (cfr. Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 84)», conforme se escreve no mencionado aresto.

43.ºSem embargo, aludindo-se no mesmo acórdão a um entendimento em torno do «prin-

cípio do juiz natural como dimensão resultante do princípio geral da independência que vale para toda e qualquer instância judicial, independentemente da matéria em causa – nos termos do artigo 203.º da Constituição», logo se acrescenta, nesse cenário, que «o seu alcance não tem uma abrangência mais vasta do que a exigência do respeito pelo “juiz legal” que o legislador constituinte optou por consagrar especificamente no campo das garantias de defesa em matéria penal».

44.ºVale por dizer: aceitando-se, à luz do que antecede — e até porque se trata de dimensão

intrinsecamente ligada à própria ideia de due process —, que o respeito pelo princípio do juiz natural se impõe enquanto tal nas demais instâncias judiciais, com similar incidência com que releva no âmbito criminal (a saber, «designação e pré-determinação do juiz (e tribunal) competente de harmonia com critérios legais, gerais e abstratos, aprovados e em vigor à data da prática dos factos», na formulação que o Tribunal Constitucional verteu no citado acórdão n.º 82/2014), a norma constante da alínea f ), do n.º 4, do artigo 94.º da LOSJ é inconstitucional por desconformidade com as exigências constitucionais do refe-rido princípio, também na sua aplicação enquanto princípio material do processo civil, pelas razões que já anteriormente deixei expressas.

45.ºSe assim não for valorado no horizonte dos parâmetros de controlo da presente ques-

tão jurídico-constitucional, sempre aquela norma, na sua aplicação no âmbito civil e pelos resultados que já antecipei, violará o direito a um processo equitativo, expressamente afir-mado e autonomizado na sequência da revisão constitucional de 1997, no n.º 4 do artigo 20.º da CRP, sob o manto do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, um dos elementos essenciais à noção de Estado de Direito.

46.ºParte integrante do universo das exigências basilares postas pelo direito internacional

dos direitos humanos — com expressão em instrumentos como a Declaração Universal dos Direitos do Homem (artigo 10.º), o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (artigo 14.º), a Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH, artigo 6.º) e a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (artigo 47.º) —, o direito a um processo equitativo compreende, necessariamente, as garantias de organização e com-posição do tribunal para a apreciação da causa que entroncam no princípio do juiz natural,

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sendo, de resto e em conformidade, corolário do princípio da independência dos tribunais (artigo 203.º da CRP).

47.ºNa verdade, conforme assinalam, entre nós, J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (In:

Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, ob. cit., p. 415),

«O due process positivado na Constituição portuguesa deve entender-se num sen-tido amplo, não só como um processo justo na sua conformação legislativa (…), mas também como um processo materialmente informado pelos princípios materiais da jus-tiça nos vários momentos processuais.»

48.ºPor seu turno, no dizer desse Tribunal, no acórdão n.º 350/2012:

«O artigo 20.º da CRP garante a todos o direito de acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, impondo igualmente que esse direito se efetive – na conformação normativa pelo legislador e na concreta condução do processo pelo juiz - através de um processo equitativo (n.º 4).

Como o Tribunal Constitucional tem repetidamente sublinhado, o direito de acesso aos tribunais é, entre o mais, o direito a uma solução jurídica dos conflitos a que se deve chegar em prazo razoável e com observância das garantias de imparcialidade e indepen-dência (…).»

49.ºNeste horizonte, não podem perder-se de vista as exigências institucionais ou organi-

zatórias postas pelo direito a um processo equitativo, que se refletem também em posições subjetivas e garantias objetivas, condensadas afinal na fórmula “tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei” a que alude o n.º 1 do artigo 6.º da CEDH, preceito inspi-rador do legislador da quarta revisão constitucional na autonomização materializada pelo n.º 4 do artigo 20.º da CRP.

50.ºSem prejuízo da autonomia dos conceitos vertidos nessa mesma norma da CEDH,

recorde-se que as respetivas determinações normativas contemplam, no que estritamente releva para a questão que aqui nos ocupa, a dimensão tanto civil como penal da adminis-tração da justiça (sem prejuízo dos requisitos mais exigentes estando em causa “acusação em matéria penal”, relativamente às causas em matéria de “direitos e obrigações de caráter civil”).

51.ºDestarte, atenta a abertura do nosso texto constitucional para com o direito interna-

cional dos direitos humanos (veja-se o artigo 16.º da CRP) e com o olhar pousado na juris-prudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) em torno do artigo 6.º da CEDH, principiando pela exigência de um tribunal “estabelecido pela lei”, observa-se

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que tal requisito abrange não apenas a base jurídica da própria existência do tribunal, mas também o respeito pelo tribunal das regras que o regem; acresce que a legalidade de um tribunal respeita necessariamente também à respetiva composição (Cour Européenne des Droits de l’Homme, Guide sur l’article 6: Droit à un procès équitable (volet civil), Conseil de l’Europe, 2013, pp. 25-26).

52.ºQuanto à inclusão, no âmbito de proteção do direito a um processo equitativo, da

exigência da intervenção de um tribunal independente e imparcial, trata-se de conceitos intensamente interligados, que ancoram os elementos essenciais constitutivos da própria noção de tribunal: sem independência e imparcialidade não é possível falar-se de um ver-dadeiro tribunal.

53.ºAinda na jurisprudência do TEDH, de entre os critérios de apreciação relevantes para

o Tribunal de Estrasburgo aferir se o órgão encarregue de apreciar determinada causa é independente, conforme exigido pelo n.º 1 do artigo 6.º da CEDH, permito-me destacar, por um lado, o modo de designação dos respetivos membros e, por outro, a aparência de independência.

54.ºQuanto ao primeiro, para realçar que, se é certo que o TEDH encara a matéria da

atribuição de um processo a determinado juiz ou tribunal como relevando da margem de apreciação das autoridades nacionais (o que se reflete, no patamar do ordenamento jurídico interno, na liberdade de conformação do legislador na concretização, dentro dos parâmetros constitucionais, das regras para a determinação do juiz da causa e da distribui-ção de processos), não deixa o mesmo Tribunal de assumir que lhe pertence verificar, nos casos sub judice, ante um situação de (re)afetação, se esta configura uma medida compa-tível com o n.º 1 do artigo 6.º e, em particular, com os seus requisitos de independência e de imparcialidade objetiva (veja-se TEDH, Bochan v. Ucrânia, acórdão de 3 de maio de 2007, § 71).

55.ºNo que toca, por seu turno, à questão das aparências, o fator decisivo para o TEDH

não é tanto a perspetiva da parte interessada, mas, decisivamente, saber se a apreensão que esta manifesta pode ser tida como “objetivamente justificada”.

56.ºDe outro modo dito, só existe um problema de independência quando o Tribunal de

Estrasburgo seja de opinião que um “observador objetivo” veria nas circunstâncias espe-cíficas do caso sub judice uma fonte de preocupação a tal respeito (Cour Européenne des Droits de l’Homme, Guide sur l’article 6, citado, p. 29; Ireneu Cabral Barreto, A Con-venção Europeia dos Direitos do Homem: Anotada, 5.ª ed. revista e atualizada, Coimbra: Almedina, 2015, p. 199).

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57.ºCom este imperativo da independência e no dizer de Ireneu Cabral Barreto (ibid., p.

197), «preconiza-se a eliminação de certas aparências quando elas podem dar a impres-são, ainda que errada, de uma falta de independência».

58.ºOra, é justamente uma inquietação desta natureza que suscita a norma constante da alí-

nea f ), do n.º 4, do artigo 94.ºda LOSJ, também no âmbito do processo civil e por idêntica ordem de razões que supra enunciámos, pois o seu sentido normativo permite colocar os juízes, em concreto, em uma situação relativamente à qual se possa fundadamente questio-nar a sua independência (real ou aparente).

59.ºE este é um resultado que mina tanto o direito a um tribunal independente como a

garantia objetiva da independência dos tribunais, que inerem ao direito fundamental a um processo equitativo.

60.ºRequerendo este direito fundamental a criação de condições objetivas que permitam

assegurá-lo, uma determinação normativa como a vertida no citado preceito da LOSJ não alimenta, ao invés deteriora, a confiança que em um Estado de Direito os tribunais devem inspirar aos cidadãos.

61.ºNoto, enfim, — e não considero este argumento subalterno — que as normas que julgo

constitucionalmente impróprias permitem a modificação de um dos sujeitos do processo — o tribunal — por decisão exterior a esse processo, de um órgão não jurisdicional, sem que aos outros sujeitos e intervenientes processuais seja disponibilizado um meio intra-processual de impugnação dessa mesma decisão.

62.ºE como tenho por irrecusável que se pense a independência como a mais irrenunciável

característica do julgar e, portanto, da função judicial, este aspeto vincula também a con-clusão de que as normas questionadas não cumprem uma tarefa essencial da lei: velar para que, em cada tribunal e relativamente a todos os sujeitos processuais, reine uma atmosfera de pura objetividade e de incondicional juridicidade.

63.ºMotivo pelo qual entendo que a norma em causa viola, independentemente da natu-

reza criminal ou civil da matéria trazida a juízo, o direito a um processo equitativo, con-sagrado no n.º 4 do artigo 20.º da CRP, no marco do direito à tutela jurisdicional efetiva, pilar fundamental do Estado de Direito.

64.ºRetornando por fim à doutrina constitucional, em busca de luz sobre a interrogação

“o que é um processo justo?”, J. J. Gomes Canotilho, ao evidenciar a respetiva conceção

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material ou substantiva, por contraste com a conceção processual, escreve o seguinte a respeito da teoria substantiva (In: Direito Constitucional e Teoria da Constitucional, 7.ª ed., Coimbra: Almedina, 2003, p. 494):

«Esta última teoria é, como salienta a doutrina norte-americana, uma value-oriented theory, pois o processo devido deve ser materialmente informado pelos princípios da justiça. Mais do que isso: o “processo devido” começa por ser um processo justo logo no momento da criação normativo-legislativa. Os objetivos da exigência do processo devido não poderiam ser conseguidos se o legislador pudesse livre e voluntariamente converter qualquer processo em processo equitativo. Esta é a razão pela qual os auto-res passaram a reclamar a necessidade de critérios materiais informadores do processo devido expressa ou implicitamente revelados pelas normas da Constituição e pelos usos e procedimentos estabelecidos no direito comum ou “disposições estatutárias”. Pas-sou, assim, a falar-se de processo devido substantivo. O problema nuclear da exigência de um due process não estaria tanto – ou pelo menos não estaria exclusivamente – no procedimento legal mediante o qual alguém é declarado culpado e castigado (…) por haver violado a lei, mas sim no facto de a lei poder ela própria transportar a “injustiça” privando a pessoa de direitos fundamentais.»

65.ºNeste horizonte, a norma vertida na alínea f ), do n.º 4, do artigo 94.º da LOSJ carrega

essa iniquidade na sua aplicação às instâncias judiciais, vulnerando, no seu conteúdo sig-nificante, também o direito a um processo equitativo constitucionalmente consagrado.

66.ºA injustiça que lhe apontamos é tanto mais grave quanto é certo estar o legislador obri-

gado a definir um quadro legal que escore e promova a independência, imparcialidade e inamovibilidade dos juízes, como forma de realização e efetivação do princípio do juiz natural nas causas concretas que sejam chamados a dirimir (n.º 9 do artigo 32.º da CRP) e do direito dos cidadãos a um processo justo ou equitativo perante os tribunais (n.º 4 do artigo 20.º da CRP).

67.ºEm última instância, o não cumprimento cabal daquele dever, que recai sobre o legis-

lador ordinário, ofende a realização do princípio da independência dos tribunais, que a CRP consagra no artigo 203.º e se afere materialmente também, na afirmação da inde-pendência como elemento essencial constitutivo da noção de tribunal, pela dimensão de predeterminação do juiz (e tribunal) competente para determinada causa, de harmonia com critérios estabelecidos na lei, gerais e abstratos.

68.ºEm conformidade, a norma constante da alínea f ), do n.º 4, do artigo 94.º da LOSJ, na

medida em que franqueia, tanto no foro criminal, como no foro cível, a possibilidade de manipulação da concreta composição judiciária para a apreciação das causas, assim como

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um verdadeiro desaforamento com base em critérios puramente casuísticos, com prejuízo para a confiança que os cidadãos depositam nos tribunais enquanto órgãos de soberania com competência para administrar a justiça, viola consequentemente também o princípio constitucional da independência dos tribunais, de que as dimensões do juiz natural, do processo devido e da inamovibilidade dos juízes são corolário.

Nestes termos, requer-se ao Tribunal Constitucional que aprecie e declare, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma constante da alínea f ), do n.º 4, do artigo 94.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto (LOSJ), por violação do n.º 9 do artigo 32.º, do n.º 4 do artigo 20.º, do n.º 1 do artigo 216.º e do artigo 203.º da CRP.

Proc. Q-4802/13Data: 2016/09/15Assunto: Segurança privada. Liberdade de profissão. Efeitos das penas criminaisSequência: Situação pendente em 31 de dezembro de 2016

O Provedor de Justiça, no uso da competência prevista na alínea d), do n.º 2, do artigo 281.º da CRP, vem requerer ao Tribunal Constitucional a fiscalização abstrata sucessiva da constitucionalidade da norma constante da alínea d), do n.º 1, do artigo 22.º da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio, e, na parte em que remetem para a mesma, das normas constantes dos n.os 2, 3 e 4 do mesmo artigo, ao condicionarem a concessão de licença ou autorização para o exercício de atividade de segurança privada ao requisito da inexistência de conde-nação transitada em julgado pela prática de crime doloso.

Considera o Provedor de Justiça que as referidas determinações violam as normas con-tidas no n.º 4 do artigo 30.º e n.º 1 do artigo 47.º, ambos da CRP, nos termos e com base na fundamentação a seguir aduzida.

1.ºEstá em causa o regime de licenciamento ou autorização do exercício da atividade de

segurança privada, em especial no que se refere ao requisito da inexistência de condena-ção, por sentença transitada em julgado, pela prática de crime doloso, nos termos defini-dos na citada alínea d), do n.º 1, do artigo 22.º, com as remissões efetuadas pelos n.os 2, 3 e 4 do mesmo dispositivo legal.

2.ºTal significa que estas normas impedem, como efeito acessório necessário de condena-

ção criminal, a concessão do cartão de vigilante para exercício da atividade de segurança privada, em ofensa ao direito fundamental à liberdade de profissão, no enquadramento acima indicado.

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3.ºSegundo o n.º 1 do artigo 22.º da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio,«os administradores ou gerentes de sociedades que exerçam a atividade de segurança

privada devem preencher, permanente e cumulativamente» os requisitos ali elencados. Nos termos da sua alínea d), uma destas condições é «não ter sido condenado, por sen-tença transitada em julgado, pela prática de crime doloso previsto no Código Penal e demais legislação penal».

4.ºDe acordo com os n.os 2, 3 e 4 do mesmo artigo, aquela exigência vale não só para os

administradores ou gerentes de sociedades, mas também, respetivamente, para o pessoal de vigilância, o diretor de segurança, o responsável pelos serviços de autoproteção e os formadores de segurança privada.

5.ºNeste horizonte, a existência de uma condenação irrecorrível em virtude do cometi-

mento de um delito doloso acarreta, de forma imediata e obrigatória, a impossibilidade de obtenção do respetivo título administrativo (alvará, licença ou autorização) indispensável para o desempenho da atividade de segurança privada.

6.ºEstá-se seguramente perante um efeito automático da punição, que inviabiliza o acesso

a uma determinada profissão e seu posterior exercício, em flagrante violação das normas constitucionais indicadas.

7.ºA CRP assegura a todos, indistintamente, a liberdade de escolha de profissão (n.º 1 do

artigo 47.º), «salvas as restrições legais impostas pelo interesse colectivo ou inerentes à sua própria capacidade».

8.ºNão se trata esta, como se viu, de uma garantia absoluta. Na medida em que este direito

fundamental está sujeito à reserva de lei restritiva fundada na existência de interesse público (n.º 1, in fine, do artigo 47.º), assume relevância central neste território a lógica de ponderação de bens e interesses embutida no princípio da proporcionalidade (n.º 2 do artigo 18.º). Isso significa que as limitações apenas serão legítimas se refletirem uma deter-minada intencionalidade de tutela de outros direitos constitucionalmente protegidos e se não contrariarem a proibição de excesso.

9.ºPara além destas condições existe ainda uma barreira inultrapassável, também fixada

no texto constitucional: em nenhuma circunstância a perda de um direito profissional pode resultar ope legis como efeito direto, forçoso e inafastável de uma pena ou de uma condenação criminal (n.º 4 do artigo 30.º).

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10.ºSe o exercício do jus puniendi estatal não deve implicar a «morte profissional» do

criminoso, o legislador não pode associar mecanicamente à sua punição uma proibição geral e abstrata que restringe eo ipso, sem a mediação densificadora de um acurado juízo de adequação e de necessidade no caso concreto, o seu direito de escolher livremente a profissão a exercer.

11.ºNa base deste limite absoluto ou incondicional — porque blindado em relação ao jogo

de ponderação típico do processo de restrição legal dos direitos fundamentais — está a legítima preocupação de garantir algumas condições de partida imprescindíveis para a efetivação do programa de ressocialização do delinquente.

12.ºPara tanto, a norma constitucional afasta determinadas consequências estigmatizantes,

dessocializadoras e criminógenas que prejudicam sobremaneira a realização da finalidade, também constitucionalmente assumida, de proporcionar ao criminoso as bases para a sua reinserção comunitária.

13.ºO que se pretende é impedir que à imposição de uma pena seja legalmente amarrada,

de maneira linear e contínua, uma outra sanção jurídica com gravidade equivalente, ou seja, uma outra restrição de direito com repercussões substanciais sobre o projeto de vida do cidadão condenado em pena criminal.

14.ºIsoladamente considerado, o facto criminoso não tem o condão de fundamentar, por si

só e abstratamente, a denegação do título de exercício. Compete à administração, sempre habilitada pela lei, efetuar no caso concreto uma valoração autónoma da conduta prévia do requerente, ponderando acerca da adequação e da necessidade da restrição à sua liber-dade de profissão.

15.ºIsso aplica-se mesmo naqueles casos em que é possível identificar alguma conexão nor-

mativa entre a natureza do delito cometido e a natureza da atividade profissional preten-dida: também em este cenário será irrenunciável a interposição de um exame adminis-trativo capaz de avaliar cuidadosamente a gravidade do facto praticado e a idoneidade cívica de cada candidato que almeja exercer a atividade de segurança privada, bem como os aspetos que se prendem com as perspetivas de ressocialização do agente.

16.ºSomente após esta ponderação será possível decidir sobre a virtualidade da condenação

para fundamentar a recusa de concessão da licença requerida.

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17.ºAo impedir, em termos gerais e abstratos, sem qualquer mediação ponderadora através

de uma condenação judicial ou decisão administrativa concreta, o exercício da atividade de segurança privada por quem foi definitivamente condenado pela prática de crime doloso, a alínea d), do n.º 1, e, por remissão, os n.º 2, 3 e 4 do artigo 22.º da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio, estão em clara rota de colisão com os supracitados dispositivos constitucionais.

18.ºÉ interessante sublinhar, uma vez mais, que a este respeito nem sequer se coloca um

verdadeiro problema de balanceamento de direitos fundamentais a ser resolvido, no plano legislativo, segundo critérios de proporcionalidade.

19.ºPor maior força que pudéssemos emprestar ao argumento sobre a verificação de inte-

resse público relevante a favor de uma fixação legal de efeitos necessários ou automáticos das penas, existe a montante uma proibição categórica imune a todo e qualquer tipo de consideração utilitarista de custo-benefício. O texto constitucional é, aliás, bastante enfá-tico neste sentido (n.º 4 do artigo 30.º): «[n]enhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos.» [itálico meu]

20.ºNesta direção vai também a jurisprudência firme e constante do Tribunal Consti-

tucional, ao considerar que aqueles efeitos materialmente equivalem, na prática, a uma outra pena, que, por isso mesmo, deve estar sujeita às regras próprias do Estado de direito democrático, designadamente o princípio da reserva judicial, o princípio da culpa e o princípio da proporcionalidade da sanção. Basta mencionar, por exemplo, os acórdãos n.os 154/2004, 239/2008, 368/2008 e 25/2011.

21.ºPor sua clareza e relevância, merece transcrição um fragmento do mencionado acórdão

n.º 25/2011:

«O artigo 30.º, n.º 4, da Constituição, estabelece que ‹[N]enhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos›. Como já se escreveu no Acórdão n.º 368/08, esta norma constitucional ‹visa salvaguardar que qualquer sanção penalizadora da conduta punida, independentemente da sua natureza e medida, resulte da concreta apreciação, pela instância decisória, do desvalor dessa conduta, por confronto com os padrões normativos aplicáveis. O que se proíbe é a automática imposição de uma sanção, como efeito mecanicisticamente associado à pena ou por esta produzido, sem a mediação de qualquer juízo, em concreto, de ponderação e valoração da sua justificação e adequação, tendo em conta o contexto do caso. E a proibição é necessária para garantia de efectivação de princípios fundamentais de política criminal (…)›. Ou seja, como se sustentou no Acórdão n.º 284/89: ‹(…) com tal preceito constitucional pretendeu-se proibir que, em resultado de quaisquer condenações penais, se produzissem automaticamente, pura e simplesmente ope legis,

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efeitos que envolvessem a perda de direitos civis, profissionais e políticos e pretendeu-se que assim fosse porque, em qualquer caso, essa produção de efeitos, meramente meca-nicista, não atenderia afinal aos princípios da culpa, da necessidade e da jurisdiciona-lidade, princípios esses de todo inafastáveis de uma lei fundamental como a Consti-tuição da República Portuguesa que tem por referente imediato a dignidade da pessoa humana›. A proibição dos efeitos necessários das “penas” estende-se, por identidade de razão, aos efeitos automáticos ligados à “condenação” pela prática de certos crimes (vide, neste sentido, Gomes Canotilho/ Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, I, Coimbra, 2007, 505). E é aplicável não apenas no âmbito do ilícito penal, mas também no âmbito do ilícito administrativo, nomeadamente, quando estejam em causa efeitos de ilícitos disciplinares (cfr., por todos, o Acórdão n.º 562/2003 e a rese-nha jurisprudencial nele constante).»

Diante deste enquadramento da questão de direito e da inequívoca tensão entre a legis-lação vigente e os mencionados princípios constitucionais, requer-se ao Tribunal Cons-titucional que aprecie e declare, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade das normas constantes da alínea d), do n.º 1, e, quanto à remissão para a mesma feita, dos n.os 2, 3 e 4 do artigo 22.º da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio, por violação do disposto no n.º 4 do artigo 30.º e n.º 1 do artigo 47.º, ambos da CRP.

