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Segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020 II Série-E — Número 13
XIV LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2019-2020)
S U M Á R I O
Observatório Técnico Independente: Relatório de avaliação do incêndio de Vila de Rei, em Mação.
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RELATÓRIO | OBSERVATÓRIO TÉCNICO INDEPENDENTE
Relatório de Avaliação
do incêndio de Fundada
(Vila de Rei – Mação)
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Janeiro 2020
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Citação recomendada:
Observatório Técnico Independente, Castro Rego F., Fernandes P., Sande Silva J., Azevedo J., Moura J.M., Oliveira E., Cortes R., Viegas D.X., Caldeira D., e Duarte Santos F. - Coords. (2020) Relatório de Avaliação do incêndio de Fundada (Vila de Rei – Mação). Assembleia da República. Lisboa. 63 pp.
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Índice
1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................
2. O INCÊNDIO DE FUNDADA NO CONTEXTO DO ANO DE 2019 .........................................................
3. AS CONDIÇÕES DO INCÊNDIO ............................................................................................................
3.1 A TOPOGRAFIA ...........................................................................................................................................
3.2 O COMBUSTÍVEL ........................................................................................................................................
3.3 A METEOROLOGIA ....................................................................................................................................
4. O INCÊNDIO .........................................................................................................................................
4.1 A DETEÇÃO ..............................................................................................................................................
4.2 AS FASES DO INCÊNDIO ...........................................................................................................................
4.3 O COMBATE ............................................................................................................................................
4.3.1 O Ataque Inicial ...................................................................................................................
4.3.2 O Ataque Ampliado .............................................................................................................
4.3.3 O RESCALDO E A VIGILÂNCIA APÓS RESOLUÇÃO .....................................................................................
4.4 A SEGURANÇA DAS POPULAÇÕES ...........................................................................................................
4.4.1 As ações de prevenção .......................................................................................................
4.4.2 Aldeias afetadas ..................................................................................................................
4.4.3 Situações especiais .............................................................................................................
4.4.4 Danos pessoais ...................................................................................................................
5 A RECUPERAÇÃO DA ÁREA ARDIDA ................................................................................................
5.1 O PLANEAMENTO PARA A ESTABILIZAÇÃO DE EMERGÊNCIA .....................................................................
5.2 O APOIO ÀS AÇÕES DE REABILITAÇÃO E PLANEAMENTO DA RECUPERAÇÃO A LONGO PRAZO ...................
5.3 DO PLANEAMENTO À CONCRETIZAÇÃO DAS AÇÕES DE RECUPERAÇÃO ....................................................
6 AS LIÇÕES APRENDIDAS ...................................................................................................................
6.1 NO COMBATE ...........................................................................................................................................
6.2 NA SEGURANÇA DAS POPULAÇÕES .........................................................................................................
6.3 NA RECUPERAÇÃO PÓS-FOGO .................................................................................................................
6.4 O PROCESSO DE APRENDIZAGEM PÓS-FOGO ...........................................................................................
BIBLIOGRAFIA CITADA: ...............................................................................................................................
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1. Introdução
O Observatório Técnico Independente, no cumprimento da missão que lhe foi atribuída pela
Assembleia da República pela Lei nº 56/2018 de 20 de agosto para que procedesse a uma
“avaliação independente dos incêndios florestais e rurais que ocorram em território nacional”,
produziu o relatório que aqui se apresenta de “Avaliação do incêndio de Fundada (Vila de Rei –
Mação)”.
Em maio de 2019 o Observatório já tinha produzido, com objetivo idêntico, o relatório de
“Avaliação do incêndio de Monchique” que ocorreu em agosto de 2018 e que afetou uma área
de mais de 27 mil hectares, num total nacional de cerca de 45 mil hectares. Foi, por isso, o
incêndio de Monchique selecionado pelo Observatório como o mais relevante no ano de 2018
para uma análise mais detalhada, procurando conhecer melhor o contexto em que ocorreu, as
condições da sua ocorrência, desde a sua origem até à sua conclusão, e as ações de
recuperação da área ardida, para depois tentar retirar conclusões e aprender com as lições que
a avaliação do incêndio proporciona.
Em relação ao ano de 2019, o incêndio selecionado para análise detalhada, cujo relatório agora
se apresenta, é o iniciado a 20 de julho em Fundada, no concelho de Vila de Rei, e que alastrou
para os concelhos da Sertã e de Mação, afetando um total de cerca de 9,2 milhares de hectares.
Registe-se que este incêndio, por si só, correspondeu a cerca de 22% da área total ardida em
2019, que foi de perto de 42 mil hectares.
No presente relatório segue-se uma estrutura equivalente à do de Monchique, ficando apenas a
análise global dos incêndios do ano de 2019, integrando a influência das condições
meteorológicas, a ser detalhada em documento próprio, em elaboração.
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2. O incêndio de Fundada no contexto do ano de 2019
Nas estatísticas anuais dos incêndios o ano de 2019 apresentou um número de ocorrências
relativamente baixo em comparação com os restantes anos desde 2001 sendo, com cerca de 11
mil ocorrências, o ano com o valor mais baixo depois de 2014, que teve cerca de 9 mil ocorrências
(Figura 1).
Figura 1. Evolução do número total anual de ocorrências em Portugal, em milhares, desde 2001 (Fonte: ICNF, SGIF).
Também nas estatísticas anuais das áreas ardidas o ano de 2019 apresentou valores baixos em
relação à série desde 2001, tendo havido áreas ardidas inferiores apenas em três anos (2007,
2008 e 2014) como se pode verificar na Figura 2. Nessa figura podem ainda observar-se os usos
do solo ardidos em cada um dos anos.
Figura 2. Evolução das áreas ardidas em milhares de hectares por tipo de uso de solo em Portugal. Nota: só a partir de 2009 são indicadas as áreas de agricultura ardidas (Fonte: ICNF, SGIF).
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A análise da evolução do número de ocorrências e da área ardida, não facilmente
correlacionáveis, e das possíveis causas das variações observadas, incluindo as meteorológicas,
serão objeto de documento próprio a publicar pelo Observatório.
O incêndio iniciado a 20 de julho de 2019, na freguesia de Fundada, concelho de Vila de Rei,
distrito de Castelo Branco (código SGIF BI219370), e que afetou também os concelhos de Sertã
e Mação, no distrito de Santarém, foi claramente o maior de todos os incêndios ocorridos em
2019, com uma área ardida total estimada em 9249ha, dos quais 6881ha em povoamentos
florestais, 1862ha em matos e 506ha em áreas de agricultura (Figura 3).
Figura 3. Comparação da área ardida e tipos de usos de solo afetados nos incêndios de dimensão superior a 500ha em 2019 em Portugal. Verifica-se que o incêndio iniciado em Fundada, concelho de Vila de Rei, distrito de Castelo Branco, é claramente o de maior dimensão (Fonte: ICNF, SGIF).
O Observatório selecionou, portanto, para uma análise mais detalhada, o incêndio de Fundada,
não só pela sua dimensão total, claramente destacada dos restantes incêndios, como também
pela sua relevância e impactos nos povoamentos florestais atingidos e na agricultura.
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3. As condições do incêndio
3.1 A topografia
A topografia da área do incêndio é mostrada na Figura 4, onde se ilustra igualmente a progressão
do incêndio que começa no dia 20 de julho junto ao vale da ribeira da Isna (a noroeste no mapa),
entre os 100 e os 200 metros de altitude, e progride para áreas com altitude superior, chegando
aos 450m no dia 21 e aos 600m no último dia.
Há uma variabilidade importante em função dos declives, mas, de uma forma geral, a maior parte
da área ardida estava situada em zonas com declive inferior a 10o. No entanto, existem zonas
com declives bastante superiores, nomeadamente nas encostas das ribeiras da Isna e do
Bostelim, e nas zonas mais a Sudeste e Nordeste da área ardida (ISA 2019).
Figura 4. A topografia da área do incêndio de Fundada. Fonte: ISA (2019).
A importância da topografia e dos declives acentuados é clara nos seus efeitos sobre a rapidez
inicial do incêndio, e é discutida no final deste documento, na secção relativa às operações de
recuperação da área ardida.
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3.2 O combustível
O combustível foi o correspondente à vegetação existente na área percorrida pelo incêndio que
consistia sobretudo em povoamentos florestais, com cerca de 60% de pinheiro bravo e 15% de
eucaliptais, mas também com cerca de 20% de áreas de matos e pequenas manchas de
agricultura (Figura 5).
Figura 5. Ocupação do solo em 2015 (COS 2015) com indicação da área ardida definida pelo Copernicus Emergency System a meio de cada um dos primeiros dias. Fonte: ISA (2019).
No âmbito da prevenção, as ações de gestão do combustível, incluindo a rede primária e
secundária, são elementos fundamentais dos Planos Municipais de Defesa da Floresta Contra
Incêndios (PMDFCI). Ora, a rede primária, embora tenha sido uma das metas do PNDFCI
publicado em 2006, teve apenas o seu traçado finalizado a nível nacional no 1º trimestre de 2013,
de acordo com a Avaliação Intercalar do PNDFCI (2006-2012). Por outro lado, nos territórios de
Vila de Rei e Mação, a sua implementação vê-se dificultada pelos constrangimentos legais e
físicos derivados da elevada compartimentação da propriedade privada, o que conduziu
praticamente à sua inexistência.
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Analisando os PMDFCI de Vila de Rei e de Mação com base na perigosidade, um dos critérios
estabelecidos pelo Guia Metodológico para a elaboração dos PMDFCI com vista à definição de
áreas de intervenção prioritária e de implementação da rede de faixas de gestão de combustível,
verificam-se diferenças consideráveis em relação a este critério entre dois concelhos contíguos,
muito semelhantes orograficamente e com um histórico de propagação de incêndios comum. No
caso de Vila de Rei, grande parte do território apresenta perigosidade maioritariamente nas
classes baixa e média, enquanto o território de Mação apresenta uma predominância das classes
alta e muito alta (Figura 6).
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Figura 6. Mapas de perigosidade de incêndio florestal nos PMDFCI de Vila de Rei (em cima) e de Mação (em baixo).
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Analisando os mapas de modelos de combustível, verifica-se que ambos os Planos identificam
o Modelo 4 como o predominante nos respetivos territórios. Este modelo de combustível possui
uma relação superfície/volume alta e compactação moderada, sendo composto por matos velhos
ou povoamentos resultantes de regeneração natural e sem gestão, com cerca de 2 metros de
altura média, com uma elevada continuidade horizontal e vertical, bem como uma elevada carga,
contendo uma elevada quantidade de material fino morto suspenso. O comportamento do fogo
neste modelo apresenta uma elevada velocidade de propagação e intensidade, praticamente
durante todo o ano.
A análise a cada um dos PMDFCI revela que foram identificadas as áreas prioritárias para a
realização de práticas de gestão de combustível e as áreas de especial perigosidade e de risco
alto e muito alto, precisamente as zonas mais afetadas pelo incêndio em análise.
Analisando a Rede de Faixas de Gestão de Combustível (FGC) estabelecidas no PMDFCI de
Vila de Rei para execução nos anos 2018 e 2019, verifica-se que as faixas a executar incidiam
na proteção dos aglomerados, na rede elétrica e rede viária e na implementação da rede
primária, encontrando-se prevista a intervenção num total de 185ha para os últimos dois anos.
Pela análise no terreno e por avaliação de imagens de deteção remota, concluímos que muito
pouco do definido no Plano para a área abrangida pelo perímetro do incêndio foi efetivamente
executado.
