O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 1

Quinta-feira, 12 de dezembro de 2019 II Série-E — Número 9

XIV LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2019-2020)

S U M Á R I O

Observatório Técnico Independente:

Estudo técnico sobre «Racionalizar a gestão de combustíveis: uma síntese do conhecimento atual».

Página 2

II SÉRIE-E — NÚMERO 9

2

OBSERVATÓRIO TÉCNICO INDEPENDENTE

ESTUDO TÉCNICO SOBRE «RACIONALIZAR A GESTÃO DE COMBUSTÍVEIS: UMA

SÍNTESE DO CONHECIMENTO ATUAL»

Citação recomendada:

Observatório Técnico Independente, Castro Rego F., Fernandes P., Sande Silva J., Azevedo J., Moura

J.M., Oliveira E., Cortes R., Viegas D.X., Caldeira D., e Duarte Santos F. – Coords. (2019) Racionalizar a

gestão de combustíveis: uma síntese do conhecimento atual

Assembleia da República. Lisboa. 21 pp.

Página 3

12 DE DEZEMBRO DE 2019

3

Índice

1. O problema

2. Estado do conhecimento

2.1 – As faixas de gestão de combustível

2.1.1 – No espaço florestal

2.1.2 – Na interface entre o espaço rural e urbanizações ou edificações individuais

2.2 – Os mosaicos de gestão de combustível

3. Conclusão e recomendações

Referências

1. O problema

É quase universal a tendência para concentrar a gestão do fogo em atividades de prontidão (pré-

supressão) e, principalmente, de resposta (supressão) aos incêndios, esquecendo a redução do risco. Este

desequilíbrio pode ter êxito no curto a médio prazo, traduzindo-se em menor área ardida. Porém, altera

gradualmente a distribuição da dimensão dos incêndios, que se tornam potencialmente maiores. Uma política

centrada na supressão do fogo gera espaços florestais mais contínuos e homogéneos e onde o combustível

florestal se acumula até níveis que comprometem a efetividade e segurança das operações de combate,

independentemente da capacidade e quantidade de meios disponíveis. Este efeito colateral, conhecido como o

paradoxo da extinção ou firefighting trap [1], é notório sob condições pirometeorológicas mais severas e é

agravado e atua em sinergia com as alterações climáticas em curso [2,3].

A política nacional de DFCI dá particular relevo ao controlo de ignições. Contudo, o impacto da redução do

número de ignições na área ardida é insuficiente, uma vez que a respetiva influência é muito inferior à das

condições meteorológicas [4] e porque os maiores incêndios estão associados a territórios com baixa

densidade de ignições, as quais se concentram onde a fragmentação do espaço florestal impede grandes

incêndios [5].

As limitações das estratégias atrás descritas evidenciam que intervir no território e na vegetação (o

combustível) constitui uma componente fundamental da gestão do fogo. Num determinado cenário

meteorológico e de configuração do terreno, a gestão do combustível florestal por remoção ou modificação

estrutural resulta em menor velocidade e intensidade (energia libertada) da propagação do fogo, naturalmente

facilitando e aumentando a probabilidade de sucesso das operações de contenção e extinção, com diminuição

da área ardida e dos impactes ambientais e socioeconómicos.

O porquê da necessidade de reduzir a combustibilidade do espaço florestal nacional é óbvio, mas é

importante perceber como, quanto e onde o fazer de forma a otimizar os resultados obtidos.

2. Estado do conhecimento

A gestão de combustíveis é usualmente segmentada de acordo com duas estratégias espaciais distintas:

1. Redução ou modificação linear do combustível na forma de faixas de gestão de combustível (FGC),

incluindo a variante faixas de interrupção de combustível (FIC), ou de faixas «verdes» com baixa

combustibilidade. Esta abordagem visa isolar ou compartimentar o espaço florestal ou a interface urbano-rural

e traduz-se nas redes primária, secundária e terciária em uso na terminologia e regulamentação nacionais;

2. Redução ou modificação do combustível em área a fim de constituir um mosaico diversificado de

combustibilidade na paisagem. Em sentido lato, o mosaico resulta também da alternância de usos do solo ou

tipos de vegetação, que pode ser fomentada por conversão para vegetação de menor combustibilidade,

nomeadamente floresta caducifólia; e da gestão florestal, por exemplo através do ciclo de exploração (cortes).

Página 4

II SÉRIE-E — NÚMERO 9

4

Os mosaicos e as FGC têm objetivos distintos, respetivamente mitigação à escala da paisagem e

contenção de incêndios em localizações estratégicas ou defesa de valores locais ou dispersos (Quadro 1).