Proc. Q-2287/16Data: 2016/12/21 Assunto: Acidentes de serviço e doenças profissionais. Reparação Sequência: Situação pendente em 31de dezembro de 2016

O Provedor de Justiça, no uso da competência prevista na alínea d), do n.º 2, do artigo 281.º da CRP, vem requerer ao Tribunal Constitucional a fiscalização abstrata sucessiva da constitucionalidade das normas constantes da alínea b), do n.º 1, bem como dos n.os 3 e 4, quanto a este último, na parte em que remete para aquelas normas, todos do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro (regime dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais ao serviço de entidades empregadoras públicas), na redação dada pelo artigo 6.º da Lei n.º 11/2014, de 6 de março.

Considera o Provedor de Justiça que as referidas normas violam o direito fundamental dos trabalhadores à justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional, e o princípio da igualdade, acolhidos, respetivamente, na alínea f), do n.º 1, do artigo 59.º e no artigo 13.º da CRP, nos termos e com base na fundamentação a seguir aduzidos.

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1.ºO Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, alterado por último pela Lei n.º

82-B/2014, de 31 de dezembro, contém «o regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais ocorridos ao serviço de entidades empregadoras públicas» (artigo 1.º do diploma, na redação dada pela Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro).

2.ºConforme resulta explicitamente das respetivas considerações preambulares, o legisla-

dor quis acolher no citado Decreto-Lei, os princípios consagrados na “lei geral” em maté-ria de reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, adaptando-os às “especificidades da Administração Pública”.

3.ºÀ data, o “regime geral” dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais encontra-

va-se vertido na Lei n.º 100/97, de 13 de setembro, e legislação complementar (veja-se a alínea a), do n.º 1, do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro), diplomas entretanto revogados, na sequência da posterior codificação da legislação laboral.

4.ºA esta luz, entre os princípios que estruturaram, na sua matriz, o regime vertido no

Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, o legislador sinalizou, entre outros, a garan-tia, aos trabalhadores ao serviço da Administração Pública, «do direito às mesmas pres-tações, quer em espécie, quer de natureza pecuniária» (veja-se a alínea b) do ponto 4 das considerações preambulares daquele diploma).

5.ºNa esfera da relação de emprego público, note-se, ainda, que tendo sobrevindo a

LGTFP (aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, e alterada, por último, pela Lei n.º 18/2016, de 20 de junho), o legislador manteve aí a opção de remeter para diploma próprio «[o] regime de acidentes de trabalho e doenças profissionais dos trabalhadores que exercem funções públicas» (alínea b) do artigo 5.º da LGTFP).

6.ºNeste horizonte, no direito vigente, a par do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novem-

bro, na sua redação atual, o regime dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais consta essencialmente dos artigos 281.º a 284.º do CT (aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, e alterado, por último, pela Lei n.º 28/2016, de 23 de agosto) e respetiva regulamentação, vertida hoje, em matéria de reparação (incluindo a reabilitação e reinte-gração profissionais), na Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro (LAT).

7.ºO Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, ora visado, enformando o regime jurí-

dico relativo ao infortúnio do trabalho ocorrido ao serviço de entidades empregadoras públicas — e deixando, por enquanto, em suspenso, a questão do desenho exato do seu âmbito subjetivo de aplicação (matéria sobre a qual nos debruçaremos com maior detalhe

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infra) — reconhece aos trabalhadores destinatários o «direito, independentemente do respectivo tempo de serviço, à reparação, em espécie e em dinheiro, dos danos resultantes de acidentes em serviço e de doenças profissionais», nos termos que o próprio diploma rege (n.º 1 do artigo 4.º; veja-se, ainda, o n.º 2 do mesmo preceito).

8.ºNo que releva para as questões cuja bondade constitucional é aqui discutida, o direito

à reparação em dinheiro compreende, entre outros, a «[i]ndemnização em capital ou pen-são vitalícia correspondente à redução na capacidade de trabalho ou de ganho, no caso de incapacidade permanente», bem como a «[p]ensão aos familiares, no caso de morte» (respetivamente, alíneas b) e g), do n.º 4, do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro).

9.ºPara efeitos de aplicação do mesmo Decreto-Lei, considera-se incapacidade perma-

nente parcial «a situação que se traduz numa desvalorização permanente do trabalhador, que implica uma redução definitiva na respectiva capacidade geral de ganho», e incapa-cidade permanente absoluta «a situação que se traduz na impossibilidade permanente do trabalhador para o exercício das suas funções habituais ou de todo e qualquer trabalho» (vejam-se as alíneas l) e m), do n.º 1, do artigo 3.º daquele diploma).

Observe-se, ainda, com Carlos Alegre, versando sobre as prestações por incapacidade no quadro da pretérita Lei n.º 100/97, de 13 de setembro, a saber, as pensões, respei-tantes a incapacidades permanentes, e as indemnizações, correspondendo a situações de incapacidade temporária (in Acidentes de trabalho e doenças profissionais: Regime jurídico anotado, 2.ª ed., Coimbra, Almedina, 2009, p. 99):

«No sentido que aqui interessa, a pensão é uma renda anual, paga vitaliciamente, periodicamente, em regime de duodécimos.A lei dos acidentes de trabalho distingue as pensões das indemnizações, exatamente porque estas últimas não têm carácter vitalí-cio, pagas unitariamente, embora, em muitos casos, possam ser pagas periodicamente. Ambas têm em vista satisfazer os prejuízos resultantes de um dano físico, mas as pensões de forma vitalícia ou permanente e as indemnizações de forma pontual».

10.ºAcresce que, nas situações de incapacidade permanente ou morte, o legislador come-

teu a responsabilidade pela avaliação e reparação à CGA. Veja-se o n.º 3 do artigo 5.º, bem como as normas constantes do Capítulo IV do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro.

11.ºÉ justamente inserido, na sistemática do diploma, no Capítulo IV acabado de men-

cionar, que se desvela o artigo 41.º, congregando as regras de acumulação de prestações — cerne da nossa atenção — e cujo teor aqui se transcreve na íntegra:

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«Artigo 41.º Acumulação de prestações1 – As prestações periódicas por incapacidade permanente não são acumuláveis:a) Com remuneração correspondente ao exercício da mesma atividade, em caso de

incapacidade permanente absoluta resultante de acidente ou doença profissional;b) Com a parcela da remuneração correspondente à percentagem de redução per-

manente da capacidade geral de ganho do trabalhador, em caso de incapacidade perma-nente parcial resultante de acidente ou doença profissional;

c) Com remuneração correspondente a actividade exercida em condições de exposi-ção ao mesmo risco, sempre que esta possa contribuir para o aumento de incapacidade já adquirida.

2 – O incumprimento do disposto no número anterior determina a perda das pres-tações periódicas correspondentes ao período do exercício da atividade, sem prejuízo de revisão do grau de incapacidade nos termos do presente diploma.

3 – São acumuláveis, sem prejuízo das regras de acumulação próprias dos respeti-vos regimes de proteção social obrigatórios, as prestações periódicas por incapacidade permanente com a pensão de aposentação ou de reforma e a pensão por morte com a pensão de sobrevivência, na parte em que estas excedam aquelas.

4 – O disposto nos números anteriores aplica-se, com as necessárias adaptações, às indemnizações em capital, cujo valor fica limitado à parcela da prestação periódica a remir que houvesse de ser paga de acordo com as regras de acumulação do presente artigo.»

13.ºAs normas cuja bondade constitucional se questiona constam, conforme inicialmente

antecipado e demarcado, da alínea b), do n.º 1, bem como dos n.os 3 e 4, quanto a este último, na parte em que remete para aquelas, todos do citado artigo 41.º, e resultam da alteração ao Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, materializada pela Lei n.º 11/2014, de 6 de março.

I. Da violação do direito à justa reparação por acidente de trabalho ou doença profissional

14.ºPrincipiando pelas regras de acumulação de prestações periódicas por incapacidade

permanente com remuneração, em virtude da nova solução normativa vertida na alínea b), do n.º 1, do artigo 41.º, em caso de incapacidade permanente parcial resultante de acidente de trabalho ou de doença profissional, a prestação periódica a que o trabalhador sinistrado ou afetado tem legalmente direito (isto é, a pensão vitalícia pela incapacidade permanente em questão) não é acumulável com a parcela da remuneração correspondente à percenta-gem de redução permanente da capacidade geral de ganho do trabalhador, significando

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que fica suspensa, ou, de outro modo perspetivado, se anula na remuneração que a vítima aufere pelas funções que continua a exercer.

15.ºInterrompendo-se o abono da pensão vitalícia ante a parcela remuneratória correspon-

dente que o trabalhador com incapacidade permanente parcial recebe como contrapar-tida do seu trabalho, tal significa que, em verdade, não há lugar a reparação pecuniária, per se e efetiva, do dano laboral sofrido e que é indemnizável à luz da lei, no quadro de uma responsabilidade com carácter objetivo.

16.ºOra, o dano em questão afere-se em função do seu resultado — vale por dizer: da con-

sequência da lesão corporal, perturbação funcional ou doença relevantes para efeitos da aplicação do regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais —, a saber, no caso de incapacidade permanente, a «redução na capacidade de trabalho ou de ganho» (veja-se, uma vez mais, a alínea b), do n.º 4, do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro).

17.ºPara a interpretação destes conceitos, vale a pena atentar novamente no que escreve

Carlos Alegre(in ob. cit., p. 40):

«Utilizámos a expressão incapacidade para trabalhar, mas fizemos notar que a lei refere capacidade de trabalho ou de ganho. Serão as duas palavras, usadas nesta última expressão, ligadas pela disjuntiva, sinónimas entre si e sinónimas com a capacidade para trabalhar?

Capacidade para trabalhar e capacidade de trabalho constituem, efectivamente, a mesma realidade onde não se vislumbram diferenças, pelo que será indiferente utilizar uma ou outra expressão.

Mas já a capacidade de ganho pode não traduzir uma realidade semelhante à capaci-dade de trabalho.

Regra geral, estas duas expressões serão, na prática, mesmo sinónimas, uma vez que para o trabalhador por conta de outrem, o ganho resulta do trabalho; isto é, o ganho constitui, normalmente, a retribuição única do trabalho, de tal modo que, se o trabalha-dor não trabalha não recebe retribuição ou se não trabalha de acordo com o que deveria ser a sua capacidade normal só será retribuído na respectiva proporção.

Podem conceber-se, porém, situações em que o trabalhador, vendo afectada ou redu-zida a sua capacidade de trabalho não é afectado ou reduzido na sua capacidade de ganho. Tais situações podem acontecer, por exemplo, quando exista um contrato de trabalho (individual ou colectivo) ou um contrato de seguro que garanta o pagamento integral do salário ao trabalhador sinistrado e diminuído na sua capacidade para trabalhar. Toda-via, a capacidade de ganho não tem que ver, apenas, com a retribuição, mas com outros aspectos importantes da vida do trabalhador, como a capacidade para progredir normal-mente na carreira, para melhorar a sua formação profissional, para mudar de profissão, etc.. É, quanto a nós, neste sentido amplo que a expressão capacidade de ganho deve ser

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tomada e, portanto, plenamente equiparada à expressão capacidade de (ou para o) tra-balho.» [realce em itálico, negrito no original]

18.ºEste sentido mais amplo de capacidade de ganho encontra eco igualmente na própria

definição de incapacidade permanente parcial, tal constante da alínea l), do n.º 1, do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, anteriormente citada.

19.ºA qualificação da capacidade de ganho como “geral”, independente da capacidade para

o trabalho, torna clara a distinção entre os dois conceitos: pode haver capacidade para trabalhar e redução da capacidade de ganho; por outro lado, esta última capacidade não se referindo, de modo estreito, às funções concretamente exercidas pelo trabalhador, antes traduz a potencialidade que o mesmo possui de obter rendimento através da sua atividade laboral.

20.ºDeste modo, a capacidade de ganho terá que necessariamente abranger os aspetos, refe-

ridos por Carlos Alegre, como a capacidade para evoluir profissionalmente, para adquirir nova formação e, mesmo, para mudar de profissão, em condições que poderiam ser remu-neratoriamente mais favoráveis para o trabalhador.

21.ºA título ilustrativo, basta pensar na hipótese de um técnico superior jurista que sofre

um acidente de trabalho, do qual resulta a amputação de um membro inferior. À partida, esta lesão não envolverá a incapacidade permanente absoluta, mesmo para o seu trabalho habitual, mas comportará naturalmente uma redução na sua capacidade geral de ganho: o próprio exercício profissional exigirá um esforço acrescido e a lesão sofrida condicionará, quer as hipóteses de alteração de funções, quer mesmo, em certa medida, as perspetivas de evolução profissional (o trabalhador poderá ver, por exemplo, dificultado o exercício de outras funções, como as de inspeção, envolvendo a necessidade de deslocações frequentes).

22.ºNesta situação hipotética, a aplicação da norma constante da alínea b), do n.º 1, do

artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, impedindo a acumulação da pensão a título de incapacidade permanente com a correspondente parcela da remunera-ção, tem por resultado que os efeitos da lesão sofrida pelo trabalhador na sua capacidade geral de ganho não serão objeto de qualquer reparação efetiva enquanto se mantiver em funções.

23.ºCapacidade geral de ganho que não tem a ver com a manutenção da remuneração aufe-

rida pelo trabalhador à data do acidente ou da doença, tanto mais que, nos termos do n.º 4 do artigo 23.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, as medidas aplica-das no regresso de trabalhador que sofra de incapacidade permanente que o impossibilite

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de exercer plenamente as suas anteriores funções não podem implicar a redução da sua remuneração.

24.ºSemelhante resultado viola o direito fundamental à justa reparação, reconhecido a

todos os trabalhadores, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional, tal como foi incorporado, na sequência da revisão constitucional de 1997, na alínea f), do n.º 1, do artigo 59.º da CRP, em alinhamento, aliás, com os instrumentos internacionais de direitos humanos (incluindo as dimensões de proteção firmadas sob a égide da Organi-zação Internacional do Trabalho).

25.ºDeterminando a CRP que a reparação por danos provindos do infortúnio laboral,

consubstanciados em lesão ou doença, há de ser “justa”, cuidou já o Tribunal Constitucio-nal desta dimensão material fundante, nos termos seguintes (colhidos no seu acórdão n.º 433/2016):

«A ideia de justiça na reparação – retirada do próprio léxico da norma constitu-cional citada – comete o legislador na incumbência de facultar os meios necessários e adequados à efetivação desse direito dos trabalhadores com vista à reparação dos danos sofridos pelas vítimas de um acidente de trabalho, a qual se procura efetiva e verdadei-ramente dirigida à superação ou, não sendo tal possível, à compensação dos danos na saúde e na capacidade e aptidão dos trabalhadores para a vida ativa e, em particular, para a atividade laboral.»

26.ºOra, à luz da referida dimensão material, o critério reparatório definido na lei, nas

prestações periódicas por incapacidade permanente parcial, por referência à redução na capacidade geral de ganho da vítima, exige que, na efetivação do correspondente direito fundamental do trabalhador — compreendido como um direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias (veja-se, na doutrina constitucional, J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4.ª ed. rev., Coim-bra Editora, 2007, p. 770, e, na jurisprudência do Tribunal Constitucional, o acórdão n.º 612/2008) —, a reparação do dano não fique tolhida em uma compreensão estreita segundo a qual, subsistindo a remuneração do trabalhador vítima, se esvanece, na prática e na parcela correspondente, qualquer dano indemnizável.

27.ºA este propósito e decaindo no tempo, recorde-se que a questão de «o salário auferido

por trabalhador que sofre de certo grau de incapacidade permanente para o trabalho [ser cumulável] com a indemnização, traduzida em qualquer espécie de prestação, que lhe foi concedida» (Carlos Alegre, ob. cit., p. 228) ficara já jurisprudencialmente estabilizada, em termos de princípios gerais, no quadro da vigência da legislação que precedera a Lei n.º 2127, de 3 de agosto de 1965 (Bases do regime jurídico dos acidentes de trabalho e

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doenças profissionais), originando, subsequentemente, soluções sob a forma de lei, que transitaram, no que ao regime geral tomado como referente pelo Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, diz respeito, para o preceituado no artigo 36.º da Lei n.º 100/97, complementado com o disposto no artigo 46.º da Lei n.º 142/99, de 30 de abril (nesse exato sentido, veja-se Carlos Alegre, ibid., pp. 99, 166 e 228, levando-o, justamente, a sinalizar aí, entre outras, e neste âmbito, as seguintes características das pensões:

«a) Dizem sempre respeito a incapacidades permanentes ou à morte sofrida pelo sinistrado (…); b) São fixadas em montantes anuais (…); c) Não podem ser suspensas ou reduzidas, mesmo que o sinistrado venha a auferir retribuição superior à que tinha antes do acidente, salvo em consequência da revisão prevista no artigo 25.º da Lei n.º 100/97 (artigo 46.º); d) são cumuláveis com quaisquer outras pensões (artigo 46.º); (…)»).

28.ºEm sintonia com o que antecede, a integridade da remuneração resulta também hoje

patente na LAT, desde logo ao proibir-se que o empregador desconte «qualquer quan-tia na retribuição do trabalhador ao seu serviço a título de compensação pelos encargos resultantes do regime [ali] estabelecido (…), sendo nulos os acordos realizados com esse objectivo» (artigo 13.º).

29.ºAcresce que a LAT não contém qualquer regra de impossibilidade de acumulação da

pensão por incapacidade permanente parcial com a remuneração, fixando, ao invés, no n.º 1 do artigo 51.º, o princípio de que «[a] pensão por incapacidade permanente não pode ser suspensa ou reduzida mesmo que o sinistrado venha a auferir retribuição superior à que tinha antes do acidente, salvo em consequência de revisão da pensão», sendo certo, outrossim, que a revisão da pensão está dependente, justamente, da verificação de «uma modificação na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado» e em que as causas de tal modificação se encontram tipificadas na lei (veja-se o artigo 70.º da LAT).

30.ºPor outro lado, contendo a LAT um regime comum para os acidentes de trabalho e

doenças profissionais, sem prejuízo de algumas adaptações para estas (vejam-se o n.º 2 do artigo 1.º e o n.º 1 do artigo 97.º), as regras que limitam, no âmbito das doenças profissio-nais, a acumulação de pensão com rendimentos do trabalho respeitam, no que aqui releva, «a pensão por incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho e a pen-são por incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, desde que, quanto a esta, a retribuição decorra do exercício do mesmo trabalho ou atividade sujeita ao risco da doença profissional em relação à qual é pensionista» (alínea c) do artigo 136.º da LAT).

31.ºNeste horizonte e volvendo ao Decreto-Lei n.º 503/99, na sua redação atual, afigura-se

evidente a dessintonia da norma constante da alínea b), do n.º 1, do artigo 41.º com as

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regras vertidas na LAT, tanto mais paradoxal quanto é certa a intenção explicitamente afirmada pelo legislador governamental, ao emanar aquele diploma, de assumir por refe-rente o “regime geral” em matéria de reparação dos danos emergentes de acidentes de tra-balho e de doenças profissionais.

32.ºDesiderato que materializou, no patamar normativo, designadamente no artigo 34.º

do mesmo Decreto-Lei, preceito que, para além de remeter, no n.º 1, para o “regime geral” a definição das prestações devidas por incapacidade permanente ou morte resultantes de acidente ou doença profissional, determina, no n.º 4, que «[a]s pensões e outras presta-ções previstas no n.º 1 são atribuídas e pagas pela Caixa Geral de Aposentações, regulan-do-se pelo regime nele referido quanto às condições de atribuição, aos beneficiários, ao montante e à fruição».

33.ºNão se duvidando que, conforme o Tribunal Constitucional tem reiteradamente

expressado, «o legislador dispõe de alguma margem de conformação na concretização do direito à justa reparação por acidentes de trabalho e doenças profissionais, consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Lei Fundamental» (nestes exatos termos, no seu acórdão n.º 219/2012), não pode, contudo, o legislador exercitar essa liberdade conformadora em termos que desrespeitem a CRP.

34.ºOra, a solução que ficou vertida na alínea b), do n.º 1, do artigo 41.º do Decreto-Lei

n.º 503/99, de 20 de novembro, não observa o comando constitucional de justa reparação por motivo de acidente de trabalho ou doença profissional, violando o conteúdo essencial do direito fundamental em questão.

35.ºA proibição legal de cumular a pensão vitalícia por incapacidade permanente parcial

com a correspondente parcela da remuneração que o trabalhador continua a auferir trans-muta, na realidade, algo que sempre será, por definição, a contrapartida do trabalho pres-tado pelo trabalhador, acrescendo-lhe uma função substitutiva daquela prestação repa-ratória, impedindo a efetivação da reparação do dano sofrido pelo trabalhador em dado momento da sua vida em virtude de infortúnio laboral.

36.ºSemelhante visão, que perpassa a norma criticada, circunscreve a finalidade das pres-

tações periódicas por incapacidade permanente a um mero subsídio de subsistência, a suspender sempre que o trabalhador vítima aufira correspondente parcela remuneratória (como contrapartida do trabalho que, não obstante a desvalorização resultante do aci-dente de trabalho sofrido ou a doença profissional de que padece, logra prosseguir pres-tar), obnubilando, em absoluto, o dano sofrido que é indemnizável, a despeito da ideia de justa reparação postulada na CRP e, afinal também, de uma visão holística da pessoa

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humana (agora, concretamente, nas vestes de trabalhador) e da atenção à dignidade cons-titucional de dimensões que tocam o seu projeto de vida profissional, desconsiderando, designadamente, a reparação da perda de perspetivas em termos de carreira, evolução ou valorização profissional, que é constitucionalmente devida.

37.ºA própria jurisprudência do Tribunal Constitucional corrobora esta dimensão abran-

gente quando, em aresto temporalmente próximo e tendo como referente o regime cons-tante do Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de outubro, relativo à Tabela Nacional de Inca-pacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, aí vislumbra «um regime autónomo, distinto do aplicável ao dano civil, especificamente desenhado para o dano laboral que atinge a capacidade de ganho do trabalhador e também a pessoa» (acórdão n.º 526/2016).

38.ºEm suma, a opção do legislador, ao impedir a acumulação de pensão por incapaci-

dade permanente parcial com a remuneração do trabalho, na parcela correspondente à percentagem de redução permanente da capacidade geral de ganho do trabalhador, tem por efeito a ausência de reparação do dano presente neste tipo de incapacidade.

39.ºVale por dizer: atribuir uma pensão vitalícia por incapacidade permanente parcial e

suspendê-la por força do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, é eliminar a reparação a que se destina aquela pensão, colo-cando em causa a proteção adequada que é devida a todo o trabalhador sinistrado ou com doença profissional, independentemente do regime jurídicolaboral em que se integre, o que consubstancia uma violação do direito fundamental que a CRP acolhe na alínea f), do n.º 1, do artigo 59.º.

40.ºA argumentação expendida, assente na centralidade de significado e autonomização

do dano laboral (que pode acarretar a redução da capacidade de trabalho ou de ganho, senão mesmo a morte do trabalhador) e da tutela que, como tal, o infortúnio do trabalho merece do Direito, vale, mutatis mutandis, relativamente às normas constantes dos n.os 3 e 4 do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, nos termos que dora-vante se especificam.

