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Quinta-feira, 12 de dezembro de 2019 II Série-E — Número 9
XIV LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2019-2020)
S U M Á R I O
Observatório Técnico Independente:
Estudo técnico sobre «Racionalizar a gestão de combustíveis: uma síntese do conhecimento atual».
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OBSERVATÓRIO TÉCNICO INDEPENDENTE
ESTUDO TÉCNICO SOBRE «RACIONALIZAR A GESTÃO DE COMBUSTÍVEIS: UMA
SÍNTESE DO CONHECIMENTO ATUAL»
Citação recomendada:
Observatório Técnico Independente, Castro Rego F., Fernandes P., Sande Silva J., Azevedo J., Moura
J.M., Oliveira E., Cortes R., Viegas D.X., Caldeira D., e Duarte Santos F. – Coords. (2019) Racionalizar a
gestão de combustíveis: uma síntese do conhecimento atual
Assembleia da República. Lisboa. 21 pp.
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Índice
1. O problema
2. Estado do conhecimento
2.1 – As faixas de gestão de combustível
2.1.1 – No espaço florestal
2.1.2 – Na interface entre o espaço rural e urbanizações ou edificações individuais
2.2 – Os mosaicos de gestão de combustível
3. Conclusão e recomendações
Referências
1. O problema
É quase universal a tendência para concentrar a gestão do fogo em atividades de prontidão (pré-
supressão) e, principalmente, de resposta (supressão) aos incêndios, esquecendo a redução do risco. Este
desequilíbrio pode ter êxito no curto a médio prazo, traduzindo-se em menor área ardida. Porém, altera
gradualmente a distribuição da dimensão dos incêndios, que se tornam potencialmente maiores. Uma política
centrada na supressão do fogo gera espaços florestais mais contínuos e homogéneos e onde o combustível
florestal se acumula até níveis que comprometem a efetividade e segurança das operações de combate,
independentemente da capacidade e quantidade de meios disponíveis. Este efeito colateral, conhecido como o
paradoxo da extinção ou firefighting trap [1], é notório sob condições pirometeorológicas mais severas e é
agravado e atua em sinergia com as alterações climáticas em curso [2,3].
A política nacional de DFCI dá particular relevo ao controlo de ignições. Contudo, o impacto da redução do
número de ignições na área ardida é insuficiente, uma vez que a respetiva influência é muito inferior à das
condições meteorológicas [4] e porque os maiores incêndios estão associados a territórios com baixa
densidade de ignições, as quais se concentram onde a fragmentação do espaço florestal impede grandes
incêndios [5].
As limitações das estratégias atrás descritas evidenciam que intervir no território e na vegetação (o
combustível) constitui uma componente fundamental da gestão do fogo. Num determinado cenário
meteorológico e de configuração do terreno, a gestão do combustível florestal por remoção ou modificação
estrutural resulta em menor velocidade e intensidade (energia libertada) da propagação do fogo, naturalmente
facilitando e aumentando a probabilidade de sucesso das operações de contenção e extinção, com diminuição
da área ardida e dos impactes ambientais e socioeconómicos.
O porquê da necessidade de reduzir a combustibilidade do espaço florestal nacional é óbvio, mas é
importante perceber como, quanto e onde o fazer de forma a otimizar os resultados obtidos.
2. Estado do conhecimento
A gestão de combustíveis é usualmente segmentada de acordo com duas estratégias espaciais distintas:
1. Redução ou modificação linear do combustível na forma de faixas de gestão de combustível (FGC),
incluindo a variante faixas de interrupção de combustível (FIC), ou de faixas «verdes» com baixa
combustibilidade. Esta abordagem visa isolar ou compartimentar o espaço florestal ou a interface urbano-rural
e traduz-se nas redes primária, secundária e terciária em uso na terminologia e regulamentação nacionais;
2. Redução ou modificação do combustível em área a fim de constituir um mosaico diversificado de
combustibilidade na paisagem. Em sentido lato, o mosaico resulta também da alternância de usos do solo ou
tipos de vegetação, que pode ser fomentada por conversão para vegetação de menor combustibilidade,
nomeadamente floresta caducifólia; e da gestão florestal, por exemplo através do ciclo de exploração (cortes).