Quanto ao município de Mação, de acordo com a informação remetida, este terá executado nos
últimos 2 anos, um conjunto diversificado de faixas de gestão de combustível que perfizeram um
total de 101ha. Recorrendo a ortofotografias de 2018 constata-se a sua execução no terreno
(Figura 7).
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Figura 7. Pormenor onde se verifica através de ortofotografia a execução da rede de faixas de gestão de combustível do município de Mação. Fonte: Município de Mação 2019.
As ações de gestão de combustível não têm em geral o efeito passivo de evitar a propagação do
incêndio, mas destinam-se sobretudo a reduzir a intensidade do incêndio favorecendo as ações
de combate e a proteger os bens.
Quando os incêndios não são detidos nas referidas faixas, como foi o caso do incêndio de Vila
de Rei – Mação, pode-se avaliar a severidade do incêndio nas áreas correspondentes às faixas
de gestão de combustível de forma a inferir sobre o seu estado de conservação. As faixas em
que a severidade foi maior serão aquelas em que a acumulação de combustível era superior,
indicando que estas não foram intervencionadas ou teriam sido intervencionadas há mais tempo.
Esta questão foi analisada e é representada na Figura 8.
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Figura 8. Comparação da severidade observada nas faixas de gestão de combustíveis com mapa e quadro ilustrativos da percentagem das faixas em cada classe de severidade. Fonte: ICNF, PMDFCI de Vila de Rei e PMDFCI de Mação.
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Da análise efetuada conclui-se que a severidade observada nas FGC secundárias de gestão de
combustível no concelho de Mação se distingue da respeitante à rede secundária de Vila de Rei
e à rede primária. Enquanto nas faixas secundárias de Mação cerca de 55% da área apresentou
uma severidade baixa ou não ardeu, os valores correspondentes para Vila de Rei e para a rede
primária foram 22% e 27%, respetivamente, menos de metade do observado em Mação. As
faixas secundárias de Mação estavam seguramente melhor geridas do que as restantes, que
teriam sido intervencionadas há mais tempo ou não estavam intervencionadas, como acontece
especialmente com a rede primária.
Acresce que, no caso concreto da Rede Primária de Faixas de Gestão de Combustível, tal como
se verifica na larga maioria do território nacional, a sua implantação tem sido mais difícil nas
áreas de floresta de produção de eucalipto.
No que respeita à faixa de proteção de aglomerados populacionais, verificou-se que a sua
execução (ainda que a sua dimensão não cumpra, na larga maioria, a exigida legalmente e
definida no PMDFCI que impõe uma largura não inferior a 100 metros) parece ter permitido
reduzir eficazmente o impacto direto da propagação do fogo, embora o maior risco se encontre
associado a projeções sobre a cobertura dos edifícios e em matéria combustível junto a estes,
resultantes principalmente da combustão de eucalipto.
A execução e manutenção da Rede Secundária de FGC obriga a um grande esforço financeiro.
No entanto, esta rede é estabelecida com o fim de reduzir o impacto do fogo nas infraestruturas,
pela redução da intensidade do fogo e da radiação, ou seja, não impede a propagação,
principalmente numa paisagem com modelos de combustível que permitem a propagação por
projeções. Tal aspeto verifica-se na rede executada e mantida pelo município de Mação, onde a
propagação deste incêndio não ficou confinada nas infraestruturas de DFCI criadas nos últimos
dois anos tendo, porém, reduzido a gravidade do seu impacto.
Em geral, as infraestruturas lineares de DFCI, mesmo as incluídas na Rede Primária, têm
demonstrado pouca eficácia em incêndios de maior intensidade, principalmente em paisagens
de terreno complexo e modelos de combustíveis que permitem propagações por projeções.
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Figura 9. Rede Secundária de FGC do Município de Mação executada/mantida entre 2018 e 2019 (antes do incêndio) (em cima) e traçado da Rede Primária de FGC (em baixo) com indicação dos eixos preferenciais de propagação do incêndio obtidos por simulação. Fonte: Município de Mação 2019.
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Como no caso de incêndios anteriores e já analisados por este Observatório, conclui-se que a
existência destas faixas, mesmo as da Rede Primária, não consegue condicionar, de forma
passiva, o alastrar da área ardida em incêndios desta intensidade e dimensão. A eficácia da
Rede Primária é, portanto, essencialmente função da sua utilização nas operações de combate.
3.3 A meteorologia
A influência das condições meteorológicas na propagação de qualquer incêndio é fundamental.
A variável sempre mais evidente é a temperatura do ar. Neste caso, as temperaturas
apresentaram um padrão típico de dias bastante quentes de verão, com valores máximos a
excederem os 35oC, à tarde, mas com arrefecimento noturno acentuado com valores mínimos à
volta dos 15oC, no início da manhã. A flutuação das temperaturas acompanha a variação da
radiação solar. Em dias nublados de menor radiação solar à superfície, como nos dias 25 a 27
de julho, as temperaturas máximas desceram para valores inferiores aos 30oC (Figura 10).
Figura 10. Evolução da radiação solar e da temperatura do ar entre 20 e 31 de julho de 2019 em períodos de 30 minutos. Fonte: Dados IPMA referentes às médias das estações meteorológicas de Alvega (01210812) e de Tomar/Vale Donas (01210724) para radiação solar e dados individuais das duas estações do IPMA e da estação de Cardigos, fornecidos pela CM Mação para temperatura do ar.
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A humidade relativa do ar e, em consequência, a humidade dos combustíveis finos mortos, varia
tipicamente de forma oposta à da temperatura do ar. A estimativa da humidade dos combustíveis
finos mortos fez-se a partir do modelo de base física de Anderson et al. (2015) que inclui o efeito
da radiação solar, normalmente desprezado.
Nos três primeiros dias, de dia 20 a 23, a humidade relativa do ar variou entre um mínimo entre
os 20% e os 40%, ao meio da tarde, a um máximo de cerca de 90%, durante a noite. Os valores
mínimos e máximos correspondentes para os teores de humidade dos combustíveis finos são
de cerca de 7,5% e de 20%, respetivamente (Figura 11).
Figura 11. Evolução das humidades do ar e dos combustíveis finos entre dia 20 e dia 31 de julho em períodos de 30 minutos. Dados IPMA referentes às estações meteorológicas de Alvega (01210812) e de Tomar/Vale Donas (01210724) e dados da estação de Cardigos, fornecidos pela CM Mação.
O terceiro, e seguramente o mais difícil de prever, dos fatores meteorológicos de propagação, é
o vento, que varia temporalmente e espacialmente na sua velocidade e na sua direção. Por esta
razão os dados são apresentados separadamente para as duas estações do IPMA mais
próximas do incêndio, as de Alvega e de Tomar/Vale Donas e também para a estação de
Cardigos, no interior do perímetro do incêndio.
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Também aqui se nota uma clara flutuação diurna, com os maiores picos de velocidade a ocorrer
nos períodos de tarde, com velocidades médias entre os 15 km/h e os 20km/h, e velocidades
máximas não excedendo os 40 km/h, decrescendo acentuadamente a partir do início da noite
até ao início da manhã nos três primeiros dias. De registar que nas estações de Alvega e
Cardigos as velocidades médias do vento durante a noite nos primeiros três dias foram até
inferiores a 10 km/h (Figura 12).
Na mesma Figura 12 pode observar-se que, sempre que se observou vento com velocidade
significativa, houve predominância de ventos de Noroeste a Norte (315o-360o) na estação de
Tomar/Vale Donas e de Sudoeste a Noroeste (225o-315o) nas estações de Alvega e Cardigos.
Figura 12. Evolução da velocidade média e direção média do vento em períodos de 30 minutos) ao longo dos
dias 20 a 31 de julho de 2019. Fonte: IPMA para as estações de Alvega e Tomar e CM Mação para os dados de
Cardigos.
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De notar que a direção do vento foi também diferente em superfície e em altitude, como se ilustra
para a tarde do dia 20 de julho (Figura 13). Enquanto em superfície foram dominantes os ventos
fortes de Noroeste, em altitude foram os ventos moderados de Oeste e Sudoeste os dominantes.
Figura 13. Perfil vertical dos ventos dominantes na tarde de dia 20 de julho (esquerda) com a rosa dos ventos à
superfície (em cima à direita) e em altitude (em baixo à direita). Fonte: NOAA Air Resources Laboratory.
Serão possivelmente estes diferentes padrões de vento que justificarão as formas pouco comuns
de dispersão das plumas de fumo dos incêndios de Vila de Rei – Mação e da Sertã durante a
tarde do dia 20 que se observam na Figura 14.
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Figura 14. A evolução das colunas de fumo dos incêndios de Vila de Rei – Mação e da Sertã entre as 16:15 e as
19:00 de dia 20 de julho de 2019. Fonte: Meteogalicia.
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4. O incêndio
4.1 A deteção
O alerta da ocorrência do incêndio em análise deu-se às 14:50 (hora local) do dia 20/07/2019,
com origem na freguesia da Fundada, num local com uma cota muito baixa, entre os 150 e os
200 metros, e por isso com pouca visibilidade a partir de infraestruturas de vigilância fixa.
A ignição que deu origem ao incêndio em análise foi registada como tendo sido detetada por um
Posto de Vigia e sendo a Rede Nacional de Postos de Vigia o instrumento mais estruturante da
deteção, importa saber de que modo esta Rede pode dar resposta adequada na deteção de
incêndios como o que aqui se analisa.
O território incluído no perímetro final deste incêndio é coberto por sete postos de vigia da Rede
Nacional de Postos de Vigia:
1. Posto de Vigia de Casal Madalena, Sertã (PV 36-05)
2. Posto de Vigia de Cabeço Rainha, Sertã (PV 36-06)
3. Posto de Vigia de Vergão, Proença-A-Nova (PV 36-07)
4. Posto de Vigia de Chão Galego, Proença-A-Nova (PV 36-08)
5. Posto de Vigia de Bando dos Santos, Mação (PV 36-09)
6. Posto de Vigia de Castelo Velho, Mação (PV 36-10)
7. Posto de Vigia de Pombeira, Ferreira do Zêzere (PV 56-06)
A análise das bacias de visibilidade a partir dos 7 Postos de Vigia da Rede Nacional que cobrem
a área do incêndio (Figura 15) indica que uma ampla extensão desse território se encontra em
zonas sombra, isto é, zonas em que ocorrendo um incêndio este só será visível quando a coluna
de fumo atingir uma altura considerável que permita a sua deteção.
O posto de vigia mais próximo do local da ocorrência é o PV 36-05, Casal Madalena, situado na
União de Freguesias de Cernache Bonjardim, Nesperal e Palhais, a cerca de 7km e a uma cota
aproximada de 480 metros. Segue-se o PV 56-09, Pombeira, situado na Freguesia de Ferreira
do Zêzere, o qual dista cerca de 8 km do local da ocorrência e se encontra a uma cota de 420m.
Em terceiro lugar encontra-se o PV 36-07, Vergão, situado na União de Freguesias de Proença-
a-Nova e Peral, a cerca de 15km e a uma cota de 630m. Apesar da sua maior proximidade, estes
três postos de vigia não apresentam capacidade para deteção visual de uma ocorrência no local
até que a coluna convectiva atingisse cerca de 150 a 200 metros de altura.
Os restantes postos de vigia situam-se a distâncias superiores a 20km: PV 36-10, Castelo Velho,
Freguesia de Envendos (36km de distância, 430m de altitude), PV 36-08, Chão Galego,
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Freguesia de Montes da Senhora (34km, 610m altitude), PV 36-06, Cabeça Rainha, União de
Freguesias de Ermida e Figueiredo (24km, 1060m de altitude) e PV 36-09, Bando dos Santos,
na União de Freguesias de Mação, Penhascoso e Aboboreira (23km, 640m elevação). No
entanto, independentemente da distância e da altitude, nenhum dos postos de vigia permitiria
detetar diretamente o fogo antes da coluna convectiva se encontrar a 150-200 metros de altura
do solo.