41.ºEm relação ao disposto no n.º 3 do artigo 41.º e com a devida salvaguarda das regras de

acumulação próprias dos respetivos regimes de proteção social obrigatórios, que aqui não nos ocupam, resulta do mesmo preceito que, na prática, as prestações periódicas por inca-pacidade permanente são deduzidas à pensão de aposentação ou de reforma (e a pensão por morte à pensão de sobrevivência).

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42.ºDito de um outro modo: na medida em que a pensão de aposentação ou de reforma

de quem sofreu acidente de trabalho ou doença profissional exceda a respetiva pensão vitalícia por incapacidade permanente (e a pensão de sobrevivência exceda a pensão por morte), apenas é paga a diferença ao respetivo aposentado, reformado ou beneficiário(s), consoante os casos.

43.ºDeste jeito, anulando-se, nos termos referidos, a pensão vitalícia em caso de aposenta-

ção ou reforma do trabalhador vítima que se manteve na vida ativa (e a pensão por morte ante uma pensão de sobrevivência), o legislador desconsidera, em absoluto, que em causa estão prestações pecuniárias que têm um escopo indemnizatório específico — no sen-tido da reparação da redução na capacidade de trabalho ou de ganho sofrida (ou, ainda, da morte do trabalhador) —, o qual não se confunde, por definição e princípio, com o escopo de proteção próprio das prestações sociais devidas nas situações de velhice (e viu-vez), de resto em boa parte assentes em uma lógica contributiva.

44.ºIlustrando com a pensão de aposentação ou de reforma por limite de idade, está em

causa uma pensão por direito próprio, diretamente substitutiva de rendimentos do traba-lho, é certo, porém, aferida em função do preenchimento de determinados pressupostos e com regras próprias e específicas de determinação do respetivo montante.

45.ºPara um sinistrado por acidente de trabalho ou afetado por doença profissional, que se

manteve na vida ativa, não obstante um certo grau de incapacidade permanente, a situa-ção de aposentação ou reforma por limite de idade apresenta-se, nas circunstâncias legal-mente definidas no n.º 3 do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, como vicissitude extintiva, na prática, da pensão vitalícia a título de incapacidade perma-nente, esvanecendo-se, a partir desse momento, a dimensão de reparação do dano labo-ral, quando é certo que este consubstancia uma realidade perfeitamente autónoma (que atende, como realçado, à perda no patamar da capacidade para evoluir profissionalmente, adquirir nova formação, acumular cargos ou mudar de profissão) e distinta daquela que, por seu turno, fundamenta a atribuição da pensão de aposentação ou de reforma, nomea-damente por limite de idade.

46.ºNo caso dos trabalhadores destinatários das normas em causa, são os mesmos dupla-

mente prejudicados, porque enquanto se mantiverem em exercício de funções, com a res-petiva remuneração, a sua pensão por incapacidade permanente é suspensa e, uma vez aposentados ou reformados, o pagamento daquela subsume-se na pensão de aposentação ou reforma que a exceda.

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47.ºNão assim na LAT, em que se determina explicitamente, em sede de regulamentação

da reparação de acidentes de trabalho e sem outro condicionamento, que «[a] pensão por incapacidade permanente é cumulável com qualquer outra» (n.º 2 do artigo 51.º da LAT), por um lado, e, por outro, que «[a] pensão por incapacidade permanente por doença profissional é acumulável com a pensão atribuída por invalidez ou velhice, no âmbito de regimes de protecção social obrigatória, sem prejuízo das regras de acumulação próprias destes regimes» (artigo 137.º da LAT).

48.ºPelo exposto, por princípio, o critério legalmente determinado no n.º 3 do artigo 41.º

do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, não observa, deste jeito, também a exi-gência de justa reparação afirmada constitucionalmente na alínea f), do n.º 1, do artigo 59.º da CRP, violando o seu conteúdo essencial, senão mesmo eliminando na prática o direito a uma reparação efetiva da lesão ou doença no âmbito laboral.

De harmonia com tudo o que antecede e por identidade de razão, na medida em que, por força da remissão feita, na parte relevante, no n.º 4 do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, as soluções normativas constantes da alínea b) do n.º 1 e do n.º 3 do mesmo preceito são aplicáveis, mutatis mutandis, às indemnizações em capital, cujo valor fica limitado à parcela da prestação periódica a remir que houvesse de ser paga de acordo com as regras de acumulação ali vertidas, padece a norma ora invocada, naquela parte, de idêntico vício material de inconstitucionalidade.

II. Da violação do princípio da igualdade

50.ºAlém de violadoras do direito fundamental à justa reparação por acidente de trabalho

ou doença profissional, as soluções normativas objeto da presente iniciativa não se compa-tibilizam, outrossim, com o princípio da igualdade, «um dos principais eixos estruturan-tes do regime constitucional dos direitos fundamentais – um princípio estruturante do Estado de Direito democrático e do sistema constitucional da República Portuguesa», na expressão do acórdão n.º 526/2016 do Tribunal Constitucional.

51.ºA este propósito e recuperando agora a questão do recorte exato do âmbito subjetivo

de aplicação do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, cujo tratamento ficou ini-cialmente diferido, não se deixa de relevar aqui que a apresentação do objeto dos diplo-mas que regem, no nosso ordenamento jurídico, a reparação do infortúnio laboral parece sugerir um quadro simplista em que o CT e a LAT se aplicam aos acidentes de trabalho e doenças profissionais ocorridos no âmbito de uma relação de trabalho regulada por aquele Código, enquanto o Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, regula a mesma matéria no âmbito das relações de trabalho em funções públicas.

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52.ºAssim sucedia, com efeito, na redação originária do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de

novembro, em que se determinava, no artigo 2.º, a aplicação deste regime aos trabalhado-res com a qualidade de subscritor da CGA, exercendo «funções na administração central, local e regional, incluindo os institutos públicos nas modalidades de serviços personaliza-dos e de fundos públicos e ainda nos serviços e organismos que estejam na dependência orgânica e funcional da Presidência da República e da Assembleia da República» (n.º 1). Em consonância, excluíam-se os trabalhadores dos mesmos serviços vinculados por contrato individual de trabalho e enquadrados no regime geral de segurança social (n.º 2).

53.ºNo entanto, a redação conferida ao mesmo preceito pela Lei n.º 59/2008, de 11 de

setembro (diploma que aprovou o Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, posteriormente revogado pela LGTFP), tornou necessário determinar o regime de repa-ração aplicável em função de fatores diferentes dos estabelecidos anteriormente.

54.ºEm síntese e à luz do direito vigente (não tendo sido, à data, emitida a regulamentação

das eventualidades acidentes de trabalho e doenças profissionais no âmbito do regime de proteção social convergente; veja-se o n.º 2 do artigo 32.º da Lei n.º 4/2009, de 29 de janeiro, que define a proteção social dos trabalhadores que exercem funções públicas), o fator determinante deixou de ser a modalidade do vínculo laboral associada ao regime de proteção social aplicável, passando a relevar a natureza da entidade em que trabalhador exerça funções, em termos reforçados pelo n.º 4 do artigo 4.º da LGTFP.

55.ºIndependentemente da resposta que se dê às questões que a este propósito se podem

levantar, o que se apresenta decisivo para efeitos da presente iniciativa é a existência de uma clara e — como facilmente se intui — iníqua diferenciação de regimes de reparação do infortúnio laboral, consoante os trabalhadores sinistrados ou afetados por doença pro-fissional estejam sujeitos à lei geral (CT e LAT) ou à lei específica aplicável, lato sensu, aos trabalhadores que exerçam funções no sector público (Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro), bem como, dentro deste último círculo, consoante a natureza da entidade em que exercem funções.

56.ºEfetivamente, do anteriormente exposto resulta que são distintas, na matéria em debate

e nos termos já delineados, as regras de acumulação de prestações contidas no regime do CT e da LAT, por um lado, e, por outro, no Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, inexistindo motivo bastante e fundado racionalmente para a diferenciação de disciplina jurídica dos distintos círculos de trabalhadores em causa, com ablação, em dado universo subjetivo, do direito à justa reparação por acidente de trabalho ou doença profissional.

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57.ºO que se afigura tanto mais grave quanto é certa a exigência de tratamento igual de

todos os trabalhadores em matéria de reparação do infortúnio do trabalho, que se adensa, ademais, pelo reforçado critério de justiça que perpassa explicitamente, no texto constitu-cional, o direito à reparação do dano laboral.

58.ºA este respeito, recuperemos as considerações tecidas no acórdão n.º 546/2011 do

Tribunal Constitucional, nos exatos termos em que foram igualmente consideradas pon-derosas para efeitos da declaração da inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, de segmento normativo contido no n.º 2 do artigo 75.º da LAT, por força do acórdão n.º 172/2014:

«é (…) ponto assente que o n.º 1 do artigo 13.º da CRP, ao submeter os actos do poder legislativo à observância do princípio da igualdade, pode implicar a proibição de sistemas legais internamente incongruentes, porque integrantes de soluções normativas entre si desarmónicas ou incoerentes. Ponto é, no entanto (…) que o carácter incon-gruente das escolhas do legislador se repercuta na conformação desigual de certas situa-ções jurídico-subjectivas, sem que para a medida de desigualdade seja achada uma certa e determinada razão. É que não cabe ao juiz constitucional garantir que as leis se mos-trem, pelo seu conteúdo, “racionais”. O que lhe cabe é apenas impedir que elas estabele-çam regimes desrazoáveis, isto é, disciplinas jurídicas que diferenciem pessoas e situações que mereçam tratamento igual ou, inversamente, que igualizem pessoas e situações que mereçam tratamento diferente. Só quando for negativo o teste do “merecimento” – isto é, só quando se concluir que a diferença, ou a igualização, entre pessoas e situações que o regime legal estabeleceu não é justificada por um qualquer motivo que se afigure com-preensível face a ratio que o referido regime, em conformidade com os valores constitu-cionais, pretendeu prosseguir – é que pode o juiz constitucional censurar, por desrazoa-bilidade, as escolhas do legislador. Fora destas circunstâncias, e, nomeadamente, sempre que estiver em causa a simples verificação de uma menor “racionalidade” ou congruência interna de um sistema legal, que contudo se não repercuta no trato diverso – e desra-zoavelmente diverso, no sentido acima exposto – de posições jurídico-subjectivas, não pode o Tribunal Constitucional emitir juízos de inconstitucionalidade. Nem através do princípio da igualdade (artigo 13.º) nem através do princípio mais vasto do Estado de direito, do qual em última análise decorre a ideia de igualdade perante a lei e através da lei (artigo 2.º), pode a Constituição garantir que sejam sempre “racionais” ou “con-gruentes” as escolhas do legislador. No entanto, o que os dois princípios claramente proíbem é que subsistam na ordem jurídica regimes legais que impliquem, para as pes-soas, diversidades de tratamento não fundados em motivos razoáveis.»

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59.ºNa situação que nos ocupa, e não obstante a indubitável aproximação ao direito comum

que o quadro conformador da relação de emprego público vem há muito evidenciando, poderíamos, ainda assim, ser levados a aferir da razoabilidade da diferenciação de trata-mento jurídico nas características próprias daquela relação.

60.ºNão se crê, todavia, que proceda a bondade de tal razão, porquanto, conforme ante-

riormente exposto, não é a modalidade de vinculação que distingue os dois regimes, mas a natureza da entidade no seio da qual as funções são prestadas, pelo que há trabalhadores em funções públicas submetidos, em matéria de acidentes de trabalho e doenças profissio-nais, ao CT e à LAT.

61.ºNão se revelam, na verdade, quaisquer especificidades da relação de emprego público

que justifiquem desvios face ao regime aplicável à generalidade dos trabalhadores por conta de outrem, no quadro da LAT.

62.ºDeste modo, estando em causa uma diferenciação de regimes, sem motivo bastante,

que não acautela, para um determinado universo de trabalhadores em funções públicas, dimensão subjetiva nuclear, compreendida no âmbito de proteção do direito fundamen-tal à justa reparação do dano laboral, deve concluir-se pela desrazoabilidade das opções do legislador vertidas nas normas constantes do n.º 1, alínea b), bem como dos n.os 3 e 4, quanto a este último, na parte em que remete para aquelas normas, todos do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro.

63.ºRazão pela qual se considera que as normas em questão violam, outrossim, o princípio

da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP.

Nestes termos, requer-se ao Tribunal Constitucional que aprecie e declare, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade das normas constantes da alínea b), do n.º 1, bem como dos n.o 3 e n.º 4, quanto a este último, na parte em que remete para aquelas normas, todos do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, na redação dada pela Lei n.º 11/2014, de 6 de março, por violação da alínea f), do n.º 1, do artigo 59.º e do artigo 13.º da CRP.

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c) Sugestões

Proc. Q-1004/14 Entidades visadas: Polícia de Segurança Pública e Ministério da Administração InternaData: 2016/01/14Assunto: Acesso de descendentes maiores, a frequentar cursos de especialização tecnológica, à qualidade de beneficiários familiares do Subsistema de Saúde e Assistên-cia na Doença da PSPSequência: Sugestão acatada pelo Governo

O Provedor de Justiça recebeu uma queixa sobre a recusa, por parte do Subsistema de Saúde e Assistência na Doença da PSP, de manter como beneficiário familiar determinado descendente, maior de idade, por o mesmo não se encontrar a frequentar, nem o ensino secundário, nem o superior, mas sim um curso de especialização tecnológica.

De acordo com a lei, o descendente, com idade entre 18 e 26 anos pode inscrever-se como beneficiário familiar «desde que frequente curso do ensino de nível secundário ou equivalente, ou superior, até à conclusão da licenciatura, mestrado ou doutoramento».(266)

No âmbito da instrução do procedimento de queixa, este órgão do Estado propôs a reapreciação da decisão em causa à Direção Nacional da PSP, tendo por referência parâ-metros teleológicos e históricos, na interpretação da norma em causa, de modo a que esta passasse a acomodar situações substancialmente idênticas às legalmente explicitamente previstas, mas integradas em percurso formativo subsequente ao ensino secundário mas alternativo ao do ensino superior.

Gorada esta iniciativa, o Provedor de Justiça expôs o assunto em apreço à Secretária de Estado Adjunta e da Administração Interna. Nesta comunicação, este órgão do Estado aludiu à posição assumida pela PSP, salientando, como questão central, a de saber se podia «considerar-se um curso de especialização tecnológica um curso secundário, ou equiva-lente a secundário, ou curso superior”, concluindo constituírem “formações pós-secundá-rias não superiores que visam conferir qualificação profissional do nível 4»(267), recusando a condição de beneficiário familiar a quem, por conseguinte, não frequentava «nenhum curso de ensino secundário, equivalente ou superior».

O raciocínio hermenêutico seguido baseava-se na adesão à simples formulação textual da lei. Assim, não constando da previsão da alínea a), do n.º 2, do artigo 9.º qualquer

(266) Cf. alínea a), n.º 2, do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 118/83, de 25 de fevereiro — regime jurídico da ADSE —, alterado pelo Decreto-Lei n.º 234/2005, de 30 de dezembro, e pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, aplicável por força do disposto no n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 158/2005, de 20 de setembro.(267) Cf. artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 88/2006, de 23 de maio.

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referência explícita a cursos pós-secundários, concluía-se, a contrario, pela inaplicabilidade da sua estatuição aos casos mencionados.

O Provedor de Justiça entendeu, porém, que a questão controvertida não se reconduzia linearmente a saber se o curso de especialização tecnológica pode ser qualificado como um curso secundário, equivalente a secundário ou superior — pois, quanto a essa ques-tão, dúvidas não subsistiam acerca de resposta negativa —, mas antes se, atento o recorte jurídico deste curso, pode a frequência do mesmo, ainda assim, permitir considerar veri-ficadas as condições substantivas de que a lei faz depender a inscrição como beneficiário familiar do Subsistema de Saúde e Assistência na Doença da PSP.

Foram, grosso modo, duas as razões que concorreram para defender o entendimento de que assim devia ser. A primeira consistiu no facto de o argumento a contrario sensu não ser, neste caso, critério válido de interpretação, porquanto não se verifica o seu pressuposto de a norma interpretada estabelecer um regime de carácter excecional. A segunda, decorrente da primeira, assentou, por seu turno, no facto de «a interpretação não deve[r] cingir-se à letra da lei»(n.º 1 do artigo 9.º do CC), mas antes, e inter alia, ter também em conta a finalidade em que assenta a norma ou, por outras palavras, a sua teleologia.

Ao se interpretar a norma em apreço tendo em conta o seu fim, percebe-se que a alínea a), do n.º 2, do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 118/83, de 25 de fevereiro (e suas sucessi-vas alterações), tem o propósito de estender a tutela do subsistema público de saúde aos filhos dos beneficiários titulares para além da maioridade, desde que se verifiquem certas circunstâncias, como sejam, por exemplo, o prosseguimento dos estudos e o não recebi-mento de qualquer remuneração.

Esta intenção é igualmente bem evidenciada pelo sentido das alterações legislativas sucessivamente ocorridas. De «cursos de nível médio ou superior»(268), o texto da norma passou a conter referências ao «curso do ensino de nível secundário ou equivalente ou superior, até à conclusão da licenciatura»(269), sendo posteriormente alargada de modo a abranger alunos de mestrado ou de doutoramento.(270) Verificava-se, assim, um claro intento de trazer para o âmbito da norma todas aquelas situações cujas semelhanças fácti-cas (em que os descendentes são estudantes e não exercem atividade remunerada) justifi-cassem igual tratamento normativo.

Os cursos de especialização tecnológica, como «formações pós-secundárias não supe-riores» que são, situam-se entre aqueles dois polos referenciais — o ensino secundário e o ensino superior —, sem deles, contudo, se emanciparem substancialmente.

(268) Cf. redação inicial da alínea a), do n.º 2, do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 118/83, de 25 de fevereiro.(269) Cf. alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 234/2005, de 30 de dezembro. (270) Cf. reformulação dada pelo artigo 17.º da pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2009).

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Por um lado, o curso de especialização tecnológica — garantindo qualificação de nível 4 — assume uma natureza mista: oferece uma formação secundária, geral ou profissio-nal, por um lado, e a uma formação técnica pós-secundária, por outro(271). Assim, para além de conferirem uma formação secundária a quem dela careça(272), os referidos cur-sos permitem a concessão de uma aptidão técnica pós-secundária, no âmbito da qual os titulares ficam detentores de créditos que lhes possibilitam a prossecução de estudos no ensino superior(273). Foi, aliás, aquela «dupla perspectiva de articulação entre os níveis secundário e superior de ensino e de creditação, para efeitos de prosseguimento de estudos superiores»(274) que esteve na base na criação deste tipo de curso de especialização tecno-lógica, então projetado como instrumento de concretização do Programa do Governo para «fomentar a competitividade do País»(275).

A consagração de uma pluralidade de vias para a realização escolar e profissional dos jovens não se limita à prossecução de estudos académicos, devendo, assim, os demais cur-sos (como os de especialização tecnológica) merecer idêntica ponderação da atribuição de benefícios sociais existentes.

Inexiste também qualquer problema técnico que pudesse ser colocado face à hipótese de consagração de limites etários distintos, consoante o grau de ensino ou o curso fre-quentado. Quanto muito, a letra da lei permite que o benefício em causa permaneça pela frequência do ensino secundário até aos 26 anos, ou seja, oito anos após o termo da esco-laridade obrigatória.

Este órgão do Estado concluiu, destarte, que o dispositivo legal em causa não pode ser objeto de interpretação estritamente polarizada entre um mínimo (ensino secundá-rio) e um máximo (ensino superior), porquanto existem outras situações intermédias que, embora silenciadas na letra da lei, merecem o mesmo tratamento jurídico. O argumento a contrario sensu utilizado pela PSP devia, em consequência, ser rejeitado, permitindo a integração por analogia dos cursos pós-secundários não superiores na alínea a) do n.º 2 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 118/83, de 25 de fevereiro, na sua redação atual.

A não ser assim, não se vislumbrava qual o fundamento material bastante que pode-ria validar a proibição dos estudantes que frequentem cursos pós-secundários se inscre-verem nos subsistemas públicos de saúde, quando cotejado com a permissão existente para os estudantes dos ensinos secundário e superior, maxime para os primeiros. Esta era, aliás, a orientação já corrente no Instituto de Proteção e Assistência na Doença, I.P.

(271) Cf. artigo 4.º do diploma legal anteriormente referido.(272) De acordo com a alínea b), do n.º 1, do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 88/2006, de 23 de maio, podem-se candi-datar à inscrição em um curso de especialização tecnológica as pessoas que não tenham concluído o 12.º ano.(273) Vide Anexo II à Portaria n.º 782/2009, de 23 de julho.(274) Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 88/2006, de 23 de maio.(275) Idem, ibidem.

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(comummente denominado por ADSE), admitindo os estudantes de cursos de especia-lização tecnológica como beneficiários familiares, nas condições indicadas, ou seja, de ausência de rendimento do próprio interessado.

Mencione-se, ainda, que o argumento apresentado pela PSP de que lhe não cabia substituir-se ao legislador foi refutado, alegando-se, nas palavras do Professor Marcello Caetano, que «[c]ada autoridade administrativa, com poderes para tomar decisões que apliquem a lei a casos concretos, é um órgão de interpretação»(276) e que «[a] tarefa her-menêutica não se esgota com a determinação do sentido dos preceitos legais: compreende ainda a integração da lei quando ela seja omissa relativamente à conduta a seguir em cer-tos casos ou situação que devam reputar-se compreendidos no âmbito da relação jurídi-ca»(277). Verificando-se um caso omisso, «[e]m Direito Administrativo tem de entender--se que o suprimento de tais casos deve ser dado, primeiro, pela analogia e, depois, pelos princípios gerais de Direito»(278).

A posição do Provedor de Justiça foi acolhida Senhora Secretária de Estado Adjunta e da Administração Interna e, em sequência, foi ordenada a elaboração de um despacho interpretativo e a preparação de iniciativa legislativa, como proposto.

Proc. Q-2326/15Entidade visada: Administração Central do Sistema de Saúde, I.P.Data: 2016/08/01Assunto: Impossibilidade de acesso de doentes com necessidades de suporte respirató-rio à Rede Nacional de Cuidados Integrados. Discriminação negativa de utentes tam-bém beneficiários de subsistemas de saúdeSequência: Desencadeada modificação da solução normativa criticada, quanto ao primeiro aspeto. No tocante ao segundo aspeto, a intervenção está em curso

Na sequência da apreciação, por este órgão do Estado, de uma situação concreta — ati-nente a doente idoso com esclerose lateral amiotrófica, com escassos recursos económicos e sem apoio familiar para além de cônjuge de idade igualmente avançada —, foram deteta-dos dois aspetos gerais e de natureza normativa, passíveis de originarem a desproteção e a

(276) In Manual de Direito Administrativo, Vol. I., 10.ª Ed., 1997, Almedina, Coimbra, p. 117. De notar que a cha-mada “interpretação doutrinal” (realizada por qualquer pessoa ou executor do direito) tem, no ordenamento jurídico português, a mesma valia que a “interpretação autêntica” (realizada pelo legislador).(277) Idem, p. 134. (278) Idem, pp. 134 e 135.