Enquanto os mosaicos alteram o comportamento e efeitos do fogo independentemente das operações de

combate, o desempenho das FGC é praticamente indissociável daquelas. Dada a dificuldade em implementar

tratamentos em mosaico à escala desejável, tem sido advogada a intervenção em pontos estratégicos de

gestão (PEG), uma versão minimal da estratégia em mosaico em que a localização dos tratamentos é

planeada de forma a causar a máxima disrupção possível na propagação de um incêndio [6].

Quadro 1. Características das estratégias espaciais de gestão de combustíveis. Adaptado e simplificado [7]. FGC, faixas de gestão de combustível; PEG, pontos estratégicos de gestão de combustível

2.1 – As faixas de gestão de combustível

Os resultados da gestão linear de combustíveis não se podem dissociar das condições de propagação do

fogo na sua envolvente. Não se espera em geral que as FGC e as FIC impeçam, por si só, a propagação do

fogo, dado que quase sempre estará presente alguma vegetação que permitirá a propagação do fogo. As FGC

da rede primária (125 m de largura por definição), ou outras faixas com largura razoável (30 m ou mais),

podem constituir zonas de ancoragem para os meios de combate impedirem o avanço do fogo, por combate

direto ou indireto. Se ocorrerem focos secundários de média ou longa distância, que estão associados a fogos

mais intensos, a eficácia das FGC será comprometida bem como, potencialmente, a segurança das forças de

combate. Faixas mais estreitas das redes secundária e terciária, com as larguras preconizadas para a rede

viária ou as linhas de transporte de energia (5-15 m) serão muito facilmente atravessadas pela frente de

chamas ou transpostas por projeções de curta distância e em geral assegurarão a segurança dos operacionais

de combate apenas em caso de intensidade do fogo reduzida (Figura 1).

Figura 1. Distâncias mínimas a respeitar numa FIC ou FGC para que, em função do comprimento da chama, constitua (i) uma barreira

à propagação do fogo [8], assumindo que a propagação não é possível na faixa e que o fogo não a transpõe (por projeções) [9]; e (ii) não comprometa a segurança dos operacionais de combate. No segundo caso as distâncias são por defeito, uma vez que apenas é

considerada a radiação, sendo que a largura da faixa deverá ser pelo menos o dobro daquela distância se os operadores estiverem a meio da faixa. “Controlo” refere-se ao comprimento máximo de chama que está dentro da capacidade de extinção por ataque direto e

meios terrestres [10].

Página 5

12 DE DEZEMBRO DE 2019

5

2.1.1 – No espaço florestal

A gestão de combustíveis de iniciativa estatal em Portugal assenta largamente na rede primária de FGC. A

literatura não apresenta padrões absolutos de especificação das características das FGC. Em geral, estas

devem ser ajustadas às condições locais, histórico de incêndios e comportamento do fogo expectável.

Prescrições técnicas estão disponíveis para a Califórnia [11] e sul de França [12], tendo as últimas informado

as propostas preconizadas para a rede primária em Portugal. Da mesma forma, é difícil avaliar a efetividade

das FGC, devido a variabilidade na sua largura, modalidade (arborizadas ou não, tipo de intervenções técnicas

utilizadas), estado de manutenção, topografia e combustibilidade da vegetação associados à envolvente da

sua localização, comportamento dos incêndios que as «desafiarão» e objetivos e expectativas associados [13].

Não existe uma avaliação sistemática do desempenho das FGC em Portugal, resumindo-se o

conhecimento existente a alguns casos de estudo e a observações casuais dispersas (Figura 2). Por outro

lado, esta avaliação tende a ser feita em grandes incêndios, em que a propagação é em geral muito intensa.

No estudo do grande incêndio de Tavira em 2012 reporta-se que a ausência de uma rede completa de FGC na

área de desenvolvimento inicial do fogo impediu manobras de combate que o poderiam ter contido

rapidamente [16]. À semelhança da informação disponível para os EUA [19-21] e França [12], é expectável

que o resultado da intersecção incêndio-FGC seja muito variável, aliás tal como constatado nos incêndios de

Picões e Caramulo em 2013 [14], bem como em 2017 em Pedrogão Grande e Góis [15,16] e nos incêndios de

15 de outubro [17,18]. Num estudo exaustivo de quatro áreas do sul da Califórnia no período 1980-2008 [20]

verificou-se que 22 a 47% dos incêndios que intersectaram FGC (de largura muito variável) foram nelas

detidos, 10 a 23% as atravessaram mas a alteração do comportamento do fogo auxiliou o combate, e 29 a

65% não foram afetados na sua propagação; o sucesso passivo (sem combate) das FGC ocorreu em menos

de 1% dos casos.