Figura 15. Bacias de intervisibilidade dos Postos de Vigia da Rede Nacional na área do incêndio de Fundada.
Fonte: ICNF, 2019.
A dificuldade de visibilidade direta deste incêndio a partir dos Postos de Vigia deve-se ao facto
de este ter ocorrido num local de cota baixa e numa zona de relevo complexo, muito recortada
por uma sucessão de ravinas e vales encaixados, marcadamente definidos pelo Rio Isna e
Ribeiras de Vilar, de Bostelim e de Tamolha, com uma sucessão de elevações na linha de visão
entre os diversos postos de vigia e o local de ocorrência. A topografia do local foi já detalhada
neste Relatório.
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Para além da complexidade do terreno, importa destacar que a deteção pode ter sido prejudicada
pela existência de fumo de outros incêndios. A deteção do incêndio de Fundada pela Rede
Nacional de Postos de Vigia foi precedida pela deteção pela mesma Rede de outro incêndio, três
minutos antes, às 14:47, no local de Rolã, concelho da Sertã, o que poderia ter afetado a deteção
do incêndio da Fundada.
É de realçar a quase simultaneidade das duas ocorrências, sendo que o incêndio de Rolã, Sertã
afetou apenas 237ha de área ardida, mas envolveu um conjunto significativo de meios, o que
teve consequências negativas no combate ao incêndio de Fundada, como adiante se discutirá.
A deteção de incêndios é matéria que deve ser incluída nos Planos Municipais de Defesa da
Floresta Contra Incêndios (PMDFCI), independentemente dos postos de vigia da Rede Nacional
se encontrarem, ou não, na área do respetivo município.
O Plano Municipal de Defesa da Floresta Contra Incêndios (PMDFCI) do concelho de Vila de
Rei, aprovado em 2017 e em vigor até 24/08/2022, não apresenta qualquer caracterização sobre
a vigilância fixa e os seus limites, ou propostas de melhoria com ações concretas
complementares, reduzindo-se a matéria a uma simples consideração a remeter para um mapa
em que se encontram “as bacias de visibilidade associadas aos postos de vigia e Locais
Estratégicos de Estacionamento”.
No concelho de Mação, o respetivo PMDFCI, aprovado em 2014 e em vigor até 03/12/2020,
refere a Rede Nacional de Postos de Vigia, registando algumas dificuldades no seu
funcionamento e apresentando medidas concretas implementadas: “No concelho de Mação
existem dois postos de vigia pertencentes à Guarda Nacional Republicana (SEPNA), que fazem
parte da Rede Nacional de Postos de Vigia (RNPV) o PV de Apolo 14.8 antigo (PV 36 – 09) e o
PV de Apolo 14.9 antigo (PV 36 – 10). No entanto, nos últimos anos, estes dois postos de vigia
têm demonstrado alguma inconstância no funcionamento, sendo irregular a sua data de abertura.
A morosidade do processo de deteção e comunicação de um foco de incêndio a partir destes
postos de vigia impedia que a atuação dos meios de 1ª intervenção municipais fosse a mais
eficaz”. Assim, “com o objetivo de melhorar a estratégia de proteção contra os incêndios
florestais, intentando aumentar as zonas de visibilidade a partir destas infraestruturas e colmatar
as deficiências de sincronização entre o sistema nacional de vigilância e o sistema municipal, a
Autarquia tinha colocado, estrategicamente, 3 postos de vigia adicionais, Santo António, Bando
do Codes e Degolados, que funcionavam entre as 8h e as 22h e que constituíam a Rede
Municipal de Vigilância Fixa. A localização destas infraestruturas obedeceu a fatores de
visibilidade e alcance visual para que, em conjunto com os 2 postos de vigia da Rede Nacional,
se reduzissem as áreas de sombra”.
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Segundo os PMDFCI dos concelhos de Vila de Rei e Mação, a vigilância fixa é complementada
por vigilância móvel e pela localização de equipas de Sapadores Florestais em Locais
Estratégicos de Estacionamento.
Da visita ao terreno e análise por parte do Observatório sobre o local de início, é considerada
muito provável a hipótese de causa intencional, em concordância com o que já consta no SGIF.
Parecendo provável a hipótese de incendiarismo como causa das ocorrências da Fundada e da
Rolã, estas estão em averiguação por parte da Polícia Judiciária, que produzirá o correspondente
relatório depois de ultrapassado o presente estado de segredo de justiça. O grupo de trabalho
“Redução das ignições em espaço rural, reforço da sensibilização, da vigilância e da
investigação”, ao abrigo do Protocolo de Cooperação Institucional entre PJ, GNR, ICNF, AGIF e
ANMP, adiantou, no mesmo sentido, que ambos os incêndios têm origem humana e intencional
tendo havido a respetiva recolha da prova material do meio de ignição utilizado.
4.2 As fases do incêndio
A evolução do incêndio pode ser acompanhada por diversas formas, em particular por imagens
de satélite (Figura 16).
Figura 16. Evolução do incêndio de Vila de Rei e Mação registadas em imagens diárias do satélite Sentinel 3
desde o dia 21 ao dia 24 de julho de 2019.
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A partir da análise destas imagens e de informações adicionais foi possível produzir uma
cartografia da progressão do incêndio (Figura 17).
Figura 17. Evolução do incêndio de Fundada (Vila de Rei – Mação) com base nos sensores MODIS e VIIRS e
imagens satélite.
Do ponto de vista do combate, as fases do incêndio são definidas de forma diferente. O combate
a um incêndio florestal ou rural das dimensões do de Fundada passa necessariamente por
diversas fases que estão definidas nas diretivas operacionais e detalhadas no relatório do
Observatório de Avaliação do incêndio de Monchique em 2019.
O combate inicia-se com uma fase de Ataque Inicial (ATI), de duração máxima de 90 minutos, a
partir do qual se inicia a fase de Ataque Ampliado (ATA), que termina no momento em que o
incêndio é dado como dominado (em resolução), altura em que se inicia a fase de rescaldo para
prevenir reativações. Depois do incêndio ser declarado extinto (em conclusão), segue-se uma
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fase de vigilância para prevenir reacendimentos até que a ocorrência seja definitivamente
considerada como encerrada.
O número de operacionais e de meios envolvidos no combate acompanha tipicamente as
diversas fases. Durante o ataque inicial o número de meios e operacionais aumenta rapidamente
e continua a aumentar até ao incêndio ser dado como dominado, altura em que os meios vão
progressivamente diminuindo até ao incêndio ser dado como extinto, havendo um período mais
ou menos longo de vigilância de modo a evitar reacendimentos até ao encerramento definitivo
da ocorrência.
A evolução do número de operacionais e meios envolvidos no incêndio de Fundada nas diversas
fases está representada na Figura 18.
Figura 18. Evolução do número de operacionais (linha vermelha) e meios (linha azul) mobilizados durante as
diversas fases do incêndio de Fundada (Vila de Rei-Mação) desde o dia 20 de julho ao dia 1 de agosto de 2019.
Gráfico produzido a partir dos dados SADO fornecidos pela ANEPC.
Importa agora relacionar essas diferentes fases com as condições meteorológicas em que
ocorreram. Os índices do sistema Canadiano de maior utilização, o FWI (Fire Weather Index) e
o ISI (Initial Spread Index) integram os diferentes fatores meteorológicos e dão uma indicação
global do perigo meteorológico do incêndio. A evolução horária destes índices para o incêndio
da Fundada foi calculada pela equipa da Faculdade de Ciências da UL e é apresentada na Figura
19, em relação com as diversas fases do combate.
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Figura 19. A evolução horária do perigo meteorológico de incêndio a partir dos índices Canadianos FWI e ISI.
Fonte: Cálculos da FC, UL.
A evolução do comportamentodo fogo pode também ser ilustrada pela sua Potência Radiativa
(FRP), medida em megawatts (MW), ao longo dos dias em que o incêndio esteve ativo. Esta
análise foi efetuada de modo semelhante à do incêndio de Monchique pela equipa da FC liderada
por Carlos da Câmara, reproduzindo-se os resultados na Figura 20.
Figura 20. Potência Radiativa do Incêndio (FRP) em MW, desde o início do incêndio, no dia 20 até ao seu final.
Fonte: Meteosat MSG dados fornecidos por Carlos da Câmara (FC, UL).
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A análise da Figura 20 permite perceber a grande variabilidade do comportamento do fogo ao
longo do tempo.
Na fase de ataque inicial e nas primeiras horas do ataque ampliado assiste-se a um aumento
muito brusco da energia do incêndio correspondendo à progressão rápida com efeito conjugado
dos diferentes fatores, topografia, combustível e vento.
De seguida ocorreu um decréscimo muito acentuado da potência radiativa e do perigo
meteorológico, a partir da meia-noite de dia 20 até ao início da manhã de dia 21, correspondendo
a temperaturas de ar mais baixas (15oC), humidades do ar elevadas (80-90%) e vento mais fraco
(5-10 km/h).
Nos dias 21 e 22 observam-se oscilações do mesmo tipo, mas com valores altos de potências
radiativas menos prolongados, chegando ao zero (incêndio próximo de inativo) entre a meia-
noite e o princípio da manhã de dia 22 e dia 23, respetivamente.
A partir das 13:00 de dia 23 e até ao final de dia 24 o incêndio encontra-se em fase de rescaldo
com duas pequenas reativações.
A partir de dia 25 de julho o incêndio entra em fase de vigilância até às 19:30 do dia 1 de agosto,
tendo-se justificado esta duração evitando assim o desenvolvimento de reacendimentos.
4.3 O Combate
Iremos de seguida tratar separadamente cada uma das fases do combate no incêndio em
análise. Não incluímos neste documento a descrição detalhada das diferentes fases definidas no
sistema de gestão de operações que foi já devidamente circunstanciada no relatório de avaliação
do incêndio de Monchique em 2018.
4.3.1 O Ataque Inicial
O alerta do incêndio em análise, dando origem à ocorrência 2019050022178 – Fundada – Vilar
do Ruivo, concelho de Vila de Rei, distrito de Castelo Branco, foi registado às 14:50 horas do dia
20 de julho de 2019. De acordo com o relatório especial de grandes incêndios do Comando
Distrital de Operações de Socorro (CDOS) de Castelo Branco, bem como da análise da fita de
tempo associada à ocorrência já referida, foi registado o ponto de início na coordenada SIRESP
Latitude: 39º 45.0194’N e Longitude: 8º 10.5676’W, que dista 189 metros da Estrada Municipal
534, localizando-se, no entanto, junto a caminho de terra batida.
Depois do alerta às 14:50, o primeiro despacho de meios para o local da ocorrência foi às 14:51,
quando foi mobilizado um veículo florestal de combate a incêndios (VFCI03) do Corpo de
Bombeiros (CB) de Vila de Rei. Este veículo tinha sido já mobilizado às 14:48 para o incêndio
iniciado em Rolã e encontrava-se perto do local de origem do incêndio de Fundada o que permitiu
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que chegasse ao teatro de operações às 15:02, ou seja, 12 minutos após o alerta.
A rapidez da primeira intervenção é elemento essencial do sucesso do combate e a sua análise
foi objeto de anterior Estudo Técnico específico por parte deste Observatório. Nesse estudo
também se referia a dificuldade ou impossibilidade física de que a intervenção fosse feita em
menos de 20 minutos com meios terrestres em zonas de topografia complexa e estradas
sinuosas, como é o caso.