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discriminação de doentes. O que, note-se, sucedia independentemente da real verificação das condições de dependência que fundamentam o seu ingresso em determinadas unida-des de saúde e que, no caso, dificultavam a situação do cidadão.

O primeiro aspeto prendia-se com a exclusão normativa do acesso a unidades de longa duração por doentes que apresentassem necessidade de medidas de suporte respiratório de forma permanente ou quase permanente, conforme expressamente previsto no disposto na alínea b), do n.º 4, do artigo 19.º da Portaria n.º 174/2014, de 10 de setembro. Tendo em conta que a definição do âmbito de acesso a estas unidades abrangia os doentes cróni-cos com necessidade de seguimento e acompanhamento prolongados — designadamente aqueles com doença pulmonar obstrutiva crónica ou doenças neurodegenerativas —, a restrição em causa impedia o seu acolhimento, quando, em geral, seriam precisamente estas as unidades que estariam mais vocacionadas para o apoio a prestar às pessoas com estes tipos de patologias.

Para além de diligências realizadas pelo Provedor de Justiça junto da competente Administração Regional de Saúde — as quais permitiram o encaminhamento da situação concreta —, este órgão do Estado assinalou à entidade visada a desadequação da solução normativa em apreço. Em resposta, obteve-se a informação quanto à adoção de iniciativa tendente à revisão da Portaria n.º 174/2014, de 10 de setembro, prevendo-se, na última proposta de alteração conhecida, a revogação da norma que prevê o sobredito critério de exclusão, em conformidade com a proposta de melhoramento normativo sugerida pelo Provedor de Justiça.

O segundo aspeto controverso incidia sobre as condições de acesso à Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados pelos beneficiários de subsistemas de saúde públicos, fazendo-se depender aquele acesso da existência de vaga em unidade com o subsistema em causa. Ora, sendo por vezes escassos estes acordos em certas regiões, tal gerava, consequen-temente, tempos de espera bastante superiores aos praticados para os demais doentes do Sistema Nacional de Saúde.

Tendo a Administração Central do Sistema de Saúde, I.P. remetido a resolução da questão para o membro do Governo competente, o Provedor de Justiça reiterou, junto do Secretário de Estado da Saúde, a sua objeção perante as condutas que viabilizam a discri-minação de utentes do Sistema Nacional de Saúde apenas pela circunstância de, cumula-tivamente, assumirem a categoria de beneficiários de um subsistema público de saúde. A temática é extensível a outras áreas, como os cuidados respiratórios domiciliários ou trans-porte não urgente de doentes, e enquadra-se no contexto mais geral do relacionamento entre os subsistemas públicos de saúde e o Sistema Nacional de Saúde.

Este órgão do Estado aguarda a resposta por parte do membro do Governo.

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Proc. Q-3382/16Entidade visada: Autoridade Nacional da Aviação CivilData: 2016/07/11Assunto: Condicionamento de acesso por advogado ao Centro de Instalação Tempo-rária do Aeroporto de LisboaSequência: Atuação da entidade reguladora para superação dos constrangimentos indicados

O Provedor de Justiça recebeu uma queixa sobre os procedimentos de acesso, por advogado no exercício das suas funções, a pessoas privadas da sua liberdade no centro de instalação temporária para estrangeiros em situação irregular em território nacional e requerentes de asilo do Aeroporto Humberto Delgado, sito em Lisboa, da responsabi-lidade do SEF. Na queixa apresentavam-se duas questões conexas com a alegada demora na concretização do acesso do advogado aos cidadãos estrangeiros que se encontravam no centro de instalação temporária: uma relacionada com o controlo realizado na entrada, com revista pessoal e de computador, e, a segunda, relativa à cobrança de uma taxa de € 11,87 para emissão do documento de entrada no mencionado estabelecimento.

No âmbito da instrução do procedimento, as mencionadas questões foram esclareci-das em contacto com SEF, tendo-se apurado que a revista contestada era idêntica à que é efetuada a todos os passageiros que entram na zona de embarque aeroportuária. O SEF informou, ainda, que a revista é realizada por meio da deteção de metais e de controlo de objetos — como o computador — por passagem em equipamento de raios-x.

Atenta a localização e a natureza do centro de instalação temporária, nada havia a opor à correta identificação dos advogados, como tais, e a controlo de segurança similar ao que se regista em relação a qualquer pessoa que pretende ter acesso a áreas restritas aeropor-tuárias, designadamente por controlo com detetor de metais e verificação, por raios x, do equipamento que transportem (v.g., computador portátil). Para além disso, e uma vez que não houve acesso ao teor da informação contida no computador transportado, nada se assinalou quanto a este aspeto.

Mencione-se, de igual modo, que, perante as informações que, em um primeiro momento, foram disponibilizadas pelo SEF — as quais indiciavam ser este procedimento da responsabilidade concessionária —, este órgão do Estado tomou uma posição perante a Autoridade Nacional de Aviação Civil, a qual se centrou na cobrança de uma determinada taxa para permissão do acesso às referidas instalações, para — presumia-se — atribuição de cartão de autorização pontual.

Nesse pressuposto, tendo presente o exercício da missão, constitucionalmente consa-grada e protegida, que é exercida através do apoio por advogado a quem se encontra em privação da liberdade, não se considerou como viável restringir pecuniariamente a possi-bilidade de contacto entre pessoa detida e o seu defensor. Na verdade, por instrumentos

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de direito interno mas em aplicação de responsabilidade internacional do Estado, a qual-quer pessoa privada da liberdade — incluindo-se o cidadão estrangeiro a quem tenha sido recusada a entrada em território nacional — é garantido, em tempo, útil, o acesso à assis-tência jurídica por advogado(279), eventualmente beneficiando de proteção jurídica. Nesta medida, considerou-se ser dever do Estado (em sentido amplo, abarcando-se claramente aqui toda e qualquer entidade pública ou no exercício de poderes públicos) assegurar e mesmo facilitar esses acesso e contacto, sem que possam ser repercutidos os custos das medidas de segurança a que haja lugar.(280)

Face ao exposto, o Provedor de Justiça salientou à Autoridade Nacional de Aviação Civil a premência de serem adotadas as diligências necessárias à eliminação da cobrança da taxa em causa, propiciando o livre acesso à área do centro de instalação temporária do Aeroporto Humberto Delgado de todas as pessoas com poderes privilegiados por lei ou convenção internacional, aqui se abarcando advogados, representantes consulares e magis-trados, entre outros. Tudo sem prejuízo do respeito pelas regras de segurança vigentes.

Desconhecendo-se se estavam compreendidos na prática descrita todos os demais visi-tantes — de entre os quais se destacou os familiares dos cidadãos estrangeiros detidos —, este órgão do Estado mencionou, também, a previsão expressa, igualmente feita por lei, do direito de visita, sendo, mais uma vez, de considerar inoperante qualquer restrição económica.

Em resposta, a Autoridade Nacional de Aviação Civil informou ter dirigido recomen-dação à empresa concessionária, estabelecendo isenção de taxa para os advogados e fami-liares das pessoas privadas da liberdade no centro de instalação temporária.

d) Chamadas de atenção

Proc. Q-4108/16Entidade visada: Agrupamentos de Centros de Saúde Médio TejoAssunto: Sistema de Atribuição de Produtos de Apoio. Funcionamento do Sistema de Atribuição de Produtos de Apoio. Data: 2016/09/21Sequência: Atuação posterior conforme com a posição assumida, em particular no caso concreto

(279) Nos termos do n.º 2 do artigo 146.º-A e do n.º 2 do artigo 40.º, ambos da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, na sua redação atual.(280) Recordou-se, como exemplo paralelo, o de outros espaços de detenção, de responsabilidade das forças policiais e dos serviços prisionais, nos quais se adotam imprescindíveis procedimentos de segurança, em qualquer caso nunca sendo admitida a cobrança de qualquer taxa.

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Foram transmitidas ao Provedor de Justiça dificuldades sentidas na obtenção de deter-minados produtos de apoio (concretamente, fraldas e pensos de incontinência) por utente idosa acamada, inscrita em unidade de cuidados de saúde primários da competência da entidade visada.

No âmbito da instrução, este órgão do Estado concluiu que as dificuldades anterior-mente narradas eram transversais a todas as unidades de saúde integradas no Agrupa-mento de Centros de Saúde identificado e que aquelas se relacionavam com ineficiências da plataforma informática, por via da qual os pedidos de aquisição de produtos de apoio eram submetidos ao ISS para financiamento. Entre os vários aspetos referidos, foi indi-cada a falta de formação do pessoal médico no manuseamento da aplicação informática e a morosidade excessiva no registo da prescrição e da concretização do pedido, o que não se compadecia com o cumprimento das molduras temporais recomendadas aos médicos de família para realização das consultas.

Perante este quadro, o Provedor de Justiça dirigiu uma chamada de atenção à direção da entidade visada, para correção da situação.

O procedimento aplicável à atribuição de produtos de apoio tinha sido, no decorrer do ano de 2016, objeto de reformulação, na sequência de decisão política de transferir, do ISS para o Serviço Nacional de Saúde (através dos hospitais e centros de saúde), a incum-bência de financiamento de certos produtos (designadamente, os produtos de apoio con-sumíveis no âmbito da ostomia, bem como produtos para absorção de urina e fezes, de utilização permanente e diária), retomando-se a solução anteriormente vigente. Na base da ponderação que culminou com esta solução — que foi acompanhada pelo Provedor de Justiça —, esteve o reconhecimento da necessidade de assegurar, principalmente para os produtos de uso diário, maior agilidade e prontidão no acesso, assim como o aprovei-tamento da maior proximidade entre os utentes e os profissionais de saúde competentes para o aconselhamento e o apoio que as suas situações clínicas possam requerer, o que não estava a acontecer.

O novo sistema entrou em funcionamento no dia 1 de novembro de 2016, registan-do-se a concretização de um renovado circuito procedimental, caracterizado por maior simplicidade e celeridade do ponto de vista administrativo e informático.

Este órgão do Estado teve, também, conhecimento, no período que precedeu a ope-racionalização destes novos procedimentos, de dificuldades sentidas por vários utentes na obtenção de determinados produtos de apoio, em virtude de anomalias ocorridas na plataforma informática que suportava os pedidos de aquisição dos produtos. Assinalan-do-se que a resolução dos casos concretos, já bastante vulneráveis por força das suas idios-sincrasias, não se compadecia com a espera pela introdução do novo sistema, o Provedor de justiça salientou, junto da entidade visada, a necessidade da adoção das providências pertinentes com vista à dissipação, naquele ínterim, das causas que obstavam à satisfação imediata dos direitos dos utentes em referência, promovendo-se a articulação necessária

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com as demais entidades com competência no âmbito do Sistema de Atribuição de Pro-dutos de Apoio, o que foi acatado.

Por último, registe-se que não se pode aceitar a alegação da falta de formação do pessoal médico para justificar a recusa da satisfação de um direito dos cidadãos ou de insuficiên-cias de funcionamento da plataforma, identificando-se o Instituto Nacional para a Reabi-litação, I.P., como a entidade a que compete a gestão da plataforma informática aludida e, concretamente, a garantia da sua operacionalidade e eficiência, razão pela qual deveriam ser prontamente indicados àquela entidade todos os lapsos ou falências detetados.

Proc. Q-6931/15Entidade visada: Agrupamento de Escolas de CascaisAssunto: Viabilidade da prestação de cuidados por fisioterapeuta, em sala de jardim--de-infância, a aluno com deficiênciaData: 2016/03/02Sequência: Situação superada satisfatoriamente, com concessão da autorização pretendida

O Provedor de Justiça recebeu uma queixa sobre uma criança com deficiência que, na frequência do jardim-de-infância durante o ano escolar anterior, tinha beneficiado da presença de fisioterapeuta, custeado pela família, durante a permanência na sala, execu-tando tratamentos impostos pelo seu estado de saúde. Para o ano letivo de 2015/2016, a entidade visada, depois se submeter esta situação à apreciação do Conselho Pedagógico, negou aquele apoio.

No âmbito da instrução do procedimento, o agrupamento de escolas argumentou que a existência de perturbações do «normal funcionamento das atividades letivas, susci-tando mesmo alguns problemas junto da restante comunidade educativa», assim se esta-belecendo que, dispondo «presentemente o Agrupamento (…) de técnicos especializados externos que dão apoio a alunos com NEE [necessidades educativas especiais] fora da sala de aula e/ou fora do horário letivo, mas apenas no âmbito de protocolos estabelecidos com instituições parceiras, nomeadamente com o Centro de Recursos para a Inclusão, da CERCICA» passava a ser apenas permitida «a entrada nas Escolas do Agrupamento de técnicos e/ou professores que trabalhem nas Instituições com as quais se estabeleceram parcerias.» Ao Provedor de Justiça foi ainda indicado encontrar-se dificuldade na seleção dos casos que poderiam permitir a terapia em contexto escolar dos demais, contactando não só a escola nas também outras entidades, como a DGEstE e a Inspeção-Geral de Edu-cação e Ciência (IGEC).

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No caso concreto, verificou-se que a criança beneficiou, no ano letivo pretérito, da pre-sença de fisioterapeuta durante uma hora nos três dias da semana em que ocorria frequên-cia do jardim-de-infância. Este apoio visava melhorar a sua inclusão na turma e prevenir as consequências da patologia de que sofria.

Este órgão do Estado observou que não estava em causa a necessidade do apoio solici-tado, nas condições apontadas, pois, no registo de avaliação do final do ano letivo anterior, era assumido que a criança tinha «muitos espasmos se não tiver o trabalho diário com o fisioterapeuta, [e que] começa a sofrer enormes contraturas, que resultam em dor». Por esta razão, a criança beneficiou «ao longo do ano letivo da presença do fisioterapeuta (nos três dias em que frequenta a escola) e deste modo [ia] consegui[ndo] realizar todas as ati-vidades de grupo.» Concluiu-se, igualmente, que o apoio em causa não era prestado, nem pela entidade contratualizada pela escola, nem pela equipa local de intervenção do Sis-tema Nacional de Intervenção Precoce na Infância. Para além disso, confirmou-se, junto responsáveis da sala e da escola, que o desenvolvimento da terapia em causa, na própria sala, não originava quaisquer transtornos no desenrolar das atividades.

Assim sendo, a única circunstância que obstava à decisão favorável da pretensão radi-cava na suposta insuficiência do resultado das consultas sucessivamente feitas à DGEstE e à IGEC. Quanto à primeira entidade, esta confirmou que o espaço de decisão em causa correspondia a cada diretor do agrupamento de escolas. Por sua vez, no que respeitava à IGEC, esta considerou incompetente para a decisão, remetendo ulterior esclarecimento para a DGEstE.

O Provedor de Justiça concluiu, portanto, que competia ao diretor da entidade visada decidir, nos termos da alínea h), do n.º 4, do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 75/2008, de 22 de abril, alterado e republicado ultimamente pelo Decreto-Lei n.º 137/2012, de 2 de julho. Sendo indicada a terapia em causa e não existindo prejuízo para as atividades educa-tivas, como acima descrito, mesmo que se considerasse (o que não era o caso) existir algum inconveniente no espaço, sempre seria viável desenrolar aquela terapia nas instalações da escola, existindo três salas afetas à educação especial.

Em face do exposto, este órgão do Estado chamou a atenção da entidade visada para a bondade de, com rapidez, ser tomada decisão final, a qual, nos parâmetros enunciados, deveria ser de deferimento. Mais se sublinhou que, nesta como na decisão de qualquer outra situação similar, os parâmetros que justificariam ou não o deferimento ou pretensão deveriam ser sempre estes, ou seja, o da necessidade e da compatibilização da terapia com as atividades educativas.

A situação concreta foi regularizada em conformidade com o entendimento do Prove-dor de Justiça.

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Proc. Q-6942/15Entidade visada: Hospital Beatriz ÂngeloAssunto: Acompanhamento pós-operatório e articulação de serviços hospitalaresData: 2016/01/29Sequência: Situação concreta superada e melhoria da comunicação entre serviços hospitalares

O Provedor de Justiça recebeu uma queixa no interesse de determinada doente, a res-peito do acompanhamento que lhe tinha sido dispensado no período pós-operatório tardio. Segundo alegado, perante a impossibilidade de obtenção de orientações clínicas precisas ou mesmo uma observação médica não planeada com o médico assistente que a havia operado, a doente recorreu diversas vezes aos serviços de urgência, hospitalar e outros, propiciando diagnósticos e terapêuticas desagregadas, sempre recebidos de forma insatisfatória. Apenas um mês e meio depois tinha logrado atendimento na especialidade com o médico responsável pela intervenção cirúrgica, concluindo-se pela necessidade de repetição desta.

No âmbito da instrução, foi ouvida a unidade hospitalar que esclareceu as circunstân-cias em que tinha sido decidida a cirurgia em causa, o seguimento proposto e as intercor-rências posteriormente conhecidas, assegurando-se que o processo eletrónico da utente disponibilizava «toda a informação e [era] acessívela todos os médicos da instituição,in-cluindoo Serviço de Urgência». Pese embora tenha sido enquadrado o seguimento pla-neado para o período pós-operatório pelo serviço hospitalar de especialidade, permanecia por clarificar qual o modelo de acompanhamento garantido pelo Hospital Beatriz Ângelo, em geral e, em particular, no horizonte da prevenção e da atuação em caso de complica-ções imprevistas mas previsíveis no quadro clínico pós-operatório em questão.

Este órgão do Estado referiu que a presente intervenção estava motivada pela perce-ção de desamparo sentida pela utente após as cirurgias realizadas, quando confrontada com sintomas clínicos dolorosos e de intenso desconforto. Pois, apesar de a queixosa ter tentado o contacto com o seu médico assistente e perante a convicção de que os sintomas estariam relacionados com a situação clínica urológica, durante cerca de um mês e meio não foi possível obter orientações clínicas ou mesmo uma observação médica não pla-neada. Esta ausência terá precipitado, assim, o repetido recurso aos serviços de urgência, hospitalar e outros, propiciando diagnósticos e terapêuticas fragmentadas, sempre rece-bidos de forma insatisfatória pela utente. A título de exemplo do que se acaba de expor, refira-se o episódio de urgência ocorrido no início de novembro de 2015, que culminou com o encaminhamento da doente para a especialidade de Ginecologia-Obstetrícia.

Excluindo-se quaisquer dúvidas sobre a correção técnica dos diversos procedimentos adotados (a qual não era objeto de análise por não ter sido posta em causa e extravasar de todo o modo o âmbito da intervenção do Provedor de Justiça), importava analisar o

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ocorrido na vertente da humanização dos cuidados de saúde e respeito pela dignidade do utente, mas também do aperfeiçoamento da qualidade assistencial prestada no período pós-operatório tardio e prevenção de complicações graves. Neste âmbito, embora se desco-nheça se se tinha tratado de uma situação isolada, este órgão do Estado chamou a atenção desta unidade hospitalar para a importância do fortalecimento da perceção de segurança e de conforto dos utentes, notando a eventual pertinência do reforço ou adoção de meca-nismos que assegurem o efetivo acompanhamento pós-operatório até à alta definitiva.

Tendo sido oportunamente esclarecido que o processo eletrónico dos utentes do Hos-pital Beatriz Ângelo disponibilizava toda a informação e era acessível a todos os médicos da instituição, incluindo o serviço de urgência, restaria intervir no robustecimento da arti-culação entre os diferentes profissionais, bem como entre estes e os utentes, reservando a posição central ao médico assistente da especialidade em causa.

Entre outras medidas, e no pressuposto de não se encontrarem já instituídas (como se inferia da situação trazida ao conhecimento do Provedor de Justiça), referiu-se, antes de mais, a definição de orientações expressas que determinassem a total disponibilidade clínica do médico assistente (ou de quem o substitua) para responder a intercorrências que lhe sejam comunicadas, em um tempo de espera considerado razoável, atendendo à condição clínica do doente e presumível gravidade da situação.

No que respeita ao tempo de espera considerado razoável, deveria ser também objeto de ponderação a fragilidade emocional dos utentes e ansiedade comumente sentida, em um horizonte de pleno respeito pela pessoa doente. Adicionalmente, sugeriu-se a ado-ção de ferramenta que assegurasse que a presença no serviço de urgência de um utente, durante a fase pós operatória, fosse prontamente notificada ao médico assistente da espe-cialidade cirúrgica em causa, como forma de beneficiar a plena articulação entre serviços e, outrossim, uma mais adequada prevenção de complicações associadas a uma cirurgia. Embora não parecesse que a situação concreta fosse de significativa gravidade, alertou-se para a imprevisibilidade de assim suceder em outros casos.(281)

Este órgão do Estado sublinhou, ainda, que as sugestões de melhoria de procedimentos acima expressas centravam-se no bem-estar e saúde do utente, enquadrando-se no âmbito mais vasto da busca da excelência do serviço público de saúde que lhes é devido, sendo naturalmente passíveis de substituição por outras consideradas adequadas ao mesmo pro-pósito, qual seja o de robustecimento do acompanhamento garantido na fase pós-opera-tória em ambulatório.

(281) Embora sem intuito comparativo, atente-se na decisão do TEDH, de 15 de dezembro de 2015, que condena Portugal ao pagamento de uma indemnização pela incapacidade de prevenir morte do doente em consequência de complicações pós-operatórias, com incidência particular na desarticulação entre o serviço de especialidade hospita-lar responsável pela intervenção cirúrgica do utente e os respetivos serviços de urgência. Vide Lopes de Sousa versus Portugal (em francês), nº. 56080/13, 15 de dezembro de 2015, disponível em: http://hudoc.echr.coe.int/eng?i=-001-159208#{“itemid”:[“001-159208”]}.

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A entidade visada acolheu favoravelmente esta chamada de atenção, designadamente no que se refere à articulação do serviço de urgência com o serviço responsável pela cirur-gia em causa, desejando, em breve, ter efetivadas as modificações, informáticas e compor-tamentais, pertinentes.

6.2. Tomadas de posição de não provimento de queixa

Proc. Q-4584/16Entidade visada: Conservatória dos Registos CentraisData: 2016/10/12Assunto: Recusa de atribuição da nacionalidade portuguesa a criança nascida em Portugal, filha de cidadãos estrangeiros, que não pretenderam que a mesma fosse nacional dos respetivos Estados

O Provedor de Justiça recebeu uma queixa no interesse de uma criança, nascida em Portugal, filha de cidadãos estrangeiros de nacionalidade diferente, na qual era alegado devia beneficiar da cláusula de prevenção da apatridia, uma vez que não era vontade dos progenitores que a mesma fosse nacional de qualquer dos seus Estados de origem.

Foi primeiramente esclarecido que, de acordo com a Lei da Nacionalidade(282), a criança em causa só podia ser considerada cidadã portuguesa de origem, ao nascer em Portugal, filha de cidadãos estrangeiros que se não encontrassem ao serviço do respetivo Estado, caso, no momento do nascimento, algum desses progenitores contasse com um mínimo de cinco anos de residência regular em território nacional.