Uma análise da efetividade da rede primária planeada para o Algarve, que ocupa 3% da superfície total da

região, mostrou a importância decisiva do aproveitamento das FGC pelas operações de combate [22]. A

redução de área ardida decorrente do funcionamento da rede em modo exclusivamente passivo variaria com a

opção de intervenção nas FGC e dimensão dos incêndios, mas não ultrapassaria 17%. A correspondente

razão custo-benefício média seria insustentável, uma vez que para reduzir um hectare de área ardida seriam

necessários 2,2 km de FGC com 120 m de largura.

Figura 2. Contenção de incêndio por FGC em 2017 na serra do Marão (esquerda), e FGC na serra da Estrela, Gouveia (direita,

imagem Google Earth), com largura máxima de ~200 m e que viria a ser transposta por um incêndio em 2015.

A literatura atrás citada indica que, além do comportamento do fogo (incluindo o efeito da sua orientação

versus a orientação da FGC), e no qual é crítica a transposição das FGC por material incandescente

projetado, o desenlace das intersecções incêndio-FGC depende de: acessibilidade aos meios de combate;

disponibilidade de meios de combate; comprimento das FGC relativamente à largura do incêndio; largura das

FGC; densidade da rede de FGC e seu grau de sobreposição na direção dominante de propagação do

incêndio; estado de manutenção; e densidade de árvores nas FGC.

Página 6

II SÉRIE-E — NÚMERO 9

6

2.1.2 – Na interface entre o espaço rural e urbanizações ou edificações individuais

O Decreto-Lei n.º 10/2018, de 14 de fevereiro, define os critérios aplicáveis à gestão de combustível nas

faixas secundárias e determina-a num raio não inferior a 50 m ou a 100 m, respetivamente para edifícios

isolados e aglomerados populacionais. Estas distâncias superam em geral aquelas que estão estatuídas no

sul da Europa, América do Norte e Austrália, sendo que em nenhum outro país se faz distinção entre casas

isoladas e povoações no que respeita ao raio de proteção.

Análises pós-incêndio na Califórnia [23] e Austrália [24] concluíram não haver acréscimo de benefícios para

o património edificado para distâncias de proteção respetivamente superiores a 20-30 e 40 m. A tipologia de

construção das habitações nesses países inclui uso extenso de madeira nas estruturas e revestimentos, o que

sugere que distâncias ainda menores poderiam ser adotadas em Portugal. A recente análise de uma amostra

de cerca de 42 mil casas expostas a incêndio na Califórnia revelou muita incerteza nos fatores que distinguem

entre edificações destruídas ou não pelo fogo, sendo mais relevante a influência das características de

construção do que a distância de segurança e mostrando que distâncias >30 m não asseguram resistência ao

incêndio [25]. Em condições meteorológicas severas os danos estruturais causados pelo fogo podem ser

independentes da vegetação que rodeia as casas, cuja ignição é causada maioritariamente pelo «ataque» de

faúlhas e não pela ação direta do fogo [26]. Porém, ainda que o impacto direto do fogo tenha respondido por

apenas 21,3% dos casos de dano no incêndio de Pedrogão Grande, a existência de gestão completa do

combustível na envolvente imediata das casas foi relevante para evitar ou reduzir o seu grau de destruição

[16]. Nestas situações, a probabilidade de destruição do edificado aumenta também com a extensão da

floresta na grande envolvente e com a magnitude do comportamento do fogo até distâncias consideráveis, por

exemplo 1 km em [27], tal como se verificou nos incêndios de 15 de outubro [17].

Na regulamentação prescrita no DL n.º 10/2018, o raio da gestão de combustíveis é idêntico em todas as

direções, independentemente da existência de relevo que possa afetar as condições de progressão do fogo.

Numa construção em terreno declivoso, a largura da FGC na envolvente virada para a parte descendente da

encosta deverá ser naturalmente superior àquela implementada na face oposta, dado que a intensidade de

propagação do fogo ascendente é, em geral, superior à do fogo descendente.