Numa simulação para aquela zona dos tempos de chegada a partir dos quartéis de bombeiros e
utilizando a metodologia do Estudo Técnico referido, conclui-se que o tempo de chegada
expectável seria entre os 20 e 30 minutos (Figura 21). Neste caso, como descrito, os tempos
registados de chegada foram inferiores ao expectável, o que se destaca positivamente.
Figura 21. Estimativa dos tempos de primeira intervenção na área do incêndio de Fundada. Para o local provável
de início o valor estimado do tempo de primeira intervenção é superior a 20 minutos (20 a 30 min) considerando
a saída de meios terrestres dos quartéis de bombeiros.
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Às 15:00 o Comandante do CB de Vila de Rei assume a função de COS (Comandante das
Operações de Socorro) e logo às 15:01 faz o seguinte Ponto de Situação (POSIT) para o CDOS:
“Informa Incêndio a arder com grande intensidade em zona de pinhal e eucaliptal. Meios no local
são insuficientes. Solicita reforço de meios terrestres e aéreos para o local.” Às 15:04 a
ocorrência é partilhada com o CDOS de Santarém, atendendo à mobilização de meios deste
distrito nomeadamente dos CB de Abrantes e Vila Nova da Barquinha, que em rigor e de acordo
com o relatório de ocorrência não chegaram ao teatro de operações.
O meio aéreo de ATI mobilizado para o teatro de operações à hora do alerta foi o meio aéreo
médio com o indicativo HEBM 48, ativado a partir do Centro de Meios Aéreos (CMA) do Sardoal
que chega ao teatro de operações às 15:15.
Até às 15:30 chegaram ao teatro de operações mais sete meios terrestres, quatro do CB de Vila
de Rei, dois da Unidade Especial da GNR e uma equipa de sapadores florestais do ICNF.
Assim podemos considerar que o conceito instituído de triangulação não foi cumprido através de
três meios terrestres de combate de três CBs diferentes. Até às 16:20, tecnicamente o fim do
ATI, só estavam presentes no teatro de operações meios dos CB de Vila de Rei e um meio do
CB do Fundão. No entanto, num conceito mais lato de triangulação, estiveram presentes três
entidades diferentes (bombeiros, GNR e sapadores florestais) e um meio aéreo de ATI,
cumprindo assim a triangulação, no conceito mais abrangente que defendemos.
Ainda durante a fase de ataque inicial regista-se a mobilização, a partir das 15:35, de um grupo
de ATA da FEPC-Nacional que entra no teatro de operações às 15:53, ou seja, ainda dentro
desta fase de ATI.
Quanto a meios aéreos, adicionalmente ao meio aéreo de ATI já referido (HEBM 48), foi
solicitada pelo POSIT do Comandante do CB de Vila de Rei a mobilização adicional de meios às
15:01, foram mobilizados a partir do CMA de Ponte de Sôr dois meios aéreos de asa fixa, aviões
médios de combate, que entram no teatro de operações às 15:55, ou seja mais de uma hora
após o alerta.
Atendendo às circunstâncias poderemos reconhecer que as decisões tomadas poderiam ter sido
outras, caso fosse considerada a possibilidade de mobilizar um segundo meio aéreo de ATI de
asa rotativa, atendendo que a freguesia afetada está referenciada como freguesia prioritária, e
por isso apresentando um risco potencial significativo.
A questão da gestão de meios de combate para o ataque inicial foi levantada na audição ao
Comandante Operacional Distrital (CODIS) de Castelo Branco, tendo sido apresentada a
justificação da simultaneidade de outros dois grandes incêndios no distrito, ambos no concelho
da Sertã (Rolã e Mosteiro de São Tiago, talvez o de Catadinha iniciado às 15:01), os quais
registaram o seu início perto da hora do incêndio em análise, tendo-se verificado dificuldade no
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reforço de meios provenientes do distrito de Castelo Branco, causada pela elevada dispersão de
meios afetos a esses mesmos incêndios.
Justifica-se, então, verificar a questão invocada da simultaneidade. O SGIF indica que na altura
da deteção do incêndio de Fundada (Vila de Rei), às 14:50, estavam ainda ativos cinco outros
incêndios iniciados no mesmo dia nos distritos de Castelo Branco e Santarém (Quadro 1).
Quadro 1. Incêndios iniciados no dia 20 de julho de 2019, e ainda não encerrados antes do início do
incêndio de Fundada. Fonte: ICNF, SGIF.
Distrito Concelho
Fonte
Alerta
Hora início
Hora da
primeira
intervenção
Dia e hora do fim
da ocorrência
Castelo
Branco
Castelo
Branco Populares 1:13 1:57 21/7/19 21:15
Castelo
Branco Oleiros 112 11:04 11:04 23/7/19 12:50
Santarém Abrantes PV 14:17 14:26 20/7/19 15:21
Santarém Tomar 112 14:32 14:43 20/7/19 16:10
Castelo
Branco Sertã (Rolã) PV 14:47 14:56 3/8/19 22:05
Castelo
Branco
Vila de Rei
(Fundada) PV 14:50 15:02 1/8/19 19:30
Registe-se que pouco depois do início do incêndio da Fundada se iniciam, no distrito de Castelo
Branco, o incêndio no local da Catadinha, na união de freguesias de Ermida e Figueiredo,
concelho da Sertã, às 15:01, e outro às 15:11 no local Alto da Azinheira, freguesia de Oleiros-
Amieira, concelho de Oleiros. O número de ocorrências registadas por hora até ao final do dia
20 de julho nos distritos de Castelo Branco e Santarém e no total do Continente pode ser
observado na Figura 22.
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Figura 22. Evolução horária do número de ocorrências no dia 20 de julho de 2019 nos distritos de Castelo Branco
e de Santarém, mostrando o número total de ocorrências no continente. Fonte: ICNF, SGIF.
Da análise do Quadro 1 e Figura 22 conclui-se que as ocorrências nos distritos de Castelo Branco
e Santarém não foram muito numerosas (em comparação com anos anteriores) representando
naquele dia quase metade do total das ocorrências registadas no Continente (também em
número baixo, em comparação com o histórico).
Apesar do número reduzido de incêndios simultâneos no País, confirma-se que havia, na altura
do alerta, três outros incêndios ativos no distrito de Castelo Branco, entre os quais o de Roçã,
na Sertã, e outros dois que se iniciaram pouco tempo depois, o que teve implicações na afetação
de recursos ao incêndio de Fundada.
Tendo o incêndio continuado a propagar-se e apesar de não ter sido esgotado o tempo previsto
para o ATI, o COS, com novo POSIT às 15:33, antecipou a necessidade de meios de reforço
previstos para a fase de ataque ampliado (ATA), tendo sido acionado um Grupo de Reforço para
Incêndios Florestais (GRIF) do distrito de Portalegre, e de um GRIF da Força Especial Proteção
Civil (FEPC) que, entretanto, tinha sido desmobilizado de uma outra ocorrência. O GRIF de
Portalegre entrou no Teatro de Operações (TO) às 17:45 e o GRIF da FEPC às 15:53.
Apesar de alguma capacidade de mobilização na fase inicial, esta terá sido eventualmente
comprometida pela falta de um segundo meio aéreo de ATI, fase em que a sua intervenção se
reveste como fator determinante. Devido a estes fatores, o ATI não se traduziu em resultados
objetivos, atendendo à evolução do incêndio, e este passou à fase de ataque ampliado
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4.3.2 O Ataque Ampliado
Operacionalmente, o incêndio de Fundada passou à fase de ataque ampliado (ATA) às 16:20
horas do dia 20 de julho de 2019. No Relatório de Primeiras Impressões a este incêndio,
elaborado pelo Comandante Operacional Distrital de Castelo Branco, constata-se que bem antes
desta hora já os procedimentos relativos a esta fase estavam a ser tomados, o que se regista
positivamente, pois foi rapidamente percebido que o incêndio não iria ser resolvido na fase de
ATI.
Às 19:53 do dia 20 de julho a fita de tempo regista o seguinte: “CDOS STR – Comandante do
CBV Mação informou que o incêndio entrou no distrito de Santarém, concelho de Mação na
localidade de Azinhal.” Apesar de ter entrado num concelho e distrito diferentes, o COS, sendo
responsável por todo o incêndio, teria de gerir de forma estratégica, através da implementação
do seu Plano Estratégico de Ação (PEA), todos os meios colocados à sua disposição para
resolver a situação de forma coordenada, independentemente do atravessamento de diferentes
territórios administrativos.
Duas horas após este POSIT, concretamente às 22:00, assumiu a função de COS o Comandante
Operacional Distrital de Santarém, identificando a partir deste momento a necessidade de
mobilização de mais meios e de alinhar a estratégia com a situação atual, sendo que o setor de
Vila de Rei fazia parte integrante deste incêndio.
Os diferentes POSIT retratavam uma cada vez maior preocupação com aldeias na linha de
progressão do incêndio, casas em perigo e frentes de fogo muito ativas, o que levou
sucessivamente a uma solicitação ao Comando Nacional de um conjunto significativo de meios,
pedidos esses que iam sendo correspondidos na medida do possível, levando a que no total,
neste TO, fossem empenhados 18 grupos de reforço, 2 Companhias de ATA, 3 equipas de Posto
de Comando e 3 equipas de Análise e Uso do Fogo. Foram ainda mobilizadas 9 máquinas de
rasto.
A significativa mobilização de reforço de meios nesta fase do ATA (meios aéreos pesados e
grupos de reforço) foi conseguida através de um processo de balanceamento de meios
intradistritais de socorro e apoio terrestres, por despacho do CDOS, e/ou de meios interdistritais
ou nacionais terrestres e aéreos, por despacho do CNOS.
Apesar disso, importa referir que a mobilização de meios acabou por não corresponder à fase
de maior necessidade, isto é, estima-se que nas primeiras 16 horas do incêndio a área afetada
foi cerca de 65% do total da área ardida deste incêndio que durou 3 dias a ficar dominado e 5
dias até ser extinto. Embora alguns dos meios estivessem mobilizados, a sua entrada no teatro
de operações teve que ter em conta os diversos tempos de deslocação, que são diferentes a
partir das suas origens, o que releva que na fase mais crítica a falta de disponibilidade destes
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meios foi francamente notada. Ao longo da duração do incêndio este foi ficando confinado por
um maior dispositivo, mas também pela área ardida de 2017, que concorreu de forma decisiva
para limitar a extensão do incêndio.
4.3.2.1 A intervenção dos Meios Aéreos
A supressão do incêndio de Fundada, cuja área ardida ultrapassou os 9 mil hectares, envolveu,
no total, 1946 operacionais e 703 meios (aéreos e terrestres). A alocação de meios aéreos a este
incêndio poderá ter comprometido a obtenção de resultados mais favoráveis, o que foi justificado
pela circunstância do resto do país ter registado alguma simultaneidade em ocorrências desta
tipologia, o que felizmente não foi a regra ao longo do ano.