Torna-se central, para correta resolução da situação concreta, atender ainda a uma outra causa legal de atribuição da nacionalidade portuguesa (originária), a prevista na alínea g), do n.º 1, do artigo 1.º da Lei da Nacionalidade, ou seja, beneficiando as pessoas nascidas em Portugal que não possuam outra nacionalidade. Esta cláusula visa prevenir casos de apatridia, garantindo a todos os que nasçam em Portugal o direito a uma nacionalidade. Não está em causa, todavia, tutelar qualquer liberdade de opção, por parte do interessado ou dos respetivos pais, como, neste caso concreto, parecia suceder. Assim, esta cláusula só poderia ser aplicada à interessada caso se comprovasse que, pelo direito dos dois Estados de origem dos seus pais, era inviável a concessão de alguma destas nacionalidades. Ora, por se tratar de Estados com larga comunidade residente em Portugal, parecia certo que,

(282) Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, com a redação dada pela última das suas alterações: a Lei Orgânica n.º 9/2015, de 29 de julho.

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em solução similar ao que a lei portuguesa prevê para filhos de portugueses nascidos no estrangeiro, era viável, com as diligências mínimas, a obtenção de alguma das nacionali-dades em causa ou até de ambas. Cabia, assim, aos progenitores diligenciar junto das enti-dades consulares do(s) Estado(s) da(s) sua(s) nacionalidade(s) para que fosse atribuída a respetiva cidadania ao interessado, emitindo-se passaporte aliás imprescindível para a sua permanência em Portugal.

Proc. Q-0664/15Entidade visada: Assembleia da RepúblicaData: 2016/11/16Assunto: Intervenção titular e denúncia do ofendido, em crimes semipúblicos e particulares

Este órgão do Estado recebeu uma exposição na qual se contestavam duas alterações feitas no Anexo da Lei n.º 166/99, de 14 de setembro, a chamada Lei Tutelar Educativa (LTE), por força da Lei n.º 4/2015, de 15 de janeiro. A primeira prendia-se com a revo-gação da norma que colocava a intervenção tutelar educativa na dependência, nos crimes semipúblicos e particulares, de denúncia do ofendido; a segunda dizia respeito à priva-ção de efeito suspensivo do recurso interposto de decisão que aplicasse medida tutelar de internamento.

Entendeu-se não ser de prover à queixa apresentada, designadamente não se conside-rando ofendida qualquer posição jurídica, na exata medida em que as referidas alterações legais não estabelecem nenhum tipo de discriminação, tampouco postulando uma solu-ção internamente contraditória em termos sistemáticos.

Com a revogação do antigo n.º 2 do artigo 72.º da Lei n.º 166/99, de 14 de setem-bro, o legislador passou a admitir duas situações juridicamente diversas. Quando o agente que pratica um facto ilícito-típico classificado como crime semipúblico ou particular tem mais de 16 anos, o correspondente processo de responsabilização depende do impulso por parte do ofendido (ou de quem o represente), seja através do exercício do direito de queixa, seja através da dedução de acusação particular. Quando o agente tem menos de 16 anos, o correspondente processo de responsabilização já não depende dessa iniciativa por parte do ofendido, cabendo ao Ministério Público decidir livremente sobre a viabilidade do pedido de intervenção judicial.

Perante este enquadramento, e ao contrário do que uma leitura perfunctória parecia, à primeira vista, supor, não cabe vislumbrar uma hipótese de contradição interna a macular a unidade da ordem jurídica. Para que houvesse tal incoerência seria necessário que, diante

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de uma intencionalidade normativa comum, a lei empregasse meios ou instrumentos em direções diametralmente opostas ou, no mínimo, divergentes. Não é isso o que acontece in casu. É certo que a legislação penal e a LTE partilham da finalidade genérica de preser-vação de bens jurídicos. De diferente modo não poderia ser, já que o dever de proteção do Estado também incide ali onde a imposição da pena criminal fracassa exclusivamente por força da inimputabilidade em razão da idade. Mas enquanto a legislação penal privilegia uma perspetiva centrada na danosidade social do facto, a LTE assume, como que pela natureza das coisas, uma vertente de pedagogia social que, segundo a valoração do legis-lador — e cabe sempre recordar que este centro criador de normatividade dispõe de uma ampla margem de apreciação na matéria em questão —, não deve ser deixada exclusiva-mente nas mãos da vítima.

Assim, compete ao Ministério Público avaliar, à luz dos objetivos da Lei n.º 166/99, de 14 de setembro, a conveniência da ativação da máquina judiciária para a aplicação de medida de cunho didático que busca oferecer ao menor (de 16 anos) infrator as condições para alcançar a esperada compreensão e assimilação da ordem de valores da comunidade jurídica(283). Nesse sentido, concorre o disposto na alínea c), do n.º 1, do artigo 87.º, que prevê a possibilidade de arquivamento do inquérito quando o Ministério Público concluir pela desnecessidade de aplicação de medida tutelar, sendo o facto qualificado como crime punível com pena de prisão de máximo não superior a três anos.

Com efeito, o desenho assumido pela LTE deixa claro que o legislador procurou con-sagrar uma terceira via que emerge como solução de compromisso entre um modelo de proteção assente na imagem do menor em risco e orientado pelas exigências de ressocia-lização do infrator e um modelo de justiça centrado em uma lógica de repressão do facto que desloca o eixo de análise para a prova do evento ilícito-típico e converte o processo penal em entreposto imprescindível para a intervenção educativa. Para evitar tanto os abusos cometidos em nome de um alegado interesse do menor quanto os efeitos estigmati-zantes e os elevados custos do processo criminal, o artigo 2.º e o n.º 1 do artigo 6.º da LTE consideram que a definição da medida mais favorável ao interesse do agente não pode dis-pensar um juízo de apuração da necessidade de «educação do menor para o direito»(284). Assim, diferentemente da legislação penal, o regime aplicável aos menores de 16 anos que

(283) Nessa direção: Breyner, Gonçalo de Melo, «O Ministério Público e a protecção das crianças e jovens», Olivei-ra, Guilherme de (Coord.), Direito tutelar de menores - O sistema em mudança, Coimbra: Coimbra Editora, 2002, p. 63.(284) Sobre este conceito: Fernando, Rui do Carmo Moreira, «Lei tutelar educativa - Traços essenciais, na perspetiva da intervenção do Ministério Público», Oliveira, Guilherme de (Coord.), Direito tutelar de menores - O sistema em mudança, Coimbra: Coimbra Editora, 2002, p. 126: «trata-se de intervir quando necessário para garantir que o seu desenvolvimento ocorra de forma harmoniosa e socialmente integrada e responsável, tendo como referência o dever-ser jurídico consubstanciado nos valores juridicamente tutelados pela lei penal, enquanto valores mínimos e essenciais da convivência social».

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praticam facto qualificado como crime encarna, sem hesitação, um modelo educativo de responsabilidade, com nítida vocação de instrução axiológica e normativa.(285)

Precisamente por isso, compreende-se que o exame inicial a propósito da necessidade e da conveniência do exercício desta missão didática caiba, na situação concreta, ao Ministé-rio Público. À luz da específica finalidade da medida tutelar, menos razoável seria manter a solução consagrada no direito anterior, que condicionava a intervenção educativa, nos casos em que o facto configurasse crime cujo procedimento dependia de queixa ou de acusação particular, à denúncia do ofendido. Assim, levando em conta o legítimo interesse pedagógico e socializador da comunidade, defendeu-se existirem razões para não deixar a decisão sobre o se da intervenção estadual exclusivamente ao critério da vítima.

Neste horizonte, será excessivo afirmar que o legislador promove um tratamento juri-dicamente discriminatório, já que a diferença material entre as duas situações é clara. Na hipótese de responsabilização do menor e da consequente imposição de uma medida edu-cativa, o Estado considera estar diante de uma pessoa que ainda não formou completa-mente a sua consciência jurídica, de modo que não se trata propriamente de uma genuína dedução da persecutio criminis in judicio. É bem verdade que pode sempre dizer-se que a solução legal carrega uma certa dose de paternalismo. Seja como for, esta circunstância corresponde à própria intenção do legislador. De mais a mais, embora tal opção legislativa implique algum gasto de mobilização da máquina de justiça, esta carga financeira adicio-nal simplesmente corresponde aos custos normais do pretendido programa social de (re)educação.

Salientou-se, também, que o eventual interesse da vítima está suficientemente assegu-rado pelo disposto no n.º 2 do artigo 87.º da LTE, onde se prevê que:

«o Ministério Público pode ainda determinar o arquivamento do inquérito quando, tratando-se de facto qualificado pela lei como crime de natureza semipública ou parti-cular, o ofendido manifeste no processo oposição ao seu prosseguimento, invocando fundamento especialmente relevante».

É esta mesma lógica de magistério e de ensinamento dos valores fundamentais da comunidade jurídica que torna compreensível a previsão contida no n.º 4 do artigo 125.º da LTE que priva de efeito suspensivo o recurso interposto de decisão que aplique medida tutelar de internamento, ao qual «é atribuído efeito devolutivo, aguardando o menor em centro educativo até ao trânsito em julgado da decisão». Em virtude da sua vocação essencialmente pedagógica e diferentemente da pena criminal, a medida tutelar é mais permeável à hipótese de execução provisória da sentença. Em todo o caso, se por um lado

(285) Para um panorama acerca dos diversos modelos e dos traços fundamentais da terceira via consagrada na legisla-ção vigente: Duarte Fonseca, António Carlos, Internamento de menores delinquentes - A lei portuguesa e os seus modelos: um século de tensão entre protecção e repressão, educação e punição, Coimbra: Coimbra Editora, 2005, maxime pp. 371 e ss.

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é certo que a fixação legal de efeitos automáticos, que não passam pela apreciação do juiz, é sempre problemática, por outro cabe supor que a referida norma pode ser interpretada no sentido de salvaguardar a possibilidade de análise judicial a propósito da necessidade e da conveniência do recolhimento educativo do menor durante o período em que ele aguarda a resposta ao recurso.

Sobrepesando as considerações que antecedem, as quais concorrem para a afirmação da legitimidade das normas atacadas na presente queixa, conclui-se no sentido de a matéria em apreço não justificar a adoção de quaisquer medidas por parte deste órgão do Estado.

Proc. Q-0629/16Entidade visada: Universidade do PortoData: 2016/07/13Assunto: Viabilidade de acesso, pelo concurso especial destinado a titulares de outros cursos superiores, ao mesmo par instituição ou curso correspondente a licenciatura já obtida

Este órgão do Estado recebeu uma comunicação, na qual se contestava a decisão da Universidade da Porto que negara a possibilidade de nova candidatura ao ensino superior através do concurso especial destinado a titulares de outros cursos superiores (alínea d), n.º 2, do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 113/2014, de 16 de julho), estando em causa, na situação concreta, a candidatura ao mesmo par instituição ou curso em que o interessado obtivera já o seu grau de licenciado.

Finda a instrução do procedimento e valorados os elementos carreados para este, este órgão do Estado concluiu-se não ser merecedora de crítica a rejeição de tal candidatura.

Tratando-se de um ciclo de estudos que compreende uma formação principal (nos 1.º e 2.º anos curriculares) e depois se estrutura em formações complementares em distintas áreas científicas, sendo que o interessado pretendia prosseguir os seus estudos em minor diferente da formação complementar com que inicialmente concluíra a licenciatura, o próprio não questionava que se candidatava, efetivamente, de novo, ao mesmo curso con-ducente ao grau de licenciado de que era já titular. Vale por dizer, não obstante os diversos percursos de formação complementar contemplados na licenciatura em questão, o curso pretendido era o mesmo.

Assim sendo e no que foi determinante para a análise da queixa, constitui requisito de candidatura, ao referido concurso especial para acesso e ingresso no ensino superior, a titularidade pelo interessado de outro curso superior, o que deve ser interpretado como

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sendo um curso superior distinto do par instituição/curso para o qual o interessado se candidata.

Para além da letra da lei, que aponta para esse sentido (concurso especial para «titulares de outros cursos superiores»), admitir-se solução distinta seria dissonante com o rationale do acesso ao ensino superior, ante a consagração legal de um regime geral de acesso e, a par deste, a previsão de concursos especiais para acesso e ingresso nesse nível de ensino desti-nados, designadamente, a quem reúne condições pessoais, alternada ou conjuntamente, habilitacionais específicas. Sob o ponto de vista da coerência do ordenamento jurídico, sublinhou-se que o acesso ao ensino superior não permanece alheio às «necessidades em quadros qualificados» e à «elevação do nível educativo, cultural e científico do país» (n.º 1 do artigo 76.º da CRP), razões que não deixam de ser igualmente ponderosas no âmbito da fixação das regras que conformam os concursos especiais em debate.

Em um outro plano, não se minimizou a relevância que a dimensão de investimento público assume neste domínio: tal investimento é compaginável, justamente, com a diver-sificação de saberes no patamar mais elevado de ensino, mas também, e em respeito ao princípio da igualdade de oportunidades, com o desiderato de extensão do universo de pessoas que acedem ao ensino superior, privilegiando-se a alocação de dinheiros públicos para a aquisição de determinado grau académico, nomeadamente, por quem não o dete-nha no par instituição ou curso pretendido.

A esta luz, não cabendo a um órgão do Estado como o Provedor de Justiça sindicar as opções de investimento público, com a inerente distribuição de recursos que não são ilimitados, sempre se afirmou não se afigurar incongruente com a legislação que enquadra os concursos especiais para acesso e ingresso no ensino superior a exclusão dos mesmos, no caso de titulares de cursos superiores, de quem pretenda ingressar novamente na mesma instituição de ensino superior em que obteve o diploma que titula justamente o curso ao qual se candidata uma vez mais. Neste sentido, tendo já ocorrido investimento público na obtenção desse mesmo grau, é legítimo e adequado que se restrinja o investimento para a aquisição do que seria o mesmíssimo grau, pela mesma instituição e no mesmo curso cujo diploma o interessado já detém. Dito de outro modo e ponderando, outrossim, o número limitado de vagas postas a concurso — uma vez que o interessado concluiu já o curso a que de novo se pretende candidatar, mas pela via de concurso especial — parece inteiramente adequado que se recuse tal possibilidade, ao invés, permitindo-se que um outro candidato, não tendo esses antecedentes, aceda, pela primeira vez, a essa formação na instituição em causa.

Em sintonia com a perspetiva que precede e tendo igualmente sido relevada, no caso concreto, a questão da necessidade ou conveniência de melhoria de classificação final na licenciatura previamente obtida, observou-se que não seria seguramente este um dos pro-pósitos a que vem consagrada a legislação que rege os concursos especiais para acesso e ingresso no ensino superior. Pelo contrário, essa legislação visa prosseguir ali o princípio

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da igualdade de oportunidades, materializando a incumbência do Estado em «garantir a todos os cidadãos, segundo as suas capacidades, o acesso aos graus mais elevados do ensino» (n.º 1 do artigo 76.º e alínea d), n.º 2, do artigo 74.º, respetivamente, da CRP). Assim sendo, a questão da melhoria da classificação deve ser antes enquadrada pelo regime próprio de avaliação dos discentes de determinado curso conducente ao grau de licen-ciado, que preveja a possibilidade de melhoria de classificação em unidades curriculares já concluídas com aprovação (naturalmente, antes da certificação do grau académico em questão), não sendo aceitável que o concurso especial para titulares de outros cursos supe-riores sirva esse intento, em detrimento de outros interessados que, sem esse antecedente, se candidatam ao ciclo de estudos visado.

Por último, afigurou-se igualmente decisiva, na análise da situação exposta, a circuns-tância de o interessado não estar impedido de se inscrever em unidades curriculares que integram quaisquer das formações complementares em outra área científica em que a licenciatura se estrutura e obter a respetiva certificação, nos termos legais e regulamentares aplicáveis. Neste contexto, para além da dimensão de realização pessoal, mas também da aquisição de novos conhecimentos e competências, a certificação desse percurso forma-tivo não deixaria seguramente de ser ponderada, nos patamares relevantes, em termos de curriculum vitae, aspetos estes que vinham ao encontro de motivações igualmente expres-sas ao Provedor de Justiça.

7. Regiões Autónomas

7.1. Extensão da Região Autónoma dos Açores

7.1.1. Tomadas de posição favoráveis aos queixosos

a) Chamadas de atenção

Proc. Q-3669/14Entidade visada: Vice-Presidência do Governo, Emprego e Competitividade Empre-sarialData: 2016/02/12Assunto: Conselhos de Ilha. Encargos de funcionamentoSequência: Aguarda resposta

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Este órgão do Estado recebeu várias queixas sobre decisão da Administração Regional Autónoma dos Açores que determinou a cessação do pagamento das senhas de presença devidas aos membros dos Conselhos de Ilha, pela participação nas respetivas reuniões extraordinárias, com fundamento na imprevisibilidade e custo das mesmas.

O Conselho de Ilha é um órgão estatutário, representativo dos interesses de cada ilha, de natureza consultiva, composto por representantes dos órgãos de governo próprio, das autarquias locais e da sociedade(286). A ratio das suas natureza e funções espelhava-se com clareza na anterior redação do artigo 85.º do EPARAA(287), dada pela Lei n.º 61/98, de 27 de agosto, quando se referia que: «[a] realidade geográfica, económica, social e cultural que cada ilha constitui, refletir-se-á na organização administrativa do arquipélago, por forma a melhor servir a população respetiva e, simultaneamente, a incentivar a unidade do povo açoriano.»

As suas atribuições e competências definidas por lei são, entre outras: a) formular reco-mendações aos órgãos das autarquias sobre assuntos das respetivas atribuições; b) fomen-tar a uniformização e harmonização das posturas e regulamentos das diversas autarquias; c) incentivar formas de cooperação e colaboração entre as diversas autarquias e os respe-tivos órgãos e serviços; d) apreciar, numa perspetiva de integração e complementaridade, os planos de atividade dos diversos municípios; e) emitir os pareceres que lhe sejam soli-citados pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores ou pelo Governo Regional sobre quaisquer matérias de interesse para a ilha; f ) dar parecer sobre o Plano Regional, designadamente numa perspetiva de ilha; g) pronunciar-se, por iniciativa pró-pria, sobre interesses específicos da ilha; h) exercer as demais atribuições e competências que lhe sejam conferidas por legislação regional.(288)

No âmbito da instrução, este órgão do Estado promoveu a audição da Vice-Presidên-cia do Governo, Emprego e Competitividade Empresarial (Departamento, que suporta os custos de funcionamento dos Conselhos de Ilha). Em consequência, o Provedor de Justiça foi informado de que as reuniões extraordinárias de cada Conselho de Ilha, atenta a sua natureza, não têm um número legalmente definido para a sua realização, ao contrá-rio do que sucede com as reuniões ordinárias. O que se traduz, em termos práticos, na imprevisibilidade e na instabilidade dos encargos que poderão vir a ser assumidos ao longo do ano com as referidas reuniões. A esta realidade acresce que têm vindo a aumentar de forma considerável o número de reuniões extraordinárias dos Conselhos de Ilha, sendo em alguns casos superior ao número de reuniões ordinárias.

(286) Vide artigo 128.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores (EPARAA), de acordo com a revisão resultante da Lei n.º 2/2009, de 12 de janeiro, que pode ser consultado em http://www.alra.pt/images/alra/doc_alra/estatuto_raa/estatuto_pt.pdf (acedido a 17 de agosto de 2016).(287) Que atualmente corresponde, com pontuais alterações, ao artigo 125.º do EPARAA.(288) Vide artigo 18.º do Decreto Legislativo Regional n.º 21/99/A, de 10 de julho, na redação do Decreto Legislativo Regional n.º 11/2015/A, de 14 de abril, que também o republicou.

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Para a decisão contestada relevou, pois, a impossibilidade de garantir um elevado grau de previsibilidade orçamental e, bem assim, o cumprimento do princípio do cabimento orçamental. A este propósito, o Conselho de Ilha de São Jorge convocou uma reunião extraordinária para apreciar o projeto de decreto legislativo regional que conduziu à última alteração ao regime do Conselho de Ilha, mas viu serem-lhe negados os pagamen-tos legalmente previstos. Nesta reunião, aquele Conselho lembrou que:

«a mesma resultou de um processo democrático onde foi pedido e dado parecer sobre a matéria em apreço. A democracia tem custos e estes devem ser pagos. (...) é precisamente pelo [seu caráter de imprevisibilidade] que tais reuniões são denominadas ‘extraordinárias’ e relembramos que, tanto quanto nos é dado conhecer, as determina-ções constantes de um ‘despacho’ não se podem substituir às da lei (...).»(289)

Entretanto, como já mencionado, foi aprovada uma alteração ao regime de funcio-namento dos conselhos de ilha que, de que se destaca para o que agora importa, a nova redação dada ao respetivo artigo 24.º (senhas de presença). Assim, onde se lia «As senhas de presença, por cada reunião ordinária ou extraordinária do conselho de ilha, são de valor igual ao estabelecido para os membros da assembleia municipal do município de maior categoria existente na ilha.», passou a ler-se:

«1 - O departamento do Governo Regional competente em matéria de administra-ção pública assume os encargos referentes às senhas de presença devidas pela realização das reuniões ordinárias e extraordinárias, sendo que estas últimas têm por limite um número máximo de três por ano.

2 - Nos casos em que o conselho de ilha realize um número de reuniões superior a seis por ano, o pagamento das senhas de presença devidas pelas reuniões subsequen-tes poderá ser solicitado, se devidamente fundamentado, ao departamento do Governo Regional competente em matéria de administração pública, cabendo a este a decisão do respetivo pagamento.»

Importa ainda ter presente que ao Governo Regional e a cada um dos seus departa-mentos cabem funções de indirizzo político.(290) Natureza política que, em sentido amplo, enforma quer as atribuições e competências, quer a composição dos Conselhos de Ilha. Também por esta razão, a atividade destes não pode deixar de ser enquadrada pela situa-ção económico-financeira do país que cumpriu, em um pretérito recente, um programa

(289) Vide Relatório da Comissão de Assuntos Parlamentares, Ambiente e Trabalho, de 23 de maio de 2014, pp. 18 e ss., consultado em http://base.alra.pt:82/iniciativas/comissao/XCPjDLR026_2.pdf (acedido a 17 de agosto de 2016).(290) Vide Decreto Regulamentar Regional n.º 7/2013/A, de 11 de julho, alterado e republicado pelo Decreto Regu-lamentar Regional n.º 13/2014/A, de 7 de agosto, que aprovou a orgânica daquele departamento.

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de ajustamento económico-financeiro, com os constrangimentos que daí resultam para a gestão das finanças públicas.(291)

É neste contexto que se tornam compreensíveis as dificuldades em prever e em cabi-mentar o número de reuniões extraordinárias: estas são convocadas por motivos de inte-resse público, mas é igualmente o interesse público que determina a atuação e as escolhas, designadamente orçamentais, dos governos emanados de escolhas livres dos cidadãos. O que pode explicar que o departamento competente em matéria de orçamento e de planea-mento não possa recorrer a alterações orçamentais nesta matéria.(292)

Ora, com o estabelecimento, efetivo a partir de 15 de abril de 2015, de um limite legal para o número possível de reuniões extraordinárias — pese embora a criação de uma vál-vula de excecionalidade — cessou a imprevisibilidade orçamental.