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Os mosaicos e as FGC têm objetivos distintos, respetivamente mitigação à escala da paisagem e
contenção de incêndios em localizações estratégicas ou defesa de valores locais ou dispersos (Quadro 1).
Enquanto os mosaicos alteram o comportamento e efeitos do fogo independentemente das operações de
combate, o desempenho das FGC é praticamente indissociável daquelas. Dada a dificuldade em implementar
tratamentos em mosaico à escala desejável, tem sido advogada a intervenção em pontos estratégicos de
gestão (PEG), uma versão minimal da estratégia em mosaico em que a localização dos tratamentos é
planeada de forma a causar a máxima disrupção possível na propagação de um incêndio [6].
Quadro 1. Características das estratégias espaciais de gestão de combustíveis. Adaptado e simplificado [7]. FGC, faixas de gestão de combustível; PEG, pontos estratégicos de gestão de combustível
2.1 – As faixas de gestão de combustível
Os resultados da gestão linear de combustíveis não se podem dissociar das condições de propagação do
fogo na sua envolvente. Não se espera em geral que as FGC e as FIC impeçam, por si só, a propagação do
fogo, dado que quase sempre estará presente alguma vegetação que permitirá a propagação do fogo. As FGC
da rede primária (125 m de largura por definição), ou outras faixas com largura razoável (30 m ou mais),
podem constituir zonas de ancoragem para os meios de combate impedirem o avanço do fogo, por combate
direto ou indireto. Se ocorrerem focos secundários de média ou longa distância, que estão associados a fogos
mais intensos, a eficácia das FGC será comprometida bem como, potencialmente, a segurança das forças de
combate. Faixas mais estreitas das redes secundária e terciária, com as larguras preconizadas para a rede
viária ou as linhas de transporte de energia (5-15 m) serão muito facilmente atravessadas pela frente de
chamas ou transpostas por projeções de curta distância e em geral assegurarão a segurança dos operacionais
de combate apenas em caso de intensidade do fogo reduzida (Figura 1).
Figura 1. Distâncias mínimas a respeitar numa FIC ou FGC para que, em função do comprimento da chama, constitua (i) uma barreira
à propagação do fogo [8], assumindo que a propagação não é possível na faixa e que o fogo não a transpõe (por projeções) [9]; e (ii) não comprometa a segurança dos operacionais de combate. No segundo caso as distâncias são por defeito, uma vez que apenas é
considerada a radiação, sendo que a largura da faixa deverá ser pelo menos o dobro daquela distância se os operadores estiverem a meio da faixa. “Controlo” refere-se ao comprimento máximo de chama que está dentro da capacidade de extinção por ataque direto e
meios terrestres [10].
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2.1.1 – No espaço florestal
A gestão de combustíveis de iniciativa estatal em Portugal assenta largamente na rede primária de FGC. A
literatura não apresenta padrões absolutos de especificação das características das FGC. Em geral, estas
devem ser ajustadas às condições locais, histórico de incêndios e comportamento do fogo expectável.
Prescrições técnicas estão disponíveis para a Califórnia [11] e sul de França [12], tendo as últimas informado
as propostas preconizadas para a rede primária em Portugal. Da mesma forma, é difícil avaliar a efetividade
das FGC, devido a variabilidade na sua largura, modalidade (arborizadas ou não, tipo de intervenções técnicas
utilizadas), estado de manutenção, topografia e combustibilidade da vegetação associados à envolvente da
sua localização, comportamento dos incêndios que as «desafiarão» e objetivos e expectativas associados [13].
Não existe uma avaliação sistemática do desempenho das FGC em Portugal, resumindo-se o
conhecimento existente a alguns casos de estudo e a observações casuais dispersas (Figura 2). Por outro
lado, esta avaliação tende a ser feita em grandes incêndios, em que a propagação é em geral muito intensa.