No dia 20 de julho, entre o ATI e o ATA, os meios aéreos mobilizados para esta ocorrência foram
os seguintes:
CMA TIPOLOGIA CHEGADA TO SAIDA TO DURAÇÃO TO
SARDOAL HEBM48 15:15 16:20 1:05
PONTE SOR AVBM09 15:55 17:00 1:05
PONTE SOR AVBM10 15:55 20:18 4:23
BEJA AVBM23 18:00 19:45 1:45
BEJA AVBM24 18:00 19:45 1:45
Constata-se assim que após 25 minutos de incêndio houve um meio aéreo em combate, durante
40 minutos, em rigor até às 15h55. Depois das 15:55 e até às 16:20, ou seja, durante 25 minutos,
estiveram três meios aéreos a intervir. A partir das 17:00 (deduz-se, por inoperacionalidade do
AVBM09) ficou um só meio aéreo a atuar até às 18:00. A partir desta hora e até às 19:45
estiveram a atuar 3 meios aéreos, coincidindo esta fase com o período de desenvolvimento mais
agressivo do incêndio. De referir que, neste primeiro dia, atuaram estes 5 meios, sendo quatro
da mesma tipologia, (aviões médios anfíbios tipo Fire Boss) e um helicóptero médio.
No segundo dia desta ocorrência, 21 de julho, pelas 8:00 procedeu-se a uma mobilização em
modo de Task Force, de 11 meios aéreos, mobilizados a partir dos CMA de Castelo Branco (2),
Proença-a-Nova (2), Ponte Sôr (3), Lousã (1), Viseu (2) e AFOCELCA Caniceira (1),
compreendendo diferentes tipologias, meios de asa fixa pesados e médios, e de asa rotativa
ligeiro, e meios de coordenação e reconhecimento.
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Esta foi uma prática que se verificou ao longo do ano de 2019, ou seja, uma mobilização
musculada de meios aéreos, com alguns resultados positivos. Esta prática só é possível quando
não se regista simultaneidade e quando o número de ocorrências diárias é pouco significativo,
pois se assim não for correm-se riscos de desguarnecer a cobertura de algumas áreas do nosso
território.
No caso em apreço a estratégia não teve o sucesso pretendido, atendendo que um
empenhamento simultâneo de meios aéreos com tipologias e autonomias semelhantes
concorreu para a sua desmobilização igualmente simultânea, proporcionando largos períodos
em que não houve meios aéreos disponíveis para empenhar no teatro de operações.
Constatamos na fita de tempo às 15:55 do dia 21 de julho o seguinte POSIT: “CMDT setor Charlie
informa reativação a arder com intensidade na zona de Sesmarias em direção ao Centro de
Acolhimento de São João do Peso, solicita meio aéreo pesado. PCO informa que neste
momento, está a aguardar autonomia de meios aéreos. Pois neste momento não se encontra
nenhum a atuar no TO”.
Ora, às 15:55 do dia 21 de julho o incêndio estava ainda na sua fase de desenvolvimento, não
se encontrando nenhum meio aéreo a atuar neste teatro de operações. Parece que, no
planeamento para o empenhamento de meios aéreos pesados, cuja gestão pertence ao
Comando Nacional, poderia ter sido melhor acautelada a possibilidade de empenhar meios
aéreos pesados no incêndio em análise.
4.3.2.2 O uso do fogo de supressão
A fita de tempo do incêndio disponibilizada pela ANEPC refere o uso do fogo de supressão por
equipas da FEPC (EAUF, ERAS ou GRUATA) em apenas dois momentos no decorrer do
incêndio: às 21:52 de 20/07/2019, entre a povoação de Relvas para Fundo da Lameira (GRIF 02
FEPC) e às 4:49 de 22/07/2019, na Frente 2 (EAUF 3) (Quadro 2). Registam-se também duas
ações realizadas pela FEPC e 2 pedidos de uso de fogo tático abortados por falta de condições
de segurança e por falta de autorização, nomeadamente no Setor Delta no dia 20 de julho e no
Setor Eco no dia 21 de julho (Quadro 2).
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Quadro 2. Registos sobre fogo tático entre os dias 20 e 23 de julho de 2019 no incêndio de Fundada.
Fonte: Relatório de Ocorrência 2019050022178-Incêndio de Fundada (Vila de Rei-Mação) - ANEPC.Não
se obtiveram relatórios de cada registo. Elaboração própria do Observatório.
À semelhança de outros incêndios com comportamento topográfico, à exceção das primeiras 12
horas em que houve um domínio do vento, o desenvolvimento do fogo foi controlado
essencialmente pelo declive e rugosidade do terreno, exposição das encostas e ventos locais,
ou seja, a sua intensidade e direção variaram ao longo do tempo, com “arranques” previsíveis, o
que facilita a análise antecipada da sua propagação potencial. Nestas circunstâncias, o uso do
fogo tático e o contrafogo podem ser essenciais na limitação da propagação.
Em termos globais, e tanto quanto é permitido concluir a partir da informação disponibilizada,
tanto o uso como o impacto das operações de fogo de supressão neste incêndio foram muito
reduzidos.
Continua a verificar-se a falta de registos da estratégia e das manobras planeadas, ainda que
canceladas, assim como das ações executadas e com sucesso, com o rigor exigido para o uso
do fogo de supressão. A limitação do seu uso durante o período noturno nos primeiros dias não
Dia Hora Descrição
20/07/2019 21:52 PCO Fundada informa com autorização do COS, GRIF 02
FEPC a proceder a manobra de fogo tático junto à
povoação de Relvas para Fundo da Lameira.
20/07/2019 22:34 Comandante do setor Delta solicita autorização para fogo
tático tem no local 4 operacionais de queima condições
para efetuar. PCO Autoriza operação
20/07/2019 23:20 Manobra de fogo tático no setor Delta não foi concretizada
devido au aumento de intensidade da frente.
21/07/2019 17:10 Comandante Setor ECO solicita autorização para utilização
de fogo tático, a mesma não foi dada pelo COS.
22/07/2019 04:49 PCO Frente2 > EAUF 3 informa que tem condições para
realizar manobra de fogo tático. Situação validada pelo
COS.
22/07/2019 07:02 PCO Frente2 > GRIF Lisboa vai-se deslocar para o Setor
CHARLIE, para trabalhar em conjunto com EAUF, para
terminarem manobra de fogo tático.
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está explicada, parecendo ter havido boas condições de humidade dos combustíveis e de vento
para esse tipo de intervenção. Talvez a não existência ou a falta de conhecimento de linhas de
defesa que garantissem o uso do fogo de supressão em segurança pudessem ter limitado essa
utilização.
Por outro lado, as decisões sobre o uso do fogo devem cumprir a janela de oportunidade ou a
também designada “etiqueta horária”. Tal como já fora referido em documentos anteriores
elaborados pelo Observatório, a decisão não pode nem deve depender das opiniões dos
elementos com responsabilidades na cadeia de comando que compõem o SGO mas basear-se
na análise estratégica efetuada.
Neste incêndio, comparativamente com outras ocorrências, verifica-se uma mudança positiva no
que concerne a que a tomada de decisão foi da exclusiva responsabilidade do COS, tal como
consta no Artigo 16.º do Despacho n.º 7511/2014, de 9 de junho, que homologa o Regulamento
do Fogo Técnico.
Constata-se assim uma melhor consideração da possibilidade de utilização destas técnicas de
forma mais segura e profissional, mas ainda assim a sua utilização durante os períodos de noite,
com vento mais reduzido e humidades relativas altas foi aparentemente reduzida não
aproveitando adequadamente a janela de oportunidade das condições mais favoráveis nesse
período.
4.3.2.3 O Posto Comando Operacional (PCO)
Importa aqui referir que o Posto de Comando Operacional (PCO) é o órgão diretor das operações
no local da ocorrência, destinado a apoiar o responsável pelas operações - COS - na preparação
das decisões e na articulação dos meios mobilizados para o teatro de operações, garantindo a
máxima coordenação das várias forças presentes.
O PCO é constituído pelas células de planeamento, operações e logística, cada uma com um
responsável nomeado pelo COS, que assume, respetivamente, a designação de oficial de
planeamento, oficial de operações e oficial de logística.
O PCO tem como missões genéricas a recolha e tratamento operacional das informações, a
preparação das ações a desenvolver, a formulação e a transmissão de ordens, diretrizes e
pedidos, o controlo da execução das ordens, a manutenção da capacidade operacional dos
meios empregues, a gestão dos meios de reserva, e a preparação, elaboração e difusão de
informação pública.
O faseamento do Sistema de Gestão de Operações (SGO) está bem definido, ou seja, são
balizados diferentes níveis de desenvolvimento deste sistema, tendo por base os meios
envolvidos. O faseamento do SGO pretende adequar a organização às necessidades
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operacionais e automatizar a evolução da organização e a sustentação das operações,
proporcionando meios e ferramentas de comando e controlo adequados.
Da visita do Observatório ao território afetado, e após reuniões de trabalho em Vila de Rei e
Mação, concluímos que o Posto de Comando em determinado momento foi alterado e a viatura
que lhe dava suporte foi substituída por outra, levando consigo toda a informação disponibilizada
até então. Perante a dificuldade em compreender esta situação, foi-nos referido que a viatura
sediada em Vila de Rei, distrito de Castelo Branco, funciona com o sistema estabelecido e
publicado em Diário da República, o SGO, que é distinto do de Mação, distrito de Santarém, que
opera o sistema “Macfire”. É de difícil aceitação esta argumentação dado que a mesma contraria
o que está legalmente instituído.
Recorda-se que o SGO deriva do Sistema Integrado de Operações de Proteção e Socorro
(SIOPS), sendo o conjunto de estruturas, normas e procedimentos que asseguram que todos os
agentes de proteção civil atuam, no plano operacional, articuladamente sob um comando único,
sem prejuízo da respetiva dependência hierárquica e funcional. Para o efeito, foi adotada uma
doutrina através de simbologia gráfica para permitir que todos quantos interagem num TO
possam facilmente entender as operações em curso, operações futuras e o POSIT a cada
momento. Para o efeito é ministrada formação a todos os elementos de Comando dos CB de
todo o País, bem como é dada formação aos seus subalternos. Esta formação é igualmente
ministrada a outros agentes de proteção civil. Na utilização de novas aplicações, deverá ser
sempre garantida a universalidade e conhecimento de todo o sistema, seja ele o “Macfire” ou
qualquer outro. De qualquer forma, deverá sempre ser aplicado o SGO em vigor.
Atendendo às recentes alterações do SGO, verificou-se que no início da madrugada do dia 22
de julho, com os dois incêndios no concelho da Sertã já dominados, a estratégia de comando da
operação foi alterada, tendo sido para o efeito criados três postos de Comando, um para cada
uma das frentes estabelecidas (Frente I – Concelho de Vila Rei e Frente II – Concelho de Mação)
e um Posto de Comando Diretor. Este assunto suscita uma análise nas recomendações finais.
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Recorda-se nesta fase todos os elementos que assumiram a função de COS neste teatro de
Operações (Fonte: ANEPC):
DIA e HORA NOME COS FUNÇÃO e ORIGEM
20 às 15:00 João Serras Cmdt CB Vila Rei
20 às 22:00 Mário Silvestre CODIS Santarém
21 às 12:00 Francisco Peraboa CODIS Castelo Branco
22 às 01:10 Pedro Nunes CADIS
22 às 21:30 Belo Costa CADIS
24 às 08:30 Pedro Nunes CADIS
25 às 00:01 António Manuel Cmdt CB Abrantes
25 às 09:00 Paulo Ferreira 2CODIS Santarém
26 às 09:56 Pedro Jana Cmdt CB Mação
30 às 15:10 Álvaro Gomes B2 CB Vila Rei
Entre as principais debilidades recorrentemente identificadas em múltiplos relatórios de grandes
incêndios, evidencia-se a ausência de competências no domínio do planeamento operacional
previsto no Sistema de Gestão de Operações (SGO).
No incêndio aqui em apreciação, esta debilidade volta a ser notória, particularmente expressa
nas situações de transição de comando dos COS em funções, em diversas fases da operação.