De facto, o universo das reuniões extraordinárias em relação ao qual se aguarda o paga-mento está definido: são aquelas que se realizaram até àquela data, sem que tenha ocorrido o pagamento total ou parcial das despesas inerentes.

Estão presentemente reunidas as condições para que se possa proceder aos pagamen-tos devidos, uma vez que deixou de existir o entrave que justificou a situação reclamada. Importa sublinhar, ainda, que, para a Administração Pública Regional Autónoma, tais pagamentos são devidos, porque previstos em lei regional, como decorre, aliás, de impe-rativo aprovado pelo EPARAA (artigo 128.º). Rege aqui «o princípio da juridicidade da Administração, pois todo o direito — todas as regras e princípios vigentes na ordem jurídico-constitucional portuguesa — serve de fundamento e é pressuposto da actividade da Administração».(293) Sem esquecer, tampouco, que está em causa a proteção de direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos(294), até porque:

«o princípio do respeito por direitos e interesses alheios constitui, além disso, um dos momentos da actividade administrativa em que a Administração pauta a sua conduta por regras de compatibilidade legal, constituindo a sua existência um limite externo à realização ou prossecução do interesse público nos moldes que a Administração consi-derasse mais conveniente (no quadro da legalidade existente, obviamente).» (295)

(291) Vide, por exemplo, o Decreto Legislativo Regional n.º 1/2014/A, de 15 de janeiro, que aprovou o Plano Anual Regional pra 2014.(292) Vide artigo 4.º da Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de setembro, que aprovou a Lei das Finanças das Regiões Autó-nomas, e o artigo 51.º da Lei n.º 91/2001, de 20 de agosto, na redação da Lei n.º 41/2014 de 10 de julho, e, atualmente, o n.º 2 do artigo 7.º da Lei n.º 151/2015, de 11 de setembro (Leis de Enquadramento Orçamental). (293) Vide Canotilho, J. J Gomes e Moreira, Vital, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª ed. rev., vol. II, Coimbra: Coimbra Editora, 2010, p.791 e ss.

(294) Vide artigo 4.º do CPA. (295) Vide Oliveira, Mário e outros, Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2.ª ed. Coimbra: Almedina, 1998, pp. 96 e ss.; vide também a redação dos mesmo artigos no CPA vigente, com alterações de pormenor.

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Como expressivamente se afirmou em acórdão do Supremo Tribunal Administrativo:

«(...) os objectivos da satisfação do interesse público e da boa gestão orçamental têm de ser conciliáveis com a subordinação à lei e o respeito pelos interesses legalmente protegidos dos cidadãos, deveres a que a Administração Pública se encontra adstrita por força de imposição constitucional e legal – v. os artigos 266.º da Constituição e 3.º e 4.º do CPA.»(296)

Foi igualmente referido que a fórmula, vaga e indeterminada, que faz depender o paga-mento das senhas de presença das reuniões realizadas a título excecional de uma deci-são do departamento do Governo Regional competente em matéria de administração pública, ainda que com base em solicitação fundamentada, carece de uma densificação objetiva. Esta deverá ter por referência as competências e as atribuições dos Conselhos de Ilha, assim permitindo a previsibilidade das reuniões no sentido de afastar, desse modo, qualquer risco de enviesamento da decisão administrativa.

Por estas razões, este órgão do Estado dirigiu à entidade visada uma chamada de aten-ção, na qual assinalou o dever de dar pontual cumprimento às injunções legais relativas ao funcionamento dos Conselhos de Ilha.

Proc. Q-0758/15 Entidade visada: Presidente da Câmara Municipal de Angra do HeroísmoData: 2016/12/19Assunto: Canil ilegal em zona residencial. RuídoSequência: Sem contestação

O Provedor de Justiça recebeu uma queixa, na qual se contestava o funcionamento ilegal de um canil junto à residência do queixoso.

Na sequência da instrução e das diligências desencadeadas junto da edilidade de Angra do Heroísmo, apurou-se que, ao abrigo do enquadramento definido no n.º 1 do artigo 106.º do Regime Jurídico de Urbanização e Edificação, foi determinada a demolição do canil. Não obstante, em cumprimento do princípio de audiência de interessados e após a realização de visita ao local, verificou-se que a sobredita infraestrutura já não existia, ape-nas ali se observando um telheiro com equipamentos de cozinha e um anexo à habitação

(296) Vide acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2 de junho de 2004, que pode ser consultado em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/17e8b71ff8ee38e380256eb60051e776?OpenDocu-ment&ExpandSection=1#_Section1 (acedido a 17 de agosto de 2016).

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que funcionava como espaço de trabalho, ambos com escassa relevância urbanística, enquadráveis à luz do disposto no artigo 6.º-A do referido diploma legal.

Tendo em conta a existência de animais naquele local — e do ruído que aqueles provo-cavam —, o queixoso foi informado de que a lei prevê que:

«Nos prédios urbanos podem ser alojados até três cães ou quatro gatos adultos por cada fogo, não podendo no total ser excedido o número de quatro animais, excepto se, a pedido do detentor, e mediante parecer vinculativo do médico veterinário municipal e do delegado de saúde, for autorizado alojamento até ao máximo de seis animais adultos, desde que se verifiquem todos os requisitos hígio-sanitários e de bem-estar animal legalmente exigidos.» (297)

No caso concreto, as normas de utilização dos fogos de habitação social constantes do anexo ao contrato de arrendamento de duração limitada oportunamente celebrado foram objeto de revogação pelo Regulamento Municipal de apoio à melhoria das condições de habitação no concelho de Angra do Heroísmo(298), determinando o respetivo artigo 18.º que a permanência de animais domésticos dentro das habitações é consentida, mediante o cumprimento das condições ali fixadas.

O Regulamento Geral do Ruído e do Controlo da Poluição Sonora(299) define, na alí-nea nn) do seu artigo 3.º, o ruído de vizinhança como aquele

«associado ao uso habitacional e às atividades que lhe são inerentes, produzido dire-tamente por alguém ou por intermédio de outrem, por coisa à sua guarda ou animal colocado sob a sua responsabilidade, que, pela sua duração, repetição ou intensidade, seja suscetível de afetar a saúde pública ou a tranquilidade da vizinhança».

O mencionado Regulamento Geral determina ainda, no seu artigo 37.º, que «[a]s autoridades policiais podem ordenar ao produtor de ruído de vizinhança, produzido nos períodos de entardecer e noturno, a adoção de medidas adequadas para fazer cessar a incomodidade, bem como fixar um prazo para o efeito». O «não cumprimento da ordem de cessação da incomodidade emitida pela autoridade policial» constitui, nos temos da alínea i), n.º 1, do artigo 61.º do mesmo diploma legal.

Refira-se, também que, nos casos de reiterada incomodidade sonora deverá o recla-mante suscitar a intervenção das forças policiais competentes, em decorrência do exercício

(297) N.º 2 do artigo 3.º do regime que estabelece as regras relativas à posse e detenção, comércio, exposições e entrada de animais suscetíveis à raiva em território nacional, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 314/2003, de 17 de dezembro.(298) Aprovado em sessão ordinária da Assembleia Municipal realizada em 29 de junho de 2011 e alterado no âmbito de sessão ordinária levada a efeito no dia 24 de abril de 2014.(299) Aprovado pelo Decreto Legislativo Regional n.º 23/2010/A, de 30 de junho, na redação dada pela Declaração de Retificação n.º 26/2010, de 27 de agosto.

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de prerrogativas fiscalizadoras que tais entidades titulam, e tendo em vista a eventual emis-são de auto de notícia.

A instrução prosseguida por este órgão do Estado não permitiu vislumbrar qual o inte-resse público que norteou a abstenção camarária em questão, na medida em que a ordem jurídica não se compadece com a subsistência de obras ilegais: se não se mostrar viável a legalização, mais não resta que ordenar a demolição das construções.

Uma vez apreciada a viabilidade da pretensão construtiva, está-se, pois, perante a cons-tituição de um verdadeiro “poder-dever” e já não em face do simples reconhecimento da existência de uma faculdade da Administração em matéria de reposição da legalidade urbanística.

Em conformidade, e à luz do regime consignado no n.º 2 do artigo 149.º do ante-rior CPA, o cumprimento das injunções então determinadas deveria, desde logo, ter sido imposto coercivamente por aquela edilidade.

O circunstancialismo descrito remonta, pelo menos, ao ano de 2014 e apenas em finais de 2015, a autarquia veio a adotar as medidas de tutela da legalidade urbanística que se impunham ao caso.

O CPA estabelece, no seu artigo 36.º, a irrenunciabilidade das competências legalmente conferidas, sancionando com a nulidade qualquer ato que tenha por objeto a renúncia à competência. Também nesta linha se pronunciou o Tribunal Central Administrativo do Sul(300), que veio determinar a perda de mandato autárquico por violação culposa dos instrumentos de gestão do território vigentes, e pela prática de factos ilícitos no exercício dessas funções.

Este órgão do Estado formulou chamada de atenção ao Presidente da Câmara Muni-cipal de Angra do Heroísmo, porquanto se verificou que esta edilidade permitiu a subsis-tência, por tempo indefinido, de uma obra formal e materialmente ilegal, realizada sem licença e mostrando-se insuscetível de legalização. Ou seja, atuação da Câmara Municipal de Angra do Heroísmo revelou-se omissa quanto à adoção, em tempo útil, dos mecanis-mos necessários à reintegração da legalidade.

(300) Cf. Acórdão de 20 de outubro de 2011, in http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c-6d7d/ee218f78db00a3a18025793a0052d0c0?OpenDocument (consultado em 16 de dezembro de 2016).

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7.1.2. Tomadas de posição de não provimento de queixa

Proc. Q-6147/14 Entidades visadas: Câmara Municipal de Angra do Heroísmo. Autoridade Nacional de Comunicações (ANACOM)Data: 2016/11/10Assunto: Estação de radiocomunicações. Campos eletromagnéticos

O Provedor de Justiça recebeu uma queixa, na qual se contestava a instalação de uma antena de radiocomunicações na proximidade da residência dos queixosos. Estes alegavam que o funcionamento daquele aparelho fazia perigar a saúde dos moradores ali residentes, assim como a das pessoas que frequentavam os espaços desportivos e o jardim infantil vizinhos.

No âmbito da instrução do procedimento, este órgão do Estado concluiu que o pedido de autorização da instalação de infraestrutura em causa observou a tramitação legalmente prevista no n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 11/2003 de 18 de janeiro(301), ou seja, entre outros requisitos, este pedido foi acompanhado do «termo de responsabilidade dos técnicos responsáveis pela instalação, que a nível civil, quer a nível das instalações elétri-cas»(302). Mencione-se, de igual jeito, que a instalação da infraestrutura em apreço respei-tou os condicionalismos consagrados no artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 151-A/2000 de 20 de julho(303). Para além disso, verificou-se que a colocação da antena em causa não consubs-tanciava qualquer violação das restrições previstas em Plano Municipal de Ordenamento do Território, uma vez que o conceito de «cércea» máxima admissível no PDM, pela pró-pria definição nele constante, não é aplicável a uma estrutura com aquelas caraterísticas.

No tocante à (des)necessidade de licenciamento, Decreto-Lei n.º 11/2003, de 18 de janeiro, determina que, na redação atualmente em vigor, o regime do Decreto-Lei n.º

(301) Regula a autorização municipal inerente à instalação das infraestruturas de suporte das estações de radiocomu-nicações e respetivos acessórios definidos no Decreto-Lei n.º 151-A/2000, de 20 de julho.(302) Alínea d) da referida norma.(303) Para uma leitura dos condicionalismos aludidos, transcreve-se a norma citada:

«1 — A instalação de estações de radiocomunicações e respectivos acessórios, designadamente antenas, não pode, para além de outras restrições legalmente estabelecidas: a) Dificultar o acesso às chaminés, bem como a realização de eventuais trabalhos de reparação na cobertura dos edifícios; b) Causar interferências prejudiciais em estações que tenham direito a protecção ou na recepção de emissões de radiodifusão; c) Colidir com servidões radioeléctricas existentes.2 — Nos locais de instalação de estações fixas de radiocomunicações e respectivos acessórios, designadamente antenas, é obrigatória a afixação de sinalização informativa que alerte sobre os riscos da referida instalação.»

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555/99, de 16 de dezembro, não se aplica às estações de telecomunicações, pelo que a sua instalação não carece de licença mas tão-só de autorização municipal.(304)

A entidade licenciadora informou, também, não existirem impedimentos atinentes à proteção do ambiente, do património cultural e da paisagem urbana, tendo sido proferido um parecer favorável do Diretor Regional da Cultura, ao abrigo do disposto nos artigos 4.° e 19.° do Decreto Legislativo Regional n.º 15/2004/A, de 6 abril(305), e na alínea f ), do n.º 1, do artigo 43.° do Decreto Legislativo Regional n.º 29/2004/A, de 24 de agosto(306), alterado e republicado pelo Decreto Legislativo Regional n.º 43/2008/A, de 8 de outubro.

Com efeito, não obstante a área onde se pretendia instalar a estrutura (antena) de tele-comunicações ser efetivamente abrangida pela zona de proteção da zona classificada de Angra do Heroísmo, concluiu-se que aquela infraestrutura se localizava em uma zona con-finante com a delimitação da zona de proteção da área classificada de Angra do Heroísmo, pelo que não lhe causaria prejuízo, o mesmo se verificando no espaço envolvente, no qual existiam, inclusivamente, outras antenas, designadamente, de rádio amadores. Para além disso, a antena em causa não se encontra em um espaço urbano ou residencial e, embora seja visível, o seu impacto visual é reduzida expressão.

No decurso da instrução, o Provedor de Justiça contactou a Delegação dos Açores da ANACOM sobre esta matéria, a qual lhe transmitiu que da avaliação dos campos ele-tromagnéticos, esta entidade concluiu que os valores de radiação obtidos no local eram substancialmente inferiores aos limites estabelecidos pela Portaria n.º 1421/2004, de 23 de novembro(307).

Em face do exposto e do regime legal aplicável ao caso, este órgão do Estado considerou a queixa apresentada como improcedente.

(304) Cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 14 de dezembro de 2004, in http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/227fccd79c15587880256f82004da8c0?OpenDocument&ExpandSec-tion=1 (acedido a 8 de novembro de 2016)(305) De acordo com o preceituado no artigo 1.º, o aludido diploma jurídico regula o regime de proteção e valorização do património cultural da zona classificada da cidade de Angra do Heroísmo.(306) Como resulta do seu artigo 1.º, o diploma legal mencionado «estabelece o regime jurídico relativo à inventa-riação, classificação, proteção e valorização dos bens culturais móveis e imóveis, existentes na Região Autónoma dos Açores.»(307) Adota as restrições básicas e fixa os níveis de referência relativos à exposição da população a campos eletromag-néticos.

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Proc. Q-0481/16Entidade visada: Conservatória do Registo Automóvel da Praia da VitóriaData: 2016/12/30Assunto: Registo automóvel. Documento Único Automóvel

A queixa apresentada ao Provedor de Justiça relacionava-se com o tratamento alega-damente dispensado, pelos serviços competentes do IRN, ao de extravio do Documento Único Automóvel emitido no seguimento da apresentação de pedido de registo de pro-priedade formulado pelo queixoso.

Na instrução do procedimento, este órgão do Estado contactou a Conservatória do Registo Civil, Predial, Comercial e Automóvel em causa, tendo, em consequência, sido informado de que a documentação que sustentou o pedido formulado não sofreu qual-quer extravio, uma vez que o registo foi efetuado naquele serviço e a ordem para emissão de Documento Único Automóvel foi feita internamente, no sistema informático em uso neste domínio. Para além disso, a entidade visada esclareceu que, na situação concreta, o documento em causa foi emitido no dia seguinte ao do pedido de registo e, de acordo com a informação prestada com base em consulta interna, terá sido expedido e entregue em data determinada. Por esta razão, verificou-se que não ocorreu qualquer extravio impu-tável à sua atuação, nada havendo a censurar no tratamento dispensado ao caso relatado.

Em face do exposto, o Provedor de Justiça concluiu que, na eventualidade de se confir-mar a perda de documento por causa não imputável aos serviços do IRN, como terá ocor-rido no caso concreto, haverá necessariamente lugar à formulação do pedido de emissão de uma 2.ª via do mesmo, com os custos inerentes à mesma, a suportar pelo requerente, nos termos de resto legalmente previstos.

Proc. Q-1947/15 Entidade visada: Polícia de Segurança Pública (PSP) Data: 2016/11/07Assunto: Recursos humanos. Horário de trabalho

O Provedor de Justiça recebeu uma queixa apresentada por uma agente da PSP, na qual era se contestava o indeferimento de um pedido de alteração do horário de trabalho de modo a que pudesse exercer as suas funções em dias úteis e em horário diurno.

No decurso da instrução, este órgão do Estado foi informado de que a entidade visada entendia que «é possível a adoção de horários específicos ou ajustados, na conciliação da vida profissional e na promoção da igualdade de género», «contribuindo para o reforço

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das responsabilidades familiares», na tentativa de se alcançar um «justo equilíbrio» entre as dimensões em presença. Mais esclareceu a PSP que este tem sido o entendimento seguido, sempre que possível, na tentativa de conciliação dos direitos dos cidadãos ao seu serviço e dos deveres que sobre os mesmos impendem na prossecução da missão àqueles atribuída por força da sua condição profissional.

No que respeita ao caso concreto, a PSP esclareceu, ainda, que imperiosas razões de prossecução do interesse público presente, associadas à escassez dos recursos humanos ao dispor da esquadra onde a queixosa presta serviço, não permitiram o deferimento do pedido, nos exatos termos em que foi formulado.

De acordo com a informação prestada pela PSP, a esquadra em causa conta com um efetivo reduzido para garantir uma escala ininterrupta de atendimento ao público e o patrulhamento automóvel. Verificou-se, também, que, com base nos elementos disponi-bilizados, para aquela subunidade é relevante o número de efetivos do género feminino, todos eles casados com elementos policiais a trabalhar por turnos, com filhos menores de idade, em moldes que, só por si, tornam objetivamente inviável o exercício de funções, por parte de todos, em horário administrativo ou apenas em horário diurno.

Foi, de igual modo, esclarecido um aspeto de natureza jurídico-formal, relacionado com a qualificação do pedido formulado. Na verdade, e não obstante a invocação do deno-minado «horário flexível»(308), a pretensão da queixosa não se enquadrava, do ponto de vista objetivo, no conceito legalmente estabelecido, uma vez que ela pretendia, como refe-rido, a dispensa de prestação de trabalho no período noturno e em dias úteis e, por conse-guinte, não se podia afirmar que lhe tivesse sido recusada a atribuição de horário flexível.

Com vista a resolução do caso concreto, tentou-se a conciliação dos interesses da quei-xosa e da entidade visada e definiram-se orientações no sentido do estabelecimento de horário de serviço com turnos desencontrados (aplicando-se também aos serviços remu-nerados prestados pelo marido), com vista à viabilização do exercício das obrigações parentais, cujo cumprimento justifica a pretensão formulada.

O Provedor de Justiça observou, também, terem sido dadas instruções para viabilizar os pedidos de ajuste de horário de entrada e de saída de serviço dos elementos policiais, que venham a revelar-se necessários para garantir a assistência aos filhos menores de idade, designadamente promovendo as alterações em escalas. Estas medidas evidenciam a dispo-nibilidade da PSP para encontrar a solução mais adequada.

Face à factualidade exposta, a valorar à luz da legislação à mesma aplicável, este órgão do Estado entendeu que a atuação da PSP não merecia censura, quer no tocante à motiva-ção do indeferimento do pedido de alteração do horário fixado à queixosa, quer, de igual

(308) Entende-se por «horário flexível aquele em que o trabalhador pode escolher, dentro de certos limites, as horas de início e termo do período normal de trabalho diário» (vide o n.º 2 do artigo 56.º do CT, acolhido em moldes seme-lhante no n.º 1 do artigo 111.º da LGTFP.

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modo, quanto à tentativa de encontrar solução consentânea com todos os interesses em presença.

7.2. Extensão da Região Autónoma da Madeira

7.2.1. Tomadas de posição favoráveis aos queixosos

a) Sugestões

Proc. Q-1133/16Entidade visada: Instituto de Emprego da Madeira, I.P.-RAM Data: 2016/03/04Assunto: Procedimento e decisão de anulação da inscrição dos cidadãos desemprega-dos não subsidiados nos Centros de Emprego e Formação ProfissionalSequência: A entidade visada comprometeu-se a adotar novos mecanismos de articulação com os utentes

O Provedor de Justiça recebeu uma queixa sobre a decisão do Instituto de Emprego da Madeira, I.P.-RAM que anulou a inscrição de um cidadão em situação de desemprego mas não subsidiado.

No âmbito da instrução, verificou-se que o queixoso apenas teria comparecido nos serviços da entidade visada decorridos quatro meses após a data de anulação, quando o processo relativo à respetiva inscrição e período de anulação já se encontravam concluídos. Reconhecendo as implicações que uma nova inscrição possa ter para os cidadãos, e no sentido de salvaguardar os seus direitos, foram sugeridas novas formas de articulação com os cidadãos e o melhoramento daquelas que já existiam. Tais medidas consistiam, desig-nadamente, (i) na atualização do volantini que é facultado ao cidadão no momento da sua inscrição — nos quais se especificam os seus direitos e os seus deveres, assim como os métodos de controlo de candidaturas —, (ii) na análise das reclamações apresentadas no período de 90 dias, ressalvando-se a possibilidade de recurso no ofício de anulação, e (iii), na adoção de meios informáticos que possam tornar o contacto entre a entidade visada e os cidadãos mais célere.

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Tendo em conta que as decisões adotadas pela entidade visada no âmbito das relações estabelecidas com os cidadãos não beneficiários de prestações sociais são atos administra-tivos(309), e que as normas constantes do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de novembro(310), constituem um regime especialmente aplicável aos cidadãos beneficiários de prestações, foi ainda sugerido que o processo de decisão que visa os cidadãos desempregados não sub-sidiados seja enquadrado nas normas gerais que disciplinam o exercício da função admi-nistrativa, salvaguardando os direitos e garantias, constitucional e legalmente reconhe-cidos a todos os administrados, como sejam o direito de audiência prévia (artigos 12.º e 121.º do CPA) — sobretudo antes de aplicada a sanção de inibição de reinscrição por 90 dias — e o direito de impugnar administrativamente a anulação da inscrição nos Centros de Emprego, nos termos gerais (artigos 184.º e ss. do CPA).

Proc. Q-3860/13Entidade visada: Junta de Freguesia de GaulaData: 2016/04/11Assunto: Ordenamento do território. Caminhos públicosSequência: As diligências instrutórias permitiram restabelecer o acesso dos moradores residentes já no ano de 2016

Este órgão do Estado recebeu uma queixa sobre a atuação aparentemente omissa por parte da Junta de Freguesia de Gaula, emface da obstrução de caminho público por particular.