A silvicultura preventiva de formações florestais vulneráveis a fogo de copas, nomeadamente coníferas,

consagra povoamentos com descontinuidade vertical e horizontal, o que está extremamente bem

documentado internacionalmente e permite formular regras de intervenção com base em evidência de campo,

por exemplo [28], e simulação, por exemplo [29]. Em Espanha, e comparativamente a estruturas florestais

mais densas, foi observada uma incidência muito baixa de fogo de copas, e especialmente de fogo de copas

ativo, em pinhais abertos (apesar da existência de um estrato arbustivo significativo), ou semiabertos, mas

compostos por árvores de maior dimensão [30].

A redução do combustível de superfície (manta morta, ervas, arbustos) deve ter prioridade máxima,

seguindo-se o aumento da descontinuidade vertical entre a superfície e a copa das árvores e, finalmente, o

aumento da descontinuidade horizontal entre copas. Assim, dependendo da estrutura e natureza da

vegetação, as intervenções no arvoredo podem-se restringir à desramação ou até mesmo ser dispensadas.

Note-se que distanciar a copa do solo e reduzir a sua densidade para minimizar o potencial de fogo de copas

aumenta a velocidade do vento à superfície e diminui a humidade do combustível, favorecendo a progressão

do fogo e aumentando a sua intensidade. Em espaço florestal o efeito adicional de favorecimento da

vegetação do sub-bosque potenciado por arvoredo menos denso é extremamente variável [31] mas a

genericamente maior fertilidade do solo nas interfaces urbano-rurais permite recuperação bastante rápida do

estrato herbáceo.

Resultados de outro estudo na Península Ibérica [32] também parecem confirmar que, em geral, são

formações com mais sub-bosque as que mais ardem e que essas estão por vezes associadas a menores

densidades de coberto arbóreo, o que vai no sentido de acentuar a importância do sub-bosque e indicar que o

papel do coberto de copas pode ter efeitos contraditórios: se por um lado copas mais abertas evitam fogos de

copas elas também permitem maior desenvolvimento do sub-bosque. Com base no conhecimento atual o uso

de modelos de simulação permite definir prescrições de silvicultura preventiva que efetivamente minimizem o

perigo de incêndio, mais genéricas (e como tal indicadas para adopção regulamentar), ou mais específicas.

Página 7

12 DE DEZEMBRO DE 2019

7

2.2 – Os mosaicos de gestão de combustível

A relevância dos mosaicos de gestão de combustível para a mitigação da extensão e impactes dos

incêndios está sobejamente documentada e revista a nível mundial usando diversas metodologias [33].

Contudo, os benefícios do ponto de vista da supressão de incêndios podem ser irrisórios para lá de um curto

período após o tratamento, por exemplo 5-6 anos em floresta, o que implica que cerca de 5-10% de um

determinado território deva ser intervencionado anualmente e que o planeamento estratégico no espaço e no

tempo seja crucial. Avaliar a redução da intensidade e impacto de incêndios sob meteorologia severa em

áreas tratadas, ao invés de quantificar a diminuição da área ardida, tem emergido como a forma mais objetiva

e realista de ajuizar sobre o desempenho das parcelas e mosaicos de gestão do combustível (Figura 3).

Não há no sul da Europa exemplos de implementação de mosaicos propriamente ditos de gestão de

combustível, à exceção de algumas paisagens em França, nos Pirenéus e Alpes Marítimos, moldadas por

quatro décadas de uso extensivo do fogo controlado [34]. Contudo, há em Portugal dois exemplos indiciadores

dos ganhos possibilitados por projetos de gestão de combustível aplicados na escala espacial adequada:

1. Em pinhal bravo tratado com fogo controlado e posteriormente ardido por incêndio, o dano na copa das

árvores e a intensidade do fogo são inferiores ao observado em pinhal adjacente não tratado, respetivamente

durante 2-6 e 6-14 anos [35].

A gestão mecanizada de combustível nas plantações industriais de eucalipto incide anualmente em 14% da

sua área em Portugal e corresponde a uma incidência anual de incêndios de 2,6% versus 3,2% no restante

eucaliptal [36]. Este esforço tão elevado tem assim um retorno modesto, o que poderá ser explicado por

questões espaciais (dispersão da propriedade da indústria, configuração espacial das intervenções) e pela

natureza das intervenções, que não removem o combustível nas linhas de plantação [37].