Para além disto constata-se que as rendições de COS em fases críticas de gestão do incêndio
não foram feitas na janela temporal admissível, para salvaguarda do permanente discernimento
dos detentores de tão relevante função. A título de exemplo importa reter que o COS às 21:30
de 22/7/2019 só transferiu o comando a um outro elemento às 8:30 de 24/7/2019, ou seja, 35
horas depois.
O planeamento tem de ser exercido de forma continuada e sólida, apoiada em ferramentas e
capacidades que suportem uma boa decisão operacional, liberta de descontinuidades
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provocadas pela mudança de COS.
A função de planeamento tem que ser alicerçada em conhecimento, apoiado em ciência, em
tecnologias de apoio à decisão, em técnicos especializados para o efeito e não apenas no
conhecimento empírico adquirido ao longo dos anos.
A informação é, sem dúvida, a chave para um bom plano. Deve-se prever a colocação de meios,
da forma mais eficiente possível, para que se consigam atingir bons resultados, sendo que para
isto é necessário recolha e tratamento das informações obtidas.
Se não existem dois incêndios exatamente iguais, as soluções terão que ser diferenciadas e
adaptadas caso a caso, com base numa análise e avaliação muito criteriosa.
No planeamento, para fazer face a uma ocorrência, nomeadamente de grandes incêndios, é
indispensável que se proceda a uma avaliação sistemática das condições em presença, para se
atingirem os objetivos pretendidos. Tal exige formação, treino e competências, que só podem
ser adquiridas através de uma qualificação diferenciada no âmbito dos incêndios florestais,
orientada para o planeamento e antecipação.
4.3.3 O Rescaldo e a Vigilância após resolução
O incêndio entrou em resolução (dominado) às 13:00 do dia 23 de julho, ou seja, esteve 70 horas
ativo, vindo a entrar em conclusão (extinto) no dia 25 de julho às 00:01, sendo a ocorrência
encerrada às 19:30 do dia 1 de agosto.
Os trabalhos de extinção que sejam planificados devem ser executados em função dos meios e
recursos, bem como da capacidade de executarem esta operação, com vista a atingir os
objetivos dentro de um espaço físico e temporal aceitável, evitando-se a resposta reativa ao fogo,
como sucedeu em diversos momentos deste incêndio.
Não menos importante, é de realçar que as operações de vigilância armada não se devem reduzir
apenas à observação, mas obrigatoriamente têm de considerar o percurso apeado junto das
linhas de controlo, com apoio de ferramentas manuais e água para se impedirem reativações.
Recorda-se aqui que só existem reacendimentos após o incêndio ter sido dado como em
conclusão, sendo que entre a fase de em resolução e a fase de conclusão, o conceito é o de
reativação. Verificaram-se de fato algumas reativações que foram resolvidas com os diferentes
meios afetos a cada sector, contudo as nove máquinas de rasto utilizadas neste teatro de
operações permitiram o sucesso do rescaldo e consolidação mecânica de todo o perímetro,
anulando a possibilidade de reacendimentos.
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4.4 A Segurança das Populações
4.4.1 As ações de prevenção
4.4.1.1 O concelho de Vila de Rei
No concelho de Vila de Rei houve alguma preocupação em realizar tarefas de prevenção das
habitações nos diversos lugares, embora de uma forma menos consistente do que em Mação.
Pelo menos Vilar do Ruivo integrou o programa Aldeia Segura e em algumas outras foram
preparados anéis de limpeza de vegetação na envolvente. Foi feita gestão de combustíveis junto
das habitações nos seguintes lugares: Abrunheiro, Lagoa Cimeira, Fundeira, da Freguesia da
Fundada; e Relva, Casal Formoso, Borreiros e Boa Farinha, da Freguesia de Vila de Rei.
Os residentes começaram a pedir ajuda à Câmara para os ajudar a fazer a gestão de
combustíveis, pelo que a CM passou a prestar apoio na identificação das zonas a intervir e a
disponibilizar os serviços dos seus Sapadores Florestais a um custo mais reduzido aos
moradores do concelho para este efeito (7€/hora, em vez de 10€/hora). Era, além disso permitido
o pagamento fracionado, quando houvesse necessidade.
Em Vila de Rei realizam-se ações de sensibilização num conjunto de aldeias consideradas
prioritárias. A população valoriza o trabalho efetuado com as faixas de gestão.
4.4.1.2 Concelho de Mação
No Concelho de Mação existe, desde 1990, um esforço que se pode considerar como exemplar
a nível nacional, no sentido de uma prevenção geral do território.
Devem ser mencionados os anéis de limpeza da vegetação, com um raio de algumas centenas
de metros, envolvendo cada aldeia, de modo a criar uma faixa de descontinuidade de
combustível com cerca de 20 a 40m de largura, o que permite a circulação de viaturas pesadas
de combate em volta de toda a aldeia. Deste modo consegue-se não apenas aceder à aldeia de
qualquer direção, como defendê-la em relação ao incêndio e também efetuar a evacuação pelo
lado mais seguro. Foram estabelecidos anéis de segurança em torno de 22 aldeias.
O Concelho de Mação tem desenvolvido um programa muito extenso de prevenção com criação
de faixas de combustível ao longo de praticamente todas as vias. Desta forma, embora com os
riscos inerentes, foi possível às viaturas de socorro deslocarem-se de um ponto para o outro
durante o incêndio.
Por outro lado, a CM Mação forneceu cerca de 80 kits de primeira intervenção às suas
populações, mesmo antes de serem lançados os programas Aldeia Segura ou similares. No
Concelho de Mação não existem aldeias integradas no programa Aldeia Segura, mas foram no
total distribuídos kits de primeira intervenção a 122 lugares, aldeias e entidades ligadas à floresta.
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Desta forma, a população dispõe de recursos para efetuar uma primeira intervenção e para ajuda
mútua. Foi-nos referido que, em 2017, residentes de aldeias do Norte do concelho haviam vindo
em socorro de aldeias do Sul, tendo sucedido o contrário em 2019. Graças a estas medidas a
população de Mação não costuma retirar-se da proximidade de suas casas, durante os incêndios,
tendo sucedido o mesmo em 2019.
4.4.2 Aldeias afetadas
4.4.2.1 Concelho de Vila de Rei
No Concelho de Vila de Rei os lugares afetados pelo incêndio foram os seguintes:
Freguesia de Fundada: Vale Ruivo, Lagoa Cimeira e Fundeira, Monte Novo, Fouto, Silveira,
Relva do Boi, Lagoas, Cabeça do Poço.
Freguesia de S. João do Peso: S. J. Peso, Sesmarias, Portela dos Colos, Colos, Algar, Ribeira
do Algar.
Freguesia de Vila de Rei: Vale da Urra, Eira Velha, Salavisa, Ladeira, Aldeia do Couço, Borreiros,
Casal Cimeiro, Relva.
O Concelho de Vila de Rei integra algumas aldeias do programa Aldeia Segura, entre elas Vilar
do Ruivo, com dois oficiais de segurança, um dos quais presente no dia do incêndio. Os
moradores foram conduzidos para a Associação local, onde se reuniram 12 pessoas. O projeto
Aldeia Segura permitiu aos moradores criarem algumas rotinas, mas estes reconhecem que tem
de haver melhoria de procedimentos.
De uma forma geral, em cada aldeia estão disponíveis locais assinalados para os moradores se
refugiarem. Por exemplo, na localidade de Cabeça do Poço, cinco pessoas refugiaram-se na
capela do lugar.
Acresce que foi criado um anel de proteção em volta das aldeias de Abrunheiro Grande e
Pequeno, Lagoa e Monte Novo, na Freguesia de Fundada, Relva, Cabeço Formoso e Borreiros,
na Freguesia de Vila de Rei.
No lugar de Lameiras do Algar, por indicação da CM Vila de Rei e com o apoio dos Bombeiros,
foi retirado um cidadão de naturalidade alemã que corria perigo de vida, pois vivia isolado e
poderia não se aperceber do incêndio.
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Figura 23. Mapa da área percorrida pelo incêndio de Fundada, com indicação das principais localidades afetadas
no concelho de Vila de Rei (em cima) e no concelho de Mação (em baixo).
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4.4.2.2 Concelho de Mação
A CM de Mação tinha alguns autocarros que estavam preparados para retirar as populações,
mas não chegaram a ser utilizados.
A entrada do incêndio no Concelho foi de tal maneira violenta que não permitiu retirar os
habitantes de várias aldeias. Ao todo foram ameaçados 15 lugares e aldeias. Foi ponderado
evacuar algumas delas, em particular os lugares situados na estrada entre Amêndoa e o Cabo,
mas tal não foi possível.
As primeiras aldeias de Mação a ser atingidas foram Azinhal, Azinhalete e Pracana. Em cada
uma delas não haveria mais de dez pessoas.
Registaram-se algumas ações de evacuação de que o Município não teve conhecimento. Entre
elas situam-se os casos de Martinges, Pé da Serra, Robalo e Cabo em que os Bombeiros,
apoiados por militares da GNR e pelos Serviços Sociais da CM, levaram um conjunto de
residentes (7) para a Santa Casa da Misericórdia de Cardigos e para o Lar do Carvoeiro.
A localidade de Sarnadas foi atingida pelo incêndio logo no primeiro dia, entre as 16:00 e as
18:00 horas, tendo havido alguns Bombeiros a protegê-la. No segundo dia o fogo passou 2 vezes
no espaço de 30 minutos. A população é pouca, mas é ativa na luta contra o fogo. S. João do
Peso foi afetada pelas 20:00. O mesmo sucedeu em Cardigos, ao final do primeiro dia, mas o
fogo manteve-se a alguma distância, a oeste da vila. No dia seguinte, devido a duas reativações,
a progressão do fogo acabou por envolver Cardigos também por leste.
4.4.3 Situações especiais
4.4.3.1 Lares de idosos
Houve pelo menos três centros de acolhimento (lares) de idosos nos concelhos de Vila de Rei e
de Mação que estiveram ameaçados pelo incêndio. Apesar de se tratar de um fim-de-semana,
estes centros estavam ocupados, tanto por utentes como por funcionários e familiares.
Foi ponderada a evacuação dos centros com a devida antecedência, alguns utentes foram
mesmo levados pelos seus familiares, mas tratou-se de poucos casos tendo-se tomado a decisão
de manter os utentes. Não se registaram danos pessoais entre os alojados, embora, pelo menos
no caso do Centro de S. João do Peso, o incêndio tenha passado muito perto das instalações.
Tanto o Presidente da CM como o Comandante do CB recomendaram que não se retirassem as
pessoas do Centro. Nesse dia o incêndio manteve-se afastado do Centro, embora tivesse havido
algum desconforto por causa do fumo. O ar condicionado do edifício foi mantido desligado, para
não introduzir fumo no interior.
No dia 21, domingo, ao início da tarde, o fogo esteve muito próximo do Centro. A Junta de
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Freguesia dispunha de um kit de prevenção, mas não dispunham de qualquer viatura para o
transportar, pelo que foi montado noutra viatura particular e utilizado no combate ao incêndio.
Foram ajudados por populares, com duas outras viaturas equipadas com kits, por sapadores
florestais e por Bombeiros do CB de Alter do Chão.
Durante o combate houve um enfermeiro que se sentiu mal e foi atendido por uma enfermeira
do Centro, cujas instalações foram igualmente cedidas para utilização dos Bombeiros.No lugar
de Silveira, Fundada, dos primeiros locais a serem ameaçados pelo incêndio em Vila de Rei,
estavam cerca de 40 pessoas no lar, mas não foram retiradas.Em Sesmarias (Vila de Rei), num
Centro de Dia, estavam cerca de 30 pessoas, mas não se registaram incidentes.