No estudo do grande incêndio de Tavira em 2012 reporta-se que a ausência de uma rede completa de FGC na
área de desenvolvimento inicial do fogo impediu manobras de combate que o poderiam ter contido
rapidamente [16]. À semelhança da informação disponível para os EUA [19-21] e França [12], é expectável
que o resultado da intersecção incêndio-FGC seja muito variável, aliás tal como constatado nos incêndios de
Picões e Caramulo em 2013 [14], bem como em 2017 em Pedrogão Grande e Góis [15,16] e nos incêndios de
15 de outubro [17,18]. Num estudo exaustivo de quatro áreas do sul da Califórnia no período 1980-2008 [20]
verificou-se que 22 a 47% dos incêndios que intersectaram FGC (de largura muito variável) foram nelas
detidos, 10 a 23% as atravessaram mas a alteração do comportamento do fogo auxiliou o combate, e 29 a
65% não foram afetados na sua propagação; o sucesso passivo (sem combate) das FGC ocorreu em menos
de 1% dos casos.
Uma análise da efetividade da rede primária planeada para o Algarve, que ocupa 3% da superfície total da
região, mostrou a importância decisiva do aproveitamento das FGC pelas operações de combate [22]. A
redução de área ardida decorrente do funcionamento da rede em modo exclusivamente passivo variaria com a
opção de intervenção nas FGC e dimensão dos incêndios, mas não ultrapassaria 17%. A correspondente
razão custo-benefício média seria insustentável, uma vez que para reduzir um hectare de área ardida seriam
necessários 2,2 km de FGC com 120 m de largura.
Figura 2. Contenção de incêndio por FGC em 2017 na serra do Marão (esquerda), e FGC na serra da Estrela, Gouveia (direita,
imagem Google Earth), com largura máxima de ~200 m e que viria a ser transposta por um incêndio em 2015.
A literatura atrás citada indica que, além do comportamento do fogo (incluindo o efeito da sua orientação
versus a orientação da FGC), e no qual é crítica a transposição das FGC por material incandescente
projetado, o desenlace das intersecções incêndio-FGC depende de: acessibilidade aos meios de combate;
disponibilidade de meios de combate; comprimento das FGC relativamente à largura do incêndio; largura das
FGC; densidade da rede de FGC e seu grau de sobreposição na direção dominante de propagação do
incêndio; estado de manutenção; e densidade de árvores nas FGC.
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2.1.2 – Na interface entre o espaço rural e urbanizações ou edificações individuais
O Decreto-Lei n.º 10/2018, de 14 de fevereiro, define os critérios aplicáveis à gestão de combustível nas
faixas secundárias e determina-a num raio não inferior a 50 m ou a 100 m, respetivamente para edifícios
isolados e aglomerados populacionais. Estas distâncias superam em geral aquelas que estão estatuídas no
sul da Europa, América do Norte e Austrália, sendo que em nenhum outro país se faz distinção entre casas
isoladas e povoações no que respeita ao raio de proteção.
Análises pós-incêndio na Califórnia [23] e Austrália [24] concluíram não haver acréscimo de benefícios para
o património edificado para distâncias de proteção respetivamente superiores a 20-30 e 40 m. A tipologia de
construção das habitações nesses países inclui uso extenso de madeira nas estruturas e revestimentos, o que
sugere que distâncias ainda menores poderiam ser adotadas em Portugal. A recente análise de uma amostra
de cerca de 42 mil casas expostas a incêndio na Califórnia revelou muita incerteza nos fatores que distinguem
entre edificações destruídas ou não pelo fogo, sendo mais relevante a influência das características de
construção do que a distância de segurança e mostrando que distâncias >30 m não asseguram resistência ao
incêndio [25]. Em condições meteorológicas severas os danos estruturais causados pelo fogo podem ser
independentes da vegetação que rodeia as casas, cuja ignição é causada maioritariamente pelo «ataque» de
faúlhas e não pela ação direta do fogo [26]. Porém, ainda que o impacto direto do fogo tenha respondido por
apenas 21,3% dos casos de dano no incêndio de Pedrogão Grande, a existência de gestão completa do
combustível na envolvente imediata das casas foi relevante para evitar ou reduzir o seu grau de destruição
[16]. Nestas situações, a probabilidade de destruição do edificado aumenta também com a extensão da
floresta na grande envolvente e com a magnitude do comportamento do fogo até distâncias consideráveis, por
exemplo 1 km em [27], tal como se verificou nos incêndios de 15 de outubro [17].