No âmbito da instrução, verificou-se que a entidade visada manifestava algumas dúvi-das relativamente à possibilidade de intervenção no caso concreto, foram sugeridas medi-das de tutela da legalidade, no âmbito de reunião de trabalho realizada com as partes intervenientes.

De facto, a questão em apreço não deverá «ser olhada como uma situação do Direito privado, tendo que ver com a prossecução do interesse público e a eventual necessidade do sacrifício de determinados interesses particulares, em nome do bem comum»(311). Está em causa o exercício de poderes públicos (função administrativa integrante do poder autár-quico), sendo tais atos gestão pública.

(309) Sobre a noção de ato administrativo, cf. artigo 148.º do CPA.(310) Aprova o regime de proteção social no desemprego.(311) Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 145/2009, 24 de março, disponível em http://www.tribunalconstitu-cional.pt/tc/acordaos/20090145.html

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Não se vislumbraria, pois, qual o interesse público suscetível de nortear uma eventual abstenção da autarquia em questão. A ordem jurídica não se compadece com a subsistên-cia de situações ilegais, devendo promover-se a adequada reintegração dos interesses legíti-mos de terceiros e tutela da legalidade urbanística possível. Também não seria de ponderar a instauração de procedimento judicial para este efeito, desde logo, por não se identificar, no caso em presença, a necessidade de obtenção de sentença judicial com vista à execução das medidas em causa.

Assim, só se mostraria necessário o recurso aos tribunais comuns se o objeto da inter-venção se localizasse em domínio privado e o proprietário da edificação tivesse demons-trado a sua oposição à entrada dos funcionários municipais, invocando a inviolabilidade do domicílio (n.º 2 do artigo 34.º da CRP). Mesmo em tal caso, a execução por via coativa dos atos administrativos traduziria uma das restrições legais ao direito à inviolabilidade do domicílio (n.º 1 do artigo 34.º da CRP), consubstanciando uma das situações em que a exigência de consentimento do particular é afastada tendo em conta o interesse público que subjaz à garantia executiva dos atos administrativos. A falta de consentimento pode-ria, nesses casos, ser suprida por decisão judicial que autorizasse a entrada no domicílio.

No entanto, a eventual reserva de decisão judicial reportar-se-ia exclusivamente à per-missão de entrada no domicílio para execução das operações materiais previamente deter-minadas, no tocante à execução de obras em falta, não podendo ser destinada a reconhe-cer o direito de apreciar a validade do ato que se executa, mas, tão-somente, a remover um obstáculo ao exercício desse poder administrativo. A Administração dispõe ainda do poder de exigir de terceiros o cumprimento das obrigações e o respeito das limitações que decorrem dos atos administrativos, e não sendo necessária a intervenção do tribunal para tornar efetivas as medidas neles contida, uma vez que a atividade desenvolvida se prende com o modo de realização da situação jurídica previamente definida está sujeita aos prin-cípios da legalidade e da autotutela declarativa e executiva.

Assim, foi sugerido que, em tudo o mais que não se relacionasse com a questão do con-sentimento de entrada no domicílio verificar-se-ia a desnecessidade da tutela judicial. No remanescente, não careceria a Junta de Freguesia de Gaula de emissão de mandado judicial para realização da intervenção prevista, sob pena de renúncia das competências que lhe são legalmente conferidas.

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Proc. Q-3150/13Entidade visada: Município do FunchalData: 2016/02/23Assunto: RuídoSequência: A entidade visada veio a adotar mecanismos de minimização da incomodidade sonora

O Provedor de Justiça recebeu uma queixa, na qual se contestava a atuação da autarquia do Funchal, suscitando-se a audição da conduta omissa relativamente à adoção de provi-dências destinadas a conter o ruído imputado ao funcionamento do sistema de extração de fumos pertencente a estabelecimento comercial sito no concelho.

Atenta a reclamação reiterada por moradores residentes no prédio identificado, adu-zindo o seu protesto à laboração do estabelecimento em causa, foram desencadeadas diversas diligências instrutórias, designadamente a realização de visitas ao local, bem como a proposta de adoção de mecanismos de reintegração da legalidade junto da enti-dade licenciadora, a saber:

a) a notificação do proprietário do estabelecimento, tendo em vista a realização de tra-balhos conducentes à minimização do impacte sonoro produzido pelo respetivo sistema de extração e ventilação, após emissão de parecer técnico por parte das entidades compe-tentes em matéria de segurança contra incêndios;

b) a interrupção da laboração do referido sistema durante o período noturno, maxime, com efeitos a partir das 23h00.

O procedimento veio a ser fechado na sequência da adoção das sugestões formuladas por este órgão do Estado.

b) Chamadas de atenção

Proc. Q-3135/15Entidade visada: Município de MachicoData: 2016/02/29Assunto: Obras ilegaisSequência: Sem objeção

A queixa recebida neste órgão do Estado relacionava-se com a adoção de medidas de tutela da legalidade urbanística por parte da autarquia de Machico, uma vez confirmada a

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impossibilidade de viabilização de obras efetuadas naquele concelho, à luz dos parâmetros urbanísticos definidos pelo Regulamento do Plano Diretor Municipal para o local.

No tocante aos deveres de fiscalização que nesta matéria incumbem às autarquias, o n.º 2 do artigo 93.º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação estabelece a efetivação de um conjunto de medidas de natureza administrativa destinadas «a assegurar a conformi-dade daquelas operações com as disposições legais e regulamentares aplicáveis e a prevenir os perigos que da sua realização possam resultar para a saúde e segurança dos cidadãos.»

Tendo em conta que a concretização de operações urbanísticas é objeto de fiscalização administrativa, caberia sempre à edilidade a obrigação de realizar aquela fiscalização, inde-pendentemente dos trabalhos em causa estarem ou não sujeitos a prévio licenciamento ou a prévia autorização.

Deste modo, e independentemente de os trabalhos obstaculizarem o acesso dos mora-dores residentes ao caminho ali existente, conclui-se que a entidade visada deveria ter asse-gurado, de modo mais instante, a tutela do interesse público.

Face ao exposto, este órgão do Estado chamou a atenção da entidade visada, no sentido de esta ser mais diligente na gestão dos procedimentos urbanísticos, assim se assegurando a prossecução do interesse público e a proteção dos direitos e interesses legalmente prote-gidos dos particulares.

Proc. Q-1389/15Entidade visada: Caixa Geral de Aposentações, I.P. (CGA)Data: 2016/08/25Assunto: Desistência de pedido de aposentaçãoSequência: Sem objeção

No âmbito de uma queixa apresentada ao Provedor de Justiça contestava-se a atua-ção conduzida pela CGA, na sequência da formalização de pedido de aposentação por parte do queixoso e após consulta no simulador facultado pela própria entidade visada. Ao verificar que o valor da pensão atribuído seria substancialmente mais baixo do que o previsto, o queixoso apresentou novo requerimento, em novembro de 2014, solicitando a anulação do processo, o qual foi indeferido, nos termos do disposto no n.º 6 do artigo 39.º do Estatuto da Aposentação (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de dezembro, na redação conferida pela Lei n.º 11/2014, de 6 de março).

No âmbito da instrução, observou-se ser inexequível a reconstituição da situação existente em momento prévio ao proferimento de despacho de aposentação, uma vez que a respetiva entidade patronal transmitiu que somente asseguraria o pagamento de

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remunerações (e, consequentemente, das respetivas quotas) após o eventual regresso dos interessados às suas funções. Apesar disso, a entidade visada informou que passaria a ser adotado um procedimento diverso daquele que motivou a reclamação, notificando-se os subscritores que requeressem a aposentação, antes da data da entrada em vigor da Lei n.º 11/2014, de 6 de março, do montante da pensão a atribuir, em momento prévio à prolação do despacho de aposentação. Contudo, a CGA não realizou, no caso concreto, audiência de interessados no âmbito da instrução do pedido de aposentação apresentado, mostrando-se a decisão final exaradaferida do vício de invalidade.

O Provedor de Justiça foi informado da alteração de procedimento de notificação de interessados no âmbito da audiência prévia e de que a CGA passou a permitir que os requerentes, conhecendo o montante da pensão que lhes iria ser fixado e não se confor-mando com os mesmos, pudessem desistir atempadamente do respetivo pedido, ou seja, antes de proferida a decisão final.

A CGA reconheceu, pois, o facto de ter sido significativamente agravado o valor das pensões atribuídas — sobretudo das antecipadas —, após a entrada em vigor da Lei n.º 11/2014, de 6 de março, bem assim como o impacto que desta situação decorre para aque-les que requereram a pensão antes da entrada em vigor do referido diploma legal. Por esta razão, passou a adotar o procedimento da audiência dos interessados ou audiência prévia. Pese embora o mencionado procedimento seja essencial e obrigatório, a própria lei prevê a sua dispensa em algumas situações, como seja a consignada na alínea f ), n.º 1, do artigo 124.º do CPA. Esta possibilidade não tem, porém, aplicação no caso concreto, uma vez que a vigência da Lei n.º 11/2014, de 6 de março, não foi acompanhada de uma cláusula de salvaguarda de direitos relativamente aos pedidos que deram entrada anteriormente na CGA.

Proc. Q-4049/16Entidade visada: Empresa de Eletricidade da Madeira, S.A.Data: 2016/11/15Assunto: Acerto de consumo. PrescriçãoSequência: Sem objeção

A intervenção do Provedor de Justiça junto da Empresa de Eletricidade da Madeira, S.A. foi requerida, porquanto se contestava o procedimento conduzido por esta entidade, no tocante à emissão de fatura de acerto de consumo de eletricidade, relativa ao período compreendido entre novembro de 2013 e dezembro de 2015.

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No âmbito da instrução, a entidade visada transmitiu que:

«(...)desde o final de 2013, o leitor não logrou aceder ao contador em causa pelo facto de o mesmo estar inacessível, no interior do prédio(...). Assim (...)foram emiti-das faturas com consumos estimados baseados no histórico da Cliente, sendo que tal circunstância era reproduzida mensalmente nas faturas de fornecimento de energia eléctrica».

Acrescentou ainda que:

«[n]o que concerne à prescrição invocada pela Cliente, importa referir que con-forme decorre do preceituado no art.° 306°, n° 1 do código civil, o prazo de prescrição apenas começa a contar quando o direito puder ser exercido. Ora, “in casu”, atendendo a que a referida fatura foi emitida em março de 2016, nessa altura o direito da EEM ao recebimento do valor correspondente à diferença entre a energia efetivamente consu-mida e a estimada não se encontra prescrito.»

O artigo 10.º da Lei n.º 23/96, de 26 de julho (e suas alterações) determina que «[o] direito ao recebimento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação.». E, nos termos do n.º 2 do mesmo preceito, «[s]e, por qualquer motivo, incluindo o erro do prestador do serviço, tiver sido paga importância inferior à que corres-ponde ao consumo efectuado, o direito do prestador ao recebimento da diferença caduca dentro de seis meses após aquele pagamento.».

Não obstante a querela doutrinal e jurisprudencial sobre a natureza da prescrição pre-vista na citada norma, é entendimento pacífico que, como se lê no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26 de janeiro de 2006(312), «com a fixação de um prazo (seis meses) tão curto de prescrição, visou a lei a proteção do utente do serviço e, expressamente se integrou no âmbito da proteção o serviço» de água. Na verdade, tratando-se de serviços públicos essenciais e atenta o desequilíbrio factual entre o prestador do serviço e o con-sumidor, o legislador definiu um prazo de prescrição de modo a evitar, ainda que reflexa-mente, o endividamento do sujeito contratualmente mais vulnerável.

Em conformidade, este órgão do Estado chamou a atenção da entidade visada de que, após o decurso do prazo de seis meses sobre a prestação do serviço, não pode apresentar uma fatura com novos valores a debitar, uma vez que o direito de crédito se encontra prescrito.

(312) Consultável em http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/9f91f1512a990e8580257 1090049ac5b?OpenDocument

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7.2.2. Tomadas de posição de não provimento de queixa

Proc. Q-5519/16Entidade visada: Câmara Municipal do Porto SantoData: 2016/11/15Assunto: Subsídio de reintegração

A intervenção do Provedor de Justiça foi solicitada junto do município do Porto Santo, contestando-se na queixa a aparente ausência de medidas destinadas a dar provimento à pretensão do queixoso, formalizada aos 22 de setembro de 2015, conducente à liquidação de subsídio de reintegração previsto no artigo 19.º da Lei n.º 29/87, de 30 de junho (e suas alterações), que aprova o Estatuto dos Eleitos Locais (EEL), cuja vigência se manteve ao abrigo do disposto no regime transitório fixado pela Lei n.º 52-A/2005, de 10 de outubro.

No decurso da instrução e das diligências realizadas junto da entidade visada, apurou--se ter sido deliberado o processamento de um determinado montante, a título de subsídio de reintegração, a favor do queixoso. De acordo com o n.º 2 do artigo 19.º do EEL, o valor do subsídio de reintegração «é equivalente ao valor de um mês de remuneração por cada semestre de exercício efetivo de funções, até ao limite de onze meses.»

Este órgão do Estado verificou que o queixoso teria direito à perceção do valor corres-pondente a 12 meses de exercício do cargo de Presidente de Câmara em regime de perma-nência (exclusividade), isto é, dois semestres, equivalentes a dois meses de remuneração, aplicáveis em vigor à data de outubro de 2011. De facto, entre 4 de janeiro de 1999 e 7 de novembro de 2011, o queixoso acumulou o exercício das suas funções autárquicas com o desempenho de uma atividade de natureza pública extra-autárquica em dois cargos dis-tintos e consecutivos. Assim, nesse período, concluiu-se que o queixoso desempenhou o referido mandato em regime de permanência mas não em exclusividade.

O Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República(313) considerou como não autárquicas — e, bem assim, fora do regime previsto pela alínea a), do n.º 1, do artigo 7.º do EEL — as funções desempenhadas, em acumulação, por presidentes e vereadores em regime de permanência a tempo inteiro, em conselhos de administração de empresa pública ou de sociedade anónima de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos de âmbito municipal ou regional, em conselhos de administração dos serviços municipali-zados, ou em associação pública ou fundação (de direito privado), de âmbito municipal. A estas funções, o referido Conselho entendeu ser-lhes aplicável o enquadramento legal previsto nos artigos 18.º a 19.º-D do citado diploma.

(313) Vide Pareceres n.º 77/2002, de 13 de fevereiro de 2003, e complementar, de 1 de abril de 2004, publicados nos Diários da República, n.º 228, 2.ª série, de 2 de outubro de 2003, e n.º 153, 2.ª série, de 1 de julho de 2004, respetivamente.

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Neste sentido, foi comunicada ao queixoso a improcedência parcial da queixa formu-lada ao Provedor de Justiça.

Proc. Q-6554/15Entidade visada: Assembleia Legislativa da MadeiraData: 2016/09/05Assunto: Procedimento concursal para constituição de relação jurídica de emprego público por termo indeterminado

A intervenção do Provedor de Justiça foi solicitada junto da Assembleia Legislativa Regional da Madeira, com base em uma queixa na qual se contestava os termos em que decorrera o procedimento concursal para constituição de relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado, na carreira e categoria de consultor parlamentar.(314) Segundo o que foi comunicado, o procedimento concursal em apreço não teria consubs-tanciado uma efetiva igualdade de oportunidades no acesso à carreira de técnico superior, para os detentores de formação na área de biblioteconomia, arquivo e documentação, já que a alínea c) do n.º 2 do aviso apenas fazia referência às licenciaturas em Ciências da Informação e Documentação ou História.

No âmbito da instrução, concluiu-se que o procedimento concursal em apreço foi aberto para provimento de posto de trabalho a que corresponde o grau de complexidade 3. De acordo com o disposto no n.° 1 do artigo 32.° do Decreto Legislativo Regional n.° 24/89/M, de 7 de setembro(315), na redação conferida pelo Decreto Legislativo Regional n.º 2/2015/M, de 26 de janeiro, «os funcionários parlamentares exercem as suas funções integrados em carreiras especiais pluricategoriais, não contemplando o mapa de pessoal desta Assembleia Legislativa a carreira de Técnico Superior».

A alínea c) do n.° 2 do aviso de abertura contempla as áreas de formação em matéria de Ciências de Informação e Documentação, História, para além de Ciências da Informação, Arquivística e Biblioteconomia.

Uma vez que as áreas de formação estão normativamente fixadas, nos termos da Clas-sificação Nacional das Áreas de Educação e Formação(316), «o empregador público não pode elaborar as suas próprias áreas de formação, criando ou modelando os seus próprios

(314) Publicado no Jornal Oficial da Região Autónoma da Madeira, n.º 211, 2.ª série, de 12 de novembro de 2014.(315) Estabelece a estrutura orgânica da Assembleia Legislativa Regional da Madeira. (316) Cf. Portaria n.º 256/2005, de 16 de março.

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parâmetros na identificação da oferta formativa»(317). Por outro lado, a atividade classi-ficativa do júri tendente à verificação das habilitações idóneas para oposição a concurso contém alguma margem de apreciação e ponderação técnica.(318)

Em conformidade, as exclusões de candidatos sancionadas no âmbito do procedi-mento decorreram dos requisitos fixados pelo legislador (cf. os artigos 34.º e seguintes da LGTFP), designadamente a ausência de vínculo de emprego público, ou a inexistência de nível habilitacional na área de formação requerida.

De resto, nos termos do disposto no n.° 1 do artigo 34. ° da LGTFP,

«pode apenas ser candidato ao procedimento quem seja titular do nível habilitacio-nal e, quando aplicável, da área de formação correspondentes ao grau de complexidade funcional da carreira e categoria caraterizadoras do posto de trabalho para cuja ocupa-ção o procedimento é publicitado.».

Por força da publicação do Decreto-Lei n.º 121/2008, de 11 de Julho, as carreiras de técnico superior e de técnico-adjunto de biblioteca e documentação e de arquivo passa-ram a integrar as carreiras únicas e gerais de técnico superior e de assistente técnico. Tal diploma procedeu à revogação do Decreto-Lei n.º 247/91, de 10 de julho, o qual disci-plinava o estatuto das carreiras de pessoal especificas das áreas funcionais de biblioteca e documentação e de arquivo.

No entanto, a legislação aplicável ao procedimento em causa, a LGTFP, em conjugação com o artigo 32.°-A do Decreto Legislativo n.° 24/89/M, de 7 de setembro, exigia apenas que o recrutamento em questão se fizesse de entre candidatos detentores de licenciatura anterior a Bolonha ou o 2.° ciclo de Bolonha na especifica área de formação, sendo certo que os funcionários parlamentares exercem as suas funções integrados em carreiras espe-ciais, cujos conteúdos funcionais caraterizam postos de trabalho em que os órgãos reves-tem natureza parlamentar.

Por conseguinte, a transição das respetivas carreiras operou-se através de lista nomina-tiva de acordo com os artigos 58.° a 61.° do Decreto Legislativo Regional n.° 16/2012/M, de 13 de agosto, que alterou a estrutura orgânica da Assembleia Legislativa da Madeira, constituindo carreiras especiais parlamentares a carreira de consultor parlamentar, de téc-nico de apoio parlamentar e de assistente operacional parlamentar (cf. o artigo 29.° da LGTFP).

Na sequência dos esclarecimentos prestados ao Provedor de Justiça, este concluiu que as decisões apreciadas se revelaram providas da fundamentação legalmente exigida, não se

(317) Neste sentido, NEVES, Ana, O Recrutamento do Trabalhador Público, Provedor de Justiça – Divisão de Docu-mentação, 2013, p. 55.(318) No mesmo sentido, vide acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, de 15 de março de 2012, in http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/5992691d37905d82802579c9003b22c2?Open-Document (acedido em 2 de setembro de 2016).

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afigurando censurável, do ponto de vista jurídico, o procedimento adotado pela Assem-bleia Legislativa Regional. Estava observada a igualdade de oportunidades no acesso à carreira, dentro do universo de candidatos a que se destinava: trabalhadores com relação jurídica de emprego previamente estabelecida.

Proc. Q-6305/16Entidade visada: Secretaria Regional da EducaçãoData: 2016/12/22Assunto: Universalidade da educação préescolar para crianças a partir dos quatro anos de idade

Este órgão do Estado recebeu uma queixa, visando a Secretaria Regional da Educação. Nela era referido o aparente inadimplemento do regime ínsito no n.º 1 do artigo 21.º da Lei n.º 65/2015, de 2 de julho, diploma que procede à primeira alteração à Lei n.º 85/2009, de 27 de agosto, e estabelece a universalidade da educação pré-escolar para as crianças a partir dos quatro anos de idade para o ano escolar 2016/2017, e a possibilidade de, no futuro, a estender a crianças com três anos de idade (cf. n.º 1 e n.º 2 do artigo 2.º).

Na sequência da aprovação do Regulamento da Ação Social Educativa da Região Autónoma da Madeira, pela Portaria n.º 53/2009, de 4 de junho, tal como alterada e republicada pela Portaria n.º 248/2016, de 30 de junho, o artigo 21.º daquela Lei remetia a respetiva regulamentação — relativa às comparticipações familiares mensais aplicáveis nos núcleos infantis e estabelecimentos de infância — para o seu anexo IV, o qual dispu-nha que a tabela ali expressa não se aplicaria ao ano imediatamente anterior à entrada no 1.º ciclo do ensino básico (crianças na faixa etária dos cinco anos).

Nos termos descritos na queixa, tal exceção, à luz do disposto na Lei n.º 65/2015, de 2 de julho, parecia também dever incluir as crianças com quatro anos de idade, para o ano letivo em curso, abrangendo igualmente os menores com três anos, para o ano 2017/2018, já que, de outro modo, apenas salvaguardaria, na prática, a universalidade da educação pré-escolar para a classe originariamente prevista (cinco anos).

No seguimento das diligências efetuadas no âmbito da instrução do procedimento, este órgão do Estado concluiu que o princípio da universalidade do ensino pré-escolar, previsto no artigo 4.º da Lei n.º 85/2009, de 27 de agosto, se encontra devidamente salva-guardado na Região Autónoma da Madeira, estando, assim, assegurada a colocação plena das crianças candidatas à respetiva frequência com idades compreendidas entre os três e os cinco anos de idade.

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Já no que respeita ao regulamento da Ação Social Educativa, aferiu-se que apenas são determinados os custos de frequência respeitantes à componente não pedagógica da edu-cação pré-escolar, mediante discriminação positiva de tais pagamentos. De acordo com a entidade visada, incluem-se nesta dimensão os custos com o pessoal extra (em relação ao educador que assegura a componente educativa), alargamento de horário, alimentação e material educativo. Por outro lado, as crianças integradas no 1.º escalão estão isentas do pagamento desta componente, sendo parcial o custo que é cobrado pela frequência para as crianças do 2.º e do 3.º escalão. Relativamente às crianças de cinco anos de idade, a Administração Regional cobra apenas a parte referente à alimentação, equiparando tal regime ao aplicado no 1.° ciclo, com o intuito de incentivar a respetiva frequência.(319) Na faixa etária em apreço, os restantes apoios da componente não educativa (pessoal extra, alargamento de horário, material educativo e outros serviços) são gratuitos para todos.