4.4.3.2 Praias fluviais
Os Concelhos de Vila de Rei e de Mação dispõem de várias praias fluviais que são muito
procuradas no Verão, tanto por residentes como por turistas nacionais e estrangeiros. Pelo facto
de terem em geral uma envolvente de vegetação muito densa e de disporem de acessos com
algum grau de dificuldade, constituem sempre um elemento de preocupação para o Comando.
Houve a preocupação em proteger pelo menos as praias de Pego das Cancelas e Penedo
Furado, em Vila de Rei, e de Cardigos, em Mação.
Frequentavam a praia fluvial de Pego das Cancelas, no lugar de Bostelim, próximo da Ponte dos
Três Concelhos (situada no limite entre os concelhos de V. de Rei, Mação e Sertã), algumas
dezenas de pessoas, que foram retiradas logo no início do incêndio, por precaução.
Na praia de Penedo Furado seria mais difícil proceder a uma evacuação uma vez que existe
apenas uma estrada de acesso, mas o fogo não chegou a atingi-la.
4.4.4 Danos pessoais
No que respeita à população, o acidente pessoal mais grave que ocorreu neste incêndio
verificou-se no lugar de Vale da Urra, no dia 20 pelas 21:30. Envolveu um cidadão com 42 anos
de idade que, contrariando as indicações de outras pessoas presentes, tentou retirar um trator
que estava ameaçado pelo fogo. Quando se aproximou do trator foi atingido pelo fogo, tendo
sofrido queimaduras graves, pelo que foi transportado de helicóptero para o Hospital de S. José
em Lisboa.
Quanto aos operacionais, o Relatório do incêndio produzido pela ANEPC refere o registo de
diversas ocorrências com elementos das forças operacionais, direta ou indiretamente
relacionadas com o incêndio e as ações de combate. Nenhuma delas se pode considerar como
sendo grave, tendo ainda assim sido necessário retirar de vários operacionais do TO, tendo
alguns deles sido conduzidos ao hospital, mas não há registo de situações graves.
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5 A recuperação da área ardida
A importância da recuperação de áreas sujeitas a incêndios florestais na manutenção da
produtividade e da diversidade dos ecossistemas e dos serviços por eles proporcionados é
amplamente reconhecida. O processo de recuperação de áreas ardidas em Portugal encontra-
se perfeitamente definido e enquadrado em termos legais, técnicos e administrativos, em
particular no âmbito do Sistema de Defesa da Floresta Contra Incêndios, esperando-se a sua
manutenção no Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais a ser implementado em breve.
Apesar disso, a recuperação de áreas ardidas raramente é implementada em Portugal, facto que
o Observatório tem insistentemente abordado a partir de diferentes perspetivas, quer na
avaliação do sistema nacional de proteção civil (OTI 2018), na avaliação do incêndio de
Monchique de 2018 (OTI 2019) ou no Estudo Técnico sobre Estabilização de Emergência Pós-
Fogo (OTI 2019) publicado recentemente.
No caso do incêndio de Vila de Rei-Mação, parece verificar-se um padrão de desenvolvimento
do processo de recuperação semelhante ao de outros casos, o que avaliamos nesta secção com
base nos dados já disponíveis. Nesta avaliação considerou-se, tal como no incêndio de
Monchique, a recuperação de áreas ardidas no pós-incêndio de acordo com três fases distintas:
estabilização de emergência, reabilitação e intervenção de longo prazo.
5.1 O planeamento para a estabilização de emergência
O ICNF apresentou em outubro de 2019 os procedimentos genéricos para a Estabilização de
Emergência da área ardida analisada neste relatório, vulgarmente designada por incêndio de
Vila de Rei-Mação, mas que inclui também as áreas contíguas de Fundada, Rolã e Marmeleiro
(ICNF 2019). A área considerada neste relatório do ICNF abarcou ocorrências que tiveram lugar
nas mesmas bacias hidrográficas destes concelhos durante o Verão de 2019, embora em
períodos distintos. Parece-nos, portanto, adequado considerar a globalidade da área tratada pelo
ICNF, num total de 10.330 ha, apesar do incêndio de Marmeleiro ter decorrido posteriormente
ao incêndio com a área ardida mais significativa (setembro de 2019). No global, o concelho de
Vila de Rei foi o mais afetado pelos incêndios de 2019, com 18% do seu território queimado,
seguindo-se o concelho de Mação com 13% e, por último, a Sertã com apenas 2%.
O relatório do ICNF (Fundada e Rolã) faz uma caracterização prévia dos incêndios e das áreas
afetadas por distrito, concelho e freguesia e em termos de relevo, hidrografia, uso do solo, regime
cinegético, regime florestal, rede viária, histórico e recorrência de incêndios e severidade do fogo,
de utilidade para o decisor e o público em geral, embora essa informação pudesse ser utilizada
também para a definição de um zonamento da área para priorizar as intervenções de emergência
preconizadas posteriormente no capítulo relativo às medidas de estabilização de emergência. O
relatório inclui ainda um anexo com a compilação de legislação e regulamentação
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Grande parte da área ardida inseriu-se na bacia hidrográfica do rio Zêzere, com especial
incidência no afluente da ribeira da Isna, abarcando já a zona de influência da albufeira da
barragem de Castelo de Bode. A área ardida estendeu-se também a sul pela bacia hidrográfica
do rio Ocreza, especialmente na sub-bacia da ribeira de Pracana. Deve-se acrescentar que a
área ardida é percorrida por numerosas linhas de água temporárias, com grande potencial
erosivo, numa paisagem pouco diversificada onde 95% da ocupação de solo é constituída por
floresta (pinhal e eucaliptal), que ocupam perto de 4.000ha, enquanto todas as outras espécies
florestais, bem como matos, não ultrapassam os 100ha.
No perímetro de incêndio existem dois planos de gestão florestal, ambos no concelho de Mação,
freguesia de Cardigos (apenas com 25ha) e uma zona de intervenção florestal (Aldeia de Eiras),
com uma área total de 1.047ha. A rede viária florestal é essencialmente de 2ª ordem e
desenvolve-se num total de 259,8km, tendo sido identificados pontos críticos de estabilização de
emergência, que resultaram especialmente do cruzamento da rede viária florestal com linhas de
água. Esta avaliação teve em conta uma posterior beneficiação de caminhos em caso destas
infraestruturas se apresentarem colapsadas, ou mesmo, para um melhor dimensionamento dos
dispositivos hidráulicos em situação de elevado escoamento superficial.
As ações de reabilitação planeadas e apresentadas no Relatório de Estabilização de Emergência
do Incêndios de Fundada-Rolã (ICNF 2019) são enquadradas por vários decretos-leis e outra
regulamentação. Destacamos o Decreto-Lei n.º 124/2006, de 28 de junho, que estabelece as
medidas e ações a desenvolver no âmbito do Sistema Nacional de Defesa da Floresta contra
Incêndios (SNDFCI) e define o âmbito da recuperação de áreas ardidas (art.º 3.º, n.º 1, al. ii) e a
obrigatoriedade da incorporação de medidas de recuperação no PNDFCI e no restante
planeamento de DFCI (art.º 8 e art.º 11.º). Estes diplomas legais são ainda complementados pela
Portaria n.º 134/2015, de 18 de maio, que estabelece o regime de aplicação da operação 8.1.4
«Restabelecimento da floresta afetada por agentes bióticos e abióticos ou por acontecimentos
catastróficos», ambas inseridas na ação 8.1 «Silvicultura Sustentável» da Medida 8 «Proteção e
Reabilitação dos Povoamentos Florestais» do Programa de Desenvolvimento Rural 2014-2020
(PDR 2020).
O Relatório de Estabilização de Emergência do Incêndios de Fundada-Rolã foi concluído pelo
ICNF (em estreita cooperação com as autarquias locais e com as organizações de produtores
florestais dos concelhos afetados), tendo sido divulgada a primeira versão sobre a área principal
ardida (Fundada e Rolã) em 12 agosto de 2019, com as respetivas fichas de medidas e
orçamentação, enquanto o Relatório sobre a Estabilização de Emergência do Incêndio de
Marmeleiro foi concluído em 4 de outubro de 2019. Isto é, ambos os Relatórios ficaram
disponíveis no prazo de um mês após as respetivas ocorrências, enquadrando-se nos períodos
previstos para o efeito, o que tem vindo a ser verificado por este Observatório noutras ocorrências
(OTI 2019). Os dois relatórios parcelares constituem agora o mesmo relatório global (ICNF 2019).
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Simultaneamente, nos relatórios foram elaboradas as respetivas fichas de identificação de
necessidades de intervenções de Estabilização de Emergência para posterior apoio no âmbito
do PDR 2020 – Operação 8.1.4. O valor global estimado pelo ICNF foi de 642.631.25€, tendo
em conta que, neste âmbito, se devem enquadrar somente as ações no muito curto prazo, as
quais, teoricamente, deveriam ser efetuadas antes das precipitações invernais mais intensas.
Nesse sentido, as intervenções foram enquadradas nos objetivos principais de i) recuperação de
infraestruturas afetadas, ii) controlo da erosão, tratamento e proteção de encostas, iii) prevenção
da contaminação e assoreamento, controle da erosão fluvial e recuperação de linhas de água e
da vegetação ripícola e iv) minimização da perda de biodiversidade.
Tal como em casos anteriores, o relatório não fornece elementos sobre as metodologias
seguidas na avaliação das necessidades ou da estimativa dos custos nem são indicadas áreas
prioritárias de intervenção.
Para os trabalhos de reabilitação das áreas ardidas neste incêndio e com base nos relatórios do
ICNF foram estabelecidos pelo governo, através do PDR 2020 os já referidos mecanismos para
enquadramento das ações de emergência pós-fogo, nomeadamente o 16º Anúncio da Operação
8.1.4 – Restabelecimento da floresta afetada por agentes bióticos e abióticos ou por
acontecimentos catastróficos – Mação | Sertã | Vila de Rei. De acordo com este Anúncio, foram
abertos dois períodos (1ª e 2ª fases) para a submissão de candidaturas a projetos, o primeiro
para intervenções a realizar nos 4 meses subsequentes à data da aceitação da concessão do
apoio (candidaturas inicialmente abertas entre 11 de outubro e 29 de novembro de 2019, prazo
limite posteriormente prorrogado até 20 de dezembro de 2019) e o segundo para intervenções a
realizar nos 18 meses subsequentes à data da aceitação da concessão do apoio (candidaturas
abertas entre 2 de dezembro de 2019 e 31 de janeiro de 2020, período prorrogado para 23 de
dezembro de 2019 a 21 de fevereiro de 2020).
Os apoios constantes desta medida, de acordo com o respetivo Anúncio, têm como objetivo a
“estabilização de emergência com vista ao restabelecimento do potencial florestal e
infraestruturas de proteção danificados por agentes bióticos”. Na 1ª fase, as intervenções dizem
respeito a: a) recuperação de infraestruturas afetadas (rede primária e secundária de faixas de
gestão de combustível, pontos de água, sinalização), b) controlo de erosão, tratamento e
proteção de encostas (resíduos e barreiras de resíduos e troncos, mantas orgânica ou
geotêxteis), c) prevenção da contaminação e assoreamento e recuperação de linhas de água
(regularização do regime hidrológico, obras de correção torrencial) e d) diminuição de perdas de
diversidade (abrigos e comedouros para a fauna selvagem). Estas intervenções correspondem
às áreas de avaliação do relatório do ICNF anteriormente referido. As intervenções a apoiar na
2ª fase incluem apoios a: a) recuperação de infraestruturas afetadas (rede viária), b) prevenção
da contaminação e assoreamento e recuperação de linhas de água (instalação de vegetação
ripícola) e c) diminuição de perdas de diversidade (controlo de espécies invasoras lenhosas).