Figura 3. Redução da severidade do incêndio em parcelas tratadas com fogo controlado. Foto da esquerda: maior erosão e menor

resposta regenerativa 8 meses após o grande incêndio de agosto de 2016 na área não tratada (direita) vs a área tratada (esquerda), serra

da Freita (Fonte: Manuel Raínha). Foto da direita: um dos incêndios de 15 de outubro de 2017 não afetou totalmente a copa das árvores

em pinhal bravo tratado na mata do Desterro, Seia, contrariamente ao que sucedeu no pinhal contíguo não tratado (Fonte: Artur Costa).

A ausência de projetos de gestão de combustível em mosaico e com escala não impede conclusões sobre

o seu potencial de mitigação, que podem ser obtidas por simulação ou por inferência a partir do regime de

fogo. Assim, diversos estudos empíricos em Portugal, Espanha e França mostraram a influência que a

acumulação e conectividade do combustível na paisagem exercem sobre a dimensão dos incêndios e a área

ardida. Destaque-se em particular que os mosaicos de vegetação das serras do norte de Portugal resultantes

de queimas pastoris recorrentes e relativamente pequenas controlam efetivamente a dimensão dos incêndios,

mesmo em condições meteorológicas muito adversas [38].

Tal como já referido, a alteração da composição florestal tem um papel a desempenhar na formação de um

mosaico paisagístico mais resistente e resiliente ao fogo, pelo que deve ser fomentada onde houver condições

naturais para tal, inclusivamente na forma de faixa «verde» em torno de aldeias. Manchas florestais densas e

Página 8

II SÉRIE-E — NÚMERO 9

8

razoavelmente maduras de espécies caducifólias nativas são muito escassas e pequenas em Portugal e estão

associadas a menor severidade e, por vezes, autoextinção de incêndios [39-41], o que é facilitado pela

natureza e estrutura do combustível e microclima [42].

3. Conclusão e recomendações

A escala de intervenção praticada é decisiva para obter resultados através da gestão de combustíveis,

sendo patentes os entraves socioeconómicos de vária ordem à sua adoção mais generalizada em parte

substancial do País. Assim, e a fim de otimizar os resultados do investimento possível, é extremamente

importante que os critérios de seleção das áreas a tratar integrem da forma mais completa e racional possível

a análise espacial do risco de incêndio, tal como determinado pelo regime histórico de fogo, combustibilidade e

valores em risco. Estão disponíveis para este efeito tecnologias de simulação do fogo efetivas e úteis para a

ajuda à decisão. Melhorar a prática da gestão de combustíveis passa também por aprender com os

(in)sucessos, pelo que os resultados da interação tratamentos-incêndios deveriam ser sistematicamente

registados e documentados.

Apesar do impacte dos graves incêndios dos últimos anos tem sido difícil concretizar e manter a rede

primária de FGC fora do contexto dos espaços florestais comunitários e do Estado. Não é verosímil que esta

rede esteja ou venha a contribuir substancialmente para reduzir a área ardida, dado o grau de implementação

atual, o desenho algo casuístico e a incerteza do desenlace inerente a uma estratégia de compartimentação

aquando do «encontro» com incêndios. Nestas circunstâncias, devem-se baixar as expectativas de

desempenho associadas ao isolamento ou contenção dos incêndios por FGC e FIC, e dar prioridade ao seu

posicionamento para defesa de áreas ou locais de elevado valor económico ou natural e para fins de proteção

civil. É também desejável uma maior integração entre as faixas da rede primária e as que são criadas ao longo

de infraestruturas viárias ou de transporte de energia.

No que respeita à proteção do edificado contra incêndios a enfâse deverá ser colocada em padrões de

construção e de manutenção das habitações que minimizem a probabilidade de ignição, e na eliminação total

do combustível de superfície na adjacência imediata das casas (usualmente um raio de 10 m). Para lá dessa

distância, e até 30 m, deve ser evitada a acumulação significativa de combustível e assegurada

descontinuidade vertical adequada, mas as distâncias entre copas a que a legislação atualmente obriga (4 ou

10 m) são excessivamente elevadas, não se justificando e podendo ter um efeito contraproducente,

nomeadamente quando o arvoredo é de folha caduca. Os limites de 50 ou 100 m impostos pelo artigo 15.º da

Lei n.º 76/2017 relativo à intervenção em terrenos adjacentes a respetivamente habitações e povoações são

claramente excessivos. Note-se que estas recomendações podem ter implicações económicas relevantes que

não favorecem a adoção das melhores práticas pelos proprietários.