Na regulamentação prescrita no DL n.º 10/2018, o raio da gestão de combustíveis é idêntico em todas as
direções, independentemente da existência de relevo que possa afetar as condições de progressão do fogo.
Numa construção em terreno declivoso, a largura da FGC na envolvente virada para a parte descendente da
encosta deverá ser naturalmente superior àquela implementada na face oposta, dado que a intensidade de
propagação do fogo ascendente é, em geral, superior à do fogo descendente.
A silvicultura preventiva de formações florestais vulneráveis a fogo de copas, nomeadamente coníferas,
consagra povoamentos com descontinuidade vertical e horizontal, o que está extremamente bem
documentado internacionalmente e permite formular regras de intervenção com base em evidência de campo,
por exemplo [28], e simulação, por exemplo [29]. Em Espanha, e comparativamente a estruturas florestais
mais densas, foi observada uma incidência muito baixa de fogo de copas, e especialmente de fogo de copas
ativo, em pinhais abertos (apesar da existência de um estrato arbustivo significativo), ou semiabertos, mas
compostos por árvores de maior dimensão [30].
A redução do combustível de superfície (manta morta, ervas, arbustos) deve ter prioridade máxima,
seguindo-se o aumento da descontinuidade vertical entre a superfície e a copa das árvores e, finalmente, o
aumento da descontinuidade horizontal entre copas. Assim, dependendo da estrutura e natureza da
vegetação, as intervenções no arvoredo podem-se restringir à desramação ou até mesmo ser dispensadas.
Note-se que distanciar a copa do solo e reduzir a sua densidade para minimizar o potencial de fogo de copas
aumenta a velocidade do vento à superfície e diminui a humidade do combustível, favorecendo a progressão
do fogo e aumentando a sua intensidade. Em espaço florestal o efeito adicional de favorecimento da
vegetação do sub-bosque potenciado por arvoredo menos denso é extremamente variável [31] mas a
genericamente maior fertilidade do solo nas interfaces urbano-rurais permite recuperação bastante rápida do
estrato herbáceo.
Resultados de outro estudo na Península Ibérica [32] também parecem confirmar que, em geral, são
formações com mais sub-bosque as que mais ardem e que essas estão por vezes associadas a menores
densidades de coberto arbóreo, o que vai no sentido de acentuar a importância do sub-bosque e indicar que o
papel do coberto de copas pode ter efeitos contraditórios: se por um lado copas mais abertas evitam fogos de
copas elas também permitem maior desenvolvimento do sub-bosque. Com base no conhecimento atual o uso
de modelos de simulação permite definir prescrições de silvicultura preventiva que efetivamente minimizem o
perigo de incêndio, mais genéricas (e como tal indicadas para adopção regulamentar), ou mais específicas.
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2.2 – Os mosaicos de gestão de combustível
A relevância dos mosaicos de gestão de combustível para a mitigação da extensão e impactes dos
incêndios está sobejamente documentada e revista a nível mundial usando diversas metodologias [33].
Contudo, os benefícios do ponto de vista da supressão de incêndios podem ser irrisórios para lá de um curto
período após o tratamento, por exemplo 5-6 anos em floresta, o que implica que cerca de 5-10% de um
determinado território deva ser intervencionado anualmente e que o planeamento estratégico no espaço e no
tempo seja crucial. Avaliar a redução da intensidade e impacto de incêndios sob meteorologia severa em
áreas tratadas, ao invés de quantificar a diminuição da área ardida, tem emergido como a forma mais objetiva
e realista de ajuizar sobre o desempenho das parcelas e mosaicos de gestão do combustível (Figura 3).