Em face do exposto, verificou-se que o princípio da universalidade do ensino pré-esco-lar se encontra garantido na Região Autónoma da Madeira, sendo que, em sede de ação social, apenas se determinam os custos relativos à componente não educativa, praticando--se discriminação social positiva relativamente aos candidatos.

Na medida em que a componente educativa da Educação Pré-Escolar (cinco horas, um educador) se apresenta gratuita para os seus beneficiários desde 1997, em decorrência da publicação da Lei-Quadro da Educação Pré-Escolar(320) — circunstancialismo que não foi alterado pela vigência da Lei n.º 65/2015, de 2 de julho —, o procedimento organizado pelo Provedor de Justiça foi arquivado.

(319) Note-se que a frequência do ensino pré-escolar não é obrigatória.(320) Lei n.º 5/97, de 10 de fevereiro.

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8. Índice analítico

Assunto N.º de ProcedimentoN.º Pág. Entidade visada

Direitos Ambientais, Urbanísticos e Culturais

Bairros de Santa Filomena e 6 de Maio, demolições executadas pela Câmara Municipal da Amadora. Programa Especial de Realojamento nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto (PER)

Proc. Q-6312/15Rec. n.º 3/B/2016Pág. 17

Ministro do Ambiente

Canil ilegal em zona residencial. Ruído

Proc. Q-0758/15 Chamada de atençãoPág. 246

Presidente da Câmara Municipal de Angra do Heroísmo

Conselhos de Ilha. Encargos de funcionamento

Proc. Q-3669/14Chamada de atençãoPág. 242

Vice-Presidência do Governo, Emprego e Competitividade Empresarial

Direitos dos utentes das vias rodoviárias classificadas como autoestradas concessionadas

Proc. Q-4162/14Rec. n.º 6/A/2016Pág. 39

Presidente do Conselho de Administração da SCUTVIAS — Autoestradas da Beira Interior, S.A.

Empreitada de obras públicas. Prejuízos. Responsabilidade do dono da obra

Proc. Q-7841/13Chamada de atençãoPág. 51

Infraestruturas de Portugal, S.A.

Estação de radiocomunicações. Campos eletromagnético

Proc. Q-6147/14 Tomada de posição de não provimento de queixaPág. 249

Câmara Municipal de Angra do Heroísmo. Autoridade Nacional de Comunicações (ANACOM)

Liquidação de taxa para remuneração de autor por conta de emissão de música difundida em estabelecimento de restauração e bebidas

Proc. Q-0545/15Tomada de posição de não provimento de queixaPág. 55

Sociedade Portuguesa de Autores, CRL

Obras de conservação. Omissão de medidas

Proc. Q-4795/14SugestãoPág. 47

Câmara Municipal de Lisboa

Obras ilegais Proc. Q-3135/15Chamada de atençãoPág. 256

Município de Machico

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Assunto N.º de ProcedimentoN.º Pág. Entidade visada

Ordenamento do território. Caminhos públicos

Proc. Q-3860/13SugestãoPág. 254

Junta de Freguesia de Gaula

Plano Diretor Municipal. Cláusulas de dispensa de parâmetros urbanísticos. Interpretação. Estacionamento

Proc. Q-2308/13Rec. n.º 5/A/2016Pág. 23

Presidente da Câmara Municipal de Lisboa

Procedimento de partilha de decisão. Referendo. Alteração de pavimento

Proc. Q-1477/15Rec. n.º 1/A/2016Pág. 8

Presidente da Junta de Freguesia de Campolide

Publicidade visível nas estradas. Taxas

Proc. Q-2240/16Tomada de posição de não provimento de queixaPág. 53

Infraestruturas de Portugal, S.A.

Regime Jurídico da Reabilitação Urbana Excecional e Temporária. Segurança sísmica. Acessibilidade

Proc. Q-2675/14 e Q-2576/14 Chamada de atençãoPág. 49

Secretário de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza

Regulamento da Urbanização e Edificação do Município de Cascais. Obras isentas de controlo prévio. Obrigatoriedade de informação prévia. Ilícito contraordenacional

Proc. Q-1722/15Chamada de atençãoPág. 50

Câmara Municipal de Cascais

Ruído Proc. Q-3150/13SugestãoPág. 256

Município do Funchal

Ruído. Horário de recolha de resíduos

Proc. Q-1834/16SugestãoPág. 46

SIMAR — Serviços Intermunicipalizados de Águas e Resíduos de Loures e Odivelas

Taxa por ocupação de ossário municipal

Proc. Q-1080/14SugestãoPág. 47

Câmara Municipal de Torres Vedras

Zonas de estacionamento exclusivas para residentes

Proc. Q-3059/15 Tomada de posição de não provimento de queixaPág. 53

Empresa Municipal de Mobilidade e Estacionamento de Lisboa, E.M.S.A. (EMEL)

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Assunto N.º de ProcedimentoN.º Pág. Entidade visada

Direitos dos Agentes Económicos, dos Contribuintes e dos Consumidores

Acerto de consumo. Prescrição Proc. Q-4049/16Chamada de atençãoPág. 258

Empresa de Eletricidade da Madeira, S.A.

Assuntos económicos. Comércio. Cláusulas contratuais gerais

Proc. Q-3258/16Tomada de posição de não provimento de queixaPág. 75

CTCV – Centro Tecnológico da Cerâmica e do Vidro

Consumo. Eletricidade. Atuação da entidade reguladora. Livro de reclamações

Proc. Q-4823/15Chamada de atençãoPág. 72

Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE)

Fiscalidade. Execuções fiscais. Oposição à execução. Morosidade no envio ao Tribunal Tributário de 1.ª instância

Proc. Q-6242/14Chamada de atençãoPág. 71

Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. (IGFSS)

Fiscalidade. Execuções fiscais. Penhora. Mínimo de impenhorabilidade. Subsídios de Natal e de férias. Quota sindical

Proc. Q-5340/16Tomada de posição de não provimento de queixaPág. 77

Agrupamento de Escolas da Benedita

Fiscalidade. IMI. Cláusula de salvaguarda prevista no artigo 15.º-O do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro. Prédios inscritos com verbete

Proc. Q-1461/14Chamada de atençãoPág. 68

Direção de Serviços do Imposto Municipal sobre Imóveis (DSIMI)

Fiscalidade. Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS). O impacto de algumas normas do Código do IRS (CIRS) nos agregados familiares portugueses

Proc. P-009/16SugestãoPág. 57

Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais

Fiscalidade. Infrações tributárias. Processos de contraordenação. Coimas. Comunicação de faturas

Proc. Q-3821/15SugestãoPág. 66

Direção de Serviços de Justiça Tributária da Autoridade Tributária e Aduaneira

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Assunto N.º de ProcedimentoN.º Pág. Entidade visada

Fiscalidade. Tributação do património. Verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS). Isenção do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) aplicável aos prédios de reduzido valor patrimonial de sujeitos passivos de baixos rendimentos

Proc. Q-6794/12SugestãoPág. 61

Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais

Fundos Europeus e Nacionais. Agricultura. Restituição de ajudas. Prescrição

Proc. Q-1469/16Tomada de posição de não provimento de queixaPág. 80

Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P. (IFAP)

Direitos Sociais

Acesso dos trabalhadores independentes a prestações sociais. Situação contributiva regularizada

Proc. Q-1012/16Tomada de posição de não provimentoPág. 100

Instituto da Segurança Social, I.P. (ISS)

Alteração de algumas normas do novo Regulamento da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 119/2015, de 29 de junho

Proc. Q-3885/15Chamada de atençãoPág. 92

Ministra da Justiça e Ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social

Alteração legislativa quanto ao prazo de prescrição para a restituição do valor de prestações sociais indevidamente pagas estabelecido no artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 133/88, de 20 de abril

Proc. Q-5292/15SugestãoPág. 89

Secretária de Estado da Segurança Social

Anulação administrativa do ato de atribuição da pensão de aposentação. Eficácia para o futuro da anulação administrativa dos atos constitutivos de direitos à obtenção de prestações periódicas após o decurso do prazo de um ano. Aplicação do novo CPA, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro

Proc. Q-6674/15SugestãoPág. 90

Caixa Geral de Aposentações, I.P. (CGA)

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Assunto N.º de ProcedimentoN.º Pág. Entidade visada

Aplicação do regime contributivo dos trabalhadores independentes, previsto no Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social

Proc. Q-2658/16SugestãoPág. 84

Secretária de Estado da Segurança Social e ISS

Desistência de pedido de aposentação

Proc. Q-1389/15Chamada de atençãoPág. 257

Caixa Geral de Aposentações, I.P. (CGA)

Indeferimento da pensão antecipada por velhice

Proc. Q-3358/16Tomada de posição de não provimentoPág. 101

Instituto da Segurança Social, I.P. (ISS). Centro Nacional de Pensões (CNP)

Inscrição na Segurança Social de trabalhadores estrangeiros (nacionais de países não pertencentes à União Europeia)

Proc. Q-7200/15Chamada de atençãoPág. 94

Instituto da Segurança Social, I.P. (ISS)

Manutenção do direito de inscrição na Caixa Geral de Aposentações, I.P. (CGA)

Proc. Q-8480/14SugestãoPág. 86

Secretária de Estado da Segurança Social

Prestações de parentalidade. Atribuição de subsídio parental inicial ao pai nos casos de licença parental inicial não partilhada e em que a mãe trabalhadora se mantenha ininterruptamente a trabalhar

Proc. Q-2204/16Tomada de posição de não provimentoPág. 98

Instituto da Segurança Social, I.P. (ISS)

Procedimento e decisão de anulação da inscrição dos cidadãos desempregados não subsidiados nos Centros de Emprego e Formação Profissional

Proc. Q-1133/16SugestãoPág. 253

Instituto de Emprego da Madeira, I.P.-RAM

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Assunto N.º de ProcedimentoN.º Pág. Entidade visada

Relevância, no âmbito da pensão unificada, dos períodos contributivos como docente do ensino particular e cooperativo em acumulação com o ensino oficial anteriormente à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 321/88, de 22 de setembro

Proc. Q-2619/14Chamada de atençãoPág. 95

Secretária de Estado da Segurança Social

Subsídio de reintegração Proc. Q-5519/16Tomada de posição de não provimento de queixaPág. 260

Câmara Municipal do Porto Santo

Direitos dos Trabalhadores

Acidente de trabalho. Trabalhadores em funções públicas ao serviço de entidades públicas empresariais

Proc. Q-2661/16 e Q-6060/15 SugestãoPág. 146

Entidades públicas empresariais (hospitais)

Agentes da PSP. Proteção na parentalidade. Suplementos remuneratórios

Proc. Q-0590/2016SugestãoPág. 145

Polícia de Segurança Pública (PSP)

Atraso na realização de juntas médicas em várias Direções de Serviços da Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEstE). Doença prolongada

Proc. Q-2095/16Rec. n.º 4/A/2016Pág. 123

Secretária de Estado Adjunta e da Educação

Cálculo da remuneração a descontar por adesão a greve

Proc. Q-4482/15 SugestãoPág. 144

Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia/Espinho, E.P.E.

Exercício de atividades que envolvem um contacto habitual com menores. Obrigação de apresentação anual do certificado de registo criminal

Proc. Q-7094/15Rec. n.º 2/B/2016Pág. 104

Presidente da Assembleia da República

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Assunto N.º de ProcedimentoN.º Pág. Entidade visada

Guarda prisional. Exclusão de procedimento concursal. Altura mínima. Mudança de sexo na pendência do procedimento

Proc. Q-1379/16Tomada de posição de não provimento de queixaPág. 158

Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP)

Procedimento concursal para constituição de relação jurídica de emprego público por termo indeterminado

Proc. Q-6554/15Tomada de posição de não provimento de queixaPág. 261

Assembleia Legislativa da Madeira

Proteção social na eventualidade de desemprego. Regime aplicável aos cidadãos desempregados não beneficiários de qualquer prestação. Regime de redução e majoração do subsídio de desemprego

Proc. Q-3094/13, Q-985/13, Q-2873/15 et al.Rec. n.º 4/B/2016Pág. 108

Ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social

Qualificação profissional para o grupo de recrutamento 120. Omissão do dever de regulamentar

Proc. Q-2363/15Rec. n.º 5/B/2016Pág. 118

Ministro da Educação

Recrutamento para cargo de direção intermédia de 2.º grau. Notificações

Proc. Q-1073/16Tomada de posição de não provimento de queixaPág. 155

Direção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços

Recursos humanos. Horário de trabalho

Proc. Q-1947/15 Tomada de posição de não provimento de queixaPág. 251

Polícia de Segurança Pública (PSP)

Reflexo no direito a férias das faltas dadas por motivo de doença prolongada

Proc. Q-7605/14 e outrosTomada de posição de não provimento de queixaPág. 152

Várias

Reposição de quantias indevidamente recebidas por trabalhadores que exercem funções públicas

Proc. Q-2428/15, Q-6028/15, Q-1031/16 Rec. n.º 6/B/2016Pág. 129

Ministro das Finanças

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Assunto N.º de ProcedimentoN.º Pág. Entidade visada

Retroação dos efeitos dos contratos celebrados com docentes colocados em horários anuais

Proc. Q-5044/15Chamada de atençãoPág. 148

Secretária de Estado Adjunta e da Educação

Sucessão de contratos de trabalho. Cessação de funções. Indemnização por incumprimento do prazo de aviso prévio

Proc. Q-6520/15 Chamada de atençãoPág. 150

Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa

Utilização de informação extraída de dispositivos de geolocalização (GPS) para controlo do desempenho profissional de trabalhador

Proc. Q-5978/16Chamada de atençãoPág. 151

Câmara Municipal de Mafra

Direitos à Justiça e à Segurança

Acesso ao direito. Prestações pagas pelo beneficiário de proteção jurídica na modalidade de pagamento faseado de taxa de justiça

Proc. Q-2343/16Chamada de atençãoPág. 178

Diretora-Geral da Política de Justiça

Atuação de funcionário judicial Proc. Q-4026/15 Tomada de posição de não provimento de queixaPág. 185

Conselho dos Oficiais de Justiça

Atuação policial. Extravio de documentos

Proc. Q-3147/15Chamada de atençãoPág. 175

Polícia de Segurança Pública (PSP)

Atuação policial. Pedido de preservação de imagens

Proc. Q-0732/16 Chamada de atençãoPág. 176

Comando distrital de Aveiro da Polícia de Segurança Pública (PSP)

Carta de condução. Caducidade. Exame. Reclamação

Proc. Q-3866/16SugestãoPág. 175

Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P.

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Assunto N.º de ProcedimentoN.º Pág. Entidade visada

Cartão de cidadão. Substituição. Atraso

Proc. Q-5127/16 Tomada de posição de não provimento de queixaPág. 186

Instituto dos Registos e do Notariado, I.P. (IRN)

Cessação da medida de proteção. Maioridade. Processo de jurisdição voluntária

Proc. Q-6374/15SugestãoPág. 172

Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens

Dados pessoais. Acesso Proc. Q-2713/15 Tomada de posição de não provimento de queixaPág. 182

Instituto dos Registos e do Notariado, I. P. (IRN). Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)

Registo Automóvel Proc. Q-5231/15SugestãoPág. 171

Instituto dos Registos e do Notariado, I.P. (IRN)

Registo automóvel. Documento Único Automóvel

Proc. Q-0481/16Tomada de posição de não provimento de queixaPág. 251

Conservatória do Registo Automóvel da Praia da Vitória

Veículos de combustão em pontos de abastecimento de viaturas elétricas. Sinalização. Estacionamento em locais revestidos de especial perigosidade ou com grave perturbação para o trânsito. Articulação entre entidades fiscalizadoras

Proc. Q-4042/15Rec. n.º 2/A/2016Pág. 159

Presidente da Câmara Municipal de Lisboa (CML)

Veículos de combustão em pontos de abastecimento de viaturas elétricas. Sinalização. Estacionamento em locais revestidos de especial perigosidade ou com grave perturbação para o trânsito. Articulação entre entidades fiscalizadoras

Proc. Q-4042/15Rec. n.º 3/A/2016Pág. 165

Diretor Nacional da Polícia de Segurança Pública

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Assunto N.º de ProcedimentoN.º Pág. Entidade visada

Direitos, Liberdades e Garantias; Saúde, Educação e Valorações de Constitucionalidade

Acesso de descendentes maiores, a frequentar cursos de especialização tecnológica, à qualidade de beneficiários familiares do Subsistema de Saúde e Assistência na Doença da PSP

Proc. Q-1004/14 SugestãoPág. 224

Polícia de Segurança Pública e Ministério da Administração Interna

Acidentes de serviço e doenças profissionais. Reparação

Proc. Q-2287/16Pedido de Fiscalização da ConstitucionalidadePág. 209

Acompanhamento pós-operatório e articulação de serviços hospitalares

Proc. Q-6942/15Chamada de atençãoPág. 234

Hospital Beatriz Ângelo

Condicionamento de acesso por advogado ao Centro de Instalação Temporária do Aeroporto de Lisboa

Proc. Q-3382/16SugestãoPág. 229

Autoridade Nacional da Aviação Civil

Impossibilidade de acesso de doentes com necessidades de suporte respiratório à Rede Nacional de Cuidados Integrados. Discriminação negativa de utentes também beneficiários de subsistemas de saúde

Proc. Q-2326/15SugestãoPág. 227

Administração Central do Sistema de Saúde, I.P.

Intervenção titular e denúncia do ofendido, em crimes semipúblicos e particulares

Proc. Q-0664/15Tomada de posição de não provimento de queixaPág. 237

Assembleia da República

Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ). Princípio do juiz natural

Proc. Q-4100/15Pedido de Fiscalização da ConstitucionalidadePág. 191

Organizações de moradores. Omissão legislativa (artigos 263.º a 265.º da CRP)

Proc. Q-6433/12Rec. n.º 1/B/2016Pág. 187

Presidente da Assembleia da República

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Assunto N.º de ProcedimentoN.º Pág. Entidade visada

Recusa de atribuição da nacionalidade portuguesa a criança nascida em Portugal, filha de cidadãos estrangeiros, que não pretenderam que a mesma fosse nacional dos respetivos Estados

Proc. Q-4584/16Tomada de posição de não provimento de queixaPág. 236

Conservatória dos Registos Centrais

Segurança privada. Liberdade de profissão. Efeitos das penas criminais

Proc. Q-4802/13Pedido de Fiscalização da ConstitucionalidadePág. 205

Sistema de Atribuição de Produtos de Apoio. Funcionamento do Sistema de Atribuição de Produtos de Apoio

Proc. Q-4108/16Chamada de atençãoPág. 230

Agrupamentos de Centros de Saúde Médio Tejo

Universalidade da educação préescolar para crianças a partir dos 4 anos de idade

Proc. Q-6305/16Tomada de posição de não provimento de queixaPág. 263

Secretaria Regional da Educação

Viabilidade da prestação de cuidados por fisioterapeuta, em sala de jardim-de-infância, a aluno com deficiência

Proc. Q-6931/15Chamada de atençãoPág. 232

Agrupamento de Escolas de Cascais

Viabilidade de acesso, pelo concurso especial destinado a titulares de outros cursos superiores, ao mesmo par instituição ou curso correspondente a licenciatura já obtida

Proc. Q-0629/2016Tomada de posição de não provimento de queixaPág. 240

Universidade do Porto

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Página 631

9. Principais siglas e abreviaturas

ANACOM – Autoridade Nacional de Comunicações

AT – Autoridade Tributária e Aduaneira

CC – Código Civil

CE – Código da Estrada

CE/EURATOM – Comunidade Europeia/ Comunidade Europeia de Energia Atómica

cf./ cfr. – conforme

CGA – Caixa Geral de Aposentações, I.P.

CEDH – Convenção Europeia dos Direitos do Homem

CHPL – Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa

CIMI – Código do Imposto Municipal sobre Imóveis

CIRS – Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares

CIS – Código do Imposto do Selo

CML – Câmara Municipal de Lisboa

CNP – Centro Nacional de Pensões

CPA – Código do Procedimento Administrativo

CPAS – Caixa de Previdência dos Advogados e dos Solicitadores

CPC – Código de Processo Civil

CPPT – Código de Procedimento e de Processo Tributário

CRP – Constituição da República Portuguesa

CT – Código do Trabalho

DGAE – Direção-Geral da Administração Escolar

DGAEP – Direção-Geral da Administração e do Emprego Público

DGEstE – Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares

DGRSP – Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais

DSIMI – Direção de Serviços do Imposto Municipal sobre Imóveis

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DSJT – Direção de Serviços de Justiça Tributária

EDP – EDP Comercial - Comercialização de Energia, S.A.

EEL – Estatuto dos Eleitos Locais

EPARAA – Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores

ERSE – Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos

GNR – Guarda Nacional Republicana

IFAP – Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P.

IEFP – Instituto do Emprego e Formação Profissional, I.P.

IGAPHE – Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado

IGEC – Inspeção-Geral de Educação e Ciência

IGeFE – Instituto de Gestão Financeira da Educação, I.P.

IGFSS – Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P.

IMI – Imposto Municipal sobre Imóveis

INH – Instituto Nacional de Habitação

IRN – Instituto dos Registos e do Notariado, I.P.

IAS – Indexante dos Apoios Sociais

IRS – Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares

IS – Imposto do Selo

ISS – Instituto da Segurança Social, I.P.

IVA – Imposto sobre o Valor Acrescentado

Km – quilómetro

LAT – Lei dos Acidentes de Trabalho

LGT – Lei Geral Tributária

LGTFP – Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas

LOSJ – Lei da Organização do Sistema Judiciário

LTE – Lei Tutelar Educativa

LVCR – Lei de Vínculos, Carreiras e Remunerações

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Página 633

N.º/ n.º – Número/ número

NISS – Número de Identificação da Segurança Social

ob. cit. – obra citada

p./ pp. – página/ páginas

PAAR+ – Programa de Apoio ao Auto Realojamento

PER – Programa Especial de Realojamento

PDM – Plano Diretor Municipal

PROHABITA – Programa de Financiamento para Acesso à Habitação

PSP – Polícia de Segurança Pública

RAFE– Regime de Administração Financeira do Estado

RCTFP – Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas

RECRIA – Regime Especial de Comparticipação na Recuperação de Imóveis Arrendados

RECRIPH – Regime Especial de Comparticipação e Financiamento na Recuperação de Prédios Urbanos em Regime de Propriedade Horizontal

RJPD – Regime Jurídico de Proteção Social na Eventualidade de Desemprego dos Traba-lhadores por Conta de Outrem

RGIT – Regime Geral das Infrações Tributárias

SEF – Serviços de Estrangeiros e Fronteiras

SIGRHE – Sistema Interativo de Gestão de Recursos Humanos da Educação

ss. – seguintes

SVI – Sistema de Verificação de Incapacidades

TEDH – Tribunal Europeu dos Direitos do Homem

TGIS – Tabela Geral do Imposto do Selo

v.g. – verbi gratiaVPT – Valor Patrimonial Tributário

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A DIVISÃO DE REDAÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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