Defender efetivamente a floresta dos incêndios implica algum grau de redundância nos esforços de gestão

do combustível, ou seja, sobreposição de faixas a fim de bloquear ou desviar a propagação do fogo

independentemente da sua orientação, e(ou) ocupação por mosaicos definidos pelo tipo de uso do solo,

composição florestal e carga de combustível. O fogo controlado tem um papel fundamental neste processo, o

que foi reconhecido ao ponto de merecer a elaboração de um plano nacional dedicado. Concretizar as

respetivas metas de execução afigura-se porém muito difícil, pelo que urge encontrar mecanismos expeditos

que permitam expandir a atualmente diminuta capacidade de intervenção. A utilização do fogo controlado tem

estado incompreensivelmente muito centrada nas áreas de matos, pelo que se recomenda redirecioná-la para

a floresta e, em particular, para o pinhal bravo. Um programa agressivo (em escala) de fogo controlado e

desbastes nas extensas áreas de pinhal bravo em regeneração são condição necessária para estancar e

reverter o enorme declínio que a espécie tem vindo a sofrer. No caso dos eucaliptais, em especial nas vastas

áreas percorridas pelo fogo em anos recentes, e caso não seja possível assegurar práticas silvícolas que

mantenham a produtividade e minimizem o perigo de incêndio, importa equacionar a conversão para outro tipo

de vegetação ou uso do solo.

A prevenção e a supressão de incêndios são complementares e os seus resultados interdependentes.

Portanto, importa otimizar a articulação entre elas e assegurar a evolução do modelo de combate no sentido

de as operações aproveitarem as oportunidades oferecidas pela gestão de combustíveis. Caso contrário será

Página 9

12 DE DEZEMBRO DE 2019

9

difícil justificar racionalmente o aumento do investimento em gestão de combustíveis.

É evidente a complementaridade das estratégias e abordagens utilizadas para que o espaço florestal

nacional se torne menos vulnerável aos grandes incêndios. As questões do foro da ocupação, uso e

ordenamento do território e da paisagem, que estão para lá do âmbito desta nota, constituem por si só um

desafio enorme. Avanços nessa temática diminuirão a necessidade de gerir extensivamente o combustível

florestal e melhorarão os resultados decorrentes dessa gestão.

O Observatório recomenda que esta síntese do conhecimento atual sobre gestão do combustível seja

utilizada em próxima revisão da legislação sobre a matéria.

Referências

[1] R.D. Collins, R. de Neufville, J. Claro, T. Oliveira, A.P. Pacheco, Forest fire management to avoid

unintended consequences: A case study of Portugal using system dynamics, Journal of Environmental

Management. 130 (2013) 1–9.

[2] P.M. Fernandes, A.M.G. Barros, A. Pinto, J.A. Santos, Characteristics and controls of extremely large

wildfires in the western Mediterranean Basin, Journal of Geophysical Research: Biogeosciences. 121 (2016)

2141–2157.

[3] N. Koutsias, M. Arianoutsou, A.S. Kallimanis, G. Mallinis, J.M. Halley, P. Dimopoulos, Where did the

fires burn in Peloponnisos, Greece the summer of 2007? Evidence for a synergy of fuel and weather,

Agricultural and Forest Meteorology. 156 (2012) 41–53.

[4] P.M. Fernandes, C. Loureiro, N. Guiomar, G.B. Pezzatti, F.T. Manso, L. Lopes, The dynamics and

drivers of fuel and fire in the Portuguese public forest, Journal of Environmental Management. 146 (2014) 373–

382.

[5] P.M. Fernandes, N. Guiomar, P. Mateus, T. Oliveira, On the reactive nature of forest fire-related

legislation in Portugal: A comment on Mourão and Martinho (2016), Land Use Policy. 60 (2017) 12–15.

[6] M.A. Finney, A computational method for optimising fuel treatment locations, Int. J. Wildland Fire. 16

(2008) 702–711.

[7] A.A. Ager, N.M. Vaillant, A. McMahan, Restoration of fire in managed forests: a model to prioritize

landscapes and analyze tradeoffs, Ecosphere. 4 (2013) art29.

[8] A.G. Wilson, Width of firebreak that is necessary to stop grass fires: some field experiments, Can. J.

For. Res. 18 (1988) 682–687.

[9] B.W. Butler, Wildland firefighter safety zones: a review of past science and summary of future needs,

Int. J. Wildland Fire. 23 (2014) 295–308.

[10] K.G. Hirsch, D.L. Martell, A review of initial attack fire crew productivity and effectiveness, International

Journal of Wildland Fire. 6 (1996) 199–215.

[11] L. Green, Fuelbreaks and other fuel modification for wildland fire control. USDA Ag. Handbook 499

(1977).