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O montante disponível para as duas fases da é de 3.650.000€, dos quais 2.700.000€ são
destinados a projetos da 1ª fase, valor substancialmente inferior aos 6.461.905€ orçamentados
no relatório do INCF já referido.
5.2 O apoio às ações de reabilitação e planeamento da recuperação a
longo prazo
Não são conhecidas medidas ou ações de reabilitação ou de recuperação a longo prazo previstas
para a área afetada pelo incêndio.
5.3 Do planeamento à concretização das ações de recuperação
Em virtude de os prazos de submissão de candidaturas para a 1ª fase terem terminado apenas
no final de dezembro de 2019, não existe ainda nesta altura informação dos projetos a serem
implementados e as datas de execução dos mesmos. Tal como verificado em Monchique em
2018 (OTI 2019), não deverá ser observada uma resposta rápida e atempada do sistema em
relação à operacionalização das medidas de emergência definidas no relatório do ICNF. Tudo
indica assim que vão ser ultrapassados os primeiros 5 meses após os incêndios de Mação-Vila
de Rei sem qualquer implementação de medidas de emergência nos locais afetados. Tal é
particularmente grave dado o período pós-incêndio ter sido caracterizado por elevada
precipitação com ocorrência de valores extremos, como se verificou em dezembro (depressão
Elsa e Fabien).
É também grave pela suscetibilidade que a área apresenta a agentes de erosão. A observação
das Figuras 24 e 25 permite observar que são especialmente vulneráveis à perda de solo as
áreas pertencentes à freguesia de Fundada, inseridas no Concelho de Vila de Rei, bem como as
áreas ardidas pertencentes à freguesia de S. João do Peso, no setor Norte das imagens, o qual
se situa em grande parte ao longo do trecho inferior da ribeira de Isna e respetivos tributários
(esta linha de água é um afluente do Rio Zêzere), área que se insere já na zona de influência da
albufeira de Castelo do Bode.
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Figura 24. Análise da severidade do fogo nas áreas ardidas no incêndio de Fundada. Elaboração Observatório.
Realça-se a particular intensidade observada no concelho de Vila de Rei. O extremo sudeste da área ardida
confina com o incêndio ocorrido em 2017.
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Fig. 25. Carta de declives das áreas ardidas nos incêndios de Mação-Vila de Rei de 2019. Elaboração OTI. Nota-
se a declividade muito acentuada, superior a 20%, ao longo do trecho final da Ribeira de Isna no setor Norte da
área ardida.
Esta área, lavrada pelo incêndio e ilustrada pela Figura 26, deve ser considerada prioritária em
termos de 1ª intervenção, em resultado da elevada declividade e, paralelamente, da severidade
do fogo, constatando-se que a perda de solo é já intensa, poucos meses após a ocorrência, bem
como o fenómeno de agradação das linhas de água (preenchimento por sedimentos finos).
Embora a densa vegetação ripária de amieiros não tivesse sido afetada na linha de água
principal, o mesmo não aconteceu em numerosos afluentes, sujeitos pois à erosão fluvial.
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Figura 26. Setor Norte da área ardida, especialmente de eucaliptal, entre Cumeada e Fundada, nas vertentes da
Ribeira de Isna, notando-se os pronunciados declives e o início da erosão laminar e por sulcos ao longo de zonas
temporárias de fluxo de água. De notar na imagem em baixo da direita a degradação nítida de caminhos florestais
secundários.
Por sua vez, o setor mais a sudeste da área ardida, ao longo da ribeira de Bostelim, apresenta-
se topograficamente menos acidentado (ver Figura 27) e é potencialmente menos vulnerável à
perda de solo (exceto na zona de Roda-Mesão Frio com vertentes mais inclinadas e onde a
intensidade do fogo foi superior).
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Figura 27. Setor de Cardigos, ao longo da bacia hidrográfica da ribeira de Bostelim, de topografia menos
acidentada, onde os povoamentos mais afetados foram os de pinheiro bravo, muitos deles provenientes de
regeneração depois de incêndios anteriores.
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6 As lições aprendidas
Muitas das sugestões e recomendações que poderiam ser aqui indicadas como lições
aprendidas neste incêndio são de carácter global e já referidas em relatórios anteriores e não
serão por isso aqui repetidas. Estão neste caso as questões do ordenamento do território, aspeto
essencial para a solução do problema e que já foi amplamente discutido em relatórios anteriores.
Uma percentagem tão grande de território ocupado por espécies tão inflamáveis como o pinheiro
bravo e o eucalipto, ou por mato, são sempre preocupantes do ponto de vista dos incêndios
florestais, mas a abordagem destas questões, embora essenciais para o caso em análise, não
serão neste estudo referidas por não serem particularmente diferentes neste incêndio.
Para além das indicações e sugestões efetuadas ao longo do relatório no que tem a ver com
outras questões associadas à prevenção e planeamento, destacaremos de seguida algumas
lições aprendidas no âmbito do combate, da segurança das pessoas e na recuperação pós-fogo.
6.1 No combate
No que respeita ao ataque inicial, a mobilização rápida de um segundo meio aéreo de ATI revela-
se determinante para que os meios aéreos concorram para limitar a progressão do incêndio até
à chegada dos meios terrestres, pelo que se recomenda a aplicação do instituído que tem sido
utilizado com sucesso.
No que se refere ao planeamento para o empenhamento de meios aéreos pesados, cuja gestão
pertence ao Comando Nacional, deverá procurar garantir-se em permanência a possibilidade de
empenhar meios aéreos pesados nos incêndios de maior dimensão que exigem uma resposta
diferenciada dos demais.
Quanto ao posto de comando operacional (PCO) considera-se que os seus elementos devam
sempre possuir formação bastante sólida e especializada, treino correspondente e capacidade
de discernimento para a tomada de decisão em momentos de grande pressão. Atendendo às
recentes alterações do SGO e da estratégia de comandamento da operação em análise (com
três postos de Comando, um para cada uma das duas frentes estabelecidas, e um Posto de
Comando Diretor), considera-se necessário que entre os elementos que desempenharam
funções estratégicas no Comando deste incêndio seja feita uma avaliação do funcionamento do
PCO diretor e a articulação com os demais PCO de Frente, de forma a poderem ser corrigidos
alguns procedimentos e relevadas as mais valias verificadas que tenham concorrido para a
resolução desta ocorrência.
O Observatório não pode deixar de chamar a atenção para os problemas de diferente abordagem
entre concelhos ou distritos vizinhos, Essa diferença foi constatada na elaboração dos mapas de
perigosidade, na adoção de medidas de prevenção e também na área do combate. Não é
aceitável que possam ocorrer falhas na transmissão da informação e da estratégia quando o
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incêndio percorre territórios diferentes por serem utilizados sistemas diferentes. O Observatório
recomenda fortemente que a ANEPC assegure que haja apenas um sistema único a operar a
nível nacional que poderá, e deverá incorporar todos os bons desenvolvimentos de sistemas
produzidos a outros níveis, como o “MacFire”.
Finalmente, recomenda-se uma atenção especial à intervenção no período noturno, em que as
condições meteorológicas em geral, e neste caso particular, oferecem janelas de oportunidade
que não se podem perder. A utilização de máquinas de rastos parece ter sido a adequada, mas
a utilização profissional e adequada do fogo de supressão, em particular em período noturno,
deverá ser potenciada quando estrategicamente recomendada (NAD-AIR) e aplicada por grupos
devidamente formados e capacitados para o efeito (GAUF, FEPC e GIPS/UEPS).
6.2 Na Segurança das populações
Tendo em conta a extensão e violência deste incêndio, é de realçar que não tenha havido perdas
humanas a lamentar. Nos dois concelhos – embora de forma diferenciada – houve trabalho
prévio de preparação do território e das comunidades para enfrentar incêndios de grande
dimensão. De uma forma geral, as pessoas estão familiarizadas com a presença do fogo no seu
território e contam com uma rede de prevenção adequada em muitos lugares, com gestão de
combustível na envolvente urbano-florestal e com a dotação de kits de primeira intervenção. Os
elementos dos Corpos de Bombeiros referiram que graças ao trabalho de prevenção ao longo
da rede de estradas puderam circular e prestar socorro às populações, de uma forma
generalizada.
Embora muitos lugares tenham ficado sem socorro exterior, as populações optaram, em geral,
por permanecer e defender os seus bens. Não tivemos notícia de fugas ou retiradas á última
hora. Mesmo em lares de pessoas idosas se adotou esta atitude e, salvo num caso, não houve
qualquer acidente grave a registar.
6.3 Na recuperação pós-fogo
No estudo técnico realizado pelo Observatório e dirigido especificamente a intervenções de
emergência (OTI 2019b) foi recomendada a sistematização de procedimentos que devem ter
lugar quer nas encostas, nas linhas de água e onde se verifiquem fluxos de escoamento,
nomeadamente sequenciando as seguintes etapas: a) avaliação preliminar, com estimativa das
áreas potencialmente mais vulneráveis; b) análise da severidade do incêndio na vegetação e
solo e cartografia das zonas prioritárias para intervenção; c) avaliação de campo e a validação
do risco hidrológico e erosivo, bem como dos danos relativos ao património afetado; e)
finalmente, a partir dos dados recolhidos, deve ser estabelecida a proposta de atuação com a
definição concreta dos trabalhos a efetuar em cada zona.
O Observatório aconselha ainda que, posteriormente à execução dos trabalhos, os mesmos
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sejam acompanhados pela necessária monitorização, de modo a detetar a eficácia das medidas
e possível reorientação das medidas em função dos desvios verificados.
Por outro lado, o Observatório, em Relatório anterior (OTI 2018), tinha já alertado para a
necessidade de no pós-fogo se proceder ao rápido levantamento dos prejuízos, seguido, de
modo igualmente célere, pelas atividades de estabilização de emergência, com a criação de um
processo, ou entidade, ágil na articulação entre o ICNF e as Câmaras Municipais e Juntas de
Freguesia, que permita uma rápida intervenção e o acesso em tempo útil a fundos disponíveis,
como os disponíveis através do PDR 2020 (Operação 8.1.4). Neste caso o ICNF cumpriu as
primeiras etapas do processo num prazo relativamente curto, tendo elaborado a cartografia
conveniente relativamente à vulnerabilidade e severidade do fogo incluindo as fichas de
identificação de necessidades de intervenção de estabilização de emergência pós-incêndio com
os respetivos valores unitários dos tipos de intervenção. Não obstante, estão por realizar as fases
seguintes que concernem à cartografia mais específica das zonas prioritárias para intervenção
com a correspondente avaliação de campo e validação dos riscos hidrológicos e erosivos, as
quais devem obedecer a uma escala mais detalhada, bem como o levantamento das
infraestruturas afetadas, de modo a poderem ser elaborados os projetos de execução para
intervenção no âmbito do PDR 2020.
6.4 O processo de aprendizagem pós-fogo
O Observatório recomenda que seja instituído, ao nível das diversas instituições envolvidas,
procedimentos sistemáticos de reflexão e aprendizagem com as lições que podem ser retiradas
da avaliação que façam dos pontos fortes e fracos da sua intervenção neste tipo de eventos.
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Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) em estreita colaboração com a Autoridade
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