Não há no sul da Europa exemplos de implementação de mosaicos propriamente ditos de gestão de
combustível, à exceção de algumas paisagens em França, nos Pirenéus e Alpes Marítimos, moldadas por
quatro décadas de uso extensivo do fogo controlado [34]. Contudo, há em Portugal dois exemplos indiciadores
dos ganhos possibilitados por projetos de gestão de combustível aplicados na escala espacial adequada:
1. Em pinhal bravo tratado com fogo controlado e posteriormente ardido por incêndio, o dano na copa das
árvores e a intensidade do fogo são inferiores ao observado em pinhal adjacente não tratado, respetivamente
durante 2-6 e 6-14 anos [35].
A gestão mecanizada de combustível nas plantações industriais de eucalipto incide anualmente em 14% da
sua área em Portugal e corresponde a uma incidência anual de incêndios de 2,6% versus 3,2% no restante
eucaliptal [36]. Este esforço tão elevado tem assim um retorno modesto, o que poderá ser explicado por
questões espaciais (dispersão da propriedade da indústria, configuração espacial das intervenções) e pela
natureza das intervenções, que não removem o combustível nas linhas de plantação [37].
Figura 3. Redução da severidade do incêndio em parcelas tratadas com fogo controlado. Foto da esquerda: maior erosão e menor
resposta regenerativa 8 meses após o grande incêndio de agosto de 2016 na área não tratada (direita) vs a área tratada (esquerda), serra
da Freita (Fonte: Manuel Raínha). Foto da direita: um dos incêndios de 15 de outubro de 2017 não afetou totalmente a copa das árvores
em pinhal bravo tratado na mata do Desterro, Seia, contrariamente ao que sucedeu no pinhal contíguo não tratado (Fonte: Artur Costa).
A ausência de projetos de gestão de combustível em mosaico e com escala não impede conclusões sobre
o seu potencial de mitigação, que podem ser obtidas por simulação ou por inferência a partir do regime de
fogo. Assim, diversos estudos empíricos em Portugal, Espanha e França mostraram a influência que a
acumulação e conectividade do combustível na paisagem exercem sobre a dimensão dos incêndios e a área
ardida. Destaque-se em particular que os mosaicos de vegetação das serras do norte de Portugal resultantes
de queimas pastoris recorrentes e relativamente pequenas controlam efetivamente a dimensão dos incêndios,
mesmo em condições meteorológicas muito adversas [38].
Tal como já referido, a alteração da composição florestal tem um papel a desempenhar na formação de um
mosaico paisagístico mais resistente e resiliente ao fogo, pelo que deve ser fomentada onde houver condições
naturais para tal, inclusivamente na forma de faixa «verde» em torno de aldeias. Manchas florestais densas e
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razoavelmente maduras de espécies caducifólias nativas são muito escassas e pequenas em Portugal e estão
associadas a menor severidade e, por vezes, autoextinção de incêndios [39-41], o que é facilitado pela
natureza e estrutura do combustível e microclima [42].
3. Conclusão e recomendações
A escala de intervenção praticada é decisiva para obter resultados através da gestão de combustíveis,
sendo patentes os entraves socioeconómicos de vária ordem à sua adoção mais generalizada em parte
substancial do País. Assim, e a fim de otimizar os resultados do investimento possível, é extremamente
importante que os critérios de seleção das áreas a tratar integrem da forma mais completa e racional possível
a análise espacial do risco de incêndio, tal como determinado pelo regime histórico de fogo, combustibilidade e
valores em risco. Estão disponíveis para este efeito tecnologias de simulação do fogo efetivas e úteis para a
ajuda à decisão. Melhorar a prática da gestão de combustíveis passa também por aprender com os
(in)sucessos, pelo que os resultados da interação tratamentos-incêndios deveriam ser sistematicamente
registados e documentados.