[12] Réseau Coupures de combustible - Cardère Éditeur, https://cardere.fr/90-reseau-coupures-de-

combustible.

[13] J.K. Agee, B. Bahro, M.A. Finney, P.N. Omi, D.B. Sapsis, C.N. Skinner, J.W. van Wagtendonk, C.P.

Weatherspoon, The use of shaded fuelbreaks in landscape fire management, Forest Ecology and

Management. 127 (2000) 55–66.

[14] D.X. Viegas, L.M. Ribeiro, M.A. Almeida, R. Oliveira, M.T. Viegas, J. Raposo, V. Reva, A.R.

Figueiredo, S. Lopes. 2013. Os grandes incêndios florestais e os acidentes mortais ocorridos em 2013 - Parte

1. Centro de Estudos sobre Incêndios Florestais (CEI/ADAI/LAETA), Coimbra.

[15] J. Guerreiro, C. Fonseca, A. Salgueiro, P. Fernandes, E. Lopez, R. de Neufville, F. Mateus, M.

Castellnou, J.S. Silva, J. Moura, F. Rego, P. Mateus, P. (2017), Análise e apuramento dos factos relativos aos

incêndios que ocorreram em Pedrógão Grande, Castanheira de Pêra, Ansião, Alvaiázere, Figueiró dos Vinhos,

Arganil, Góis, Penela, Pampilhosa da Serra, Oleiros e Sertã entre 17 e 24 de junho de 2017, Assembleia da

Républica, Lisboa.

[16] D.X. Viegas, M.F. Almeida, L.M. Ribeiro, J. Raposo, M.T. Viegas, R. Oliveira, D. Alves, C. Pinto, H.

Página 10

II SÉRIE-E — NÚMERO 9

10

Jorge, A. Rodrigues, D. Lucas, S. Lopes, L.F. Silva (2017), O complexo de incêndios de Pedrógão Grande e

concelhos limítrofes, iniciado a 17 de junho de 2017, Centro de Estudos sobre Incêndios Florestais

(CEIF/ADAI/LAETA), Coimbra.

[17] J. Guerreiro, C. Fonseca, A. Salgueiro, P. Fernandes, E. Lopez, R. de Neufville, F. Mateus, M.

Castellnou, J.S. Silva, J. Moura, F. Rego, D. Caldeira (2018), Avaliação dos Incêndios ocorridos entre 14 e 16

de outubro de 2017 em Portugal Continental, Assembleia da Républica, Lisboa.

[18] D.X. Viegas, M.A. Almeida, L.M. Ribeiro, J. Raposo, M.T. Viegas, R. Oliveira, D. Alves, C. Pinto, A.

Rodrigues, C. Ribeiro, S. Lopes, H.Jorge, H., C.X. Viegas (2019), Análise dos Incêndios Florestais Ocorridos a

15 de outubro de 2017. Centro de Estudos sobre Incêndios Florestais (CEIF/ADAI/LAETA).

[19] M.C. Kennedy, M.C. Johnson, K. Fallon, D. Mayer, How big is enough? Vegetation structure impacts

effective fuel treatment width and forest resiliency, Ecosphere. 10 (2019) e02573.

[20] A.D. Syphard, J.E. Keeley, T.J. Brennan, Comparing the role of fuel breaks across southern California

national forests, Forest Ecology and Management. 261 (2011) 2038–2048.

[21] A.D. Syphard, J.E. Keeley, T.J. Brennan, Factors affecting fuel break effectiveness in the control of

large fires on the Los Padres National Forest, California, Int. J. Wildland Fire. 20 (2011) 764–775.

[22] T.M. Oliveira, A.M.G. Barros, A.A. Ager, P.M. Fernandes, Assessing the effect of a fuel break network

to reduce burnt area and wildfire risk transmission, Int. J. Wildland Fire. 25 (2016) 619–632.

[23] A.D. Syphard, T.J. Brennan, J.E. Keeley, The role of defensible space for residential structure

protection during wildfires, Int. J. Wildland Fire. 23 (2014) 1165–1175.

[24] P. Gibbons, L. van Bommel, A.M. Gill, G.J. Cary, D.A. Driscoll, R.A. Bradstock, E. Knight, M.A. Moritz,

S.L. Stephens, D.B. Lindenmayer, Land Management Practices Associated with House Loss in Wildfires, PLoS

ONE. 7 (2012) e29212.

[25] A.D. Syphard, J.E. Keeley, Factors Associated with Structure Loss in the 2013–2018 California

Wildfires, Fire. 2 (2019) 49.

[26] D.E. Calkin, J.D. Cohen, M.A. Finney, M.P. Thompson, How risk management can prevent future

wildfire disasters in the wildland-urban interface, PNAS. 111 (2014) 746–751.

[27] O. Price, R. Bradstock, Landscape Scale Influences of Forest Area and Housing Density on House

Loss in the 2009 Victorian Bushfires, PLoS ONE. 8 (2013) e73421.

[28] P.M. Fernandes, M.M. Fernandes, C. Loureiro, Post-fire live residuals of maritime pine plantations in

Portugal: Structure, burn severity, and fire recurrence, Forest Ecology and Management. 347 (2015) 170–179.

[29] I. Gómez-Vázquez, P.M. Fernandes, M. Arias-Rodil, M. Barrio-Anta, F. Castedo-Dorado, Using density

management diagrams to assess crown fire potential in Pinus pinaster Ait. stands, Annals of Forest Science.

71 (2014) 473–484.

[30] A. Alvarez, M. Gracia, J. Retana, Fuel types and crown fire potential in Pinus halepensis forests, Eur J

Forest Res. 131 (2012) 463–474.

[31] F. Castedo-Dorado, I. Gómez-Vázquez, P.M. Fernandes, F. Crecente-Campo, Shrub fuel

characteristics estimated from overstory variables in NW Spain pine stands, Forest Ecology and Management.

275 (2012) 130–141.

[32] L. Nunes, J. Álvarez-González, I. Alberdi, V. Silva, M. Rocha, F.C. Rego. Analysis of the occurrence of

wildfires in the Iberian Peninsula based on harmonised data from national forest inventories. Annals of Forest

Science (2019) 76:27.

https://doi.org/10.1007/s13595-019-0811-5

[33] P.M. Fernandes, Empirical Support for the Use of Prescribed Burning as a Fuel Treatment, Curr

Forestry Rep. 1 (2015) 118–127.

[34] Fernandes, P., Rossa, C., Madrigal, J., Rigolot, E., Fernandes, P., Rossa, C., Madrigal, J., Rigolot, E.

(2016) Updated state-of-the-art on the uses of prescribed burning. Deliverable 5.1b MedWildFireLab: Global

Change Impacts on Wildland Fire Behaviour and Uses in Mediterranean Forest Ecosystems, towards a «wall

less» Mediterranean Wildland Fire Laboratory.

[35] J. Espinosa, P. Palheiro, C. Loureiro, D. Ascoli, A. Esposito, P.M. Fernandes, Fire-severity mitigation

by prescribed burning assessed from fire-treatment encounters in maritime pine stands, Can. J. For. Res. 49

(2019) 205–211.

Página 11

12 DE DEZEMBRO DE 2019

11

[36] P.M. Fernandes, N. Guiomar, C.G. Rossa, Analysing eucalypt expansion in Portugal as a fire-regime

modifier, Science of The Total Environment. 666 (2019) 79–88.

[37] I.M. Mirra, T.M. Oliveira, A.M.G. Barros, P.M. Fernandes, Fuel dynamics following fire hazard reduction

treatments in blue gum (Eucalyptus globulus) plantations in Portugal, Forest Ecology and Management. 398

(2017) 185–195.

[38] P.M. Fernandes, T. Monteiro-Henriques, N. Guiomar, C. Loureiro, A.M.G. Barros, Bottom-Up Variables

Govern Large-Fire Size in Portugal, Ecosystems. 19 (2016) 1362–1375.

[39] P.M. Fernandes, A. Luz, C. Loureiro, Changes in wildfire severity from maritime pine woodland to

contiguous forest types in the mountains of northwestern Portugal, Forest Ecol Manag. 260 (2010) 883–892.

[40] J.C. Azevedo, A. Possacos, C.F. Aguiar, A. Amado, L. Miguel, R. Dias, C. Loureiro, P.M. Fernandes,

The role of holm oak edges in the control of disturbance and conservation of plant diversity in fire-prone

landscapes, Forest Ecology and Management. 297 (2013) 37–48.

[41] V. Proença, H.M. Pereira, L. Vicente, Resistance to wildfire and early regeneration in natural

broadleaved forest and pine plantation, Acta Oecologica. 36 (2010) 626–633.

[42] A. Pinto, P.M. Fernandes, Microclimate and Modeled Fire Behavior Differ Between Adjacent Forest

Types in Northern Portugal, Forests. 5 (2014) 2490–2504.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×