Apesar do impacte dos graves incêndios dos últimos anos tem sido difícil concretizar e manter a rede
primária de FGC fora do contexto dos espaços florestais comunitários e do Estado. Não é verosímil que esta
rede esteja ou venha a contribuir substancialmente para reduzir a área ardida, dado o grau de implementação
atual, o desenho algo casuístico e a incerteza do desenlace inerente a uma estratégia de compartimentação
aquando do «encontro» com incêndios. Nestas circunstâncias, devem-se baixar as expectativas de
desempenho associadas ao isolamento ou contenção dos incêndios por FGC e FIC, e dar prioridade ao seu
posicionamento para defesa de áreas ou locais de elevado valor económico ou natural e para fins de proteção
civil. É também desejável uma maior integração entre as faixas da rede primária e as que são criadas ao longo
de infraestruturas viárias ou de transporte de energia.
No que respeita à proteção do edificado contra incêndios a enfâse deverá ser colocada em padrões de
construção e de manutenção das habitações que minimizem a probabilidade de ignição, e na eliminação total
do combustível de superfície na adjacência imediata das casas (usualmente um raio de 10 m). Para lá dessa
distância, e até 30 m, deve ser evitada a acumulação significativa de combustível e assegurada
descontinuidade vertical adequada, mas as distâncias entre copas a que a legislação atualmente obriga (4 ou
10 m) são excessivamente elevadas, não se justificando e podendo ter um efeito contraproducente,
nomeadamente quando o arvoredo é de folha caduca. Os limites de 50 ou 100 m impostos pelo artigo 15.º da
Lei n.º 76/2017 relativo à intervenção em terrenos adjacentes a respetivamente habitações e povoações são
claramente excessivos. Note-se que estas recomendações podem ter implicações económicas relevantes que
não favorecem a adoção das melhores práticas pelos proprietários.
Defender efetivamente a floresta dos incêndios implica algum grau de redundância nos esforços de gestão
do combustível, ou seja, sobreposição de faixas a fim de bloquear ou desviar a propagação do fogo
independentemente da sua orientação, e(ou) ocupação por mosaicos definidos pelo tipo de uso do solo,
composição florestal e carga de combustível. O fogo controlado tem um papel fundamental neste processo, o
que foi reconhecido ao ponto de merecer a elaboração de um plano nacional dedicado. Concretizar as
respetivas metas de execução afigura-se porém muito difícil, pelo que urge encontrar mecanismos expeditos
que permitam expandir a atualmente diminuta capacidade de intervenção. A utilização do fogo controlado tem
estado incompreensivelmente muito centrada nas áreas de matos, pelo que se recomenda redirecioná-la para
a floresta e, em particular, para o pinhal bravo. Um programa agressivo (em escala) de fogo controlado e
desbastes nas extensas áreas de pinhal bravo em regeneração são condição necessária para estancar e
reverter o enorme declínio que a espécie tem vindo a sofrer. No caso dos eucaliptais, em especial nas vastas
áreas percorridas pelo fogo em anos recentes, e caso não seja possível assegurar práticas silvícolas que
mantenham a produtividade e minimizem o perigo de incêndio, importa equacionar a conversão para outro tipo
de vegetação ou uso do solo.
A prevenção e a supressão de incêndios são complementares e os seus resultados interdependentes.
Portanto, importa otimizar a articulação entre elas e assegurar a evolução do modelo de combate no sentido
de as operações aproveitarem as oportunidades oferecidas pela gestão de combustíveis. Caso contrário será
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difícil justificar racionalmente o aumento do investimento em gestão de combustíveis.
É evidente a complementaridade das estratégias e abordagens utilizadas para que o espaço florestal
nacional se torne menos vulnerável aos grandes incêndios. As questões do foro da ocupação, uso e
ordenamento do território e da paisagem, que estão para lá do âmbito desta nota, constituem por si só um
desafio enorme. Avanços nessa temática diminuirão a necessidade de gerir extensivamente o combustível
florestal e melhorarão os resultados decorrentes dessa gestão.
O Observatório recomenda que esta síntese do conhecimento atual sobre gestão do combustível seja
utilizada em próxima revisão da legislação sobre a matéria.
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